caminhos do pensamento geográfico

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    Cursos de Especializao para o quadro do Magistrio da SEESPEnsino Fundamental II e Ensino Mdio

    Rede So Paulo de

    Caminhos do Pensamento Geogrfico

    d01

  • Rede So Paulo de

    Cursos de Especializao para o quadro do Magistrio da SEESP

    Ensino Fundamental II e Ensino Mdio

    So Paulo

    2011

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    Sumrio1. O legado da Geografia ...............................................................4

    2. A formao do conhecimento geogrfico na Antiguidade e na Idade Mdia ..............................................................................9

    3. A gnese da Geografia e da Cincia Moderna ....................................................................16

    4. Institucionalizao da Geografia ..............................................205. A institucionalizao da ..........................................................37Referncias ............................................................................. 48Resumo: ................................................................................. 51

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    1. O legado da Geografia

    Introduo

    Para comeo de conversa, precisamos deixar claro do que estamos falando. O que a Geo-grafia? Para Nelson Werneck Sodr (1987), ela foi por muito tempo conhecida por seu carter

    descritivo por causa de sua herana de levantamento de dados e de se basear na observao. O

    horizonte geogrfico, ampliando-se com as grandes navegaes, foi responsvel pela incorpo-rao de elementos importantes para a Geografia. Desde as navegaes dos gregos e romanos,

    ainda confinados ao Mediterrneo e algumas incurses por terra para a sia e o norte da

    frica, depois das investidas dos portugueses e espanhis para o Atlntico, muitos gegrafos,

    como Alexandre von Humboldt, puderam realizar viagens de observao e registro de fatos,

    descobrimentos e registros de espcies para consolidar o conhecimento dos lugares. Para Nel-son Werneck Sodr (1987), o inventrio de fatos e informaes so importantes para a cincia,

    mas no constituem a cincia em si. Assim, depois de observar os cus na antiguidade e de

    catalogar espcies botnicas olhando para o solo, os gegrafos arrolaram informaes para

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    consolidar o conhecimento geogrfico. Essas matrias primas foram importantes para que os

    gegrafos pudessem passar das descries para, embasados no mtodo cientfico, sistemati-zar os conhecimentos, definir seu campo de atuao, escolher suas tcnicas e formular suas

    metodologias.

    No entanto, a Geografia no conseguiu superar suas ambigidades. Ela dividida em in-meras disciplinas que esto agrupadas em duas grandes vertentes, que se contradizem e se

    complementam: a Geografia Fsica, que est ligada s cincias da natureza, e a Geografia Hu-mana, ligada s cincias do homem. No passado, os conhecimentos da Geografia expandiram-

    se fortemente durante a expanso colonialista e os da Geografia Humana expandiram-se com

    o imperialismo capitalista e sua consolidao nos sculos XIX e XX.

    A Geografia praticada nas escolas resultado do acmulo de conhecimentos. Voc pode

    analisar os principais conceitos da Geografia contempornea ao consultar os Parmetros Cur-riculares do Ensino Mdio elaborados pelo Ministrio da Educao e Cultura. O PCNEM

    um documento que contm orientaes curriculares para que profissionais ligados ao ensino

    da Geografia tenham condies de observar, comparar e definir seus temas e estratgias de

    ensino. Nesse documento, est escrito que necessrio abandonar a viso apoiada simples-mente na descrio e memorizao da Terra e o Homem, com informaes sobrepostas

    do relevo, clima, populao e agricultura, por exemplo. Por outro lado, preciso superar um

    modelo doutrinrio de denncia, na perspectiva de uma sociedade pronta, em que todos os

    problemas j estivessem resolvidos (BRASIL, 1998, p. 30).

    Nesse documento, define-se o objeto de estudo da Geografia como sendo o espao geogr-fico, que

    o conjunto indissocivel de sistemas de objetos (redes tcnicas, prdios, ruas) e de

    sistemas de aes (organizao do trabalho, produo, circulao, consumo de mer-cadorias, relaes familiares e cotidianas), que procura revelar as prticas sociais

    dos diferentes grupos que nele produzem, lutam, sonham, vivem e fazem a vida

    caminhar. Nunca o espao do homem foi to importante para o desenvolvimento

    da histria. Por isso, a Geografia a cincia do presente, ou seja, inspirada na

    realidade contempornea. O objetivo principal destes conhecimentos contribuir

    para o entendimento do mundo atual, da apropriao dos lugares realizada pelos

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    homens, pois atravs da organizao do espao que eles do sentido aos arranjos

    econmicos e aos valores sociais e culturais construdos historicamente (BRASIL,

    1998, p. 30).

    Continuando a olhar o mesmo documento, vemos que ele contm, como sugesto, os prin-cipais conceitos chaves da Geografia. Sem ordem hierrquica, enuncia-se, como o primeiro

    dos conceitos:

    paisagem, entendida como uma unidade visvel do arranjo espacial que a nossa viso

    alcana. A paisagem tem um carter social, pois ela formada de movimentos im-postos pelo homem atravs do seu trabalho, cultura, emoo. A paisagem perce-bida pelos sentidos e nos chega de maneira informal ou formal, ou seja, pelo senso

    comum ou de modo seletivo e organizado. Ela produto da percepo e de um

    processo seletivo de apreenso, mas necessita passar a conhecimento espacial orga-nizado, para se tornar verdadeiro dado geogrfico. A partir dela, podemos perceber

    a maior ou menor complexidade da vida social. Quando a compreendemos desta

    forma, j estamos trabalhando com a essncia do fenmeno geogrfico (BRASIL,

    1998, p. 32).

    Seguindo na descrio dos conceitos importantes para a Geografia, enuncia-se o de lugar:

    a poro do espao aproprivel para a vida, que vivido, reconhecido e cria iden-tidade. Ele possui densidade tcnica, comunicacional, informacional e normativa.

    Guarda em si o movimento da vida, enquanto dimenso do tempo passado e pre-sente. nele que se d a cidadania, o quadro das mediaes se torna claro e a relao

    sujeito-objeto direta. no lugar que ocorrem as relaes de consenso e conflito,

    dominao e resistncia. a base da reproduo da vida, da trade cidado-iden-tidade-lugar, da reflexo sobre o cotidiano, onde o banal e o familiar revelam as

    transformaes do mundo e servem de referncia para identific-las e explic-las

    (BRASIL, 1998, p. 33).

    Por sua vez,

    os conceitos de territrio e territorialidade enquanto espao definido e delimitado

    por e a partir das relaes de poder, ou seja, quem domina ou influencia e como

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    domina e influencia uma rea. Implica avanar da noo simplista de caracterizao

    natural ou econmica por contigidade para a noo de diviso social. Todo ter-ritrio, seja ele um quarteiro na cidade de Nova York, seja uma aldeia indgena na

    Amaznia, definido e delimitado segundo as relaes de poder, domnio e apro-priao que nele se instalam. Desta maneira, a territorialidade a relao entre os

    agentes sociais, polticos e econmicos, interferindo na gesto do espao geogrfico;

    no apenas uma expresso cartogrfica. Ela refere-se aos projetos e prticas desses

    agentes, numa dimenso concreta, funcional, simblica, afetiva, e manifesta-se em

    escala desde as mais simples s mais complexas (BRASIL, 1998, p. 33).

    Os Parmetros Curriculares do Ensino Mdio trazem, tambm, um conjunto de conceitos

    que se articula em diferentes escalas: globalizao, tcnica e redes. Nesse documento,

    a globalizao um fenmeno decorrente da implementao de novas tecnologias

    de comunicao e informao, isto , de novas redes tcnicas, que permitem a cir-culao de idias, mensagens, pessoas e mercadorias num ritmo acelerado, e que

    acabaram por criar a interconexo entre os lugares em tempo simultneo. Neste

    processo, tiveram papel destacado a instalao de redes tcnicas, incluindo-se a in-dstria cultural, a ao de empresas multinacionais e a circulao do capital, que in-tensificaram as relaes sociais em escala mundial, interligando localidades distan-tes, de tal maneira que acontecimentos locais so modelados por eventos ocorridos

    a milhares de quilmetros de distncia. No que se refere tcnica, devemos ressaltar

    ainda a importncia da compreenso do papel das inovaes tecnolgicas na esfera

    da produo de bens e servios, engendrando novas formas de organizao social no

    trabalho e no consumo, criando novos arranjos espaciais. Outra face da revoluo

    tecnolgica so as novas formas de apropriao da natureza, tais como as expressas

    na biotecnologia, em que a deteno do conhecimento e do domnio tcnico so

    tambm um instrumento de poder que afeta os grupos sociais e exige modificaes

    na organizao espacial existente (BRASIL, 1998, p. 33-34).

    Todos os conceitos apontados devem ser articulados segundo

    diferentes tipos de escala: uma escala cartogrfica e a outra geogrfica. Na primeira,

    destaca-se o mapa como um dado instrumental de representao do espao, num

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    recurso apoiado dominantemente na Matemtica. Na segunda, a nfase dada ao

    fenmeno espacial que se discute. Esta a escala de anlise que enfrenta e procura

    responder os problemas referentes distribuio dos fenmenos. A complexidade

    do fenmeno da cidadania, por exemplo, requer que se opere com diferentes escalas,

    articulando suas dimenses locais, nacionais e globais. Neste sentido, a cidadania

    no deve ser entendida apenas sob o aspecto formal do vnculo a uma nacionali-dade, devendo apontar a dimenso vivencial de seu exerccio, como um fenmeno do

    lugar. De forma inversa, no podemos compreender a poluio atmica s no lugar,

    mas devemos trat-la enquanto fenmeno global. Assim sendo, a escala uma estra-tgia de apreenso da realidade. Portanto, importante compreend-la no apenas

    como problema dimensional, mas tambm fenomenal, na medida em que ela um

    instrumento conceitual prioritrio para a compreenso da articulao dos fenme-nos (BRASIL, 1998, p. 33).

    Podemos considerar que os conceitos chaves citados so, atualmente, os elementos que

    constituem a espinha dorsal dos contedos da Geografia.

