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SILVANA ZIBETTI JEANS UM SÍMBOLO DA CULTURA JOVEM Marília – SP 2007

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SILVANA ZIBETTI

JEANS — UM SÍMBOLO DA CULTURA JOVEM

Marília – SP

2007

SILVANA ZIBETTI

JEANS — UM SÍMBOLO DA CULTURA JOVEM

Dissertação apresentada à Universidade de

Marília (UNIMAR), Faculdade de

Comunicação, Educação e Turismo, para

obtenção do Título de Mestre em

Comunicação, Área de Concentração em

Mídia e Cultura.

Orientadora: Profª. Drª. Ana Maria Gottardi

Marília – SP

2007

UNIVERSIDADE DE MARÍLIA — UNIMAR

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E TURISMO

REITOR

MÁRCIO MESQUITA SERVA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO

PRÓ-REITORA PROFª. DRª. SUELY FADUL VILLIBOR FLORY

ÁREA DE CONCETRAÇÃO

MÍDIA E CULTURA

LINHA DE PESQUISA

PRODUÇÃO E RECEPÇÃO DE MÍDIA

ORIENTADORA

PROFª. DRª. ANA MARIA GOTTARDI

SILVANA ZIBETTI

JEANS — UM SÍMBOLO DA CULTURA JOVEM

Data da Defesa: 26 de março de 2007

BANCA EXAMINADORA

Profª. Drª. Ana Maria Gottardi (orientadora)

Avaliação: 10 Assinatura: _____________________________________

Profª. Drª. Lúcia Correia Marques de Miranda Moreira

Avaliação: 10 Assinatura: _____________________________________

Profª. Drª. Maria Carmen Guimarães Possato

Avaliação: 10 Assinatura: _____________________________________

Marília – SP

2007

Aos meus mestres contadores de história, dido Paulo Chopeck

e nono Hilário José Zibetti, à fonte de minha perseverança, nona Irma

Celestina Carlot Zibetti, e às mãos que me trouxeram ao mundo, baba

Ludvina Delenga Chopeck, in memoriam, dedico.

AGRADECIMENTOS

À minha orientadora, Professora Doutora Ana Maria Gottardi, por ter me apontando o

Norte e por ter me concedido a total liberdade para trilhar meu próprio caminho.

Às Professoras Doutoras Lúcia Correia Marques de Miranda Moreira e Rosângela

Marçolla pelos acréscimos e reparos sugeridos no Exame de Qualificação.

Às Professoras Doutoras Kathia Castilho e Sylvia Demetresco, do programa de Pós-

Graduação em Comunicação, Moda e Marketing da Anhembi Morumbi, pelo carinho e

atenção com que me ensinaram a ler imagens.

Às Professoras Doutoras Maria Alzira Broom, Maria Tereza Canezin Guimarães e

Sonia Wolf pelas indicações bibliográficas e valiosas contribuições sugeridas no

percurso da elaboração deste trabalho.

Às amigas Professoras Doutoras Carmen Lúcia Zambon Firmino e Maria Carmen

Guimarães Possato, cujos passos eu admiro e por quem tenho muita gratidão pelos anos

compartilhados em minha trajetória acadêmica.

Ao Publicitário Fábio Siqueira pelo carinho com que me recebeu em sua agência, Fun

Comunicação, e pelo precioso aporte referente à LEVI’S.

Aos queridos amigos Professores Alessandra Guimarães Possato e Ricardo Adriano

Fernandes pelas angústias, idéias e alegrias compartilhadas durante as viagens.

À Direção do Centro Educacional de Votuporanga — CEUV pela ajuda financeira.

À Arquiteta Fabiana Zibetti pela contribuição teórica referente à análise dos cenários

das campanhas publicitárias da DIESEL e da LEVI’S.

Aos meus pais, Alberto Zibetti e Julia Zibetti, pelo apoio em todas as minhas escolhas.

Ao homem que é um sonho, Vlamir Rubens da Silva Nogueira, pelo carinho e atenção.

Aos meus irmãos, sobrinho e muito amigos, dentre eles, Gabriela Zibetti, Julio César

Zibetti, Alberto Gabriel Zibetti, Virginia Caobianco, Denise Siqueira, Marcelo Parro,

Samáris Braguetto Gonçalves, André Nogueira, Giuliana Guimarães Possato, Rodrigo

Araújo, Rogério Ferraraz, Gisele Baesso, Maria Jussara Borges de Oliveira ...

A todos vocês, muito OBRIGADA!

ZIBETTI, Silvana. Jeans — um símbolo da cultura jovem. 2007. 281 f. Dissertação

(Mestrado em Comunicação) — Universidade de Marília (UNIMAR), Marília.

RESUMO

Partindo do estudo de uma simples peça de vestuário — a calça jeans —, esta

dissertação examina a moda jeanswear desde a origem do denim, até os dias atuais,

contando sua história, seu processo de evolução estética, tecnológica e mercadológica.

Retrata sua projeção no mercado global, além disso, ressalta a importância dos estudos

da cultura jovem e da construção de identidades pós-modernas, em suma, dos estilos de

vida da juventude contemporânea, para a atual comunicação mercadológica. Por fim, à

luz semiologia de Roland Barthes e do método de análise da mensagem publicitária, são

analisados alguns anúncios campanhas das marcas LEVI’S e DIESEL, veiculados no

período de fevereiro a junho de 2006, em editoriais de revistas de moda brasileiras,

européias e norte-americanas.

Palavras-chave: cultura jovem, comunicação mercadológica, semiologia, jeans

e identidades pós-modernas.

ZIBETTI, Silvana. Jeans — a symbol of the young culture. 2007. 281 f. Dissertation.

(Master in Communication) — Marília University (UNIMAR). Marília.

ABSTRACT

Taking of the study of a simple garment — the jeans —, this dissertation

examines the fashion to jeanswear since the origin of denim, until the current days,

counting it’s history, it’s process of aesthetic, technological and marketing evolution. It

portraits it’s projection in the global market, moreover, stands out the importance of the

studies of culture young e of the construction of postmodern identities, summarizing, of

the styles of life of youth contemporary, for the current marketing communication.

Finally, to the light semiotic of Roland Barthes and of the method of analysis of the

message advertising executive, some announcements are analyzed campaigns of the

marks LEVI'S and DIESEL, propagated in the period of February the June of 2006, in

editorials of fashion Brazilians, Europeans and North Americans.

Key-words: young culture, marketing communication, semiology, jeans and postmodern identities.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração 01 — Mineiros, Strauss e Davis usando jeans e um tag da LEVI’S de 1988 27

Ilustração 02 — O clássico waist overalls LEVI’S 29

Ilustração 03 — Etiqueta Two Horse Brand 30

Ilustração 04 — Publicidade da LEVI’S de 1899 31

Ilustração 05 — LEVI’S Square, San Francisco, 1999 32

Ilustração 06 — O waist overall original e o waist overall lançado em 1936 32

Ilustração 07 — A calça dos cowboys — cowboys overalls — LEVI’S, 1926 34

Ilustração 08 — Cowboys do far west, da vida real e do anúncio da LEVI’S de 1890 36

Ilustração 09 — O jeans dos vaqueiros dos anos 30 e 40 36

Ilustração 10 — Hopalong Cassidy e o black denim, década de 1950 39

Ilustração 11 — John Travolta em Urban Cowboy, 1980 39

Ilustração 12 — Cartaz e cenas do filme Brokeback Moutain, 2005 43

Ilustração 13 — As lady’s e as jeanies, as primeiras calças jeans femininas 44

Ilustração 14 — Marilyn Monroe, Jayne Masfield e Betty Boop e o jeans sexy 47

Ilustração 15 — Dancing’ Days, Studio 54 e Village People e os símbolos da Era Disco 53

Ilustração 16 — A mulher Biônica e As Panteras e a massificação do jeans feminino 55

Ilustração 17 — Brooke Shields na campanha de lançamento da CALVIN KLEIN 56

Ilustração 18 — Luiza Brunet e Humberto Saad, anúncio da DIJON, década de 1980 57

Ilustração 19 — A liberdade sexual, a sensualidade e erotismo de Madonna 58

Ilustração 20 — Top models o fenômeno dos anos 1990 59

Ilustração 21 — Princesa Diana e príncipe Willian e o requinte e nobreza do denim 60

Ilustração 22 — Androginia no anúncio da PEPE JEANS 61

Ilustração 23 — Jeans com lucra no anúncio da FORUM 62

Ilustração 24 — Gisele Bündchen veste shorts jeans em anúncio da Mercedes Benz 62

Ilustração 25 — Premium jeans, o predileto das celebridades 64

Ilustração 26 — James Dean, Elvis Presley e Marlon Brando, anos 1950 68

Ilustração 27 — Peter Fonda e Dennis Hopper em Easy Ryder, 1969 69

Ilustração 28 — Joe Cocker e Jimi Hendrix em Woodstock, 1969 70

Ilustração 29 — Bule jeans LEVIS, 1950-1960 71

Ilustração 30 — O jeans dos Beatles 72

Ilustração 31 — Foto do público do Woodstock, em 1969 73

Ilustração 32 — Capa do disco Sticky Fingers, Rolling Stones, 1971 75

Ilustração 33 — Kate Moss, anúncio da campanha do verão 2000, da FORUM 78

Ilustração 34 — Laboratório de desenvolvimento e jaqueta Engennered Jeans LEVI’S 81

Ilustração 35 — Jeans de luxo, bolsa LOUIS VUITTON em patchwork de denim 82

Ilustração 36 — Anúncio da LEE 95

Ilustração 37 — Esquema Mundialização X Globalização 99

Ilustração 38 — Pôster do filme Quatro Amigas e um Jeans Viajante 114

Ilustração 39 — Garota com sua Twinn Doll, ambas usando jeans 118

Ilustração 40 — Várias garotas com suas respectivas Twinns Dolls 119

Ilustração 41 — Jovem da tribo connecting 120

Ilustração 42 — RedWire DLX da LEVIS, como conexão para o i-Pod da APPLE 121

Ilustração 43 — Jovem da tribo street culture 122

Ilustração 44 — Clip Hung UP da Madonna, hip-hop, break, chav e parkur 123

Ilustração 45 — Adolescente emo-rocker 124

Ilustração 46 — Adolescentes emo-rockers e de bandas do gênero musical emo 125

Ilustração 47 — Menina Generation Next 126

Ilustração 48 — Menino da tribo kids 127

Ilustração 49 — Uma jovem da tribo moe 128

Ilustração 50 — Fotos de integrantes da tribo moe, tiradas em Harajuku e Shibuya 129

Ilustração 51 — Um jovem brandie-hippie 130

Ilustração 52 — Brandie-hippies desfile São Paulo Fashion Week, Verão 2007 131

Ilustração 53 — Um jovem reggae rocker style 132

Ilustração 54 — Reggae rocker style e seus ídolos: Leroy Wallace e Bob Marley 133

Ilustração 55 — Jovem adepto do estilo funny tailoring 134

Ilustração 56 — Funny tailoring desfile da ZOOMP SPFW Verão 2007 135

Ilustração 57 — Jovem adepta do estilo China chic 136

Ilustração 58 — Imagens ilustrativas do estilo China chic 137

Ilustração 59 — Jovem simpatizante do estilo favela hype 138

Ilustração 60 — Jovem adepto do estilo África 139

Ilustração 61 — África pop, desfiles do SPFW Verão 2007 140

Ilustração 62 — Jovem adepta ao estilo coexistence 141

Ilustração 63 — Imagens ilustrativas da tribo coexistence 142

Ilustração 64 — Uma jovem representante da tribo cool street 143

Ilustração 65 — Um jovem adepto do estilo cool street 143

Ilustração 66 — Cool street e alguns de seus signos 144

Ilustração 67 — Imagens dos beatniks 153

Ilustração 68 — Hell’s angels 155

Ilustração 69 — Almont, festival dos Rolling Stones, dezembro de 1969 155

Ilustração 70 — Blousons noirs 156

Ilustração 71 — Teddy boys 157

Ilustração 72 — Rockers 159

Ilustração 73 — Logotipo e modelo da jaqueta de couro LEWIS 159

Ilustração 74 — Mods 162

Ilustração 75 — Skinheads 165

Ilustração 76 — Hippies 168

Ilustração 77 — Hippies em Woodstock, agosto de 1969 171

Ilustração 78 — Punks e a banda Ramones, década de 1970 173

Ilustração 79 — Headbangers 177

Ilustração 80 — Maquiagens, acessórios e adereços clubbler 180

Ilustração 81 — Clubblers 181

Ilustração 82 — Góticos 183

Ilustração 83 — Yuppies 185

Ilustração 84 — Kurt Cobain com seus jeans puídos e sobreposição de t-shirts 187

Ilustração 85 — Kate Moss e Johnny Depp e a estética grunge 189

Ilustração 86 — Ídolos e adeptos do movimento grunge 190

Ilustração 87 — Patricinhas e mauricinhos 192

Ilustração 88 — B-boys, B-girls, break-dance e a cultura hip-hop 197

Ilustração 89 — Rapper inglês Mike Skinner, ícone pop dos chavs 198

Ilustração 90 — Garotos e garotas adeptos do movimento Chav 199

Ilustração 91 — Imagens-chave da campanha A STYLE FOR EVERY STORY™ 211

Ilustração 92 — Anúncio 1: Campanha LEVI’S BE ORIGINAL 213

Ilustração 93 — Anúncio 2: Campanha A STYLE FOR EVERY STORY™ 218

Ilustração 94 — Anúncio 3: Campanha AT A LAST, A PAIR TO BELIEVE IN 223

Ilustração 95 — Anúncio 4: Campanha AT LAST, A PAIR TO BELIEVE IN 229

Ilustração 96 — Anúncio da campanha SATY YOUNG, da DIESEL 237

Ilustração 97 — O nascimento da Vênus, obra de Sandro Botticelli 239

Ilustração 98 — Anúncios da Campanha CAMOUFLAGE TALES 241

Ilustração 99 — Calçados e acessórios da Campanha CAMOUFLAGE TALES 242

Ilustração 100 — Anúncio 5: CAMOUFLAGE TALES 245

Ilustração 101 — Anúncio 6: CAMOUFLAGE TALES 249

Ilustração 102 — Anúncio 7: CAMOUFLAGE TALES 253

Ilustração 103 — Anúncio 8: CAMOUFLAGE TALES 257

Ilustração 104 — Davi de Michelangelo veste o jeans da LEVI’S, década de 1960 268

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 15

1 A HISTÓRIA DA CALÇA JEANS 20

1.1 A origem do denim e do jeans 21 1.2 Os pioneiros 24 1.3 Na pele dos cowboys, do cinema far west, colonizando a América 34 1.4 Lady’s e Jeanies — as calças jeans femininas 44 1.5 O jeans dos jovens — do universo underground ao restrito mundo do luxo 65

2 CULTURA JOVEM E CONSUMO 84

2.1 O mercado de consumo de massas e os jovens consumidores globais 86 2.2 Moda, publicidade, mídia e construção de identidades pós-modernas 107 2.3 As subculturas e as tendências de comunicação e consumo 117

3 TODAS AS TRIBOS VESTEM DENIM 148

3.1 Beatniks 151 3.2 Hell’s Angels 154 3.3 Blusons-noirs 156 3.4 Teddy boys 157 3.4 Rockers 158 3.6 Mods 160 3.7 Skinheads 163 3.8 Hippies 167 3.9 Punks 172 3.10 Headbangers 175 3.11 Clubbers e Ravers 178 3.12 Góticos 182 3.13 Yuppies 185 3.14 Grunges 186 3.15 Patricinhas e mauricinhos 191 3.16 B-boy e b-girls 193 3.17 Objeto plural, jeans 202

4 ANÁLISE DA PUBLICIDADE DAS MARCAS LEVI’S E DIESEL 205

4.1 Análise do discurso persuasivo da publicidade da LEVI’S 207 4.2 Análise do discurso persuasivo da publicidade da DIESEL 233

CONSIDERAÇÕES FINAIS 264

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 272

Das velas em denim do navio Santa Maria,

que trouxe Colombo para estas costas há mais

de 500 anos, até as silhuetas de águias

bordadas nos bolsos traseiros das calças

LEVI’S, o passado do denim está entrelaçado

com a história da América. Como hamburgers

e hot dogs, o jeans é símbolo que faz parte do

folclore dos Estados Unidos da América.

Brandon Hooley — jornalista

15

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa vem tratar de um assunto muito polêmico e, também, bastante

coerente com os estudos em Comunicação Social, a calça jeans e a sua relação com a

cultura jovem e o consumo de moda, com a formação tribos urbanas e,

conseqüentemente, com o fenômeno da formação de identidades das minorias nos

grandes centros urbanos. Este é um assunto de relevância para o desenvolvimento de

trabalhos sobre a influência da moda e da comunicação social, sobretudo, da

comunicação mercadológica, mais especificamente, da publicidade, na formação de

identidades dos grupos juvenis. Busca, através da investigação qualitativa e análise dos

modos de propagação da calça jeans, interpretações sociais, localizadas no tempo,

destacando a identidade como processo dinâmico em desenvolvimento permanente.

O tema deste trabalho é a moda jeanswear e a influência da publicidade na

construção dos processos de identidade e cultura do fenômeno das tribos urbanas, a

partir de análises de grifes reconhecidas no cenário da moda global.

A calça jeans é considerada um fenômeno cultural, além de ser uma das mais

expressivas, versáteis e significativas vestimentas contemporâneas, principalmente para

os jovens consumidores globais. Assim como a moda e a publicidade, de maneira geral,

a calça jeans ajuda a contar a história da humanidade, visto que é representativa, tanto

do avanço tecnológico, quanto das transformações sofridas pela sociedade. Esta peça de

vestuário, cujo sucesso ainda ninguém ousou questionar, constituiu-se no objeto deste

estudo, por ser considerada como um produto que, ao longo do século XX, modificou

hábitos e comportamentos de milhões de consumidores em todo o mundo.

A partir da Revolução Industrial do século XIX e da adoção da prática do vestir

como expressão de sentimentos, o jeans mostra o seu papel na sociedade,

desencadeando um estudo mais completo das variantes sócio-político-econômicas pelas

quais o mundo passou.

16

Sem perder sua função original de proteger e cobrir o corpo, o jeans se destaca

como o elemento que transcende a moda, a idade, a religião, a sociedade e a cultura. É

imagem de identidade social e de individualidade, refletida nas formas, na força

simbólica das marcas, nos arquétipos utilizados na publicidade e no poder alquímico de

seu azul profundo.

Para o desenvolvimento deste estudo, foram feitas pesquisas qualitativas de

caráter interdisciplinar, pois o campo da moda, principalmente o campo da moda

jeanswear, é um campo de construção de um tipo de educação, para onde muitas

disciplinas convergem e se encontram. A moda é sociológica, comportamental,

antropológica e comunicacional. Portanto, além de recorrer à literatura disponível sobre

o assunto, a presença da calça jeans foi investigada em diversos campos da vida

humana, como cinema, música, publicidade, literatura, arte etc.

A pesquisa começa com um capítulo de caráter histórico, que registra o processo

evolutivo da calça jeans, desde a origem do denim (tecido que serve de matéria-prima

para a confecção da calça jeans) e do jean (tecido que deu origem ao nome da calça

jeans). Em seguida, a história da calça jeans, ao longo do século XX, é abordada dentro

do contexto sociocultural do universo dos mineiros, dos cowboys, do feminino e do

jovem. O percurso e as estratégias de construção de imagem da marca norte-americana

LEVI’S, precursora no processo de industrialização da calça jeans com rebites de cobre

e responsável pela evolução do denim em torno do mundo, é minuciosamente

investigado. Este capítulo tem como objetivo expor como a calça jeans se tornou

universal, evoluindo para além das referências culturais norte-americanas, consagrando-

se como um símbolo de estilo de vida jovem e independente, um ícone luxuoso e

símbolo de reconhecimento.

As análises históricas têm vinculado as estruturas do vestuário aos estilos

dominantes de cada período da história da humanidade e estão, de modo geral,

vinculados à história da vida privada e do cotidiano, encontrando suporte teórico na

história da arte e das mentalidades. As obras As espirais da moda, de Vincent-Ricard;

O sexo e as roupas: a evolução do traje moderno, de Ane Hollander; Moda, luxo e

economia, de José Carlos Durand; A moda no século XX, de Maria Rita Moutinho e

Máslova Teixeira Valença; A roupa e a moda, de James Laver; Moda do século, de

François Baudot; O que é punk, de Antônio Bivar; O espírito das roupas, de Gilda

Mello Souza; O que é contracultura, de Carlos Alberto Messeder Pereira; Jeans, a

17

roupa que transcende a moda, de Lu Catoira; This is a pair of Levi’s jeans: the

official history of the Levi’s Brand, de Lynn Downey e Babado forte: moda, música

e noite na virada do século XXI, de Érika Palomino, serviram de base teórica para

desenvolvimento do primeiro e do terceiro capítulos.

O segundo capítulo aborda a cultura jovem sob a ótica do desenvolvimento do

consumo de massas, desde meados do século XX até os tempos contemporâneos; foi

escrito à luz das teorias da “sociedade das tribos” e da “felicidade paradoxal” dos

sociólogos franceses Michael Maffessoli e Gilles Lipovetsky, respectivamente. O

comportamento do jovem consumidor global foi analisado com base nos estudos e

pesquisas realizados pela jornalista canadense Naomi Klein, pela agência brasileira de

pesquisa mercadológica Box 1824 e pelo instituto inglês Social Issues Research Center

(SIRC). Neste capítulo, são também abordados os papéis da moda, da publicidade, da

música e da mídia na construção de identidades pós-modernas, com base nos estudos

sociológicos de Manuel Castells, em O poder da identidade; de Gilles Lipovetsky, em

Le bonheur paradoxal e O império do efêmero; de Mike Feartherston, em Cultura

de consumo e pós-modernismo; de Nestor Garcia Canclini, em Consumidores e

cidadãos: conflitos multiculturais da globalização; de Beatriz Sarlo, em Cenas da

vida pós-moderna: intelectuais, arte e videocultura; de Edgar Morin, Cultura de

massas no século XX: neurose; e nos estudos antropológicos de Ted Polhemus, em

Streetstyle: from sidewalk to catwalk. Fechando o capítulo, de acordo com os estudos

realizados pela indústria de denim, Santana Têxtil, são identificadas as novas

subculturas e as tendências de comunicação e consumo.

Dando continuidade aos estudos da cultura jovem e dos movimentos de estilos,

conhecidos atualmente como tribos urbanas, o terceiro capítulo aborda as principais

tribos que surgiram a partir de meados do século XX. As análises semiológicas das

aparências e dos modos de vestir destas tribos foram feitas com base nas obras A moda

da moda e Novos ritos, novos mitos, de Gillo Dorfles; A moral e a máscara, de

Patrice Bollon; A linguagem das roupas, de Alison Lurie; Psicologia do vestir, de

Umberto Eco; Moda e comunicação, de Malcolm Barnard e Streetyle e surf stylling,

de Ted Polhemus.

Finalmente, no quarto e último capítulo, são analisados alguns textos

publicitários das campanhas veiculadas em mídia impressa de duas marcas globais de

jeanswear, LEVI’S e DIESEL. Com o intuito de investigar as estratégias de persuasão,

18

o processo de significação e os sentidos da publicidade, utilizadas na construção

simbólica dessas marcas, são analisados alguns anúncios das campanhas publicitárias

das marcas LEVIS e DIESEL. Para análises do tema, estratégias discursivas e de

diagramação utilizadas são utilizados métodos de análises e leituras de imagens e de

interpretação da linguagem publicitária, destacando-se o método de análises

semiológicas da mensagem publicitária proposto por Roland Barthes em Uma aventura

semiológica. Além disso, também são analisados o caráter persuasivo e o semântico dos

textos imagéticos, por meio de uma abordagem comparativa de quatro anúncios

impressos de cada marca, veiculados no período de fevereiro a junho de 2006, em

editoriais de revistas de moda nacionais, europeus e norte-americanos.

Como objeto de estudo para o desenvolvimento destas análises, foram selecionados

quatro anúncios de mídia impressa da marca LEVI’S, de três diferentes campanhas,

veiculas no mesmo período, mas em diferentes localidades: anúncio 1, campanha LEVI’S

BE ORIGINAL (“Seja Original” — América Latina), veiculado na Revista Registro Geral

(RG) Vogue Brasil, número 51, junho de 2006, contracapa; anúncio 2, campanha A

STYLE FOR EVERY STORY™ (“Um estilo para cada história” — Estados Unidos e

Canadá), veiculado na Revista Teen Vogue USA, abril de 2006, p. 113; anúncios 3 e 4,

campanha AT LAST, A PAIR TO BELIEVE IN (Finalmente, um par em que se pode

acreditar — Europa), veiculados, respectivamente, na Revista Elle England, maio de 2006,

p. 70 e na contra capa da Revista Ragazza-Portugal, março de 2006.

Também foram selecionados quatro anúncios da marca DIESEL, todos da

mesma campanha: CAMOUFLAGE TALES (Narrativas Camufladas), veiculados em

mídia impressa, no período de fevereiro a abril, em editoriais de moda nacionais e

europeus. São eles: Anúncio 5, veiculado na Revista Vogue Brasil, número 333, maio

de 2006, p. 24-25. Anúncio 6, veiculado na Revista Vogue Brasil, número 331, março

2006, p. 10-11. Anúncio 7, veiculado na Revista Elle France, número 246, fevereiro de

2006, p. 66-67. Anúncio 8, veiculado na Revista Vogue Brasil, número 332, abril de

2006, p. 40-41, formato página dupla (40 X 26,5 cm).

Em suma, este trabalho pretende mostrar a trajetória do jeans, que, de um

simples traje de trabalhadores, ascedeu à mais alta camada social, transformando-se, de

um tipo de roupa rústica, em um dos mais comentados e desejados ícones da moda

urbana, em um verdadeiro estido de vida.

A gente veste jeans quando quer parecer

jovem, a gente veste jeans quando quer

comprar uma briga.

Maria Tereza Canezin Guimarães — Socióloga

20

CAPÍTULO I

A HISTÓRIA DA CALÇA JEANS

Quando não se sabe o que vestir, a indicação da maioria dos consultores de

estilo, um dos mais badalados profissionais dos bastidores da moda, atualmente

conhecidos como stylists, é unânime — use uma calça jeans e uma camiseta branca que

está tudo certo. Além do mais, esse é o uniforme dos modelos masculinos e das top

models para seleções de trabalho — jeans, camiseta e tênis ou chinelas Havaianas.

Desde o princípio da história da humanidade, surgiram diversas maneiras de cobrir

o corpo, mas a moda foi uma invenção distinta. Surgiu no final da Idade Média, com o

aparecimento da burguesia e da proposta de um sistema novo de vestir, que se tornou

obrigatório para a sociedade ocidental. A fase, que se pode considerar como o início da

moda, remonta à metade do século XIV, época ao mesmo tempo artesanal e aristocrática,

na qual as vestes revelavam seus traços sociais e estéticos. Assim, para o sociólogo francês

Gilles Lipovetsky (1989), “a procura estética é exterior ao estilo de cada época, não ordena

novas estruturas nem novas formas do traje, funciona como simples complemento

decorativo, adorno periférico” (LIPOVETSKY apud CATOIRA, 2006, p. 25).

Em 1853, em São Francisco, Estados Unidos, o jovem imigrante alemão Levi

Strauss abre a casa atacadista Levi Strauss & Co., que comercializava tecidos e roupas

para vestir os trabalhadores das minas do Oeste norte-americano. Anos depois, o denim

foi transformado numa das mais adoradas peças de roupa da história, dando origem à

calça jeans e à marca LEVI’S.

Em 1858, surge, em Paris, França, com o estilista inglês Charles-Fréderick

Worth, a Alta Costura — confecção de modelos assinados, feitos sob medida, que

monopolizam a moda de luxo.

21

Esses dois importantes acontecimentos — a confecção industrializada da calça

jeans e a alta-costura — revolucionaram a história do comportamento humano,

caracterizando-se como dois fenômenos paradoxalmente opostos:

A alta-costura, durante o século XX, funcionou como uma espécie de “ditadora”

das tendências de moda. Ao longo de várias décadas, os modelos de alta-costura

confeccionados para as divas do cinema e grandes celebridades ditaram a moda,

influenciando as classes sociais inferiores até chegar ao nível de massificação e,

conseqüentemente, deixar de ser moda.

Já a calça jeans teve a curva de adoção inversa, foi criada para vestir os

trabalhadores, caiu no gosto dos cowboys, foi aderida pelos jovens como signo de protesto

nos movimentos de contracultura, ganhou popularidade em torno do mundo e o estrelato

nas passarelas de moda, atingiu a maturidade no seu ciclo de vida de produto, ressurgindo

renovada através do conceito premium jeans, tornando-se um ícone de status social, tal

como são considerados os atuais artigos de luxo: bolsas, relógios e óculos.

1.1 A origem do denim e do jeans

Denim não é simplesmente um tecido de algodão, mas a matéria-prima que dá

forma à calça jeans; inspira fortes paixões, tem lugar reservado no coração de designers,

estilistas, modelos, jovens, adolescentes, estrelas de cinema, repórteres, escritores e

publicitários, entre outros. O interesse, que beira a paixão, pode ser o fundamento entre

o tecido e os historiadores de moda até hoje, especialmente, no que se refere à

verdadeira origem do denim.

Segundo Lynn Downey (1995), em This is a pair of Levi’s jeans, no ano de 1969,

um escritor de uma revista de tecidos norte-americana declarou: “denim é um dos tecidos

mais antigos do mundo, contudo permanece jovem”. Seu uso contínuo e o grande interesse

por este produto certamente o fizeram ser qualificado como “eternamente jovem”.

Desde o século XVII, o denim tem sido um tecido usado no trabalho de

tapeçaria, na confecção de calças e toldos; está presente em museus, sótãos, loja de

antiguidades e em escavações arqueológicas; usado como tecido resistente ao trabalho,

22

como expressão de uma brava rebelião; usado, na lenda, nas velas do barco Santa Maria

de Cristóvão Colombo, quando este descobriu o Novo Mundo em 1492; e usado, na

realidade, por mineiros e vaqueiros norte-americanos.

Conforme Gorguet-Ballesteros (apud DOWNEY, 1995), pesquisadora do Museu

da Moda de Paris, um tecido chamado serge de Nîmes era conhecido na França, desde

início do século XVII, e na Inglaterra, no final do mesmo século. Na mesma época,

também havia um tecido conhecido na França como “nim”. Ambos os tecidos eram

parcialmente compostos de lã. Havia também um outro tecido conhecido como gean

(mais tarde passou a ser chamado de jeans, em alusão à calça jeans), um fustão de

algodão misturado com lã e/ou com linho, o fustão de Gênova, Itália. Este tecido,

bastante popular, foi produzido na Inglaterra em grandes quantidades durante o século

XVI. No século XVIII, o jeans era tecido completamente em algodão, usado para fazer

vestimentas masculinas e especialmente avaliado por sua propriedade de durabilidade e

resistência a muitas lavagens. A popularidade do denim também era grande, ele era

reconhecido como mais forte e mais caro que o jeans.

As indústrias têxteis norte-americanas começam com uma pequena produção no

final do século XVIII, a fim de se tornarem independentes de produtores estrangeiros —

principalmente, dos ingleses. Mesmo no começo, os tecidos de algodão eram um

componente importante da linha de produtos. Uma fábrica do estado de Massachusetts

teceu denim e jeans norte-americano, ambos com urdidura e trama de algodão. Os dois

tecidos eram muito parecidos, entretanto eles tinham uma diferença principal: o denim

era tecido com uma linha tingida (urdume) com índigo e uma linha de algodão natural

(trama); o jeans era tecido com as linhas da trama e do urdume na mesma cor.

Segundo DOWNEY (1995), em Nova Iorque, no ano de 1849, um fabricante

anunciou vestes, sobretudos, coletes ou jaquetas curtas nas cores: castanheiro, azeitona,

preto, branco e blue jeans. Foram divulgadas finas calças compridas em blue jeans;

foram anunciados waist overall (como eram chamadas as primeiras calças jeans com

suspensórios removíveis, fixados aos botões presos ao cós) e roupas para o trabalho

confeccionadas no fantástico blue denim. Outros anúncios norte-americanos mostravam

para os homens a utilidade da roupa e ilustravam a diferença funcional entre uma roupa

de jeans e de denim. Mecânicos e pintores usaram overalls (jardineiras) feitos de denim

azul; os homens trabalhadores em geral, incluindo os não ocupados do trabalho manual,

usavam calças compridas produzidas em jeans.

23

Denim, então, era utilizado na confecção de roupas de trabalho duro, quando

havia a necessidade de durabilidade e conforto. Jeans era em geral usado na confecção

do workwear (roupas de trabalho), sem os benefícios somados de denim.

A hipótese mais divulgada pela mídia, com relação à origem do termo denim, é a

de que o local de origem deste tecido acabou por nomeá-lo: Nîmes, cidade francesa.

Daí, denim, uma corruptela do francês de Nîmes.

“Índigo blue, índigo blue, índigo blusão...”. A canção de Gilberto Gil está no

nosso inconsciente e faz referencia à cor do denim. O corante azul, inicialmente obtido a

partir das plantas orientais indiosfera e isati tinctoris, está registrado na alfândega de

Gênova, cidade portuária da Itália, desde 1140. O corante sintético foi desenvolvido

pela indústria de pigmentos da BASF e colocado à venda no mercado, em 1897. Hoje, o

termo “índigo” é utilizado tanto para designar a cor, quanto para referir-se ao próprio

tecido.

Ao longo da história da indústria têxtil, o denim caracterizou-se como tecido de

maior produção e popularidade durante determinado tempo, pois a calça jeans tem mais

fama do que o de qualquer outro item de vestuário. O corante índigo é um dos

pigmentos mais fabricados para a indústria têxtil, confirmando a eficácia mercadológica

do blue jeans.

Quando foi lançada, a calças jeans era conhecida por outro nome — waist

overalls. Em 1926, passou também a ser chamada de cowboy overalls. Durante a

Segunda Guerra Mundial (1939-1945), quando se dá verdadeiramente o início de sua

expansão global, os marinheiros passam a usá-las e rapidamente as fazem entrar na

Europa, juntamente com o refrigerante da COCA-COLA, os famosos chicles ADAMS

(gomas de mascar), os cigarros com filtro da MARLBORO e o Plano Marshall1.

1 Implementado em 1947, conhecido oficialmente como Programa de Recuperação Européia, o Plano Marshall foi o principal plano dos Estados Unidos para a reconstrução dos países aliados da Europa nos anos que sucederam a II Guerra Mundial. A iniciativa recebeu o nome do Secretário do Estado dos Estados Unidos, George Marshall. A União Soviética e os países da Europa Ocidental também foram convidados, porém Josef Stalin viu o plano como uma ameaça e vetou a participação dos países sob o controle soviético. Com duração de quatro anos e um investimento em torno de US$ 13 bilhões de assistência técnica e econômica para ajudar na recuperação dos países europeus associados à Organização Européia para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico — valor equivalente a cerca de US$ 130 bilhões, em 2006, ajustado pela inflação — proporcionou à economia de cada país, com a exceção da Alemanha, um crescimento considerável, acima dos níveis pré-guerra. Além disso, o Plano Marshall é visto como um dos primeiros elementos da integração européia, uma vez que anulou barreiras comerciais e criou instituições para coordenar a economia em nível continental. Uma conseqüência intencionada foi a adoção sistemática de técnicas administrativas norte-americanas. Recentemente, os historiadores

24

Provavelmente, por causa da cor azul — blue jeans —, os marinheiros europeus

passaram a clamar pelas desejadas calças genes — cuja pronúncia com sotaque italiano

é jeans — ao se referirem às calças usadas pelos marinheiros da marinha norte-

americana, em seus momentos de “lazer”. Portanto, a origem da palavra jeans, tão

comum ao nosso vocabulário, vem de Gênova, pois era lá que os marinheiros usavam

calças azuis como uniforme oficial, chamadas carinhosamente de genes, em 1567.

O jeans, de fato, já iniciou seu caminho como um elemento globalizado:

produzido com um tecido cuja origem do nome é francesa; industrializado em território

norte-americano; batizado de jeans pelos marinheiros italianos; virou “epidemia” no

mundo todo.

1.2 Os pioneiros

“Entrem na lenda”, diz um dos anúncios de uma das campanhas da LEVI’S.

Dificilmente, uma mensagem publicitária terá expressado de modo tão sintético um fato

tão universal como o título desta peça o fez. O jeans gerou uma verdadeira revolução na

moda, desafiando os códigos do vestir, invertendo a pirâmide mimética e abrindo

caminho à moda unissex. As calças, que inicialmente eram utilizadas por marinheiros e

mineiros, chegaram às “festas da alta-sociedade”, invadindo o jet set e conquistando

espaço nas revistas de moda e de curiosidades mundanas.

Como este tecido utilitário e modesto se tornou o material lendário que é hoje?

A reposta pode ser encontrada na vida e no trabalho de um jovem aventureiro que muito

cedo conquistou o mundo dos negócios, construindo seu espaço há mais de um século e

meio, nos anos da “corrida do ouro”, em São Francisco.

As calças jeans foram nomeadas LEVI’S, em homenagem ao fundador da

companhia Levi Strauss & Co. (LS&CO), um judeu chamado “Loeb Strauss”, filho de

um mascate, que nasceu em 1829, na cidade Buttenheim, estado da Bavária, Alemanha. questionam os verdadeiros motivos e os efeitos gerais do Plano Marshall. Alguns acreditam que os benefícios do plano foram na verdade o resultado de políticas de livre mercado que permitiram a estabilização comercial através do crescimento econômico. Além disso, alguns criticam o plano por estabelecer uma tendência dos Estados Unidos auxiliarem economias estrangeiras com dificuldades com o dinheiro dos impostos dos cidadãos norte-americanos. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Plano_Marshall)

25

Ele, sua mãe e duas irmãs deixaram a Alemanha em 1847, após a morte de seu pai.

Velejaram para Nova Iorque onde moravam os meio-irmãos de Loeb, Jonas e Louis,

com um negócio atacadista que vendia bens secos (tecidos, linhas, roupas, etc.).

Durante alguns anos, o jovem Loeb Strauss trabalhou para seus irmãos. Em

1853, obteve cidadania norte-americana. Naquele mesmo ano, ele decidiu iniciar um

novo empreendimento e partiu para uma viagem arriscada com destino a São Francisco,

cidade que desfrutava dos benefícios da recente “corrida do ouro”.

Aos 24 anos de idade, Loeb decidiu iniciar um novo negócio de bens secos,

pensando, obviamente, que o modo mais fácil para ganhar dinheiro durante o período de

exploração minérios, seria vender materiais aos mineiros. São Francisco era o tipo de

cidade aonde as pessoas iam, assim como ele, reinventar suas vidas, e isto provou ser

verdade para Loeb que mudou o nome dele para “Levi”, no ano de 1853, quando deixou

Nova Iorque.

Não se sabe como o jovem Levi Strauss adquiriu o terreno para seu negócio;

quais eram seus objetivos; se ele viajou para a terra do ouro à procura de novos clientes,

porque a LS&CO perdeu virtualmente todos seus registros, inventários, fotografias em

um terremoto que ocorreu em São Francisco e no incêndio da loja, em 1906. Isto

conduziu a uma série de problemas para os oficiais da companhia, investigadores e

certamente a todos que se interessam pela história do jeans e, conseqüentemente, da

LS&CO.

A história da LS&CO é muito mais do que uma história sobre as calças blue

jeans, pois a história da companhia abrange cinco gerações tanto da cultura norte-

americana como da cultura global. Depois do surgimento da empresa, vimos o mundo

evoluir das carroças puxadas por cavalos ao carro elétrico; do caos da guerra à conquista

do espaço, paz, independência e liberdade; e do telégrafo à comunicação via internet, à

velocidade da luz.

No ano 2003, a LS&CO comemorou 150 anos, fabricando roupa criada no

século XIX, que ainda é usada atualmente e, com grandes expectativas de continuar

sendo um fenômeno mercadológico do século XXI.

Durante décadas, assim correu a história: Levi Strauss chegou a São Francisco e

notou que os mineiros precisavam de calças robustas e resistentes. Assim, ele levou

algum canvas marrom que era usado para confeccionar barracas e toldos para

26

carruagens, parte de materiais de bens secos que ele trouxe consigo de Nova Iorque, e

pediu a um alfaiate para fazer um par de calças. Depois, tingiu o tecido de azul,

trocando-o então por um denim que ele importou de Nîmes. Teve a idéia de acrescentar

rebites de metal às calças de um alfaiate em Reno, Nevada, e patenteou este processo

em 1873.

No entanto, existem controvérsias quanto à origem da calça jeans, já que em

Blue jeans, Susan Axbey (1986) declara que caravanas de desbravadores

embrenhavam-se, no século XIX, pelo oeste norte-americano, em busca da propalada

riqueza da região, atravessando os Estados Unidos em vagões de trens. Algumas

pessoas morreram durante o percurso, outras fixaram residência construindo elas

mesmas suas casas antes mesmo de chegarem à Califórnia, outros percorreram toda a

costa Oeste, mas só alguns encontraram ouro. De acordo com a autora, a esta saga

correria paralelamente a história das calças super resistentes. Originalmente,

confeccionada com o mesmo tecido marrom utilizado para fazer as barracas dos

trabalhadores, a roupa dos mineiros é considerada o protótipo do blue jeans. Vendidas

na costa Oeste, no auge da corrida do ouro, estas peças foram concebidas para serem

resistentes e duráveis, suportando o trabalho pesado dos mineiros no dia-a-dia.

Porém, conforme DOWNEY (1995), afortunadamente, a companhia LS&CO

obteve cópias dos documentos de patentes para o processo de fixação de rebites,

revelando que Jacob Davis, o alfaiate de Nevada, propôs esta idéia e trabalhou com Levi

Strauss para fabricar a calça em denim com rebites. Portanto, a canvas marrom

mencionada anteriormente seria lenda. Segundo o historiador, essa história surgiu

provavelmente porque existiam evidências de terem sido achadas algumas calças

marrons feitas de um material que a companhia vendia no século XIX.

Em São Francisco, Levi Strauss trabalhou duro, logo adquirindo a reputação de

qualidade para seus produtos e prosperidade ao seu empreendimento. No ano de 1866,

foi inaugurada a matriz da LS&CO, localizada na Rua Battery 14-16, onde permaneceu

durante quarenta anos.

Jacob Davis, originário da Letônia, ex-república da União Soviética (URSS), era

um dos muitos clientes de Levi e trabalhava como alfaiate na cidade de Reno, Nevada.

Ele comprava denim regularmente da casa atacadista LS&CO. Entre os clientes do

alfaiate, havia um homem que rasgava, com muita freqüência, os bolsos das calças

confeccionadas para ele. Jacob tentou pensar em um modo para fortalecer suas calças.

27

Então, um dia surgiu a idéia de pôr rebites de metal que, na época, eram utilizados em

selas e arreios, nos pontos de tensão da calça: cantos de bolso, base da braguilha de

botão, etc. Estas calças com rebites surgiram como uma solução imediata para o

problema enfrentado pelo mineiro. Então, Jacob começou a ficar preocupado, pois

alguém poderia roubar sua brilhante idéia. Assim, decidiu tirar uma patente desse

processo, mas tendo dificuldades para juntar os US$ 68,00 necessários para registrar os

documentos, decidiu arranjar um sócio empreendedor e pensou, prontamente, em Levi

Strauss.

Ilustração 01: Mineiros, Levi Strauss e Jacob Davis usando os waist overalls, no canto esquerdo

inferior, retratos de Levi Strauss e Jacob Davis, um tag da LEVI’S de 1899

28

Em 1872, escreveu a Levi para sugerir que os dois se unissem para adquirirem a

patente. Levi, como era um homem de negócios astuto, viu o potencial para este produto

inovador e, de acordo com a proposta de Jacob, no dia 20 de maio de 1873, os dois

homens receberam do escritório norte-americano de marcas e patentes o registro de

patente n° 139,121, pela invenção do método de “melhoria e fixação de bolso e

abertura”: o processo de colocar rebites nas calças.

Durante o ano de 1873, a primeira roupa com rebites foi produzida. A data exata

não pode ser confirmada porque todos os registros históricos da LS&CO foram perdidos

no incêndio da companhia, em 1906. Jacob Davis ficou responsável pelo processo de

produção da companhia, após a inauguração das suas duas fábricas em São Francisco.

Em pouco tempo, homens trabalhadores de várias áreas estavam comprando a nova

roupa rebitada e propagando a palavra denim. Observamos aqui, a junção de fatores

importantes do capitalismo, a idéia de Jacob e os recursos financeiros de Levi, que

soube aproveitar a oportunidade empresarial estabelecendo a relação capital x trabalho.

A LEVI’S iniciou suas atividades em 18532, vinte anos depois, assim que Levi

Strauss e Jacob Davis adquiriram recursos e tecnologia industrial para a produção em

série, começaram a produzir os waist overalls (calças usadas com suspensórios,

conforme pode ser observada na fig. 01), com apenas um bolso traseiro com o filigrana

com desenho arqueado imitando a silhueta de uma águia (Accurate Stitching Design),

um bolso relógio, com uma fileira de botões de pressão na braguilha, rebites de cobre,

2 Período de transição da Era das Origens para a Era do Desenvolvimento Institucional, iniciada em 1850, na Grã Bretanha, e, em 1870, nos Estados Unidos e na Alemanha. A maioria das instituições e muitas das práticas modernas surgiram pela primeira vez durante este período. A propaganda, a pesquisa de mercado, a melhor distribuição física e a expansão do varejo estavam todas sendo usadas para estimular a demanda para a produção em massa. A Era do Desenvolvimento Institucional foi antecedida por duas eras: A Era dos Antecedentes, constituída por um longo período de gestão de marketing, que teve início na Grã Bretanha do século XVI e, durante o século XVII, na Alemanha e América do Norte, caracterizada pela produção e transportes primitivos e 75% a 90% da população era auto-suficiente. Neste período, evidenciaram-se os primórdios do capitalismo e dos mecanismos facilitadores, tais como, bancos, bolsas de valores, papel-moeda. Nesta era, surgem as primeiras versões de distribuidoras, aparecendo também nas formas de: varejo, propaganda, armazéns de depósitos e vendedores viajantes (profissão do pai de Levi Strauss, na Alemanha). Resumindo, esse tempo testemunhou os primórdios da determinação da demanda e do estímulo da demanda. A Era dos Antecedentes foi sucedida pela Era das Origens, iniciada em 1750, na Grã Bretanha e, por volta de 1830, nos Estados Unidos e Alemanha, período que testemunhou a Revolução Industrial, as enormes melhorias do transporte e a urbanização da população, que deram origem aos mercados de massa; período de intensificação da concorrência, da promoção de todos os tipos de produtos projetados para atrair consumidores em potencial. A Era do Refinamento e da Formalização, sucessora da Era do Desenvolvimento Institucional, teve início em 1930 e dura até hoje. Esse período se caracteriza pelo desenvolvimento do Marketing, sendo que os refinamentos mais importantes ocorrem no varejo, na distribuição física e na análise de mercado. As atividades de marketing tornam-se formalmente reconhecidas nas organizações e, a partir dos anos 1950, o conceito de marketing é formalmente articulado nas instituições acadêmicas (FULLERTON apud SEMENIK & BAMOSSY, 1993, p. 17).

29

uma cinta e botões para suspensórios confeccionados em um tecido de algodão, o blue

denim. Uma parte destes modelos sobreviveu ao incêndio em 1906, dando origem à

confusão histórica, sobre o mito das calças marrons. No entanto, o denim era na verdade

azul. E Levi não tingiu nenhum tecido marrom de azul, nem importava denim de Nîmes.

Ilustração 02: O clássico waist overalls LEVI’S, primeiro modelo produzido em série da calça jeans

Sabendo que aquelas calças seriam produzidas para utilização no trabalho duro

dos mineiros, é provável tenha optado por fazê-las em denim em lugar de jeans pelas

razões mencionadas anteriormente: o denim era um tecido muito robusto usado na

produção de roupas que iriam vestir homens que executavam os trabalhos manuais mais

pesados. Então, Levi Strauss produziu os waist overalls que se tomaram uniformes dos

homens trabalhadores que estavam domesticando a América, vaqueiros, trabalhadores

da estrada de ferro, fazendeiros, até mesmo as fardas militares usadas nas guerras civis

eram feitas em denim. Muito tempo depois, “aquelas calças do Levi” foram batizadas de

30

jeans, e a firma só adotou o termo oficialmente nos anos 1960, quando a designação

“waist overall” é substituída pelos termos “jeans pants” (calça jeans).

Segundo DOWNEY (1995), o denim para os primeiros waist overalls veio de

Amoskeag Mi, companhia industrial sediada em Manchester, New Hampshire, na Costa

Oriental dos Estados Unidos. A área conhecida como New England tinha um dos

primeiros teares têxteis norte-americanos. Em 1873, seus tecidos tornaram-se famosos

pela qualidade. Aquela companhia existente desde 1804, no entanto iniciou a produção

de denim em torno de 1860 (período da guerra civil norte-americana, no qual a

companhia também fabricou armas durante alguns anos).

Ilustração 03: Etiqueta Two Horse Brand

No ano de 1886, a etiqueta de couro com o logotipo Brand, com o desenho de

dois cavalos puxando a calça tentando dividi-la ao meio (Two Horse Brand), é usada no

primeiro modelo de waist overalls. Em 1890, números de lote são utilizados pela

primeira vez nos produtos fabricados. O numero 501 é destinado como código de

referência para identificar o famoso waist overall com rebites de cobre. Deste modo,

neste momento, surge a peça mais cobiçada pelos adeptos do jeans de todos os tempos,

a LEVI’S 501. Em 1897, Levi Strauss doa fundos para 28 bolsas estudantis para a

Universidade da Califórnia, Berkeley. Esta estratégia é utilizada até hoje.

Desde o início, todas as imagens que ainda cercam o uso do jeans, estavam lá. O

espírito pioneiro, a resistência, o Oeste norte-americano, a aventura, a individualidade

austera, isso tudo serviu de base para a legenda da LEVI’S. O espírito pioneiro

31

característico da personalidade construída para Levi Strauss, o mito do emigrante

ousado, arquétipo do guerreiro-herói, que se aventurou no Oeste em busca da riqueza,

sem muito se importar com os obstáculos que teria que ultrapassar. Estes elementos são

utilizados até os dias de hoje na comunicação visual, até mesmo no layout das lojas

franqueadas da LS&CO.

Ilustração 04: Publicidade da LEVI’S de 1899

32

No início do século XX, o jeans ainda era só um tecido forte usado por homens

no local de trabalho rude, longe de ser considerado uma peça de vestimenta social. Em

1902, os waist overalls passaram a ter dois bolsos traseiros. Neste mesmo ano, Levi

Strauss morreu aos 73 anos de idade, deixando o negócio próspero aos quatro sobrinhos

dele — Jacob, Louis, Abraham e Sigmund Stern (que ajudou reconstruir a companhia

depois do desastre de 1906). Uma nova fábrica é construída na Rua Valência, 250, São

Francisco. O catálogo sobrevivente à tragédia faz parte dos arquivos da LS&CO e nos

revela a variedade de produtos confeccionados em denim à venda naquela época,

conforme pode ser observado na ilustração 04.

Ilustração 05: LEVI’S Square, San Francisco, 1999

Depois da LEVI’S, passaram a existir outras marcas produtoras de calça jeans,

nomes familiares como LEE, fundada no estado rural de Kansas, em 1892, e BLUE

BEL OVERALL COMPANY — WRANGLER, estabelecida em 1904, em Greensboro,

Carolina do Norte, surgiram nesta época, também em território norte-americano.

Henry David Lee, fabricante de óleos enlatados, teve a iniciativa de confeccionar

uma espécie de macacão para seus funcionários utilizando denim como matéria-prima.

A idéia foi um sucesso; então, em 1926, LEE começou a produzir denim com uma

novidade que logo foi adotada pelo seu concorrente — a utilização do zíper na

braguilha.

O waist overall da LEVI’S ganhou o primeiro lugar no Panamá Pacífico

Exposição Internacional de São Francisco, no ano de 1915. Ano em que a companhia

LS&CO passou a comprar o jeans 9 oz. de Cone Moe, na Carolina do Norte.

33

Nos anos 1920, os waist overalls se tornaram roupas de trabalho usadas pelos

homens dos estados ocidentais. No ano de 1922, eles ganham passantes, mas os botões

para os suspensórios ainda são mantidos. Em 1939, são eliminados os botões para

suspensórios, são colocados dois bolsos traseiros e as barras passam a ser viradas para

fora.

Ilustração 06: Acima, o waist overall original. Abaixo, waist overall lançado em 1936

A herança de Levi começa a dar os seus frutos com a Grande Depressão de 1929

e a atração provocada nos “citadinos” pelas calças dos “vaqueiros”.

34

1.3 Na pele dos cowboys, do cinema far west, colonizando a América

Os vaqueiros logo aderiram às roupas dos garimpeiros, pois o denim era o tecido

resistente ideal para se passar horas a fio no lombo de um cavalo. Os waist overalls

conquistaram os cowboys e, em 1926, a LEVI’S lança um modelo próprio para eles,

com as pernas mais arqueadas, mais apropriadas para a montaria, então surgem os

cowboy overalls.

Ilustração 07: A calça dos cowboys — cowboys overalls — lançada pela LEVI’S, em 1926

Em pouco tempo a roupa dos cowboys estava nas telas do cinema, com Tom Mix

e suas bombachas, John Wayne, com as calças jeans de bainha virada. Os filmes de far

west tiveram grande sucesso e os novos ídolos espalharam o modismo.

Nos anos 1930, os filmes capturaram a imaginação norte-americana do Oeste em

geral, consagrando um gênero clássico do cinema, o chamado “cinema western”3 ,

também popularizado sob os termos “filmes de cowboys” ou “filmes de far west”. Os

jeans de LEVI’S, que figuravam entre a indumentária típica dos cowboys, tornaram-se

sinônimo de uma vida de independência e individualismo austero. Então, em geral, o

denim passou a ser menos freqüentemente associado com trabalhadores, e mais com o

tecido do autêntico norte-americano simbolizado por John Wayne, Gary Cooper.

3 O termo inglês “western” significa “ocidental” e refere-se à fronteira do Oeste norte-americano durante a colonização. Esta região era também chamada de far west — e é daqui que provém o termo usado no Brasil, faroeste, também se usou o termo juvenil bang-bang, na promoção das antigas matinês e de quadrinhos (http://pt.wikipedia.org/wiki/Cinema_Western)

35

Nesse mesmo período, o jeans começou a conquistar os milionários americanos

que viviam na costa Leste e passavam suas férias no campo, em fazendas da Califórnia,

Arizona, Nevada e outros estados. Para curtirem a aparência de vaqueiro, usavam calças

jeans, levando-as de volta para sua cidade, onde eles despertaram o desejo de todos.

Sal Randazzo (1997), em A criação de mitos na publicidade, afirma que o

cowboy norte-americano é uma figura mítica, representa o arquétipo masculino do

guerreiro-herói4. Conforme esse autor, ele é o símbolo do espírito pioneiro e muito

utilizado na publicidade dos produtos e marcas originários deste país.

A identidade de gênero, feminino ou masculino, é um aspecto muito importante

da mitologia cultural, muito explorada pela publicidade. De acordo com o autor,

“vivemos num mundo de opostos em que a identidade de gênero penetra em todos os

aspectos da vida humana”. Segundo ele, o mito de John Wayne “se baseia no arquétipo

masculino do guerreiro, cujas virtudes são a coragem, a independência e a força”, pois

os personagens aos quais o ator deu vida no cinema são sujeitos fortes e calados que

agüentam firme sem chorar nem mostrar seus sentimentos (RANDAZZO, 1997, p. 101).

A manipulação do arquétipo do herói-guerreiro, pela indústria cultural

cinematográfica, serviu de base para a divulgação do american way of life, juntamente

com a redução das diferenças regionais por meio do avanço das estradas de ferro, do

telégrafo, do telefone, do jornal, da fotografia, enfim, dos componentes da dinâmica e

padronizada modernização norte-americana. Antônio Pedro Tota (2000), em O

imperialismo sedutor, afirma que o tradicionalismo5 é um dos pontos importantes da

ideologia do americanismo mercantil.

4 O Homem de MARLBORO é um exemplo típico da manipulação deste signo que representa o arquétipo do guerreiro-herói na versão norte-americana. Tornou-se um clássico de iconografia publicitária. A Marlboro usou um arquétipo de guerreiro-herói para transformar uma marca que originalmente tinha uma imagem feminina em outra com imagem rudemente masculina. A MARLBORO recorreu ao mítico caubói americano, “uma imagem de matador”, para criar uma das marcas mais reconhecíveis de toda a história da publicidade (RANDAZZO, 1997, p. 214). 5 O mito da vida pura e saudável na fazenda, a relação íntima com a natureza, a cidade pequena, o enaltecimento dos valores familiares, a coragem dos indivíduos, o temor a Deus. Tudo, na verdade, só tinha validade para uma América de brancos, fundamentalistas, religiosos, anglo-saxões, anticomunistas e imperialistas apaixonados. O cinema, a maior de todas as inovações americanas na era do entertainment, divulgou, mais do que qualquer outro meio, o american way of life, americanizando, primeiro, os Estados Unidos, depois o resto da América. Da imagem pastoral do passado dos pioneiros, dos farmers, das pequenas cidades, da vida simples o tradicionalismo, enfim, por meio de modernos e complexos meios de comunicação de massa. O americanismo mercantilizado. (TOTA, 2000, p. 21).

36

Ilustração 08: Cowboys dos filmes de far west, da vida real e do anúncio da LEVI’S de 1890

Ilustração 09: O jeans dos vaqueiros dos anos 30 e 40

37

A WRANGLER, durante muito tempo, foi a marca mais forte do segmento

country. Ela construiu o universo de sua marca com os elementos significativos do

mundo do cowboy, que, com todo seu conteúdo mítico, foi, e ainda continua sendo, um

poderoso motor de propulsão. A força da WRANGLER se deve, em parte, à imagem de

legitimidade e agilidade, sendo conhecida, incontestavelmente, como “uma roupa para

cowboy”.

Em 1904, em Genesburgo, na Carolina do Norte (EUA), John Hudson cortou 20

macacões de trabalho em denim numa pequena oficina de costura, dando origem à uma

nova linha de produção. Quinze anos mais tarde, essa oficina deu lugar à primeira

fábrica, chamada BLUE BELL OVERALL COMPANY. Após sua fusão com outras

empresas rivais da região, em 1936, tornou-se uma das mais importantes fabricantes de

roupa de trabalho de todo o mundo. Com o aparecimento da marca WRANGLER,

datado de 1947, foram criadas peças básicas em jeans, jaquetas e camisas do tipo

“rancheiro”, as quais imitavam o que havia de melhor na roupa dos autênticos cowboys.

Neste mesmo ano, a WRANGLER lançou o modelo 11 MW (men western em

homenagem ao cowboy responsável pelos cavalos e pelos trabalhos do rancho da

época), em denim 11 oz (abreviação do termo onças usado para designar a gramatura do

jeans — quanto maior o número de onças, variando em média de 5 a 14 oz, maior é a

sua gramatura), com características estritamente funcionais: pernas mais longas e com

boca suficientemente aberta para cair naturalmente sobre as botas, um pequeno bolso

relógio, botões flexíveis, um tipo de arco pespontado nos bolsos traseiros e os

respectivos travetes (um tipo de reforço na costura) estavam lá, no seu justo lugar, para

suportar a sela de um cavalo.

Em O sexo e as roupas, Anne Hollander (1994) afirma que, durante os anos 30,

na Inglaterra os homens também vestiam um antigo uniforme do trabalhador inglês —

calças de veludo cotelê grosso — em sinal de protesto aos trajes vigentes naquele

período. “Tais protestos em termos de vestuário podiam ser realizados sem o real

abandono do esquema básico formal, e, portanto todos podiam ter o poder mais visual

de parecer lúdicos e verdadeiros, e não falsos e ridículos” (HOLLANDER, 1994, p.

208).

Quanto a LEVI’S, no ano de 1936, a etiqueta vermelha (Red Tab Device) é

colocada pela primeira vez no bolso traseiro direito dos waist overalls, tendo o nome da

marca bordado em branco e em caixa alta (letra maiúscula).

38

No ano seguinte, em 1937, os bolsos traseiros são costurados nos waist overalls,

portanto cobrem os rebites, atendendo assim aos consumidores que reclamavam que os

rebites riscavam móveis e selas. Os botões para os suspensórios são excluídos dos jeans

da LEVI’S. Os consumidores recebem botões sobressalentes no caso de ainda desejarem

usar os suspensórios.

O reflexo das mudanças da Segunda Guerra Mundial (1939-1954) atinge

diretamente a produção dos overalls, por causa das regras estabelecidas pelo Conselho

de Produção de Guerra para a conservação das matérias-primas: o rebite do entrepernas

e a cinta são excluídos para economizar metal, o filigrana do desenho arqueado sai, já

que a costura era somente decorativa e não vital para a utilidade da peça de roupa. Para

manter o desenho nas calças, a LEVI’S fez com que os operadores das máquinas de

costura pintassem o desenho em cada par de calças.

Em Moda, luxo e economia, José Carlos Duran (1988) afirma que até o início

dos anos 30, o jeans era calça de homem para o trabalho pesado. Em 1935, a LEVI’S

patrocinou torneios de cowboys e anunciou em Vogue, luxuosa revista de moda,

sugerindo o jeans como roupa de lazer, associada — é claro — ao velho Oeste, mas não

mais como roupa de batente.

Em 1948, foi adotado o “W” para o pesponto dos bolsos traseiros dos jeans da

WRANGLER; a etiqueta de qualidade passou a trazer o desenho do destemido cowboy

com uma tira de história em quadrinhos, denominado Rodeo Series, para ser

colecionada por crianças; o famoso designer Rodeo Ben, de Hollywood, começou a

desenhar para a WRANGLER. As inovações incluíam uma nova modelagem com zíper

no lugar dos botões, além da etiqueta traseira de couro.

Entre 1950 e 1952, Rodeo Ben vestiu os famosos cowboys do cinema, como

Hopalong Cassidy. Este foi o primeiro a usar o black denim, jeans que ficou conhecido

como Hoppys. Em 1964, a WRANGLER lançou o broken twill denim, uma estrutura em

sarja interrompida, assinada por John Neil Walter.

Nas décadas de 50 e 60, o grupo expandiu-se internacionalmente e a

WRANGLER atravessou o Atlântico com peças puro estilo western. Em 1970, a marca

já era uma das líderes do mercado jeanswear na Europa e segunda na América do Norte,

só perdendo para a LEVI’S; ainda assim a primeira em imagem e estilo western.

