cap 1 o safari da estratégia

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captulo

1E Aqui, Senhoras e Senhores, a Fera da Administrao Estratgica

Para ser bem franco, no sou to esperto quanto voc parece pensar que sou.

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Mintzberg, Ahlstrand & Lampel

Para comear, uma fbula, freqentemente citada, pouco conhecida:OS CEGOS E O ELEFANTE por John Godfrey Saxe (1816-1887) Eram cinco homens do Hindusto Inclinados para aprender muito, Que foram ver o Elefante (Embora todos fossem cegos) Que cada um, por observao, Poderia satisfazer sua mente. O Primeiro aproximou-se do Elefante, E aconteceu de chocar-se Contra seu amplo e forte lado Imediatamente comeou a gritar: Deus me abenoe, mas o Elefante semelhante a um muro. O Segundo, pegando na presa, Gritou, Oh! O que temos aqui To redondo, liso e pontiagudo? Para mim isto muito claro Esta maravilha de elefante muito semelhante a uma lana! O Terceiro aproximou-se do animal E aconteceu de pegar A sinuosa tromba com suas mos. Assim, falou em voz alta: Vejo, disse ele, o Elefante muito parecido com uma cobra! O Quarto esticou a mo, ansioso E apalpou em torno do joelho. Com o que este maravilhoso animal Se parece muito fcil, disse ele: Est bem claro que o Elefante muito semelhante a uma rvore! O Quinto, por acaso, tocou a orelha, E disse: At um cego Pode dizer com o que ele se parece: Negue quem puder, Esta maravilha de Elefante muito parecido com um leque! O Sexto, mal havia comeado A apalpar o animal, Pegou na cauda que balanava E veio ao seu alcance. Vejo, disse ele, o Elefante muito semelhante a uma corda! E assim esses homens do Hindusto Discutiram por muito tempo, Cada um com sua opinio, Excessivamente rgida e forte. Embora cada um estivesse, em parte, certo, Todos estavam errados! Moral Com freqncia em guerras teolgicas, Os disputantes, eu suponho, Prosseguem em total ignorncia Daquilo que cada um dos outros quer dizer, E discutem sobre um Elefante Que nenhum deles viu!

Safri de Estratgia

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omos os cegos e a formulao de estratgia nosso elefante. Como ningum teve a viso para enxergar o animal inteiro, cada um tocou uma ou outra parte e prosseguiu em total ignorncia a respeito do restante. Somando as partes, certamente no teremos um elefante. Um elefante mais que isso. Contudo, para compreender o todo tambm precisamos compreender as partes. Os dez prximos captulos descrevem dez partes do nosso animal de formulao de estratgia. Cada um forma uma escola de pensamento. Esses dez captulos so estruturados por este primeiro captulo, o qual introduz as escolas e algumas idias a respeito da estratgia em si, e um ltimo captulo, que retorna ao animal inteiro.

Por que dez? Em interessante artigo intitulado O Mgico Nmero Sete, Mais ou Menos Dois: Alguns Limites sobre Nossa Capacidade para Processar Informaes, o psiclogo George Miller (1956) perguntava por que tendemos a favorecer uma quantidade em torno de sete para categorizar coisas por exemplo, as sete maravilhas do mundo, os sete pecados capitais e os sete dias da semana. Isto reflete, concluiu ele, nossa composio cognitiva: sete , mais ou menos, o nmero de pedaos de informaes que podemos reter com facilidade em nossas memrias de curto prazo.* Trs maravilhas do mundo seria de certo modo pouco, ao passo que dezoito seria um nmero desanimador. Mas claro que as pessoas interessadas em estratgia no so simples mortais pelo menos em termos de nossas capacidades cognitivas e assim devem ser capazes de compreender, digamos, um a mais que o nmero mgico sete mais dois. Assim, este livro prope dez escolas de pensamento sobre formulao de estratgia. Deixando de lado a cognio, na reviso de grande volume de literatura emergem dez pontos de vista distintos, a maioria dos quais se reflete na prtica gerencial. Cada um tem uma perspectiva nica que focaliza, como cada um dos cegos, um aspecto importante do processo de formulao de estratgia. Cada uma dessas perspectivas , em certo sentido, estreita e exagerada. Porm, em outro sentido, cada uma tambm interessante e criteriosa. Um elefante pode no ser uma tromba, mas certamente tem uma e seria difcil compreender elefantes sem uma referncia tromba. A desvantagem da cegueira tem uma vantagem inesperada, aguando os outros sentidos para as sutilezas que podem escapar queles que enxergam com clareza. Assim sendo, em cada um dos dez captulos subseqentes, apresentamos uma das escolas a partir da sua perspectiva limitada. A seguir ns a criticamos para salientar tanto suas limitaes como suas contribuies. Tais escolas, juntamente com o adjetivo que melhor parece captar a viso que cada uma tem do processo de estratgia, esto relacionadas abaixo:AS ESCOLAS.

