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Este material foi retirado de: WACHOWICZ, M. C. Segurança, saúde & ergonomia. Curitiba: IBPEX, 2007. capítulo 1 CONTEÚDOS DO CAPÍTULO Neste capítulo você vai estudar sobre o significado da palavra trabalho e como ele mudou ao longo dos tempos. O ato de trabalhar sempre esteve presente no cotidiano do ser humano, desde os tempos das cavernas, na busca pela sobrevivência, até os dias de hoje, com a utilização de tecnologias. O tema será abordado dentro dos períodos civilizatórios da humanidade e, assim, você terá um panorama das diferentes visões, como também da sua importância dentro da sociedade. Em paralelo, serão analisadas as ações e a importância da legislação referente aos cuidados com a segurança, bem estar e conforto dos trabalhadores nos postos de trabalho. Você irá conhecer as primeiras leis trabalhistas na Europa (Inglaterra) e no Brasil. É importante observar como estas leis foram se ampliando. Das tímidas ou escassas ações iniciais para uma normatização mais abrangente objetivando tornar o trabalho uma ação que contemple as necessidades e os devidos cuidados as pessoas. HISTÓRIA DO TRABALHO A palavra trabalho tem origem no vocábulo latino tripaliare, do substantivo tripalium, instrumento formado por três paus aguçados, algumas vezes munidos de ponta de ferro, com o qual os agricultores batiam o trigo e as espigas de milho, para rasgá-las e esfiapá-las. Ainda que o tripalium fosse usado para esse tipo de trabalho, é do uso desse instrumento como meio de tortura que a palavra trabalho retira seu significado por muito tempo, sendo que ainda hoje se refere a padecimento, sofrimento, pena, labuta, castigo. 1 De acordo com Aranha e Martins 2 , “a concepção de trabalho sempre esteve predominantemente ligada a uma visão negativa. Na Bíblia, Adão e Eva vivem felizes até que o pecado provoca sua expulsão do Paraíso e a condenação ao trabalho” como um castigo:

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Este material foi retirado de: WACHOWICZ, M. C. Segurança, saúde &

ergonomia. Curitiba: IBPEX, 2007.

capítulo 1

CONTEÚDOS DO CAPÍTULO

Neste capítulo você vai estudar sobre o significado da palavra trabalho e como

ele mudou ao longo dos tempos. O ato de trabalhar sempre esteve presente

no cotidiano do ser humano, desde os tempos das cavernas, na busca pela

sobrevivência, até os dias de hoje, com a utilização de tecnologias. O tema

será abordado dentro dos períodos civilizatórios da humanidade e, assim, você

terá um panorama das diferentes visões, como também da sua importância

dentro da sociedade.

Em paralelo, serão analisadas as ações e a importância da legislação referente

aos cuidados com a segurança, bem estar e conforto dos trabalhadores nos

postos de trabalho. Você irá conhecer as primeiras leis trabalhistas na Europa

(Inglaterra) e no Brasil. É importante observar como estas leis foram se

ampliando. Das tímidas ou escassas ações iniciais para uma normatização

mais abrangente objetivando tornar o trabalho uma ação que contemple as

necessidades e os devidos cuidados as pessoas.

HISTÓRIA DO TRABALHO

A palavra trabalho tem origem no vocábulo latino tripaliare, do

substantivo tripalium, instrumento formado por três paus aguçados, algumas

vezes munidos de ponta de ferro, com o qual os agricultores batiam o trigo e as

espigas de milho, para rasgá-las e esfiapá-las. Ainda que o tripalium fosse

usado para esse tipo de trabalho, é do uso desse instrumento como meio de

tortura que a palavra trabalho retira seu significado por muito tempo, sendo que

ainda hoje se refere a padecimento, sofrimento, pena, labuta, castigo.1

De acordo com Aranha e Martins2, “a concepção de trabalho sempre

esteve predominantemente ligada a uma visão negativa. Na Bíblia, Adão e Eva

vivem felizes até que o pecado provoca sua expulsão do Paraíso e a

condenação ao trabalho” como um castigo:

Porque ouviste a voz da mulher e comeste o fruto da árvore que eu lhe havia

proibido comer, maldita seja a terra por tua causa. Tirarás dela com trabalhos

penosos o teu sustento todos os dias de tua vida. Ela te produzirá espinhos e

abrolhos, e tu comerás a erva da terra. Comerás o pão com o suor do teu rosto, até

que voltes a terra, de que foste tomado. (Gen. 3:17-19)

Na Antiguidade grega, todo o trabalho manual é desvalorizado e

realizado por escravos (não-cidadãos), cujas tarefas estão, assim, associadas

aos serviços de ferreiro, carpinteiro, alfaiate/costureira, bem como aos serviços

da casa, da agricultura e dos favores sexuais. Para a época, o trabalho digno é

considerado como o intelectual, cuja essência se fundamenta na razão.

Filósofos como Pitágoras, Sócrates, Aristóteles, Arquimedes, entre tantos

outros, nunca precisaram trabalhar, pois o pensamento filosófico – o ato de

especular a origem da natureza do mundo físico das coisas através da

matemática, da física, da astronomia, da ética, da conduta, da moral da

sociedade etc. – é que é reconhecido como um trabalho digno e nobre.

O forte preconceito em relação ao trabalho manual/braçal existente

nessa época tem como uma de suas principais razões o fato de a escravidão

ter sido legalizada, o que cria uma inevitável correlação entre trabalho,

patrimônio e escravo.

Aranha e Martins3 afirmam que “na Idade Média, Santo Tomás de

Aquino procura reabilitar o trabalho manual, dizendo que todos os trabalhos se

equivalem”, mas, na verdade, a ideia central de valorizar o trabalho intelectual

em detrimento do manual/braçal ainda perdura. A classe dirigente, a nobreza e

o clero levam uma vida de costumes requintados, e muitos se orgulham de não

trabalhar. Pela concepção católica, o trabalho está associado à idéia de

penitência ou de oportunidade para a redenção divina, sendo que, em

contrapartida, aquele que se interessa pelo acúmulo de riquezas materiais é

acusado de usura e tido como pecador.

A estrutura social medieval é constituída pela centralização de

interesses dos senhores feudais, que agem em função de proteger seu

patrimônio. O trabalho se apresenta de forma servil e é realizado em pequenas

comunidades, muitas vezes auto-suficientes, as quais visam o cultivo ou à

criação de animais e, quase sempre, ficam distantes do mercado da cidade.

