cantos de estima

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  • 8/8/2019 Cantos de Estima

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    CANTOS DE ESTIMA

    Jlia de Carvalho Hansen

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    CANTOS DE ESTIMA

    em 120 exemplares

    Jlia de Carvalho Hansen

    Selo de estimas e grama

    Julho de 2009

    So Paulo

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    cantos de estima

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    este que da Ilana por ritmoda Clarisse por memriapro Manuel pela alegria

    ormalmente do Eduardoe escrito com os Marcos

    um orculo, voc toca nele

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    Minha paixo h de brilhar na noiteno cu de uma cidade do interior

    como um objeto no-identicadoque ainda estou sozinho, apaixonado.

    Caetano Veloso

    Ah, por que tocar em cordilheiras e oceanos!

    Carlos Drummond de Andrade

    Sei que os campos imaginam as suasprprias rosas.As pessoas imaginam seus prprios campos

    de rosas. E s vezes estou na rente dos camposcomo se morresse;

    outras, como se agora somenteeu pudesse acordar.

    Herberto Helder

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    memria escolar

    Foi preciso chamar a ateno das crianasque descascavam as laranjas com acas sem corte:as atividades no pomar tm limitesno se ponham a arrancar as ervas do chocomo meninas desprezadas e raivosasdepois de uma ciranda proposto pedagogicamente

    que se aa um desenhoeito um contrapesodo que a nossa cabea pensaas crianas todas riem de satisaomas o menino mais novo, um cata-ventotrazendo o cheiro do laranjal,veio na direo do meu amigo Lero o guindastee disse pra ele que no dava pra jogar aquele jogo:

    a cabea que pensa ou o corpo inteiro?o Lero que era s corpoo Lero que no lia Sontagbem, o Lero quando se agitavaa gente ia junto pra praiaele imenso pegava os prdios em redorcom a sua garra

    pegava as pessoas e as barracas de sorvetearrancava as pedras do caladotirava de mim toda essa lembranae lanava ao grande verdeeito tudo osse aqurio cheio de peixesque um dia se descobre decorativoe aunda no meio da gua do Atlntico

    silncio violento que se ouve do caise os peixes libertos todosse pem a contar notcias de alm-mar.

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    mercrio

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    caderno de viagem

    Do alto a terra to extensaque assim s conhecia o marse noite co bem quietameu ouvido uma conchaem qual se ouve o rugidoacordei aquios ps enadosa espera da tua chegada por terra, umoat partir do corpo em heternimosescrever como o mar que avanadepois de muito retrocederduas ondas juntando a gua que veio de trs.

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    carne

    Seja a casa onde orconstruir estantes no pensamentode derrub-lasorrar as prateleiras com foresno papel de paredee livros de capa branca

    orrar todos os livrostodas as pginas dos livrosde brancocom algodo sec-losda mida solidodo que est escrito.

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    os guardas dormem na ronteira

    De repente maniestoa gente

    vai se voltar a um outro escalo:montanha, nvoa, marulho, o metr que o nosso trovo

    ento voc acha que os cantos esto mudando de lugarmas a gente que v os homens constrangidos da cidade

    e tenta: enseada sobre asalto, essa manh,porque tudo que , o nosso

    estou no ponto pro Jardim da Glria, lendo a realidadecientistas descobrem Alpes submersos na Austrlia

    na contracapa um corao selvagem pela metadeo cheiro de perto do sal um potro de pulmes novos

    e o mar, ah oceano cavalgadura,absolutamente estrangeiro a mim nesse interior sem tamanho

    eu juro que esse tnel no acabaesto nos levando a um lugar de verdade.

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    Vasco

    E batia-me ao encosto e ao virar-me nada via e jurava-lhemorte, mas como?, ests a estar morto mas j?, E aslampadinhas de acender no acendiam e a aeromoa nadaque c vinha desde a descolagem, e eu pedia a Nossa Senhora,que a mim sempre oi uma gorda rolia e no a raparigamagrinha, az avoire, que no seja o andante um antasmaque caminha a assombrar a cabina, e que Deus permitadizeres a verdade, Senhorinha, que amanh ao abrir dajanelita no encontre alga em lugar de nuvem, espessoabismo turbulento, que no esteja eu a ver bobagens,monstros vermelhos, ciclopes alagados, drages a rogarogos de promessas, ortunas pelas ventas, venha, minhaSenhora, me recompensar esta vida de tormentas.