A Escola do Design A Escola do Planejamento

formulao de estratgia como um processo de concepo formulao de estratgia como um processo formal

*

Na verdade, Miller defende um limite desta ordem para o nmero de bits com que podemos lidar naquilo que ele chama de julgamento absoluto e o nmero de pedaos combinaes desses bits na memria intermediria.

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Mintzberg, Ahlstrand & Lampel

A A A A A

Escola do Posicionamento Escola Empreendedora Escola Cognitiva Escola de Aprendizado Escola do Poder

A Escola Cultural A Escola Ambiental A Escola de Configurao

formulao de estratgia formulao de estratgia formulao de estratgia formulao de estratgia formulao de estratgia negociao formulao de estratgia formulao de estratgia formulao de estratgia transformao*

como como como como como

um processo analtico um processo visionrio um processo mental um processo emergente um processo de

como um processo coletivo como um processo reativo como um processo de

Nossas dez escolas caem em trs agrupamentos. As trs primeiras so de natureza prescritiva mais preocupadas em como as estratgias devem ser formuladas do que em como elas so formuladas. A primeira delas, que nos anos 60 apresentou a estrutura bsica sobre a qual as duas outras foram construdas, focaliza a formulao de estratgia como um processo de desenho informal, essencialmente de concepo. A segunda escola, desenvolvida paralelamente nos anos 60 e que teve seu auge em uma onda de publicaes e prticas nos anos 70, formalizou essa perspectiva, vendo a formulao de estratgias como um processo de planejamento formal separado e sistemtico. Esta escola perdeu espao nos anos 80 para a terceira escola prescritiva, menos preocupada com o processo de formulao de estratgias do que com o contedo real das mesmas. Ela chamada de escola de posicionamento, porque focaliza a seleo de posies estratgicas no mercado. As seis escolas seguintes consideram aspectos especficos do processo de formulao de estratgias e tm-se preocupado menos com a prescrio do comportamento estratgico ideal do que com a descrio de como as estratgias so, de fato, formuladas. Alguns autores proeminentes associam, h muito, estratgia com esprito empreendedor e descrevem o processo em termos da criao da viso pelo grande lder. Mas se a estratgia pode ser uma viso pessoal, ento sua formulao tambm precisa ser entendida como o processo de obteno do conceito na mente de um indivduo. Analogamente, foi tambm desenvolvida uma escola cognitiva, pequena, mas importante, que busca usar as mensagens da psicologia cognitiva para entrar na mente do estrategista. Cada uma das quatro escolas seguintes procurou abrir o processo de formulao de estratgia alm do indivduo, para outras foras e outros agentes. Para a escola de aprendizado, o mundo demasiado complexo para que as estratgias sejam desenvolvidas de uma s vez como planos ou vises claros. Portanto, a estratgia deve emergir em passos curtos, medida que a organizao se adapta, ou aprende. Semelhante a esta, mas com um ngulo diferente, h a escola do poder, que trata a formulao de estratgia como um processo de negociao, seja por grupos conflitantes dentro de uma organizao ou pelas prprias organizaes, enquanto confrontam seus ambientes externos. Em comparao com esta, h uma outra escola de pensamento que considera a formulao de estratgia como estando enraizada na cultura da organizao. Portanto,

*

Em um interessante mapeamento alternativo, Martinet (1996) dividiu o campo em teolgico, sociolgico, ideolgico e ecolgico. (Lauriol, 1996, mapeou nossas dez escolas sobre essas quatro.) Ver tambm Bowman (1995) para outro ngulo interessante sobre o campo.

