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Page 1: Capital Social, Confiança e Solidariedade na Comunidade da ... · Capital Social, Confiança e Solidariedade na Comunidade da Costa da Lagoa Autoria: Mauricio Custódio Serafim,

Capital Social, Confiança e Solidariedade na Comunidade da Costa da Lagoa

Autoria: Mauricio Custódio Serafim, Luciana Francisco de Abreu Ronconi, Emiliana Debetir, Eduardo Janicsek Jara, Paula Cristiane Gianini Reis, Bruna Monteiro Maurício

O presente artigo pretende discutir de que maneira a dimensão confiança e solidariedade se manifesta na comunidade da Costa da Lagoa, Florianópolis-SC. Essa dimensão identifica a manifestação de confiança e solidariedade entre os indivíduos e a confiança que depositam em desconhecidos e nas instituições. A pesquisa apontou que a solidariedade está significativamente presente e manifesta-se de diferentes maneiras entre pessoas conhecidas ou não. A construção de laços de confiança parece depender do conhecimento e da proximidade que as pessoas estabelecem entre si, da proximidade que os moradores estabelecem com as instituições e do desempenho institucional.

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1 Introdução Este artigo pretende analisar uma das seis dimensões presente no modelo elaborado pelo

Banco Mundial (GROOTAERT et al., 2003) para mensurar os estoques de capital social de diferentes comunidades. O conjunto das categorias é constituído pelas dimensões: grupos e redes; confiança e solidariedade; ação coletiva e cooperação; informação e comunicação; coesão e inclusão social e autoridade ou capacitação (empowerment) e ação política. A pesquisa foi realizada tendo como lócus a comunidade da Costa da Lagoa, situada na cidade de Florianópolis – SC, com enfoque na dimensão “confiança e solidariedade” que, juntamente com as demais dimensões, faz parte do projeto de pesquisa desenvolvido no período de agosto de 2010 à julho de 2011.

Parte-se da premissa de que o conceito de capital social é fundamental para se compreender o desenvolvimento de comunidades, ao expressar a capacidade que elas têm de promover a produção de bens coletivos e o bem comum a partir do estabelecimento de laços de confiança e redes de cooperação. Nesse sentido, como bem expressa Franco (2001), o termo capital social se refere à capacidade das pessoas de constituir uma comunidade. Essa capacidade pressupõe interações sociais que promovem o reconhecimento mútuo, a confiança, a reciprocidade e a solidariedade. Não se trata de virtudes pessoais, mas de virtudes sociais que se estabelecem a partir de laços horizontais de interdependência entre os indivíduos de uma dada comunidade. O capital social é a capacidade das pessoas, de subordinar interesses individuais aos interesses coletivos, de trabalharem juntas visando benefícios mútuos e de compartilhar valores e normas. Assim, acredita-se que a partir da ampliação social da cooperação podem se constituir comunidades que dêem continuidade aos processos de consolidação da democracia (FRANCO, 2001).

Tendo por base a teoria de capital social, a dimensão confiança e solidariedade e os dados coletados na comunidade, o artigo busca investigar se a Costa da Lagoa preserva e/ou constrói laços de confiança e solidariedade. Para tanto, o artigo está estruturado da seguinte forma. Na primeira parte se abordará a visão do contexto histórico, social e econômico da Costa da Lagoa. Na segunda parte será apresentada uma breve discussão sobre o conceito de capital social, confiança e solidariedade, bem como o questionário proposto pelo Banco Mundial. Na terceira parte serão analisados os dados obtidos na dimensão “confiança e solidariedade”. Na parte final conclui-se que embora a confiança e solidariedade estejam postas na mesma dimensão observou-se que podem ser vistas como categorias distintas, visto que mesmo não tendo apresentado alto índices de confiança, a comunidade tem preservado significativamente laços de solidariedade. 2 Um olhar sobre a Costa da Lagoa

A comunidade da Costa da Lagoa, localizada em Florianópolis, teve sua colonização iniciada com a vinda de imigrantes da Ilha dos Açores para a região no final do século XVIII. A comunidade está às margens da Lagoa da Conceição. Isolada por terra devido à inexistência de estradas ligando-a aos outros pontos da cidade, as formas de acesso à localidade são apenas por uma longa trilha em meio a Mata Atlântica ou por meio de embarcações.

A travessia da Lagoa da Conceição até a Costa da Lagoa, percurso de aproximadamente 20 minutos, ocorre por intermédio de duas cooperativas de barcos existentes na Comunidade. As cooperativas responsáveis pelo transporte lacustre - Cooperbarco e Coopercosta - são constituídas por 27 e 43 cooperados, respectivamente. Todos são moradores da localidade. As cooperativas são totalmente independentes não possuindo vínculos entre si; em comum apenas o apoio da

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Prefeitura de Florianópolis na manutenção das pequenas estruturas físicas – pontos de parada e locais de embarque e desembarque dos passageiros. A administração das cooperativas é de responsabilidade dos cooperados representados por uma diretoria que é eleita para mandatos de dois anos (presidente, vice-presidente e tesoureiro) não sendo permitida a candidatura à reeleição salvo em casos de reivindicação da grande maioria dos cooperados. As decisões relacionadas ao andamento das cooperativas são tomadas sob o consentimento dos cooperados em assembléias, geralmente por votação.

As cooperativas não possuem estrutura física para a realização de suas reuniões, tampouco estaleiros ou espaço reservado a reparos dos barcos. Assim, as reuniões acontecem no Centro Comunitário existente na própria comunidade e a manutenção das embarcações cabe aos próprios barqueiros cooperados.

A necessidade de transporte para os moradores e a busca por melhoria na renda familiar foram as principais justificativas para o surgimento das cooperativas. Porém, com a inserção da comunidade na rota turística de Florianópolis, as atividades relacionadas ao turismo passaram a ser bastante exploradas pelos moradores da Costa da Lagoa, garantindo a permanência das famílias na localidade.

Atualmente, existem na Costa da Lagoa 16 restaurantes, sendo as famílias, em sua maioria, responsáveis pela administração e funcionamento dos estabelecimentos. Essas atividades vão desde a captura dos peixes e frutos do mar até a preparação dos pratos que serão servidos aos turistas. A introdução dos restaurantes na Costa da Lagoa parece influenciar na possibilidade de permanência dos filhos costenses na comunidade, uma vez que eles se envolvem na gestão dos empreendimentos.