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    2. A formao do conhecimento geogrfico na Antiguidade e na Idade Mdia

    tema 2

    2.1 Antiguidade e Idade Mdia

    Dando continuidade nossa disciplina, vamos fazer uma volta ao passado para buscar, na

    medida do possvel, informaes, fatos e contedos que possam contribuir para a compreenso

    do conhecimento e do pensamento geogrfico.

    Para Nelson Werneck Sodr (1987), talvez a Geografia seja a cincia de histria mais longa

    entre todas que conhecemos. Ela comea com as descries, nas comunidades de tradio oral,

    das migraes e das diferenciaes dos lugares. Isso mostra que importante que o conheci-mento seja registrado e transmitido. na Grcia, j com o domnio da escrita e em decorrncia

    de sua posio geogrfica no Mediterrneo, em relao s outras partes do mundo conhecido,

    que cabe (aos gregos) coletar e sistematizar os conhecimentos de natureza geogrfica. So os

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    navegadores, militares e comerciantes, de um lado, e os matemticos, historiadores e filsofos,

    de outro, que, ao longo do tempo, foram acumulando informaes e conhecimentos que se

    tornaram importantes fontes de estudos e anlises da sociedade e da natureza, interfaces im-portantes para a compreenso do temrio geogrfico.

    1. Herdoto, gegrafo e historiador grego, nasceu em 485 a.C. em Ha-

    licarnasso (atualmente Bodrum, na

    Turquia) e faleceu, possivelmen-

    te na ilha de Samos, em 420 a.C.

    Ele viajou pelas ilhas do mar Egeu,

    esteve no sul da Itlia, na Mesopo-

    tmia, no Egito (onde subiu o Nilo

    chegando ao Saara).

    Saiba mais importante distinguir duas palavras chaves referentes cincia. Neste caso, estamos falando da Geografia. O conhecimento geogrfico refere-se ao que foi produzido, em

    termos de conceitos e teorias, pelos gegrafos ao longo do tempo. Todo o contedo tem sua caracterstica especfica porque pode ser identificado por seus autores. No

    entanto, quando se trata do pensamento geogrfico, h uma componente importante a se

    considerar: uma leitura do conhecimento geogrfico construda para alm da disciplina,

    com componentes da Filosofia, do mtodo e da interdisciplinaridade, principalmente no

    que concerne contextualizao do contedo enfocado.

    Para se ter uma leitura da Geografia na Antiguidade, podemos selecionar trs pensa-dores que so identificados com a Geografia e com a Histria, lembrando que eles deixaram

    seus escritos contextualizados no mundo grego: Herdoto, Estrabo e Ptolomeu.

    Herdoto1 foi o primeiro a registrar, na tradio

    filosfica grega, o evento da invaso persa na Grcia

    tendo como pressuposto que no apenas o registro dos

    fatos, mas que os acontecimentos poderiam, tambm,

    servir para compreender o comportamento humano.

    Ele sistematizou sua pesquisa e cunhou a palavra his-torie que, em grego, aproxima-se da palavra Histria,

    como conhecemos atualmente. Ao escrever sua histria,

    ele sempre compunha a descrio dos fatos com os as-pectos geogrficos. Segundo Nelson W. Sodr (1976),

    ele pode ter sido o primeiro a expor as dependncias deterministas entre o meio e o homem,

    forma de compreender a relao sociedade-natureza antes mesmo do surgimento da Geogra-fia de carter cientfico. Os nove livros que compem sua obra foi dividida em duas partes.

    O sexto livro que termina a primeira parte encerra-se com com a derrota dos persas, em 490

    a.C., na descrio da batalha de Maratona. Este o fato marcante que mostra o incio do ret-

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    Estrabo2, outro gegrafo e explorador que pode

    contribuir nesta volta ao passado, classificado como

    gegrafo, historiador e filsofo grego. considerado um

    estoicista mas, ao mesmo tempo, um defensor do im-perialismo romano. Escrita na era crist, sua Geogra-fia, em 17 volumes, considerada uma obra que con-tm inmeros erros de descrio, principalmente sobre

    os Pirineus, mas uma obra da Antiguidade que articula

    conhecimentos da Geografia, por meio das descries

    dos lugares, da histria, da religio, dos costumes locais e

    das instituies de diferentes povos. Ele registra os con-hecimentos adquiridos pelos gregos e pelos romanos.

    O terceiro gegrafo que apresentamos Ptolomeu3. Cientista grego, ele viveu em Alex-andria, no Egito. Sua obra mais conhecida o Almagesto, tratado que contm o conhecimento

    astronmico desde os tempos babilnicos at os tempos gregos, na qual ele apresenta o esquema

    de um sistema cosmolgico concntrico, com a Terra no centro do universo, tendo-se os outros

    corpos celestes descrevendo rbita ao seu redor. O Sol, os planetas e as estrelas descreveriam

    epiciclos (crculos com centros em outros crculos) ao redor da Terra. Essa teoria conhecida,

    comumente, como Teoria do Geocentrismo. Ele foi considerado o primeiro cientista a expor

    uma teoria universal do movimento dos astros, mesmo que, posteriormente, duramente criti-

    rocesso do imprio persa liderado por Ciro. Seu legado importante para a Geografia porque

    se constitui, metodologicamente, em forma de narrativa contnua, resultado de pesquisa pelo

    registro dos fatos e de abordagem dos fatos como elementos que auxiliam na compreenso

    do comportamento humano.

    Mapa-mndi de Ptolomeu

    A obra de Ptolomeu foi preservada pelos rabes e introduzida na Europa durante a Idade

    Mdia. A edio que se encontra na Biblioteca Nacional de 1486.

    Localize, no site Histria do mundo, o mapa do Imprio Romano para compar-lo com os outros mapas indicados neste texto.

    2. Estrabo nasceu da Amaseia (atual provncia da Amasya, na

    Turquia), ento fazendo parte do

    Imprio Romano (63 ou 64 a.C. e

    circa 24 d.C.). Originrio de famlia

    rica, pde prosseguir seus estudos

    em Roma, onde leu os filsofos e

    gegrafos que o antecederam. Fez

    viagens ao Egito e Etipia. Seu

    nome um termo utilizado pelos ro-

    manos para designar aqueles que

    tinham os olhos deformados ou por-

    tadores de estrabismo.

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    cada e invalidada pelas observaes astronmicas

    de outros cientistas. Ele baseou sua obra em com-pilaes anteriores e no fez nenhuma observao.

    Por outro lado, em sua obra Geographia h todo o

    conhecimento geogrfico de gregos e romanos, na

    qual se destaca o uso de coordenadas geogrficas

    de latitude e longitude, mesmo que com deforma-es4 nas reas exteriores ao Imprio Romano.

    Podemos resumir, baseados nesses trs ge-grafos sem a pretenso de fazer uma linha di-reta entre eles que o conhecimento geogrfico

    na Antiguidade (que limitamos do sculo IV a.C.

    ao primeiro sculo da era crist) tem caractersticas

    que vo ser importantes na constituio do pensa-mento geogrfico posterior. Podemos lembrar que

    o conhecimento geogrfico desse perodo baseia-se

    em elaborao terica (geocentrismo), na necessi-dade de observao para consubstanciar a descrio

    dos lugares (aqui entendidos com seus costumes,

    instituies e crenas), resultados de narrativas e de

    pesquisas sistemticas para o registro dos fatos. As

    palavras sublinhadas ainda hoje so fundamentais

    para a elaborao do conhecimento geogrfico.

    Dando um passo gigantesco para a Geografia

    dos rabes, tomemos como exemplo Ibn Khaldun5

    4. Toda representao da realidade transposta para desenho num plano ou mapa ter algum

    tipo de deformao. Para cada mapa h uma

    distoro ou deformao que corrigida par-

    cialmente por tcnicas cartogrficas segundo

    a finalidade ou rea que se deseja representar

    no mapa. Essas tcnicas foram sendo desen-

    volvidas por matemticos, astrnomos, ge-

    metras e gegrafos ao longo da histria do

    desenvolvimento da matemtica e da geome-

    tria.corrigida parcialmente por tcnicas carto-

    grficas segundo a finalidade ou rea que se

    deseja representar no mapa. Essas tcnicas

    foram sendo desenvolvidas por matemticos,

    astrnomos, gemetras e gegrafos ao longo

    da histria do desenvolvimento da matemtica

    e da geometria.

    3. Cludio Ptolemeu viveu em Alexandria, no Egito, de 90 a 168 d.C. Ele conhecido por

    suas obras na Geografia mas, tambm, pelos

    trabalhos em outras cincias, como matem-

    tica, astronomia, cartografia, tica e at teoria

    musical. Alm de Almagesto e Geographia,

    escreveu Tetrabiblos, com o conhecimento de

    astrologia dos babilnios, gregos e egpcios,

    Optica, no qual mostra seus estudos sobrre re-

    flexo, refrao, cor e espelhos, e Harmnica,

    um tratado sobre teoria matemtica da msica.

    Sua obra foi transmitida para os eruditos do Re-

    nascimento pelos rabes.

    5. Ibn Khaldun nasceu em Tunis (atual capital da Tunsia) em 1332.

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    Imagem 3: Foto do autor do texto em frente do monumento a IBN KHALDUN em Tnis, Tunsia. Crditos: Eliseu S. Sposito

    Como todos os gegrafos do mundo europeu, ele foi um viajante que conheceu inmeros e

    distantes lugares em sua poca. Na frica, ele percorreu o Saara, indo do Egito a Tombuctu; na

    sia, ele foi China, passando pela ndia e a Palestina; na Europa, ele foi at o sul da Rssia.