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    a noite que omos ao observatrio

    Era uma bola branca quando chegamosui lembrando que aquilo era um planetrioe tingi o concreto de azultem sempre uma estrada antesa erocidade humana dos sentidossereno mato sobre a borrachauma voz que volta dos rgos itinerantes

    15 anos de cigarras e aliengenas num s planetameu melhor amigo dizendo uma coisa bonita sobre o gado

    eu no escutava mas era um rdio lentocomo se trouxesse a notcia da paza gente corre pra inspiraro pulmo expandeo gado se ajeitando massageado

    que vontade de apertara bola do observatrioe ento abrir eito tenda

    o sico pra nsexplicou o claro no cuo raio das riasque iluminou num arco-verdepor cima dos meninosnossos rostos de ogueira

    era lixo espacialvelocidade ardendovoltando pras atmoserasestrela-cadente-no-existeescureceu

    quando chegamos ao ponto nal(abre corao, abre)podia olhar por dez segundos(mesmo assim eu no vi nada).

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    Eu sou o rio dos mortosnasci da sede pelo d das lgrimas

    quando mortos todos os pensamentoseu sou o rio dos mortosme criei no pntano das palavrasdos restos tudo tragoeu sou o rio dos mortosminha carne das nuvensse ujo s dou em mimeu sou o rio dos mortose o meu choro o que devolve terrao cho do sal da terra o choeu sou o rio dos mortos

    minha margem de rvoresdos astecas que me sangrarameu sou o rio dos mortosda terra no passoe ningum me ultrapassa sem desvo.

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    astrologia

    Cao constelaes em mimnem sempre sou a primeiraa descobrir Centauro

    o olhar pendurado em constnciasa lua mngua, leva a marsugar me balanao umbigo inchaestou gestando um poemacadentenascer todo destroesquecido do cu

    andando os prprios ps.

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    9.1

    O oceano terrvelmira como se agitaa rmora que nadacolada ao tubaromeu destino to diverso.

    12.1

    Deus te livre, leitor, de uma idia xa.

    19.1

    Escrever alguma coisa. Bem, estamos no trpicos. Asbananas e as mangas sobre a mesa, minha blusa listadade sair por a, os protetores solares que dispomossobre o corpo e que depois voltam num baile innitosobre a mesa. Conheo seus limites, Valentine, j deolhos echados. Dispomos tambm de um corpointeiro pra transcendncias sensoriais. Estamos emtorno da verdade, da qual j nascemos docementedistantes. Orbitveis por ora. isso. Virei de madeira.Ainda no adquiri saberes de rocha.

    Nem sei se

    o centauro de madeira tomou corpo e conscinciae saiu vigoroso e leve, a andar. toda articulada.a h consistncia. sem dvida um estado de crise.

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    ( noite)

    estou em cinco lugares ao mesmo tempo. pensava naEuropa. a Europa seria s mais uma grande ilha. no.estou cansada de me parecer com as pessoas. cansada deme adaptar aos hbitos locais. no. um janeiro dicil,esse. no.20.1

    Nos dias em que no h colheitae todos os mercados de trocas esto echadosse az necessrio sair caadeixar a intimidade sombreada deste quartoe achar nuns sentimentos da rua uns modos novosdentro da crise danardanar sem agitao

    ao voltar para casaesqueceu to bemseus melhores mantimentosa cano que ainda alta um reroa comida que resta h dias em cima da mesaporque a ome que sentes outraome de anjo que extermina dor e dvida

    o caderno a que evitas dar o nome de dirioporque temes os nomes que alcanam ou no atingem ograu de batismo.

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    30 .1

    Corre o rumor de que sou uma poeta sem lirismo, umaescritora sem histrias.A palavra a lha que renasceu do racasso.

    Perguntam se eu penso essas coisas pela minha histriaou por alguma histria que eu esteja escrevendo(pergunto pra mim) e o vinho abaixa a nossa rotao

    Valentine, que tornou a ser sweet, comic,Valentine, meucorao vagabundo, replica, triplica e espraia. Os rancesesque dias atrs nos viram trabalhando na praia caramligeiramente comovidos. Entre encantados com umaapario da cultura datiloscrita ocidental Bahi. Acheisimptico ou ser que oi o narcisismo tercirio?