A população da Costa da Lagoa encontra-se distribuída em terrenos às margens da Lagoa da Conceição que vão até aos terrenos íngremes que dão início aos morros, totalizando um território de aproximadamente 9,77 km² de extensão, formado por cinco vilas principais, a saber: Vila Verde, Praia Seca, Baixada, Centrinho e Praia do Sul. Para se localizar as residências, visto que a Comunidade não conta com os serviços dos correios, utilizam-se os números dos pontos de barcos nas proximidades das residências. Ao longo da Costa da Lagoa existem 19 pontos de barcos, distribuídos nas quatro microrregiões1.

Na microrregião 1 está localizada a Vila Praia do Sul, que possui 6 pontos de barcos que vão do número 18 ao 23. Há 41 residências e uma população de 127 pessoas, sendo considerada a menor das quatro microrregiões e também é a região mais afastada. Na microrregião 2 situa-se o chamado Centrinho da Costa, conhecido também como Freguesia. É nessa microrregião que está grande parte dos restaurantes, além do Posto de Saúde, da Escola Municipal, do Salão da Igreja e de duas Igrejas (Católica e Evangélica), e onde reside a maior parte da população costense: 231 habitantes distribuídos em 82 residências.

Nas Vilas Praia Seca e Baixada, ou microrregião 3, estão localizados os pontos 13 e 14. Nessas vilas moram 187 pessoas, quase todas da mesma família, distribuídas em 63 residências. Na microrregião 4, Vila Verde, estão localizados os pontos de barcos de número 4 ao 12. Nesta vila, a maioria dos residentes não é nativa: são provenientes de outras regiões e conhecidos pelos nativos como “os de fora” ou estrangeiros. Sua população é de 179 habitantes e existem 81 moradias que se encontram relativamente isoladas devido ao difícil acesso às mesmas.

Ao todo a população da Costa é formada por 731 habitantes2. Tais dados foram obtidos no Posto de Saúde da localidade que mantêm as informações sobre os moradores permanentemente atualizadas. Diante das dificuldades encontradas para obter as informações exatas e atualizadas sobre a população, o projeto de pesquisa optou em utilizar esses dados, já que os moradores possuem contato frequente com as agentes de saúde que os visitam regularmente em suas

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residências. As informações sobre a população costense foram também levantadas em outras instituições como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo o Censo de 2000, a população da Costa da Lagoa era de 655 habitantes. No entanto, devido ao longo espaço de tempo que estes foram coletados, preferiu-se considerar, para efeito dessa pesquisa, os dados obtidos no Posto de Saúde da Costa da Lagoa.

Os moradores da Costa da Lagoa se organizam por dois importantes fatores: por famílias e/ou por vilas (CARUSO, 2010). Geralmente, as famílias domiciliam em um mesmo terreno, sendo os pais ou os mais idosos localizados no centro do terreno. Em seguida, estão dispostos os filhos e, mais distantes, ao redor da “casa central”, estão os netos. As famílias podem ser visualizadas através dos aglomerados de residências, sendo que esses aglomerados constituem as vilas. Nas cinco principais vilas, descritas anteriormente, estão presentes 16 grandes famílias.

A tradição e os costumes açorianos ainda estão presentes na Comunidade, podendo ser observados por meio de diferentes comemorações: a Festa da Nossa Senhora dos Navegantes, a Festa da Cruz e a Festa do Engenho. Observa-se, ainda, a preservação de antigas construções, que atualmente estão asseguradas por meio do Decreto nº 247, de 06/11/1986 que determinou o tombamento da região como patrimônio histórico e cultural de Florianópolis.

Deste modo, a partir da breve descrição da comunidade da Costa da Lagoa, discutiremos os conceitos de capital social, confiança e solidariedade.

3 O conceito de capital social

O conceito de capital social ganhou destaque na literatura acadêmica a partir da década de 1990, com a publicação da obra “Comunidade e Democracia: a experiência da Itália moderna” escrita por Robert D. Putnam, em 1993. Na obra o autor estudou o desempenho das instituições políticas na Itália utilizando como um dos indicadores a performance institucional. Ele compara o desempenho econômico e institucional de regiões italianas posteriores ao processo de descentralização administrativa. Após a descentralização, a Itália se dividiu em 20 regiões administrativas autônomas, porém, os resultados alcançados entre elas foram bastante diferentes.

Assim, a teoria desenvolvida por Putnam (1993) busca explicar quais aspectos foram responsáveis pelas diferenças no desenvolvimento das regiões. Segundo o autor, há um conjunto de variáveis justificáveis para esclarecer os resultados encontrados. As principais variáveis, por ele destacadas, são: o contexto cívico, boas sociedades ajudam a produzir boas instituições e a cultura cívica, uma sociedade mais comprometida com o bem público, mais cooperativa e mais confiante nos seus pares. Analisando a realidade italiana o autor constatou que a região Norte possuía uma cultura cívica mais desenvolvida, havia mais confiança entre a população, maior participação social e maior capacidade de associativismo, enquanto que a região Sul era mais individualista, hierárquica, clientelística, desconfiada e faltava mais cooperação entre a população, dificultando assim o seu desenvolvimento no período posterior a descentralização da Itália. Putnam (1993) observa ainda que o contexto social e a história condicionam profundamente o desempenho das instituições. Pondera que as pessoas que se unem em associações têm maior consciência política, confiança social e participação política. Assim, quanto maior a participação em associações maior a cultura cívica e conseqüentemente mais eficaz será o governo. Na sua análise ele recorre ao conceito de capital social, definindo-o como “[...] características da organização social, como confiança, normas e sistemas, que contribuam para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as ações coordenadas” (PUTNAM, 1993, p. 177).

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O autor conclui o trabalho afirmando que, “o contexto social e a história condicionam profundamente o desempenho das instituições”, ou seja, a produção e ampliação de capital social ocorrem de acordo com as experiências anteriores da sociedade. Numa comunidade cívica, que se forma graças à herança histórico-cultural, “os estoques de capital social como confiança, normas e sistemas de participação tendem a ser cumulativos e a reforçar-se mutuamente. Os círculos virtuosos redundam em equilíbrios sociais com elevados níveis de cooperação, confiança, reciprocidade, civismo e bem-estar coletivo” (PUTNAM, 1993, p. 186).