    2.2 As grandes navegaes

    As grandes navegaes (ou os grandes descobrimentos) foram fundamentais para o alar-gamento do horizonte geogrfico a partir da Europa. Para superar as dificuldades na busca

    de novas terras, os navegadores tiveram que aprimorar seus instrumentos de observao da

    natureza. Alguns instrumentos serviram, portanto, como potencializadores da capacidade de

    observao e de registro do que os homens conseguiam ver e conhecer. A combinao dos usos

    de instrumentos, resultado das invenes do ser humano, foi fundamental para que as navega-es ocorressem muito alm das proximidades dos continentes. Depois de ultrapassar o Cabo

    Bojador, no Marrocos, os portugueses foram alm, acompanhando a costa oeste da frica, at

    chegarem ao Oceano ndico depois de ultrapassarem o Cabo da Boa Esperana

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    Imagem 2: Cabo da Boa Esperana, frica do SulFoto: Eliseu S. Sposito

    Da, chegar ndia, acertar o rumo para a Amrica, ir alm do Estreito de Magalhes, foi

    resultado de um passo arrojado e corajoso que os navegadores portugueses, depois os espan-hois, desafiando as condies naturais e adversas de correntes martimas e de ventos, puderam

    chegar a terras antes desconhecidas por eles.

    Para que isso ocorresse, no entanto, foi necessrio o desenvolvimento de outros conhe-cimentos. A elaborao de mapas com o domnio da linguagem matemtica e das projees

    cartogrficas foi necessria para que as rotas fossem, ao longo do tempo, definidas com mais

    preciso.

    Um novo desafio se colocava: a Terra, de formato esfrico, precisava ser representada em

    um plano constitudo pela folha que se colocava sobre a mesa dos cartgrafos. As medidas de

    latitude e longitude precisavam ser respeitadas e, para isso, a preciso matemtica se tornava

    cada vez mais necessria. A linguagem da cincia, no Renascimento, consolidava-se como

    sendo a matemtica. Por meio de pontos, retas e ngulos, poder-se-ia localizar qualquer ponto,

    pessoa, lugar etc. num sistema tridimensional de coordenadas. Cabia, com as mudanas para-

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    digmticas do Renascimento, compreender como o mundo funcionava, muito mais do que

    compreender por que ele foi criado. O ser humano emerge como centro do universo e sua

    posio nesse universo, mesmo tendo como referncia a Terra, era importante para se ampliar

    os horizontes da cincia.

    Para que isso ocorresse, os europeus foram responsveis pela conquista de novas terras,

    associando-se ou dizimando outras populaes que j a viviam. Sua capacidade de conquista

    foi potencializada por alguns elementos: a caravela, mais leve e gil e que podia ultrapassar, por

    causa das suas velas, cabos com ventos contrrios; a plvora, elemento bsico para a demon-strao do poderio blico, que possibilitou o avano dos conquistadores sem se arriscarem no

    corpo-a-corpo das batalhas; e a bssola, instrumento que permitiu a orientao dia e noite

    nos deslocamentos pelos mares e pelas terras. A esses elementos, acrescenta-se a imprensa,

    inveno que permitiu o registro dos conhecimentos e sua divulgao em diferentes lnguas

    para todos aqueles que pudessem decifrar os cdigos das letras e slabas, e das representaes

    cartogrficas.

    Atitudes como a observao, a anotao, o uso de instrumentos, a descrio e a explica-o foram incorporados pela Geografia e, ainda hoje, so importantes para a abordagem do

    temrio geogrfico. Para completar esse quadro, importante lembrar o papel do mtodo

    cientfico, que serviu para que os cientistas se orientassem, registrassem e transformassem a

    observao dos fatos em elementos cientficos. O mtodo cientfico, como ele foi organizado

    no Renascimento, continha alguns princpios que, quando seguidos, davam o estatuto de cin-cia ao que era enunciado. Observar sempre, experimentar, utilizar a linguagem matemtica,

    decompor o fato estudado, no deixar de lado nenhum aspecto do fato para que ele tivesse

    todas as suas possibilidades esgotadas, eram os princpios que deviam ser seguidos por todos

    aqueles que tinham, como objetivo, fazer cincia.

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    3. A gnese da Geografia e da Cincia Moderna

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    3.1 Cincia e sociedade

    Os seres humanos compreendem o mundo de acordo com sua formao intelectual e sua

    capacidade de dominar o conhecimento. Neste processo, a histria humana desenvolveu dife-rentes tipos de conhecimento. So eles: senso comum, religioso, cientfico e filosfico.

    O senso comum o nvel de conhecimento que pode ser elaborado ou incorporado por

    qualquer pessoa, independentemente de sua condio de letrado ou no. Ele formado pelo

    domnio de informaes corriqueiras, tcitas e que se desenvolvem de acordo com o nvel de

    desenvolvimento cognitivo da pessoa e fruto da relao que estabelece com seu grupo social.

    Assim, andar de bicicleta, nadar, elaborar uma roupa, praticar uma profisso com a agilidade

    de manusear uma mquina etc., so formas de conhecimento que cada um pode dominar. O

    senso comum tem ntima relao com o sentido prtico da vida e resultado extrado do erro

    e acerto que generalizado para a orientao da relao social e das pessoas com a natureza.

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    O conhecimento religioso, por sua vez, depende da f da pessoa e no desenvolvido por

    nenhuma habilidade especfica. No se exige competncia para atingir esse nvel de conheci-mento, mas a crena em algo abstrato, subsumido na explicao pelo outro que , muitas vezes,

    situado fora da realidade objetiva. O conhecimento religioso habitado por entes e criaturas

    resultantes da capacidade de abstrao e de explicao para fatos que dependem apenas da f e

    no da experimentao ou da normatizao do conhecimento. comum que o conhecimento

    religioso se aproprie do senso comum e dele crie condutas morais importantes para a civili-zao em determinadas circunstncias da histria. Em alguns casos difcil separar o senso

    comum do conhecimento religioso, porque um se utiliza do outro diante dos impasses morais

    e de limitaes tcnicas da sociedade.

    O conhecimento cientfico considerado aquele decorrente dos princpios de organizao,

    registro, repetio e normatizao da realidade, cuja principal linguagem a matemtica. Ren

    Descartes (1596-1650), por exemplo, deduziu que o mundo resume-se a pontos, retas e ngu-los, estabelecendo os critrios para se localizar qualquer coisa no espao tridimensional que se

    orienta por trs ordenadas, podendo ser figurado em distncia, altura e profundidade.

    Assim, o conhecimento cientfico , necessariamente, cumulativo, organizado, comparativo

    e possibilita a previso de situaes futuras que no sero, necessariamente, demonstradas.

    Podemos tomar, como exemplo, o fato de que a sucesso de tempos em um perodo deter-minado define o clima de um lugar ou rea estudada, o que permite a previso da tendncia,

    em um tempo futuro, do que pode ocorrer. No se trata de adivinhao, mas de imaginar

    o que pode acontecer a partir de modelos e ritmos elaborados com referncia as medies,

    comparaes e anlises sobre dados obtidos com o auxlio de instrumentos que potencializam

    os sentidos humanos. A repetio de acontecimentos e de sucesso de fatos permite verificar

    regularidades com resultado imutveis que inspiram leis sobre a matria. Um conhecimento

    cientfico se baseia no fato concreto, naquilo que se apresenta do mesmo modo diante das

    mesmas causas e tempo de ao.

    Finalmente, o conhecimento filosfico racional e no necessariamente demonstrvel, ca-bendo quele que o domina, avaliar os outros tipos de conhecimento. Ele condensa a posio

    do pensador que julga como e de que maneira a sociedade pensa e age.

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    Esses tipos de conhecimento foram se diferenciando a partir do Renascimento, perodo

    da humanidade no qual se configurou a cincia moderna. A inveno da imprensa permitiu o

    registro do conhecimento e sua disseminao em uma forma que se repete para todos que a

    ele tem acesso, o que permitiu a elaborao de diferentes interpretaes para fatos e acontec-imentos comuns.

    3.2 Gnese da Geografia e da Cincia Moderna

    Os marcos cientficos da Geografia podem ser identificados por meio das obras de alguns au-tores6 e pelo conjunto de acontecimentos que marcou a expanso do horizonte geogrfico, prin-cipalmente as grandes navegaes (que j foram descritas no item anterior), o aprimoramento da

    Cartografia e as grandes invenes.

    Assim, a Geografia Moderna desenvolveu-se a partir da

    crtica dos conhecimentos do senso comum e do conhe-cimento religioso acerca do planeta Terra, reunindo desde

    o Renascimento7, a descrio sistemtica das caractersti-cas da superfcie terrestre, da observao dos fenmenos

    naturais e humanos nas diferentes regies do globo. Desta

    forma, a Geografia surgiu da necessidade de explicar o que

    existe, onde existe, a forma que se apresenta e quanto ou

    dimenso desse elemento ou objeto da natureza (planta, rio,

    solo etc.), estabelecendo as leis gerais do Cosmo. Assim como as demais cincias renascen-tistas, razo de encontrar uma lei teve funo de auxiliar tecnicamente sociedade na sua

    adaptao e aproveitamento dos recursos da natureza, vista como objeto de dominao das

    sociedades modernas.

    Apesar deste desenvolvimento cientfico, isto no quer dizer que as outras formas de con-hecimento tenham sido abandonadas. Assim, o senso comum incorporou o conhecimento

    geogrfico, mesclando-o com o conhecimento religioso e. Da mesma forma o conhecimento

    religioso admite a importncia de conhecimento cientfico, da filosofia e apela ao senso co-mum. Vejamos alguns exemplos.

    7. Renascimento: perodo que, na his-tria europia, transcorre, aproximada-

    mente, do final do sculo XIII a meados

    do sculo XVII. Tem esse nome por cau-

    sa da releitura que os europeus fizeram

    dos principais filsofos da antiguidade

    clssica, reinterpretando-os dentro de

    ideais humanistas e naturalistas.

    6. Vrios autores sero apresentados, resumidamente, no item IV.

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    O conhecimento cientfico e filosfico busca na reflexo e na experincia sistematizada e

    revisitada inmeras vezes para o aprofundamento de questes que no so objetivos do sentido

    prtico do senso comum e das exigncias da f. Como exemplo mais atual tem se a possibi-lidade cientfica de clonar o ser humano, ainda que no estejam dominados todos os conhe-cimentos sobre isso. A tcnica no aceita pela Igreja para a reproduo humana, mas no

    contestada para a reproduo animal. Filosoficamente a mesma questo vista como uma

    possibilidade que no traz o mesmo componente moral sobre a reproduo, mas sobre qual

    finalidade isso tem para a existncia humana no futuro. A cincia no se ausenta do debate,

    mas precisa descobrir mais sobre essa possibilidade para cura de doenas e para superao dos

    limites da reproduo humana.