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ela v o processo como sendo fundamentalmente coletivo e cooperativo. E tambm h os proponentes de uma escola ambiental, tericos de organizaes que acreditam que a formulao de estratgias um processo reativo no qual a iniciativa no est dentro da organizao, mas em seu contexto externo. Assim sendo, eles procuram compreender as presses impostas sobre as organizaes. Nosso grupo final contm apenas uma escola, embora possa-se argumentar que esta escola, na realidade, combina as outras. a escola de configurao. As pessoas desta escola, em busca da integrao, agrupam os vrios elementos do nosso animal o processo de formulao de estratgias, o contedo das mesmas, estruturas organizacionais e seus contextos em estgios ou episdios distintos, por exemplo, de crescimento empreendedor ou maturidade estvel, s vezes seqenciada ao longo do tempo para descrever os ciclos de vida das organizaes. Mas, se as organizaes se acomodam em quadros estveis, ento a formulao de estratgias deve descrever o salto de um quadro para outro. E assim, um outro lado desta escola descreve o processo como sendo de transformao, incorporando grande parte da enorme literatura e da prtica prescritiva sobre mudanas estratgicas. Tais escolas surgiram em estgios diferentes do desenvolvimento da administrao estratgica. Algumas j chegaram ao pico e declinaram, outras esto agora se desenvolvendo e outras permanecem pequenas, mas significativas, em termos de publicao e de prtica. Descreveremos cada uma das escolas, com nossa interpretao de seu desenvolvimento e de suas dificuldades, antes de concluir nossos comentrios integrativos finais, no captulo de encerramento. Note que todas essas escolas podem ser encontradas na literatura, com freqncia em locais claramente delineados: publicaes acadmicas, revistas especializadas, certos estilos de livros. Mas, em sua maioria, elas so, ou foram, igualmente evidentes na prtica, tanto dentro das organizaes como nas empresas de consultoria que as atendem. Os praticantes lem e so influenciados pela literatura, assim como esta influenciada pela prtica. Assim, este um livro da escola de pensamento sobre a formulao de estratgias, tanto em publicaes como na prtica.

Uma reviso do campo A literatura de administrao estratgica vasta o nmero de itens que revisamos ao longo dos anos chega perto de 2.000 e cresce a cada dia. claro que nem tudo isso vem do campo da Administrao. Todas as espcies de outros campos fazem contribuies importantes para nossa compreenso do processo de estratgia. William Starbuck escreveu que discutir todos os aspectos da organizao que so relevantes para adaptao... significa... que possvel discutir tudo que foi escrito a respeito de organizaes (1965:468). Na verdade isto est incompleto, porque a ltima palavra na citao deveria ser sistemas coletivos de todas as espcies. Aquilo que os bilogos escrevem a respeito da adaptao das espcies (por exemplo, equilbrio interrompido) pode ter relevncia para a compreenso da estratgia como posio (nicho). Aquilo que os historiadores concluem a respeito de perodos no desenvolvimento das sociedades (tais como revoluo) pode ajudar a explicar diferentes estgios no desenvolvimento de estratgias organiza-

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cionais (por exemplo, reformulao como forma de revoluo cultural). As descries que os fsicos fazem da mecnica quntica e as teorias do caos dos matemticos podem dar uma idia a respeito de como as organizaes mudam. E assim por diante. Acrescente a isso toda a literatura comumente reconhecida como relevante para o estudo das organizaes psicologia da cognio humana bem como carisma de liderana, antropologia de culturas na sociedade, economia na organizao industrial, planejamento urbano em processos formais de planejamento, cincia poltica na elaborao de polticas pblicas, histria militar de estratgias de conflito, e assim por diante e o resultado uma enorme e dispersa literatura, capaz de produzir todos os tipos de idias. No limite, a formulao de estratgias no trata apenas de valores e da viso, de competncias e de capacidades, mas tambm de militares e de religiosos de crise e de empenho, de aprendizado organizacional e de equilbrio interrompido, de organizao industrial e de revoluo social. Consideramos essa literatura em seus prprios termos. Entretanto, no procuramos revis-la de forma abrangente. (No desejvamos escrever milhares de pginas alm do que a maioria das pessoas desejaria ler.) Esta , em outras palavras, uma reviso do campo, no da literatura. Procuramos cobrir a literatura e a prtica para expor seus diferentes ngulos, orientaes, tendncias. Ao faz-lo, citamos obras publicadas porque foram a chave para uma escola ou porque ilustram um corpo de obras. Pedimos desculpas aos muitos autores e inspiradores cujo trabalho no mencionado; esperamos no ter deixado de fora nenhuma obra significativa. Contudo, devemos acrescentar um ponto. Existe uma terrvel tendncia, na literatura de Administrao de hoje, no sentido do atual, do mais recente, do mais quente. Isto um desservio, no s a todos aqueles maravilhosos autores antigos, mas em especial aos leitores, a quem costumam oferecer o novo e trivial ao invs do velho e do importante. No expressamos tal tendncia neste livro. Esta uma reviso da evoluo, bem como do estado atual deste campo. Em outra parte deste livro, afirmamos que a ignorncia do passado de uma organizao pode solapar o desenvolvimento de estratgias para seu futuro. O mesmo vale para o campo da administrao estratgica. Ignoramos trabalhos anteriores por nossa conta e risco. Na verdade, acreditamos que o tempo atua, na literatura e na prtica da administrao estratgica, de forma muito semelhante quela pela qual atua sobre o vinho em barris: ele revela o que excelente. Portanto, no nos desculpamos com ningum por lembrar o leitor de tantas e maravilhosas publicaes antigas.