39

Ilustração 10: Hopalong Cassidy e o black denim, década de 1950

Em 1980, sob a direção de James Bridges, é lançado Urban Cowboy (O Cow-

boy do Asfalto), o filme norte-americano estrelado por John Travolta no papel de Bud,

um garoto texano que se muda para Houston com o seu Tio Bob (Barry Corbin) e vai

trabalhar com petróleo. Ele é doutrinado rapidamente aos rituais noturnos da bebida,

dança, e drogas na companhia do vaqueiro Gilley, um arruaceiro local. Lá ele se

encontra e se casa com Sissy (Debra Winger). O Filme, que virou um hit nos anos 80,

trouxe várias influências ao movimento country, inclusive na moda da época, criando

outra western-mania, que durou até o começo dos anos 90.

Ilustração 11: John Travolta em Urban Cowboy, 1980

40

Também no Brasil, durante a década de 90, o universo country atraiu muitos

adeptos nas ruas e para indústria têxtil e de confecções nacional. Atualmente, o

território brasileiro é o segundo maior mercado mundial, perdendo apenas para os

Estados Unidos em número de rodeios.

O calendário nacional de rodeios é repleto de eventos, sendo que os de maior

porte chegam a reunir um público de até 700 mil pessoas, a exemplo de Barretos.

Estádios lotados e cidades com infra-estrutura no limite do sustentável fazem parte do

universo dos rodeios, que arrastam multidões para São Paulo, Minas, Goiás, Mato

Grosso do Sul, Paraná e estados do Nordeste. De olho em todo este potencial de

consumo, as marcas fazem das festas de peões um grande balcão de vendas.

Muitas confecções dedicadas à fabricação de jeans migraram para o segmento

country, no final dos anos 90. Com a certeza de agradar o público, investiram em

produtos que se diferenciavam tanto pela modelagem quanto pelo tecido. Lucatatuí,

confecção do interior de São Paulo, fez parceria com o cowboy Beto Carrero, que, há

mais de quatro décadas na estrada, construiu o seu bem sucedido império, ou melhor, o

seu mundo, ao qual ele chama de Beto Carrero World.

Beto Carrero vem aí! Com essa chamada ele estreou na telinha via TV Globo.

Num teaser de aproximadamente 20”, ele chegava com pinta de herói do Oeste,

galopando com seu cavalo Faísca.

Na verdade eu queria chamar a atenção das pessoas para um estilo de vida e de ver as coisas que estava ligado ao campo, ao country; tendência que vinha crescendo nos Estados Unidos e em algumas cidades brasileiras. Despretensiosamente, acabei lançando a minha marca, junto com uma pequena coleção de roupas dentro deste estilo. E pegou. (Beto Carrero, in: Textília Press, 1998-c).

Antes de mais essa aventura, ele já tinha feito coisas muito distintas. Para ver

como é eclético o seu perfil, basta lembrar que Beto Carrero — nome de batismo, João

Batista Sérgio Murad — foi editor antes de entrar para o showbiz. Na década de 70,

criou o Noticiário da Moda, um jornal de prestígio e com uma abordagem diferente

sobre esse mercado; a importância do jornal era tamanha que o título foi vendido a

Editora Abril, que manteve a publicação até meados dos anos 80.

A comercialização dos seus artigos era feita na loja Beto Carrero, butique piloto

do sistema de franquia da marca, instalada na Rua Augusta, São Paulo. A loja

comercializava tudo aquilo que faz parte do guarda-roupa e do imaginário do cowboy,

41

consumidor exigente nos detalhes e na qualidade, que não se importa muito com o

preço.

O jeans, tão básico como o dos vaqueiros, é valorizado pela boca um pouco mais

larga e pelo tecido resistente, conhecido como broken twill. Da coleção Lucatatuí para

Beto Carrero constaram, na época, os modelos de calças e jaquetas em sarja índigo de 5

oz e 14 oz, além de camisetas e camisas xadrezes em tricoline.

Durante a década de 90, motivado pelo sucesso da indústria cultural de rodeios e

festas de peões, transformado num estilo de vida, o country tornou-se uma linguagem de

moda compreensível no interior e nos grandes centros urbanos. A estratégia de

marketing adotada pela confecção WKA teve participação obrigatória nos rodeios,

principalmente no de Barretos, em busca da Meca do consumo country, incluindo o

cantor Sérgio Reis, que aparecia vestindo o jeans em seus programas.

No final da década de 90, a STAROUP, uma das maiores fabricantes nacionais

de jeans do momento, e a dupla Chitãozinho & Chororó laçaram uma linha jeanswear

no mercado country, com a coleção Ranger by Chitãozinho & Chororó.

Na mesma época, a confecção RODEO WAY, na parceria que firmou com o

bicampeão de bareback (modalidade de competição) Adriano Moraes — cowboy

paulista que ganhou notoriedade até nos Estados Unidos —, também lançou uma a linha

de produtos voltados para este mercado, englobando calças jeans, camisetas e camisas

com a assinatura do campeão mundial de rodeios. Em 1998, para festa em Barretos, a

organização elegeu a RODEO WAY como marca oficial do evento.

Quando o assunto é moda, sem dúvida, as novelas são o principal veículo difusor

de idéias e conceitos no Brasil: sendo exibidas na TV, geram, é claro, a massificação de

qualquer produto. Entretenimento predileto de muitos brasileiros, as novelas ajudaram a

popularizar o estilo country: de Ana Raio e Zé Trovão (Manchete) passando pelo Rei do

Gado (Globo), à América (Globo) o mundo povoado por vaqueiros e fazendeiros vem

servindo de ambiente para enredos românticos e sociais.

O estilo do cowboy norte-americano influencia os modos de vestir do cowboy

brasileiro, para o qual o chapéu, a calça jeans e as botas são indispensáveis. No entanto,

ele também gosta de lenços no pescoço, botas com ponteira e, no caso das mulheres,

chapéus com broches, adereços que não fazem parte da tradicional indumentária norte-

americana.

42

O armário do cowboy politicamente correto é composto por calça jeans cós-alto;

embora justa, não contém elastano; a textura deve ser a broken twill conseguida através

da trama do tecido; o modelo da bota é o jousting (salto quadrado) e o chapéu, de

preferência, deve ser de pêlo de animal e não de feltro. Esses e outros detalhes de roupa

de cowboy seguem o estilo original do western, mas há improvisações: a bota de bico

fino e salto carrapeta, os lenços, camisas com coletes de antílope, entre outros

acessórios, demonstram a criatividade dos brasileiros no modo de vestir. Não existe, de

fato, uma aculturação do modelo norte-americano, apenas uma identificação com o

estilo.

No mundo dos verdadeiros cowboys não cabem imitações. Existem dois

segmentos bem distintos: o western e country. O primeiro é formado por cowboys de

arena que vão aos rodeios vestindo calça jeans, camisa com dois bolsos aplicados,

punho com dois botões, bota bico roper e chapéu. Em alguns casos, usam jaquetas

discretas; porém, jamais lenços no pescoço. Já o segundo grupo enquadra os chamados

cowboys urbanos, que usam roupas mais ousadas e sem muito rigor nos detalhes,

assinalam a criatividade e a “regionalização” do country brasileiro. Contudo, a

globalização aumenta a tendência de imposição cultural; deste modo, os Estados Unidos

tornaram-se pequenos para o country e as empresas que movimentam esse setor

expandiram-se, com toda a força, para os países que assimilaram o estilo, como o

Brasil, numa ofensiva que não se deu apenas na moda, mas também por meios de

empresas de eventos e gravadoras especializadas, como o Paradox Music.

Especialistas no assunto garantem que, no Brasil, o country está tanto para o

cowboy do asfalto, quanto para o cowboy da arena e dizem que, embora sem raiz

cultural como nos Estados Unidos, o country existe no ideário do nosso povo e revela-se

mais pelo visual do que pelo comportamento.

Os mais conservadores consideram que, no Brasil, a mídia expõe a cultura

western de “forma caricata”. Entretanto, reconhecem que os meios de comunicação de

massa, assim como os eventos culturais, tais como os shows musicais, os rodeios e

festas de peão, foram os principais responsáveis pela divulgação do country no país, a

partir dos anos 80.

Esse mundo country, apoiado pelos meios de comunicação, principalmente pela

Rede Globo de Televisão, tende a uma contínua expansão. Em 2005, a novela América,

escrita por Glória Perez, sob a direção de Jayme Monjardim, abordou o sonho dourado

43

de viver nos Estados Unidos da protagonista Sol, vivenciada por Deborah Secco,

enquanto seu par romântico, o cowboy Tião, interpretado por Murilo Benício, lutava

para conseguir realizar seu grande sonho, e do seu pai, o falecido Acácio: tornar-se

campeão do rodeio de Barretos.

Neste mesmo ano, os jeans dos cowboys também ganharam as telas de cinema,

no filme norte-americano O Segredo de Brokeback Mountain (2005), vestindo os

protagonistas do romance gay dirigido por Ang Lee.

Ilustração 12: Cartaz e cenas do filme Brokeback Mountain, 2005

44

1.4 Lady’s e Jeanies — as calças jeans femininas

Durante o período da Segunda Guerra Mundial, as mulheres norte-americanas,

que haviam conquistado o direito ao voto no ano de 1920, substituíram os homens nas

fábricas e conquistaram, também, o direito ao uso da calça em denim com modelagem

adequada ao seu corpo, quando a LEVI’S lançou a Lady Levi’s 701, em 1935. Deste

modo, as mulheres só foram receber a devida atenção da indústria do jeans muito tempo

depois dos homens. E hoje, ironicamente, sustentam quase todo o mercado.

A revista Vogue, considerada na época a bíblia da moda, foi a primeira

publicação a reconhecer o blue jeans como fashion (produto de moda). Em 1935,

introduziu os jeans da LEVI’S para além do Oeste masculino, difundindo-o, também,

em todo Leste e ao público feminino.

Ilustração 13: As lady’s e as jeanies, as primeiras calças jeans femininas

A partir dos anos 1940, a sedução causada pela fusão da cultura da publicidade e

da indústria do entretenimento, passa a manipular cada vez mais as consciências dos

consumidores, motivada pela emoção que se sustenta na crença inconsciente de “seduzir

é morrer como realidade e se produzir como artifício” (BAUDRILLARD apud

CATOIRA, 2006, p. 35).

Lauren Bacall, Ingrid Bergman, Joan Crawford, Bette Davis se consagram como

as divas do cinema, na mesma época em que a LEVI’S lança um modelo de jaqueta com

corte especial para o público feminino.

45

Com a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), uma nova depressão social abala

a humanidade. As roupas femininas assumem uma função mais utilitária — um tipo de

uniforme para o trabalho, com sapatos baixos e fechados. Nos conjuntos, prevalecia o

corte inspirado nos ternos masculinos.

Com o fim da guerra, o sistema, em contrapartida, para abafar o movimento

existencialista, apoiou o movimento da alta-costura. Aconteceu então o advento do new

look de Christian Dior, que trabalhava a roupa com grandes volumes, pois a matéria-

prima que durante a guerra era escassa, nesse período era encontrada em abundância. A

melhor representante do new look era Eva Perón.

O estilista francês Christian Dior, idealizador do new look, em 1945, como

Worth, em 1858, sugeria visões que desviavam a atenção da crise que o mundo

vivenciava naquele período. Suas criações eram intangíveis, ocultando o esforço e a

disciplina aos quais as mulheres seriam submetidas através dos ditames da moda.

De acordo com a historiadora Anne Hollander, com a consagração do new look,

a indústria da moda padronizou, de maneira irreversível, os elementos do vestuário

elegante e, portanto, “a expressão pessoal no vestuário tinha perdido seriamente

prestígio, em particular na América, onde a conformidade se tornou um impulso mais

forte do que nunca” (HOLLANDER, 1994, p. 206).

Muitas mulheres e, principalmente, os homens, passaram a agir com hostilidade

contra os famosos estilistas, que estavam tornando-se celebridades e ricos pelo poder

renovado que lhes tinha sido concedido pela nova publicidade a eles atribuída.

Mesmo a alta-costura sendo privilégio de poucos, os estilos produzidos em série

seguiam fielmente suas tendências, e estes eram disponíveis a todos. De acordo com o

texto da historiadora, algumas mulheres percebiam a alta-costura como uma “ditadora”

e passaram a desenvolver um ressentimento contra a moda, excessivamente politizado e

associado como a ascensão do feminismo recente. Em decorrência destes fatores, a

moda passou a ser vista como uma opressão endêmica sobre o meio coletivo, que

expressa os sentimentos das mulheres; um produto gerado pela sociedade capitalista e

patriarcal para escravizar as mulheres sem o seu conhecimento.

Houve uma conexão com a transformação das relações entre homens e mulheres,

com as mudanças na moda vestuário, que passaram a ter como referência o mercado de

roupas industrializadas, “como os sexos já eram oficialmente iguais, o novo método

46

para fugir do mito romântico era fazer com que parecessem idênticos tomando por base

o modelo superior masculino, é claro” (HOLLANDER, 1994, p. 207). Assim sendo, as

mulheres aderiram ao uso das calças jeans industrializadas. Ainda conforme a autora, “o

material expressivo usado para combater a situação veio desta vez das roupas de

trabalho masculinas produzidas em série, mais notavelmente do célebre blue jeans, que

dominou a segunda metade do século” (Ibidem, p. 208).

Atenta a estas mudanças no ambiente sociocultural e de olho no mercado da

moda feminina, em 1949, a WRANGLER, concorrente da LEVI’S, criou as Jeanies,

calças jeans mais justas e com várias opções de cores. Desse modo, as mulheres podiam

se servir dos jeans com corte e caimento sem concessões às tradições femininas, o que

na época denotava certa liberdade. O sucesso das Jeanies durou até 1975.

A partir daí, o denim que havia sido usado pelas mulheres durante muito tempo

nas fazendas e ranchos, passou a fazer parte da moda feminina urbana, com aparência

menos relacionada à roupa masculina de trabalho do que à roupa prática e

despretensiosa adotada para combater a idéia de qualquer tipo de restrição à elegância,

conforme nos certifica a historiadora (HOLLANDER, 1994).

Anos mais tarde, bastaram as novas e provocativas atrizes da época, como

Marilyn Monroe e Jayne Mansfield, usarem um jeans apertado, para mostrar como a

tradicional roupa de trabalho poderia se tornar sexy.

Enquanto isso, no mundo dos negócios, LEVI’S, WRANGLER e LEE

apresentavam novidades, em estilos e cores, ousando na sensualidade das produções das

peças em jeans e a indústria cultural do cinema possibilita o triunfo do sistema. Marilyn

Monroe, exemplo de pin-up, comunicava o distanciamento da idéia de igualdade entre

os sexos e a mulher passava a ser vista como um “objeto” de consumo. Desde então, a

imagem do jeans sexy se consagra e é explorada até hoje.

Betty Boop, a morena sensual que tem penteado bastante original e

personalizado, apareceu pela primeira vez como estrela de desenhos animados no

princípio da década de 30, numa produção dos estúdios dos Irmãos Fleischer, em Nova

Iorque, com o título de Dizzy Dishes. A personagem, que surgiu em 1930, inspirada na

cantora Helen Kane, também vestiu jeans para parecer sexy. Desde então, sua fama

precedeu sua história e, assim como outros grandes personagens dos anos 30 — Betty

47

Boop, continua, ainda hoje — graças à originalidade de sua temática, sua sensualidade e

ingenuidade — tendo um lugar de destaque no fabuloso “mundo” dos quadrinhos.

Ilustração 14: Marilyn Monroe, Jayne Mansfield e Betty Boop atribuem ao jeans a conotação sexy

Em 1954, um fato curioso envolveu o jeans. Um coronel da força armada do

exército dos Estados Unidos proibiu as esposas dos seus soldados de usarem blue jeans,

em uma base norte-americana em Frankfurt, Alemanha, alegando que esse estilo afetava

a boa imagem dos Estados Unidos.

Essa atitude refletia o fato de que, no início dos anos 50, imperava uma atitude

tradicional no vestir; desse modo, o denim só era apropriado ao trabalho duro. No

entanto, esse pensamento começou a mudar sob a influência do cinema, que divulgava a

idéia de culto ao corpo e a valorização do aspecto físico. Então, é introduzida no

mercado uma linha de denim mais casual, para vestir a família inteira.

48

No final nos anos 50 e início da década de 60, fabricantes da Europa passam a

produzir suas próprias marcas de denim. Mantendo as características e o espírito do

produto, a França remodelou o jeans e começou exportar para a América.

Nessa época, cresce nos europeus — como decorrência, entre outros, do Plano

Marshall — a vontade de criar, do outro lado do Atlântico, o “fabuloso” estilo de vida

dos norte-americanos. Embora a explosão dos Beatles colocasse a Inglaterra, com o

nome The Swinging Blue, na dianteira dos Swinging Sixties, tanto na moda como na

música, os Estados Unidos ainda exercia forte influência. A Califórnia tornou-se a

primeira inspiração quando a filosofia era sol, surf e diversão; nesse período, “o estado

do ouro” personificava a imagem do “paraíso”.

Durante a década de 60, é construído o muro de Berlim, surge o videogame, o

fotorrealismo, o fax e a pílula anticoncepcional — responsável por uma verdadeira

revolução no comportamento sexual feminino. Mary Quant confecciona a minissaia,

produto que mais tarde atribuiria ao jeans feminino uma sensualidade ainda maior.

Assim como o jeans, as novas fibras sintéticas também faziam sucesso na moda

feminina. Tecidos como o banlon e a helanca, facilitavam as formas dos modelos

trapézio, tubinhos e até mesmo saias plissadas — fits da época. As estampas tinham

motivos geométricos. A inglesinha Twiggy torna-se a modelo-símbolo dos criativos

anos 60 e a primeira top model do mundo. Magérrima, pequena, com cabelo curtinho e

imensos olhos realçados com camadas de rímel e cílios postiços, Twiggy se consagrou

como um ícone da moda e padrão de beleza para sua geração. Ainda hoje, volta e meia,

estilistas e maquiadores a reverenciam em suas criações.

Twiggy foi uma agradável febre que tomou conta da Europa e dos Estados

Unidos. Sua aparência quase andrógina — frágil e mignon — teve um efeito devastador

na mídia, justamente por se contrapor ao padrão de beleza feminina da década anterior:

mulheres voluptuosas e sensuais como Marilyn Monroe. Para se ter uma idéia, Twiggy

emprestou nome e rosto para bonequinhas de papel, jogos, canetas, cílios postiços,

cabides, meias e até máscaras. Em 1967, chegou a Nova York com status de estrela e

freqüentou eventos da high society. No Brasil, contudo, não fez sucesso nem teve

seguidoras de seu estilo — as brasileiras, na época, preferiam ser curvilíneas e não

adotavam ao pé da letra os padrões impostos pela moda.

Em 1968, sob a influência do movimento hippie, a moda do denim adere à forma

boca-de-sino, à cintura baixa — saint-tropez —, e ao conhecido ditado — quanto mais

49

velho melhor. A onda do artesanato, dos jeans bordados e recortados, foram as mais

óbvias manifestações da contracultura6.

No Brasil, a garota propaganda da COCA-COLA, Leila Diniz, em Todas as

Mulheres do Mundo, se consagra como atriz e personalidade expressiva do universo

feminino, tornando-se, assim como o jeans, um símbolo do inconformismo da época.

Em 1968, a atriz foi à Alemanha representar Fome de Amor, no Festival de Berlim.

Com o movimento Woodstock, o flower-power-hippie propunha a paz e a

liberdade e alguns hippies e místicos desprezavam a roupa limpa e arrumada, uma vez

que, para eles, era um sinal de comprometimento com o sistema. Neste período, surge a

moda unissex. Na decoração, as estampas românticas viram pôsteres nas paredes, os

carros têm cores vivas, e a alimentação vegetariana vira moda.

No início da década de 70, as miniblusas e as calças saint-tropez continuaram

sendo usadas, fascinando até mesmo o poeta brasileiro, como pode ser constatado na

crônica Umbigo, de Carlos Drummond Andrade, que comenta

Umbigos andam por aí desafiando tua capacidade de curtir o novo dentro do eterno. Se na praia eles não são percebidos, porque se inserem no quadro global, na rua, no coletivo, na loja, no escritório, são uma presença nova, uma graça diferente acrescentada ao espetáculo feminino, um dom sem destino certo, que é a bonificação de um ano em que tantos perderam na bolsa, mas acabaram lucrando na vista ...” (DRUMMOND, 1972)

Na virada da década, a badalada estação de férias européia Saint-Tropez, que

sempre havia sido influente centro de moda, começou a ver o denim reciclado em bonés,

sacolas e sapatos, tornando-se a capital da reciclagem e criatividade em denim. Turistas

endinheirados e “hippies socialites” chegavam a pagar US$ 500,00 por uma calça

bordada. Na decoração das peças valia tudo: linhas coloridas, tinta, contas, conchas,

rebites e tudo mais que pudesse ser aplicado. O look se tornou o uniforme perfeito para

a época da discoteca, invadiu butiques do mundo todo — Paris, Londres, Los Angeles e

Rio de Janeiro. Assim sendo, todos estes fatores ocasionaram a grande explosão do

6 O termo “contracultura” foi inventado pela imprensa norte-americana, nos anos 60, para designar um conjunto de manifestações culturais novas que floresceram, não só nos Estados Unidos, como em vários outros países, especialmente na Europa e, embora com menor intensidade e repercussão, na América Latina. Na verdade, é um termo adequado porque uma das características básicas do fenômeno é o fato de se opor, de diferentes maneiras, à cultura vigente e oficializada pelas principais instituições das sociedades do Ocidente. Contracultura é a cultura marginal, independente do reconhecimento oficial. No sentido universitário do termo é uma anticultura. Obedece a instintos desclassificados nos quadros acadêmicos (PEREIRA, 1992, p. 13).

50

designer de jeans entre 1977 e 1982 — extraordinariamente, no mercado denim cujo

alvo era, predominantemente, as mulheres.

A indústria do jeans também começou a fazer experiências com diferentes

qualidades de lavagens, cores e modelos. O corte americano é adaptado para o gosto

europeu, ampliando imensamente a gama de cores. Deixa-se de dizer blue jeans, para se

dizer apenas jeans. Desde então, a Europa começou a influenciar cada vez mais no

mercado de denim, na medida em que fabricantes europeus como PETER GOLDIN

(UK), FIORUCCI (Itália) e MARITHÉ ET FRANÇOIS GIRBAUD (França)

começaram a produzir estilos que estavam longe do original americano. A calça jeans

com cintura baixa e pernas boca-de-sino ganhava cada vez mais popularidade entre os

consumidores de novidades. O denim se tornou moda “criada” e os novos estilos

europeus foram aceitos até mesmo nos Estados Unidos.

Na década de 70, surgiram os franceses com uma proposta diferente em termos

de modelagem. A calça feminina passou, então, a ter melhor caimento e maior

aceitação, começando na Europa e espalhando-se rapidamente pelo mundo.

O despojamento dos hippies serviu de inspiração para os grandes fabricantes,

que perceberam a oportunidade de inovar nos acabamentos. Dando início à era da

lavagem industrial, desempenhando dupla função: estética e de tratamento dos tecidos.

A primeira lavagem de denim se deu através da técnica de sanforização, patenteada pela

CLUETT, PEABODY AND CO. Em 1986, a BLUE BELL e a GOBE SUPERIOR

passaram a produzir o Sanforized Denim, reduzindo o encolhimento do tecido para 2%.

À medida que o jeans virava moda, as lavagens tornavam-se mais sofisticadas,

amaciando o tecido e, até mesmo, alterando sua cor. O stone-washed, desenvolvido pela

EDWIN e MARITHÉ & FRANÇOIS GIRBAUD, em meados da década de 70, marcou

o início da lavagem industrial com o propósito de fazer moda. A partir do sucesso do

stone-washed, surgiram outros processos, como o tratamento à base de ácido e enzimas,

entre outros experimentos e interferências manuais.

A LEGER MILK, da Itália, no final da década de 70, passou a produzir um

denim com certa porcentagem de fibra elástica, com a proposta de fazer com que a

roupa tomasse formas mais próximas ao corpo. A princípio, a idéia teve poucos adeptos,

mas algum tempo depois, quando a LEVI’S lançou a linha feminina no Reino Unido, as

inglesas, literalmente, aderiram à tendência. Nos anos seguintes, a Europa viu uma

51

explosão desse novo look, especialmente, da BUFFALO (França) e da MUSTANG

(Alemanha).

O espírito prático que dominou a época determinou um consumo surpreendente

de jeans e camisetas. O jeans de todas as formas (calças, camisas, blusões, jaquetas,

coletes, túnicas, saias, vestidos, macacões e até mesmo sapatos e bolsas), várias cores e

diversos tipos de acabamentos (delavé, tie die, puído, lixado, escovado, aveludado etc.),

deixa de ser apenas uma vestimenta para se tornar a roupa-pele de boa parte da

humanidade.

Assim como a calça jeans five pockets (cinco bolsos), algumas peças também se

tornam básicas do armário feminino, na linha jeanswear esportiva e facilmente

coordenáveis entre si. Tais como a jaqueta, a camisa safári com lapelas sobre os

ombros, a bermuda cargo com bolsos nas pernas, os chemisies, os shorts e as saias

curtas ou longas.

Com a explosão do designer do jeans — que nunca foi tão grande na Europa

como nos Estados Unidos — é marcado o pico das vendas em massa dos artigos em

denim. Muitas das butiques especializadas que tinham atingido o topo, em meados de

1970, foram rejeitadas pelos consumidores com as mudanças das tendências de moda. A

superprodução tornou-se um problema. As maiores companhias, cuja mola mestra era o

denim, ficaram preocupadas, o que levou a LEVI’S a voltar a produzir o jeans básico a

fim de resolver esse problema. O modelo 501, ao ser relançado, tomou-se tendência de

mercado. As outras marcas não demoram muito para seguirem o mesmo caminho

escolhido pela LEVI’S. O LEVI’S 501, que datava, inicialmente, de 1873, com a

etiqueta vermelha (Red Tab), reapareceu pela primeira vez em 1936, foi resgatado para

satisfazer a demanda pelo jeans clássicos.

Quando os negros começaram a ganhar mais espaço e maior liberdade para

expressar sua criatividade e talento musical, surgiram o soul e o funk norte-americano

(de difícil aceitação pela audiência branca); então em seguida surge o jazz (som com

percussão mais latina), atribuindo um sentimento mais pop, propagando a música negra

no mundo. A fusão do soul e do funk com o jazz deu origem, nos anos 70, à disco-music,

gênero musical que tira a black-music dos guetos, projetando-a nas discotecas de

Chicago, Nova Iorque e Filadélfia, onde havia festas totalmente dançantes, freqüentadas

por um público alternativo.

52

Os anos da disco, conhecidos como a Era do Brilho, foram uma época de auto-

afirmação das mulheres frente à sociedade machista, elas utilizavam figurinos sexy e

luxuosos para demonstrar seu esplendor.

Como em qualquer movimento cultural, o vestuário trazia um certo simbolismo,

as roupas e maquiagens glamourosas expressavam alegria, espírito vibrante e a busca

pela diversão. O cetim e a seda evocavam o glamour dos anos 20, trazendo luxo e

esplendor para as mulheres. O jeito sexy de se vestir foi totalmente incorporado ao

figurino feminino — os tops, os vestidos frente-única, as calças jeans cintura baixa e

boca-de-sino, as leggings coladas e transparentes — abrindo espaço para que as

mulheres passassem a ter mais liberdade para escolher o que vestir.

No Brasil, em 1978, a novela global Dancing’ Days, de Gilberto Braga, sob a

direção de Daniel Filho, modernizava o processo de visualidade da imagem. As

frenéticas, ao som de Dance a Little Bit Closer e Dancing Days, se consagravam nas

danceterias brasileiras. A marca nacional de jeanswear STAROUP inovava na

comunicação com o público-alvo, inserindo a marca no visual merchandising do

cenário da discoteca da novela, onde a atriz Sônia Braga produzia o show nas pistas.

A moda disco despertava, nos jovens, o desejo se tornarem reis e rainhas das

pistas de dança. Os sapatos plataforma, as meias lourex, as lantejoulas, a purpurina, os

shorts, as roupas em cores vibrantes com muito brilho dos lamês e strass, faziam parte

do figurino das pistas.

A música, com os arranjos feitos por instrumentos de cordas e sopro, deu um

suporte para uma impostação de voz feminina, atribuindo-lhe maior liberdade para

interpretar as músicas ao seu modo. A beleza que a música disco ganhava com a

participação feminina favorecia a queda de antigos preconceitos da sociedade a respeito

das mulheres. Quando as letras para vocalistas femininas, antes caracterizadas pelas

incertezas, melancolia de espírito e indecisão, traziam agora mulheres inteligentes,

controladoras do seu próprio destino e decididas. Música como Queen of Disco, de

Ruby Andrews; Catch Me on the Rebound, de Loleatta Holloway’s e I Will Survive, de

Gloria Gaynor, são exemplos de músicas em que as chamadas divas da disco

interpretavam mulheres absolutamente independentes.

Além das mulheres, outros grupos antes discriminados começavam a ganhar

mais liberdade. A disco music revolucionou os modos de socialização, levando ao

53

fantástico mundo da discoteca, pela primeira vez na história, pessoas de todas idades,

diferentes origens étnicas e orientações sexuais, onde eram atendidos com dignidade.

No entanto, havia algumas discotecas mais “sofisticadas” escolhiam a dedo as pessoas

que podiam entrar no estabelecimento, assim como a Studio 54, que permitia a entrada

somente das pessoas mais bonitas ou famosas.

Ilustração 15: Dancing’ Days, Studio 54 e Village People e os símbolos da Era Disco

54

Entretanto, mesmo nesses lugares encontravam-se todos os tipos de pessoas, que

mesmo com suas diferenças, se respeitando e seguindo a ordem de todas as casas

noturnas, a diversão. O comportamento dos adeptos da disco era inteiramente

direcionado ao entretenimento; a dança, muitas vezes, era acompanhada por bebidas e

drogas vendidas e consumidas no local; o sexo era explícito, feito em espaços

específicos da boate. O filme Studio 54, que conta a história da discoteca mais famosa

de Nova York, retrata a o estilo de vida da época, no qual a liberdade imperava. O filme

Boogie Nights ilustra bem os ideais dos jovens da época. Entre inúmeros outros filmes

que abordaram a Era Disco Music, destacam-se: Saturday Night Fever, Grease e

Thanks God! It’s Friday.

A década de 70 ficou marcada, pela crise do petróleo, que conduziu o mundo a

uma séria convulsão socioeconômica. O sonho de viver de paz e amor, expressado pelo

movimento hippie, dilui-se no tempo; contudo o jeans — o traje da época — continuou.

Porém seu significado começa a mudar quando Yves Saint Laurent, o estilista argelino

erradicado na França, considerado um dos nomes mais importantes da alta-costura do

século XX, causa uma grande polêmica, ao ser o primeiro a colocar o jeans em um

desfile de moda prêt-à-porter.

Os movimentos políticos enfraquecem, dando lugar ao gay-power, black-power

e ao feminismo (queimando sutiãs em praça pública) — os grupos minoritários

buscavam conquistar seus espaços na sociedade contemporânea.

Diante desse cenário, a indústria cultural televisiva norte-americana rompe a

seqüência de papel de herói unicamente masculino — que até então, geralmente, era

reservado aos homens — e as heroínas ganham espaço nas séries de TV. O jeans

simboliza essa ruptura na pele das heroínas das séries The Bionic Woman (A Mulher

Biônica, 1975-1981) e The Charlie's Angels (As Panteras, 1976-1981).

A atriz Lindsay Wagner interpretava Jamie Sommers, a versão feminina do

cyborg, O Homem de Seis Milhões de Dólares. Depois de perder as pernas, o braço

direito e a audição num acidente de pára-quedas, Jamie tem seu corpo reconstituído,

substituindo os membros perdidos por partes mecânicas e eletrônicas. Tendo que saldar

a divida da cirurgia com o governo americano, ela é obrigada a prestar serviços como

agente secreto, tornando-se A Mulher Biônica. A força descomunal da heroína tornava-a

alvo preferencial das paixões adolescentes.

55

A série de TV norte-americana As Panteras, produzida por Aron Spelling e

Leonard Goldberg, para a Rede ABC, foi levada ao ar em cinco temporadas. Criada por

Spelling, Goldberg, Ivan Coff e Ben Roberts, trazia três belas, corajosas e inteligentes

mulheres que trabalhavam na Agência de Detetives Charles Townsend, comandada pelo

misterioso chefe que nunca aparecia, apenas passava as orientações por meio de um

viva-voz. Seu homem de confiança, John Bosley (David Doyle), era quem tratava

pessoalmente com as moças, de nomes Sabrina Duncan (Kate Jackson), Kelly Garrett

(Jaclyn Smith) e Jill Munroe (Farrah Fawcett). Não há quem discorde de que o visual de

Farrah Fawcett marcou a TV e a moda dos anos 70, seu penteado e modo de vestir

foram copiados no mundo todo. Na época, o trio de heroínas despertou admiradores e

fãs por onde foram assistidas. As Panteras voltaram no ano 2000, porém foram ao ar

nas telas do cinema, estreladas por um novo, mas não menos atraente elenco, do qual

faziam parte Cameron Diaz (Natalie), Drew Barrymore (Dylan) e Lucy Lui (Alex) e Bill

Murray (Bosley).

Ilustração 16: A mulher Biônica e As Panteras e a massificação do jeans para público feminino

56

As heroínas, de ambas as séries — A Mulher Biônica e As panteras —, tiveram

seu papel evidenciado também na massificação do jeans para o público feminino, na

época em que a mídia televisiva tinha maior audiência que a mídia cinematográfica,

exercendo grande influência no comportamento de consumo.

Os anos 80 viram os preços dos jeans subirem, já quando designers como

MARITHÉ & FRANÇOIS GIRBAUD, KATHARINE HAINNETT e PAUL SMITH,

regularmente, usavam denim em suas coleções. O apelo à sensibilidade teve,

obviamente, mais participação no mercado do jeans como quis CALVIN KLEIN e o

velho favorito FIORUCCI fez campanhas em revistas e TV que chocaram o público —

o jeans foi vendido por preços recordes. Como nas décadas anteriores, o jeans cobriu

todos os níveis de mercado com significados diferentes para os consumidores.

A campanha da CALVIN KLEIN, que lançava o jeans de sua marca nos anos

80, veiculada nos editoriais de conceituadas revistas de moda e num imenso outdoor da

Avenida Times Square, em New York, utilizava a imagem da atriz e modelo Brooke

Shields vestindo a calça e dizendo: “Querem saber o há entre minha pele e meu

CALVIN? Nada!”. Esta campanha explorava o lado sedutor/pecador do arquétipo

dicotômico do mito da donzela/prostituta, evidenciando a sexualidade feminina7, tipo de

apelo que continua sendo bastante utilizado na publicidade do jeanswear até hoje.

Ilustração 17: Brooke Shields na campanha de lançamento da CALVIN KLEIN

7 A sexualidade masculina nunca chegou a ser explorada tão aberta e profundamente como a feminina. Isso é um reflexo dos valores e dos conceitos androcêntricos na sociedade patriarcal dos Estados Unidos (RANDAZZO, 1997, p. 204).

57

Esta década ficou conhecida como a Era Tecnológica, marcada pela queda do

muro de Berlim, pela descoberta do primeiro caso de AIDS e pela morte da princesa

Grace Kelly de Mônaco, em 1982, pelo ecletismo da arte pós-moderna (pintura,

escultura, instalações) e também pelos movimentos de solidariedade.

Nos anos 80, a moda iniciou uma parceria essencial com o marketing e com a

publicidade, relacionando as imagens dos produtos das marcas ao comportamento do

público-alvo. As campanhas assumiram um tom mais comportamental e passaram a dar

ênfase ao apelo emocional, atribuindo mais importância à associação da emoção e à

identificação com a marca do que às qualidades e características dos produtos. A marca

DIJON fazia um grande sucesso: sua clássica campanha com o dono da marca,

Humberto Saad, posando ao lado de sua modelo exclusiva, Luiza Brunet, tornou-se uma

das referências da década.

As primeiras marcas brasileiras a aderirem ao novo formato de promover

conceitos ao invés de vender apenas produtos foram, em sua maioria, as que tinham um

público consumidor jovem, como a TRITON e a ZOOMP. Na época, elas conquistaram

o consumidor com campanhas que demonstravam atitude e um estilo de vida moderno.

Ilustração 18: Luiza Brunet e Humberto Saad, anúncio da DIJON, década de 1980

Na moda praia, o fio dental e a asa delta são lançados no Brasil. Os estilistas de

destaque na época são: Ralph Lauren, Perry Ellis, Christian Lacroix, Karl Lagerfeld,

Azzedine Alaïa, Yohji Yamamoto, Jean Paul Gaultier, Donna Karan.

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A Lycra passa a fazer parte da composição do jeans e domina o mercado

fashion. A feminilidade ganha destaque com as roupas ajustadas ao corpo, a lingerie

ganha formas sensuais e eróticas. O erotismo, neste período, foi muito explorado pelo

fenômeno da música pop, a cantora Madonna, usando microshort jeans com meias

arrastão.

Ilustração 19: A liberdade sexual, roupas sensuais e movimentos eróticos no look de Madonna

Nos anos 80, se desenvolve ainda mais valorização do culto ao corpo, tanto

pelos homens quanto pelas mulheres. O cooper e a aeróbica ganharam adeptos por todo

mundo, tornando-se as práticas esportivas da moda deste período. No entanto, a

liberdade sexual foi contida com o aparecimento da AIDS. Os arquétipos de fidelidade e

masculinidade (virilidade) ficaram bem visíveis nesta época.

Para o sociólogo brasileiro Dario Caldas (1999), esta década caracterizava “um

tempo ainda feito de discos de vinil, fitas cassetes e de videoteipes, em que o futuro era

concebido de uma forma que a realidade dos anos 90 deixou para trás rápido demais”

(CALDAS apud CATOIRA, 2006, p. 43).

Nos anos 90, a mulher é, ao mesmo tempo, dinâmica, ativa, executiva, esportista

e sensual. Ela está no mercado de trabalho, batalhando lado a lado com o homem,

chefiando família e empresa.

59

Nesta década houve a consagração global das marcas de luxo, além da explosão

do fenômeno das top models, que passam a ser exploradas também pela indústria do

denim, na qual o imperativo apelo sensual continua sendo o mais cultivado.

Ilustração 20: As top models Tajana Patitz, Linda Evangelista, Naomi Campbell, Cindy Crawford,

Chistiy Turlington, Claudia Schieffer e Kate Moss, fenômenos dos anos 1990

No mundo sem fronteiras, a globalização estava no ar e a internet veio somente

para reforçá-la. Nelson Mandela é libertado. Em 1997, morre a princesa Diana. Nesta

década foi realizada a clonagem da ovelha Dolly. Na moda, os principais estilistas são

Jean Paul Gaultier, Dolce Gabbana, Prada, Giorgio Armani, John Galliano, Rei

Kawakubo. O mundo testemunha um verdadeiro caos (ciência X misticismo; terrorismo

X pacifismo).

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Ilustração 21: Princesa Diana e príncipe Willian atribuem requinte e nobreza ao denim

Lady Di foi uma das mulheres mais famosas do mundo: um ícone da moda e um

ideal de beleza e elegância feminina. Vestindo jeans — a roupa democrática — ela era

admirada pela sua dedicação à caridade e às causas humanitárias, em especial seu

envolvimento no combate a AIDS e na campanha internacional contra as minas

terrestres.

Na mistura de tendências da moda, aos poucos, um estilo retro traz de volta

elementos dos anos 60 e 70, com o hippieismo voltando reeditado. Final de século, o

minimalismo que surge nos movimentos da arte moderna chega à moda, com as roupas

mais austeras, usadas com poucos acessórios.

Assim como na arte, minimalismo pode ser considerado como análogo à

contracultura dos anos 60: ateísta, comunista e materialista. E o jeans fez parte dessa

história, integrante de um sistema de moda e uma linguagem particularmente social. Cada

vez mais, diminuem os contrastes entre os gêneros feminino e masculino e o visual

andrógino passa a ser bastante explorado na publicidade do jeans, no final do milênio.

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Ilustração 22: Androginia no anúncio da PEPE JEANS, p. simples da Vogue Brasil, nº 245, 1998, p. 31

Os anos 90 visitam todas as décadas recuperando a imagem do jeans como peça

básica. Básica, porém, diferente na modelagem, que traz detalhes utilitários e

funcionais. As características de autenticidade começam a partir do tecido, como a

ourela vermelha, o efeito rigspun, os índigos pré-encolhidos, os efeitos amassados

dentre outros.

Muitas marcas formadoras de opinião mantiveram como base o tecido, o índigo

como referencial. As formas, durante este período, receberam influência do workwear,

militares ou idéias esportivas.

No vai e vem da moda, o estilista norte-americano Tom Ford, designer da grife

italiana GUCCI, trouxe, na época, de volta ao mercado, o jeans rebordado, usado na

década de setenta. Penas, miçangas, franjas, bordados e ilhoses, passam a fazer parte

integrante da calça jeans, aumentando significativamente as vendas no mundo inteiro.

A década de 90 assinala, também, a volta do uso de elastano no jeans (97% de

algodão, 3% de elastano), proporcionando maior conforto às peças confeccionadas em

denim, possibilitando, ainda, o uso de formas mais sensuais para as calças jeans.

62

Ilustração 23: Jeans com lycra no anúncio da FORUM, p. dupla, Vogue Brasil, nº 246, 1998, p. 8-9

Em meados desta década, a top model brasileira Gisele Bündchen se consagra no

cenário da moda global, divulgando ao mundo a beleza da mulher brasileira e

despertando, também, o olhar do mundo para a cultura nacional e para os produtos made

in Brazil. E as marcas de jeanswear brasileiras como ZOOMP, FORUM e ELLUS

começam a explorar o mercado externo.

Ilustração 24: Gisele Bündchen veste top de biquíni e shorts jeans em anúncio da MERCEDES BENZ

63

No início do século XXI, um século e meio depois da industrialização da calça

jeans, as marcas globais de jeanswear estabelecem o conceito premium jeans que pode

custar o preço de algumas jóias, se tornando o preferido das celebridades e atribuindo ao

denim uma reputação que precede sua própria história e a peça, que nasceu com apelo

proletário, ganha status de artigo de luxo.

O conceito de premium jeans se baseia em três pilares: 1. fabric (produção), que

está relacionado com a utilização dos melhores tecidos do mundo, como o denim

americano, italiano e japonês; 2. finish (acabamento), referente às lavagens e

acabamentos diferenciados, que, por serem artesanais, resultam em peças exclusivas; e 3.

fit (silhueta), respectivo ao caimento perfeito devido aos cortes e modelagens que

valorizam o corpo e acabamentos internos (como forro de bolsos), diferenciados. O

premium jeans se associa ao atributo “exclusividade”.

Narrar como tudo isso começou pode ser um tanto controverso, assim como é a

história da origem da própria calça jeans. Alguns apontam a marca italiana DIESEL

como precursora. Outros apostam que o segmento premium foi impulsionado por

pequenas, exclusivas e diferenciadas marcas californianas. Como a DIESEL faz

premium jeans desde a década 70, e essas marcas da Califórnia só surgiram no final dos

anos 90, tudo indica que o posto de pioneira é mesmo da marca italiana.

No Brasil, a polêmica não é menor. Danilo Guimarães, dono da HOTEL DENIM,

diz que é essa a primeira marca de premium jeans produzida no Brasil: “Produzimos só

40 calças de cada modelo, são três lavagens e as calças são todas numeradas”. Mas,

tanto Renato Kherlakian, dono da brasileira ZOOMP, quanto Alexandre Frota, diretor

de marketing internacional da também brasileira ELLUS, afirmam que suas empresas

fazem premium jeans há várias décadas, bem antes de ser criada a expressão. Por outro

lado, Esber Hajlii, representante da marca DIESEL no país, declara: “Há bem pouco

tempo, era impensável vender no Brasil calças jeans custando mais de R$ 1.000,00.

Hoje, qualquer loja multimarca vende calças com esse preço. Eu criei essa cultura no

Brasil”, afirma o empresário. Controvérsias à parte, de fato “quanto menos peças forem

produzidas de cada item, mais desejado e de alto custo é o produto”, diz André Piedade,

sócio da JEANS HALL, loja paulistana especializada nesse segmento.

Quando se fala em premium jeans, há um grande número de marcas ainda

desconhecidas do grande público como JOE’S, ROCK & REPUBLIC, TRUE

RELIGION, CHIP & PEPPER, BLUE BLOOD, ANTIK DENIM, SACRED BLUE,

64

CITIZENS OF HUMANITY, BLUE CULT, YANUK, SEVEN FOR ALL MANKIND,

TAVERTINI SO JEANS, EARL JEANS, PAPER DENIM. Todas essas marcas foram

criadas a partir de 1999 e, com exceção da BLUE BLOOD, que é holandesa, todas são

da Califórnia. Além disso, várias delas estão entre as preferidas de celebridades como

Charlize Theron, Jennifer Aniston, Paris Hilton, Jennifer Lopez, Uma Thurman, George

Clooney, David Schwimmer e Cameron Diaz. Os fatos indicam que a “terra do ouro”

descobriu uma nova mina e que o brilho não está mais associado ao dourado e sim ao

azul índigo, símbolo contemporâneo de ostentação.

Ilustração 25: Premium jeans, o predileto das celebridades

Muito antes da declaração de que a Terra é azul feita por Yuri Gagarin, o

cosmonauta soviético e o primeiro homem a viajar pelo espaço, em 12 de abril de 1961,

um tecido, também azul, surgiu na Califórnia, no final do século XIX, sob a forma de uma

roupa prática, simples e durável, revolucionando até hoje os modos de vestir. A jornalista

Lu Catoira, em Jeans, a roupa que transcende a moda, afirma que “agora o mundo é

mais azul, pois o povo veste azul, o azul do índigo do jeans” (CATOIRA, 2006, p. 79).

No Dicionário de símbolos, o azul — o do índigo — representa subterfúgio, o

ar. Conforme a teoria das cores de GOETHE, o azul está associado à cor do céu, à

distância. Talvez essa seja a razão pela qual gostamos tanto de contemplar o céu, não

porque ele avance em nossa direção, mas por nos instigar a persegui-lo. Assim,

inconscientemente, o jovem aceitou o blue jeans e o incorporou à sua vida.

O jingle da campanha publicitária da USTOP, veiculada em 1976, soube como

ninguém interpretar esse ícone azul — “liberdade é uma calça velha, azul e desbotada,

que você pode usar do jeito que quiser. Não usa quem não quer! USTOOOOOP!

Desbote e perca o vinco, denim índigo bluuue. USTOP! Seu jeito de viver!”

65

1.5 O jeans dos jovens — do universo underground ao restrito mundo do luxo

Os jeans que foram lançados originalmente em uma única cor básica, de início

eram bastante duros e desconfortáveis, as calças eram tão grossas que ficavam em pé

sozinhas; com o tempo e o desenvolvimento da indústria química, o azul denim ganhou

novas tonalidades, tornando-se bastante agradável de olhar e essas peças ficaram muito

mais confortáveis de se usar.

Os jeans, originalmente, expressam intensamente os valores democráticos, pois no

decorrer de sua adoção pelo mundo, não houve distinção de riqueza ou status, foram usados

por pessoas de todas as classes sociais, etnias e idades. Nesse sentido, Malcolm Barnard, em

Moda e comunicação, afirma que “o jeans pode ser explicado como uma tentativa de

recusar toda a identificação de classe ou dela ficar fora” (BARNARD, 2003, p. 189).

Segundo o antropólogo inglês Ted Polhemus (1994), o jeans constitui o primeiro

exemplo de “vestir esportivamente em que as pessoas da classe média adotam o estilo da

classe operária” (POLHEMUS apud BARNARD, 2003, p. 190). O jeans se consagrou

contestando valores não-democráticos que se encontram numa sociedade que faz e opera

de acordo com as distinções de classe, riqueza e status. Os jovens, no período do pós-

guerra, vestiram o jeans como um desafio aos valores da sociedade vigente, que

valorizava a riqueza, o status, o elitismo e o esnobismo, comuns na América, assim como

no Velho Mundo. O jeans teve seu progresso igualitário nos anos 60 e 70, depois se afasta

dessa trilha; recentemente, caminha em sentido bastante contrário, assegurando o conceito

de premium jeans propagado pelas grifes do mercado de luxo.

As primeiras pessoas a adotarem o jeans para todas as ocasiões foram pintores e

outros artistas, na região Sudoeste dos Estados Unidos. Em seguida, nas décadas de 30 e

40, artistas de outros lugares também começaram a usar jeans. No entanto, os jovens

foram os verdadeiros responsáveis pela propagação do jeans em torno do mundo,

quando grupos de esquerda, tais como os beatniks, as gangues de motoqueiros, mais

tarde os hippies, o adotaram como meio visível de anunciar seus sentimentos de

oposição ao establishment e a cultura vigente numa América conservadora, de classe

média voltada para o consumo.

O jeans imediatamente foi adotado pelos que criticavam a ideologia influente ou

predominante da época, a fim de estabelecer uma oposição ao sistema de idéias

66

criticado e defrontado, constituindo-se num símbolo de resistência à ideologia

dominante, o mais usado pela publicidade na abertura pós-ditadura. Porém, quase que

simultaneamente à sua efetivação como um signo de oposição às identidades de classe e

status social, o jeans passava a ser incorporado pelo sistema que se propunha criticar.

Assim como era usado para expressar o desejo de fugir aos limites impostos pelas

identidades de classe, ou de recusá-las, era usado exatamente para instituir essas

identidades. Desse modo, “estava se tornado domesticado e voltando para o trabalho de

construir e sinalizar exatamente os gêneros de classe de que pretendia escapar”

(BARNARD, 2003, p. 191).

Assim correu a história, depois de décadas, em que os jovens adolescentes e as

crianças eram simples cópias de seus pais: como decorrência, dentre outras causas, da

Segunda Guerra Mundial, os jovens norte-americanos começaram a exigir e estabelecer

suas próprias identidades. DURAN (1988) relata que, em 1940, na Universidade de

Berkeley, os alunos do segundo ano adotaram o jeans como um sinal de distinção,

impedindo o seu uso aos calouros. Percebendo a oportunidade, a direção comercial da

LEVI’S aliou-se aos veteranos, insistindo com as autoridades universitárias para que o

uso privativo fosse garantido.

Nos anos 40, tempos de guerra, os soldados norte-americanos levaram seu par

favorito de calças de denim ultramarino, para o outro lado do Atlântico, tentando evitar

o roubo destes preciosos artigos. Com o fim da guerra, houve grandes mudanças no

comportamento da sociedade, marcando o fim de uma era e o começo de outra. As

calças em denim tornaram-se menos associadas com workwear e mais associadas com

os desocupados, após a “prosperidade” norte-americana na guerra, atribuindo ao jeans

uma conotação pejorativa perante os olhos da sociedade dominante.

Em 1946, estudantes, niilistas, poetas escritores, artistas em torno do mundo

começavam a tomar conhecimento do movimento existencialista, propagado pelos filmes

realistas da Nouvelle Vague, que tinha como mentores o filósofo francês Jean-Paul Sartre, a

escritora francesa Simone de Beauvoir, o argelino conhecido como profeta do absurdo

Albert Camus, enfim, fruto do pensamento dos jovens esquerdistas da Sorbonne, que

acreditavam que a vida não fazia sentido e a própria existência se provara absurda. Segundo

escritor Antonio Bivar (1988), em O que é punk, o que o Existencialismo tinha de mais

óbvio era a moda e Juliette Grecco era o modelo. Não importava se fosse moda ou filosofia,

mas as famílias da época queriam que seus filhos fossem tudo, menos existencialistas. Pois

67

a rebeldia do movimento trazia consigo o excesso de pessimismo, excesso de álcool,

excesso de drogas, quando não excesso de violência, promiscuidade, falta de dinheiro e uma

aparência que causava rejeição, visto que estes jovens adotaram a roupa barata dos

trabalhadores, para ser usada como símbolo de resistência.

Allen Ginsberg, poeta obsceno estadunidense que ficou conhecido pelo seu livro de

poesia Howl (Uivo,1956), juntamente com seu amigo e escritor Jack Kerouac, autor de On

the road (Pé na estrada, 1955), assumem um estilo de vida bizarro tornando-se os símbolos

da geração beat e os autores preferidos dos aventureiros, incentivando os ávidos por

liberdade a trilharem novos rumos, protegidos pela velha calça azul e desbotada.

No início dos anos 50, o fenômeno musical do rock and roll estoura com Elvis

Presley que vestia jeans. As calças com bainhas viradas para fora, facilitavam os

movimentos da dança nesse novo e frenético ritmo. Lado a lado com a popularização do

subgênero musical rockabilly, o jeans acaba conquistando também os jovens8.

Em 1953, o ator Marlon Brando deu vida ao personagem principal de The Wild

One (O Selvagem), sob a direção de Lazlo Benedek. Uma tranqüila cidade da Califórnia

e invadida por uma gangue de motoqueiros arruaceiros e problemáticos. Em meio ao

terror que sua gangue está causando na cidade, Johnny (Marlon Brando) apaixona-se

pela filha do policial Harry Bleeker (Robert Keith), Kathie (Mary Murphy). Johnny não

deve enfrentar apenas a conflito gerado pela diferença social que o separa de Kathie

(como a ira e o preconceito gerados), mas também um psicótico rival conhecido como

Chino (Lee Marvin), que promete complicar ainda mais a situação. Johnny, o

personagem interpretado por Brando, sempre usava sua jaqueta de couro e as calças

jeans com barras viradas. O filme, graças principalmente ao ator, foi um verdadeiro

marco cultural da época. A caracterização que Marlon Brando atribuiu ao seu

personagem marcaria toda uma geração de artistas, desde James Dean a Elvis Presley,

os quais adotavam o estilo rebelde mostrado no filme.

8 Gillo Dorfles, em A moda da moda, afirma que a própria moda vestuário se transformou com o advento do rock. O sociólogo afirma que o rock “demência” demencializou os costumes e o comportamento de muitos participantes dos novos ritos. Mas que é que está na base de toda esta revolução social-harmônica-modal? Talvez seja, apenas uma vontade inconsciente, ou mesmo muito consciente, de representação, ou recusa de um comprometimento político ou até, a procura de uma espécie de aniquilamento que, muitas vezes, a música rock é capaz de oferecer e que significará ausência de diálogo (com a parceira ou parceiro, com o grupo mais ou menos tribal dos “oficiante-dançantes” a aceitação passiva do sistema que, talvez amanhã, seja desprovida de toda vontade de escolha). No entanto, quem não gostar de musicais banais não pode ter deixado de perceber o que de irônico — de estupidamente trocista — a repetitividade irritante e obsessiva do motivo lhe consegue comunicar (DORFLES, 1984, p. 61).

68

Dois anos depois, em 1955, no filme norte-americano Rebel Without a Cause

(Juventude Transviada), dirigido por Nicholas Ray, James Dean interpreta o drama de Jim

Stark, jovem problemático, que vivia um dramático conflito de relacionamentos,

causando constantes problemas aos seus pais. O figurino de Jim Stark, inspirado no

selvagem Johnny (Marlon Brando), aderiu à calça jeans com as barras viradas para cima,

que era usada com t-shirt branca, sob jaqueta de couro marrom estilo aviador, e botas.

Ilustração 26: James Dean, Elvis Presley e Marlon Brando, ícones da juventude transviada, anos 1950

Em 1957, quando Elvis Presley cantou e dançou em Jailhouse Rock, seu

uniforme de presidiário era a imagem da virilidade. Com seu jeito sensual de balançar

as cadeiras, o cantor trazia consigo inovação nos modos de vestir e de comportamento,

uma nova visão de mundo. Daquele dia até hoje, o denim e a música tornaram-se

inseparáveis, principalmente nas estratégias de comunicação da marca LEVI’S.

69

James Dean9 e Marlon Brando se consagram como símbolos da “juventude

transviada”, o retrato dos “delinqüentes juvenis”, influenciando decisivamente os

costumes de uma época marcada pela repressão, atribuindo ao denim o toque final para

sua eternidade. Os anti-heróis da “aparentemente” certinha Hollywood conferem ao

jeans uma definitiva consagração entre os jovens, tornando-o a roupa predileta da

geração rock’n’roll10. Então, os anos 50 ficaram marcados pelos jeans escuros, t-shirts,

suéteres e jaquetas de couro. Já para as garotas, as saias rodadas e as cigarretes eram

peças curingas para dançar à vontade.

Ilustração 27: Peter Fonda e Dennis Hopper em Easy Ryder, 1969

9 Inicialmente, a imagem de James Dean, difundida em Rebel Without a Cause, despertava o interesse e entusiasmo nos jovens, em seguida entre as pessoas de outras gerações. No filme, Dean é celebrado como a aura da contestação jovem e torna-se ícone da do inconformismo juvenil contra a opulência material e o vazio afetivo da sociedade norte-americana; sua aparência taciturna e silenciosa comunica integridade pessoal e ternura (DURAN, 1988). 10 A cultura jovem, dos anos 60, batizada com o rótulo de contracultura, se concretizou através de inúmeras manifestações surgidas em diferentes campos, como o das Artes, com especial destaque para a música, ou melhor, para o rock; o da organização social, aparecendo em primeiro plano a ênfase dada pelo movimento hippie à vida comunitária, na cidade ou no campo; e, ainda, o da atuação política. Já em meados dos anos 50, com seu balanço frenético e sensual, seus estridentes acordes de guitarra elétrica e seu fiel e alucinado público jovem, o rock’n’roll, demonstrava sua enorme capacidade de mobilização social. Nomes como Bill Haley, Alan Freed, Chuck Berry, Little Richard, Fats Domino, The Plathers estão vivos na memória de seus fãs até hoje. Músicas como “Rock around the Clock”, “Only You”, “Roll over Beethoven”, “Rock and Roll Music”, “Back in the USA”, “Carol”, “Tutti Frutti” e “Sweet Little Sixteen” se consagraram como verdadeiros clássicos desse gênero musical. No quadro da contracultura, o rock é um tipo de manifestação que está longe de ter um significado apenas musical. Por tudo que conseguiu expressar, por todo o envolvimento social que provocou, é um fenômeno verdadeiramente cultural, no sentido mais amplo da palavra, constituindo-se num dos principais veículos da nova cultura que explodia em pleno coração das sociedades industriais avançadas. Logo mais, o rock dos anos 1960 não apenas levaria toda esta história adiante, como também traria maior aproximação de idade entre os compositores e/ou intérpretes e o público da música jovem. Ao contrário do rock’n’roll, criado para jovens por músicos mais velhos, o rock dos anos 1960 era um tipo de música feito por jovens e para jovens. Desta forma, para aqueles que ainda não acreditavam que a juventude havia se tornado uma poderosa força social, aí estava a música a evidenciar ruidosamente este fato novo. Nomes como Beatles, Bob Dylan e Rolling Stones são referências obrigatórias para quem quiser evocar o “espírito” desta época (PEREIRA, 1992, p. 40-45).

70

Na década seguinte, o filme Easy Rider (Sem Destino, 1969), um clássico

dirigido por Dennis Hopper, retrata a juventude dos anos 1960, refletindo as atitudes e

as aspirações de uma geração inquieta. Dois motociclistas (Peter Fonda e Dennis

Hopper) lançam-se numa odisséia, costa a costa, em busca da liberdade e da legítima

América, numa interminável viagem ao longo da Route 66, levando novamente a calça

jeans às telas de cinema. Uma aventura surpreendente devido à diversidade de

experiências, desde o encontro com uma comunidade hippie, passando pelas drogas até

a descoberta de uma casa de prostitutas, em New Orleans.

No mesmo ano de lançamento do filme, ocorre o maior festival musical

efetivado desde então. Woodstock foi realizado numa pacata cidade norte-americana,

reuniu quase um milhão de pessoas, que viajaram milhas e milhas até chegarem ao

local. Alguns de carona, outros andando. Apresentaram-se no evento os grandes ídolos

do rock, tais como Jimi Hendrix, The Rolling Stones, The Who, Sky and The Family

Stone, Blood, Sweat and Tear e muitos outros artistas e bandas, sempre com o visual

predominante do jeans.

Ilustração 28: Joe Cocker e Jimi Hendrix em Woodstock, 1969, propagando o denim e o estilo hippie

Durante a década 60, o jeans começou a ganhar popularidade entre os jovens

europeus, através da política de divulgação do Novo Mundo por meio do star system. O

fenômeno é de tal maneira impressionante, que nem os países de Leste Europeu —

sempre resistentes em aceitar as modas ocidentais, símbolo de capitalismo e devassidão

71

— escapam à euforia. Qualquer turista que tenha visitado algum daqueles países,

usando uma calça LEVI’S, certamente, não deixou de ser assediado por jovens sedentos

de possuí-las, fazendo-lhes propostas diretas de compra. Em Portugal, na época, “as

verdadeiras LEVI’S” eram compradas dos marinheiros, perante o ar reprovador das

autoridades e de adultos mais conservadores. Nas escolas, chegou ser proibida, sob a

alegação de que seus arrebites em metal poderiam destruir as carteiras escolares.

Os jovens da época tornam-se os grandes responsáveis pelo triunfo dos jeans,

sobretudo na Europa, onde o seu uso simbolizava rompimento com as normas

convencionais e rejeição dos códigos estabelecidos, associando-se o traje à liberdade,

flexibilidade e sedução.

Os jeans rebateram também a lógica da hierarquia descendente, uma vez que,

em vez de se imporem a partir das classes superiores, atingem o estrelato começando

por vestir as classes menos favorecidas. O esclarecimento do fenômeno, de acordo com

alguns especialistas, está na capacidade de resistência e praticidade do tecido, que não

precisa ser passado a ferro, suja pouco e é esteticamente agradável.

Ilustração 29: Blue jeans LEVIS, 1950-1960

Por essas e outras razões o jeans resiste ao longo do tempo e os jovens passam a

usá-lo cada vez mais puídos e desbotados, deixando entreabrir pequenas partes da peça

através de rasgos feitos propositalmente; consagra-se como tradicional azul, apesar de já

ter aparecido nas mais variadas cores, sempre irreverente, utilitário e prático.

72

Os Beatles se inspiraram no espírito aventureiro e esportivo, nos piratas, nos

cowboys dos filmes do velho Oeste norte-americano, nos aviadores e motociclistas,

criaram um visual rebelde e jovem. Eles usavam jeans desgastados e rasgados, muitas

camisetas lavadas, tinturadas e estonadas, ou camisetas pólos também desgastadas.