Nesse contexto, o trabalho é necessário para garantir a sobrevivência da

família e também representa um tributo do servo para com o senhor feudal.

Para os que moram nas cidades, ou próximo delas, o mercado se restringia ao

comércio de tecelagem, ferro e carvão, caracterizando uma atividade de

pequenos lucros, realizada pelos comerciantes da época denominados de

burgueses.

No período medieval, a crença religiosa e o misticismo assumem grande

importância social, a ponto de todas as ações políticas, sociais, culturais,

econômicas serem dirigidas e controladas pelos representantes de Deus.

Assim, o domínio da Igreja Católica é uma condição imposta para a população

em geral, pois a nobreza compactua com os preceitos católicos vigentes.

Há indícios de que não há na Idade Média uma obrigação de se ter um

ritmo acelerado ao trabalho, e as pessoas raramente trabalhavam mais do que

a metade dos dias do ano. Era grande o número de feriados oficiais e de dias

santos, e as condições climáticas ditam o tempo de trabalho: jornada longa no

verão e curta no inverno. Há uma sincronia entre o ritmo das rudimentares

máquinas e o movimento do corpo que as faz funcionar. Não existia cartão-

ponto, chefias, obrigatoriedade de produção, tampouco divisão do trabalho.

Além disso, o trabalhador artesão é a pessoa que realiza todas as etapas da

produção ou, no máximo, recebe o auxílio de sua família, caracterizando uma

indústria doméstica.4

Na Modernidade, essa concepção de trabalho gradativamente começa a

alterar-se. Os grandes empreendimentos marítimos, isto é, as grandes

navegações do século XV, culminam com descobertas de uma nova rota para

o Novo Mundo e para as Índias, sendo que é desta última região que os

europeus trazem as especiarias – seda, cravo, pimenta, condimentos em geral

–, bem como a bússola, o papel e a pólvora. A Reforma Protestante de Martim

Lutero, no século XVI, enfatiza que “a fé deve ser reforçada pelo trabalho [...],

pois a riqueza não é condenável quando do adquirido só se tira o necessário

para a subsistência pessoal e o restante é poupado ou reinvestido”5. Observa-

se aqui uma valorização ao trabalho manual/braçal, pois trabalhar passa a

constituir a própria finalidade da vida.

Várias descobertas ocorrem nessa época: Gutenberg inventa a

imprensa; Pascal desenvolve a primeira máquina de calcular; Torricelli constrói

o barômetro; Galileu confirma as ideias de Copérnico e, assim, com a teoria do

heliocentrismo, comprova-se que o Sol é o centro do universo e não a Terra;

aparece o tear mecânico.

Na vida social, econômica, política, cultural e religiosa, acontecem,

concomitantemente, grandes transformações que acabam por determinar a

passagem do feudalismo ao capitalismo: ocorre o aperfeiçoamento das

técnicas, instaura-se o desenvolvimento do processo de acúmulo de capital e,

por consequência, ampliam-se os mercados.

Diante de um comércio muito mais próspero e do acúmulo de capital, os

pequenos comerciantes passam a comprar matérias-primas e máquinas,

surgindo, assim, os primeiros barracões das futuras fábricas. Desse modo, os

burgueses tornam-se uma classe em ascensão e a palavra burguesia passa a

ser sinônimo de pessoas abastadas.

O fascínio exercido pela máquina na mentalidade do homem moderno

fez com que muitas pessoas que trabalhavam na agricultura (nos feudos)

migrarem para as cidades em busca de melhores oportunidades e condições

de vida. Nesse período, a Inglaterra é o país que vive a melhor conjuntura para

efetuar grandes mudanças, pois tem abundância de mão-de-obra, de capitais,

de meios de transporte e de novas tecnologias: a máquina a vapor.

Não se pode afirmar que a Revolução Industrial tenha tido início numa

data fixa, mas sabe-se que foi em fins do século XVIII que toma grande

impulso. A indústria que nasce com esse evento histórico caracteriza-se pela

priorização da máquina (técnico) em detrimento do homem (social). Dessa

forma, na linha de produção, enfatizam-se a precisão, a rapidez, a regularidade

e a eficiência através da mecanização das ações do pensamento humano.

Surge, assim, a necessidade de se padronizar a sequência do trabalho a partir

da especialização das funções e da modernização dos equipamentos a serem

utilizados, bem como de treinamentos sistemáticos para adequar o indivíduo à

máquina, intensificando a disciplina e garantindo a racionalização do trabalho.

Sendo a produção sistematizada, fez-se necessária, ainda, o uso de

uma voz de comando para assegurar a eficiência da produção, Compete aos

supervisores, aos chefes de seção, aos encarregados fiscalizar as formas

mecânicas de rotinização do trabalho. A hierarquização do comando é correlata

ao do poder, cabendo às chefias planejar, treinar, pensar e comandar e aos

trabalhadores/empregados/funcionários cumprir fiel e eficientemente as ordens,

as normas e as regras.

Nesse novo panorama, o trabalhador deixa de ter o domínio sobre o

processo produtivo. Produtor e produto estão agora separados pela subdivisão

do fluxo de produção em pequenas tarefas na atividade industrial. Divide-se aqui

o trabalho entre aqueles que mandam e aqueles que executam.

Nesse contexto, evidencia-se a abordagem de Frederic Winslow Taylor

(1856-1915), “pai da administração científica”, cuja metodologia visa a

racionalizar a produção, para aumentar a produtividade do trabalho e

economizar o tempo por meio da supressão de gestos ou ações

desnecessárias e comportamentos supérfluos no processo produtivo.

A teoria científica de administração é construída basicamente por

engenheiros – Taylor, Fayol, Ford, Gilbreth –, cuja preocupação básica está em

aumentar a produtividade dentro de um nível operacional através da utilização

do que se chama de engenharia das organizações: controle de tempos e de

movimentos; divisão do trabalho ou especialização da mão-de-obra para maior

eficiência; controle da disciplina para garantir a produtividade; subordinação do

interesse individual ao interesse geral, ou seja, as necessidades do empregado

não devem prevalecer sobre as da empresa; centralização do poder e da

autoridade mediante a rigidez da hierarquia organizacional; excessiva

burocracia no cumprimento de normas, valores e rotinas.

Porém, com a fragmentação das tarefas e das atividades que ocorrem

nas indústrias, há perdas significativas no âmbito da comunicação, da

criatividade e dos vínculos pessoais profissionais. A perda da noção da

totalidade produz a alienação do trabalhador em relação ao contexto

organizacional global.