    O resultado atual desse problema est sob um impasse se a pesquisa deve ou no continuar

    nesse sentido e se est sob controle seu avano ou no. Mesmo que a cincia e a sociedade esta-beleam e consigam impedir a clonagem humana por lei e por diversos bloqueios disponveis,

    a Filosofia no vai parar de refletir sobre o assunto. A simples possibilidade de uma doena

    destruir a fertilidade masculina em massa j colocaria uma questo para Igreja que obrigaria a

    alguma delas a mudar de posio, pois o que estaria em jogo a existncia humana. Algumas

    Igrejas no iro mudar de posio, mas a Cincia ir lutar pela vida. A Filosofia continuar a

    provocar e se contradizer seja qual destino prevalecer. Por sua vez, a Filosofia avanar mais

    que a cincia quando ela no conseguir responder, dando substncia para o conhecimento

    cientfico encontrar novamente seu caminho.

    Foi preciso distinguir essas formas de conhecimento para que voc possa se colocar perante

    o tema que estamos estudando neste momento: o pensamento geogrfico. Para maior aprofun-damento desse assunto, sugerimos a consulta da obra de Eliseu Savrio Sposito (2004).

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    4. Institucionalizao da Geografia

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    4.1. Incio de conversa

    Nosso convite aqui para que voc compreenda qual

    caminho a Geografia percorreu, em seu desenvolvim-ento, e como foi compreendida pela sociedade no pas-sado e no presente. Como vimos na primeira parte da

    disciplina, a Geografia no surgiu como conhecida

    hoje e os trabalhos de Herdoto, Estrabo e Ptolomeu

    so testemunhos deste acmulo de conhecimentos. Da

    mesma forma, existiram expedies militares desde o

    mundo antigo, com intuito de conhecer territrios e

    suas possibilidades e dificuldades de ocupao. Mas vejamos como na histria8 desta cincia

    h um momento em que ela deixa de ser uma preocupao de pessoas isoladas com suas curio-sidades sobre os fenmenos para que seja apropriadaspelas instituies governamentais e em-presas. Vamos analisar a institucionalizao da Geografia, processo pelo qual as informaes,

    8. Em estudos sobre a construo da geo-grafia comum ver a palavra evoluo do

    pensamento geogrfico. Preferimos fala

    de histria do pensamento geogrfico que

    no cria confuso e elabora a geografia

    como um processo construtivo que tanto

    assume teorias antigas em suas perspec-

    tivas como trabalha com novas teorias. A

    ideia de evoluo sugere uma superao

    e desgaste de uma ideia que nem sempre

    o que ocorre.

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    mtodos e investimentos no conhecimento se tornam interesse do Estado, governo, empresas

    e associaes com objetivos diversos. Esses atores institucionalizam a Geografia quando criam

    grupos de pesquisa, expedies e comitivas para investigar os territrios, as colnias ou mesmo

    espionar outros pases.

    Assim, uma empresa pode criar suas expedies conflu-indo com interesses do Estado9, sendo muitas vezes difcil

    de distinguir se buscam dominao poltica e/ou econmi-ca. Por sua vez, uma associao de vrios gegrafos e espe-cialistas afins pode ser criada autonomamente por interess-es cientficos ou a servio de um Estado e/ou investidores

    de variados interesses. Na medida em que as informaes

    geogrficas deixam de ser uma juno de informaes feitas

    por entusiastas para se tornar conhecimento estratgico de

    Estados e empresas, ela se institucionaliza dentro de um

    gabinete de governo, em reunies de sociedades de pesquisa, nos debates em esferas intelec-tuais e na criao de universidades. Surgiro desse complexo de interesses a realizao de ex-pedies cientficas/militares patrocinadas por alguns dessas instituies.

    Foi da expanso colonial dos reinos europeus que surgiram os primeiros relatos oficiais,

    como aquele elaborado por Pero Vaz Caminha ao rei de Portugal. Posteriormente aos relatos

    escritos, as principais viagens foram organizadas pelos chamados naturalistas, homens que

    dominavam cartografia, botnica e zoologia, matemtica e desenho, entre tantas outras habi-lidades que os fizessem comunicar aos seus financiadores as descobertas de suas investigaes.

    Em outros casos, as expedies buscavam entender a extenso de um continente ou de um rio

    e, para isso, navegar era a forma mais fcil para se atingir o objetivo pretendido. Havia tambm

    as expedies que buscavam cidades ou lugares mitolgicos com suas promessas de riqueza.

    Em todos esses casos foram perdidas muitas vidas e pequenas fortunas dos financiadores.

    4.2 Geografia escolar

    A institucionalizao da Geografia desenvolveu-se progressivamente, mas tem seu marco de-finitivo ao longo do sculo XIX , acentuadamente, na segunda metade e na virada para o sculo

    9. A palavra estado pode ser grafada com letra minscula quando se fala ge-

    nericamente de estados da federao,

    por exemplo, estado do Mato Grosso.

    Quando se fala em Estado com letra

    maiscula um nome prprio que de-

    signa a instituio que abriga gover-

    nos, por exemplo, Estado Nacional ou

    o Estado regido por leis. A palavra

    governo no recebe letra maiscula.

    Essa distino importante para que

    se entenda os texto sobre o assunto.

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    XX. O surgimento da Geografia escolar tambm faz parte do processo de institucionalizao da

    cincia geogrfica, o que ocorre inicialmente nas naes industrializadas ou ricas. Posteriormente

    incluso da Geografia nas cartilhas escolares, foram criados cursos universitrios para forma-o de professores. Isto ocorreu inicialmente na antiga Prssia, imprio que se tornou pioneiro

    na institucionalizao da Geografia escolar (CAPEL, 1991) e que o exemplo mais citado na

    literatura, depois acompanhado pelos outros estados nacionais modernos.

    No se deve concluir, por essas afirmaes, que a nica funo da Geografia na escola foi de

    servir aos interesses expansionistas e colonialistas. Entretanto, a estreita relao da Geografia

    escolar aos interesses do Estado Nacional foi fundamental para a delimitao e desenvolvim-ento de algumas teorias e metodologias geogrficas.

    A geografia escolar na antiga Prssia iniciou a construo de identidade de pertencimento

    territorial ligado cultura de suas populaes. Antes disso era a Prssia composta por duca-dos e pequenos territrios autnomos que no se constituam em uma fora organizada para

    defender um projeto nacional e consolidar uma indstria e um comrcio com menor barreira

    entre os pequenos territrios. Esse exemplo ser seguido mesmo por outros pases que se

    poderia considerar Estados Nacionais Modernos.

    No sendo suficiente apenas a educao bsica para este fim, se tornou imprescindvel a

    construo de uma teoria nacionalista que fundasse seus pilares em um territrio ou espao de

    identidades culturais e polticas. neste contexto que elaborada a Teoria do Determinismo

    Geogrfico, demonstrando o papel da natureza na formao cultural de um povo. Um conceito

    central desta teoria o de espao vital, que significa dizer que uma nao necessita de uma

    quantidade de espao explorvel correspondente ao seu contingente populacional.

    Na prtica, o conceito de espao vital foi exacerbada para uma ao poltica territorial expan-sionista prussiana, no caso da ocupao da Alscia-Lorena em 1870 (MORAES, 1996, p. 64).

    H um pressuposto que procura explicar o papel dos professores de Geografia: eles seriam

    os verdadeiros responsveis pela vitria na anexao desse territrio porque os soldados do

    exrcito prussiano haviam aprendido, por meio do aprendizado de Geografia, a interpretar

    mapas e estratgias militares espaciais. Essa teoria apropriada pela elite da nascente nao

    alem e explica, em parte, seus intentos expansionistas, que se estende no tempo (sculo XX)

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    com as incurses nos pases vizinhos durante as I e II Guerra Mundial. A essa tendncia, o

    historiador francs Lucien Febvre denominou determinismo.

    A importncia da escolarizao nos feitos blicos contra a Frana passou a ser considerada

    pelas naes como fundamental para a expanso alem; por isso, a Geografia comeou a figu-rar nas escolas com propsitos nacionalistas e no apenas informativos. Desde esse momento,

    a educao bsica passou a incluir, com mais certeza, a Geografia em suas cartilhas e planos

    de estudos identificados com a unidade de cada Estado-Nacional, fazendo parte, assim, da

    construo ideolgica de seus povos.

    No caso do Possibilismo (denominao que se deu ao conhecimento geogrfico produzido

    em territrio francs ou por influncia de importantes autores franceses), o conceito de gnero

    de vida criado por La Blache ops-se ao conceito de espao vital por colocar que a cultura

    que determina o uso do espao e sua adaptao ao homem. O territrio para La Blache

    repleto de possibilidades que as tcnicas podem auxiliar a superar as barreiras naturais e torn-

    las favorveis sociedade.

    4.3 Surgimento das universidades, sociedades reais de Geografia e colonialismo

    Para Horacio Capel (1991) o modelo universitrio da Alemanha importante de ser anali-sado. Em primeiro lugar, pela liberdade de pensamento garantida ao corpo de tericos, o que

    permitiu um impulso na construo de massa crtica independente nos quadros universitrios,

    o que poder ser considerado inovador at hoje. Esta liberdade de pesquisa e de pensamento

    foram instrumentos muito bem utilizados pela elite poltica desse novo estado nao na supe-rao do seu atraso em relao aos outros pases industrializados. Concomitantemente Geo-grafia universitria alem, surgiram as sociedades geogrficas para viabilizar o conhecimento

    espacial e territorial de diversos estados nacionais.

