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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA CENTRO DE ARTES - CEART LICENCIATURA EM MÚSICA CAMILA COSTA ZANETTA JOGOS TEATRAIS COMO COLABORADORES NO PROCESSO PEDAGÓGICO DO CANTO Florianópolis, SC 2012

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA

CENTRO DE ARTES - CEART

LICENCIATURA EM MÚSICA

CAMILA COSTA ZANETTA

JOGOS TEATRAIS COMO COLABORADORES NO PROCESSO PEDAG ÓGICO

DO CANTO

Florianópolis, SC 2012

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CAMILA COSTA ZANETTA

JOGOS TEATRAIS COMO COLABORADORES NO PROCESSO PEDAG ÓGICO

DO CANTO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à banca examinadora como requisito parcial para obtenção de título de Licenciada em Música no Centro de Artes da Universidade do Estado de Santa Catarina.

Orientadora: Profª. Ms. Daiane Dordete Steckert Jacobs Coorientadora: Profª. Ms. Alícia Cupani Fabiano

Florianópolis

2012

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CAMILA COSTA ZANETTA

JOGOS TEATRAIS COMO COLABORADORES NO PROCESSO PEDAG ÓGICO

DO CANTO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à banca examinadora como requisito

parcial para obtenção de título de Licenciada em Música no Centro de Artes da

Universidade do Estado de Santa Catarina.

Banca examinadora

Orientadora: _______________________________________________________ Profª. Ms. Daiane Dordete Steckert Jacobs UDESC Coorientadora: ____________________________________________________ Profª. Ms. Alícia Cupani Fabiano UDESC Membro: _______________________________________________________ Profª. Dra. Viviane Beineke UDESC Membro: _______________________________________________________ Profª. Dra. Janaína Träsel Martins UFSC

Florianópolis, Santa Catarina, 03 de dezembro de 20 12 (03/12/2012)

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Aos sempre presentes, em especial:

à família, ao Allan, e aos grandes

amigos Cleber e Eloise.

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AGRADECIMENTOS

À família, em especial a minha mãe, a quem tanto amo e considero exemplo

de superação e determinação.

Aos meus dois grandes e maravilhosos amigos, Cleber Rosa Floriano e Eloise

Hack Barbi, presentes há sete anos. Sem vocês minha vida perderia um tanto de

graça. Amo-os!

Aos colegas que conheci logo no início da graduação e que fizeram deste

período, além de muito agradável, bastante cômico: João Alexandre Stein, Franciely

Beckert, Guilherme Albanaes, Luísa Favero, Flávia Azevedo e Guilherme Wolff.

À Cecília Marcon Pinheiro Machado, pela colaboração nas filmagens durante

as semanas das práticas da pesquisa e pela gentileza ao se dispor para ajudar no

que fosse preciso.

Aos professores do Departamento de Música, em especial àquelas que me

impulsionaram a repensar o ensino e a aprendizagem da Música: Viviane Beineke,

Gabriela Flor Visnadi e Silva e Eliziany Perla Ferreira.

À professora Daiane Dordete Steckert Jacobs, pela parceria e aceite desta

orientação e por pacientemente orientar este trabalho, compreendendo os diversos

compromissos e situações que vivenciei neste semestre. Muito obrigada!

À professora Alícia Cupani Fabiano, que gentilmente cedeu o espaço de suas

aulas para a prática da pesquisa, além de coorientar este trabalho.

Finalmente, ao Allan Falqueiro, a quem amo e admiro. Obrigada pelo carinho,

compreensão, apoio em todas as circunstâncias e pelos momentos especiais vividos

juntos. Por estar sempre presente, ajudando-me em todas as situações e inclusive

pelas inúmeras participações neste trabalho: fotografando e filmando a prática da

pesquisa, revisando o texto, sugerindo acréscimos, criando comigo as ilustrações,

entre outras. Sem o seu apoio técnico, psicológico, dedicação e muitos abraços,

este trabalho não chegaria ao fim. Muito obrigada!

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RESUMO

ZANETTA, Camila Costa. Jogos teatrais como colaboradores no processo

pedagógico do canto . 2012. Monografia (Licenciatura em Música) – Universidade

do Estado de Santa Catarina. Florianópolis, 2012.

Este trabalho procura investigar quais as possíveis contribuições dos jogos teatrais

no processo pedagógico do canto, a partir da perspectiva de estudantes e dos

autores pesquisados. Baseia-se na interdisciplinaridade e na ludicidade, tendo

possibilitado aos alunos da disciplina Grupos Musicais - Expressão Vocal II, do curso

de Licenciatura em Música da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC),

experiências que envolveram música, teatro e jogo. Foi realizada uma revisão

bibliográfica sobre o jogo enquanto contexto lúdico, os jogos teatrais, a educação

musical e, finalmente, sobre a técnica vocal e o processo pedagógico do canto.

Jogos teatrais foram criados ou reelaborados para esta pesquisa, sendo propostos

para uma vivência prática. A pesquisa-ação permitiu o desenvolvimento de tais

propostas com os universitários. Os meios utilizados para a coleta de dados foram

os registros em vídeo, entrevistas semiestruturadas e protocolos. Os estudantes

refletiram sobre a contribuição da ludicidade para as aulas de canto, sobre o

relaxamento, a descontração e a desinibição como fatores decorrentes de se estar

em jogo, além de terem recriado e sugerido alterações para os jogos teatrais

vivenciados. Discorreram diversas vezes sobre a maior facilidade em “se soltar”

possibilitada pelo jogo. Portanto, através das reflexões dos alunos, pudemos

argumentar sobre as contribuições dos jogos teatrais para o ensino e a

aprendizagem da voz cantada.

Palavras-chave: Jogos teatrais; Educação musical; Canto.

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ABSTRACT

ZANETTA, Camila Costa. Theater games as contributors in the singing’s

pedagogical process. 2012. Monograph (Graduation in Music) – Universidade do

Estado de Santa Catarina. Florianópolis, 2012

This paper investigates the possible contributions of theater games in the

pedagogical process of singing, by the perspective of students and researched

authors. The research is based on the interdisciplinarity and ludicity, providing to

students of the class Musical Groups – Vocal Expression II, from the graduation

course of music in the State University of Santa Catarina (UDESC), experiences that

involved music, theater and game. A literature review about games as ludic context,

theater games, music education and, finally, about singing technique and its

pedagogical process was made. Some theater games were created or reworked to

this research, being proposed to a practical experience. So, beyond the literature

review, an action-research was made to the usage of these proposals with

academics. The data collection methods were video recording, semi-structured

interviews and protocols. The students speculated about the contribution of ludicity to

the singings classes, about relaxation and the disinhibition as resulting factors of the

game usage, also creating and suggesting changes to the theater games

experienced. They discoursed several times about the easiness of “staying loose”

enabled by the game. Therefore, through the student’s thinking, we could argue

about the contributions of theater games to the teaching and learning of singing.

Key-words: Theater games; Music Education; Singing.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Estrutura do jogo "Circuito em pane" ........................................................ 64

Figura 2 - Modificações na estrutura do jogo "Circuito em pane" .............................. 65

Figura 3 - Estrutura do jogo "Espelhos ao lado" ........................................................ 67

Figura 4 - Protocolo de Astolfo (Aula 1). ................................................................... 96

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 9

1 O JOGO ................................................................................................................. 14

1.1 DESDOBRANDO CONCEITOS E CARACTERÍSTICAS .................................... 16

1.2 AS FUNÇÕES DO JOGO .................................................................................... 19

1.3 JOGO E EDUCAÇÃO MUSICAL ......................................................................... 22

1.4 JOGOS TEATRAIS ............................................................................................. 26

2 TRABALHANDO COM A VOZ CANTADA ................... ......................................... 34

2.1 O QUÊ CADA JOGO TRABALHA? ..................................................................... 35

2.2 TÉCNICAS PARA A VOZ CANTADA PRESENTES NOS JOGOS TEATRAIS .. 36

2.2.1 Atenção e escuta ............................ ................................................................ 39

2.2.2 Relaxamento, alongamento e aquecimento corpor al.................................. 40

2.2.3 Respiração .................................. .................................................................... 42

2.2.4 Ressonância ................................. .................................................................. 44

2.2.5 Articulação ................................. ..................................................................... 46

2.2.6 Afinação e ritmo ............................ ................................................................. 47

2.2.7 Interpretação ............................... .................................................................... 49

2.2.8 Integração voz-corpo-emoção ................. ..................................................... 50

3 POR UMA ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR: O JOGO TEATRA L COMO

FERRAMENTA PEDAGÓGICA PARA AS AULAS DE CANTO ...... ........................ 52

3.1 EXPERIÊNCIA COM UNIVERSITÁRIOS: METODOLOGIA ............................... 52

3.2 DESENVOLVENDO OS JOGOS TEATRAIS NA DISCIPLINA GRUPOS

MUSICAIS - EXPRESSÃO VOCAL II ........................................................................ 59

3.3 OS JOGOS .......................................................................................................... 59

3.3.1 “Circuito em pane” .......................... ............................................................... 60

3.3.1.1 Alterações para “Circuito em pane” ........ .................................................. 64

3.3.2 “Espelhos ao lado” .......................... .............................................................. 66

3.3.2.1 Alterações para “Espelhos ao lado”......... ................................................. 68

3.3.3 “Um regente e cinco teclas: o piano cantado” ............................................ 69

3.3.4 “Jogo das placas” ........................... ............................................................... 71

3.4 ANÁLISE E REFLEXÃO SOBRE OS DADOS COLETADOS ............................. 72

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3.4.1 No desenvolver dos jogos e nos momentos de re flexão ............................ 73

3.4.2 Entrevistas ................................. ..................................................................... 85

3.4.3 Protocolos .................................. ..................................................................... 91

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................. ...................................................... 100

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 103

APÊNDICE – Fotos da prática da pesquisa-ação ...... ......................................... 108

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho integra linguagens artísticas, unindo práticas teatrais às

musicais. Ambas as práticas serão analisadas no contexto do processo pedagógico

do canto.

A pesquisa baseia-se em perspectivas educacionais apontadas por Teca

Alencar de Brito (2001, 2004), Paulo Freire (2008, 2009) e Hans-Joachim

Koellreutter (1997a, 1997b), ao passo que entende os espaços de ensino e

aprendizagem enquanto ambientes nos quais os indivíduos podem ser ativos e

usufruir de liberdade e autonomia nos processos de educação musical.

Para tais resultados, o jogo é indicado enquanto ferramenta pedagógica e

ambiente lúdico favorável à espontaneidade e à liberdade em processos

pedagógicos. Fundamentamo-nos principalmente em Johan Huizinga (2000),

Antonio Januzelli (2003), Eugenio Tadeu Pereira (2012) e Viola Spolin (2007) para

apontar o jogo como espaço lúdico capaz de cativar o jogador, gerar descontração,

relaxamento, afinidade grupal, além de ser um caminho para se estimular no aluno o

que ele pode oferecer em termos de improvisação e criatividade, desenvolvendo sua

capacidade de tomar decisões.

Nesta pesquisa pensamos na ludicidade e na contribuição do jogo como

ferramenta pedagógica, além da importância de se abordar as linguagens artísticas

de forma não fragmentada, mas integrada, interdisciplinar, propondo o jogo teatral

como espaço para o aprendizado da técnica vocal. Assim sendo, o trabalho com

estudantes de canto passa a abranger não apenas aspectos técnicos de treinamento

muscular, respiratório ou de escuta e afinação, mas também questões a respeito do

trabalho corporal, da interpretação do cantor e da expressão, lidando com suas

atitudes em palco e contemplando os aspectos envolvidos no ato de cantar em

público.

Encontramos no jogo teatral a possibilidade de agregar, para o processo

pedagógico do canto, o trabalho do corpo, da voz e da emoção.

Na prática profissional do canto e na prática docente, pudemos desfrutar da

integração entre música e teatro, tanto através de apresentações artísticas e

participações em diversas oficinas, como levando para a sala de aula diferentes

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jogos aprendidos e estando atentas às reações dos alunos frente ao ato de jogar.

Percebemos que em jogo os alunos ousam fazer e criar aquilo que, fora de jogo,

muitas vezes não possuem coragem nem de tentar. Este foi o primeiro fator que nos

levou a pensar no jogo, especificamente no jogo teatral, enquanto prática a ser

inserida nas aulas de canto. Além disso, durante nossos estudos de canto, notamos

por diversas vezes que, para ministrar uma disciplina sobre a voz cantada, oficinas

de canto, palestras, entre outros, eram escolhidos aqueles reconhecidos como bons

intérpretes. Logo, os profissionais com boa técnica vocal e bela voz eram os

escolhidos enquanto professores de canto. Porém, os mesmos, quando colocados

frente ao ato de conduzir uma aula, muitas vezes encontravam dificuldade em obter

boa receptividade por parte dos alunos ou participantes do curso, oficina, etc. As

reclamações mais comuns partiam da seguinte frase: “ele/a não tem didática

alguma”.

Nem sempre é fácil para o aluno ser colocado para cantar diante de uma

turma ou de um grupo de alunos participantes da mesma oficina, masterclass, etc.

Portanto, destacamos a importância desta pesquisa à medida que aponta a

necessidade de termos como professor/a de canto não apenas bons cantores, mas

profissionais que levem em conta reflexões sobre o processo pedagógico, pensando

o estudo do canto de forma mais ampla, ao trabalhar o corpo, a voz e a emoção.

Em conversa com colegas que participavam dos mesmos eventos ou aulas

que as nossas, desde antes da entrada na universidade, ouvimos frases como:

“deveria haver alguma dinâmica para unir o grupo antes”; “eu estava constrangido/a

para cantar porque o clima estava muito formal”; “faltou integração entre o grupo

para tudo ficar mais descontraído e todos conseguirem cantar mais tranquilamente”;

etc. Todos estes apontamentos parecem se repetir a cada nova oficina, masterclass,

palestra, conversas...

Porém, bastante diferente foi a experiência na Oficina “Interpretação Vocal”1,

ministrada por Tatiana Parra2 com monitoria de Giana Cervi3. Não haveria tempo

1 Oficina pertencente à programação do 15º Festival de Música de Itajaí, realizada de 12 a 19 de abril de 2012. Instituições promotoras do evento: Prefeitura de Itajaí, Fundação Cultural de Itajaí, Conservatório de Música Popular/Cidade de Itajaí e Teatro Municipal de Itajaí.

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para levantarmos aqui os apontamentos positivos ouvidos dos colegas participantes

e refletirmos sobre a contribuição desta vivência que integrou corpo, voz e emoção.

Todos os dias após a Oficina (que durou uma semana), anotávamos as experiências

vividas naquele período, desde os trabalhos de escuta, apreciação, criação,

improvisação vocal, dinâmicas de aquecimento corporal, aspectos técnico-vocais,

exposição e comentários sobre diversos livros e autores que discutem o objeto “voz

cantada”, abordando-se as pesquisas sobre tal, entre muitas outras. Hoje podemos

perceber que, os jogos desenvolvidos por Tatiana Parra e Giana Cervi naquela

oficina, voltada para o trabalho da interpretação vocal, podem ser classificados

enquanto jogos teatrais e, outros ainda, enquanto jogos dramáticos4.

Percebemos que a experiência de ambas não apenas enquanto intérpretes,

mas enquanto professoras que pensam o processo pedagógico e a abordagem do

canto de modo mais integrado (corpo, voz, emoção e interpretação), foi fator

determinante para a oficina ter bons resultados e render excelentes comentários. A

afinidade entre o grupo foi bastante desenvolvida através dos jogos e o ambiente

tornou-se descontraído e propício para cantarmos tranquilamente e conseguirmos

desenvolver elementos interpretativos.

A partir de experiências como estas, vivenciadas durante nossos estudos,

propomos neste trabalho de conclusão de curso uma abordagem interdisciplinar e

lúdica para as aulas de canto.

Logo, através da parte prática da pesquisa-ação, desenvolvida na disciplina

Grupos Musicais II - Expressão Vocal, do curso Licenciatura em Música da

Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), pretendeu-se investigar quais

as contribuições dos jogos teatrais no processo pedagógico do canto. A partir dos

dados coletados, foi possível pensar e argumentar a respeito da funcionalidade de

2 Tatiana Parra é intérprete e compositora paulistana, com vasta experiência em shows, turnês e projetos fonográficos. Maiores informações no site da artista: <www.tatianaparra.com.br>. 3 Giana Cervi é cantora e professora de Técnica Vocal e Interpretação da Canção no curso de Música/Bacharelado com ênfase em canto popular na UNIVALI (Universidade do Vale de Itajaí - SC), e no Conservatório de Música Popular Cidade de Itajaí - SC. Maiores informações no curriculum lattes da artista: <http://lattes.cnpq.br/9654114557485475>. 4 Discorreremos mais profundamente sobre estes conceitos no capítulo 1, no subcapítulo 1.4 (páginas

26-33).

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tais práticas para o estudante de canto. A coleta de dados foi realizada através de

filmagens, entrevistas e protocolos.

Assim sendo, o capítulo 1, intitulado “O Jogo”, trata do contexto lúdico do jogo

através de uma abordagem filosófica, baseada principalmente em Johan Huizinga

(2000). Abordagens educacionais do jogo também são trabalhadas, tais como as

propostas por Lúcia Maria Salgado dos Santos Lombardi (2005) e Eugenio Tadeu

Pereira (2012). Os espaços de educação musical são pensados a partir de autores

como Teca Alencar de Brito (2001, 2003) e Hans-Joachim Koellreutter (1997a,

1997b), levando-se em conta também as propostas de Paulo Freire (2008, 2009). O

jogo teatral será explicado e conceituado a partir de autores como Antonio Januzelli

(2003), Ingrid Koudela (2009) e Viola Spolin (2008).

O capítulo 2, “Trabalhando com a voz cantada”, aborda questões sobre a

técnica vocal para cantores. Os livros de Claire Dinville (1993) e de Mônica Marsola

e Tutti Baê (2000), são utilizados para situarmos os elementos considerados básicos

para o aprendizado do cantor.

O capítulo 3, “Por uma abordagem interdisciplinar: o jogo teatral como

ferramenta pedagógica para as aulas de canto”, trata da inserção de tais elementos

nos jogos teatrais, relatando a vivência realizada. Nele, são explicitadas ainda

questões a respeito da metodologia do trabalho, da abordagem qualitativa, da

prática da pesquisa-ação, além dos meios utilizados para a coleta de dados. A

análise e a reflexão sobre os dados obtidos durante as aulas nas quais

desenvolvemos os jogos, também são expostos.

Nas considerações finais, discorremos brevemente sobre como se configurou

a pesquisa-ação, quais os nossos apontamentos e reflexões sobre os dados

coletados na prática realizada, além de nossas perspectivas para a formação do

educador musical. Por fim, ressaltamos a importância das práticas lúdicas, dos jogos

teatrais no ensino e aprendizagem da voz cantada.

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1 O JOGO

Jogamos no dia-a-dia. Enquanto crianças, manipulamos a realidade nas

brincadeiras de faz-de-conta e em nossa imaginação. Ao crescermos,

permanecemos jogando, seja através dos esportes, dos games, tanto em jogos de

competição quanto em cooperativos, ou até mesmo nos papéis sociais que

performamos nas mais diversas situações.

Johan Huizinga (2000) expõe o jogo como anterior à cultura, presente desde

o nível animal e como categoria que abrange o mito, os rituais sagrados, o culto.

Pode-se perceber que o autor associa o jogo a algumas destas questões.

O jogo é fato mais antigo que a cultura, pois esta, mesmo em suas definições menos rigorosas, pressupõe sempre a sociedade humana; mas, os animais não esperaram que os homens os iniciassem na atividade lúdica. [...] Os animais brincam tal como os homens. Bastará que observemos os cachorrinhos para constatar que, em suas alegres evoluções, encontram-se presentes todos os elementos essenciais do jogo humano. Convidam-se uns aos outros para brincar mediante um certo ritual de atitudes e gestos. (HUIZINGA, 2000, p. 5).

O autor cita o jogo enquanto categoria primária da vida, reafirmando que este

é identificável desde o próprio nível animal. Além disso, relaciona-o com o mito e o

culto. Para ele, o mito é “uma transformação ou uma ‘imaginação’ do mundo exterior

[...] O homem primitivo procura, através do mito, dar conta do mundo dos fenômenos

atribuindo a este um fundamento divino.” (HUIZINGA, 2000, p. 7).

Sobre o culto, permanece assumindo sua posição ao pensar a raiz deste no

jogo.

[...] as sociedades primitivas celebram seus ritos sagrados, seus sacrifícios, consagrações e mistérios, destinados a assegurarem a tranqüilidade do mundo, dentro de um espírito de puro jogo, tomando-se aqui o verdadeiro sentido da palavra. Ora, é no mito e no culto que têm origem as grandes forças instintivas da vida civilizada: o direito e a ordem, o comércio e o lucro, a indústria e a arte, a poesia, a sabedoria e a ciência. Todas elas têm suas raízes no solo primevo [primitivo] do jogo. (HUIZINGA, 2000, p. 7-8).

No decorrer do livro “Homo Ludens”, o autor discorre sobre a relação do jogo

com a cultura, sobre a presença constante deste fenômeno em nossas vidas, sobre

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nos relacionarmos no dia-a-dia com o jogo. Seus apontamentos permitem

percebemos o quanto jogamos.

O autor levanta algumas questões e, através delas, desenvolve seu texto com

base no divertimento produzido pelo jogo.

Por que razão o bebê grita de prazer? Por que motivo o jogador se deixa absorver inteiramente por sua paixão? Por que uma multidão imensa pode ser levada até ao delírio por um jogo de futebol? [...] O mais simples raciocínio nos indica que a natureza poderia igualmente ter oferecido a suas criaturas todas essas úteis funções de descarga de energia excessiva, de distensão após um esforço, de preparação para as exigências da vida, de compensação de desejos insatisfeitos etc., sob a forma de exercícios e reações puramente mecânicos. Mas não, ela nos deu a tensão, a alegria e o divertimento do jogo. (HUIZINGA, 2000, p. 6).

Mas afinal: o que é o jogo? Quais as características que o definem como tal?

Quais seus objetivos e o porquê de o vivenciarmos?

Ao lermos pesquisadores que discorrem sobre o tema, encontramos diversas

respostas para estes questionamentos. Em geral, elas se complementam: cada

autor tende a focar em um ou alguns dos vários aspectos presentes no jogo para

explicá-lo enquanto fenômeno. É a junção destas explicações que nos aproxima das

conclusões. O processo é semelhante ao que ocorre quando diferentes pessoas

observam o mesmo objeto, mas cada uma opta por descrever mais especificamente

uma de suas características, seja a cor, o formato, o tamanho, o material do qual é

feito, entre outras características. Todos falam sobre o mesmo objeto, mas cada qual

ressaltando mais minuciosamente um dos aspectos nele presente.

Anthony Seeger (2008), trabalhando com a etnografia da música, mostra-nos

que um mesmo evento musical é descrito de diversas maneiras pelos diferentes

observadores, levando-nos a perceber a limitação humana: cada um produz a sua

própria visão do objeto. Logo, obtêm-se diferentes perspectivas de um mesmo

evento.

Anthony Seeger gosta de usar, em suas conferências, a metáfora do corte de uma banana: para se descrever uma banana pode-se cortá-la de várias formas, seja transversalmente, de comprido, ou em fatias, mas a banana descrita será sempre diferente. Ou seja, o objeto depende do olhar, o resultado depende do recorte. [...] somente uma abordagem com múltiplas perspectivas poderia dar conta de compreender a música [...] somente um

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trabalho conjunto pode revelar o objeto em suas várias faces. (PIEDADE, 2008, p. 234)

Da mesma forma, ao lermos as diferentes definições e teorias sobre o jogo,

encontramos diversos resultados. Porém, em geral, como dito por Huizinga (2000),

elas não divergem entre si, apenas se complementam, dando espaço para que

novos argumentos sejam expostos e considerados como corretos também. O autor

fala sobre isto ao discorrer sobre as hipóteses e teorias a respeito do jogo:

[...] todas elas [hipóteses] se interrogam sobre o porquê e os objetivos do jogo. As diversas respostas tendem mais a completar-se do que a excluir-se mutuamente. Seria perfeitamente possível aceitar quase todas sem que isso resultasse numa grande confusão de pensamento. (HUIZINGA, 2000, p. 6).

Portanto, uma abordagem mais ampla é o que permite, seja na música, seja

no jogo, a compreensão do fenômeno. Sendo assim, ao falarmos sobre o jogo e

seus fundamentos, não temos a pretensão de criar ou melhorar alguma definição,

mas de clarear as ideias e o entendimento sobre este fenômeno, unindo discursos e

apontamentos de diferentes pesquisadores para uma melhor compreensão acerca

das características do jogo. Como disse Huizinga:

Devemos, portanto, limitar-nos ao seguinte: o jogo é uma função da vida, mas não é passível de definição exata em termos lógicos, biológicos ou estéticos. [...] Teremos, portanto, de limitar-nos a descrever suas principais características. (HUIZINGA, 2000, p. 9).

Portanto, assumindo esta complexidade, não buscaremos uma definição

exata para o fenômeno em questão, mas seguiremos focando nas principais

características.

1.1 DESDOBRANDO CONCEITOS E CARACTERÍSTICAS

Com base em Huizinga (2000), podemos dizer que o jogo é uma atividade

voluntária, livre, não é vida “real”, mas uma evasão desta, sendo um mundo

temporário dentro do mundo habitual. Possui regras, é limitado em tempo e espaço

e é permeado por um ar de mistério, imaginação, encanto, incertezas, tensão,

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arrebatamento, de modo a separar os que estão em jogo dos que estão “lá fora”.