De acordo com Grootaert et al. (2003) capital social é a capacidade de estabelecer laços de confiança interpessoal e redes de cooperação com vistas à produção de bens coletivos, coerente com a afirmação de Putnam (1993, p. 23) de que “quanto mais relações horizontais – em rede – se formarem entre pessoas e grupos de uma coletividade e quanto mais democráticos forem os processos políticos praticados nessa coletividade, mais forte será a comunidade, enquanto entidade socialmente “viva”, e maior será o nível do seu capital social”.

Putnam (1993) enfatiza que o conceito de capital social pode ser definido por três fatores inter-relacionados: confiança, normas e cadeias de reciprocidade e sistemas de participação cívica. A confiança é o “componente básico do capital social”, enquanto que as normas regulam o cumprimento das regras pré-estabelecidas presentes em um “contrato moral”, as cadeias de reciprocidades são deveres de retribuir favores recebidos. Já a participação cívica é o envolvimento em associações, cooperativas, clubes, grupos de lazer, sindicatos entre outros, existindo sempre a horizontalidade entre os participantes. “Os estoques de capital social, como confiança, normas e sistemas de participação, tendem a ser cumulativos e a reforçar-se mutuamente” (PUTNAM, 1993, p. 186).

A visão mais difundida sobre o conceito de capital social foi disseminada por Putnam, entretanto é relevante recuperar como o conceito de capital social é definido por outros autores, sobretudo em contextos sociais e históricos diferentes. James Coleman, na década de 1980, afirmou haver três formas de capital social. A primeira se relaciona no âmbito confiança atrelado ao nível de extensão das obrigações existentes na comunidade, nas quais o maior nível de capital social ocorre onde as pessoas confiam mais umas nas outras pela aceitação e cumprimento mútuo de obrigações; a segunda forma enfatiza a existência de canais de interação em função de um maior fluxo e troca de informações e idéias; e na terceira forma as normas e sanções encorajam os indivíduos a trabalhar por um bem comum, relativizando seus interesses próprios e imediatistas (COLEMAN, 1988). Coleman assim como Putnam busca mensurar o estoque de capital social em localidades distintas como forma de investigar que o desenvolvimento decorre da existência de confiança entre os membros e da participação dos indivíduos em questões coletivas. Estes autores em seus estudos consideram ainda as características histórico-culturais de cada comunidade, sendo estas apontadas também como responsáveis pelos resultados encontrados.

Anterior à teoria de Putnam (1993) e Coleman (1988), Pierre Bourdieu, no início da década de 80, estuda as relações existentes nas classes sociais no contexto francês. O autor extrapola o conceito de capital social inserindo em seu estudo os conceitos de capital cultural (simbólico), econômico e religioso como forma de explicar as relações de poder entre os indivíduos e classes sociais (BOURDIEU, 2007). Para o autor,

“capital social é o conjunto de recursos atuais ou potenciais que estão ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de interconhecimento e de inter-reconhecimento, ou seja, o conceito consiste em um conjunto de recursos individuais que possibilita a formação de redes de ajuda

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mútua que quando há mobilização dessa os indivíduos ou as classes envolvidas são beneficiadas ou podem cooperar com benefícios alheios aos seus (BOURDIEU, 2002, p. 67).

Alguns anos mais tarde, o cientista político Francis Fukuyama faz estudo comparativo

envolvendo diversos países, considerados como diferentes culturas e aspectos econômicos, buscando investigar os níveis de capital social e confiança. O autor caracteriza o capital social como a “capacidade que decorre da prevalência de confiança numa sociedade ou em certas partes dessa sociedade. Pode estar incorporada no menor e mais fundamental grupo social, a família, assim como no maior de todos os grupos, a nação” (FUKUYAMA, 1996, p. 41). Dessa forma, o conceito de capital social pode ser entendido como a capacidade de associação dos indivíduos para a prossecução de causas comuns. Essa capacidade está associada ao grau de normas e valores que a comunidade compartilha e à disposição de subordinar interesses individuais aos da comunidade, ou seja, depende basicamente do grau de confiança existente entre os indivíduos. Com isso, a necessidade de confiar é tão relevante quanto a satisfação de ser igualmente confiável; do contrário, não haverá cooperação entre os indivíduos (FUKUYAMA, 1996).

Portanto, a confiança é a base para o capital social (PUTNAM, 1993; FUKUYAMA, 1996). Para Fukuyama a “confiança é a expectativa que nasce no seio de uma comunidade de comportamento estável, honesto e cooperativo, baseado em normas compartilhadas pelos membros dessa comunidade”, ou seja, refere-se à expectativa de reciprocidade que os indivíduos de uma comunidade, fundamentada em normas e valores partilhados, têm acerca do comportamento dos outros (FUKUYAMA, 1996, p. 41). Tais definições colocam a confiança e cooperação como elementos importantes para o capital social.

Retomando a teoria de Putnam, a confiança lubrifica a vida social e produz na sociedade resultados econômicos satisfatórios. A confiança é constituída a partir do conhecimento mútuo entre os indivíduos e de uma forte tradição de ação de cooperação dentro da comunidade. Contudo, um elevado grau de confiança é, para o autor, a base consistente para a construção do capital social. Assim, a teoria de capital social está pautada nos aspectos relacionados à confiança mútua, solidariedade, participação cívica e regras de reciprocidade. Sob a perspectiva da produção do bem público, o estoque de capital social pode ser mensurado através da presença de organizações civis, do envolvimento e da participação ativa nos processos decisórios, do grau de confiança entre os moradores da comunidade e da existência de redes horizontais (PUTNAM, 1993).

O autor José Álvaro Moisés descreve a confiança como “a crença das pessoas na ação futura dos outros”, no entanto, esta confiança não assegura a certeza de resultados (MOISÉS, 2010, p. 9). Ao tratar da confiança em relação às instituições públicas, o autor afirma que a confiança nas instituições traduz a expectativa que os cidadãos depositam no cumprimento de suas finalidades, portanto, essa confiança esta relacionada aos bons resultados almejados pelos cidadãos (MOISÉS, 2010, p. 12-13). A falta de confiança nas instituições é apontada como a geradora de descomprometimento e ausência de cooperação com a vida pública.