Dejours6 afirma que o regime taylorista imposto ao trabalhador bloqueia

o funcionamento espontâneo da atividade mental, pois ele não tem o controle

sobre o processo de trabalho, não existe identificação com o conteúdo das

tarefas, além de estas serem repetitivas e monótonas, o que gera, inicialmente,

a fadiga e o estresse, desencadeando sofrimento mental caso não haja

reversão ou minimização desse quadro.

Ainda Dejours et al.7 concebem que o taylorismo determina a submissão

às exigências da organização do trabalho, situação que pode ocasionar

alterações fisiológicas no trabalhador, sendo o corpo físico o principal ponto de

impacto dos prejuízos do trabalho. A separação ou mesmo a limitação do

trabalho intelectual e manual neutralizam a atividade mental dos indivíduos,

trazendo-lhes esgotamento físico. Nesse sistema, o trabalho passa a controlar

o trabalhador de tal forma que exige e padroniza gestos, comportamentos,

competências, intenções, ritmos e biorritmos, desencadeando um processo de

robotização. Assim, pode-se afirmar que a crítica feita à administração

científica ressalta a “desapropriação do saber” que essa teoria impõe; trata-se

da limitação da identidade e da liberdade do indivíduo em função do posto, da

tarefa, da organização do trabalho e da cultura organizacional vigente.

As conquistas para as melhorias das condições de trabalho dentro das

indústrias são lentas, e as lutas operárias marcam todo o século XIX e o início

do século XX. Foram necessários nove anos (1881-1890) para a supressão da

caderneta operária, que era uma maneira de controle do empregador sobre as

faltas, a produtividade e o pagamento salarial de cada funcionário; treze anos

(1879-1892) para o projeto de lei sobre a redução do tempo de trabalho das

mulheres e das crianças; onze anos (1882-1893) para a lei sobre higiene e

segurança; quinze anos (1883-1898) para a lei sobre acidentes de trabalho;

quarenta anos (1879-1919) para a adoção da jornada de dez horas; vinte e

sete anos (1879-1906) para o repouso semanal; vinte e cinco anos (1894-1919)

para a jornada de oito horas; e vinte e três anos (1890-1913) para a jornada de

oito horas no trabalho de mineração.8

As conquistas obtidas com essas leis trabalhistas são de suma

importância para o bem-estar e a saúde dos trabalhadores. As primeiras

indústrias eram grandes galpões, estábulos ou velhos armazéns fétidos e

insalubres, com pouca iluminação e ventilação, muito lixo e sujeira decorrente

do próprio processo fabril. Além disso, não havia refeitórios, pois os operários

comiam ao lado das máquinas para não perder tempo, e, quando uma pessoa

adoecia, as demais também ficavam doentes pela pouquíssima circulação de

ar no ambiente físico.

De acordo com Miranda9, “Georgius Agrícola, em 1556, é o primeiro

autor a abordar a relação saúde/trabalho em um livro, ‘De Re Mettalica’, onde

estuda vários problemas relacionados com a extração e a fundição do ouro e

da prata, enfocando inclusive os acidentes de trabalho e doenças mais comuns

entre os mineiros”.

Em 1567, Felipe Teofrasto de Hohenheim, um alquimista que ficou

conhecido na história como Paracelso e que é considerado um dos precursores

do estudo sistêmico das doenças, como a lepra, a gota, a hidropisia, a

epilepsia, entre outras, publica uma monografia que trata “especificamente a

relação entre saúde e trabalho, onde estudava vários métodos de trabalho e

inúmeras substâncias manuseadas, dedicando especial atenção às

intoxicações por mercúrio”. 10

Bernardino Ramazzini, em 1700, médico italiano, dispôs-se a estudar as

doenças de 50 diferentes categorias profissionais (mineiros, químicos, pintores,

ferreiros, trabalhadores de fumo, parteiras, coveiros, lavadeiras, pedreiros,

pescadores, carregadores, joalheiros, confeiteiros, tipógrafos, saboeiros,

cloaqueiros, salineiros etc.). A contribuição de Ramazzini está na abordagem

dos problemas por meio de uma metodologia de sistematização e classificação

das doenças de acordo com a natureza e o grau de nexo com o trabalho. O

médico italiano ainda sugere prescrições médicas preventivas ou curativas

contra as doenças dos operários. Diante de tais estudos, Ramazzini é hoje

considerado o “pai da medicina do trabalho.”11

O tema relacionado à saúde e às doenças ocupacionais fica esquecido

por décadas e só volta a ganhar importância com o advento da Revolução

Industrial. Nesse período, o objetivo maior do empregador está no lucro a

qualquer preço, sendo mínimas as condições de trabalho oferecidas aos

empregados. Não há documentos que registrem o número de acidentes

causados nesse contexto, mas pode-se deduzir que eram muitos, pois os

postos de trabalho, as ferramentas utilizadas, a extensa jornada, a não-

existência de pausas, a falta de treinamento para execução das tarefas, todos

esses fatores levam a crer que o número de acidentes deve ter sido alto.

Nessas condições, torna-se necessário criar leis que possam proteger a

saúde e o bem-estar físico do trabalhador. As pesquisas de Miranda12

mostram

que:

Em 1802, foi aprovada, na Inglaterra, a primeira lei de proteção aos trabalhadores: ’A

Lei de Saúde e Moral dos Aprendizes’, que estabelecia um limite de 12 horas de

trabalho por dia, proibia o trabalho noturno, tornava obrigatória a ventilação do

ambiente de trabalho e a lavagem das paredes das fábricas duas vezes por ano.

Contudo, as melhorias no ambiente físico de trabalho não são

prontamente atendidas, e há ainda um agravante quanto à idade mínima para o

trabalho. As famílias, na época, tinham muitos filhos e estes, desde três ou

quatro anos, já ajudam os pais trabalhando na tecelagem das fábricas. As

tarefas que essas crianças executam é a de transformar a lã bruta em fio na

roca e entrar na máquina para desengatar peças que porventura se soltassem

ao longo do processo fabril. Em 1833,

O Parlamento Britânico promulgou o “Factory Act”, considerada a primeira norma

realmente eficiente no campo da proteção ao trabalhador, e que fixava em 9 anos a

idade mínima para o trabalho, estabelecia o limite de 12 horas de trabalho por dia e

de 69 horas por semana, proibia o trabalho noturno para menores de 18 anos e

exigia a realização de exames médicos de todas as crianças trabalhadoras.13

Outros benefícios surgem de forma lenta e gradativa. À medida que o

empregador observa que as melhores condições de trabalho incidem

diretamente no aumento da produtividade, passa a ocorrer um movimento em

prol da saúde dentro das fábricas. Surge a figura do médico com uma ação

preventiva ocupacional mediante a realização de exames médicos

admissionais e periódicos.