Além disso, fixa-se como fenômeno cultural.

Eugenio Tadeu Pereira (2012, p. 74) aborda também a percepção de Roger

Caillois a respeito do jogo. Nela, o jogador tem liberdade para inventar e estar em

um espaço que permite, além da criação, a escolha de destinos.

Lúcia Maria Lombardi (2005) aponta Huizinga, Caillois e Brougère como três

autores que se dedicaram a pesquisar e discutir a natureza do jogo e as

características do mesmo. A pesquisadora apresenta de forma clara e organizada as

principais ideias de cada um dos autores acima, numerando-as. Através desta

estrutura, recordamo-nos de citar o jogo também como uma atividade que não gera

lucro, riquezas, e como fenômeno dotado de um fim em si mesmo.

Selecionamos o que definimos como dois coerentes resumos sobre o

conceito de jogo. O primeiro deles é proposto pelo próprio Huizinga (2000, p. 13-14):

Numa tentativa de resumir as características formais do jogo, poderíamos considerá-lo uma atividade livre, conscientemente tomada como ‘não-séria’ e exterior à vida habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de maneira intensa e total. É uma atividade desligada de todo e qualquer interesse material, com a qual não se pode obter qualquer lucro, praticada dentro de limites espaciais e temporais próprios, segundo uma certa ordem e certas regras. Promove a formação de grupos sociais com tendência a rodearem-se de segredo e a sublinharem sua diferença em relação ao resto do mundo por meio de disfarces ou outros meios semelhantes.

Percebemos que algumas novas características surgem neste discurso,

complementando uma visão mais ampla sobre o jogo. Consideramos também o

conceito de Pereira (2012, p. 85):

Em síntese, o jogo é um conjunto de gestos, sons e significados que se friccionam e se integram em um determinado instante e lugar, nos quais o sujeito escolhe, relaciona, interage, experimenta, expressa, comunica e se declara como protagonista da ação. A situação lúdica é complexa e diversa em seu sentido. A cada jogo, dependendo do contexto, o sentido é dado por aqueles que o jogam. Na acepção exposta, o jogo é um acontecimento volitivo e conduzido por regras implícitas e explícitas, estruturado e delimitado em um espaço e tempo ficcionais, e que, no fluxo de sua existência, propicia escolhas e resultados incertos, gerando experiências aos jogadores e ocasionando vínculos e significados entre aqueles que jogam.

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Através destes discursos, procuramos um embasamento a respeito deste

complexo fenômeno que é o jogo. A complexidade deste não se encontra apenas

nas diversas tentativas de defini-lo, mas também ao se pensar sobre sua origem e

sobre o termo em si, considerando implicações conceituais e pragmáticas. Os

diferentes pesquisadores (antropólogos, filósofos, psicólogos, entre outros) que

estudam a origem do jogo e as formas que ele assume, tentam definir qual foi a sua

primeira forma de manifestação. Huizinga (2000, p. 37), por exemplo, acredita que:

[...] a cultura surge sob a forma de jogo, que ela é, desde seus primeiros passos, como que ‘jogada’. Mesmo as atividades que visam à satisfação imediata das necessidades vitais, como por exemplo a caça, tendem a assumir nas sociedades primitivas uma forma lúdica. A vida social reveste-se de formas suprabiológicas, que lhe conferem uma dignidade superior sob a forma de jogo, e é através deste último que a sociedade exprime sua interpretação da vida e do mundo.

Para Jesús Paredes Ortiz (2005, p. 9),

O jogo está intimamente ligado à espécie humana. A atividade lúdica é tão antiga quanto a humanidade. O ser humano sempre jogou, em todas as circunstâncias e em todas as culturas. [...] Atrevo-me a afirmar que a identidade de um povo está fielmente ligada ao desenvolvimento do jogo, que, por sua vez, é gerador de cultura.

Percebe-se que o autor supracitado compartilha da ideia de Huizinga (2000),

de que o jogo é um fenômeno cultural. Podemos ir adiante ao pensar que, não

bastando o incessante discurso sobre sua possível origem, o fenômeno “jogo” é

entendido de diferentes maneiras nas diferentes culturas. Sendo assim, sabemos

que, ao optarmos por uma definição sobre o jogo, devemos entender que esta, por

sua vez, funcionará dentro de um determinado contexto.

Brougère afirma que a noção que temos de jogo, assim como o conjunto da linguagem, funcionam [sic] dentro de um contexto das relações humanas, e que o uso dessa expressão deve ser analisado como um fato social, pois, ao denominarmos uma situação de ‘jogo’, nos referimos à imagem que lhe é atribuída no meio onde ela acontece. (PEREIRA, 2012, p. 70-71).

Logo, além das diferentes teorias e opiniões sobre seu surgimento, sabemos

que o jogo é um vocábulo polissêmico, ou seja, diversos significados são atribuídos

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a ele. Devido a estes aspectos, podemos perceber a complexidade em se

estabelecer conceitos sobre o fenômeno em questão. Portanto, não iremos nos ater

a explicar a natureza e a origem do jogo, deixando esta tarefa para aqueles que se

dedicam ao estudo da existência deste fenômeno e seus múltiplos significados.

Abordamos este tópico rapidamente para não haver uma lacuna no trabalho, de

forma que possamos compreender sobre a origem não exata e os múltiplos

significados atribuídos ao jogo. Percebemos que esta mesma posição é tomada em

outros trabalhos lidos (tais como trabalhos de conclusão de curso, dissertações e

teses): em geral, abordam-se discursos sobre o que é o jogo, com a tentativa de

articular seus inúmeros conceitos e significados, e sobre as funções do mesmo, não

se atendo a um estudo histórico de sua origem, mas focando no objetivo pelo qual

estão o abordando em seus trabalhos. Como já dito por Huizinga (2000), devemos

focar nas principais características deste fenômeno, e não na busca por uma

definição exata. Da mesma forma, Lombardi (2005, p. 72-73) diz:

Não há como estabelecer uma definição única e essencial do que é jogo, nem limitar este fenômeno. Por conseguinte, para os objetivos deste trabalho foi utilizado um enfoque que permita analisar os jogos na perspectiva da formação de professores, a fim de investigar como eles podem auxiliar o futuro professor a, primeiramente, construir uma atitude lúdica, além de saber trabalhar a ludicidade junto a seus alunos.

Assim, após termos abordado alguns conceitos e características do jogo e,

depois, passarmos brevemente pela problemática de sua origem e conceituação,

daremos continuidade com uma análise de suas funções, afinal, são estas que nos

fazem propor o jogo como contribuinte em processos de ensino-aprendizagem.

1.2 AS FUNÇÕES DO JOGO

Assumimos o jogo como fenômeno que abrange as diversas características já

expostas no tópico anterior. A partir desta concepção, trataremos de suas funções e

do que ele pode suscitar nos jogadores.

Pereira (2012) relata o jogo nos sentidos sociais de frivolidade e lazer (com

função de descontração, relaxamento); como escape da intensidade da vida (para

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uma fuga de si mesmo); como valor estético e poético; para inventividade,

construção e desconstrução de uma realidade; como oposição ao trabalho (como

não produtor de riquezas e, portanto, inútil, visão em que há um preconceito com a

situação lúdica); que não se opõe ao sério, mas à realidade (em que a fantasia e a

projeção de vontades estão presentes); como instrumento pedagógico e como

atividade, por excelência, da idade infantil.

Assumindo as mais diversas funções, podemos dizer que o jogo permite, ao

jogador, diferentes experiências e sensações, encantando os participantes que se

encontram neste ambiente lúdico. O jogo “lança sobre nós um feitiço: é ‘fascinante’,

‘cativante’.” (HUIZINGA, 2000, p. 12).

Afinal, por que o ser humano fascina-se com o jogo? Qual a causa deste

deslumbramento? A fim de entendermos um pouco melhor estas questões,

desejamos colocar em pauta o que pode ser vivenciado em jogo, quais as

sensações que este pode provocar e o quê pode ser gerado através do jogo nos

indivíduos que dele participam. Acreditamos que o desenvolvimento destas questões

permitirá uma melhor compreensão a respeito do fascínio exercido pelo jogo.

Podemos começar dizendo que “é no brincar, e talvez apenas no brincar, que

o indivíduo frui sua liberdade de criação e utiliza sua personalidade integral: e é

somente sendo criativo que ele descobre o eu.” (JANUZELLI, 2003, p. 57). A

possibilidade de sermos livres, deixando de lado nossos medos e receios, leva-nos

muitas vezes a experimentar, em jogo, o que não teríamos coragem de experimentar

na “vida real”. Este é, com certeza, um dos motivos pelos quais o jogo é cativante:

ele permite sermos o que desejamos. É um “espaço” em que podemos usar, sem

receio, nossa personalidade integral já que, dentro deste “espaço”, não seremos

julgados como na “vida real”. De certa forma, estamos protegidos por estarmos

“apenas” jogando.

O jogo produz esta sensação de “outro mundo”: nele colocamos nossa

imaginação, nossas fantasias, nosso eu. Patrícia Margarida Farias Coelho (2011, p.

305) fala sobre este universo recluso:

O jogo se apresenta ao jogador como a possibilidade dele (jogador) poder ter vários tipos de experiências sem que corra riscos reais, onde é possível que ele brinque e desenvolva suas atividades cognitivas em um universo

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lúdico, em que não há a força e peso da realidade, ou seja, ao entrar no mundo do jogo, o jogador pode se sentir, mesmo que temporariamente, afastado da realidade em que vive e ir ‘viver’ de modo seguro em outro mundo que lhe dá prazer. Essa prática e imersão do jogador ‘de estar no jogo’ é o que caracteriza o jogo.

Mihaly Csikszentmihalyi (apud PAREDES ORTIZ, 2005, p. 21) também fala

sobre estas sensações:

O jogo leva a experimentar uma sensação de fluir que nos transporta a um entorno em que abstraímos a realidade e outras situações cotidianas, para passar a expressar-se como somos, com toda a personalidade, nossas carências e virtudes.

José Ortega y Gasset (apud PAREDES ORTIZ, 2005, p. 20) aborda o jogo

como “a arte ou a técnica que o homem possui para suspender virtualmente sua

escravidão dentro da realidade, para fugir, levar-se para o mundo irreal”. A

possibilidade de estarmos em um “outro mundo” é certamente um dos motivos pelo

qual nos encantamos com o jogo. Há espaço, “em jogo”, para criarmos,

experimentarmos, arriscarmos, ousarmos. Nele vivenciamos tensões e incertezas.

Pereira (2012, p. 75), ao falar sobre a situação lúdica, diz que a mesma se

caracteriza

[...] por uma alteração do sentido e da realidade, uma vez que, no jogo, as coisas não são, necessariamente, elas mesmas. Nessa ludicidade, o jogador não só transforma a realidade, readaptando-a e ressignificando-a; ele também transforma a si mesmo, pois ao mesmo tempo em que, por exemplo, um pedaço de toco vira um carrinho, o sujeito vira um motorista.

Logo, podemos perceber nos mais diversos discursos a absorção que pode

haver “em jogo”. Há intensidade e, “nessa intensidade, nessa fascinação, nessa

capacidade de excitar que reside a própria essência e a característica primordial do

jogo.” (JANUZELLI, 2003, p. 55).

Devido aos aspectos citados, propomos o jogo enquanto ambiente lúdico para

os processos de ensino-aprendizagem na educação musical, de modo a propiciar

um espaço suscetível à criatividade e a experiências significativas ao indivíduo.

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1.3 JOGO E EDUCAÇÃO MUSICAL

A educação e as diversas temáticas de pesquisa que dela emergem, tais

como pedagogia crítica, abordagens interdisciplinares, processos pedagógicos,

planos de aula, entre outros, vêm sendo amplamente analisadas, discutidas e

repensadas. Paulo Freire (2009) aborda a pedagogia do oprimido, discutindo e

contrariando uma concepção de educação baseada na “prática bancária”. Critica a

falta de diálogo em sala de aula e expõe os aspectos políticos que se encontram

mascarados por uma “falsa educação”. Nesta, os indivíduos, segundo o autor, são

apenas receptores de “conhecimento”, agentes passivos e não ativos no processo

pedagógico. Reflexões e buscas por práticas educacionais que se preocupam em

primeiro lugar com o ser humano, priorizando a participação ativa de cada indivíduo,

o debate, o questionamento, o diálogo, também são apontadas por Hans-Joachim

Koellreutter (1997a, 1997b), Teca Alencar de Brito (2001), Frank Abrahams (2005) e

Celso Antunes (2008), entre diversos outros pesquisadores da educação e

educação musical, especificamente.

Brito (2001) trabalha com as ideias de Koellreutter como base para uma

educação musical funcional e significativa. As proposições pedagógicas do professor

Koellreutter, segundo a autora, vão ao encontro do pensamento de “pedagogos,

cientistas e filósofos contemporâneos que visam à construção de novos paradigmas

para a formação e o exercício da cidadania de um ser humano íntegro e integrado.”

(BRITO, 2001, p. 26). Ainda de acordo com a autora, Koellreutter propôs o que ele

chamou de educação musical funcional, ou seja,

[...] aquela voltada às necessidades da sociedade, do indivíduo, em ‘tempo’ real, atual, e não fundamentada em objetivos, valores, princípios e conteúdos que remetem a épocas passadas, em que viviam outros seres humanos, com necessidades e características próprias. (BRITO, 2001, p. 31).

É necessário que os processos pedagógicos sejam (re)pensados para os

seres humanos ao invés de vinculados a moldes rígidos, métodos antiquados,

estratégias pedagógicas que tinham funcionalidade em outras décadas ou séculos,

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mas que, atualmente, não são eficazes, deixando de serem significativos aos

indivíduos.

Desta maneira, podemos refletir sobre a educação baseada em princípios da

aprendizagem significativa, em que o aluno consegue relacionar as novas

aprendizagens com as experiências que já possui, passando a construir seus

próprios conhecimentos. Para Virginia Viciana Garófano e José Luis Conde Caveda

(2005, p. 78), a aprendizagem significativa é aquela na qual

[...] o aluno, a partir do que sabe (pré-conceitos) e graças à maneira como o professor lhe apresenta nova informação (função mediadora), reorganiza seu conhecimento do mundo (esquema cognitivo), pois encontra novas dimensões, transfere esse conhecimento a outras situações e realidades, descobre o princípio e os processos que o explicam (significatividade lógica), o que proporciona uma melhora em sua capacidade de organização compreensiva para outras experiências.

Através desta interação entre o novo e aprendizagens anteriores, formam-se

novos conhecimentos, novas experiências e, através destas, novas aprendizagens.

Desta maneira, a educação torna-se funcional: voltada às necessidades dos

indivíduos, em tempo real, com conteúdos que remetem a sua própria vida.

Compartillhamos da visão de Koellreutter (1997a) e Brito (2001) ao contrariar

a utilização de métodos “antiquados” nas práticas pedagógicas, visando, portanto,

uma busca por caminhos mais atrativos e eficientes para a educação, voltando-a

para as necessidades da sociedade5.

5 Interessante apontarmos que nos últimos anos, na área da Educação Musical, o ensino e a

aprendizagem da música vêm sendo tema de muitos debates, reflexões e escritos, sendo

relacionados também à importância do lúdico e dos processos criativos na sala de aula. Portanto, os

autores citados neste parágrafo fizeram referência a um contexto em que o processo pedagógico da

música ainda era bastante norteado por concepções tradicionalistas. Ressaltamos que a partir de

alguns educadores e escritores, tais como Brito (2001, 2003) e Koellreutter (1997a, 1997b), por

exemplo, percebem-se novos paradigmas ao se pensar as aulas de música, destacando-se

concepções a respeito da importância da brincadeira, do jogo e das atividades de criação. Novos

pesquisadores e autores têm trabalhado nesta perspectiva, apontando a contribuição da ludicidade e

dos processos criativos e desencadeando mudanças no cenário da Educação Musical no Brasil.

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A partir das perspectivas de Brito (2001), Freire (2009; 2008) e Koellreutter

(1997a, 1997b), visamos propor espaços de ensino-aprendizagem na educação

musical em que os indivíduos sejam sujeitos ativos, dialoguem, questionem,

usufruam de descontração, espontaneidade e liberdade de criação, não

considerando apenas aspectos técnicos musicais, mas a formação integral do

indivíduo.

Como artista e educador, Koellreutter jamais considerou a educação musical apenas um meio para aquisição de técnicas e procedimentos necessários à realização musical. Sua abordagem privilegia e valoriza a importância e o porquê da música (e da arte) na vida humana. (BRITO, 2001, p. 40).

Sobre Koellreutter, Brito (2001, p. 27) diz ainda que

Sua formação e seus campos de interesse levaram-no a traçar um caminho para a realização de um trabalho interdisciplinar em que a música, em constante diálogo com outras áreas do conhecimento, privilegiasse o ser humano.

Novamente percebe-se a preocupação com o ser humano, a preocupação

com a funcionalidade da educação. A proposta de lidar com a interdisciplinaridade,

com uma abrangência de conteúdos e diferentes linguagens em aula, “visa sempre

ao desenvolvimento de um trabalho relacional, questionador, transformador, que

estimula a criação.” (BRITO, 2001, p. 35).

A importância da interdisciplinaridade em processos educacionais é pautada

também como estímulo à criação, sendo que, para Sandra Makowiecky e Sandra

Regina Ramalho e Oliveira (2008, p. 80-81) “a própria natureza diversificada da Arte

requisita a presença deste conceito e desta prática educacional no âmbito da

disciplina.” As autoras também citam Pierre Bourdieu ao falar sobre diferentes

estudiosos que tratam as linguagens estéticas como semelhantes e pertencentes a

um mesmo sistema, sendo que, para o sociólogo, “os campos de produção e de

difusão das diferentes espécies de bens culturais – pintura, teatro, literatura, música

– são entre si estrutural e funcionalmente homólogos.” (BOURDIEU apud RAMALHO

E OLIVEIRA, 2008, p. 81). Desta maneira, a interdisciplinaridade é considerada

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tanto como necessária nas linguagens artísticas quanto como meio de estímulos à

criação.

Tratando de uma educação que possibilite espaços para a criação, embasada

em propostas interdisciplinares e preocupada com processos de ensino-

aprendizagem que priorizem a formação integral do indivíduo, a sala de aula pode

ser pensada como ambiente para a abordagem de diferentes linguagens, para o

desenvolvimento da criatividade e para a ludicidade já que, como dito por Antonio

Januzelli (2003), é possivelmente apenas no brincar que o indivíduo frui sua

liberdade de criação, utiliza sua personalidade integral e, sendo criativo, descobre o

eu. Considerando este aspecto, a ludicidade pode ser trabalhada enquanto ambiente

propício para os processos de ensino-aprendizagem, colaborando assim para que a

sala de aula se torne espaço para a imaginação, para a espontaneidade, criação e,

consequentemente, para a descoberta do eu.

Através destes ideais e para tais fins, pensamos o jogo como ferramenta

pedagógica, como espaço lúdico capaz de gerar descontração, relaxamento e

afinidade grupal, além dos aspectos já citados até então. Enfim, o jogo como um

ambiente favorável a experiências significativas.

A arte teatral “está mais ligada que qualquer outra forma de criação artística

com os jogos” (VYGOTSKY apud LOMBARDI, 2005, p. 88). De acordo com a

pesquisadora, “Pavis reforça esta ideia ao dizer que a descrição do jogo como

princípio lúdico dada por Huizinga poderia ser a descrição do jogo no teatro”

(LOMBARDI, 2005, p.88). Logo, tratando também do aspecto interdisciplinar, citado

e defendido em parágrafos anteriores para que tenhamos processos de ensino-

aprendizagem de abordagem integradora, pensamos não somente o jogo, mas o

jogo teatral inserido nas aulas de estudantes de canto do curso de música da

universidade.

Portanto, devido aos diversos termos que permeiam a ludicidade, tais como

brincadeira, brinquedo, jogo, jogos tradicionais, jogos didáticos, jogos teatrais, entre

outros, discorreremos abaixo mais especificamente sobre o jogo teatral, a

modalidade de jogo que usaremos para o trabalho pedagógico com os alunos de

canto.

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1.4 JOGOS TEATRAIS

O conceito de jogo teatral é amplamente debatido, principalmente por

existirem pesquisadores que consideram correta também a nomenclatura jogo

dramático, enquanto outros separam estes dois fenômenos, tratando-os como

desiguais e abordando suas especificidades.

Muitos são os debates a respeito da problemática da terminologia, já que o

conceito dado aos dois fenômenos (jogo dramático e jogo teatral) por diversas vezes

é o mesmo, ou, quando difere, é por considerar ou não a existência de uma plateia.

Ricardo Japiassu (2003), por exemplo, trabalha com a diferença destes dois termos

na perspectiva de haver ou não plateia.

Para entender a diferença entre o jogo teatral e o jogo dramático, é preciso lembrar que a palavra teatro tem sua origem no vocábulo grego theatron, que significa ‘local de onde se vê’ (plateia). Já a palavra drama, também oriunda da língua grega, quer dizer ‘eu faço, eu luto’. No jogo dramático entre sujeitos, portanto, todos são ‘fazedores’ da situação imaginária, todos são ‘atores’. No jogo teatral, o grupo de sujeitos que joga pode se dividir em equipes que se alternam nas funções de ‘jogadores’ e de ‘observadores’, isto é, os sujeitos jogam deliberadamente para outros que o observam. (JAPIASSU, 2003, p.19).

Olga Reverbel (apud ZANELLA; GARIENTI, 2008, p. 2), porém, diz que

“ambos significam a mesma coisa, e que a discussão é uma questão de

nomenclatura, no final das contas tudo é a mesma coisa...”. Andrisa Kemel Zanella e

Laisa Blancy de Oliveira Guarienti (2008) chegam a usar a nomenclatura “jogo

dramático e/ou teatral”. Libério Rodrigues Neves (2006), entretanto, aborda a

diferença, comentando em sua pesquisa sobre a escolha da terminologia:

Este trabalho opta pela expressão jogo teatral que, em particular, se define como explicitamente dirigido para observadores, ou seja, pressupõe a existência de uma platéia. Para tal, o grupo se divide em equipes que se alternam entre jogadores (atores) e observadores (platéia), enquanto, no jogo dramático, todos são participantes da criação imaginária, ou seja, todos são atores. (NEVES, 2006, p. 86).

Igualmente o faz Ingrid Koudela (2009), traçando diferença entre o jogo

dramático e jogo teatral. Porém, a autora também se propõe a explicar o processo

de transição entre um fenômeno e outro, mostrando que o jogo dramático antecede

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o teatral. Para Koudela (2009, p. 44), “o processo de jogos teatrais visa efetivar a

passagem do jogo dramático (subjetivo) para a realidade objetiva do palco.” A autora

compara a passagem do jogo dramático (também chamado de jogo de faz-de-conta)

para o jogo teatral à transformação do jogo simbólico (subjetivo) em jogo de regras

(socializado). Nesta visão, o jogo dramático antecede ao teatral, estabelecendo-se

uma transição muito gradativa entre eles. Esta transição, de acordo com Koudela

(2009, p. 45), “envolve o problema de tornar manifesto o gesto espontâneo e depois

levar a criança à decodificação do seu significado, até que ela o utilize

conscientemente, para estabelecer o processo de comunicação com a plateia.”

Logo, assumiremos uma linha de pensamento e seguiremos o trabalho, sem

entraves na problemática da terminologia.

Escolhemos trabalhar com a perspectiva do jogo teatral enquanto dirigido

para observadores, acreditando que este procede o jogo dramático. Desta forma,

pode-se dizer, resumidamente, que o jogo teatral é um procedimento lúdico em que

há representações, em ações improvisadas, para uma plateia.

Podemos focar em aspectos mais específicos a respeito do jogo teatral, tais

como o estabelecimento de pontos de concentração para a atuação, estruturando as

ações.

De modo geral, a prática dos jogos teatrais inclui: o acordo grupal, a realidade a ser jogada, estabelecida entre os atores e a platéia, e a estrutura do jogo, geralmente determinada pelos aspectos onde (o ambiente em que se passa a ação), quem (os personagens) e o quê (as ações dos personagens). (NEVES, 2006, p. 86).

Estes aspectos (onde, quem e o quê) delineiam as ações dos jogadores. Eles

são os pontos de concentração propostos por Viola Spolin (2008) que, em

orientações para a realização de diversos exercícios, fala sobre o estabelecimento

do foco.

Faça uma discussão com o grupo para estabelecer o foco no Ponto de Concentração primário (Onde) e secundário (Quem e O Quê). Inicie discutindo o onde [...] Quando a discussão sobre o Onde estiver terminada, os pontos de concentração acerca do Quem e O Quê devem ser cobertos muito rapidamente [...] E assim o ator deve ter suas razões para manipular certos objetos no palco, para estar num certo lugar, para atuar de um certo modo. (SPOLIN, 2008, p. 82-84).

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Assumiremos este foco para a realização dos jogos teatrais propostos nesta

pesquisa-ação. Quem estará coordenando o jogo, portanto, poderá propor espaços

fictícios onde ele ocorrerá (em uma fazenda, por exemplo), simulando também quem

os jogadores representarão (animais presos para o abate) e o quê farão (planejarão

uma fuga). Deste modo, alguns pontos podem ser esboçados por um coordenador,

porém como estas questões serão resolvidas em jogo ficará a critério dos jogadores.

Logo, o problema é proposto através da exposição da estrutura do jogo (onde, quem

e o quê), mas a solução deste problema será encontrada no desenvolvimento das

ações improvisadas pelos jogadores, no como.