Ilustração 30: O jeans dos Beatles

A partir da turbulência do pós-guerra, e mais tarde, nos anos 60, com a

fomentação dos protestos juvenis e também na música, com os cabeludos Beatles

agredindo a tradicional sociedade inglesa, surgem as primeiras antimodas. A moda viu-

se desestabilizada e se destacam diferentes grupos e subgrupos que faziam parte de uma

cultura anticonformista jovem, com maneiras de vestir próprias, definindo um novo

processo social, a contracultura.

Então, surgem diversas tribos em torno do mundo, tais como os violentos

blousons-noirs (blusões-negro), na França, os hedonistas beats (“retirantes”) e os

selvagens hell’s angels (anjos do inferno), nos Estados Unidos, os nostálgicos teddy

73

boys (meninos de pelúcia), na Inglaterra. Essas tribos adotaram o jeans como um signo

de manifestação de protesto, encontrando nos modos de vestir uma forma de expressão

imediata de suas ideologias — a aparência.

Os rockers (roqueiros) e skinheads (carecas) adotam o jeans como símbolo de

resistência dos valores tradicionais classistas dos operários ingleses. Os mods

(modernos) começam a usar jeans porque era moderno. Anos depois, no final dos anos

60, os hippies atribuem ao jeans o sentido de liberdade. Mais tarde, em meados da

década de 70, o jeans torna-se a roupa-pele dos punks (podres) imputando ao denim o

significado de rebeldia e o espírito contestador deste movimento.

O festival de Woodstock divulgou para o mundo o flower-power-hippie e a

proposta de liberdade que alguns hippies e místicos que desprezavam a roupa limpa, já

que a consideravam um sinal de comprometimento com o sistema, eles adotaram o

jeans como símbolo de protesto contra o sistema capitalista, influenciando no

surgimento da moda unissex.

Ilustração 31: Foto do público do Woodstock, em 1969

Ainda durante os anos 60, as grandes marcas passaram a organizar concursos

para premiar quem criasse adornos personalizados para as calças jeans. Logo depois,

surgiu a moda de usá-los delavées (desbotados), como se já estivessem surradas e, até

hoje, são vendidas com aspecto de usadas. No final dessa década, os jovens passaram a

74

comprar suas calças jeans brechós, já rasgadas ou com os famosos patches (remendos).

Na virada da década, as minicalças jeans com elástico na cintura, junto com as

camisetas, passam a ser usadas também pelas crianças.

No Brasil, os jovens foram às ruas juntar-se às manifestações estudantis contra o

golpe de Estado e a tirania do governo militar, em 1968, causando uma revolução

também no próprio modo de vestir. Para facilitar as correrias nas passeatas, eles

substituíram os mocassins, feitos sob medida, pelas sandálias franciscanas e pelos tênis.

As minissaias e as tradicionais calças jeans ganharam as ruas, associadas aos blusões

vermelhos de goleiros e às camisetas esportivas, tornando-se verdadeiros uniformes

para os universitários.

Nessa época, os meninos usavam smoking para irem aos bailes dançantes, alguns

alugavam a o traje a rigor e, para economizarem dinheiro, vestiam uma LEVI’S preta e

alugavam somente o paletó. Nos pés, para esta ocasião, os sapatos eram mocassins.

No início da década de 70, os rapazes chegavam comprar as jaquetas e casacos

dos próprios militares, para compor o visual esportivo criado a partir do jeans. Nessa

época, os adolescentes, sobretudo os hippies, aderiram ao uso das jaquetas jeans de

patchwork (retalhos), rebordadas em linha ou adornadas com adereços de metal.

O filósofo francês Roland Barthes (1976) afirmou que nesta época “surge na

sociedade algo tão novo e revolucionário como a moda dos anos 60: à juventude não

importa mais ser vulgar ou distinta, ela deseja simplesmente ser” (BARTHES apud

PALOMINO, 1999, p. 229). Ao longo da história, não havia sido a primeira vez que os

jovens usavam suas próprias modas ou que a moda se inspirava nas ruas, mas era a

primeira vez que a moda era lançada pelos jovens.

Durante a década 70, para passeios, o jeans continuava ditando a moda,

combinado especialmente com camisa cacharel de gola alta rulê, sob suéteres e camisas

LACOSTE, para ambos os sexos. Nos anos 70 e 80, os homens usavam calças de

veludo cotelê ou denim com camisas de listras finas, estampas florais ou blusões de

beisebol, nos ambientes de trabalho.

Abolindo a gomalina e estabelecendo a barba e os cabelos longos, os hippies,

com uma boa dose de imaginação, saíram às ruas propagando “a paz e o amor”. Depois

da liberação total da moda, em virtude da antimoda que surgiu das ruas nos anos 60, os

anos 70, marcados pela crise do petróleo, viram os sonhos diluírem-se no tempo, mas o

75

jeans — o traje de época — continuou com silhueta larga, como as calças boca-de-sino

ou “patas-de-elefante”, ou ainda, com silhueta sequinha, tão justa como a das calças dos

roqueiros, que, para vesti-los, precisavam deitar-se e puxar o zíper violentamente para

abotoá-los. Os movimentos políticos desaparecem dando lugar aos movimentos que

levantavam a bandeira das minorias em defesa de seus espaços na sociedade — gay-

power, black-power, rasta, skinheads e feminismo.

Na década de 70, os “respeitáveis” adultos e idosos resolveram imitar os filhos

usando denim. A cultura do jeans estava associada à juventude e todos queriam parecer

jovens. Não demorou muito para a customização individual do jeans, que era tatuado

com palavras, desenhos e símbolos, se tornar tendência, virando padronização industrial,

produto comercializado. Então, o jeans passou a ser confeccionado com rasgos e puído,

com várias opções de acabamentos: sujo, manchado ou escrito.

Ilustração 32: Capa do disco Sticky Fingers dos Rolling Stones, 1971

Os Rolling Stones entraram nos anos 70 como a maior banda do mundo, pois os

Beatles já não existiam mais, e o fim da Banda de Liverpool os favoreceu. O primeiro

álbum oficial e inédito dos Stones, na década, o 15º de sua carreira, foi o Sticky Fingers

(Dedos Duros), lançado em 1971, cujo título e a capa sugeriam a expressão Sticky Cock

(Pau Duro). Assinada por Andy Warhol, a provocativa capa continha um zíper de

verdade no lugar do zíper da calça jeans, procurando demonstrar a verdadeira origem do

som dos Stones. A foto do jovem na capa não é de Mick Jagger, como muitos

acreditavam, mas do ator pornô Joe Dallessandro, que trabalhava nos estúdio The

Factory, de Warhol. O zíper podia ser aberto e dentro apareciam os mesmos quadris,

76

cobertos por uma cueca branca. Na época, a capa causou polêmica no mundo inteiro, foi

proibida em alguns países, em outros, era exibida como uma revista pornô, embalada

com plástico preto.

Sticky Fingers, cuja trilha sonora fazia apologia ao lema “sexo, drogas e rock in

roll”, foi o primeiro álbum lançado pela nova gravadora da banda, a Rolling Stones

Records, continha também, pela primeira vez, o logotipo da boca vermelha em fundo

amarelo, que apesar de ter sido atribuída ao Andy Warhol, na realidade foi criada pelo

designer norte-americano John Pasche. A capa foi desenvolvida a fim desviar a imagem

de violência que havia sido associada à banda após o escândalo do festival de Altamont,

na Califórnia, no qual cinco pessoas foram mortas durante seu show. No entanto, é

claro, ela não poderia deixar de provocar os conservadores. A audaciosa criação de

Warhol atribuiu uma conotação mais sexual e menos violenta à banda, além disso,

imputou ao jeans, mais ainda, a imagem irreverência e musicalidade.

A calça jeans, que, no Brasil, já havia sido chamada de calça faroeste, de calça

rancheira e também de calça lee, ganhou etiqueta de grifes brasileiras produtoras das

calças confeccionadas em denim. A ELLUS foi criada por Nelson Alvarenga, em 1972.

Hoje é uma das líderes de mercado no segmento jeans de luxo nacional, mas também

tem exportado para Chile, Europa, Estados Unidos e Japão.

Em setembro de 1974, Renato Kherlakian lança, no Brasil, a ZOOMP, marca de

jeanswear originalmente destinada ao público jovem, que mais tarde deu origem à

ZAPPING. As duas marcas, em pouco tempo, tornaram-se símbolo de status social para

os brasileiros. Renato Kherlakian é o criador do primeiro sexy jeans nacional — nome

da coleção da ZOOMP, lançada em 1979. Ele também é o responsável por transformar o

raio amarelo em um dos maiores objetos de desejo da juventude brasileira da época.

A DIESEL foi fundada, em 1978, pelo italiano Renzo Rosso, responsável pelo

marketing da empresa. Através de sua publicidade transgressora, a marca conquistou os

jovens em torno do mundo. Hoje, é uma das principais grifes da moda jeanswear urbana

e uma das marcas mais prestigiadas mundialmente.

Quando entram em refluxo os movimentos sociais de que se nutriu, o jeans já

está suficientemente implantado em todo o mundo. Entre 1966 e 1976, ele esteve no seu

apogeu. Estabilizou-se a partir de 1977, sendo sustentado pela força da propaganda e

77

das etiquetas de prestígio, que tentaram “sofisticá-lo”, mas sem conseguir recuperar o

anterior ritmo de difusão, entrando, então, na maturidade do seu ciclo de vida.

Nos anos 70, as roupas de noite deixam de ser tão formais, já que a presença

marcante nas boates e danceterias exigia jeans muito justos, acompanhados das blusas

de malha com muito brilho e das sandálias de salto agulha. Para a maioria dos norte-

americanos, as festas blackie-tie (a rigor) estavam em desuso. O filme Manhattan, de

Wood Allen, mostra essa transição, associando o visual formal ao informal. As atrizes

da época, como Diane Kaeton, Candice Bergen, Ali McGraw e Meryl Streep, não

estrelavam mais com roupas sensuais, excêntricas e exuberantes, mas sim usando jeans,

camisetas, pulôveres, blazers e blusas de seda.

Nos anos 80, a sétima arte consagra os filmes Mad Max e E.T., filme em que o

diretor, Steven Allan Spielberg, veste um alienígena com a roupa típica norte-americana

— jeans e camisetas. Década marcada pelos movimentos de solidariedade e pelo culto

ao vídeo clipe. Os Young Urban Peoples —Yuppies, jovens ávidos por dinheiro, status e

poder — destacam-se pela sua forma de vestir, pois trocaram a severidade dos

tradicionais ternos pela funcionalidade das calças jeans, blazers e gravatas. Já a maioria

dos estudantes usava jeans, camisetas ou blusões de moletom com nomes das

universidades ou dos times, sobretudo de basquetebol, além dos óculos escuros.

Esta década, também, teve seu início caracterizado pela antimoda e a imagem do

pauperismo, já que a estética da pobreza do movimento punk, que surgiu em Londres

em meados da década de 70, influenciou os criadores japoneses Kenzo, Isey Miyake e

Rei Kawakubo. Estes estilistas dominaram a moda européia quebrando os padrões pré-

estabelecidos das formas, introduzindo novos volumes, ombros estruturados, peças

sobrepostas, escondendo a silhueta. A estética desta vez pedia jeans super rasgados.

Tratava-se, na verdade, de uma proposta de anticonsumo, de uma antimoda, à qual

muitas grifes aderiram.

Como preto toma conta das passarelas, registrando o período crítico da

economia mundial, o jeans black também assume posição de destaque, ao lado do

tradicional blue. No passado, calças e jaquetas em denim preto fizeram sucesso na pele

dos foras-da-lei como Elvis Presley, Johnny Cash e dos Ramones, o black denim

adquiriu a significação de ser bad (mau). O blue jeans passou de símbolo de contestação

à objeto de consumo, dirigido a grupos bem definidos. Cujas regras de interesse são

produto funcional, bem adaptado à vida do dia-a-dia, e com bom preço.

78

Inicialmente com o propósito de atender o mercado de moda prêt-à-porter, em

1981, no Brasil, Tufi Duek lança a FORUM. Em 1985, a grife ampliou sua linha ao

jeanswear e, a partir de então a marca ganha expressividade no mercado nacional. Em

1997, com a abertura do mercado, a FORUM lança sua marca internacionalmente,

passando a fazer parte do universo das marcas globalizadas.

Ilustração 33: Kate Moss, anúncio da campanha do verão 2000, da FORUM

Em 1987, Valdemar Iódice desenvolve uma moda jovem streetwear e lança a

brasileira IÓDICE. Fiel ao conceito de simplicidade de formas e cores, nas coleções

masculinas, combinava jeans e camisetas, já no feminino, roupas leves feitas com finos

tecidos e detalhes drapeados se integravam ao jeans despojado, próprio para atender aos

desejos da juventude brasileira da época.

Em 1989, o símbolo do mundo comunista cai. A queda do muro de Berlim

simboliza o início da fase da globalização e mundialização das culturas, propagando

tendências pelos cinco continentes. Os jovens testemunharam o fato vestindo jeans,

símbolo de revolução e contracultura.

Nos anos 90, as bandas de rock Nirvana e Alice in Chains, de Seattle, Estados

Unidos, que vinham chocando o mundo, introduzem o estilo grunge (sujos) na música e

na roupa com os principais fundamentos deste movimento de estilo — coturnos, camisa

79

xadrez, jeans puídos e sobreposições de camisetas. Volta o estilo hippie, mais

sofisticado, conceituado omo hippie chic.

A tecnologia dos tecidos amplia a gama dos sintéticos e cria as microfibras e os

“tecidos inteligentes” tornando as roupas mais práticas e confortáveis, e o homem volta

a usar peças mais justas e se permite ser vaidoso.

Em Babado Forte, Erika Palomino afirma que

com o caminho contrário estabelecido (das ruas para as passarelas), todo mundo quer se sentir jovem, quer vestir-se com a roupa dos jovens. Enquanto nos anos 80 o que importava era ter dinheiro, os 90 vão se tornando uma época em que juventude passa ser um status importante de se ostentar... (PALOMINO, 1999, p. 228).

Neste cenário, o jeans ganha cada vez mais adeptos. O visual esportivo, dos

ídolos da música pop, é adotado com inovações pelos jovens. Sob a influência dos vídeo

clipes transmitidos pela televisão, eles passam a copiar as roupas dos ídolos do funk e

do rap, usando bonés virados para trás e cordões dourados. A calça jeans, baggy e

semi-baggy, o jeans colorido, o jeans em calça, jaqueta, em bermuda, em shorts, em

jardineira etc., continuou sendo a roupa favorita do vestuário informal, junto com os

bodies, as t-shirts, as camisetas regatas, as blusas baby look e “segunda-pele”.

Em 1992, com camiseta e cara-pintada, a juventude do Brasil vai às ruas pedir o

impeachment do então presidente Fernando Collor de Melo, vestindo jeans, um

uniforme que também tem sido usado, inconscientemente, pelos adeptos do movimento

sem-terra. O sociólogo e economista, Fernando Henrique Cardoso assume a presidência

da república. A ECO 92 discute os problemas relativos ao meio ambiente. Ronaldinho e

Guga são os destaques do esporte nacional.

A FORUM aposta nas referências culturais brasileiras para o desenvolvimento

de sua coleção e campanha publicitária, deflagrando, pela primeira vez na década de 90,

a discussão em torno da necessidade de uma identidade brasileira na moda. Inspirando-

se no visual de Carmen Miranda, começa vender, em New York, calças jeans brasileiras

adornadas com bananas.

Em 1995, a M.OFFICER, de Carlos Miéle, se destaca pela preocupação com a

preservação do meio ambiente, lançando um produto até então inédito em todo mundo:

o ecodenim — jeans feito com 80% de algodão e 20% de PET (fios de plástico obtidos

80

a partir de garrafas descartáveis não biodegradáveis). Um ano depois, os europeus,

sobretudo Giorgio Armani, integraram este produto às suas coleções.

Em seguida, é lançado o trio — o jeans mais moderno, com 30% de PET,

apenas 15% de algodão, os 55% restantes de liocel (a fibra do tencel). Desenvolvida

pela Coultards Fibers, uma das mais importantes produtoras de fibras do mundo, o

tencel é obtido a partir de árvores plantadas em áreas de reflorestamento, com uma

tecnologia não poluente. O tencel também foi lançado no Brasil pela M.OFFICER.

Tanto o trio, como ecodenim, foram desenvolvidos pela Swift Textiles, empresa norte-

americana que vem se direcionando à pesquisa de novos tecidos, com cada vez menos

algodão.

No fim da década, entraram em moda os jeans stretch, bem ajustados e, a t-shirt,

que já era o seu par perfeito, após o aparecimento do silk-screen, ela virou uma mídia

vinculadora de idéias, ostentando as mais variadas estampas, slogans, nomes ou

logotipos de grifes, atravessou a década com força total, consagrando, definitivamente,

a parceria.

Na mesma época, no Brasil, Tufi Duek e o designer Giovanni Bianco juntaram-

se para produzirem o livro e a exposição Photojeanic, o Culto do Jeans, no Museu de

Arte Moderna, em São Paulo. Photojeanic (do francês, fotogenia), além de ter um

significado relativo ao projeto, ortograficamente, faz a junção da palavra photo com o

termo jeans, por esta razão se tornou o título tanto do livro como da exposição. Desse

projeto, participaram cinqüenta e seis fotógrafos, nacionais e internacionais, que

receberam um jeans cada um, para fotografá-lo na sua visão mais convincente, com

total liberdade: de maneira comercial, irônica, dramática, bem-humorada ou artística. A

intenção era ilustrar a evolução do produto na visão de cada fotógrafo.

No final do século, as lojas LEVI'S norte-americanas começaram a comercializar

personal denim: o jeans feito sob medida. Sob encomenda, a calça ficava pronta em três

dias, custando apenas um pouco mais do que a normal. Além dessa inovação, em quinze

pontos-de-venda espalhados pelos Estados Unidos, peças de época foram resgatadas, no

melhor estilo vintage. Em São Francisco, na fábrica de 1906, calças, jaquetas e camisas

dos anos 30, 50 e 60 voltam a ser confeccionadas em edições limitadas, nas mesmas

condições do passado, com as máquinas dos anos 20, conservando os mesmos detalhes,

tais como a linha vermelha que corre na barra interna das costuras laterais, no bolso

direito, o logo na tarjeta vermelha (Red Tab) com o “e” maiúsculo, como foi de 1936 até

81

1970. O segundo bolso só apareceu a partir dos anos 50, quando a etiqueta no passante

da calça deixou de ser de couro para ser de zetex11. Além dessas peças vintage, a marca

lançou o conceito dos originals, resgatando, entre calças, camisa e jaqueta, sete modelos

(Red Tab) em jeans da década de 50, 60 e 70, com tecnologia contemporânea. A Silver

(prata), uma linha mais fashion e bastante jovem, invadiu as prateleiras da LEVI'S, no

segundo semestre de 1998.

Em 1999, na vira do milênio, novamente, a LEVI'S regressa ao passado. Porém,

desta vez, foi para lançar a sua mais expressiva linha de vestuário denim, batizada de

LEVI'S Engineered Jeans (LEJ), que viria a revolucionar a forma de usar jeans, que

passou a ter um corte ergonômico, com autoria da designer Rikke Corp. A nova peça

surgiu do deslocamento natural das costuras laterais do modelo clássico 501, passando

por um processo sucessivas lavagens industriais. O êxito foi faiscante e as lojas tiveram

que colocar os clientes em listas de espera.

Ilustração 34: Laboratório de desenvolvimento e jaqueta Engineered Jeans LEVI’S. Os modelos desta linha variam entre os jeans clássicos e o total neo-punk

11 O zetex é uma espécie de papel utilizado para a fabricação de etiquetas. Talvez, ele seja o material mais menosprezado pelo marketing em geral, mas oferece uma visita ao passado do denim. Em 1945, a Blue Bell introduziu no mercado o primeiro zetex. A publicidade é discurso de moda, alimenta-se como ela do efeito de impacto, de minitransgreções e de teatralidade espetacular. Embora o modelo de jeans clássico de cinco bolsos raramente mude, suas embalagens mudam a cada estação, refletindo as preocupações e desejos de cada geração. Assim, a comunicação mercadológica torna-se a alma individual de cada produto. Cartões de prateleiras foram os primeiros componentes do marketing do segmento jeanswear, combinando imagens e informações sobre a fabricação dos produtos. Depois surgiu o zetex, para grafar a logomarca nas calças em denim. Em seguida, surgiu o qualitag, que visava toda a família, trazendo informações sobre os cuidados com a lavagem e preços; para as donas de casa os real men (homens de verdade), os rodeios e westerns para o marido viril e as tiras em quadrinhos para as crianças. Tempos depois o zetex passou a ser muito mais específico, adotando o marketing de causas passou a veicular mensagens através de slogans que diziam Be Eco! By Eco! ( Seja ecológico! Compre eco!), Think Global! (Pense globalmente!), da WRANGLER e Safe Sex (Sexo seguro), da EASY JEANS. Estas foram as bandeiras levantadas nos tempos de AIDS e propagação da globalização.

82

No ano seguinte, a LEVI'S apresentou uma nova linha de Levi's Engineered

Jeans, também assinada por Rikke Corp, considerada uma das dez designers mais

influentes do mundo da moda masculina, ao lado de nomes tão conceituados como Hedi

Slimane, Tom Ford ou Suzy Menkes. Ela redesenhou a linha original e o resultado foi

tão autêntico e icônico como o original. Às costuras torcidas e silhuetas 3D juntaram-se

variados detalhes estéticos, como remendos cosidos à mão, que evidenciam a paixão de

Rikke Corp pelo artesanato e diferenciam totalmente a nova geração de produtos da

Levi's Engineered Jeans. Outra das grandes inovações da nova linha em denim foi a

utilização de algodão orgânico. Pensando especialmente nos admiradores incondicionais

desta linha, a coleção integrou ainda alguns dos modelos mais representativos das

últimas coleções LEJ, sob o nome de Icons (Ícones).

Como vimos, ao longo de sua trajetória, o jeans nasceu masculino, nas minas de

ouro, virou country, rendeu-se à sensualidade feminina, transformou-se no figurino dos

grandes roqueiros, tornou-se signo de liberdade com os hippies, atrelou-se aos

movimentos de contracultura nos anos 60, consagrando-se como símbolo de juventude.

Contribui para as revoluções sexual, social e da indústria têxtil e de confecções. No final

do milênio, ganhou individualidade e design ergonômico. Através do conceito de

premium jeans elevou-se à categoria de artigos de luxo, virando símbolo de status social

e de reconhecimento. De acordo com a jornalista Patrícia Carta, traduz-se num

verdadeiro ícone azul.

Ilustração 35: Jeans de luxo, bolsa LOUIS VUITTON em patchwork de denim, R$ 9.150,00, anúncio

veiculado na Revista Vogue Brasil, nº 343, Março de 2007, p. 210

O jeans é a única peça de roupa que tem

criado uma unanimidade imaginária em

substituição à boa e velha característica

universal do pensamento e da filosofia.

Jean Baudrillard — filósofo

84

CAPÍTULO II

CULTURA JOVEM E CONSUMO

Em razão da explosão demográfica ocorrida nos últimos vinte anos, os jovens

ganharam uma importância muito grande na sociedade contemporânea, pois além de

representarem uma grande parcela de consumidores no mercado global, eles exercem

um grande poder de influência sobre as decisões de consumo das demais faixas etárias.

Atualmente, só nos EUA, eles são 33 milhões e consomem U$ 100 bilhões diretamente

e U$ 50 bilhões através da maneira como influenciam seus pais a gastarem. De acordo

com o Censo Demográfico 2000, cerca de vinte por cento da população brasileira tinha

entre 15 e 24 anos, totalizando 34 milhões de jovens. Sendo que, 28,2 milhões (83%)

destes jovens viviam em áreas urbanas e apenas 5,9 milhões (17%) moravam em áreas

rurais.

Além disso, as mudanças tecnológicas, tais como o boom da internet e os

avanços nas áreas de informática, fotografia digital e telefonia móvel, concederam a

esses jovens o poder de tornarem-se os chefes tecnológicos de suas casas. Conforme as

pesquisas realizadas pelas agências de coolhunting 12 , está havendo um reforço no

conceito de individualidade no interior desta cultura: são jovens pensadores originais,

embora, contraditoriamente, um conceito genérico de juventude seja o paradigma por

excelência para todo um mercado de consumo baseado no conceito de ser jovem.

Ainda conforme estas pesquisas, os jovens contemporâneos são otimistas, têm

uma cultura eclética, uma vez que usam a internet para se informarem sobre questões 12 Agência que pesquisa as mudanças socioculturais a fim de identificar as tendências culturais. As informações captadas por essas agências têm forte influencia no direcionamento e/ou redirecionamento estratégico das formas de comunicação mercadológica, no sentido de que tais pesquisas visam, sobretudo captar transformações nas mentalidades, nos estilos de vida, nas formas de manifestação do desejo do consumidor, partindo da idéia “do ato do consumo” como ato social por excelência da sociedade contemporânea, tomando, portanto, o próprio ato de consumo como uma forma de “comunicar”. Os coolhanters são caçadores do cool, ou seja, buscam identificar o que é novo e legal, que poderá ser adotado por um determinado segmento ou nicho de consumidores (FONTENELLE, 2004, p. 164).

85

políticas, ou até mesmo para descobrirem como cozinhar. Há alguns anos, quando todos

achavam que os jovens só assistiam a MTV, elas perceberam que eles estavam

interessados em educar-se, acessando canais mais educativos como o Discovery, a fim

de saber quais eram as inovações que estavam acontecendo. No entanto, isso não

significa que eles também não busquem entretenimento, eles apenas demonstram que

não podemos unidimensionar os jovens.

A juventude é uma fase vibrante e excitante, vive em busca de sua própria

identidade e de seus próprios pensamentos, movida por inquietudes peculiares a cada

geração. Em uma perspectiva mais ampla e crítica do ponto de vista da inserção da

cultura jovem na cultura de mercado, o texto de MARISA (2002) nos ajuda a

compreender o que seria essa cultura jovem, visto que esse conceito concebe

significados distintos em diferentes tempos e lugares. Na atual cultura dominante

ocidental, para além de uma idade grupal, a juventude compreende um conceito que

engloba a promessa de liberdade, a possibilidade de agir por impulso e de provocar

rebelião. Se pensarmos a juventude como uma idade específica, ela torna-se um tempo

para estabilizar identidade e desejo, em seguida, torna-se também um tempo para situar

decididamente as regras e expectativas do nosso mundo social. Juventude é uma fase na

qual essas poderosas regras e expectativas são intensamente deliberadas pela cultura de

consumo e seus difusores, tais como a comunicação mercadológica, a música, os filmes,

a televisão, as revistas e a internet.

O principal meio para a transmissão das tendências, entre os jovens, foi — e

ainda continua sendo em grande medida — a mídia de massas. Este fato resulta numa

simbiose entre mídia e juventude, que se espelham uma na outra a fim de constituir sua

própria identidade, a ponto de se considerar que, hoje, a cultura jovem e a cultura da

mídia são uma coisa só. Por outro lado, observa-se uma outra leitura que aponta uma

relação problemática entre os jovens e a mídia: uma relação de desconfiança e de

desprezo por parte dos primeiros com relação ao que a mídia lhes oferece.

Não é que esses jovens odeiem todo o mercado, todo o marketing e toda a mídia. É que eles sabem o que está sendo vendido. Eles sabem tudo sobre marketing. Eles foram crescendo com a desconstrução da propaganda. E o que precisa ser feito é se criar algum tipo de conexão emocional com eles, onde eles possam estar interessados e eles respeitem você e sejam respeitados. E o desrespeito, que geralmente ocorre, é fruto de um entendimento muito superficial dessa cultura — de tomá-los como consumidores estúpidos. Mas a verdade é que eles querem honestidade, autenticidade da companhia. Não se trata apenas de vender o produto, mas estabelecer com eles um diálogo de longo tempo (LEE apud GORDON, 2001).

86

De modo geral, por conseguinte, é na cultura jovem, tomada como subcultura,

que se encontrará o que é cool (novo desejável), por esta razão ela é o alvo da maioria

das marcas globais contemporâneas. Daí a necessidade de se entender verdadeiramente

esta cultura e sua relação com o consumo.

2.1 O mercado de consumo de massas e os jovens consumidores globais

Durante o século XX, o mercado de consumo de massas passou por grandes

transformações. Em sua última obra, Le bonheur paradoxal (A felicidade paradoxal), o

sociólogo francês Gilles Lipovetsky (2006) classifica essas mudanças em três fases

distintas:

1ª O nascimento dos mercados de massa — Com início nos anos 80, se

estabilizada na primeira metade do século XX. A modernização da infra-estrutura de

transporte e comunicação possibilita que os pequenos mercados locais se transformam

em mercados nacionais. As fábricas aderem aos princípios “científicos” de produção.

Grandes lojas de departamento, como PRINTEMPS (França) e BLOOMINGDALE'S

(EUA), surgem e se consolidam as grandes marcas, como COCA-COLA, QUAKER e

KODAK. É uma fase de construção cultural, que requer a “educação” dos

consumidores. Ir às compras torna-se passatempo e estilo de vida das classes médias.

2ª A “sociedade de abundância” — Constituída ao longo das três décadas do

pós-guerra, dá prosseguimento aos processos que surgiram no estágio anterior.

Multiplica-se por quatro o poder de compra dos salários, o crédito aumenta, e uma

parcela crescente da sociedade passa a ter acesso a produtos até então restritos às classes

abastadas: TV, eletrodomésticos, carros etc. Supermercados e hipermercados se

expandem velozmente. Diminui o ciclo de vida das mercadorias, que se diversificam, se

renovam, dando início à “trama da moda”.

3ª O hiperconsumo — Fase iniciada nas duas últimas décadas do século XX,

em que o consumo se associa de forma cada vez mais forte a critérios individuais. A

satisfação corporal e estética de cada um se sobrepõe à busca pela aparência de classes

sociais mais altas. A curiosidade se torna uma paixão, e surge uma nova relação

87

emocional entre indivíduos e mercadorias. As marcas se fortalecem de forma

independente dos produtos, como a BENETTON, num processo em que imagens,

percepções e associações, pelas quais o consumidor se relaciona com um produto ou

empresa, são estabelecidas e gerenciadas (branding). O produto deixa de ser vendido e

dá lugar a um estilo de vida, um conceito associado à marca, que são representadas por

slogans em marcas de alcance mundial: Just do it (NIKE) ou Think different (APPLE).

A ansiedade pelo consumo cresce, juntamente com a necessidade de consumir. O

hiperconsumismo passa a ser visto como uma forma de lutar contra a fatalidade natural

da vida, como um antidestino.

Conforme o sociólogo o mundo contemporâneo vive uma nova forma de

consumo marcada pela oferta incessante de produtos em escala e intensidade jamais

vistas, iniciada nas duas últimas décadas. Nesta nova era do “hiperconsumo”, o apelo ao

consumismo arraigou-se no cotidiano de toda a pirâmide social — ricos, integrantes da

classe média e pobres — criando uma nova forma de relacionamento do indivíduo

consigo mesmo e com o outro — para o bem e para o mal. Ele defende o consumo

como forma de terapia contra as frustrações cotidianas, já que entende que a

superficialidade é necessária; no entanto, faz um alerta, pois no século XXI, o consumo

está se aproximando perigosamente de uma forma de totalitarismo que “coloniza as

existências” dos indivíduos.

De acordo com LIPOVETSKY (2006), o consumo representa, de um lado, uma

poderosa terapia que ajuda a afastar as frustrações diárias; de outro, um mecanismo de

produção de ansiedade em um mercado cuja razão de ser é a contínua oferta de

“novidades”.

O sociólogo afirma que o hiperconsumo encurtou as diferenças entre as classes

sociais, mas, ao mesmo tempo, passou a se nutrir delas, pois, ao estimular a compulsão

pela compra como objeto de desejo, a sociedade de hiperconsumo leva as pessoas com

menos renda a se tornarem, na ausência de recursos financeiros, consumidoras

potenciais, apenas “na imaginação”. O desejo de compra frustrado gera a delinqüência,

a violência e a criminalidade.

LIPOVETSKY (2006) afirma que o hiperconsumidor é alguém que vive uma

relação ambígua e quase esquizofrênica com o prazer, e analisa os aspectos positivos e

negativos do consumo. Para o pesquisador, o lado positivo do consumo é que ele se

tornou uma terapia cotidiana e funciona como uma espécie de droga psicológica, uma

88

busca de prazer (viagens de férias, decoração da casa, restaurantes) e uma forma de

expulsar a angústia e a ansiedade.

Segundo ele, os aspectos negativos do consumo estão relacionados ao fato de

que vivemos em um universo em que as referências se evaporaram ou ficaram

desreguladas. Ele considera a própria obesidade como uma conseqüência do

hiperconsumo, porque ela destrói estruturas, referências e tradições sociais e culturais.

Outrora, comia-se em horário fixo; hoje, em uma cidade como São Paulo, por exemplo,

pode-se comer qualquer coisa a qualquer hora. Segundo pesquisas realizadas na

Califórnia, um em cada dois norte-americanos não sabe o que é uma refeição

equilibrada. Sabe-se também que uma porcentagem significativa da população da

França e dos Estados Unidos não faz nenhum exercício físico. Em uma vida que é

completamente hedonística13, tudo leva à facilidade. As pessoas assistem ao futebol na

TV, mas não o praticam; assistem ao carnaval na TV, no entanto, elas não vão às ruas

dançar e cair na folia. Desse modo, seus hábitos de vida tornam-se completamente

desregulados, com excessos de todos os lados: excesso de comida, excesso de gordura,

excesso de ócio. Essa falta de controle de hábitos e normas de conduta pode ser

considerada como conseqüência direta da falência dos grandes sistemas (sociais,

religiosos, políticos), mas, sem sombra de dúvidas, foi o hiperconsumo que exacerbou

de tal modo essa irregularidade de comportamento, porque existe uma oferta

permanente, uma estimulação contínua.

O segundo aspecto negativo analisado pelo sociólogo é o sistema de

hiperconsumo hedonístico, que perturbou totalmente o sistema de educação, tornando se

jovens e mesmo crianças cada vez mais agitados e sem controle. Isso ocorre porque,

atualmente, os pais não são mais capazes de definir o sentido de limite aos seus próprios

filhos, tornaram-se incapazes de estruturar seu comportamento. Há crianças que passam,

diariamente, cinco horas diante da TV simplesmente porque os pais não conseguem lhes

dizer não. Os pais contemporâneos têm medo de frustrar os filhos, têm valores

hedonistas, cultuam a felicidade, temem que a criança se frustre, que não seja feliz.

13 Relativa ao hedonismo, que adere cada uma das doutrinas que concordam na determinação do prazer como o bem supremo; finalidade e fundamento da vida moral; dedicação ao prazer dos sentidos, fundamentados em todos os prazeres espirituais; busca de prazeres moderados, que não terminam por conduzir a sofrimentos indesejados; procura do prazer individual, que somente se plenifica por meio de sua extensão para o maior número possível de pessoas; dedicação ao prazer como estilo de vida; teoria segundo a qual o comportamento animal ou humano é motivado pelo desejo de prazer e pelo de evitar o desprazer (HOUAISS, 2001, p. 257).

89

Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, LIPOVETSKY afirmou que os pais

contemporâneos se tornaram fracos, são sixante-huitards (referência aos manifestantes

de Maio de 196814). Observa-se, hoje, a falência do sistema de educação; esse é um

enorme problema e um dos grandes desafios para o século XXI. Esse aspecto também

se pode detectar entre as pessoas mais pobres, que são completamente obcecadas pelo

consumo. De acordo com o sociólogo,

o consumo em si não é negativo, não é em si um drama, mas assim se torna quando invade completamente a existência. Quando pessoas pobres não têm como pagar a eletricidade, mas compram um aparelho de TV, quando as pessoas não conseguem comer bem, mas gastam dinheiro para comprar produtos de marca — um tênis NIKE, por exemplo —, vive-se uma situação louca. Nesse sentido, o consumo colonizou as existências. Não sou contra o prazer do consumo. O consumo é bom, a superficialidade é boa, temos necessidade deles. Não é preciso ser moralista, como o são os marxistas. Mas sou contra o totalitarismo do consumo, que impede o desenvolvimento dos outros aspectos necessários à existência. Porque o homem é alguém que pensa, que crê, que deve se superar. Ele não pode ser simplesmente um homo consumericus (LIPOVETSKY apud PERES, 2006, p. 4-5).

Para LIPOVETSKY (2006), na sociedade do século XXI, existe uma

coexistência entre autonomia e dependência. Hoje, os consumidores são mais livres do

que antigamente, mais autônomos, pois são mais bem informados. Os códigos sociais de

antigamente são menos fortes atualmente e, de modo geral, pode-se viver de acordo

com os próprios desejos. Tem-se à disposição uma oferta de consumo muito diversa, e

isso é bom. Mas, ao mesmo tempo, há também uma dependência dos indivíduos em

relação ao consumo. Há cinqüenta anos, o consumo era algo relativamente pequeno na

14 Em Paris, nas trágicas noites de 10 e 24 de maio de 1968, houve uma inesperada revolução juvenil. Foi o ano louco e enigmático do século XX, período em que se deu uma espécie de furacão humano, uma generalizada e estridente insatisfação juvenil, que percorreu o mundo em todas as direções. Houve uma mistura de festa saturnal romana com combates de rua entre estudantes, operários e policiais, fez com que alguns o vissem como “uma revolta comunitária” enquanto que para outros era “a reinvidicação de um novo individualismo”. 1968 tornou-se um ano mítico, porque foi o ponto de partida para uma série de transformações políticas, éticas, sexuais e comportamentais, que afetaram as sociedades da época de uma maneira irreversível. Seria o marco para os movimentos ecologistas, feministas, das organizações não governamentais (ONG’s) e dos defensores das minorias e dos direitos humanos. A não realização dos seus sonhos, “da imaginação chegando ao poder”, fez com que parte da juventude militante daquela época, frustrada, se refugiasse no consumo das drogas ou escolhesse a estrada da violência, da guerrilha e do terrorismo urbano. Neste ano, também houve uma reação extremada, juvenil, às pressões de mais de vinte anos de Guerra Fria. Uma rejeição aos processos de manipulação da opinião pública por meio dos mass-media que atuavam como “aparelhos ideológicos” incutindo os valores do capitalismo, e, simultaneamente, um repúdio “ao socialismo real”, ao marxismo oficial, ortodoxo, vigente no leste Europeu, e entre os Partidos Comunistas europeus ocidentais, vistos como ultrapassados. Assemelhou-se aquele ano aloucado a um calidoscópio, para qualquer lado que se girasse novas formas e novas expressões vinham à luz. Foi uma espécie de cisão nuclear espontânea que abalou as instituições e regimes. Uma revolução que não se socorreu de tiros e bombas, mas da pichação, das pedradas, das reuniões de massa, do alto-falante e de muita irreverência. Tudo o que parecia sólido desmanchou-se no ar. (História por Voltaire Schilling. Disponível em: http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/ 1968.htm)

90

vida das pessoas, vivia-se com menos coisas. Atualmente, há carros, telefones,

computadores, viagens para toda parte, o que leva as pessoas a se tornarem escravas do

consumo. Essa é a razão de ser do conceito que deu origem ao título de sua obra

“felicidade paradoxal”, pois, ao mesmo tempo, há mais autonomia e menos autonomia,

ou seja, autonomia e dependência coexistem na vida contemporânea.

A sociedade de consumo cresce par a par com o crescimento das desigualdades.

E aí reside um verdadeiro problema porque, se é um fato que a pobreza sempre existiu,

hoje, as pessoas mais desfavorecidas também são hiperconsumidoras. Assim, como

todos os demais, as pessoas com menos renda também querem marcas, a moda, a

televisão, o i-Pod. Elas também querem a vida hedonística, porém isso torna as coisas

mais complicadas, pois nem sempre conseguem o que desejam. As conseqüências sociais

dessa impossibilidade de hiperconsumo são: a delinqüência, a violência, a criminalidade.

As pessoas não querem viver mal, elas também querem participar da sociedade de hiperconsumo. E, como isso é difícil, podem lançar mão de formas imediatas para conseguir dinheiro — como tráfico de drogas e roubo — e pagar pelas marcas. Porque, se você não tem os produtos de consumo, você está excluído da sociedade (LIPOVETSKY apud PERES, 2006, p. 5).

Entretanto, é preciso ter cuidado para não diabolizar a temática do hiperconsumo,

porque os intelectuais que se debruçaram sobre o fenômeno nos últimos cinqüenta anos

foram terríveis, apocalípticos. De acordo com LIPOVETSKY (2006), o indivíduo

contemporâneo vive sob a ameaça da “colonização da existência”. O autor critica o

pensamento marxista da jornalista Naomi Klein, defendido em sua emblemática obra, que

faz crítica à fetichização do consumo, Sem Logo. Ele aponta a pobreza e a educação como

os grandes problemas contemporâneos e considera pouco exatas as análises da autora, uma

vez que a crítica feita por ela à tirania das marcas na sociedade tem algo especialmente

verdadeiro — o excesso de produtos, marcas e a invasão do espaço privado pelo excesso de

publicidade —, porém, essa invasão não é equivalente ao fascismo, pois os indivíduos, ao

mesmo tempo, dispõem de muita liberdade, fato que a jornalista desconsidera em suas

análises. “O consumo não é o totalitarismo; o universo do hiperconsumo é também aquele

em que as pessoas vivem bem e por muito tempo. Há também o consumo médico, e isso é

bom”, afirma o sociólogo (LIPOVETSKY apud PERES, 2006, p. 5).

Ainda segundo ele, certamente há um lado criticável no consumo, mas não o que a

jornalista aponta, já que ela vê apenas o lado superficial da questão — as marcas. Para ele,

as marcas são de fato importantes, mas, sobretudo para os muito, muito pobres, pois para os

91

demais consumidores, o consumo se dá de modo bem pouco fiel. Eles mudam de marca, e

isso não é um grande problema. “O verdadeiro problema, hoje, é a educação, a pobreza e o

desemprego, a depressão, a ansiedade — não são as marcas” (LIPOVETSKY apud PERES,

2006, p. 5). No Brasil, podemos acrescentar à essa lista de problemas listados pelo autor a

corrupção política.

O hiperconsumidor é alguém em busca de si mesmo. Mas, de acordo com o

sociólogo, não é essa a visão da jornalista, pois ao lermos seu livro Sem Logo, temos a

impressão de que os indivíduos não existem — só existem as marcas e os negócios.

Ainda segundo ele, na visão da jornalista, os indivíduos recebem as marcas sem

conseguir reagir, como se fossem escravos. No entanto, uma pessoa pode assistir a

anúncios de uísque 24 horas por dia e jamais beber uísque. As pessoas podem não ir a

um determinado restaurante só porque viram publicidade sobre ele, mas porque algum

amigo o indicou, por meio da propaganda boca-a-boca. Além disso, quanto mais marcas

há, mais os gostos se individualizam e deste modo o universo do hiperconsumo

desenvolve a multiplicidade de gostos individuais.

Na realidade, o surgimento da sociedade de hiperconsumo está ligado à ascensão

de uma “lógica igualitária” criada pela democracia. No entanto, lógica igualitária não

significa uniformização, mas, em seu sentido mais profundo, o direito de cada um à

felicidade e ao consumo. Isso significa que, mesmo não sendo rico, pode-se viver bem.

Hoje, se pode viajar de avião ao lado de quem tem um nível de vida diferente do seu,

que pode ter muito mais dinheiro que você. O que não significa afirmar que as

diferenças desapareceram — isso seria ridículo. Mas, também, não significa dizer que o

mundo de pobres e ricos seja estanque.

A sociedade de hiperconsumo é marcada por uma “feminização”. Atualmente,

práticas que outrora eram privilégio das mulheres, tais como a moda e a cosmética, se

integram cada vez mais ao universo masculino. Em um sentido mais amplo, assistimos a

uma feminização do design e da publicidade. “As formas agora são mais doces, mais

maternais e menos agressivas. Isso, talvez seja a expressão de uma sociedade mais

ansiosa, que acredita menos na modernidade e que deseja um bem-estar imediato”

(LIPOVETSKY apud PERES, 2006, p. 5). Para o sociólogo, as formas antigas representavam

uma espécie de profissão de fé na modernidade, havia um esforço em destruir a

tradição, enquanto, hoje, não se deseja destruir nada, mas, antes, conservar tudo. Hoje,

92

as formas pretendem transmitir paz, serenidade, razão pela qual o modelo dessa

sociedade não é Dionísio15, mas o Zen16.

Como vimos, para o sociólogo, a sociedade contemporânea não vive o

dionisíaco; estimulada por um hedonismo ansioso, ela apenas consome o dionisíaco. Ele

chama atenção para a problemática que surgiu nos últimos vinte anos, o

desenvolvimento de uma “cultura preventiva” do consumidor, uma relação paradoxal

com o prazer da compra. Por exemplo, atualmente, as pessoas não podem se expor ao

sol, porque causa problemas; não podem beber COCA-COLA, porque tem muito

açúcar; não podem comer muita carne, porque tem gordura; precisam fazer exames

médicos; não podem fazer sexo sem camisinha, porque podem pegar AIDS. Essas

preocupações paralisam o hedonismo, porque elas instalam a dúvida, a desconfiança, o

medo, que se torna algo permanente na existência dos indivíduos. Nos anos 50, as

pessoas comiam e tomavam banho de mar tranqüilamente; hoje, precisam verificar se a

água não está poluída, se a comida tem produtos geneticamente modificados, que

podem provocar câncer. Vivemos em uma civilização da prevenção, que é o contrário

do dionisíaco.

Em A transfiguração do político, o sociólogo francês Michael Maffesoli (2000)

questiona a questão da cultura global. Para ele, a globalização, problemática e

conflituosa, não passa de uma falsa idéia dos tempos modernos, uma vez que os

diferentes Estados-Nações continuam afirmando antigos valores, crenças, culturas,

religiões, o que o faz pensar na idéia de uma aparente globalização, ou, dito de outra

forma, uma “globalização imaginada” (imaginária). A reafirmação das velhas crenças e

ideologias por parte das nações e a explosão de grupos sociais que, por sua vez, também

(re)afirmam seu pensar, faz com que ele acredite que a característica principal da

atualidade é a “formação de tribos” através de laços sociais que se estabelecem, cada

15 O Deus Dionísio, também conhecido entre os romanos, pelo nome de Baco, simbologia ampla, mas geralmente ligada às festas campestres, ao vinho, aos ciclos vitais (nascimento, morte, renascimento) e da fecundidade humana, animal e vegetal; relativo ao espetáculo cênico (cuja origem se prende aos cultos dionisíacos); de natureza desinibia e agitada, como a de Dionísio; espontâneo, natural, instintivo; vibrante, criativo, inspirado; referente ao campo ou a terra, campestre; que cultiva saúde espiritual e/ou física (HOUAISS, 2001, p. 1046). 16 Escola do budismo surgida na China do século VI d.C. e levada para o Japão no século XII, onde adquiriu grande importância cultural até os dias atuais. O zen é caracterizado pela busca de um estado estático de iluminação pessoal, o satiri, equivalente a um rompimento deliberado com o pensamento lógico, obtido por meio de práticas de meditação sobre o vazio ou reflexão a respeito de absurdos, paradoxos e enigmas insolúveis (HOUAISS, 2001, p. 2905).

93

vez mais, pela “comunhão emocional” de conhecimento comum, no sentido de

comunicado, compartilhado, trivializado, banalizado.

Segundo ele, as cidades contemporâneas são povoadas por “tribos urbanas”, o

que implica que, na sua pluralidade de origens e comportamentos, as sociedades não

nasçam da redução da diversidade a um elemento centralizador único, mas da conjunção

de “elementos díspares”. O zen, o candomblé e os valores africanos, por exemplo, estão

presentes nas ações do cotidiano da sociedade pós-moderna: na maneira de vestir, de

festejar, de se alimentar etc. Característica da pós-modernidade, a lógica da conjunção

para a unicidade é algo que vivemos, embora a “intelligentsia” — acadêmicos,

políticos, imprensa — ou seja, os que têm o poder de dizer e fazer, permaneçam

dominados pelo pensamento racional moderno. A pós-modernidade não se fundamenta

em distinções precisas e simples, mas em uma “complexidade” que integra tudo,

inclusive a instância do paradoxal. Desse modo, estaríamos retornando ao mito

nietzschiano de Dionísio, momento em que um novo paradigma cultural está em

gestação, deixando para trás os traços da chamada modernidade e adotando um ponto de

vista mais emotivo, hedonista e, realmente, dionisíaco em relação ao mundo.

Assim, cada sociedade, em um dado momento histórico, tem uma figura

emblemática forte. Na modernidade, foi Prometeu: o deus do trabalho, da razão, da

seriedade. Mas houve uma “fadiga”, um desgaste, uma “saturação” pela superexposição.

Hoje, ao contrário, assistimos ao retorno de uma outra figura emblemática: Dionísio,

que representa a desordem, a festa, e, sobretudo, a “transgressão da norma”, do mesmo,

do igual. Com o desenvolvimento do hedonismo, “a influência dionisíaca” implica em

uma importância exagerada concedida ao corpo, na sociedade contemporânea. Trata-se

de uma tendência mundial, na qual o Brasil serve de modelo às demais culturas

mundiais. No Brasil, o corpo adquiriu um “valor em si mesmo”: a cirurgia estética é um

belo exemplo dessa tendência; outro aspecto pode ser percebido através de toda uma

série de fenômenos que mostram que o que constituía uma realidade incontornável, o

trabalho, deixa lugar a uma realidade muito mais festiva difusa, alegre e “desligada”.

Segundo MAFFESOLI (2004), “queremos permanecer jovens, falar como jovens, nos

vestir como jovens, ter um corpo como o dos jovens” (informação verbal17).

17 Informação obtida durante a palestra realizada no Seminário — Comunicação, Imaginário Social e Pós-modernidade — Porto Alegre, outubro de 2004.

94

Em Sem logo, Naomi Klein (2002) aborda a temática do adolescente global,

cuja demografia é considerada uma das maiores oportunidades de marketing de todos os

tempos. A jornalista afirma que, embora os adultos ainda possam abrigar costumes e

formas tradicionais, os adolescentes globais tratam essas irritantes obsessões nacionais

como moda ultrapassada. “Eles preferem COCA-COLA a chá, NIKES a sandálias,

CHICKEN McNUGGETS a arroz, cartões de crédito a dinheiro” (Joseph Quinlan,

economista sênior da Dean Witter Reynolds apud KLEIN, 2002, p.143).

Conforme KLEIN (2002, p. 143), os adolescentes globais não vivem em um

lugar geográfico, mas em uma rede de consumo global, conectam-se por seus celulares

a newsgroups da internet; unem-se em torno de SONY PlayStations, vídeos da MTV e

jogos da NBA. Realizado, em 1996, pela divisão Brain Waves da agência de

publicidade de Nova York DMBEtB, o estudo mais extenso e mais citado sobre a

demografia adolescente global — Estudo do Adolescente no Novo Mundo — fez um

levantamento de 27.600 adolescentes de 15 a 18 anos em 45 países e o apresentou aos

clientes da agência, tais como COCA-COLA, BURGER KING e PHILIPS, afirmando

que:

Apesar de culturas diferentes, os jovens de classe média em todo o mundo parecem viver suas vidas como se estivessem em um universo paralelo. Levantam-se pela manhã, vestem sua LEVI’S e seus NIKES, pegam seus bonés, mochilas e discman da SONY e vão para a escola (Josh Fit — The Nike Psyche – apud KLEIN, 2002, p. 144)

No entanto, para que as marcas consigam vender os mesmos produtos da mesma

forma em todo o mundo, os próprios adolescentes precisam se identificar com essa nova

demografia. Em razão disso, a maioria das campanhas publicitárias de marcas globais

está promovendo, de maneira bastante agressiva, o conceito do mercado adolescente

global, por meio da exposição de um verdadeiro caleidoscópio de faces multiétnicas que

se fundem umas nas outras através de suas tranças rastafári, ou cabelos coloridos,

piercings e tatuagens, jeans, algumas bandeiras nacionais, lampejos de sinais de trânsito

estrangeiros, letreiros em árabe, uma pitada de palavras em inglês e muita música

eletrônica. Na publicidade contemporânea, nacionalidade, linguagem, etnia, religião e

política são reduzidas às roupas e acessórios coloridos e exóticos que compõem a

indumentária dos jovens que, de modo geral, ilustram as páginas dos anúncios.

Para chegar a esse estado de uniformidade, os adolescentes globais devem às vezes ser lançados contra os mais velhos e tradicionais que não apreciam seu gosto radical pelo denim. Por exemplo, a propaganda na TV do jeans DIESEL mostra dois

95

adolescentes coreanos transformando-se em pássaros depois que cometem duplo suicídio, encontrando a liberdade somente na total rendição à marca. Nessas peças publicitárias, o produto último — mais do que refrigerantes, sorvetes, tênis ou jeans — é o adolescente global, que deve existir como demografia na mente dos jovens consumidores de todo o mundo ou todo o trabalho de marketing global fracassa. Por esse motivo, o marketing da juventude global é um exemplo de entorpecimento mental repetitivo, utilizando a idéia do que está tentando formar: uma terceira noção de nacionalidade — não americana, nem local, mas que una as duas, através das compras (KLEIN, 2002, p. 144).

A estratégia de marketing global pode ser evidentemente constatada nas

declarações do presidente da DIESEL, Renzo Rosso, quando afirma que “nunca há um

‘nós e eles’, mas simplesmente um imenso ‘nós’” e que “na DIESEL jeans (...) não

vendemos um produto, vendemos um estilo de vida. Penso que criamos um movimento.

O conceito DIESEL é tudo” (ROSSO apud KLEIN, 2002).

A ligação da cultura jovem com a música e as inovações tecnológicas e

eletrônicas, a diversidade étnica e o apelo sensual podem ser observados neste anúncio

de mídia impressa da marca LEE:

Ilustração 36: Anúncio da LEE, veiculado na Revista Ragazza, Portugal, março de 2006, p.33

96

Na campanha Moonbathing, a comunicação verbal da LEVI’S com o público

brasileiro, via internet, evidencia os elementos de identificação global da marca e a

linguagem descontraída direcionada ao jovem consumidor global, como pode ser

constatado no seguinte texto: “viaje pelo mundo e descubra como uma LEVI’S sempre

cai bem em qualquer pessoa, em qualquer lugar”. A linguagem descontraída e o foco no

público jovem ficam mais evidenciados ainda na seguinte afirmação: “os lugares que

você conhece dizem muito de sua personalidade. As baladas que você curte dizem

muito do seu estilo. E a roupa que você usa diz tudo de você18”.

Nesta campanha, a LEVI’S incorporou também a estratégia de comunicação

com enfoque nas “tribos urbanas”, na valorização da novidade e na liberdade de

expressão. No catálogo, o tema da campanha é assim definido:

Moonbathing é o conceito de uma noite diferente, que convida ao encontro de todas as tribos, à expressão da liberdade. É nessa noite que as pessoas ficam à vontade para serem o que são, para interagirem com o novo, com o inusitado. Moonbathing é seduzir, comemorar idéias misteriosas e instigantes. Seja original. (Catálogo da LEVI’S, campanha de Inverno 2007).

O Estudo do Adolescente do Novo Mundo aponta a TV como um dos mais

significativos fatores que contribui para os gostos compartilhados dos adolescentes de

classe média, que participaram do levantamento. Com 85% de audiência entre os

adolescentes de classe média, a MTV triunfa no centro do fenômeno adolescente global.

Em 1998, a emissora estava em 273,5 milhões de lares em todo o mundo — 70 milhões

deles só nos Estados Unidos. Em 1999, oito divisões globais da MTV transmitiam em

83 países e territórios, um alcance menor que o da CNN, de 212 países. A emissora é

considerada como “boletim noticioso para a criação de imagens de marca” e um

“sistema de alto-falantes para uma geração” (KLEIN, 2002, p. 145).

De acordo com a jornalista, esse tipo de alcance de programação não tem

precedentes desde a década de 50, quando as famílias se reuniam em torno da TV. Os

adolescentes globais assistem diariamente tanto a MTV, cuja experiência de

compartilhamento cultural equivalente ao que ocorre entre adultos durante a deflagração

de uma guerra, quando todos os olhos estão focalizados nas mesmas imagens da CNN.

Deste modo, “quanto mais espectadores absorvem a visão MTV de uma tribo de

18 (in levi.com, link Brasil, acessado em 10 de novembro de 2006).

97

adolescentes nômades globais trocando cultura, mais homogêneo é o mercado no qual

os publicitários vendem seus produtos” (KLEIN, 2002, p. 145).

É muito mais provável que os adolescentes que assistem a videoclipes da MTV vistam o “uniforme” dos jeans, tênis e jaqueta de brim do que outros adolescentes (...) É muito mais provável também que eles possuam bens eletrônicos e consumam artigos “adolescentes” como doces, refrigerantes, biscoitos e fast-food. Também é muito mais provável que eles usem uma ampla gama de produtos de toalete (Chip Walker, diretor do Estudo do Adolescente do Novo Mundo apud KLEIN, 2002, p. 145).

Em outras palavras, a MTV se tornou um catálogo bastante persuasivo e

importante influenciador no desenvolvimento da moderna vida com grife, um agente

importante no desenvolvimento das marcas globais e da cultura mundializada. Para o

sociólogo Renato Ortiz, “uma cultura mundializada corresponde a uma civilização cuja

territorialidade se globalizou” (ORTIZ, 1998, p. 31). Esse é o zeitgeist (espírito do tempo)

das relações contemporâneas desses jovens com as pessoas, com o mundo real e virtual.

O pesquisador argentino erradicado no México, Néstor Garcia Canclini, em abril

de 2004, numa conferência na IV Cúpula Mundial de Mídia para Crianças e

Adolescentes, afirmou que, hoje, os jovens que cresceram com os videoclipes e o

zapping do controle remoto vivem a cultura do instantâneo, visto que recebem uma

grande quantidade de informações fragmentadas e têm dificuldades em saber o que

fazer com o passado e com o futuro.

Ao analisar o jovem e a mídia no mundo globalizado, avaliando a relação entre

mercado, audiência e valores na América Latina, o pesquisador traçou um perfil

socioeconômico da juventude nos países em desenvolvimento, mostrando como a

indústria cultural e a mídia modificaram hábitos e fizeram “evaporar as utopias”,

criando um distanciamento da história. Para ele, hoje, os jovens estão mais dispostos a

participar de causas do que de organizações. “Hoje em dia a TV faz a pergunta e a

internet responde” (CANCILINI, 2004). O pesquisador afirmou, ainda, que cultura

mundial continua sendo lançada nos Estados Unidos, ainda que a produção cultural e de

mídia venham se desenvolvendo em diversos países.

Argumentando que a despolitização, o “presentismo” e o baixo sentido histórico

não são características apenas dos jovens nos dias de hoje, o sociólogo aponta as

políticas neoliberais como culpadas pela desordem das sociedades e propôs a crítica e a

redefinição dos meios de comunicação de massa e o estabelecimento de políticas

culturais para esses meios que ampliem a produção de programas regionais dirigidos ao

público infanto-juvenil. Conclamou que as escolas comecem a utilizar com criatividade

98

os produtos da mídia em sala de aula, contribuindo para a formação de uma audiência

crítica. “É animador esperar um futuro em que haja jovens artistas ou educadores,

criadores publicitários ou alternativos, que não considerem que a memória e o prazer

sejam inimigos entre si” (CANCLINI, 2004).

Além de Nestor Canclini, outros especialistas analisaram o perfil do mercado de

mídia na América Latina. Segundo o norte-americano Ryan Shiotani, da RSB/Media,

houve um aumento da produção de programas de televisão dirigidos aos jovens na

América Latina e o crescimento dos canais regionais. Embora não exista uma produção

latino-americana de sucesso global, esse aumento de produção, que envolve também o

cinema e o mercado publicitário, vem sendo favorecido tanto pela resistência de alguns

mercados locais a programas dublados, quanto pelo maior volume de investimento de

grupos espanhóis na região.

Na nova sociedade “tribalista” proposta por Michel Maffesoli, sente-se a

necessidade de consolidar o sentimento de união coletiva e de restauração daquilo que

constitui o fundamento do “ser/estar-junto-com”. É importante reconhecermos que a

paixão continua sendo suporte essencial da vida socioetal, o que está em primeiro lugar

“é a pulsão que impele à ação, que incita a dizer, que preside às diversas agregações,

que favorece as atrações e as repulsas, que ordena as alianças; ou, numa só palavra, todo

este não-lógico” (MAFFESOLI, 1988, p. 96).

Como refletirmos sobre a relação entre comunicação, mídia e imaginário social

sem refletirmos sobre uma transformação na própria estrutura do conhecimento que se

propõe a tal reflexão? O “tribalismo” refere-se ao retorno do pensamento mágico, ainda

não superado. Trata-se da revalorização do cotidiano, pois o “senso comum, a intuição

popular, o discurso da vida de todos os dias, às vezes mesmo, o arrebatamento político

(refiro-me aqui às discussões políticas em bares ou botequins) dão suficiente conta do

não-lógico operante em nossas sociedades” (MAFFESOLI, 1988, p. 101).

O Núcleo Jovem da Editora Abril, formado pelas marcas Capricho, Mundo

Estranho e Superinteressante, divulgou, em novembro de 2005, a pesquisa Os novos

Consumidores, que ouviu 750 jovens consumidores de São Paulo, Rio de Janeiro e

Ribeirão Preto. Trata-se de um estudo sobre as dez mais fortes tendências de consumo

de jovens brasileiros de 18 a 24 anos, das classes A e B. Foram entrevistados dois

perfis: um, que antecipa o que é novo por meio de seu comportamento, conhecidos

99

como os Alphas (3% da população), e o outro, que faz a ponte entre a novidade e o

consumo de massa, denominados Betas (de 15 a 25% da população).

Globalização Mundialização

Integração Unitário

Ilustração 37: Esquema Mundialização X Globalização e o jovem consumidor global19

A pesquisa foi realizada pela coolhunting Box 1824, empresa brasileira de

análise de tendências e consumer insight focada no público jovem, que se inseriu em

cenários de uso e propagação de marca para a coleta de dados. João Cavalcante e Rony

Rodrigues, proprietários da Box 1824, fazem parte da geração pós-boom da internet,

pós-nerds e pós-universidade, cresceram pesquisando em livros dos sociólogos

franceses Jean Baudrillard e Michel Maffesoli, em sites de sociabilização e fundaram

sua empresa de pesquisa de tendências comportamentais que atende clientes como a

NOKIA, a GRENDENE e a UNILEVER. Para ter uma inserção verdadeira, maior

veracidade dos dados coletados e trazer para os clientes respostas válidas, seus

funcionários possuem a mesma faixa etária de seus entrevistados, são jovens

pesquisando jovens. Os pesquisadores de campo desta agência oscilam entre os 18 e os

24 anos, alguns são consultores espalhados por cidades como Paris, Xangai e Madri,

penetram nos círculos-fonte das principais pesquisas da empresa.