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    yira-yira

    As nuvens de vidro nos prdioso mido vem de dentro da garagemcono na sabedoria dos ambulantescomo quem se despede da raivaa vida passando toda nesse esperar o nibusvoc que volta atrs em me dizer adeuscomo quem desce a Consolaoe dentro duma luminriadescobre nossa lenta constelao.

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    o prncipe

    Sonhei com algum pra me protegerele cortava o mato de uma clareirae eu a cada dia mais perto das ervas rasteiras.

    Ao topo de toda a minha poca heri de mim mesmo revigoro:acredito que existam intimidade, calor e rio,o estmago o novo corao e o corao o novo leo.

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    esta paisagem

    Ou tudo uma seqncia de imediatostodo dia de manh ao espelhome tiram num 3x4e esto enleirando porta-retratosque se embaam ao menor contatode respirao humana.

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    autognose

    automatismo, meu lho, te juropuro enoque de uma revelaono trato sou uma calha do invisvelpropulsora a palavra esquentaento passo o texto com giletese das rasuras nascem fores.

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    pro inerno com a literatura

    este pro Marcos

    Numa coincidncia inametivemos a oportunidadeBob Dylan e eude morrermos os dois amanhe os amigos lembrariamah como tinha uturoah como tinha talentoah como sabia viverah como tinha sorteah at que veio que morreu no mesmo dia que o BobDylan

    eu nunca me esqueceria desse dia estavam ambos emLisboatomada por um ataque nos elctricos nos bondes nospickpocketsno pitoresco mundo ibrico dos ranceses que emrealidade nunca entendem absolutamente nada ahsouvenires coqueluches tquetes de ingresso aos cus!meia dzia de vezes em um sculo algum pode dizer

    que sua amiga morreu no mesmo dia que o Bob Dylanmorreu.

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    histria natural

    Ele pode at gostar delamas que sei eu das minhas prprias mos?

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    hoje

    there are some morningswhen the sky looks like a road

    there are some dragons whowere built to have and hold

    Joanna NewsonAcalma teu brio de ugir, mulherhavia algo com que me depararvinha desde a noite do nome que deia algo que sabia to bem pequenae que at ontem no sabia que sabia bem assimalguma coisa com nome de amoruma luz que s vezes ilumina minhas mose h nitidez nas ranhuras das digitaise sinto uma ternura imensa

    pelo passado pelo uturotantas vezes de noitee me acompanha pensarna morte como uma insniamadrugada passada acordei berrando porquepedia pesadelo pra amiga grita

    grita pra nos salvarela no gritou

    ao que eu griteilevantei a cabeaolhei as montanhas das minhas clarezas antes de dormire escrevi logo ao acordar:esquecie quei olhando as montanhas e as estrelas pra ver seelas se mexiam.

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    Queria que tua mo me guiasse no escuro do mundomas tua presena me aclara

    quei conusa

    *

    deito uma pedra do meu peitoeito carvo no teu caminhoo que com ele escreves?

    *

    a ternura de um balocom medo que as palavrasse percam na mandbulamorde um carto postal

    *

    ele o pssaro. veio branco BRANCO invadindo meuolhar boca tetos e ouvidos. livre e desesperado. tremia aspernas quando nos beijamos, no, balanava-as ora dotempo da msica que tocava alto. lembro que o puxeipara o meu corpo como se eu osse slida. slida eitouma embalagem tetra-pak de leite cheia. ele se encaixou,

    esteve comigo, estive com ele.

    *

    e descobri que h um barulhoque sempre pensei ser do marmas um som do vento

    um marulho que o vento az,

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    *

    vim de longeporque eu trouxe o ogo

    *

    querendo comprar uma quinta e uns patoscar vendo os patos e d-los de comer aos lhos

    *

    Angelita no norte dizia:-Mame, rasguei a perna ao descer a escada do Universo.e por baixo do letreiro do restaurante o garom a dizer:-A pequena de rosa, olha l que o gelado derrete.

    *terror do oceano mudar de nome enquanto durmodeve ser assim saber estar pra morrer

    *

    decido no tomar mais medidas

    aos cmodos vou me mostrandocomo as palavras no encostam nas coisase as coisas esto livresto livres que s o arquando eu era pequenaachava que no se devia tomar banho nos dias de chuva

    que era uma redundnciavoc quer que eu pare com esse papo de amor?