Em 1919, ao final da Primeira Guerra, é criada a Organização

Internacional do Trabalho (OIT), hoje vinculada à Organização das Nações

Unidas (ONU), com a finalidade de promover a melhoria das condições de

trabalho para o trabalhador. Em 1950, surge o Comitê Misto OIT/OMS

(Organização Mundial da Saúde), o qual aprova “uma resolução que seria a

primeira definição sobre as funções da medicina do trabalho: ‘promover e

manter o mais alto nível de bem-estar físico, mental e social do trabalhador em

todas as profissões, e adaptar o trabalho ao homem e cada homem à sua

tarefa’”.14

Até hoje a OMS conceitua saúde ocupacional com base nessa

descrição.

Mesmo assim, é somente entre 1953 e 1959 que a OIT consegue

aprovar a determinação da necessidade da ação da medicina do trabalho no

âmbito ocupacional, definindo a ação e os serviços que o médico dessa

especialidade deve prestar em relação ao empregado e ao empregador.

O histórico das leis trabalhistas no Brasil caracteriza-se pela

morosidade, isso porque os portugueses não estavam muito preocupados em

desenvolver a nova colônia, e sim em explorar as riquezas minerais, vegetais e

animais que aqui encontraram. Além disso, os engenhos de cana-de-açúcar e

a mineração das pedras preciosas e do ouro são as atividades mais usuais do

período colonial. Somente com a vinda da Corte portuguesa para o Brasil

(1808), em decorrência do quadro político e econômico da Europa, que

começam a surgir às primeiras fábricas.

A partir de 1840 foram instalados os primeiros estabelecimentos fabris e a primeira

máquina a vapor só é instalada em 1869, na Fiação São Luiz, em Itu, Estado de São

Paulo.

Em 1890, com a criação do Conselho de Saúde Pública, surge a primeira legislação

sobre condições de trabalho industrial.

Em 1919 surge a Lei de Acidentes do Trabalho, que assinala o ponto de partida da

intervenção do Estado nas condições de consumo da força de trabalho industrial em

nosso país.15

Enquanto na Europa o primeiro médico do trabalho surge em 1842, no

Brasil esse profissional só se estabelece quase 80 anos depois, em 1920.

Em 1930 é criado o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, por

meio do Decreto nº 19.433, de 26 de novembro, assinado pelo presidente

Getúlio Vargas. A saúde e a segurança dos trabalhadores passam, assim, a ter

um órgão normatizador e fiscalizador para as questões trabalhistas.

Em 1934 é criada a Inspetoria de Higiene e Segurança no Trabalho, que transformou-

se, ao longo dos anos, em Serviço, Divisão, Departamento e, posteriormente, na atual

Secretaria de Segurança e Saúde no Trabalho (SSST/MTb).

A questão foi novamente esquecida por décadas e somente a partir de 1970 começam

a surgir, espontaneamente, os primeiros serviços médicos de empresa, instalados em

grandes empresas estatais ou multinacionais.16

O Ministério do Trabalho (MTb) regulamenta, em 1978, a Portaria nº

3.214, com as 28 Normas Regulamentadoras (NRs) relativas à segurança e à

medicina do trabalho. A NR 4 dessa portaria estabelece a obrigatoriedade dos

serviços médicos de empresa (hoje Serviços Especializados em Engenharia de

Segurança e em Medicina do Trabalho – SESMT), segundo o grau de risco e o

número de empregados, tendo como paradigma a Recomendação nº 112/59

(OIT).

As Normas Regulamentadoras Rurais (NRRs) são aprovadas somente

uma década mais tarde, em 1988, mediante a Portaria nº 3.067, sendo que a

NRR 2 é pertinente ao Serviço Especializado em Prevenção de Acidentes do

Trabalho Rural (SEPATR), que:

Estabelece a obrigatoriedade para que as empresas rurais, em função do número de

empregados que possuam, organizem e mantenham em funcionamento serviços

especializados em Segurança e Medicina do Trabalho, visando à prevenção de

acidentes do trabalho e doenças ocupacionais no meio rural. A sua existência

jurídica é assegurada por meio do artigo 13 da Lei nº 5.889, de 8 de junho de 1973.17

Em 1994, já adotando como paradigma a Convenção nº 161/85 da OIT, o Ministério

do Trabalho aprova as atuais versões das normas NR 7 (PCMSO) e NR 9 (PPRA).

Em 1995 é aprovada a NR 18 que trata das condições e meio ambiente de trabalho

na indústria da construção e em 1997 o Ministério do Trabalho aprova a NR 29 que

trata da segurança e saúde no trabalho portuário. E, finalmente, em 23.02.99 é

aprovada a atual versão da NR 5 (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes –

CIPA).18

No ano de 2005, o MTb implementa duas novas NRs: a NR 31, que

abrange a segurança e a saúde no trabalho na agricultura, na pecuária, na

silvicultura, na exploração florestal e na aquicultura, e a NR 32, que versa

sobre a segurança e a saúde no trabalho em estabelecimentos de saúde. Em

dezembro de 2006 o Ministério do Trabalho promulga a NR 33 sobre

segurança e saúde nos trabalhos em espaços confinados e, bem mais

recentemente, em janeiro de 2011, mediante Portaria SIT nº 200, a NR 34 que

abrange normativas para as condições e meio ambiente de trabalho na

indústria da construção e reparação naval.

Para melhor esclarecer as Portarias, os Decretos e as Recomendações

citadas anteriormente, serão apresentados, na sequência, os aspectos

principais que os caracterizam, bem como a nomeação de todas as Normas

Regulamentadoras.

Segurança e saúde no trabalho

Constituição Federal de 1988, art. 7º, XXII:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

[...]

XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;

PORTARIA MTb nº 3.214, de 08 de junho de 1978

O Ministro de Estado do Trabalho, no uso de suas atribuições legais, considerando o disposto no art. 200, da Consolidação das Leis do Trabalho, com redação dada pela Lei nº 6.514, de 22 de dezembro de 1977.