19 Em Mundialização e Cultura, o sociólogo Renato Ortiz aborda a distinção entre os dois termos: “global” e “mundial”. Conforme o sociólogo, o termo global se refere a processos econômicos e tecnológicos e o termo mundialização ao domínio específico da cultura. O autor afirma que “a categoria ‘mundo’ encontra-se articulada a duas dimensões. Ela veicula-se primeiro ao movimento de globalização das sociedades, mas significa também uma ‘visão de mundo’, um universo simbólico específico à civilização atual. Neste sentido ele convive com outras visões de mundo, estabelecendo entre elas hierarquias, conflitos e acomodações”. Conforme o sociólogo, seria mais eloqüente abarcar a mundialização como processo e totalidade. Segundo ele, “processo é o que produz e se desfaz incessantemente (como toda sociedade) no contexto das disputas e das aspirações divididas pelos atores sociais (...) uma dimensão abrangente englobando outras formas de organização social: comunidades, etnias e nações. E, “a totalidade penetra as partes no seu âmago, redefinindo-as nas suas especificidades”. Ainda segundo ele, “o processo de mundialização é um fenômeno social total que permeia o conjunto de manifestações culturais. Para existir, ele deve se localizar nas práticas cotidianas dos homens, sem o que seria uma expressão abstrata das relações sociais” (ORTIZ, 1998, p. 29-30).

100

Sobre o consumo propriamente dito, durante a palestra Rumos do

Comportamento e seus Reflexos na Moda Globalizada20, os caçadores de novidades,

proprietários da Box 1824 antecipam três tendências do pós-materialismo: o consumo

invisível (também chamado virtual), o consumo do vazio (possuir algo como uma

garantia para o futuro) e o consumo da expectativa (mais importante que o produto é o

momento certo de seu lançamento, como um seqüencial de necessidades). Em meio aos

excessos de informações eles ressaltaram a importância da curadoria e dos pontos de

vista para peneirar o que realmente vale a pena — e o que nos fará sair da multidão.

Conforme estes jovens pesquisadores, a geração dos Alphas Globais nasceu em

meio ao fenômeno da globalização, da pós-unidade, são compreendidos como sem

nacionalidade, formam uma nação global com afinidades muito grandes, sintonia de

comportamento, convergência, relações boas com outras etnias, são extremamente

criativos e usam a internet como base para ensilar relações reais, pessoais e profissionais

(informação verbal 21).

A nova segmentação de mercado classifica os consumidores como Alphas, Betas

e Mainstreams, as variáveis de segmentação utilizadas são as psicográficas. Os Alphas-

innovators (os criadores, inovadores) são os consumidores que antecipam o que é novo

através de seu comportamento e poder de criação, correspondem a 3% da população,

são integrantes da “subcultura” jovem marginal — criadora do cool (novo). Os Betas-

translators (os disseminadores, tradutores) são os consumidores que fazem a ponte

entre a inovação e o mercado de massas, representam de 15 a 25% da população, são os

influenciadores da “subcultura” jovem de massa — consumidora do cool. Os

Mainstreams (recebem a influência) são os representantes da “subcultura” jovem de

massa, correspondem ao grande poder de consumo tardio, representam 72 a 82% da

população. Hoje, existe um programa que baixa MP3, Soulseek, com bandas

alternativas. Um jovem Alpha já utiliza essa ferramenta há três anos, chega um Beta,

gosta e na mesma hora passa para 300 amigos na internet. Portanto, para produtos de

volume, são investigados os Betas, e para a criação, os Alphas são observados.

20 Informação obtida durante o Seminário internacional de Marketing e Moda — Marketing Fashion, realizado nos dias 25 e 26 de abril de 2006. 21 Informação obtida durante o Seminário internacional de Marketing e Moda — Marketing Fashion, realizado nos dias 25 e 26 de abril de 2006.

101

O livro de Dick Hebdige, Subcultura: el significado del estilo (Subcultura: o

sentido do estilo) discute a origem e a função da subcultura como reação à cultura

dominante, com uma contínua e forte posição de oposição. Conforme o autor, as

grandes corporações estão sempre atentas a fim de estabelecer uma ponte entre a

subcultura marginal — resistente à cultura como status quo, e que protesta

constantemente, se torna, portanto, formadora de tendências —, e o mainstream,

consumidor das tendências. Daí a necessidade da criação de um sistema eficiente de

observação, apropriação, estandardização e comercialização da cultura jovem, operador

de um sistema altamente complexo de pesquisa exploratória e mercado de nichos, a

partir do qual as corporações buscam captar as mudanças e capitalizar em torno delas. A

procura é por subculturas que possam produzir coisas que venham a ter valor comercial.

Trata-se de um sistema que compreende a cultura jovem como valiosa mercadoria,

bastante significativa em termos do poder e do potencial que dá à mídia, aos

conglomerados, às corporações e à indústria da propaganda para explorar, aliciar e

adequar a experiência e a expectativa do que significa ser um indivíduo jovem no

mundo social contemporâneo.

Logo, as marcas globais estão constantemente em busca de criar novas

estratégias a fim de penetrar no interior da cultura jovem, em um nível cada vez mais

amplo. Elas buscam, sobretudo, as regras para atuar no interior desta cultura e não

somente um modo de imitá-la. Deste modo, elas usam essas informações para

transformar a “tendência” não apenas em um produto, mas, especialmente, em uma

forma de comercialização que incorpore símbolos, imagens e temas em sua

comunicação mercadológica, a fim de mostrar ao público-alvo que a empresa fala a

linguagem deles, como podemos constatar, acima, na publicidade da LEVI’S.

A sobreposição de duas grandes ondas jovens, a geração dos babyboomers22 e a

zapping23, criaram um centro primário de influência valorizado pelos mais novos e mais 22 Os babyboomers são as pessoas nascidas na década após a II Guerra Mundial e recebem esse nome porque a população mundial literalmente explodiu. A crise vai ocorrer basicamente por dois motivos: (1) o sistema previdenciário governamental não vai ter dinheiro para todos. Ele se baseia no fato que há mais jovens trabalhando e contribuindo do que velhos recebendo aposentadorias. Só que quando os babyboomers se aposentarem, essa situação vai se inverter. (2) nos sistemas de contas de aplicação individuais (fundos como o 401k, equivalente nos EUA do nosso PGBL/FAPI), há investimento em bolsa. Quando esse bando de gente resolver se aposentar, todos vão começar a sacar desses fundos, fazendo com que seja necessária a venda de ações pela companhia administradora do fundo. Com muita gente vendendo ao mesmo tempo (sacando o fundo de aposentadoria), o preço cai cada vez mais, e possivelmente quebrará a bolsa norte-americana, gerando um efeito cascata nunca antes visto na história da humanidade.

102

velhos, o público entre 18 e 24 anos, mais tolerante e aberto à “mixabilidade”. O foco

das marcas de jeanswear é, primordialmente, esta faixa etária, considerada, hoje, o

centro primário de influência da sociedade global de consumo. Os adolescentes de 12

anos de idade aspiram à liberdade dos mais velhos. Os mais velhos desejam a juventude

dos mais novos e se inspiram nestes, nos seus comportamentos e modos de vestir.

O perfil do jovem brasileiro formador de opinião, captado na pesquisa Os Novos

Consumidores, é o de um jovem apressado, que anseia por novidade, preocupado com o

bem-estar, que valoriza seu país, desconfiado devido à gigantesca quantidade de

informação que recebe e que, por isso, quer filtros de informação.

De acordo com essa pesquisa, os novos consumidores sentem-se atordoados com

o excesso de informações e não sabem o que fazer com elas, não têm tempo nem sabem

como selecioná-las. Esse excesso de informação não selecionada faz com que o nível de

desconfiança dos jovens fique muito alto, mesmo na faixa de 8 a 12 anos.

Os jovens querem marcas e conteúdos que os ajudem a filtrar a informação e o

mundo, ou seja, milhares de citações na internet não ajudam. As ferramentas modernas

são as que trazem conteúdo confiável, editado. Não por acaso, seções do tipo top five

em sites e revistas, que listam as melhores coisas em determinados assuntos, são

campeãs de leitura.

Os novos consumidores valorizam a alimentação natural. Um dos garotos

entrevistados, de 11 anos, comenta: “experimentei refri e não gostei, voltei pro suco”.

Mais atentos ao mundo pela quantidade de informação que recebem, os jovens

começam a desejar buscar o equilíbrio entre o corpo e a mente, entre o indivíduo e o

meio ambiente. Existe uma busca por novas práticas, como yoga, meditação e terapias

alternativas.

23 A “Geração zapping” é formada por jovens que prestam atenção a muitas coisas ao mesmo tempo. Segundo pesquisa realizada no ano passado pela MTV com 1.859 jovens, 66% utilizam, simultaneamente, pelo menos dois meios de comunicação. 70% das pessoas afirmaram que ouvir música não atrapalha outras atividades, como ler e estudar. A geração zapping é aquela que vive mudando de canal o tempo todo. Diante do desafio de prestar atenção em várias coisas ao mesmo tempo, é como se passassem o dia inteiro com um controle remoto na mão, zappeando o mundo. Dos 13 aos 20 anos, o ser humano estabelece o raciocínio lógico e se torna apto a relacionar informações. Procura conhecer o máximo para construir seu banco de dados. E não gosta de perder tempo. O cérebro humano não mudou nos últimos dois mil anos. A única diferença é que o jovem aprendeu a eliminar a informação excessiva.

103

Os ciclos de vida estão acelerados, os ritos de passagem quase se confundem.

Garotas de 4 anos usam salto, homens de 30 passam noites jogando videogame.

Estamos num mundo de crianças “adultizadas” e adultos “infantilizados”.

Existem muitas similaridades entre pessoas da extensa faixa etária de 8 a 24

anos. Todos, por exemplo, têm uma sensação acelerada de tudo. Em conseqüência desta

percepção, surgem dois movimentos no consumo deste público-alvo. Primeiro, surge a

vontade de consumir uma linha inteira de produtos, não só um produto: por exemplo, a

APPLE mal lança um novo modelo de i-Pod e ele logo vira febre entre os adolescentes;

atenta, a fabricante já prepara o lançamento de vários modelos do aparelho. O segundo

movimento mostra que o desejo de consumir é mais interessante do que o usufruto do

produto. Um dos entrevistados revela: “Passei um tempão na loja, comprei milhares de

coisas e depois, nem sei se usei tudo”.

O desafio ao sistema surge como forma de se opor à massa: mesmo que só no

discurso, as manifestações da contracultura estão fortes. Nesse cenário, marcas

independentes já começam a ganhar força competitiva entre os formadores de opinião

em relação às grandes marcas.

Preço e marcas continuam sendo determinantes na escolha de um produto, mas,

atualmente, há uma grande valorização do design. A internet revela uma nova fonte de

conteúdo, principalmente para as novas gerações, os próprios usuários. Por meio de

comunidades como o ORKUT e WAYN, blogs e fotologs, eles vasculham a vida uns

dos outros e se influenciam, mutuamente.

Com a aceleração das mudanças na sociedade, existe no jovem uma ânsia e uma

tentativa de experimentar tudo, sem se prender a crenças ou estilos. Nesse sentido, será

cada vez mais rara a fidelidade a uma marca. A valorização de sua própria raiz cultural,

além da brasilidade, o espírito regional, fortalece o crescimento e desenvolvimento das

culturas locais.

A indústria do desvio em Xangai, localizada na periferia da cidade, vende peças

autênticas de grife por 25% do preço, inaugurando um novo mercado, o mercado de

desvio de mercadoria autêntica. A prática da pirataria é muito comum também no

Brasil, principalmente, na rua 25 de Março, localizada na zona Central da cidade de São

Paulo. Esta rua e seu entorno são repletos de galerias e lojas que vivem do comércio

ilegal de produtos falsificados. A pirataria também é comum no comércio informal, nas

104

barracas dos camelôs são encontradas diversas categorias de produtos falsificados. A

internet também é um poderoso meio utilizado para a prática do comércio ilegal e não

tributável de produtos pirateados e de mercadorias desviadas. É muito comum na rede

de comunidades virtuais, tal como o ORKUT, a oferta de produtos de diversas marcas e

origens desconhecidas, a preços muito menores dos que são praticados pelo seu

comércio legal.

Apontando a mundialização como o zeitgeist (espírito do tempo), conceito de

HEGEL, e citando os filósofos franceses BAUDRILLARD e MAFFESOLI, os

proprietários da Box 1824, ainda durante a palestra Rumos do Comportamento e seus

Reflexos na Moda Globalizada, apresentaram novos conceitos para medir o consumo.

Conforme os pesquisadores, já passamos da era da informação e entramos na da

seleção. Segundo um estudo recente, o jovem americano recebe 2.200 impactos

publicitários por dia. Assim, o TIVO surge como uma solução para a edição de

programação, pois ele é um software que seleciona o que se quer ver na televisão.

Vivemos um momento em que é importante a idéia de curadoria, daí o sucesso da

famosa loja conceitual de moda parisiense COLETTE, que faz uma seleção dos

lançamentos interessantes em diversas áreas.

Eles também apresentam o conceito de pós-materialismo, representado no

mundo do consumo por despesas com bens que não enxergamos. Por exemplo, a

compra de uma casa ou de um carro que só existem no mundo virtual é cada vez mais

comum no site SECOND LIFE, onde os internautas gastam dez dólares para ter uma

mansão na internet, podendo até contratar uma decoradora (informação verbal24).

Uma menina nova-iorquina cobra US$ 10,00 para decorar a casa. No Vietnã, um

menino cria armas virtuais vendidas a US$ 3,00 para personagens virtuais. Existe toda

uma vida, com bairros, casas e grupos que vivem esta segunda vida virtual, sem

possuírem grande coisa no mundo real. O Brasil é o quinto país em número de

participantes desta rede. O mundo da moda ainda não está representado nessa esfera,

mas já há os trabalhos gráficos, muitas vezes inspirados no universo virtual que refletem

esse comportamento, do grupo EBOY e já usados nas estampas de Paul Smith.

24 Informação obtida durante o Seminário internacional de Marketing e Moda — Marketing Fashion, realizado nos dia 25 e 26 de abril de 2006.

105

Sociólogos britânicos identificaram um novo tipo de jovem, instável e hedonista.

Quando alguns já comemoravam o extermínio dos yuppies — jovens profissionais

endinheirados que acabaram com o estoque de camisas pretas das lojas durante a década

de 80 — surgiram os yeppies. Os yeppies são a síntese de Young Experimental

Perfection Seekers (jovens caçadores de experiências perfeitas). A classificação define

os jovens ansiosos, ambiciosos e confusos, refratários ao comprometimento até

encontrar o “emprego correto” e o “parceiro correto”. O grupo coleciona empregos e

relacionamentos. Passa pela vida numa atitude nomeada de life-shopping,

experimentando cá e lá, sem se resignar, por algum tempo que seja, com empregos e

pessoas que não são ideais. Eles admitem que a satisfação só vem depois de alguns anos

dessa experimentação — e que possivelmente essa experimentação é acompanhada por

alguma angústia. A noção de evolução desse grupo é relativa. Eles podem largar o

emprego na multinacional, passar três meses viajando e voltar para a casa dos pais.

Abertos a tudo, yeppies navegam pela vida como fazem na internet, consomem a

expectativa e o ciclo do desejo. O excesso de informação cria nos jovens a necessidade

de comprar mais gigas e cartões de memória para armazenamento; na realidade, só

usam um quinto, mas acreditam que precisam comprar para quando realmente

precisarem. Este tipo de consumo é classificado como o consumo do vazio.

As minicoleções da rede de lojas espanhola ZARA, lançadas duas vezes por

semana, exploram o consumo da expectativa, trabalham com o ciclo do desejo. Os

lançamentos constantes obrigam os consumidores a terem mais contatos com a marca.

Tem sempre aquele i-Pod melhor do que o que foi comprado há pouco. O mesmo tempo

gasto para desenvolver a tecnologia é empregado para descobrir a psicologia do

momento certo para o lançamento.

Ainda segundo a pesquisa Os Novos Consumidores, os jovens de 18 a 24 anos

não têm interesse por política, mas isso não significa a ausência de ética e de valores.

Há uma descrença no poderio econômico e um empenho em descobrir e criar

ferramentas que possibilitem uma expressão e uma relação mais livre no mundo virtual,

onde é freqüente a revelação de talentos, como a banda Artic Monkeys, que vendeu 360

mil cópias.

Os yeppies foram identificados por uma pesquisa encomendada pelo site de

leilões on-line e-BAY aos cientistas sociais do britânico Social Issues Research Center

(SIRC). Os sociólogos e antropólogos começaram a delinear a atitude dos yeppies

106

fazendo analogias com seu comportamento na frente ao computador; assim como eles

navegam entre vários sites, os jovens navegam entre as várias possibilidades de estilos

de vida. “Mais do que uma tendência no uso da internet esse é um fenômeno social,

esses jovens precisam experimentar para entender e depois decidir. Extrapola a

Inglaterra, é uma tendência que está entre nós também”, diz Estelleo Tolda, diretor geral

do site de leilão on-line Mercado Livre, que tem 20% de seu capital pertencente ao e-

BAY.

O estudo feito entre os ingleses notou que, desde 1975, dobrou de dois para

quatro o número de empregos que a juventude encara nos seus três primeiros anos de

vida profissional.

Ao longo da história, a inconstância é característica comum da juventude, a

diferença agora é que o número dos saltos é maior e eles são mais variados. Os jovens

possuem pouca tolerância a trabalhos e tarefas que os desagradam, têm uma cultura da

satisfação imediata. Com comportamento social que imita atitudes de consumo — um

yeppy vai testando relacionamentos afetivos assim como troca as marcas de produtos —

esse fenômeno influencia o mundo das grifes. Conforme a pesquisa realizada pela Box

1824, entre crianças de 8 a jovens de 24 anos, a multiplicação de estímulos aos quais

eles são submetidos, hoje, gera o aumento do “consumo de expectativas” e a

“diminuição do ciclo de experiência dos produtos”.

Os consumidores passam meses namorando um i-Pod, mas seu fascínio com a

marca, provavelmente, durará muito pouco tempo. A experiência se esgota muito

rápido. As marcas mais desejadas são as que conseguem prolongar esse ciclo de desejo

criando uma seqüência de ícones que vão se renovando. Na década de 80, o relógio

ROLEX foi um ícone único da marca; hoje, há uma enorme diversidade na linha de

produtos comercializados pela empresa. Assim como a APPLE, que, ultimamente, tem

ícones e subícones como i-Pod, i-Pod mini, i-Pod nano. Cada um deles promete uma

revolução.

Toda uma série de fenômenos tribais é representada pelas microtribos, a partir da

emoção, do afeto, e não da razão. A ênfase está no presente: é preciso viver aqui e agora

(MAFFESOLI, 2000, p. 67).

E é neste sentido que o advento da pós-modernidade marca o começo do que o

autor chama de “a sociedade da imagem”. A seu ver, a fragmentação do social começa,

107

gradualmente, a desintegrar nossas representações do real, resultando em uma

fragmentação generalizada: de identidades, de sociedades, de culturas. Neste espaço

tenso e ainda em formação, estaríamos vivenciando o consumo crescente de objetos, de

sinais, de imagens. Localizado em algum lugar entre o sonho e a realidade, neste espaço

somos os prisioneiros de um universo simbólico, da opacidade crescente e de realidades

completamente diversas entre si.

A noção de pós-modernidade, nesta perspectiva, procura explorar as diferentes

ligações “entre mundos”, regulando e organizando nossas representações da “realidade”

e recriando/reproduzindo nosso imaginário e nossas mais secretas fantasias, sejam de

consumo, de poder, de auto-estima, de referência. Segundo o sociólogo, há uma

conexão entre o interesse pelo presente (a vida diária) e a estética do imaginário, que

repercute, numa determinada comunidade, sob a forma de emoção compartilhada, ou

seja, a união tribal da fragmentação e do deslocamento do comando social, que começa

a ser tomado por baixo.

As marcas se apropriam das fantasias e desejos dos seus consumidores e

público-alvo, buscam elementos de seus mundos “real” e “imaginário”, a fim de

encontrarem elementos que irão caracterizar e dar coerência à idealização do mundo

“possível” que irão lhes oferecer, construído por meio da publicidade e das estratégias

mercadológicas.

2.2 Moda, publicidade, mídia e construção de identidades pós-modernas

Em O poder da Identidade, o sociólogo Manuel Castells (1999), afirma que,

hoje, só somos considerados cidadãos se formos ao mesmo tempo consumidores. A

moda universal, mais especificamente a moda jeanswear, se alimenta dos movimentos

culturais e de “subculturas” a fim de conquistar visibilidade dentro do espaço público,

do espaço onde permeiam as relações sociais.

A moda, de modo geral, pode ser considerada como fenômeno cíclico e

temporário, adotado pelos consumidores por tempo e situação particular. É o processo

de adoção de símbolos que promovem a identidade dos indivíduos, uns em relação aos

108

outros. Logo, existem dois aspectos que são básicos na definição de moda, seu aspecto

mutante e seu teor simbólico.

Os significados atribuídos aos produtos de moda, promovidos por meio da

comunicação mercadológica são vários: personalidade, status, conforto, prazer, atitude e

design. Entretanto, a moda é, na verdade, muito subjetiva. Uma espécie de carteira de

identidade de determinada pessoa ou de determinado grupo, predominante durante certo

período em determinada região. Mesmo aqueles que afirmam jamais segui-la de perto,

consomem pelo menos dois de seus mais badalados produtos — jeans e camisetas.

A partir dos anos 90, a globalização das informações deu grande margem de

segurança às pessoas, tornando possível que cada ser humano expressasse, no vestir, a

sua individualidade. A partir daí, acima da moda, se estabelece o estilo e o livre arbítrio,

baseados nos gostos, preferências e personalidade. O discurso publicitário do site da

LEVI’S Brasil se apóia nessa idéia quando afirma que “o verdadeiro estilo nunca sai de

moda, não importa a época nem o lugar. Escolha entre top e bottom e veja como as

tendências que estão nas ruas do mundo inteiro deixam seu style mais único”

(www.levi.com.br – acessado em janeiro de 2007).

A mensagem publicitária pode ser idealizada por diversos métodos de persuasão:

informação, argumento ou razão, motivação com apelo psicológico, afirmação repetida,

comando, imitação e associação simbólica. Os anúncios publicitários são potentes

meios de transferência de significado utilizados para transformar os bens de consumo

em representação do mundo culturalmente constituído. A indústria de moda fornece as

inovações para sua audiência na mídia; estas são candidatas a se transformarem em

moda de massa; para que estas inovações se transformem em moda de massa, dependem

da demanda dos seguidores de moda. Desse modo, “da mesma forma que a moda

individualiza a aparência dos seres, a publicidade tem por ambição personalizar a

marca” (LIPOVETSKY, 1989).

O sistema de moda toma novos estilos de roupas e associa-os aos princípios e

categorias culturalmente estabelecidos, criando assim o movimento do significado

mundo/moda para o vestuário. Igualmente, a publicidade e o sistema de moda são duas

instituições usadas como instrumentos de transferência de significados. A publicidade

tem como objetivo divulgar as características deste ou daquele produto ou de

determinada marca e promover-lhes, respectivamente, a venda e a imagem, portanto,

podendo ser encarada, ao mesmo tempo, como artifício de consumo e manifestação de

109

certa cultura. Na verdade, a publicidade de produtos ou marcas não promove apenas os

benefícios funcionais do objeto de consumo divulgado ao público-alvo; ela serve para

apresentar uma razão para compra que de qualquer maneira precede ou ultrapassa os

motivos racionais.

O objetivo da comunicação mercadológica de moda é estimular e justificar a

compra, enfatizando, para tanto, questões intangíveis, sobretudo comportamentos e

atitudes. A personalização é mais do que argumento publicitário: é conceito ideológico

fundamental de uma sociedade que visa integrar melhor as pessoas. A publicidade

transpõe assim o mecanismo de circulação, consumo e uso dos objetos para o plano

puro da significação, da imagem. A tendência da publicidade está menos para

apresentar argumentos, razões para crer nela e mais para os jogos de associações: busca

a comunicação, em que os produtos expressam a “personalidade de marca”.

O processo de divulgação de uma determinada marca de moda tem como

fundamento principal a subjetividade, tornando o sujeito, público-alvo da comunicação

mercadológica, único, enquanto membro de um determinado grupo. Deste modo, pode-

se afirmar que a publicidade também contribui para a construção das culturas de

minorias.

A moda constitui uma das estratégias mais bem sucedidas da sociedade de

consumo, uma vez que ao se apresentar como uma das expressões mais dinâmicas da

contemporaneidade, por estar sucessivamente em busca de novidade, ela também passa

a determinar ritmos de produção e acumulação econômica, cujos reflexos podem ser

contemplados nos diversos espaços do cotidiano. Mike Feartherstone, em Cultura de

consumo e pós-modernismo, afirma que

o ritmo acelerado da moda intensifica nossa consciência temporal, e nosso prazer simultâneo com o novo e com o antiquado nos dá uma forte noção do tempo presente. As modas em mutação e as exposições mundiais assinalam a perturbadora pluralidade de estilos na vida moderna (FEARTHERSTONE, 1995, p. 108).

A moda tornou-se um dos mais influentes meios adotados pelos sujeitos para

fazer-se notar socialmente, avaliar-se e remodelar suas próprias identidades. Ao analisar

a promoção dos valores femininos em Cultura de massas no século XX: neurose, o

sociólogo francês Edgar Morin afirma que

o primeiro motor da moda é, evidentemente, a necessidade de mudança em si mesma da lassidão do já visto e da atração do novo. O segundo motor da moda é o desejo de originalidade pessoal por meio da afirmação dos sinais que identificam os

110

pertencentes à elite. Mas esse desejo de originalidade, desde que a moda se espalhou, se transforma em seu contrário; o único, multiplicando-se, vira padrão. E é então que a moda se renova aristocraticamente, enquanto se difunde democraticamente (MORIN, 1997, p. 142)

A moda passa a ser um grande módulo para a formação das identidades na pós-

modernidade. O culto à individualidade associado à necessidade da diferenciação,

reforça a crença das tribos urbanas na capacidade que a moda tem de criar identidades

no seio da sociedade. Deste modo, Nestor Garcia Canclini, em Consumidores e

Cidadãos: Conflitos Multiculturais da Globalização, vem corroborar com esta idéia

quando afirma que

enquanto nas grandes cidades os centros históricos perdem peso, as populações se disseminam: os jovens encontram nelas em vez de núcleos organizadores, “margens que inventam para si”. A identidade passa a ser concebida como “o foco de um repertório fragmentado de minipapéis mais do que como o núcleo de uma hipotética interioridade” contida e definida para a família, pelo bairro, pela cidade, pela nação ou por qualquer um desses enquadramentos em declínio (CANCLINI, 2001, p. 63).

Numa sociedade onde impera o hedonismo, fundamentada na supervalorização

da imagem e na exaltação das emoções, por um lado, e numa estetização mediante a

promoção de um distanciamento estetizante, por outro, a moda exerce um papel

essencial na questão da individualidade, assim como na formação das identidades

juvenis.

Os novos heróis da cultura de consumo, em vez de adotarem um estilo de vida de maneira irrefletida, (...) transformam o estilo num projeto de vida e manifestam sua individualidade e senso de estilo na especialidade do consumo de bens, roupas, práticas, aparências e disposições corporais destinados a compor um estilo de vida (FEARTHERSTONE, 1995, p. 123).

Também não podemos dissociar a moda e a identidade dos processos de

consumo. Mais do que um ato de cidadania, é através do consumo destinado às minorias

que elas conseguem sua legitimidade junto à sociedade. A partir desta disputa da

produção dos bens culturais, bem como da apropriação e da maneira como os atores

sociais os utilizam, é que se inserem as empresas capitalistas e seus consumidores. As

empresas aproveitam os nichos de mercado, baseando-se nessa ambição juvenil de

superar o velho e antiquado, bem como na busca constante pelo novo. Transformam tais

expectativas juvenis em produtos mercadológicos destinados quase que exclusivamente

ao consumo desse público.

111

O consumo serve para pensar, se partimos da hipótese de que quando selecionamos os bens e nos apropriamos deles, definimos o que consideramos publicamente valio-so, bem como os modos com que nos integramos e nos distinguimos da sociedade, com que combinamos o pragmático e o aprazível (CANCLINI, 2001, p. 45).

Beatriz Sarlo, em Cenas da vida pós-moderna: intelectuais, arte e

ideocultura, ratifica o pensamento deste autor ao declarar que

consumidores efetivos ou consumidores imaginários, os jovens encontram no mercado de mercadorias e bens simbólicos num depósito de objetos e discursos fast

preparados especialmente. A velocidade de circulação e, portanto, a obsolescência acelerada se combinam numa alegoria de juventude: no mercado, as mercadorias devem ser novas, devem ter o estilo da moda, devem captar as mudanças mais insignificantes do ar dos tempos. A renovação incessante necessária ao mercado capitalista captura o mito da novidade permanente que também impulsiona a juventude (SARLO, 2000, p. 40-41).

A comunicação mercadológica encontra-se entre os dois campos mais

importantes do circuito econômico — produção e consumo — e tem papel essencial na

interação entre estes dois domínios. Pela atribuição de identidade, o produto passa a

conviver em meio a relações humanas, simbólicas e sociais, que caracterizam o

consumo. A publicidade é impregnada de contexto social, quando tenta criar uma

associação entre os produtos e certas características socialmente desejáveis e

significativas, a fim de produzir a expectativa, no consumidor, de que é possível vir a

ser certo tipo de pessoa.

A sinergia da indústria da moda, associada às indústrias de comunicação,

proporciona uma expansão global dos processos de moda, que passam a influenciar

decisivamente na orientação das práticas de consumo, nos estilos de vida e na

identificação dos indivíduos com certos produtos. Diante do fluxo de novidades no

mercado e da constante ressignificação a que os objetos estão submetidos, a moda se

configura como uma forma de especialização do consumo, através da qual os indivíduos

encontram elementos para executar estratégias de aparências e de individualidade.

(...) no âmbito da cultura de consumo contemporânea, a expressão “estilo de vida” conota individualidade, auto-expressão e uma consciência de si estilizada. O corpo, as roupas, o discurso, os entretenimentos de lazer, as preferências de comida e bebida, a casa, o carro, a opção de férias etc. de uma pessoa são vistos como indica-dores de individualidade do gosto e o senso de estilo do proprietário/consumidor (FEARTHERSTONE, 1995, p. 119).

Neste sentido, na busca da identidade individual, em que as relações estreitas

entre aparência, exibição, substituição periódica de bens materiais e a adoção e descarte

de modismos e formas de identificação, em um ritmo vertiginoso, assentam suas raízes

112

nos processos de expansão dos mercados e no desenvolvimento de tecnologias de

comunicação.

Nestas manifestações culturais e na procura incessante de identidades, insere-se

o fenômeno da formação das tribos urbanas. Através dos símbolos que caracterizam

esses grupos, transmitidos pelos meios de comunicação, o fenômeno passa a ser

construído, com membros de determinada tribo utilizando a moda proposta pelo/para o

grupo no intuito de formar identificação junto à sociedade. Esse processo é parte

integrante da cultura das tribos urbanas, que, atrelada às novas tendências expostas pela

moda e remontando o estilo de determinado movimento social, transforma-se num novo

estilo, criando nova identidade, buscando estilo de vida próprio que reflete a

individualidade dos membros que se identificam com o fenômeno em questão.

A identidade, a moda e o consumo juntos formam um tripé, inseparável em

suas partes, caracterizando a formação das culturas na sociedade. A cada nova coleção,

a comunicação promocional de moda lança desfiles repletos de signos trazidos pelas

várias grifes. A partir do consumo daquela moda pelas pessoas que se identificam com a

tendência, surgem novas identidades. Como o ato do consumo se transforma em um ato

de reconhecimento, a identidade é fundamentada em quem se veste com a tendência,

veste o estilo que será desfilado nas ruas das cidades. Esse processo se dá desde Nova

Iorque e Londres até São Paulo e São José do Rio Preto, cidade da região Noroeste

paulista, que não deixa de ser influenciada pela publicidade divulgada nos meios de

comunicação.

O antropólogo e pesquisador inglês Ted Polhemus, em Streetstyle: from

sidewalk to catwalk, analisa a transição da chamada moda de rua para as passarelas de

prêt-à-porter. Nesta obra o autor cria o termo “supermercado de estilo” e garante que os

japoneses são eminentemente os precursores artífices desse fundamento, especialmente

dentro da moda club; além disso, afirma que “a existência do supermercado de estilos

ficou óbvia no final dos anos 80, quando os ravers explodiram numa singular e coerente

subcultura” (POLHEMUS, 1994). Mais tarde, em Stylesurfing (1996), ao referir-se ao

universo clubber o antropólogo afirma que

a clubland é um supermercado de estilos em que o universo e todo o período em que você já sonhou aparecem como latas de sopa numa prateleira de supermercado. Você pode pegar os anos 70 numa noite, os hippies em outra, um moicano punk e um rímel dos anos 60 (...) e, pronto, você tem sua própria e sincrônica amostragem de cinqüenta anos de cultura pop (POLHEMUS apud PALOMINO, 1999, p. 232).

113

De acordo com POLHEMUS (1996), a evolução das subculturas — grupos de

estilo como hippies, punks etc. — tem evidenciado, nos últimos cinqüenta anos, o papel

da aparência como a identidade de um indivíduo perante seu grupo. Ainda segundo ele,

hoje em dia, a complexidade de mensagens dessa aparência torna impossível — ou

exercício do absurdo — as transições literais dessas mensagens. No decorrer dos anos

90, o aumento das tendências e difusão de novos estilos dificultou, cada vez mais, suas

classificações. Desde então, pela primeira vez na história, a multiplicidade de estilos

convive pacificamente. Hoje, não há mais um consenso sobre o que vestir.

O processo de formação de culturas e identidades passou a ser cambiante e a

noção de pertencimento a um grupo distinto, que em algumas décadas era algo quase

que sagrado, acima das oscilações do mundo, agora, se esvai e se torna obsoleto. Fruto

do nascimento das identidades multifacetadas, que por um lado refletem diretamente a

autoridade com que os meios de comunicação influenciam na formação da identidade

das pessoas.

Assim, ser um neo-hippie, hoje, pode ser apenas uma pequena ilusão,

refletida em um estilo de vida que se cria e se descarta num estalar de dedos. Sendo

assim, cada vez mais os meios de comunicação se diversificam a fim de manter a massa

social e o aglutinamento das várias culturas dentro da sociedade. Porém, especialistas

em branding afirmam que a era da formação de marcas através da propaganda na mídia

de massa acabou. A comunicação mercadológica está atravessando uma fase de

modificação, por conseguinte, a mídia, de modo geral, passa pelo mesmo processo,

visto que o mercado publicitário assegura grande parte dos recursos financeiros com a

alocação dos espaços midiáticos.

Neste cenário de mudanças, no qual são evidentes as quedas de investimentos

em anúncios comerciais — propaganda — surge uma leitura mercadológica que

defende novas modalidades de comunicação. O aforismo dominante dos gestores das

marcas mais bem sucedidas do mundo, atualmente, não é mais fundamentado na velha

fórmula do alcance (quantos consumidores irão ver o anúncio) versus freqüência

(quantas vezes os consumidores irão vê-lo), mas sim a descoberta de modos de fazer

com que os consumidores convidem as marcas a entrarem em suas vidas.

Neste contexto, se inserem as estratégias de comunicação e de mensagens

publicitárias focadas nas práticas de consumo assentadas no conhecimento prévio da

realidade sociocultural mais ampla, provocando maior pulverização dos canais de

114

acesso ao consumidor (antes bastante restrito aos anúncios impressos e eletrônicos,

sobretudo no caso das grandes marcas); assim como as transformações dos discursos

publicitários que, não mais tendendo a abranger a “massa”, passam diversificar as

linguagens e canais, de acordo com o segmento ou nicho de consumidores-alvo.

Ilustração 38: Pôster do filme Quatro Amigas e um Jeans Viajante

É cada vez maior o número de estratégias de comunicação mercadológica que

visam a tornar as mensagens de suas marcas estimáveis ao ponto em que os

consumidores possam vê-las como entretenimento, ao invés de uma intrusão. Seguindo

esta tendência e de olho no mercado feminino a LEVI’S lançou The Sisterhood of the

Traveling Pants (Quatro Amigas e um Jeans Viajante, 2005), filme baseado no livro de

Ann Brashares, sob a direção de Ken Kwapis, com roteiro de Delia Ephron. O filme

conta a história de quatro garotas que são amigas desde que nasceram. E, pela primeira

vez, Tibby (Amber Tamblyn), Bridget (Blake Lively), Lena (Jenna Boyd) e Carmen

(America Ferrera), passam as férias separadas. Cada uma tem um programa diferente e

elas encontram uma maneira se manterem em contato com uma calça jeans mágica, que

incrivelmente serve para todas as garotas, mesmo com as diferenças dos tipos físicos.

115

As companheiras, mesmo distantes, deixarão que o verão venha com novas aventuras e

experiências, contudo, com uma calça jeans em comum, uma original LEVI’S.

Além de diversificar nos meios de comunicação, a LEVI’S tenta encantar o

consumidor com um design realmente inovador, tentando fugir do estigma de eternos

fabricantes de commodities. Da mesma forma que as marcas tradicionais, tais como a

WRANGLER com a BLUE BELL, a LEE com a GOLD LABEL, a LEVI’S também

apostou no mercado de luxo com a LEVI’S BLUE e LEVI’S ENGINEERED JEANS.

No entanto, o acordo feito com a rede de descontos WAL-MART para vender em

grande quantidade os jeans SIGNATURE LEVI STRAUSS, uma submarca popular da

LEVI’S, significa que ela agora compete também no segmento de preços mais baixos ao

mesmo tempo em que tenta competir com rivais como a DIESEL, na faixa de preços

mais caros, assim, produz calças que variam de R$ 89,00 a R$ 800,00. A falta de um

posicionamento claro da marca confunde os consumidores, resultando na perda de valor

da marca, que em 2005 caiu 11% conforme a BusinessWeek. É fundamental lembrar que

para se construir e/ou manter uma identidade de marca, faz-se necessário definir

claramente a sua essência e depois colocá-la em contato com o público-alvo.

A fim de recuperar o tempo e o faturamento perdido, o plano estratégico da

marca decidiu apostar no público-alvo feminino. A partir de 2005, LEVI’S reformou

suas 70 lojas no Brasil, visando trazer mais sensualidade para dentro dos pontos-de-

venda. Para tanto, substituiu as prateleiras abarrotadas pelas roupas penduradas por

cabides e araras que facilitam a melhor visualização dos produtos. No som ambiente,

mais música eletrônica e menos rock. Nas paredes, muito vermelho. E divisórias

desmontáveis que possibilitam a mudança de layout do espaço a cada 15 dias. Todas

essas mudanças foram realizadas a fim de estimular a experiência de compra emocional,

uma vez que as mulheres, que, ao contrário dos homens, guiam-se mais pela moda do

que pela tradição na hora de se vestir. O plano mercadológico mundial foi preparado em

Londres, está sendo adotado em diversos países — e indo além em Hong Kong e Paris,

que já ganharam lojas exclusivas para o público feminino.

Assim como a LEVI’S, algumas das marcas mais antigas também estão

claramente lutando para refazerem seu marketing e mix de produtos, a fim de adequá-

los a um mundo mais complexo. De acordo com a BusinessWeek, os maiores perdedores

em valor de marca incluem a SONY (queda de 16%), Volkswagen (queda de 12%). A

SONY, que contesta que esteja perdendo valor de mercado, vem sofrendo com uma

116

falta de inovações. A gigante dos produtos eletrônicos inventou o Walkman, mas deixou

a APPLE revolucionar o segmento com os MP3 players portáteis e o download digital e

organização de músicas pela internet.

O marketing global usualmente significava a concepção de um novo nome e

identidade para cada mercado local. A TIDE, maior marca de sabão em pó dos Estados

Unidos, chama-se ARIEL na Europa e no Brasil, por exemplo. Contudo, para muitos,

hoje, o objetivo é criar integração e impacto, que são muito mais fáceis de serem

administrados quando se tem uma única identidade mundial. É ao mesmo tempo uma

abordagem mais eficiente, uma vez que a mesma estratégia pode ser usada em todos os

lugares.

As marcas que subiram ao topo do ranking da BusinessWeek, em 2005, já

possuíam diversificação das estratégias mercadológicas, incluindo a realização de, ao

mesmo tempo, campanhas diferentes para consumidores em mídias diversas. Elas

entrelaçaram mensagens em múltiplos canais de mídia e tornaram menos definidas as

linhas entre os anúncios e o entretenimento. Como resultado, essas marcas podem ser

encontradas em uma série de novos locais: a internet, eventos ao vivo, telefones

celulares e computadores de mão.

Muitas marcas jovens que registraram grandes ganhos em valor, como a

GOOGLE, YAHOO! e e-BAY, dependem de seus próprios sites interativos para

divulgarem suas marcas. Mesmo assim, nenhuma dessas jogadas de marketing é uma

aposta certa num mundo em que a propaganda da velha escola significa menos. É por

isso que muitas empresas estão investindo no design como uma maneira fundamental de

distribuir suas marcas e permanecer na liderança tecnológica.

O design não é apenas a promessa de uma marca, como os anúncios publicitários,

é a própria realidade dela. Um bom design envolve mais do que sua função estética —

aparência agradável. Compreende também uma função utilitária — a facilidade de uso.

Para além dessas duas funções, um valor simbólico lhe é atribuído — a marca. Quando

estas três funções se integram no desenvolvimento de um novo produto, este terá

maiores chances de obter sucesso. A APPLE demonstrou isso com o seu i-Pod, uma vez

que seus usuários podem escolher ou baixar músicas do banco de músicas i-Tunes com

o toque de um dedo. Isso atrapalhou as vendas do Walkman tocador de MP3 da SONY,

que vem sendo criticado como muito desajeitado. Conforme alguns coolhunters, após

ser adotada pelos consumidores inovadores e celebridades consideradas cool entre os

117

jovens — como músicos, cineastas e designers —, a APPLE passou a ser considerada

uma das empresas mais “quentes” entre a cultura jovem, tornando-se uma das marcas

mais cool da América, seguida das marcas COCA-COLA, LEVI’S e NIKE (FONTENELLE,

2004, p. 173).

2.3 As subculturas e as tendências de comunicação e consumo

De acordo com o que vimos nos itens anteriores, os fatores psicográficos,

constituídos com base em fatores psicológicos, sociológicos e antropológicos, tais como

autoconceito e estilo de vida, são determinantes dos critérios de escolha dos

consumidores. Eles são decisivos na segmentação de mercado, pois identificam e

caracterizam a propensão de formação de grupos dentro do mercado e suas razões a

tomarem determinadas decisões sobre um produto, pessoa, ideologia, ou ainda, manter

uma atitude ou usar um determinado meio de comunicação.

Os fatores psicográficos são mais esclarecedores do que os fatores demográficos

(faixa etária, classe social, grau de escolaridade, gênero), porém são de difícil

mensuração e os melhores resultados são obtidos por instituições de pesquisa, tais como

as coolhunters, o que dificulta sua utilização ampla.

O lifestyle (estilo de vida) define os padrões dentro dos quais as pessoas vivem e

gastam dinheiro. O marketing de estilo de vida relaciona o produto e a propaganda com

o dia-a-dia do público-alvo. Os programas de comunicação relevantes para os

consumidores são os que conseguem gerar identificação com o alvo: essa propaganda é

feita para mim!; o produto ou mensagem combina com o que eu acredito; o produto ou

mensagem combina com a maneira com que eu me comporto.

Semestralmente, um estudo de tendências é feito no setor industrial têxtil e de

confecções a fim de identificar quais são as principais influências e novidades que

permearão a próxima estação. A indústria têxtil produtora de denim, SANTANA Têxtil

do Brasil, no Café Première, realizado em setembro de 2006, revelou as principais

tendências da cultura jovem que serão exploradas pela moda jeanswear nas próximas

coleções.

118

Doll Me

Fazem parte dessa “subcultura” as meninas sonham com uma boneca que se

pareça com elas; preferencialmente, que tenham um jeans igual ao seu. Diante da

percepção desta fatia de mercado, desde o ano passado, foi lançada nos Estados Unidos

a Twinn Doll ou a “boneca-clone”, criada especialmente para se assemelhar à imagem

das donas. A idéia surgiu de um pediatra norte-americano que observou que suas

clientes sempre apareciam no consultório acompanhadas de bonecas parecidas com elas.

Então, o médico se tornou empresário e criou a ETOYS, empresa com tecnologia para

produzir bonecas idênticas às clientes. Os pedidos são enviados pela internet junto com

a foto da criança. Em menos de um mês a boneca é confeccionada. Na base da

propaganda boca-a-boca e comercialização via internet, a febre das bonecas foi

instantânea. Então, a FAO SCHWARZ, uma das mais famosas cadeias de brinquedos

dos Estados Unidos, fechou parceria com a ETOYS para revender as bonecas e faturou

US$10 milhões em dois meses. Enquanto isso, outras marcas surgiram com produtos

parecidos.

Ilustração 39: Garota com sua Twinn Doll, ambas usando jeans

Em Nova Iorque, a AMERICAN GIRLS tem estoque de vinte e três tipos de

bonecas com perfis mais comuns na cidade. Sua grande atração é uma seção de roupas

119

em que a garota pode adquirir os mesmos modelos que suas bonecas. Sendo assim, as

garotas podem sair de casa usando o mesmo jeans que a sua doll. Para sofisticar ainda

mais a semelhança, é oferecido um cabeleireiro que fica à disposição nas lojas para que

as bonecas adotem o mesmo estilo de suas donas. Assim, elas se tornam mais que

objetos para brincar, viram verdadeiras companheiras. As bonecas Twinn Dolls

representam o que há de mais cool entre as meninas e adolescentes norte-americanas,

representam a própria imagem da personalização, viraram febre até mesmo entre

mulheres adultas.

Ilustração 40: Várias garotas com suas respectivas Twinns Dolls

120

Connecting

No tempo dos BLOGS, MY SPACE, YOU TUBE, ORKUT e MSN, os meios de

comunicação passam a ser usados também pelas massas, que interagem com os meios e

com seu público. O século XXI já está sendo considerado como a era da internet, pois

as barreiras de comunicação entre os mundos estão cada vez mais tênues.

Ilustração 41: Jovem da tribo connecting

Esse império da tecnologia influencia modo de vestir: a LS&CO, fabricante do

jeans LEVI'S, criou calças jeans “compatíveis” com o popular toca-MP3 i-Pod, da

APPLE. A novidade tem um controle remoto — localizado no menor bolso da calça —,

com o qual os usuários podem selecionar músicas e ajustar o volume. O modelo

RedWire DLX, para homens e mulheres, estará disponível nas lojas dos Estados Unidos,

desde o início do segundo semestre de 2006. A calça tem um bolso criado

especialmente para o usuário carregar o tocador da APPLE. “O produto não vai

‘balançar’ e estará guardado com segurança”, diz um comunicado da empresa. A parte

interna deste bolso tem um tecido especial que reduz atritos, facilitando a colocação e

remoção do aparelho.

O controle remoto fica na altura da cintura, na parte externa do jeans — este

sistema substitui os botões dos aparelhos. Um comunicado da empresa afirma que o

121

controle é compatível com “a maioria dos modelos do tocador”, sem especificar quais.

Por via das dúvidas, o texto esclarece: “a calça pode ser lavada na máquina, depois da

remoção do i-Pod”.

A LS&CO não é a primeira fabricante de roupas a associar seus produtos com o

popular tocador. A KENPO, por exemplo, produz jaquetas com controle remoto para o

i-Pod que são vendidas em Nova Iorque, nas lojas do MACY'S — de US$ 275 a US$

350, dependendo do modelo.

Ilustração 42: RedWire DLX da LEVIS, projetada para a conexão do i-Pod da APPLE

122

As jaquetas são compatíveis apenas com os equipamentos da APPLE, mas

podem futuramente funcionar com outros toca-MP3 e outros tipos de aparelhos. “Se

você quiser começar de algum lugar, deve ser pelos i-Pods”, disse Joel Bernstein, vice-

presidente da companhia.

Outra marca que também pegou carona no sucesso da APPLE foi a DIESEL,

que disponibiliza em seu site (www.diesel.com) músicas gratuitas para i-Pod.

Street Culture

A comunidade da cultura de rua evolui rapidamente, sempre mudando e se

tornando mutifacetada. Os subgrupos, nascidos deste movimento social, surgem nos

guetos e tribos que têm origem nas manifestações da música, da dança e dos esportes

radicais, tais como o hip-hop, o break, o movimento chav e o parkur.

Esse último é composto por adeptos de práticas com movimentos radicais que

consistem em transpor obstáculos urbanos e está presente no clip Hung UP e na última

turnê intitulada Confessions da cantora Madonna.

Ilustração 43: Jovem da tribo street culture

123

O jeans oversize (tamanhos grandes), as camisetas largas e os colares-coleiras,

algibeiras e bonés definem o estilo. O skate, o grafiiti, os protestos contra preconceitos

radicais, as manifestações abordando temas ecológicos, entre outros, fazem parte do

mundo Street Culture.

Ilustração 44: Imagens do clip Hung UP da Madonna, do hip-hop, do break, do chav e do parkur

Emo-Rocker

A nova tribo que está tomando conta das ruas das grandes cidades brasileiras

consiste nos emos. O nome vem de emotional hardcore, vertente do punk, que mescla

som pesado com letras românticas e sentimentais, que falam sobre decepções amorosas.

Os emos se distinguem não apenas pela sua preferência musical, e sim pelas suas

atitudes, sentimentalismo e visual exagerado, gerando muita polêmica entre jovens de

outras tribos. Eles têm entre 11 e 18 anos e, nas roupas, são capazes de misturar os jeans

124

e as botas do estilo punk, o colar de Wilma, a mulher de Fred Flintstone, e uma camiseta

com a gatinha HELLO KITTY. Usam roupas justas, cabelos coloridos com franjas

caídas sobre o rosto e um make up bastante específico, muita roupa preta. O visual com

desenhos de estrelinhas e de lágrimas nos olhos é bastante peculiar. Não escondem os

sentimentos, expressam abertamente suas emoções, preconizam e praticam a tolerância

sexual, grande parte são bissexuais. Alguns garotos emos pintam os olhos e as unhas.

Ilustração 45: Adolescente emo-rocker

O gênero emocore nasceu em Washington, na década de 80, para designar

bandas que tocavam letras introspectivas, com batida pesada. Hoje, as principais são

Good Charlotte, The Used, My Chemical Romance, Mineral e Fesno. É uma vertente do

hardcore, por sua vez fruto do punk. No entanto, os punks têm letras políticas, enquanto

as composições emos falam das emoções dos adolescentes. Eles são expansivos, gostam

de trocar elogios, abraços e beijos em público.

Há muito preconceito contra essa tribo, não é incomum que seus adeptos sejam

insultados ou até agredidos por outros jovens. Na Galeria Do Rock, em São Paulo, onde

se reúnem às sextas-feiras, são freqüentes arrastões em que a garotada, perplexa, é

expulsa do local a tapas por punks mais velhos; supostamente, a inspiração dos emos.

Os próprios donos das lojas desconfiam da presença infanto-juvenil, dizem que os emos

espantam fregueses.

125

Na escola, a discriminação também é intensa, em razão da flexibilidade com

relação à opção sexual dos emo. Um adolescente dessa tribo, estudante de um

tradicional colégio paulista, foi alvo de agressão dentro da escola depois de publicar no

ORKUT uma foto em que beijava um colega. Por esse motivo, saiu da escola para fazer

intercâmbio na Europa.

A tolerância é o traço de comportamento que distingue os emos de outros jovens,

eles não temem os sentimentos, enquanto a maioria dos adolescentes busca afeto pelo

caminho da agressividade. Há várias comunidades no ORKUT dedicadas a atacar os

emos. Os nomes de algumas beiram o bizarro, como “Hitler também era emo”. Alguns

fãs de música emocore afirmam que existem muitos “paraguaios” — gíria usada pela

tribo para caracterizar aqueles que se fazem passar por emos sem entender nada da

cultura. Muitos nem gostam da música, mas adotam as mesmas roupas e acessórios.

Seus ídolos e ícones de inspiração são Johnny Depp no filme Edward Mãos de

Tesoura e a personagem Violeta do desenho animado Os Incríveis.

Ilustração 46: Adolescentes emo-rockers e de bandas do gênero musical emo

126

Generation Next

As crianças modernas são as integrantes desta tribo, que cada vez mais atrai o

olhar das grifes, com a adaptação de seus produtos e marcas ao mercado de moda

infantil. As crianças, hoje, estão se vestindo de um modo novo, suas roupas infantis

deixam de ser padronizadas. Para tudo há uma preocupação estética, de acordo com a

imagem que elas querem construir.

Ilustração 47: Menina Generation Next

De acordo com o estilo de vida dos pais modernos, a preocupação com a

comunicação visual de seus filhos tem início nos primeiros meses de vida. Madonna e

Stella McCartney, por exemplo, estão vestindo suas crianças com seu tipo de roupa. A

fim de expressar um visual moderno, bacana e relaxado, diferente da maioria dos pais

tradicionais; assim como seus filhos, os pais urbanos também são adeptos dos ícones do

streetwear, andam plugados em seu i-Pod e óculos escuros, máscara para causar a

impressão de que acabaram de chegar de uma disco-club.

127

Kids

O estilo kidswear atualmente é orientado pelo design da roupa do jovem adulto

fashion e moderno. As mudanças no vestuário infantil coincidem com mudanças da

própria percepção dos pais urbanos.

Ilustração 48: Menino da tribo kids

Dois filhos, hoje, são o ideal para o casal que investe seu salário, tempo e

energia na educação das crianças, ajudando-os a ver o mundo com uma mente mais

aberta. Assim, atualmente, de acordo com o gosto dos pais, podemos ver nos

playgroounds crianças vestidas de grunge, punk ou até mesmo de hip-hop.

Deste modo, cresce o consumo infantil e infanto-juvenil. As grandes marcas já

perceberam isso, e investem intensamente em marketing voltado para este público. Os

editoriais de moda, os catálogos, outdoors, trazem a infância fashion, com a

preocupação direcionada à atitude e à estética desses “pequenos modernos”.

128

Moe

Os bairros japoneses Harajuku e Shibuya são points de adolescentes que usam

roupas como meio de comunicação e impacto. Eles mesclam cores, formas e materiais

aparentemente incompatíveis de maneira lúdica e de maneira impactante. Fazem parte

do universo da juventude japonesa: logomania, fascinação pelas grandes marcas;

sobreposição de peças de luxo e o mangá mania. São jovens que buscam acima de tudo

se libertar das semelhanças.

Ilustração 49: Uma jovem da tribo moe

O livro Samurai Girl da jovem Lady Ninja Julie, fala sobre essa vida louca de

moe, uma tribo metropolitana líder no Japão contemporâneo, que vive em Tóquio e seus

arredores. Em uma abordagem surrealista do final do milênio em Tóquio, na qual os

grafismos, fotografias e mangás se fundem num gostoso delírio psicodélico, a autora de

24 anos, embaixatriz Otaku, descendente de uma família samurai, conduz seus leitores a

uma irresistível viagem visual entre mangás, robôs, souls (filmes de animação) e

cosplay (contração de costume e play, que descreve pessoas que se vestem como

personagens de filmes e cartoons).

129

Ilustração 50: Fotos de integrantes da tribo moe, tiradas em Harajuku e Shibuya

A “subcultura” Moe é um verdadeiro supermercado de estilos, um laboratório

repleto de inovações nas manipulações dos códigos do vestir que: levantam a bandeira

em prol da redução da emissão de gases tóxicos na atmosfera, protestam contra o

hiperconsumo, constroem o estilo black-power, caracterizam o visual punk ou tão

somente revelam a própria identidade cultural de um indivíduo ou de uma tribo.

130

Brandie-Hippie

Os neo-hippies surgiram no século XXI. São visualmente semelhantes aos

originais, têm cabelos compridos, usam roupas incomuns e não vêem problemas algum

no uso de tabaco. Porém, considera-se que já não tenham a mesma essência de

antigamente. Normalmente não vivem em comunidades, mas sempre promovem

encontros para cantar e celebrar a vida. Vivem da venda de artesanato, gostam de

músicos das décadas de 1960 e 1970, como Bob Marley, Janis Joplin, Jimi Hendrix,

entre outras bandas ecléticas. Também é comum que ouçam bandas de rock e cantores

de MPB como Cazuza, Leoni, Leo Jaime e Cássia Eller. Como ícone deste estilo temos

o poeta, artista plástico e músico norte-americano Devandra Banhart com seu estilo folk

reunindo em seu som verdadeiro mix de outras culturas.

Ilustração 51: Um jovem brandie-hippie

Os neo-hippies costumam meditar durante períodos do dia, usando incensos e

outros apetrechos. Também estão presentes em outras áreas de trabalho, como teatro e

música. Não se preocupam com bens materiais como carros, computadores etc. Como

131

contra-ponto, a moda se rende a esse visual e grandes marcas adotam esse estilo,

promovendo o conceito da tribo dos brandie-hippies.

Ilustração 52: Desfile da coleção Verão 2007 de Ricardo Almeida, no São Paulo Fashion Week, imagens promocionais dos brandie-hippies

Os brandie-hippies são simpatizantes do visual descompromissado, porém não

adotam por completo a filosofia da comunidade. Assim, grandes marcas de jeanswear

produzem calças com bordados ou customização que remetem ao tema. As saias

bordadas bastante soltas, assim como as camisas de tecidos bem leves e os lenços com

estampas compõem o visual. O patchwork é resgatado e, atualmente, está nas vitrinas

das ruas do Soho de Nova Iorque, compondo vestidos, bermudas e coletes com patchs

(remendos) bastante coloridos, misturando padronagens xadrez com estampas florais.

132

Reggae Rocker Style

A tribo reggae rocker style faz uma releitura de um estilo da Jamaica. No final

da década de 70, o reggae viveu seu período de ouro ao trazer mensagens de conteúdo

político. O filme Rockers, de 1978, é um catálogo de imagens onde a estrela é o artista

do reggae Leroy Wallace.

Ilustração 53: Um jovem reggae rocker style

O estilo característico peculiar desta tribo é traduzido em looks autênticos como

os cabelos com deadlocks, estilo rastafári (o rasta), calças jeans descompromissadas e

soltas, com modelagem bastante amplas, chinelões, óculos escuros e as famosas

toquinhas de crochê coloridas nas cores verde, vermelho, amarelo e preto.

As camisas, por sua vez, são personalizadas com bordados, patchworks ou

zíperes. Para os integrantes desta tribo, o estilo é tudo. O artesanato de couro e cipó é

bastante usado para braceletes ou amarrações variadas. No shape (volume) das peças há

uma clara influência do streetwear, que se mescla a elementos de outras civilizações

traduzindo certa linguagem de mix global.

133

Ilustração 54: Símbolos do estilo reggae rocker style e seus ídolos: Leroy Wallace e Bob Marley

Hoje, o reggae permanece forte e está mais que atual ao ultrapassar as fronteiras

da música e da moda e se transformar num estilo de vida contagiante, que conquista

cada vez mais adeptos entre os jovens contemporâneos.

Funny Tailoring

A alfaiataria rompe as barreiras do clássico tailoring e avança rumo à

modernidade ao fazer uso de um visual mais divertido e colorido. O funny tailoring traz

uma expressão multifacetada da globalização cultural. A moda sem fronteiras.

134

Atualmente, em nossa tribo global, os estilos se fundem e nos deparamos com a

diversidade, sendo possível ver a roupa de alfaiataria idealizada em jeans, sarjas

multicoloridas e em estampas gigantes.

Ilustração 55: Jovem adepto do estilo funny tailoring

Apesar dos tecidos alternativos que trazem o ar de tendência funny, o detalhe

reside na excelência do corte e da modelagem. Na alfaiataria, o bom caimento da peça é

fundamental e independe da estética multicolor. O estilo já pode ser visto nos editoriais

das grandes revistas de moda mundiais.

Os stylists, responsáveis por disseminar o estilo nascido no contexto da cultura

jovem global contemporânea, desenvolvem com competência e criatividade essa

intersecção entre o street e o culture.

As peças-chave são blazers estruturados e coletes com botões pequeninos em

seqüência. Os coletes, em especial, ganham as ruas em tecidos denim com lavagens

brutas e sobrepõe-se a camisetas desgastadas ou regatas. Os microshorts jeans e

bermudas seguem os detalhes de barra italiana, bolso faca na parte frontal e bolso

verdugo na parte traseira das peças.

135

Ilustração 56: Imagens ilustrativas do estilo funny tailoring e foto do desfile da coleção Verão 2007

da ZOOMP, no São Paulo Fashion Week

China Chic

A china é intrigante para o Ocidente e sua afirmação como potência mundial nos

prepara para maiores avanços em seu fortalecimento.

Desde o regime igualitarista de Mao Tsé-Tung, onde tudo que os cidadãos

podiam possuir era uma bicicleta, um uniforme azul e alguns objetos pessoais, a China

passa a ter liberdade econômica pelas mãos de Deng Xiaoping, líder que restabeleceu a

propriedade privada e proporcionou a todos o “ser rico e glorioso”. Em poucos anos, o

Império Celestial veio a ser uma forte potência econômica do mundo.

136

Ilustração 57: Jovem adepta do estilo China chic

Atualmente, na China, existem por volta de 300.000 milionários. Índice

crescente e responsável por 3% do consumo dos produtos de luxo vendidos em todo o

mundo. São números promissores, que atraem esta indústria. A LOUIS VUITTON

abriu 12 lojas em 10 diferentes cidades, e deve percentual significativo de seus negócios

a esses novos ricos. A LANCÔME tem 20% do marketing share na indústria de

cosméticos da China.

A velocidade do crescimento de Shangai é tamanha que a cada duas horas surge

uma nova empresa e a cada vinte minutos é construído um novo andar de um arranha-

céu.

Na moda, se por um lado a China enche o mundo com produtos falsos, por outro

lado, compra insaciavelmente marcas autênticas. Os novos milionários não se privam de

nada. As marcas de luxo funcionam como uma bandeira de desenvolvimento e geram

status. As chinesas assumem seu lado chic e glamouroso e começam a ditar moda. A

idéia é um mix de Ocidente versus Oriente numa reinterpretação de temas tradicionais

com ponto de vista moderno, a fim de atingir uma linguagem universal fácil de ser

codificada por qualquer um, em qualquer lugar do mundo.