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    *

    az muito tempo que tenho pertoda casa escritaa palavra airplaneoi s essa semana que ui lao ladoe escrevi durao

    *

    cuida de mimcomo seu osse um qualquer

    *

    ontem chorei por causa de um passarinho. s vezes acontece

    da vida entrar pela janela uma histria da Clarice. domingo.um passarinho do tamanho do meu polegar entrou entre asabas da janela e caiu no osso em que elas se guardam. coupreso l dentro. s vezes suas asinhas batiam azendo schuischui schui. se eu abrisse a janela completamente o matariaesmagado. demorei a entender que ele era to pequeno eque chorar no adiantava-nos nada. perguntava assim: o quetenho eu a ver com a vida desse passarinho que veio cair

    na minha janela por inexperincia? me respondia, tenhotudo a ver com ele e nada dele me diz respeito. mas a vida,n, ento z de tudo. bambus, varetas, lanternas, cestinhas,arelos de bolacha pra mant-lo vivo. precisava de mo deobra especializada. hoje de manh vieram salv-lo. ele abriua janela e eu peguei o passarinho na mo. apavorado. voou.estou s agora, sem o passarinho.

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    s me ouvem os moinhos

    *

    estou grvida de ti estamos a ver os patos a coaxar e osmarrecos correndo as canelas dos bandidos e na horaem que estou quase parindo voc me olha meia luz

    e diz: ESTOU CERTO DE QUE O FILHO NO MEUSUA MENTIHORORROSSSA e vai embora batendo aporta apagando as velas depois sou eu que co com ocorao batendo abandonado vagabundo eito tatuagemvagabundo

    *esperarei quarenta e cinco noitese se elas parecerem trezentas porque quarenta e cinco oram

    *

    deseja salvar as alteraes em amor.doc?sim no cancelar

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    a ltima vez que nos vimos eu percebi que no sei escrevertinha matado um alce e carreg um poema que ale da tuaando at margem do lago ausncia quero dizer minhadeposito ao lado na relva dor degravetos estalando ogo .

    *

    bem comportada no vai dar em nada

    *

    CENA DE SANGUE NUM BARDA AVENIDA SO JOO

    *

    no z nada eu juroeu tava aqui no escuroe senti o cheiro do aeroporto de Guarulhos

    *

    passei a tarde em poemass dzias como otos digitaisseqncia de ramesde desenho animadoa gente vai estrelar juntona tela da televisoeu, Teddy Corpete,enrolando voc

    entre os ossos da bacia

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    mensagem pra dizer:abraa uma andorinha. que vive em ti em voc? se noosse o corao dos animaizinhos eu estava to sozinha.ento escuta, to rpido e: a exploso da tua alegria lindo. depois co pelo buraco da porta a espiar queningum sobe a escada. encosto abertas as palmas da mo.e calo. a madeira respira por mim.

    no, no a causa da Andorinha. abrace a prpria. a porta,a andorinha, a longitude. os instintos arejam e comemnossas equaes de medos. sobram os ossinhos do medoentre as ervinhas. com eles azemos um relicrio em cetim,pousamos junto aos nossos ps, aliados. camos olhando.

    isso porque agora entendo o homem da esta de Parisexclamando para a namorada: o amor uma guerra,uma guerra que se luta junto. e ela, que era mexicana,quase atirou um vaso na cabea pra que ele casse quieto,lhe deu uma bebida, um beijo estalado e basta de losoa.riram. isso oi na casa da menina que tinha o mesmopster que eu, esse aqui na porta do Brasil. e me disseque nunca tinha acreditado que aria, uma parisiensevivendo em San Diego, imagine com um bibliotecriosursta, a exploso da alegria linda, todo nariz sangra umdia, a calada escura do ensolarado, etc.

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    redes de caar borboletas para astronautasonde na alta de borboletas lunares se prende o invisvel

    desligo a aparelhagem, ento posso,me deito no undo escuro da camae durmo contigo a salivao do oceano,

    *

    preciso de ticomo se isso osse um estarno corao de uma selva noite escura ouvissea respirao de um animal de olhos rmesse aproximando luminosos entre a olhagemtu s o animal

    eu sou a rvorea luz vem da cidade

    *

    mas no adivinhei se a tua letra sempre como est nocaderno

    porm, no era pra dizer isso! que eu no sinto maisessa luta de romper assim no agora eu sinto mesmo como se escrever osse um pssaro que voando nomatose desviasse por dentro das rvores

    *

    e os jatinhosa voarem nossa sorte.

