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RENATO SOTTO-MAYOR COORDENADOR: Perguntas chave no Perguntas chave no CANCRO DO PULMÃO CANCRO DO PULMÃO CANCRO DO PULMÃO COORDENADOR: RENATO SOTTO-MAYOR PERMANYER PORTUGAL www.permanyer.com

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RENATO SOTTO-MAYORCOORDENADOR:

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CANCRODO PULMÃORENATO SOTTO-MAYORC O O R D E N A D O R :

Perguntas chave no

CANCRODO PULMÃO

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© 2015 Permanyer PortugalAv. Duque d’Ávila, 92, 6.º Dtº - 1050-084 Lisboa

Tel.: 21 315 60 81 Fax: 21 330 42 96

ISBN da colecção: XXXXXXXXXISBN: XXXXXXXXX

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Reservados todos os direitosSem prévio consentimento da editora, não poderá reproduzir-se, nem armazenar-se num suporte recuperável ou transmissível, nenhuma parte desta publicação, seja de forma electrónica, mecânica, fotocopiada, gravada ou por qualquer outro método. Todos os comentários e opiniões publicados são da responsabilidade exclusiva dos seus autores.

Suporte válidoComunicado ao Departament de Salut (Gran Vía) de la Generalitat de Catalunya: n.º

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100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão III

Autores

Ana Cristina AmadoServiço de Radioterapia Hospital de Santa Maria Centro Hospitalar Lisboa Norte Lisboa, Portugal

Direndra HasmucraiHospital de Dia de Pneumologia Oncológica Centro Hospitalar Lisboa Norte Lisboa, Portugal

Dulce AntunesAssistente Hospitalar de Imagiologia Geral Serviço de Imagiologia Geral Centro Hospitalar Lisboa Norte Lisboa, Portugal

Encarnação TeixeiraAssistente Hospitalar Graduada Centro Hospitalar Lisboa Norte Hospital Pulido Valente Lisboa, Portugal

Francisco FélixChefe de Serviço de Cirurgia Torácica Centro Hospitalar Lisboa Norte Lisboa, Portugal

Isabel LourençoAssistente Hospitalar Graduada de Anatomia Patológica Centro Hospitalar Lisboa Norte Lisboa, Portugal

Luís CarreiroChefe de Serviço de Pneumologia Coordenador da Unidade de Pneumologia Hospital Lusíadas Lisboa, Portugal

Margarida FelizardoAssistente Hospitalar de Pneumologia Hospital Beatriz Ângelo Loures, Portugal

Margarida Mendes de AlmeidaAssistente Hospitalar Graduada de Anatomia Patológica Centro Hospitalar Lisboa Norte Lisboa, Portugal

Maria Inês AntunesServiço de Radioterapia Hospital do Espírito Santo (Lenicare) Évora, Portugal

Mariana RoqueInterna de Imagiologia Geral Serviço de Imagiologia Geral Centro Hospitalar Lisboa Norte Lisboa, Portugal

Patrícia GarridoAssistente Hospitalar Graduada de Pneumologia Centro Hospitalar Lisboa Norte Lisboa, Portugal

Paula AlvesAssistente Hospitalar Graduada de Pneumologia Centro Hospitalar Lisboa Norte Lisboa, Portugal

Paula MonteiroAssistente Hospitalar Graduada de Pneumologia Unidade Pneumológica de Intervenção Serviço de Pneumologia Centro Hospitalar Lisboa Norte Lisboa, Portugal

Renato Sotto-MayorChefe de Serviço de Pneumologia Assistente Convidado da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa Hospital de Dia de Pneumologia Oncológica Serviço de Pneumologia Centro Hospitalar Lisboa Norte Lisboa, Portugal

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100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão IV

Índice

Prefácio VR. Sotto-Mayor

Epidemiologia e rastreio do cancro do pulmão 1D. Hasmucrai e R. Sotto-Mayor

Do diagnóstico à broncologia de intervenção no cancro do pulmão 9L. Carreiro

Classificação histopatológica e molecular do cancro do pulmão 15I. Lourenço e M. Mendes de Almeida

Estadiamento do cancro do pulmão 21D. Antunes, M. Roque e P. Monteiro

Tratamento cirúrgico do carcinoma pulmonar de não pequenas células 29F. Félix

Tratamento neoadjuvante e adjuvante no carcinoma pulmonar de não pequenas células 35P. Alves e P. Garrido

O papel da radioterapia no carcinoma pulmonar de não pequenas células 41A.C. Amado e M.I. Antunes

Tratamento de primeira linha do carcinoma pulmonar de não pequenas células 47E. Teixeira

Tratamento do carcinoma pulmonar de não pequenas células após progressão de primeira linha 55M. Felizardo

Tratamento do carcinoma pulmonar de pequenas células 61R. Sotto-Mayor

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100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão V

Prefácio

A prática da pneumologia oncológica tem tido, entre nós, uma ação primordial na luta contra o cancro do pulmão1, mercê do empenho, dedicação e competência de um conjunto de profissionais de saúde com experiência nesta área, mesmo quando pouco havia a fazer aos doentes para além de cuidados paliativos e de suporte, até aos nossos dias, em que emergiram novos paradigmas na tera-pêutica desta verdadeira epidemia oncológica, que abrem horizontes de esperança e de otimismo no que se refere ao seu prognóstico e sua qualidade de vida.

De facto, os pneumologistas têm um papel decisivo2 na abordagem do cancro do pulmão, desde a sua prevenção, ao seu diagnóstico, estadiamento anatómico, avaliação funcional, tratamento – in-cluindo na vertente das técnicas pneumológicas de intervenção –, e cuidados paliativos e de suporte.

Essa sua intervenção deve ser integrada numa perspetiva de trabalho multidisciplinar3,4 em que façam parte profissionais de saúde com larga experiência em oncologia torácica, como médicos pneumologis-tas, cirurgiões torácicos, radioncologistas, oncologistas, patologistas e outros, assim como enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais, no sentido de oferecer a cada doente os melhores cuidados possíveis.

Mas esses grupos de trabalho multidisciplinar, além de representarem uma oportunidade de dis-cussão dos casos apresentados, que tem como objetivo major a melhoria da qualidade e eficiência dos cuidados prestados aos doentes, devem também ser vistos como um pretexto de interação entre os diferentes participantes, que eventualmente poderá contribuir para a prevenção do stresse e do tão falado burnout que atingem uma parte cada vez maior de prestadores de cuidados de saúde aos doentes com patologia oncológica5.

Foi com este espírito de multidisciplinaridade e de trabalho em grupo que aceitámos coordenar a edição do livro que agora apresentamos, agradecendo a participação empenhada de todos os autores – a maioria dos quais integra a consulta de grupo da nossa unidade –, o que muito o valorizou.

Uma palavra de reconhecimento à editora Permanyer por nos ter desafiado para este projeto, e à Roche Farmacêutica por possibilitar a sua publicação.

BIBLIOGRAFIA

1. Sotto-Mayor R. Marcos históricos no estudo do cancro do pulmão. Rev Port Pneumol. 2006;12(4):401-46. 2. Gaga M, Sculier J-P, Rabe KF. Pulmonologists and lung cancer: pivotal role in multidisciplinary approach. Eur Resp J. 2013;42:1183-5. 3. Ellis PM. The importance of multidisciplinary team management of patients with non-small-cell lung cancer. Curr Oncol. 2012;19:S7-S15. 4. Powell HA, Baldwin DR. Multidisciplinary team management in Thoracic Oncology: more than just a concept?. Eur Resp J. 2014;43:1776-86. 5. Shanafelt T, Dyrbye L. Oncologist burnout: causes, consequences, and responses. J Clin Oncol. 2012;30:1235-41.

R. Sotto-MayorChefe de Serviço de Pneumologia, Assistente Convidado da FMUL Hospital de Dia de Pneumologia Oncológica, Serviço de PneumologiaCentro Hospitalar Lisboa Norte, Lisboa, Portugal

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100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão 1

QUAL A IMPORTÂNCIA DO TABACO NA ETIOPATOGENIA DO CANCRO DO PULMÃO?

Nos últimos 75 anos, o cancro do pulmão (CP) tornou-se uma epidemia mundial1. Sem dúvida, o tabaco constitui a principal causa de CP, responsá-vel por 80-90% de casos nos Estados Unidos e noutros países onde o hábito tabágico é comum. O risco de cancro nos fumadores é cerca de 20 vezes superior ao dos não fumadores, tornando-o numa doença altamente evitável2.

A composição do tabaco modificou-se desde os anos de 1950, onde os cigarros sem filtro foram substituídos pelos com filtro, com baixo teor de alcatrão e nicotina e, alguns, com mentol2. O fumo do cigarro é um aerossol complexo que contém mais de 4.000 produtos químicos de que se real-çam inúmeros irritantes, oxidantes, radicais livres e mais de 50 carcinogéneos, principalmente nitrosa-minas, hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, polónio 210 e cádmio3.

Vários estudos prospetivos demonstraram rela-ção dose-resposta significativa entre a exposição ao fumo do cigarro (número de cigarros/dia e du-ração do hábito) e o desenvolvimento do CP. Ou-tros fatores que contribuem para o aumento do risco são: início precoce do hábito tabágico, inala-ções frequentes e profundas, e alto teor de alca-trão e nicotina3.

Os indivíduos que fumam cigarros com filtro e/ou com baixo teor de nicotina tendem a inalar mais profundamente, estando predispostos a

Epidemiologia e rastreio do cancro do pulmão

D. Hasmucrai e R. Sotto-Mayor

desenvolver tumores periféricos como é o caso dos adenocarcinomas e dos carcinomas de grandes células. Por outro lado, os que fumam cigarros sem filtro e/ou alto teor de nicotina tendem a inalar menos profundamente apresentando maior predis-posição em desenvolverem tumores centrais como é o caso dos carcinomas epidermoides ou dos car-cinomas pulmonares de pequenas células2.

O mentol é um agente aromatizante, que se associa atualmente a cerca de 1/3 do mercado dos cigarros nos Estados Unidos. Tem propriedades re-frescantes, anti-irritantes e analgésicas que, com-binadas com o facto de os afro-americanos terem maior taxa de CP e alta prevalência do uso de tabaco com mentol, são compatíveis com a hipó-tese de que os cigarros com esse produto estarão mais fortemente associados ao CP que os não mentolados. Contudo a comparação usando estu-dos caso-controlo, de cohort e biomarcadores não relevaram diferenças consistentes2.

O risco de CP associado ao charuto ou ao cachimbo é substancial mas menor que o do ci-garro por diferenças na frequência e profundidade de inalação2.

O consumo de marijuana ou de cocaína pro-vavelmente estará relacionado com aumento de risco de CP, uma vez que foram documentadas alterações histológicas e moleculares do epitélio brônquico semelhantes às da inalação do fumo do tabaco4.

O fumo do cigarro potencia o efeito de alguns carcinogéneos ocupacionais. Como exemplo, o tabaco e os asbestos são fatores independentes

Capítulo 1

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D. Hasmucrai, R. Sotto-Mayor

2 100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão

para o CP, mas, em combinação, atuam sinergica-mente aumentando marcadamente o risco dessa neoplasia2.

O risco diminui com a suspensão do hábito de fumar e vai reduzindo à medida que aumen-ta o número de anos sem fumo, mas nunca atinge o dos não fumadores e não expostos ao fumo do tabaco1.

A HERANÇA GENÉTICA TEM IMPORTÂNCIA NO CANCRO DO PULMÃO?

Fatores ligados ao hospedeiro podem afetar a suscetibilidade para desenvolver CP2. Uma história de CP em familiar de 1.º grau aumenta duas a seis vezes o risco relativo independentemente da ida-de, género, tabagismo e exposição ocupacional3. Por razões ainda não conhecidas, as mulheres são mais suscetíveis ao fumo do tabaco que os ho-mens5. Estudos em indivíduos que tiveram familia-res do sexo feminino com CP mostraram que o risco relativo era 5,7 nas não fumadoras e 30,0 nas que fumavam; nas fumadoras sem história familiar de CP, o risco relativo foi de 15,13.

A suscetibilidade individual aos carcinogéneos provenientes do tabaco depende da interação competitiva gene/enzima, que regula a ativação e metabolização dos compostos (determina a con-centração de metabolitos tóxicos) e a capacidade dos mecanismos de reparação das lesões do ADN.

Muitos carcinogéneos do fumo do tabaco so-frem oxidação pelo sistema enzimático do citocro-mo P450, formando compostos intermédios reati-vos (fase I), que podem ligar-se ao ADN e causar lesão genética, ou serem transformados por outras enzimas, como a glutatião-S-transferase, que os conjuga e inativa em formas excretáveis (fase II). É o balanço entre os mecanismos de ativação e des-toxificação dos carcinogéneos que parece estabe-lecer a predisposição individual para CP. O sistema do citocromo P450 é codificado pela família de genes CYP que é polimorfa e tem capacidades enzimáticas diferentes. Os fenótipos com menor capacidade de reparação do ADN estão associados a aumento do risco de CP3.

O gene supressor p53 (com envolvimento no ciclo celular, sabendo-se que, quando não funcio-na, a célula cresce e divide-se acumulando erros sucessivos) foi encontrado mutado em 50% dos CP. No adenocarcinoma, a mutação do gene EGFR é mais frequente (15%) nas doentes do sexo fe-minino, em não fumadoras e de origem asiática, enquanto que a mutação do gene K-ras foi obser-vada em 24-50% dos doentes fumadores. Algu-mas mutações podem não ser herdadas mas re-presentar marcadores dos efeitos cancerígenos do fumo do tabaco3.

A moderna biologia molecular é concordante com o conceito de múltiplos alvos na indução do cancro e dá suporte à ideia da existência de uma suscetibilidade genética para o CP3.

COMO SE EXPLICA A EXISTÊNCIA DE CANCRO DO PULMÃO EM NÃO FUMADORES?

Embora a exposição ao fumo do tabaco esteja presente na grande maioria (85-90%) dos doentes com CP, a etiologia provavelmente é multifatorial (menos de 20% dos fumadores desenvolve CP). O risco de CP reflete a inter-relação entre a exposição direta ou indireta a agentes etiológicos ambientais e a suscetibilidade individual aos carcinogéneos respiratórios3. Outros fatores de risco estabelecidos incluem: tabagismo passivo, carcinogéneos ocupa-cionais, radiações e poluição2.

Nos Estados Unidos, os estudos de risco popu-lacional para o CP estimam que a exposição ocu-pacional é responsável por 9-15%, o radão por 10% e a poluição atmosférica externa por 1-2% de casos3.

A poluição atmosférica traduz a presença no ar ambiente de uma mistura complexa de gases, partículas e fibras, principalmente de derivados dos combustíveis fósseis (hidrocarbonetos aromá-ticos policíclicos) e metais (arsénio, crómio, ní-quel), lançados pelos veículos motorizados, insta-lações fabris e habitações, que varia com o local (mais elevada no meio urbano que no rural), com as condições meteorológicas e com as próprias fontes3.

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Epidemiologia e rastreio do cancro do pulmão

100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão 3

Na grande maioria, a poluição aérea fora de casa é gerada pela combustão de combustíveis fósseis e a do interior de casa pode ser provenien-te de fora ou originar-se dentro dela. Nos países desenvolvidos, os dois poluentes dentro de casa que mais fortemente aumentam o risco do CP em não fumadores são o tabagismo passivo e o radão, e, nos países em desenvolvimento, são os combus-tíveis sólidos não processados, fósseis e de biomas-sa para cozinha e aquecimento2.

O tabagismo passivo é causa frequente de CP, com aumento de risco de 20-30% nos não fuma-dores que habitam com fumadores, e é proporcio-nal ao nível, duração e idade do início da exposi-ção. Estima-se que seja responsável por 21.400 mortes/ano no mundo2.

O CP é a mais comum causa de cancro asso-ciado a exposição ocupacional. Os trabalhadores expostos ao alcatrão, fuligem e metais (arsénio, crómio, níquel) estão em maior risco de desenvol-ver CP2. A evidência implicando exposições nem sempre é suficiente, devido à dificuldade em mini-mizar o poderoso efeito do tabaco em estudos observacionais, tornando correlações subtis, difí-ceis de interpretar1.

A associação da exposição aos asbestos e CP é forte. O risco relativo aumenta seis vezes com a exposição a asbestos, 11 vezes com o tabagis-mo, e aumenta exponencialmente (59 vezes) com a exposição simultânea3. Não é conhecido se atua de forma direta como carcinogéneo ou de forma indireta (inflamação crónica)2. O risco é dose de-pendente mas varia também de acordo com o tipo das fibras de asbestos, sendo maior para os ex-postos às fibras de anfibola em relação às de crisótila4.

A exposição à sílica, ocorre em várias indústrias (mineira, cerâmica, areias, etc.). É controverso o papel da sílica no risco do CP, mas estudos epide-miológicos e meta-análises sugerem um risco rela-tivo de 2,8 em doentes com fibrose intersticial por silicose3.

Dois tipos de radiação são relevantes para o CP: a radiação de taxa de transferência de ener-gia linear baixa (raios-X e γ) e a radiação de taxa de transferência de energia linear alta (radão,

neutrão); a radiação de energia alta é a que pro-duz maior dano biológico, em doses equivalentes2.

O radão, produto de degradação natural do urânio, está presente na crosta terrestre e pode acumular-se no interior das habitações e de ou-tros edifícios3. Cerca de 15.000 a 20.000 mortes por CP por ano nos Estados Unidos são causa-das pelo radão2.

Os resultados de numerosos estudos de cohort são compatíveis com uma fraca associação entre o fumo de diesel e o risco de CP2.

QUAL A INFLUÊNCIA DAS CONDIÇÕES SOCIOECONÓMICAS, DA DIETA E DA ATIVIDADE FÍSICA NO RISCO DO CANCRO DO PULMÃO?

O CP tende a ocorrer mais frequentemente em populações com piores condições socioeconómi-cas, refletindo maior consumo do tabaco, maior exposição a poluição profissional e ambiental, bai-xo nível de educação, o tipo de dieta e constran-gimentos no acesso e na utilização dos cuidados de saúde3; estudos antropométricos mostraram que pessoas com baixo índice de massa corporal tinham maior risco de CP2.

Em 2008, os novos casos diagnosticados de CP nos países em desenvolvimento foram de 884.500 e nos desenvolvidos de 724.300, o que representa um diferencial de 22%2.

Os fatores dietéticos mais investigados são os que parecem ter implicação na prevenção: frutas, vegetais e antioxidantes específicos. Quanto maior a quantidade de frutos e vegetais ingeridos, menor o risco de CP2. Os elementos dietéticos mais im-plicados (e estudados) têm sido os carotenos, as vitaminas C e E e o selénio que interferem na di-ferenciação das células epiteliais e têm o potencial de inibir as células neoplásicas3. O iso-tiocianato existente nos vegetais crucíferos exerce o seu efei-to químio-preventivo, bloqueando carcinogéneos pela indução de enzimas de destoxificação de fase II como a glutationa-S-transferase2.

O fumo do tabaco pode afetar diretamente a concentração circulante dos fatores dietéticos,

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D. Hasmucrai, R. Sotto-Mayor

4 100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão

sabendo-se que os fumadores tendem a apresen-tar baixas concentrações circulatórias de antioxi-dantes2.

Os β-carotenos foram estudados como agentes quimio-preventivos, mas vários estudos não de-monstraram qualquer benefício e sugeriram mes-mo que altas doses de β-carotenos poderiam estar associadas ao aumento do risco de CP em fuma-dores4.

EXISTE RELAÇÃO ENTRE O VIH E O CANCRO DO PULMÃO?

O CP é a 3.ª neoplasia mais comum em doen-tes com infeção VIH, seguido do sarcoma de Kapo-si e do linfoma não-Hodgkin, representando cerca de 16% de mortes destes doentes2.

Os indivíduos imunodeprimidos têm risco acrescido para CP mas a maior parte dos doentes com infeção VIH e CP têm apenas imunossupres-são moderada e contagem de CD4, e carga viral normais2. Os mecanismos propostos que relacio-nam o VIH com maior risco de CP incluem: efeito oncogénico direto do VIH, imunossupressão indu-zida pelo VIH, inflamação crónica, fumo do tabaco e uso de drogas intravenosas6.

Apesar da evidência atual sugerir que a infeção por VIH aumenta o risco de CP, independentemen-te do status tabágico, em pelo menos 2,5 vezes, estes doentes fumam mais que a população em geral2. O risco de CP é cerca de seis vezes maior nos doentes VIH que usam drogas intravenosas6.

De notar que a idade média de diagnóstico neste grupo de doentes é cerca de 25 a 30 anos mais cedo que a da população em geral. Uma vez que o risco de CP aumenta com a idade, é expec-tável que o CP se torne comum à medida que a população infetada pelo VIH envelhecer2.

A distribuição por tipos histológicos no CP é similar à que ocorre nos doentes VIH negativos, predominando o adenocarcinoma (superior a 50%). Grande parte são diagnosticados em es-tádio avançado da doença, sendo menos de 15% em fases precoces6.

O vírus papiloma humano poderá estar asso-ciado ao risco de carcinoma epidermoide do

pulmão, uma vez que o ADN deste vírus está pre-sente no carcinoma epidermoide de outros órgãos como do colo uterino, ano-retal, pele, esófago e vias aéreas superiores4.

Comparando com todos os doentes com CP em estádio avançado, a sobrevivência média dos que apresentam infeção VIH concorrente é signifi-cativamente mais curta, 3-6 versus 10-12 meses2.

QUAL A IMPORTÂNCIA DE OUTRAS PATOLOGIAS NO CANCRO DO PULMÃO?

São variadas as doenças pulmonares subjacen-tes que podem aumentar a suscetibilidade ao CP nomeadamente a doença pulmonar obstrutiva cró-nica (DPOC), a tuberculose pulmonar e a fibrose pulmonar2.

A associação entre DPOC e CP é um tema complexo e controverso, pois partilham o mesmo agente etiológico. Vários estudos prospetivos re-portam que a presença de obstrução das vias aéreas (VEMS < 1.100 l ou < 60% do previsto) é um fator independente de risco de CP, risco rela-tivo de 2,7 a 53.

A associação entre tuberculose pulmonar e CP foi observada em vários estudos, na forma de cancro de cicatriz. As pneumoconioses têm sido associadas com aumento de risco de CP, nomea-damente, quando apresentam evidência radioló-gica de fibrose intersticial difusa. Nos doentes com fibrose pulmonar idiopática, foram encontradas 10% de mortes por CP, durante um período de 18 anos, que representou um risco aumentado de 14 vezes3.

O CP é o mais frequente cancro associado a esclerose sistémica2.

A radioterapia (RT) torácica pode aumentar o risco de segunda neoplasia do pulmão nos doen-tes que são tratados a outras neoplasias, sendo maior nos fumadores. Por exemplo, nos doentes que fizeram RT para linfoma de Hodgkin, este risco pode aumentar cerca de sete vezes e pode durar 20 a 25 anos. Na mulheres que fizeram RT após mastectomia por neoplasia da mama, o risco é cerca de quatro vezes, e maior no pulmão

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Epidemiologia e rastreio do cancro do pulmão

100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão 5

ipsilateral. A melhoria das técnicas de RT têm di-minuído esse risco4.

QUAL A SITUAÇÃO EPIDEMIOLÓGICA ATUAL DO CANCRO DO PULMÃO?

O CP, era considerado uma entidade clínica rara no começo do século XX, mas, com o incre-mento do tabagismo, que veio a verificar-se desde então, tornou-se uma verdadeira epidemia glo-bal, sendo atualmente a neoplasia maligna mais frequente no mundo, responsável anualmente por 13% (1,6 milhões) dos novos casos de cancro e de 18% (1,4 milhões) das causas de morte por essa patologia7.

Deste modo, revelou-se como um problema de saúde pública grave e uma das principais causas de morte evitáveis, nomeadamente nos países in-dustrializados3. O risco cumulativo de CP nos fu-madores pesados é de 30% comparado com 1% dos não fumadores4.

Afeta predominantemente os idosos, sendo de 67 anos a idade mediana aquando do diag-nóstico; mais de 50% ocorrem entre os 65-79 anos e apenas 5-10% são diagnosticados abaixo dos 503.

No mundo, o CP é a principal causa de mor-bilidade (17% de novos casos) e mortalidade (23% dos óbitos) relacionada com cancro no ho-mem. Na mulher, é a quarta causa de morbilidade (9% dos novos casos) e segunda de mortalidade (13% dos óbitos) relacionada com cancro, segui-do do cancro da mama. Na Europa, é a principal causa de mortalidade relacionada com cancro no homem e a segunda na mulher. A mortalidade relacionada com CP no homem tem vindo a dimi-nuir mas na mulher tem aumentado e, num futu-ro próximo, será a primeira causa de mortalidade relacionada com cancro em ambos os sexos. Em Portugal, é a principal causa de mortalidade rela-cionada com cancro no homem e 4.ª na mulher7. Para ambos os sexos, a incidência mais baixa ocor-re em África2.

Quanto às taxas de sobrevivência global aos cinco anos, a melhoria tem-se mostrado muito

lenta, tendo evoluído de 13% em 1975 para 16% nos últimos dados publicados, sendo 18% na mu-lher e 14% no homem, o que corresponde a um ganho de 1% em cada década nos últimos 30 anos7.

O mau prognóstico deve-se ao facto do diag-nóstico ser tardio. Como é sabido, nos carcinoma pulmonar de não pequenas células (CPNPC - 85% dos diagnósticos), a sua apresentação clíni-ca e imagiológica ocorre nos estádios III e IV em 80% das situações, e nos carcinomas pulmonares de pequenas células (CPPC – 15% dos diagnós-ticos) a doença limitada dá-se em 30% dos doen-tes, com sobrevivências globais sucessivamente menores à medida que o estádio TNM se agrava. Nos CPNPC, as sobrevivências globais aos cinco anos, segundo os estádios, ronda os 50% no estádio IA, 43% no IB, 36% no IIA, 25% no IIB, 19% no IIIA, 7% no IIIB e 4% no IV; enquanto nos CPPC, a sobrevivência global aos cinco anos é de 14% na doença limitada e de 0-1% na doença extensa7.

Os homens negros apresentam uma maior pre-disposição para o CP do que os brancos, enquan-to a incidência em mulheres negras e brancas é sobreponível1.

Os asiáticos têm melhor sobrevivência que os caucasianos. As razões não são conhecidas, mas um dos fatores a ter em conta para explicar essa constatação poderá ser a diferença nas caracterís-ticas do tumor. Por exemplo, nos asiáticos, a pre-valência da mutação no recetor do fator de cres-cimento epididémico (EGFR) é maior que nos caucasianos, o que, nesses casos, os torna mais sensíveis ao tratamento com inibidores tirosina-ci-nase (TKI)2.

Em 1998, num estudo efetuado em 10 hospi-tais portugueses, verificou-se que o carcinoma epidermoide e o adenocarcinoma partilhavam per-centagens semelhantes, sendo que tradicional-mente o carcinoma epidermoide predominava sobre o adenocarcinoma; em 2002, o adenocarci-noma vinha já apresentando uma vantagem con-siderável em relação ao epidermoide. No mesmo estudo, entre 2000 e 2005, existia já um predomí-nio franco do adenocarcinoma (40%) versus 30% para o carcinoma epidermoide1. A explicação mais

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D. Hasmucrai, R. Sotto-Mayor

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provável de aumento de adenocarcinoma é a mu-dança nas características dos cigarros2.

POR QUE ESTÁ A AUMENTAR O CANCRO DO PULMÃO NA MULHER?

A prevalência dos hábitos tabágicos atingiu o seu pico cerca de duas décadas mais tarde na mulher do que no homem, o que poderá explicar a tardia relevância epidemiológica do CP na mu-lher. Alguns estudos sugeriram risco potencialmen-te mais alto associado ao tabaco, em mulheres comparado com os homens2.

São avançadas razões biológicas para explicar as diferenças de risco de CP entre os dois sexos3:

– Diferenças no metabolismo da nicotina: a mu-lher está exposta a níveis mais altos porque tem menor clearance plasmática da nicotina.

– Variações nas enzimas P450 envolvidas na bio--ativação e destoxificação dos componentes tóxicos do fumo do tabaco (hidrocarbonetos aromáticos policíclicos e nitrosaminas): os ní-veis de transversões do ADN são maiores nas mulheres, apesar de níveis de exposição tabá-gica mais baixos.