137

Ilustração 58: Imagens ilustrativas do estilo China chic

Favela Hype

Pode-se dizer que os conglomerados de casas e construções alternativas que

sobem o morro são especialidade brasileira. A favela cresce e aparece, tornando-se o

mais recente celeiro de artes e artistas contemporâneos.

A maior parte do elenco de Cidade de Deus veio da comunidade que deu origem

ao nome do filme. A cultura pop que sobe e desce o morro traz um colorido especial,

com artesanato e muita criatividade.

138

Ilustração 59: Jovem simpatizante do estilo favela hype

Têm aromas de Rio de Janeiro, sol samba, calçadão de praia e estampas de

verão. O estilo carioca, bem brasileiro, conquista adeptos além dos limites e ultrapassa

as fronteiras nacionais. Isso é confirmado por meio dos editoriais de revistas

internacionais que retratam o way of life (jeito de vida) praiano e descompromissado no

vestir dos brasileiros, mais especificamente, dos cariocas.

O estilo favela hype traz uma abordagem extremamente democrática, recheada

de miscigenação. É a mistura de raças, de credos e costumes que traz a diversidade.

Diversidade que abre o leque e permite possibilidades. E são as possibilidades e

intersecções que fazem nascer novos estilos musicais, novas atitudes e uma nova

estética.

A favela conquista o show bis. O funk domina a cena musical saindo do morro

para as pick-ups mais sofisticadas. O cotidiano irreverente dos excluídos virou moda. O

figurino traz as calças jeans de cintura super baixas e ajustadíssimas. Os movimentos

são sensuais e o clima é caliente.

139

África Pop

Em Johannesburg, o estilo de rua está em sua expressão mais fashion, graças a

uma juventude criativa tentando focar e resgatar antigas e atuais contradições de uma

época. Há dez anos, a perigosa metrópole sul-africana está se reinventando.

Ilustração 60: Jovem adepto do estilo África pop

Jozi, como a chamam, está sendo reconstruída, com estilo que traduz contrastes

marcantes dos imigrantes rurais envolvidos em suas tradições e os homens de negócios

da nova burguesia em ternos italianos.

Num mercado dominado por cadeias de magazines, a juventude de Jozi

customiza suas próprias roupas ou mesmo as cria, rejeitando a moda preestabelecida e

ditada pelo consumo de massa. Envolve-se corajosamente com a questão social da

pobreza. Militarismo e camuflagem ressoam numa história de luta, desde a chegada de

peças de roupas da Europa e da América através de missões de caridade, que tem sido

sabiamente reinventada pelos jovens. Como afirma o estilista Felipe Mazibuko:

140

Passamos por uma lavagem cerebral para nos sentirmos inferiores sobre nossa cultura, então pegamos elementos de outros lugares, mas fazemos da nossa forma. Quando usamos Converse ALL STAR, o fazemos com irreverência. Tiramos os cadarços e usamos sem meias. É como se diz — Se tiraram tanto de nós, agora vamos tirar dos outros e nos apoderar, fazendo da nossa forma. (Café Première, 2006, p. 54)

Embora algumas marcas sejam importadas, as sobreposições ecléticas dos

designers locais e o look das peças home-crafted refletem as incongruências de uma

cidade na tentativa de reconciliar seus extremos: saúde e pobreza, tradicionalismo e

contemporaneidade, identidade global e a diversidade.

Ilustração 61: Imagens ilustrativas do estilo África pop e fotos dos desfiles da coleção de no São Paulo Fashion Week Verão 2007 da ZOOMP e do estilista ALEXANDRE HERCHCOVITCH

141

Coexistence

Uma forte questão se coloca diante dessa tribo: fusão ou coexistência?

A fusão traz a mistura de estilos de um mundo globalizado que aproxima

regiões. A coexistência vai além ao resgatar uma convivência pacífica mundial que

ultrapassa o sentido da estética. Traz o discurso pacifista repaginado, que defende a

tolerância entre os povos. Não significa viver junto, porém aprender a viver lado a lado.

O termo coexistence tornou-se mais conhecido quando apareceu estampado nos

telões dos shows da banda irlandesa U2, escrito com símbolos do islamismo, judaísmo e

cristianismo. Segundo a revista Vogue França, o termo pode ser definido como “a

apropriação de outra cultura para a criação de um novo estilo” (in Café Première,

2006:58).

Ilustração 62: Jovem adepta ao estilo coexistence

A moda jeanswear globalizada, livre e mutante, sem preconceitos ou limitações,

alimenta-se de todos os credos, culturas e raças. Em tempos de tantos conflitos, horror e

guerra, pregar a coexistência e a miscigenação de culturas é uma atitude muito

persuasiva e bastante convincente.

142

Ilustração 63: Imagens ilustrativas da tribo coexistence

Cool Street

O que observamos nas ruas das grandes metrópoles é a convivência simultânea

de diversos estilos que traz um visual de rua bastante moderno, o chamado cool street.

As ruas do Soho nova-iorquino são o berço dessa tendência.

Os ultra-modernos são os consumidores alfa, os ditadores de tendências,

misturam estilos e buscam referências étnicas e folclóricas de variadas regiões. O jeans

é peça-chave desta tribo, aparece nos shortinhos ou saias recém cortadas nas barras.

143

Ilustração 64: Uma jovem representante da tribo cool street

Ilustração 65: Um jovem adepto do estilo cool street

O colorido se dá através da mistura de peças pontuais, tais como acessórios, que

criam uma harmonia multicolorida no visual dos adeptos do cool street. A atitude

ousada comunica sensualidade. As miçangas brancas ou jóias modernas trazem

referência de todos os lugares do planeta e se apresentam como uma nova estética. As

amarrações utilizam nós ou fitas de cetim. Na cabeça, os chapéus de cowboy estilizados

aparecem em vários materiais e tornam o look super atual.

144

Ilustração 66: Imagens ilustrativas representantes do cool street e de alguns de seus signos

Community

Nos dias de hoje, vivemos num tempo onde as identidades se inter-relacionam e

as fronteiras praticamente desaparecem, geograficamente ou temporalmente,

encontramos conformidade entre estilos que não têm nada em comum, mas, se

colocados juntos, se completam de forma contemporânea e harmônica.

A tribo community pertence aos que acreditam que a moda não tem fronteiras.

Londres, Nova Iorque, São Paulo, Johannesburg ou Nova Deli, atualmente, em nossa

“tribo global”, novas marcas consideradas “bacanas” podem se originar e se

145

comercializar rapidamente em qualquer canto do mundo. E estas surgem na maioria das

vezes com intersecções de diversas culturas, como por exemplo, ícones da moda de

Harajuku misturados aos extraordinários tecidos e bordados indianos e a bela noção de

cores típicas da sensibilidade desse povo.

Vivemos atualmente na era do que podemos chamar de “planificação global” e

percebemo-nos cada vez mais imersos em novas combinações com vizinhos de outras

culturas trazendo-nos novos códigos e novas condutas.

A comunidade global é provinda da “comum-unidade” de todos. Mistura várias

referencias da cultura jovem urbana, refletindo a pluralidade da moda contemporânea.

Por meio de criativas sobreposições e mistura de formas e estampas, esta tribo expressa

o lifestyle da juventude dos grandes centros urbanos. As formas e volumes do

sportswear adicionam o conforto e a praticidade neste trânsito individual.

Assim, vimos neste capítulo, que a cultura jovem e a cultura de mídia estão

diretamente relacionadas; o mercado de consumo, para além dos mercados de massa e

da sociedade de abundância, evoluiu para a era do hiperconsumo, na qual as identidades

e critérios individuais destacam-se cada vez mais.

Hoje, o desejo e a ansiedade por novidades, impulsionados pela indústria

cultural — sobretudo da propaganda e da moda — e pela mídia em geral, são cada vez

maiores, gerando hiperconsumo, supervalorização do design, constante lançamento de

novos produtos e coleções, em períodos curtíssimos, alimentando o ciclo de desejo dos

consumidores.

O processo da criação e adoção das novidades entre os jovens se dá em três

tempos diferentes: 1º. Os Alfas (3%) consumidores antecipam o que é novo, através de

seu comportamento e capacidade de inovação; 2º. Os consumidores Betas (15 a 25 %)

fazem a ponte entre a novidade e o mercado de massas; 3º Os Mainstreams (72 a 82%)

representam o consumo tardio.

Entre os jovens contemporâneos, surgem três novas formas de consumo: 1. o

consumo invisível, também chamado de consumo virtual; 2. o consumo do vazio, que

significa comprar algo como uma garantia para uma possível necessidade futura; e 3. o

consumo da expectativa, caracterizado pelo fato de que mais importante que o produto é

o momento certo de seu lançamento, como um seqüencial de necessidades.

146

O consumo serve como uma válvula de escape: funciona como uma forma de

expressão da angústia e também como fonte de prazer; no entanto, gera ansiedade e a

relação paradoxal de autonomia e dependência.

A sociedade de consumo cresce lado a lado com as desigualdades sociais e com

a pluralidade dos gostos individuais; a lógica igualitária está no direito de cada um à

felicidade e ao consumo, não na uniformização, de acordo com Gilles Lipovetsky

(2006).

Á medida que a fé na modernidade se desfaz, cresce na sociedade pós-moderna

o desejo de paz, serenidade e conservação, resultando no império do zen, do hedonismo

ansioso, do dionisíaco, do desejo de transgressão às normas, da supervalorização do

corpo, do anseio do bem estar imediato e da vontade de ser e parecer jovem.

A pós-modernidade está baseada na “complexidade”, que integra tudo, até

mesmo interesses paradoxais. Desse modo, as sociedades contemporâneas são povoadas

por “tribos urbanas”, formadas por indivíduos díspares, que se integram em

comunidades buscando a comunhão emocional e a reafirmação de crenças.

Conforme Michel Maffesoli (1988), as relações e as escolhas dos integrantes

dessas tribos são fundamentadas a partir da emoção e do afeto, do desejo de “ser/estar-

junto-com”, não da razão. Segundo ele, a sociedade contemporânea é classificada como

“a sociedade da imagem”, caracterizada pela: fragmentação do social, das identidades e

das culturas; ênfase no presente e na crença de que é preciso viver o aqui e agora;

desintegração das representações do real; crescente demanda e consumo de objetos,

sinais e imagens; associação das marcas com elementos do mundo real e imaginário,

num universo simbólico: da opacidade crescente e de realidades diversas.

A expansão da calça jeans se deu junto com o advento das tribos urbanas. No

próximo capítulo, serão abordadas as mais significativas tribos urbanas, que adotaram a

calça jeans como traje.

De uma eterna juventude, a moda acompanha

o tempo e perpetua-se através dele. Ela é o

espelho do reflexo da alma de uma época.

Yves Saint Laurent — Estilista

148

CAPÍTULO III

TODAS AS TRIBOS VESTEM DENIM

Como vimos no capítulo I, no início, o jeans teve seu desenvolvimento

fundamentado nas características de um produto básico, ligado a comunicação funcional.

Por outro lado, temos o jeans pós-moderno, que por ser neutro e autêntico, permanece

passível das metamorfoses mais inesperadas.

Em 1974, a LEVI’S criou um concurso, sob o tema Metamorfoses em Jeans, que

culminou numa exposição no Museu de Artes Contemporânea, de Nova Iorque.

Transformado numa caverna de Ali LEVI’S, sob um bombardeio de música pop, o

museu tornou-se uma visão delirante de jeans enfeitados, ofuscantes, recobertos de

bordados, pinturas, taxas etc. Os jeans inteiramente envolvidos em seus ornamentos,

transmitiam mensagens que são a própria expressão da autenticidade — neutralizam-se

enquanto roupa, para ganhar autenticidade enquanto tecido. Esta transformação foi

claramente definida pela jornalista Claudine Elsykman, em um relato sobre a exposição,

no qual ela afirmava que

O jeans enfeitado deixou de ter relação com o vestuário, pois já não manifesta a especificidade e os desvios que transmitem informações a serem decodificadas; ele inverte a circulação do vestuário, fixa em si mesmo as excitações do social; portanto, não há perda como na realidade tradicional da roupa com esse código. Há pelo contrário, um acréscimo, um excesso; mais do que nunca, o social vem se incorporar diretamente ao jeans. O jeans bem definido sempre deixa transparecer sua função original. Assim, torna-se independente tanto da roupa quanto da arte, e funciona como “perda de sentido”. O traje é um tecido exagerado que modela o corpo numa dramaturgia de calvário-sedução; o jeans surgiu quando o corpo sem artifícios encontrou o tecido sem referência (ELSYKMAN apud VINCENT-RICARD, p. 1989).

A partir da revolução cultural causada pelos ídolos do cinema — James Dean e

Marlon Brando — e o advento do rock in roll com Elvis Presley, por volta de meados

dos anos 50, os jovens adotaram o jeans para compor seu visual, utilizando-o como um

149

artifício para comunicar seu descontentamento com os padrões da sociedade

contemporânea. Desde então, o desenvolvimento socioeconômico ocorrido no mundo,

proporcionou aos jovens um meio de criar sua própria cultura, de desenvolverem uma

consciência de grupo distinto e integrado, a fim de se tornarem capazes de reagir aos

eventos políticos.

Em seguida, começaram a aparecer os teenage styles, subgrupos, formados por

adolescentes e jovens, unificados por gostos musicais e estilo de vida, que mais tarde,

na década de 80, foram batizados de “tribos urbanas”, assim como os mods, rockers,

skinheads, hippies, punks entre outros26.

Ressuscitando a velha calça dos mineiros, ou ao contrário, inventando um novo

traje confeccionado em denim, criando uma outra cor ou uma nova silhueta, aderindo ao

uso de objetos simbólicos como adornos ou acessórios, penduricalhos, tachas, alfinetes,

patches (remendos), amuletos, adereços e insígnias penduradas em qualquer lugar, os

jovens reinventavam o jeans e, ao mesmo tempo, a si próprios. Muitas vezes, até

mesmo usando um acessório comum ou uma roupa habitual com sua função distorcida,

reinventados por um “vestir”, por uma maneira especial, personalizada de entrar em

cena, de chamar a atenção para si. Enfim — e quase sempre ao mesmo tempo —

costumes, atitudes, comportamentos, modos de pensar, sentir, ser, mitos, um

vocabulário, uma estética, uma ética — quase num processo integralmente evolutivo,

surge uma nova cultura ou uma subcultura, constituindo um estilo de vida original

(BOLLON, 1993, p.11).

Adeptos de um padrão de comportamento característico, estes subgrupos,

fundamentados em signos bastante específicos, acabam por estabelecer um código

próprio de se vestir, de falar e de perceber a sociedade na qual estão inseridos. Tal

aspecto interfere de forma direta em seus estilos de vida, que se mostram cada vez mais

mediados por representações culturais como a moda, música, dança e artes visuais.

26 Nesse sentido, o jornalista Patrice Bollon, em A Moral da Máscara, vem corroborar quando afirma que “sempre existiram indivíduos — nem sempre jovens e ainda menos necessariamente ‘marginais’ — que se expressassem e se afirmassem através de seu estilo, simples pose de traje, ou então um modo de vida global em ruptura com as normas, aceitas por sua época, da ‘elegância’, do ‘bom gosto’ e da ‘respeitabilidade’. Homens — e certamente mulheres também — que pretendem com sua aparência contestar um estado de coisas, uma escala de valores, uma hierarquia de gostos, uma moral, hábitos, comportamentos, uma visão de mundo, ou um projeto, tais como são refletidos pelo traje dominante, pelo estilo obrigatório ou pela referência estética comum na sociedade em que vivem. Enfim, homens que são, querem ser ou imaginam que sejam ‘outros’, diferentes, estranhos, singulares e pretendem mostrá-lo com o que se vê em primeiro lugar, a aparência” (BOLLON, 1993, p.11).

150

Mike Featherstone (1995), em Cultura de consumo e pós-modernismo, conclui

que um estilo de vida constitui uma série de fatores que estão associados às preferências

de cada indivíduo e que se refletem não apenas na escolha do vestuário, como também

da comida e bebida, entretenimento, viagens, hábitos de leitura, bens de consumo em

geral. Segundo ele, até os anos 50, predominava o consumo de “massa” marcado por

um conformismo em sintonia com o mercado consumidor. A partir da década de 60,

intensificou-se o crescimento das opções de escolha desse mercado que, por sua vez,

registrou um aumento na demanda de consumo de uma série de produtos e bens

direcionados não somente à juventude, mas também a outros grupos etários.

Entre os diversos aspectos que determinam um estilo de uma tribo, a forma de se

vestir talvez seja o representante mais significativo e ilustrativo dos elementos estéticos

incorporados por esses segmentos. Através da indumentária, estes jovens estabelecem

uma cena enunciativa não-verbal, que, por sua vez, promove o reconhecimento perante

os demais integrantes do grupo aos quais estão vinculados, já que a maneira como se

vestem está permeada por signos de identificação e distinção.

Para o filósofo francês Gilles Lipovetsky (1989), em O império do efêmero,

depois que a alta costura deixou de ser o epicentro da produção do que deveria “estar na

moda”, a sociedade se viu perante uma gama de opções até então inéditas. De acordo

com ele, surgiram novos critérios e, por conseguinte, multiplicidades que não estavam

mais associadas aos ditames da “alta-costura”, possibilitando, assim, a manifestação de

novos focos de criação e o aparecimento da antimoda. Essa nova instância aponta para o

deslocamento do eixo da produção da moda e agora passa a considerar elementos

estéticos até então categoricamente rejeitados. Um dos motivos para tal profusão reside

no fato de que “um novo lance na individualização da criação surgiu, trazido pelos

novos valores de humor, de juventude, de cosmopolitismo, de desalinho, de pauperismo

ostensivo” (LIPOVETSKY, 1989, p.125).

Ao mesmo tempo em que os estilos de vida — marcados pelo consumo de massa

— estavam se pulverizando, a produção da moda jeanswear também experimentava um

efervescente surto criativo. Após a Segunda Guerra Mundial, começaram a aparecer os

primeiros movimentos que se opuseram ao estilo vigente na época, como, por exemplo,

os beatniks, avessos à integração social. Mas, a partir dos anos 60, explodiram as modas

jovens e marginais (o estilo hippie talvez se apresente como o mais significativo para

moda jeanswear) que se apropriaram de uma criação mais livre e, quando recorrem ao

151

passado — aspecto indissociável no mundo da moda —, não procuram a manutenção

homogênea e circular, mas sim a consagração da ironia e da bricolagem. Deve-se

ressaltar ainda que essa falta de regras permitiu que a moda utilizada por jovens dos

setores menos assistidos também entrasse em choque com a moda profissional. Tal

fenômeno ocorre em razão de que

trata-se sempre de aumentar a distância, de se separar da massa, de provocar o espanto, de cultivar a originalidade pessoal, com a diferença de que agora já não se trata de desagradar para agradar, (...) mas de ir até o fim da ruptura com os códigos dominantes do gosto e da conveniência. (LIPOVETSKY, 1989, p. 126)

Vejamos, agora, alguns dos mais significativos movimentos de estilo, que

ocorreram a partir de meados do século XX, contribuindo para a propagação do denim e

para a consagração do jeans como um traje eternamente jovem, com um símbolo desta

cultura.

3.1 Beats ou Beatniks

O espírito libertário e questionador dos valores e crenças da cultura ocidental,

que em breve caracterizaria intensamente os movimentos da contracultura, já se

anunciava nos Estados Unidos, desde os anos 1950, com um dos poetas da beat

generation, que produziu um verdadeiro símbolo do fenômeno com o poema “HowI”

(Allen Ginsberg, 1956), cuja tradução, significa uivo ou berro, um verdadeiro grito de

liberdade.

Os beatniks são frutos eminentemente espirituais dos hipsters27, que não se

27 Os hipster são, sobretudo, um estado de espírito daqueles que se opõem aos square — os “caretas”, os “quadrados”, os quais o sistema pode transformar com sucesso em conformistas bem ajustados. O termo e o assunto hipster são, no mesmo ano, 1958, definitivamente consagrados por um artigo de MAILER intitulado “The White Negro: Superficial Reflections on the Hipster”. Vale a pena lembrar que coubera a Ginsberg, um ano antes, o lançamento literário do termo através de seu poema Howl. Ao contrário do square, conformista e fiel defensor do american way of life, o hipster é aquele que se rebela contra aquela situação. Para MAILER, o hipster era movido pela consciência dos extremos terrores da vida assemelha-se e é derivada da que tem o negro, “pois nenhum negro pode andar por uma rua seguro de que a violência não virá encontrá-lo em seu passeio”. O que MAILER admirava no hipster era sua disposição de aceitar o desafio “de se desligar da sociedade, de existir sem raízes, de empreender essa viagem sem rumo pelos rebeldes imperativos do ego. Em suma, seja ou não uma vida criminosa, a decisão está em encorajar o psicopata que existe dentro de si mesmo, de explorar aqueles domínios de experiência em que a segurança é tédio e, portanto, doença”. É, assim, neste sentido, que aquela forma de “delinqüência juvenil” atualizada pela atitude hipster estava “desafiando o desconhecido” (PEREIRA, 1992, p. 35).

152

contentavam em viajar só no pensamento, queriam sair em fuga desse mundo capitalista,

colocaram literalmente o pé na estrada, em busca de outros paraísos, outras culturas;

tentavam concretizar o sonho utópico da tão deseja liberdade, cultuavam a obra de Jack

Kerouac, On the road (1958), como uma bíblia. KEROUAC, em dado momento,

declarou: “eliminai as inibições literárias, gramaticais e sintáticas”, seguindo com a

pregação de obediência a “nenhuma disciplina que não seja a da exaltação retórica e da

afirmação não censurada”.

A literatura beat também inspirou o poeta do rock nacional Cazuza em grande

parte de sua obra, nos anos 80. Mas, talvez a maior evidência desta influência se

encontre em Ideologia, música em que o roqueiro desabafa

... O meu prazer agora é risco de vida. Meu sex and drugs não tem nenhum rock'n' roll. Eu vou pagar a conta do analista pra nunca mais ter que saber quem eu sou, pois aquele garoto que ia mudar o mundo (mudar o mundo), agora assiste a tudo em cima do muro. Meus heróis morreram de overdose. Meus inimigos estão no poder ... Ideologia ... Eu quero uma pra viver ... (CAZUZA & FREJAT, 1988).

Nos anos 50, já era bastante visível na sociedade norte-americana a intimidade

crescente que a idéia de antiintelectualismo adquiria. O surgimento da tradição boêmia

— aquela dos beatniks — de verdadeiros representantes de um anarquismo romântico,

cujo estilo de contestação e agitação, inédito e radical quando confrontado à luta da

esquerda tradicional, se alicerçava sobre noções e crenças tais como a da necessidade do

“desengajamento em massa” ou da “inércia grupal”.

É no interior desta geração de rebeldes marginalizados dos bairros boêmios que

surge a poesia beat, à qual se ligam nomes como Allen Ginsberg, líder e inspirador do

flower-power (o poder da flor) dos anos 60. Ginsberg foi um dos idealizadores do estilo

típico de concentração e manifestação dos hippies, sendo presença obrigatória nesses

eventos. Sua fórmula de intervenção se encontra em um de seus poemas, intitulado How

to Make a March/Spectacle. Por sua vez, seu já citado poema Howl (1956) foi objeto,

na época, de um processo por obscenidade em São Francisco, o berço dos beatniks. Os

versos iniciais deste poema “I saw the best minds of my generation destroyed by

madness” (vi as melhores cabeças da minha geração destruídas pela loucura) —

exprimem toda a dramaticidade da angustiante experiência desta geração, cuja busca

passava freqüentemente pelos caminhos dolorosos da loucura e dos hospitais

psiquiátricos, como ocorreu com o poeta Carl Solomon, a quem o poema é dedicado.

153

Fascinados pelas doutrinas orientais, os beatniks foram um dos grupos que se

destacaram por encarnar, de modo, sobretudo, vigoroso, a rebeldia marginalizada dos

anos 50 nos Estados Unidos. Para eles, não existia nem passado, nem futuro, viviam

intensamente o presente. “Queremos o mundo agora”, declarava Jim Morrison, vocalista

e autor das letras das músicas da banda de rock norte-americana The Doors.

Ilustração 67: Imagens dos beatniks

154

A filosofia beat torna-se o ponto de encontro essencial entre eles e os hippies da

década de 60: abandonavam o caminho do intelectualismo, devotando-se a uma vida

marcadamente sensorial e deixando-se arrastar por sua lubricidade e desprezo pelas

satisfações de uma carreira e de um rendimento regular. E esse estilo de comportamento

que os faz um dos grupos pioneiros do espírito de contestação da contracultura dos anos

60, sendo, de certa forma, os hippies prematuros de uma época anterior.

O movimento beat teve seu apogeu por volta dos anos 1956-1968. De acordo

com sua filosofia libertária, não seguiam nenhum padrão pré-estabelecido nos modos de

vestir. No entanto, inicialmente, os existencialistas usavam somente o preto; depois, sob

a influência dos hippies adotaram o uso dos jeans puídos e das túnicas indianas, além

das cores psicodélicas. A estética desta tribo se assemelha um pouco com à dos hippies,

sem os seus excessos.

3.2 Hell’s Angels

Este movimento surgiu na Califórnia, nos Estados Unidos, mas se estendeu por

vários países da Europa. Era uma organização direitista e extremamente violenta,

claramente fascista. Seu comportamento era fundamentado pela intolerância e

autoritarismo.

Adeptos do motociclismo, o grupo sempre chamou atenção pelo uso ostensivo

de capacetes, suásticas e medalhas sobre seus blusões de couro negro — jaquetas estilo

aviador —, calças jeans e botas pretas.

A cantora Janis Joplin, que destacou a presença feminina entre os ídolos do

festival Woodstock, em 1969, interpretando os sentimentos da época através de seus

blues, cantados com voz rouca e lancinante, era tida como a cantora favorita da tribo

dos hell’s angels.

O festival de Woodstock representou a realização, aqui e agora, da utopia do

peace and love (paz e amor), pelo clima de tranqüilidade e alegria em que transcorreu;

já o festival de Altamont, ocorrido no mesmo ano, ao contrário, apontou para a

destruição, para o fim da chamada Era de Aquarius, pelo tom agressivo e pelos

episódios de violência sangrenta que o marcaram, culminando com o assassinato de um

155

negro pelos hell’s angels.

Ilustração 68: Hell’s angels

Ilustração 69: Almont, festival dos Rolling Stones, dezembro de 1969

156

Ficava assim evidenciada a presença da violência, do ódio, enfim, da

contrautopia no interior da própria contracultura. E a presença marcante dos hell’s

angels nos episódios de Altamont só corroborava ainda mais esta evidência.

3.3 Blousons-Noirs

Durante o pós-guerra, fase de recuperação econômica da Europa, assiste-se ao

aumento da taxa de natalidade — o baby-boom — e ao surgimento do movimento de

contracultura blousons noirs (blusões pretos), inspirado em Rebel Without a Cause e nas

personagens interpretadas por James Dean, Sal Mineo e Natalie Wood.

Ilustração 70: Blousons Noirs

A comunidade dos blusões negros era o símbolo da união dos grupos de jovens e

representava a vida em bando, nos grandes centros urbanos. O jornalista Patrice Bollon

(1993) lembra que o uso dos casacos negros de couro significava que com ele seu

usuário defendia o próprio couro como se defende a própria vida. Não se pode roubar

um couro, pode-se recuperar ou tirar, arranjar ou despojar de alguém que não esteja

usando ou não saiba se defender. Sob esta roupa se esconde uma ideologia, a da

solidariedade e do reconhecimento no seio do bando e sinaliza, publicamente, para a

representação da violência e da agressividade, que tanto pode ser pública como privada,

guardada para usar no universo fetichista da sexualidade perv.

157

É deste universo que nascem, na Europa, décadas de 50 e 60, os blousons noirs:

surgem como os representantes da juventude transviada, com respostas violentas contras

os hábitos consumistas e, ao mesmo tempo, contraditórios. Exprimiam sua recusa à

integração, dividindo momentos de consumo de mercadorias, mas abominavam o

trabalho. Seu visual se caracterizava pelo uso das jaquetas de couro pretas, estilo

aviador, sobre camisas ou camisetas e calças jeans.

Frutos de uma sociedade que não soube dar aos seus jovens uma lúdica

consciência de si mesmos, da sua classe e de suas alienações, os blousons noirs entram

para o mundo do crime, da violência e da prática de estupros coletivos. Assim como os

adeptos do hooliganismo do Leste, os blousons noirs bebiam muito, porém não

utilizavam a marihuana (maconha), nem entorpecentes mais fortes, como a juventude

norte-americana.

3.4 Teddy boys

Ilustração 71: Teddy Boys

158

Nos anos 50, jovens proletários, amantes do rock’n’roll e vagamente xenófobos

do pós-guerra, moradores dos bairros do Sul e Leste de Londres, adaptam ao estilo das

ruas os trajes estilo “eduardiano”, usados pela aristocracia londrina e por jovens esnobes

dos bairros de Mayfair e de Chelsea. Adotam o uso dos casacos redingotes de abas

compridas, com lapelas enormes, ornados de bolsos de dupla profusão de pences, de

pregas e costuras, usados com as calças jeans, como uniformes, em sinal de distinção e

exuberância, permitindo-os consolidar, de maneira, quase defensiva, sua condição de

brancos diante do fluxo de imigrantes vindos de Caraíbas para se instalarem nos

mesmos subúrbios que eles.

3.5 Rockers

Os rockers não foram apenas um ritmo musical, eles formavam um grupo de

jovens britânicos, cujo estilo de vida estava associado às motocicletas. Apesar de

existirem desde os anos 50, foi só quando imergiram na subcultura musical rockabilly,

década de 60, que eles se tornaram conhecidos. A partir daí, a associação da música

rebelde norte-americana com a inflamável imagem inglesa dos hooligans, resultou

numa dupla realmente explosiva.

No início, o termo rocker era usado de forma pejorativa; no entanto, mais tarde,

foi adotado pelos próprios integrantes do grupo. Em 1964, eles ganharam fama na mídia

sensacionalista por sua rivalidade com os mods, adeptos das scooters. Esses jovens, de

classe média, indagavam sobre o futuro da classe operária inglesa da época, período em

que travam uma verdadeira batalha de estilos entre os dois grupos rivais.

Os rockers eram os herdeiros dos teddy boys, usavam um clássico modelo de

jaqueta em couro preto estilo dos motoqueiros norte-americanos feitas por Lewis Couro,

modelo perfecto, sobre camisetas ou camisas estilo Dandy, calças jeans LEVI’S com

barras viradas para cima, muitas vezes fedorentas, sujas de graxa. Geralmente, eram

vistos montados em suas motos usando um clássico capacete cujo modelo deixava o

rosto à mostra, óculos de proteção de aviador e um cachecol de seda branco (para

proteger do frio e cobrir suas bocas). Seus cabelos deveriam ser compridos e gordurosos,

enrolados no alto da testa, formando um topete em forma de banana, feito com ajuda da

159

brilhantina ou de gomalina, assim como o dos ídolos do rock and roll dos anos 50.

Ilustração 72: Rockers

Ilustração 73: Logotipo e modelo da jaqueta de couro LEWIS

160

Seu visual descuidado, algumas vezes até mesmo com aspecto de sujo, não era

despojado de certa afetação — desejavam motos muito caras, mas nem todos possuíam

uma. Todavia, todos sonhavam ser tal como Marlon Brando, em O Selvagem. Johnny, o

protagonista vivido pelo ator, era a verdadeira imagem do estilo e do espírito dos

rockres. Contudo, eles acreditavam que os cuidados exagerados com a aparência era

coisa de birds (mocinhas) ou de fags (bichas), e ao contrário de seus arqui-rivais,

desprezavam a moda, acusavam-nos de “maricas esnobes” e “traidores” de sua classe. O

hábito de adornar ficava por conta de suas motocicletas que eram decoradas com

parafusos, pinos, remendos e, às vezes, um adesivo do mascote da ESSO.

Os rockers eram avessos a quaisquer mudanças, só cultuavam o rock and roll

dos pioneiros e gostavam dos prazeres simples e tradicionais da classe operária inglesa

— o pub, a cerveja, as saídas em bando e as brigas. Sentiam que valores antigos, aos

quais se agarravam temerosamente, estavam ameaçados; eram conservadores que

procuravam refúgio na contração a cerca dos valores tradicionais.

3.6 Mods

Mesmo sendo originários da classe operária, os mods (de “modernos”, como eles

mesmos se autodenominavam) se faziam incrivelmente semelhantes aos filhos dos

ingleses ricos. Os rapazes usavam cabelos limpos e curtos, esculpidos com navalha e

tesoura e, depois, artisticamente desenhados em capacete com laquê. A expressão era de

ordem cool, eles usavam calças de cintura baixa — uma novidade para a época — sem

bainha e com vinco permanente impecável, casacos curtos com fendas laterais, camisas

de largas lapelas abotoadas e fechadas por estreitas gravatas de lã ou de couro e

mocassins italianos da marca ZIGOINS, ou feitos pelo Raoul, badalado sapateiro do

Soho londrino. Os mais sofisticados encomendavam os sapatos em crocodilo ou em

camurça colorida, era a moda dos sapatos bicolores, preto e branco. Os ternos ou

casacos deveriam ser mais curtos na frente do que atrás, com fendas laterais e bolsos

inclinados com lapelas. Usavam uma espécie de uma pequena algibeira do lado direito

para colocar moedas. As cores geralmente apareciam em tons pastel da família dos

beges, azuis e marrons. Os tecidos deveriam ser nobres, os casacos eram

161

confeccionados em lã angorá de dois tons com efeitos furta cor, azuis com efeitos de

metal ou marrom com efeitos de mostarda, ou ainda de camurça verde e vermelha. Os

mais chiques chegavam a exibir terno na cor gelo, ou bege, creme imaculado, com

malhas de gola alta mostarda e botas até o tornozelo em camurça preta.

As moças se vestiam de modo mais simples que os rapazes, usavam

preferencialmente calças compridas, na maioria das vezes do tipo fuseau de esqui, com

suéter de gola redonda e sapatilhas; seus cabelos lisos eram divididos ao meio, cortados

na altura do queixo, às vezes, franja reta sobre a testa no estilo Cleópatra ou à Juliette

Gréco. Era uma espécie de “versão inglesa” das jovens francesas existencialistas de

Saint-Germain-des-Prés.

Pode-se dizer que os mods — que eram muito mais uma tribo do que um

movimento cultural — destacavam-se pelo visual sofisticado dos integrantes do

movimento, verdadeiros escravos do estilo, cuja preocupação com a elegância era

realmente a atitude central de suas vidas. Chiques, sofisticados, cleans (visual limpo), in

(expressão utilizada para referir-se a quem está dentro da moda) e sharps (vibrantes) os

mods volta e meia gastavam até um terço de seu salário com vestuário, sendo que para

compor seu visual se inspiravam nos jovens franceses e italianos que viam nos filmes e

começavam a desembarcar na Inglaterra a fim de aprender a língua inglesa.

Os mods se distinguiam entre si, os faces eram os lançadores de moda e os

numbers, de elegância mais anônima, eram tidos como prosaicos. Havia dois subgrupos

diferentes dentre os mods. Os scooters boys, visivelmente mais ricos, transitavam numa

Vespa ou numa Lambretta adornada por cromos e faróis coloridos, não se separavam de

seus ternos “italianos” feitos sob encomenda por um alfaiate. Os mods básicos se

contentavam em vestir uma camiseta pólo Fred Perry, análoga da inglesa Lacoste, com

jeans imaculados e andavam a pé.

O símbolo do movimento mod era um alvo estilizado, baseado no símbolo usado

nos aviões britânicos da RAF durante a Segunda Guerra Mundial.

Os mods gostavam de prazeres mais ambiciosos que os rockers, achavam o rock

and roll vulgar, preferiam o rythm’ and blues (R’n’B) dos negros norte-americanos,

sobretudo, o mais sofisticado entre eles. Seus ídolos eram Rufus Thomas, as Supremes,

os Miracles e James Brown, todos da firma Tamla-Motown. Apreciavam, igualmente, o

soul, o ska jamaicano, o bluebeat e alguns poucos grupos britânicos como The Small

Faces, Kinks, The Spencer Davis Group e The Who.

162

A dança ocupava um lugar central no seu universo, pois ela era fruto da ilusão

momentânea de poderem ser como as estrelas que iniciavam na classe operária e classe

média baixa, como Mick Jagger, Peter Townshend, The Who e ainda John Stephen,

antigo metalúrgico de Glasgow que se tornara, em alguns anos, um grande guru da nova

moda das butiques do Soho — Mod Male e His Clothes. Assim como no vestuário,

onde se empenhavam em serem pioneiros no lançamento de novas manias, nas boates,

competiam pela invenção de novos passos. A cada semana experimentavam um jeito

novo de dançar — o dog, o shake, o hitch like, o block ou ainda o ska.

Ilustração 74: Mods

163

Os primeiros mods eram dândis, muitas vezes judeus da classe média alta, como

Brian Epstein, o empresário dos Beatles, para quem imperava o “novo” e o “moderno”.

Já os mods trads (tradicionalistas) amavam o jazz de New Orleans e das ondas revival,

apoiavam o cool nas vozes de Mile Davis, Dave Brubeck e Modern Jazz Quartet.

Quando o rhytm’n’blues surgiu, o serviço militar não era mais obrigatório e os mods já

haviam se tornado um verdadeiro movimento juvenil, “a materialização de uma

aspiração de toda uma faixa etária a outros valores culturais, que eram na realidade da

classe média alta culta. Em suma, os mods eram os filhos daqueles ‘operários da

abundância’, integrados e tranqüilizados, individualistas” (BOLLON, 1993, p.100).

A seguir, quando sua estética ultrapassa o quadro de uma fração da juventude, os

mods se integram à grande revolução cultural dos ingleses dos anos 1960. Renovando e

mudando de alto a baixo a própria percepção tradicional das elites inglesas, eles tornam-

se parte do Swinging London.

Além disso, em breve, passam a existir contrastes entre os mods. Os mais

sofisticados eram os stylists, sua estética expressava um dandismo ultra-individualista;

seu vestuário torna-se cada vez mais absurdo, mais inventivo e repleto de ambigüidades,

alguns chegam a se maquiar. Os mods pré-hippies se tornariam, como os ex-mods de

base David Bowie e Marc (os grandes mestres do glitter e do glam rock, o rock

“decadente” da década de 70, com seu gosto pelo exagero, sua pretensão cultural e suas

imagens sofisticadas). Os havy mods eram o extremo oposto, ambicionavam continuar

sendo fiéis à sua origem operária; usavam calças jeans e camisetas FREDE PERY como

uniforme diário; a cada feriado, eles desembarcavam nas praias para relaxar. Com

algumas modificações superficiais, em breve se tornariam nos desiludidos skinheads,

uma espécie de rocker (pela afirmação de valores operários de virilidade e

solidariedade) com um toque de dandismo e do gosto pelo adorno de acordo com sua

origem mod.

3.7 Skinhead

Em 1962, a Jamaica obteve a independência dos domínios ingleses; a partir daí,

muitos jovens jamaicanos da classe operária pobre imigraram para a Inglaterra, levando

a cultura do movimento rude-boy, oriundo da Jamaica, década de 60, quando surgiu o

164

ritmo musical chamado ska, que ganhou força com o aparecimento do rocksteady, em

1966. A vestimenta típica dos rude-boys lembra a dos filmes de gangsters norte-

americanos, com ternos, chapéus e jeans com suspensórios. Além disso, levaram

também os valores estáveis e fortes de sua nação, tais como virilidade e solidariedade.

Os rude-boys despertaram nos ingleses sentimentos ambíguos: desprezo e

admiração. Eles eram vistos pelos ingleses como “os marginais dos bairros imigrantes”.

No entanto, apesar da aparente xenofobia 28 , em vez de uma rejeição aos valores

estrangeiros, ocorre uma espécie de deslumbramento dificílimo de ser revelado, onde a

inveja se mescla com o ódio, ódio de uma classe que possui os valores que eles próprios

gostariam de possuir ainda. Sendo assim, os rude-boys se fundem com os havy mods

para logo formar o movimento skinhead.

Deste modo, a cultura skinhead encontra-se, desde o princípio, intensamente

ligada à working class (classe operária britânica). O grupo, inicialmente, era formado

por brancos e negros — em sua maioria de imigrantes jamaicanos —, que freqüentavam

clubes de soul e reggae, andavam em gangues. A maneira de se vestir do skinhead

também retoma o estilo clássico operário: botas, suspensórios, boinas, jeans e cabelo

curto ou raspado. Os valores desse movimento cultural também são fortemente

baseados na tradição classista, solidariedade, apego ao futebol e à atmosfera dos bares e

pubs, ao culto à virilidade, à violência e ao hábito de beber cerveja. São muito ligados

aos gêneros musicais da cultura negra ska e reggae, assim como aos apreciados pela

classe operária, rocksteady, rock and roll e rockabilly.

O movimento teve início por volta de 1967, alcançou seu primeiro auge em 1969,

período chamado, nostalgicamente, pelos próprios skinheads, de spirit of 69 (espírito de

69), termo cunhado na década de 80 pela gangue Spy Kids. Ganharam notoriedade nos

jornais e na cultura popular da época por promoverem e defenderem explicitamente

confrontos nos estádios de futebol — hooliganismo — e agressões contra imigrantes

paquistaneses e asiáticos. No entanto, muitas das ligas xenófobas antiasiáticos

detestavam os grupos neonazistas e repudiavam o racismo contra os negros.

No final da década de 70, houve uma “segunda geração” skinhead, decorrente da

agitação provocada pela cultura punk e que acabou desencadeando um grande interesse

28 Não haveria neste caso apenas “uma manifestação de racismo no sentido estrito do termo, mas uma espécie de estranho luto, talvez mítico — o da velha classe operária inglesa, unida e solidária em torno de valores tradicionais —, que eles procuraram recriar magicamente por um sistema de símbolos, por uma espécie de ‘subcultura’ de valores nostálgicos” (BOLLON, 1993, p. 68).

165

por outros movimentos juvenis do passado, como os mods, teddy boys e skinheads. Com

o surgimento da “revolução musical” do punk rock e sua ética de “faça você mesmo”,

muitos skinheads se agregaram ao subgênero emergente street-punk (então uma vertente

anticomercial do punk) e deram origem ao estilo Oi!, que abrange tanto os aspectos

musicais quanto culturais. No entanto, isso não significou o abandono do reggae e do

ska. Nos anos 80, muitos skinheads tornam-se grandes adeptos do ska chamado two

tone (“dois tons”, em referência às cores preta e branca — simbolizando a união de

raças).

Ilustração 75: Skinheads

166

O sentimento de orgulho de pertencer à working class, se tornou mais consciente

e visível no final da década de 70, através das bandas comunistas Angelic Upstars, em

1977, e a Last Resort, em 1980, que cantavam o “orgulho plebeu”; no entanto, esse

sentimento possui raízes mais antigas, é originário do “orgulho suburbano”, existente

desde a época do Spirit of 69. A banda Sham 69, por exemplo, cantava, em 1978, Hey

Little Rich Boy (Ei Garoto Riquinho), dizendo que ele “não precisava de um carro novo,

pois podia pegar o ônibus e atravessar toda a cidade”, e que “o garoto riquinho não era

melhor do que ele”.

A partir da década de 80, a constante pressão da mídia com relação ao

preconceito racial cultuado pelos skinhead, somada ao surgimento de um engajamento

político entre eles, resultou na fragmentação do grupo em vários subgrupos. Desde

então, constantemente, as divergências explícitas entre esquerdistas e direitistas, racistas

e não-racistas, politizados e apolíticos tornaram-se motivos de atritos. Nazistas,

integralistas, conservadores, xenófobos defensores de uma supremacia racial branca,

antisemitas e neonazistas, caracterizam as divergências culturais e ideológicas que

constituem os subgrupos skinheads:

Os tradicionais ou trads estão mais ligados aos costumes da década de 60,

especialmente, à versão inglesa dos rude-boys.

Os boot-boys, mais tarde chamados de skinhead Oi! ou simplesmente skinhead,

representam a forma exagerada e quase caricatural do estilo tradicional, se tornaram a

versão mais comum, a partir dos anos 80.

Os apolíticos se alienam deliberadamente das questões ideológicas da cultura

skinhead, travando relações com qualquer dos grupos abaixo. No Brasil, esse tipo é

comum na cidade de Curitiba, capital paranaense.

Os white power ou bonehead, como são chamados pejorativamente dentro da

cultura skinhead, são defensores da ideologia neonazista ou racialista. Tiveram origem

associada ao sucesso da banda Oi! neonazista Skrewdriver e às ações das organizações

também neonazistas National Front e Britsh Moviment. Ganharam notoriedade pelos

atos de xenofobia, pela prática do paki-bash (espancamento de paquistaneses e outros

asiáticos), pelo racismo motivado por um movimento branco-separatista.

Os SHARPS, abreviação de Skinheads Against Racial Prejudice, são contrários

ao preconceito racial, originários de um grupo de combate aos white-powers e mais

167

tarde, com a difusão do movimento racista, encontraram no estilo próprio uma forma de

identificar um skinhead como não-racista.

Os RASH, Red and Anarchists Skinheads, skinheads vermelhos e anarquistas

que, a princípio, promoviam ideologias esquerdistas como uma forma de combate aos

white-powers. Depois, eles focaram no combate ao caráter direitista da cultura skinhead

em geral.

No Brasil, existem os carecas, estilo politizado de caráter patriota,

ultranacionalista, conservador, fascista e/ou integralista que promove ações violentas

contra homossexuais, esquerdistas, diferentes tribos urbanas, em especial àquelas

ligadas ao pensamento de esquerda, drogados, neonazista e em alguns casos judeus,

prostitutas, nordestinos e outras minorias. As principais gangues e a maioria dos

indivíduos são anti-racistas, uma vez que defendem a tese de que a identidade e raça

original da população brasileira é a miscigenação de todas as raças. Mas existem carecas

indiferentes ou simpatizantes, em especial na região Sul e Sudeste do país, onde há um

movimento de independência de caráter muitas vezes branco-separatista. As gangues

paulistas carecas do subúrbio e sua dissidência, carecas do ABC, se tornaram famosas

na cultura popular devido a episódios de violência amplamente divulgados pela mídia.

Em Portugal, o termo também é empregado pelos skinheads patriotas,

nacionalistas, conservadores de extrema direita. No entanto, o nacionalismo defendido

pelos carecas portugueses está profundamente ligado à ideologia da supremacia branca

e ao neonazismo, uma vez que estes indivíduos afirmam ser a raça branca a origem e

verdadeira identidade portuguesa.

O movimento skinhead mantém, até hoje, sua natureza multiétnica, uma vez que

ainda existem skinheads brancos, negros, latino-americanos, judeus, orientais e árabes.

O jeans dos skinheads, a roupa da classe operária, é um símbolo de contestação contra

os valores-democráticos: distinção de classes, valorização da riqueza, status e elitismo.

3.8 Hippies

A palavra hippie deriva do inglês hipster, termo usado nos Estados Unidos para

designar pessoas que se envolviam com a cultura negra, assim como Harry Gibson em

168

The Hipster. No dia 6 de setembro de 1965, a palavra hippie foi utilizada pela primeira

vez em um jornal de São Francisco, num artigo escrito pelo jornalista Michael Smith.

O senador norte-americano eleito pelo estado de Nova Iorque, Robert Kennedy,

um dos poucos políticos aceitos pelos hippies, definiu esse movimento como “uma

tentativa, por parte desses jovens, de serem reconhecidos como indivíduos em uma

sociedade onde o número de indivíduos é cada vez menor”. Talvez essa seja a definição

que expressa com maior clareza a mensagem que os hippies tentavam transmitir através

de suas aparências.

Ilustração 76: Hippies

169

No final dos anos 60, em Nova York, Washington ou São Francisco, centenas

desses grupos perambulavam pelas ruas ou encontravam-se reunidos nos parques;

rapazes e moças vestiam roupas de cores berrantes, ambos tinham cabelos longos,

alguns tatuavam o rosto com flores coloridas — símbolos da paz. Os hippies criaram

um universo paralelo, ou melhor, paradoxal. “É uma moça ou um rapaz / Um rapaz de

cabelos compridos ou uma moça de calças”, cantavam as lolitas em suas roupas de vinil.

Os jovens casais hippies dividiam tudo, roupas velhas, o universo de quinquilharias

compradas nos mercados de pulgas, as roupas feitas à mão, desse modo contribuíram

muito para a prosperidade da moda unissex nesse período.

Os hippies ignoravam a conduta da sociedade materialista, bem como

acreditavam que esta havia chegado num ponto em que a vida e o sonho dos homens

passaram a girar em torno de um valor ilusório — o do dinheiro. Eles procuravam

ignorar o valor e a importância do dinheiro na vida dos homens. Contudo, precisavam

encontrar um modo de sobrevivência; a partir de então, toda uma arte bruta se

desenvolve. Lançando mão de velhas técnicas artesanais e de influências colhidas de

variadas etnias e culturas diversas, os hippies encontram no artesanato um modo de

subsistência.

Conduzidos por uma renúncia ostensiva em relação a qualquer moda, os hippies

encontram uma maneira bastante subjetiva de se vestir, com isso acabam por inventar,

ainda que sem intenção, um estilo — o da antimoda. O movimento flower-power,

idealizado por essa juventude que recusava tanto as convenções burguesas quanto as

estabelecidas pela sociedade industrial moderna, recorre às roupas vindas de outros

horizontes — casacos afeganes, fulares e batas indianas, túnicas com motivos florais etc.

— desse modo, chamam para si atenção das ruas, onde propagavam a paz e amor.

Os hippies eram parte do que se convencionou chamar, nos anos 60, de

contracultura. Na Europa, adotavam estilo de vida nômade. Já na América, desejavam

estabelecer comunidades rurais para instituir uma suposta volta ao estilo de vida natural

e “ecológico”. Mesmo que o movimento hippie agrupe também os negros, é

considerado pelos estudiosos, basicamente, como um movimento de brancos e,

nomeadamente, típico dos Estados unidos. A disponibilidade e a passividade dos

hippies eram mais atrativas aos brancos do que aos negros que travam, na época, uma

batalha em busca se sua auto-afirmação. Todavia, ainda que o movimento hippie tenha

ocorrido também em Londres, Paris e outras cidades européias, somente nos Estados

170

Unidos eles encontraram plena justificativa no movimento.

Em geral, os hippies negavam o nacionalismo e protestavam contra a Guerra do

Vietnã proclamando a celebre frase “faça amor, não faça guerra!” Eles compreendiam o

paternalismo governamental, as corporações industriais e os valores sociais tradicionais,

como partes de um establishment único, e que não tinha legitimidade.

Abraçavam aspectos das filosofias religiosas orientais, tais como o budismo, o

hinduísmo e as religiões das culturas nativas norte-americanas, que estavam em

desacordo com valores tradicionais da classe média. Aceitavam Cristo, porque ele

pregava o amor. Apesar disso, adoravam Buddha, que para eles havia sido o precursor

do movimento hippie. Buddha pertencia a uma família aristocrata, mas preferiu

abandonar a riqueza e a segurança para viver sua liberdade. No entanto, o verdadeiro

ídolo desses jovens era São Francisco de Assis, que sacrificou tudo em prol de suas

idéias. O filósofo norte-americano do século XIX, Thoreau, foi eleito o grande guia

espiritual dos hippies; além disso, eles louvavam o escritor Aldous Huxley, por ter

destacado o poder das drogas em seu livro As portas da percepção.

Os hippies descobriram, no denim, a forma mais barata com que as pessoas

podiam expressar suas identidades. Definitivamente “sujos”, quem sabe eles não

tenham comprado muita roupa, apesar disso usavam jeans religiosamente — muitas

vezes só isso. Apliques de panos tapavam os buracos e davam vida ao azul básico do

jeans. Produziam suas roupas em patchwork29, usavam calças boca-de-sino, camisas

tingidas, roupas de inspiração indiana, tie-dies30. Buscavam elementos mágicos como

simbologia de proteção em amuletos usados como acessórios. A cruz aparecia junto

com o emblema oriental tei-gi31. Penduricalhos de dentes de tubarão, estrelas e luas,

cintos de conchas, braceletes de pele de elefante, pulseiras-talismãs de cobre atuavam

como aforismos mágicos e protetores.

Tinham predileção por certos estilos de música, como rock psicodélico Grateful

Dead, Jefferson Airplane, Janis Joplin e soft rock como Sonny & Cher; ou, mais

recentemente, Phish, String Cheese Incident, the Black Crowes, ou a trance music de

Goa. Às vezes, costumavam tocar músicas nas casas de amigos ou em festas ao ar livre,

29 Trabalho que une diferentes tipos de retalhos, formando um tecido ou uma peça única. 30 Tingimento feito com amarrações e diferentes cores, criando um efeito de estamparia. 31 Símbolo do Yin-Yang e da criação do tao.

171

como na famosa The Human Be-In, de São Francisco, ou no festival de Woodstock, em

1969. Atualmente, há o chamado Burning Man Festival.

Costumavam pregar o amor livre; no entanto, muitos hippies não toleravam as

relações sexuais ou amorosas entre pessoas do mesmo sexo, sobretudo entre homens. O

incenso e a meditação são práticas integrantes dessa cultura, em razão de seu caráter

simbólico e quase religioso. A maioria dos hippies é adepta do uso de drogas como

marijuana (maconha), haxixe, e alucinógenos como o LSD e psilocybin (alcalóide

extraído de um cogumelo). Porém, muitos consideravam o cigarro feito de tabaco como

prejudicial à saúde. O uso da maconha era exaltado mais por sua natureza iconoclasta e

ilícita, do que por seus efeitos psico-farmacêuticos.

Quanto à participação política, mostravam pouco interesse. Eram adeptos do

pacifismo e participaram de algumas manifestações antiguerra dos anos 60, não todas,

conforme se acredita. Ir contra qualquer tipo de manifestação política também faz parte

da cultura hippie, que privilegia muito mais o bem estar da alma e do indivíduo.

Ilustração 77: Hippies em Woodstock, agosto de 1969

Conforme o filosofo norte-americano Alan Wats (Jornal Folha de S. Paulo,

11/10/1968), um dos líderes dos hippies, esse “movimento deve ser entendido como

uma realização biológica da coletividade, para defender-se dos perigos que a ameaçam,

a sociedade doente segrega os anticorpos”. Em pouco tempo, a grande imprensa perdeu

172

seu interesse na contracultura hippie como tal, ainda que muitos de seus seguidores

conservassem uma profunda ligação com a mesma. Como os hippies tenderam a evitar

publicidade, após a era do Verão do Amor em Woodstock, surgiu um mito popular de

que o movimento hippie não mais existia. De fato, ele continuou a existir em

comunidades mundo afora, nas quais todos os ditames do capitalismo são deixados de

lado, onde todos os moradores exercem uma função, as decisões são tomadas em

conjunto; normalmente, é praticada agricultura de subsistência; o comércio, entre os

moradores, é realizado através da troca. Há, também, os que viviam como andarilhos,

acompanhando suas bandas preferidas, ou às vezes nos interstícios da economia global.

Ainda hoje, muitos se encontram em festivais e encontros para celebrar a vida e o amor,

como no Peace Fest.

3.9 Punks

Em dezembro de 1970, numa entrevista concedida ao jornal Rolling Stones, o

ex-Beatle John Lennon, ao fazer balanço das transformações originadas pela

“revolução” da contracultura dos anos 1960, declarava: “Eu acordei pra isso também, o

sonho acabou. As coisas continuam como eram, com a diferença que eu estou com trinta

anos e uma porção de gente usa cabelos compridos”.

Fim do sonho, dificuldades de abrir os olhos e despertar para o mundo, onde o

jovem sequer tinha o que sonhar. Cenário surpreendentemente construído pela sétima

arte, em Clockwork Orange (Laranja Mecânica, Stanley Kubrick, 1971). Alex

(Malcolm McDowell), o protagonista do filme, é um exemplo claro de um cyborg

interpretativo. Não há necessariamente uma fusão entre máquina e carne, mas uma

absorção da mídia pelo corpo e sua alienação, que no caso é superficial, já que o

inconsciente de Alex permanece o mesmo de outrora, quando saía às ruas mascarado,

acompanhado de seus “drugues” (bando de vândalos), assaltando, espancando,

estuprando e matando pessoas. Diante dessa atmosfera agressiva de podridão e horror,

era preciso fugir; em seguida tudo ficou dark, punk e skinhead.

O punk, na forma de movimento de estilo jovem, surgiu em Londres, em 1975.

A palavra denota podridão, sujeira, insanidade e, segundo o dicionário de língua inglesa

173

Oxford, punk significa vagabundo de pouca idade. O movimento anarquista e libertário

levantou a bandeira da desilusão, sob o lema: no future (sem futuro). Surgiu durante a

crise econômica inglesa da década de 70, com o crescimento do desemprego e

surgimento de novas formas de pobreza. Existe até hoje, no entanto é característico de

países ricos que não têm espaço para absorver a mão-de-obra jovem com baixo nível de

escolaridade e tecnológico. O universo punk é composto pelos rockabillys, skinheads,

headbangers, hastas e grunges.

Ilustração 78: Punks e a banda Ramones, no canto superior direito

174

Os roqueiros Beatles, com seus ternos de veludo e peito rendado comunicavam

docilidade e passividade. Os Rolling Stones, com seus blusões negros e camisas

fluorescentes, transmitiam a imagem da rebeldia e da violência, eram percebidos como

jovens que promoviam o quebra-quebra e que se opunham, por princípio, a tudo.

O movimento punk adotou um traje anárquico, louco, desesperado e rasgado,

antimoda que promovia o dramático e sentimental. Repleto de elementos contestadores,

o vestuário punk se constituiu como um traje-cenário, composto por botas de couro,

muitos piercings pelo corpo, alfinetes de segurança presos à roupa ou pendurados no

nariz e nas orelhas, giletes, coletes ou jaquetas jeans repletos de patches (remendos) e

detalhes de metal, jaquetas de couro preto, calças jeans rasgadas e puídas, camisetas

(geralmente pretas, laranjas ou cor-de-rosa), braceletes de aço ou couro tachados,

correntes em torno do pesco ou prendendo uma perna a outra, insígnias nazistas e

tatuagem. Homens e mulheres usavam os cabelos curtos ou com faixas raspadas, estilo

moicano, tingidos de vermelho, verde, amarelo e azul.

O couro é o material nobre para o vestuário deste grupo. Como a pele é o couro

de cada um, assim como se estampa um tecido ou camiseta, a própria pele deve ser

estampada em forma de tatuagem; é na pele que se sofre, onde estão os hematomas, por

isso, a roupa-pele é rasgada, criando o hematoma da roupa.

A agressividade do grupo é extensiva ao corpo de cada um de seus integrantes.

Considerados sadomasoquistas, mostram esse gosto, usando pulseiras tacheadas,

alfinetes de gancho, giletes, além de guitarras empunhadas como metralhadoras. As

bandas Sex Pistol e Sid Nancy foram as estrelas precursoras desse movimento de estilo.

No Brasil existe a Galeria do Rock, em São Paulo, como uma ambiência maior,

onde se pode encontrar todo tipo de vestimenta e os discos de todas as estrelas que

participam do universo punk até hoje.

A grande revolta dos punks é a falta de oportunidade de inserção no universo

social de classe média, gerada pela dificuldade de inserção no mercado de trabalho, isto

é, o desemprego.

Desde o seu início, o rock tem promovido impactos, choques, modas, estilos,

comportamentos, políticas, revoluções, idéias de declínio e guinada, além de música e

dança. Para suas guinadas, o rock conta sempre com a energia dos adolescentes. Basta

uma geração ter completado sua missão, ou ter dado seu recado, para que haja outra

175

reação sugerindo nova proposta.

Uma das grandes guinadas do rock aconteceu em 1976, com o movimento punk.

Depois de passado o impacto inicial, com a imagem mais desagradável de toda a

história popular universal e sob apavoradas pressões de todos, sucumbiu ao peso da

própria audácia, no entanto não acabou.

Vistos como marginais, drogados, sadomasoquistas, assaltantes mirins, travestis,

prostitutos adolescentes, suicidas e sonhadores. Se o mundo do adulto é confuso, não se

pode cobrar coerência política do mundo punk, mesmo porque se trata de um

movimento de revolta do adolescente, insatisfeito com tudo. Invocam o espírito de

mudança. Não é só uma cultura visual ou musical, é também uma crítica e um ataque

frontal a uma sociedade exploradora, estagnada e extravagante nos seus próprios vícios.

O movimento punk é mais revolução de estilo, que política, mais pathos que

ethos. Tem como única regra a não existência de regra alguma. Ser punk é quebrar

regras e não criá-las, é não se preocupar em vestir a roupa certa ou usar os clichês

apropriados, é raciocinar e se expressar subjetivamente, e em grupo, é claro.

Depois de Elvis e dos Beatles, não existiu nada mais contestador, anárquico e

subversivo dentro do rock. Existe uma briga pela paternidade do estilo entre americanos

e ingleses. Na verdade o movimento nasceu nos Estados Unidos, inspirado nas bandas

MC5, Stooges e Velvet Underground.

3.10 Headbangers

Como vimos, no final dos anos 60, a cultura jovem foi fortemente dominada

pelos movimentos de contracultura da classe média nas universidades e, sobretudo, na

música, com uma tendência artisticamente sofisticada que se distinguia dos pequenos

padrões do rock and roll original, que era um produto da classe operária. Esse

desequilíbrio foi revertido quando o grupo alemão Steppenwolf incluiu o termo heavy

metal thunder na música Born to be Wild, em 1968.

O termo parecia sugerir um estilo de vida que, apesar de progressivo, deveria ser

mais atencioso com as raízes do rock and roll. Tanto esteticamente quanto

176

musicalmente, o heavy metal imediatamente alcançou uma súbita união dos hippies com

a cultura dos rockers, de movimentos psicodélicos de Jimi Hendrix e The Doors.

Em termos de estética do vestuário, o movimento heavy fundiu o estilo hippie,

os cabelos compridos e as cores psicodélicas, com as roupas de couro do estilo rocker.

O heavy era um nome de origem tribal, que descrevia tanto um grupo quanto suas

músicas ou personagens. Com o novo nome headbangers, que significa balançar a

cabeça, passou a ser identificado como subcultura e a ser criticado pela sociedade. A

música alternativa os chamava de regressivos, porém o estilo sobrevive até hoje com um

extraordinário número de subgrupos dentro do movimento heavy, com nomes, como

trash metal, death metal, heavy melódico.

Hoje, não existe mais limite de idade para fazer parte desses grupos. Vestem-se

com roupas baratas: calças jeans rasgadas, camisas de flanela xadrez e tênis, não andam

com clubbers e, segundo eles, quando as pessoas os vêem acham que são marginais e

maconheiros. Em São Paulo, freqüentam bares como Manifesto, Black Jack, e compram

seus discos e roupas na Galeria do Rock, na Rua 24 de Maio.