Resolve:

Art. 1º Aprovar as Normas Regulamentadoras – NR – do Capítulo V, Título II, da Consolidação das Leis do Trabalho, relativas à Segurança e Medicina do Trabalho:

NR 1 – Disposições Gerais

NR 2 – Inspeção Prévia

NR 3 – Embargo e Interdição

NR 4 – Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina

do Trabalho - SESMT

NR 5 – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes – CIPA

NR 6 – Equipamento de Proteção Individual – EPI

NR 7 – Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional – PCMSO

NR 8 – Edificações

NR 9 – Programa de Prevenção de Riscos Ambientais – PPRA

NR 10 – Instalações e Serviços de Eletricidade

NR 11 – Transporte, Movimentação, Armazenagem e Manuseio de Materiais

NR 12 – Máquinas e Equipamentos

NR 13 – Caldeiras e Vasos de Pressão

NR 14 – Fornos

NR 15 – Atividades e Operações Insalubres

NR 16 – Atividades e Operações Perigosas

NR 17 – Ergonomia

NR 18 – Condições e Meio Ambiente do Trabalho na Indústria da Construção

NR 19 – Explosivos

NR 20 – Líquidos Combustíveis e Inflamáveis

NR 21 – Trabalhos a Céu Aberto

NR 22 – Segurança e Saúde Ocupacional na Mineração

NR 23 – Proteção Contra Incêndios

NR 24 – Condições Sanitárias e de Conforto nos Locais de Trabalho

NR 25 – Resíduos Industriais

NR 26 – Sinalização de Segurança

NR 27 – Registro Profissional do Técnico de Segurança do Trabalho no

Ministério do Trabalho

NR 28 – Fiscalização e Penalidades

NR 29 – Segurança e Saúde no Trabalho Portuário

NR 30 – Segurança e Saúde no Trabalho Aquaviário

NR 31 – Segurança e Saúde no Trabalho na Agricultura, Pecuária, Silvicultura, Exploração Florestal e Aquicultura

NR 32 – Segurança e Saúde no Trabalho em Estabelecimentos de Saúde

NR 33 – Segurança e Saúde nos Trabalhos em Espaços Confinados

NR 34 - Condições e Meio Ambiente de Trabalho na Indústria da

Construção e Reparação Naval.

NRR1 – Disposições Gerais

NRR2 – Serviço Especializado em Prevenção de Acidentes do Trabalho

Rural – SEPATR

NRR3 – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes do trabalho Rural

– CIPATR

NRR4 – Equipamento de Proteção Individual – EPI

NRR5 – Produtos Químicos

As Normas Regulamentadoras, na sua íntegra, podem ser pesquisadas

acessando: http://www.mtb.gov.br ou http://www.trabalho.gov.br.

Nesses endereços é possível encontrar todos os itens e subitens que

compõem cada uma das NRs e das NRRs.

APÓS O ESTUDO DESTE CAPÍTULO, VOCÊ SERÁ CAPAZ DE:

Compreender a importância do trabalho para o desenvolvimento do ser

humano e da sociedade como um todo.

Analisar as diversas mudanças ocorridas com o processo de trabalhar

e como as preocupações para manter a produtividade foram agregando

ações preventivas para gerar bem estar e conforto ao trabalhador.

Conhecer a Lei nº 6.514, de 22 de dezembro de 1977, que estabelece as

Normas Regulamentadoras.

Reconhecer as melhorias decorrentes da implementação de leis

trabalhistas para proporcionar ao trabalhador melhores condições de

trabalho.

referências por capítulo

Capítulo 1

1 ALBORNZ, S. O que é trabalho. São Paulo: Brasiliense, 1994.

PERES, A. O homem, o trabalho e o mundo do trabalho: sob uma

perspectiva histórica. Disponível em: <http://internativa.com.br/artigo_rh_04.html>. Acesso em: 10 set. 2006.

2 ARANHA, M. L. de A.; MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à filosofia.

São Paulo: Moderna, 2003.

3 Ibid.

4 CARMO, P. S. A ideologia do trabalho. São Paulo: Moderna, 1992.

5 Ibid., p. 27.

6 DEJOURS, C. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho.

São Paulo: Cortez/Oboré, 1992.

7 DEJOURS, C.; ABDOUCHELI, E.; JAYET, C. Psicodinâmica do trabalho:

contribuição da escola dejouriana à análise da relação prazer, sofrimento e trabalho. São Paulo: Atlas, 1994.

8 DEJOURS, op. cit.

9 MIRANDA, C. R. Organização dos serviços de saúde do trabalhador.

Atualizado em: outubro 08, 2002. Disponível em: <http://nr7.sat.sites.uol.com.br/sesmt.htm>. Acesso em: 5 set. 2006.

10 Ibid.

11 RAMAZZINI, B. As doenças dos trabalhadores. São Paulo: Fundacentro,

2000.

12 MIRANDA, op. cit.

13 Ibid.

14 Ibid.

15 Ibid.

16 Ibid.

17 SOCIEDADE Brasileira de Engenharia de Segurança (Sobes). Normas

regulamentadoras. Disponível em:

<http://www.sobes.org.br/nrs.htm>. Acesso em: 13 set. 2006.

18 MIRANDA, op. cit.

capítulo 5 CONTEÚDOS DO CAPÍTULO

Neste capítulo vamos conhecer as origens e o objeto de estudo desta ciência

tão importante para a promoção de ações preventivas nos ambientes de

trabalho: a ergonomia. Dos primeiros estudos, de 1857, para os dias de hoje, a

ergonomia passou por muitas ampliações e melhorias levando assim mais

conforto, segurança e bem estar aos trabalhadores. É importante observar que

as ações ergonômicas são bem diversas, mas que podem ser contempladas de

forma sistêmica, ou seja, a melhoria em uma das áreas de ação pode gerar

melhorias em outras. Não deixe de fazer a orientação do final do capítulo que é

a leitura da Norma Regulamentadora 17 – Ergonomia, como forma de

conhecimento desta normativa específica da área.

Ergonomia

A origem e a evolução da ergonomia estão relacionadas às

transformações sociais, econômicas e, sobretudo, tecnológicas que vêm

ocorrendo no mundo do trabalho. Da produção artesanal à automação e à

informatização dos postos de trabalho e das tarefas realizadas pelo homem, as

mudanças acontecidas ao longo da história impõem a ele e às máquinas uma

série de adaptações.