Finalmente, na literatura consultada observa-se que não há um consenso sobre a definição de capital social, contudo há convergência quanto a sua importância como fator influente nas diversas sociedades locais, pela sua conjuntura formada por fatores como cooperação e ajuda mútua proporcionar uma coordenação de esforços coletivos rumo à obtenção de um objetivo comum fundamentada em relações sociais (SILVA; CANDIDO, 2009).

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3.1 As dimensões do conceito de capital social As dimensões consideradas neste artigo são provenientes do material publicado pelo ‘Grupo Temático sobre Capital Social’ do Banco Mundial (GROOTAERT et al., 2003) e que contém o Questionário Integrado para Medir Capital Social (QI-MCS). O QI-MCS foi elaborado através de um conjunto de pesquisas desenvolvidas pelos autores sobre o conceito de capital social em diferentes países3. O objetivo do instrumento consiste em proporcionar aos pesquisadores de diversas áreas um conjunto de dados quantitativos sobre a proposição de seis dimensões do conceito, permitindo avaliar a intensidade do capital social em determinada comunidade e desenvolver estratégias mais eficazes no combate à pobreza (GROOTAERT et al., 2003, p. 3). O instrumento de survey busca expressar as dimensões “estrutural e cognitiva” do capital social, os principais meios que o conceito opera e as suas principais áreas de aplicação e resultados (GROOTAERT et al., 2003, p. 15). Para tanto, o “estoque” de capital social pode ser mensurado por meio de seis dimensões (GROOTAERT et al., 2003, p. 8) a seguir:

1. Grupos e redes formam a categoria fortemente associada ao capital social. Nesta categoria é considerada a diversidade associativa da comunidade, a forma de escolha das lideranças e as mudanças no envolvimento do indivíduo com a comunidade ao longo do tempo.

2. Confiança e solidariedade é a categoria que identifica a manifestação de confiança e solidariedade entre os indivíduos da comunidade e também a confiança que estes indivíduos depositam em pessoas desconhecidas e nas instituições.

3. Ação coletiva e cooperação são identificadas as formas em que o indivíduo tem trabalhado com outros membros da comunidade em situações diversas.

4. Informação e comunicação é a categoria que busca conhecer os meios de comunicação onde se recebem informações de serviços públicos e condições de mercado.

5. Coesão e inclusão social compõem a categoria que identifica a natureza e o tamanho das divergências manifestadas na comunidade, além dos mecanismos de gerenciamento e resolução destas.

6. Autoridade ou capacitação (empowerment) e ação política verifica a capacidade do indivíduo em influenciar nas decisões no âmbito político, institucional e comunitário. O conceito de capital social, suas dimensões e a metodologia desenvolvida por Grootaert et al. (2003) foram incorporadas ao estudo realizado na Costa da Lagoa, sobretudo, devido à proximidade entre o objetivo do QI-MCS e a proposta do projeto de pesquisa. No entanto, conforme orientado no survey, foram necessárias algumas adaptações para melhor adequá-lo à realidade da comunidade pesquisada.

Neste artigo se pretende analisar somente a dimensão ‘confiança e solidariedade’. As principais questões abordadas nessa dimensão são: a) a confiança que os entrevistados têm em relação às pessoas e instituições presentes na comunidade; b) a confiança em relação às pessoas nascidas fora da comunidade e instituições existentes fora da comunidade (funcionários da câmara de vereadores, prefeitura, governo do Estado); c) a disposição e a frequência com que os moradores ajudam uns aos outros; e d) a disposição do entrevistado em ajudar nos projetos e ações de benefício comum à localidade, mesmo em casos que não haja benefício direto aos entrevistados.

4 Procedimentos metodológicos

Para concretizar a pesquisa empírica, adotou-se uma sequência de procedimentos abrangendo: pesquisa bibliográfica, mapeamento da comunidade, análise documental, definição

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da amostra, levantamento tipo survey (voltado à pesquisa de valores culturais e comportamentos), tabulação e análise dos dados.

As residências que iriam compor a amostra das entrevistas foram determinadas através da construção de uma amostragem aleatória estratificada proporcional. De cada estrato foram retiradas amostras proporcionais à população total contida em cada um por meio de técnica aleatória (MARCONI; LAKATOS, 2010). Cada microrregião da comunidade foi utilizada como estrato da população. Definida a proporção de cada estrato na amostra, utilizou-se o software SPSS17 para realizar o sorteio aleatório das residências participantes em cada microrregião. Conforme observado no Tabela 1, as entrevistas foram realizadas em 73 residências localizadas nas microrregiões 1 e 2, que determina a pesquisa uma margem de erro de aproximadamente 7,3% com 95% de confiança (nível de significância de 5%). Tabela 1: Número de residências cadastradas por microrregião e tamanho da amostra proporcional estratificada

Microrregião Número de residências f% Tamanho da amostra (confiança 95%, erro 7%)

1 41 33% 24 2 82 67% 49

Total 123 100,0% 73

Na pesquisa de campo foram necessários, em média, 50 minutos para realizar cada

entrevista sendo o questionário formado por 70 questões, tendo por base as seis dimensões do conceito de capital social. Os resultados e a análise da dimensão confiança e solidariedade encontram-se descritos a seguir. Antes, porém, cabe apresentar o perfil dos moradores que participaram das entrevistas. 4.1 Perfil dos entrevistados

As questões iniciais do levantamento survey tiveram o objetivo de identificar o perfil da amostra pesquisada. De forma espontânea e não identificada, foram feitas perguntas sobre: idade, sexo, grau de escolaridade, naturalidade e tempo de residência na comunidade, e também se os pais, avós e bisavôs dos entrevistados residiram na Costa da Lagoa.

Os dados da pesquisa demonstram que a maioria dos moradores entrevistados é formada por nativos (78,1%), ou seja, nascidos na comunidade. As pessoas nascidas fora da Costa da Lagoa são caracterizadas pelos nativos como “estrangeiros” (21,9%). A maioria dos pesquisados que não nasceram na localidade e residem há pelo menos uma década somam-se 49,98%, os “estrangeiros” que estão na Costa da Lagoa há pelos menos duas décadas totalizam 33,33% e uma pequena parte (16,66%) dos pesquisados residem na comunidade entre 12 ou 15 anos.