Cinco Ps para estratgia A palavra estratgia existe h muito tempo. Hoje os gerentes a usam livre e afetuosamente. Ela tambm considerada o ponto alto da atividade dos executivos. Por seu lado, os acadmicos vm estudando a estratgia extensamente h duas dcadas, ao passo que as escolas de Administrao geralmente tm, como clmax final necessrio, um curso de administrao estratgica. A palavra estratgia muito influente. Mas o que significa realmente? Faz parte da natureza humana buscar uma definio para cada conceito. A maior parte dos livros-texto sobre estratgia oferece essa definio, normalmente apresentada no captulo introdutrio, mais ou menos assim: planos da

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alta administrao para atingir resultados consistentes com as misses e objetivos da organizao (Wright et al., 1992:3). Sem dvida, tais definies tm sido memorizadas por geraes de estudantes, que mais tarde as usaram em milhares de relatrios corporativos. Aqui, no oferecemos nenhuma definio fcil. Ao contrrio, afirmamos que a estratgia (para no mencionar dez escolas, to diferentes a seu respeito) requer uma srie de definies, cinco em particular (com base em Mintzberg, 1987). Pea a algum uma definio de estratgia e provavelmente lhe diro que estratgia um plano, ou algo equivalente uma direo, um guia ou curso de ao para o futuro, um caminho para ir daqui at ali. Pea, a seguir, mesma pessoa para descrever a estratgia que a organizao dela, ou de um concorrente, seguiu realmente ao longo dos ltimos cinco anos no o que ela pretendia fazer, mas o que fez de fato. Voc ir constatar que as pessoas, em sua maioria, ficam satisfeitas em responder a essa pergunta, ignorando o fato de que, ao respond-la, elas fogem sua prpria definio do termo. Acontece que estratgia uma dessas palavras que inevitavelmente definimos de uma forma, mas freqentemente usamos de outra. Estratgia um padro, isto , consistncia em comportamento ao longo do tempo. Uma empresa que comercializa perpetuamente os produtos mais dispendiosos da sua indstria segue a chamada estratgia de extremidade superior, assim como uma pessoa que sempre aceita a funo mais desafiadora pode ser descrita como seguindo uma estratgia de alto risco. A Figura 1-1 compara estratgia como um plano olhar para a frente com a estratgia como padro olhar o comportamento passado.

Estratgia como plano (pretendida)

Estratgia como padro (realizada)

FIGURA 1-1 Estratgias para frente e para trs.