Para os headbangers, o terno é a roupa que identifica os que foram capturados

pelo sistema, por esse motivo é o traje que mais abominam. Afirmam que não usariam

terno e gravata, roupas largas e coloridas; não gostam de andar junto com gente bem

arrumada, assim como não acreditam em padrões preestabelecidos de beleza; costumam

usar calças justas pretas ou jeans com camisetas de bandas, bracelete, anéis, a maioria

tem tatuagem. Preferem andar com semelhantes, não andariam com gente de tribo que

não conhecem. Acreditam que a sociedade tem preconceito em relação a eles,

considerando-os violentos, drogados e vagabundos.

Detestam os modismos estabelecidos pela sociedade, preferem usar roupas

duráveis, confeccionadas com materiais resistentes, como o jeans e o couro. São contra

a idéia de mudança e progresso, valorizam o passado, são românticos. Mantém os

cabelos longos como característica da tribo. Possuem muitas tatuagens sobre o corpo e

usam muitos acessórios metálicos, como brinco, correntes com crucifixo, caveiras e

anéis com os mesmos símbolos. Os bottoms com os nomes das bandas são usados em

jaquetas e coletes.

São de uma geração que cresceu ouvindo rock, desprezando a companhia de

funkeiros e pagodeiros, sonhando em tornar-se um astro da música. Muitas bandas

177

tentaram fazer sucesso, tocando, inicialmente, nos chamados espaços underground. Em

São Paulo, ainda existem vários espaços que dão chance a dezenas de bandas. Esses

lugares se localizam por toda cidade e não só nas classes menos favorecidas. Os heavys

pertencem às mais diversas classes sociais, pois essa não é uma barreira para se

ingressar no grupo.

São jovens muito críticos, que estão descontentes com o sistema e com a própria

geração e dizem que só se preocupam com a imagem, preferindo ficar horas malhando

nas academias em vez de cuidar do lado intelectual. Consideram a geração de seus

contemporâneos como individualista, por não se importarem com causas sociais como o

fizera a geração passada.

Ilustração 79: Headbangers

178

A comunidade heavy metal é formada por roqueiros de classe mais baixa, que

fazem de tudo para comprar cds e instrumentos, realizam os mais diversos trabalhos só

para não abrir mão da sua paixão. A paixão que eles mantêm por seus ídolos também é

algo espantoso. Eles defendem, bravamente, o estilo musical e podem passar o dia

inteiro ouvindo música, além de copiar as tatuagens dos ídolos.

2.11 Clubbers e Ravers

Dentre o público consumidor da música eletrônica, destacou-se o movimento de

estilo dos clubbers, que procuravam compor o visual distanciando-se do modelo

estabelecido como “padrão”. Sobre as características e os apetrechos que configuram a

forma como o clubber se prepara para a noite, a jornalista Erika Palomino, em Babado

Forte, descreve que

a montação32 inclui o exagero e o kitsch, na arriscada busca pelo limite entre o cafona e o permitido, numa fase de retomada dos valores estéticos que — como se diz — o bom gosto esqueceu. Entre os hypes, o lurex e os brilhos, materiais como o vinil e o couro e os sintéticos em geral. A maquiagem deve ser sempre intensa —batons vermelhos ou fúcsia, os cílios, as sombras fortes, a purpurina. Nas formas, as calças bocas-de-sino e as hot-pants e (...) os sapatos plataforma” (PALOMINO, 1999, p. 222).

A intenção de não se conformar com os estilos e moldagens vigentes, era

conduzido por uma espécie de hedonismo apoiado na subversão estética, posteriormente

sancionada na vontade de ser visto, de chamar para si os holofotes. No entanto, a

paixonite33 que regulamenta esse tipo de look confere ao mesmo um curto tempo de

vida. Surgido no final da década de 80, início dos anos 90, essa forma de se apresentar,

nos dias hoje, caiu em desuso. O Brasil, onde as novidades demoram a chegar, talvez

seja um dos últimos lugares do globo onde a moda clubber ganhou visibilidade.

32 Gíria que designa o ato de se vestir e de se maquiar para sair à noite. 33 LIPOVETSKY considera que a indústria do cinema, a literatura e a música são constantemente invadidas por novidades efêmeras, que logo em seguida precisam ser repostas por outras, formando, dessa forma, um organismo que se alimenta e realimenta dele mesmo. Esse aspecto também encontra eco na moda que, na visão do autor, “se traduz exemplarmente pela amplitude da paixonite, pelo sucesso de massa visível nos gráficos de discos e livros mais vendidos, filmes e programas mais vistos. Paixonite cultural que tem de particular o fato de que não fere nada, não choca nenhum tabu” (LIPOVETSKY, 1989, p. 206).

179

Outros importantes componentes do visual desse segmento são as tatuagens e os

piercings. Ao contrário do que ocorre em algumas tribos, em que a tatuagem funciona

como recurso comunicacional estampado no corpo, o público dos clubs e das raves não

adota um ideal prototípico para o desenho que será feito. A tatuagem, para esse setor,

funciona mais como uma forma de chamar a atenção, pois o ato de se exibir também

pode ser encarado como uma forma de assegurar a existência no contexto social. Essa

idéia também se estende aos piercings: quanto mais, melhor; e de preferência que sejam

colocados em regiões insólitas do corpo.

A música eletrônica também é fruto de “subsídios” que a individualizam e tolera

sua contextualização perante o público que com ela se identifica. Nesse universo, o

experimento musical se configura como uma espécie de eixo central. Até a metade da

década de 80, o house e o techno eram os estilos que caracterizavam a sonoridade

eletrônica. Com o desenvolvimento tecnológico e a intensificação das experiências,

anos mais tarde, passaram a existir outras formas musicais importantes que logo

invadiram as pistas de dança, tais como o drum’n’bass, o trance e o electro. Hoje, a

quantidade de estilos e subgêneros originados desses pré-existentes torna praticamente

impossível determinar um número exato de gêneros que integram a atual música

eletrônica34.

Juntos esses ritmos formam a base do que compõe a trilha sonora de importantes

eventos e festivais de música eletrônica, como a Love Parade (Berlim), Homelands

(Londres), SkolBeats (São Paulo) e Dance Valley (Miami), que se destacam dentre

inúmeros outros. Mas toda essa efervescente polifonia musical não seria possível sem a

figura do DJ, o personagem principal, pois é ele quem produz e leva ao público o

resultado de suas investigações sonoras. Quando a música eletrônica começou a tocar

nas pistas de dança mundo afora, o público ia para um determinado club, festa ou rave

porque lá seria um espaço para dançar ao som de um determinado estilo. O DJ era uma

pessoa anônima que geralmente ficava numa cabine onde poucas pessoas o viam ou

prestavam atenção nele. Com o passar do tempo, essa característica ainda se mantém,

mas a procura, agora, tem se invertido velozmente, isto é, vai-se a uma determinada

boate ou festival por que lá vai tocar o DJ X ou Y.

Também deve ser analisado o papel da indústria cultural e dos meios de 34 Conforme o caso do gênero house, a partir desse estilo, tiveram origem vários subgêneros, tais como a deep-house, tech-house, chill-house, hard-house, jazz-house entre outros.

180

comunicação para a sedimentação (e talvez um posterior desmoronamento) desse

processo, em que, outra vez, os modismos alastram-se mais. A partir dessa nuance,

observa-se que escutar um determinado DJ ou grupo vira moeda de troca e confere

status entre os que se identificam com esta composição musical.

Ilustração 80: Maquiagens, acessórios e adereços clubbler

Esse aspecto também pode ser identificado em outro “elemento” crucial no

contexto da música eletrônica: a composição visual. Como foi descrito e enfatizado

anteriormente, os modos de vestir deixam transparecer a associação a um estilo de vida,

permitindo, assim, o reconhecimento e a integração por parte um determinado grupo.

No entanto, os clubbers se apresentarem de forma bastante particular. Os “outros”

dentro desse universo não seguem um padrão uniforme, pois é a ocasião que determina

a maneira de se vestir. Em festivais de grande porte, a roupa costuma ser simples e

despojada, já que o tempo de permanência é maior do que o previsto para se passar num

club. O horário também é outro fator determinante da aparência, à noite se aposta num

visual com combinações mais arrojadas. Já para um festival com início às 16h, por

exemplo, essa orientação é deixada de lado. Embora não exista um padrão estético fixo

em relação aos admiradores da música eletrônica, percebe-se que o look obedece a

critérios e a padrões estéticos silenciosamente negociados, posteriormente absorvidos

por aqueles que integram esse universo.

181

Ilustração 81: Clubblers

Mas as preferências estéticas, culturais e socioeconômicas não são os únicos

fatores que ajudam a sedimentar um estilo de vida. Se tomarmos como base conceito de

habitus35, de Pierre Bourdieu, veremos que o tom de voz, a postura corporal, o sotaque,

a forma de andar, falar e gesticular, também, denunciam determinado estilo de vida.

Nesse particular, mais um elemento bem característico no contexto da música eletrônica

vem à tona, ou seja, a postura ereta, o olhar de desdém em relação a quem está ao lado

como uma forma de evidenciar extrema importância ou superioridade. Conhecida na

gíria da noite como carão, essa maneira de se apresentar é bastante recorrente em locais

35 Pierre Bourdieu, em Distinction: a social critique of judgement of taste, usa esse conceito para explicar o conjunto de expoentes que demarcam preferências e contribuem para a distinção entre os indivíduos. Para isso, debruçar-se sobre o estilo de vida e seus elementos constituidores — lazer, tipo de comida, bebida, hobbies, bens culturais — torna-se uma questão cardeal. Entretanto, o corpo também fornece pistas sobre esse aspecto, ou seja, o habitus também se materializa no corpo, ou simplesmente, é corporificado. (BOURDIEU, 1984)

182

onde a condição social e econômica determina a entrada das pessoas. Sendo assim, o

público que consome a música eletrônica não pode ser negligenciado. Espaços como

boates, galerias 36 e desfile de moda (cada vez mais adeptos de trilhas sonoras

eletrônicas) se apresentam como ambientes propícios para a profusão desse elemento.

Os clubbers surgiram com o intuito de explicitar o direito à diferença. Encaram a

vida com “liberdade” e muita música eletrônica. Este movimento de estilo, que teve

inicio paralelamente ao movimento punk, surgiu na Inglaterra, reunindo pessoas que

curtem musica eletrônica e roupas irreverentes. Os clubbers usavam roupas coloridas e

faziam combinações com as roupas e acessórios totalmente fora do padrão comum da

sociedade. Freqüentam festas, conhecidas hoje como Raves, que passaram a chamar a

atenção de muitas pessoas, inclusive os não adeptos ao movimento, por ter como

características maiores a grande duração, variando de 12 horas ou mais.

A musica eletrônica é o fator mais importante do movimento clubber. Ela, junto

com o estilo, representa o futurismo, por ser computadorizada e eletrônica. O estilo do

clubber é o grande gerador de polêmica no movimento, pois usam roupas de nylon ou

lycra, borracha, ou até pano normal, chamativo, “cheguei”, com cores berrantes, verde-

limão, laranja, amarelo, fluorescente, e muitas outras misturadas aos jeans. Pintam o

cabelo de inúmeras cores, põem piercing, usam inúmeros acessórios, pulseiras,

correntes, colares, óculos de acrílico, botas, etc. Mas não é a roupa, as cores nem os

acessórios que define o clubber. É sua ideologia, a curtição da musica eletrônica. Enfim,

ser clubber é usar o que lhe dá vontade, o que você mais gosta, pois eles acreditam que

ninguém é igual a ninguém, não há que se preocupar com a opinião alheia.

3.12 Góticos

Os góticos surgiram no Reino Unido, no final da década de 70, na cena do rock

gótico derivado do gênero pós-punk. Esta é uma subcultura contemporânea presente em

36 A Galeria Ouro Fino, em São Paulo, um dos principais redutos da ascendente moda paulistana, é freqüentada por clubbers e notívagos que vão a busca de roupas e acessórios necessários para compor o visual. Com o passar dos anos, tornou-se um dos importantes pontos de encontro devido à circulação de informação sobre a noite da cidade e à distribuição de flyers (panfletos). Seus freqüentadores, inevitavelmente, trouxeram para lá o mesmo ar blasé adotado nos clubs, de forma que não demoraria muito para “a Ouro Fino ser apelidada ‘a galeria do carão’” (PALOMINO, 1999, p. 246).

183

muitos países, com inclinações estéticas e culturais que indicam influências da literatura

gótica do século XIX, principalmente através de filmes de terror. Além disso, há uma

significativa parcela de góticos ligados à prática dos jogos de RPG com temáticas

ocultistas ou fantásticas, assim como a estilos medievalistas e românticos de vestuário.

No Brasil, início dos anos 1980, também eram chamados de darks.

Ilustração 82: Góticos

184

O estilo de vida dos góticos está associado ao cultivo de um modo melancólico e

sombrio de vestimenta, comportamento e análise do mundo. A estética sombria traduz-

se em vários estilos de vestuário, desde death rock, punk, andrógino, renascentista e

vitoriano, ou combinações dos anteriores, essencialmente baseados no negro e cores

escuras: as roupas pretas (para eles significam profundidade), jeans black, elementos

medievais, como renda e gola alta, ou materiais sintéticos, como o vinil e o pvc, são

misturados a acessórios obscuros ou religiosos, além da presença comum de correntes e

tatuagens; maquiagem pesada, caracterizada pele alvura da pele e a cor preta reforçada

nos olhos (tanto nos homens, quanto nas mulheres); piercing no lábio inferior; cabelos

negros, lisos, escorridos, com franja comprida jogada para um lado do rosto. O visual

mórbido é inspirado em épocas remotas e no culto ao sobrenatural. A filosofia gótica se

contrapõe ao modelo de jovem que a sociedade aprecia. Gostam de letras melancólicas.

Não pegam sol para serem cada vez mais alvos.

O movimento de estilo gótico teve como marco inicial o suicídio de Ian Curtis,

vocalista do Joy Division. A música gótica inclui diversos estilos; no entanto, é comum

a todos uma tendência sonora e uma atitude darks. As bandas Bauhaus e The Cure

foram as principais responsáveis pela divulgação do movimento, na década de 1980. A

poesia de Augusto dos Anjos e os contos de Edgar Allan Poe são exemplos da arte ideal

dos membros do grupo e a música de bandas como Teh Banshees, This Ascension, The

Jesus & Mary Chain e October Projet, embalam as festas, ultimamente, muito mais

próximas do gênero heavy metal do que do punk, que lhe deu origem.

Dizem que eles gostam de cemitérios e simpatizam com religiões esquecidas,

como o paganismo e o vampirismo, mas é a atmosfera misteriosa e introspectiva que

define o perfil gótico. A religião é individual, independe do gosto musical e estilístico,

favorecendo as crenças que contrariam as religiões tradicionais.

O estado depressivo e o cultivo à tristeza são, constantemente, atribuídos aos

góticos. Ao contrário, o que acontece entre eles é a tentativa de uma relação de

cumplicidade com a dor, as mágoas são vistas com naturalidade, caracterizando uma

resistência e não um convite à permanência do sofrimento. Externando suas marcas, a

ponto de dominá-las, eles se exorcizam.

185

3.13 Yuppies

A geração do baby-boom do pós-guerra, que nos anos 1960 pretendia chocar

pelo desmazelo, instala, na década de 80, o estilo yuppie, com roupas mais luxuosas e

certinhas. Os cabelos são curtos e as roupas sóbrias.

O termo yuppie é abreviação da expressão Young Urban Peoples (pessoas jovens

e urbanas), tribo formada pelos ambiciosos e dinâmicos executivos que se lançaram no

mundo dos negócios de Wall Street. Destacavam-se pelo seu modo excêntrico de vestir,

trocaram a severidade dos tradicionais ternos pela funcionalidade das calças jeans,

blazers, camisas e gravatas. A autenticidade do jeans 501 da LEVI’S atraiu o interesse

desse público, uma vez que desejavam ser visto com as roupas certas.

Ilustração 83: Yuppies

186

O polêmico livro de Bret Easton Ellis, Psicopata Americano (American Psycho,

1991), visto por muitos como uma das obras de ficção mais repudiadas de todos os

tempos, na adaptação para o cinema da diretora Mary Harron e da a co-roteirista

Guinevere Turner, transforma-se numa sátira do consumismo exagerado e da falência

moral em meio aos excessos desvairados da era Reagan. Lançado em 2000, nos Estados

Unidos, o filme ilustra muito bem o comportamento dos integrantes dessa tribo.

O protagonista do “yuppie desalmado”, Patrick Bateman, interpreta o papel de

um monstro de vazio materialista que adora Donald Trump, cheira pó, faz jogadas

ilegais na Bolsa e gasta dinheiro a rodo. Seu personagem, Christian Bale, é um jovem

com vida dupla: ao mesmo tempo que trabalha em Wall Street e segue uma vida comum,

é um serial killer que mata sem medir as conseqüências.

Os yuppies eram jovens engajados no sistema capitalista, caracterizados pela

preocupação em ganhar muito dinheiro e status social. Adoravam ostentar etiquetas de

grifes luxuosas, não dispensavam camisas de tecidos nobres e acessórios caros e

sofisticados, como canetas e relógios, usavam gravatas coloridas, jeans sofisticado e

tênis de marcas conceituadas.

3.14 Grunge

O grunge surgiu em Seattle, Olympia e Portland, cidades do noroeste dos

Estados Unidos, no cerne da música alternativa norte-americana, no final da década de

80, como reação da “Geração X” aos padrões do mercado jovem, refletindo muitos

elementos da cena punk hardcore, do hard rock e do trash crossover original — que de

fato foram as grandes inspirações para os precursores do estilo — dando vida às

guitarras selvagens, confusas, sujas e às letras angustiantes. Kim Gordon, dos Sonic

Youth, foi uma precursora do movimento, no entanto, as bandas Nirvana, Pearl Jam e

Soundgarden, são seus mais midiáticos ícones.

O termo “grunge” deriva de “gungry”, gíria para “sujeira”, “mal lavado”, “mal

cheiroso”, que caracterizava os acordes distorcidos e barulhentos da guitarra e o modo

de vestir característico dos integrantes das bandas. O movimento alcançou o grande

público em 1991, com o sucesso da música Smells Like Teen Spirit, do segundo álbum

187

do Nirvana — Nivermind. As canções desta banda registraram o imaginário e o

desencanto da geração da juventude do início dos anos 1990, elas expressavam uma

combinação de angústia, solidão, inocência e suavidade, com um toque de desesperança.

Suas músicas ruidosas, carregadas de distorções, letras elípticas e canto gritado levaram

o punk à mainstream do pop. As bandas Pearl Jam, Soungarden, Alice in Chains,

Mudhoney e Ted, também serviram de pilares para o gênero musical grunge.

O Nirvana difundiu o lema I don't mind (eu não me importo). Kurt Cobain,

vocalista da banda, defendia a negação completa do comércio e a rebeldia integral. O

grunge era um antimovimento, musical e de moda, ao mesmo tempo. Representava um

estilo de vida anticonsumismo dos anos 1980, uma revolta contra os yuppies. Seu

caráter desafiador afrontava as normas da cultura popular da época, que era vista por

muitos como “dominada pelas grandes corporações” e “superficial”.

O visual transgressor e slacker (largado), de Kurt Cobain, tornou-se referência

para os adeptos do movimento grunge e muitas das peças usadas por ele viraram moda.

Avesso ao hábito de lavar os cabelos, ele amarrava lenços à cabeça, fazendo disparar as

vendas de bandanas. Sobrepondo uma LEVI’S inteira sobre a outra rasgada, para

disfarçar sua silhueta magra, vestindo moletons esfarrapados, camisas de flanelas xadrez

sobre camisetas vestidas do avesso e tênis surrados, o músico construía o visual

“descuidado”, característico deste movimento de estilo, que é visto como uma mistura

dos movimentos punk e rocker, lançando a moda de sobreposições.

Ilustração 84: Kurt Cobain com seus jeans puídos e sobreposição de t-shirts

188

O estilista norte-americano, Marc Jacobs, aderiu à idéia da roupa confortável,

característica do grunge. Desenvolveu o hábito de desenhar suéteres e, quando chegou a

hora de apresentar sua tese na Parsons, resolveu desenhar três modelos oversized, para

serem usados assim mesmo, em tamanho muito maior do que o necessário. Uma

compradora de moda da marca Charivari gostou, e decidiu produzir uma edição limitada

dos mesmos. E aí começou tudo. Ninguém sabia, ainda, que com esses enormes suéteres,

Jacobs dava o passo inicial para a introdução do estilo grunge no universo da moda,

definindo um certo desleixo proposital com formas, proporções, cores, em misturas que

fizeram enorme sucesso no mundo todo, especialmente nos primeiros anos da década de

90.

Em novembro de 1992, ao levar seu estilo grunge para as passarelas da Perry

Ellisa, Marc Jacobs sofreu críticas impiedosas, então a marca decidiu suspender seu

contrato. Do ponto de vista financeiro, a coleção foi um fracasso, mas Jacobs tinha

mostrado à moda qual era o ingresso para o futuro. Na estação seguinte, vários estilistas

se inspiraram no estilo grunge para desenvolverem suas coleções, apresentando uma

tendência que a mídia convencionou chamar de desconstrutivismo. Dentre eles se

destacaram os europeus Karl Lagerfeld para Chanel, Anna Sui, Christian Lacroix,

Gianni Versace e Jean Paul Gaulthier. Então, a moda grunge e o downtown style com

aparência “maloca” saíram das ruas para caracterizar as criações destes estilistas.

Na Europa, porém, a idéia de que “o look desleixado é belo” já era conhecido de

estações anteriores. A estética era defendida pelos representantes da Escola de

Antuérpia, como Martin Margiela e Ann Demeulemeester e a representante da cultura

oriental, a estilista japonesa Rei Kawakubo, que haviam adquirido a cultura do “destroy

chic” que expressava um aspecto de “apodrecimento” nas roupas simples, de aparência

já usada; com ausência de acessórios e de cabelos arrumados, representavam a beleza da

imperfeição. Suas coleções traziam vestidos sem bainhas, com defeitos, em lã feltrada

ou patchwork de ganga; roupas rasgadas, cores sombrias; roupas detonadas e

confortáveis; jeans rasgados, aparência desleixada e todas as sobreposições possíveis.

Para a estilista Anna Sui, o espírito da época expressava um sentido de rebelião,

liberdade, força, rudeza e positividade. O grunge aboliu o glamour e os botões dourados,

os brincos enormes, os enchimentos dos ombros e os penteados chiques, colocando os

pés da moda no chão, homenageando as velhas peças preferidas, que estavam

esquecidas no armário. Defendeu a roupa confortável, para o uso cotidiano, imprimindo

189

um caráter mais realístico à moda.

A top model inglesa, considerada o rosto da “heroin chic”, Kate Moss e o ator

Johnny Depp, seu namorado na época, sob o olhar atento do fotógrafo François-Marrie

Banier, interpretaram a antimoda grunge, contribuindo para espalhar este estilo para

além do universo dos fãs do gênero musical.

A antimoda grunge saiu de Seattle e começou a vestir a garotada no mundo todo.

Em 1993, virou moda entre a juventude de São Paulo, que adotou o uso das camisas de

flanela xadrez, das calças jeans desbotadas e bastante puídas, dos bermudões largos

abaixo dos joelhos, das camisetas e tênis desgastados, das botas, dos gorros ou bonés e

dos cabelos compridos.

Ilustração 85: Kate Moss e Johnny Depp e a estética grunge

190

A popularidade do grunge nas massas teve vida curta. Começou com Kurt

Cobain e tudo indica que seu declínio tenha começado também com ele. Em 1994, antes

de se suicidar, Cobain tinha o hábito de usar uma camiseta com a seguinte mensagem

“Grunge is dead” (“O grunge está morto”). Em seu velório, realizado no Seattle Center,

reuniram-se em torno de 7.000 pessoas, com velas e flores, mas também com suas

camisas de flanela, para serem queimadas. Na moda o desaparecimento do designer-

grunge foi motivado por questões econômicas, pois a falta de acessórios representava

um risco para as grifes.

Ilustração 86: Ídolos e adeptos do movimento grunge

191

É consenso entre fãs e historiadores da música que o gênero era contrário a

tornar-se mais comercial, de modo que pudesse obter uma popularidade mais duradoura.

Outro fator que pode ter sido responsável pelo declínio da fama do grunge, foi o

aparecimento do pós-grunge. Este subgênero do grunge se caracterizava pela ausência

ou amenização do som “sujo” ao qual a maioria dos fãs do “verdadeiro” grunge estava

acostumada. O pós-grunge é tido como uma imposição de executivos de gravadoras que

queriam vender uma variação do grunge que teria sucesso comercial com um público

menos específico, como resultado de uma aproximação da música pop.

3.15 Patricinhas e Mauricinhos

No início da década de 90, no Brasil, ainda reinavam os “mauricinhos”, com

jeito arrumadinho, certinho e bonzinho que, em outras épocas, foram chamados de

dândis, playboys e “almofadinhas”. Acredita-se que os termos “mauricinho” e

“patricinha” surgiram nos morros da periferia carioca e foram criados para indicar os

jovens ricos das zonas mais elegantes da cidade.

Até os dias de hoje, estes jovens além de vestirem roupas da última moda,

gostarem de fazer compras ou ter uma posição social privilegiada, têm também um jeito

característico de pensar sobre o mundo e de agir em sociedade. Os integrantes dessa

tribo não têm vergonha de assumir que gostam mesmo de aproveitar a vida com tudo o

que o dinheiro pode comprar: roupas, produtos e tratamentos de beleza, carros, viagens,

festas. São indivíduos da sociedade capitalista urbana, gostam de estar nas grandes

cidades, onde há circulação de dinheiro e tecnologia.

Freqüentam festas badaladas, pois gostam de conhecer pessoas do mesmo meio

e, narcisistas, também adoram ser reconhecidos. Preocupação social, melancolia e

sofrimento, são palavras que procuram deixar de lado de seus dicionários. Geralmente,

eles possuem valores burgueses tradicionais tais como família, educação, casamento,

trabalho como meio de ascensão social e propriedade privada. Gostam de mostrar

posição, viagens, propriedades e influência.

A série norte-americana Beverly Hills 90210, transmitida pela FOX, de 1990 a

2000, no Brasil, veiculada pela Rede Globo de Televisão, sob o título de Barrados no

192

Baile, influenciava os modos de vestir e os hábitos de consumo dos adolescentes

brasileiros. A série abordava as vidas de um grupo de adolescentes que viviam na

comunidade elitista e rica de Beverly Hills, Califórnia, onde freqüentavam o liceu

fictício, West Beverly High School. O número “90210” no título refere-se ao Código

Postal da zona de Beverly Hills.

Ilustração 87: Patricinhas e mauricinhos

A história de Barrados no Baile começa quando a família Walsh se muda da

pacata cidade Minessota para a famosa e rica Beverly Hills. Os personagens centrais do

seriado, os irmãos gêmeos Brandon (Jason Priestley) e Brenda (Shannen Doerthy),

faziam parte desta família. Eles compartilhavam experiências, dificuldades e realizações

193

dos tempos do colégio até a graduação na universidade, com seus melhores amigos:

Kelly, Steve, Dylan, Andrea, David, Donna. Com o passar do tempo, novos persona-

gens foram incorporados e outros diziam adeus: Valerie, Clare, Jesse, Ray, Carly e

Noah.

O seriado reunia oito jovens norte-americanos de classe média alta, cada com

seu carro e telefone. Mesmo apresentando os problemas e conflitos que até hoje

acontecem no meio adolescente, os personagens vivenciavam status superior ao público

de telespectadores brasileiros da época. Em meio aos conflitos de adolescentes, na série

tudo virava festa, pois a amizade do grupo permanecia unida e intacta — essa união só

era quebrada quando se tratava de namorados.

Tanto o “mauricinho” quanto a “patricinha” adoram roupas de grife, perfumes

caros e luxuosos, cabelo alinhado e falar ao celular. As meninas preferem rosa e azul

claro, sandália ou sapato bem alto, peças com cortes simples e tecidos de tela,

acessórios de strass, frente-única, microshort, mochilas enfeitadas e óculos grandes. O

jeans das patricinhas é sempre justo e freqüentemente adornado com strass, detalhes em

couro e lavagens sofisticadas, de grife conceituada no mercado de luxo, claro. E

finalmente, os meninos preferem azul-marinho, amarelo e vermelho vivo em tecido liso

ou xadrez, camisas de gola pólo ou camisa pólo ou social totalmente abotoada, blusa de

malha nas costas, calça jeans de grife (a semi-baggy reinou entre eles, na década de 90),

sapatos de bico quadrado, relógios chamativos e gel nos cabelos.

3. 16 B-boys e b-girl

Os termos b-boys e b-girls referem-se, respectivamente, aos garotos e garotas

adeptos da cultura hip hop, mais especificamente, aos praticantes do break-dance.

Dizem que o termo b-boy foi inventado pelo DJ jamaicano Kool Erc, em 1969, Nova

Iorque, numa festa animada por ele.

Diferentemente das demais tribos analisadas, cuja aparência é tida como uma

forma essencial de expressão adotada pelos seus integrantes, os b-boys encontraram na

dança, na música e no graffiti os mais adequados meios para comunicarem suas idéias,

crenças e protestos. No entanto, embora a aparência não seja seu principal artifício de

194

manifestação, eles também apresentam algumas peculiaridades nos modos de se vestir.

Os b-boys seguem o estilo dos street dancers, mesclado por calças oversized 37,

em jeans ou sarja, como estrutura básica de produção, seguidos por bonés ou boinas,

jaquetas, jeans ou de náilon, e amplas camisetas estampadas com imagens dos ídolos do

rap. Nos pés, tênis de famosas marcas esportivas, tais como ADIDAS e NIKE, podendo

ser do modelo tradicional ou de solado baixo. Recorrem também a roupas e adornos

vendidos em lojas de street e surfwear38.

A forma como eles se apresentam não deixa de se constituir como uma maneira

de definir conexões e de estabelecer comunicação e aproximação com os demais

membros do movimento. Entretanto, rappers e b-boys evidenciam mais preocupação

com a percepção de idéias e atitudes, presentes, por exemplo, nas letras das músicas, do

que com o consumo de um padrão estético regido por um modismo; isso explica porque

a composição visual dos b-boys modificou muito pouco ao longo dos anos.

No final dos anos 60, quando surgiram as primeiras manifestações da cultura

hip-hop nos guetos nova-iorquinos, mais especificamente nos bairros do Bronx, Harlem

e Broklyn, povoados pelos negros e latinos, dançarinos de break, toasters (os primeiros

MCs) e graffiteiros não tinham idéia de que toda aquela abundância de sons, ritmos e

representações artísticas fosse um dia integrar e refletir simbolicamente uma

determinada concepção musical. O aspecto fragmentário caracterizou o hip-hop no

início de sua formação, pois quando rappers improvisavam suas rimas isoladamente e

b-boys executavam os passos daquela dança bizarra, cujo nome apropriado poucos

conheciam, tampouco imaginavam que ela se tornaria parte de uma associação maior.

Passaram-se alguns anos para que estes estratos abandonassem suas idiossincrasias para

desenvolver o mosaico de representações culturais que recentemente conhecemos pelos

quatro elementos: DJ, MC, break e graffiti.

O DJ (disc jockey) e o MC (mestre de cerimônia) estão inteiramente ligados ao

rap — a música do hip-hop. O DJ é o controlador de discos e se utiliza constantemente

37 Estilo de calça bastante folgada e, em alguns casos, possui uma quantidade de bolsos acima da média. É bastante usada por rappers, b-boys e skatistas, sob a influência do hip-hop, virou moda nos anos 80. 38 Surfwear é um tipo de vestimenta e/ou acessórios direcionados para surfistas. Já o streetwear, se tomarmos a tradução ao pé da letra, poderíamos dizer que se trata de uma “roupa de rua”, ou seja, preza pelo despojamento, pelo conforto e pelo tom urbano e descontraído das roupas.

195

do scratch (incremento ou break da música). Num show, ele é responsável pela seleção

da base rítmica e pelas colagens que dão subsídio para as letras cantadas pelos rappers.

Já o MC é o rapper, a pessoa mais notável dentro do movimento, ele apresenta os DJs e

recepciona os convidados num determinado evento. Porém, é preciso ressaltar que, hoje

em dia, muitos rappers exercem exclusivamente a função de vocalistas dos grupos onde

atuam e que eles, também, têm por hábito criar suas próprias letras, raríssimas vezes

apresentam letras de outros artistas. O filme Wild Style, do diretor Charlie Ahearn,

mostra, nos anos 80, o DJ Grand Master Flash, uma das figuras importantes deste

movimento.

O termo break-dance foi adotado pela mídia para designar diversos estilos de

dança e expressões corporais da rua, tais como o b-boying, popping, locking etc. O

break é, também, a dança que reúne movimentos de kung-fu, capoeira e a ginga porto-

riquenha, através da qual expressavam sua insatisfação com a política e com a guerra do

Vietnã, apresentando performances que imitavam os helicópteros da guerra, ou mesmo

os soldados que voltavam mutilados para casa.

Esta prática se alastrou junto com as gangues nova-iorquinas que, por volta da

década de 70, respondiam à opressão social com violência e selvageria. Além da

depredação dos prédios de bairro, era comum o confronto armado nas batalhas travadas

pelo domínio territorial. Por tradição, os grupos étnicos não se misturavam, existiam as

gangues de hispânicos e as de negros. Cada uma tinha seu código de grupo, o chamado

tag (assinatura dos grafiteiros), que demarcavam o território. Contudo, nos momentos

de descontração, dançavam break. Entre as mais famosas gangues deste universo,

podemos citar Rock Steady Crew, Eletric Bogggie, Zulu Nation e Dinamic Breaks. No

Brasil, as gangues que fizeram história foram Crazy Crew, Street Warriors, Nação Zulu,

Fantastic Face, Jabaquara Breackers e Breakers Spin Kings.

O rap (revolução através das palavras) surgiu nos anos 70, para mostrar uma

realidade ignorada pela sociedade, para cantar a luta contra a segregação racial, para dar

voz à cultura negra. Quando começou a se tornar mais visível, em meados dos anos 80,

paralelamente, o break também ganhava evidência através de filmes como Beat Street,

Style Wars, Flash Kid B-boys e Flashdance e nas performances de Michael Jackson, em

seguida da pop star Madonna. Nesse momento, aconteceu um fluxo dual: a cultura de

rua foi apropriada pelos meios de comunicação de massa, que a divulgou, e essa mesma

representação voltou às ruas de forma mais contagiante. Essa nuance permitiu a

196

propagação do break, fazendo com que muitos integrantes do movimento hip-hop, que

hoje desempenham ações como DJs, rappers ou graffiteiros, tenham conhecido a

cultura hip-hop por meio do break39.

Já o graffiti40 tem a cidade como suporte para a concretização — viadutos,

muros e até o metrô, como acontece em Nova York. Através do colorido intenso,

graffiteiros retratam suas impressões a respeito das questões sociais que os inquietam e,

nesse momento, em que a unidade visual do hip-hop se materializa, acontece um

curioso movimento contrário, isto é, o graffiti, oriundo da periferia, passa a alastrar-se

pelas áreas nobres da cidade, tornando visível essa representação da margem,

produzindo uma nova “cara” à cidade ao redimensionar o panorama urbano até então

“organizado” e “limpo”. No Brasil, no início de 2007, foi lançado o terceiro filme da

Tata Amaral. Antonias em Busca de um Sonho, que também virou minissérie na Rede

Globo, enfocando a história de quatro garotas da periferia de São Paulo, Preta (Nega Li),

Barbarah (Leilah Moreno), Mayah (Quelynah) e Lena (Cindy), moradoras da Vila

Brasilândia, que sonham viver do rap. Conforme a crítica, o realismo impresso na saga

das cantoras e a sensibilidade da diretora para os temas urgentes do subúrbio são os

fortes de Antonias. Em 2002, sob a direção de Ivan Vale Ferreira, foi filmado o

documentário Sabotage, sobre a vida do rapper com o mesmo nome e o cotidiano do

hio-hop nacional. O filme Sabotage foi exibido pela primeira vez no Festival Hutus, um

dos maiores eventos de cultura negra do Brasil. Já o rapper Mauro Mateus dos Santos, o

Sabotage, foi assassinado, em janeiro de 2003, em uma briga territorial pela disputa de

pontos de distribuição de drogas, antes mesmo da estréia do filme.

Muitos dizem que o hip-hop é a “CNN da periferia”, ou seja, ele representa a

excepcional maneira que a periferia e os guetos encontraram para ganhar visibilidade e

39 O site Rap Nacional (www.rapnacional.com.br) trás a história completa da dança e da cultura do hip-hop. O mundo da rua (www.mundodarua.com.br) é considerado o maior portal de hip-hop da América Latina. A rede internacional de hip-hop pode ser acessada através do site Movimentos Enraizados (www.enraizados.com.br). Há também o portal Real Hip Hop (www.realhiphop.com.br) com informações atualizadas sobre este universo. 40 O termo graffiti é originário da velha Roma. Os antigos romanos tinham o costume de escrever, com carvão nas paredes de suas construções, suas manifestações de protesto, palavras proféticas, ordens comuns e outras formas de divulgação de leis e acontecimentos públicos, como se fossem mensagens em cartazes. No final da década de 60, jovens do bairro do Bronx restabeleceram esta forma de expressão, mas, desta vez, tintas spray tomam o lugar do carvão, criando um novo diálogo, mais colorido e rico, tanto visualmente, quanto no conteúdo das mensagens. Desde o início, os artistas eram chamados de writers (escritores), costumavam escrever seus próprios nomes, chamar atenção para problemas do governo ou de questões sociais da realidade em que viviam. Tais desenhos eram feitos, na maioria das vezes, em trens, a fim de transmitir aquela mensagem para o maior número de pessoas. Os muros das cidades também davam suporte à arte dos graffiteiros.

197

atenção para declaração de suas dificuldades, suas necessidades e de todas as classes

excluídas.

Ilustração 88: B-boys, B-girls, break-dance e a cultura hip-hop

A versão branca dos b-boys e das b-girls deu origem ao movimento de estilo dos

chavs, a onda jovem que surgiu no início deste século, na Inglaterra. Os chavs são

jovens brancos “adeptos” da cultura hip-hop, se vestem como rappers e, geralmente,

pertencem à classe média baixa inglesa, têm baixa instrução. No entanto, não estão

limitados ao Reino Unido, graças à velocidade de informação; hoje, os chavs podem ser

identificados em muitos países, inclusive no Brasil. Pode-se dizer que os chavs são

frutos de uma cultura imagética globalizada, na qual as marcas se tornaram grifes,

símbolos de status, conseqüentemente, objetos de desejo.

198

Por falar em grifes, a ordem entre eles é ostentar muitas logomarcas conhecidas,

mesmo que as peças sejam falsificações. E, quanto mais visíveis, melhor. Entre os

locais preferidos dos chavs estão os shoppings.

Esses “manos brancos” ou “bro” (redução de brother) são produto da expansão

do rap para camadas sociais bastante diversas, a cultura do hip-hop, que surgiu nos

subúrbios, entre os negros, conquistou garotos e garotas brancos, de diferentes classes

sociais. Em parte, pela atração destes pelo rap, mas, sobretudo, pelo sucesso de rappers

brancos na mídia, tais como Eminem, Eamon e Mike Skinner, mais conhecido como

The Streets.

Ilustração 89: Rapper inglês Mike Skinner, ícone pop dos chavs

Os chavs têm idade escolar, entre 13 e 18 anos, e, como seus ídolos, têm jeito de

invocados. Na Inglaterra, falam um inglês cheio de gírias e abreviações, muitas vezes

incompreensível como as letras de alguns rappers.

Os integrantes da nova tribo têm o visual parecido com o de celebridades do

mundo do hip-hop. O visual é composto por jaquetas largas, calça de náilon, além de

uma certa ostentação de “riqueza” com o uso de muitas correntes, pulseiras e anéis que

imitam ouro. Além disso, os chavs usam tênis de marcas conhecidas, como Adidas,

BURBERRY, McDONALD’S, LOUIS VUITTON, branquíssimos (a la David

Beckham), telefones celulares novos e chamativos. O xadrez BURBERRY, símbolo do

visual chav, aparece em bonés e camisas.

199

Já as “minas” abusam de saltos altos e das saias curtíssimas, vestem jeans com

palavras escritas no bumbum, como bitch (gíria que, como no funk brasileiro, significa

“cachorra”), seus brincos preferidos são grandes argolas douradas (também imitando

ouro), costumam descolorir os cabelos deixando as raízes à mostra. Às vezes, o

penteado adotado é um rabo-de-cavalo, alto, puxado para trás, esticado, à custa de muito

gel.

A partir de 2004, a palavra chav foi incorporada ao dicionário Oxford, como

“pessoa jovem, de baixo nível educacional, que segue uma moda particular”. A inglesa

Susie Dent, que pesquisa as expressões que definiram o comportamento jovem, ano a

ano, desde o início do século XX, cita os chavs em seu livro Larpers and Shroomers:

The Language Report. The Little Book of Chavs e The Little Book of Chav Speak são

dois manuais sobre a tribo.

Ilustração 90: Garotos e garotas adeptos do movimento Chav

200

A origem dessa gíria, contudo, é controversa. Uma hipótese defende que chav41

tem como raiz a palavra chavo, que significa criança entre os ciganos. Outra, mais

popular, conta que o termo surgiu na cidade de Chatham, Inglaterra, como um apelido

para as meninas cujo modo de se vestir era de gosto duvidoso para os padrões fashion.

Chav teria aparecido, deste modo, com um significado pejorativo análogo ao de

“baranga”, em português.

Os gêneros musicais que os chavs ouvem são rap (eles), rhythm’n’blues (elas) e

dance (os dois). Nas telas, fazem a cabeça dos rapazes filmes como Velozes e Furiosos,

além dos de Van Diesel, Van Damme e Jet Li. Já as meninas preferem produções como

Titanic, Uma linda mulher e Ritmo quente.

Entre as celebridades admiradas por esta tribo estão: Christina Aguilera;

Destiny's Child; Britney Spears; os rappers 50 Cent, Sean Paul, Snoop Dog, Eminem e

Mike Skinner; J. Lo; a ex-Sporty Spice, Melanie Chisolm; e, claro, o ícone-mor dos

chavs, David Beckham.

A subcultura dos chavs deu origem a um delinqüente juvenil, personagem do

seriado inglês Little Britain, à banda The Chavs e ao filme Chav: The Movie.

3.7 Objeto plural, jeans

Como pudemos observar, todas as tribos analisadas carregam consigo estilos

bem diversos na forma de se vestirem, no entanto todas elas aderiram ao jeans para

compor seu visual, de maneira bastante peculiar a cada uma delas. Além disso, todas

elas estão muito próximas quando se afirma que a aparência serve para atestar que esses

indivíduos fazem parte de um grupo de iniciados, pessoas que atendem a determinados

estilos de vida. Ao mesmo tempo em que se valoriza a personalidade, ressaltam-se a

sensação e a impressão de pertencer a um núcleo. O objetivo é uma coletividade que,

consciente ou inconscientemente, aparece como impulso reprodutor desses universos.

41 Para saber mais sobre os chavs, acesse o site chavscum.co.uk, pois este reúne muitas informações sobre essa subcultura. Em breve será lançado um filme com rapper The Streets no papel principal. Além dele, a cantora inglesa Jentina, o rapper Dizzee Rascal e o ator Ralf Little também farão parte do elenco do filme Chav: The Movie.

201

A música e a mídia têm exercido um papel fundamental na construção e

solidificação das identidades pós-modernas, influenciando diretamente os movimentos

de estilo. Assim como o rock in roll foi simbólico para o estilo de vida dos rockers, o

rock psicodélico foi para o movimento hippie, o heavy metal para os headbangers, o

punk rock para os punks, o som dos roqueiros de Seattle para os grunges, a música

eletrônica para os clubbers. Muitas outras tribos urbanas, também foram, e ainda são,

formadas pela identificação do grupo através das preferências por determinados gêneros

musicais. Já os meios de comunicação de massa, responsáveis pela divulgação dos

gêneros musicais e movimentos de estilo, desempenham a função essencial na

manutenção da coesão e, principalmente, da coerência do grupo social em questão, uma

vez que é por meio da mídia que o life style (estilo de vida) de uma determinada tribo

urbana passa a ser cada vez mais perpetuado, desse modo delimitando sua identidade.

A calça jeans é um meio de propaganda por excelência, já que ela se configura

como uma peça importante na caracterização e divulgação de diversos grupos sociais.

Graças ao seu potencial de criar uma identificação única para aqueles que vestem

determinada influência, ela consegue potencializar os padrões que diferenciarão uma

tribo da outra, como podemos constatar, os jeans dos rockers têm lavagem escura e as

barras viradas para cima; os jeans dos skinheads possuem corte tradicional e botões para

uso dos suspensórios; os jeans dos hippies se caracterizam pelos trabalhos artesanais

como inserção de patches (remendos) e bordados, além das mensagens e símbolos para

os quais ele servia de tela; os jeans dos punks têm uma estética mais agressiva, com

vários rasgos, puídos, rebites e alfinetes; o jeans dos yuppies tem estética limpa e

etiqueta de grife estampada; os jeans dos b-boys são mais volumosos e mais soltos,

permitem maior liberdade de movimentos do corpo.

A forma de se vestir é, sem dúvida, um importante elemento para a identificação

dos grupos em questão; no entanto, ela não opera sozinha no sentido de determinar

preferências. O aspecto estético também deve ser considerado, pois se manifesta como

um dos principais matizes característico de um estilo de vida.

Umberto Eco, em “O Hábito Fala pelo Monge”, capítulo do livro Psicologia do

vestir, apresenta os vários aspectos da comunicação e como a semiótica os interpreta.

Segundo o autor, cinqüenta por cento das roupas que vestimos são usadas para cobrir o

corpo, o restante é utilizado como instrumento de comunicação não-verbal. A

comunicação não-verbal só é interpretada e entendida de forma satisfatória segundo os

202

códigos do grupo em que o indivíduo que a emprega está inserido. Dependendo do lugar

e da etnia, até mesmo a distância mantida entre duas pessoas pode ser interpretada de

forma agressiva ou calorosa.

O semiólogo compreende os objetos funcionais igualmente como sinais. Esta

visão, muitas vezes se sobrepõe à finalidade prática para a qual o objeto foi criado,

passando a ser visto como símbolo. Isto é o que ocorre com a moda. Como exemplo, é

abordada a transformação da utilização da pele de animais. Em eras primitivas, a pele

era utilizada como fator de proteção do corpo e atualmente mais que proteger ela

representa o status social de quem a utiliza. Do mesmo modo, a calça jeans que,

inicialmente, tinha a função de proteger o corpo dos mineiros e trabalhadores que

pegavam no serviço pesado, atualmente é utilizada para ostentar status de juventude e,

no caso das grifes de mercado de luxo, de posse e poder socioeconômico.

Assim como a linguagem, o vestuário, salvo os uniformes, não segue padrões

muito rígidos. As pessoas civis podem promover variações na utilização de roupas da

moda. As convenções sociais não perdoam atitudes tidas como exageradas ou que firam

os padrões adotados por certos grupos, chegando a punir quem as transgrida com o

desprezo ou a demissão de um empregado.

Além de transmitir idéias, o vestuário pode ser utilizado para chamar atenção ou

influenciar outras pessoas. Dependendo da época e do contexto em que o indivíduo está

inserido, a utilização de certo vestuário pode possuir um significado diferente. O que em

um dado momento é considerado subversivo, em outro pode ser visto apenas como um

aspecto de moda.

O vestuário também pode representar uma proteção simbólica, como na canção

Jorge da Capadócia, de Jorge Benjor, que se refere a São Jorge, figura arquetípica da

religiosidade afro-brasileira.

Jorge sentou praça na Cavalaria. Eu estou feliz porque eu também sou da sua companhia. Eu estou vestido com as roupas e as armas de Jorge. Para que meus inimigos tenham pés e não me alcancem. Para que meus inimigos tenham mãos e não me toquem. Para que meus inimigos tenham olhos e não me vejam. E nem mesmo pensamentos eles possam ter para me fazerem mal. Armas de fogo, meu corpo não alcançarão. Facas e espadas se quebrem, sem o meu corpo tocar. Cordas e correntes arrebentem, sem o meu corpo amarrar. Pois eu estou vestido com as roupas e as armas de Jorge. Jorge é da Capadócia. Salve Jorge! Salve Jorge! (BENJOR, 2002).

Conforme a letra da canção, em razão de estar vestido com as roupas e as armas

de Jorge, ele ganha a proteção contra seus inimigos e contra todos os males. Além disso,

203

o sujeito que se veste com as roupas e as armas de Jorge é identificado como integrante

da comunidade da Capadócia.

Ao retomarmos a afirmação, da socióloga Maria Tereza Canezin Guimarães,

utilizadas na epígrafe do capítulo anterior — “a gente veste jeans quando quer parecer

jovem, a gente veste jeans quando quer comprar uma briga” — constatamos que o

sentido é o mesmo. No entanto, além da imagem de proteção simbólica transmitida pelo

uso da calça jeans e a de identificação desta com o jovem, há também implícita na

palavra “parecer” a idéia de manipulação dos códigos do vestir, o que significa que nem

sempre as roupas dizem a verdade sobre seus usuários.

Talvez a razão do sucesso do denim e da consagração do jeans como uma peça

universal esteja implícita nas sábias palavras da socióloga, acima mencionadas,

proferidas numa conversa informal, há alguns anos, quando lhe foi revelado que este

seria o meu objeto de estudo, já que todos os dias nós compramos uma ‘briga’ pelo

nosso espaço ou travamos batalhas pela conquista de nossos sonhos e ideais, além disso,

há tempos, impulsionada pela indústria cultural, cresce na sociedade a vontade de ser e

de parecer jovem e, conforme a declaração da socióloga, para este caso, o jeans é a

solução. Ele também funciona como uma espécie de código de acesso que, associado a

outros códigos não-verbais, tais como determinadas peças de roupas e acessórios e

adereços específicos, permite o ingresso em qualquer tribo.

Resumindo, pode-se dizer que o jeans funciona como um código de vestuário e,

apesar das rápidas mudanças pelas quais ele passou, ao longo de sua história, consagra-

se como um objeto de estudo rico em informações, importantes para o estudo e

compreensão da sociedade contemporânea e da cultura jovem.

De acordo com as obras A linguagem das roupas (Alisson Lurie, 1997) e

Psicologia do vestir (Umberto Eco, 1989), o indivíduo pode fazer uso do vestuário

como de um idioma paralelo. Mesmo passando por mudanças variadas e rápidas, muitas

vezes a roupa demonstra idéias com maior consistência e força que um discurso verbal.

No histórico da comunicação da marca

LEVI’S, o produto é sempre o herói. A LEVI’S

é uma cartilha para o mundo publicitário

repleta de irreverência, humor, polêmica e

musicalidade.

Fábio Siqueira — publicitário

Na DIESEL jeans não vendemos um produto,

vendemos um estilo de vida. Penso que

criamos um movimento, ... o conceito DIESEL

é tudo.

Renzo Rosso — proprietário da DIESEL

205

CAPÍTULO IV

ANÁLISE DA PUBLICIDADE DAS MARCAS LEVI’S E DIESEL

Tomando como base a hipótese de que toda mensagem publicitária é, na sua

essência, intencional e persuasiva, faz-se necessário expressar essa intenção clara e

objetivamente, para que se possa construir a imagem de uma campanha. Quando uma

marca resolve propagar uma mensagem, manifesta-se impregnada de desígnios que

facilitem e favoreçam as transações comerciais. Desse modo, o maior problema do

anunciante é obter, através das estratégias de comunicação mercadológica, o efeito

pretendido junto ao público-alvo, atraindo a sua atenção, despertando seu interesse,

conquistando seu desejo, persuadindo-o a efetuar a ação de compra do produto.

Numa campanha publicitária, o mais importante não é só comunicar a

mensagem, mas, sobretudo, despertar o interesse do consumidor. Neste caso, o texto

não-verbal construído por meio da “ilustração” torna-se o elemento central para chamar

a atenção do público-alvo, ficando para o segundo plano a mensagem verbal.

A fim de compreender melhor a estratégia de persuasão utilizada pelas marcas

globais de jeanswear LEVI’S e DIESEL, são feitas análises semiológicas, de caráter

persuasivo e semântico, sobre quatro anúncios impressos de cada uma das marcas,

veiculados no período de fevereiro a junho de 2006, em editoriais de revistas de moda

nacionais, europeus e norte-americanos.

Por semiologia entende-se o estudo dos sistemas de signos (ou de símbolos) que

permitem a comunicação entre os seres humanos. A semiologia é uma ciência que

compreende a mensagem como conjunto de signos e o processo de comunicação como

processo de significação, portanto, um processo portador de sentido.

206

Um signo é um sistema de dupla face, formado por um significante que encobre

um significado a ser descoberto. Com relação ao processo de significação, dois níveis

estruturais são de grande importância para a semiologia: a denotação e a conotação.

O discurso publicitário, em razão de ser uma mensagem, tem uma fonte

emissora (empresa da marca/produto/serviço anunciado), um receptor (público-alvo) e

um canal de transmissão (veículo de mídia utilizado).

De acordo com o especialista em semiologia, o francês Roland Barthes, “toda e

qualquer mensagem publicitária é a união de um plano de expressão ou significante e

um plano de conteúdo ou significado” (BARTHES, 1987, p. 165). Conforme o autor, o texto

publicitário possui de fato duas mensagens. A primeira é a mensagem denotada, que

consiste no seu sentido literal, não demonstrando propriamente as intenções comerciais

do texto publicitário, “essa mensagem comporta um plano de expressão (é a substância

fônica ou gráfica das palavras, são as relações sintáticas da frase percebida) e um plano

de conteúdo (o sentido literal dessas mesmas palavras e relações)” (idem, p. 166). A

cada significante há um significado correspondente ou significados corretos. A segunda

mensagem, conotada, tem caráter único, singular; “é a excelência do produto

anunciado” (idem, ibidem). O significante desta mensagem é formado pelo significado

da primeira, produzindo outra significação distinta. Deste modo, a segunda mensagem

conota a primeira; ou melhor, a primeira mensagem serve para convencionar a segunda.

As mensagens publicitárias possuem linguagem aberta e figurada repleta de

elementos retóricos (figuras de linguagem, estilo), que garantem várias e distintas

interpretações. Contudo, essas interpretações devem respeitar certo limite, pois um texto

pode dizer muitas coisas, porém não qualquer coisa.

A multiplicidade de elementos retóricos (metáforas, jogos de palavras,

aliterações, polissemias, metonímias), aliados aos grandes temas oníricos da

humanidade, garante ao anúncio que o convite banal (comprem) seja substituído pelo

espetáculo de um mundo onde é natural comprar (BARTHES, 1987, p. 168).

A primeira mensagem percebida é a denotada e a mensagem que precisa ser

descoberta é a conotada, que está “velada” pela mensagem anterior.

Baseando-se no sistema de valores de seu público-alvo, ao abordar certos temas

preexistentes, a publicidade tem como objetivo seduzir e posicionar-se diante dele. A

publicidade trabalha, exatamente, com informações existentes, recombinando-as e

207

remodelando-as, e a cerca de alguns dos instintos mais intensos dos seres humanos tais

como a inveja, o medo, a vontade de vencer, o desejo de aceitação social, os

preconceitos, a necessidade de auto-realização, o desejo de reconhecimento, a

compulsão de experimentar o novo, a curiosidade, a angústia de querer sempre saber

mais, a idéia de segurança e os valores da tradição.

Tudo isso faz parte do discurso publicitário. No entanto, a criatividade está mais

relacionada com a forma de expressão, ou seja, com a maneira como esses temas são

apresentados através dos recursos tecnológicos, que hoje são recursos retóricos.

Através das estratégias de persuasão e de sedução por meio do jogo de poder e

desejo, a publicidade mistura apelos racionais e emocionais, informação e argumentação

com os anseios mais íntimos de seu público-alvo, combinando elementos aparentemente

paradoxais e antagônicos, a fim de atingir o propósito de gerar nos consumidores

comportamentos que beneficiam o anunciante que dela faz uso.

Para análise dos sentidos do texto publicitário, será feita a caracterização geral

da peça publicitária, a descrição das linguagens empregadas, a identificação dos

sentidos denotados e análise desses no texto publicitário, a caracterização do produto,

do público-alvo (o provável consumidor) e da empresa anunciante, além da

interpretação dos sentidos do anúncio em questão.

4.1 Análise do discurso persuasivo da publicidade da LEVI’S

Uma das agências de propaganda que mais contribuiu para a construção da

comunicação publicitária da marca LEVI’S foi a inglesa BBH. Há peças publicitárias

memoráveis desenvolvidas pela BBH para LEVI’S em todo o mundo, tais como o

seguinte VT:

O rapaz foi convocado para a guerra do Vietnã. Ele se despede da linda namoradinha na entrada de um ônibus da Greyhound e entrega a ela um pacote, uma recordação para que se lembre dele em sua ausência. O ônibus deixa a estação da cidadezinha do interior e ela vai para seu quarto, abrir o pacote. É uma Levi’s, a Levi’s dele. Ela deita na cama, tira a sua lentamente, enquanto o sol do final de tarde ilumina seu corpo, e coloca a dele, num momento íntimo de prazer: é como se a calça fosse ele. A música ajuda, é claro, e não há como não imaginar toda a sensualidade de um ato de amor, em que se misturam juventude, nacionalismo, paixão, sexo e saudade, tudo num único símbolo, uma calça desbotada (FUNKE, 2003, p. 89).

208

Assim como Abraham Lincoln, John Wayne e a parte do hino em que o país se

auto-define como uma “terra de bravos”, a LEVI’S também é uma lenda norte-

americana. Para além da marca, é o símbolo de uma cultura. Uma matéria do editorial

do Los Angeles Times, na década de 1990, afirmou que: “a LEVI’S é o mais poderoso

símbolo do estilo americano no Planeta”.

O consumidor, assim como a jovem do comercial, ao vestir uma LEVI’S,

“incorpora um conjunto de valores e aspirações, projeta nela sonhos e realiza projeções

íntimas, que vão da sensualidade ao desejo de liberdade” (FUNKE, 2003, p. 90).

A LEVI’S soube interpretar e incorporar melhor esse imenso repertório de

sonhos e aspirações das gerações de jovens ao longo do tempo, desde o início de sua

história. Portanto, a LEVI’S não é somente uma marca, mas um fenômeno social.

Na realidade, culturalmente, sensualidade e desejo de liberdade são sinônimos.

Não é por outro motivo que a LEVI’S se tornou um fenômeno social representando essa

ponte para os jovens — questionando os valores dos anos 70, 80 e 90. Acredito que

desde as décadas de 50 e 60 esse fenômeno já se tornava visível — talvez significasse

mais liberdade ainda para a mulher, pois era chegada a oportunidade de ter o que o

homem tinha: o despojamento das velhas calças desbotadas.

Em meados da década de 80, a LEVI’S enfrentou problemas. Fechou inúmeras

fábricas na Europa e nos Estados Unidos, dispensando milhares de trabalhadores no

mundo todo. Suas vendas despencaram e ela perdeu mercado para outras marcas, com

modelos e desenhos alternativos ao clássico jeans da companhia.

Durante muitas décadas, a LEVI’S dominara o mercado norte-americano com

uma participação acima de 40%. O jeans inspirava liberdade ligada ao arquétipo da

expansão: a busca da independência pessoal e da autenticidade, tanto que, a LEVI’S

usou em sua imagem, em seu design, na arquitetura promocional das lojas e na

publicidade, os pioneiros do Oeste americano. A personalidade de seus jeans eram a da

busca da liberdade rústica e autêntica. Em 1991, a LEVI’S mudou suas estratégias de

comunicação, e passou a focar nos atributos do produto, deixando de lado o enfoque na

imagem mítica da marca, que o mercado reagiu imediatamente e a participação

começou a cair. Então, o presidente da LS&CO veio a público e declarou que a marca

significava liberdade: isso é que fazia o consumidor escolher a sua loja ao invés da

209

GUESS, GAP, CALVIN KLEIN e BANANA REPUBLIC. A marca voltou ao enfoque anterior

e recuperou a participação para os níveis de 40% das vendas totais americanas.

Em 1994, a LEVI’S voltou a se afastar da essência do rústico autêntico e a

participação de mercado começou novamente a cair rapidamente. Mudaram de agência

de publicidade, contrataram novos designers, mas não havia foco, a identidade estava

pulverizada. A campanha de 1999 mostrava a reflexão do jovem sobre si mesmo.

O jeans simboliza a ação de seguir suas próprias intuições. A explicação

encontrada pela LEVI’S é a de que o jovem mudou e as pessoas não têm mais fidelidade

à marca, para se manter líder é preciso criar novos nichos no mercado. O jovem pode ter

mudado, mas o jeans não. A cor índigo blue no tecido rústico continua a nos dar a

sensação de vento no rosto, mochila nas costas e o mundo nas mãos. Resultado: em

1999, a empresa fechou 11 das 22 fábricas que tinha no mundo, porque, no período de

1994 a 1999, sua participação de mercado passou de 44% para 22%. E continua em

queda.

No Brasil, nenhuma empresa chega a ter 5% das vendas totais do mercado. A

USTOP foi a única marca que chegou a superar esse números, conquistando 15% de

participação de mercado a com a campanha “liberdade é uma calça velha azul e

desbotada”. Vinte anos depois de o filme ter sido veiculado, as pessoas com mais de 40

anos de idade ainda se lembram dele.

É fácil sermos seduzidos pelo discurso de que o jovem de hoje é diferente do de

ontem e de que o significado do jeans mudou. Isso tudo é verdadeiro e ligado à cultura e

ao inconsciente pessoal, mas o foco é o apelo transcultural. Portanto, um pano rústico na

cor índigo sempre transmitirá o sentimento de liberdade. A reputação do jeans não

mudou: liberdade é uma velha calça azul e desbotada. A liberdade é azul. Mas a

significação de liberdade mudou. Liberdade é ser original no novo foco da comunicação

mercadológica da marca, sobretudo na campanha LEVI’S BE ORIGINAL.

Foco na psique temporal do consumidor. O foco no espírito eterno do produto

foi recuperado, ele reaparece na campanha LEVI’S BE ORIGINAL!, que foi veiculada na

revista Vogue RG, utilizando celebridades contemporâneas do mundo da moda, da

música e das artes, para responderem à questão “O que é ser original para você?”.