Percebe-se que o vínculo com a comunidade perpassa gerações. A maioria dos entrevistados informou que seus pais (81,9%), avós (79,2%) e bisavós (77,8%) já moravam na Costa da Lagoa. Antigamente, as residências costumavam estar organizadas ao redor da “casa central”, geralmente, dos pais ou os mais idosos da família, em seguida estavam dispostos os filhos e, mais distantes, os netos (CARUSO, 2010). Essa característica de organização familiar pode ser ainda observada na comunidade, pois 70% dos entrevistados residem no mesmo terreno que seus familiares.

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As residências que compuseram a amostra da pesquisa são, geralmente, habitadas por 2 a 4 pessoas (75,2%), somente 13,7% das moradias são constituídas por 5 ou 6 pessoas e 11,0% por apenas uma pessoa. Nas residências pesquisadas, há em média 3 moradores por unidade habitacional.

Quanto à idade, a maior parte dos entrevistados está concentrada na faixa etária entre 31 a 60 anos. Na sequência, observa-se cada uma das faixas etárias com o seu percentual; menores que 21 anos (3%); 21 a 30 anos (15%); 31 a 40 anos (19%); 41 a 50 anos (25%); 51 a 60 anos (19,0%); 61 a 70 anos (12%) e entrevistados com 71 anos ou mais (7%).

No que se refere ao grau de escolaridade dos entrevistados, pode-se observar que em relação às sete opções apresentadas – nunca frequentou a escola, ensino fundamental incompleto, ensino fundamental completo, ensino médio incompleto, ensino médio completo, ensino superior incompleto, ensino superior completo – 6,8% dos entrevistados cursaram o ensino superior, 5,5% não concluiu o ensino superior, 21,9% afirmaram ter concluido o ensino médio, 8,2% possui ensino médio incompleto, 11% dos entrevistados afirmaram ter concluído o ensino fundamental, 38,4% não terminou o ensino fundamental e 6,8% disseram que nunca frequentaram a escola. 5 A dimensão confiança e solidariedade na Costa da Lagoa

Esta categoria busca identificar as manifestações de confiança e solidariedade entre os indivíduos da comunidade, bem como a confiança que estes depositam em pessoas desconhecidas e nas instituições presentes dentro e fora da localidade. As tabelas que serão apresentadas a seguir elucidam a dimensão confiança e solidariedade na Costa da Lagoa.

Diante das seguintes afirmações: “Nunca é demais ter cuidado nas suas relações com outras pessoas” e “Pode-se confiar na maioria das pessoas”, solicitou-se aos entrevistados para escolherem apenas uma das afirmações. Dos participantes, 83,6% escolheram a primeira afirmação e 16,4% optaram pela segunda afirmação. Percebe-se que há uma significativa desconfiança das pessoas em relação a outras pessoas de maneira geral. Observa-se que, nesse caso, a questão não se refere especificamente às pessoas conhecidas.

Conforme a Tabela 2, na frase “Pode-se confiar na maioria das pessoas que moram na Costa da Lagoa”, a pesquisa identificou que 64,4% dos entrevistados concordaram em parte ou totalmente com a afirmação, 4,1% disseram não concordar, nem discordar e 31,5% dos respondentes discordaram em parte ou totalmente da afirmação, o que indica que a confiança em outras pessoas está relacionada com o conhecimento que se tem das mesmas.

Ao serem questionados se “As pessoas da comunidade não buscam tirar vantagem”, 32,8% dos entrevistados concordaram em parte ou totalmente com a afirmação, 6,8% disseram que não concordam nem discordam com a frase e 60,3% dos entrevistados discordaram em parte ou totalmente quanto ao fato de que as pessoas da comunidade não buscam tirar vantagem nas relações inter-pessoais. Os dados indicam que para grande parte dos moradores as relações que se estabelecem pressupõem a obtenção de vantagens.

Por outro lado, quando questionados se “A maioria das pessoas na comunidade estaria disposta a ajudar caso o entrevistado precisasse”, 90,4% disseram concordar em parte ou totalmente com a afirmação, apenas 1,4% dos entrevistados afirmaram não concordar, nem discordar da frase e 8,2% discordaram em parte ou totalmente com a afirmação. Nesse caso, evidencia-se uma disposição dos moradores para as ações de solidariedade. Essa informação – que aponta uma grande disposição a práticas de solidariedade – parece se contrapor ao fato de uma parcela significativa da Costa da Lagoa acreditar que as pessoas da

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comunidade buscam tirar vantagens das relações interpessoais. Assim, há evidências que, embora as pessoas busquem ter vantagens, elas se dispõem a ajudar em situações de necessidade. Quanto a emprestar e tomar dinheiro emprestado, 67,6% dos entrevistados concordaram em parte ou totalmente com a afirmação “As pessoas da Costa da Lagoa geralmente confiam umas nas outras quanto a emprestar e tomar dinheiro emprestado”. Não concordaram nem discordaram com a afirmação 9,9% dos entrevistados e 22,6% disseram discordar em parte ou totalmente. Tabela 2: Confiança e solidariedade na Costa da Lagoa

Confiança e solidariedade Afirmação

Discordo em parte ou

totalmente

Não concordo, nem discordo

Concordo em parte ou

totalmente Pode-se confiar na maioria das pessoas da comunidade 31,5% 4,1% 64,4%

As pessoas da comunidade não buscam tirar vantagem 60,3% 6,8% 32,8%

A maioria das pessoas na comunidade estão dispostas a ajudar caso você precise 8,2% 1,4% 90,4%

As pessoas geralmente confiam quanto a emprestar e tomar dinheiro emprestado 22,6% 9,9% 67,6%

No que se refere à confiança, a pesquisa buscou identificar a confiança que os moradores

depositam nos funcionários de diversas instituições, nos moradores da localidade e fora. Os dados coletados ilustram a pouca confiança que os moradores têm em relação à

Câmara de Vereadores (61,6%), à Prefeitura (53,5%) e ao Governo Estadual (50,6%). Por outro lado percebe-se um número significativo de moradores que não souberam avaliar ou desconhecem essas instituições – Câmara de Vereadores (23,3%), Prefeitura (21,9%) e Governo do Estado (21,9%) – o que pode denotar um afastamento e um não acompanhamento das questões políticas. A confiança no Poder Judiciário, conforme observada na Tabela 3, também apresentou um percentual significante (28,8%) de entrevistados que não souberam avaliar.