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    azul

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    rveillon ou potica

    Sei que posso ser salsugem na margem de outroou rabugem em mim que isso l mentira de poetaento estalo os dedos,por avor, anjo surdotraga-me outra umaame d outra maneirade ria, adivinhao e mscaraquem sabe pintura, esgrima?carruagem ou esquadroou tipo um jogo de tirar palavrasnum amigo-secretoquem perder primeiro o dad-me a roupa que me ganhanum estouro de borbulhante

    de primeiro do ano beba,babena boca, mergulho no mareito um gargalo de garraase abrindo o peito enquanto engulotoda a sua vaga, enamorado.

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    a ilha

    As embarcaes oram eitas pra vocque pudesse observ-lasao modo dos loucosque oscilam ao largo do nosso corpoe mordem as ventosas dos peixes

    expulsa das idias o pensamentomedita o vazio dos espaos interestelaresescreve: alo por vs mas no vos compreendo

    e as luzes do caisna supercie do dilvioos riscos.

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    desta amurada

    O que ao aqui no campo declamando aosmetros versos longos e sentidos?

    Ana Cristina Csar

    Aceite este pequeno cascalhoempoeirado relicrio da minha lasca desencarnada de vidae sobre ainda estou em pinscrevo calcanhares margem da britameu corao palpita sem adormecero rio sem peixes as palavras me acordampra ver pescadores a ver o mar sem ver

    as pedras do calamentoso a estrela-dalva denitivano sei se migro eito gaivotapro oceano da minha salivao Tejo mesmo dentro da gentee pois, aceite.

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    IV

    uma maravilhosa sonolnciaque te traz em imagem enigmticamas como um galho, pela margem,a correnteza estancapra de rodar o Danbionunca vai limpar o Pinheirose o dedo que me ajeita o cabeloera capaz de ser teu antasma de pau

    tua lnguaminha lnguaestrangeira de mim em qualquer parte.

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    Lisboa

    Parece que h uma luz l dentroque no se apaga nem mesmo de diadentro do cmodo branco de calde modo que cava douradoe quando a luz incendeiameus olhos cansados me encostar nas paredespara estar resca

    II

    me encontro em renomear o mundocom palavras que j so dele:amor, oceano o mar que nos divides vezes resolve uma mulhere sai andando por sobre o Atlnticoum dia voc ser daquela espcie de homem-marm que parou de respirare agora s vive debaixo dgua.

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    me d de presente o teu bis

    Quando presa ao ar da vigliaprocurar minha insistncia desistiuvoltas num ponto da penumbrae pedes pra que me abra novamentese o mundo osse um estabelecimentohavia de pesar destreza na planilhaportas sanonadas que emperramerrugens do sangue de ontem

    mas sabes que banho os poetas ao sole pelo modo de contagiar os descontentesouo: vim dizer que o dia te seja calmoe no precises retirar prazer das coisas

    em dvida, me recoloco a escrever caladosdepois dito no ritmo dos passos:silencio tudo aquilo que do meu corao no parte.

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    tira ouro do nariz

    A criana meditativa sobre dinamitessonhou de repente todos os poetasdesse pas ao trax enterradosacordou remelenta e descansadaabriu a janela e pela rua toda tortatarde muita noite sobre nossos corpostrepavam abboras em carruagens.

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    suposies

    Se pelo menos tivesse nascido mais velho. Podia ao menos,com o p em cima da mquina exclamar: sou o cavaleirodo aspirador de p. Isso com a toalha vermelha nas costas.E os ossos magrinhos no raio-x. Mas, Vnus em rias,essa mulher sem cabea pra vida. Fantasiava. Tinha umaherdada do irmo mais velho, de astronauta, que a mes lhe deixava usar pra lavar loua. Era a compensao

    de no ser menino. Decorava a ordem dos planetas. Nemsabia porque queria isso. Mas veio de to antes que sumiu.Foi bem antes de voc aparecer. Foi na poca que sumiubem antes de ser alguma coisa mais alm do que umamulher. Foi s quando voc apareceu que comecei a mesentir sozinha. No consigo visitar ningum.II

    Amarra meu cabelo ao corpo deste beb, d-lhe um dedomeu pra que chupe, se quiser o poema me come a carne.O problema o poema da caixa torcica. Meu poemaque no te atravessa.