– Efeito hormonal no desenvolvimento do CP: alguns autores encontraram associação entre estrogénios e aumento de risco de CP; verifi-caram que a terapêutica estrogénica de subs-tituição estava associada significativamente a maior risco de adenocarcinoma pulmonar, o que era agravado quando a mulher fumava; também tem sido constatado o efeito protetor da menopausa no risco de CP, em idades abai-xo dos 40 anos.

– Alterações genéticas: os exames histológicos mostram que as mulheres têm maior frequência de mutações no gene supressor tumoral p53.

A CESSAÇÃO TABÁGICA NO DOENTE COM CANCRO DO PULMÃO SERÁ DE FAZER?

Quer da parte de uma percentagem significa-tiva de doentes que fumam, como de alguns

clínicos, existe a convicção de que, após o diag-nóstico de CP, especialmente nas suas fases mais avançadas, já não será de insistir na cessação ta-bágica.

Contudo, a evidência científica leva-nos a de-fender o abandono do hábito de fumar também nos doentes oncológicos, em especial nos que so-frem de CP, independentemente do estádio da sua doença e do tipo de terapêutica proposto8,9.

São apontados vários efeitos positivos da ces-sação tabágica em doentes com CP8:

– Menos complicações da anestesia geral e da cirurgia torácica, recuperação pós-cirúrgica mais rápida e melhor prognóstico após a ressecção tumoral, com menores taxas de recidiva tumoral no follow-up.

– Melhor resposta à RT torácica e menor iatro-genia (pneumonite).

– Melhor resposta à quimioterapia (QT) e com menos complicações (imunossupressão, perda de peso, fadiga, toxicidade pulmonar e cardio-vascular, infeções respiratórias).

– Maior eficácia das terapêuticas alvo (EGFR-TKi). – Melhor função respiratória, melhor circulação

periférica e mais rápida cicatrização de feridas, mais energia, menor risco de infeções em geral e mais fácil recuperação do peso.

– Menor probabilidade de um segundo cancro. – Menores riscos de segurança dos doentes sob

oxigenoterapia ou com perturbações de cons-ciência.

– Em suma, menor taxa de recidiva/progressão da doença, melhor resposta e tolerância às terapêuticas instituídas, maior intervalo livre de progressão da doença, menor mortalidade es-pecífica do cancro ou por outras causas, maior sobrevivência, melhor performance status e melhor qualidade de vida.Cerca de 30% dos doentes com CP continua

a fumar após o diagnóstico, sabendo-se que mui-tos estariam suscetíveis a abandonar esse compor-tamento se convenientemente ajudados8,mas, apesar de muitos oncologistas, na prática clínica corrente, questionarem os seus doentes sobre os respetivos hábitos tabágicos e de os aconselharem a deixar de fumar, a maioria não os apoia, quer

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Epidemiologia e rastreio do cancro do pulmão

100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão 7

do ponto de vista medicamentoso como na refe-renciação para equipas especializadas em cessação tabágica – se necessário, com apoio psicossocial –, o mesmo acontecendo quando participam em en-saios clínicos9.

As intervenções no sentido de ajudar os doen-tes com CP a deixarem de fumar – assim como os seus conviventes fumadores – são centrais na qua-lidade dos cuidados que lhes dispensamos, pelo que deverão fazer parte da prática clínica rotineira de todos os que lidam com estes doentes, incluin-do os longos sobreviventes9.

SERÁ DE IMPLEMENTAR O RASTREIO DO CANCRO DO PULMÃO?

Para que um rastreio de CP se revele útil, de-verá permitir a sua deteção precoce, numa fase em que a terapêutica tem maior probabilidade de ser eficaz e daí resulte um decréscimo significativo da mortalidade.

Com a publicação dos resultados do National Lung Screening Trial (NLST) foi alcançado um novo paradigma no que se refere ao rastreio do CP10.

O estudo incidiu sobre uma população com idades entre os 55-74 anos, fumadores ou ex-fu-madores nos últimos 15 anos, e com uma carga tabágica ≥ 30 unidades maço/ano; os indivíduos rastreados foram randomizados para TC espiral de baixa dose com frequência anual, durante três anos consecutivos, ou para telerradiografia PA com igual intervalo, ficando os dois grupos em follow--up por mais três anos.

No que fez TC, encontrou-se uma diminuição de mortalidade por CP de 20% em relação ao da telerradiografia, e de 7% por todas as causas, o que teve significado estatístico relevante, sen-do necessários 320 exames por TC para prevenir uma morte por CP; a maioria dos tumores foram diagnosticados no período de rastreio, tendo pre-dominado os estádios precoces e os adenocarci-nomas10.

Esses resultados referem-se a uma população bem definida, de alto risco para o CP e potencial candidata a cirurgia, não se aplicando

necessariamente a não fumadores, a indivíduos mais jovens, debilitados, ou mais velhos que não pudessem beneficiar de atitudes terapêuticas cura-tivas.

Abriu-se uma janela de esperança para o ras-treio do CP em fase precoce, mas colocam-se al-guns problemas: o elevado número de lesões en-contradas que necessitam de investigação complementar e que se revelam benignas (falsos--positivos), com a carga emocional que tal acarre-ta; os custos-benefícios inerentes e quem financia a sua implementação; se o mesmo deverá ser alar-gado a outros grupos e se, nestes casos, terão iguais benefícios; o facto dos fumadores rastrea-dos sentirem-se motivados para continuarem a fumar em face de uma TC negativa; os eventuais riscos a longo termo das radiações; a necessidade de definir a frequência com que os exames ima-giológicos deverão ser realizados (mantendo igual eficácia) e por quanto tempo; como valorizar as alterações das lesões anteriormente identificadas (avaliação do diâmetro versus volume) e como mo-nitorizar o seu follow-up; e a eventual importância da incorporação de marcadores biológicos nas de-cisões.

Fruto do intenso debate surgido com a publi-cação do NLST10, emergiram recomendações e normas de múltiplas sociedades científicas da América do Norte que têm defendido a sua im-plementação no terreno, com base nos critérios de inclusão daquele estudo, devendo o aconse-lhamento e a promoção dos serviços relacionados com o screening serem feitos de acordo com ní-veis de ética e de reconhecida qualidade. Subli-nham a necessidade do estudo ser integrado num programa de cessação tabágica – sem o qual não será custo-eficaz –, e que os indivíduos que deci-direm integrá-lo, devidamente esclarecidos sobre os respetivos riscos e benefícios, deverão ser refe-renciados a centros de imagiologia de alta quali-dade e terem a possibilidade de acesso a equipas multidisciplinares de especialistas com indiscutível experiência em CP.

Apesar dos resultados positivos do NLST, as autoridades de saúde europeias têm-se mostrado renitentes em implementar o rastreio do CP,

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D. Hasmucrai, R. Sotto-Mayor

8 100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão

aguardando o desenvolvimento dos dados obtidos com o estudo NELSON (e de outros a decorrerem na Europa) para avaliarem o seu impacto em ter-mos de mortalidade e de relação custo-benefício na população do nosso continente.

Entretanto, há quem defenda que as vanta-gens justificam a recomendação do rastreio a nível individual (oportunista), segundo os pressupostos que indicámos.

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100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão 9

A CARACTERIZAÇÃO DO CANCRO DO PULMÃO É ESSENCIAL PARA O DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO ADEQUADOS? QUAL OU QUAIS OS ELEMENTOS INDISPENSÁVEIS PARA A SUA PROSSECUÇÃO?

Existe, no atual modelo de desenvolvimento, uma alteração enfática na necessidade de obter amostras biópticas capazes de darem substrato ao diagnóstico histopatológico, incluindo o estudo imu-nohistoquímico e molecular. Esta preocupação tem em conta a resposta a uma terapêutica mais perso-nalizada que modificou o paradigma de aborda-gem dos doentes com cancro do pulmão (CP). Alguns trabalhos1 sugerem que a fidelidade diag-nóstica dos subtipos dos carcinomas pulmonares de não pequenas células (CPNPC) na base da his-tologia convencional não é possível em cerca de 40% dos casos. Este dado está intimamente rela-cionado com o tipo e dimensão da amostra bióp-tica o ser muitas vezes originária da periferia do tumor ou de metástases com pouca diferenciação, perdendo com isso os critérios histopatológicos de estandardização dos subtipos presentes nas áreas de maior diferenciação. Pelos pressupostos anterio-res, pode não ser possível no exame bióptico iden-tificar em definitivo o subtipo de tumor, nestes casos, o diagnóstico de CPNPC não é específico (NOS). Perante estes dados, é exigível que nos re-quisitos para uma caracterização diagnóstica, a análise da amostra seja maximizada, tendo em con-ta a necessidade de caracterização histológica e

Do diagnóstico à broncologia de intervenção no cancro do pulmãoL. Carreiro

molecular, e ainda a redução da necessidade do doente se submeter a novos procedimentos invasivos.

TENDO EM CONTA A PERGUNTA ANTERIOR, TÊM AINDA HOJE LUGAR NO DIAGNÓSTICO DE CANCRO DO PULMÃO OS MÉTODOS NÃO INVASIVOS DE CITOMORFOLOGIA?

A citologia da expetoração continua a ser o único método não invasivo de diagnóstico do CP. Existem, no entanto, alguns dados para que a citologia da expetoração tenha uma adequada rendibilidade diag-nóstica, número de amostras (habitualmente três), técnica de preservação da expetoração, localização e dimensão do tumor (central versus periférico). A sen-sibilidade diagnóstica depende, em grande parte, dos programas estabelecidos em cada Instituição, relativos à colheita e processamento da amostra, mas também das caraterísticas dos doentes, expetoração hemoptoi-ca ou hemoptise, tumores maiores de 2,4 cm, locali-zados centralmente e citologicamente escamosos. A citologia da expetoração deve ser o primeiro passo do diagnóstico nos doentes que têm elevado risco para procedimentos invasivos ou semi-invasivos, e com lesão central. Nas várias revisões publicadas2

, a sensibilidade do método varia entre 42-97% e a especificidade de 68-100%. A sensibilidade agrupa-da é de 66% e especificidade de 99%, com 8% de falsos positivos e 10% de falsos negativos. Mesmo com um excelente processamento da amostra, o exame citológico da expetoração continua a

Capítulo 2

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L. Carreiro

10 100 Perguntas chave no Cancro do Pulmão

fornecer uma diminuta quantidade de tecido, funda-mental para a caracterização diagnóstica do CP e consequente realização de estudos moleculares.

QUAL O DESEMPENHO DA BRONCOSCOPIA E TÉCNICAS ACESSÓRIAS NO DIAGNÓSTICO DO CANCRO DO PULMÃO?

Existe um variado número de modalidades téc-nicas utilizadas no diagnóstico do CP. Destas, desta-camos broncofibroscopia com as respetivas técnicas acessórias, lavagem brônquica (LB) e bronco-alveo-lar (LBA), escovado brônquico (EB), punção aspira-tiva transbrônquica (PATB), biópsias brônquicas (BB) e transbrônquicas (BPTB) e broncoscopia por navegação eletromagnética (NEM).

A broncofibroscopia é um excelente veículo para o diagnóstico do CP, no entanto existem di-ferenças de rendibilidade diagnóstica que estão diretamente relacionadas com o tipo de apresen-tação endoscópica, localização do tumor central, envolvimento endobrônquico em oposição aos tumores periféricos cuja dimensão é superior ou inferior a 2 cm. Foram publicados 35 estudos3 num total de 4507 doentes, que evidenciam uma sen-sibilidade agrupada de 88% da broncofibroscopia no diagnóstico do CP, nos tumores centrais, com envolvimento exofítico, massa, envolvimento sub--mucoso e/ou peribrônquico com compressão ex-trínseca. Nas lesões periféricas, a sensibilidade é inferior; das 34 publicações que englobam as di-ferentes técnicas acessórias, a sensibilidade no conjunto ronda os 78%. Para uma correta inter-pretação dos resultados no diagnóstico das lesões periféricas, devem ser introduzidos alguns dados: primeiro, muitos dos estudos utilizam a fluorosco-pia por rotina; segundo, o número de amostras biópticas pode ser determinante; terceiro, mas não menos importante, é a visualização na TC da rela-ção do tumor com o brônquio. Estes dados, quan-do analisados em conjunto, podem ampliar signi-ficativamente a sensibilidade do método. Nas lesões periféricas a dimensão da lesão é o elemen-to que mais afeta a sensibilidade da broncofibros-copia, menos de 2 cm, 34%, mais de 2 cm, 63%4.

Lavado brônquico: no LB não existe um volume exato de soro fisiológico a instilar, em muitos dos trabalhos publicados o volume utilizado é de aproxi-madamente 20-30 cc; pode ser efetuado antes ou depois das restantes técnicas; nas lesões endoluminais a percentagem diagnóstica varia entre os 49-76%5.

Lavagem broncoalveolar: o volume instilado (150-200 cc) é superior ao da LB; existem linhas de orientação que devem ser recomendadas no LBA:

– O broncoscópio deve ser inserido no local onde existe a suspeição da doença, podendo ser uti-lizada fluoroscopia como auxiliar na orientação.

– O volume instilado deve ser determinado pela percentagem recolhida.

– Pode utilizar-se um catéter inserido no canal de trabalho para melhor acesso ao tumor.

– O número de células malignas pode ser am-pliado se o LBA for realizado após o escovado brônquico.Após o processamento da amostra, o diagnós-

tico varia entre 25% no tumor de grandes células e 92% para o tumor de componente maioritaria-mente alveolar.

Escovado brônquico: tem uma boa sensibilida-de diagnóstica nas lesões endoscopicamente visí-veis; nalguns dos trabalhos publicados é ligeiramen-te inferior à referida para as biópsias brônquicas; a área suspeita deve ser escovada duas a três vezes e deve ser realizado antes das biópsias para evitar a contaminação com sangue.

Punção aspirativa transbrônquica: permite ter acesso a amostras da sub-mucosa ou de tecido pe-ribrônquico que são tecnicamente pouco acessíveis por biópsia; esta técnica demonstrou ter uma exce-lente sensibilidade diagnóstica (95-97%) nas lesões neoplásicas visíveis endoscopicamente; para uma melhor e mais adequada amostra, é útil o exame citológico direto utilizando o «rapid on-site examina-tion» (ROSE) reduzindo, por isso, o número de amos-tras inadequadas; nas amostras com conglomerado celular, deve utilizar-se de preferência a técnica de bloco associada aos esfregaços, porque em conjunto oferecem uma rendibilidade diagnóstica superior.

Biópsia brônquica: como foi dito anteriormente, a eficácia diagnóstica da biópsia depende do núme-ro e do tamanho do retalho; quanto maior for a

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Do diagnóstico à broncologia de intervenção no cancro do pulmão

100 Perguntas chave no Cancro do Pulmão 11

amostra, a possibilidade de obtermos o diagnóstico é significativamente superior; a dimensão da amostra depende do tamanho dos forceps, maior do que 2 mm, e do número de biópsias realizadas, mais do que cinco, ampliando em mais de 90% a probabilidade de dispormos de células tumorais na amostra; a criobiópsia, ainda não muito utilizada na doença tumoral, é uma técnica bióptica com futuro, porque potencia a dimensão da amostra.

Biópsia pulmonar transbrônquica: é habitual-mente realizada sob controlo fluoroscópico que serve de orientação nas lesões pulmonares nodu-lares; este procedimento tem uma baixa rendibili-dade diagnóstica em doentes com nódulos < 3 cm ou lesões não visíveis por fluoroscopia.

Broncoscopia por navegação eletromagnética: tra-ta-se de um guia de localização por imagem que permite a colocação endobrônquica de acessórios nas áreas alvo do pulmão; um trabalho prospetivo realiza-do num centro piloto com 60 indivíduos com lesões periféricas pulmonares mostrou que a navegação ele-tromagnética possibilitou o diagnóstico em 74%; o resultado global foi de 80%, independentemente da dimensão ou localização das lesões; é uma técnica que melhora a abordagem e amplia a sensibilidade diagnóstica das lesões pulmonares periféricas.

AS DIFERENTES MODALIDADES DE ECOENDOSCOPIA TÊM UM IMPORTANTE PAPEL NO DIAGNÓSTICO DO CANCRO DO PULMÃO?

A utilização da ecoendoscopia brônquica (EBUS) no diagnóstico da doença tumoral permite amostras das diferentes estações ganglionares com envolvi-mento tumoral (2R/L, 4R/L, 7, 10R/L, 11R/L). Numa meta-análise envolvendo 1.299 doentes, a sensibili-dade e especificidade da ecoendoscopia brônquica, aspiração transbrônquica por agulha (EBUS-TBNA) no diagnóstico da doença metastática ganglionar foi respetivamente de 93% (IC 91-94%) e 100% (IC 99-100%). É ainda um método de diagnóstico que pode detetar o envolvimento mediastínico pre-coce; em doentes com ausência de alterações me-diastínicas na TC, são vários os estudos que

demonstram que mesmo na doença cN0, de acordo com critérios TC, a utilização do EBUS-TBNA modifi-cou o estádio da doença que passou a pN2/N3, sendo este acontecimento similar para a tomografia por emissão de positrões (PET/TC) e o EBUS-TBNA.

O impacto diagnóstico do EBUS-TBNA tem sobre-tudo a ver com o número de passagens, que não deve ser inferior a três. O diâmetro da agulha, a utilização de miniforceps, o uso de aspiração, o tipo de aneste-sia/sedação, ou até a utilização do ROSE não têm, por si só, ou em complementaridade, influência na eficá-cia diagnóstica. A análise molecular (EGFR, KRAS, ALK) pode ser efetuada por rotina na maioria das amostras, no entanto é claro que o diagnóstico de-pende mais do tratamento institucional das amostras do que da utilização dos diversos meios utilizados (esfregaço, bloco celular ou biópsia por agulha)5.

A ecoendoscopia, aspiração por agulha fina (EUS-FNA) é de grande utilidade na recolha de amostras dos gânglios do mediastino posterior e paraesofágicos (estação 8). Numa meta-análise, a sensibilidade do EUS-FNA em doentes com envolvi-mento metastático dos gânglios do mediastino pos-terior foi de 83% (com IC 78-87%), enquanto a especificidade dos gânglios negativos foi de 97% (com IC 96-98%). A ecoendoscopia (EUS) é tam-bém utilizada no envolvimento metastático da su-pra renal esquerda que pode ter a forma ecográfica caraterística em gaivota seagull, podendo ainda ser útil no envolvimento do lobo esquerdo do fígado.

A técnica combinada de EBUS e EUS denomi-nada ecoendoscopia combinada (CUS), utilizando o broncoscópio, amplia o acesso ao mapa ganglionar e evidenciou um aumento da sensibilidade (96%) quando comparada com os dois métodos em sepa-rado EBUS 92% e EUS 89% respetivamente.

O EBUS radial (R-EBUS) é uma modalidade uti-lizada no diagnóstico das lesões nodulares pulmo-nares periféricas. Uma meta-análise recente mos-trou que a sensibilidade e especificidade são respetivamente para as lesões periféricas de 73% IC 95% (70-76%) e 100% IC 95% (99-100%). A eficácia diagnóstica é menor nas lesões menos de 2 cm (56%) quando comparadas com lesões maio-res de 2 cm (78%). O EBUS radial é uma técnica segura sendo as complicações menos de 1%6.

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L. Carreiro

12 100 Perguntas chave no Cancro do Pulmão

O DERRAME PLEURAL É MUITAS VEZES A APRESENTAÇÃO INICIAL DO CANCRO DO PULMÃO. COMO FAZER O DIAGNÓSTICO?

O estudo do líquido pleural e a realização de técnicas biópticas são os meios habitualmente uti-lizados no diagnóstico do derrame pleural maligno. Na avaliação do líquido pleural, as caraterísticas macroscópicas, como a presença de líquido hemor-rágico com mais de 100.000 eritrócitos/mm3, num doente sem traumatismo, é altamente sugestivo de doença maligna. Nestes casos, o doseamento da glu-cose é habitualmente < a 60 mg/dl e, em 10% dos doentes, a amilase está elevada. A rendibilidade diagnóstica do exame citomorfológico é superior a 40%, podendo nalgumas séries atingir os 80%, quando na presença do adenocarcinoma.

A biópsia pleural por agulha continua a ser um dos meios de recolha de material bióptico; a percen-tagem de biópsias pleurais positivas em doentes com doença maligna varia entre os 69-75%. Tendo a biópsia por agulha algumas limitações para atingir o diagnóstico, no momento atual, alguns autores questionam o seu papel, quando dispomos de outros meios com maior eficácia, como a pleuroscopia e a biópsia por agulha dirigida por TC. Caso não exista qualquer contraindicação, a pleuroscopia é um exce-lente meio de visualização direta do espaço pleural e estabelece o diagnóstico de doença maligna em mais de 90% dos doentes. A biópsia por agulha de corte dirigida por TC atinge, nalgumas séries, a per-centagem de 87%7 e, por isso, é um excelente veí-culo de diagnóstico quando temos espessamento pleural suspeito de envolvimento pleural maligno.

A PNEUMOLOGIA DE INTERVENÇÃO UTILIZA A ENDOSCOPIA ASSOCIADA A DIFERENTES TÉCNICAS? QUAIS?

É consensual que a broncoscopia rígida é o meio mais utilizado na terapêutica endoscópica. A sua capacidade em manter a via aérea permeável, em permitir ventilar, com grande eficácia, a excelente capacidade de aspiração e, ao mesmo tempo, em poder realizar dilatação mecânica e desobstrução por

debulking, fazem da broncoscopia rígida um ins-trumento essencial da terapêutica endoscópica.

É também a broncoscopia rígida o meio que se utiliza para a realização de laser, crioterapia e colocação de próteses.

O laser é a técnica mais conhecida da terapêutica de intervenção pneumológica; produz um feixe mo-nocromático, coerente, características que possibilitam a vaporização dos tecidos, coagulação e necrose. De-vido ao efeito de penetração do laser–Nd:YAG, é es-sencial ter atenção à morfologia da lesão e respetiva localização anatómica. A terapêutica com laser é ge-ralmente bem tolerada e segura. A permeabilização da árvore traqueo-brônquica, nos tumores da tra-queia, brônquio principal e intermediário, é bastante elevada (90%). A diatermocoagulação com Argon--plasma é outro meio técnico utilizado na terapêutica endoscópica. Por possuir efeito de penetração baixo (2-3 mm), as lesões mais distais são acessíveis e sem risco acrescido. A crioterapia e a electrocauterização são excelentes alternativas ao laser no tratamento da obstrução da via aérea. O efeito tecidular da electro-cauterização é similar ao do laser. A crioterapia induz necrose tecidular, por cristalização hipotérmica e mi-crotrombose. Estas técnicas são superiores ao laser nas lesões brônquicas mais distais, por implicarem menor risco de perfuração. A crioterapia não deve ser utiliza-da nas situações de obstrução que exija um rápido alívio sintomático. A terapêutica fotodinâmica aplica o princípio que certos compostos, como a hemato-porfirina e derivados, sob o efeito da luz monocromá-tica com determinado comprimento de onda, funcio-nam como agente fotossensível, transformando os radicais de oxigénio em O3, conduzindo à necrose e morte celular. Os candidatos ideais para este tipo de terapêutica são os doentes com tumor minima-mente invasivo, obstrução brônquica por massa polipóide e componente extrínseca minor.

COMO FAZER NA OBSTRUÇÃO TRAQUEO-BRÔNQUICA DE COMPONENTE MAIORITARIAMENTE EXTRALUMINAL?

A dilatação por balão e/ou mecânica e colocação de endoprótese são habitualmente os meios técnicos

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Do diagnóstico à broncologia de intervenção no cancro do pulmão

100 Perguntas chave no Cancro do Pulmão 13

utilizados na doença traqueo-brônquica de compo-nente maioritariamente extraluminal. Se existir envol-vimento do lumen, as técnicas descritas anteriormen-te podem ter um papel complementar. A colocação de prótese traqueo-brônquica nos doentes com obs-trução é, por vezes, o único meio capaz de manter a patência do lumen, melhorando de modo considerá-vel a qualidade de vida dos doentes. Existem dois tipos de próteses, as de silicone e as metálicas. As próteses de silicone, modelos HOOD e DUMON, são as mais utilizadas, por serem facilmente removidas, mais ba-ratas e com boa compatibilidade biológica. Têm a desvantagem de a sua colocação exigir a utilização de broncoscopia rígida sob anestesia geral. Existem pró-teses de dimensões e morfologia diversas, o que pos-sibilita uma melhor e mais adequada adaptação às diferentes situações encontradas. As próteses metáli-cas, menos utilizadas, colocam-se por broncofibrosco-pia e fluoroscopia, não migram e preservam a clea-rance mucociliar. São mais caras, de difícil remoção e mais agressivas na criação de tecido de granulação.

A BRAQUITERAPIA, INDIVIDUALMENTE OU EM COMBINAÇÃO COM OUTRAS MODALIDADES, É MAIS UMA TÉCNICA DE DESOBSTRUÇÃO BRÔNQUICA? EM QUE CONSISTE?

A braquiterapia endobrônquica (BEB) consiste na colocação, por via endoscópica, de uma fonte radioa-tiva no interior ou na proximidade do tumor, de modo a disponibilizar uma dose terapêutica adequada e, ao mesmo tempo, reduzir a quantidade de radiação aos tecidos envolventes não afetados. O Iridium-192 em alta taxa de dose (> 12Gy.h-1) é geralmente a fonte radioativa utilizada. A aplicação endoscópica da bra-quiterapia é um procedimento minimamente invasivo, fácil, seguro, pode ser realizado em regime de ambu-latório e é adequado para doentes com moderado performance status. No tratamento do CP, a BEB, quer isoladamente ou em associação com outras técnicas, é utilizada no controlo da doença local. Esta opção terapêutica está indicada no tratamento paliativo do CP, contudo, em casos selecionados, pode ser utilizada como tratamento curativo. Os principais

candidatos para terapêutica com BEB são doentes com sintomas (dispneia, hemoptise, tosse persistente e sinais de pneumonia obstrutiva) e importante com-ponente endoluminal. Contrariamente, a doença tu-moral com envolvimento maioritariamente extramural não tem indicação para esta modalidade terapêutica. A braquiterapia de alta taxa de dose tem um grau de penetração nos tecidos mais elevado do que outras técnicas utilizadas na desobstrução brônquica e, por não apresentar efeito rápido, não está indicada na desobstrução urgente da via aérea. No caso de lesões de grandes dimensões e obstrução crítica da via aérea, a indicação é a utilização de outras técnicas endoscó-picas como o laser, Nd:YAG, electrocautério e Argon--plasma, no entanto, a BEB pode ser empregue em complementaridade pelo seu efeito prolongado8. Al-guns autores consideram que a BEB, por apresentar um volume de radiação baixo e um rápido declínio da dose de radiação, pode ser uma opção terapêutica em doentes tratados anteriormente com radioterapia externa e obstrução brônquica recorrente. Mesmo com todos os avanços, são ainda necessários estudos randomizados para definir a dose de radiação ótima e o benefício da braquiterapia relativamente a outras técnicas utilizadas na desobstrução brônquica.

NO ENVOLVIMENTO MALIGNO DO ESPAÇO PLEURAL PODE TER INDICAÇÃO A PLEURODESE? QUAIS AS MODALIDADES ATUALMENTE EMPREGUES?

O CP é uma das causas mais comuns de der-rame pleural maligno. A identificação de células neoplásicas e/ou na pleura parietal significa doen-ça avançada e está associada a menor esperança de vida. A abordagem do derrame pleural maligno é determinada por vários fatores, nomeadamente, os sintomas, o performance status do doente, a resposta à terapêutica sistémica e o grau de reex-pansão pulmonar após drenagem.

A pleurodese, ou seja, a obliteração do espaço pleural pela esclerose da pleura parietal e visceral, é uma das opções utilizadas na abordagem tera-pêutica do derrame pleural maligno. Esta técnica tem indicação formal no derrame pleural maligno

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L. Carreiro

14 100 Perguntas chave no Cancro do Pulmão

sintomático, recidivante, com índice de Karnofsky > 40/Zubrod 3, pulmão não encarcerado e sem obstrução endobrônquica proximal.