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Agora ambas as definies parecem ser vlidas: as organizaes desenvolvem planos para seu futuro e tambm extraem padres de seu passado. Podemos chamar uma de estratgia pretendida e a outra de estratgia realizada. Assim, a pergunta importante passa a ser: as estratgias realizadas devem sempre ter sido pretendidas? (Na prtica, bem evidente que as estratgias pretendidas nem sempre so realizadas.) H uma maneira simples para descobrir. Pergunte s pessoas que descreveram suas estratgias (realizadas) ao longo dos ltimos cinco anos quais foram suas estratgias pretendidas cinco anos antes. Elas eram as mesmas? Algumas podem afirmar que suas intenes foram perfeitamente realizadas. Suspeite da honestidade delas. Outras podem responder que aquilo que realizaram como estratgias nada tinha a ver com aquilo que pretendiam. Suspeite do comportamento delas. Em nossa experincia, a vasta maioria das pessoas d uma resposta que cai entre os dois extremos um pouco disto, um pouco daquilo, dizem elas. Elas no se desviaram completamente de suas intenes, mas tambm no as atingiram perfeitamente. Isto porque, afinal de contas, realizao perfeita significa previso brilhante, para no mencionar a falta de disposio para adaptar-se a eventos inesperados, ao passo que a no-realizao sugere uma certa dose de negligncia. O mundo real exige pensar frente e tambm alguma adaptao durante o percurso. Como mostra a Figura 1-2, as intenes plenamente realizadas podem ser chamadas de estratgias deliberadas. As no-realizadas podem ser chamadas de estratgias irrealizadas. A escola de planejamento, por exemplo, reconhece ambas, com bvia preferncia pelas primeiras. Mas h um terceiro caso, que chamamos de estratgia emergente na qual um padro realizado no era expressamente pretendido. Foram tomadas providncias, uma a uma, que convergiram com o tempo para algum tipo de consistncia ou padro. Por exemplo, ao invs de perseguir uma estratgia (leia-se plano) de diversificao, uma empresa toma decises de diversificao, uma por vez, testando o mercado. Primeiro, ela compra um hotel urbano; a seguir, um restaurante, depois, um hotel resort; ento, outro hotel urbano com restaurante; depois, um terceiro e, assim por diante, at que tenha emergido uma estratgia (padro) de diversificar para hotis urbanos com restaurantes. Como vimos, poucas ou nenhuma estratgias so puramente deliberadas, assim como poucas so totalmente emergentes. Uma significa aprendizado zero, a outra significa controle zero. Todas as estratgias da vida real precisam misturar as duas de alguma forma: exercer controle fomentando o aprendizado. Em outras palavras, as estratgias devem formar bem como ser formuladas. Por exemplo, uma estratgia guarda-chuva significa que as linhas gerais so deliberadas (como buscar faixas superiores do mercado), ao passo que os detalhes so deixados para emergir no percurso (quando, onde e como). Assim, as estratgias emergentes no so, necessariamente, ms, e as estratgias deliberadas, boas; os estrategistas eficazes as misturam de maneira que reflitam as condies existentes, especialmente capacidade para prever e tambm a necessidade de reagir a eventos inesperados. Ao lado de plano e padro, podemos acrescentar mais duas palavras com p. Alguns anos atrs, a McDonalds lanou um novo produto chamado Egg McMuffin o breakfast americano em um bolo. O objetivo era encorajar a freqncia em seus restaurantes pela manh. Se voc perguntar s pessoas se o Egg McMuffin era uma mudana estratgica para a McDonalds, ir ouvir duas

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Estratgia Pretendida

EsEstratgia No-realizada

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FIGURA 1-2 Estratgias deliberadas e emergentes

respostas: Claro que sim: ele colocou a empresa no mercado de breakfast, e Ora, tudo a mesma coisa a maneira McDonalds s que em uma embalagem diferente. Em nossa viso, a verdadeira diferena entre essas pessoas est em como elas definem implicitamente o contedo estratgia. Para algumas pessoas, estratgia uma posio, isto , a localizao de determinados produtos em determinados mercados Egg McMuffin para o mercado de breakfast. Como reiterou recentemente Michael Porter, estratgia a criao de uma posio nica e valiosa, envolvendo um conjunto diferente de atividades (1996:68). Para outras, estratgia uma perspectiva, isto , a maneira fundamental de uma organizao fazer as coisas, a maneira do McDonalds, no caso. Na memorvel frase de Peter Drucker, esta a teoria do negcio (1970:5; 1994). Como mostra a Figura 1-3, como posio, a estratgia olha para baixo para o x que marca o ponto em que o produto encontra o cliente bem como para fora para o mercado. Em comparao, como perspectiva a estratgia olha para dentro dentro da organizao, dentro das cabeas dos estrategistas mas tambm para cima para a grande viso da empresa. Mais uma vez, precisamos das duas definies. O McDonalds introduziu o Egg McMuffin com sucesso porque a nova posio estava em conformidade com a perspectiva existente. Os executivos da empresa pareceram entender bem (embora no necessariamente nestes termos) que no se ignora casualmente a perspectiva. (Algum quer um McDuckling lOrange?) Mudar de posio dentro da perspectiva pode ser fcil; mudar a perspectiva, mesmo procurando manter a posio, no . (Pergunte aos fabricantes de relgios suos a respeito da introduo da tecnologia do quartzo.) A Figura 1-4 ilustra exemplos disso.