Os jogos teatrais têm uma estrutura que permite a mudança de atitude por parte do professor, ou seja, dentro de um jogo, ele somente propõe o problema, pois a busca de solução é feita por todo o grupo. Sendo assim, não há, nessa situação, o detentor das respostas, mas a resposta pode ser dada por todos. (SANTOS; FARIA, 2010, s/p).

Neusa Raquel de Oliveira Santos e Moacir Alves de Faria discorrem sobre

esta estrutura que permite aos próprios jogadores resolver o problema “em jogo”. Os

autores trabalham na perspectiva de um diálogo entre o jogo teatral e as propostas

de Freire, justamente por perceberem na estrutura do jogo teatral um espaço para

destituição do modelo de separação professor – aluno. Nota-se que “é o par

educador-educando entrando em cena, como diria Paulo Freire.” (SANTOS; FARIA,

2010, s/p). Isto acontece justamente pelo fato do professor apenas propor algo

enquanto que, a solução, a resposta, pode ser dada por todos. Assim sendo, o jogo

teatral é também espaço para diálogos e construção de conhecimentos.

Refletindo sobre o jogo teatral enquanto ambiente lúdico de socialização,

experimentação, diálogos, debates, entre diversos outros aspectos, salientamos a

importância de sua vivência em processos pedagógicos. Deste modo, avançaremos

tratando mais especificamente de suas possíveis contribuições enquanto

experiência para aprendizagem, embasando assim a defesa de sua prática também

em espaços de educação musical, especificamente em aulas de canto.

Ressaltamos, porém, que não estamos propondo o jogo teatral apenas enquanto

vivência que contribui para o aprendizado de outras disciplinas, mas enquanto

experiência por si mesmo. Entretanto, não podemos negar que esta experiência

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pode desencadear colaborações para as mais diversas áreas, além de acreditarmos

no jogo teatral como recurso para o ensino e trabalho de diferentes conteúdos.

Neves (2006), por exemplo, traça algumas abordagens sobre o jogo enquanto objeto

de estudo na área da psicologia. Após levantar diferentes autores e as

argumentações dos mesmos, a autora conclui:

[...] torna-se possível pensar que os jogos teatrais possam ser utilizados na educação com objetivos que extrapolem as questões pedagógicas, e possam atingir instâncias terapêuticas num sentido que favoreça a aprendizagem, ou até mesmo possam atuar sobre questões subjetivas que se mostrem relacionadas a alguns sintomas de fracasso escolar, diagnosticados nos estabelecimentos educacionais. (NEVES, 2006, p. 87).

Portanto, abordaremos algumas contribuições do jogo teatral enquanto

espaço lúdico inserido em processos de ensino-aprendizagem. Já tendo tratado

anteriormente dos aspectos e funções do jogo, além de seus efeitos nos jogadores,

passaremos agora a especificar as decorrências do jogo teatral em sala de aula.

Como dito, o jogo teatral é constituído de um problema a ser solucionado por

toda a equipe e, para se manter o foco e encontrar uma solução, Spolin (2008)

sugere o princípio da instrução. Este processo é baseado em intervenções

pedagógicas nas quais “o coordenador/professor e o aluno/atuante se tornam

parceiros de um projeto artístico.” (KOUDELA apud SPOLIN, 2007, p. 22). Isto

permite que o par educador-educando entre em cena, superando a separação dos

mesmos.

Algumas ideias-chave são essenciais para o entendimento do processo de Jogos Teatrais. A condição fundamental é a criação coletiva onde os jogadores fazem parte de um todo orgânico motivado pela ação lúdica. Aliada a essa condição está a eliminação dos papéis tradicionais aluno/professor, dicotomia superada pelo princípio de parceria. (KOUDELA, 2009, p. 148).

Este é o primeiro aspecto que trazemos sobre a contribuição dos jogos

teatrais para os processos de ensino e aprendizagem: eles proporcionam uma ação

conjunta, uma integração entre todos os participantes e o coordenador. A sala de

aula, além de tornar-se espaço de criação, improvisação, ludicidade, também

permite interações entre os sujeitos ali presentes, conduzindo a uma “construção

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coletiva” de conhecimento. O espaço de problematização proposto pelo jogo teatral

supera uma mera transmissão de conhecimentos, já que os jogadores é que buscam

por soluções e constroem aprendizagens coletivamente. Santos e Faria (2010, s/p)

também discutem esta questão:

[...] acreditamos que os jogos teatrais possam ajudar na abordagem de temas que normalmente ficam ausentes do seu ensino, como a possibilidade de o conhecimento transformar situações de dominadores e dominados, questões sobre exclusão social ou ainda questões da ética na sociedade. Os jogos utilizam atividade que são originadoras de problemas, cujas soluções levam o grupo à reflexão e ao diálogo. Os problemas inesperados, propostos pelos jogos teatrais, para serem resolvidos de improviso, podem contribuir para a formação de indivíduos capazes de interagir nesse novo universo globalizado e em constante transformação.

Através de experiências assim, pode-se acreditar na formação de indivíduos

capazes de expor e defender ideias perante um grupo, trabalhar com a aceitação ou

não das mesmas, estar abertos a debates e reflexões e de respeitar as diferenças

dos outros. Fala-se novamente de uma educação não voltada apenas para aspectos

técnicos, mas sim voltada para a formação integral do indivíduo. Esta possibilidade

se encontra presente em meio a experiências com jogos teatrais. Morey (apud

SPOLIN, 2007, p. 27) diz que “os jogos teatrais vão além do aprendizado teatral de

habilidades e atitudes, sendo úteis em todos os aspectos da aprendizagem e da

vida.” Além disso, podemos destacar que, nos jogos teatrais “não existe

certo/errado, nem formas certas ou erradas para a cena.” (KOUDELA, 2009, p. 148).

Enfatizamos, portanto, esta abertura às ideias que o jogo possibilita, ao passo que o

jogador se sente à vontade para experimentar, sabendo que não há erros nisto.

Para Neves (2006), por exemplo, o aprendizado teatral envolve processos de

descoberta do corpo, descoberta e experimento do potencial criativo, atuação

enquanto vivência de pensamentos, emoções e ações do personagem proposto

para si, além da exposição a uma plateia. Estas são etapas a serem trabalhadas

através de jogos teatrais. Nota-se a prática do teatro na escola, segundo o autor,

objetivando o “crescimento pessoal e o desenvolvimento cultural dos alunos, por

meio do domínio da comunicação e do uso interativo da linguagem teatral, numa

perspectiva de improvisação ou ludicidade.” (NEVES, 2006, p. 86).

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Augusto Boal (diretor, dramaturgo e referência em pedagogia teatral) visa à

superação da dicotomia opressor - oprimido através do teatro, apropriando-se

nitidamente de Freire (2009) ao propor o Teatro do Oprimido, cujas técnicas são

trabalhadas a partir de jogos teatrais.

Para Boal (1975), os jogos reúnem duas características essenciais da vida em sociedade: possuem regras, como a sociedade possui leis, e liberdade criativa, sem a qual a vida se transforma em servil obediência. Além disso, afirma que os jogos promovem a ‘desmecanização’ do corpo e da mente alienada às tarefas do dia-a-dia. Ou seja, os jogos facilitam e obrigam a essa ‘desmecanização’, funcionando como diálogos sensoriais, e estes, dentro da disciplina necessária, exigem a criatividade, que constitui sua essência. (NEVES, 2006, p. 93).

A criatividade é requerida durante o desenvolver do jogo, sendo que este

exige dos jogadores prontidão para improvisar e criar nas mais diversas situações. O

ato de improvisar, por sua vez, trabalha o jogador diante de uma situação-problema,

exigindo soluções espontâneas, assim como na vida real. Nesta perspectiva,

Richard Courtney (1980) enfatiza a importância do teatro improvisado. Este é um

fator importante para considerarmos o jogo teatral em sala de aula, visto que ele

possibilita um espaço para a improvisação, invenção e criação, meios através dos

quais a imaginação pode se manifestar de forma concreta. Ana Paula Teixeira e

Robson Côrrea de Camargo (2010, p.19) discorrem sobre isto ao dizer que o jogo

teatral

[...] transforma a imaginação jogada, vivenciada, em nova realidade. Transforma a imaginação em realidade cênica, construída, re-construída, vivida em sucessão/repetição, em forma coletiva, intergrupal (artistas e equipe técnica) e intragrupal (as várias platéias). Por isto sua continuidade como processo de conhecimento vivenciado só tem a acrescentar ao desenvolvimento do conhecimento humano.

Há espaço “em jogo” para a transformação da imaginação em realidade. O

improviso abre espaço à espontaneidade, permitindo ao jogador experiências

também no nível da intuição. Para Spolin (2008, p. 3), “experienciar é penetrar no

ambiente, é envolver-se total e organicamente com ele. Isto significa envolvimento

em todos os níveis: intelectual, físico e intuitivo.” A autora fala sobre o nível intuitivo

ser, dentre os três, o mais negligenciado já que, por muitas vezes, a intuição é

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associada a uma dotação ou força mística. Porém, como ela mesma diz, “todos nós

tivemos momentos em que a resposta certa ‘simplesmente surgiu do nada’ ou

‘fizemos a coisa certa sem pensar’.” (SPOLIN, 2008, p.3). Assim sendo, Spolin

(2008) defende ambientes de ensino-aprendizagem em que a experiência -

enquanto envolvimento pleno, nos três níveis – se realize. Para isto, a autora fala de

atividades que possibilitem à espontaneidade acontecer, indicando a professores

como constituir ambientes assim de modo que, professores e alunos, juntos, iniciem

uma experiência inspiradora e criativa.

O intuitivo só pode responder no imediato – no aqui e agora. Ele gera suas dádivas no momento da espontaneidade, no momento quando estamos livres para atuar e inter-relacionar [...] A espontaneidade cria uma explosão que por um momento nos liberta de quadros de referência estáticos, da memória sufocada por velhos fatos e informações, de teorias não muito digeridas e técnicas que são na realidade descobertas de outros. A espontaneidade é um momento de liberdade pessoal quando estamos frente a frente com a realidade e a vemos, a exploramos e agimos em conformidade com ela. Nessa realidade, as nossas mínimas partes funcionam como um todo orgânico. É o momento de descoberta, de experiência, de expressão criativa [...] É necessário um caminho para adquirir o conhecimento intuitivo [...] (SPOLIN, 2008, p. 4).

O jogo é um caminho capaz de “absorver” do aluno o que ele pode oferecer

em termos de intuição, espontaneidade e criatividade já que, ainda segundo a

autora, ele permite o envolvimento e a liberdade necessários para a experiência.

Justamente pela prática do jogo teatral possibilitar o trabalho dos mais diversos

aspectos, dos diferentes níveis da experiência, pesquisadores e professores o têm

utilizado. Neves (2006), por exemplo, percebeu nesta prática um modo de abranger

também decorrências psicológicas, sendo sua proposta a de “trabalhar na hiância

entre o saber pedagógico e o saber psicológico, médico ou outro, oferecendo ao

sujeito uma oportunidade de palavra, por meio dos jogos teatrais.” (NEVES, 2006, p.

202). Para o autor, devido à averiguação da aplicabilidade do jogo teatral, ele é

praticado com fins de aprendizagem, terapia e conscientização política.

Reconhecendo o jogo teatral enquanto espaço para a imaginação, intuição,

improvisação, invenção, liberdade, criatividade, resoluções de problemas,

construções coletivas, dentre diversos outros fatores já comentados e defendidos

por pesquisadores das mais diversas áreas (pedagogia, teatro, psicologia, etc.),

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propomos sua vivência em aulas de canto. Janaína Träsel Martins (2008, p. 26) diz

que

[...] o jogo teatral eleva a imaginação à recriação de novas percepções da realidade. Assim, a ludicidade do jogo convida à [sic] vivências na dimensão da criatividade. Dentro desses pressupostos, abrem-se as portas para a entrada na sala de aula, para refletirmos sobre questões epistemológicas referentes ao jogo teatral, com foco nas práticas de corpo-voz.

Igualmente, pensamos as práticas com os jogos teatrais para trabalhar

aspectos corporais e vocais. Porém, nosso campo de pesquisa é uma sala de aula

do curso de licenciatura em música. Por se tratar de alunos de canto de um curso de

música, e não de estudantes do teatro, pensamos na proposta dos jogos teatrais

para integrar a cena ao trabalho de corpo e voz. Poderíamos propor aos alunos

vivências em jogos (tratando dos mais variados modelos), ou jogos tradicionais, por

exemplo, mas optamos por uma abordagem interdisciplinar com o teatro para

trabalhar a representação com os cantores. Consideramos este aspecto de extrema

importância, visto que os alunos de canto do curso frequentemente também se

apresentam artisticamente, alguns em palcos na própria universidade, em

avaliações e/ou provas de canto - presentes no planejamento da professora de

canto do curso - e, outros, em carreira artística, trabalhando profissionalmente.

Relacionando a necessidade de uma educação que se paute em processos

de ensino e aprendizagem lúdicos, visando todos os benefícios já citados, além da

preocupação com a interdisciplinaridade e com aspectos “extra-musicais”

necessários aos cantores em palco, pensamos para esta pesquisa não apenas no

jogo, mas no jogo teatral voltado para alunos de canto.

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2 TRABALHANDO COM A VOZ CANTADA

O trabalho com a voz cantada é tema complexo e bastante divergente entre

os autores, educadores e ainda entre os pesquisadores da área. Ao pensarmos

sobre a amplitude e complexidade presentes neste campo de pesquisa, podemos

levantar algumas questões. Primeiramente, precisamos lembrar que há uma divisão

conceitual entre canto popular e canto lírico, que diz respeito a diferenças na

exigência de potência e intensidade vocal, extensão vocal, interpretação, etc.6 Esta

separação, por sua vez, gera conclusões diversas a respeito do trabalho técnico

para o canto, já que há a possibilidade de haver um mesmo processo para o ensino

e aprendizagem de ambos, ou de um trabalho da técnica vocal que abranja as

especificidades, maneiras diferentes para o processo pedagógico do canto lírico e

do canto popular.

Outro fator importante a ser considerado é o heterogêneo grupo de

profissionais que vêm se dedicando em produções a respeito do assunto, desde

fonoaudiólogos, atores, cantores, educadores musicais - tais como regentes de

corais, professores de canto, entre outros. Desta maneira, o tema voz cantada

permeia por diferentes focos, cada um de acordo com o interesse de cada

pesquisador, agregando assim complexidades. Vê-se, portanto, muitos temas de

pesquisa: aspectos de fisiologia vocal (GARCIA, 1972; NUNES, 1976), saúde e

higiene vocal (BEHLAU; PONTES, 2001), integração entre corpo e voz, tanto sobre

a voz falada quanto cantada (BÜNDCHEN, 2004; MARTINS, 2004, 2008; MAURO,

2011), aspectos sobre voz e emoção (BACKES, 2010; GONÇALVES, 2004),

interpretação do cantor (MARSOLA; BAÊ, 2000), palavra e voz (ZUMTHOR, 2001),

pedagogias da voz (SPECHT, 2007), corais (COELHO, 2003; FUCCI AMATO, 2005,

2007; MATHIAS, 2001; BÜNDCHEN; SPECHT, 2004), coro infantil (GORINI, 1983;

SCHIMITI, 2003), etc. Estes temas se desenvolvem de maneira ainda mais

6 Os artigos “Análise de cantores de baile em estilo de canto popular e lírico: perceptivo-auditiva,

acústica e da configuração laríngea” e “Registro e cobertura: arte e ciência no canto” são duas fontes

que colaboram para um maior aprofundamento destas questões.

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minuciosa, com textos específicos sobre o trabalho de respiração do cantor,

relaxamento, ressonância, articulação, classificação vocal, extensão, registros,

afinação, vocalizes, performance, entre muitos outros.

A dimensão até então citada leva-nos a tomar um foco na escrita deste

capítulo. Considerando que esta pesquisa se baseia no uso de jogos teatrais em

aulas de canto, os próprios jogos que desenvolvemos na prática da pesquisa-ação

serviram para “peneirar” esta imensidão de temas, de modo a voltarmos nosso texto

aos aspectos trabalhados através dos jogos. Logo, se um dos jogos visou

desenvolver a respiração, por exemplo, então o tópico respiração passa a ser um

dos aspectos tratados aqui. Assim sendo, desenvolvemos o texto a partir dos

aspectos técnico-vocais que trabalhamos em sala através dos jogos teatrais.

2.1 O QUÊ CADA JOGO TRABALHA?

O aspecto primordial da escolha não apenas do jogo, mas especificamente do

jogo teatral para esta pesquisa, foi a possibilidade de se desenvolver um trabalho

que integrasse o corpo, a voz e a emoção, além da própria interpretação (esta

última, exigida do cantor em suas performances). Logo, sentimo-nos motivadas a

traçar neste capítulo a importância de um trabalho técnico-vocal que não se restrinja

a aspectos de fonação (olhando para os cantores enquanto “meras pregas vocais”

em funcionamento), mas que abranja também o corpo, a emoção e, por fim, a

interpretação. Estas inter-relações estão presentes em todos os jogos teatrais

selecionados para esta pesquisa-ação. Além da integração destes elementos, cada

jogo trabalhou aspectos específicos da técnica vocal, sendo necessário, portanto,

discorrermos a respeito destas especificidades.

O primeiro jogo visava, além da integração entre corpo, voz e emoção e

aspectos de interpretação, aperfeiçoar também a articulação e a respiração do

cantor. O segundo jogo procurou trabalhar a atenção, a escuta ao grupo, o

relaxamento e alongamento corporal e a projeção vocal. Ritmo e afinação foram

aspectos que buscamos desenvolver através do terceiro jogo. No quarto e último

jogo o foco esteve na interpretação. Os aspectos específicos desenvolvidos através

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dos jogos anteriores contribuíram para que pudéssemos focar, no quarto jogo, a

integração do corpo, da voz e da emoção na interpretação de uma canção pelo

aluno.

Portanto, a partir do quê os jogos trabalharam de forma mais específica, os

tópicos sobre técnica vocal que serão descritos neste capítulo são: integração corpo-

voz-emoção; atenção e escuta; relaxamento, alongamento e aquecimento corporal;

respiração; ressonância; articulação; afinação e ritmo; interpretação.

2.2 TÉCNICAS PARA A VOZ CANTADA PRESENTES NOS JOGOS TEATRAIS

A técnica vocal procura trabalhar e aperfeiçoar a voz cantada, permitindo que

o aluno conheça seu instrumento e o utilize conscientemente. O estudo da técnica

vocal é, portanto, “fundamental para uma emissão da voz cantada com boa

qualidade e sem prejuízo para quem a produz.” (FUCCI AMATO, 2007, p. 85). Com

tal estudo, pode-se aprender a utilizar a voz de maneira mais adequada, atentando

para questões de saúde e higiene vocal, além da utilização do apoio respiratório

para o canto, prevenindo-se, assim, o cansaço vocal e a rouquidão, como também

possíveis patologias laríngeas.

As pregas vocais, músculos bastante pequenos situados na região laríngea,

não podem ser prejudicadas por ataques vocais bruscos, não apoiados

corretamente (para que não haja um início de fonação com muita pressão subglótica

e intensidade vocal, sem apoio muscular adequado). Sem um estudo da técnica

vocal, corre-se o risco da fala ou do canto serem produzidos com certa pressão na

garganta, gerando lesões. Portanto, é necessário aprendermos a direcionar tal

pressão para outro “local” de nosso corpo, configurando-se assim o apoio

respiratório ou apoio vocal. Este, por sua vez, trata-se de um domínio, uma dosagem

ou um controle sobre a entrada e saída de ar, sendo amparado pelo diafragma,

músculo da região abdominal, além de outros músculos do abdômen e assoalho

pélvico. Estudando a técnica vocal e realizando alguns dos muitos exercícios e

práticas propostos por profissionais do ramo, podemos compreender melhor tal

discurso e tais sensações em nosso próprio corpo, além de prevenirmos algumas

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disfunções pelo uso incorreto da voz. Logo, faz-se necessário o uso da voz de modo

consciente, principalmente para os profissionais da voz (cantores, atores,

professores, locutores, etc.), buscando-se entender o funcionamento de nosso corpo

e suas relações com a produção vocal, estudando e praticando o apoio respiratório e

evitando possíveis patologias.

Para Mônica Marsola e Tutti Baê (2000, p. 13), “como qualquer instrumentista,

o cantor também necessita conhecer a fundo seu instrumento de trabalho, para que

ele possa usá-lo sem danos, preservando seu potencial vocal.” Para tanto, as

autoras abordam no livro questões sobre a descrição e o funcionamento do

instrumento vocal e a respiração, sendo estes capítulos acrescidos de imagens para

uma melhor compreensão do leitor. Tratam a escrita do trabalho de maneira

didática, a fim de “estabelecer uma relação mais empática e agradável com o aluno

de canto.” (MARSOLA; BAÊ, 2000, p. 9). Procuram, entretanto, voltar todos os

aspectos sobre a técnica vocal a um fim: a expressão do artista. Logo, capítulos

como “Corpo, voz e interpretação”, “Dicas aos cantores e profissionais da voz”,

“Cantar em público”, entre outros, também são desenvolvidos, visando o objetivo

final do trabalho do canto enquanto expressão, como indicado no próprio título do

livro.

Claire Dinville (1993) trata da voz enquanto instrumento, abordando, assim

como as autoras já citadas, a necessidade de o cantor conhecer e compreender o

funcionamento de seu instrumento. A autora fala também dos termos subjetivos

usados pelos professores em aulas de técnica vocal, mostrando-nos que uma das

diferenças do trabalho com a voz para as aulas de técnica de outros instrumentos é

a dificuldade de expressarmos os elementos não palpáveis e invisíveis. Para isso, o

professor passa a criar expressões como “coloque a voz nos dentes”, “jogue a voz

para a cabeça”, entre outras.

Quando se trata de técnica vocal, nada é fácil de explicar. Alguns mecanismos – os mais importantes – são inconscientes, involuntários. Eles não são palpáveis nem visíveis. Eles derivam de movimentos voluntários. É esta dificuldade de fazer compreender e realizar a voz cantada, que faz com que cada professor tenha um vocabulário pessoal, e não é fácil de criar um que possa ser o mesmo para todos, como acontece com outros instrumentistas. (DINVILLE, 1993, p. 132).

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O ensino de técnica vocal, para a autora, é delicado e difícil. Ela comenta que,

“como cada aluno é um caso particular, nada deve ser sistemático. É preciso

adaptar-se constantemente, modificar os procedimentos, as descrições imaginárias

que podem provocar reações diversas conforme as pessoas.” (DINVILLE, 1993, p.

131-132).

Outros autores também relatam a dificuldade presente não apenas no ensino,

mas no próprio ato de cantar.

Cantar é um ato que envolve diversos recursos do aparelho fonador e impõe uma demanda sensivelmente maior quando comparada à fala natural. Para falar e cantar os mesmos órgãos fonoarticulatórios são utilizados, porém, no canto, os ajustes variam de acordo com as exigências impostas pela música e estilo em questão, como, por exemplo, os de sustentação da coluna sonora, os de igualdade tímbrica, de dicção, de fraseado e de interpretação. (GAVA JÚNIOR; FERREIRA; ANDRADA E SILVA, 2010, p. 552).

Justamente por essa amplitude que é o ato de cantar e pela dificuldade em se

entender alguns mecanismos envolvidos, vê-se a necessidade dos professores de

técnica vocal se valerem de diferentes meios para o ensino-aprendizagem. Para que

lacunas sejam superadas e para que se realize um trabalho mais abrangente e

completo com os estudantes de canto, a interdisciplinaridade está sendo proposta

tanto em nosso trabalho quanto em outros.

Rita de Cássia Fucci Amato (2007), por exemplo, também defende uma

perspectiva interdisciplinar para o canto devido à complexidade deste. A autora

comenta que “o conceito da interdisciplinaridade é de significativa relevância para a

compreensão da complexidade do ato de cantar.” (FUCCI AMATO, 2007, p. 85).

Ana Cláudia Specht (2007) fala sobre algumas destas questões:

Bairon (2002) assume que o objetivo da interdisciplinaridade é superar a lacuna entre as disciplinas e trabalhar o conhecimento através de interdependências e conexões recíprocas. Assim, ressalto a importância de propor uma interlocução do canto com outras disciplinas, buscando preencher elementos que não são abordados no ensino do canto. (SPECHT, 2007, p. 22).

Outra questão importante é o trabalho coletivo. Para a compreensão da

técnica vocal pelo aluno, como apontou Dinville (1993), os professores se utilizam de

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recursos de vocabulário e descrições imaginárias. Porém, ainda de acordo com a

autora, estes recursos são entendidos de maneira singular, com reações diferentes

em cada aluno, devendo ser adaptados de acordo com o estudante. Imaginemos

então a complexidade da técnica vocal em aulas coletivas, sabendo-se que o uso de

determinadas metáforas não se aplica a todos. Além disso, independente de aulas

individuais ou coletivas, permanece a necessidade de se agregar no ensino da voz

cantada aspectos corporais e vocais, elementos de interpretação, expressão e

emoção. Do nosso ponto de vista, justamente por isso são necessárias as

adaptações, criações, reelaborações por parte do professor, de modo que o ensino

se volte às pessoas, levando em conta as subjetividades de cada uma delas, e que

se estabeleça uma abordagem da voz cantada de forma mais completa, integrando

os aspectos citados acima.

Longe de traçarmos um fim para estes apontamentos, seguiremos a escrita

sobre os aspectos técnico-vocais que foram trabalhados através dos jogos pensados

para a vivência prática realizada no decorrer desta pesquisa.

2.2.1 Atenção e escuta

A escuta é conceituada por diferentes autores, com abordagens específicas.