A pleurodese química consiste em introduzir na cavidade pleural uma substância irritante produzin-do intensa inflamação com fibrose e esclerose entre as pleuras parietal e visceral, e consequente oblite-ração do espaço pleural. O agente esclerosante de escolha (recomendação A) é o talco devido à sua eficácia (95-70%) e perfil de segurança. Esta subs-tância pode ser aplicada em suspensão (solução salina) através do tubo de drenagem (slurry) ou em pó (spray) através da pleuroscopia. A pleuroscopia com a aplicação de talco em spray é a técnica de eleição caso não exista contraindicação para a sua realização. São vários os agentes esclerosantes al-ternativos propostos para a pleurodese, oxitetracili-na, bleomicina, iodopovidona e nitrato de prata, mas nenhum está isento de complicações, e a sua eficácia é ligeiramente inferior à do talco9.

NO DERRAME PLEURAL MALIGNO RECIDIVANTE, COM ENCARCERAMENTO PULMONAR, O QUE FAZER?

O encarceramento pulmonar é uma complicação mecânica com restrição pleural, causada por inflama-ção ativa ou processo pleural maligno, que impede a completa expansão pulmonar. O pulmão encarce-rado complica 5-20% dos derrames pleurais malig-nos, nomeadamente os associados ao mesotelioma pleural ou ao CP. Após toracentese terapêutica ou drenagem torácica, a não existência de melhoria sin-tomática, associada ao aparecimento de dor intensa e/ou hidro-pneumotórax, pode indiciar que o pulmão não expande por encarceramento. A utilização da manometria com determinação da pressão pleural pode ser um excelente auxiliar diagnóstico e ajudar a predizer o sucesso da pleurodese que, no encarce-ramento pulmonar, é habitualmente ineficaz.

Assim, em indivíduos com derrame pleural ma-ligno recidivante sintomático e pulmão encarcera-do, a colocação de um catéter pleural permanente (conectado a um frasco em vácuo) é recomendada para controlo sintomático e melhoria da qualidade

de vida (recomendação C). Com o catéter pleural permanente, a drenagem é contínua, estando des-critos, na literatura, alguns casos de pleurodese espontânea. Uma das complicações associada a esta técnica é o risco de infeção.

Estudos que compararam, na abordagem do derrame pleural maligno, a pleurodese com e sem drenagem pleural permanente, verificaram que ambas as técnicas são efetivas no controlo da disp-neia, contudo a drenagem pleural permanente esteve associada a menos dias de internamento hospitalar, assim como a menor necessidade de procedimentos pleurais adicionais. Finalmente, mas não menos importante, a avaliação das con-dições sociais, apoio familiar e estruturas de saúde locais são um importante fator decisor na utiliza-ção desta modalidade terapêutica10.

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100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão 15

QUAL É A CLASSIFICAÇÃO HISTOPATOLÓGICA DOS CARCINOMAS PULMONARES DE NÃO PEQUENAS CÉLULAS MAIS FREQUENTES?

A classificação histopatológica dos carcinomas pulmonares de não pequenas células (CPNPC) mais frequentes inclui o carcinoma pavimentoso, o ade-nocarcinoma, o carcinoma adenoescamoso e o carcinoma sarcomatóide.

– Carcinoma pavimentoso: carcinoma com dife-renciação pavimentosa (com queratina e/ou pontes intercelulares) ou marcadores imunohis-toquímicos positivos para diferenciação pavi-mentosa (p63 e CK5), com marcadores de adenocarcinoma (ADC) negativos.

– Adenocarcinoma: carcinoma com diferenciação glandular (glândulas, túbulos ou papilas) ou marcadores imunohistoquímicos de ADC posi-tivos (TTF1, Napsina A), com marcadores de carcinoma pavimentoso negativos.

Há que diferenciar o ADC invasivo de duas entidades, que requerem avaliação histológica da totalidade do tumor1:

• Adenocarcinoma in situ (AIS): é definido como um ADC, menor que 3 cm, constituído por pneumocitos neoplásicos que crescem ao longo das estruturas alveolares (cresci-mento lepídico), sem invasão vascular, pleural ou do estroma. Verificou-se que estas lesões se correlacionam com 100% de tempo livre de doença, aos cinco anos, se completamente ressecadas.

Classificação histopatológica e molecular do cancro do pulmãoI. Lourenço e M. Mendes de Almeida

• Adenocarcinoma minimamente invasivo (MIA): ADC menor que 3 cm, com crescimento ao longo das estruturas alveolares e com inva-são do estroma inferior a 5 mm; este con-ceito foi proposto para definir uma popula-ção de doentes com quase 100% de tempo livre de doença, aos 5 anos, se a lesão for totalmente ressecada.

– Carcinoma adenoescamoso: carcinoma com dois componentes histologicamente distintos: um componente de ADC e um de carcinoma pavimentoso, ou carcinoma pouco diferencia-do, que expressa marcadores de carcinoma pavimentoso e marcadores de ADC.

– Carcinoma sarcomatóide: consiste numa proli-feração de células fusiformes que se distingue do sarcoma pela imuno-marcação positiva para citoqueratinas.

COMO SE SUBDIVIDEM AS NEOPLASIAS NEURO-ENDÓCRINAS?

O espectro das neoplasias neuro-endócrinas vai desde neoplasias de baixa malignidade a de alto grau de malignidade.

O tumor carcinoide corresponde a uma proli-feração celular de células poligonais, de núcleos em «sal e pimenta», que expressa marcadores neuro-endócrinos (sinaptofisina, cromogranina A, CD56) e que se subdivide em:

– Tumor carcinoide típico, que tem índice mitótico inferior a 2/10 campos de grande ampliação, sem necrose.

Capítulo 3

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I. Lourenço, M. Mendes de Almeida

16 100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão

– Tumor carcinoide atípico, que tem índice mitó-tico entre 2 e 11/10 campos de grande amplia-ção e/ou necrose.

– Carcinoma de pequenas células, constituído por uma população de células de dimensão inferior a três vezes o linfócito normal, de núcleo híper-cromático e disposição celular em mosaico; apresenta um elevado índice mitótico, mais de 11 mitoses/10 campos de grande ampliação, com Ki67 alto, frequente e extensa necrose, e expressa, pelo menos, um marcador neuro-endócrino.

– Carcinoma de grandes células neuro-endócri-no: constituído por células grandes, com pleo-morfismo e núcleo com nucléolos, tendo ca-racterísticas idênticas ao carcinoma pulmonar de pequenas células, no que respeita ao índice mitótico, necrose e marcação imuno-histoquí-mica (IHQ)2.

É POSSÍVEL FAZER A DISTINÇÃO ENTRE CARCINOMA PRIMITIVO OU METASTÁTICO, SENDO O PULMÃO UM ÓRGÃO SEDE DE FREQUENTES METÁSTASES?

É fundamental ter uma história clínica cuida-dosa com informação de eventual neoplasia

prévia, o que pode ajudar a direcionar o patolo-gista. Os tumores secundários no pulmão represen-tam a forma mais comum de neoplasia pulmonar e aquele é o local mais frequente de metástases. As metástases pulmonares são geralmente tumores periféricos de limites bem definidos.

Os carcinomas que metastizam para o pulmão têm origem, por ordem de frequência, na mama, cólon, estômago, pâncreas, rim, próstata ou tiroide.

Podendo ser a arquitetura das neoplasias mui-to semelhante (padrão glandular) nos adenocarci-nomas do pulmão, cólon, estômago e próstata, bem como nalguns carcinomas da mama e tiroide, temos de nos basear na história do doente, com a corroboração do estudo imuno-histoquímico para o diagnóstico diferencial.

A tabela 1 exemplifica os casos mais frequentes.Há marcadores imuno-histoquímicos que são

específicos de órgão, como é o caso do PSA nos adenocarcinomas da próstata, e da tireoglobulina nos carcinomas da tiroide.

Por outro lado, principalmente em biópsias, pode pôr-se o diagnóstico diferencial entre mesote-lioma pleural maligno e adenocarcinoma pulmonar. Para tal, é aconselhável utilizar um painel constituído por vários anticorpos que, pela positividade de uns e negatividade de outros, tornam possível o diag-nóstico diferencial, como se indica na tabela 2.

Tabela 1. Imuno-histoquímica no diagnóstico diferencial entre adenocarcinomas pulmonares primitivos e secundários

Pulmão Mama Cólon Estômago Próstata Tiroideia

CK7 + + – ± – +

TTF1 + – – – – +

Nap A + – – – – -

RE – +

CK20 – + + –

CDX2 – + +

PSA – +

Tgb – +

CK7: citoqueratina 7; TTF1:Thyroid transcription fator; Nap A: Napsina A; RE: recetores de estrogénio; CK20: citoqueratina 20; CDX2: Caudal type homeobox 2; PSA: Prostate specific antigen; Tgb: tireoglobulina.

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Classificação histopatológica e molecular do cancro do pulmão

100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão 17

ao tumor «tentando limitá-lo», o que determi-na um prognóstico mais favorável.

COMO SE DEVEM ESTADIAR OS CARCINOMAS PULMONARES MÚLTIPLOS?

De acordo com vários autores, esta situação pode ser muito difícil, requerendo uma equipa mul-tidisciplinar de pneumologistas, radiologistas, cirur-giões torácicos, patologistas e radioncologistas, para que se conjuguem todos os aspetos clínicos, ima-giológicos e patológicos do doente na tentativa de lhe fornecer o tratamento ideal. De acordo com o Ame-rican College of Chest Physicians (ACCP) e o American Joint Committee on Cancer (AJCC), deve tentar seguir-se as seguintes regras3:

– Carcinomas multifocais: são considerados os carcinomas in situ com ou sem componente invasivo (exemplo: ADC in situ) em que o maior tumor determina o T; entre parênteses insere--se o m de multifocal ou o número total de tumores; por ex., três ADC in situ, o maior com 2,5 cm seria T1b(m) ou T1b3.

– Carcinomas primitivos síncronos: têm de ser de tipo histológico diferente (um ADC e um car-cinoma pavimentoso) ou, se do mesmo tipo histológico, de diferente subtipo (por ex.: um ADC papilar e outro ADC sólido); são estadiados

Tabela 2. Imuno-histoquímica no diagnóstico diferencial entre adenocarcinoma pulmonar e mesotelioma

Adenocarcinoma pulmonar

Mesotelioma

Calretinina Negativo Positivo

CK5 Negativo Positivo

TTF1 Positivo Negativo

WT1 Negativo Positivo

CEA Positivo Negativo

BerEP4 Positivo Negativo

CK5: citoqueratina 5; TTF1: Thyroid transcription fator; WT1: Wilms tumor; CEA: Carcino embryonic antigen; BerEP4: Epithelial antigen antibody BerEP4.

QUAIS AS VARIÁVEIS HISTOPATOLÓGICAS MAIS IMPORTANTES DO CARCINOMA PULMONAR, NA PEÇA CIRÚRGICA, QUE INFLUENCIAM O PROGNÓSTICO?

– Dimensões do tumor: o tumor é medido nas suas três dimensões, sendo o maior eixo o que determina o T; quanto maior a dimensão, maior o T com influência negativa no prognóstico.

– Invasão pleural: quando o tumor é sub-pleural, deve referir-se se há invasão da pleura pelo tumor; se o tumor ultrapassar a membrana elástica interna é considerada invasão pleural; no caso de um tumor com dimensões inferio-res a 3 cm, o estadiamento T sobe de T1 para T2, sendo pior o prognóstico.

– Invasão vascular: a invasão vascular pode ser macroscópica ou microscópica; neste caso, tem de haver células tumorais dentro de va-sos; a confirmação de invasão vascular deter-mina a possibilidade de haver células tumorais em circulação, o que aumenta o risco de me-tastização.

– Invasão ganglionar: se houver metástases gan-glionares, há maior risco de disseminação tu-moral, o que piora o prognóstico.

– Margens cirúrgicas: coto brônquico, vasos do hilo, margens de arcos costais, como exemplos; se a margem cirúrgica tiver tumor, aumenta a probabilidade de recorrência tumoral.

– Tipo histológico: têm melhor prognóstico os tumores carcinoides, os ADC e carcinomas pa-vimentosos que os carcinomas adenoescamo-sos, carcinomas sarcomatoides e carcinomas de grandes células.

– Grau de diferenciação: quanto mais semelhan-te aos tecidos normais melhor o grau de dife-renciação, de G1 até G4 ou indiferenciado; quanto mais bem diferenciado o carcinoma, melhor o prognóstico.

– Atividade mitótica e necrose: qualquer delas, quanto mais extensas, pior o prognóstico.

– Reação linfoide: a existência de reação linfoide peritumoral indica que o organismo está a reagir

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separadamente; por ex., um ADC com 3,5 cm e um carcinoma pavimentoso com 2 cm seria T2a + T1a.

– Carcinomas adicionais: aplica-se apenas, para um carcinoma sólido dominante, com um nú-mero limitado de nódulos adicionais, sólidos, de histologia idêntica; por ex., um ADC papilar com 4 cm e um ADC papilar com 1 cm no pulmão contralateral seria T2a M1a.A incidência de carcinomas múltiplos pulmonares

tem vindo a aumentar devido às técnicas de imagem de maior resolução, ao screening mais frequente em doentes com fatores de risco e ao follow-up mais apertado de doentes com carcinomas prévios, o que torna muito importante o seu estadiamento correto.

EXISTEM ALTERAÇÕES MOLECULARES NO CANCRO DO PULMÃO, QUE DEFINEM SUBTIPOS MOLECULARES DIFERENTES?

O cancro do pulmão tem sido classificado segun-do critérios histológicos. Atualmente, e tendo em conta a descoberta de múltiplos mecanismos mole-culares subjacentes ao desenvolvimento, à evolução e ao prognóstico destes tumores, apareceram novas terapêuticas-alvo com benefícios para os doentes.

Existem, assim, diferentes subtipos moleculares de cancro do pulmão com prognósticos diferentes e terapêuticas específicas:

– Mutações do recetor do fator de crescimento epidérmico (EGFR): as mutações estão presentes em aproximadamente 10-15% dos carcinomas do pulmão, principalmente em ADC. Desde meados de 2009, a identificação de mutações no EGFR tem sido o requisito necessário para a primeira linha de tratamento com gefitinib ou erlotinib (e, mais recentemente, com afati-nib), inibidores tirosina cinase (TKi) do EGFR (EGFR-TKi). Dentro dos subgrupos de tumores com mutações ativadoras do EGFR, as taxas de resposta observadas são substancialmente mais elevadas do que as observadas com a quimiote-rapia convencional. Mutações EGFR não são detetadas em CPPC, exceto em tumores mistos de CPPC com componente de ADC (CPPC

combinados). Também há casos de ADC EGFR mutados que são tratados inicialmente com boa resposta com EGFR-TKi, mas que mostram transformação em CPPC na recidiva como me-canismo de resistência. As mutações EGFR são raras em neoplasias do pulmão de grandes cé-lulas, carcinomas sarcomatóides e carcinomas neuroendócrinos de grandes células, não se encontrando em carcinoides brônquicos4-6.

– Translocação da cinase do linfoma anaplásico (ALK): a presença do oncogene de fusão ALK define um subtipo molecular do CPNPC com características clínicas e patológicas distintas dos demais subgrupos moleculares. Os doentes são relativamente mais jovens, não fumadores ou fumadores ligeiros e ADC.

Em populações não selecionadas com CPNPC, o rearranjo do ALK é relativamente raro, variando consoante as séries entre 4-7%. A frequência é semelhante em populações asiáticas e ociden-tais. No entanto, a incidência do ALK em doen-tes não fumadores ou fumadores ligeiros (infe-rior a 10 UMA) e com histologia de ADC pode atingir os 13%. Nesta população, se o teste do EGFR for negativo, a frequência é superior, po-dendo um em cada três ser ALK positivo.

– Mutações do Kirsten rat sarcoma viral oncoge-ne homolog (KRAS): o oncogene mutado mais comum no ADC do pulmão é o KRAS (30%). A frequência das mutações varia de acordo com os grupos étnicos, mais frequente em eu-ropeus/americanos (25-35%) e menos em asiá-ticos (5-10%). Cerca de 90-95% dos doentes KRAS mutados têm história de tabagismo, contudo cerca de 5% de doentes são não fu-madores. As mutações KRAS e EGFR excluem-se mutuamente, por isso, um teste rápido de KRAS pode ser feito inicialmente para excluir os tu-mores KRAS mutados da pesquisa de EGFR, salvaguardando que a amostra é suficiente para pesquisa de EGFR e ALK, caso KRAS negativo4,5.

– Translocação do gene ROS1: ROS1 é um rece-tor tirosina cinase (TK) da família de recetores da insulina que atua como um oncogene dri-ver em 1-2% do CPNPC. As características histológicas e clínicas que estão associados à

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Classificação histopatológica e molecular do cancro do pulmão

100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão 19

translocação ROS1 incluem doentes jovens, não fumadores com ADC. A translocação ROS1 é identificada pelo método de FISH se-melhante ao usado na translocação ALK4,5.

COMO TRATAR DAS AMOSTRAS (BIOPSIAS PEQUENAS/CITOLOGIAS) PARA EVENTUAL ESTUDO MOLECULAR?

As amostras de biopsia deverão ser fixadas em formol a 10%, entre 6 a 48 h, para preservar o ARN e o ADN. No caso de material de metástases ósseas, este deverá ser descalcificado em EDTA, que é um agente que preserva o ADN e assim permite os estudos moleculares.

Mais de 40% de todos os CPNPC têm diagnósti-co apenas por citologia. Os estudos moleculares apli-cam-se ao material citológico, incluindo citoblocos, esfregaços, cytospins ou citologias em meio liquido.

Os citoblocos são preferidos na maioria das instituições, incluindo a nossa, pois são aplicados os mesmos protocolos usados na histologia.

Nos esfregaços, fixados em álcool, podemos fa-zer análise das mutações, FISH e imuno-citoquímica, tendo em conta que os protocolos diferem em re-lação aos usados em material fixado em formol.

Ao patologista, preferencialmente com expe-riência em cancro do pulmão, cabe caracterizar a neoplasia, utilizando o menor número de anticorpos possíveis para que fique material para estudos mo-leculares, sem, com isso, prejudicar o diagnóstico.

Será também da sua responsabilidade a revisão de todo o material de cada doente, com o objeti-vo de selecionar a melhor amostra para estudos moleculares

Os testes moleculares devem ser realizados em laboratórios de referência e que façam prova de participação com sucesso em atividades de contro-lo externo de qualidade4.

O laboratório deverá definir, através de valida-ção do método, a proporção mínima de células tumorais para deteção de mutações EGFR. É reco-mendado que seja utilizado um método com sen-sibilidade suficiente para detetar mutações em amostras com apenas 20% de células tumorais4,5.

COMO SE FAZ O DIAGNÓSTICO DE CANCRO DO PULMÃO EM BIOPSIAS PEQUENAS E CITOLOGIAS?

O diagnóstico patológico de cancro do pulmão é, hoje em dia, um processo que inclui múltiplas etapas, começando com o diagnóstico morfológi-co para determinar o tipo histológico, apoiado, quando necessário, na IHQ e, por último, a carac-terização molecular do tumor.

Este algoritmo diagnóstico implica uma premis-sa fundamental que é a existência de material suficiente para se fazerem todos os testes neces-sários. Assim, o papel de uma equipa multidiscipli-nar que inclui pneumologistas, oncologistas, radion-cologistas, radiologistas, patologistas e cirurgiões torácicos assume uma importância vital na escolha do melhor procedimento para cada doente.

A maioria dos cancros do pulmão são diagnos-ticados em estádio avançado, não sendo cirúrgi-cos, e assim as amostras para diagnóstico são geralmente muito pequenas, biopsias pequenas e citologias.

O diagnóstico morfológico deverá ser feito de acordo com a nova classificação da International Association for the Study of Lung Cancer/Ameri-can Thoracic Society/European Respiratory Society (IASLC/ATS/ERS)5,6.

O subtipo específico de todos os CPNPC é necessário para a decisão terapêutica, e deverá ser realizado sempre que possível. A IHQ deverá ser usada para reduzir a percentagem de CPNPC-NOS (not otherwise specified) para um número < 10% dos casos diagnosticados.

Há critérios morfológicos que permitem o diag-nóstico diferencial entre adenocarcinoma e carci-noma pavimentoso. A presença de mucina ou dife-renciação glandular permite o diagnóstico de adenocarcinoma, enquanto que a presença de pon-tes intercelulares ou queratinização apontam para o de carcinoma pavimentoso6-8.

Na ausência destes critérios, necessitamos de IHQ. A positividade do TTF1/Napsina A favorece o ADC, enquanto a positividade do p63/CK5/6 favo-rece o carcinoma pavimentoso.

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I. Lourenço, M. Mendes de Almeida

20 100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão

Nas amostras citológicas ou em biopsias peque-nas, no relatório patológico deverá ser mencionado se o diagnóstico foi feito só pela morfologia ou se foram necessários exames específicos, nomeada-mente IHQ.

Sempre que possível, a citologia deverá ser in-terpretada em conjunto com a histologia, pois com-plementam-se. Num estudo recente, a concordân-cia entre biopsia e citologia no diagnóstico de ADC versus carcinoma pavimentoso foi de 93%. Contu-do, quando a citologia é correlacionada com a biop-sia, a percentagem de casos diagnosticados como CPNPC-NOS é muito reduzida, apenas 4%6.

Devido à heterogeneidade tumoral, os termos AIS (ADC in situ) ou MIA (minimally invasive ade-nocarcinoma) não deverão ser usados em citologia ou biopsias pequenas.

O diagnóstico de carcinoma de grandes células deverá ser apenas feito em peças cirúrgicas.

TODOS OS DOENTES COM O DIAGNÓSTICO DE CARCINOMAS PULMONARES DE NÃO PEQUENAS CÉLULAS DEVEM FAZER O TESTE DA MUTAÇÃO DO RECETOR DO FATOR DE CRESCIMENTO EPIDÉRMICO E O TESTE DA TRANSLOCAÇÃO DA CINASE DO LINFOMA ANAPLÁSICO OU DEVERÃO SER SELECIONADOS?

A determinação da mutação do EGFR deverá ser feita em todos os doentes com o diagnóstico de CPNPC, do tipo não pavimentoso, em estádios avançados ou em recidiva4.

Deverá incluir os exões 18-21 e os associados à resistência EGFR-TKI.

Em caso de material escasso, pesquisar, no mí-nimo, os exões 19 (deleção) e 21 (mutação L858R).

O teste não é recomendado nos doentes com o diagnóstico de carcinoma pavimentoso, com exceção dos não fumadores ou fumadores leves (< 15 UMA).

A pesquisa das mutações em estádios precoces deve ser decidida individualmente pelos centros de referência, mas a relação custo/benefício não jus-tifica a sua realização.

A translocação ALK deve ser testada em todos os CPNPC, doença avançada, EGFR negativos4.

COMO DEVE SER FEITO O RELATÓRIO ANATOMOPATOLÓGICO?

O diagnóstico cito ou histopatológico deverá ser feito de acordo com a classificação da IASLC/ATS/ERS5.

Deverá ser mencionado se o diagnóstico foi feito só pela morfologia ou se foi necessário IHQ ou colorações especiais.

Nos casos em que houver testes moleculares, deverá haver um comentário especificando que tipo de material (bloco/lâmina) foi enviado.

Os resultados destes testes não devem atrasar o relatório patológico, sendo enviados para o clíni-co como aditamento. O tempo de resposta ideal deve ser entre cinco a dez dias uteis, e é essencial uma boa comunicação entre o clínico, o patologis-ta e o laboratório de medicina molecular4.

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100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão 21

EM QUE CONSISTE O ESTADIAMENTO DO CANCRO DO PULMÃO E QUAIS AS CLASSIFICAÇÕES VIGENTES?

O estadiamento do cancro do pulmão (CP) é um conjunto sistematizado de procedimentos en-volvendo essencialmente a clínica, a imagiologia, a broncologia, a cirurgia e a anatomo-patologia realizados com o objetivo de avaliar a extensão anatómica da doença e enquadrar cada caso em grupos terapêuticos e de prognóstico, tanto nas fases pré como pós-terapêuticas. As alterações identificadas pelos diversos métodos devem ser valorizadas com base no sistema TNM (Tabela 1), cuja última edição (7.ª) é também aplicável ao carcinoma pulmonar de pequenas células (CPPC), aos tumores carcinoides e ao carcinoma bronquío-lo-alveolar. Esta avaliação compreende três com-ponentes – tumor (T), gânglios linfáticos (N) e metástases (M) – e gera estádios e subestádios, com taxas de sobrevivência e indicações terapêu-ticas definidas.

O componente T refere-se às dimensões e ex-tensão local do tumor. O N diz respeito aos terri-tórios linfáticos, sendo atualmente adotado o mapa ganglionar da International Association for the Study of Lung Cancer (IASLC), o qual delimita anatomicamente 14 estações ganglionares (Tabela 2). O M diz respeito à existência de disseminação intra ou extratorácica (M1a ou b respetivamente).

A determinação do estádio faz-se como é de-talhado na tabela 1.

Estadiamento do cancro do pulmão

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Está estabelecido que, havendo dúvida sobre qual-quer um dos parâmetros (T, N ou M), deve optar-se pela categoria que reflete doença menos agressiva1.

QUAL O CONTRIBUTO RELATIVO DAS DIVERSAS TÉCNICAS DE IMAGEM NO ESTADIAMENTO DO CANCRO DO PULMÃO?

O estadiamento imagiológico do CP baseia-se na tomografia computorizada (TC) tóraco-abdomi-nal, no estudo metabólico, preferencialmente por tomografia de emissão de positrões-tomografia computorizada (PET-TC) de corpo inteiro, e na res-sonância magnética (RM) crânio-encefálica.

A TC tóraco-abdominal com contraste iodado en-dovenoso e opacificação oral do tubo digestivo é o método mais amplamente utilizado, permitindo fazer o diagnóstico e o estadiamento simultâneos. Dá óti-ma informação acerca do T, orienta frequentemente a biopsia transtorácica e permite na mesma avalia-ção o estadiamento abdominal e ósseo.

A TC crânio-encefálica com contraste iodado endovenoso tem sido recentemente preterida em favor da RM.

A PET-TC de corpo inteiro tem elevada sensibilida-de na deteção da doença local e à distância. Destaca--se relativamente à TC na deteção de doença ganglio-nar e de metástases à distância, podendo também dar um contributo importante na avaliação do T e no estudo da pleura. Não é adequada para o estudo cerebral dada a elevada captação difusa da fluorode-soxiglucose (FDG) pelo parênquima cerebral, e o facto

Capítulo 4

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D. Antunes, M. Roque, P. Monteiro

22 100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão

Tabela 1. Diagrama ilustrativo da 7.ª edição da classificação TNM do cancro do pulmão

Supr

acla

vícu

lare

s

Esca

leno

s

Medias-tínicos

Subc

arin

ais

Hilares

Perib

rônq

uico

s (ip

sila

tera

is)

Gâng

lios

(N)

Cont

ra

Ipsi

Cont

ra

Ipsi

Estadio IV (metastização: M1a ou M1b, qualquer T, qualquer N)

+ + + + N3 Estadio IIIB

– – – + &/+ – N2 Estadio IIIA

– – – – – – + &/+ N1 Estadio IIA Estadio IIB

– – – – – – – – N0 Estadio IA Estadio IB

Estadio IIA Estadio IIB

T1a T1b T2a T2b T3 T4 Tumor primário (T)

≤ 2 cm

> 2 cm mas ≤ 3 cm

> 3 cm mas ≤ 5 cm

> 5 cm mas ≤ 7 cm

> 7 cm Qualquer um a. Tamanho

Ausência de invasão proximal a brônquio lobar

Brônquio principal (a ≥ 2 cm da carina)

Brônquio principal (a < 2 cm da carina)

– b. Locali-zação endo brôn-quica

Envolvido por pulmão ou pleura visceral

Pleura visceral Parede torácica/diafragma/pleura mediastínica/pericárdio parietal

Mediastino/traqueia/coração/grandes vasos/esófago/corpos vertebrais/carina

c. Invasão local

Atelectasia/ pneumonite obstrutiva que se estende desde a região hilar mas não envolvendo o pulmão na totalidade

Atelectasia/ pneumonite obstrutiva envolvendo todo o pulmão; nódulo(s) tumoral(ais) separado(s) no mesmo lobo do tumor primário

Nódulo(s) tumoral(ais) separado(s) no pulmão ipsilateral mas num lobo diferente do tumor primário

d. Outros

Adaptado de Uybico2.