A marca LEVI’S, pertencente à corporação LEVI STRAUSS & CO, durante o

período analisado, segmentou suas estratégias de comunicação desenvolvendo

210

campanhas diferentes para veículos de massa para as seguintes localidades: Estados

Unidos/Canadá, Europa, América Latina e Ásia. São utilizadas estratégias de

comunicação e campanhas publicitárias diferentes, para cada uma dessas regiões. Assim

sendo, a LEVI’S é uma marca global que utilizou estratégias de comunicação locais,

levando em consideração as questões étnicas. A marca adotou a língua local para a

comunicação verbal, muito embora, também tenha feito uso da língua inglesa misturada

com a língua local na mesma peça publicitária, a fim de comunicar o seu caráter de

marca global. Em geral, tem como público-alvo os jovens da classe média.

Neste item, procurar-se-á desenvolver análises sobre quatro peças publicitárias

de mídia impressa da marca LEVI’S: anúncio 1, campanha LEVI’S BE ORIGINAL (“Seja

Original” — América Latina), veiculado na Revista Registro Geral (RG) Vogue Brasil,

número 51, junho de 2006, contracapa; anúncio 2, campanha A STYLE FOR EVERY

STORY™ (“Um estilo para cada história” — Estados Unidos e Canadá), veiculado na

Revista Teen Vogue USA, abril de 2006, p. 113; anúncios 3 e 4, campanha AT LAST, A

PAIR TO BELIEVE IN (“Finalmente, o par em que se pode acreditar” — Europa),

veiculados, respectivamente, na Revista Elle England, maio de 2006, p. 70 e na contra

capa da Revista Ragazza Portugal, março de 2006.

A campanha LEVI’S BE ORIGINAL foi lançada no Brasil a fim de divulgar a

coleção de Outono/Inverno 2006, na Revista Registro Geral Vogue Brasil, número 50,

que traz na capa o ator Rodrigo Santoro. Das páginas 73 até a 84, foram veiculados

depoimentos de celebridades contemporâneas do mundo da moda, fotografadas por

Loram Finguerman usando LEVI’S, respondendo à questão “O que é ser original para

você?”.

Nesta campanha, a estratégia de testemunho é aplicada para dar credibilidade à

marca e seus produtos. As celebridades — atores, cantoras, VJ e profissionais

consagrados — são formadores de opinião, que exercem o papel de influenciadores das

escolhas do leitor. Suas declarações transferem, através da manipulação da figura de

linguagem — metáfora —, o significado de originalidade à marca LEVI’S. A estratégia

de ataque também pode ser observada nesta campanha, uma vez que o slogan e os

depoimentos referem-se à originalidade da LEVI’S na produção de calças jeans,

sugerindo que as demais concorrentes são meras cópias.

O ator Paulinho Vilhena afirma que ser original “é prezar por uma verdade. É

um princípio e, depois, tudo é copiado”. Para VJ da MTV, Carla Lamarca, original “é o

211

rock’in’roll”. Segundo o designer responsável pelos cenários mais badalados das

Semanas de Moda do Brasil, Marton, “ser original é sorrir, ser feliz, amar, estar de bem

com a vida e com o mundo”. Para Julia Petit, produtora musical, original “é o primeiro e

único”. Conforme a estilista Juliana Jabour, ser original “é poder usar exatamente o que

está a fim e que exprime uma personalidade sem se tornar escrava de modismos e

tendências”. Para o artista plástico Speto, significa: “ser autêntico. Honesto. Original é

aceitar a si mesmo”. “Acreditar na minha própria personalidade”, afirma o estilista

Pedro Lourenço. A cantora Luciana Mello, diz que “é gostar de si mesmo do jeito que é,

independentemente do que as pessoas pensam. Ser sincero, se amar”. A apresentadora e

modelo Maraina Weickert afirma que “original é o antônimo de falso e isso já responde

tudo!”. A empresária Helena Linhares sintetiza o que todos os outros disseram na

campanha LEVI’S BE ORIGINAL: “original é liberdade”.

Ilustração 91: Imagens-chave utilizadas na campanha A STYLE FOR EVERY STORY™

212

A campanha A STYLE FOR EVERY STORY™ (“Um estilo para cada história”),

veiculada nos Estados Unidos e Canadá, usa as estratégias de reposicionamento e

testemunho, seu slogan destaca a idéia de estilo na mente do consumidor, oferece um

modelo de jeans para cada tipo de personalidade.

As imagens-chaves ultilizadas nesta campanha são fotos, em preto e branco, de

jovens de diversas etnias e profissões, usando um determinado modelo de calça jeans da

linha de produtos da LEVI’S; do seu lado esquerdo, aparece a ilustração das costas de

uma calça jeans LEVI’S, identificada pelo filigrana dos bolsos traseiros. A ilustração

faz referência à profissão dos jovens, por exemplo, a apicultora tem a calça desenhada

com favos de mel, a designer de moda tem sua calça desenhada com traços utilizados na

confecção de modelagens, ou seja, por signos de identificação e distinção.

Da esquerda para a direita, a apicultora (beekeeper) Loren Benjamin veste o

jeans Relaxed boot cut 550™; o químico (chemist) Mark Herrema usa o Regular fit

505®; a compositora musical (songwriter) Caitlan Crosby traja o modelo Superlow

bootcut 518™; o jóquei (bmx racer) Damian van Zyl veste um Low rise boot 527™; a

designer de moda (fashion designer) Betina Holte usa o 505™ nouveaou straight; o

colecionador de livros cômicos (comic book collector) Dana Belmond usa o Relaxed

straight 599™; o eletricista (electrician) Leo Peixoto incorpora o 501® Original jeans;

a mergulhadora (scuba diver) Ljubenka Milunovic traja um Nouveau boot cat 515™; o

produtor musical (music producer) Dallas Austin veste o Loose straight 569®.

A campanha AT LAST, A PAIR TO BELIEVE IN (“Finalmente, um par em que se pode

acreditar”), veiculada na Europa, faz uso da estratégia de humor, retratado através da

intertextualidade com os contos de fadas e apelos do romantismo kitsch, além do

trocadilho da palavra “pair”: tanto o “par de calças” como o “par amoroso”. A

estratégia de comparação também é utilizada nesta campanha, ela promove um jeans em

que se pode acreditar, fazendo uma comparação velada com as demais concorrentes da

LEVI’S.

Os anúncios desta campanha, destinados ao público masculino, trazem, em

segundo plano as personagens dos contos de fadas, todas vestidas com os trajes típicos,

caracterizadas de Branca de Neve, Cinderela, Rapunzel, Bela Adormecida etc. Em

primeiro plano, aparece um jovem, do sexo masculino vestindo calças jeans LEVI’S e o

slogan AT LAST, A PAIR TO BELIEVE IN.

213

Anúncio 1: Campanha LEVI’S BE ORIGINAL

Ilustração 92: Anúncio veiculado na Revista RG Vogue Brasil, nº. 51, junho de 2006, formato 1

página (20 X 26,5 cm)

214

Plano de Expressão ou Significante:

Em uma página, fundo azul, dois homens de silhueta magra, com feições faciais

e estaturas físicas similares, são enquadrados em plano americano. Esses belos jovens

têm cabelos castanhos com corte desfiado e moderno, barba, também castanha. Eles

estão em pé de forma despojada e informal.

O jovem da esquerda veste camisa branca sob camiseta pólo vermelha, jaqueta

(com pala, bolso e abotoamento frontal, lavagem escura, amaciada) e calça jeans

(tradicional five pockts com detalhes de rebites nos bolsos frontais, com argola e

mosquete presos em um dos passantes, lavagem escura, amaciada). O jovem da direita

veste camisa azul clara sob jaqueta jeans (com zíper frontal, dois bolsos superiores

fechados por zíper, dois bolsos inferiores fechados por lapela e botão, lavagem com

efeitos desbotados obtidos por meio de jatos de micropartículas de óxido de alumínio,

levemente estonada), calça jeans (tradicional five pockts, levemente estonada) e um anel

niquelado no polegar da mão esquerda.

O rapaz da esquerda está com o rosto em posição três quartos com sorriso

aberto, mostrando os dentes, o olhar direcionado para a câmera fotográfica, mão

esquerda no bolso, mão direita debruçada sobre o ombro do outro rapaz, que está com a

face em posição frontal, olhar fixo, sobrancelha esquerda levemente arqueada, sorrindo,

sem mostrar os dentes, com as duas mãos nos bolsos, mangas levemente arregaçadas.

Ambos estão de peito aberto, evidenciando o centro das emoções, o centro do EU. O

olhar de ambos está na direção dos olhos do receptor, parecendo fitá-lo.

Na parte superior da página, à direita aparece o logotipo da LEVI’S, escrito em

branco sobre tarja vermelha. Horizontalmente centralizado e verticalmente localizado

no terço inferior do anúncio, encontra-se o slogan da campanha que, nesta peça, aparece

como título, LEVI’S BE ORIGINAL (“Levi’s Seja Original”). Escrito em caixa alta e baixa

(letras maiúsculas e minúsculas), na cor vermelha, em corpo grande, com fonte romana

humanista originária da família tipográfica das romanas pioneiras do norte da Itália,

reforça o caráter de originalidade da marca. O slogan se destaca dos depoimentos dos

dois jovens que aparecem logo abaixo, escritos em branco, com fonte da mesma família,

mas em corpo bem menor.

Do lado esquerdo, final da página, alinhado à esquerda, aparece o texto entre

aspas, como se fosse um depoimento, “Ser original é ler o outro igual a você e mesmo

215

assim ser diferente”, seguida da assinatura, Felipe Bruno, stylist. Alinhado, também, à

esquerda, na mesma altura, do lado direito, também entre aspas, está seguinte o texto

“Original é viver com personalidade”, seguido da assinatura Ricardo Bruno, stylist.

Plano de Conteúdo ou Significado:

Em cena dois irmãos gêmeos, viris e corajosos. A verticalidade de seus corpos

denota segurança, pois a posição vertical é um forte símbolo de progresso e ascensão.

Os códigos gestuais do jovem da esquerda denotam que ele está pronto para enfrentar

qualquer batalha. A postura de proeminência do tórax, de ambos, representa a

proeminência do EU, comunica vaidade e imposição de sua presença. Seu olhar fixo

conota franqueza, interesse, coragem e vigor psíquico. O tórax em linha reta, de ambos,

comunica condições de igualdade. A expressão de agrado, demonstrada pelos sorrisos

nos lábios, denota o prazer de estarem usando LEVI’S. Suas roupas conotam um

símbolo de poder sobre o ambiente social da sociedade de consumo. A utilização da

língua inglesa no slogan denota o caráter global da marca.

Conforme o Dicionário Houaiss da língua portuguesa, a palavra “seja” denota

“consentimento, aquiescência; vá lá, faça-se de acordo”. Portanto, o slogan, imperativo,

diz “faça-se original”. A palavra “original” se refere a origem, “que provém de ou

constitui a origem, o início”. Original, segundo a narrativa construída da história da

própria marca, é a LEVI’S. Original constitui o novo, não copiado de modelo existente,

“do qual foram feitas cópias, autêntico de fábrica, que tem caráter próprio, arquétipo,

coisa de que se tirou cópia, retrato que se imita, pessoa retratada ou reproduzida”

(HOUAISS, 2001, p. 2081).

O verbo ser é usado, geralmente, em definições, para afirmar ou estabelecer

identidade ou equivalência entre palavras, termos, expressões, ou entre aquilo que o

designam, descrevem ou qualificam, a fim de construir o mesmo objeto, entidade ou

idéia. O verbo ser significa:

ter qualidade ou propriedade intrínseca (referida ou mencionada por uma palavra ou expressão; ter ou apresentar-se em determinada condição permanente ou temporária; ter a referência ou significado incluído ou implicado pelo significado ou referência (nomes, designações ou expressões etc); ter (total ou parcialmente) os mesmos atributos, qualidades ou condições que definem ou caracterizam algo ou grupo, classe ou conjunto de coisas, entidades e idéias; ter a mesma importância ou valor que; representar; ter significado, função, aspecto efeito etc. equivalente ou relativamente comparável ao de (outra coisa) [usado também em metáforas, analogias, similares etc. implícitos ou explícitos] (HOUAISS, 2001, p. 2551).

216

Explorando os duplos sentidos denotados (semelhança X diferença), esse

anúncio neutraliza o sentido conotado, que é o “comprem”. Ou seja, o sentido conotado

induz ao ato da compra através da sedução inconsciente que a publicidade impõe. A

mensagem publicitária da LEVI’S seduz o comnsumidor justamente pela ambiguidade

apresentada acima, visto que, apesar de serem gêmeos e fisicamente semelhantes, os

dois irmãos têm personalidades diferentes. Portanto, ao invés de dizer “usem”, o

anúncio manipula o artificio da dualidade de sentidos. Além disso, tanto na ilustração

como no texto há a promessa de desejos satisfeitos com a idéia de diferenciação e

personalidade condicionadas à utilização do produto. O anúncio não veicula uma

promessa real, mas fantasiosa, capaz, porém, de sugestionar ao consumidor inseguro a

idéia de reconhecimento e aceitação social, perante sua tribo — a comunidade de iguais.

No Dicionário de Símbolos, o vermelho é “universalmente considerado como

símbolo do princípio da vida”. Em termos visuais, vermelho vivo (como é o caso da

ilustração em análise) é uma cor viva, diurna, “incita à ação, é a imagem de ardor e de

beleza, de força impulsiva e generosa, de juventude, de saúde, de riqueza, de Eros livre”

(CHEVALIER & GHEERBRANT, 2000, p. 944).

A cor azul é a mais profunda das cores. Nela, “o olhar mergulha sem encontrar

qualquer obstáculo, perdendo-se até o infinito, como diante de uma perpétua fuga da

cor”. O azul é “a mais imaterial das cores: a natureza o apresenta geralmente feito

apenas de transparência”. O azul é, também, “a mais fria das cores e, em seu valor

absoluto, a mais pura, à exceção do vazio total do branco neutro. O conjunto de suas

aplicações simbólicas depende dessas qualidades fundamentais” (CHEVALIER &

GHEERBRANT, 2000, p. 107).

Aplicada a um objeto, a cor azul suaviza as formas, abrindo-as e desfazendo-as.

Uma superfície repassada de azul já não é mais uma superfície, o fundo azul do anúncio

deixa de ser um fundo, é o caminho do infinito, onde o real se transforma em

imaginário. “O azul desmaterializa tudo aquilo que dele se impregna” (CHEVALIER &

GHEERBRANT, 2000, p. 107).

O branco, utilizado nos textos dos depoimentos e assinaturas, contribui para a

harmonia e equilíbrio estético do anúncio, pois além de ser neutro, é também a cor que

compõem o logotipo da marca LEVI”S.

217

Como reforço a essa promessa, os dois irmãos assinam a definição do que é ser

original para cada um deles; há, também, um enfoque frontal dos dois jovens que

sugere, pelos belos olhos oblíquos fixados na câmera, e lábios entreabertos, que são eles

que fazem a afirmação, tornando o interlocutor seu cúmplice e adepto à utilização do

mesmo produto.

Complementa o título principal a proposta do fabricante: LEVI’S BE ORIGINAL.

Esta inscrição fecha o sentido geral do anúncio, adaptando-o à política de comunicação

da LEVI’S, que demonstra ser a precursora no processo de fabricação da calça jeans, a

responsável pela criação da calça jeans original. O mais estratégico foi alusão “seja

original” usando a calça que deu origem às outras.

Esta peça publicitária, enfim, se caracteriza como um anúncio de construção

metonímica, pois os significados dos depoimentos dos dois jovens são transferidos à

marca e, por conseguinte, a todos seus produtos. Nela, podemos observar não só a

marca, mas o seu apelo: personalidade, originalidade, a ilusão de felicidade,

reconhecimento e aceitação social, a leitura do subliminar e da intertextualidade.

Combinando elementos visivelmente antagônicos, como semelhança e diferença, o

desejo de reconhecimento é muito bem explorado com a utilização da estratégia do

testemunhal, através dos depoimentos dos dois stylists, profissionais formadores de

opinião, responsáveis por determinar e promover o que está na moda, por dizer e

mostrar o que é cool, no universo da moda.

Mensagem Denotativa:

Seja original! Faça-se retrato de quem se imita.

Mensagem Conotativa:

Use LEVI’S e seja reconhecido como um cidadão global e destaque-se no seu

grupo.

218

Anúncio 2: Campanha A STYLE FOR EVERY STORY™

Ilustração 93: Anúncio veivulado na Revista Teen Vogue USA, abril de 2006, p. 113, formato

1página (23,2 X 17 cm)

219

Plano de Expressão ou Significante:

Em uma página, fundo branco, em pé, de braços e pernas abertos, uma jovem

mulher displicente, sensual, de olhar fixo e lábios entreabertos, é enquadrada em plano

americano numa fotografia preto e branco (P&B). Esta jovem veste-se de modo

contemporâneo, usando códigos de diversas tribos, seu visual é composto pela

bricolagem de estilos dentre os quais se destaca o hippie. Ela usa uma decotada bata de

alças brancas com uma abertura frontal que deixa partes do seu corpo desnudas:

ombros, colo e abdômen. Sobre a bata, ela usa um colete aberto, ao vento. Seus

membros inferiores são recobertos por uma calça jeans com detalhes de puídos, bordado

com motivo floral na perna direita e tachas no bolso esquerdo. A jovem morena traz os

longos e negros cabelos soltos, esvoaçantes, destacando seu rosto com traços de beleza

miscigenada; um longo colar de corrente e contas em forma de dentes caninos, uma

coleira de correntes emolduram sua beleza sensual.

No lado esquerdo da página, à esquerda da moça, na altura que vai desde seus

ombros até a linha dos quadris, aparece a ilustração da parte traseira de uma calça jeans,

que abrange a região do “bumbum” (caracterizada pelo desenho da pala, gancho e

bolsos). A origem do modelo pode ser identificada pelo desenho do filigrana dos bolsos,

em forma de um pássaro de asas abertas, tipificando uma original LEVI’S. A ilustração

em tons avermelhados é um pequeno mosaico formado por minúsculos quadrados que

lembram uma imagem em construção na tela de um computador. Na parte inferior da

página esquerda, logo abaixo da ilustração, aparece um tipo de ficha técnica com a

seguinte descrição:

NAME: SHARINA GUTIERREZ PROFESSION: GAMER JEANS: LEVI’S SLOUCH STRAIGHT 504™ EXPRESSION: PIXELS

Nesta ficha técnica, são descritos o nome da jovem, a profissão, o modelo do

jeans que ela veste e o tipo de linguagem que ela usa para se comunicar, ou seja, seu

estilo de vida. A designação do modelo da calça que a jovem veste aparece em

vermelho para contrastar e ganhar destaque.

Duas finas linhas horizontais, posicionadas uma acima e outra a baixo, cortam a

página de um lado ao outro, ligando o texto, das descrições acima mencionadas, à marca

posicionada na mesma altura, do outro lado da página, associando à marca, não apenas

o produto, mas, também, a identidade de Sharina Gutierrez.

220

Logo abaixo, também do lado esquerdo da página, escrito com fontes lineares

pretas, aparece a seguinte informação verbal: LEVI’S STONE AND LevisStore.com.

No canto superior direito da página, escrito com fontes lineares, em caixa alta

(letras maiúsculas), na cor vermelho queimado, aparece o título da campanha: A STYLE

FOR EVERY STORY™ (“Um estilo para cada história”). Logo abaixo, também em caixa

alta, mas com um corpo menor da mesma fonte tipográfica, na cor preta (salvo a

designação da família à qual pertence o modelo que a jovem está vestindo — Straight

— escrito em vermelho, ganhando destaque por meio do contraste) com um largo

espaçamento de entrelinhas, segue a descrição das famílias de produtos — bottoms

(partes de baixo) — comercializados LEVI’S: Low (baixo), Slouch (despojado),

Straigth (reto), Skinny (sequinho), Bootcut (corte para botas), Plus (extra), Shorts/Skirts

(shorts/saias).

Na parte inferior da página direita, aparece o logotipo da LEVI’S em branco

inserido em tarja retangular vermelha e logo o slogan da marca, à direita no mesmo

sentido THE ORIGINAL (a original).

Plano de Conteúdo ou Significado:

Podemos observar o retrato de Sharina Gutierrez, a gamer que se expressa por

meio do uso da linguagem dos pixels, uma jovem moderna que de tem profissão cool,

ligada ao entretenimento, de beleza e sensualidade invejáveis. A blusa que ela está

usando, a sobreposição do colete, o jeans customizado, a ficha com seus dados, os

acessórios são códigos de identificação e distinção, ou seja, são signos indicadores de

subjetividade, que expressam quem ela é e qual é o seu estilo de vida.

Assim como no anúncio anterior, a roupa e a profissão são códigos utilizados

para caracterizar a personalidade e o estilo de vida do(a) modelo que está anunciando o

produto e a marca.

As duas últimas gerações nasceram no mundo da imagem, onde os textos são

menores e o conhecimento é fragmentado. Na última década, a tendência para a

diagramação para anúncios de mídia impressa, está voltada para a valorização do espaço

vazio, com imagens sangradas, que proporcionam ao observador a sensação de entrar na

imagem. Este tipo de recurso pode ser observado nesta peça analisada.

221

Neste anúncio da LEVI’S, podemos verificar, nitidamente, uma mensagem

provocante, pois, tanto na ilustração como no texto, há promessa de desejos satisfeitos

com muita sensualidade e idéia de liberdade de expressão, condicionadas à utilização do

produto. O anúncio não veicula uma promessa real, mas fantasiosa, capaz, porém, de

sugestionar as consumidoras de baixa auto-estima.

A posição do corpo da jovem, com braços e pernas abertas, forma a imagem de

dois triângulos apontados para cima. O colar que desce do seu pescoço, até quase se

encostar ao umbigo, forma a imagem de um triângulo invertido apontando para baixo. O

decote da blusa também forma a imagem de um triângulo invertido, que praticamente,

se encontra com o a imagem do triângulo formado pela abertura frontal da blusa.

No Dicionário de Símbolos, o triângulo significa divindade, equilíbrio,

harmonia e proporção. “O triângulo apontado para cima simboliza o fogo e o sexo

masculino; com a ponta apontada para baixo, simboliza a água e o sexo feminino”

(CHEVALIER & GHEERBRANT, 2000, p.904).

As formas triangulares associadas ao corpo feminino, a imagem da parte traseira

da calça, os cabelos esvoaçantes, os signos gestuais — expressão facial e a semi-nudez

do corpo, atmosfera sensual, denotam uma atmosfera de erotismo e sexualidade. A

figura de retórica utilizada foi a metonímia, porque se demonstrou o efeito do uso do

produto através da expressão de sensualidade do corpo e dos braços abertos à espera das

prováveis conquistas.

Como reforço a essa promessa, há um enfoque frontal da mulher que sugere,

pelos belos olhos oblíquos fixados na câmera, e lábios entreabertos, que é ela quem faz

a afirmação, tornando o receptor da mensagem seu cúmplice e adepto à utilização do

mesmo produto.

Complementa o título principal a proposta do fabricante: A STYLE FOR EVERY

STORY™ (“Um estilo para cada história”). Esta inscrição fecha o sentido geral do

anúncio, adaptando-o à política da LEVI’S, que demonstra ser moderna e adequada para

a personalidade da jovem. Este anúncio vende claramente, além do produto, o estilo de

vida motivado pela auto-realização, obtida através do reconhecimento profissional e da

conquista do equilíbrio, e também pelo desejo de aceitação e reconhecimento social.

Como podemos constatar através da análise deste anúncio, esta campanha

promove um modelo de jeans para cada estilo de vida. Há, neste caso, a exploração do

222

artifício de linguagem do jogo de palavras, um trocadilho: a palavra STYLE (estilo)

substitui o termo “jeans” e a palavra STYLE (história) substitui o termo “style” (estilo). O

jeans é retratado nessa campanha um ícone de estilo de vida.

A postura frontal e ereta, com proeminência do tórax, comunica vaidade e

imposição da sua presença, denotando segurança. A mensagem verbal do slogan desta

campanha denota que os produtos da LEVI’S são capazes de expressar a personalidade

de quem os usa — A STYLE FOR EVERY STORY™.

No Dicionário de Símbolos, a cor branca é a cor do candidato, daquele que vai

mudar de posição, “é uma cor de valor limite, é uma cor de passagem no sentido a que

nos referimos ao falar dos ritos de passagem”. Assim como o preto, sua contracor, pode

situar-se nas duas extremidades da gama cromática. As utilizações das cores pretas e

brancas na campanha denotam o rito de passagem do anonimato para o reconhecimento.

A fotografia em P&B (Preto e Branco) atribui certa sofisticação à peça publicitária,

além de ser uma imagem que arremete ao passado, valorizando o estilo vintage do

modelo de jeans anunciado.

A cor vermelha é a primeira cor percebida dentre as demais cores, em virtude do

seu comprimento de onda. O vermelho é utilizado para atribuir destaque ao produto, ao

título da campanha e à marca LEVI’S.

Assim como o anúncio da campanha de lançamento da marca Calvin Klein, esta

peça explora o lado sedutor/pecador do arquétipo dicotômico do mito da

donzela/prostituta, evidenciando a sexualidade feminina.

Essa propaganda, através da manipulação do recurso de linguagem metonímico,

enfatiza não apenas a marca, mas o seu apelo: o erotismo, a sexualidade, a ilusão de

felicidade, a idéia de auto-realização, a leitura do subliminar e da intertextualidade. Esta

campanha promove tanto o produto quanto a marca, associando-os à idéia de identidade

e personalidade associados ao estilo de vida jovem, moderno e espontâneo.

Mensagem denotativa:

Mostre ao mundo quem você é.

Mensagem conotativa:

Compre LEVI’S, a marca ideal para a sua personalidade.

223

Anúncio 3: Campanha AT A LAST, A PAIR TO BELIEVE IN

Ilustração 94: Anúncio veiculado na Revista Elle Ingland, maio de 2006, p. 70, 1 página (20 X 26,5 cm)

224

Plano de Expressão ou Significante:

Em uma página, no canto esquerdo, em pé, corpo de perfil, face frontal, com a

mão esquerda na cintura e mão direita apontando em direção a um luxuoso lustre, uma

bela e elegante jovem pisa com o pé direito sobre a ilustração de uma cadeira estilo

vitoriano. Na ponta dos dedos da mão direita, ela segura um sapatinho de cristal, do

qual emanam pequenas fagulhas de luz. No chão, carpete na cor ouro velho e, ao lado

da cadeira uma almofada de veludo, na cor roxa. Em frente à moça, uma enorme

escadaria de mármore, estilo rococó, ascende em direção ao infinito em forma de

espiral. Ao fundo da escada, acima e a baixo, podem ser observadas longas janelas de

formato retangular, subdivididas por pequenos quadrados de vidro. Ela veste um blazer

de veludo preto, modelagem justa no corpo, revelando suas curvas, calça jeans bootcut,

meias arrastão pretas, scarpin preto com longo e fino salto de metal. Seus negros

cabelos estão presos no alto da cabeça, deixando as pontas caírem sobre seus ombros,

valorizando seu rosto com traços de beleza clássica. As unhas violetas, a maquiagem

acentuada, anel e pulseira emolduram a beleza sofisticada e sensual.

No canto superior direito, um enorme lustre moderno de forma circular, com

inúmeras luzes acesas, de diferentes tamanhos apontadas para várias direções. Atrás do

lustre, podem ser observadas duas enormes colunas que terminam na escadaria que sobe

em direção à parte superior da página. Logo abaixo, na lateral esquerda da página, está

localizada a etiqueta bandeira utilizada para a identificação da marca LEVI’S. A

etiqueta tem o fundo vermelho e o nome da marca escrito com letras brancas. Utilizando

o recurso da capitular, escrito, em caixa alta, fonte linear, o título do anúncio é

posicionado logo ao lado da etiqueta, na mesma altura, aparentando estar sobre a perna

da jovem que está dobrada. O título do anúncio traz o seguinte texto: WHO NEEDS GLASS

SLIPPERS? THE JEANS FIT. (Quem precisa de sapatinhos de cristal? O jeans é suficiente).

No canto inferior, do lado esquerdo, escrito na cor branca, com fonte linear,

caixa alta, aparece a identificação do modelo de calça que a jovem está vestindo e o

slogan da campanha: 572 BOOTCUT. AT LAST, A PAIR TO BELIEVE IN (“Finalmente, um par

em que você pode acreditar”). O slogan aprece em negrito para contrastar.

Do lado direito da página, canto superior, escrito com fonte linear, caixa baixa,

na cor branca, aparece o endereço da página da LEVI’S destinada ao público europeu:

eu.levi.com.

225

Atrás da jovem, do lado direito, aparece, sobre um móvel, um abajur com luz

acesa, um copo com água transparente, um cisne branco e um relógio, com os dois

ponteiros na vertical, apontados para cima, no centro, sugerindo meia-noite. Logo

abaixo, arabescos e desenhos de rosas, em tons de ouro velho, saem da lateral direita da

página em direção à escada, subindo, parando uns três degraus acima.

Plano de Conteúdo ou Significado:

A bela jovem, retratada neste anúncio tem postura ereta e olhar fixo para a

câmera; a cabeça erguida denota soberania, altivez, elegância formal. Suas vestes têm

códigos de identificação com os modos de vestir dos góticos — maquiagem pesada,

roupas escuras, cabelos negros e lisos — e revelam sua personalidade resiste à dor e ao

sofrimento. A luz que emana do lustre não está presa a coisa alguma, simboliza que não

há um caminho pré-definido para a conquista do sucesso e da auto-realização.

Vários signos ilustrativos deste anúncio, sobretudo, o sapatinho de cristal,

organizam a intertextualidade com o conto de fadas da Cinderela. A utilização da

capitular convida o observador a mergulhar nesta história.

No conto de fadas, Cinderela era filha de um comerciante rico, porém quando

ele morreu, a malvada madrasta e as duas filhas dela fizeram uma criada. Um dia houve

um baile, mas Cinderela não poderia ir, pois tinha de limpar a casa e não tinha um

vestido. Então, sua fada madrinha apareceu e limpou toda a casa num piscar de olhos e

deu um lindo vestido ela, entretanto, seu traje encantado só duraria até meia noite.

Durante o baile, o príncipe se apaixonou por Cinderela, que na volta as pressas para

casa, deixou cair seu sapatinho de cristal. Assim, o príncipe ordenou que todas as moças

do reino experimentassem o sapato. Cinderela experimentou e o sapato serviu, então os

dois se casaram e viveram felizes para sempre. A versão mais conhecida é a do escritor

francês Charles Perrault, de 1697, e baseada no conto popular italiano A Gata

Borralheira. Já a versão mais antiga para o conto Cinderela é originária da China, por

volta de 860 a.C.. Existe ainda a versão dos Irmãos Grimm, um pouco diferente da de

Charles Perrault. Nesta, não há a figura da fada-madrinha e, no final, as irmãs malvadas

ficam cegas ao terem seus olhos furados por pombos.

A Cinderela, no imaginário popular, é o arquétipo da ascensão social, colocar o

sapatinho de cristal equivale à gíria “tirar o pé da lama”. Este anúncio retrata uma nova

226

Cinderela, segurando com desdém o sapatinho de cristal, que, por sinal, é muito menor

que seu próprio pé, pois há um contraste de tamanho bastante significativo entre ambos,

indicando que este não lhe serve. Ao contrário do jeans BOOTCUT 572 da LEVI’s, que

veste seu lindo corpo como uma luva.

Esta nova Cinderela não está mais associada à espera do príncipe, que neste

anúncio é tido como um personagem de fábula. A nova Cinderela representa a mulher

moderna, bem sucedida, para a qual o casamento não significa mais a única forma de

auto-realização. Para ela, o papel do príncipe é preenchido pelos objetos de consumo,

símbolos contemporâneos de status social. O jeans LEVI’S, neste caso, é retratado

como sinônimo de conquista e sucesso.

Os signos gestuais — a posição do corpo, pernas e braços — da Cinderela

retratada neste anúncio, desenham uma imagem que lembra o formato de uma cadeira

ou do número 4 invertido. A cadeira, neste caso, é o signo de um “trono”, denotando

domínio sobre a glória. A calça jeans, modelo 572 BOOTCUT da LEVI’S, simboliza o

trono, o suporte da glória, pois são as pernas que sustentam corpo.

No Dicionário de símbolos, as significações simbólicas do número quatro se

conectam às do quadrado e da cruz. “É um símbolo incomparável de plenitude, de

universalidade, um símbolo totalizador”. Pode significar a extensão da superfície do

poder dos senhores dos quatro cantos do mundo e a totalidade desse poder sobre todos

os atos de seus súditos. “O quadro designa a totalidade do criado e do revelado”.

Corresponde aos quatro domínios do universo: “as regiões do espaço, os mundos as

luzes, os sentidos” (CHEVALIER & GHEERBRANT, 2000, p. 758-759).

O trono “é o pedestal, tem a função universal de suporte de glória ou de

manifestação de grandeza humana ou divina”. Simboliza “o equilíbrio final do cosmo,

equilíbrio constituído pela integração total de todas as antíteses naturais”. O trono

“engloba todas as coisas; simboliza a manifestação universal tomada no seu

florescimento total, que encerra o equilíbrio e a harmonia” (CHEVALIER &

GHEERBRANT, 2000, p. 910-911).

No Dicionário de símbolos, o cisne “é ave imaculada, cuja brancura, cujo poder

e a cuja graça fazem uma viva epifania da luz”. Encarna as luzes masculinas, solar e

fecundadora. “É a ave de luz, de beleza deslumbrante e imaculada, é a virgem celeste

227

que será fecundada pela água ou pela terra” (CHEVALIER & GHEERBRANT, 2000, p. 257-

258).

A escadaria é símbolo da “progressão para o saber, da ascensão para o

conhecimento, e transfiguração”. Quando se eleva em direção ao céu, (como é o caso

deste anúncio que está sendo analisado) “trata-se do conhecimento do mundo aparente e

divino”. Quando a escadaria tem uma forma espiralóide, “atrai particularmente a

atenção para o desenvolvimento axial, que pode ser Deus, um princípio, um amor, uma

arte, a consciência ou o próprio eu do ser que, quando em ascensão, se apóia por

completo nesse centro, em torno do qual desenha suas volutas”. A escadaria “resume

todo o drama da verticalidade” (CHEVALIER & GHEERBRANT, 2000, p. 382), ou seja, é um

símbolo de ascensão.

A expressão da Cinderela, retratada neste anúncio, denota soberania, seu olhar

imperativo não é de uma princesa, mas de uma rainha, de uma vencedora. Ela simula as

mulheres de sucesso, que tomam para si as rédeas de seu destino a fim construir o seu

futuro, seu desenvolvimento, conquistar sua ascensão pessoal e conseqüentemente, sua

felicidade.

No anúncio da LEVI’S, podemos verificar, claramente, uma mensagem

provocante, pois tanto na ilustração como no texto há promessa de desejos satisfeitos

com a idéia de poder, glória, ascensão social e auto-realização, condicionados à

utilização do produto.

Nessa mensagem da LEVI’S, a filosofia do lucro pode ser encontrada nas

vantagens prometidas tanto explicitamente — 572 BOOTCUT. AT, A PAIR TO BELIEVE IN

(572 Bootcut. Finalmente, um par em que se pode acreditar) — que envolve a idéia de

credibilidade, como no nível implícito, em linguagem conotativo-simbólica: a

consumidora será mais sedutora e provocante, tornando-se mais poderosa ao usar o

modelo que está sendo anunciado; será uma nova mulher — porque ao vestir o “jeans

trono” ficará mais poderosa, segura e confiante. Afinal, WHO NEEDS GLASS SLIPERS?

(Quem precisa de sapatinhos de cristal?), quando está vestindo um jeans da LEVI’S, já

que ele faz o papel do príncipe. Também fica subentendido maior e melhor desempenho

na conquista de seus desejos com a 572 BOOTCUT. Vestir a calça do príncipe é se

candidatar a ser rei e majestade.

228

Neste caso, são explorados os recursos da figura de linguagem de personificação

e o uso e jogo com a frase feita. Na frase “572 bootcut. Finalmente, o par em que você

pode acreditar”. O modelo 572 bootcut assume o papel do príncipe. Por esta razão, a

jovem que veste o jeans da LEVI’S não precisa do sapatinho de cristal. Aqui, talvez seja

a primeira identificação do jeans feminino da LEVI’S.

O requinte do ambiente, os tecidos nobres como o veludo do blazer que a mulher

está usando, as jóias, denotam status social mais elevado. Dentre as figuras de retórica,

utiliza-se a metonímia, pois o tecido nobre e as jóias, por serem caros, sugerem a sua

utilização por pessoas de poder aquisitivo compatível com a classe burguesa e um estilo

de vida luxuoso, atribuindo status social mais elevado a quem os usa.

Como reforço a essa promessa, há um enfoque frontal da mulher que sugere,

pelos belos olhos oblíquos fixados na câmera, que é ela quem faz a afirmação, tornando

a interlocutora sua cúmplice e adepta à utilização do mesmo produto.

Esse anúncio utiliza o recurso de figuras de linguagem, como metonímia,

personificação e jogo com frase feita para causar estranhamento e chamar a atenção, a

fim de encantar o público-alvo. Nele podemos observar não só a marca, mas o seu

apelo: o poder, a sensualidade, a sedução, a ilusão de felicidade, a leitura do subliminar

e da intertextualidade.

Mensagem Denotativa:

O modelo 572 bootcut é um jeans digno de estima e confiança.

Mensagem Conotativa:

Compre o LEVI’S 572 bootcut e mostre ao mundo como você é majestosa.

229

Anúncio 4: Campanha AT LAST, A PAIR TO BELIEVE IN

Ilustração 95: Anúncio veiculado na Revista Ragazza Portugal, março de 2006, contracapa, formato

uma página (15 X 20,5 cm)

230

Plano de Expressão ou Significante:

Em uma página, num sofá em forma de divã, bege, estofamento fofo, de tecido

nobre, estilo moderno, sofisticado, coberto com cetim dourado na ponta esquerda, deita-

se, de barriga para cima, com a perna esquerda apoiada no braço do móvel, perna direita

inclinada para cima, com o pé apontando para o teto, uma bela jovem. A linda garota

está posicionada de forma displicente e sensual. Ela veste uma jaqueta branca, mangas

longas, zíper frontal parcialmente aberto, formando um profundo decote, calça jeans de

corte reto e sandálias pretas de saltos longos e finos. A jovem traz os cabelos, loiros,

soltos, caídos sobre o cetim, aparentando ser uma infinita continuação de seus cabelos,

que se arrastam pelo chão. A luz que incide sobre o seu rosto, destaca os traços de sua

beleza ariana, e o colar de pérolas, os suntuosos anéis e cintos emolduram a beleza

sensual.

O título do anúncio traz mensagem verbal, localizada na lateral esquerda, no

centro vertical, escrita na cor branca, com fonte linear, caixa alta, utilizando o recurso

da capitular, dizendo: “OS JEANS SÃO UM SONHO. O PRÍNCIPE LOGO SE VÊ”. No canto

inferior, localiza-se o slogan da campanha, com a seguinte mensagem verbal: “570 JEANS

DE CORTE RECTO. FINALMENTE UNS JEANS EM QUE ACREDITAR”. A utilização da

capitular, novamente, convida a interlocutora a imergir nesta história.

Plano de Conteúdo ou Significado:

No cenário, predomina a estética do romantismo kitsch, retratado pela imagem

de castelos, dos arabescos que emolduram a página e contornam os lustres. Neste

anúncio, tanto os signos não-verbais, quanto signos verbais, geraram a intertextualidade

com o mundo imaginário dos contos de fadas.

No Dicionário de Símbolos, o castelo é um “símbolo de segurança (como a

casa, geralmente), mas uma segurança de mais alto grau”.

O que é protegido pelo castelo é a transcendência espiritual. Julga-se que ele resguarde um poder misterioso e inatingível. Os castelos surgem nas florestas e nas montanhas mágicas (que por si só tem peso de uma força sagrada) e desaparecem por encanto, quando deles se aproximam os cavalheiros e a miragem se esvai. Nos castelos estão adormecidas as belas jovens e padecem, suspirosos, os príncipes encantados, enquanto esperam – elas, ser despertadas pelo visitante enamorado, e eles, o instante de acolher a viajante maravilhosa. O castelo simboliza a conjunção dos desejos (CHEVALIER & GHEERBRANT, 2000, p. 199).

231

No entanto, o castelo retratado neste anúncio não passa de um simples quadro

esquecido na parede. Numa cena que representa uma nova maneira de ver e estar no

mundo, no qual o papel do príncipe é substituído por outros personagens e objetos de

desejo e de consumo.

A Bela Adormecida é um conto de fadas, criado pelo escritor francês Charles

Perrault, sobre uma princesa que é enfeitiçada para dormir até que um príncipe

encantado a desperte com um beijo de amor. O conto narra a história de uma princesa

que ao nascer foi abençoada com três dons, porém, recebeu também uma maldição que

aos dezesseis anos de idade, época de sua maturidade sexual, cairia num sono eterno. A

maldição se concretizou e não só a princesa, mas todo o castelo ficou adormecido até à

chegada de um príncipe encantado que beijaria a princesa e quebraria a maldição.

No entanto, a paráfrase com o mundo dos contos de fadas, neste caso, dá vida a

uma Bela NADA Adormecida e, que, pelo indício do telefone fora do gancho, não está à

espera do príncipe e não deseja ser incomodada por mais ninguém. A bela jovem,

conforme denuncia sua expressão facial, deleita-se ao gozar do prazer íntimo de estar

vestindo os jeans que são um sonho.

A palavra sonho significa “desejo vivo, intenso, veementemente constante;

aspiração, anseio”, além disso, significa também “coisa ou pessoa muito bonita”

(HOUAISS, 2001, p. 2608).

Os recursos de linguagem utilizados tanto na construção do título do anúncio,

quanto no slogan, foram o jogo com a frase feita e a personificação. O jeans da LEVI’S,

neste caso, assume o papel do príncipe, tornando-se o código de acesso para a realização

dos desejos e para a descoberta do mundo dos prazeres.

Neste anúncio da LEVI’S, a filosofia do lucro pode ser encontrada nas vantagens

prometidas tanto explicitamente — 570 JEANS DE CORTE RECTO. FINALMENTE UNS

JEANS EM QUE ACREDITAR — que, assim como no anúncio anterior, envolve a idéia de

credibilidade, bem como no nível implícito, em linguagem conotativo-simbólica: a

consumidora será mais fascinante e sedutora, tornando-se mais influente ao vestir o

produto que está sendo anunciado; sentir-se-á realizada, uma vez que ao vestir “os jeans

que são um sonho”, conforme a promessa do anúncio, logo encontrará o príncipe, não

há com o que se preocupar, pois “o príncipe logo se vê”.

A sofisticação do ambiente, os tecidos nobres, como cetim e o estofamento do

sofá, além dos suntuosos acessórios que a mulher está usando, denotam status social

232

mais elevado, pois por um processo metonímico de contigüidade, conferem às pessoas e

à marca o significado de riqueza, luxo e sofisticação.

O enfoque frontal da mulher dá a entender, pelos seus lindos olhos oblíquos

fixados na câmera, que é ela quem faz a afirmação, tornando a interlocutora sua

cúmplice e adepta à utilização do mesmo produto, reforçando ainda mais a promessa

veiculada.

O artifício da personificação e jogo com frase feita são as figuras de linguagens

utilizadas, nesse anúncio, para seduzir o público-alvo e, desse modo, chamar a atenção

para a promessa de realização de um sonho, através do consumo do produto da marca

que está sendo anunciada. Além disso, nesse anúncio, podemos observar não só a

marca, mas o seu apelo: o poder, a sensualidade, a sedução, a ilusão de felicidade, a

leitura do subliminar e da intertextualidade.

Mensagem Denotativa:

O LEVI”S 570 recto é o jeans em que você pode confiar.

Mensagem Conotativa:

Compre o LEVI’S 572 bootcut e realize seu sonho, encontre o par no qual você

pode confiar.

233

4.2 Análise do discurso persuasivo da publicidade da DIESEL

A história da Diesel está indiretamente integrada à vida de um jovem do interior

da Itália que de um jeans costurado por sua mãe, deu origem a uma marca global e em

pouco tempo construiu uma história atrativa, um verdadeiro império, edificando seu

triunfo no cenário do Novo Luxo.

Renzo Rosso começou com uma pequena fábrica de jeans instalada na região

montanhosa do Bassano do Grappa, em Malvena, norte da Itália, 18 funcionários e

algumas máquinas. Atualmente, A Diesel está em mais de 80 países, em mais de 6.000

pontos-de-vendas e 225 lojas próprias. Paralelamente à linha principal de produtos

(destinados ao público jovem e adulto), a empresa abraça a Diesel Kids (público

infantil) e a linha esporte 55DSL (público jovem). Em 2000, adquiriu a empresa italiana

Staff International, obtendo a licença para produzir roupas para as marcas dos estilistas

Vivienne Westwood, DSquareded e Mating Margiela. Desde então, Rezo Rosso tornou-

se o acionista majoritário do NEUF Group, proprietário e gestor da Maison Martin

Margiela. Ele ainda possui um hotel, o Pelican, sediado em Maiami South Beach que,

com sua fachada Art Deco e interiores como globo ocular, apreende perfeitamente a

vibe da Diesel (TUNGATE, 2005, p. 33-37)

A marca Diesel baseia seu conceito na valorização de seus jeans e no culto à

Renzo Rosso. Confere a eles a lealdade ao estilo sofisticadamente rebelde, o “espírito

dionisíaco” irônico, irreverente e inovador, a fim de formar seu próprio prestígio e

identidade e um valor premium para seus produtos.

Rosso já teve um Dodge Viper, tem mais de uma Harley Davison, faz o estilo

rock in roll, gosta de coisas agressivas, desgastadas, misturadas com uma batida kitsch;

declara-se um eterno curioso, que trabalha com afinco para melhorar as coisas, torná-las

mais divertidas e engraçadas, é alérgico ao comum. O universo da Diesel

freqüentemente lembra: os anos 1950, um filme sci-fi; às vezes, o sótão de uma loja

lixo; ocasionalmente, uma viagem psicodélica pela estrada de Easy Rider; e, em muitas

ocasiões, a mistura dos três. Mas, na maioria das vezes a Diesel se parece com o

conteúdo da própria mente de Rosso. “Diesel não é a minha empresa. É a minha vida”.

(Renzo Rosso apud TUNGATE, 2005, p. 37).

O empresário estudou técnicas têxteis e de confecção em Pádua. Trabalhou

como gerente de produção na Moltex, empresa gerenciada por Adriano Goldschmied,

234

que fabricava jeans para diversas marcas italianas. Em 1978, os dois se juntaram a fim

de confeccionar jeans com marca própria e fundaram a Diesel. O nome foi idéia de

Goldschmied, pois ambos desejavam algo que não tivesse sonoridade italiana,

transmitisse uma sensação internacional e fosse pronunciado da mesma maneira em

todo o mundo.

Em 1985, Rosso comprou a outra metade da Diesel de Goldschmied e

revolucionou o designer de seus produtos, passando a confeccionar peças mais ousadas,

que atendiam ao seu gosto pessoal. Inspirado no visual vintage, começou a produzir

jeans puídos e rasgados, em lavagens stonewashed. Devido ao processo de produção

utilizado no envelhecimento do jeans, Rosso fixou seu elevado preço, cerca de 80 a 90

dólares, quando a média na época era de 50 dólares. A partir de 1995, a empresa

incorporou os acessórios à sua linha de produtos, integrando óculos solares e relógios de

punho às suas coleções.

Em 1988, o holandês Wilbert Das juntou-se à companhia, como assistente de

estilo, para projetar roupas que gostaria de ver nas ruas, onde realmente acontecia e

ainda se manifesta a inovação na moda. Logo, foi promovido a diretor criativo e chefe

de projeto, tornando-se o principal responsável pelo desdobramento da identidade da

marca. Ele desenvolveu uma relação quase simbiótica com o fundador da marca. Ambos

são: fascinados pelas coisas kitsch, coloridas, decorativas, ‘retro-futuristas’; encantados

pelo choque de estilos e pela união de referências sobrepostas; contestadores das

definições de bom gosto; defensores da criação com identidade própria, sem vínculo

com os imperativos efêmeros da moda. “A Diesel é a antimoda, moda” (Renzo Rosso

apud TUNGATE, 2005, p. 35).

Ao invés de assistir aos desfiles de coleções, mergulhar em luxuosas revistas ou

fixarem-se na internet, os designers da Diesel viajam para grandes centros urbanos em

torno do mundo. Eles retornam com cartazes, postais, CD’s, folhetos de clubes — e,

naturalmente, com roupas de segunda-mão — diferentes padrões de tecidos e estampas,

que poderão ressurgir, numa forma modificada, como parte da coleção da Diesel.

De acordo com Wilbert Das, a concepção das roupas Diesel não é coordenada

diretamente pela demanda, ela segue uma base estabelecida pela política interna da

empresa, que prima pela liberdade e inovação. Ele afirma que a Diesel considera seus

consumidores inteligentes, pessoas não aficionadas por marca que vão para uma única

loja comprar toda a indumentária, mas que estão sempre em busca de uma opção de

235

escolha. Por essa razão, seus produtos são desenvolvidos para se misturarem a outras

marcas, às roupas vintage, a tudo o que o consumidor desejar. Não é por outro motivo

que, a cada nova coleção, a marca oferece aos seus clientes uma enorme gama de jeans:

algo como 45 modelos em 67 diferentes lavagens, além das variações de comprimento e

cintura (TUNGATE, 2005, p. 35).

A publicidade irônica da Diesel destaca-se da publicidade comum ao mundo da

moda e tem desempenhado um papel essencial na conquista de sua notoriedade,

sobretudo entre jovens formadores de opinião. Embora a Diesel contrate uma agência de

publicidade, o que é raro para uma marca de moda, Das supervisiona a criação de todos

os materiais promocionais, pois compreende que a comunicação é mais um de seus

produtos e, sendo assim, as mesmas normas aplicadas às roupas, se sobrepõem à

comunicação externa.

Em 1991, a Diesel contratou a Paradiset, de Estocombo, para lançar uma

campanha publicitária internacional que a transformasse numa marca global. A agência

instituiu o slogan DIESEL: FOR SUCCESSFUL LIVING (Diesel: para o êxito da vida)

que se referia às promessas duvidosas de outras marcas, valendo-se da marca registrada

da empresa: a ironia. Criou anúncios atrevidos, coloridos, surrealistas, inspirados nas

antigas revistas pornôs, em cartazes de filmes de Hollywood, campanhas de

recrutamento para o exército, anúncios de eletrodomésticos, contudo, nada que já

tivesse sido de fato propagado pela moda.

Depois disso, a Diesel trocou algumas vezes de agências de publicidade, porém

sustentou a estratégia de comunicação que fez dela uma marca mundialmente desejada,

divulgando anúncios polêmicos que associam ostentação à beleza, luxúria ao divino.

Veiculou peças expondo modelos sentadas sobre um gigante cigarro, com a seguinte

frase: “Como fumar 145 por dia? Mas o crânio ao pé da imagem indicava a contradição

da mensagem que, de fato, era antitabagismo. Rosso freqüentemente tem utilizado a

publicidade da Diesel para fazer críticas sarcásticas acerca da visão de mundo da

sociedade ocidental. Um cartaz, mostrando um modelo masculino com uma pistola na

mão, censurava o culto às armas nos Estados Unidos e causou um grande tumulto neste

país. A campanha THE DALY AFRICAN — LIFESTYLE produziu o conteúdo editorial

de uma revista dominical com modelos negros exaltando o espírito da Diesel.

Ironicamente, os anúncios desta campanha retratam africanos milionários, tomando

236

champanhe e comendo caviar em limusines, mas solidários a campanhas como as de

ajuda à Europa e Estados Unidos, países em desenvolvimento.

Foi com esse “espírito jovem” que a Diesel se posicionou no segmento do Novo

Luxo, no qual o jeans se consagrou como um verdadeiro coringa, e, nos últimos anos,

ganhou novo fôlego, com a febre mundial do premium jeans. Este conceito que vende a

idéia de qualidade excepcional e recompensa pela conquista vitoriosa foi desenvolvido,

no início do século XX, com o objetivo de agregar valor e aperfeiçoar o jeans. Por fim,

acabou atribuindo-lhe uma reputação que precede sua própria história, pois a peça que

nasceu com apelo proletário, ganhou status de artigo de luxo. Associando o jeans aos

atributos “exclusividade” e “privilégio”, a marca conseguiu elevar o preço destes artigos

a valores altíssimos.

Para fortalecer a imagem de seu varejo, a Diesel abriu sua primeira flagship

store (loja-conceito) em Nova Iorque, nos anos 1990. No Brasil, em 2001, a grife

italiana que já era comercializada na Daslu, instalou sua primeira loja na Rua Oscar

Freire, no quadrilátero paulistano do luxo, logo depois se expandiu para o Shopping

Iguatemi, Rio de Janeiro e demais centros urbanos, em lojas multimarcas. Visando

conquistar os desejos do público ávido por luxo e exclusividade, a empresa lançou a

linha Denim Gallery, composta pelo jeans “premium do premium”, com peças ainda

mais diferenciadas que custam em torno de 1,000.00 dólares, produzidas em séries

numeradas de 12 exemplares.

ARE YOU GLOBAL WARMING READY? (Você está preparado para o

aquecimento global?), questiona a Campanha Verão 2007. Através de imagens que

mostram a vida num mundo completamente alterado — Nova Iorque e Rio de Janeiro,

praticamente submersos; a Grande Muralha da China enterrada na areia; na Praça de

São Marcos, em Veneza, araras substituem os pombos; palmeiras e lagartos circundam a

torre Eiffel; no Antártico degelado, não há mais frio — a Diesel explorou a temática do

aquecimento global.

Assinada pelo o slogan DIESEL: FOR SUCCESSFUL LIVING, a publicidade da

Diesel evoluiu da estética do grotesco42 à sofisticação da linguagem, com requinte

42 Os vídeos 5 A.M. Mono Village e Little Rock são exemplos da estratégia de comunicação mais agressiva e irreverente da marca. O primeiro retrata um campo de escoteiros, dentre os quais um bem-apressado faz uma espécie de “teste” com um velho escoteiro. O teste termina com um surpreendente entre os dois. No segundo, num cenário do velho Oeste norte-americano, em 1873 (ano do lançamento da

237

arquitetônico recorrentes nas últimas campanhas. E a mensagem, inicialmente

desenvolvida visando satirizar a concorrência, acabou atribuindo notoriedade e o

significado de sucesso à marca e o tão desejado sentido luxuoso aos seus produtos.

A Diesel não se apóia apenas na propaganda: promove ações e eventos

promocionais visando gerar conteúdo para diversos blogs, comunidades e demais meios

de marketing viral. Desse modo, a marca se mantém em evidência constante entre os

formadores de opinião, tornando-os apóstolos de sua imagem, por meio da publicidade

boca-a-boca via web43.

Atualmente, a marca é comercializada nos principais centros urbanos do país,

além das outras oitenta nações onde atua. Em matéria de jeans five-pockets (modelo

clássico, de cinco bolsos), a DIESEL só perde para a americana EARL JEANS como

objeto de desejo do fashion people (pessoas ligadas à moda), é uma das marcas mais

prestigiadas internacionalmente.

Ilustração 96: Anúncio da campanha Saty Young da DIESEL, peça Breathe Less

Dentre outras campanhas com slogan DIESEL: FOR SUCCESSFUL LIVING,

destaca-se também a campanha que prega a juventude eterna, que mostrou modelos de

119 anos (sic) com pele de boneca, retratados a imagem de humanóides imutáveis que

não envelhecem e não têm rugas. Cada um deles com uma instrução chave para a vida Levi’s), é contata uma história entre mocinho e bandido, na qual o bandido — que rouba pirulitos de criança e chuta cachorros — sai vencedor. 43 A partir de 2003, a Diesel adotou a prática burguesa do mecenato, criou O DNA — Diesel New Art, para apoiar novas formas de expressão na arte, no design e na fotografia. Anualmente, promove o festival mundial de música alternativa e eletrônica — o Diesel :U: Music —, no qual músicos independentes competem nos gêneros musicais de rock, música urbana/hip hop e música eletrônica, promovendo cada vez mais própria marca.

238

eterna. “Se nascer não é um crime, por que já vem com sentença de morte?”

questionava manual chamado STAY YOUNG. Dentre os sábios conselhos, destacam-se:

não pensar, não dar risada, não trabalhar, não fazer sexo, não respirar, garantir um clone

seu (“o mundo não seria melhor se houvesse mais gente igual a você?”) e beber urina

(“um copo fresco toda manhã limpa e nutre”).

As grifes de jeanswear italianas instalaram-se na Rua Oscar Freire, local onde se

concentram as grifes que atuam no mercado de luxo, no bairro dos Jardins em São

Paulo. A primeira a se situar lá foi a DIESEL, depois a MISS SIXTY, seguidas pelas

REPLAY e ENERGIE. Essas marcas investiram milhões de dólares em flagship stores.

“Pensar global e agir local” não é a filosofia adotada pelas marcas que atuam no

segmento de luxo denominado mercado de luxury brands (marcas luxuosas), no qual a

marca DIESEL está inserida, o axioma vigente entre as marcas que atuam neste setor é

“pensar e agir globalmente”. Com o objetivo de reforçar o conceito e a imagem de

marca global, as campanhas publicitárias vêm da matriz. Assim, não são produzidos

materiais de comunicação e marketing aqui no Brasil, nacionalizar é palavra proibida no

dicionário deste mercado.

Diferentemente da marca LEVI’S, a DIESEL não faz segmentação da sua

comunicação veiculada nas mídias de massa. A anunciante veicula a mesma campanha

em todos os países onde seus produtos são comercializados. Ela se posiciona como uma

marca global, direcionada ao consumidor global. O próprio nome da marca evidencia

essa globalidade. Adota a língua inglesa como língua universal e padrão para sua

comunicação publicitária nos anúncios de mídia impressa e comunicação via Internet.

A marca LEVI’S construiu a imagem de marca associado à mítica da cultura

norte-americana. Seguindo a mesma linha do fotógrafo italiano e diretor de arte Oliviero

Toscani, a marca italiana DIESEL, em suas campanhas publicitárias, ironiza estas

crenças, na campanha CAMOUFLAGE TALES (Narrativas camufladas), contesta os

arquétipos de masculinidade a as instituições sociais (família, religião), promove a

feminilidade, criando algumas receitas para uma vida de sucesso.

No site da marca DIESEL, o seguinte texto apresentava esta campanha:

Current Campaign — CAMOUFLAGE TALES

Camouflage Tales, a guide to de art of emerging from background and stepping into the light, fallows the story of unlikely heroes on their journey from innocence to passion and back, twisting like a Moebius strip.

DIESEL guided o successful living

239

For people interested in general heat and mental power.

With career and self improvement tips, advice on how to stay eternally young, to more trivial subjects such as “The meaning of Life”. The world’s most comprehensive and detailed study on “Successful Living” can help to show what you know to people interested in general heath and mental power.44

As modelos femininas, com suas curvas acentuadas, longas madeixas loiras e

aneladas com cachos nas pontas, utilizadas na divulgação dos produtos DIESEL na

campanha CAMOUFLAGE TALES, são a própria encarnação da deusa da beleza,

retratada e imortalizada por Sandro Botticelli (1445-1550), no famoso quadro O

nascimento da Vênus.

O imaginário do Jardim do Éden foi utilizado para atribuir o sentido luxuoso à

Diesel: os modelos masculinos, retratados com diferentes características étnicas,

remetem ao simbolismo de Adão e de Jesus Cristo (o segundo Adão) e, por conseguinte,

tornam a Vênus uma manifestação de Eva. Conforme o psiquiatra Carl G. Jung (1964),

Adão e Cristo representam a morte e a ressurreição, configuram o mito cosmogônico da

criação do homem e do mundo. Adão simboliza o pecado original e a expulsão do

Paraíso, o nascimento da condição humana. Sua imagem arquetípica, nesta campanha, é

um signo da morte para uma vida anônima e do renascimento para uma vida gloriosa.

Ilustração 97: O nascimento da Vênus, obra de Sandro Botticelli

44 Atual Campanha — Narrativas camufladas Narrativas camufladas, um guia da arte de emergir do anonimato a caminho da luz, segue a história de heróis improváveis em sua viagem de volta à inocência e à paixão, desenrolando como uma tira de Moebius (tipo de corda utilizada por marinheiros).

Diesel — guiada para vida bem sucedida Para as pessoas interessadas na excitação geral e no poder mental No auge do desenvolvimento da carreira e de si próprio, dêem atenção a como permanecer eternamente jovens, aos assuntos mais triviais, tais como, “o sentido da vida”. O mais compreensivo e detalhado estudo do mundo sobre “a vida bem sucedida” pode ajudar você a mostrar o que sabe às pessoas interessadas excitação em geral e no poder mental.

240

De acordo com o Dicionário de Símbolos, o ciclo diurno de Vênus, que aparece

alternadamente no oriente e ocidente (estrela da manhã e estrela da tarde), é “um

símbolo essencial da morte e do renascimento”. Simboliza a feminilidade, mas também

pode representar o guerreiro macho, conhecido como o Deus da serpente (CHEVALIER &

GHEERBRANT, 2000, p. 937).

Conforme os autores, a Vênus Deusa da Manhã, irmã gêmea do Sol, reconhecida

como a valente dama das batalhas, presidia os atos de guerra e de massacre, um símbolo

de proteção. A Vênus Deusa da Tarde, aquela que indica o caminho às estrelas, favorece

o amor e a volúpia; influenciada por sua mãe Lua, é a divindade do amor e do prazer, a

leoa dos deuses do céu, rainha dos prazeres que ama o gozo e a alegria, dama dos

destinos, senhora das sortes. Na madrugada e no crepúsculo, Vênus manifesta-se como

uma espécie de ligação entre as divindades do dia e da noite.

Para a astrologia, o planeta Vênus encara o amor, o sentimento, a atração

instintiva, a harmonia e a doçura. É o astro da arte e da intensidade sensorial, do

divertimento e do prazer. “O sentido do tato lhe é atribuído assim como todas as

manifestações da feminilidade (luxo, moda, enfeites etc.)” (CHEVALIER &

GHEERBRANT, 2000, p. 938). Vênus é essencialmente forte nas casas zodiacais de Touro

e Libra, relacionadas, respectivamente, aos seios e aos quadris, ou seja, às

particularidades da silhueta feminina.