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Estratgia como posio

Estratgia como perspectiva

FIGURA 1-3 Estratgias para cima e para baixo

Temos, assim, quatro definies diferentes de estratgia. Uma quinta tambm est em uso: estratgia um truque, isto , uma manobra especfica para enganar um oponente ou concorrente. Um garoto pode pular uma cerca para atrair um brigo para seu quintal, onde seu co doberman est espera de intrusos. Analogamente, uma corporao pode adquirir terras para dar a impresso de que planeja expandir sua capacidade, para desencorajar um concorrente de construir uma nova fbrica. Neste caso, a verdadeira estratgia (como plano, isto , a inteno real) a ameaa, no a expanso em si; portanto, trata-se de um truque. Cinco definies e dez escolas. Como veremos, as relaes entre elas so variadas, embora algumas das escolas tenham suas preferncias por exemplo, plano na escola de planejamento, posio na escola de posicionamento, perspectiva na escola empreendedora, padro na escola de aprendizado, truque em partes da escola de poder.

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Estratgia como Perspectiva Antiga Egg McMuffin Nova McDuckling lOrange

Estratgia como Posio

Nova

Big Mac

Big Mac mesa

Antiga

FIGURA 1-4 Mudando posio e perspectiva

Pode ser que no haja uma definio simples de estratgia, mas existem hoje algumas reas gerais de concordncia a respeito da natureza da estratgia. O quadro a seguir apresenta um resumo de tais reas:O animal da estratgia: reas de concordncia(adaptado de Chaffee, 1985: 89-90)

w A estratgia diz respeito tanto organizao como ao ambiente. Uma premissa bsica para se pensar a respeito de estratgia diz respeito impossibilidade de separar organizao e ambiente... A organizao usa a estratgia para lidar com as mudanas nos ambientes. A essncia da estratgia complexa. Como as mudanas trazem novas combinaes de circunstncias para a organizao, a essncia da estratgia permanece no-estruturada, no-programada, no-rotineira e no-repetitiva... A estratgia afeta o bem-estar geral da organizao. ... decises estratgicas... so consideradas importantes o suficiente para afetar o bem-estar geral da organizao... A estratgia envolve questes tanto de contedo como de processo. O estudo da estratgia inclui as aes decididas, ou o conceito de estratgia, e tambm os processos pelos quais as aes so decididas e implementadas. As estratgias no so puramente deliberadas. Os tericos... concordam que as estratgias pretendidas, emergentes e realizadas podem diferir entre si. As estratgias existem em nveis diferentes. ... as empresas tm... estratgia corporativa (em que negcio deveremos estar?) e estratgia de negcios (como iremos competir em cada negcio?) A estratgia envolve vrios processos de pensamento. ... a estratgia envolve exerccios conceituais, assim como analticos. Alguns autores enfatizam a dimenso analtica mais que as outras, mas a maioria afirma que o corao da formulao de estratgias o trabalho conceitual feito pelos lderes da organizao.

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Estratgias para o melhor e para o pior Qualquer discusso sobre estratgia termina inevitavelmente sobre a lmina de uma faca. Para cada vantagem associada estratgia, h uma desvantagem associada:1. A estratgia fixa a direo. Vantagem: O principal papel da estratgia mapear o curso de uma organizao para que ela navegue coesa atravs do seu ambiente. Desvantagem: A direo estratgica tambm pode constituir um conjunto de antolhos para ocultar perigos em potencial. Seguir um curso predeterminado em guas desconhecidas a maneira perfeita para colidir com um iceberg. Embora a direo seja importante, s vezes melhor movimentar-se devagar, um pouco por vez, olhando com cuidado para afrente, mas no muito, bem como para cada lado, para que o comportamento possa ser mudado de um instante para outro. 2. A estratgia focaliza o esforo. Vantagem: A estratgia promove a coordenao das atividades. Sem a estratgia para focalizar os esforos, as pessoas puxam em direes diferentes e sobrevem o caos. Desvantagem: O pensamento grupal surge quando o esforo excessivamente focalizado. Pode no haver viso perifrica para abrir outras possibilidades. Uma determinada estratgia pode tornar-se demasiado embutida no tecido da organizao. 3. A estratgia define a organizao. Vantagem: A estratgia propicia s pessoas uma forma taquigrfica para entender sua organizao e distingui-la das outras. A estratgia prov significado, alm de uma forma conveniente para se entender o que faz a organizao. Desvantagem: Definir a organizao com excesso de exatido tambm pode significar defini-la com excesso de simplicidade, s vezes at o ponto de estereotip-la, perdendo-se assim a rica complexidade do sistema. 4. A estratgia prov consistncia. Vantagem: A estratgia necessria para reduzir a ambigidade e prover ordem. Nesse sentido, uma estratgia como uma teoria: uma estrutura cognitiva para simplificar e explicar o mundo e com isso facilitar a ao. Desvantagem: Ralph Waldo Emerson disse que Uma consistncia tola a perdio das mentes pequenas.... A criatividade floresce na inconsistncia descobrindo novas combinaes de fenmenos at ento separados. preciso compreender que toda estratgia, como toda teoria, uma simplificao que necessariamente distorce a realidade. Estratgias e teorias no so realidades; apenas representaes (ou abstraes) da realidade nas mentes das pessoas. Ningum jamais tocou ou viu uma estratgia. Isso significa que cada estratgia pode ter um efeito de informao falsa ou distoro. Esse o preo de se ter uma estratgia.