Em um coral, por exemplo, podemos relacioná-la à capacidade de perceber o grupo,

ouvir as vozes presentes no mesmo, afinar, estar atento às respirações do grupo, às

pausas, entre outros.

Marsola e Baê (2000) falam sobre a escuta enquanto aspecto importante para

a afinação, considerando que todos precisam aprender a ouvir, e que o cantor

necessita aprimorar uma escuta consciente, sendo a falta de atenção, para as

autoras, um dos fatores que interfere na afinação. Discorrem ainda sobre a

importância do cantor, ao ouvir um som, conseguir estabelecer diferenças, tais como

forte e fraco, agudo ou grave, timbres dos diversos instrumentos e até mesmo ouvir

a harmonia que o acompanha na canção. Para elas, “todo o estudo ligado à

percepção auditiva trará benefícios ao cantor, ampliando sua capacidade de criação,

execução, interpretação e afinação.” (MARSOLA; BAÊ, 2000, p. 48).

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De acordo com Dinville (1993), é também através do controle auditivo que o

cantor muda a qualidade de sua voz. Para a autora, a escuta da própria voz é

importante, “já que o rendimento acústico é controlado pelo ouvido, o que permite

avaliar e apreciar a qualidade dos sons.” (DINVILLE, 1993, p. 21).

Interessante ressaltarmos, porém, que a escuta não se limita aos aspectos

até então apresentados. Murray Schafer (1991) comenta sobre uma Limpeza de

Ouvidos, tratando este título como uma parte de seu livro, Ouvido Pensante, e

abordando nesta uma expansão “dos conceitos tradicionais a respeito do

treinamento auditivo, de modo a preparar o aluno para as mais novas formas de

música de hoje e para o ambiente acústico como um todo.” (SCHAFER, 1991, p.13).

O autor amplia questões referentes à escuta e discorre sobre abrirmos os ouvidos,

de maneira que possamos notar os sons nunca antes percebidos.

2.2.2 Relaxamento, alongamento e aquecimento corpor al

Para que o corpo se mantenha relaxado durante o canto, alguns exercícios ou

técnicas corporais são empregados em aulas. A intensão destes não é a retirada

total de tensão, já que nunca conseguiremos ficar sem tensão para agir, mas um

trabalho para o equilíbrio da tonicidade do corpo.

Martins (2004), por exemplo, discorre sobre um direcionamento das tensões

musculares para regiões que não obstruam o canal vocal. Assim sendo, é

necessário o desenvolvimento de um trabalho corporal que permita uma correta

distribuição da tensão para que não se prejudique a projeção vocal, retirando a

tensão excessiva da região fonatória. A tensão impede que sejam acessados certos

ressonadores, influenciando no controle das frequências e intensidade.

Ênio Lopes Mello e Marta Assumpção de Andrada e Silva (2008, s/p) partem

do mesmo princípio, apontando que

Para o canto, necessita-se de tônus muscular, de propriocepção, de presença de palco com a música. Muitas vezes o relaxamento muscular acarreta desprendimento e/ou abandono das sensações do corpo. Essas atitudes podem levar a uma falsa percepção e até mesmo à falta de tônus

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muscular. Isso pode provocar uma deficiência na resposta motora e comprometer a performance do cantor. Sabe-se que o excesso de tensão nos músculos, por exemplo, os músculos do pescoço, podem comprometer a qualidade vocal. Em contrapartida sabe-se que o relaxamento muitas vezes, leva à diminuição da tensão necessária para a realização do canto. Parte-se do princípio, que o corpo precisa de muita prontidão e energia para a elaboração do canto, nesse sentido o relaxamento não pode ser encarado com o propósito de preparar o corpo para o canto. O termo relaxamento nas atividades físicas direcionadas a preparação do cantor, deve ser entendido única e exclusivamente, como ausência de tensão excessiva nos músculos e nas articulações. Estar relaxado deve significar estar pronto para receber e decodificar qualquer estímulo. É estar de prontidão!

Alongamento, porém, “refere-se às situações que envolvem diretamente a

estrutura muscular e os tecidos moles que envolvem a articulação. As técnicas de

alongamentos resultam na elasticidade e melhoria da função muscular.” (MELLO;

ANDRADA E SILVA, 2008, s/p). Já o aquecimento, em atividades físicas, por

exemplo, é entendido como o período em que se promove o aumento das

frequências cardíaca e respiratória. Os aquecimentos permitem flexibilizar as

articulações, garantindo uma liberdade de movimentos.

A importância de um trabalho que conscientize o cantor de seu corpo,

mobilize sua musculatura e relacione equilíbrio psíquico e físico é colocada por Mello

e Andrada e Silva (2008, s/p):

[...] cantar é uma resposta da interação do corpo inteiro que envolve a coordenação e a dinâmica dos músculos. É uma ação que deve ser coordenada. A coordenação da musculatura intrínseca da laringe está atrelada à coordenação pneumofonoarticulatória, que está associada à coordenação motora do corpo todo. Outrossim, reflete-se que para a elaboração da voz, o corpo deve estar livre das tensões indesejadas, porém não significa estar com a musculatura relaxada, mas sim com o tônus muscular adequado para o gesto. Nesse sentido, a correlação entre o equilíbrio psíquico e funcionamento físico, pode ter significante resultado na qualidade vocal.

Marsola e Baê (2000) descrevem alguns exercícios de aquecimento corporal.

Para elas, exercícios de relaxamento e aquecimento do corpo devem anteceder o

momento da vocalização.

Estudando alguns métodos de técnica vocal e traçando aspectos semelhantes

e díspares entre eles, Specht (2007, p. 27) fala sobre o relaxamento enquanto

preparação, dizendo que “alguns métodos apresentam massoterapia aplicada à voz,

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enquanto outros apresentam exercícios corporais. Ambos visam ao relaxamento

corporal que envolve principalmente ombros, costas, pescoço e face.”

Bündchen e Specht (2004) trabalham com a proposta de movimentos

corporais no canto coral. As autoras relatam que observaram, na integração corpo-

música,

[...] uma certa influência do movimento corporal na execução vocal de intervalos e trechos melódicos, ou seja, parecia clarear a compreensão da altura e a sustentação da afinação. Também as atividades que envolviam teatro, dança, expressão gestual livre, ajudaram segundo nossa avaliação, nas performances de apresentação do grupo, devido ao relaxamento vocal através dos movimentos corporais, onde observamos um acentuado controle sobre a expressão. (BÜNDCHEN; SPECHT, 2004, s/p).

Percebe-se, portanto, a prática de movimentos corporais associada a uma

melhor execução vocal e também enquanto meio para clarear o entendimento de

conceitos musicais, sendo útil no processo pedagógico da voz cantada.

2.2.3 Respiração

A respiração se constitui em dois movimentos básicos: inspiração e

expiração. Marsola e Baê (2000) descrevem o caminho do ar durante a inspiração

até a chegada aos pulmões: passando pelas narinas, traqueia, brônquios e alvéolos.

O movimento conjunto do tórax e do diafragma é que permite a entrada e saída do

ar dos alvéolos.

De maneira ampla, podemos pensar que o aparelho respiratório é constituído

pelas vias aéreas e pelos pulmões, localizados no tórax. O tórax é separado do

abdômen pelo diafragma: músculo que se movimenta durante a respiração: durante

a inspiração ele abaixa, comprimindo as vísceras abdominais e, na expiração, sobe

(logo, sobe durante a fala e o canto). Portanto, inspirar e expirar são movimentos

que contam com o auxílio do diafragma (conhecido como músculo-chefe da

inspiração, já que desce até o abdômen enquanto inspiramos, possibilitando a

entrada de ar nos pulmões). Na expiração o músculo apoia e pressiona a coluna de

ar. Esta coluna de ar passa pelas pregas vocais, que vibram e “geram” som. Por isso

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a importância de usarmos corretamente o diafragma na respiração, “pois, caso

contrário, a garganta assume a função de apoio e com isso a voz sai com grande

esforço, dificultando a boa emissão.” (MARSOLA; BAÊ, 2000, p. 21).

De acordo com Marsola e Baê (2000, p. 21) a voz é, portanto, “o som

produzido pelas pregas vocais durante a expiração. O que faz as nossas pregas

vocais vibrarem é a passagem do ar. Sem ar não há som. Por isso saber respirar

corretamente é fundamental.” Para tanto, as autoras falam sobre a importância de

sabermos usar, dosar e controlar o diafragma, músculo que age em nossa

respiração, enfatizando que “respirar bem é meio caminho andado para se cantar

bem.” (MARSOLA; BAÊ, 2000, p. 22). No Renascimento já se ouvia algo parecido,

associando uma boa respiração ao canto, ao se falar do sopro enquanto fonte de

energia para o cantor, com a expressão “‘Il canto è fiato’: o canto é sopro.”

(DINVILLE, 1993).

Usar e controlar a respiração, a musculatura envolvida na mesma, também

são processos apontados por Dinville (1993, p. 53), ao dizer que “para o cantor, não

se trata de deixar o sopro escoar sem controle. Ao contrário, ele deve aprender a

economizá-lo, dosá-lo, isto é, regular constantemente o gasto de ar.” A autora ainda

afirma que, “aprender a cantar, é inicialmente aprender a respirar.” (DINVILLE, 1993,

p.51). Para ela, a respiração (no trabalho da técnica vocal) é vivida enquanto

sensação de resistência, de tonicidade muscular.

Para o canto, fala-se de uma respiração abdominal ou costo-diafragmática,

não envolvendo assim a região peitoral. Interessante apontarmos, porém, sobre a

ideia de que toda a respiração, independente do “tipo”, irá movimentar o corpo em

várias dimensões (vertical, horizontal e em profundidade), ainda que sutilmente. Por

isso Jerzy Grotowski (2007), ao falar sobre a voz, aponta que não há como evitar o

mínimo movimento que ocorre em nestas dimensões ao respirarmos. Ele comenta

que

O abdômen dá início ao processo de respiração, mas em certa medida o peito está um pouco envolvido. Não é a respiração que infla o peito, como se vê nas fotografias dos atletas. É um movimento sutil, que se pode verificar mais com o tato do que com a observação; porém é um movimento que de qualquer maneira existe. (GROTOWSKI, 2007, p. 137).

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O trabalho regular da respiração permite um treino da musculatura, conduz a

um melhor controle dos movimentos respiratórios e permite que o aluno “memorize”

sensações a respeito do local onde ele deve concentrar certa pressão respiratória,

um local de tonicidade. Desta maneira, o aluno poderá “lembrar” do local de apoio

para a voz cantada, tornando-se automático, com o passar do tempo de estudo,

cantar sob este ponto de tonicidade. Assim, cantará sem esforços, sustentando a

voz não na garganta, mas na região memorizada, aprendida no desenvolvimento do

trabalho de treino respiratório.

Segundo Dinville (1993, p. 62), “o trabalho regular da respiração tem por

objetivo treinar a musculatura a fim de adquirir a agilidade e a tonicidade necessária

a toda atividade muscular.” Para que se desenvolva o trabalho da musculatura

respiratória, a autora diz ainda que a respiração deve ser diariamente treinada,

independente do canto. Além disso, fala que “a beleza do timbre, a afinação, a

facilidade da emissão e as possibilidades expressivas dependem, principalmente, da

técnica respiratória.” (DINVILLE, 1993, p. 60).

Encerramos este tópico ressaltando a importância de um estudante de voz

aprender sobre o funcionamento e adquirir o domínio técnico da respiração.

O conhecimento sobre o funcionamento do sistema respiratório, assim como o domínio técnico sobre ele são alguns dos elementos relevantes para a manutenção do bem estar vocal do profissional da voz. [...] a qualidade vocal e o comportamento respiratório e muscular estão inti-mamente relacionados. A arte do canto exige o controle da respiração e esse é o resultado de um sinergismo de todo o aparelho vocal. (GAVA JÚNIOR; FERREIRA; ANDRADA E SILVA, 2010, p. 552).

2.2.4 Ressonância

. O ar se transforma em som ao passar pelas pregas vocais, porém, este som

necessita de uma caixa de ressonância para ser amplificado. Funciona igualmente a

outros instrumentos musicais, tais como o violão, o violino, etc. O som produzido ao

se tocar as cordas de um violão, por exemplo, torna-se audível à plateia à medida

que encontra uma caixa de ressonância. Assim também percebemos com a voz

cantada: “No canto, o ar, ao fazer vibrar as pregas vocais, produz um som

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insignificante, que necessita encontrar uma caixa de ressonância para poder

amplificar-se.” (MARSOLA; BAÊ, 2000, p. 16). O próprio corpo, com sua estrutura

óssea, pode ser considerado a grande caixa de ressonância da produção vocal,

havendo algumas cavidades mais específicas sobre as quais, ao direcionarmos o

som, alcançamos maior amplificação da voz.

Segundo Marsola e Baê (2000), praticamente todos os ossos do corpo estão

em vibração durante o canto, sendo muitos os ressonadores que poderíamos

considerar. Porém, podemos tratar dos que estão mais ligados a este trabalho de

amplificação e ressonância da voz: alguns autores os consideram enquanto

ressonadores e outros os subdividem em ressonadores inferiores e superiores.

Ainda de acordo com as autoras, a laringe, a traqueia, os brônquios e os pulmões

são considerados ressonadores inferiores, enquanto que as cavidades bucais e da

face são consideradas ressonadores superiores. Os ressonadores faciais, por sua

vez, são tratados como mais importantes, fazendo parte de uma região de

ressonância conhecida como “máscara”. Por isso a expressão “cantar na máscara”,

ou seja, cantar utilizando os ressonadores faciais. Esta expressão é conhecida entre

diversos professores de canto e usada em aulas para que, de maneira subjetiva, o

aluno possa imaginar esta máscara e projetar nela a sua voz. Percebemos aqui o já

dito por Dinville (1993): o uso de metáforas para que resultados sejam obtidos na

voz do aluno.

O aparelho ressonador “irá influir na cor (timbre), sonoridade e amplitude da

voz.” (MARSOLA; BAÊ, 2000, p.14). Por isso a importância de trabalhar-se a

abertura da boca, o afastamento dos maxilares, a imitação do movimento do bocejo,

entre outros, de modo a alcançarmos os sons de acordo com a estética que

desejamos (já que as qualidades vocais que procuramos enquanto cantamos, seja

uma voz doce, suave, metálica, agressiva, com brilho, entre outras, são obtidas pelo

bom direcionamento e controle do ar e pela articulação).

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2.2.5 Articulação

“Através da articulação e das múltiplas modificações do colorido vocal, a voz

cantada tem excepcionais possibilidades e qualidades capazes de suscitar, aos que

são sensíveis, todo um conjunto de sensações e emoções.” (DINVILLE, 1993, p. 3).

Para a autora, modificando-se a tonicidade dos lábios e da bochecha, o som

fundamental pode ser enriquecido ou empobrecido. Assim sendo, a estética vocal

que buscamos pode ser trabalhada.

Dinville (1993) considera a língua o principal órgão da articulação, devendo

esta ser trabalhada para a execução de movimentos precisos em diferentes pontos

da cavidade bucal. A mandíbula, por sua vez, é considerada o órgão móvel da

articulação, comandando a atitude da laringe em sinergia com os movimentos da

língua e tendo também importante papel na coloração dos timbres.

Marsola e Baê (2000) também falam sobre a importância dos articuladores,

destacando duas funções destes: a de direcionamento do som para o aparelho

ressonador e a de ajudar na produção de fonemas. Consideram como articuladores

a mandíbula inferior, único osso móvel da face, a língua, o palato mole e os lábios.

Para as autoras, “A passagem fácil e sem defeitos do grave para o agudo depende

muito da posição correta da boca (articulação), que desempenha um papel

importante no aparelho ressonador.” (MARSOLA; BAÊ, 2000, p. 17).

A importância da articulação é comum às autoras citadas até então. O

trabalho da articulação também é desenvolvido, na técnica vocal, através de

vocalizes7. Estes, por sua vez, permitem-nos treinar a colocação dos fonemas (tanto

vogais quanto consoantes) na “máscara”. O som é projetado de maneira mais

adequada quando usamos os articuladores para direcioná-lo para o aparelho

ressonador.

Dinville (1993) ressalta a importância da articulação para o entendimento da

letra de uma canção por parte da plateia, lembrando-nos de que a voz é o

7 Exercícios vocais feitos, geralmente, com a utilização de vogais, consoantes nasais ou sílabas, dispostas melodicamente. Frequentemente usados em aula com o intuito do aquecimento vocal.

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instrumento capaz de unir a palavra à música. Para ela, “Uma boa articulação

acrescenta muito à expressão e ao alcance da voz.” (DINVILLE, 1993, p. 67).

2.2.6 Afinação e ritmo

Quando se fala em afinação, trata-se de executar corretamente uma altura8

sonora proposta, atingindo a mesma frequência (MARSOLA; BAÊ, 2000). Por

exemplo: um professor toca no teclado uma determinada nota musical, pedindo que

o aluno reproduza aquele som com a voz. Porém, o aluno emite outra nota, outra

frequência, diferente da que está sendo solicitada no momento. Logo, há

desafinação. Caso o aluno fizesse soar com a voz exatamente a mesma nota tocada

pelo professor no teclado, haveria afinação. Portanto, um cantor, enquanto executa

uma canção, é considerado afinado caso alcance de maneira correta as alturas

escritas pelo compositor (desconsiderando aqui, obviamente, as modificações

melódicas intencionais que muitas vezes são propostas por cantores com intuito de

fornecer à obra novas interpretações, alterações, improvisos).

Para Marsola e Baê (2000) alguns fatores interferem na afinação, tais como a

falta de percepção - devendo o cantor aprimorar sua escuta -, a estrutura musical

não favorável, falta de atenção, repetição de um mesmo trecho, respiração incorreta,

falta de apoio diafragmático e notas nos limites da tessitura vocal9, além de questões

emocionais enfrentadas durante o ato de cantar.

O treino da afinação e também do ritmo é bastante realizado através de

vocalizes, como podemos ver em diferentes materiais e métodos de estudo escritos

para a aprendizagem da técnica vocal. Ao exporem alguns vocalizes em seu livro,

Marsola e Baê (2000, p. 85) dizem que “durante a execução dos exercícios, tudo

deve funcionar em conjunto – a respiração, ressonância, articulação, apoio do

8 Altura é a propriedade do som relativa à frequência, do grave ao agudo (MARSOLA; BAÊ, 2000, p. 43). Segundo Dinville (1993, p. 5), a alteração da altura se dá pela mudança na pressão expiratória. 9 Tessitura é o conjunto de notas, do grave ao agudo, que o cantor pode emitir com facilidade e homogeneidade, geralmente no âmbito de uma oitava mais uma quinta (MARSOLA; BAÊ, 2000, p. 33; DINVILE, 1993, p. 11).

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diafragma, dinâmica, afinação e ritmo.” Portanto, é importante que se esteja atento

para se manter afinado e no ritmo proposto pelos exercícios.

Alguns autores, assim como Andréia Paris (2010), falam sobre a

aprendizagem do ritmo a partir da escuta do próprio corpo. Nesta perspectiva, é

possível perceber o ritmo pelas batidas do coração, do pulso, além de outros

trabalhos que podem ser desenvolvidos.

Schafer também fala sobre isso, discorrendo sobre a relação do ritmo e do

universo, do homem enquanto criatura que organiza e coloca o “acaso” em ordem,

do ritmo do coração, da respiração, das poesias declamadas, etc. Para o autor, “em

seu sentido mais amplo, o ritmo divide o todo em partes.” (SCHAFER, 2001, p. 315).

Logo, podemos pensar o ritmo como pequenas partes que se sucedem.

Paris (2010) expõe alguns dos conceitos sobre os quais trabalhou o conceito de

ritmo, tais como de alguns dicionários.

Esta noção de medida, de ordem e rigidez, por sua vez, sugere noções conceituais como estas que os dicionários trazem: ‘medida, compasso, movimento musical, processo sonoro que se repete com regularidade de tempo em tempo, de espaço em espaço, criando a cadência. Ordem de sucessão de fenômenos dentro de um espaço de tempo sempre o mesmo. Som que se repete com intervalos certos’ (BUENO, 1974: 3550), e a do Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa que, entre outras definições mais específicas, define ritmo como ‘movimento ou ruído que se repete, no tempo, a intervalos regulares, com acentos fortes e fracos’ (FERREIRA: 2004). Há, ainda, o músico e pesquisador Sérgio Magnani (1996: 96), afirmando que 'o ritmo é a ordem suprema da música, assim como de todas as coisas – o princípio de suas leis matemáticas'. (PARIS, 2010, p. 19).

Entretanto, não é objetivo de nossa pesquisa abranger minuciosamente tais

questões sobre o ritmo. Para este trabalho, procuramos apenas deixar clara a

importância de um estudo do cantor também sobre questões rítmicas e melódicas,

sem que haja um menosprezo por tais. Durante a performance, caso o ritmo a as

alturas da música não sejam mais a preocupação principal, já tendo sido “resolvidos”

em aula, o cantor poderá voltar a sua atenção para outros aspectos.

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2.2.7 Interpretação

Deus resolverá definitivamente as querelas entre cães e gatos, entre corintianos e palmeirenses e entre cantores e instrumentistas. Nós, os instrumentistas, chamamos os cantores de canários e relaxamos no palco escudados pelos nossos instrumentos. Sim, entre nós e a plateia existe um intermediário. Já o cantor tem o seu próprio corpo como emissor daquilo que é considerado o ponto dramático focal da apresentação. Melhor dizendo, toda a expectativa e toda a crítica estão amarradas ao frágil gogó do canário. (STROETER apud MARSOLA; BAÊ, 2000, p. 5).

Gustavo Cerqueira Stroeter (apud MARSOLA; BAÊ, 2000) assina o prefácio

do livro Canto uma expressão: Princípios básicos de técnica vocal. Neste prefácio,

apresenta de forma bem humorada a complexidade de um cantor em palco

enquanto indivíduo que está de frente para o público, sem intermediários entre ele e

a plateia e, devendo fazer soar, através do próprio corpo e voz, imagens. Com isso,

percebe-se a atenção dada pela plateia ao cantor, sendo a interpretação um dos

aspectos notados no mesmo e que precisa, portanto, ser trabalhado.

Marsola e Baê (2000) falam sobre as sensações, trazidas pela música, que se

refletem no corpo do cantor através de gestos e expressões faciais. Ressaltam, por

conseguinte, a importância de uma liberação do corpo para movimentos expressivos

próprios do cantor, ao invés do uso de imitações, de recursos utilizados de maneira

forçada e estereotipada. Apontam para a necessidade de uma “conscientização e

liberação do corpo para que haja ‘entrega’ na interpretação. Esta conscientização é

processo individual, pois o meu movimento expressivo para cada emoção não é

igual ao seu.” (MARSOLA; BAÊ, 2000, p. 59).

Christiane Pereira Rodrigues e Leonice Maria Bentes Nina (2004) também

falam sobre aspectos de interpretação do cantor, já que desenvolvem um trabalho

de musicalização através do canto coral. A partir de um amplo estudo das peças a

serem cantadas, envolvendo apreciação e contextualização das mesmas,

memorização do repertório, entre outros, é que se desenvolvem, na opinião das

autoras, os aspectos de interpretação.

Os aspectos da expressão e interpretação devem ser desenvolvidos a partir de um trabalho de apreciação e contextualização a respeito das peças. Esse trabalho consiste em desenvolver a sensibilidade perceptiva de modo a reconhecer elementos da linguagem musical e seus usos nas peças, bem

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como compreender estilos, reportando aos períodos histórico-sociais em que as peças foram criadas, bem como aos seus compositores. (RODRIGUES; NINA, 2004, s/p)

As autoras também mostram a importância de um trabalho com canto coral

que desenvolva concomitantemente aspectos técnicos, fisiológicos e psicológicos.

Novamente, vê-se a necessidade de se integrar estes elementos no trabalho com a

voz cantada.

2.2.8 Integração voz-corpo-emoção

“Quando chega o momento de emitir a voz, o cantor deve se preparar física e

mentalmente para cantar.” (DINVILLE, 1993, p. 43). Percebe-se, portanto, o grau de

complexidade que o ato de cantar envolve. Além de todo o trabalho técnico

desenvolvido em aulas de canto, o palco exige interpretação e equilíbrio emocional

(considerando a necessidade de lidar com sensações de ansiedade, nervosismo,

timidez ou outras resultantes da exposição a uma plateia). Para tanto, estes fatores

também devem ser agregados ao trabalho com a voz cantada em sala de aula. A

importância das vivências corporais ao lidarmos com a voz é tratada por diversos

autores.

Vivenciar o canto por meio do corpo – através de gestos, de encenações, da dança – é fundamental para a percepção do que acontece com a voz, com a música, com o gênero musical proposto. Cantar com o corpo leva a uma interpretação músico-vocal, em geral, mais descontraída, podendo auxiliar na expressividade do canto. (SCHMELING; TEIXEIRA apud BATISTA, 2011, p. 20).

Dinville (1993) também expõe seu pensamento sobre a relação corpo-voz,

dizendo que “Entre o corpo e a voz existe uma íntima relação. É com eles que o

cantor exterioriza sua afetividade e desempenha o papel intermediário entre o

público e a obra musical.” (DINVILLE, 1993, p. 4).

No ato de interpretar uma canção, Marsola e Baê (2000) apontam para a

necessidade de deixarmos o corpo responder ao que sentimos, com movimentos e

expressões naturais e não estereotipados. Com isso, percebemos a emoção e o

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corpo envolvidos durante a interpretação de uma canção. Novamente fala-se desta

integração.