    As sociedades geogrficas foram, na maioria dos ca-sos, criadas no sculo XIX, a saber: Frana (1821), Ale-manha (1828), Inglaterra (1830), Mxico (1833) EUA

    (1852), Portugal (1875), Espanha (1876), Canad (1877), Brasil (1883)10. So conhecidas a

    investidas de outros pases em territrios das Amricas, Oceania, Africanos entre outros com

    10. Confira o texto novos horizontes para o sa-ber geogrfico (CARDOSO, 2005).

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    intuitos comerciais e expansionistas, colonialistas e

    neocolonialistas11. O papel dessas sociedades pode

    ser assim sistematizado: investigar os territrios que

    pertencem aos pases em que foram criadas; fornecer

    a base de informaes para os objetivos expansioni-stas nacionais; criar explicaes cientficas que sus-tentem o papel de dominao das metrpoles sobre

    as colnias. As sociedades tambm so identificadas

    por suas caractersticas: estatuto ou organizao in-terna prprios, que as diferenciam das outras; adoo

    da linguagem cientfica, principalmente aquela base-ada nas comprovaes dos feitos em debates pbli-cos; utilizao de instrumentos que potencializam

    a capacidade de observao dos gegrafos (bssola,

    termmetro, barmetro etc.) e legitimam as infor-maes obtidas em campo; linguagem prpria na

    descrio dos fenmenos estudados, inclusive com

    o recurso dos mapeamentos, cada vez mais precisos

    com o passar dos anos. Essas caractersticas so im-portantes para se criar um ambiente de exposio

    e debates sobre os conhecimentos de novas reas.

    Esse ambiente legitima as descobertas e d estatu-to cientfico aos escritos dos gegrafos. Finalmente,

    todo esse conjunto de aspectos positivos das asso-ciaes do-lhes importncia nos cenrios polticos

    nacionais, fazendo com que os governos ou mesmo

    mecenas se mobilizem para financiar os projetos de

    viagens de reconhecimento dos novos continentes.

    A prpria soberania dos pases no dependia

    mais apenas de uma ocupao que se fizesse pela for-a e pelas armas, mas pelo domnio de informaes12,

    12. Saber poder? Essa frase banalizada pelo senso comum ainda contm muito de verda-de para o bem e para o mal. O domnio de co-nhecimentos serve para controlar, embora sirva tambm para oprimir e destruir ideias, pessoas e obras humanas. Um dos papeis da educao criar uma condio de que o cidado supere a desinformao e os conhecimentos parciais ou superficiais para avanar para uma crtica qua-lificada. A escola no ensina ao cidado a ser crtico ou revoltado com a injustia, pois esse processo tem uma relao com o esprito de uma poca. No entanto, a educao tenta fazer na medida do possvel uma qualificao do discurso do cidado que servir a ele nos embates. A pre-ocupao aqui contida que o professor saiba de suas limitaes e de suas potencialidades. Sem esse entendimento o professor no encontrar nenhum sentido nobre em seu trabalho.

    11. O filme O homem que subiu a colina e des-ceu a montanha retrata como o Reino Unido refazia suas medies no interior de seu reino atravs de levantamentos topogrficos, estabe-lecendo cdigos e medidas que se transformam em referncias para todas as outras medidas. Neste caso, os cartgrafos do filme vo medir a altitude do monte Ffynon Garw, limite entre o Pas de Gales e a Inglaterra, considerando que uma montanha, no reino, s poderia assim ser considerada se tivesse, no mnimo, mil ps de altitude. Outro filme que apresenta a mesma preocupao pode ser o pico Lawrence das Arbias, que retrata a poca da independncia da Arbia Saudita em relao ao Reino Unido e, mais recentemente, em O paciente ingls. Final-mente, o filme Montanhas da Lua conta a histria de dois gegrafos exploradores que, em meados do sculo XIX, tentam descobrir as nascentes do Rio Nilo. No filme, destacam-se as formas como as caravanas so organizadas, como os gegra-fos utilizam instrumentos para potencializar sua capacidade de observao, como so registra-dos os fatos observados e como o conhecimento legitimado pela Sociedade Real Geogrfica da Gr-Bretanha. Toda essa filmografia relata par-cialmente o interesse em cartografar com maior preciso o espao, seja para instalar vias frre-as, seja para identificar riquezas e seus poten-cias de explorao, seja para fins de delimitao de territrios ou conhecer os terrenos para facili-tar deslocamentos de foras militares.

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    de tcnicas e seu uso na ocupao ou explorao dess-es territrios. Associado ao interesse de dominao, as

    sociedades geogrficas abrigaram personalidades com

    distintas formaes para elaborar seus planos naciona-is de viao, mapeamento poltico e topografia, entre

    outras informaes com base cientfica para fortalecer

    a soberania desses pases e destes sobre as naes que

    fossem incapazes de realizar os prprios inventrios

    ou explorar as suas riquezas. As sociedades geogrfi-cas tm como efeito a formao de investigadores e apoio aos seus construtos metodolgicos

    e de suas teorias e o engajamento delas aos interesses de seus patrocinadores13.

    Tanto a identidade nacional14 como a ocupa-o por colonizao ou expanso dependem de in-formaes consistentes sobre os territrios e espaos

    cobiados. As empresas tambm dependem de infor-maes precisas sobre a geografia desses territrios

    para investir em estradas, portos e outras estruturas

    de extrao de riquezas com menor investimento

    e maior velocidade de retorno. O sculo XIX de-terminado pela mudana das tcnicas para a cincia

    sistematizada. A primeira revoluo industrial ainda

    tem seus efeitos impressionantes e o trabalho assala-riado serve de base para o sistema capitalista ser preponderante. O florescimento da cincia

    tem um papel pragmtico crescente e as universidades no ocupavam funo to relevante

    quanto tinha as grandes expedies patrocinadas pelas sociedades geogrficas. A cincia ir

    progredir entre um processo de avano capitalista em favor de suas necessidades e pelos desa-fios cientficos que so impostos pelos avanos resultantes desse processo.

    14. Identidade nacional se confunde com ufa-nismo ou um elogio exagerado, preconceituo-so, excludente, acrtico e parcial de algumas pessoas que se dizem amar um pas. funda-mental que esses elogios sejam contidos pela realidade dos fatos e no por uma imagem ideal de um pas. Os regimes ditatoriais co-locam frases do tipo Amem ou deixem! Que resumem a ideia de que amar incondicional-mente um pas justifica a injustia, perseguio e assassinato de opositores ordem vigente! No entanto, h que ter uma identidade cultural crtica que a base do humanismo e respeito aos direitos universais!

    13. O filme Montanhas da Lua (1990) um registro artstico que serve para ilustrar como

    era o funcionamento de algumas dessas so-

    ciedades cientficas ao adaptar fatos da hist-

    ria real ocorrida em 1850 quando dois oficiais

    britnicos, Capito Richard Burton e Tenente

    John Speke, realizaram expedies para des-

    cobrir a nascente do Nilo em nome do Imprio

    Britnico da Rainha Victria. A indicao des-

    te filme j ocorreu no item anterior.

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    4.4 Os referenciais das escolas clssicas do pensamento geogrfico

    No final do sculo XIX e incio do sculo XX,

    duas escolas de pensamento geogrfico poderiam

    ser distintas por suas bases e propostas tericas: a

    escola alem e a francesa . Elas so responsveis

    pelos debates mais enriquecedores da Geografia

    Moderna. Os principiais nomes da escola alem

    so Alexander Von Humboldt, Karl Ritter15 e Friederic Ratzel (1844-1904). Na escola francesa,

    Elise Reclus e Vidal de La Blache tiveram grande

    influncia, sendo este ltimo o mais referenciado16.

    De maneira muito geral, reputa-se escola alem o

    que se chama determinismo geogrfico e geografia

    geral e a escola francesa citada como possibilista

    e com a abordagem da geografia regional.

    Como vimos anteriormente, o determinismo geogrfico explicado como sendo base-ado na fora das caractersticas fsicas para o comportamento, formao, evoluo e progresso

    de uma sociedade. Por exemplo: pases com litoral muito recortado favorecem as navegaes,

    como se pode dizer das costas dos pases banhados pelo mar Mediterrneo. O possibilismo,

    por sua vez, a tendncia terica que defende que um povo, dependendo do seu progresso tc-nico e cultural, pode conduzir mudanas e adaptar-se o meio geogrfico de forma aproveitar

    dele e transform-lo em seu favor. Sem reduzir a importncia das condies fsicas sobre a

    sociedade e sem exagerar na influncia do aporte cultural na transformao do espao natural,

    essas duas correntes fundam a discusso sobre a relao entre sociedade e natureza, que ainda

    central na produo cientfica da Geografia.

    Comum entre ambas foi a apropriao poltica das teorias para justificar o colonialismo,

    seja na depreciao de um povo e estgio de desenvolvimento tcnico primrio em relao aos

    colonizadores que defendida pelo possibilismo; seja para justificar a dominao de um povo

    por estar fadado s limitaes impostas pelo meio em que vivem. No entanto, se fizermos uma

    15. Karl Ritter (1779-1859). Gegrafo alemo que descobriu a existncia dos raios ultravioletas em 1801 e considerado, junto con Humboldt, um dos principais fundadores da Geografia mo-derna.

    16. A influncia da obra de Reclus na Frana foi enorme e suas obras tiveram alcance em escolas

    do mundo todo. Reclus no teve um papel impor-

    tante na geografia institucional por ser um anar-

    quista e estar envolvido em questes contrrias

    ao Estado. La Blache teve um papel acadmico

    e poltico sem oposio ao Estado e muito de sua

    obra esteve a servio dele. A revista Hrodote

    publicou um nmero especial de comemorao

    dos 100 anos da morte de Reclus (1905-2005),

    contendo alguns textos em francs que descre-

    vem o esforo de La Blache em apagar as fortes

    referencias reclusianas na geografia francesa.

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    leitura mais aprofundada dessas duas escolas e, principalmente, dos escritos dos tericos cita-dos, no ser encontrada uma posio to polarizada quanto se acredita porque foi a apropria-o poltica e as conseqncias dessa apropriao que deram nfase superficial no pensamento

    desses pioneiros da Geografia moderna.