A ergonomia surge de modo mais sistematizado por volta de 1940, com

o objetivo de buscar compreender a complexidade da interação entre ser

humano e trabalho, bem como de oferecer subsídios teóricos e práticos para

aprimorar essa relação. Sua origem prática está, em parte, associada às

necessidades de guerra, basicamente ligadas à construção de aviões mais

adaptados às características dos seres humanos e, portanto, mais facilmente

manejáveis por um número maior de pilotos.

Segundo Iida1,

Com o avanço da II Guerra Mundial (1939-1945), foram utilizados conhecimentos

científicos e tecnológicos disponíveis para construir instrumentos bélicos

relativamente complexos como submarinos, tanques, radares e aviões. Estes

exigiam habilidade do operador em condições ambientais bastante desfavoráveis

e tensas, o campo de batalha. Os erros e acidentes eram frequentes e muitos

tinham consequências fatais. Todo este contexto fez com que se redobrassem os

investimentos em pesquisas com o objetivo de adaptar esses instrumentos bélicos

às características e capacidades do operador/militar, melhorando o desempenho e

reduzindo a fadiga e, por efeito, os acidentes.

Nessa fase inicial da ergonomia, o foco está em desenvolver projetos e

pesquisas voltados para os aspectos microergonômicos, a saber:

antropometria (processo ou técnica de mensuração do corpo humano ou de

suas várias partes); análise e definição de controle, de painéis, do arranjo de

espaço físico e dos ambientes de trabalho; questões fisiológicas de esforço

físico e de higiene nos postos de trabalho; ou mesmo a interface com a

máquina, os equipamentos, as ferramentas, o mobiliário e as instalações.

Ainda nessa época, há uma preocupação com a adaptação do homem ao seu

meio ambiente, natural ou construído, abordando-se os aspectos físico-

ambientais, como ruído, ventilação, iluminação, vibração, aerodispersóides e

temperatura.

No início da década de 1960, com o crescente aumento da

informatização nos diferentes segmentos da economia, começa-se a perceber

que os próprios processos de trabalho podem ser redesenhados levando-se

em consideração as necessidades e as características do ser humano. A

ergonomia se volta para a área de softwares, envolvendo-se em pesquisas

sobre questões cognitivas relacionadas a aspectos específicos da interface

com o usuário.

Desde a década de 1980, a ergonomia estuda também aspectos

denominados MACROERGONÔMICOS, isto é, as pesquisas se voltam para a

análise sociotécnica que envolve a organização do trabalho. Agora, são

consideradas relevantes a análise do grau de repetitividade, monotonia e

desempenho das tarefas, bem como a investigação sobre turnos de trabalho,

segurança, higiene, layout e biorritmo. Nesse contexto, o caráter participativo

do funcionário/cliente/usuário serve como base para as avaliações

ergonômicas.

Paralelamente às questões específicas do trabalho, de acordo com Rio

e Pires2, “as questões específicas, os princípios e técnicas ergonômicas têm-se

expandido para fora dos ambientes de trabalho, visando [sic] maior conforto e

adequação anatômica pelas pessoas. Isto se aplica a sapatos, colchões,

carros, etc.”.

Rio3 distingue três fases históricas dos estudos e das pesquisas

relacionados ao trabalho:

1ª A ADAPTAÇÃO DO HOMEM À MÁQUINA - os estudos se concentram sobre a máquina, procurando formar e selecionar os operadores de acordo com as exigências da máquina;

2ª O ERRO HUMANO - que pode levar aos acidentes e a custos econômicos. Surge a consciência de que os estudos devem se concentrar no homem, a

fim de respeitar e conhecer seus limites;

3ª O SISTEMA HOMEM-MÁQUINA - as investigações se reconduzem aos

sistemas determinados pelo homem e pela máquina, buscando a mútua adaptação e operacionalidade.

Com a crescente globalização da economia e dos processos

produtivos, desencadeia-se um forte sentimento de competitividade, o que

resulta em mudanças associadas ao trabalho e gera situações inusitadas para

a ergonomia, como apontam Rio e Pires4:

NOVAS EXIGÊNCIAS DE PRODUTIVIDADE e desempenho que trazem desafios

crescentes, exigindo que as concepções e práticas aliem de maneira mais incisiva

as questões de saúde e produtividade;

A PROGRESSIVA FALTA DE EXERCÍCIO FÍSICO NO TRABALHO exige não apenas a

redução de cargas físicas, mas também a oferta de cargas mínimas necessárias

para a manutenção da saúde de sistemas orgânicos, como o músculo-esquelético

e o cardiovascular;

A INTENSIFICAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO DO ESTRESSE PSÍQUICO exigem novas

abordagens, para as quais a ergonomia ainda não desenvolveu metodologias

eficazes e necessita solicitar apoio de outras áreas [como a psicologia, a

sociologia e a antropologia do trabalho].

A grande questão que sempre se reporta à ergonomia é referente à

identificação de seus verdadeiros objetivos. Ela atua apenas para assegurar,

sem grandes problemas, o funcionamento do sistema produtivo ou para obter

primeiramente, ou pelo menos simultaneamente, a saúde plena dos

trabalhadores?

O termo ERGONOMIA é derivado das palavras gregas ergon (trabalho) e

nomos (lei ou regra). “Pode-se dizer que a ergonomia se aplica ao projeto de

máquinas, equipamentos, sistemas e tarefas, com o objetivo de melhorar a

segurança, saúde, conforto e eficiência no trabalho”.5 Muitos autores buscam

conceituar a ergonomia como uma ciência associando-a a diversos enfoques.

Alguns desses conceitos são reproduzidos a segui::

Ergonomia é o estudo do relacionamento entre o homem e seu trabalho, equipamentos e ambiente e, particularmente, a aplicação dos conhecimentos de anatomia, fisiologia e psicologia na solução dos problemas surgidos desse relacionamento.

6

Ergonomia é o conjunto dos conhecimentos científicos relativos ao homem e necessários para a concepção de ferramentas, máquinas

e dispositivos que possam ser utilizados com o máximo de conforto, de segurança e de eficácia.

7

Ergonomia é uma nova ciência que transcende a abordagem médica

ortodoxa focada no indivíduo, para, com a coparticipação da

psicologia, engenharia industrial, desenho industrial, etc., conceber,

transformar ou adaptar o trabalho às características humanas.8

Ergonomia é o estudo do comportamento do homem no seu

trabalho, convertendo-se o mesmo homem no sujeito-objeto, ou ainda, como o estudo das relações entre o homem no trabalho e seu ambiente.