O termo corporeidade da voz, por exemplo, é bastante tratado nos textos de

Fernando Aleixo. Para ele, o termo representa “a voz, quando entendida como

corpo, ou seja, como um processo da ação das diferentes esferas da organicidade

(aspectos musculares, ossatura, sentidos, afetividade, memória, etc).” (ALEIXO,

2002, s/p). Notamos, portanto, elementos físicos e emocionais em interação com a

produção da voz.

Encerramos este tópico relembrando a necessidade, portanto, de um

ambiente de ensino e aprendizagem que integre os diversos fatores - físicos,

técnico-vocais e emocionais - ao trabalho com o estudante de canto. Como dizem

Mello e Andrada e Silva, (2008, s/p) “o canto é uma atividade que demanda preparo

físico e emocional, portanto, torna-se necessário um treinamento adequado para se

adquirir controle e propriocepção da fonação, bem como equilíbrio corporal.”

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3 POR UMA ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR: O JOGO TEATRA L COMO

FERRAMENTA PEDAGÓGICA PARA AS AULAS DE CANTO

Considerando os aspectos do jogo e da voz cantada tratados nos capítulos

anteriores, discorreremos neste capítulo sobre as contribuições trazidas à aula de

canto através dos jogos teatrais.

Iniciaremos explicando a metodologia e os procedimentos metodológicos que

foram utilizados na pesquisa, abordando as técnicas usadas para a coleta de dados

e a análise dos mesmos. Após, descreveremos os jogos utilizados na prática da

pesquisa-ação, alguns já conhecidos e outros criados durante o processo de

pesquisa deste trabalho. Por fim, analisaremos e refletiremos sobre os dados

coletados.

3.1 EXPERIÊNCIA COM UNIVERSITÁRIOS: METODOLOGIA

A prática desta pesquisa-ação foi realizada envolvendo os alunos da

disciplina Grupos Musicais II - Expressão Vocal, do curso Licenciatura em Música da

Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).

Grupos Musicais I e Grupos Musicais II são disciplinas obrigatórias na matriz

curricular vigente para a primeira e segunda fases do curso em questão. Porém, os

alunos podem escolher qual o instrumento que estudarão nestes grupos musicais,

devendo optar pelas seguintes especificidades: Expressão Vocal, Percussão ou

Flauta Doce10.

A turma escolhida, portanto, é composta por alunos da segunda fase do curso

que optaram pelos estudos de Expressão Vocal. Ao todo, nove alunos participaram

do processo de pesquisa.

A disciplina é ministrada pela Profª. Ms. Alícia Cupani Fabiano, coorientadora

deste trabalho de conclusão de curso. Elas ocorrem semanalmente no período

10 Para uma melhor compreensão da matriz curricular vigente e de suas alterações em relação às anteriores, pode-se acessar o Projeto Pedagógico de Curso (PCC) - 2012 no endereço online: <http://www.ceart.udesc.br/wp-content/uploads/Projeto_pedagogico_Licenciatura_Musica_2012.pdf>.

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matutino: quintas-feiras, entre 10h20min e 12h, tendo duração total, portanto, de 1

hora e 40 minutos. O espaço físico utilizado para as aulas são salas do prédio do

Departamento de Música (DMU), no Centro de Artes (CEART) da universidade.

Porém, para a realização da prática da pesquisa-ação, utilizamo-nos do auditório do

DMU.

Escolhemos este espaço físico por ser neste auditório que os alunos do curso

realizam apresentações musicais e provas públicas de algumas disciplinas. No caso

da turma em que atuamos, por exemplo, ao término do semestre todos os alunos

deverão ter estudado uma canção para apresentar neste auditório, constituindo-se

assim a prova pública. Como as disciplinas do curso são ministradas, em sua

maioria, em outras salas do departamento, o auditório é um ambiente conhecido,

geralmente, apenas na primeira apresentação feita pelo aluno durante o curso.

Logo, de maneira que os alunos de canto possam se “familiarizar” melhor com o

ambiente de suas apresentações, resolvemos pelo uso do auditório enquanto

espaço físico para a parte prática da pesquisa.

A timidez de alguns alunos em relação ao ato de estar em palco, de frente

para uma plateia, foi outro aspecto importante para considerarmos a escolha do

auditório enquanto espaço para a prática. Como já visto no capítulo anterior, nem

sempre é fácil para alguns expor a voz em público. Por isso a escolha específica de

experiências com o jogo teatral (em que sempre há uma plateia) e do auditório

enquanto espaço físico, de maneira que já se criem relações entre o uso do palco e

da plateia e, de modo mais subjetivo, já se permita ao aluno estar mais familiarizado

com o ambiente de suas apresentações acadêmicas (visando um melhor conforto

deste aluno em relação ao ato de estar em palco).

A etapa prática da pesquisa-ação compreendeu dois encontros de 1 hora e 40

minutos cada, nos quais desenvolvemos os jogos teatrais selecionados.

Para este trabalho, a pesquisa-ação revelou-se bastante oportuna, tanto por

nos permitir experimentar nossas proposições através da prática com os jogos

teatrais elaborados quanto por possibilitar problematizações em nossa investigação.

Desta maneira, um método que una teoria e prática, que permita a ação do

pesquisador ao intervir em um grupo e que seja um eficaz instrumento para que o

pesquisador atue na prática com suas questões, capacitando-o também para a

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prática profissional, revela-se bastante propício à nossa pesquisa. Engel (2000)

aborda estas características, ao relatar que

Como o próprio nome já diz, a pesquisa-ação procura unir a pesquisa à ação ou prática, isto é, desenvolver o conhecimento e a compreensão como parte da prática. É, portanto, uma maneira de se fazer pesquisa em situações em que também se é uma pessoa da prática e se deseja melhorar a compreensão desta [...] No entender de Nunan, este tipo de pesquisa constitui um meio de desenvolvimento profissional de ‘dentro para fora’, pois parte das preocupações e interesses das pessoas envolvidas na prática, envolvendo-as em seu próprio desenvolvimento profissional (ENGEL, 2000, p. 182-183).

Além disso, este método é bastante aplicado na área da educação, entre

alguns motivos, por unir a prática do professor à pesquisa. Portanto, apresenta-se

eficaz ao ajudar estes profissionais na solução de problemas à medida que os

envolve na pesquisa.

Além de sua aplicação em ciências sociais e psicologia, a pesquisa-ação é, hoje, amplamente aplicada também na área do ensino. Nela, desenvolveu-se como resposta às necessidades de implementação da teoria educacional na prática da sala de aula. Antes disso, a teoria e a prática não eram percebidas como partes integrantes da vida profissional de um professor, e a pesquisa-ação começou a ser implementada com a intenção de ajudar aos professores na solução de seus problemas em sala de aula, envolvendo-os na pesquisa. Por exemplo, possibilitava avaliar empiricamente o resultado de crenças e práticas em sala de aula. (ENGEL, 2000, p. 182).

Logo, a pesquisa-ação se apresenta bastante atrativa e eficaz para nós

justamente por comportar a união entre teoria e prática, possibilitar uma investigação

na área educacional e por unir o pesquisador à prática, desenvolvendo-o na própria

área de atuação profissional.

Através de uma abordagem qualitativa (BRESLER, 2006; LUDWIG, 2009)

visamos investigar, a partir das percepções dos alunos e dos teóricos estudados,

quais as contribuições do jogo teatral para o processo pedagógico do canto.

Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa à medida que propomos

pensar de forma interpretativa, baseada em experiências, sendo situacional e

humanística. (STAKE, 2011). A pesquisa qualitativa é definida como um processo

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investigativo que leva em conta um estudo descritivo, interpretativo e empático, além

de uma preocupação com a singularidade e com a colaboração para a prática.

Usamos pesquisa qualitativa como um termo geral para nos referirmos a diversas estratégias de pesquisa que compartilham certas características: 1. a descrição contextual de pessoas e eventos; 2. a ênfase na interpretacão tanto de questões êmicas (aquelas dos participantes) como de questões éticas (aquelas do pesquisador); e 3. a validação de informação através da triangulação. (BRESLER, 2006, p. 60, tradução nossa).

Os estudos qualitativos têm interesse na singularidade e em colaborações

para uma prática, enquanto as pesquisas com métodos quantitativos buscam

generalizações, eliminando o situacional e permitindo um estudo simultâneo de um

extenso número de casos díspares (BRESLER, 2006, p. 64). Para Liora Bresler

(2006), a diferença está baseada em uma pesquisa que dá explicações ou que

promove compreensão. A respeito dessas diferenças a autora diz que:

Os estudos quantitativos se nutriram da busca de uma teoria global por parte dos científicos, buscando generalizações que se mantivessem em situações diversas, tentando eliminar o meramente situacional...tratam de anular o contexto a fim de encontrar relações explicativas mais gerais e dominantes [...] [Enquanto que] Os pesquisadores qualitativos tem um grande interesse na singularidade do caso individual, na variedade de percepções desse caso e nas diferentes intenções dos atores que formam parte do mesmo. (BRESLER, 2006, p. 64, tradução nossa).

Para Antonio Carlos Will Ludwig (2009, p. 56), a pesquisa quantitativa é

aquela “baseada em experimentos e levantamentos, os quais têm por pressuposto a

separação entre o sujeito e o objeto, e cujos resultados são apresentados através da

linguagem matemática.” Já a pesquisa qualitativa poder ser conceituada, segundo o

autor, como “uma exposição e elucidação dos significados que as pessoas atribuem

a determinados eventos e objetos.” (LUDWIG, 2009, p. 56).

Ainda que existam tais diferenças, na vida real, segundo Bresler (2006),

nenhuma pesquisa é puramente qualitativa ou quantitativa, havendo espaço para

numerações no estudo qualitativo e descrições no estudo quantitativo. Ambas as

abordagens são necessárias (BRESLER, 2006) e, dependendo da área de estudo,

uma delas pode ser mais apropriada que a outra (LUDWIG, 2009).

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Logo, por esta pesquisa estar direcionada a compreender a maneira como os

estudantes percebem a prática de jogos teatrais nas aulas de canto, através da

observação de seus relatos e registros, tratando da singularidade, do interpretativo,

entre diversos outros aspectos, a perspectiva de uma abordagem qualitativa se

adequa a este trabalho.

As futuras argumentações, reflexões e resultados serão traçados a partir dos

dados coletados nas aulas. Para tal, realizamos a coleta nas aulas através de

filmagens dos jogos, momentos de conversa e reflexão sobre os jogos vivenciados

em sala, além de entrevistas semiestruturadas e da produção de protocolos de

qualquer suporte (desenho, escrita, colagem, entre outros) enquanto meio de

registro das reflexões dos alunos. Através destes procedimentos obtivemos

documentação para a futura análise e compreensão a respeito do que os alunos

pensam sobre a experiência interdisciplinar proposta.

Os nomes dos alunos, por sua vez, serão substituídos por nomes fictícios, os

quais eles mesmos escolheram, de modo que se preserve a identidade dos

participantes da pesquisa.

Quanto às falas transcritas, pode-se observar que seguimos o padrão de

linguagem utilizado pelos alunos, mantendo-se as informalidades da fala também na

escrita. Da mesma maneira que optamos por não “corrigir” ou alterar as expressões

informais usadas por eles, também não acrescentamos o “sic” em cada uma destas

falas com o propósito de tornar o texto mais fluente.

As gravações em vídeo auxiliaram ao passo que nos permitiram recordar os

acontecimentos das aulas, possibilitando-nos não esquecer de registrar neste

trabalho comentários feitos pelos alunos, reações frente às atividades, entre outros.

Como se trata de uma pesquisa que envolve os dados fornecidos pelos alunos em

sala de aula, não se torna viável ao pesquisador registrar em folhas de papel as

falas dos alunos, os acontecimentos considerados importantes, entre outros, ao

mesmo tempo em que o pesquisador precisa conduzir o grupo com algumas

atividades. Portanto, o registro em vídeo torna-se muito eficaz, permitindo que o

pesquisador possa focar sua atenção, durante a prática da pesquisa-ação, na

condução das atividades, ao invés de precisar fazer anotações simultâneas à

condução da aula.

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Peter Loizos (2002) comenta alguns destes aspectos. Para ele,

O vídeo tem uma função óbvia de registro de dados sempre que algum conjunto de ações humanas é complexo e difícil de ser descrito compreensivamente por um único pesquisador, enquanto ele se desenrola. (LOIZOS, 2002, p. 149).

Porém, Loizos (2002) também aborda uma desvantagem da gravação em

vídeo, lembrando-nos que ela irá causar alguma distração nos participantes da

pesquisa, influenciando de certo modo em suas ações e levando tempo para que

eles reajam naturalmente diante das câmeras. Portanto, sabíamos desta

desvantagem durante a realização da prática de nossa pesquisa, tendo consciência

de que tínhamos apenas dois encontros com os alunos e que este tempo não seria o

suficiente para que os mesmos se acostumassem com o fato de estarem sendo

filmados durante toda a aula.

Os momentos de conversa e reflexão aconteceram em nossos dois

encontros, sempre após concluirmos a realização de todos os jogos previstos para

aquela aula. Obviamente, caso algum aluno passasse espontaneamente a comentar

algo durante ou em seguida do jogo, não o interromperíamos, sabendo que a

vontade e a espontaneidade em compartilhar algum pensamento devem ser

respeitadas, e que elas resultam do próprio ato de estar em jogo.

Neste momento de reflexões, as duas perguntas previamente elaboradas

para uma entrevista semiestruturada com o grupo foram “colocadas em roda”. A

primeira questão visou captar qualquer pensamento, ideia ou comentários dos

alunos, seja sobre os jogos, sobre a pesquisadora, sobre o espaço físico, a respeito

da atuação dos outros participantes, etc. A segunda pergunta foi mais específica em

relação ao que eles pensavam sobre os jogos teatrais vivenciados enquanto

ferramenta pedagógica para as aulas de canto.

O caráter da entrevista semiestruturada permitiu deixarmos que as

informações surgidas através das perguntas pudessem guiar, de modo mais flexível,

novos apontamentos (ainda que estes não tenham surgido diretamente da pergunta

inicial). Devido a isto escolhemos o modelo da entrevista semiestrutura por esta ser

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[...] direcionada por um roteiro previamente elaborado, composto geralmente por questões abertas [...] guiada pelo roteiro de questões, o qual permite uma organização flexível e ampliação dos questionamentos à medida que as informações vão sendo fornecidas pelo entrevistado. (BELEI; GIMENIZ-PASCHOAL; NASCIMENTO; MATSUMOTO, 2008, p. 189).

Deste modo, seguimos com esta perspectiva na elaboração de nossas

questões.

Os protocolos, produzidos individualmente por cada estudante, possibilitaram

a eles o registro de suas impressões sobre determinada vivência, servindo como

meio de anotações e reflexões pessoais. Também servem enquanto meio de

ativação da memória, lembrando-nos de determinados acontecimentos que sabemos

ter registrado, mas não nos recordamos até ter em mãos as anotações. Segundo

Lombardi (2005, p. 109), “o protocolo é um registro da aula feito pelos participantes

do trabalho.” Ainda segundo a autora, eles surgiram da abordagem brasileira do jogo

teatral, sendo um “procedimento que se tornou parte da prática reflexiva realizada

nos trabalhos com jogos.” (LOMBARDI, 2005, p. 109). O protocolo não precisa,

necessariamente, ser um registro escrito, podendo se utilizar de diferentes

linguagens artísticas. Pereira (2012, p. 40), por exemplo, diz que os “protocolos

referem-se aos registros individuais – escritos, imagéticos, gestuais ou de qualquer

ordem expressiva – dos estudantes a partir das experiências em sala aula.” Por isso

Japiassu (2003) refere-se ao protocolo com outros nomes. O autor diz que

O protocolo não precisa ser denominado exclusivamente de ‘protocolo’. É possível referir-se a ele como ‘jornal’, ‘lembrança’, ‘memória’ ou ainda ‘história’ das coisas que ocorrem na sessão de trabalho. (JAPIASSU, 2003, p. 60).

Desta maneira, após esta abordagem mais específica sobre os registros em

vídeo, as entrevistas semiestruturadas e os protocolos (instrumentos utilizados para

coletarmos os dados), seguiremos com a explicação sobre os jogos escolhidos para

a vivência em aula, a relação dos mesmos com os princípios técnicos do canto e,

posteriormente, com a análise e reflexão sobre os dados coletados durante as aulas

desenvolvidas com os alunos, a parte prática de nossa pesquisa.

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3.2 DESENVOLVENDO OS JOGOS TEATRAIS NA DISCIPLINA GRUPOS

MUSICAIS - EXPRESSÃO VOCAL II

Neste tópico pretendemos explicar rapidamente e mais especificamente o

modo como pensamos a vivência com os jogos, partindo logo em seguida para o

próximo subcapítulo, que se direcionará à explicação de cada jogo em questão.

Para a primeira aula escolhemos realizar 3 dos 4 jogos. Neste primeiro dia

utilizamos 1 hora e 10 minutos da aula, já que alguns alunos ainda estavam em

processo de avaliação de fim de semestre, precisando apresentar um trabalho nos

primeiros 30 minutos. Portanto, os jogos selecionados foram: “Circuito em pane”,

“Espelhos ao lado” e “Um regente e cinco teclas: o piano cantado” 11.

“Circuito em pane” foi um jogo criado durante o período de escrita deste

trabalho. “Espelhos ao lado” foi uma junção de algumas leituras sobre jogos teatrais

e experiências que vimos acontecer em aulas e oficinas de teatro. “Um regente e

cinco teclas: o piano cantado” foi o nome que escolhemos para um jogo vivenciado

em uma oficina e sobre o qual não viemos a ter informações a respeito do nome.

Após os jogos, seguimos o encontro com o momento de reflexão, as entrevistas e os

protocolos.

Para a segunda aula, pensamos no jogo 1 e no jogo 2 para serem

vivenciados novamente, com objetivo de traçarmos algumas comparações sobre

como os alunos reagiram e realizaram tais jogos no primeiro e no segundo encontro.

Além deles, o “Jogo das placas” foi vivenciado também no segundo encontro.

Este jogo, por sua vez, também foi conhecido em uma oficina e, posteriormente,

atribuímos nome a ele. Como no primeiro encontro, a aula seguiu com um momento

de reflexão, entrevistas e protocolos.

3.3 OS JOGOS

Passaremos então a descrever a estrutura e o funcionamento de cada jogo.

11 Os nomes dados aos jogos são de nossa autoria.

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3.3.1 “Circuito em pane”

Nome do jogo:

Circuito em pane

Objetivos:

• Ler com rapidez diferentes trava-línguas,

trabalhando a articulação.

• Encher balões, apagar velas, dentre outros, para

exercitar o apoio diafragmático.

Recursos didáticos:

4 cadeiras ou mesas, 4 folhas de papel, trava-línguas,

1 prancheta transparente, guardanapos, balões, velas,

suportes para as vela, fita (para grudar no chão,

marcando a distância mínima entre o jogador e a vela)

e fósforos ou isqueiro

Pré-requisito:

Não há pré-requisitos

Este jogo soma algumas de nossas experiências em aulas de canto em que,

para uma melhor compreensão do aluno sobre a respiração e o apoio diafragmático,

professores faziam uso de objetos como velas, guardanapos, balões, etc. Além

disso, utilizamos alguns trava-línguas para o trabalho da articulação.

No processo de desenvolvimento da pesquisa, resolvemos aproveitar as

ideias do uso de objetos como os citados acima, além dos trava-línguas, e

estruturamos o jogo teatral explicado a seguir.

A palavra “circuito”, no nome do jogo, foi escolhida para fazer analogia ao

circuito elétrico, em que a ligação de elementos forma, entre si, um caminho

fechado, por onde a corrente elétrica se movimenta. Em jogo, esta movimentação é

representada pelos próprios jogadores que, durante a execução de determinadas

ações, caminham por um percurso fechado.

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Como jogar?

O espaço físico deve ser preparado, colocando-se 4 cadeiras uma ao lado da

outra (assumiremos que serão cadeiras, mas pode-se fazer uso de outros suportes,

como mesas, banquetas, entre outros). Em cada uma delas haverá um objeto com o

qual os jogadores irão interagir, executando representações pré-definidas. Uma

folha também estará colada em cada cadeira. Nestas folhas estarão escritas

indicações sobre quem o jogador deverá representar ao passar por cada etapa do

circuito.

Com o espaço já organizado, deve-se pedir que todos os participantes

formem uma fila. Explica-se então o funcionamento do jogo: dado o sinal de início,

os 4 primeiros da fila seguirão até uma das cadeiras à frente e se posicionarão atrás

delas. Enquanto isso, os outros da fila estarão assistindo atentamente, formando a

plateia e aguardando para entrar em cena.

Cadeira 1: nela haverá trava-línguas. O jogador localizado na primeira cadeira

deverá representar um participante de um concurso de agilidade em trava-línguas

em uma de suas aparições na televisão, imaginando-se durante um concurso que

está sendo transmitido ao vivo. Para isso, deve-se ler com a maior rapidez possível

um dos trava-línguas que estarão na cadeira a sua frente.

Cadeira 2: nela haverá guardanapos. Por sua vez, o jogador posicionado

atrás dela representará um pombo-correio que não pode deixar cair a carta que

carrega no bico (a carta é representada pelo guardanapo). Desta maneira, o jogador

deverá sustentar, com o sopro, um guardanapo em uma prancheta. Esta prancheta

é segurada pelo próprio jogador, na vertical, e o guardanapo, assim que colocado

nela, deve ser solto com as mãos e sustentado com o ar.

Cadeira 3: nela haverá balões. O jogador deverá encher um dos balões com

objetivo de estourá-lo. Quem estiver nesta cadeira deverá representar um salva-

vidas que tenta reanimar, em uma praia, uma vítima de afogamento. Para isso,

sopra-se o balão constantemente (fazendo alusão a respiração boca-a-boca).

Cadeira 4: sobre a última cadeira deste “circuito” haverá uma vela, que deverá

ser apagada a certa distância (a distância será determinada por uma fita grudada no

chão). Nesta ocasião, o jogador representa um refém que, após ser sequestrado, foi

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colocado em um quarto escuro com uma bomba preste a explodir. Para que isto não

ocorra, deve-se apagar o pavio. A vela representará o pavio a ser apagado. O

jogador, portanto, precisa soprar constantemente esta vela na tentativa de apagá-la,

impedindo assim a “explosão”.

Estas são as 4 cadeiras com os seus respectivos objetos e as devidas

representações a serem feitas ao se passar por elas. O jogo flui à medida que há

troca de jogadores, com todos da fila passando por cada uma das cadeiras.

Para que isto ocorra, fica determinado que: caso o jogador 1 leia o trava-

língua de maneira errada ou o jogador 2 deixe o guardanapo cair no chão, a

disposição dos jogadores será alterada. Todos deverão então passar para a cadeira

que está ao seu lado esquerdo. Da mesma maneira, caso os jogadores 3 ou 4

consigam executar suas funções com os objetos (encher o balão até estourar ou

apagar a vela), também haverá movimentação de todos, com a troca de posição

para as respectivas cadeiras do lado esquerdo.

Assim, o coordenador deve estar atento aos quatro jogadores, dando um sinal

para a troca de posições destes assim que os jogadores das cadeiras 1 e 2 errarem

suas ações ou que os jogadores 3 e 4 conseguirem concluir suas tarefas. A

movimentação será visualizada da seguinte forma: o jogador 1 passará para o lugar

do 2; o 2 para o lugar do 3; o 3 para o lugar do 4; e o 4 voltará para o fim da fila

(retornando à plateia). A cadeira 1, agora vazia, será ocupada pelo aluno que está à

frente da fila, um integrante da plateia que entrará em cena.

Por isso chamamos de “Circuito em pane”: uma pessoa após a outra entra em

cena e, ao passar por cada uma das cadeiras, executa a ação no contexto indicado

(quem é, onde está, o quê faz). A cada troca de lugares uma pessoa da plateia entra

para as representações, enquanto que o jogador da cadeira 4 se retira, retornando à

plateia e ao final da fila.

Para uma melhor compreensão e apresentação resumida dos papeis de cada

jogador, em termos de interação com os objetos e representações, segue a tabela

abaixo. Ela serve também para uma melhor visualização quanto a “quem” será o

jogador, “o quê” este fará e “onde” este deverá se imaginar.

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Cadeira 1 Cadeira 2 Cadeira 3 Cadeira 4

Objetos:

Papéis com

trava-línguas

Guardanapos

Balões

Velas

“Quem”:

Participante de

um concurso de

agilidade em

trava-línguas

Pombo-correio

Salva-vidas

Refém

“O quê”:

Ler rapidamente

um trava- língua

para ganhar o

concurso

Sustentar um

guardanapo

com o sopro

para não deixar

“a carta” cair

Encher o balão

para “reanimar

uma vítima de

afogamento”

Soprar a vela

até apagar “o

pavio da

bomba”

“Onde”:

Na televisão,

em uma

transmissão ao

vivo

Na viagem, em

busca do

destinatário da

carta

Na praia

Em um

quarto

escuro

Para uma boa visualização tanto das posições a serem tomadas pelos

integrantes da plateia (representados pela letra “P”) e pelos jogadores

(representados pela letra “J”) quanto das movimentações dos mesmos no jogo

durante as trocas de lugares, segue o desenho abaixo:

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Os números ao lado das letras “J” e “P” servem apenas para mostrar que não

se trata dos mesmos integrantes, mas sim do jogador 1, ou 2, ou 3 e assim por

diante. As “reticências”, por sua vez, são para ilustrar que não se sabe o número

total dos integrantes: a cada dia pode haver um grupo de alunos diferente em

número.