Metastização (M)M1a– Disseminação intratorácica local: • Derrame pleural/pericárdico

maligno • Nódulos pulmonares separados no

pulmão contralateralM1b– Doença (extratorácica disseminada): • Fígado, osso, cérebro, glândulas

suprarrenais,…

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Estadiamento do cancro do pulmão

100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão 23

Tabela 2. Zonas e estações ganglionares segundo a IASLC

Zona supraclavicular– Estação 1L: cervicais inferiores, supraclaviculares,

furcula esternal esquerdos– Estação 1R: cervicais inferiores, supraclaviculares,

furcula esternal direitos

Zona superior (Mediastínicos superiores)– Estação 2R: para-traqueais superiores direitos– Estação 2L: para-traqueais superiores esquerdos– Estação 3A: pré-vasculares– Estação 3P: retro-traqueais– Estação 4R: para-traqueais inferiores direitos– Estação 4L: para-traqueais inferiores esquerdos

Zona aorto-pulmonar– Estação 5: gânglios subaórticos– Estação 6: para-aórticos

Zona subcarinal– Estação 7: subcarinais

Zona inferior (Mediastínicos inferiores)– Estação 8: paraesofágicos– Estação 9: gânglios do ligamento pulmonar

Zona hilar e interlobar– Estação 10: hilares– Estação 11: interlobares

Zona periférica– Estação 12: lobares– Estação 13: segmentares– Estação 14: sub-segmentares

Adaptado El-Sherief1.

As dimensões do tumor são geralmente ava-liadas por TC, contudo, quando há condensação do parênquima peri-tumoral, a PET-TC e a RM revelam-se mais precisas. Embora a classificação TNM tenha sido elaborada com base em medi-ções no plano axial, são aceites medições nou-tros planos. A medição pode ser feita em janela de pulmão ou de mediastino, no entanto o maior eixo do componente sólido, mensurável em janela de mediastino, parece ter maior valor prognóstico, e melhor relação com a resposta terapêutica do que o eixo total das lesões sub--sólidas4.

As características do parênquima que envolve o tumor são também referenciadas no T: parênqui-ma arejado ou pequenas áreas de atelectasia/pneumonite obstrutiva sem extensão ao hilo são consideradas T1; atelectasia ou pneumonite obs-trutiva com extensão ao hilo ou da totalidade do pulmão envolvido são classificadas como T2 e T3 respetivamente.

Os nódulos tumorais adicionais ipsilaterais ao tumor são incluídos no T (T3 se localizados no mesmo lobo e T4 se identificados em lobos homo-laterais distintos). Os nódulos tumorais contralate-rais são considerados metastáticos (M1a).

O envolvimento da pleura visceral pode ser classificado como T1 ou T2, consoante as restantes características do tumor, e a disseminação para a pleura mediastínica e pericárdio parietal são con-sideradas T3. Contudo, a TC revela baixa sensibi-lidade para estas formas de disseminação e a doença pleuro-pericárdica detetável por TC corres-ponde, na maioria dos casos, a M1a.

A PET-TC revela maior sensibilidade que a TC na identificação de invasão da parede torácica (também classificada como T3).

A extensão ao mediastino (nomeadamente à carina e/ou traqueia, grandes vasos, coração e esó-fago) e coluna vertebral caracteriza os tumores T4. Nem sempre é evidente por TC a distinção entre invasão mediastínica (T4) e as adenopatias hilares/mediastínicas (N1 e 2). Na avaliação dos grandes vasos, pericárdio e coração, a RM tem-se revelado superior, particularmente quando está contraindi-cado o contraste iodado5.

de as metástases cerebrais serem frequentemente hi-pometabólicas e de pequenas dimensões3.

A RM torácica está recomendada no estadiamen-to do tumor do sulco superior, e pode ser útil na avaliação do mediastino, particularmente quando há contraindicação para TC com contraste iodado.

A RM pode ainda contribuir para o esclareci-mento de lesões hepáticas, das glândulas suprar-renais e ósseas.

QUAIS OS FUNDAMENTOS E LIMITAÇÕES DA CARACTERIZAÇÃO IMAGIOLÓGICA DO T?

No CP o T expressa a dimensão do tumor, a existência de outros nódulos e a caracterização de eventual envolvimento traqueobrônquico, cardio-vascular ou da parede torácica (Tabela 1).

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24 100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão

QUAL O CONTRIBUTO E QUAIS AS PRINCIPAIS LIMITAÇÕES DA IMAGIOLOGIA NO ESTADIAMENTO GANGLIONAR DO CANCRO DO PULMÃO?

Na ausência de metástases, o envolvimento dos gânglios mediastínicos é decisivo para a abordagem terapêutica e é o fator de prognóstico mais impor-tante entre os doentes com carcinoma pulmonar de não pequenas células (CPNCP). Sendo o diagnóstico histológico o método de referência na avaliação da doença ganglionar, os métodos imagiológicos têm a finalidade de avaliar sobre a indicação e orientar anatomicamente as técnicas invasivas.

No estudo da disseminação ganglionar, a ca-racterização morfológica proporcionada pela TC é superada pela informação metabólica da PET-TC3. Embora se aguardem estudos prospetivos, admite--se que a RM torácica com protocolo de difusão possa ter acuidade diagnóstica superior à PET-TC no estudo ganglionar.

Os falsos positivos em TC devem-se à baixa es-pecificidade do critério dimensional (consideram-se adenomegálias os gânglios com menor eixo superior a 10 mm), no entanto o valor preditivo positivo das adenomegálias pode ser reforçado por aspetos su-gestivos de necrose e de disrupção capsular. Os falsos positivos em PET-TC resultam da fixação do FDG associada a processos infecciosos e inflamatórios.

A principal causa de falsos negativos, tanto na avaliação por TC como por PET-TC, são os gânglios metastáticos infracentimétricos e as skip metastasis2. A acuidade diagnóstica da PET-TC é considerada insuficiente no estadiamento gan-glionar de tumores com mais de 3 cm, tumores centrais e na exclusão de N2/3 quando há suspei-ta de envolvimento N1, estando indicado o esta-diamento invasivo3.

A classificação da doença ganglionar pela 7.ª edição do TNM (Tabela 1) e pelo mapa ganglionar da IASLC (Tabela 2) tem revelado ambiguidades: a sobreposição das estações 10 e 4 e 1, 2 e 3, a definição de lateralidade de algumas estações (pré--vasculares, peri-esofágicos e para e retro-traqueais) e a valorização de adenomegálias em grupos

ganglionares não incluídos no mapa (axilares, das cadeias mamárias internas e diafragmáticos) que deverão ser considerados doença metastática in-tratorácica (M1a)1.

PESQUISA DE SINAIS IMAGIOLÓGICOS DE METASTIZAÇÃO: QUANDO E COMO?

Na 7.ª edição do TNM, as metástases do CP são divididas em intra e extratorácicas pelo dife-rente impacto prognóstico.

A PET-TC é o exame de eleição para a avaliação da doença tóraco-abdominal e óssea, podendo revelar metástases previamente insuspeitas em até 37% dos casos3. Está assim indicada nos doentes com avaliação clínica alterada, e nos doentes pro-postos para terapêutica curativa com avaliação clínica e TC normais, excetuando os que têm tu-mores periféricos em estadio IA e lesões em vidro despolido.

O estudo cerebral, preferencialmente por RM, é recomendado em doentes com sintomas de ór-gão e doentes assintomáticos em estádio III ou IV. Embora não haja recomendação formal da avalia-ção cerebral nos estádios inferiores, estudos com taxas de metastização cerebral insuspeita de cerca de 22% podem sustentá-la3.

Em situações de atraso no início do tratamen-to o American College of Chest Physicians (ACCP) recomenda reestadiamento completo a partir das quatro semanas3.

QUAIS AS PRINCIPAIS LIMITAÇÕES DOS VÁRIOS MÉTODOS DE CARACTERIZAÇÃO DA DOENÇA METASTÁTICA?

As principais limitações no estadiamento intra-torácico relacionam-se com os nódulos pulmonares adicionais, e a doença pleural e pericárdica. Na avaliação extratorácica, as dificuldades diagnósticas prendem-se mais frequentemente com avaliação dos nódulos das glândulas suprarrenais e hepáti-cos. A valorização das lesões ósseas pode também ser problemática, principalmente após terapêutica.

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Estadiamento do cancro do pulmão

100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão 25

Os nódulos pulmonares impõem diagnóstico diferencial entre lesões benignas, tumores síncro-nos e metástases. Os múltiplos estudos que têm procurado definir critérios para a valorização des-tas lesões combinam fatores anátomo-patológicos e imagiológicos, entre os quais se destacam: a semiologia clássica do nódulo do pulmão e a loca-lização (os tumores síncronos surgem com maior probabilidade em lobos distintos)2.

O envolvimento pleural e pericárdico com ex-pressão por TC (sob a forma de espessamento di-fuso, ou mais frequentemente multinodular e der-rame pleural) traduz, na maioria dos casos, doença metastática (M1a) que, no caso de haver derrame, requer confirmação citológica. Comparativamente com a TC, a PET-TC revela maior sensibilidade e valor preditivo negativo na avaliação pleural.

As suprarrenais são um dos locais mais frequen-tes de metastização do CP (em cerca de 20% na apresentação da doença), mas a elevada prevalência de adenomas (10-20% da população geral) e o largo espectro morfológico das lesões dificultam o diagnóstico. Embora estejam definidos critérios semiológicos de benignidade (dimensão inferior a 3 cm e componente adiposo documentado por hipodensidade em TC e/ou efeito chemical shift em RM) e de malignidade (disrupção capsular com densificação da gordura envolvente), e múltiplos estudos documentem o contributo da PET3 e da RM, na prática clínica, muitas lesões permanecem indeterminadas e requerem biopsia. O impacto da ressecção de metástases adrenais únicas na sobrevi-vência do doente pode justificar a biopsia cirúrgica.

Os nódulos hepáticos, que muitas vezes apre-sentam morfologia inespecífica, obrigam frequen-temente à integração com PET-TC e caracterização complementar por RM ou biopsia.

A PET-TC de corpo inteiro tem elevada sensibi-lidade na identificação de metástases ósseas e melhor especificidade para as lesões líticas3, que são as mais frequentemente encontradas no CP. A terapêutica com inibidores do recetor do fator de crescimento epidérmico (EGFR) pode induzir uma reação blástica que se expressa por progressão esclerótica das lesões em TC e, por vezes, por aumento da captação do FDG em PET.

AVALIAÇÃO DA RESPOSTA À TERAPÊUTICA: QUANDO E COMO?

Com os progressos do tratamento do CP, a avaliação da resposta à terapêutica tem importân-cia crescente e particular impacto no contexto da terapêutica neo-adjuvante.

A PET-TC é atualmente o exame mais preciso na avaliação da resposta terapêutica e a variação do maximum standardized uptake value (SUVmax) do tumor primitivo e gânglios tem revelado valor prog-nóstico e relação com o reestadiamento patológico6. Apesar das limitações da avaliação morfológica, a TC continua a ser muito utilizada no estudo após tera-pêutica. A RM tem ganho importância na medida em que possibilita estudos funcionais que permitem identificar a resposta terapêutica mais precocemente.

No contexto da terapêutica neo-adjuvante, a European Society of Thoracic Surgery (ESTS) elege os métodos invasivos de estadiamento ganglionar mediastínico como os mais precisos, apesar das limitações técnicas e da acuidade diagnóstica que podem resultar dos procedimentos de estadiamen-to inicial e da terapêutica6.

A evolução da terapêutica e dos métodos de avaliação da resposta tem sido acompanhada pe-los algoritmos de classificação da mesma7. Os res-ponse evaluation criteria in solid tumors (critérios RECIST), baseados na variação dimensional, po-dem agora ser integrados com outros fatores como a resposta metabólica, PET response criteria in solid tumors (critérios PERCIST), e dados densi-tométricos (pela valorização da proporção dos componentes sólido, de vidro despolido e de cavi-tação). O recurso crescente à terapêutica imuno-lógica conduziu à criação de critérios específicos (immune related response criteria).

A expressão dimensional da resposta à tera-pêutica não antecede habitualmente o 2.º ciclo de quimioterapia pelo que a TC é realizada no fim do mesmo. A PET-TC e a RM de difusão podem revelar sinais de resposta a partir dos sete a 14 dias.

As alterações inflamatórias, após RT e cirurgia, podem ser causa de falsos positivos em PET-TC, devendo esta ser protelada até pelo menos um mês após RT, e oito semanas após cirurgia.

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A ENDOSCOPIA RESPIRATÓRIA É FUNDAMENTAL NO ESTADIAMENTO DO CANCRO DO PULMÃO?

Um estadiamento preciso do CP é fundamen-tal, não só na abordagem terapêutica, mas tam-bém na definição do prognóstico do doente, dado constituir o principal fator preditivo de sobrevivên-cia. As estratégias terapêuticas baseadas na evi-dência dependem desse estadiamento correto.

O estadiamento do CP pode ser cliínico (ima-giológico) ou patológico (cirúrgico/técnicas endos-cópicas), sabendo-se à partida que a concordância destes dois tipos de estadiamento é apenas de 35-55% dos casos.

A endoscopia respiratória constitui um exame major no diagnóstico do CP, obtendo material para diferenciação diagnóstica, citológica ou histológica do tumor.

A nível de estadiamento permite, sob visuali-zação direta, detetar lesões a nível da via aérea, por vezes não reveladas ou mal definidas por mé-todos de imagem, além de determinar a extensão anatómica e a gravidade de destruição ou invasão do tumor; permite ainda, através de técnicas aces-sórias, colher material para estadiamento ganglio-nar mediastínico do cancro.

A nova revisão da classificação TNM do estadia-mento do CP salienta a importância da realização da endoscopia respiratória, não só na avaliação dos N mediastínicos, mas também na determinação das dimensões e grau de invasão do T.

Na avaliação T, a endoscopia é útil em deter-minar o local e grau de invasão do tumor na via aérea e a distância a que este se encontra da ca-rina (mais ou menos de 2 cm), contribuindo assim na divisão do tumor de T1 a T4.

Na avaliação N, a endoscopia respiratória, mais uma vez, pode fornecer informação preciosa ao per-mitir a punção às cegas ou ecoguiada dos gânglios mediastínicos acessíveis através da árvore brônquica.

A punção de adenopatias ipsilaterais, peribrôn-quicas ou hilares (N1), subcarinais ou ipsilaterais mediastínicas (N2), e contralaterais (N3), contribui de forma precisa para o estadiamento N (de N0 a N3).

QUAL O PAPEL DA ECOGRAFIA ENDOBRÔNQUICA NO ESTADIAMENTO DO CANCRO DO PULMÃO E CONSEQUENTE ABORDAGEM TERAPÊUTICA?

A sensibilidade e especificidade da TC torácica e da PET-TC na deteção do envolvimento ganglio-nar mediastínico no CP é aproximadamente de 51-60% e 81-85%, e de 74-84% e 85-89% res-petivamente. A PET-TC veio melhorar o estadia-mento, evitando uma cirurgia ineficaz em 10-15% dos doentes.

Porém, desde logo, a confirmação citológica/histológica é preferencial no estadiamento gan-glionar mediastínico do CP, sendo cada vez mais consensual que as adenopatias detetadas por TC ou PET devem ser caracterizadas por punção guia-da por ecografia endobrônquica (EBUS).

Na nova classificação TNM do estadiamento do CP (IASLC/AJCC), existem 14 estações gangliona-res mediastínicas (Tabela 2)8.

A mediastinoscopia foi, durante muitos anos, a técnica preferencial deste estadiamento, sendo um procedimento invasivo, oneroso, não isento de complicações, e com limitações no acesso aos gân-glios posteriores e inferiores do mediastino (permi-te acesso às estações ganglionares 1, 2, 3, 4 e 7). A sua sensibilidade ronda os 80-90%, com cerca de 10-15% de falsos negativos.

A EBUS é uma técnica complementar da endos-copia respiratória que alarga a visão do endoscopis-ta para além do lúmen das vias aéreas, tendo vindo a ganhar terreno no estadiamento ganglionar me-diastínico, face à mediastinoscopia, pelo seu menor grau de invasão, reduzido risco de complicações, seus excelentes resultados e menores custos.

A EBUS apresenta uma sensibilidade de 85-93%, uma especificidade de 100%, e um valor predi-tivo negativo de 90% no estadiamento ganglio-nar do CP.

A EBUS possui atualmente duas modalidades complementares: sonda radial e EBUS convexa ou linear (incorporada no fibroscópio) que possibilita, em tempo real, guiar a punção dos gânglios me-diastínicos ou estruturas adjacentes à via aérea.

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Estadiamento do cancro do pulmão

100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão 27

A maioria das séries publicadas confere uma taxa de sucesso diagnóstico superior a 90%, indepen-dentemente da localização/dimensão do gânglio.

Esta taxa de sucesso depende ainda de forma relevante do tratamento e análise do produto co-lhido e, se possível, da presença de um anatomo-patologista na sala

A combinação da EBUS com a ecografia en-doscópica esofágica (EUS) permite ter acesso a praticamente todos os gânglios mediastínicos, dado que a EUS permite o acesso aos gânglios do me-diastino posterior e inferior, e a EBUS o acesso aos gânglios do mediastino superior e anterior. A asso-ciação das duas técnicas possui um valor preditivo negativo de 97%.

A PUNÇÃO ASPIRATIVA TRANSBRÔNQUICA E OUTRAS TÉCNICAS ACESSÓRIAS ENDOSCÓPICAS PERMANECEM ÚTEIS NO ESTADIAMENTO DO CANCRO DO PULMÃO?

O sucesso da punção aspirativa transbrônquica (TBNA), técnica onde a punção ganglionar medias-tínica é efetuada às cegas, depende de múltiplos fatores, nomeadamente da experiência do opera-dor, da dimensão e localização da lesão, da pre-sença de anatomopatologista na sala e da expe-riência do citopatologista, entre outros9.

A sua taxa de sucesso varia de 15-78%; uma das várias meta-análises efetuadas confere-lhe uma sensibilidade de 39%, com uma especificidade de 99%. Deve ser realizada sempre que exista a pre-sença de adenopatias mediastínicas na TC ou PET, e não existir possibilidade técnica de efetuar EBUS.

A navegação eletromagnética é uma técnica efetuada através de endoscopia respiratória e que possibilita guiar a biópsia de lesões pulmonares

únicas ou múltiplas ou mediastínicas, tal como o global positioning system (GPS) guia um condutor ao seu destino. Tem uma taxa de sucesso de 63-74% nas biópsias de lesões periféricas, beneficiando assim não só o diagnóstico, mas também o esta-diamento do CP10. É contudo uma técnica morosa, com equipamento muito dispendioso, não existindo em Portugal nenhum dispositivo deste tipo. Quan-do associada à EBUS radial, a taxa de diagnóstico pode alcançar os 88%.

BIBLIOGRAFIA

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100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão 29

QUE LUGAR PARA A CIRURGIA NO TRATAMENTO DO CANCRO DO PULMÃO?

A cirurgia pode desempenhar vários papéis, desde o diagnóstico ou estadiamento iniciais a mais remotas intervenções de caráter paliativo nos estádios avançados da doença. Mas o seu papel fulcral desenvolve-se no âmbito de uma terapêu-tica multimodal da doença oncológica, oferecendo uma ressecção radical e, com esta, o melhor con-trolo local da doença e a esperança de cura.

Nos estádios mais precoces (I e IIA) onde se observam as melhores sobrevidas aos cinco anos (90-55%), a cirurgia de ressecção é quase sempre a terapêutica de primeira linha. Na doença local-mente avançada, estádios IIB e IIIA, as diferentes formas de apresentação que se incluem nestes grupos ditam opções diversas. De um lado, tumo-res ressecáveis envolvendo estruturas vitais, mas sem evidência de metastização ganglionar ou à distância, podem ser elegíveis para cirurgia em combinação com terapêutica indutora ou adjuvan-te, com resultados encorajadores. De outra parte, no estádio IIIA, e reconhecido o impacto maior da doença ganglionar (N2) no prognóstico, a decisão terapêutica será em boa parte determinada pelo grau de envolvimento mediastínico (estação única, multi-estação ou a presença de bulky disease). Podem aqui ser delineadas três linhas de aborda-gem: cirurgia seguida de quimioterapia adjuvante, quimioterapia de indução em 1.ª linha, fazendo depender a ressecção pulmonar ulterior do

Tratamento cirúrgico do carcinoma pulmonar de não pequenas célulasF. Félix

downstaging da doença, ou quimio-radioterapia radical definitiva sem opção de cirurgia.

COMO EVOLUIU TECNICAMENTE A CIRURGIA TORÁCICA?

Os mais recentes progressos na cirurgia toráci-ca estão seguramente ligados ao desenvolvimento das técnicas mini-invasivas, videotoracoscopia e robótica, permitindo ressecções major, lobectomias e, mais recentemente, as mais conservadoras como as segmentectomias, sem prejuízo dos crité-rios oncológicos. Incorporando a experiência ga-nha e o instrumental nelas usado, as toracotomias clássicas tornaram-se também menores, e a cirur-gia, de um modo geral, menos traumática. A doença precoce pode assim ser tratada com um significativo decréscimo de morbilidade. Aliada a uma melhor avaliação e preparação pré-operató-ria, um crescente número de doentes no limiar funcional de aceitação para cirurgia, ou de faixas etárias mais elevadas, podem agora ser operados. Mas este percurso fez-se acompanhar de um ca-minho também importante em direção oposta. Sedimentou-se o papel da cirurgia nos tumores localmente avançados. Inicialmente a ressecção combinada de parênquima e parede torácica, com reconstrução protésica e retalhos miocutâneos. Em simultâneo a cirurgia dos tumores de Pancoast com recurso a ressecção/reconstrução da coluna e vasos subclávios. Ainda as ressecções em manga (sleeve) e as mais complexas técnicas de bronco-plastia e ressecção de carina, permitindo excisar os

Capítulo 5

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F. Félix

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tumores mais centrais. Com a ajuda de dispositivos de assistência circulatória, oxigenador de membra-na extracorporal (ECMO) ou circulação extracorpo-ral (CEC), casos rigorosamente selecionados de tumores localmente invasivos de estruturas, antes invioláveis como os grandes vasos ou mesmo o coração, podem agora, em centros altamente di-ferenciados, ser ressecados com benefício de mor-bimortalidade e sobrevidas aceitáveis.

QUAL O PAPEL DA CIRURGIA NO ESTADIAMENTO DO MEDIASTINO?

A metastização ganglionar mediastínica é o maior determinante de prognóstico no cancro do pulmão. Pelas implicações que a sua deteção ou exclusão acarreta para a decisão terapêutica, o estadiamento deste território revela-se de enorme importância. Está indicado formalmente na explo-ração de doença ganglionar suspeitada na avalia-ção de imagem, em tomografia computorizada (TC) ou de emissão de positrões (PET), e ainda recomendada em doença N1 e em tumores cen-trais de dimensões superiores a 3 cm, especial-mente se adenocarcinomas, evidenciando standar-dized uptake value (SUV) altos e localizados nos lobos superiores1.

O cirurgião pode aceder às cadeias ganglio-nares do mediastino através de diferentes abor-dagens, consoante a acessibilidade das estações ganglionares em causa. A mediastinoscopia, con-siderada a técnica gold standard, e cujo valor reside em elevadas sensibilidade e especificidade, está limitada à exploração das cadeias paratra-queais e subcarinais. Para a abordagem das res-tantes cadeias (para-aórticas, janela aorto-pulmo-nar e para-esofágicas), a cirurgia dispõe da videotoracoscopia e, desta forma, pode aceder a todo o mediastino.

Com o desenvolvimento da ultrasonografia en-doscópica, endoesofágica (EUS) e endobrônquica (EBUS), menos invasivas, associadas a menor taxa de complicações e morbilidade, a mediastinoscopia parecia vir a perder algum protagonismo. Recorde-mos, porém, que estes métodos não garantem um

valor preditivo negativo comparável, logo a me-diastinoscopia reassume todos os seus créditos na reexploração do mediastino, para melhor compro-var o downstaging patológico, após terapêuticas indutoras.

Em paralelo, a introdução do videomediasti-noscópio tornou o exercício da técnica mais ape-lativo para os cirurgiões, e facilitou o seu ensino e divulgação, e a evolução para procedimentos mais radicais como as recentemente apelidadas de su-permediastinoscopias, as video-assisted mediasti-noscopic lymphadenectomy (VAMLA) e transcervi-cal extended mediastinal lymphadenectomy (TEMLA). Estas técnicas têm potencial de ainda aumentar a já elevada sensibilidade da mediasti-noscopia clássica e, dadas as características de radicalidade, vir a ser incorporadas numa estraté-gia combinada de estadiamento/linfadenectomia e ressecção pulmonar curativa.

ESTADIAMENTO OPERATÓRIO –LINFADENECTOMIA OU AMOSTRAGEM GANGLIONAR?

A dissecção sistemática do mediastino, e con-sequente linfadenectomia, é uma parte importan-tíssima do tempo operatório de ressecção de cancro do pulmão. Só ela garante um estadia-mento patológico rigoroso, e parece, por isso, essencial para determinar a necessidade de tera-pêutica adjuvante. A sua prática tem vindo a aumentar, mas não é consensual. Alguns autores contestam-na, invocando que não acrescenta benefício sobre a amostragem ganglionar, no que toca às taxas de recorrência local ou sobre-vida. Esta posição está suportada num ensaio realizado em doentes submetidos a ressecção pulmonar em estádio I, e randomizados para amostragem ou linfadenectomia intraoperató-ria2. Recorde-se que, para uma amostragem ser fidedigna, as biópsias devem interessar pelo me-nos três estações em N2 e obrigatoriamente a estação 7 (subcarinal). O mesmo estudo salienta ainda, nas suas conclusões, que estes resultados não devem ser extrapolados para estádios mais avançados da doença.

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Tratamento cirúrgico do carcinoma pulmonar de não pequenas células

100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão 31

QUAL A CONDUTA PERANTE DOENÇA GANGLIONAR INESPERADA NA CIRURGIA?

Apesar dos progressos obtidos pela combinação dos diferentes métodos de estadiamento mediastíni-co, não é raro o cirurgião ser confrontado com o achado de doença ganglionar na exploração que antecede a ressecção pulmonar. As suas opções in-cluem prosseguir com a cirurgia planeada, ou abortar a cirurgia para permitir um tratamento neoadjuvante e encarar, à posteriori, a ressecção pulmonar. Para prosseguir, pode argumentar que o doente foi já submetido a uma agressão major, e que a cirurgia não acrescenta especial morbilidade. Pode, ao con-trário, invocar que o impacto da ressecção não pode ser subestimado, especialmente se implica pneumec-tomia, e que a quimioterapia de indução tem vanta-gens sobre a adjuvante, e assim fazer pender a de-cisão no sentido de suspender a ressecção. Fatores como o tamanho do tumor e o número de estações ganglionares envolvidas devem também ser ponde-rados. Uma meta-análise de ensaios de terapêutica neoadjuvante e de séries publicadas de doentes sub-metidos a ressecção em N2 incidental comparou os resultados em termos de sobrevida, qualidade de vida e custo-benefício. Estes parecem favorecer a decisão de abortar a ressecção programada3. Obser-vou-se uma maior sobrevida, e a qualidade de vida também se revelou superior, apesar do prolonga-mento do tratamento e da submissão a duas inter-venções cirúrgicas. As diferenças em termos de cus-to-benefício foram negligenciáveis. O incremento observado na sobrevida média (2,1 vs 1,7 anos) pa-rece traduzir o benefício da terapêutica de indução, mas admite-se que possa refletir também a exclu-são dos doentes, com doença especialmente agressiva, que progrediram sob tratamento e não foram consequentemente submetidos a ressecção.

LOBECTOMIA-SLEEVE OU PNEUMECTOMIA EM DOENTES COM BOA FUNÇÃO PULMONAR?

As técnicas de preservação de parênquima fo-ram desenvolvidas no sentido de possibilitar a

ressecção curativa em doentes com escassa reser-va pulmonar e tumores centralmente localizados, considerados inaptos para procedimentos como a pneumectomia, mas tolerando amputações fun-cionais menores. Demonstraram já resultados fa-voráveis em termos de mortalidade e morbilidades operatórias, bem como sobrevidas globais da doença oncológica, semelhantes às observadas em doentes com ressecções equivalentes. Decorrente deste reconhecimento, o seu uso tem vindo cres-centemente a aplicar-se a doentes sem limitação de reserva funcional, com igual objetivo de poupar reserva ventilatória e evitar a pneumectomia. As vantagens resultam de uma reduzida mortalidade operatória e de uma melhor qualidade de vida, proporcionadas pela lobectomia-sleeve. A preser-vação de parênquima pode ainda garantir a pos-sibilidade de uma futura ressecção pulmonar, na perspetiva de ocorrência de um segundo tumor.