Observa-se que diferentemente da confiança nas instituições, quando questionados sobre o grau de confiança nas pessoas da comunidade, 39,7% do total dos entrevistados confiam muito ou totalmente nos moradores da comunidade e 31,5% confiam pouco ou muito pouco. Assim, percebe-se que a confiança está relacionada com a proximidade que os membros da comunidade estabelecem entre si. Essa hipótese pode ser confirmada na próxima pergunta que questiona a confiança dos moradores em relação aos não moradores da comunidade. Os entrevistados que confiam muito pouco ou pouco em moradores de outras comunidades totalizam 58,9% dos entrevistados em contraste com os 8,2% que declaram confiar muito ou totalmente nos moradores de outras comunidades.

Nota-se que a confiança na família é bastante significativa na Costa da Lagoa. Dos entrevistados, 87,7% declaram confiar muito ou totalmente nos membros de sua família, 6,8% confiam nem pouco, nem muito e apenas 5,5% disseram confiar pouco ou muito pouco em seus familiares. Percebe-se, assim, que a confiança se manifesta a partir dos laços de parentesco.

No item que avalia a confiança nos médicos e enfermeiros, observa-se que 68,5% dos entrevistados disseram confiar muito ou totalmente nos profissionais da saúde, os que responderam confiar nem pouco, nem muito somam 23,3% e os entrevistados que disseram confiar pouco ou muito pouco totalizam 8,2% .

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Os dados indicam que a proximidade com as instituições e a competência dos profissionais pode gerar a confiança, pois os moradores utilizam os serviços prestados pelo posto médico da própria comunidade e os profissionais da área da saúde – médico e enfermeiras - mantêm uma relação de acompanhamento contínuo e proximidade. Todavia, a confiança pode estar relacionada, ainda, ao desempenho dos profissionais que parece estar atendendo às demandas da comunidade. Essa proximidade e desempenho institucional se traduzem em 68,5% dos entrevistados que confiam totalmente ou muito nos médicos e nas enfermeiras.

Em relação ao grau de confiança dos moradores em relação às pessoas estranhas e aos turistas, 63,0% dos entrevistados confiam pouco ou muito pouco em pessoas estranhas e que 56,2% confiam pouco ou muito pouco nos turistas, o que nos levar a considerar que uma maior confiança é estabelecida entre pessoas que se conhecem.

No item que avalia o grau de confiança nos novos moradores da comunidade observa-se que um número significativo de entrevistados (53,4%) declara que confia pouco ou muito pouco nos novos moradores. A esse número segue 32,9% dos entrevistados que ao declararem que nem confiam e nem desconfiam nos novos moradores parecem não ter nenhuma opinião ou parecem expressar uma certa indiferença em relação a moradores com os quais não estabelecem laços de proximidade e somente 9,6% dos entrevistados afirmaram confiar muito ou totalmente nos novos moradores.

Tabela 3: Nível de confiança dos entrevistados

Confiança Categoria

Confia pouco ou muito pouco

Confia nem pouco, nem

muito

Confia muito ou totalmente

Não soube avaliar

Câmara de Vereadores 61,6% 9,6% 5,5% 23,3% Prefeitura Municipal 53,5% 11,0% 13,7% 21,9% Governo do Estado 50,6% 16,4% 10,9% 21,9% Poder Judiciário 38,4% 21,9% 10,9% 28,8% Polícia 43,84% 15,07% 27,4% 13,7% Igrejas 35,6% 13,7% 46,5% 4,1% Moradores da Costa da Lagoa 31,5% 28,8% 39,7% - Pessoas de outras comunidades 58,9% 24,7% 8,2% 8,2% Membros da família 5,5% 6,8% 87,7% - Médicos 8,2% 23,3% 68,5% - Enfermeiros 8,2% 23,3% 68,5% - Pessoas estranhas 63,0% 21,9% 13,7% 1,4% Turistas 56,2% 26,0% 13,7% 4,1% Novos moradores 53,4% 32,9% 9,6% 4,1%

Quando questionados se a confiança entre os moradores da Costa da Lagoa sofreu alguma

mudança, nos últimos cinco anos, 15,3% dos entrevistados responderam que a confiança melhorou, 48,6% disseram que a confiança permaneceu mais ou menos o mesma e 36,1% afirmaram que a confiança entre os moradores piorou nos últimos cinco anos. Embora um número expressivo de entrevistados tenha manifestado que a confiança piorou nos últimos cinco anos (36,1%), ainda predomina a percepção de que não houve mudanças nesse quesito (48,6%).

Os dados indicam que se contrapondo à confiança nas instituições políticas está a confiança estabelecida a partir dos laços de parentesco. Como salienta Singer (2003, p. 2), “a confiança em alguém se desenvolve à medida que conhecemos a pessoa o bastante para poder

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prever suas atitudes em diferentes circunstâncias”, o que pressupõe um conhecimento direto e pessoal entre os indivíduos. De fato, na pesquisa desenvolvida, quando questionados sobre a confiança em pessoas desconhecidas ou em instituições, os entrevistados frequentemente alegavam não poder responder se confiavam ou não pelo fato de não conhecerem a pessoa ou não conhecerem as pessoas pertencentes às instituições elencadas. Confiar na Câmara de Vereadores era algo muito abstrato para os entrevistados. Na verdade, alegavam que a confiança diz respeito às pessoas e, devido a isso, para se confiar ou não em determinadas pessoas seria necessário primeiramente conhecê-las. Não é à toa que o posto de saúde aparece como fonte de confiança: a confiança se dá pelo fato de conhecerem o médico e as enfermeiras que desempenham satisfatoriamente suas funções.

Observa-se que não existe na Costa da Lagoa uma relação entre confiança e envolvimento da comunidade em organizações. Embora a participação não esteja arrolada na dimensão foco dessa análise, chamou a atenção o fato de haver pouco envolvimento dos moradores em associações, pois do total de entrevistados 71,% afirmou que não participa de nenhuma organização, grupo e associação. Assim os dados parecem apontar para uma análise que privilegia a dimensão institucional ao invés da análise centrada no associativismo, embora Putnam (1993) argumente que quanto maior o número de associações e o envolvimento de pessoas nessas associações, maiores os níveis de confiança e, portanto, de capital social.

Outro elemento importante para o capital social levantado na pesquisa se refere aos chamados laços fortes e laços fracos (GRANOVETTER, 1973). Mais do que as famílias e os laços de sangue, os sistemas de participação cívica possibilitam fortalecer a colaboração no plano comunitário (PUTNAM, 1993). A ação coletiva criadora de capital social na Costa da Lagoa está fortemente relacionada com os vínculos interpessoais fortes, como os de parentesco, não parecendo ter impacto nos processos de fortalecimento da colaboração os sistemas de participação cívica.