Desde as eras primitivas, Vênus foi a estrela das doces confidências; a primeira das belezas celestes inspirava os apaixonados com a impressão direta que o suave brilho do astro produz na alma contemplativa. Para os astrólogos, Vênus está ligada às ligações de atração voluptuosa e de amor, que nascem da apetência orgânica do bebê em contato com a mãe e se prolongam até o altruísmo sentimental. Esse mundo venusiano do ser humano agrupa uma sinergia afetiva de sensações, de sentimentos e sensualidade, a atração simpática pelo objeto, pela embriaguez, o sorriso, a sedução, o impulso de prazer, de diversão de alegria, de festa na afinidade e na harmonia da troca, da comunhão afetiva, assim como os estados emocionais que transmitem encanto, beleza e graça. Inclusive, a divindade aparece em todas as mitologias com os mais belos atrativos: não há quem possa rivalizar com Afrodite, protetora do hímen e exemplo típico da beleza feminina. Sob o seu símbolo, reina no ser humano a alegria de viver, na festa primaveril da embriaguez dos sentidos e o mais refinado e espiritualizado prazer da estética. Seu reino é o da ternura e das carícias, do desejo amoroso e da fusão sensual, da admiração feliz, da doçura, da bondade, do prazer e da beleza. É o reino daquela paz de coração que chamamos de felicidade (CHEVALIER & GHEERBRANT, 2000, p. 938).

Vênus é um mito cultuado tanto no oriente quanto no ocidente, seu simbolismo é

universal. Na publicidade da marca DIESEL, de modo geral, a deusa da beleza denota

luxo e a atração exercida pelos produtos da marca em todo o mundo. Conota o status

241

atribuído aos usuários da marca. Conota, também, o prazer da felicidade como resultado

da compra dos produtos promovidos pela marca.

Ilustração 98: Anúncios da Campanha CAMOUFLAGE TALES

Os códigos de arquitetura, usados nos anúncios da campanha CAMOUFLAGE

TALES, são signos indiciais, que representam diversos locais e culturas do mundo,

denotando o caráter universal da marca.

242

Em todas as peças da campanha, tudo que está em segundo plano, ou seja, o que

não é ou não está usando DIESEL, aparecem camuflados. A Camuflagem significa “ato

ou efeito de camuflar; qualquer coisa que sirva para camuflar ou disfarçar; adaptação

em que um organismo possui características que o confundem com o meio onde vivem;

disfarce” (HOUAISS, 2001:590). Nesse caso, o recurso da camuflagem é utilizado para

denotar o anonimato e a falta de destaque de tudo que não é DIESEL, de todos que não

usam a marca. A camuflagem conota que nenhum outro objeto de consumo, tais como

casa, carro, viagem são capazes de atribuir status e reconhecimento aos seus usuários e

consumidores tal como o faz a marca DIESEL.

Todas as peças desenvolvidas para os anúncios dos produtos de moda vestuário,

da campanha CAMOUFLAGE TALES, tem o formato de página dupla. O formato de

uma página foi utilizado somente para os anúncios de calçados (tênis, sandálias) e

acessórios (óculos, relógios, complementos).

Ilustração 99: Anúncios de calçados e acessórios — Campanha CAMOUFLAGE TALES

243

Ao analisarmos as peças que compõem esta campanha, podemos observar

claramente a manipulação da diagonal de leitura, atribuindo à marca DIESEL o

significado de uma espécie de chave que indica o caminho para a vida bem sucedida.

Nos anúncios de páginas duplas, a tarja vermelha, na qual aparece escrito em branco,

fontes lineares, caixa alta, bold, o nome DIESEL, logo abaixo, também em branco,

fontes lineares, caixa alta, mas em corpo bem menor, de modo que todo o texto fique do

tamanho do nome da marca aparece o slogan FOR SUCCESSFUL LIVING (para viver

com sucesso). A diagonal de leitura é conduzida da esquerda para a direita, de cima para

baixo. Já nos anúncios de uma página, que são veiculados sempre em páginas ímpares, a

assinatura do anúncio aparece no canto superior direito, no ponto onde naturalmente são

colocados os dedos para folhear a revista, tornando-se o primeiro ponto de visualização

e, conseqüentemente, de leitura. Neste caso, a diagonal de leitura é conduzida da direita

para a esquerda, de cima para baixo.

Segundo a teoria da estática da recepção, uma campanha, um anúncio, uma

propaganda impressa, podem ser vistos a partir do olhar, das janelas da alma, através

dos espelhos e filtros do mundo, do olhar com seus olhos ou com outros olhos, através

dos olhos de outrem45. A percepção implica na relação de vários universos de acordo

com as vivências de cada receptor a cerca da imagem veiculada pela publicidade.

Esse seduzir faz parte da manipulação que acontece na construção do discurso

da publicidade, essa comunicação visual que contagia não só o olhar, mas até mesmo o

corpo, ao criar um cenário de ilusão no qual estão inclusos o gosto, o perfil, a vivência,

o conhecimento e a novidade que o consumidor espera, isto é, na experiência estética,

na busca do novo.

Esse jogo da construção da enunciação num anúncio trata da manipulação do

publicitário em relação ao consumidor. Sua proposta vital é levar o observador à

identificação quando este se defronta com a publicidade da marca.

Todas essas manipulações, geradoras das grandes oposições fundamentais

criadas nos textos publicitários, neste caso os da marca anunciante DIESEL, são tratadas

também pelo olhar do publicitário no momento em que recebe o briefing46 e, logo, a

45 Pessoa que não participa do processo de comunicação e cuja menção é imprecisa ou indefinida; outra pessoa (HOUAISS, 2001, p. 2093). 46 Briefing é um pedido de serviços que contém, de forma resumida, as instruções e diretrizes do anunciante referentes à campanha, tais como o fato principal, os problemas que devem ser resolvidos pela

244

procura de temas, matérias, elementos, cores, efeitos de iluminação, irá situar-se muito

próxima de seu público-alvo e consumidores. Esse observador deve comprar uma

marca, quer pela necessidade de status e reconhecimento, quer pela qualidade de seus

produtos, quer pela sua imagem de marca global luxuosa. Portanto, tudo na ilustração

deve pertencer de algum modo a seu universo cognitivo, para que ele adquira a marca.

Este receptor é um comprador em potencial de marcas de luxo, mas é preciso atraí-lo

pela originalidade, prometer-lhe reconhecimento e convencê-lo da eficácia da marca

que está sendo anunciada.

Cada um que recebe uma mensagem é condicionado a lê-la de certo modo, no

entanto, tem a liberdade para lê-la de modo diferente, isto é, com pequenas diferenças

de acordo com os conhecimentos de cada um porque, no geral, o texto é construído para

ser lido de maneira a convencer quem o lê. O observador entende o que lhe é prometido,

confia e, seduzido, compra a marca e seus produtos. A vivência e sua expectativa são

justamente esse modo particular de leitura que identifica e cria no receptor o desejo de

possuir a marca pelo seu valor de status. O observador vê o mundo com a sua própria

história, uma vez que todo leitor é um leitor de si próprio.

Ao ler o anúncio conforme sua história, o jovem consumidor global que se

interessa por marcas mundiais e que compreende o glamour da moda internacional sente

essa proximidade do que é dito com o seu viver, uma aproximação realizada pelo

publicitário na somatória dos vários elementos utilizados e, principalmente, pelos

materiais que entram na organização para serem vistos e sentidos — o ver e o sentir. Em

relação à presente campanha, o ver e o sentir devem trazer à tona o ser e o parecer, a

ilusão e a magia do momento e do reconhecimento, do status social.

Vale a pena lembrar que existe uma identificação dos jovens brasileiros com os

de outros países: eles querem ser reconhecidos como um todo. Viajar para fora do país

usando um jeans de uma marca global, tal como a DIESEL, mantém o status da mesma

forma no lugar de destino, isso confere uma idéia de segurança. O conceito veiculado

pela marca aqui no Brasil tem o mesmo valor em qualquer outro lugar do mundo onde a

publicidade da marca seja veiculada.

comunicação, a definição do público-alvo, as informações sobre a concorrência, os objetivos de comunicação, o tema sugerido pelo cliente, as obrigatoriedades e limitações, os compromissos. “Quando uma empresa chama uma agência, solicitando uma campanha, as informações são transmitidas pelo atendimento em uma conversa bastante informal. Essa ‘informalidade’ é registrada formalmente em um documento denominado ‘briefing’” (LUPETTI, 2002, p. 70-73).

245

Para análises semiológicas específicas, de caráter semântico e persuasivo, foram

selecionados quatro anúncios da campanha — CAMOUFLAGE TALES (“Narrativas

Camufladas”), veiculados em mídia impressa, no período de fevereiro a abril, em

editoriais de moda nacionais e europeus. São eles: Anúncio 5, veiculado na Revista

Vogue Brasil, nº 333, maio de 2006, p. 24-25. Anúncio 6, Revista Vogue Brasil, nº.

331, março 2006, p. 10-11. Anúncio 7, Revista Elle France, nº. 246, fevereiro de 2006,

p. 66-67. Anúncio 8, Revista Vogue Brasil, nº. 332, abril de 2006, p. 40-41, formato

página dupla (40 X 26,5 cm).

Anúncio 5: CAMOUFLAGE TALES

Ilustração 100: Anúncio veiculado na Revista Vogue Brasil, número 331, março 2006, p. 10-11, formato página dupla (40 X 26,5cm)

Plano de Expressão ou Significante:

Em página dupla, plano geral: do lado direito, em primeiro plano, um belo casal

caminha de mãos dadas. A jovem mulher está um passo à frente do jovem rapaz, vestida

de forma displicente e sensual, tendo desnudas partes do seu corpo, à mostra o seu

belíssimo abdômen e colo: recobre-o um Spencer azul jeans confeccionado em tafetá de

seda, mangas longas, semi-aberto, calça jeans de cintura baixíssima, bolsos chapados

246

frontais, detalhes de puídos nas pernas, com cinto preto. A jovem loira traz os longos

cabelos, soltos, revelando seus cachos esvoaçantes, o que destaca seu rosto com traços

de beleza miscigenada, acentuada pela sua aparência sensual. Ao seu lado, com um

passo, ligeiramente atrás, o jovem rapaz posiciona-se como seu guardião. Ele veste uma

camisa branca, com listras desenhadas como motivo floral liberty, semi aberta, mangas

arregaçadas, calça jeans five-pockets, com puídos na altura dos joelhos, cinto preto. O

jovem tem os cabelos loiros, arrumados com gel, jogados para trás, formando um tipo

de topete, o que destaca a beleza de seu rosto anguloso.

Em segundo plano, um imenso corredor de casas conjugadas (tipo de construção

em que as casas são construidas parede com parede), tanto do lado esquerdo quanto do

lado direito, entre elas, um rua muito estreita, desenhada por alguns degraus. Todo o

cenário tem a imagem camuflada por uma pintura que mistura as cores verde, ocre,

marrom acastanhado e tom sépia. Longas janelas estreitas, desenhos de persianas,

semiabertas compõem o visual das casas. Entre as aberturas das janelas podemos

observar as mãos que as seguram, denotando que o casal está sendo observado por todos

os “moradores” daquele local. Por trás das janelas está o olhar que espia, espreita,

espiona, à sombra, à skía.

Complementa o título principal a proposta do fabricante: DIESEL FOR

SUCCESSFUL LIVING (para viver com sucesso). Esta inscrição fecha o sentido geral

do anúncio, adaptando-o à política da DIESEL, que demonstra ser a vanguardista na

construção de uma nova sociedade, a sociedade global hedonista, movida pela filosofia

da mudança.

No canto inferior da página direita, escrita em inglês, na cor em branca, com

fonte muito pequena e quase ilegível, aparece a seguinte mensagem verbal: Number 219

in a serie of DIESEL “how to...” guides to successful living. for more information call

diesel Brasil 11 3083 4937 www.diesel.com. (Número 219 da série da DIESEL “como

a…” guias para a vida de sucesso. Para mais informações fale com a Diesel Brasil 11

3083 4937 www.diesel.com).

Plano de Conteúdo ou Significado:

Com relação aos sentidos denotados neste anúncio, pode-se realizar duas

análises distintas: o local versus o global. A arquitetura do cenário que compõem o

layout do anúncio é caracterizado pela arquitetura regional. A ilustração do anúncio

247

retrata o paradoxo como tornar-se moderno e voltar às raízes? Como reviver uma

civilização antiga e adormecida e participar da civilização universal? O conceito de uma

cultura local ou nacional é uma proposição paradoxal, não apenas devido à atual e óbvia

antítese entre cultura local e raiz de civilização universal, mas também porque todas as

culturas, tanto antigas como modernas, parecem ter seu desenvolvimento intrínseco, de

uma certa fertilização cruzada de outras culturas. O casal vestindo jeans, a roupa

universal do jovem, retrada a imagem do global. Os dois jovens, de costas para o

cenário que retrata a cultura local, caminham juntos em nova direção, rumo aos

caminhos da vida bem sucedida. Sua morada já não é mais o Paraíso, lugar

determinado, cheio de regras, onde impera o igual, mas o próprio corpo (nossa casa

terrestre), livre e móvel, que pode ser deslocado para qualquer lugar e desfrutar dos

mais diversos prazeres. Os signos gestuais do casal e a verticalidade de seus corpos

denotam segurança, sentem-se protegidos pela marca global, ainda que comuniquem

certo desconforto com os olhares que os espreitam por trás das janelas e os observam

com inveja.

O olhar que espreita é o olhar que observa, fita o objeto observado, vê-o com

luminosidade e com muita atenção, a fim de reproduzi-lo, imitá-lo ou de dominá-lo. O

olhar à sombra representa o consumidor.

Skía, sombra de alguma coisa ou de alguém, sombra dos mortos, sombra da fumaça, sombra esfumaçada do desenho, claro-escuro, aparência e ilusão e que as faz deliberadamente chama-se skiagráphos: pintor. Porque parente da sombra, skías nos remate àquele que fica na sombra e se esconde e, se seu esconderijo for dito em latim, será specus (caverna), spelunca (grota, cova), cella (cela, cova, caverna). Na caverna reina a sombra, skía, de que se aproveita o pintor, skiagráphos, quando traça iguras, sombras do original, e também o eidolopóios, fabricante de simulacros como o poeta. Dela nos convida a sair Platão para que, abandonando cópias e simulacros, vejamos a luminosidade radiante do eidos e, na república, onde o filósofo será rei, não haverá nem poetas nem pintores (Marilena Chauí, in NOVAES: 1988, p. 36).

As cores utilizadas na camuflagem, o céu azul e ensolarado, o tom de azul

amarelado, que aparece sobre a cabeça do jovem casal, indicando a posição do sol, são

signos indiciais do primeiro período do dia; portanto, a Vênus retratada neste anúncio é

a Deusa da Manhã, um símbolo de proteção.

Os signos-gestuais do rapaz, tais como olhar atento, um andar meio de lado em

posição de guarda, denotam curiosidade e atenção, já os sinos-gestuais da jovem

denotam segurança de despreocupação, conforme nos certifica o seu jeito de caminhar

com passos firmes, a frontalidade de seu corpo e olhar desatento. Ela conduz o rapaz e a

248

maneira como o faz indica que o lugar lhe é familiar, já o olhar curioso e a expressão de

estranhamento do rapaz indica que ele é um “estrangeiro” no local.

A utilização da camuflagem ofusca toda a paisagem e as outras pessoas que

estão por trás das janelas, tornando tudo uma massa, sem nenhum código de distinção.

Destaca-se, no anúncio, apenas o jovem casal que aparece em primeiro plano, vestindo

os artigos da marca anunciante. Além disso, a diagonal de leitura favorece a localização

da marca e do slogan que aparece no primeiro quadrante de leitura e também do jovem

casal, que se encontra no segundo quadrante de leitura, que, por se tratar de um anúncio

de página dupla, será visto antes da assinatura.

Nessa mensagem da DIESEL, a filosofia do lucro pode ser encontrada nas

vantagens prometidas tanto explicitamente — DIESEL FOR SUCCESSFUL LIVING —

que envolve a idéia de segurança e reconhecimento social, como no nível implícito, em

linguagem conotativo-simbólica: o consumidor será mais sedutor e notável, tornando-se

mais atraente ao usar o modelo que está sedo anunciado; ambos os jovens (ele e ela)

serão bem sucedidos — porque ao vestirem os produtos da marca se sentirão mais

poderosos, seguros e confiantes.

A verticalidade dos corpos dos dois jovens e a proeminência de seus tórax, o

tecido nobre do spencer que a jovem está usando, o olhar com certo desdém, a firmeza

do andar, denotam segurança, uma aparência de superioridade e um status social mais

elevado. Dentre as figuras de retórica, utiliza-se a metonímia, pois o tecido nobre, por

ser caro, sugere a sua utilização por pessoas de poder aquisitivo compatível com a

classe burguesa e estilo de vida luxuoso, atribuindo status social mais elevado a quem

os usa. Além disso, a manipulação da imagem arquetípica da Vênus Deusa da Manhã

transfere à marca os sentidos de proteção e segurança, além dos demais significados

associados ao mito, tais como refinamento, beleza, felicidade e sensualidade.

Mensagem Denotativa:

Para vire com sucesso, arrisque-se: liberte-se de suas origens, seja um cidadão

global, viaje pelo mundo.

Mensagem Conotativa:

Use o jeans da DIESEL, a marca cidadão global bem sucedido e o código de

acesso ao antidestino, e sinta-se seguro em qualquer lugar do mundo.

249

Anúncio 6: CAMOUFLAGE TALES

Ilustração 101: Anúncio veiculado na Revista Vogue Brasil, número 333, maio de 2006, p. 24-25, formato página dupla (40 X 26,5 cm)

Plano de Expressão ou Significante:

Em página dupla, plano geral: do lado direito, em primeiro plano, duas belas

jovens loiras posicionam-se em pé, uma frente à outra. Uma delas está um passo à frente

da outra, de costas para a câmera fotográfica, com as mãos nos bolsos frontais da calça e

o rosto na posição de perfil voltado para a esquerda, ela está vestida de forma

displicente e sensual, usando minicamisa de cetim verde, com uma serpente com vários

chifres bordado nas costas nas cores vermelha edourada, sua calça jeans têm lavagem

escura, barras viradas para cima e dois bolsos traseiros com detalhe de bordado e zíper

com puxador em couro, na cintura um cinto de couro vermelho, com detalhes de tachas

niqueladas, finaliza seu “look rocker desencanado”. A outra jovem posiciona-se de

frente à câmera fotográfica, ela está com as mãos nos bolsos traseiros da calça; esta

moça também se veste de maneira displicente e sensual, tendo desnudas partes do seu

corpo, à mostra o seu belíssimo abdômen, ombro e colo: recobre-o uma miniblusa

frente-única de cetim verde escuro, calça jeans de cintura baixíssima, modelo five-

pockets, lavagem stonewashed com detalhes de lixado e bigodes, um bordado feito com

linha adorna a boca dos bolsos, na cintura um cinto vermelho de verniz complementa

250

seu visual. A jovem da esquerda olha com olhar de desejo para jovem que está na frente,

ela traz os longos cabelos, soltos, revelando seus cachos, esvoaçantes, destacando sua

beleza miscigenada, acentuada pela aparência sensual de seus lábios carnudos.

Em segundo plano, mais ao fundo e atrás das duas jovens, uma paisagem

composta por uma árvore, uma casa sem muro com pequeno jardim e calçada na frente,

refletem a arquitetura típica dos condomínios californianos. Um carro está estacionado

em frente à garagem da casa, que está com as portas fechadas. À esquerda, em frente ao

carro, uma mulher vestida com calça e camisa mangas longas inteiramente fechada,

posiciona a mão esquerda sobre a boca aberta e a mão direita sobre os olhos do garoto

que está ao seu lado, à sua direita. O garoto veste calça e camiseta larga de mangas

longas. Todo o cenário, a mulher e o garoto têm a imagem camuflada por uma pintura

que mistura as cores branca, verde, ocre e marrom acastanhado. As cores da

camuflagem e do céu denotam que o sol começa a se por.

Concluindo a peça, localizado no canto superior esquerdo da página, o título

principal indica a proposta do fabricante: DIESEL FOR SUCCESSFUL LIVING (para

viver com sucesso). Esta inscrição fecha o sentido geral do anúncio, adaptando-o à

estratégia mercadológica da DIESEL, que demonstra ser a vanguardista na construção

da sociedade global hedonista, luxuosa e bem sucedida.

No canto inferior da página direita, escrita em inglês, na cor em branca, com

fonte muito pequena e quase ilegível, aparece a seguinte mensagem verbal: Number 218

in a serie of DIESEL “how to...” guides to successful living. for more information call

diesel Brasil 11 3083 4937 www.diesel.com. (Número 218 da série da DIESEL “como

a…” guias para a vida de sucesso. Para mais informações fale com a Diesel Brasil 11

3083 4937 www.diesel.com).

Plano de Conteúdo ou Significado:

Em cena, vemos o Jogo de sedução entre Eva e Lilit, a posição e localização de

seus corpos formam a imagem de um losango, denotando o homossexualismo de ambas,

pois, segundo o Dicionário de Símbolos, o losango é um símbolo de feminilidade; às

vezes ornam serpentes em imagens ameríndias, têm sentido erótico: “o losango

representa a serpente, o falo e, eles exprimem a filosofia dualista”. Os autores afirmam

que “o losango representa a vulva e, por conseguinte a matriz da vida. Por extensão,

251

significa também a porta dos mundos subterrânesos, a passagem iniciatória para o

ventre do mundo, a entrada na residência das forças etonianas”. Para os chineses, o

losango é “um dos oito emblemas principais do símbolo da vitória”. Numa forma muito

análoga (como é o caso da figura visualizada no anúncio analisado), “como dois

triângulos isósceles, adjacentes na base, o losango significaria os contatos e os

intercâmcios entre o céu e a terra, entre o mundo superior e o inferior, às vezes também

a união dos dois sexos” (CHEVALIER & GHEERBRANT, 2000, p. 558).

Eva é um signo do pecado, da tentação, simboliza o elemento feminino no

homem, o irracional, a alma, a carne, a concupiscência. Lilit representa a serpente, o

ódio contra a família, os casais e os filhos, é um signo de androginia Elas estão de

costas para o garoto, denotando o abandono da infância e a perda da pureza. Pois a

criança é o símbolo da inocência: “é o estado anterior ao pecado e, portanto, o estado

edênico”. A imagem da criança representa a infância, simboliza a simplicidade natural,

a espontaneidade, a pureza. A criança é a chave para o reino dos céus: “em verdade vos

digo, aquele que não receber o Reino de Deus como uma criança, não entrará nele”.

(CHEVALIER & GHEERBRANT, 2000, p. 302).

Os códigos-gestuais da mulher que está em segundo plano caracterizam sua

expressão de espanto (mão esquerda sobre a boca aberta) e de desaprovação (mão

direita sobre os olhos do garoto) reafirmando a sugestão de homossexualismo das duas

jovens. O gesto da mãe, ao tapar os olhos do garoto, denota sua preocupação em

conservar a inocência do filho, uma vez que possuir duas mulheres, ao mesmo tempo, é

uma das fantasias sexuais mais recorrentes no universo masculino.

As duas jovens dão as costas ao arquétipo negativo da grande-mãe, uma vez que

esta é uma escolha que deve ser feita por quem deseja uma vida de sucesso, pois “todos

os mitos do herói representam simbolicamente a luta humana para se livrar das garras

impiedosas da mãe terrível”, tal como o herói mitológico — Perseu, que simboliza tanto

a ascensão da humanidade como a do inconsciente. (RANDAZZO, 1997, p.115).

A Vênus, retratada nesse anúncio, renuncia não apenas aos valores sociais

tradicionais vigentes, tais como constituir uma família e dar a luz, como também

redefinem sua sexualidade; ignorando os preconceitos ela assume o próprio

homossexualismo, além disso; dá as costas aos tradicionais símbolos de sucesso que são

a casa própria e o automóvel.

252

O recurso da camuflagem, utilizado para recobrir tudo o que está em segundo

plano, e a localização das duas jovens no enquadramento da cena, evidenciam a

significativa presença de ambas, denotando que somente quem usa os produtos da

marca anunciada é reconhecido no cenário urbano, pois apenas ela o faz destacar-se de

tudo o que está ao seu redor.

As cores utilizadas na camuflagem, a projeção da sombra e o céu azul, mais

amarelado na altura do telhado da casa, indicam que o sol está se pondo e que, nesse

caso, a manifestação da Vênus se dá no alvorecer. Portanto, ela simboliza proteção,

amor, coragem, volúpia, sorte e destino; é a rainha dos prazeres que ama o gozo e a

alegria; indica o caminho para o sucesso.

As intenções persuasivas da marca anunciante evidenciam-se tanto na ilustração

como no texto, já que há a promessa de desejos satisfeitos e de reconhecimento social,

condicionada à utilização do produto. O anúncio não veicula uma promessa real, mas

fantasiosa, capaz, porém, de sugestionar às jovens carentes de reconhecimento social e

de felicidade. Envolve a idéia de reconhecimento social, como no nível implícito, em

linguagem conotativo-simbólica: a consumidora será mais notável e atraente ao usar a

marca anunciada; será bem sucedida — porque ao vestir os produtos da marca irá se

sentir mais poderosa, segura, corajosa, confiante e notável.

A verticalidade dos corpos das duas jovens, a proeminência do tórax de ambas, o

tecido nobre, tal como o cetim das blusas das duas, o olhar da jovem da direita,

comunicando certo desdém, denotam segurança, uma aparência de superioridade e um

status social mais elevado. Como reforço a essa promessa, há um enfoque frontal no

rosto de uma e das jovens que sugere, pelos belos lábios entre abertos direcionados para

a câmera, que é ela quem faz a afirmação, tornando o interlocutor sua cúmplice e adepto

à utilização da mesma marca.

Mensagem Denotativa:

Para ter êxito na vida, ouse ser diferente: liberte-se das convenções sociais e

sexuais, entregando-se ao mundo dos prazeres.

Mensagem Conotativa:

Use DIESEL, a marca símbolo de luxo e sucesso, o código de acesso ao

antidestino.

253

Anúncio 7: CAMOUFLAGE TALES

Ilustração 102: Anúncio veiculado na Revista Vogue Brasil, número 332, abril de 2006, p. 40-41,

formato página dupla (40 X 26,5 cm)

Plano de Expressão ou Significante:

Em página dupla, plano geral: do lado direito, em primeiro plano, em pé, com

uma das pernas ligeiramente à frente e a outra levantada, um lindo casal de jovens, com

as mãos dadas, olham fixamente um para o outro. O belo jovem moreno veste uma calça

e uma camisa, branco off white, sob um casaco tipo sahariene, cor caqui. Nos pés,

sapatos brancos complementam seu visual esportivo e, ao mesmo tempo, sofisticado. Os

botões abertos da camisa revelam seus músculos e peito nu, a abertura dos ombros

evidencia a proeminência de seu tórax. Seus cabelos curtos, aparentemente

desarrumados valorizam a beleza do perfil do seu rosto. A linda jovem veste um vestido

de musseline de seda estampado com motivos florais nas cores turquesa, branca,

vermelha, laranja e magenta. O vestido tem decote bailarina, cintura baixa e efeito

blouse, saia esvoaçante e comprimento na altura dos joelhos. Nos pés, sandálias salto

alto e tiras muito finas asseguram seu visual sofisticado e sensual. A jovem olha com

olhar apaixonado e de desejo para o jovem ao seu lado e ligeiramente à sua frente,

conduzindo-a. Ela traz os longos cabelos loiros, soltos, com cachos esvoaçantes,

jogados para trás, destacando o perfil de sua beleza miscigenada, acentuada pela

aparência sensual de seus lábios carnudos com batom vermelho.

254

Em segundo plano, mais ao fundo, em torno de uma mesa posta e farta,

posicionam-se seis pessoas. Do lado esquerdo da mesa, uma linda mulher loira, vestindo

um chemisie de mangas longas, está em pé com a mão no peito de um forte e belo

homem de cabelos grisalhos, que está à sua esquerda, vestindo terno e gravata e com os

braços abertos. No centro, atrás da mesa, um senhor grisalho, vestindo uma calça e uma

camisa sob um suéter, está em pé, com uma das mãos apoiadas sobre a mesa e a outra

apontando para o jovem casal. Do lado direito da mesa, mais ao fundo, um belo homem

moreno, vestido com camiseta pólo de magas curtas, senta-se com os cotovelos

apoiados sobre a mesa e as mãos seguram sua cabeça baixa. Na ponta da frente da mesa,

usando um vestido chemisie sob um blazer de manga longa aberto frontalmente e

calçando um scarpin salto médio, senta-se uma senhora de cabelos grisalhos, com a

mão direita sobre o seu rosto e a mão esquerda apoiada nos ombros da adolescente que

está ao seu lado. A garota que está usando um vestido básico, corte império, com

comprimento na altura dos joelhos e clássicas sapalilhas chanel, têm as duas mãos sobre

o rosto.

A arquitetura clássica inspirada no romantismo alemão que compõem o cenário

é característica da obra de Mies van der Rohe. Uma imensa varanda, com teto forrado

com treliças, chão revestido com piso em forma de grandes quadrados, tem amplos vãos

entre os pilares, através dos quais podemos ver ao fundo uma paisagem composta por

uma vegetação rasteira, mais ao fundo por uma densa floresta, por trás da qual se pode

ver o mar e o céu azul, mais amarelado na linha do horizonte e no canto direito.

Todo o cenário, a mulher e o garoto têm a imagem camuflada por uma pintura

que mistura tons de beges com as cores ocre e dois diferentes tons de marrom marrom.

As cores da camuflagem e do céu denotam uma cena à meia luz.

Complementa a cena, o título principal a proposta do fabricante: DIESEL FOR

SUCCESSFUL LIVING (para viver com sucesso), localizado no canto superior esquerdo

da página, fechado o sentido geral do anúncio, à política da vanguardista da luxuosa

marca DIESEL.

No canto inferior da página direita, escrita em inglês, na cor em branca, com

fonte muito pequena e quase ilegível, aparece a seguinte mensagem verbal: Number 220

in a serie of DIESEL “how to...” guides to successful living. for more information call

diesel Brasil 11 3083 4937 www.diesel.com. (Número 220 da série da DIESEL “como

255

a…” guias para a vida de sucesso. Para mais informações fale com a Diesel Brasil 11

3083 4937 www.diesel.com).

Plano de Conteúdo ou Significado:

Nesse anúncio, Vemos a cena de um jovem casal apaixonado em fuga. A Vênus

da Diesel manifesta-se como uma espécie de ligação entre o dia e a noite, simbolizando,

além de proteção, amor, prazer, gozo, destino, alegria e sorte, conforme nos indicam as

cores utilizadas na camuflagem, a projeção da sombra, o céu azul, altura do telhado, e

mais amarelado, no horizonte, revelando a posição do sol poente.

A posição dos corpos do jovem casal “desenha” um triângulo retângulo em torno

de cada um, denotando a equivalência e completude de ambos, visto que segundo o

Dicionário de Símbolos, “o homem corresponde a um triângulo equilátero cortado em

dois, ou seja, um triângulo retângulo” e o triângulo equilátero simboliza a “divindade, a

harmonia e a proporção”. De acordo com os autores, “essa transformação do triângulo

equilátero em triângulo retângulo traduz-se por uma perda do equilíbrio” (CHEVALIER

& GHEERBRANT, 2000, p. 903).

A cadeira caída, de pernas para o ar, em frente o pé esquerdo da moça apontado

para ela, aparentando querer chutá-la, denota que essa Vênus literalmente “chutou o

balde” e largou o antigo namorado — o homem que está atrás dela desiludido,

inconformado e envergonhado, com as mão sobre seu rosto — para fugir com o seu

amado e guerreiro-salvador, em busca da felicidade e da vida bem sucedida, deixando

tudo para trás.

Os códigos-gestuais da família da jovem — pais, avós e irmã — indicam

espanto, desapontamento e surpresa com a cena que estão vendo; denotam a

desaprovação desta para com a fuga do jovem casal.

A organização da família em torno da mesa desenha um quadrado. Segundo o

Dicionário de Símbolos, ancorado sobre seus quatro lados, o quadrado é um formato

antidinâmico, simboliza a “interrupção (ou parada) ou instante antecipadamente retido”.

Além disso, “o quadrado implica uma idéia de estagnação, de solidificação; e até

mesmo de estabilização na perfeição” (CHEVALIER & GHEERBRANT, 2000, p. 750).

A jovem Vênus, retratada nesse anúncio, em nome do amor e do prazer de estar

na companhia do seu desejado companheiro, renuncia não apenas à convenção social da

256

instituição do casamento, mas também ao conforto do lar e à segurança, transmitida

através do conforto atribuído pelos vínculos afetivos da família e posse dos bens

materiais. Rompendo com o ciclo de estagnação e estabilidade, ela sai em fuga a

caminho da felicidade e da vida bem sucedida.

O recurso da camuflagem, utilizado para recobrir tudo o que está em segundo

plano, e a localização do jovem casal no enquadramento da cena, evidenciam a

significativa presença de ambos, denotando que somente quem usa os produtos da

marca anunciada destaca-se de tudo o que está ao seu redor, sendo reconhecido pela sua

coragem e audácia.

Nesse anúncio, podemos verificar, claramente, intenções sedutoras da

mensagem, pois tanto na ilustração como no texto há promessa de desejos satisfeitos

com a idéia coragem, audácia, aventura, ousadia, arrojo, atrevimento e ilusão de

felicidade, condicionados à utilização do produto.

Nesse anúncio da DIESEL, a visão voltada para o lucro pode ser encontrada nas

vantagens prometidas tanto explicitamente — DIESEL FOR SUCCESSFUL LIVING

(para viver com sucesso) — que envolve a idéia de reconhecimento social, como no

nível implícito, em linguagem conotativo-simbólica: os consumidores serão mais

audaciosos, notáveis e atraentes ao usarem a marca que está sendo anunciada,

conquistando o ser amado e destinado; serão bem sucedidos — porque ao vestir os

produtos da marca se sentirão mais ousados, corajosos, confiantes e notáveis.

Mensagem Denotativa:

Para viver com sucesso, seja ousado: liberte-se das convenções sociais

familiares, entregando-se ao amor e à paixão.

Mensagem Conotativa:

Use DIESEL, a marca símbolo de luxo de uma vida de sucesso, o código de

acesso para o antidestino.

257

Anúncio 8: CAMOUFLAGE TALES

Ilustração 103: Anúncio veiculado na Revista Elle France, número 246, fevereiro de 2006, p. 66-67,

formato página dupla (40 X 26,5 cm)

Plano de Expressão ou Significante:

Em página dupla, plano geral: do lado direito, em primeiro plano, deita-se sobre

um clássico divã um lindo casal. O belo jovem tem cabelos na altura dos ombros com as

pontas cacheadas, na cor castanha. Ele veste uma calça cáqui escura com uma camisa na

cor branca acinzentada. Os botões abertos da camisa revelam seus músculos e peito nu,

a abertura dos ombros evidencia a proeminência de seu tórax. Um colar rústico em

torno do pescoço e duas pulseiras (uma branca e outra preta) complementam seu visual

moderno e despojado. A barba por fazer valoriza a beleza seu perfil facial e também o

faz lembrar a imagem convencional do Cristo ocidental. Ele tem os olhos fechados, a

cabeça apoiada no encosto do divã e o antebraço apoiado no chão. Ela veste um vestido

chemisie vermelho de seda, nos pés, um scarpin branco com salto fino de madeira

assinala seu visual sofisticado e sedutor. A jovem está ajoelhada sobre divã, suas mãos

tocam o peito do seu parceiro. Tentando despi-lo, ela segura uma das partes da camisa

semi-aberta e mira-o com olhar de desejo. A abertura frontal de seu vestido revela a

beleza de suas pernas, acentuando sua sensualidade. Ela traz os longos cabelos negros,

soltos, com seus cachos esvoaçantes, caídos sobre os ombros e peitos, destacando seus

258

traços faciais que revelam sua beleza oriental, ainda mais evidenciada pela aparência

sensual de seus lábios carnudos entreabertos.

Em segundo plano, mais ao fundo, nas sacadas do prédio que se opõe ao edifício

em que se encontra o jovem casal, ou por trás da superfície vítrica das amplas portas de

ou das lentes de um binóculo, várias pessoas olham na direção do casal.

O cenário desta peça publicitária é característico da arquitetura moderna, mais

especificamente, da obra de Le Corbusier, expressada através da sintaxe dos pilotis que

elevavam a massa acima do solo, da planta livre obtida mediante a separação entre as

colunas estruturais e as paredes que subdividiam o espaço, da fachada livre, do corolário

da planta livre no plano vertical e das longas janelas corrediças horizontais, conforme

nos assegura FRAMPTON (1994, p.188).

Todo o cenário, incluindo o divã, as paredes e o chão do ambiente em se

encontra o casal, além das outras pessoas que compõem o anúncio, têm a imagem

camuflada por uma pintura que mistura diversos tons de azul, que vão do turquesa ao

marinho.

O título principal, localizado no canto superior esquerdo da página, traz a

mensagem do fabricante: DIESEL FOR SUCCESSFUL LIVING (para viver com

sucesso). Esta inscrição fecha o sentido geral do anúncio, adaptando-o à política da

DIESEL, que demonstra ser a vanguardista na construção de uma vida bem sucedida,

hedonista e luxuosa, na sociedade global.

No canto inferior da página direita, escrita em inglês, na cor em branca, com

fonte muito pequena e quase ilegível, aparece a seguinte informação verbal: Number

218 in a serie of DIESEL “how to...” guides to successful living. for more information

call diesel Headquarter +39 0424 477 555 www.diesel.com (Número 218 da série da

DIESEL “como a…” guias para uma vida de sucesso. Para mais informações fale com a

Diesel Headquarter +39 0424 477 555 www.diesel.com).

Plano de Conteúdo ou Significado:

As cores da camuflagem e o tipo de iluminação denotam que a picante cena se

passa à noite. Ela é acentuada por certo voyeurismo que aguça ainda mais o clima de

erotismo entre a Vênus da Tarde (Lúcifer) e o Cristo (o segundo Adão).

259

A posição dos corpos do jovem casal “desenha” um triângulo retângulo em torno

de cada um, denotando a individualidade dela de dele, uma vez que o triângulo formado

pela jovem reflete um grande contraste de tamanho, por ser muito maior que o triângulo

formado pela imagem do jovem. Além disso, se considerarmos a diagonal de leitura, de

cima para baixo, da esquerda para a direita, veremos o feminino penetrar no masculino,

no espaço da conjunção entre os dois triângulos.

A jovem, retratada nesse anúncio, é a imagem da Vênus da Tarde, a divindade

do amor e do prazer, aquela que ama o gozo e a alegria, aquela que indica o caminho às

estrelas, estrela da luz (Lúcifer), que seduz completamente seu jovem parceiro, retratado

como a imagem de Cristo. De acordo com os signos-gestuais dele, tais como a posição

de seu corpo, o braço completamente largado ao chão, os olhos fechados, ele parece

completamente entregue aos domínios de sua parceira.

De acordo com o Dicionário de Símbolos, Cristo é “a síntese dos símbolos

fundamentais do universo: o céu e a terra, por suas duas naturezas — divina e humana;

o ar e fogo, por sua ascensão e sua descida aos infernos; o túmulo e a ressurreição”.

Conforme os autores, Cristo é para a cristandade o rei dos símbolos, pois goza do

privilégio de identificar ao mesmo tempo o mediador e os dois termos a serem unidos:

“eu sou o caminho, a verdade e a vida”. Quando se considera a face noturna do símbolo

(como é o caso deste anúncio analisado), por sua agonia e crucificação, por seu calvário

ele representa as conseqüências do pecado, das paixões, da perversão da natureza humana. E para as conseqüências que não admitem essas noções de pecado, de piedade ou de sacrifício, ele encarna o desprezo pela natureza e por seus arrebatamentos. Ele é o anti-Dionísio. Volta contra si mesmo todos os valores humanos. O que ele se tornou, na interpretação da igreja, escreve Nietzsche no Anticristo, opõe-se a tudo o que há de bom na vida: tudo o que exalta no homem o sentimento de poder, a vontade de poder, e o próprio poder (CHEVALIER & GHEERBRANT, 2000, p. 304).

A cor vermelha, conforme o Dicionário de Símbolos, o vermelho “incita à ação,

é a imagem de ardor e de beleza, de força impulsiva e generosa, de juventude, de saúde,

de riqueza, de Eros livre”, além disso, é “universalmente considerada como símbolo do

princípio da vida” (idem, ibidem: 944). Nesse caso, ela é utilizada para indicar a

potência e o vigor do apelo de sedução da Vênus da Tarde e o princípio de uma nova

vida para o Cristo, repleta de desejo, poder e dos prazeres hedonísticos de Dionísio.

O branco da vestimenta do jovem, já não é mais o branco imaculado, símbolo de

pureza, é o branco acinzentado, sugerindo “a pequena morte”, o gozo e o deleite.

260

A cena da Vênus da Tarde seduzindo Cristo atrai o olhar de todos ao seu redor,

tornando-os atração única para seus vizinhos. Nesse jogo do espelho e do olhar, do

espetáculo e do parecer, agora rebatidos no jogo do olhar no anúncio, tem-se o olhar do

receptor e seu reflexo. O observador, ao olhar a cena de sedução do jovem casal, se vê

no enredo da história criada, vê também o reflexo de tudo que está inserido no anúncio.

Tudo isso somado ao seu imaginário, faz multiplicar as possibilidades de ver e de olhar

o que ali está exposto. Cada espectador cria seu universo feérico a partir das

interpretações propostas pelo texto. É nesse enredo fantástico, recuperado no discurso

da publicidade, que se espelham as vontades dos espectadores que os levam, pelos

efeitos de sentido, a desejarem os produtos da marca anunciada, ao mesmo tempo em

que são manipulados pela sedução momentânea de um ato de sedução sexual.

O recurso da camuflagem utilizado para recobrir tudo o que está em segundo

plano e a localização do jovem casal no enquadramento da cena, evidenciam a

significativa presença de ambos, denotando que somente quem usa a marca anunciada

destaca-se de tudo o que está ao seu redor, atraindo para si todos os olhares.

Nesse anúncio, podemos verificar claramente as intenções e o apelo sedutor da

mensagem da DIESEL, pois tanto na ilustração como no texto há promessa de desejos

satisfeitos com a idéia de sedução, conquista e satisfação dos desejos sexuais e de

notoriedade condicionados à utilização do produto. Tanto as vantagens sugeridas quanto

as ditas explicitamente — DIESEL FOR SUCCESSFUL LIVING (para viver com

sucesso) — envolvem a idéia de reconhecimento social e notoriedade, como no nível

implícito, em linguagem conotativo-simbólica: os consumidores serão mais notáveis e

atraentes ao usarem a marca que está sedo anunciada, conquistando o parceiro desejado;

serão bem sucedidos — porque ao vestir os produtos da marca se sentirão sedutores,

corajosos, confiantes e desejáveis.

Mensagem Denotativa:

Para viver com sucesso, seja atrevido: liberte-se das convenções religiosas do

cristianismo, entregando-se ao mundo dos prazeres hedonísticos de Dionísio.

Mensagem Conotativa:

Use DIESEL, a marca símbolo de uma vida bem sucedida e de um estilo de vida

repleto de luxo e luxúria, o código de acesso para o antidestino.

261

De acordo as análises desse anúncio e dos três que o antecedem, podemos

afirmar que a DIESEL promoveu o hedonismo de Dionísio e a transgressão às normas

na campanha CAMOUFLAGE TALES, associando à marca o prestígio e a notoriedade

obtida pelos “modelos masculinos” e “modelos femininos” em todas as peças

publicitárias que dela fizeram parte.

A camuflagem foi o recurso utilizado em todas as peças, a fim de garantir

unidade à campanha que veiculou as narrativas camufladas. A manipulação da figura

mítica e arquetípica da Vênus é comum a todas as peças que compõem a campanha,

criando, ironicamente, receitas para o antidestino e para vida de sucesso, assegurando o

slogan DIESEL FOR SUCCESSFUL LIVING, que é utilizado pela desde 1991.

A figura de linguagem recorrente em todos os anúncios dessa campanha, criando

uma relação de contigüidade e não de semelhança, é a metonímia: quem usa os produtos

da marca anunciada é sempre o melhor.

Na campanha CAMOUFLAGE TALES, os anúncios da DIESEL não vendem o

produto, eles promovem um estilo de vida irreverente e audacioso associado aos

usuários da marca, que são capazes de lutar contra toda e qualquer fatalidade natural da

vida e de construir um antidestino. Essa coragem, que se manifesta através da luta

contra a própria sina, atrai todos os olhares para o guerreiro-herói e a Vênus da

DIESEL. Deste modo, a marca vende a “atração do olhar” e o “sucesso”, talvez por esta

razão ela tenha conquistado a própria notoriedade.

Explorando os paradoxos global x local (anúncio 5), homossexualismo x

heterossexualismo (anúncio 6), ousadia x conformismo (anúncio 7), resistência X

entrega (anúncio 8), a linguagem da campanha CAMOUFLAGE TALES deixa-se invadir

pelo seu duplo, unindo o melhor ao pior por uma ilusão de racionalidade cuja fórmula é:

“todos precisam acreditar nisso”.

Na publicidade da DIESEL, podemos verificar, claramente, intenções sedutoras

da mensagem, pois tanto na ilustração como no texto há promessa de desejos satisfeitos

com a idéia de sucesso e reconhecimento social condicionadas à utilização do produto.

Os anúncios não veiculam uma promessa real, mas fantasiosa, espelhada na montagem

das cenas criadas em ambientes cenográficos, com apropriado requinte arquitetônico,

262

divulgando o simulacro47 da felicidade e de uma vida bem sucedida. Essa publicidade

veicula um ultimato implícito de cunho econômico, dizendo e repetindo, intensa e

incansavelmente: “compro, consumo, gozo” (BAUDRILLARD, 1991: 118).

47 Em Simulacros e Simulações, o filósofo e semiólogo francês Jean Baudrillard, cita o Eclesiastes: “O simulacro nunca é o que oculta a verdade — é a verdade oculta que não existe. O simulacro é verdadeiro. Segundo o autor, a simulação “é a geração de modelos de um real sem origem nem realidade: hiper-real”. Os simuladores atuais “tentam fazer coincidir o real, todo o real com os modelos de simulação”. Desse modo, “o real é produzido através de células matizadas, de matizes e de memórias, de modelos de comando — e pode ser reproduzido um número indefinido de vezes a partir daí”. Na verdade, “já não é mais o real, pois já não está envolto em nenhum imaginário”. “É um hiper-real, produto síntese irradiando modelos combinatórios num hiperespaço sem atmosfera”. “Nesta passagem a um espaço cuja curvatura já não é a do real, nem a da verdade, a era da simulação inicia-se, pois, com uma liquidação de todos os referenciais — pior: com a sua ressurreição artificial nos sistemas de signos, material mais dúctil que o sentido, na medida em que se oferece a todos os sistemas de equivalência, a todas as oposições binárias, a toda a álgebra combinatória. Já não se trata de imitação, nem de dobragem, nem mesmo de paródia. Trata-se de uma substituição no real dos signos do real, isto é, de uma operação de dissuasão de todo o processo real pelo seu duplo operatório, máquina sinalética metaestável, programática, impecável, que oferece todos os signos do real e lhes curto-circuita todas as peripécias. O real nunca mais terá oportunidade de se produzir — tal é a função vital do modelo num sistema de morte, ou antes de ressurreição antecipada que não deixa já qualquer hipótese ao próprio acontecimento da morte. Hiper-real, doravante ao abrigo do imaginário, não deixando lugar senão à recorrência orbital dos modelos (e à geração simulada das diferenças” (BAUDRILLARD, 1991, p. 7-9).

Jeans é nostalgia e contemporaneidades. High

fashion, low fashion. Caro, barato. Sexy e

unissex. É a metáfora que nos conserva

aquecidos.

Lewis Backwell — editor da Cretive Review

264

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A calça de algodão grosso azul tem uma história de mais de um século e meio, e

estabilidade que resiste às sazonalidades da moda. Ela é plenamente atemporal. Mais do

que um valor de uso, o blue jeans é um mito cujos signos se transformaram ao longo do

tempo. Sua longevidade permitiu-lhe ser testemunha dos principais movimentos sociais

do século XX.

Originalmente, criada para vestir garimpeiros desbravadores da costa Oeste

norte-americana, tornou-se produto de consumo de massa durante o século XX, ganhou

status de artigo de luxo através da comunicação mercadológica propagada pelas grifes

contemporâneas e do conceito de premium jeans. É o típico exemplo de estilo, adotado

primeiramente por uma minoria, que acabou tornando-se sinônimo da maneira de ser e

de viver da juventude das décadas de 50, 60 e 70. Em seguida, esse ícone foi retomado

pela indústria de massas, conquistando mercados cada vez maiores.

A indústria cinematográfica de Hollywood exerceu papel fundamental na

divulgação mundial do jeans. Os astros do cinema western, John Wayne (anos 30) e

Hopalong Cassidy (anos 50), e o cowboy urbano, John Travolta (anos 80), divulgaram o

jeans e a moda country para além do território norte-americano.

Já os anti-heróis do cinema dos anos 50, Marlon Brando e James Dean, em O

Selvagem e Juventude Transviada, respectivamente, consagram-se como ícones da

juventude rebelde, despertando naquela geração uma verdadeira paixão pelos seus

clássicos jeans com barras viradas. Na década seguinte, Denis Hoper e Peter Fonda, em

Easy Rider, foram os responsáveis por estimular o desejo da juventude ávida por motos,

jeans e liberdade.

265

As estrelas de cinema da década de 50, Marilyn Monroe e Jayne Masfield,

juntamente com a pin-up dos quadrinhos, Betty Boop, atribuíram ao jeans feminino o

sentido sexy. Duas décadas depois, as heroínas das séries televisivas The Bionic Woman

(A mulher Biônica, 1975-1981) e The Charlie’s Angels (As Panteras 1976-1981),

contribuíram para a massificação do jeans entre as mulheres em torno do mundo,

atribuindo conotação mais esportiva ao denim.

Entretanto, os astros da indústria fonográfica, sobretudo os ícones do rock in roll,

foram os verdadeiros responsáveis pela penetração do jeans no mercado jovem. Elvis

Presley foi o primeiro a seduzir a juventude dos anos 50, com seu jeito sensual e visual

rebelde caracterizado pelo uso da calça jeans. Em seguida, vieram os Beatles, Bob

Dylan, Rolling Stones, Joe Coker, Jimi Hendrix, Ramones e muitos outros, sempre com

o visual predominante do denim.

A pop star Madonna, na década de 80, atribuiu conotação erótica ao jeans

feminino. Em seguida, as top models, fenômeno da moda dos 90, restabelecem a

sensualidade do denim, através da publicidade veiculada por meio das revistas de moda

de todo o mundo.

Como vimos, os jovens são disseminadores do cool, os difusores de novidades e

os principais alvos das marcas de jeans. Além disso, juventude é considerada uma fase

de estabilização da identidade e do desejo, na qual são situadas as regras e expectativas

do mundo social. Nessa fase, essas regras e expectativas são fortemente deliberadas pela

cultura de consumo e seus difusores: a comunicação mercadológica, a música, a moda,

os filmes, a televisão, as revistas e, sobretudo a internet (mídia que, para eles, serve

tanto como fonte de pesquisa, quanto para construção de relacionamentos).

Atualmente, com a mundialização das culturas, a comunicação mercadológica

das grandes marcas globais está promovendo o conceito do adolescente global, que não

vive em determinado lugar geográfico, mas que constitui uma nova demografia global.

Assim, a MTV tornou-se o veículo de maior penetração e entre os jovens e as

celebridades da música eletrônica consagraram-se como as maiores influências do

comportamento e dos estilos de vida da juventude contemporânea dos grandes centros

urbanos. Dentre os quais se destacam os DJ’s internacionais: FatBoy Slim, Paul van

266

Dyk, Ferry e Tiesto; os DJ’s brasileiros: Mao Mao, Gui Boratto, Anderson Noise, Elton

D., Marky, Gabriel Serrasqueiro e muitos outros.

A revista foi a principal mídia responsável por introduzir o jeans no universo da

moda; estabelecendo uma relação íntima, subjetiva e exclusiva com seu público-alvo,

tornou suas publicações o meio através do qual esse fenômeno sociocultural se expressa,

se inspira, se reflete, se referencia, se divulga, se multiplica. Vogue, Vanity Fair, Elle,

Harper’s Bazaar são os principais veículos difusores do conceito premium jeans.

O jeans perde sua territorialidade original para se constituir em um dos

elementos capazes de confirmar a tese de que o universal, a partir do fenômeno da

globalização, deixa de ser uma referência intangível para o pensamento e a ação. Ele se

materializa, sendo apreciado e consumido por “todos”. Sua pluralidade, longe de

confirmar a continuidade da tradição, expõe o quadro atual de diversidade, no qual o

mercado se segmenta entre jovens modernos, os tradicionais, as patricinhas, os b-boys e

as b-girls, squeiters, os streetwears, os ravers, os emos, os moe, os brandie-hippies,

neo-punks, chav entre outros.

O movimento de estilo hippie foi um dos que mais contribuíram para a

divulgação e transformação da moda jeanswear. A moda unissex, as calças saint-tropez,

as bocas-de-sino, as lavagens mais claras e sujas, os bordados com linha e contas, o

patchwork, as aplicações de patches, os puídos e rasgados surgiram no seio dessa tribo.

Depois do movimento hippie, passamos a comprar a velha calça azul jeans já

envelhecida, desgastada, puída e desbotada.

A calça jeans é um produto que nasceu para atender uma necessidade específica,

assim como todos os outros produtos deveriam originar-se, segundo as leis de marketing.

E nada é mais original e mais forte do que o estilo que surge do desejo, da necessidade,

do acaso, do sonho. No entanto, há muito tempo ela deixou de ser um produto básico e

de consumo apenas funcional; atualmente, sua demanda é estimulada pelos ciclos de

desejo gerados pelo constante lançamento de novos produtos.

Ela é a roupa que nos aproxima, nos integra, nos torna universais, globalizados e,

ao mesmo tempo, nos confere a liberdade de não ser. O jeans faz a gente parecer com os

dóceis carneirinhos, assim como também tem a capacidade de nos fazer ser como as

ovelhas negras. Traduz em inteligência plástica a nossa fantasia de eterna juventude, o

267

nosso ritmo e nossos ritos. É um símbolo de resistência à dominação derivada da idade,

do sexo, do poder político e econômico, das normas e dos estilos de vida. Vestir um

jeans “é ativar os sentidos e a imaginação, é provocar inconscientemente e encantar pela

improvisação”, como diz o anúncio da PEPE JEANS.

No Brasil, segundo maior mercado consumidor do mundo, a calça jeans é

considerada paixão nacional. Ela funciona como uma espécie de passaporte para quase

todas as situações, o que não acontece na maioria dos outros países, onde voltou a ser a

roupa de lazer do fim de semana ou uniforme dos colegiais. De qualquer modo, ela não

perde o caráter informal, às vezes de luxo casual.

Nos últimos tempos, entre as cinco grandes marcas que dominam o mercado

mundial estão as três marcas precursoras LEVI’S, WRANGLER e LEE, consideradas

por muito tempo as principais produtoras mundiais de roupas no gênero jeanswear e, ao

mesmo tempo, as disseminadoras das tendências para este mercado. No entanto, nos

últimos anos, elas vêm perdendo espaço para outras marcas contemporâneas,

igualmente destaques mundiais, tais como DIESEL, MISS SIXTY, REPLAY,

ENERGIE, PEPE JEANS, CAT, G. STAR, GUESS, DOLCE & GABANNA, CALVIN

KLEIN, ARMAINI EXCHANGE, JEAN PAUL GAULTIER, GUCCI e muitas outras.

Nesse “universo azul”, o valor simbólico da marca vem se destacando e

ganhando cada vez mais força e prestígio. Os jeans dos maiores fabricantes, por

exemplo, muito pouco se diferem no que diz respeito à qualidade e aos detalhes. Assim,

as marcas lançam mão de altos investimentos em campanhas publicitárias, lançamentos

promocionais, pesquisas de novos materiais, desenvolvimento de novas embalagens e

busca ininterrupta de qualidade para o produto, com o objetivo de se destacarem no

mercado e atribuírem valor agregado aos seus produtos, conquistando maior número de

clientes mesmo com uma boa margem de lucro.

A marca LEVI’S construiu, através de suas campanhas propagadas ao longo dos

anos, a imagem de “certinha”, associada às figuras arquetípicas do guerreiro-herói, tais

como a figura mítica do cowboy interpretada nas telas de cinema por John Wayne e a

imagem bíblica de Davi, que no sentido simbólico, representa o triunfo da liberdade

sobre a tirania.

268

Na década de 1960, no auge dos movimentos de contracultura, a LEVI’S vestiu,

com seu modelo tradicional 501, o Davi de Michelangelo, que tem dimensões

excepcionais, acentuando sua força expressiva; sua personagem é um jovem adulto,

com o corpo tenso e cheio de energias controladas. A mão é colossal, mesmo na

proporção da estátua, ela representa a mão de um homem do povo, forte e acostumada

ao trabalho. Contudo, é na cabeça que se encontra um dos traços mais reveladores, uma

expressão, desconhecida na escultura até então, que comunica uma espécie de força

exterior incomum no humanismo idealizado pelos gregos, dando vida à parábola bíblica

da força, da inocência e da pureza, na luta contra o despotismo e a violência,

representados por Golias. O Davi de Michelangelo é heróico, dono de um tipo de

consciência que passou a existir com o Renascimento: a capacidade de ver e enfrentar

os desafios da resistência. Não é apenas contra Golias que este Davi se rebela e batalha.

É contra as adversidades que podem ameaçar o ser humano.

Ilustração 103: O Davi de Michelangelo veste o jeans da LEVI’S, década de 1960

269

A imagem mítica de Apolo, o jovem Deus da luz, da juventude e da música, que

na mitologia grega exprime a força e a beleza equilibrada, também se associa à marca

LEVI’S, que reflete certo conformismo com a cultura burguesa capitalista norte-

americana, da qual ela se tornou um símbolo. De acordo com as campanhas da LEVI’S,

o sucesso provém da origem nobre, tal como a Cinderela, da Branca de Neve e do

universo dos príncipes. Ainda segundo comunicação mercadológica da LEVI’S, o

reconhecimento social também é resultado do sucesso profissional, conforme as

campanhas LEVI’S BE ORIGINAL e STYLE FOR EVERY STORY™ , nas quais todos os

“modelos” tem seus estilos de vida caracterizados pelos modos de vestir e pela

declaração de sua profissão.

O culto à autenticidade, herdado dos cowboys e de suas aventuras românticas,

que deram diretriz à comunicação mercadológica desta marca ao longo da história, não

convencem mais os jovens consumidores globais contemporâneos, que atualmente são

seduzidos pelo culto aos prazeres hedonísticos de Dionísio, também conhecido como

Baco, divindade dos frutos, da vegetação, do vinho e do deleite.

Conforme pudemos observar através das análises dos anúncios da Campanha

CAMOUFLAGE TALES, da aparentemente transgressora DIESEL, a imagem da marca

é associada à mítica do hedonismo, da irreverência e do dionisíaco. Manipulando os

signos arquetípicos da cultura underground (contracultura) a publicidade da marca

promove uma das características mais significativas da sociedade burguesa — a

distinção de classes através da ostentação das grifes de luxo.

A manipulação dos signos de contracultura pode ser claramente observada na

leitura das peças que compõem esta campanha, como no caso da apropriação do

arquétipo da virgem-donzela, simbolicamente representada pelas suas roupas brancas,

que choca o frei ao confessar seus desejos; da Eva seduzindo Adão com seus calientes

beijos; da donzela capturada de seu lar, sem contrair matrimônio, pelo seu guerreiro-

salvador, contrariando toda a família; do Cristo completamente seduzido pelos encantos

da Estrela da Luz (Lúcifer); de Eva e Lilit que dão as costas para a ingenuidade, ao

arquétipo da grande-mãe e aos demais signos tradicionais de vida bem sucedida, tais

como a casa própria e o automóvel. Na campanha CAMOUFLAGE TALES, a receita

270

para uma vida de sucesso é colocar os valores tradicionais em cheque-mate. Deste modo,

ironicamente, é enaltecido o valor simbólico da marca associado ao status e ao luxo.

O conceito da campanha CAMOUFLAGE TALES promove a marca DIESEL

como um código de acesso ao antidestino, como único meio de lutar contra a fatalidade

natural da vida, assegurando o sucesso das conquistas de seus usuários e consumidores.

A constante ascensão da marca urbana DIESEL e o seu crescente prestígio

internacional, enquanto que a grande e tradicional empresa de denim — LEVI’S — têm

perdido valor de marca e espaço no mercado mundial, vem corroborar com a tese

defendida pelo filósofo francês Gilles Lipovetsky, em Le bonheur paradoxal (A

felicidade paradoxal), afirmando que a sociedade contemporânea não vive o dionisíaco,

contudo, estimulada por um hedonismo ansioso, ela apenas consome o dionisíaco.

Hoje, há uma nova relação emocional dos indivíduos com as mercadorias; as

pessoas já não compram mais apenas um produto, mas um conceito, um estilo de vida,

associados à marca anunciada. Nas campanhas analisadas, pudemos constatar que, tanto

a LEVI’S, quanto a DIESEL, exploraram, com muita propriedade, essa premissa.

Sobre o futuro do denim e as transformações que ainda estão por vir, a única

previsão a ser feita é a de que nunca faltará uma five-pockets no armário composto por

roupas básicas e versáteis, resistindo, ou até mesmo rendendo-se, à moda e seu estilo na

sociedade pós-moderna, claramente descrita em O império do efêmero, por Gilles

Lipovetsky.

Ao longo de sua história, vimos a calça jeans passar por diversas

transformações: ela nasceu rústica; consagrou-se no universo underground urbano,

como antimoda; ganhou as ruas, em seguida, as passarelas, tornando-se moda;

atualmente é também artigo de luxo. No entanto, foi o seu espírito de liberdade,

revolucionário e rebelde, associado aos sentidos de juventude e proteção, que promoveu

sua consagração como símbolo da cultura jovem. A calça jeans é mundialmente

glorificada por ser a roupa dos jovens — dos que são, dos que querem parecer e dos que

mantém seus espíritos sempre jovens.

A calça jeans é também muito apreciada, independentemente da faixa etária, em

razão de ser uma roupa resistente e prática, que não precisa ser passada a ferro, suja

271

pouco e têm estética agradável. É o traje predileto das pessoas que gostam de se vestir

confortavelmente. É a peça eleita tanto pelo visual esportivo, como pelo estilo casual.

Finalizando, o meu desejo, parodiando a cantora brasileira Daniele Mercury em

suas belas canções Quero Ver o Mundo Sambar e Quero a Felicidade, é o de receber

tudo o que se tem pra trocar e, sobretudo, que esta troca seja genuinamente verdadeira.

Silvana Zibetti:

[email protected]; [email protected]

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