Alguns riscos devem ser tidos em conta, como o incremento das taxas de recidiva local, as com-plicações anastomóticas e o impacto do envolvi-mento ganglionar N2 na sobrevida. Nos estudos realizados, não parece demonstrado que o risco e padrões de recorrência possam ser relacionados com a técnica. A doença N2 tem reconhecidamen-te um efeito adverso em ambos os grupos, mas com maior impacto nos doentes submetidos a lo-bectomia-sleeve, onde parece condicionar uma maior taxa de recidiva, por comparação com o grupo de pneumectomia, e permanece como foco de controvérsia na seleção dos doentes. No plano das complicações operatórias, os doentes de lo-bectomia-sleeve apresentam menos eventos do foro cardíaco que os de pneumectomia, mas uma maior incidência de complicações de via aérea, com destaque para a deiscência de anastomose brônquica. Apesar da evolução das técnicas de broncoplastia, dos cuidados de preservação de vas-cularização e proteção de anastomose, persiste este tipo de complicação. Nestes doentes, deve ser dada especial atenção aos fatores locais que potenciam esse risco, como a presença de doença na margem de ressecção, ou a irradiação prévia indutora.

Muitos trabalhos sugerem que a preservação de parênquima, de modo geral, beneficia claramente a

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F. Félix

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qualidade de vida, em termos de reserva cardio--respiratória. Alguns autores evidenciaram, neste aspeto, a superioridade da lobectomia-sleeve so-bre a pneumectomia, independentemente do sta-tus cardiopulmonar subjacente4.

No atual estado da arte, podemos pois afirmar que a lobectomia-sleeve deve ser usada sempre, desde que adequada à ressecção curativa do can-cro do pulmão, em detrimento da pneumecto-mia, no sentido de obviar os seus efeitos adver-sos, especialmente o seu impacto na qualidade de vida.

LOBECTOMIA OU RESSECÇÃO ECONÓMICA NO ESTÁDIO I?

O papel dar ressecção conservadora no trata-mento do estádio I do cancro do pulmão continua a ser explorado. Após um primeiro estudo rando-mizado5, que demonstrou acréscimo de incidência de recidiva locorregional nos doentes operados por ressecções menores, e estabeleceu a lobectomia como terapêutica de eleição, outros mais recentes se seguiram, que relançaram o valor da segmen-tectomia regrada, associada a dissecção hilar e mediastínica, na erradicação da doença, atingindo sobrevidas e taxas de recidiva comparáveis, ainda que tendencialmente em favor da lobectomia. Ou-tros estudos que investigaram morbilidade, morta-lidade e função ventilatória pós-operatória relacio-nadas com os procedimentos também não conseguiram demonstrar vantagem da ressecção menor. A evidência acumulada não permite, de momento, recomendar a segmentectomia para doentes com risco aceitável para ressecção pulmo-nar. Mais recentemente, no âmbito da histologia dos tumores, o seu papel voltou a ser equaciona-do, no tratamento de subtipos histológicos pré-in-vasivos ou mini-invasivos de adenocarcinoma, par-ticularmente se menores que 2 cm, mas serão necessários, num futuro próximo, estudos que demonstrem inequivocamente o seu valor. Todos os trabalhos apontam entretanto para a necessi-dade de que estas ressecções económicas se façam acompanhar de linfadenectomia ou amostragem ganglionar adequadas

CIRURGIA MINI-INVASIVA – QUE BENEFÍCIOS E RISCOS?

As ressecções pulmonares anatómicas com re-curso a técnicas mini-invasivas, com destaque para a lobectomia e, mais recentemente, a segmentec-tomia videotoracoscópicas, vêm-se afirmando des-de há duas décadas. Talvez porque o cancro do pulmão é a principal indicação para o procedimen-to, a questão da adequação do método à satisfa-ção dos princípios oncológicos permaneceu longo tempo como um obstáculo na mente de muitos cirurgiões torácicos. Outros aspetos como a segu-rança, complicações e mortalidade, e ainda custos e benefícios em termos de redução da dor e me-lhoria da qualidade de vida, foram igualmente abordados.

Apesar da escassez de estudos randomizados que comparem a lobectomia standard e videoto-racoscópica, as séries publicadas parecem demons-trar a equivalência dos procedimentos em termos de rigor oncológico, traduzido em sobrevidas e taxas de recorrência estatisticamente compará-veis6,7. A sua maior vantagem residirá na diminui-ção da dor pós-operatória, e da resposta inflama-tória à agressão cirúrgica, de menor magnitude, consequentemente numa aptidão mais precoce para o início de terapêuticas adjuvantes.

O candidato ideal é o doente com doença li-mitada, idealmente tumores T1-2, sem envolvi-mento ganglionar mediastínico. Para esse, a evi-dência aponta a lobectomia videotoracoscópica como uma alternativa segura e eficaz no tratamen-to do cancro do pulmão.

QUAL O LUGAR DA CIRURGIA CONSERVADORA E DA RADIOTERAPIA EM DOENTES COM FUNÇÃO PULMONAR COMPROMETIDA NO ESTÁDIO I?

A perspetiva de cura para doentes submetidos a ressecção anatómica para este estádio é excelen-te. Infelizmente, uma parcela importante destes sofrem de doença cardiovascular ou outras comor-bilidades que os impede de tolerar a cirurgia,

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Tratamento cirúrgico do carcinoma pulmonar de não pequenas células

100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão 33

nomeadamente a lobectomia. As opções incluem então a ressecção menor, económica ou conserva-dora, sempre que possível por uma via mini-invasi-va, e a radioterapia. A radioterapia vem reclaman-do a sua eficácia como terapêutica radical na erradicação de lesões até 3 cm, após as evoluções técnicas recentes que possibilitam incrementos de dose com baixa toxicidade. Contudo, os trabalhos que abordaram a sua eficácia neste contexto não demonstraram benefício desta, e os resultados sempre pendem para o lado da cirurgia8. Alguma expectativa tem sido colocada também no seu uso como adjuvante à cirurgia de ressecção económica, em doentes com má função, para prevenir a recor-rência, sem demonstração inequívoca de vantagem.

Nos doentes com compromisso grave da fun-ção e que, apesar de uma reabilitação pré-opera-tória adequada, não são candidatos a cirurgia, ou naqueles em que a localização do tumor inviabili-za uma ressecção menor, o recurso à radioterapia como alternativa à cirurgia deve ser encarado.

QUE CIRURGIA NO OCTAGENÁRIO?

O envelhecimento progressivo da população com cancro do pulmão confronta oncologistas e cirurgiões com o desafio de tratar estes doentes, ajustando as decisões terapêuticas às comorblida-des e riscos inerentes a este grupo etário. Dado que a cirurgia permanece o pilar do tratamento dos estádios precoces e oferece a melhor oportu-nidade de cura ou controle local e sobrevida, o seu papel pode ser crucial. As séries mais recentes apontam para resultados que se aproximam da população mais jovem, em termos de morbimor-talidade operatória, e sugerem mesmo que uma esperança de vida aumentada se acompanha de uma melhor aptidão para cirurgia. A relutância em oferecer cirurgia, baseada na suspeita de que os doentes são intrinsecamente maus candida-tos, deve ser afastada. Estes doentes devem ser

rigorosamente avaliados, individualmente, no sen-tido de lhes ser oferecida uma terapêutica curativa.

A lobectomia prevalece como o tratamento standard, mas a videotoracoscopia9 aportou algum benefício sobre a toracotomia, em termos de mor-bilidade, complicações, precocidade da alta e re-toma da atividade regular. Também a opção por ressecções segmentares anatómicas10, às quais se possam imputar iguais critérios oncológicos, pode ser utilizada em tumores de reduzidas dimensões (< 2 cm) favoravelmente implantados, com vanta-gens na preservação do parênquima pulmonar.

BIBLIOGRAFIA

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100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão 35

QUAL O PROGNÓSTICO DE UM DOENTE COM CARCINOMA PULMONAR DE NÃO PEQUENAS CÉLULAS EM DOENÇA PRECOCE, SUBMETIDO A TERAPÊUTICA CIRÚRGICA? QUAIS OS SEUS PREDITORES?

O carcinoma pulmonar de não pequenas célu-las (CPNPC) apresenta, por vezes, um crescimento assintomático com reduzido número de casos diagnosticados em estádios precoces (25-30%), passíveis de abordagem cirúrgica1.

Embora o estadiamento seja o principal fator de prognóstico (e.g. a dimensão do tumor e o envolvimento mediastínico e pleural), outras con-dicionantes como a técnica cirúrgica (lobectomia versus ressecção sublobar), o género (mulher) e a etnia (asiáticos – independentemente dos há-bitos tabágicos ou da presença da mutação EGFR) são descritos como indicadores de melhor prog-nóstico.

Nos doentes operados, a sobrevida (SV) aos cinco anos é de 60-80% para o estádio I e de 30-50% no estádio II. As recidivas poderão ser locais ou, mais frequentemente, à distância (10-20% no estádio I)1.

Influenciados pela variabilidade genotípica e de reparação do ADN, vários ensaios estão a ser con-duzidos para a determinação de marcadores mo-leculares preditivos de resposta.

Estão atualmente em validação mas, no futuro, a assinatura genética poderá auxiliar a identificação

Tratamento neoadjuvante e adjuvante no carcinoma pulmonar de não pequenas célulasP. Alves e P. Garrido

dos doentes que beneficiarão da terapêutica adju-vante à cirurgia.

COMO SE DEFINE TERAPÊUTICA NEOADJUVANTE? QUAIS AS INDICAÇÕES NO CARCINOMA PULMONAR DE NÃO PEQUENAS CÉLULAS?

A baixa SV após tratamento do CPNPC não metastático levantou a hipótese de associar tera-pêutica antes (neoadjuvante) e/ou após (adjuvante) ao tratamento cirúrgico preconizado.

Os estudos com quimioterapia (QT) neoadju-vante são poucos e com baixo número de doentes, mas alguns favorecem esta terapêutica.

Vários estudos randomizados e algumas meta--análises revelaram benefício na SV, caso se efe-tuasse QT seguida de cirurgia versus só cirurgia, nomeadamente nos tumores com mais de 4 cm e nos estádios IIIaN2. Nestes, foi demonstrado um ganho na SV se houvesse downstaging para N0 com a QT. A QT neoadjuvante faz parte das reco-mendações nos estádios IIIaN22,3

.

Nos estádios mais precoces, apesar de existir resposta em 40-60% dos casos com QT antes de cirurgia, em termos de SV, os dados não têm significado estatístico, pelo que não é recomen-dada.

Como vantagens da terapêutica neoadjuvante salienta-se: tratamento precoce da doença micro-metastática; downstaging do mediastino (melhor SV após cirurgia); diminuição do tamanho do

Capítulo 6

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P. Alves, P. Garrido

36 100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão

tumor (maior probabilidade de ressecabilidade completa); melhor tolerância e compliance em re-lação à terapêutica adjuvante.

Como desvantagens, há a apontar a toxicidade ao tratamento, o aumento do risco cirúrgico e da progressão antes da cirurgia mas, atualmente, elas são consideradas pouco relevantes.

QUAL O PAPEL DA RADIOTERAPIA NO TRATAMENTO NEOADJUVANTE DO CARCINOMA PULMONAR DE NÃO PEQUENAS CÉLULAS? INDICAÇÕES E RISCOS

Outra questão é se a associação da radiotera-pia (RT) à QT pré-operatória aumenta a SV.

Alguns estudos demonstraram aumento da resposta patológica e downstaging do medias-tino com QT e RT (QTRT) neoadjuvante versus só QT, na doença localmente avançada, mas outros não.

Muitos autores referem o aumento significati-vo da toxicidade, o que é particularmente verdade quando se utiliza gemcitabina ou paclitaxel com RT, por aumento de complicações pulmonares, no-meadamente Acute Respiratory Distress Syndrome (ARDS).

O estudo INT 01394 demonstrou aumento sig-nificativo da SV, se realizada lobectomia após QTRT nos doentes em estádio III (T1-3N2M0), mas dimi-nuição significativa, se realizada uma pneumecto-mia, por aumento de complicações e mortalidade. Contudo, há quem defenda que, com o aperfei-çoamento das técnicas de tratamento existentes atualmente, a QTRT neoadjuvante se possa esten-der a ressecções cirúrgicas mais alargadas.

Segundo as normas da National Comprehensi-ve Cancer Network (NCCN)3, a QT de indução com ou sem RT, é uma opção nos estádios IIIa (T1-3, N2-mínimo) se for prevista a lobectomia, e é reco-mendada nos tumores do sulco superior ressecá-veis. Defende-se QT (com ou sem RT) de indução nos estádios IIIa-N2 múltiplos (não bulky) e, se após avaliação de resposta existir downstaging, e/ou se o cirurgião entender que a doença (inclusive as adenopatias mediastínicas) poderá ser

completamente ressecada, atitude discutível e que deve ser tomada em reunião multidisciplinar.

QUAIS OS ESQUEMAS TERAPÊUTICOS PRECONIZADOS PARA A TERAPÊUTICA NEOADJUVANTE?

A QT deve basear-se na associação de um pla-tino com um agente de 3.ª geração e contemplar, pelo menos, três ciclos2.

Esquemas de cisplatina e vinorelbina parecem ser os mais vantajosos. A carboplatina com pacli-taxel teve resultados menos positivos, sendo só indicada na presença de alguma contraindicação à cisplatina.

Na associação com RT, não é de empregar gemcitabina nem paclitaxel (só se associado a carbo-platina e não a cisplatina), por maior risco de ARDS3.

A dose total de RT preconizada corresponde a 45-50 Gy fracionada (1,8-2 Gy/fr)3,

e o intervalo entre o fim da RT e a cirurgia não deve ultrapassar uma semana.

COMO AVALIAR A RESPOSTA À TERAPÊUTICA NEOADJUVANTE?

A avaliação de resposta à terapêutica neoadjuvan-te só poderá ser efetuada corretamente se existir um estadiamento adequado antes do tratamento.

Indicada a realização de TC/PET-TC, se o medias-tino for suspeito de positividade, tem que se obter a análise patológica que poderá ser feita por EBUS/EUS e/ou por mediastinoscopia, ou toracoscopia.

A avaliação de resposta em termos morfológi-cos será efetuada por TC, segundo os critérios de RECIST versão 1.1.

A utilização da PET (com quantificação do SUV – PERCIST 1.0) na avaliação da resposta à terapêuti-ca não reúne uniformidade de critérios, pelo que a sua utilização, neste contexto, ainda não foi validada.

Nos tumores com N2, após terapêutica de in-dução, é preconizado o reestadiamento patológico do mediastino.

Repetir a mediastinoscopia é tecnicamente di-fícil, e tem pouca rentabilidade comparada com a

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Tratamento neoadjuvante e adjuvante no CPNPC

100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão 37

mediastinoscopia inicial. Uma estratégia será de fazer EBUS/EUS na fase inicial e guardar a medias-tinoscopia para o estadiamento após terapêutica neoadjuvante.

A TC não é útil no reestadiamento do mediastino, pois a rentabilidade diminui para 58% após terapêu-tica de indução; a PET-TC também não é vantajosa.

COMO SE DEFINE TERAPÊUTICA ADJUVANTE. QUAIS OS SEUS CRITÉRIOS E OS ESQUEMAS PRECONIZADOS?

Como já referido, a recidiva à distância, com ou sem recidiva local, é frequente nos tumores do pulmão, mesmo que completamente ressecados. A terapêutica adjuvante surgiu na tentativa de diminuir a recidiva e melhorar o prognóstico dos doentes. Mesmo com QT adjuvante, a taxa de recidiva local é alta (20-40%), daí o interesse pela RT após cirurgia.

A indicação de terapêutica adjuvante depende dos achados intraoperatórios e, em especial, da classificação patológica do tumor.

A recente atualização das orientações da NCCN3 define a estratégia a seguir, devendo o início do tratamento ser 4-8 semanas após a cirurgia.

Vários estudos e meta-análises mostraram ga-nhos na SV aos cinco anos (4-15%) com terapêu-tica adjuvante à base de cisplatina, sendo o esque-ma de cisplatina e vinorelbina o mais utilizado6

.

A QT adjuvante deverá ser utilizada nos está-dios II e III6,7, e em casos selecionados de Ib, no-meadamente, nos tumores de grandes dimensões (> 4 cm), com invasão da pleura visceral ou quan-do o estadiamento foi inadequado6. A idade jo-vem, a preferência do doente, o performance sta-tus e a presença de comorbilidades também têm influência na decisão.

A RT adjuvante não mostrou benefício nos es-tádios I e II (N0 e N1)7 e, embora diminua a reci-diva local nos N2, o impacto na SV é controverso.

Estudos e meta-análises recentes sugerem que a RT adjuvante deve ser considerada nos estádios IIIaN2, sobretudo se existem múltiplas estações ou crescimento extracapsular.

A RT está indicada se existir tumor residual nas margens de ressecção (R1 e R2), pois aumen-ta o controlo local da doença, com impacto po-sitivo na SV.

A sequência da terapêutica multimodal não está absolutamente determinada, mas a RT con-corrente com QT adjuvante só é realizada em doentes selecionados3.

Outro problema é a alta incidência de metás-tases à distância, particularmente cerebrais, após ressecção cirúrgica da doença pulmonar, pelo que se questiona se não se deveria efetuar, por norma, a irradiação profilática cerebral (IPC). Existem pou-cos estudos mas, apesar de se ter verificado menor incidência de metastização cerebral com a IPC, isso não se refletiu em ganho na SV, pelo que a IPC ainda não está indicada nos CPNPC.

COM QUE LIMITAÇÕES NOS DEPARAMOS NA PROPOSTA DA TERAPÊUTICA NEOADJUVANTE E ADJUVANTE?

Possivelmente, a mais importante limitação à proposta de uma terapêutica neoadjuvante é de-terminar a ressecabilidade completa da doença, estando intimamente relacionada com a experiên-cia de cada centro. O algoritmo da decisão obe-dece a muitas variáveis, pelo que cada caso carece de apreciação em equipa multidisciplinar.

A invasão da parede torácica, do diafragma ou das estruturas vasculares não são contraindicações (exceto se invasão do epicárdio/miocárdio), poden-do ser necessária a intervenção da cirurgia vascular e cardíaca.

A PET-TC, a mediastinoscopia e biopsias de lesões suspeitas devem ser equacionadas na abor-dagem de tumores potencialmente ressecáveis.

O desafio prende-se também com o perfor-mance status e com as comorbilidades, desig-nadamente pulmonares, cardiovasculares, re-nais e até cognitivas. É essencial a compreensão e o consentimento informado do plano tera-pêutico.

Inúmeros estudos avaliaram o impacto da ida-de na decisão cirúrgica; os 70 ou mais anos só são

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P. Alves, P. Garrido

38 100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão

considerados uma contraindicação relativa para cirurgia.

Alguns autores8 descrevem um aumento do risco de complicações major com necessidade de prolongamento do internamento (19 versus 47%, p < 0,0037) no grupo de doentes submetidos a QT prévia à cirurgia. O grupo de revisão Cochrane Col-laboration verificou um benefício de 5% na SV aos cinco anos, no subgrupo de doentes sujeitos a QT neoadjuvante, permitindo uma atitude potencial-mente curativa facilitando a técnica cirúrgica.

O doente pós-cirúrgico encontra-se em recu-peração, sendo fundamental iniciar terapêutica adjuvante (se indicado) nas quatro a oito semanas subsequentes. Esta limitação é observada na prá-tica clínica. A reabilitação respiratória, o apoio nu-tricional e psicológico são, por vezes, necessários.

O QUE FAZER APÓS TERAPÊUTICA ADJUVANTE? COMO AVALIAR E QUAL O SEGUIMENTO?

Um doente submetido a cirurgia com intuito curativo pode experienciar dúvidas e receios, dado o impacto que a sua doença oncológica tem ao nível psicológico, social e profissional. A informa-ção deve ser clara, responsabilizando-o, também, pelo seu seguimento.

A equipa multidisciplinar onde foi iniciado o tratamento manterá o follow-up, com uma boa articulação com o seu médico de medicina geral e familiar.

Um dos objetivos é fomentar o reinício da sua atividade profissional e o incrementar de estilos de vida saudável, nomeadamente a manutenção do exercício físico e da alimentação adequada.

A intervenção específica na cessação tabágica é fundamental, pois está associada à diminuição do risco de mortalidade e do desenvolvimento de um novo tumor ou de recidivas.

Encontra-se descrito1 o aparecimento de reci-diva em 10% dos casos nos cinco anos após a cirurgia, nomeadamente por disseminação à dis-tância. Cerca de 60% dos casos ocorrem nos pri-meiros 2-3 anos; na presença de envolvimento ganglionar, a recidiva é mais precoce e mais

frequente, sendo o risco de desenvolvimento de um novo tumor de 2% a cada ano. Assim, é acon-selhado o acompanhamento a cada três meses du-rante os dois primeiros anos, seguidamente de seis em seis meses até ao 5.º ano, e depois a cada ano.

Para além de avaliar os resultados e detetar as complicações tardias das terapêuticas efetuadas, a calendarização das avaliações e respetivos exa-mes visam o diagnóstico precoce de recidiva e a identificação de novos tumores, primários ou se-cundários.

Em todas as consultas são avaliadas as queixas do doente e realizado um exame objetivo dirigido, bem como a avaliação analítica. Atendendo à pou-ca sensibilidade, a determinação de marcadores tumorais é opcional1.

Em cada consulta, apenas um exame imagio-lógico carece de ser realizado, sendo a TC indicada aos seis e 12 meses e, posteriormente, em regime anual.

A PET-TC é opcional, não havendo estudos que a recomendem em detrimento da TC neste contexto.

Recomenda-se um plano de vacinação antipneu-mocócica e influenza, bem como a realização de um questionário de qualidade de vida específico (e.g. EORTC QLQ-LC13) e provas funcionais respiratórias aos seis e 12 meses para adequar estratégias para uma melhor qualidade de vida (QV).

QUAL O PAPEL DA REABILITAÇÃO RESPIRATÓRIA NOS DOENTES SOB QUIMIOTERAPIA ADJUVANTE?

Segundo a American Cancer Society, as técni-cas cirúrgicas inovadoras e as terapêuticas combi-nadas permitem uma SV aos cinco anos de 52% nos doentes com CPNPC localizado, que, no entanto, está frequentemente associada a um grande impac-to clínico pela presença de dispneia, fadiga, ansie-dade, diminuição da tolerância ao esforço, perda de massa muscular e compromisso da QV.

Recentemente, o American College of Chest Physicians salientou que o controlo dos sintomas é tão importante como tratar a neoplasia.

Alguns estudos9 reportam uma prevalência de 80% de fadiga relacionada com o cancro, em

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Tratamento neoadjuvante e adjuvante no CPNPC

100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão 39

doentes sob QT e/ou RT adjuvante, sabendo-se que estas terapêuticas diminuem a capacidade de fornecimento e utilização do oxigénio duran-te o esforço, contribuindo para a intolerância ao exercício.

Documentou-se9 uma boa adesão ao progra-ma de reabilitação respiratória, com segurança comprovada, melhoria na QV e na capacidade para o exercício.

As modalidades de intervenção foram múlti-plas, como o exercício aeróbico através do uso de bicicleta, tapete rolante, marcha e treino de esca-das; alguns incluíram treino de força, de relaxa-mento e sessões educacionais.

Mais e maiores ensaios clínicos são necessá-rios para corroborar os dados já existentes, de-correndo atualmente um estudo prospetivo com esse objetivo10.

Numa perspetiva futura, devido à oferta ainda limitada dos programas de reabilitação, o desafio passa pela elaboração de programas realizados no domicílio, adaptados a esta população.

QUAL O PAPEL DAS TERAPÊUTICAS INOVADORAS NO TRATAMENTO NEOADJUVANTE E ADJUVANTE DO CARCINOMA PULMONAR DE NÃO PEQUENAS CÉLULAS?

Nos últimos anos, assistimos à emergência de novos paradigmas no tratamento dos CPNPC, em estádios IV, com o uso de terapêuticas dirigidas, em tumores com marcadores moleculares positi-vos, especialmente a mutação do EGFR ou a trans-locação do gene ALK.

Recentemente (estudo RADIANT), avaliou-se a resposta do erlotinib num grupo de doentes com doença ressecada, com mutação EGFR. Os resulta-dos não foram significativos devido a constrangi-mentos estatísticos, mas, no entanto, sugerem que o erlotinib, em terapêutica adjuvante, prolonga o tempo livre de doença (TLD); a SV foi semelhante nos dois braços.

O impacto dos anticorpos monoclonais está a ser considerado. Aguardam-se resultados do

estudo de fase II, ECOG 1505, cujo outcome pri-mário é avaliar a SV de doentes submetidos a QT adjuvante, com ou sem bevacizumab.

O cetuximab compete na ligação ao domínio extracelular do EGFR; dados pré-clínicos indicam que é rádio-sensibilizante e que amplifica a respos-ta à QT. Estudos em estádios IIIa/b e IV foram promissores, mas a sua utilização em terapêutica adjuvante carece de mais ensaios clínicos.

A imunoterapia tem emergido como terapêu-tica promissora, nomeadamente pela checkpoint inhibition ou através da utilização de vacinas.

No estudo de fase III, MAGRIT, não se eviden-ciou aumento do TLD em doentes operados sub-metidos a imunização com MAGE-A3 recombina-da, uma proteína apenas presente em células tumorais.

Muito se tem avançado, mas aguardam-se ain-da resultados de terapêuticas mais eficazes e me-nos agressivas no combate ao CPNPC.

BIBLIOGRAFIA

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100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão 41

QUAIS OS DOENTES ELEGÍVEIS PARA TRATAMENTO DE RADIOTERAPIA RADICAL?

A opção de eleição no carcinoma pulmonar de não pequenas células (CPNPC) é, sempre que pos-sível, a ressecção cirúrgica, no entanto, nos está-dios iniciais da doença, quando os doentes recu-sam a cirurgia ou, dadas as comorbilidades, não têm condições para tolerar a mesma ou têm even-tualmente grande risco cirúrgico, opta-se pela ra-dioterapia (RT) radical. No caso de não existir doença mediastínica, podem ser usados esquemas de hipofracionamento como na RT estereototáxica de corpo (SBRT), com fracionamentos que podem variar, consoante as dimensões, a localização do tumor e a tolerância dos órgãos de risco (OR); nos centros em que não está implementada a SBRT, é adequado recorrer a um esquema de hipofracio-namento moderado1, sendo que, se houver doen-ça mediastínica, terá de ser usado um fraciona-mento convencional.

Apesar de não existirem ensaios prospetivos randomizados comparativos entre a cirurgia e a SBRT em doentes em estádios iniciais (T1a,b,2aN0 e em casos selecionados T2b,3N0), estudos retros-petivos não-randomizados e séries de doentes mostram que a SBRT, com doses altas por fração, permite taxas de controlo local e sobrevida global muito semelhantes a lobectomia e superiores a RT conformacional 3D (RTC3D)1, no entanto, na maioria das séries de doentes estudados, há que considerar o viés que os resultados têm, dado

O papel da radioterapia no carcinoma pulmonar de não pequenas célulasA.C. Amado e M.I. Antunes

que os doentes que são submetidos a SBRT, têm, à partida, pior prognóstico, porque foram previa-mente considerados sem capacidade para tolerar a cirurgia. Onishi, et al., numa análise retrospetiva de doentes estádio I tratados com SBRT com dife-rentes fracionamentos, em 13 instituições japone-sas, reportaram que, com SBRT, a sobrevida é po-tencialmente comparável à da lobectomia no subgrupo de doentes em estádio I que, sendo operáveis, recusaram cirurgia, admitindo que este tipo de tratamento é seguro e promissor, podendo, eventualmente no futuro, ser o tratamento de elei-ção nos doentes em estádio I operáveis2.

Na doença localmente avançada, se o doente não tem condições para quimioterapia (QT), a RT radical com fracionamento convencional de 1,8-2 Gy/fração (fr) é também uma estratégia terapêuti-ca adequada, embora com piores resultados.

A dose preferencialmente utilizada em trata-mentos radicais de RT são 70 Gy, em fracionamen-to convencional (1,8-2 Gy/fr); caso a tolerância dos OR não o permita, proceder-se-á à diminuição da dose, que no entanto nunca deverá ser inferior a 60 Gy. Em SBRT, são preferíveis os esquemas com dose biológica equivalente (BED) ≥ 100 Gy por demonstrarem melhores resultados de controlo local e sobrevida1.