Nesse sentido, os dados apontam que os níveis de confiança se relacionam com as avaliações que os moradores fazem do desempenho dos atores e das instituições que encontram-se inseridas na comunidade. É importante considerar que os atores agirão levando em conta aquilo que eles crêem que os outros atores podem vir a fazer, ou seja, “em contextos onde a cooperação do ator depende necessariamente da cooperação de todos, e nos quais o capital social é baixo, não cooperar pode ser racional porque, sem confiança, nunca se sabe se todos irão realmente cumprir sua palavra” (SANTOS; ROCHA, 2011, p. 46). Assim, o posto de saúde e a escola com as quais os moradores estabelecem uma relação de proximidade são avaliadas como eficientes e geram a confiança nos moradores. Já as instituições políticas são consideradas ineficientes e sujeitas à corrupção, o que gera a desconfiança dos moradores. Pode-se concluir que a confiança nos serviços públicos cresce a partir do bom desempenho institucional das organizações com as quais os moradores estabelecem laços sociais.

No que se refere à freqüência com que os moradores ajudam uns aos outros, 77,8% dos entrevistados afirmaram que os moradores da comunidade sempre se ajudam, 9,7% disseram que os moradores quase sempre se ajudam, 6,9% responderam que os moradores da comunidade algumas vezes se ajudam, 4,2% afirmaram que estes raramente se ajudam e 1,4% dos entrevistados disseram que os moradores da localidade nunca se ajudam. Conforme observado, percebe-se uma grande disponibilidade dos moradores para as ações de solidariedade uma vez que 87,5% dos entrevistados afirmam que sempre ou quase sempre ajudam uns aos outros.

A mesma solidariedade se observa no envolvimento das pessoas em projetos que beneficiam toda a comunidade, mesmo não trazendo vantagens pessoais. Nesse caso, a grande maioria dos moradores (97,3%) contribuiria com tempo e dinheiro para um projeto que não o

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beneficiaria diretamente, mas traria benefícios para a comunidade. Apenas 2,7% dos entrevistados disseram que não contribuiriam com o projeto. Nesse sentido, há evidências que há a disponibilidade dos moradores da Costa da Lagoa em cooperar, seja com dinheiro ou tempo, com os projetos que beneficiam a comunidade. Essa propensão a cooperar se dá até mesmo quando os projetos não trazem benefícios diretamente aos entrevistados.

Da mesma forma, foi possível constatar a presença de solidariedade entre os moradores em diversos momentos durante a realização das entrevistas. Ao serem questionados sobre a possibilidade de articulação e união dos moradores em decorrência de uma fatalidade com uma das pessoas na comunidade – como uma doença grave, ou morte de um parente etc. – 86,3% afirmaram que é muito provável que a comunidade ajude as vítimas, 11% afirmaram que é relativamente provável e apenas 2,7% não souberam avaliar se a comunidade iria ajudar ou não essas vítimas.

Quando questionados se poderiam contar com seus vizinhos para cuidar de sua casa ou da família caso precisassem viajar observa-se que um percentual significativo dos entrevistados (91,3%) afirmou que “definitivamente sim” poderiam contar com eles, enquanto que 6,2% relatou que provavelmente não poderiam contar e aqueles que afirmaram que definitivamente não poderiam contar com a ajuda dos vizinhos totalizaram 2,5%.

Diante de uma situação mais grave, ao questionar quantas pessoas estariam dispostas a ajudá-los em casos como perda do emprego, doença ou morte de um dos membros da família, 87,5% disseram que poderiam contar com cinco ou mais pessoas, 8,3% responderam que poderiam contar com três ou quatro pessoas e somente 4,2% dos entrevistados afirmaram que poderiam contar apenas com uma ou duas pessoas.

Os dados acima deixam claro a disponibilidade dos moradores da Costa da Lagoa para as ações de colaboração e solidariedade. Percebe-se uma significativa articulação e coesão dos moradores para ajudar os membros da comunidade, tanto em situações mais graves, como por exemplo, em caso de doença ou morte de familiares (97,3% afirmam que é muito provável ou relativamente provável que a comunidade se articule para ajudar um membro que enfrenta uma situação grave), como em situações do cotidiano (91,8% afirmam que poderiam contar com seus vizinhos para cuidar de sua casa ou da família caso precisassem viajar).

Embora os dados coletados apontem que a confiança pode ser classificada em quatro grandes grupos: a confiança estabelecida a partir dos laços de parentesco; a confiança nas instituições próximas que se encontram inseridas na comunidade; a confiança nos considerados estranhos ou não conhecidos e a confiança nas instituições políticas a comunidade se encontra fortemente envolvida nas ações de solidariedade. A solidariedade no caso analisado se manifesta independentemente da confiança. Os dados que apontam que a grande maioria dos moradores (97,3%) contribuiria com tempo e dinheiro para um projeto que não o beneficiaria diretamente, mas traria benefícios para a comunidade é emblemático nesse aspecto. Significativo também o fato de 87,5% dos entrevistados afirmarem que sempre ou quase sempre os moradores ajudam uns aos outros e 97,3% considerarem que é muito provável ou relativamente provável que a comunidade se articule para ajudar um membro que enfrente uma situação grave. Ou seja, a solidariedade pressupõe reciprocidade e sentimento de identificação com o outro.

Nesse aspecto retomamos Putnam (1993) que afirma que a confiança social, nos contextos modernos e complexos, pode emanar de duas fontes conexas: as regras de reciprocidade e os sistemas de participação cívica. No que se refere aos sistemas de participação cívica, a pesquisa constatou que os moradores participam e se organizam para os eventos ligados à tradição da comunidade como, por exemplo, a Festa da Nossa Senhora dos Navegantes, da Cruz, do Engenho, Junina, da Família e do Folclore. No último ano, foi constatado por intermédio dos

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questionários que 84,9% dos entrevistados disseram ter participado das festas realizadas na Costa da Lagoa, mas existe, como destacado anteriormente, pouca participação na associação de moradores. As regras de reciprocidade, por outro lado, parecem se manifestar na comunidade. Putnam (1993) destaca que a regra da reciprocidade generalizada é um componente altamente produtivo do capital social. No caso da Costa da Lagoa podemos inferir que a regra da reciprocidade é aceita pela maioria dos moradores e pressupõe que os mesmos consideram que um favor ou uma ajuda concedida hoje poderá ser retribuída no futuro, caso necessitem. Todavia, indo na contramão de Putnam (1993), as regras de reciprocidade não parecem estar impactando positivamente nos níveis de confiança.