    A Geografia geral uma proposta de abordagem que parte do princpio que um fenmeno

    geogrfico deve ser visto em escala mundial ou tomando-se como referncias as grandes su-perfcies. A compreenso metodolgica, neste caso, baseia-se em fazer um inventrio de tudo

    que engloba grandes superfcies e dados gerais que alimentem uma lei geral da natureza. A

    coleta de informaes sobre flora, fauna, distribuio hdrica, tipo de relevo, distribuio popu-lacional entre outras informaes gerais do meio fsico sustentam apreciaes dessas grandes

    superfcies e de seus fenmenos. A demanda cientfica justificou expedies investigativas por

    todo o mundo e tanto mais nos pases colonizados. Conhecer a natureza e a sociedade desses

    pases e continentes era determinante para se construir uma Geografia geral e, por meio dela,

    compreender a complexidade do mundo natural. O tipo de trabalho derivado desses inven-trios era descritivo e sem nfase na ao humana como agente transformador. importante

    ressaltar que, embora procurassem paisagens e fenmenos que se repetissem para criar leis

    gerais, no possuam, ainda, o que hoje se chama viso sistmica (interao) ou a noo de

    natureza como fruto relacional de fenmenos que interagem e se retroalimentam.

    A crtica ao descritivismo deve ser amenizada se levarmos em conta que os meios tcnicos

    disponveis e a linguagem daquele perodo no desfrutavam dos mecanismos que possumos

    atualmente; por isso, retrat-los literariamente e detalhadamente era a forma adequada de

    tratar as informaes coletadas. O correto dizer que, aps os progressos tericos e tecnolgi-cos, a descrio detalhada pode ter sido uma herana de formao de alguns gegrafos que

    perdura em algumas produes cientficas.

    A geografia regional elaborada por Vidal de La Blache considerada uma construo

    terica importante e responsvel pela manuteno da importncia da geografia como cincia.

    Capel afirma que aps a morte de Humboldt e Ritter, ambos em 1959, a geografia tendeu ao

    esfacelamento em vrias disciplinas e quase desapareceria se no fosse a necessidade de criar

    uma geografia escolar. Do ponto de vista terico a geografia geral dava respostas para fen-menos amplos, mas esse nvel de informao no produzia explicaes das aes humanas em

    seu meio natural. La Blache conseguiu delinear que o propsito da geografia era identificar em

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    fragmentos do espao uma regularidade de fenmenos naturais e sociais. A geografia regional

    busca identidades em escalas mdias e pequenas. A diviso regional se far por caractersticas

    naturais, pela composio tcnica de seus habitantes na relao cultural e natural. Em algumas

    abordagens como se o gegrafo tivesse que descobrir a regio por fenmenos especficos. Se

    ouvirmos algum falar que existe a regio Nordeste no Brasil, isso quer dizer que ela com-posta por um tipo de natureza dominante, um histria poltica e de desenvolvimento que a

    faz diferente da regio Sul ou Centro Oeste. O trabalho regional poder produzir subdivises

    e de uma forma geral serve par ao planejamento territorial de uma regio ou delimitao de

    uma regio administrativa de interesse maior do Estado. La Blache salva a geografia do desa-parecimento e recoloca uma funo que a faz sobreviver ao desaparecimento. As metodologias

    mudam ou mudam suas nfases.

    A Geografia regional depende de uma descrio, mas exige uma abordagem que crie a

    identidade regional. A comparao entre os fenmenos importante, mas nas escalas regionais

    pode ser pouco expressiva para dar uma identidade natural particular. Exemplo prtico disso

    falar da regio Nordeste como tendo uma nica identidade e compar-la com a regio da

    Provena, na Frana, que menor (em superfcie) que o estado de Sergipe. A caracterizao

    regional relativa ao pas e suas pesquisas para a gesto poltica, administrativa e produtiva e

    no pela dimenso territorial.

    A Geografia geral, como foi praticada h um sculo, entrou em decadncia por no servir

    aos interesses do Estado-Nacional moderno e, segundo vrios autores, a Geografia regional

    lablachiana recolocou em cena a importncia da Geografia e a impediu de sucumbir pela frag-mentao em outras disciplinas, como Geologia, Climatologia, Biologia entre outras.

    A discusso entre Geografia nomottica ou geral (que busca leis gerais) e Geografia id-iogrfica ou regional (que busca identidades particulares) estar sempre ressaltada nos debates

    tericos, metodolgicos e epistemolgicos, e tambm polticos e ideolgicos. importante

    enfatizar a influncia poltica e ideolgica nesse debate porque a informao cientfica tem

    uma vertente pura e objetiva pela busca do conhecimento da realidade e uma objetiva e sub-jetiva associada aos interesses concretos dos governos, empresas e pessoas, que resultam em

    incompreenses e refutaes por desconfiana dos interesses escondidos em alguns de trabal-hos cientficos.

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    A diviso entre Geografia fsica e humana tambm se faz importante entre essas correntes

    (alem e francesa), dando a entender que a Geografia alem seria determinista, descritiva,

    geral, nomottica e fsica e que a francesa seria possibilista sinttica, regional, particular, id-iogrfica e humana. No to simples assim e uma compreenso desse modo sobre o pensa-mento geogrfico pode levar a entender que um trabalho em Geografia humana est livre de

    descrio e das informaes fsicas. Ou que um trabalho de Geografia fsica pode eliminar a

    informao dos grupos e aglomeraes sociais e sobre sua influncia sobre a natureza. No en-tanto, esta no uma verdade absoluta nem definitiva. H diferentes possibilidades de se fazer

    trabalhos, em qualquer uma das vertentes, com qualidade e com abrangncia suficiente para se

    descrever e explicar os territrios. H trabalhos em Geografia fsica de alta qualidade que no

    necessitam falar da sociedade e h trabalhos em Geografia humana de inestimvel valor que

    no necessitam fazer inferncia aos fenmenos fsicos. Na seqncia, apresentamos um quadro

    que separa as relaes entre as duas tendncias. Esse quadro no deve ser seguido risca nos

    dias atuais, j que as tendncias metodolgicas e tericas se mesclam e oferecem elementos

    que explicam mais a realidade dos fenmenos do que na forma como esto expostos.

    Caractersticas Geografia Alem Geografia Francesa

    Teoria CentralEspao vital: equilbrio entre uma populao e recursos

    naturais disponveis

    Gnero de vida: a cultura de uma sociedade capaz de adequar s limitaes naturais e transform-las em

    vantagens

    Objeto da geografia Leis gerais da naturezaIdentificar a relao homem e

    natureza

    ConceituaoCincia dos lugares, no dos

    homensCincia de sntese

    MetodologiaDescritiva/inventrio/causas/

    observaoRelacional/ imbricaes/

    finalidade natureza

    Carter dos resultados cientficos

    Determinista(homem produto do meio)

    Possibilista(a cultura transforma o meio)

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    Apresentao dos resultados Anlise Sntese

    Escalas de abordagem Geral Regional

    Forma do construto cientfico

    NomotticaLeis gerais e normativas: regularidades de fenmenos e

    suas causas

    IdiogrficaEncontrar uma identidade especfica de uma parte do

    espao

    Primazia Fenmenos fsicos Fenmenos sociais/naturais

    Propsito poltico Expansionista Colonialista

    Quadro 1: Quadro sntese comparativo, geral e parcial dos marcos das escolas de geografia Francesa e Alem

    O quadro comparativo apresentado simplificador e contm uma distino bastante super-ficial da sistematizao da Geografia moderna. Essa tendncia que separa uma da outra desa-parece em trabalhos elaborados no sculo XX e haver muita proximidade entre o construto

    terico dessas duas correntes que esto apresentados com muita generalidade. Nesse sentido,

    o quadro deve ser considerado apenas como uma sistematizao geral de caractersticas muito

    amplas e ele deve ser visto com cautela, por ser seu objetivo mais pedaggico do que fiel ao

    fato cientfico que o inspirou.

    Nas distines entre gegrafos que veremos a seguir, ser possvel notar que h pensam-entos de franceses que incorporam propostas de alemes e vice-versa. Tomar essa ideias de

    maneira simples pode levar ao estudo empobrecido de cada um desses pensadores e fazer cair

    em erros como os que reputam ao historiador Lucien Febvre que distinguiu a geografia em

    duas vertentes (determinista e possibilista). Em um estudo sobre a obra de Humboldt, Ritter

    e Ratzel, ser possvel verificar que eles reconheciam

    o elemento cultural na transformao do espao. Do

    mesmo modo, a escola francesa no desconsiderava

    as influncias do meio fsico no desenvolvimento das

    sociedades. (Moraes, 1989, 1990)17

    17. Este trabalho de Moraes A gnese da geografia moderna que aprofunda o pensa-

    mento de Humboldt e Ritter e a continuidade

    desse trabalho em outro livro intitulado Rat-

    zel (1990) so caminhos que fazem justia

    amplitude do pensamento desses trs ge-

    grafos, superficialmente e injustamente cha-

    mados de pais do determinismo geogrfico.

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    Mediante o que foi exposto anteriormente, importante entender que as definies de deter-minismo e possibilismo servem mais aos interesses ideolgicos do Estado-Nacional moderno. Isso

    distorceu os conhecimentos elaborados por esses gegrafos em favor dos objetivos colonialistas e

    expansionistas dos Estados-Nao sem qualquer compromisso cientfico com esses pensadores,

    embora alguns deles estivessem identificados com os interesses polticos de seus pases.

    4.5 O pensamento geogrfico alemo (Humboldt, Rit-ter, Ratzel, Hettner, Richthoffen)

    Alexandre von Humboldt (1769-1859) considerado

    um gegrafo de campo18 cujo objetivo era encontrar leis

    gerais sobre os fenmenos naturais. As regularidades dos

    fenmenos fsicos forneceriam informaes gerais sobre a

    dinmica fsica global. Sua obra Cosmos tem o papel de

    identificar leis gerais com forte relao com a compreenso

    platnica19. Desse modo, era importante conhecer as causas

    dos fenmenos fsicos. A observao e a descrio (textual,

    inventrios, desenhos e cartogrfica) so as tcnicas de in-vestigao que mais utilizou. A proximidade entre o fil-sofo Kant e Humboldt no foi confirmada pelos registros

    histricos, mas o trabalho realizado por Humboldt pro-fundamente associvel ao construto terico elaborado por

    Kant, principalmente em sua obra A crtica da razo pura.