3.3.1.1 Alterações para “Circuito em pane”

Na reformulação do jogo, proposto novamente na segunda aula, pensamos

algumas alterações. Em geral, os participantes não deverão mais trocar de posições

assim que houver um erro em jogo (ou acerto, dependendo da ação proposta). Esta

reformulação na estrutura do jogo foi pensada para que os jogadores pudessem

passar mais tempo cumprindo as ações e representações propostas.

Portanto, o jogador da cadeira 1 deverá agora ler o trava-língua até acertá-lo,

movimentando-se apenas quando finalizar tal ação. Caso demore, deve manter as

tentativas, até que consiga ler um trava-língua do início ao fim, sem erros. Ao

concluir tal tarefa, poderá se movimentar para a cadeira ao lado.

O jogador da cadeira 2 deverá se manter nesta cadeira até que se passem 30

segundos de sustentação do guardanapo na bandeja através do sopro. Caso o

guardanapo caia, ele deverá o pegar e continuar a atividade. Após 30 segundos

(cronometrados pelo condutor do jogo), deve-se avisar para que ele troque de

Figura 1 - Estrutura do jogo "Circuito em pane"

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posição. Ressalta-se que não são necessários 30 segundos contínuos de

sustentação do guardanapo. Logo, não há problema caso o guardanapo caia. O

jogador apenas deve pegá-lo e retornar a soprar até que encerrem os 30 segundos

determinados para sua permanência em tal cadeira.

Na cadeira 3, a reformulação prevê que o aluno encha o balão até o estourar

ou até alcançar o tamanho mínimo proposto em um balão já cheio (amarrada à

cadeira dele). Quando conseguir finalizar uma das duas ações, poderá seguir para a

cadeira 4.

O jogador que estiver na cadeira 4, por sua vez, poderá sair desta e retornar à

primeira apenas quando conseguir apagar a vela.

Figura 2 - Modificações na estrutura do jogo "Circuito em pane"

Pode acontecer de se formarem filas por um jogador não estar conseguindo

executar sua tarefa. Exemplo: o jogador da cadeira 4 pode não conseguir apagar a

vela, estando os outros já posicionados atrás dele, na espera. Caso isto aconteça,

deve-se esperar até que o jogador da cadeira 4 cumpra sua ação. Devido a isto, a

nova figura abaixo foi assim representada, supondo a existência de filas.

Logo, as alterações preveem mais tempo para o jogador em determinada

ação e representação e, possivelmente, melhor aproveitamento do jogador a

respeito do aquecimento respiratório.

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3.3.2 “Espelhos ao lado”

Nome do jogo:

Espelhos ao lado

Objetivos:

• Aprimorar a escuta e a atenção ao grupo ao imitar

os outros jogadores.

• Criar e reproduzir sons que trabalhem com a

ressonância vocal.

• Movimentar-se de maneira a relaxar e alongar o

corpo durante a execução de um som.

Recursos didáticos:

Não são necessários

Pré-requisito:

Não há pré-requisitos

O jogo que descrevemos a seguir é uma adaptação criada a partir do

“Exercício de espelho n.1” proposto por Spolin (2008). Conhecemos exercícios de

espelho sendo executados de diferentes maneiras em diversos lugares, dentre eles

oficinas e aulas de voz ou dança. Porém, durante o período em que estivemos nas

aulas de “Voz IV” do curso de Licenciatura em Teatro da UDESC, ministrada pela

professora Daiane Dordete Steckert Jacobs no segundo semestre de 2012,

presenciamos uma das adaptações com a qual mais nos identificamos. No

desenvolver da pesquisa, chegamos à versão do jogo que propomos a seguir.

Como jogar?

Todos formarão uma roda. Um por vez deverá executar qualquer som que

trabalhe com a ressonância da voz (seja um vocalize, uma vibração de lábios, uma

boca chiusa, etc.). Após o primeiro fazer um som, os dois alunos que estiverem ao

seu lado (tanto o do lado direito quanto o do lado esquerdo) deverão copiá-lo,

reproduzindo o som feito pelo primeiro jogador. Justamente por isso o nome

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“espelhos ao lado”, pois estes alunos funcionarão como espelhos ao reproduzir o

som do jogador que está entre eles.

Assim que o primeiro executar um som e os dois ao seu lado copiarem,

passa-se a vez para o aluno ao lado (definiremos aqui o sentido anti-horário). Logo,

quem estiver à direita do primeiro jogador é agora responsável por executar outro

som qualquer e os que estão ao seu lado direito e esquerdo devem imitá-lo.

Imaginando-se uma roda com 8 pessoas, poderíamos dizer que: assim que o

jogador 1 terminar a execução de um som, os jogadores ao seu lado - o jogador 8 (à

esquerda) e o jogador 2 (à direita) - reproduzem o som. Passa-se a vez para o

jogador 2, que será imitado pelo 1 (à esquerda) e pelo 3 (à direita). Seguimos com o

jogador 3, sendo este copiado pelo jogador 2 (à esquerda) e pelo jogador 4 (à

direita), e assim por diante.

O desenho abaixo ilustra esta explicação.

Figura 3 - Estrutura do jogo "Espelhos ao lado"

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Através deste desenho podemos visualizar o modo como o jogo se

movimenta, com um participante realizando um som vocal e 2 “espelhos”, ao seu

lado, reproduzindo o que foi feito.

Quando todos na roda tiverem executado o som escolhido, um novo elemento

será adicionado. O primeiro jogador deve recomeçar repetindo o som que havia feito

no início do jogo, acrescentando à execução vocal um movimento corporal.

Seguindo a mesma regra de “espelhos”, os jogadores da direita e da esquerda

devem imitar o som e também o movimento corporal realizado. Assim, passa-se a

vez para o segundo jogador da roda que, por sua vez, também acrescenta um

movimento para o seu som e é copiado pelos 2 jogadores ao seu lado. Desta

maneira o jogo segue, até que todos da roda tenham criado um som associado a um

movimento corporal.

Observação: pode-se pedir que cada participante escolha um movimento

eficiente para o relaxamento de seu corpo. Exemplo: se o participante sabe que

acumula muita tensão na região do pescoço, pode escolher movimentar o pescoço

enquanto executa um som. Logo, cada um deverá pensar em movimentos eficazes

para o seu relaxamento.

O jogo termina quando todos tiverem concluído a execução dos sons

simultâneos ao movimento corporal.

3.3.2.1 Alterações para “Espelhos ao lado”

A reformulação de tal jogo foi elaborada para que os alunos não precisem

mais, individualmente, reproduzir sons e movimentos corporais.

Os alunos não estarão em roda, como na “versão” inicial do jogo, mas

caminhando pelo espaço físico. O condutor estará no piano para tocar alguns

acordes durante o jogo.

Inicia-se com todos caminhando e, assim que o condutor tocar um acorde, um

jogador deverá emitir um som (que considere afinado em relação ao acorde tocado)

simultâneo a um movimento corporal. O jogador que propôs o som e o movimento

deverá os repetir, reforçando sua proposta para o grupo. Os demais jogadores

deverão “captar” o som e movimento vigentes e imitá-los, representando os

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espelhos. Assim sendo, haverá um jogador “líder”, aquele que iniciar uma proposta e

os seus espelhos, os jogadores que o copiarão. Assim que qualquer outro jogador

desejar criar um novo som e movimento corporal, poderá fazê-lo e o grupo,

atentamente, deverá passar a imitar estas novas criações.

Poderá haver momentos em que duas ou mais propostas serão lançadas

simultaneamente. Caso isto ocorra, os jogadores deverão disputar a “liderança”,

mantendo seu som, aumentando a intensidade deste e esperando que outros

jogadores recuem. Logo, o jogador que deseja liderar deverá defender sua ideia.

O jogo, portanto, segue desta maneira. O condutor continua tocando acordes

nos momentos em que desejar e os jogadores, por sua vez, também quando

desejarem devem emitir sons afinados em relação ao piano, simultâneos aos

movimentos corporais. A cada novo “líder” em jogo, todos trocam os sons e

movimentos que estão executando e passam a imitar as novas sugestões.

3.3.3 “Um regente e cinco teclas: o piano cantado”

Nome do jogo:

Um regente e cinco teclas: o piano cantado

Objetivos:

• Aprimorar a escuta, a atenção ao grupo e a

afinação, estando atento ao regente e aos outros

jogadores para cantar no momento certo, sem

perder o tempo das entradas e a afinação.

Recursos didáticos:

Não são necessários. Sugestões: pode-se fazer uso de

vendas (para tapar os olhos dos 5 jogadores da roda

interna) e de um metrônomo, mas estes não são

imprescindíveis para o jogo acontecer.

Pré-requisito:

Afinação (é necessário que os jogadores consigam

cantar as notas do jogo de maneira afinada).

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Este jogo foi vivenciado no Festival de Música de Itajaí, na oficina de

Interpretação Vocal, com a ministrante Tatiana Parra, em abril de 2012. Esta, por

sua vez, aprendeu-o em uma oficina com Bob Mc Ferry.

Como jogar?

Os participantes devem formar 2 rodas, uma dentro da outra. A roda interna é

a que executa o jogo e deve ser constituída de 5 pessoas. Cada integrante dela

representará uma tecla do piano, uma nota musical. As notas musicais escolhidas

foram: Dó, Ré, Mi, Fá e Sol, as 5 primeiras notas da escala de Dó maior. A roda

externa será a plateia e, dentre ela, será escolhido um regente.

De olhos fechados, cada um dos 5 jogadores deverá cantar o nome da nota pela

qual ficou responsável, de maneira que possamos ouvir separada e

consecutivamente as notas Dó, Ré, Mi, Fá, Sol. Desta forma, após o primeiro cantar

a nota Dó, o segundo deve cantar a nota Ré, o terceiro a nota Mi, e assim por

diante, repetindo-se a sequencia de Dó a Sol, como um ciclo, até futura intervenção.

Isto deve ser feito com um andamento pré-determinado (pode-se fazer uso do

metrônomo). O desafio até então é de que cada um execute a nota pela qual está

responsável sem perder o tempo de entrada e sem desafinar.

A pessoa escolhida como regente será chamada para interagir e comandar os

sons que estão sendo cantados pelos jogadores. Esta pessoa, ao encostar em um

dos 5 componentes da roda, retira aquele som do grupo. Ou seja: assim que o

regente tocar em uma das pessoas, esta deve parar de cantar sua nota. Voltando a

encostar nela, ela deverá retornar a cantar. Deste modo, o desafio se amplia: se sou

eu o jogador responsável pela nota Ré e não sinto o comando de que devo parar de

cantá-la, deverei continuar independente do que as outras 4 pessoas fizerem. Logo,

se a nota Dó, anterior a mim, parar de soar, devo estar atenta para ainda assim

continuar, sem perder o tempo de minha entrada e a afinação.

O que se ouvirá são notas parando de soar, voltando a soar,

desordenadamente. Cada um precisará adquirir uma independência sonora do

grupo.

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3.3.4 “Jogo das placas”

Nome do jogo:

Jogo das placas

Objetivos:

• Interpretar as ações propostas nas placas

erguidas pela plateia, movimentando o corpo

durante a execução de uma canção, de modo a

proporcionar maior relaxamento para a

interpretação da mesma.

Recursos didáticos:

Folhas de papel sulfite e canetas hidrocor

Pré-requisito:

Saber uma canção de cor

Este foi mais um dos jogos vivenciados na oficina de interpretação vocal em abril

deste ano, no Festival de Música de Itajaí. Na ocasião, a monitora da oficina era

Giana Cervi. Como sugestão de atividade para o trabalho da interpretação do cantor,

ela indicou o jogo que descreveremos a seguir. A ministrante da oficina, Tatiana

Parra, gentilmente aceitou a proposta e aplicou com o grupo. Devido aos resultados,

dentre eles a empolgação e descontração gerada entre os participantes,

propusemos este jogo na prática de nossa pesquisa.

Como jogar?

Distribui-se uma folha branca para cada pessoa. Nela, cada um deverá

escrever um verbo que indique uma ação, como por exemplo: pular, dançar, gritar,

voar, comer, entre outros. Após todos escreverem, um dos participantes deverá ir à

frente para cantar a música já escolhida antecipadamente (um por vez executará

uma canção).

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Enquanto o primeiro participante estiver cantando, os outros do grupo estarão

levantando as folhas nas quais escreveram os verbos. Elas servirão como “placas

de comando”, indicando qual ação o cantor à frente deverá representar. Esta ação

deve ser encenada através de gestos, mímica, enquanto se canta. Desta maneira,

quem estiver cantando deverá estar atento ao grupo para ler as ações escritas em

cada folha erguida, e o grupo, por sua vez, deve estar atento para que se levante

uma folha por vez (de modo que o cantor não fique confuso com muitas indicações e

sobre quais das ações realizar primeiro).

O jogo encerra quando todos os participantes tiverem ido à frente para

execução da canção simultânea aos gestos criados para representação das ações.

Observações: caso o grupo seja composto por muitas pessoas, as ações se

tornarão repetitivas, já que muitas pessoas terão de ir a frente cantar e por muitas

vezes as mesmas folhas serão erguidas. Logo, como sugestão, pode-se distribuir

novas folhas no meio do jogo (assim que metade dos integrantes já tenham cantado)

para que se escrevam novos verbos. Desta maneira, evita-se que o jogo se torne

maçante e que os jogadores, enquanto cantores, já saibam quais serão os verbos a

serem representados.

Porém, caso haja poucos jogadores, a sugestão é de que 2 ou 3 folhas (ao

invés de uma) seja entregue a cada participante. Assim, cada um será responsável

por escrever 2 ou 3 verbos e poderá indicar ao cantor-ator à frente mais de uma

ação.

3.4 ANÁLISE E REFLEXÃO SOBRE OS DADOS COLETADOS

A partir de cada um dos meios de coleta de dados (filmagens, entrevistas,

protocolos), obtivemos informações para a tentativa de responder a nossa questão

de pesquisa a partir da perspectiva dos alunos e dos teóricos pesquisados.

Para uma melhor organização na exposição e reflexão dos dados coletados,

trataremos destas informações considerando o meio através do qual elas foram

registradas: primeiramente daquelas que obtivemos durante a realização dos jogos e

nos momentos de debate, reflexão (os comentários registrados em vídeos); após,

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das informações obtidas através das entrevistas e, finalmente, passamos a tratar

daquelas registradas nos protocolos.

3.4.1 No desenvolver dos jogos e nos momentos de re flexão

Durante os jogos, em geral, os alunos reagiam de duas maneiras: na maior

parte das vezes com muito riso e espontaneidade e ainda, em outros momentos,

mais concentrados e sérios, parecendo mais acostumados com o fato de estarem

em jogo (o que não descaracteriza o jogo). Segundo Huizinga (2000, p. 8),

É lícito dizer que o jogo é a não-seriedade, mas esta afirmação, além do fato de nada nos dizer quanto às características positivas do jogo, é extremamente fácil de refutar. Caso pretendamos passar de ‘o jogo é a não-seriedade’ para ‘o jogo não é sério’, imediatamente o contraste tornar-se-á impossível, pois certas formas de jogo podem ser extraordinariamente sérias. Os jogos infantis, o futebol e o xadrez são executados dentro da mais profunda seriedade, não se verificando nos jogadores a menor tendência para o riso.

Logo no início do primeiro encontro, muitos demonstraram certo

estranhamento com o ambiente, surgindo perguntas sobre o porquê das cadeiras no

palco, o quê seria feito com elas, qual era a atividade programada para o uso delas,

entre outras falas colocadas em meio a risos, tais como: “Não tem nada de sujar

não, né?” (Raquel - Registro audiovisual); “É o trote!12” (Bianca - registro

audiovisual). Todas estas falas demonstram certa insegurança por parte dos alunos,

que ainda não sabiam o que aconteceria no jogo.

Como se pode observar através do registro em vídeo, assim que o jogo

“Circuito em pane” iniciou (após a explicação de todas as suas regras), muitas

risadas e comentários espontâneos surgiram. Este jogo foi escolhido para iniciarmos

o processo justamente por isso: por acreditarmos que ele poderia gerar bastante

descontração entre o grupo, deixando-os mais tranquilos e relaxados para os jogos

12 Conjunto de brincadeiras feitas com os estudantes que ingressam na universidade, geralmente na primeira semana de aula.

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seguintes. Devido à descontração gerada, por exemplo, dois alunos já se

aproveitaram do momento descontraído para “roubar” no jogo.

Huizinga (2000) faz relações sobre o jogo, suas regras e aqueles que

desrespeitam tais regras. O autor comenta que

O jogador que desrespeita ou ignora as regras é um ‘desmancha-prazeres’. Este, porém, difere do jogador desonesto, do batoteiro, já que o último finge jogar seriamente o jogo e aparenta reconhecer o círculo mágico. É curioso notar como os jogadores são muito mais indulgentes para com o batoteiro do que com o desmancha-prazeres; o que se deve ao fato de este último abalar o próprio mundo do jogo. (HUIZINGA, 2000, p. 12).

No caso dos atos de “roubo” que notamos no início deste primeiro jogo, os

jogadores não foram relacionados à figura do “desmancha-prazeres”, já que nem

foram notados pelo grupo durante a infração das regras (inclusive, foram percebidas

por nós apenas ao assistirmos aos vídeos). Além disso, a infração cometida pelo

primeiro jogador resultaria em benefícios para ele, sem prejudicar os outros

participantes, enquanto que, dentre as infrações cometidas pelo segundo jogador,

algumas até beneficiariam a todos. Logo, é possível que ainda que o grupo tivesse

visto tais regras serem quebradas, não reclamasse, já que os outros jogadores não

seriam afetados e, algumas vezes, ainda seriam beneficiados.

Interessante notarmos que as infrações cometidas pelo segundo jogador

foram resultantes de seu desejo de conseguir executar tal tarefa, de ganhar, de

vencer aquele obstáculo (que se relacionava a apagar uma vela, com o sopro, em

uma distância pré-determinada). Inclusive, nota-se o esforço daquele jogador para

apagar a vela, além dos diversos comentários feitos por ele aos colegas (sobre não

estar conseguindo tal ação, sobre a dificuldade gerada pela distância em que

precisavam ficar posicionados para apagar a vela, etc). Até mesmo após a

realização dos outros dois jogos, já nos momentos de conversa e entrevista, o

jogador voltou a falar sobre não ter conseguido executar aquela tarefa no início da

aula, explicando ao grupo sobre a dificuldade de tal. Percebeu-se uma vontade

imensa neste jogador de conseguir apagar a vela, ação que nenhum outro jogador

conseguiu realizar. Porém, não sabíamos sobre esta vontade ter desencadeado o

“roubo” em jogo, sendo este ato repetido diversas vezes pelo jogador para que

conseguisse realizar a ação desejada.

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Iremos, portanto, narrar um pouco deste acontecimento, para que se possa

entender o que o jogo gerou em termos de vontade e gana para se cumprir

determinada ação.

O jogador inicia seus “atos de roubo” aproveitando-se de ter um balão cheio

de ar em mãos (já que na cadeira 3 a ação era encher um balão) e, ao deslocar-se

para a próxima etapa (ação de apagar a vela que estava em cima da mesa), esvazia

o balão direcionando-o para a vela, na tentativa de apagá-la com o ar que estava

dentro do balão. Isto é repetido algumas vezes sem que os outros jogadores notem.

Ainda assim, ele não consegue apagar a vela. Sem perceber estas repetidas

tentativas, paramos o jogo por um momento para explicar algo e, enquanto isso, este

jogador aproxima-se da vela e a apaga (provavelmente achando que eu havia

parado o jogo para encerrá-lo e, assim, fez questão de apagar a vela antes de irmos

para o próximo). Após apagá-la diz: “Pronto!” (Pedro - registro audiovisual). A partir

daí que passo a notar a satisfação e desejo de tal jogador em conseguir “vencer a

vela”. Ainda durante a explicação, aproximamos um pouco a mesa dos jogares, para

facilitar a eles a ação de apagar a vela. Porém, no momento em que nos viramos,

estando de costas para o jogador em questão, ele aproveita para puxar ainda mais a

mesa, deslocando-a para mais perto dele, diminuindo assim a distância entre ele e a

vela, e infringindo a regra da distância a ser tomada entre o jogador e tal objeto.

Ao retornarmos ao jogo, com a vela já acesa novamente, ele tenta apagá-la

(agora nesta nova distância, com uma maior proximidade gerada pelo seu ato de

“roubo”) e, não conseguindo, exclama: “Ahh, quase!” (Pedro - registro audiovisual).

Tal insistência e vontade de conseguir executar a ação de apagar a vela são

demonstradas mais à frente, nos comentários e entrevista com o grupo.

O desejo de ganhar, a vontade de vencer obstáculos e superar desafios no

jogo são bastante comentados por diversos autores. Huizinga (2000, p. 12), por

exemplo, diz que

Há um esforço para levar o jogo até ao desenlace, o jogador quer que alguma coisa ‘vá’ ou ‘saia’, pretende ‘ganhar’ à custa de seu próprio esforço. Uma criança estendendo a mão para um brinquedo, um gatinho brincando com um novelo, uma garotinha jogando bola, todos eles procuram conseguir alguma coisa difícil, ganhar, acabar com uma tensão. O jogo é ‘tenso’, como se costuma dizer.

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Para Coelho (2011, p. 303-304), “um dos sentidos do jogo é saciar e

preencher nosso desejo interno de sempre continuar brincando, enfrentando

desafios e principalmente o desejo maior de vencer.”

Seguimos com o segundo jogo. Este, por sua vez, desencadeou maior

seriedade no grupo. Acreditamos que isto aconteceu porque, neste jogo, a voz

“entrava em cena”. Era necessária a emissão vocal tanto individual quanto coletiva.

Logo, percebemos que os alunos ficavam mais preocupados com o que iriam

produzir sonoramente, enquanto uma preocupação com a estética (considerando-se

que não desejamos fazer soar, em frente uma plateia, algo que entendemos como

feio). Notam-se, inclusive, alunos enfatizando expressões faciais após terem emitido

o som, demonstrando que não gostaram do que fizeram. Alguns alunos, porém,

trouxeram propostas mais complexas e engraçadas ao grupo, como sons e vocalizes

mais extensos ou movimentos considerados diferentes pelo grupo, entre outros.

Nestes momentos, todos riam e demonstravam maior relaxamento. Porém, muitos

continuam a demonstrar bastante timidez, tanto pela preocupação em fazer um belo

som, quanto pela necessidade que encontram de serem criativos na invenção de um

movimento corporal simultâneo à emissão vocal, sabendo-se que este movimento

será visto por todo o grupo.

Assim que encerrou o jogo, um aluno pediu para que continuássemos. Todos

riram e, durante os risos, ouvem-se alguns: “Não!”. Outro aluno comenta: “Eu não

tenho mais criatividade pra isto.” (Carlos - registro audiovisual). Percebeu-se que

esta era, realmente, uma das preocupações do grupo: ser criativo.

Repetimos o jogo. Uma aluna, por exemplo, ficou parada por algum tempo

pensando em qual som e movimento corporal faria. Demonstrando com expressões

faciais que não estava conseguindo ter alguma ideia, olhou atenta para outro aluno,

que disse: “Não adianta, eu não sou recurso para isto.” (Felipe - registro

audiovisual). Nisto, a aluna responde: “Eu estou sem ideia.” (Lara - registro

audiovisual).

Estas reações de vergonha, timidez, o medo dos alunos quanto à exposição

de “ideias ruins”, que não agradassem esteticamente ao grupo, fizeram-nos pensar

em modificações para a realização deste jogo em nosso segundo encontro.

Imaginávamos que, o fato dos jogares precisarem projetar a voz diante de uma

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plateia, geraria tais sentimentos. Porém, como não conhecíamos os alunos desta

turma anteriormente, não poderíamos garantir que os mesmos teriam tais reações.

Após este jogo, notamos a preocupação, por parte dos alunos, quanto à exposição.

Diversos apontamentos são feitos por diferentes autores sobre o ato de estar

em palco, em cena, de se expor. Januzelli (2003, p. 46), por exemplo, fala-nos sobre

a relação da necessidade de nos expressarmos e do ato de estar “em cena”,

dizendo que

O palco permite a síntese, solicita-nos a ação, a intensidade, uma intenção. Solicita-nos ocupar a cena e, para isso, temos antes que nos habilitar; o processo de habilitação inicia-se pela reparação dos danos que destroçaram partes da capacidade expressiva do nosso ‘orgânico’ [...] um orgânico que é bombardeado pelo psíquico e pelas interações humanas, fatores vitais para a sua sobrevivência, mas que têm também o privilégio de mutilá-lo.

Com isso, percebemos a complexidade do ato de relaxarmos e liberarmos

movimentos de nosso corpo e voz em cena, diante de uma plateia.

O autor faz ainda uma listagem dos perigos a se combater, colocando, dentre

estes, “o medo de se expor, o medo do ridículo, de falar e não ser aceito, de se

machucar [...] a autocrítica durante o processo de criação, que emperra e bloqueia.”

(JAPIASSU, 2003, p. 48).

Ainda sobre o segundo jogo, que gerou tanto seriedade quanto timidez,

podemos destacar alguns momentos de descontração e risadas, principalmente,

como já dito, através das propostas expostas por alguns e consideradas “estranhas”

entre o grupo. Um aluno, por exemplo, propõe algo “diferente”, se ocupando de mais

dimensões no espaço, indo para o meio da roda e ajoelhando-se durante a

execução do som. O aluno ao lado (com função de espelho), pergunta: “Isso aí que

tenho eu que fazer?” (Carlos - registro audiovisual). O aluno que realizou o

movimento responde: “Óbvio, peguei por causa disso.” (Felipe - registro audiovisual).