No caso analisado as regras de reciprocidade e ajuda mútua, assim como a solidariedade e a cooperação se mostram presentes e podem indicar um relativo estoque de capital social. Todavia, a cooperação não parece vir da confiança. Os dados encontrados na pesquisa não corroboram a afirmação de Franco (2001, p. 41), “a confiança promove a cooperação. Quanto mais elevado o nível de confiança numa comunidade, maior a probabilidade de haver cooperação. E a própria cooperação gera confiança”, mas indicam que a cooperação independe da confiança que os membros de uma Comunidade depositam em pessoas desconhecidas e nas instituições.

Se a confiança é “algo que se refere à crença das pessoas na ação futura dos outros (...)” (MOISÉS, 2010, p. 09), podemos considerar que na Costa da Lagoa, a desconfiança nas instituições políticas explicita que os moradores não acreditam que as instituições políticas possam ter um bom desempenho, isto é, que o sistema político produza, de fato, os resultados que eles esperam. Nesse sentido, a confiança em instituições políticas parece ser proporcional ao bom desempenho institucional. A confiança dependeria da “percepção dos cidadãos a respeito das orientações normativas das instituições, decorrente da sua experiência prática com elas, e esses seriam fatores decisivos de determinação de confiança” (MOISÉS, 2010, p. 54). No caso da Costa da Lagoa a experiência prática dos moradores com as instituições que absorvem suas demandas parece contribuir para o aumento da confiança nas mesmas.

6 Conclusão

Embora colocadas lado a lado se observou na análise dos dados, que a confiança e a solidariedade podem ser vistas como categorias bastante distintas. Os moradores da Costa da Lagoa não manifestaram ter confiança na maioria das pessoas. A confiança está mais fortemente ligada aos laços de parentesco e às instituições próximas que desempenham com eficácia suas atribuições. Já a solidariedade se manifesta de forma bastante significativa na comunidade. Mesmo não confiando na maioria das pessoas, grande parte dos moradores se mostram solidários uns com os outros.

A confiança no caso analisado pôde ser identificada de quatro maneiras distintas: a confiança estabelecida a partir dos laços de parentesto, a confiança nas instituições próximas que encontram-se inseridas na comunidade, a confiança nos considerados estranhos ou não conhecidos e a confiança nas instituições políticas. Em maior grau está a confiança na família e em menor grau a confiança nas instituições políticas. Essa descrença em relação à Câmara dos Vereadores e aos representantes do Governo do Estado, por exemplo, parece confirmar as conclusões de pesquisas empíricas que expressam o descrédito do cidadão brasileiro na política de forma geral, por associar a política aos políticos e considerar esses últimos ineficientes, egoístas e corruptos. Dessa forma, para a maior parte dos entrevistados, os governantes são objeto de desconfiança.

Em resposta ao nosso questionamento inicial se a Costa da Lagoa preserva e/ou constrói

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laços de solidaeriedade e confiança pode-se concluir que a comunidade tem preservado laços de solidariedade com diversas manifestações de auxílios e cooperação. Essa disposição dos moradores em cooperar se manifestou significamente e pareceu não depender da existência de confiança entre os envolvidos. Todavia, a confiança se mostrou em menor grau, com exeção aos laços de confiança constituídos a partir do parentesco, visto que a confiança parece depender do conhecimento e proximidade que os moradores têm em relação às pessoas e instituições. Nesse sentido, considerando as disparidades que as categorias confiança e solidariedade apresentaram, sugere-se que as mesmas, em futuros estudos empíricos, sejam investigadas de modo a corroborar as conclusões desse estudo que apontaram que confiança e solidariedade necessariamente não fazem parte de uma mesma dimensão. Notas 1 Para facilitar o desempenho das atividades, o Posto de Saúde da Costa da Lagoa dividiu a comunidade em quatro microrregiões, é importante destacar que esta divisão não possui caráter oficial. 2 Os dados foram obtidos no ano de 2010. 3 Trabalhos desenvolvidos pelos autores que posteriormente originou o QI-MCS (2003): “O survey sobre capital social na Tanzânia” (NARAYAN; PRITCHETT, 1999), “Estudo sobre instituições de nível local na Bolívia, Burkina Faso e Indonésia” (GROOTAERT, 2001), “A iniciativa do capital social” (GROOTAERT; VAN BASTALAER, 2002), “Survey sobre capital social em Gana e Uganda” (NARAYAN; CASSIDY, 2001), “Levantamento acerca da pobreza na Guatemala” (IBÁÑEZ; LINDERT; WOOLCOCK, 2002). Referências ANDERSON, D. R.; SWEENWY, D. J.; WILLIANS, T. A. Estatística aplicada à administração e contabilidade. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2003. BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas. 6º ed. São Paulo: Perspectiva, 2007. BOURDIEU, P. O capital social – notas provisórias. In: CATANI, A. & NOGUEIRA, M. A. (Orgs.) Escritos de Educação. Petrópolis: Vozes, 2002. CARUSO, J. P. L. Parentesco e casamento: da fuga ao morar junto na Costa da Lagoa, Florianópolis. Fazendo Gênero 9: Diásporas, Diversidades, Deslocamentos. Universidade do Estado de Santa Catarina. Florianópolis, 2010. Disponível em: <http://www.fazendogenero.ufsc.br/9/arquivos>. Acesso em: 6 jun. 2011. COLEMAN, James S. Social Capital in the Creation of Human Capital. The American Journal of Sociology, v. 94, p. S95-S120, 1988. FRANCO, A. Capital social: leituras de Tocqueville, Jacobs, Putnam, Fukuyama, Maturana, Castells e Levy. 2001. Disponível em: <http://www.4shared.com/ get/93370068/136802c9/ Capital__Social.html>. Acesso em: 5 jul. 2011 FUKUYAMA, F. Confiança, as virtudes sociais e a criação da prosperidade. Rio de Janeiro: Rocco, 1996.

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