    Por isso, o princpio de causalidade (princpio segundo o qual todos os fenmenos na superf-cie da Terra tm uma explicao causal e no casual de sua existncia) fortemente ligado ao

    pensamento humboldtiano.

    Karl Ritter (1779-1859), gegrafo alemo tem, em vrios

    aspectos de seu pensamento, aproximao com o que produziu

    Humboldt. possvel simplificar afirmando que este ltimo

    era um gegrafo de campo e Ritter um elaborador de gabi-nete20. Ritter teve um papel preponderante na construo

    dos cursos de formao de professores de geografia (Capel,

    18. Entre os gegrafos, comum se afirmar que um cientista de cam-

    po quando se dedica busca de

    dados primrios em trabalhos direta-

    mente voltados para atividades em-

    pricas, em viagens, entrevistas, ob-

    servaes, anotaes e descries

    do que observado.

    19. O cosmos platnico deve ser en-tendido como totalidade da expres-

    so possvel do ser; ou seja, expres-

    so do bem. Plato no compreendia

    o todo por seu carter corruptvel, ou

    seja, por empreender em seu mtodo

    a concepo do sensvel pelo sens-

    vel, uma vez que; segundo Plato, a

    realidade fsica nos engana.

    20. Entre os gegrafos, afirmar que um gegrafo de gabinete procu-

    rar demonstrar que seu trabalho pri-

    vilegia fontes escritas produzidas por

    outros cientistas, cabendo a si o papel

    de ler, interpretar e sistematizar os co-

    nhecimentos produzidos por outrem.

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    1991). Foi professor de Elise Reclus e Karl Marx. Esse fato d conta de como a profuso da

    Geografia moderna influenciou o pensamento cientfico da virada do sculo XIX para o XX.

    O princpio de analogia, sistematizado por Ritter, segue a inteno de descobrir leis gerais da

    natureza. Esse princpio tem, como base, a comparao entre os fenmenos para destacar suas

    particularidades, destacando diferenas e semelhanas entre eles.

    Ferdinand von Richthofen (1883-1905) segue por uma perspectiva que se pode denominar

    de humboldtiana de totalidade (harmonia natural). Von Richthofen era emprico-naturalista

    que se servia das observaes de campo e das formas de relevo. Esse tipo de trabalho refora a

    geomorfologia no papel de descrio e compreenso das paisagens e seus relevos. Ele fez uma

    viagem China que durou cinco anos, de leste a oeste e de norte a sul, colhendo informaes

    e mapeamentos sobre a rota da seda. Efetuou estudos geolgicos e levantamentos topogrficos

    completados com informaes econmicas e sociais. Na Alemanha, passou sete anos elabo-rando o grande mapa da China, tarefa que o notabilizou como um dos grandes gegrafos do

    mundo.

    Alfred Hettner (1859-1941) considerado neokantiano. Ele pe a Geografia no plano de

    encontro do nomotetismo e do idiografismo, centrando a referncia unitria no conceito de

    regio. Para ele, a regio a categoria universal da Geografia, o conceito portador da capaci-dade de oferecer uma viso de unidade de espao que ele denomina corolgica que seria con-figurada atravs da pluralidade dos aspectos fsicos e humanos. Desse ponto, o conceito auxilia

    a forjar a sntese do mundo, que seria a identidade metodolgica e cientfica da Geografia.

    Assim, chega-se sntese regional por intermdio da interao entre a Geografia sistemtica,

    parte da Geografia encarregada de realizar a anlise dos fenmenos no seu plano tpico, e a

    Geografia regional, a verdadeira Geografia, que se serve da primeira, ao mesmo tempo em que

    lhe impe a necessria unidade sinttica. Embora crtico de Kant ao realizar o esforo de unir

    a Geografia geral regional, sua anlise e sntese parece buscar algo semelhante ao kantismo

    quando une empirismo (observao) com racionalismo (razo) na busca da diferenciao das

    reas ou entender o porqu delas se diferenciarem.

    Leo Waibel (1888-1951) Dois conceitos destacam-se na elaborao terica do autor: o de

    Wirtschaftsformation (Formao Econmica) e o de Kulturlandschaft (Paisagem Cultural).

    Analogamente a uma formao vegetal, afirma Waibel, uma paisagem econmica contnua

    pode ser denominada de formao econmica. A agricultura emprega para essas unidades, se-

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    jam extensas ou reduzidas, geralmente a denominao de zonas. Ele fala, assim, de uma zona

    de cultura de hortalias, uma zona triticultora, uma zona de lacticnios etc. J a paisagem cul-tural, dentro da Geografia agrria, entendida como resultante do uso do solo, ou seja, do tipo

    de cultivos, tcnicas utilizadas, estradas e instalaes, determinado pela Formao Econmica

    (ETGES, 2000).

    4.6 O pensamento geogrfico francs

    Elise Rclus (1830-1905) foi aluno de Karl Ritter e produziu uma Geografia com forte

    referncia em Humboldt e Ritter. A obra de Rclus teve impacto importante na educao da

    Frana, Espanha e outros pases da Europa. De fato, foi essa referncia que teve relevncia para

    os gegrafos franceses que o sucederam, embora haja registros de que La Blache combateu

    essa influncia na Frana. Seus livros, sua atividade poltica como anarquista e sua dedicao

    educao fez Rclus ser popular e reconhecido. possvel afirmar que ele prenunciou as bases

    do geoambientalismo, da sustentabilidade e de uma geopoltica prxima da compreenso con-tempornea. Sua formao pela escola alem no o fez um determinista e sua posio poltica

    deixou mais claro que a ao humana responsvel pela transformao do espao reconhecen-do a capacidade de poluio e necessidade de uso adequado da natureza. A base metodolgica

    que ele deixou para a Geografia impedia a separao dos fotos humanos e dos fenmenos

    naturais, trazendo conjuntamente a preocupao com a liberdade das naes e de seus povos.

    Vidal de La Blache (1845-1918) foi responsvel pelo conceito de gnero de vida e criou as

    bases metodolgicas da regionalizao que recolocou a Geografia como disciplina importante

    entre as demais cincias. A proposta vidalina serviu ao planejamento estatal e permitiu o de-senvolvimento de monografias regionais que buscavam identidades espaciais ou idiogrficas

    para espaos determinados por variveis comuns, procurando superar as limitaes que a Geo-grafia geral, caracterstica da escola alem, tinha para a compreenso da organizao espacial.

    Jean Brunhes (1869-1930) preocupava-se com a poltica e tinha posies consideradas

    catlicas sociais. Sua obra sobre os princpios da Geografia colocava a existncia de vrios

    nveis de percepo dos fenmenos. Primeiro, estaria a Geografia das necessidades vitais (ex-plorao da terra), depois a Geografia social e, por fim, a Geografia histrica e poltica. O

    mtodo por ele proposto considerava os seguintes feitos essenciais: a) a ocupao improdutiva

    (casas e vias); b) a conquista vegetal e animal (cultura e pecuria) e c) a economia destrutiva

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    (devastao dos animais, vegetais e explorao mineral). Essa superfcie seria encontrada a

    ao da sociedade e acresceria o nome da Geografia Humana como referncia para escola

    francesa de geografia.

    Max Sorre (1880-1962) elaborou o conceito de habitat que se refere poro do planeta

    vivenciada por uma comunidade que a organiza. a humanizao do meio, que expressa

    mltiplas relaes entre o homem e ambiente que o envolve. Aproxima-se do axioma vidalino

    de gnero de vida.

    Emmanuel de Martonne (1873-1955) conhecido por desenvolver, ao longo de sua vida,

    um amplo trabalho docente de difuso da Geografia como cincia experimental. Visitou duas

    vezes o Brasil (1933 e 1937), realizando levantamentos morfolgicos e ministrou cursos na

    Universidade de So Paulo. Seu estudo sobre problemas morfolgicos do Brasil tropical-atln-tico foi um dos primeiros trabalhos de geomorfologia climtica no mundo. Para ele, tudo

    aquilo que existe na superfcie terrestre e forma parte da paisagem pode ser considerado como

    um fato geogrfico. Um fato geogrfico se caracteriza por ser um elemento tangvel e , de

    certo modo, permanente ou estvel, como as montanhas, os rios, as comunidades humanas,

    um edifcio, uma rvore etc. O fenmeno geogrfico ocorre quando se pode observar uma

    mudana mais ou menos imediata na superfcie terrestre, mostrando alteraes no ambiente.

    Pierre Deffontaines (1894-1978) iniciou seu contato com o Brasil na dcada de 1930 e,

    conjuntamente, com Pierre Monbeig, fundou a cadeira de Geografia na Universidade de So

    Paulo em 1935. Foi, tambm, um dos principais responsveis pela criao da Associao dos

    Gegrafos Brasileiros, do Conselho Nacional de Geografia e da Revista Brasileira de Geo-grafia. Defontainnes foi fortemente influenciado por Jean Brunhes, por sua vez discpulo de

    Vidal de la Blache. considerado introdutor da escola francesa de geografia no Brasil e teve

    papel determinante na estrutura do curso de formao de professores de Geografia. Seus ar-tigos, de cunho vidalino (ou lablacheano), descreviam a dimenso continental do Brasil, onde

    a natureza definia a organizao das atividades humanas. Como La Blache, ofereceu ao Brasil

    uma matriz de pensamentos ao dispor do planejamento estatal e com os projetos nacionais

    brasileiros da era Vargas.

    Pierre Monbeig (1908-1987), tambm influenciado pela geografia regional vidalina, de-staca a importncia da cultura na transformao do espao e se coloca em posio oposta ao

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    determinismo econmico (GAETA, 2007). Dantas (2005, p. 30) afirma que sua ideia de com-plexidade em geografia humana coloca a necessidade de ir alm da descrio, indo buscar as

    contingncias que cercam a relao entre o homem e a natureza. A Terra, para Monbeig, um

    todo cujas partes se condicionam. O homem ser o perturbador de um equilbrio complexo

    e o gegrafo dever recolher como essas diversas influncias contribuem para a formao es-pacial e adaptao humana. Como co-fundador da cadeira de Geografia na Universidade de

    So Paulo, em 1935, ir influenciar a formao de gegrafos com forte cunho da Geografia

    regional francesa que dar escola de Geografia brasileira sua nfase na Geografia humana.