    III

    Cheguei da azenda pensando. E esse pensar, se casse no

    pensar, era uma coisa. Mas quem no tem destino e pensa,desdobra a existncia nesse pensar. Pensei: um problemade existncia carece ento de teorizao. Fui aos homens.Estou indo ainda, no digo muito mais. Fui cair na teoriados homens, mas discordo de tudo ou plasmo semsinceridade. Poeta tambm no tem mais. A nica coisaque me interessa car vendo me devolverem as coisas.

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    IV

    Alguma coisaacredita em mimque est guardadoo segredo astrosicoque desaprendi na matria da escola.V

    Sim, avistarei. A ti tambm. Avistar.O que me intriga no de vermos, continuemos,corredores.O que anseio a dvida eroz, est no azer o amor.Enquanto isso tento arranjar algum em mim que cuidede ti.VI

    So ctcios os nmeros dos ttulos.O mundo dos homens assim me recebe a convico.

    VII

    Se pelo menos tivesse nascido mais velho.Caia madura da me.

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    endurece o corao

    No d em nadaperdes a esperana pior sem elaandas correndosubstitui-se o vaziopelo sangue bombeadomas a dor nunca passaantes te atravessaa tinta das canetaspigmenta os grisalhosesse poema tinge de branco e irradia,*

    ou nasce da areia branca, toda supercie, por maisestriada que pareano te agarras o bastante e grita no ouvido do homem:sou tua, por que no me diz?

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    strike a poet

    Tiro otos da minha casa at acreditar que uma cidadesigo abraando cadeiras entre o olhar imperativo dosgatos a mo que aaga este problema a materialidadedos livros ajuda no colegial me chamavam de meninade outra poca meu pai dizia que minha av era umamulher da terra isso resume pra mim toda a poesiacontempornea de repente ganharam o medo de dizercorao preciso pacincia e a sensibilidade de um peixe.

    Devem me ver como um drago rasante, os miadosnum abrao a gatinha tem ome e cheiro de ser vivopela primeira vez em um ms deixo a sala mais cil omar abrir em dois do que interromper o trnsito porisso que no atravesso a rua meio-dia sou o Torquato de

    colar de contas descendo as delcias de aves nas mos elapensa em casamento no sol de quase dezembro uma meme olha saindo pelo corredorat o portozinho de ao range a lha vai pra escolaa mala de rodinha, vergonha no a palavranalmente, virei artista os dedos sujos de tintae o uniorme azul-marinho o cabelo imundo embora

    a seda tenha rasgado s consigo desanar o coro doscontentes me alimentar com drogas pra me manterescrevendo acordada e cansada e insuciente esta melodiachega o texto ao m e no reviso, its riday Im in love.

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    soneto de separao

    Maria tinha braos que amavamlongos captulospor isso os naiseram seus avoritos.

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    arewell

    depois de tantos combatesmeu amigo Leropegou o seu corpoe tombou em um rio

    essa noite l pelas trsns no Volkswagen meia-seiso estoado improvisadode oncinha barquinho marinheiro

    ora a vida ao relento

    os aris a iluminar o caminhouma baleia andando no retrovisorpela estrada do stio

    e chegados para a travessiade cima da ponte o Lero l na gua estavao splash que dali resultourevogou a orma do suicdio

    sua cauda amarela cando ocrecheia de um musgo, descoravae as algas de todos os oceanosviravam suas saias

    o guindaste guinchavaiando os cimentosdos coraescontra o silncio dos avaros

    at que o Lero tambm se caloue dentro de ns que choviaa gua entrou pelos vidrosmolhou os papise mais nada.

    mas um cheiro de promessaque s vezes libera a maresiacansou a erida do Leromeu amigo danador.

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    PRA PERDER O MEDO DE DIZER CORAO

    uma casa em que se tirassem as paredes e o ar cassesobre ns?

    H uma agonia de bagagens. Este texto no ser laudatrio./ H um certo grau de insnia, de ruminao, de sentidohistrico, no qual o vivente chega a sorer dano e porm se arruna, seja ele um homem, ou um povo, ou umacivilizao. / Simultaneamente a tradio mallarmeana

    da palavra pela palavra e o extremismo psicanaltico deuma essncia que no se alcana. / Para este tempo deacanhamentos, medo e cruel elicidade cordial, qual apoesia?