QUANDO ESTÁ A RADIOTERAPIA NEOADJUVANTE INDICADA?

Tratamentos neoadjuvantes de RT e QT (QTRT) concomitantes estão indicados nos tumores do

Capítulo 7

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A.C. Amado, M.I. Antunes

42 100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão

sulco superior (T3-4N0-1), seguidos de cirurgia e QT adjuvante ou, caso o tumor seja irressecável, dever-se-á prosseguir com QTRT até uma dose curativa. O volume-alvo deverá incluir o tumor e a região ganglionar supraclavicular ipsilateral. Deve-rão administrar-se 45-50,4 Gy (1,8-2 Gy/fr). Embo-ra existam estudos em que são administradas do-ses curativas, doses superiores a 50 Gy estão associadas a fístulas bronco-pleurais, empiema e aumento de tempo com ventilação mecânica no pós-operatório.

Com o intuito de redução tumoral de forma a possibilitar uma remoção cirúrgica, os doentes com doença T1-3 N2 (N2 não-bulky, < 1,5 cm), também podem ser candidatos a QTRT neoadju-vante, sendo reavaliados, à semelhança dos doen-tes com tumores do sulco superior, para cirurgia ou QTRT até uma dose curativa. Deve incluir-se o tumor, a região ganglionar envolvida e a primeira região ganglionar não envolvida3.

QUAL A IMPORTÂNCIA DO ESTADIAMENTO PATOLÓGICO PRÉVIO AO TRATAMENTO NEOADJUVANTE EM DOENTES N2?

O estadiamento correto dos gânglios medias-tínicos tem um papel fulcral na otimização do estadiamento e consequentemente na escolha da melhor estratégia terapêutica. A confirmação his-tológica deve ser feita sempre que haja suspeita de envolvimento mediastínico, quer em TC do tórax quer em PET-TC, para exclusão de falsos positivos, podendo ser realizada através de ecografia endo-brônquica (EBUS), ecoendoscopia (EUS), mediasti-noscopia, linfadenectomia mediastínica assistida por video (VAMLA), linfadenectomia mediastínica transcervical alargada (TEMLA), toracoscopia assis-tida por vídeo (VATS) ou mediastinotomia.

Sendo importante em todos os casos, é espe-cialmente relevante confirmar, antes de qualquer terapêutica, a positividade ou negatividade dos gânglios, nas áreas correspondentes a N2, para se poder determinar a necessidade ou não de RT adju-vante, na medida em que a terapêutica neoadjuvan-te pode conduzir a um downstaging ganglionar.

QUAL A MELHOR ESTRATÉGIA TERAPÊUTICA EM DOENTES INOPERÁVEIS POR DOENÇA LOCALMENTE AVANÇADA?

Nos CPNPC, são considerados como doença local-mente avançada os estádios IIIA e IIIB, impondo o primeiro um maior desafio na abordagem e definição da estratégia terapêutica. Se no estádio IIIB todos os doentes terão como abordagem preferencial a QTRT que demonstrou ser, em numerosos ensaios clínicos1 (CALGB 8433, intergroup e duas meta-análi-ses), superior à terapêutica isolada, já o estádio IIIA é um pouco controverso por apresentar uma grande diversidade de doentes (T1-3N2; T3 N1, T4 N0-1), tendo várias abordagens possíveis. Nos doentes em que a possibilidade cirúrgica é posta de parte, mesmo com recurso a terapêuticas neoadjuvante ou adjuvante, a melhor opção do ponto de vista do controlo da doença é também a QTRT.

Vários ensaios randomizados de fase II e III (RTOG 9410, LAMP, French NPC 95,01, Furuse, et al.), bem como uma meta-análise4, estabeleceram que os tratamentos concomitantes têm uma me-lhor sobrevida média e sobrevida global aos cinco anos, em relação aos sequenciais, no entanto verifi-ca-se que esta melhoria tem como contrapartida um aumento da toxicidade esofágica, observando-se um maior número de casos de esofagite graus III-IV.

Os doentes com comorbilidades significativas ou que não tenham um performance status (PS) que permita tolerar os tratamentos concomitantes, poderão ser candidatos a terapêutica sequencial ou apenas a RT radical.

Deverá ser tentado um escalonamento de dose até 70 Gy, nunca devendo a dose ser inferior a 60 Gy, em fracionamento convencional.

QUE DOENTES PODEM BENEFICIAR DE RADIOTERAPIA PÓS-OPERATÓRIA, QUE VOLUMES-ALVO DEVEM SER INCLUÍDOS E QUAIS AS DOSES IDEAIS?

Os doentes com alto risco de recorrência loco--regional, nomeadamente os que apresentam

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O papel da radioterapia no carcinoma pulmonar de não pequenas células

100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão 43

envolvimento ganglionar mediastínico inesperado após cirurgia (pN2), extensão extra-capsular (EEC) e margens positivas, podem beneficiar de RT ad-juvante. No caso de margens positivas, o trata-mento deverá ser QTRT concomitante. Se se tratar de N2 ou EEC, a terapêutica recomendada é se-quencial (QT → RT).

As doses a administrar deverão ser entre 50-54 Gy, se N2 com margens negativas; com boost até 60-66 Gy no caso de EEC; 54-60 Gy, no caso de margens positivas por doença microscópica e 60-70 Gy, se doença macroscópica.

Não há muita literatura disponível que descre-va o que incluir nos volumes a tratar, talvez pelo facto de este tema não ser ainda consensual. Al-guns autores sugerem, se as margens cirúrgicas forem positivas e pN0, que o volume-alvo corres-ponda apenas ao leito tumoral; no caso de N2, deverão incluir-se as áreas ganglionares invadidas, de acordo com o constatado em exames imagio-lógicos e anátomo-patológicos, o coto brônquico homolateral, a região hilar homolateral, e toda a extensão possível da pleura mediastínica junto ao leito tumoral. Além das áreas ganglionares atingi-das, segundo os mesmos autores, o volume-alvo mediastínico deverá incluir, de forma sistemática, as áreas ganglionares 4 e 7, e as áreas gangliona-res 5 e 6, para tumores à esquerda5.

EM QUE CONTEXTO PODERÁ HAVER LUGAR PARA A REIRRADIAÇÃO PULMONAR?

As indicações específicas de reirradiação (re--RT) devem ser decididas individualmente, tendo em consideração o PS, comorbilidades, sintomato-logia, extensão da recidiva loco-regional, metásta-ses à distância, esperança de vida, grau de bene-fício da primeira irradiação, provável benefício e capacidade de tolerância a um novo tratamento. Existem quatro tipos de indicações para re-RT:

– Emergente sintomática – exemplo, síndrome da veia cava superior (SVCS);

– Sintomática não emergente;– Assintomática em risco de um evento grave –

exemplo, obstrução da via aérea;

– Assintomática com evidência radiológica de progressão da doença6.Doentes com um volume tumoral limitado,

sem doença extratorácica não controlada e bom PS, podem responder a uma terapêutica de sal-vação. Nestes casos, deve realizar-se avaliação histológica do tecido para confirmar a recidiva da doença e excluir uma causa não maligna ou um novo tumor primário. O volume a irradiar é o volume macroscópico tumoral sendo a dose de-cidida individualmente, tendo em conta a inten-ção do tratamento, a dose inicial sobre o tumor, os tecidos sãos e a esperança de vida do doente. Embora ainda não tenha sido estabelecida de forma segura a tolerância dos órgãos sãos à re-RT, existem algumas publicações baseadas em séries de doentes que fazem referência a valores de tolerância.

A re-RT com doses elevadas, necessárias para ultrapassar a radio-resistência secundária à pre-sença de células cronicamente hipóxicas, associa--se a taxas de sobrevida superiores às da re-RT paliativa e a melhor controlo local que a QT sis-témica.

QUAL A TOXICIDADE PULMONAR ESPERADA COM A RADIOTERAPIA TORÁCICA?

A evolução tecnológica verificada nas últimas décadas, tanto a nível dos exames complementa-res de diagnóstico, bem como ao nível dos equi-pamentos, técnicas, delimitação de volumes e al-goritmos de planeamento de RT, permite cada vez um maior conhecimento da dose que o pulmão são recebe durante o tratamento.

A pneumonite rádica (PR) é uma complicação associada à RT, que pode ser assintomática (apenas com tradução imagiológica), causar sintomas ligei-ros, graves ou ser fatal.

Há diversos fatores que influenciam a probabi-lidade de desenvolver PR, como fatores dosimétri-cos, o uso de QT concomitante, o esquema de QT utilizado e a reserva pulmonar do doente. Uma meta-análise recente7 mostra que em doentes

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A.C. Amado, M.I. Antunes

44 100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão

submetidos a QTRT concomitante, o risco de PR está associado ao tipo de QT instituído, idade do doente e parâmetros dosimétricos. Apesar de vá-rios parâmetros dosimétricos serem preditivos de eventual PR, como o V5, V13, V25 e V30, os fa-tores dosimétricos mais relevantes a ter em conta são a dose média no pulmão que deverá ser infe-rior a 20 Gy e o V20 que deve ser mantido abaixo de 30-35%, para um risco de PR moderada a grave menor que 15-20%1,8.

A PR sintomática é uma importante toxicidade clínica, ocorrendo em 15-40% dos doentes sub-metidos a QTRT concomitante, sendo mais fre-quentes o grau 2 e 3. O risco de PR é muitas vezes um fator limitante da dose de RT a ser ad-ministrada bem como, eventualmente, da dimen-são do volume a tratar. Com a SBRT, a probabili-dade de PR diminui significativamente, porque apesar da dose ser muito superior, o volume a irradiar é de menores dimensões, as técnicas uti-lizadas garantem uma maior precisão, para além de não se realizarem tratamentos concomitantes com QT.

BRAQUITERAPIA ENDOBRÔNQUICA, QUANDO É UMA OPÇÃO NO CARCINOMA PULMONAR DE NÃO PEQUENAS CÉLULAS?

A braquiterapia endobrônquica (BTE) de alta taxa de dose (HDR – high dose rate) consiste na coloca-ção, através de um broncofibroscópio, de um cate-ter guia no brônquio e posterior aplicação de uma fonte radioativa, que terá a possibilidade de admi-nistrar a dose de radiação prescrita junto ao tumor, minimizando a exposição dos órgãos adjacentes. Apesar de não estar muito difundida na maioria dos centros, poderá ser opção no CPNPC, tanto em tratamentos de intenção paliativa como cura-tiva.

Como tratamento de intenção paliativa, a BTE poderá ser usada em casos de recidiva endobrôn-quica de tumores da árvore brônquica previamente submetidos a cirurgia, QT e/ou RT, podendo ser usada isoladamente ou como complemento de

outras técnicas desobstrutivas ou ainda em casos de hemoptises não controladas.

Tem indicação como tratamento com intuito curativo, na ressecção com coto brônquico positi-vo, tumores in situ e estádio IA (T1N0M0) limitados à parede brônquica, em doentes não candidatos a cirurgia radical, ou ainda como boost em tumores endobrônquicos (associada a RT externa) com o objetivo de aumentar a sobrevida, o controlo local e reduzir os efeitos secundários comparativamente à mesma dose com RT externa.

Serão contraindicações para a realização des-te procedimento, a impossibilidade do cateter ser colocado e ultrapassar o extremo distal do tumor, a obstrução grave da traqueia e brônquio principal superior a 50-60%, a obstrução brôn-quica por compressão extrínseca, tumores peri-féricos, tumores volumosos que não possam ser totalmente englobados, esperança de vida infe-rior a um mês e PS > 2/índice de Karnofsky (IK) < 60%.

As complicações tardias que poderão decorrer do tratamento são bronquite rádica, traqueoma-lácia, fístulas traqueo-esofágicas, necrose brôn-quica, sendo a de maior gravidade as hemoptises massivas, que variam em algumas séries entre 0-32%.

Estão descritos na literatura vários esquemas de fracionamento, entre 15-47 Gy/1-5fr, com dis-tância de prescrição entre 0,5 e 1 cm do eixo central do cateter, consoante a localização do tumor. A sociedade americana de braquiterapia (ABS) recomenda, nos casos paliativos, 20 Gy/2fr, 22,5 Gy/3fr ou 24 Gy/4fr prescritos a 1 cm do centro do cateter; para tratamentos curativos a ABS, recomenda 25 Gy/5fr ou 22,5 Gy/3fr, se terapêutica única, e se o doente nunca tiver sido submetido a RT, ou 15 Gy/2-3fr se usada como boost, após 60 Gy/30fr ou 45 Gy/15fr a 1 cm do eixo central do cateter. Apesar de raramente uti-lizada, é ainda de considerar a hipótese de reali-zar um boost após RT externa, também nos casos paliativos, com o objetivo de prolongar a palia-ção, sendo as doses sugeridas pela ABS de 15 Gy/2-3fr ou 16 Gy/4fr, após 30 Gy/10fr de RT externa.

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O papel da radioterapia no carcinoma pulmonar de não pequenas células

100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão 45

QUAL O PAPEL DA RADIOTERAPIA NO CONTROLO LOCAL DA DOENÇA EM CONTEXTO OLIGOMETASTÁTICO?

Os doentes com CPNPC estádio IV têm um mau prognóstico, no entanto, alguns dados suge-rem que doentes com metástases solitárias ou doença metastática limitada (≤ 5), beneficiam de um aumento da sobrevida livre de doença e sobre-vida global após terapêuticas ablativas locais (ci-rurgia ou RT)9.

A técnica de RT utilizada é sobretudo a SBRT, que permite a destruição de clones tumorais resis-tentes às terapêuticas sistémicas. Os fracionamen-tos utilizados dependem de várias condições, como o número, a localização e o volume das le-sões. Atualmente, existe um interesse elevado na associação da SBRT e moduladores imunitários sistémicos, uma vez que desta combinação podem resultar respostas sistémicas que aumentam o efei-to da RT10.

EM QUE SITUAÇÕES DE URGÊNCIAS ONCOLÓGICAS SE DEVE FAZER RADIOTERAPIA?

A única emergência em RT, que deve ser ini-ciada em 24 h após o diagnóstico, é a compressão medular. A RT paliativa de urgência, útil no trata-mento de sintomas da doença primária ou metas-tática quando estes têm impacto sobre o risco de vida e/ou quando é necessário prevenir o desen-volvimento de um dano irreversível, deve ser ad-ministrada tão precocemente quanto possível:

– Síndrome de compressão medular: o CPNPC é um dos tumores que com maior frequência provoca este síndrome, associado a metástases ósseas vertebrais, intradurais ou intramedula-res ou pela invasão tumoral direta de neopla-sias adjacentes.

O objetivo do tratamento é manter a função neurológica, assim como diminuir e/ou resolver a sintomatologia dolorosa. Os principais fato-res de prognóstico sobre a sobrevivência e fun-ção neurológica são o estado ambulatório do

doente na altura do diagnóstico e o início pre-coce do tratamento.

Doentes com uma única lesão e esperança de vida maior que três meses, devem realizar cirurgia seguida de RT, e os com pior prog-nóstico, não candidatos a cirurgia, devem realizar RT. Os esquemas mais frequentemen-te utilizados são 30 Gy/10fr, 20 Gy/5fr ou 8 Gy/1fr.

– Síndrome da veia cava superior (SVCS): os tumores do pulmão são a causa mais frequen-te de SVCS. O início do tratamento depende da gravidade dos sintomas, devendo-se ape-nas realizar RT sem ter o diagnóstico histoló-gico se existir risco de vida. Existem diversos esquemas de fracionamento que podem va-riar entre 20 Gy/5fr, 30 Gy/10fr e 37,5 Gy/15fr, ou tratamentos em sessões únicas sema-nais. A melhoria clínica, que ocorre em 70% dos SVCS por tumor do pulmão, precede a melhoria radiológica.

– Obstrução da via área: tanto a RT externa como a BTE de alta taxa de dose são opções válidas, existindo para ambas vários fracio-namentos, todos eles superiores ao conven-cional.

– Hemoptises: se na origem desta hemorragia estiver a invasão tumoral, o seu tratamento com RT (RT externa ou BTE), apresenta uma elevada taxa de resposta, devendo os es-quemas de dose usados ser hipofraciona-dos.

– Metástases cerebrais: os tumores do pulmão são dos que mais frequentemente metastizam para o sistema nervoso central (SNC). O prog-nóstico dos doentes é variável, nomeadamente com o PS, o número de lesões no SNC, a presença e o controlo de doença noutras loca-lizações, um intervalo prolongado até à metas-tização e o tipo histológico. Existem várias escalas que permitem ajudar a estabelecer de forma mais objetiva o prognóstico dos doentes e assim o tratamento mais adequado.

O tratamento de RT holocraniana procura me-lhorar a função neurológica e, em alguns ca-sos, aumentar a sobrevida, existindo vários

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A.C. Amado, M.I. Antunes

46 100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão

fracionamentos, como 40 Gy/20fr, 37,5 Gy/15fr, 30 Gy/10fr (o mais comum) e 20 Gy/5fr. Fracionamentos mais prolongados, com menor dose por fração, estão associados a uma me-nor toxicidade.

O recurso à cirurgia e radiocirurgia, além da RT holocraniana, melhora a sobrevida dos doentes com um número limitado de metástases. As doses de prescrição de radiocirurgia recomen-dadas são 24, 18 ou 15 Gy, de acordo com o volume (RTOG 90-05).

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100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão 47

QUAIS OS PRINCIPAIS AVANÇOS NO TRATAMENTO DE 1.ª LINHA DO CARCINOMA PULMONAR DE NÃO PEQUENAS CÉLULAS METASTIZADO?

Em 1983 discutia-se o papel da quimioterapia (QT) nos doentes com carcinoma pulmonar de não pequenas células (CPNPC) metastizado. A investi-gação clínica limitava-se a comparar a QT com a melhor terapêutica de suporte devido à duvidosa eficácia dos agentes citotóxicos, produzindo baixas taxas de resposta, elevada toxicidade e questioná-vel benefício na sobrevivência1. Contudo, a meta--análise de 1995 demonstrou aumento da sobre-vivência dos doentes com CPNPC avançado tratados com dupleto baseado em platino em re-lação aos doentes que receberam apenas melhor terapêutica de suporte com um hazard ratio (HR) de 0,73. Estes resultados originaram duas décadas de investigação, com o objetivo de encontrar me-lhores regimes.

Até recentemente, o tratamento era uniforme, não havendo necessidade de distinguir os vários subtipos histológicos por não influenciar a decisão terapêutica2.

De todas as mudanças que ocorreram no cancro do pulmão (CP), a terapêutica personali-zada pela histologia, o uso de marcadores mo-leculares e a terapêutica de manutenção são importantes avanços com influência na sobrevi-vência dos doentes.

Tratamento de primeira linha do carcinoma pulmonar de não pequenas células E. Teixeira

QUAL A IMPORTÂNCIA DA HISTOLOGIA NA DECISÃO TERAPÊUTICA DO CARCINOMA PULMONAR DE NÃO PEQUENAS CÉLULAS METASTIZADO?

A estratégia terapêutica deve ter em conta a histologia, determinação molecular, idade, perfor-mance status (PS), comorbilidades e preferência do doente3.

A maior toxicidade do bevacizumab no carci-noma de células escamosas e superior eficácia do pemetrexedo no carcinoma de células não esca-mosas enfatizam a necessidade de um diagnósti-co histológico preciso. Além disso, os marcadores moleculares, incluindo o estado mutacional do recetor do fator de crescimento epidérmico (EGFR) e translocação da cinase do linfoma anaplásico (ALK), encontram-se predominante-mente nos adenocarcinomas e são, cada vez mais, determinantes importantes da seleção tera-pêutica2.

Em abril de 2008, a European Medicines Agen-cy (EMA) aprovou o pemetrexedo em combinação com cisplatino no tratamento de primeira linha dos doentes com CPNPC com histologia predominan-temente não escamosa. A aprovação foi baseada no ensaio clínico de fase III (JMDB) que demons-trou significativo aumento da sobrevivência dos doentes tratados com pemetrexedo/cisplatino em relação ao grupo tratado com gemcitabina/cispla-tino na histologia não escamosa. Nos doentes com

Capítulo 8

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E. Teixeira

48 100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão

carcinoma de células escamosas, a terapêutica com um dupleto baseado em platino e um agente de 3.ª geração como a gemcitabina, taxano ou vinorelbina permanece a principal opção terapêu-tica.

Finalmente, os biomarcadores moleculares revolucionaram a abordagem do CPNPC avança-do pela descrição de mutações ativadoras do EGFR e da translocação do ALK e pela sensibili-dade desses tumores associada aos respetivos inibidores1.

NA PRÁTICA CLÍNICA, QUAIS OS BIOMARCADORES DETERMINANTES DA OPÇÃO TERAPÊUTICA?

Avanços na caracterização molecular do CPNPC levaram à identificação de subgrupos de doentes distintos, definidos molecularmente e que obtêm benefício das terapêuticas targeted. Os ini-bidores da tirosina cinase (TKI) orais dirigidos ao EGFR, tornaram-se uma modalidade de tratamen-to indispensável do CPNPC avançado.

Os doentes com adenocarcinoma e mutação do EGFR tratados com TKI de 1.ª geração têm sobrevivência mediana que oscila entre 24-30 meses em contraste com o plateau histórico dos 10 meses obtidos com QT baseada em platino, em populações não selecionadas pelo perfil mo-lecular.

Os estudos de fase III demonstraram que a mutação do EGFR é preditiva de resposta aos TKI e o uso destes biomarcadores é aceite como o paradigma da terapêutica individualizada baseada no genótipo. No adenocarcinoma, o teste do EGFR deve ser prioritário em relação a outros marcado-res moleculares seguido do ALK. A evidência atual é insuficiente para recomendar outros marcado-res4.

Recentemente, vários estudos exploraram a possibilidade de detetar a mutação do EGFR no ADN tumoral circulante a partir de amostras do plasma ou soro como substituto de amostras de tecido tumoral. A concordância do estado da mu-tação entre as amostras de sangue e tecido variam

entre 59,1-92%, com mínima taxa de falsos posi-tivos e variável taxa de falsos negativos3.

O teste da mutação KRAS não é recomendado como determinante da terapêutica com TKI do EGFR.

QUANDO E A QUEM FAZER A PESQUISA DE BIOMARCADORES?

Considera-se que o teste molecular do EGFR e ALK deve ser usado para selecionar doentes para tratamento com TKI. Os doentes não devem ser excluídos com base nas características clíni-cas. Devem ser testados todos os adenocarcino-mas ou tumores mistos, com componente de adenocarcinoma. São excluídos os escamosos puros, exceto se forem não fumadores. Lesões do tumor primário ou metástase são igualmente adequadas para o teste. Tumores primários si-multâneos devem ser testados separadamente. As pesquisas da mutação do EGFR e rearranjo do ALK devem ser efetuadas na altura do diagnós-tico em doentes com estádio IV, na recorrência ou progressão, em doentes que inicialmente ti-veram doença mais precoce. A decisão de testar os estádios mais precoces deve ser tomada local-mente, de acordo com o laboratório e a equipa de oncologia3,5.

Como demonstrado em vários estudos de fase III, as mutações ativadoras do EGFR são preditivas de resposta aos TKI, resultando um aumento da taxa de resposta, sobrevivência livre de progressão (PFS) e qualidade de vida (QV), bem como melhor tole-rabilidade quando comparados com QT de 1.ª linha.

Os TKI do ALK podem controlar a atividade ALK, devendo o teste ser efetuado por rotina na mesma população do EGFR em paralelo com este ou sequencial.

Apesar dos melhores resultados dos doentes com mutações do EGFR e translocação ALK trata-dos com TKI específicos, eventualmente todos os doentes progridem por aparecimento de resistên-cia. Vários mecanismos foram identificados origi-nando o desenvolvimento de novas moléculas, muitas ainda em ensaio clínico3.

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Tratamento de primeira linha do CPNPC

100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão 49

OS INIBIDORES DA TIROSINA CINASE DO RECETOR DO FATOR DE CRESCIMENTO EPIDÉRMICO TÊM EFICÁCIA E TOXICIDADE SEMELHANTES?

Em 2004 foi descrita a mutação de ativação do EGFR no CPNPC que torna os tumores sensíveis aos TKI. As mutações ativadoras mais comuns são a deleção no exão 19 e a mutação no exão 21. As mutações no exão 18 são raras e geralmente ati-vadoras, enquanto que as mutações no exão 20 conferem resistência aos TKI6.

Algumas evidências sugerem que a deleção do exão 19 está associada a um melhor resultado ao tratamento com TKI, quando comparada com a mutação do exão 21.

Erlotinib e gefitinib são inibidores reversíveis do EGFR de 1.ª geração, enquanto o afatinib é um inibidor irreversível de 2.ª geração da família ErbB (HER-1 e HER-2). O bloqueio irreversível in vitro demonstrou ultrapassar a resistência da mutação específica no exão 20 T790M, que é uma das principais razões para a resistência. Os três TKI foram investigados em nove ensaios clínicos de fase III, em doentes com CPNPC metastizado com a mutação do EGFR, em comparação com QT ba-seada em platino que englobaram 1.774 doentes. Em todos se verificou uma vantagem da PFS esta-tisticamente significativa, superior taxa de resposta e melhor QV dos doentes tratados com TKI em relação à QT. Possivelmente devido à taxa de cros-sover não foram detetadas diferenças na sobrevida global6,7. Dos três TKI aprovados, gefitinib, erloti-nib e afatinib, ainda não existem resultados de estudos comparativos diretos de eficácia. Das me-ta-análises dos estudos, foram efetuadas compa-rações indiretas para estimar o risco/benefício as-sociado a cada fármaco6,7.

Não foram encontradas diferenças estatistica-mente significativas entre os diferentes TKI. É su-posto que o afatinib seja mais eficaz em doentes com mutações raras. Em modelos in vitro, está descrita potencial atividade na presença de T790M.

Os resultados finais do LUX-Lung 3 e do LUX--Lung 6 demonstraram aumento da sobrevivência

global dos doentes tratados com afatinib em rela-ção à QT (HR: 0,81; p = 0,0374). O efeito do afatinib foi superior nos tumores com a deleção 19 (HR: 0,59; p = 0,0001). O aumento de sobre-vivência com TKI não tinha sido observado em nenhum dos estudos anteriores.

Podemos pensar que, atualmente em relação à terapêutica targeted, não basta ser específica da mutação, deve também ser específica do exão.

Em relação ao perfil de segurança, existem algumas diferenças entre os TKI, sendo a diarreia a principal toxicidade do erlotinib, a hipertransa-minasémia do gefitinib, e o rash, a mucosite e a diarreia do afatinib. O gefitinib tem apenas uma dose disponível, enquanto o erlotinib e o afatinib têm três doses diferentes que podem beneficiar o ajuste de dose para limitar a toxicidade. A escolha do fármaco no tratamento destes doen-tes será o balanço entre eficácia e o perfil de tolerabilidade6.

Os doentes com mutação do EGFR e PS 3-4 tam-bém podem ser tratados com TKI em 1.ª linha3. Nos doentes com EGFR wild-type não estão reco-mendados TKI em 1.ª linha, sendo os resultados inferiores à QT3. A combinação de erlotinib com bevacizumab demonstrou aumento da PFS de 6,3 meses (HR: 0,54; p = 0,0015); no entanto o TKI em monoterapia é ainda a terapêutica stan-dard para os doentes com mutações do EGFR.

COMO TRATAR OS DOENTES COM TRANSLOCAÇÃO DA CINASE DO LINFOMA ANAPLÁSICO?

O gene de fusão EML4-ALK está presente em cerca de 5% dos doentes com CPNPC mas, devido à prevalência do CP, este subgrupo atin-ge por ano mais de 50.000 doentes a nível mundial.

O rearranjo do ALK é mais frequente em doen-tes jovens, não fumadores e com CPNPC do tipo adenocarcinoma com células em anel de sinete.

O crizotinib é uma pequena molécula do grupo dos TKI com múltiplos alvos, bloqueando os rece-tores dos genes de fusão EML4-ALK e inibindo também o MET e ROS-1.

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E. Teixeira

50 100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão

No primeiro estudo de fase III com crizotinib, conhecido por PROFILE 1007, fez-se a comparação com QT standard (pemetrexedo ou docetaxel) em doentes com CPNPC, ALK positivo, previamente tratados com QT de 1.ª linha. O crizotinib duplicou a PFS para uma mediana de 7,7 meses comparado com três meses para a QT (HR: 0,49; p < 0,0001), a taxa de resposta de 65 vs 20% (p < 0,0001) e melhor controlo dos sintomas e QV. Devido à ele-vada taxa de crossover, a sobrevivência foi seme-lhante nos dois grupos.