    4.7 As abordagens de inspirao anglo-americanas

    Ellen Semple (1863-1932) tem proximidade com a obra de Ratzel (Antropogeografia) e

    inspirou a produo de vrias obras e artigos caracterizados como sendo deterministas. Em seu

    pensamento, o meio fsico tem papel mais preponderante do que a ao humana e sua cultura

    na transformao espacial. Ou seja, o meio determina o homem, em palavras diretas. O deter-minismo geogrfico, como se conhece hoje, tem mais sua influncia do que reputam a Ratzel

    e ir dar um carter prprio Geografia anglo-saxnica com maior nfase no empirismo e na

    descrio do meio fsico. Semple, por exemplo, recorre Bblia, em alguns de seus escritos, para

    definir a importncia da natureza sobre a sociedade. A finalidade de seus trabalhos entender

    as vantagens ambientais e suas influncias no desenvolvimento econmico.

    Ellsworth Huntington (1876-1947) concluiu que as populaes de regies frias tinham

    performance econmica superior de pases tropicais, fenmeno ao qual chamou de paradoxo

    tropical. De acordo com esse gegrafo, a influncia do clima na performance econmica tam-bm podia ser verificada nas estruturas polticas pois os Estados tropicais tendem a ter uma

    histria poltica instvel. O determinismo climtico que baseou a obra de Huntington, passou

    a ser uma considerao exarcebada para outros campos e utilizado como explicao simplria

    para explicar a pobreza e subdesenvolvimento.

    Richard Hartshorne (1899-1992) conhecido por seu mtodo de regionalizao que, dife-rente do que props La Blache, seleciona elementos para se delimitar um espao e no a

    totalidade de elementos que o compe. A regio, para Hartshorne, deve ser compreendida

    conceitualmente quando especializada por funes correlatas. No quer dizer que ele negue

    a regionalizao tradicional, mas aprofunda o pragmatismo da informao geogrfica que deve

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    ter finalidade para o planejamento e desenvolvimento humano. Seus trabalhos so influencia-dos pelo kantismo e ele escreveu um texto importante sobre a relao das obras de Kant e de

    Humboldt (HARTSHORNE, 2006).

    David Harvey (1935) tem sua formao na Geografia quantitativa mas, aos poucos, foi

    se apropriando das bases epistemolgicas marxistas. Por essa mudana de perspectiva, ele

    considerado um dos pilares da Geografia radical. Os pressupostos de Harvey colocam a luta

    de classes no centro dos debates temticos da Geografia com uma qualidade que extrapola

    a ideologia que marca parte da corrente da Geografia crtica mundial. Seus escritos sobre a

    ao do capital na civilizao servem de pilar para a construo de uma crtica globalizao

    e para a compreenso da ao das corporaes na internacionalizao do capital. A sociedade

    est no centro do debate geogrfico e na esquerda poltica arrefecida no final da dcada de

    1990, mas com mais aprofundamento aps a crise econmica de 2008. Sua obra A condio

    ps-moderna referncia, no Brasil, para se entender sua compreenso terica da Geografia.

    Edward William Soja (1940) tem seus trabalhos voltados para o planejamento urbano.

    Seus referenciais tericos baseiam-se no materialismo histrico e ele percorre um caminho

    mais ecltico entre os gegrafos radicais estadunidenses. Sua obra Geografias ps-modernas

    polmica e teve enorme repercusso na dcada de 1990. Soja considerado, por alguns crticos,

    como um gegrafo ps-moderno por sua aproximao com a Geografia cultural.

    Doreen Barbara Massey (1944) referenciada por produzir trabalhos influenciados pelo

    materialismo dialtico e, por isso , definida como gegrafa marxista. Um dos seus campos de

    estudo a globalizao e suas relaes com o desenvolvimento das cidades, e a reconceitual-izao do espao urbano e na diviso espacial do trabalho. Seu conceito de geometria do poder

    tem como aporte a compreenso das profundas divises entre ricos e pobres e as desigualdades

    provocadas pelo capitalismo. Seus argumentos so que o espao composto por vrias iden-tidades que no esto congeladas, ou seja, o espao permeado por processos permanentes de

    mltiplas identidades e no fechado, mas consequncia de superposies de aes humanas

    dinmicas.

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    5.1 Introduo

    No Brasil h marcos importantes sobre a institucionalizao da Geografia como foram

    as fundaes dos Institutos de Histria e Geografia Brasileiro no Rio de Janeiro em 1938 e

    os que surgiram em vrios estados do pas, inicialmente ocupado por engenheiros militares,

    cartgrafos, advogados e historiadores. A criao do curso de formao de professores de

    Geografia com a fundao da Universidade de So Paulo um marco importante para a for-mao de uma massa crtica com base na Geografia. A criao do Instituto de Brasileiros de

    Geografia IBGE viabiliza a produo e divulgao de informaes estratgicas para o Brasil.

    Nos ltimos cinqenta anos, o Brasil vivenciou a emergncia de trs tendncias importantes

    no pensamento geogrfico. Essas tendncias so antagnicas quanto ao mtodo, s temticas

    e componente ideolgica.

    5. A institucionalizao da Geografia no Brasil

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    A new geography ou Nova Geografia decorre

    de uma ruptura metodolgica, ideolgica e episte-molgica no fazer cientfico geogrfico. De forma

    geral, essa referncia feita, por um lado, adotando

    em bases matemticas e estatsticas para abordar o

    fenmeno geogrfico e, por outro, pela considerao

    mais humanista centrado na percepo do indivduo

    sobre o prprio espao. Caberiam, nessa Geografia,

    novas outras foras tericas e correntes ideolgicas,

    porm, so as tendncias citadas as que carregam essa denominao. Na perspectiva matemti-ca, estatstica, quantitativa ou teortica (traduo equivocada do vocbulo ingls theoretical

    que significa terica), o pressuposto central considerado neopositivista21 por defender a ideia

    de que o fenmeno geogrfico um fato verdadeiro se houver regularidade, forma especfica

    e repodutibilidade. Se o fato for propositivo para criar modelos tericos matemticos, por ser

    matematizvel e mensurvel, pode se tornar a base para a elaborao de uma informao, de

    um modelo e de uma teoria. A busca por modelos permitiu um desenvolvimento impression-ante nessa tendncia, acumulando a crtica de no ser capaz de tratar de questes sociais com

    qualidade ou de propor a criar modelos infalveis sobre a realidade geogrfica de um fenmeno

    ou de um pas.

    No Brasil, a Geografia quantitativa teve seu ncleo gerador de trabalhos a UNESP de Rio

    Claro e a Universidade Federal do Rio de Janeiro, que ofereceram uma produo terica e

    cientfica que deixou uma tradio importante. A geografia quantitativa enfraqueceu-se desde

    a dcada de 1990, com o desaparecimento dos tericos

    que foram pilares da defesa dos fenmenos quantifica-dos e de modelos derivados. O IBGE22 foi o bero

    da Geografia quantitativa porque foi importante para

    esse rgo governamental fortalecer essa forma de

    abordar os fenmenos. Com o fim da ditadura militar

    que definiu o regime poltico brasileiro (1964-1985),

    no se pode dizer que a mesma carga ideolgica per-maneceu como na dcada de 1970 e de outros pero-dos histricos. O IBGE notabilizou-se, tambm, por

    22. O IBGE faz parte de uma histria nacio-nal de 188 anos de busca do registro estats-

    tico do Brasil que foi iniciada 1m 1822. A data

    de fundao do IBGE foi em 1936 e desde

    ento tem servido como base para o plane-

    jamento poltico, administrativo e territorial,

    sendo o bero da profissionalizao institu-

    cional da informao geogrfica baseada em

    sensos de diversas naturezas. Para obter

    as informaes oficiais da histria do IBGE

    acessar o stio: http://www.ibge.gov.br.

    21. Neopositivista: pessoa ou tendncia que se identifica com o neopositivismo, doutrina

    filosfica que se desdobra a partir dos ensi-

    namentos da Escola de Viena, cujo objetivo

    principal foi restabelecer a linguagem mate-

    mtica como linguagem genuinamente cien-

    tfica e do princpio da falseabilidade como

    possibilidade de se provar se o conhecimen-

    to verdadeiro ou no.

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    ser responsvel por contribuies fundamentais para o planejamento das polticas pblicas do

    pas e de suas comparaes em escala global, alm da realizao dos recenseamentos gerais

    decenais que permitem inmeros estudos sobre populao e economia, por meio de clculos

    de inflao e PIB, por exemplo.

    A Geografia humanista ou da percepo

    considera a percepo que o indivduo elabora

    do espao e percorre o caminho das emoes e

    representaes subjetivas das populaes. Ela

    constitui uma tendncia tambm conhecida

    como fenomenolgica23 e por vezes Geografia

    cultural. Essa tendncia recebe crticas por tra-balhar com dados subjetivos por parte de alguns

    crticos da Geografia quantitativa (positivista) e

    como despolitizada pela tendncia marxista.

    A Geografia humanstica teve seu desenvolvimento no Brasil principalmente na dcada

    de 1990, quando gegrafos, insatisfeitos com a produo cientfica quantitativa e marxista,

    acusavam-nas de no darem importncia cultura e aos fenmenos da percepo do indivduo.

    A polarizao ideolgica entre conservadores e revolucionrios pode ser responsabilizada, em

    parte, por essa ausncia nos estudos geogrficos brasileiros, mas no deve ser excludo o fato

    de que a falta de um mtodo confivel e sistematizado pode ser importante para seu lento pro-gresso at a dcada de 1990. Outra fragilidade dessa tendncia o pouco domnio do mtodo

    fenomenolgico e da adoo de temas mais descritivos, pautando-se pelos estudos de espaos

    sagrados ou ritos religiosos, com pouca interdisciplinaridade com a Antropologia.

    A Geografia radical (ou crtica, ou marxista) considera a luta de classes e as teorias marxis-tas como centrais para