9

Também segundo Kroemer e Grandjean (2005) a investigação

ergonômica deve buscar os seguintes objetivos:

a) ajustar as exigências do trabalho às possibilidades do homem, com o fim

de reduzir a carga externa;

b) conceber as máquinas, os equipamentos e as instalações pensando na

maior eficácia, precisão e segurança;

c) estudar cuidadosamente a configuração dos postos de trabalho, com o

intuito de assegurar ao trabalhador uma postura correta;

d) adaptar o ambiente físico às necessidades físicas do homem.

Há muitos outros autores que tratam desse tema e também vários

outros modos de conceituar ergonomia, mas, independente do autor, o seu

enfoque está no homem, no seu processo de trabalho para a eliminação de

riscos e esforços, na constante busca da maximização do conforto e da

eficiência do sistema.10

É necessário destacar que a origem do termo data de

1857, quando o polonês W. Jastrzebowski nomea uma de suas obras de

Esboço da ergonomia ou ciência do trabalho baseada sobre as verdadeiras

avaliações das ciências da natureza. Oficialmente o termo é adotado na

Inglaterra, em 1949, ano da fundação da Ergonomic Research Society –

Sociedade de Pesquisa Ergonômica.

O conceito de trabalho para a ergonomia vem evoluindo ao longo dos

tempos, mesmo antes da própria concepção formal da ergonomia. Taylor, no

início do século XX, desenvolve estudos que influenciam na questão do

trabalho e fornecem, até os dias de hoje, subsídios para conceitos e práticas

ergonômicas, em que pesem as inúmeras críticas ao pai da administração

científica.

Todo trabalho é um comportamento adquirido por aprendizagem, e o

trabalhador tem que se adaptar às exigências de uma determinada tarefa ou

posto de trabalho. Essa busca de adaptação do ser humano aos meios de

trabalho, aos ambientes físico e psicossocial de trabalho é o que a ergonomia

entende por trabalho.

A ergonomia como ciência não se pode conceber como um estudo

autônomo, mas, sim, interdisciplinar. Ela pode fazer excelentes parcerias com a

medicina do trabalho (estudo da biomecânica, da antropometria e da fisiologia);

com a engenharia de produção (EPIs e CIPA); com as ciências humanas e

sociais (psicologia, sociologia, antropologia) e com a economia (administração,

relações sindicais). Todas essas áreas do conhecimento buscam conceber a

ergonomia com uma diretriz ética e técnica fundamental: ADAPTAR O TRABALHO

AO SER HUMANO, E NUNCA O CONTRÁRIO. Entretanto, na prática, nem sempre isso

é possível em função das dificuldades operacionais, que vão desde a

insuficiência técnica até as questões financeiras e de interesses políticos da

empresa.

Para Vidal11

, trabalhar com ergonomia é desenvolver maneiras de dar

conta dos problemas que surgem na vida profissional. O autor denomina de

modalidades as diferentes formas de encaminhar soluções ou perspectivas

para uma ação ergonômica efetiva. Assim, os campos de atuação da

ergonomia para ele podem ser:

1. quanto ao objeto: ergonomia de produto e de produção;

2. quanto à perspectiva: ergonomia de intervenção e de concepção;

3. quanto à finalidade: ergonomia de correção, de enquadramento, de

remanejamento e de modernização.

São as áreas, portanto:

ERGONOMIA DE PRODUTO E DE PRODUÇÃO – Essa é a divisão clássica dentro da

ergonomia e a mais aceita mundialmente. A ergonomia de produto está mais

voltada para projetos de artefatos diversos: ferramentas, utensílios, mobiliário,

vestuário etc., ao passo que a ergonomia de produção enfoca as normas e os

procedimentos, tanto técnicos como humanos, buscando analisar as

dificuldades e as facilidades na execução das atribuições e nos postos de

trabalho. Na prática, a ergonomia incorpora os conceitos de ambas as áreas

para proceder à análise e à proposta de solução dos problemas, pois uma

contribui para a outra, a chamada ERGONOMIA SIMULTÂNEA.

ERGONOMIA DE INTERVENÇÃO – É a resposta a uma demanda do

cliente/usuário/consumidor, que deve ser investigada a fim de que uma solução

possa ser encaminhada para a implementação de uma ação ergonômica. Esse

levantamento da demanda pode ser feito através de listas de verificação –

checklist.

ERGONOMIA DE CONCEPÇÃO – Trata-se da elaboração de novos produtos,

processos, métodos de trabalho ou sistemas. A ideia está em projetar uma

nova concepção ou uma nova tecnologia, modificando, assim, as maneiras de

execução dos processos. A ergonomia de concepção leva a uma mudança na

maneira de pensar e fazer, sempre objetivando a implementação de soluções e

melhorias.

ERGONOMIA DE CORREÇÃO – Busca corrigir ou ao menos minimizar o

desconforto nos postos de trabalho, nas rotinas e nos procedimentos das

atribuições laborativas.

ERGONOMIA DE ENQUADRAMENTO – Visa à implementação de um padrão a ser

atendido, o qual é estabelecido internamente pela própria empresa ou por

questões estratégicas, impostas pela legislação ou por sindicatos.

ERGONOMIA DE REMANEJAMENTO – É a existência da necessidade de mudança.

Este é um campo vasto para a reengenharia, ou seja, alterações que objetivem

a otimização de processos, matéria-prima, logística e, até mesmo, pessoas. A

ideia é aproveitar as mudanças para corrigir os antigos defeitos.

ERGONOMIA DE MODERNIZAÇÃO – São as alterações dos processos de forma

abrangente e profunda, envolvendo modernização de equipamentos

(softwares) e ganhos na qualidade, na capacitação e na especialização da

mão-de-obra.

Uma análise ergonômica envolve diversos aspectos,

independentemente da modalidade em questão, sendo que o ergonomista não

deve se esquecer de contemplar todos eles. O Quadro 2 aponta as variáveis

mais frequentemente utilizadas nas pesquisas ergonômicas.

Quadro 2: IIIDA, I. Ergonomia: projeto e produção. São Paulo: Edgar Blucher, 2005, p. 40.

Mas como proceder para verificar todas essas variáveis? Moraes e

Mont’Alvão12

indicam alguns métodos e técnicas para esse processo de

intervenção. As autoras recomendam as pesquisas participantes, nas quais o

usuário/cliente/consumidor/funcionário expressa sua opinião sobre a forma de

executar a tarefa, o funcionamento do posto, as dificuldades pertinentes às

ferramentas em uso ou mesmo o desconforto proveniente de alguma situação.