Na primeira linha, o estudo do PROFILE 1014, comparativo do crizotinib vs pemetrexedo/platino na análise final, demonstrou um aumento de PFS de 7,0 meses para 10,9 meses (HR: 0,45; p < 0,0001) e resultados de sobrevivência ainda não atingidos.

Segundo as guidelines da ESMO 2014, os doentes portadores do rearranjo do ALK devem ser tratados com crizotinib durante o curso da sua doença3. Enquanto se aguarda aprovação do cri-zotinib em 1.ª linha pela EMA, os doentes são tratados com um dupleto de platino habitualmen-te contendo pemetrexedo, ficando o crizotinib reservado para a progressão.

Em ensaio clínico, o crizotinib demonstrou elevada eficácia nos doentes com rearranjo ROS-1, com taxa de resposta de 72% e PFS de 19,2 meses. O rearranjo ROS1 é mutuamente exclu-sivo das mutações do KRAS, EGFR e translocação ALK.

O aparecimento de resistência originou inves-tigação de inibidores ALK de 2.ª geração que de-monstraram atividade em doentes que deixaram de responder ao crizotinib. O ceritinib é altamente ativo, mesmo em doentes previamente tratados com crizotinib.

QUAIS AS INDICAÇÕES E OPÇÕES DA TERAPÊUTICA DE MANUTENÇÃO?

Na avaliação de vários estudos de QT de 1.ª linha para CPNPC avançado, 50% dos doentes não recebem tratamento de 2.ª linha considerando uma das limitações do watch and wait.

Até recentemente, continuar tratamento para além de 4-6 ciclos não melhorava a sobrevivência e acrescia toxicidade.

A terapêutica de manutenção tem sido exten-samente investigada com o objetivo de aumentar a sobrevivência, atrasando a progressão da doen-ça e impedindo o agravamento dos sintomas. Ini-ciar um tratamento imediatamente após quatro ciclos de 1.ª linha quando existe estabilização ou resposta objetiva com um agente da combinação da QT inicial (manutenção de continuação), ou introdução de um novo agente (manutenção de switch), é uma opção individualizada e baseada na histologia, resposta ao tratamento e perfil de to-xicidade.

A manutenção de continuação utiliza um agente efetivo durante o regime de indução, des-continuando o fármaco com maior toxicidade, para continuar o benefício já demonstrado com maior segurança de um agente único. Tem poten-ciais benefícios por ser conhecida a tolerabilidade da terapêutica de indução, por maximizar o bene-fício da 1.ª linha e por manter maior número de fármacos disponíveis para a progressão da doença.

No ensaio clínico Paramount, há vantagem es-tatisticamente significativa na PFS, e sobrevivência global na manutenção com pemetrexedo, após tratamento inicial com quatro ciclos de platino/pemetrexedo. Todos os subgrupos analisados de-monstraram benefício na sobrevivência (CR/PR e SD), com redução do risco de morte de 22% (HR: 0,78) e aumento de três meses na sobrevivência mediana8.

A manutenção de switch utiliza um fármaco diferente na manutenção dos usados em indução para expor o doente a um fármaco com diferente mecanismo de ação. No estudo SATURN com er-lotinib vs placebo após quatro ciclos de dupleto de platino sem progressão, verificou-se um aumento estatisticamente significativo da PFS e sobrevivên-cia mediana do grupo com erlotinib, independen-temente da histologia. Houve aumento da sobre-vivência apenas nos doentes que obtiveram na terapêutica de indução uma estabilização. Os doentes com mutação do EGFR tiveram maior am-plitude do benefício.

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Tratamento de primeira linha do CPNPC

100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão 51

A seleção do tipo de manutenção deve ser individualizada tendo em conta a histologia, res-posta da QT prévia, toxicidade, PS e preferência do doente3,4,8. As guidelines atuais recomendam a manutenção após realização de 4-6 ciclos de du-pleto baseado em platino em 1.ª linha em doentes com CPNPC metastizado com PS 0-1 e sem pro-gressão.

O DOENTE IDOSO DEVE TER UMA TERAPÊUTICA DIFERENTE?

Não há uma definição standard ou uma idade limite a partir da qual se considera um idoso. Fi-siologicamente, 70 anos podem ser apropriados devido ao aumento das alterações relacionadas com a idade e que incluem o declínio da função renal, hepática e medula óssea. Adicionalmente, o idoso com CP tem muitas vezes significativas co-morbilidades a nível cardiovascular e pulmonar, normalmente relacionadas com os hábitos tabági-cos. O CP é uma doença predominantemente do idoso, estimando-se que cerca de 68% são diag-nosticados em doentes com ≥ 65 anos. Apesar desta estatística, o idoso continua a estar menos representado nos ensaios clínicos que estabelecem a terapêutica standard.

Para planear o tratamento do idoso, deve ser efetuada uma avaliação multidimensional geriátri-ca, incluindo não apenas as comorbilidades mas também o estado funcional, mental e nutricional. A idade, por si, não deve ditar as decisões do tratamento nos doentes com CPNPC avançado. O idoso com bom PS tem melhor sobrevivência e QV quando tratado com QT em comparação com a melhor terapêutica de suporte.

Na doença metastizada, de acordo com os da-dos de estudos prospetivos de fase II e III especial-mente desenhados para esta população, a QT em monoterapia com agentes de terceira geração é considerada standard em doentes não seleciona-dos. No entanto, em estudos aleatorizados, quando se analisa a subpopulação de idosos com PS de 0-1 e com poucas comorbilidades, o benefício da QT combinada com platino é semelhante à restante população, tanto em sobrevivência como em QV.

Assim, a QT baseada em platino é a opção preferencial no idoso com PS 0-1 e adequada fun-ção de órgãos, enquanto a monoterapia é o tra-tamento recomendado para doentes frágeis ou com comorbilidades que determinam maiores efei-tos adversos relacionados com o tratamento3.

A administração de TKI (gefitinib/erlotinib/afa-tinib) em 1.ª linha só se justifica nos doentes com mutação ativadora do EGFR.

QUAL A IMPORTÂNCIA DAS COMORBILIDADES E DO PERFORMANCE STATUS NA DECISÃO TERAPÊUTICA?

O PS é uma medida de avaliação do bem estar geral dos doentes, muitas vezes utilizada para determinar o tipo de terapêutica a administrar, sendo um dos fatores de prognóstico mais impor-tantes de sobrevivência dos doentes com CPNPC. Devido ao seu caráter subjetivo, nem sempre é fácil a interpretação dos resultados. Segundo a escala de Zubrod (ECOG), PS 2 é definido como ambulatório mais de 50% do tempo e capaz de cuidar de si próprio, mas incapaz de exercer ativi-dade laboral.

Os doentes com mau PS têm uma incidência aumentada de efeitos adversos relacionados com a terapêutica e pior resultado que os que têm bom PS, mas há uma população selecionada que pode beneficiar do tratamento standard. A QT prolonga a sobrevivência e aumenta a QV em doentes com CPNPC com PS 2 quando comparada com a me-lhor terapêutica de suporte. A monoterapia é mui-tas vezes a opção preferencial; no entanto, a aná-lise de subgrupos de estudos de fase III revela superioridade de combinações baseadas em car-boplatino em relação à monoterapia, com perfil de toxicidade aceitável. O Cancer and Leukemia Group B (CALGB) comparou carboplatino/paclita-xel vs paclitaxel em monoterapia em doentes com PS 2. Os que receberam terapêutica combinada tiveram significativa maior taxa de resposta e so-brevivência em relação aos tratados só com pacli-taxel. Noutro estudo aleatorizado com utilização de pemetrexedo vs carboplatino/pemetrexedo em

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E. Teixeira

52 100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão

doentes com PS 2, verificou-se um aumento signi-ficativo da sobrevivência global com a terapêutica combinada, embora com maior toxicidade.

Por isso, a QT com combinações baseadas em carboplatino pode ser uma alternativa à monote-rapia em doentes selecionados com PS 2. Nos doentes com PS 3-4 deve ser proporcionada a melhor terapêutica de suporte na ausência de do-cumentação de mutação ativadora do EGFR3.

As comorbilidades também influenciam a de-cisão terapêutica, não só porque podem causar maior toxicidade do tratamento diminuindo a possibilidade de o completar, como o tratamento pode exacerbar a doença de base. Na avaliação de vários estudos, os doentes com CPNPC avan-çado com índice de comorbilidade de Charlson (CCI), scores ≥ 2, descontinuam mais frequente-mente a QT.

Na prática clínica, deve ser implementado um método estandardizado de avaliação das comorbi-lidades que incorpore um score de risco para pre-ver a toxicidade da quimioterapia.

QUAIS AS PERSPETIVAS DE NOVOS FÁRMACOS NO TRATAMENTO DE 1.ª LINHA DO CARCINOMA PULMONAR DE NÃO PEQUENAS CÉLULAS?

Com os dupletos de platino a sobrevivência a um ano é de 30-50%. Os tratamentos dirigidos a mutações ativadoras são mais eficazes mas bene-ficiam apenas um pequeno subgrupo de doentes. Espera-se que os inibidores checkpoint preencham esta lacuna no tratamento do CPNPC. Os dados recentes da imunoterapia aplicada ao CP têm de-monstrado resultados promissores. Os inibidores checkpoint, particularmente PD-1 (programmed cell death-1) e PD-L1 (programmed death-ligand 1) em monoterapia ou em combinação, poderão al-terar a abordagem terapêutica do CPNPC. Os da-dos preliminares dos ensaios clínicos demonstram que os respondedores têm respostas duráveis e que este tipo de terapêutica pode ser eficaz em muitos doentes, incluindo fumadores e não fumadores, independentemente do tipo histológico9. Dos

inibidores PD-1, tanto o nivolumab como o pem-brolizumab têm demonstrado atividade em doen-tes previamente tratados com histologia escamosa ou não escamosa. A resposta é mais evidente nos tumores que expressam PD-L1, mas também se observa resposta em doentes PD-L1 negativos9. Em 1.ª linha, os resultados preliminares dos estudos de fase I com nivolumab em monoterapia demonstra-ram respostas precoces e prolongadas, perfil en-corajador de PFS e sobrevivência global, sendo a expressão de PD-L1 um potencial biomarcador de atividade. Também se encontra em investigação a combinação de nivolumab com ipilimumab, nivo-lumab com dupleto de platino e nivolumab com erlotinib. Dos inibidores PD-L1, o MPDL3280A e o MEDI4736 também demostraram atividade supe-rior em PD-L1 positivos.

Os inibidores ALK de segunda geração foram escolhidos não pela sua atividade após crizotinib, mas pelo benefício a nível da doença no sistema nervoso central (SNC). O benefício do crizotinib no SNC é limitado. O ceritinib demonstrou atividade após tratamento inicial com crizotinib, sendo apro-vado pela Food and Drug Administration (FDA) nesta indicação. O alectinib e o AP26113 revela-ram respostas elevadas no SNC, mas ainda se aguarda a duração da resposta. O estudo em cur-so ALEX compara alectinib com crizotinib, em doentes sem terapêutica prévia com TKI, sendo um dos objetivos secundários o tempo para a progres-são no SNC10. O AP26113 demonstrou benefício num pequeno grupo de doentes (< 5%), ALK po-sitivos e EGFR mutados.

Os inididores do EGFR de terceira geração têm um papel importante na resistência adquirida. In-felizmente os doentes com mutações do EGFR e tratados com TKI progridem após nove a 10 meses. Os mecanismos de resistência reportados incluem mutações T790M (50-60% dos casos), transforma-ção em carcinoma de pequenas células e ativação de outras vias como MET, FGFR e AXL, amplificação HER2. Os dois fármacos de 3.ª geração, AZD9291 e CO-1686 (rociletinib), têm atividade significativa contra a mutação do EGFR standard e T790M com toxicidade cutânea e intestinal menor que a das gerações anteriores.

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Tratamento de primeira linha do CPNPC

100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão 53

Os inibidores PARP (poly-ADP-ribose polymera-se) aumentam a eficácia do platino, interferindo com a reparação do ADN lesado, sensibilizando as células tumorais à QT e radioterapia. Em estudo de fase II, a adição de veliparib ao carboplatino/paclitaxel demonstrou benefício clínico na PFS e sobrevivência global em doentes sem tratamento prévio com CPNPC metastizado, particularmente na histologia escamosa, sem aumento da toxicida-de. Baseado nestes resultados, está em curso um estudo de fase III (M11-089) em doentes com CPNPC com histologia escamosa.

O necitumumab (IMC-11F8), anticorpo mono-clonal IgG1 totalmente humanizado que bloqueia o ligando ao EGFR, demonstrou no estudo de fase III SQUIRE, aumento da sobrevivência em doentes com CPNPC metastizado com histologia escamosa em combinação com gemcitabina/cisplatino em tratamento de 1.ª linha. Aguarda aprovação para este grupo de doentes.

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100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão 55

EXISTE TERAPÊUTICA STANDARD DE 2.ª LINHA PARA O CARCINOMA PULMONAR DE NÃO PEQUENAS CÉLULAS?

Neste momento, existem três fármacos apro-vados pelas entidades reguladoras para terapêuti-ca de 2.ª linha em doentes com carcinoma pulmo-nar de não pequenas células (CPNPC): docetaxel, pemetrexedo e erlotinib1; exceção para os doentes com translocação positiva da cinase do linfoma anaplásico (ALK) que deverão ser tratados com crizotinib.

A terapêutica de 2.ª linha deve ser proposta a todos os doentes em progressão após terapêutica de 1.ª linha com um performance status (PS), es-cala de ECOG, entre 0 e 22.

Estudos demonstraram que, em 2.ª linha, não existe qualquer benefício, nomeadamente no au-mento da sobrevivência global (SG), em fazer re-gimes combinados de fármacos versus tratamen-tos com agentes únicos. A opção terapêutica de 2.ª linha deve contemplar sempre um fármaco não utilizado em 1.ª linha. Em 2003, o docetaxel foi recomendado pela primeira vez como 2.ª linha, após progressão de 1.ª linha com quimioterapia (QT) à base de um dupleto de platina em doentes com PS adequado. Foram dois os principais estudos de fase III aleatorizados, realizados em 2000, que estiveram na base desta recomendação. Num dos estudos, foi feita a comparação com doses de 100 e de 75 mg/m2 de docetaxel vs best supportive care (BSC), que demonstrou tempo mediano para

Tratamento do carcinoma pulmonar de não pequenas células após progressão de primeira linhaM. Felizardo

a progressão mais longo (10,6 vs 6,7 semanas), uma maior sobrevivência mediana (7 vs 4,6 me-ses) e uma taxa de sobrevivência a um ano supe-rior (37 vs 12%) face à BSC. Um segundo estudo com três braços, com doses de 100 e 75 mg de docetaxel, e vinorelbia ou ifosfamida, demons-trou uma melhor taxa de resposta e melhor sobrevivência a um ano para o braço de 75 mg/m2 de docetaxel vs vinorelbina/ifosfamida (32 vs 19%). Ambos os estudos estabeleceram, com base no perfil de toxicidade, o docetaxel na dose de 75 mg/m2

, de 21 em 21 dias, como o standard of care da terapêutica de 2.ª linha. Em 2004, num estudo de não inferioridade de pemetrexedo vs docetaxel com 571 doentes, demonstrou-se que, quer o pemetrexedo quer o docetaxel, apresen-taram respostas idênticas no que concerne à taxa de resposta global (9,1 vs 8,8%), à sobrevivência livre de progressão (SLP) (2,9 meses), à sobrevi-vência mediana (8,3 vs 7,9 meses) e à taxa de sobrevivência a um ano (29,7%). Este estudo cum-priu o objetivo de não inferioridade e demonstrou uma toxicidade hematológica associada ao peme-trexedo francamente menor. Uma análise retrospe-tiva comparou as sobrevivências dos CPNPC esca-mosos e dos não escamosos tratados com pemetrexedo vs docetaxel (respetivamente: 6,2 vs 7,4 meses e 9,3 vs 8 meses), mostrando eficácia superior do pemetrexedo nos não escamosos. Em 20053, apresentaram-se os resultados de um estu-do de fase III, de erlotinib vs placebo. Foram alea-torizados doentes com QT prévia e PS 0-3, numa relação 2:1 para erlotinib, na dose de 150 mg/dia.

Capítulo 9

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M. Felizardo

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A SLP foi 2,2 vs 1,8 meses, e a SG de 6,7 vs 4,7 meses (erlotinib vs placebo). A toxicidade do braço do erlotinib não foi desprezível, principalmente o rash (76 vs 17%) e a diarreia (55 vs 19%). Em 2012, um estudo aleatorizado demonstrou equi-valência do erlotinib vs pemetrexedo ou docetaxel, em doentes cujo status do recetor do fator de crescimento epidérmico (EGFR) não foi critério de seleção. Em suma, é recomendado o peme-trexedo na histologia não escamosa, o docetaxel independentemente da histologia ou o erlotnib que poderá ser usado em doentes com PS 0-3, independentemente da histologia e do status do EGFR1. Contudo, estudos recentes demonstraram que, em indivíduos EGFR wild-type (wt), o doceta-xel pode ser superior em 2.ª linha. Também em 2013, um estudo com 222 doentes com CPNPC EGFRwt demonstrou superioridade do docetaxel em 2.ª linha vs erlotinib, relativamente à SG e à SLP. No estudo DELTA, em 2014, foi feita a análise de subgrupos de um ensaio clínico de fase III, er-lotinib vs docetaxel, em segunda e terceira linhas, tendo demonstrado que, em doentes EGFRwt, a SLP e a taxa de resposta foram superiores para o docetaxel, sem benefício na SG.

O século XXI trouxe aos clínicos a possibilidade de proporem a terapêutica de 2.ª linha no trata-mento do CPNPC, como a conhecemos hoje, mas vários estudos estão em curso, tanto com associa-ções de fármacos já conhecidos como de novos agentes4, que poderão alterar a nossa visão neste campo.

QUAIS OS OBJETIVOS DA TERAPÊUTICA DE 2.ª LINHA?

Como sabemos, mesmo com todos os avanços dos últimos anos, a nível de cirurgia, radioterapia, terapêuticas alvo e de manutenção e, embora cada vez mais os doentes tenham hipótese de ter uma terapêutica tailored, a percentagem dos que atin-gem a 2.ª linha ronda os 30-50%. Os objetivos desta terapêutica são a melhoria sintomática e o aumento da SLP, da taxa de controlo da doença e da qualidade de vida (QV) associados à menor toxicidade possível.

HÁ CRITÉRIOS DE SELEÇÃO PARA A TERAPÊUTICA DE 2.a LINHA?

Em teoria, a todos os doentes com PS 0-2, que clínica ou radiologicamente progridem após 1.ª linha de terapêutica, pode ser oferecida uma tera-pêutica de 2.ª linha2. Cabe ao clínico, tendo em conta a histologia, a biologia molecular, a idade, o PS e as comorbilidades, decidir de acordo com a preferência do doente, qual a terapêutica mais adequada. A resposta, o tempo para a progressão e as toxicidades relacionadas com a 1.ª linha têm um papel fulcral na seleção da 2.ª linha.

Com o objetivo de avaliar a preferência do doente, foi feita uma pesquisa5 com 464 doentes com cancro do pulmão (CP) em que se constatou que 73% escolheria um regime de QT. Os efeitos colaterais considerados mais importantes ao esco-lher a QT foram as náuseas/vómitos, o risco de infeção, a astenia e a alopécia. Apenas 25% afir-maram ter discutido com o seu médico a escolha de um regime de QT com base no seu perfil de toxicidade. Quer o docetaxel quer o pemetrexedo exigem pré-medicação com corticosteroides e al-guns doentes, com má tolerância ou efeitos secun-dários associados, preferem o erlotinib. Além do mais, sendo o erlotinib, um agente oral e associa-do a um menor número de consultas de follow-up, poderá ser mais conveniente para alguns deles. É um medicamento que requer um cumprimento diá-rio, e cujas questões estéticas associadas ao rash devem ser discutidas individualmente. O docetaxel tem uma taxa mais elevada de neurotoxicidade e, em alguns doentes, este efeito colateral pode con-dicionar a sua preferência, bem como a alopécia, que poderá levar o doente a escolher o pemetrexe-do ou o erlotinib (6,4 e 0%, respetivamente).

As comorbilidades dos doentes podem ter im-pacto na seleção da 2.ª linha, como a insuficiência renal. Por exemplo, o pemetrexedo está contrain-dicado em doentes com uma taxa de filtração glomerular inferior a 40 ml/min; o erlotinib pode ser administrado a doentes com insuficiência renal; o docetaxel pode ser administrado a doentes com insuficiência renal, mas devem ser feitos ajustes de dose se houver insuficiência hepática. A neutropenia

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Tratamento do CPNPC após progressão de primeira linha

100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão 57

febril é a complicação da QT com maior risco de vida; os fatores de risco para o seu desenvolvimen-to incluem mau PS, doença em estádio avançado, idade avançada e QT prévia; dos agentes de 2.ª linha, o erlotinib e o pemetrexedo têm registado taxas menores de neutropenia febril sendo, por isso, os preferidos em caso de risco elevado.

É fundamental que, na seleção da 2.ª linha, se tenham em consideração as toxicidades da 1.ª linha visto que, como vimos, os fármacos de 2.ª linha têm perfis de toxicidade diferentes.

O desenvolvimento de novas opções terapêu-ticas para doentes com pior PS, ou que progridem rapidamente após 1.ª linha, são uma área de in-vestigação emergente.

QUAL A MELHOR ABORDAGEM DO DOENTE COM MUTAÇÃO DO RECETOR DO FATOR DE CRESCIMENTO EPIDÉRMICO TRATADO COM INIBIDORES DA TIROSINA CINASE, QUE PROGRIDE?

Indiscutivelmente, os doentes com mutação EGFR devem ser tratados com inibidores da tirosi-na cinase (TKI) em 1.ª linha. Contudo, sabemos que, mais cedo ou mais tarde, o tumor adquire resistência-primária/intrínseca ou secundária/ad-quirida. Também sabemos que, por vezes, quando se suspende o TKI, há um flare da doença dada a sua heterogeneidade (provavelmente existem clo-nes do tumor resistentes e outros que continuam a responder). Doentes com EGFR mutado que pro-grediram após TKI beneficiam de terapêutica com QT vs BSC, quer a nível da SLP, quer da SG6. A questão é se a QT deve ser ou não combinada com o TKI. O estudo de fase III, LUX-LUNG 57, compa-rou, após progressão com TKI, afatinib com pacli-taxel versus QT à escolha do investigador, e de-monstrou que a combinação revelou aumento da SLP. O estudo de fase III, IMPRESS8, que envolveu 265 doentes, teve como objetivo comparar cispla-tino/pemetrexedo com gefitinib vs cisplatino/pe-metrexedo com placebo. O seu objetivo principal foi avaliar a SLP, e esta foi de 5,4 meses. A SG mediana foi de 14,8 vs 17,2 meses com cisplatino/

pemetrexedo e gefitinib vs QT. Este foi o primeiro e único estudo aleatorizado de fase III que de-monstrou que, quando os tumores adquirem resis-tência ao gefitinib, não há qualquer benefício clí-nico em manter o TKI em associação ao dupleto de platina. Há pequenos estudos de fase II que demonstraram haver benefício em manter o TKI mesmo após progressão, segundo critérios RECIST (Response Evaluation Criteria in Solid Tumors).

As guidelines do National Comprehensive Can-cer Network (NCCN) de 20149 sugerem que, após progressão com TKI, os doentes assintomáticos de-verão manter TKI assim como também os sintomá-ticos, mesmo com metástases únicas/múltiplas ce-rebrais ou únicas sistémicas, fazendo terapêutica dirigida às metástases. A suspensão do TKI deve ser apenas nos casos de metastização múltipla sistémi-ca. Na prática, em Portugal, após progressão com TKI está recomendada QT com dupleto de platina. Esta é uma área de futuro onde há espaço para novas terapêuticas, visto que a estratégia «ótima» ainda está por definir, mas provavelmente conti-nuará a passar por uma abordagem personalizada.

DOENTES COM MUTAÇÕES, DEVEM SER REBIOPSADOS QUANDO PROGRIDEM?

Os doentes com mutação EGFR desenvolvem resistência adquirida, em média 10-14 meses após o início da terapêutica. Esta resistência define-se como progressão após resposta à terapêutica com TKI10. As mutações EGFR clinicamente significativas são as deleções do exão 19 ou a mutação de substitui-ção L858R no exão 21, correspondendo a 80-90% das mutações. As mutações 18 e 21 raramente são preditivas da resposta aos TKI. Algumas mutações, especialmente aquelas no exão 20 com inserções e substituição T790 M, conferem resistência aos TKI. Estas são raras, mas podem ser detetadas por méto-dos com alta sensibilidade. As rebiópsias demons-tram que, na maioria das vezes, os tumores resisten-tes mantiveram as suas mutações EGFR ativadoras originais, em alguns houve aparecimento de meca-nismos conhecidos de resistência adquirida, incluin-do a mutação EGFR T790M (cerca de 50%) ou

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M. Felizardo

58 100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão

amplificação do MET. Outras apresentaram altera-ções genéticas inesperadas, incluindo amplificação de EGFR e mutações no gene PIK3CA. Surpreen-dentemente, alguns CPNPC transformaram-se em carcinomas pulmonares de pequenas células (CPPC).

As rebiópsias permitem compreender as dife-renças no curso da doença e, eventualmente, orientar os doentes para terapêuticas mais dirigi-das, muitas ainda em estudo.

QUAL A TERAPÊUTICA DE 2.a LINHA EM DOENTES COM TRANSLOCAÇÃO DA CINASE DO LINFOMA ANAPLÁSICO?

A terapêutica preconizada em Portugal, neste momento, para doentes com translocação do ALK passa por QT em 1.ª linha e crizotinib em 2.ª linha. Esta indicação teve, como base, um estudo aleatori-zado de fase III que incluiu 347 doentes com CPNPC ALK positivos em estádio avançado, e comparou, como tratamento de 2.ª linha, crizotinib com peme-trexedo ou docetaxel, em doentes previamente tra-tados com um dupleto de platina. O objetivo princi-pal do estudo foi avaliar a SLP. Houve a possibilidade de crossover para o braço do crizotinib, aquando da progressão dos doentes sob QT. A SLP foi de 7,7 meses com crizotinib vs três meses com QT. Consta-tou-se também um aumento da taxa de resposta e melhoria da QV em doentes com CPNPC previamen-te tratados. Neste estudo foi documentada melhoria na QV e redução dos sintomas relacionados com o cancro. A médio prazo espera-se, entre nós, a auto-rização do crizotinib em 1.ª linha, em CPNPC ALK positivos e, na sequência de estudos realizados com o ceritinib, um inibidor ALK de segunda ge-ração, abrem-se novas perspetivas na terapêutica dos tumores que progridem após o crizotinib.

A IDADE É LIMITATIVA PARA TERAPÊUTICA DE 2.ª LINHA NO CARCINOMA PULMONAR DE NÃO PEQUENAS CÉLULAS?

Cada vez mais, assiste-se a um aumento da prevalência de CP em doentes com 70-75 anos,

os quais transformam o tratamento num desafio para os médicos, dado levantarem maiores «difi-culdades» na escolha dos fármacos, uma vez que as suas características fisiológicas podem efeti-vamente alterar a sua farmacocinética. Especial atenção deve ser dada às comorbilidades deste subgrupo de doentes e às interações medica-mentosas dos citostáticos com as terapêuticas já cronicamente utilizadas. O facto de termos ao nosso dispor fármacos cada vez melhor tolera-dos, e de se ter demonstrado a eficácia do tra-tamento em indivíduos acima dos 70 anos, au-mentou a possibilidade de um tratamento adequado. A idade não tem impacto na sobre-vivência dos doentes com CP. Os instrumentos de avaliação geriátrica já testados são uma fer-ramenta de avaliação fundamental na aborda-gem terapêutica desta população tão heterogé-nea, para que não sejam cometidos erros grosseiros na decisão final de tratamento. Os cri-térios de escolha da 2.ª linha devem ser idênticos aos da 1.ª linha, no que diz respeito à histologia, à biologia molecular, ao PS e às comorbilidades. Devem ser bem avaliadas as toxicidades prévias da 1.ª linha. Em suma, a idade por si só, não consti-tui uma contraindicação para o tratamento do CPNPC em 2.ª linha. Em doentes com CPNPC em estádio IV, com mais de 80 anos, o benefício da QT não é claro e a decisão deve ser individualiza-da2. Nas fases avançadas, para muitos doentes, a melhor e única terapêutica passa essencialmente por BSC. De qualquer forma, é urgente a elabo-ração de normas de orientação clínica para este grupo etário, que possam ajudar o médico no processo de decisão.