Notou-se a vontade dos alunos de “avacalharem”13 com os colegas ao lado,

13 Termo usado pelos próprios alunos diversas vezes. Refere-se a “estragar”, “bagunçar”.

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aproveitando-se da situação de que estes, por sua vez, seriam espelhos (função de

imitar os gestos e os sons propostos).

Estas situações, em geral, provocaram bastante risada entre o grupo. Porém,

é possível que alguns alunos tenham associado o jogador que propôs o movimento

complexo ao “desmancha-prazeres”, enquanto aquele jogador que sempre quer

propor algo mais difícil do que os demais pretendem executar. Talvez também o

contrário possa ter acontecido: alguns do grupo podem ter associado o aluno que

não queria reproduzir o movimento mais complexo ao “desmancha-prazeres”, pois

ele quebraria a regra do jogo caso se recusasse a imitar o movimento proposto.

Provavelmente por isso, o aluno, ainda que demonstrando bastante timidez, tenha

dado sequência ao jogo, reproduzindo as ações propostas.

O terceiro jogo trouxe momentos de risos, descontração e também de

seriedade, com busca pela boa execução e também criação de novos elementos

para o jogo. Inclusive, mais à frente, veremos que este jogo desdobrou-se em ideias

e criações dos próprios alunos, que comentaram sobre modificações e sobre um

novo “level”14 para ele. Eles expuseram estas ideias tanto nas entrevistas quanto

nos protocolos. Deste modo, os jogadores refletiram e criaram novas formas de se

jogar.

Pereira (2012) discorre sobre esta questão ao mostrar que, na prática

desenvolvida durante sua pesquisa-ação, variações dos jogos também foram

propostas e criadas pelos alunos. Por isso, o autor diz que

[..] o jogo é um espaço onde a busca e o encontro, a tentativa e a realização e a experiência acontecem simultaneamente no instante de sua execução. Novamente, nos reportamos à formatividade de Pareyson. Formar, para ele, é inventar e descobrir as próprias regras enquanto a ação é realizada. (PEREIRA, 2012, p. 179).

Em geral, no jogo “Um regente e cinco teclas: o piano cantado”, assim que

uma nota musical era inserida ou retirada, risadas e momentos de distração

aconteciam. Portanto, à medida que o regente (um dos alunos que tinha a função de

14 Termo usado pelos próprios alunos participantes na pesquisa. Do inglês “nível”, utilizado normalmente em jogos eletrônicos, com o acréscimo de dificuldades a cada level.

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colocar ou retirar notas) encostava nos primeiros jogadores, o grupo notava que uma

nota (um aluno) havia sido retirada do jogo. Quebrando-se a sequencia inicial “Dó,

Ré, Mi, Fá, Sol”, o grupo começava a rir.

Os alunos esforçavam-se para manter a atuação sem risadas. Alguns

conseguiram, outros não, sendo o jogo interrompido algumas vezes por eles

mesmos já que, devido às longas risadas, não conseguiam dar continuidade ao jogo.

Logo, desafinações, perda das entradas na pulsação proposta, entre outras,

são dificuldades geradas pela inserção ou retirada de notas musicais no jogo.

Porém, assim que conseguem adquirir certa concentração, passam a experimentar o

jogo de modo diferente, com novas intenções, intervenções e sugerindo criações.

Por isso, considero extremamente importante a distração no início deste jogo, ao

passo que momentos assim proporcionam um relaxamento nos jogadores permitindo

que, seguidamente, eles ousem sugerir e experimentar novas ideias, ao invés de

ficarem “travados”, “bloqueados” pela timidez e não deixarem fluir a liberdade de

criação (JANUZELLI, 2003).

Neste jogo não foi necessário pedirmos a algum aluno específico para que

assumisse a posição de regente. Ao iniciarmos novas rodadas15, era perguntado se

alguém gostaria de ser o regente e eles, prontamente, já se ofereciam. Percebe-se

que gostaram de assumir tal posição e a usaram para experimentar novas ideias

(como será visto mais à frente nas falas, entrevistas e protocolos de Raquel, por

exemplo).

Terminando o jogo, houve espaço para caso alguém quisesse repeti-lo ou se

tornar regente, caso ainda não tivesse representado tal papel. Uma aluna fala que

gostaria de assumir a regência e o jogo seguiu então para a sua última rodada.

Sobre este momento, temos dois aspectos a comentar. O primeiro é que, durante a

execução do jogo, um aluno começa a “roubar”. Ele está na roda, representando

uma das cinco notas musicais propostas. Porém, passa a encostar a mão nas costas

de uma jogadora (sinal combinado para ser feito pelo regente, definindo o momento

em que parariam ou voltariam a cantar). O aluno, que representava uma nota

15 Cada uma das vezes em que o jogo é iniciado.

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musical, esteve assumindo a posição de regente ao decidir quando a jogadora ao

lado devia parar de cantar a nota e quando deveria retornar. O aluno segue com tal

gesto, infringindo a distribuição de papéis no jogo sem que ninguém percebesse

(novamente apenas pelo registro em vídeo tivemos acesso a este dado). A regente

parecia notar, algumas vezes, que uma nota recém-adicionada estava faltando

(sendo que ela não havia retirado), mas não entendia o porquê. Enquanto ela e eu

permanecemos do outro lado da roda, as câmeras (colocadas em ambos os lados),

registram o jogador encostando na jogadora ao lado e rindo após o momento de

“roubo”.

O segundo aspecto importante a ser comentando é o maior grau de

concentração adquirido com o tempo. Por este motivo, o andamento pôde ser

acelerado. A partir deste ato, os que estavam na plateia começaram,

espontaneamente, a executar um padrão rítmico sobre o novo andamento através

de uma percussão corporal. O jogo continua sem interrupções ou distrações, ainda

que “entre em jogo” este novo elemento.

Os jogadores pareceram levar a sério as questões rítmicas que estavam

sendo propostas pela plateia, permanecendo a cantar suas notas. Logo, configurou-

se um espaço para a participação da plateia - que interviu através da base rítmica

com percussão corporal - e para criação de novos elementos no jogo.

Terminando o jogo, alguns passaram a imitar a sonoridade de vozes de

crianças e pediram: “De novo, de novo”. Através disto, percebi que haviam gostado

de tal experiência. Futuramente, isto se confirmou, tanto através dos comentários

espontâneos, quanto das entrevistas e protocolos. Avisei que poderíamos então

repetir na próxima aula qualquer brincadeira16 que eles quisessem e,

16 Devido à prática docente com crianças, o termo brincadeira está bastante fixado em nosso vocabulário. Por fazermos uso deste termo constantemente, usamo-lo automaticamente algumas vezes. Por isso, tal termo surgiu em nossas falas de forma mais recorrente neste primeiro encontro. Após assistirmos o vídeo, tratamos de cuidar o uso destes termos no segundo encontro. Outras vezes decidimos usar o termo brincadeira ao invés de jogo por notarmos a necessidade de explicarmos aos alunos que o que faríamos era “apenas uma brincadeira”, para que ficassem mais relaxados e tranquilos. Isso aconteceu, principalmente, no início da aula, quando ainda perguntavam o porquê de tantos objetos no palco. O termo jogo, para algumas pessoas, soa enquanto atividade na qual haverá mais seriedade, concentração e competição. Para que não houvesse receios quanto a isso, algumas vezes usamos do termo brincadeira.

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espontaneamente começam a dizer: “Essa, essa.” Ao fim disso, ouço uma aluna

comentar que “esta aí [brincadeira] é aquela que tu pode levar pra tuas aulas”.

(Luísa - registro audiovisual).

Na aula seguinte repetimos os dois primeiros jogos, porém, com algumas

modificações. Estas mudanças foram propostas a partir da observação da primeira

aula, do modo como os alunos reagiram ao jogo. Já tínhamos a intenção de repetir

os dois primeiros jogos em ambos os encontros para que pudéssemos traçar

algumas comparações entre a realização destes na primeira e na segunda aula.

Porém, não pensávamos em alterações para eles (seriam realizados do mesmo

modo nos dois dias). Ao percebemos a necessidade de um treinamento respiratório

mais intenso através do jogo 1 e de um maior envolvimento entre os alunos no jogo

2 (para que não houvesse tanta timidez), modificamos estes jogos para o segundo

encontro.

Destacaremos aqui algumas falas dos alunos durante a realização dos jogos.

Com a modificação no jogo 1, era preciso que os alunos ficassem mais tempo em

cada etapa do jogo, o que pareceu gerar maior concentração. Houve, igualmente,

momentos de risadas e “acontecimentos surpresa”, mas a seriedade na realização

da ação também esteve presente em maior grau. Com isso, o treinamento

respiratório fez-se com maior intensidade, como podemos notar através das

seguintes falas durante o jogo: “Tô ficando sem folego véio... eu desmaio aqui... tô

sem folego.” (Carlos - registro audiovisual); “Eu fico tonta nisso aí” (Bianca - registro

audiovisual). Além disso, tanto nos momentos de reflexão, quanto nos protocolos,

como veremos adiante, os alunos comentam sobre os jogos terem trabalhado mais

intensamente os aspectos técnicos do canto, além do maior tempo gasto em cada

ação, referindo-se ao cansaço que elas chegaram a gerar.

Outro diferencial no jogo 1 foi a participação de um aluno que não estava

neste jogo no encontro anterior, por ter chego atrasado. Enquanto que todos os

alunos, ao chegarem na etapa 3 do jogo, evitavam ao máximo estourar o balão

(enchendo-o até alcançar o tamanho mínimo pré-determinado), o aluno que participa

pela primeira vez do jogo faz questão de enchê-lo até estourar. Esta ação foi

repetida diversas vezes por ele. Em alguns momentos os outros jogadores riam, mas

em sua maioria pediam para que o aluno não estourasse mais balões, pois o barulho

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do estouro os assustava. Como o aluno permaneceu estourando os balões, em

alguns momentos riam com o susto e, em outros, reclamavam e insistiam para que

ele realmente parasse. Quando paramos para refletir sobre este jogo, os alunos

lembraram tanto do treinamento respiratório mais intenso quanto deste “novo aluno”,

comentando sobre o “medo” causado por ele no grupo a cada susto com o estouro

dos balões. O seguinte diálogo acontece assim que peço por comentários e

reflexões sobre o jogo, transcrito do registro audiovisual:

Astolfo: “Assim ficou bem mais legal... não dava tempo no outro de fazer as

coisas, especialmente o pombo correio, acho que era o que menos dava tempo.”

Carlos: “Aí eu senti o cansaço pelo menos, quase desmaiei aí em cima.”

Mateus: “Acho que o desafio ficou maior pra cada um.”

Astolfo: “E o salva-vidas dá mais medo hoje, porque antes não dava tempo de

encher muito o balão, agora dá... tinha o Mateus agora.” (Risos).

Durante a realização do segundo jogo, em sua nova versão, foi perceptível a

preocupação dos alunos em se expor criando sons e movimentos. Havíamos

alterado o jogo justamente para que isso não continuasse a acontecer. Porém, por

não haver muitos alunos neste dia, eles pareciam continuar envergonhados.

Percebeu-se isto por não terem a atitude, diversas vezes, de propor novos sons e

movimentos corporais. Quando um jogador propunha algo, um longo tempo se

esperava até que outro jogador tomasse tal iniciativa. O diálogo a seguir, resultante

do momento de reflexão e, transcrito através do registro audiovisual, expressa um

pouco melhor este argumento.

Astolfo: “É mais legal, mas acho que a gente tá mais envergonhado.”

Carlos: “A gente tava envergonhado e não tinha ideia, não sei, eu não tinha

ideia do que fazer.”

Astolfo: “Acho que era mais [a questão da] ideia do que envergonhado.”

Mateus: “Acho que era pouca gente também né.”

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Seguem comentando que se o Felipe estivesse participando daquele jogo

com eles, surgiriam movimentos diferentes e engraçados e a situação seria

diferente. Por fim, concluem o diálogo dizendo:

Astolfo: “Acho que o problema foi mais ideia mesmo assim... Acho que não foi

o caso de ficar envergonhado, pelo menos não como da outra vez.”

Mateus: “Se tivesse mais gente... porque com pouca gente a gente fica, sei

lá... a gente acaba se vendo direto... muita gente tu perde aquela pessoa, depois vê

de novo... um deu a ideia lá no canto e tu nem viu... daqui a pouco tu vê as pessoas

fazendo e opa: tem que fazer também. Então, mais engraçado né, imagino.”

Após, permanecemos em silêncio, esperando que continuassem os

comentários e Mateus fala: “Pode desligar as câmeras.” Com isso, percebo a

preocupação existente com o fato de estarem sendo filmados, confirmando-se o que

Loizos (2002) afirma sobre o registro em vídeo em ambientes em que as pessoas

não estão acostumadas a serem filmadas.

Porque a produção de um vídeo irá, inevitavelmente, distrair seus informantes, ao menos até que eles se acostumem e irá provavelmente influenciar as pessoas para que assumam posturas oficiais. Leva um bom tempo até que as pessoas se comportem naturalmente diante até mesmo do mais simples sistema de registro. (LOIZOS, 2002, p. 153).

O “Jogo das placas” foi o último a ser realizado. Nele, notou-se espaço para

muitas risadas e invenções, já que os alunos da plateia escreviam verbos para

serem representados pelo jogador no palco. A preocupação com as ações que

teriam de representar através de mímicas, em frente ao grupo, foi notória.

Observam-se algumas falas no desenvolver do jogo, tal como: “Ai meu deus...

Sejam gentis!” (Pedindo aos outros jogadores que fossem gentis ao escolherem os

verbos para ele). (Carlos - registro audiovisual). O aluno diz ainda:

Só vamos combinar uma coisa gente: vamos ser gentil! [...] Tás me assustando, vais me fazer merda né [Ao estar em palco e perceber a concentração de um aluno na plateia enquanto escrevia os verbos]. (Carlos - registro audiovisual).

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Mateus, por sua vez, comenta: “Essa parte eu vou cortar, não tá filmando

ainda né?” (Mateus – registro audiovisual). Percebe-se, novamente, a preocupação

com a câmera, como já comentado. Além disso, todo o aluno que sobe ao palco

preocupa-se, em geral, com o que os outros alunos (formadores da plateia) irão

escrever nas folhas (já que resultarão em ações a serem representadas por ele em

cena).

A última pessoa a participar deste jogo, cantando, foi Bianca. Ela subiu ao

palco bastante tímida, demonstrando estar preocupada em cantar e representar os

verbos propostos. Por isso, houve o seguinte comentário para tranquilizá-la: “Relaxa,

aproveita os movimentos e vai...” (Camila - registro audiovisual), querendo que ela

fizesse uso de todas as ações propostas para se movimentar, mexer o corpo e

relaxar. Em seguida, Carlos também falou para Bianca: “Depois disso tu faz qualquer

coisa.” (Carlos – registro audiovisual). Ficamos bastante contentes com tal

comentário, principalmente por ter surgido de tal aluno, já que ele iniciou bastante

nervoso na primeira aula, preocupado, sendo responsável pelas diversas perguntas

sobre como o que faríamos, o porquê das cadeiras no palco, qual ação que eles

precisariam estar executando, etc. Logo, saber que este aluno agora acredita que

“qualquer coisa” pode ser feita após o jogador ter a coragem de enfrentar tal

situação em jogo, deixou-nos bastante felizes e cientes dos bons resultados trazidos

por esta vivência.

Propusemos tal jogo justamente para que os alunos pudessem se sentir mais

a vontade em palco, mexendo e relaxando o corpo, na tentativa de que

esquecessem um pouco o nervosismo ou a timidez (já que as placas são trocadas

rapidamente e, constantemente, precisam estar atentos aos verbos que são

escritos). Deste modo, não há muito tempo para que se pense em timidez durante

este jogo, podendo haver até um esquecimento da timidez à medida que os

jogadores leem algo e precisam rapidamente representar, sem intervalos de tempo

para se pensar na situação e julgá-la enquanto constrangedora ou não.

Quando perguntamos o que acharam deste jogo, especificamente,

respondem:

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Astolfo: “Foi muito divertido.” (risos).

Bianca: “É divertido.” (risos).

Carlos: “É bom porque eu acho que depois disso tu faz qualquer coisa (risos).

É bom porque... [Carlos é interrompido neste momento]. É bom, tipo, porque [Carlos

é interrompido novamente]”.

Este último aluno tenta dar continuidade ao seu argumento, mas é

interrompido duas vezes. Notando estas interrupções ainda durante a aula (que se

tratavam de comentários sobre o quanto as placas eram engraçadas, o que haviam

escrito em cada uma, etc), voltou-se a perguntar se ele queria falar mais alguma

coisa, e ele disse: “Não, não”, não querendo mais comentar.

Acreditamos que a espontaneidade do jogo fez com que Carlos começasse a

comentar, sem bloqueios, suas impressões de tal vivência. Porém, após certo

tempo, este “impulso” parece ter “esfriado”. Assim que o jogo acabou ele pareceu ter

muito a dizer. Porém, após tais interrupções e um bom tempo até que

conseguíssemos voltar a perguntar qual era o comentário que ele tinha a fazer,

Carlos não queria mais comentar.

Isto reforça o que abordamos até então sobre o jogo enquanto ambiente que

fomenta espontaneidade e liberdade. Após um tempo fora de jogo, comentários

livres e espontâneos podem não mais aparecer.

3.4.2 Entrevistas

Duas perguntas foram estruturadas para este trabalho. Primeiramente, após a

vivência com os jogos, colocamos a seguinte questão aos alunos: “Quais as suas

impressões?”. A pergunta foi bastante aberta para que eles pudessem responder o

que desejassem a respeito das impressões que tiveram sobre o jogo, sobre os

jogadores (alunos da turma), sobre o espaço físico, sobre a condução da aula, etc.

Já a segunda pergunta foi articulada mais especificamente de modo a tratar de

nossa questão de pesquisa. Para tanto, foi perguntado a eles: “O quê vocês pensam

dos jogos teatrais enquanto ferramenta pedagógica para o canto?”

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A primeira questão gerou a seguinte reposta de Felipe: “Eu achei muito legal,

eu achei muito divertido.” (Felipe- registro audiovisual). Um diálogo inicia a partir

disto, apontando contribuições do jogo teatral em aula. Transcrevemos abaixo o

registro audiovisual.

Astolfo: “Eu achei muito legal trabalhar este tipo de dinâmica em grupo não só

pela dinâmica em si, mas por conhecer o pessoal do grupo e acabar se soltando de

certa forma... Não só conhecer cada um como cantor, como... enfim, como músico,

mas como... sei lá, se soltar diante dos outros. Assim, isso é bem diferente.”

Mateus: “E é bem difícil.”

Astolfo: “É, mas é mais fácil do que fazer isso sem as brincadeiras eu acho.”

Mateus: “Sim, com certeza.”

Astolfo: “A brincadeira te deixa...” (balança as mãos, batendo uma na outra,

representando algo solto).

Luísa: “Parece que não tem o compromisso né de: ‘tenho que afinar, tenho

que afinar’... fica mais relaxado com os jogos. Então, deixa a preocupação de lado e

só tenta entrar no fluxo.”

Este diálogo serve-nos para ressaltar o que já foi colocado no capítulo 1: o

jogo enquanto ambiente que proporciona relaxamento (HUIZINGA, 2000; PEREIRA,

2012), permitindo que estes alunos se “soltem diante dos outros”, como dito pelo

aluno Astolfo. Os outros alunos concordaram com tal comentário, apontando que

esta atitude (de “se soltar”) torna-se mais fácil por meio dos jogos, já que estes

parecem retirar o compromisso com o acerto. Como a aluna Luísa abordou, o

compromisso com a afinação, por exemplo, parece não existir dentro do jogo. Isto

acontece, como enfatizamos no capítulo 1, pelo fato do jogo produzir a sensação de

um mundo exterior, de um universo recluso (COELHO, 2011). Logo, os jogadores

podem se arriscar e permitir a si mesmos o erro, já que arriscar, errar ou até mesmo

“morrer” em jogo não trará danos para a “vida real”. Esta imersão é o que, segundo

Coelho (2011), caracteriza o jogo.

A aluna Raquel comenta outros aspectos relacionados à concentração e à

exploração de suas ações em jogo, como podemos ver na fala transcrita abaixo:

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Eu só achei difícil me concentrar um pouco assim, na hora, nossa, eu não parava de rir. Não consegui me conter... Mas foi muito divertido. Assim, o que eu achei mais legal foi reger. Brinquei bastante com isso. Procurei também colocar o arpejo, depois ver como as outras notas soavam, achei isso muito legal, ter um propósito na regência né...achei legal isso aí. (Raquel - registro audiovisual).

Esta aluna se referia ao momento em que esteve representando uma regente

no jogo “Um regente e cinco teclas: o piano cantado”. Em sua atuação, buscou não

apenas colocar ou retirar notas aleatórias, mas demonstrou estar fazendo escolhas

conscientes, havendo, como ela mesma disse, “um propósito” em sua regência.

Pode-se ler sobre isto em seu protocolo.

O jogo possibilitou, neste caso, espaço para exploração sonora, escolha de

determinados elementos musicais, tomada de decisões não aleatória, mas com fim

expressivo, entre outros. Confirma-se o discurso de Spolin (2008) a respeito do jogo

enquanto espaço para espontaneidade, intuição, exploração, inventividade,

liberdade e aventura, despertando o jogador. A autora comenta que

Os jogadores tornam-se ágeis, alerta, prontos e desejosos de novos lances [...] O objetivo no qual o jogador deve constantemente concentrar e para o qual toda ação deve ser dirigida provoca espontaneidade. Nessa espontaneidade, a liberdade pessoal é liberada, e a pessoa como um todo é física, intelectual e intuitivamente despertada. (SPOLIN, 2008, p. 5).

O aluno Astolfo segue o debate:

Talvez, eu não sei, eu tava pensando... talvez no segundo jogo fique meio difícil as vezes de lembrar o propósito... a gente acaba pensando de repente no gesto e esquece da ideia, por exemplo, da ressonância. Eu pelo menos tive essa dificuldade, não sei se mais gente teve... de propor alguma coisa que fizesse sentido e ao mesmo tempo pensar no gesto. (Astolfo – registro audiovisual).

O aluno aborda a dificuldade de projetar qualquer som vocalmente simultâneo

a um movimento corporal. Nota-se a preocupação de que o som e o gesto “façam

sentido”. Porém, em momento algum foi comentado sobre a necessidade de haver

sentido na ação que fariam. Eles eram livres para fazer soar qualquer som que

usasse a emissão vocal (seja uma vogal, repetição de sílabas, bocejo, vocalize, etc.)

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e qualquer movimento corporal (balançar as mãos, bater os pés, sacudir o corpo,

etc.). Porém, ainda durante o jogo, foi perceptível a preocupação dos alunos com a

recepção de suas criações, já que paravam em alguns momentos para pensar e, por

um bom tempo, refletiam sobre o que iriam propor, enquanto o grupo os esperava.

Após um momento de silêncio, resolvemos continuar perguntando sobre cada

jogo especificamente. Gerou risadas o seguinte comentário sobre o jogo 1: “Esse aí

é o seguinte: pra fazer com a família inteira e dar risada até dizer chega... Esse aí é

pra tu rachar o bico. Faz uma festa de natal com isso aí pra você ver...” (Felipe -

registro audiovisual).

O aluno claramente associa tal vivência às festas de família, aos momentos

de confraternização em datas comemorativas. Provavelmente, os momentos de

risada e espontaneidade vividos por ele em jogo (como percebemos através dos

registros em vídeo), permitiram tal associação. Huizinga (2000) também associa o

jogo às festas, dizendo que, entre um estudo sobre a natureza da festa e o jogo, a

ligação é estreita. Além disso, compartilha as seguintes ideias:

Existem entre a festa e o jogo, naturalmente, as mais estreitas relações. Ambos implicam uma eliminação da vida quotidiana. Em ambos predominam a alegria, embora não necessariamente, pois também a festa pode ser séria. Ambos são limitados no tempo e no espaço. Em ambos encontramos uma combinação de regras estritas com a mais autêntica liberdade. Em resumo, a festa e o jogo têm em comuns suas características principais. (HUIZINGA, 1990, p. 19).

Assim sendo, podemos compreender melhor os motivos que podem ter

levado o aluno Felipe a associar jogo e festa.

Os alunos continuaram os comentários. Pedro passou a falar sobre não ter

conseguido apagar a vela no primeiro jogo. Como dito anteriormente, o aluno

demonstrou tanto interesse em apagar a vela que chegou a “roubar” no jogo. Além

disso, reforça-se o argumento sobre seu desejo de apagar a vela a partir do

momento em que ele passa a comentar, durante a entrevista, sobre estas tentativas.

Interessante notarmos que o aluno ainda recorda, no fim da aula, de um dos

momentos vivenciados no primeiro jogo, mostrando o quanto apagar a vela era um

ato importante a ser conquistado. Observando-o em jogo, notamos diversas

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tentativas, roubos e comentários sobre tal ação, além do que ele mesmo expôs na

entrevista. Essa vontade de cumprir tal ação é decorrente da imersão no jogo.

Deu-se continuidade com a segunda pergunta elaborada previamente na

entrevista, desejando saber o que os alunos pensavam sobre tais jogos enquanto

ferramenta pedagógica. Surgiram as seguintes intervenções:

Felipe: “Tranquilo...”

Luísa: “A última [brincadeira] mesmo, nem se fala.”

Astolfo: “Exercício tanto de ritmo, quanto de percepção, tudo... esse último

especialmente foi muito produtivo.”

Mateus: “Esse eu já vou levar pra aula de estágio.”