Desse modo, nas pesquisas descritivas, o pesquisador/ergonomista procura

conhecer e interpretar a realidade, sem nela interferir, descrevendo,

classificando e interpretando os dados/eventos/fatores/situações/problemas.

Para tanto, os métodos recomendados pelas autoras para fazer uma

exploração ergonômica são:

· OBSERVAÇÃO: direta (pessoalmente), indireta (registro através de fotografia,

filmagem, binóculo etc.), assistemática (ocasional, sem agendamentos, não

segue nenhum padrão sequencial) ou sistemática (estruturada, controlada,

planilhas de registro, fichas de entrevista etc.);

· REGISTRO DE COMPORTAMENTO: anotações de expressões verbais e não

verbais em relação a posturas, deslocamentos, comunicações, exploração

visual, tomada de informação, movimento do corpo em geral: cabeça,

braços, pernas, olhos etc.;

· INQUIRIÇÃO: entrevistas tanto abertas como fechadas (questionário), testes,

enquetes, escalas de avaliação etc.

Seguindo essas técnicas e métodos, pode-se estabelecer parâmetros

para aplicar uma intervenção ergonômica dentro de uma organização, seja no

chão de fábrica, no setor operacional, seja nos escritórios, no setor

administrativo. Diversas etapas são descritas por diferentes autores para se

proceder da maneira apropriada à análise ergonômica. Moraes e Mont’Alvão13

dividem esse processo em cinco etapas:

1ª APRECIAÇÃO ERGONÔMICA – Mapeamento dos problemas ergonômicos da empresa

englobando o sistema homem-tarefa-máquina, delimitando aspectos de postura,

informação, cognição, comunicação, ação, movimento, deslocamento, interação,

operacional, espacial e físico ambiental. Devem ser feitos registros fotográficos ou em

vídeo, observações, etc. Esta etapa termina com o parecer ergonômico, que compreende

uma apresentação ilustrada dos problemas mapeados sugerindo melhorias mediante a

hierarquização dos mesmos, relevando os custos humanos, a gravidade e a urgência.

2ª DIAGNOSE ERGONÔMICA – Nesta etapa se deve aprofundar os problemas priorizados e

testar predições. É o momento das observações sistemáticas das atividades da tarefa, dos

registros do comportamento, em situação real de trabalho. No diagnóstico é fundamental

identificar o usuário/trabalhador através de uma coleta organizada de informações sobre a

demanda ergonômica: Quem, O que, Como, Onde e Quando. É ouvir as “falas” do

usuário/trabalhador mediante o uso de métodos de inquirição e observação para levantar

as queixas estabelecendo um grau de importância. É importante considerar o histórico dos

postos, se ocorrem acidentes, erros, doenças, e as condições ambientais.

3ª PROJEÇÃO ERGONÔMICA - Trata de adaptar as estações de trabalho, equipamentos e

ferramentas às características físicas psíquicas e cognitivas do usuário/trabalhador. Ao final

desta etapa, é necessário elaborar um projeto que contemple soluções e melhorias na

conformação, perfil e dimensionamento dos espaços, das tarefas, dos ambientes, da

organização do trabalho e da qualidade de vida como um todo.

4ª AVALIAÇÃO, VALIDAÇÃO e/ou TESTES ERGONÔMICOS – Momento de testar o projeto

proposto através de protótipos, simulações, maquetes, etc. até chegar a uma solução

adequada para a maioria das pessoas e para o sistema produtivo.

5ª DETALHAMENTO ERGONÔMICO e OTIMIZAÇÃO – Revisão e acompanhamento do projeto

como um todo até chegar ao consentimento/aprovação dos usuários/trabalhadores, sempre

observando as especificações ergonômicas.

Fica claro, que a ergonomia objetiva, através de sua ação, “resolver os

problemas da relação entre homem/trabalhador, máquinas, equipamentos,

ferramentas, programação do trabalho, instruções e informações, solucionando

os conflitos entre o humano e o tecnológico, entre a inteligência natural e a

artificial nos sistemas homem-máquina-produção”.14

Da mesma forma, é válido reiterar que a ação do ergonomista dentro

de uma organização, além de recair diretamente na saúde ocupacional, busca

melhorar as condições ambientais; aumentar a motivação, a segurança, o

conforto e a satisfação do trabalhador; evitar riscos de acidentes de trabalho;

reduzir o retrabalho e o absenteísmo.

APÓS O ESTUDO DESTE CAPÍTULO, VOCÊ SERÁ CAPAZ DE:

Conhecer o histórico dos estudos sobre ergonomia e as mudanças sofridas

ao longo deste processo.

Compreender as áreas de atuação da ergonomia.

Analisar a importância das ações ergonômicas como forma preventiva de

acidentes de trabalho e doenças ocupacionais.

Verificar as etapas necessárias a serem realizadas em uma análise

ergonômica para traçar um parecer na área.

referências por capítulo

Capítulo 5

1 IIDA, I. Ergonomia: projeto e produção. São Paulo: Edgard Blücher, 2005. p.

6.

2 RIO, R. P.; PIRES, L. Ergonomia: fundamentos da prática ergonômica. São

Paulo: LTr, 2001.

3 _______. Ergonomia: fundamentos da prática ergonômica. Belo Horizonte:

Health, 1999. p. 22-23.

4 RIO; PIRES, op. cit.

5 DUL, J.; WEERDMEESTER, B. Ergonomia prática. São Paulo: Edgard

Blücher, 1995.

6 IIDA, I. Ergonomia: projeto e produção. São Paulo: Edgard Blücher, 2005.

7 WISNER, A. Por dentro do trabalho. São Paulo: FTD/Oboré, 1987.

8 GUIMARÃES, L. B. de M. (Coord.). Ergonomia de processo. Porto Alegre:

UFRGS, 1999. v. II.

9 GRANDJEAN, E. Manual de ergonomia: adaptando o trabalho ao homem.

Porto Alegre: Artes Médicas, 2005.

10 IIDA, I. Ergonomia: projeto e produção. São Paulo: Edgard Blücher, 2005.

11 VIDAL, M. C. R. Ergonomia na empresa: útil, prática e aplicada. Rio de

Janeiro: Virtual Científica, 2002.

12 MORAES, A. de; MONT’ALVÃO, C. Ergonomia: conceitos e aplicações. Rio

de Janeiro: 2AB, 2000.

13 Ibid.

14 Ibid.

15 Id., p. 14-15.