HÁ INDICAÇÃO PARA TERAPÊUTICA 2.ª LINHA EM DOENTES COM PERFORMANCE STATUS ≥ 2?

Contrariamente à idade, o PS é um importan-te fator de prognóstico do CPNPC avançado. É um grupo muito heterogéneo de doentes, dado que o PS pode estar relacionado diretamente com o tumor ou com comorbilidades, e antecedentes

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Tratamento do CPNPC após progressão de primeira linha

100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão 59

pessoais do doente. Um estudo recente, de fase III, comparou platino/pemetrexedo com pemetrexedo, em CPNPC avançado com um PS de 2 (n = 205). Após o início do estudo constatou-se uma intera-ção direta entre a histologia e o pemetrexedo, levando à correção do mesmo, com exclusão de doentes com CPNPC escamosos. Doentes do braço de terapêutica dupla experimentaram uma maior taxa de resposta global (24 vs 10,5%), maior SLP (mediana 5,9 vs 3 meses) e SG (mediana 9,1 vs 5,6 meses). Quando os doentes com histologia escamosa foram excluídos, a diferença na SLP e na SG foi semelhante e permaneceu com significado estatístico. A maior taxa de anemia graus 3-4 foi observada no braço do dupleto vs da monoterapia (11,7 vs 3,9%), mas não houve nenhuma diferen-ça na taxa de neutropenia, neutropenia febril, ou eventos de grau 5. Doentes com CPNPC estádio IV, com PS 2 causado apenas pela neoplasia, a QT com dupleto está indicada em 1.ª linha e, em 2.ª linha, deveremos ter ainda mais em conta o doen-te que iremos tratar com as suas toxicidades pré-vias, as comorbilidades e a idade, associadas ao PS. Como referido, o uso do erlotinib, em 2.ª ou 3.ª linhas, foi o único fármaco a ter evidência científica para poder ser utilizado em doentes com PS 0-3, independentemente do estado da mutação EGFR.

HÁ NÚMERO LIMITE DE TRATAMENTOS EM 2.ª LINHA?

A duração da terapêutica de 2.ª linha deve ser individualizada. Segundo as normas de orienta-ção da Direção Geral da Saúde (DGS)1, doentes sob docetaxel ou pemetrexedo devem ser reava-liados a cada dois ciclos, num máximo de seis. No caso do erlotinib, poderá ser utilizado até pro-gressão ou toxicidade inaceitável. Contudo, a maioria das guidelines internacionais não restrige a terapêutica de 2.ª linha a um número limite de ciclos, mantendo-se o tratamento enquanto hou-ver controlo da doença, assim como toxicidade e QV aceitáveis2.

ATUALMENTE HÁ CANDIDATOS PARA TRÊS OU MAIS LINHAS DE TERAPÊUTICA?

Aquando da progressão após terapêutica de 2.ª linha, os doentes podem ser candidatos a outras linhas terapêuticas. O único que demonstrou evi-dência científica em estudos aleatorizados, de fase III, foi o erlotinib, que mostrou resposta em doentes EGFRwt ou sem outra mutação conhecida, com PS 0-3, que não tenham feito terapêutica com TKI em linhas anteriores, e que não sejam candidatos a QT.

Se previamente utilizado, deve ser ponderada monoterapia com um agente citostático não previa-mente prescrito, e de acordo com a histologia do tumor. Deve ser suspensa se progressão ou toxicida-de inaceitável. Deste modo, são doentes que podem e devem entrar em ensaios clínicos ou, se não tive-rem condições, serão candidatos a BSC.

BIBLIOGRAFIA

1. Direção Geral da Saúde. Diagnóstico e tratamento do carcinoma de não pequenas células do pulmão. Norma 032/2013.

2. Socinski, MA, Evans T, Gettinger S, et al. Treatment of stage IV non-small cell lung cancer: Diagnosis and management of lung cancer, 3rd ed: ACCP Evidence-Based Clinical Practice Guide-lines. Chest. 2013; 143 (suppl 5):e341S-e368S.

3. Shepherd FA,  Pereira JR,  Ciuleanu T,  et al. Erlotinib in previ-ously treated non–small-cell lung cancer. N Engl J Med. 2005;353(2):123-32.

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5. Dubey S, Brown RL, Esmond SL, et al. Patients preferences in choosing chemotherapy regimens for advanced non-small cell lung cancer. J Support Onc. 2005;3:149-54.

6. Kuo CH, Lin SM, Chung FT, et al. Subsequent chemotherapy improves survival outcome in advanced non-small cell lung cancer with acquired TKI resistance. Clin Lung Cancer. 2010;11(1):51-6.

7. Schuler MH, Yang C-H, Park K, et al. Continuation of afatinib beyond progression: Results of a randomized, open-label, phase III trial of afatanib plus paclitaxel versus investigator’s choice chemotherapy in patients with non-small cell lung cancer pro-gressed on erlotinib/gefitinib and afatanib -LUX-Lung 5 (LL5). J Clin Oncol. 2014;32 (suppl 5): abstract 8019.

8. Mok TSK, Wu Y, Nakagawa K, et al. Gefitinib/chemotherapy versus chemotherapy in EGFR mutation-positive non-small cell lung cancer after progression on first-line gefitinb: The phase III, randomized IMPRESS study. Annals Oncol. 2014;25 (suppl 4):mdu 438-45.

9. NCCN Clinical Practice Guidelines in Oncology. Non-small cell lung cancer. Version 3. 2014; www.nccn.org.

10. Van Assche K, Ferdinande L, Lievens Y, Vandecasteele K, Sur-mont V. EGFR mutation positive stage IV non-small cell lung cancer: Treatment beyond progression. Frontiers Oncol. 2014;4 (article 350):1-8.

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100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão 61

A VARIANTE HISTOLÓGICA DOS CARCINOMAS PULMONARES DE PEQUENAS CÉLULAS CONDICIONA A TERAPÊUTICA?

Os carcinomas pulmonares de pequenas cé-lulas (CPPC) representam cerca de 15% dos car-cinomas brônquicos e, de acordo com o seu grau de diferenciação, encontram-se no extremo do espectro dos carcinomas neuroendócrinos (NE) do pulmão, que vai desde os carcinoides típicos (bem diferenciados) e os atípicos (moderadamen-te diferenciados), aos carcinomas NE de grandes células (pouco diferenciados) e aos CPPC (indife-renciados)1.

Definem-se dois subtipos histológicos, os CPPC puros e os CPPC combinados com um subgrupo de carcinomas pulmonares de não pequenas cé-lulas (CPNPC), nomeadamente, carcinomas de grandes células, carcinomas escamosos ou ade-nocarcinomas1.

A frequência dos CPPC combinados varia em função do tamanho da amostra, do número de secções histológicas realizadas, do tipo de produto (material de autópsia, peças cirúrgicas ou peque-nas biópsias), da variabilidade inerente a cada ob-servador e da percentagem de células identificadas do subtipo histológico variante1.

A terapêutica dos CPPC combinados é a indi-cada para os CPPC puros2,3, mas pode ocorrer resistência à quimioterapia (QT) ou à radioterapia (RT) pelo seu componente de CPNPC; de facto, dada a sensibilidade dos CPPC à QT, naqueles que

Tratamento do carcinoma pulmonar de pequenas células

R. Sotto-Mayor

não apresentam uma significativa remissão à tera-pêutica inicial, deverá ser questionado o diagnós-tico histológico, podendo tratar-se de um CPPC combinado4 ou de outro tipo de tumor.

Num estudo, constatou-se que os CPPC com-binados eram mais frequentemente submetidos a cirurgia5 e, quanto ao prognóstico, não estão de-finidas diferenças entre os CPPC puros e os com-binados4-6.

OS CARCINOMAS PULMONARES DE PEQUENAS CÉLULAS TÊM UM SISTEMA DE ESTADIAMENTO ANATÓMICO PRÓPRIO? COMO FAZÊ-LO?

Historicamente, o estadiamento anatómico dos CPPC baseou-se no sistema do Veterans Ad-ministration Lung Study Group (VALSG) em que a doença limitada (CPPC-DL) era definida pelo envolvimento tumoral confinado a um hemitórax – com ou sem extensão local –, ausência de metástases extratorácicas – exceto no que diz respeito aos gânglios supraclaviculares ipsilate-rais –, e a possibilidade de abranger, num único campo de irradiação, o tumor primitivo e os gân-glios regionais7.

Todos os outros casos caracterizavam a doença extensa (CPPC-DE), e incluíam a presença de der-rame pleural (ou pericárdico) maligno, envolvimen-to ganglionar hilar e mediastínico contralateral, e doença metastática não abrangida por um único campo de RT.

Capítulo 10

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R. Sotto-Mayor

62 100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão

Posteriormente, esse sistema foi modificado, passando a aceitar também na DL os gânglios hi-lares, mediastínicos e supraclaviculares contralate-rais (desde que fosse possível abrangê-los, e à le-são primitiva, num um único campo de RT seguro e adequado), assim como o derrame pleural ipsi-lateral (benigno ou maligno); a DE seria aquela que ultrapassava os limites da DL7.

Com a aprovação do novo sistema TNM (7.ª edição) pela International Association for the Stu-dy of Lung Cancer e o American Joint Comittee on Cancer (IASLC/AJCC), passou a defender-se o esta-diamento dos CPPC também com base nesta abor-dagem3: qualquer M1 (independentemente do T ou do N) denota DE, sendo a DL definida como qual-quer T ou N sem M1, excluindo doença T3 ou T4, com múltiplos nódulos pulmonares, que não pode ser abrangida por um único campo de RT.

Na prática, este sistema não altera significati-vamente a estratégia terapêutica dos CPPC, mas permite estratificá-los melhor, quer em termos prognósticos, como para a hipótese de cirurgia, a inclusão em ensaios clínicos ou o seu «lançamen-to» em registos oncológicos.

Em face de um doente com o diagnóstico de CPPC, após uma história clínica e um exame físico cuidados, um hemograma completo e uma avalia-ção bioquímica abrangente (que deverá incluir testes de função hepática e renal), é fundamental estabelecer o estadiamento anatómico da doença (TNM), sendo a tomografia computorizada (TC) do tórax e abdómen (com contraste endovenoso) um exame imprescindível para a caracterização ima-giológica da lesão primitiva, a sua extensão e a identificação da eventual presença de metástases regionais e/ou nos órgãos envolvidos nos cortes, com especial atenção para o fígado e glândulas suprarrenais.

Na DL, se existir derrame pleural, a sua etiologia deverá ser esclarecida por toracocentese, estudo citológico do líquido e biopsias pleurais, comple-mentados por toracoscopia, caso aqueles sejam inconclusivos; a presença de derrame pericárdico também implicará a sua investigação etiológica2,3.

Recomenda-se o estudo do cérebro por resso-nância magnética (RM) – em alternativa, por TC

com contraste endovenoso –, em qualquer estádio da doença (DL e DE) já que, em 15% dos doentes sem queixas neurológicas, encontram-se metásta-ses a esse nível, incluindo em 12% dos casos con-siderados, de outro modo, como DL2,3,7; a RM tem melhor acuidade do que a TC na deteção de me-tástases a nível do sistema nervoso central (SNC), pelo que será a técnica preferível.

O lugar da tomografia de emissão de posi-trões-tomografia computorizada (PET-TC) não está completamente estabelecido, mas defende-se a sua realização caso a DL seja suspeitada clinica-mente, no sentido de estabelecer o envolvimento mediastínico (útil para o planeamento da RT) e excluir a presença de metástases à distância (cuja identificação alteraria a estratégia terapêutica), es-pecialmente se a hipótese cirúrgica for ponderada; os achados que possam alterar a estratégia tera-pêutica deverão ter confirmação patológica; dis-pensa-se a cintigrafia óssea se a PET tiver sido realizada2,3,7.

Se o envolvimento ósseo for equívoco por PET, TC ou cintigrafia óssea, recomenda-se estudo diri-gido ao local suspeito com radiografia e/ou RM2.

O estudo da medula óssea (aspirado ou bióp-sia) não é hoje recomendado por rotina se o he-mograma for normal, pois, apesar de aí se encon-trarem metástases em 15-30% dos casos na altura do diagnóstico, somente 5% dos doentes apresen-tam envolvimento da medula óssea na ausência de metástases com outras localizações2,7.

Nos doentes candidatos a cirurgia, poderão ser necessários outros exames como a ecografia en-dobrônquica (EBUS), a ecografia endoesofágica (EUS), a mediastinoscopia ou a mediastinotomia, para estudo histopatológico dos gânglios medias-tínicos2,3.

HÁ LUGAR PARA A CIRURGIA NOS CARCINOMAS PULMONARES DE PEQUENAS CÉLULAS?

O CPPC tem sido encarado como uma doença não cirúrgica na sequência de se ter demonstrado que a RT era superior à cirurgia na DL; posterior-mente, reportaram-se vantagens em termos de

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Tratamento do carcinoma pulmonar de pequenas células

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sobrevivência (SV) após a remoção de tumores identificados, na cirurgia, como CPPC, o que levou ao reposicionamento do papel desta abordagem terapêutica nos CPPC-DL8.

Com base em estudos retrospetivos, defende--se hoje que ela será apropriada no pequeno gru-po de doentes (2-5%) que se apresentam em es-tádio clínico I (TNM/IASLC-AJCC), após um estadiamento mediastínico e sistémico agressivo; deverá incluir a remoção completa da neoplasia (preferencialmente, por lobectomia) e o esvazia-mento ganglionar mediastínico sistemático, e ser complementada – devido à presença frequente de micrometástases –, por quatro ciclos de QT adju-vante à base de um dupleto de platino (cisplatino ou carboplatino) e de etoposido2,3,8; nos doentes operados, com doença N2 ou N1, não prevista no pré-operatório, ou em que haja dúvidas sobre ter sido realizado um esvaziamento ganglionar segu-ro, a RT adjuvante deverá ser considerada; não se defende a cirurgia após QT de indução2,3.

Em alternativa à abordagem cirúrgica, seguir--se-á o protocolo terapêutico indicado para os CPPC-DL e, como complemento, é de ponderar a irradiação profilática cerebral (IPC), decisão que deverá ser partilhada com o doente, após escla-recimento dos respetivos benefícios e inconve-nientes2,3.

São necessários estudos prospetivos randomi-zados para alargar a indicação cirúrgica a estádios mais avançados (IIA), e definir melhor o lugar das terapêuticas adjuvantes.

QUAL A TERAPÊUTICA DOS CARCINOMAS PULMONARES DE PEQUENAS CÉLULAS EM DOENÇA LIMITADA?

Mesmo nos CPPC-DL, existe doença metastá-tica subclínica (> 30% dos doentes), razão pela qual a QT sistémica constitui uma componente essencial da terapêutica destes tumores malig-nos2,3; contudo, apesar das altas taxas de resposta à QT (70-90%), a progressão local ocorrerá na maioria dos casos (80% na DL, e praticamente em todos, na DE), pelo que a RT torácica tem aqui um

papel relevante, especialmente na forma concomi-tante (QTRT), contribuindo, com esta estratégia combinada, para a redução da taxa de progressão local/recidiva intratorácica do tumor – 75-90% com a QT isolada versus 30-60% com a QTRT – e para o aumento da SV dos doentes2,3,7.

O performance status (PS), habitualmente quantificado com base na escala do Eastern Coo-perative Oncology Group (ECOG), assim como outros parâmetros fisiológicos do doente, consti-tuem ferramentas importantes na sua avaliação, com base na qual se sustentará a proposta tera-pêutica para cada situação clínica: em caso de PS de 0-2, indicar a QTRT sempre que possível; pe-rante um pior PS, atribuível à doença, será razoá-vel fazer RT sequencial à QT; com um PS de 3-4, não atribuível à doença, a terapêutica deverá ser individualizada, incluindo os melhores cuidados de suporte2.

Pontos a considerar2,3:– A estratégia concomitante (QTRT) é a preferível

na DL (melhores taxas de SV do que na moda-lidade sequencial aos dois e cinco anos, respe-tivamente, 50 versus 35%, e 23 versus 18%), à custa de maior toxicidade hematológica e de esofagite.

– Na modalidade concomitante, a RT deverá ser iniciada precocemente, nos 1.º ou 2.º ciclos de QT (dentro de 30 dias após o seu início), com um programa de fracionamento de dose, ideal-mente, duas vezes por dia (aumento de 5% na SV versus uma vez por dia) – 1,5 Gy/2xdia, isto é, 45 Gy em 30 frações, durante três semanas, com um intervalo mínimo de 6 h entre cada fração diária –; mas, por problemas logísticos (deslocação do doente duas vezes por dia à unidade de radioterapia) ou outros (como PS comprometido), poderão estar indicados regi-mes alternativos.

– O esquema de QT preferido na modalidade concomitante (QTRT) é o que associa o cispla-tino ao etoposido (4-6 ciclos), não sendo de aconselhar fatores de crescimento mieloide, enquanto o doente estiver a fazer RT.Independentemente da resposta à terapêutica

ser completa (RC) ou parcial (RP), a IPC deverá

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ser incluída no plano terapêutico dos CPPC-DL, com os pressupostos (que indicaremos adiante), no que se referem ao PS e ao estado cognitivo dos doentes2,3.

QUAL A TERAPÊUTICA DOS CARCINOMAS PULMONARES DE PEQUENAS CÉLULAS EM DOENÇA EXTENSA?

A combinação de um platino (cisplatino ou carboplatino) ao etoposido (4-6 ciclos), constitui a terapêutica standard dos CPPC-DE3, acompanhan-do-se de taxas de resposta de 60-80%, sendo 15-30% RC; o esquema triplo constituído por ci-clofosfamida, adriamicina e vincristina (CAV) era classicamente o eleito, mas apresentava maior toxicidade, com taxas de resposta semelhantes.

O carboplatino tem uma eficácia semelhante ao cisplatino na DE, com menos toxicidade não--hematológica, pelo que estará reservado aos doentes com pior PS ou contraindicação para o cisplatino.

A RT paliativa tem indicação para o controlo sintomático de metástases cerebrais, ósseas ou outras3; a RT torácica (de consolidação) poderá ser ponderada após uma boa resposta da doen-ça torácica (RC/RP) e de uma RC extratorácica, eventualmente complementada por IPC3; pelo aumento de risco de neurotoxicidade, a RT holo-craniana não deverá ser feita concorrentemente à QT sistémica2,3,9.

COMO TRATAR OS DOENTES IDOSOS?

Apesar de 40% dos doentes com CPPC apre-sentarem idades ≥ 70 anos e 10% ≥ 80, poucos ensaios clínicos randomizados incluíram esse gru-po na sua avaliação.

A idade avançada, por si só, não é geralmente considerada fator de prognóstico, mas por estar frequentemente associada a comorbilidades, a um PS comprometido, e a polimedicação, na prática clí-nica, não raras vezes, condiciona as abordagens te-rapêuticas propostas, com necessidade de redução

de doses ou de fazer a QT em monoterapia, para diminuir a toxicidade, o que poderá refletir-se, no que alguns consideram um sub-tratamento, numa menor eficácia e num prognóstico mais reservado3.

Contudo, baseados na evidência científica, a QT à base de dupletos de platina e etoposido, apresenta melhores resultados que os esquemas menos agressivos3.

Nos CPPC-DL (com bom PS, ECOG 0-2) a QTRT é a indicada, devendo ter-se especial atenção à toxicidade induzida pela terapêutica combinada; na DE (com bom PS) recomenda-se associação da carboplatina e do etoposido; em caso de pior PS (ECOG 3), é ponderado assumir o risco da tera-pêutica, caso esse compromisso seja atribuível à própria doença oncológica, pois a QT costuma acompanhar-se de boas taxas de resposta e me-lhorar a performance do doente3.

Neste grupo etário, a terapêutica deve ser sem-pre individualizada em função das características próprias de cada doente, sendo especialmente im-portante tomar as devidas precauções para evitar uma excessiva toxicidade e um declínio no PS, e conferir uma redobrada atenção aos cuidados de suporte, na perspetiva de que um dos objetivos fundamentais da nossa intervenção é preservar a sua qualidade de vida (QV)3.

COMO ABORDAR A TERAPÊUTICA DOS CARCINOMAS PULMONARES DE PEQUENAS CÉLULAS EM PROGRESSÃO DA DOENÇA?

Apesar da boa resposta à terapêutica inicial, na maioria dos casos (DL > 70%; DE > 90%), a doença vai progredir ou recidivar, estando a abor-dagem dependente do esquema feito em 1.ª linha, do tipo de resposta e de toxicidade, do tempo decorrido para a recidiva/progressão e do PS do doente2,3:

– PS 0-2: fazer topotecano (e RT em locais sin-tomáticos); continuar até dois ciclos após a melhor resposta à QT; o topotecano oral mos-tra resultados semelhantes ao endovenoso (EV), mas menor neutropenia; suspender em

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Tratamento do carcinoma pulmonar de pequenas células

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caso de progressão da doença ou de toxicida-de intolerável; outros fármacos (paclitaxel, do-cetaxel, gemcitabina, ifosfamida, vinorelbina, etoposido oral), apesar de revelarem menor atividade, também poderão ser úteis em mo-noterapia.

– PS 0-2: em caso de período prolongado de res-posta após terapêutica de 1.ª linha (> 6 meses), recomenda-se retratamento com o esquema inicial (taxas de resposta de 50-60%).

– PS 3-4: fazer terapêutica paliativa, incluindo RT nos locais sintomáticos; em caso de PS 3, há quem defenda QT em monoterapia, com redu-ção de dose ou com fatores de crescimento hematopoiéticos.Pontos a considerar:

– A doença refratária/resistente nos primeiros três meses da terapêutica inicial irá ter menores taxas de resposta (< 15%) à QT de 2.ª linha (pior prognóstico); acima desse período (doen-ça sensível), as taxas de resposta à QT adicional serão melhores (15-60%).

– O topotecano EV tem eficácia semelhante ao esquema de ciclofosfamida, adriamicina e vin-cristina (CAV), mas com a vantagem de melho-rar a QV dos doentes em termos de dispneia, anorexia, rouquidão e fadiga.

– Dado que o tempo de resposta ao topotecano é curto, aconselha-se que os doentes, se o seu estado o permitir, sejam incluídos em ensaios clínicos.

– Perante a hipótese de um segundo tumor, em caso de aparente recidiva após um longo inter-valo livre de doença, na sequência da terapêu-tica de 1.ª linha, será de (re)biopsar a «nova» lesão e orientar o tratamento de acordo com o resultado histológico encontrado.

QUANDO PROPOR A IRRADIAÇÃO PROFILÁTICA CEREBRAL NOS CARCINOMAS PULMONARES DE PEQUENAS CÉLULAS?

Cerca de 10-14% dos doentes apresentam metástases cerebrais na altura do diagnóstico, e 50-60% em fases posteriores da sua evolução.

O cérebro é um local frequente de recidiva da doença, apesar da eficácia da QT, o que poderá ser explicado pelo facto da barreira hemato-ence-fálica impedir a passagem de grande parte dos fármacos citostáticos, tornando aquele órgão um santuário para depósitos secundários.

Nos CPPC, após a terapêutica inicial com boa resposta à QTRT ou à QT, a IPC diminui a incidên-cia do aparecimento daquelas metástases, deter-minando um aumento de SV na DL e na DE2,3.

A IPC faz parte da estratégia terapêutica dos CPPC (DL ou DE), em que se constate uma boa resposta (RC ou RP) à terapêutica inicial (QTRT ou QT), devendo ser realizada após recuperação dos seus efeitos tóxicos, desde que os doentes apre-sentem um bom PS (ECOG 0-2) e não revelem compromisso neuro-cognitivo2,3.

A dose geralmente preconizada é de 25 Gy/ 10 fr. Idades mais velhas (> 60 anos) e doses mais elevadas são fatores preditivos para o desenvolvi-mento de neuro-toxicidade crónica, como perda de memória e demência2,3.

SERÁ DE ENCARAR AS TERAPÊUTICAS ALVO NOS CARCINOMAS PULMONARES DE PEQUENAS CÉLULAS?

Ainda não existe qualquer evidência, em estu-dos de fase III, de que algum tipo de terapêutica alvo ou de imunoterapia tenha papel relevante no tratamento dos CPPC10:

– Sendo altamente angiogénicos, depositaram-se expectativas de que o bevacizumab (anticorpo monoclonal que bloqueia a ação do vascular endothelial growth factor [VEGF]) associado à QT standard, em CPPC-DE, pudesse ser útil, mas constatou-se que essa associação não se acom-panhava de um aumento da SV; o mesmo ocor-reu com a combinação do aflibercept ao topote-cano (DE), ou da talidomida à QT (DL e DE); estudos com sunitinib, sorafenib, vandetanib, vatalanib ou cediranib (antiangiogénicos tirosina--cinase) também não mostraram sucesso, sen-do de realçar a grande toxicidade que alguns deles revelaram quando associados à QT.

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– Os inibidores das metaloproteinases da matriz (tanomastat, marimastat), utilizados em manu-tenção, após resposta à terapêutica de 1.ª li-nha, igualmente, não mostraram vantagem em relação ao placebo.

– Até 4% dos CPPC apresentaram mutações do recetor do fator de crescimento epidérmico (EGFR)1 – especialmente nos CPPC combina-dos com adenocarcinoma – mas, em doentes não selecionados, quimio sensíveis ou resisten-tes, num estudo de fase II, o gefitinib (inibidor tirosina-cinase do EGFR) não mostrou qualquer atividade clínica.

– Outros alvos terapêuticos como a proteína tumo-ral p53, o oncogene Bcl-2, o mammalian target of rapamycin (mTOR) ou os recetores c-kit não revelaram utilidade, existindo alguma expetativa no que se refere ao sinergismo de ação antineo-plásica dos inibidores da poli-ADP-ribose-poli-merase (PARP) quando associados à QT. É fulcral insistir-se na compreensão dos meca-

nismos moleculares e imunológicos envolvidos na patogénese dos CPPC, de modo que a terapêutica dirigida possa contribuir, no futuro, para inverter o mau prognóstico que esta doença ainda acarreta.

QUAL O PROGNÓSTICO DOS CARCINOMAS PULMONARES DE PEQUENAS CÉLULAS?

Os CPPC, pelas suas propriedades biológicas, dis-seminam precocemente para os gânglios mediastíni-cos e locais extratorácicos, de modo que, na altura do diagnóstico, 60-70% dos doentes revelam DE.

Quando não tratados, a SV global é de 2-4 me-ses após o diagnóstico, a qual, na DE, não ultrapas-sa as poucas semanas. De facto, o estádio da doen-ça é um fator de prognóstico incontestável – tal como a perda de peso e o PS –, sabendo-se que, na DL tratada, a SV é de 16-24 meses, encontran-do-se vivos aos cinco anos 20-25% dos doentes (50% aos dois anos), enquanto na DE tratada é de 6-12 meses e a sobrevivência aos cinco anos mui-to rara (0-1%)3.

São considerados fatores de prognóstico nega-tivos a DE, um PS baixo (ECOG 3-4), uma perda

de peso superior a 10%, níveis séricos pré-tera-pêuticos elevados de desidrogenase lática sérica (LDH), de neuroenolase específica (NSE) ou de fos-fatase alcalina, uma hemoglobina baixa, o número absoluto de neutrófilos aumentado, a manutenção dos hábitos tabágicos, a constatação de determi-nados marcadores genéticos e moleculares (ex-pressão c-kit, presença do oncogene Her2/neu, ou de outros) e a recidiva precoce após terapêutica de 1.ª linha2.

Na DL, o género feminino, a idade inferior a 70 anos, a LDH normal e o estádio I são fatores de prognóstico favoráveis, o mesmo sendo cons-tatado na DE, com as idades mais jovens, bom PS, creatininémia e LDH normais, e um único local de metastização2.

Contudo, há que ter em consideração que nem todos os fatores de prognóstico indicados foram considerados relevantes nos estudos publi-cados, devendo o clínico ser cauteloso quando discute individualmente o prognóstico de cada doente com base nesses parâmetros.

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