    Recorte de todos os versos antes escritos - a mordida donovo em dentadas aoitas galhardias dos medalhesde bons nomes e excelentssimas relaes Escrever

    poesia pra disparatada tradio que nos escreve um embuste. H hoje todo um aparato editorial quese aciona placidez poltica de um pas de planosde sade e imperialismo peririco e xs poetasproduzem conorto s nossas leituras. Em linhas gerais,o que se escreve hoje une o jocoso-acidental modernista(atualizado pelo desbunde dos 1970) auto-satisaoconcretista do texto que, sincronizado ao melhor da

    tradio, tradiciona-se acadmico e baloo.

    No mundo de todos os caminhos / ainda com p nocho que se caminha. O poeta antena da raa / umsatlite que s quer amar. Jlia de Carvalho Hansenpercorre com ritos de xam os caminhos duradourosque ns pisamos. O livro cantos de estima no est ora nemlonge, mas imbricado no hoje / raspa do musgo vivo

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    debaixo das pedras de toque um subproduto do rock?E morde a tropiclia das possibilidades, h versos que

    serviriam melhor de cano, escreve os dirios de AnaCristina Cesar sem parecer inteligente ou dadivosa, masrme e perigo eito um abrao. Que aaga.

    Talvez voc possa l-lo como uma carta, no como ascnicas cartas orjadas. Uma carta para o mundo paraamar. E qual a ousadia em ousar dizer amor? Um amorprolixo, que no se contm / que esbarra em si mesmo

    seus ragmentos de discurso manjado, seu j-se-disse . Mas ainda no te disse. Meu amor pra voc, meuamor. Heri de toalha vermelha amarrada no pescoo, natitubeante e armativa segunda parte dos cantos de estimaest escrito o que pode ser o mote de todo o livro: o nossoamor a gente inventa. O leitor-destinatrio desses versosno o hipcrita da modernidade rancesa, o amadodas cartas portuguesas. S na entrega que se ama.

    Chega ento um gesto, mais do que um texto. Este livronasce de um artesanato, uma edio reduzida de dozeexemplares eitos mo e dados de presente / queagora vm a maior pblico. Dizer a que veio. Que noseja preciosidade de etichistas da poesia e no estardalhao da gerao do mimegrao isso s vaidepender de voc, que tem o livro em mos. De qualquer

    orma, eu posso te dizer que as cartas e este livro dicilmente so endereadas a um leitor imaginrio. do texto publicitrio ser agradvel / e dos mantraspessoais colecionveis que resultam da poesia consumida.Quanto a este livro, eu sugiro que voc o mastigue pelosdentes. E sem pressa.

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    Nos cantos de estima voc provavelmente no encontrarnada de novo. Jlia de Carvalho Hansen beira o caona e

    o mal-escrito dos melhores textos que hoje se publicampra perder o medo de dizer corao. E se or uma poetasem lirismo / Por que no? Por que no? Um conjuntode poemas que alcana a erocidade humana / pela vidasem lgica sentimental dos peixes / que libertos todosde um aqurio que sbito se descobre decorativo e queaunda no meio da gua do Atlntico silncio violentose ouve do cais, ele se pe a contar notcias de alm-mar.

    Daqui construo. O que ela quer da gente coragem.Protica e corprea anuncia: O estmago o novocorao e o corao o novo leo.

    Marcos Visnadi

    So Paulo, junho de 2009

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    cantos de estima um livro sendo eito, em tiragenslimitadas em expanso.

    Sua 1 edio (2008/09) com 14 poemas pode ser vista em:http://12exemplares-o-livro.blogspot.com

    Agradeo a todos que participaram desta edio e minha me. Agradeo tambm a todos presentes nos 12exemplares como participantes ou incentivadores doprojeto. Agradeo nalmente a todos os interlocutoresdos meus textos e sobretudo a todos os meus amigos, osj conhecidos e os ainda-no. Obrigada. Este livro carnemtua, beijos para todos ns.

    copyright 2009 Selo de estimas e grama

    Hansen, Jlia de Carvalho. cantos de estima. So

    Paulo, Selo de estimas e grama, 2009. 2. edio, 120exemplares, nmero de pginas.

    reviso de texto

    Joo Adolo Hansen

    poscio

    Marcos Visnadi

    [email protected]

    projeto grfco

    Eduardo J. Cintra Mauro

    a autora

    Jlia de Carvalho Hansen nasceu em So Paulo no 12 dejaneiro de 1984. Comeou a escrever aos nove anos deidade, depois parou. Ama, reclama e [email protected]

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