Astolfo: “De certeza eu já vou usar.”

Portanto, destacamos aqui também a importância das pesquisas na

universidade envolverem os acadêmicos, de modo que estes desfrutem de diversas

experiências em sua formação. Os jogos teatrais, neste contexto, serviram também

enquanto propostas pedagógicas para o trabalho em sala de aula, podendo auxiliar

os alunos em seus estágios e enquanto futuros professores, licenciados em música.

Pereira (2012) se refere à sala de aula universitária enquanto espaço propício

para inquietações, geração de perguntas, respostas e uma constante reflexão, que

remete à incerteza e à constante construção do conhecimento. Portanto, apontamos

a importância de pesquisas que envolvam os universitários para que haja constantes

reflexões entre os acadêmicos, de modo que estes não sejam colocados em posição

de conforto, enquanto receptores do “conhecimento” imposto pela academia, mas

estimulados para pensar, refletir e, caso preciso, questionar e confrontar tais

conhecimentos. Como dito por Pereira (2012, p. 49-50),

Os conteúdos em sala de aula não são um pacote que se deve aceitar de forma não reflexiva ou acrítica. Inclusive os conteúdos ‘consagrados’ podem ser colocados em discussão e originarem algum tipo de indagação por parte daqueles que o recebem, pois é assim que o conhecimento é gerado.

O mesmo autor comenta sobre a sala de aula universitária enquanto

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[...] um lugar onde as experiências de pesquisa podem e devem acontecer, pois acreditamos que a formação nesse espaço é propícia a inquietações, descobertas, dúvidas, perguntas e respostas que nos levam a uma constante reflexão. Esta, por consequência, permite-nos perceber que não temos a garantia de que nosso conhecimento é duradouro, consistente e indelével. Dewey afirma que ‘onde há reflexão há incerteza’. Nesse aspecto, todo conhecimento, de alguma forma, tem um caráter efêmero. A incerteza nos move à constante construção do conhecimento. (PEREIRA, 2012, p. 43).

Por fim, trataremos aqui do último diálogo surgido em nossa entrevista. Ele

reflete a possibilidade da pesquisa com os universitários gerar inquietações,

levantamento de questões, novas ideias e possibilidades práticas com os jogos.

Enfim, reflexões sobre a vivência com os jogos teatrais e o modo como podem

recriar ou criar a partir deles novos jogos.

Raquel: “Legal enquanto tá fazendo ali a regência [referindo-se ao jogo 3] e tá

assim mais rapidinho e tal, tá bem firme todo mundo, uma pessoa de fora também

inventar uma letra né... começar a fazer uma letra.”

Astolfo: “Existe, digamos, assim, um level 2 do jogo? Que dê pra fazer com

duas pessoas ao mesmo tempo? É que daí começa a pegar intervalos, coisa

assim...”

Raquel: “Ou se não tiver criatividade de botar uma letra mesmo, fazer

certinho, pelo menos cantarolar alguma coisa assim né, uma melodia legal, pra jogar

junto assim né...”

Pedro: “Pois é, se tivesse uma turma grande colocava uma roda de fora

fazendo a descendente: sol, fá, mi...” (sugestão do aluno para duas rodas, a de

dentro com escala ascendente e a de fora com escala descendente).

Astolfo: “Ou fazer por exemplo... na mesma roda, duas pessoas, só que não

fique sempre certinho, que fique um número ímpar... porque aí nunca vai dar o

mesmo intervalo.”

Com este diálogo finalizamos as análises da entrevista, reforçando o jogo

teatral enquanto ambiente lúdico que permite espaço para a criatividade.

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3.4.3 Protocolos

O último meio que utilizaremos para analisar o reflexo do jogo teatral nos

alunos participantes será o protocolo desenvolvido por eles.

Notamos que os protocolos registraram, principalmente, questões sobre: o

divertimento; a contribuição da ludicidade em aula; os jogos enquanto contribuintes

para o relaxamento e desinibição; sugestões para novos elementos nos jogos,

modificações que possibilitam recriar os jogos.

Começaremos então com o seguinte relato escrito em protocolo:

O que eu achei dos exercícios: Foi muito produtivo. Eu aprendi muito. O último exercício, principalmente, foi o que mais fez sentido com a música no sentido de mostrar que a afinação e a percepção têm o propósito de unir as pessoas e ensiná-las que é possível aprender brincando. (Raquel – protocolo).

Raquel discorre sobre a união proporcionada ao grupo e sobre a possibilidade

do aprendizado acontecer enquanto brincamos. Ela continua seu protocolo

apontando algumas brincadeiras e dizendo que, se tais brincadeiras fossem

realizadas com crianças, por exemplo, estas crianças jamais esqueceriam o que

fazer para aquecer a voz. Comenta, inclusive, sobre levar as experiências

proporcionadas através dos jogos teatrais para a sua vida, enquanto professora de

música. Observemos abaixo:

Do primeiro exercício: O que mais me chamou a atenção, e que levarei para a minha vida como professora de música, é o fato de perceber que é possível unir o útil ao agradável, a teoria à prática, o ensino à realidade de maneira prazerosa e satisfatória: a brincadeira de ler as frases cheias de consoantes, por exemplo, e o sopro do balão, da vela e do guardanapo, são exercícios básicos de treino e aquecimento vocal. Se essas brincadeiras fossem feitas com crianças, elas nunca iriam esquecer do que precisam fazer para aquecer a voz. [...] Fiquei muito contente por fazer parte desse momento tão importante. (Raquel – protocolo).

O processo de ensino e aprendizagem sendo realizado ludicamente também

é um apontamento do aluno Pedro:

Os jogos utilizados demonstraram de forma clara seus objetivos. O primeiro baseado na dicção e fôlego, o segundo na ressonância e expressão

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corporal, e o terceiro na afinação e percepção. Foram ambos interessantes para adotar com alunos de escolas e crianças, por trabalharem os quesitos anteriores de forma lúdica. (Pedro – protocolo).

As experiências vivenciadas em sala permitiram que os alunos refletissem

sobre o processo pedagógico do canto. Para eles, como visto até então, os jogos

foram maneiras de se trabalhar conteúdos de forma lúdica (Pedro) e de se aprender

brincando (Raquel).

Além disso, os jogos teatrais proporcionaram uma reflexão sobre o

relaxamento, a desinibição, entre outros fatores e sensações considerados pelos

alunos enquanto resultado de se estar em jogo.

A aluna Lara, por exemplo, escreve o seguinte:

A aula teve bastante dinâmica e foi muito divertida. Serviu de certa maneira para nos desinibir, porque eu tenho muita vergonha e consegui me soltar e fazer as atividades propostas. (Lara - protocolo).

Neste contexto, os jogos possibilitaram que a aluna alcançasse um maior

relaxamento e, consequentemente, realizasse as propostas em sala.

Beatriz também reflete sobre este aspecto dos jogos, dizendo que “Todos

acabam sendo muito bons porque acima de tudo é um jogo onde todos acabam se

soltando mais, o que torna mais produtivo.” (Beatriz - protocolo).

Outra aluna comenta sobre estes aspectos, abordando a questão do

“compromisso com o acerto” como algo não exigido em jogo (Luísa - entrevista e

protocolo).

O fato de podermos “errar em jogo” é um ponto importante colocado por esta

aluna. Logo, o jogo nos permite arriscar, ousar, sem tanta preocupação com o acerto

como quando estamos na “vida real”. (COELHO, 2011). Vejamos o relato de Luísa:

Cada jogo possui benefícios velados e, portanto, permite que o aluno fique mais relaxado, sem perceber, realmente, o propósito da atividade. Por exemplo, o jogo do piano possibilita o ensino e a aprendizagem da percepção rítmica e melódica sem o compromisso do acerto. Desse modo, o aprendizado fica mais divertido, leve e com chances de um melhor aproveitamento. (Luísa - protocolo).

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A aluna aponta aspectos muito importantes, mostrando-nos o jogo enquanto

espaço que permite o aprendizado de conteúdos de uma disciplina e destacando

que estar em jogo, sem o compromisso com o acerto, gera um aprendizado mais

divertido e com melhor aproveitamento.

Lombardi (2005), ao trazer a abordagem de Brougère sobre a frivolidade que

há em jogo, também comenta sobre o aluno sentir-se livre no jogo, ousando em

certas atitudes e, consequentemente, aprendendo.

Vemos autores como Brougère (1998) afirmar que até mesmo a frivolidade ligada ao jogo se mostra favorável ao aprendizado, já que o jogador sente-se livre para fazer tentativas que não ousaria fazer na vida comum, justamente devido a esta aparência de falta de consequência ligada à atividade lúdica. Aprende-se jogando. (LOMBARDI, 2005, p. 96).

Este pensamento é comum a diversos autores, como a Coelho (2011), autora

citada anteriormente para fazermos referência à ausência de preocupação com o

erro e às atitudes mais ousadas em jogo.

Interessante notarmos também que o jogo teatral em sala de aula não foi

espaço para “bagunça” ou “distração”, mas para compreensão e reflexão. Os alunos,

ainda que jogando, perceberam o que cada jogo visava trabalhar em um estudante

de canto, arriscando-se a citar em seus protocolos alguns dos objetivos dos jogos

teatrais. Além disso, refletiram sobre os princípios pedagógicos dos mesmos,

chegando a sugerir modificações, maior grau de complexidade, recriando os jogos,

etc.

As partes até então transcritas do protocolo de Raquel, por exemplo,

mostram-nos que ela percebe o trabalho da afinação e da percepção existentes no

jogo “Um regente e cinco teclas: o piano cantado”. Na sequência, a aluna reflete

sobre as ações do jogo “Circuito em pane”, dizendo serem exercícios básicos de

treino e aquecimento vocal (encher balão, apagar vela, etc).

O aluno Pedro, no protocolo sobre o qual já comentamos anteriormente, disse

que os jogos demonstraram, de forma clara, seus objetivos. Associou o jogo

“Circuito em pane” ao trabalho da dicção e do controle respiratório (“fôlego”), o

“Espelhos ao lado” à expressão corporal e à ressonância e, por fim, “Um regente e

cinco teclas: o piano cantado” ao trabalho da afinação e da percepção musical.

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Este último jogo, para a aluna Luísa, trabalha a percepção rítmica e melódica. Já a

aluna Bruna, ao expor suas impressões, aproveitou para apontar os conteúdos

musicais trabalhados pelo jogo que mais a agradou: “A atividade mais legal foi a 3ª,

porque desenvolveu a dinâmica, os solfejos rítmicos e melódicos.” (Bruna -

protocolo).

A aluna Beatriz também discorreu sobre o trabalho da respiração no primeiro

jogo: “Achei muito interessante todos os jogos feitos em aula. O primeiro trabalhando

bastante a respiração e de uma forma divertida.” (Beatriz - protocolo).

Através de diversas frases como essas, percebemos que os alunos sabiam a

maioria dos objetivos que cada jogo teatral visava trabalhar em um estudante de

canto. Eles também aproveitam para dar suas sugestões. Pedro, por exemplo, disse

que “[...] Porém, para mim, como acadêmico, penso que poderia ser mais elevado o

nível.” (Pedro - protocolo).

Já Felipe ressaltou que os jogos trabalhados podem ser voltados para

diversos níveis de conhecimento musical, além de voltados para diferentes idades.

“Todas as atividades foram divertidas, com jogos para diversos níveis de

conhecimento musical e idades.” (Felipe - protocolo).

Sabemos que, de acordo com as experiências pessoais transcritas

anteriormente, cada aluno dimensionará “nível baixo” ou “nível alto” para os

elementos musicais trabalhos nos jogos. Logo, lendo o protocolo de Felipe sobre a

primeira aula e percebendo sua satisfação com os “níveis” trabalhados, mas, ao

mesmo tempo, notando que Pedro pensou que eles poderiam ter sido mais

“elevados”, fizemos as modificações nos jogos para a segunda aula. Tais

modificações pretendiam trazer um maior grau de complexidade aos jogos,

aproximando-os do que Pedro desejava. Desta maneira, visamos agradar a todos os

alunos, abrangendo em jogo dificuldades para todos.

Os protocolos também nos mostraram que os alunos puderam pensar os

jogos vivenciados enquanto práticas pedagógicas para as aulas que eles mesmos

conduzem (aqueles que são professores de música em alguma instituição).

Portanto, nossa pesquisa com universitários atingiu o objetivo de propiciar

vivências que, por sua vez, contribuíssem para a formação acadêmica dos alunos.

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Desta maneira, a prática dos jogos teatrais, articulando conhecimentos musicais e

pedagógicos, contribuiu para a formação de educadores musicais.

O relato de Mateus possibilita entendermos que o aluno já pensou em um dos

jogos para desenvolver em suas aulas:

Vou usar o jogo da ‘roda de notas com regente’ na minha turma de teoria. Estamos trabalhando com os arpejos de ‘dó-mi-sol’ e ‘ré-fá-lá’, com o propósito de decorar as notas na pauta e a sonoridade de acordes maiores e menores. Este jogo será um meio divertido de trabalhar com isto. (Mateus - protocolo).

Partes de alguns protocolos já expostos neste capítulo, mostram-nos que

vários alunos pensaram os jogos teatrais como meio para se trabalhar as aulas de

canto.

Além disto, pudemos ver os alunos reelaborando os jogos, sugerindo

alterações, modificações, criando novos jogos a partir dos já trabalhados em sala.

Este processo de criação é bastante importante. Através das sugestões dos

alunos e do produto final (novo jogo sugerido), pudemos pensar um pouco sobre

quais questões eles refletiram.

A aluna Raquel, por exemplo, refletiu sobre o uso de outros elementos

musicais no jogo “Um regente e cinco teclas: o piano cantado.”

Do terceiro exercício: Foi o mais interessante, na minha opinião, e me fez ter muitas ideias para acrescentar, como por exemplo: incluir improvisação com percussão, ritmo, melodia e, se possível, a letra. (Raquel - protocolo).

Os alunos Bianca, Felipe e Mateus compartilham tal ideia, escrevendo

sugestões também para este jogo, tais como: “O último jogo foi o que eu mais gostei

e da pra trabalhar muitas coisas dentro dele, e jogar de diversas formas, bastante

criativo.” (Bianca - protocolo). Podendo acrescentar variações do tema, como no

jogo de regência, aumentando o nº de rodas e notas (integrantes). (Felipe -

protocolo). “Outra ideia seria fazer o mesmo jogo com partes de uma célula rítmica,

sem permitir que ninguém marque o pulso, sendo necessário que todos estejam com

o pulso internalizado.” (Mateus - protocolo).

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Astolfo, em seu protocolo, registrou através de desenhos suas indicações

para alterações no jogo “Um regente e cinco teclas: o piano cantado”.

Figura 4 - Protocolo de Astolfo (Aula 1).

Apenas este registro possibilitaria diversas reflexões, principalmente sobre o

processo de recriação do jogo pelo aluno, traçando quais são as ideias sobre as

quais ele reflete, tais como o conteúdo a ser trabalhado através do jogo (percepção

do campo harmônico e relações intervalares), número de jogadores (sete), o toque

do regente representando sustenidos ou bemóis (variando entre toques na cabeça

ou peito), o jogo trabalhando intervalos musicais (ao invés de uma nota musical por

vez), dentre diversas outras ideias expostas.

Compreendemos então que o espaço de ludicidade no qual a aula se

configurou permitiu aos alunos a criatividade e liberdade de criação, como dito por

Januzelli (2003).

“De um jogo, outro jogo” é o nome dado por Pereira (2012) para o tópico de

sua tese de doutorado que trata das adaptações propostas pelos alunos

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participantes em sua pesquisa. Ele aborda as recriações dos alunos, enfatizando

que os jogos feitos em sala tiveram também o intuito de possibilitar que os

estudantes tivessem referências para a criação de outros jogos.

Durante as aulas, os jogos sempre foram realizados com o intuito de provocar nos estudantes o prazer de descobrir os procedimentos de produção vocal e a reflexão sobre esses procedimentos, e também de propiciar referências para a criação de outros jogos. Eles foram inspiradores para a constituição de novos modelos de situação lúdica, tanto no decorrer das atividades em si, quanto na ocasião dos protocolos. (PEREIRA, 2012, p. 174-175).

Deste modo, percebemos a importância da ludicidade, do jogo e,

especificamente, do jogo teatral, como contexto que possibilita reflexões e

“impulsiona” a criatividade, permitindo aos alunos pensarem em recriações para os

jogos vivenciados.

Seria bastante oportuno e produtivo desenvolver os jogos adaptados ou

criados pelos alunos durante a nossa pesquisa nas próprias aulas, de modo que

pudéssemos valorizar os alunos, suas ideias, sugestões e, além disso, propiciar

momentos em que eles conduziriam seus próprios jogos. Infelizmente, não tínhamos

tempo para tal, já que havíamos proposto a vivência prática da pesquisa para

apenas duas aulas e os alunos já estavam em preparativos para as provas finais. O

tempo de seis meses17 para a produção do trabalho acadêmico também não

possibilitou articularmos as leituras, a escrita e a prática da pesquisa-ação com a

nossa vontade de que houvesse aulas para os próprios alunos conduzirem. Além

disso, este trabalho ficaria bastante extenso.

Para o segundo encontro, chegamos a pensar em desenvolver pelo menos

uma das propostas relatadas nos protocolos, mas não havia número suficiente de

alunos, nem tempo para tal. Esta questão foi explicada aos alunos (sobre o desejo

de termos tempo e um maior número de pessoas para aplicar as suas propostas), e

então demos continuidade ao processo. Porém, percebemos e ressaltamos a

17 O currículo do curso Licenciatura em Música da UDESC prevê 6 meses para a produção do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), o que consideramos um curto espaço de tempo para os acadêmicos.

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importância de que o pesquisador valorize tais intervenções e propostas dos alunos,

desenvolvendo, sempre que possível, as sugestões deles em aula, aprendendo a

apreender do aluno o que trabalhar em aula (KOELLREUTTER apud BRITO, 2001).

Observamos também nos protocolos relatos sobre as alterações que fizemos

ao desenvolvermos os jogos “Circuito em pane” e “Espelhos ao lado”, nas aulas 1 e

2 (como já explicado, desenvolvemos com modificações entre uma aula e outra).

Algumas reflexões dos alunos apontam sobre tais mudanças: “Todos os jogos foram

muito bons, tivemos maior aproveitamento no 1º dessa vez e no 2º também.”

(Bianca - protocolo). Seguem os outros relatos abaixo:

1º Jogo: Quanto menos pessoas jogarem ele, maior será a exaustão, se esse for o objetivo. 2º Jogo: Ao contrário do primeiro, quanto mais pessoas jogarem mais ele funcionará. (Carlos - protocolo). Atividade 1 foi mais proveitosa com mais tempo. Atividade 2 com nova formulação funciona mais dinamicamente e permite maior criação, mas necessita de mais gente para atingir potencial pleno, acredito. (Astolfo - protocolo).

Em geral, os alunos relacionaram tais modificações a um maior

aproveitamento do jogo. O aluno Carlos se refere à maior exaustão justamente para

relatar o maior aproveitamento do jogo para o treino da respiração no cantor. Como

dito por ele na entrevista, ao jogar “Circuito em pane”, na segunda aula (jogo com

modificações), ele chegou a sentir cansaço e sensações de desmaio, justamente por

alongarmos o tempo de treino para cada um. Logo, na visão dos alunos, houve mais

treino e melhor aproveitamento através das alterações propostas.

Por fim, sobre o “Jogo das placas”, diversos comentários foram feitos, tanto

durante a sua realização quanto no momento de conversa sobre ele, sempre o

associando à possibilidade de estar mais “solto” no palco, perder timidez, etc. Alguns

protocolos possuem registros sobre tal jogo, assim como estes: “Já o 3º é muito

divertido ter que se virar em diversas situações sem perder o foco na música/canto.

Torna-se bem produtivo.” (Bianca -protocolo). “Terceiro jogo: Adorei a constante

troca de emoções, ações e sensações. Influencia muito nas inflexões de voz e na

postura em palco, além da vergonha.” (Astolfo - protocolo).

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Encerramos este capítulo com a frase dita pelo aluno Carlos (a qual

acreditamos ser uma boa colocação sobre o jogo): “É bom porque eu acho que

depois disso tu faz qualquer coisa.” (Carlos - protocolo).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho de conclusão de curso investigamos a contribuição dos jogos

teatrais enquanto ferramenta para o processo pedagógico do canto, a partir das

perspectivas dos alunos participantes na prática da pesquisa-ação realizada e da

revisão bibliográfica levantada. Deste modo, buscamos relatar o que pensam estes

estudantes sobre tal experiência, interdisciplinar e lúdica, inserida no ensino e

aprendizagem da voz cantada.

Através do que os alunos comentaram, escreveram, refletiram - processos

registrados em vídeos, entrevistas e protocolos - argumentou-se a funcionalidade da

prática dos jogos teatrais para os alunos de canto do curso de Licenciatura em

Música da universidade.

Percebeu-se que os alunos, em geral, atribuem grande importância e

funcionalidade sobre o “aprender brincando”. Tal expressão foi utilizada por alguns

estudantes durante o processo de pesquisa. Ela foi associada à possibilidade do

aprendizado se tornar mais “leve, relaxado, descontraído”, de maneira que

pudessem ousar, experimentar, criar sem tantos receios ou medo da exposição e do

erro. Assim, os argumentos expostos pelos diversos autores trabalhados no capítulo

1 que tratam o jogo enquanto ambiente propício à espontaneidade, liberdade,

criatividade, além de espaço que permite correr riscos, ousar, errar, comprovaram-se

também neste trabalho.

Os comentários espontâneos dos alunos, durante a realização dos jogos,

foram bastante importantes para entendermos o jogo enquanto ambiente de tensão.

Ainda que os jogos teatrais não explorem o campo da competição, alguns alunos

transmitiram sensações de tensão, nervosismo, desejo do acerto, da vitória. O ato

de vencer, nos jogos trabalhados, não estava relacionado à competição com os

outros jogadores, mas ao ato de conseguir cumprir uma determinada função em

cena, individualmente. Era uma vitória para si. Ainda assim, alguns alunos

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demonstraram levar “a ferro e fogo”18 as funções atribuídas a eles, chegando a

haver “roubo” nos jogos em diversos momentos em prol de se conseguir o que

desejavam em cena.

As entrevistas e protocolos geraram bastante conteúdo para a discussão,

principalmente pelo fato dos alunos ressaltarem a contribuição do contexto lúdico do

jogo, do “aprender brincando”, da importância e colaboração de tal experiência para

eles enquanto professores de música e futuros licenciados em tal área, além dos

processos de modificações de alguns jogos, com os alunos criando novos jogos a

partir de algum que havia sido trabalhado em sala. Assim sendo, percebe-se que

houve diversas reflexões sobre o que vivenciamos em ambas as aulas.

Portanto, consideramos bastante válida esta pesquisa à medida que

proporcionou, além do levantamento bibliográfico realizado, uma parte prática,

configurando-se nas aulas desenvolvidas. A pesquisa-ação, como o próprio nome

demonstra, permitiu que uníssemos a pesquisa teórica às ações com os alunos de

canto, momentos que possibilitaram a articulação dos textos lidos às práticas em

sala de aula. Estas práticas, por sua vez, ocorreram entre acadêmicos justamente

para que estes pudessem refletir, ainda durante seus estudos, sobre os processos

de ensino e aprendizagem que eles mesmos vivenciam em suas formações. Além

disso, acreditamos na importância desta pesquisa para a formação do educador

musical, ao passo que envolveu os alunos do curso de Licenciatura em Música em

uma experiência interdisciplinar e lúdica. Ressaltamos a importância do

desenvolvimento de práticas lúdicas com acadêmicos do curso em questão, já que

estas possibilitaram a eles, conforme eles próprios, uma experiência que lidou tanto

com questões pessoais, emocionais, entre outras, quanto reflexões e ideias para o

trabalho profissional enquanto professores, educadores musicais.

Além disso, ressaltamos a importância do lúdico não ser “abandonado”,

delegado apenas para os momentos de infância, esquecido por nós adultos em meio

a tantos compromissos e afazeres que nos rodeiam. A importância do brincar foi

mostrada neste trabalho principalmente através de Januzelli (2003), enquanto

18 Expressão utilizada para referir-se à maneira árdua como trataram os obstáculos do jogo.

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experiência permissiva à criatividade. Sendo criativos, segundo o autor, descobrimos

o eu.

Assim, percebemos que os jogos são materiais lúdicos de extrema

importância, podendo sempre ser inseridos durante o processo pedagógico para se

“extrair” do aluno respostas rápidas, espontâneas e, quem sabe, mais verdadeiras.

Através do jogo podemos ter estudantes mais livres (“relaxados” ou “soltos”, como

exposto em diferentes protocolos), que reajam espontaneamente, analisem suas

reações, descubram-se e, assim, ampliem o entendimento de si para uma melhor

atuação no jogo da “vida real”.

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APÊNDICE – Fotos da prática da pesquisa-ação

Imagem 1 - Alunos durante a explicação das regras do jogo "Circuito em pane" (Aula 1).

Imagem 2 - Durante o jogo "Circuito em pane" (Aula 2).

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Imagem 3 - Durante o jogo "Espelhos ao lado" (Aula 1).

Imagem 4 - Durante o jogo "Um regente e cinco teclas: o piano cantado" (Aula 1).

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Imagem 5 - Conversa sobre os jogos vivenciados (Aula 1).

Imagem 6 - Durante o jogo "Espelhos ao lado" (Aula 2).

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Imagem 7 - Durante o "Jogo das Placas" (Aula 2).

Imagem 8 - Durante o jogo "Circuito em pane" (Aula 2).