Funcionamos melhor quando podemos conceber algumas coisas como certas, ao menos por algum tempo. E este um papel importante da estratgia nas organizaes: ela resolve as grandes questes para que as pessoas possam cuidar dos pequenos detalhes como voltar-se para os clientes e atend-las, ao invs de debater quais mercados so os melhores. At mesmo os executivos

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principais, na maior parte do tempo, precisam tratar de gerenciar suas organizaes em dado contexto; eles no podem questionar constantemente esse contexto. Existe uma tendncia de descrever o executivo principal como um estrategista, que fica l no alto concebendo as grandes idias, enquanto todos os outros cuidam dos pequenos detalhes. Mas esse trabalho no bem assim. Grande parte dele tem a ver com seus prprios pequenos detalhes reforar a perspectiva existente (e a cultura) atravs de todos os tipos de deveres que competem a uma pessoa nesta posio-chave, desenvolver contatos para descobrir informaes importantes, negociar acordos para reforar as posies existentes e assim por diante. claro que o problema com isto que as situaes acabam mudando ambientes se desestabilizam, nichos desaparecem, oportunidades se abrem. Ento, tudo aquilo que construtivo e eficaz a respeito de uma estratgia estabelecida passa a ser uma desvantagem. por isso que, apesar de o conceito de estratgia estar baseado em estabilidade, grande parte do estudo de estratgia focaliza mudanas. Mas embora as frmulas para mudanas estratgicas possam sair facilmente, o gerenciamento das mesmas, em especial quando envolvem mudanas de perspectiva, difcil. O prprio encorajamento da estratgia para lidar com elas seu papel na proteo das pessoas da organizao de desvios prejudica a capacidade delas para reagir s mudanas no ambiente. Em outras palavras, mudar as ferramentas dispendioso, em especial quando elas so mentes humanas, e no apenas, mquinas que precisam ser reprogramadas. A estratgia, como estado mental, pode cegar a organizao, levando-a sua prpria obsolescncia. Assim, conclumos que as estratgias so, para as organizaes, aquilo que os antolhos so para os cavalos: eles os mantm em linha reta, mas dificilmente encorajam a viso perifrica. Tudo isso leva nossa concluso final, de que as estratgias (e o processo de administrao estratgica) podem ser vitais para as organizaes tanto por sua ausncia quanto por sua presena. (Ver quadro.)Ausncia de estratgia como virtude(de Inkpen e Choudhury, 1995:313-323)

w ... A ausncia de estratgia no precisa ser associada ao fracasso organizacional... A criao deliberada da ausncia de estratgia pode promover flexibilidade em uma organizao... Organizaes com controles rgidos, altamente dependentes de procedimentos formalizados e uma paixo pela consistncia podem perder a capacidade para experimentar e inovar. w A administrao da empresa pode usar a ausncia de estratgia para enviar sinais inequvocos, aos interessados internos e externos, da sua preferncia por no se engajar em cerimnias que consomem recursos... Por exemplo, vrios artigos tm descrito o desdm da Nucor por sistemas formais de planejamento e sua preferncia pela consistncia de ao em todos os nveis da organizao. A Nucor no tem nenhum plano estratgico escrito, nem objetivos ou declarao de misso escritos. Para a Nucor, a ausncia de muitos dos supostos elementos de estratgia emblemtica da organizao enxuta e noburocrtica que ela se esfora muito para ser. w A ausncia de um padro rgido de tomada de deciso estratgica pode garantir que o rudo retido nos sistemas organizacionais, sem o qual a estratgia pode tornar-se uma receita especializada que reduz a flexibilidade e bloqueia o aprendizado e a adaptao...

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Mintzberg, Ahlstrand & Lampel

Administrao estratgica como disciplina acadmica Para melhor ou para pior, a administrao estratgica tambm tornou-se uma disciplina acadmica independente, como marketing e finanas. O campo tem suas prprias publicaes acadmicas, seus clubes, suas conferncias. Sua literatura vasta e, desde 1980, vem crescendo a uma taxa espantosa. Tem havido uma tendncia geral de considerar que o incio dessa literatura se deu em meados dos anos 60, talvez antes, pois h um artigo de William Newman de 1951, mas os escritos sobre estratgia militar vo muito mais longe: de fato, Sun Tzu escreveu sua The Art of War aproximadamente no sculo IV a.C. (Griffith, em Sun Tzu, 1971:ix). Grande parte do ensino de administrao estratgica tem enfatizado o lado racional e prescritivo do processo, isto , nossas trs primeiras escolas (design, planejamento e posicionamento). A administrao estratgica tem sido comumente descrita como girando em torno de fases distintas de formulao, implementao e controle, executadas em etapas quase em cascata. Tal tendncia se reflete fortemente na prtica, particularmente no trabalho de departamentos de planejamento corporativos e governamentais, bem como em muitas empresas de consultoria. Este livro afasta-se dessa viso tradicional em sua tentativa para prover uma avaliao mais equilibrada do campo, com todas as suas contradies e controvrsias. Muito espao dedicado s escolas no-racionais/no-prescritivas, as quais sinalizam outras formas de olhar para a administrao estratgica. Algumas dessas escolas tm uma viso menos otimista a respeito da possibilidade de interveno estratgica formal. em nossas crticas s diferentes escolas que nos tornamos algo parciais. As trs escolas prescritivas tm dominado de tal forma a literatura e a prtica que achamos apropriado incluir discusses um tanto extensas, que colocam em questo grande parte dessa sabedoria convencional. claro que criticamos todas as dez escolas, uma vez que cada uma tem suas fraquezas. Mas quando as pessoas esto sentadas em um lado da gangorra, no faz sentido tentar mant-las em equilbrio puxando pelo centro. Em outras palavras, manter equilbrio entre nossas crticas das dez escolas s ajudaria a perpetuar o desequilbrio que, acreditamos, existe atualmente na literatura e na prtica. O difundido fracasso estratgico, em muitas grandes corporaes, pode ser atribudo ao exrcito de formados em Administrao que sairam das escolas com um conjunto incompleto de ferramentas. Este livro procura abrir a gama de perspectivas, fornecendo um conjunto mais variado de idias para esses exalunos, bem como para os gerentes na prtica. Como notou Hart, empresas de alto desempenho parecem capazes de misturar quadros de referncia concorrentes na formulao da estratgia. Elas so, ao mesmo tempo, engenhosas e incrementais, diretivas e participativas, controladoras e delegadoras, visionrias e detalhadas(1991:121). Ou, como colocou F Scott Fitzgerald em termos . mais speros: O teste de uma inteligncia de primeira classe a capacidade para ter em mente duas idias opostas e ainda manter a capacidade para funcionar. claro que funcionar como estrategista no significa somente ter essas vises opostas, mas tambm, como observou Spender (1992), ser capaz de sintetiz-las. Pedimos a voc, leitor, que tenha em mente dez dessas vises! O campo da administrao estratgica pode estar se movendo no sentido dessa sntese. Como veremos, algumas das obras mais novas cruzam nossas

Safri de Estratgia

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escolas. Isto pode parecer confundir um pouco nossa estrutura. Mas, na verdade, nossas escolas podem nos ajudar a ver como estas obras renem importantes aspectos da formulao de estratgias. Ns as aplaudimos e as citamos sempre que possvel. Elas sugerem uma certa maturidade do campo. Mas a sntese no pode ocorrer em termos gerais. Ela deve ter lugar na mente especfica do observador, isto , voc, o leitor. Daremos ajuda onde pudermos, mas a tarefa cabe queles que lidam com estratgia em suas funes. Todos ns sabemos o que um elefante inteiro; contudo, muitas vezes precisamos descrev-lo por suas partes. Isso est na natureza da descrio verbal: palavras em ordem linear, captulos em um livro. Ento, segure-se aqui vamos ns!