california mastitis test (cmt) ferramenta para...

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» 32 — julho 2013 Ferramenta para diagnóstico da mastite A mastite subclínica não apresenta sinais evidentes da doença e somente é diagnosticada com a realização de algum método diagnóstico complementar, como a CCS eletrônica ou o CMT (California Mastitis Test). O CMT é um boa alternativa para testes de triagem, pois apresenta alta sensibilidade e boa capacidade de detecção de vacas com mastite subclínica O s dados mais recentes sobre a quali- dade do leite no Brasil, apresentados no V Congresso Brasileiro de Qualidade do Leite, realizado recentemente em Águas de Lindóia - SP, indicam que a contagem de células somáticas (CCS) do leite do tanque ainda é um problema atual para a grande maioria dos rebanhos brasileiros. Observou-se pouco avanço nos últimos cinco anos em relação à redução da CCS dos rebanhos leiteiros. Estima-se que cer- ca de 40 a 50% dos rebanhos apresentam média de CCS acima de 400.000 células/ ml, o que se traduz em redução do poten- cial de produção de leite, maiores custos QUALIDADE DO LEITE Marcos Veiga dos Santos Professor Associado Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP www.marcosveiga.net de produção, redução de bonificação do preço do leite e, como consequência, me- nor lucratividade da atividade de produção de leite. Uma das principais limitações para o controle eficiente da mastite é a ausência de uma rotina de monitoramento da mas- tite nos rebanhos, o que indica desconhe- cimento por parte dos produtores da real situação da mastite. Além da ausência de rotina de monitora- mento da mastite, outro fator que deve ser levado em consideração é que a mastite pode se apresentar na forma clínica, que é facilmente diagnosticada pelo teste da caneca de fundo preto antes da ordenha, e na forma subclínica. Neste último caso, a mastite subclínica não apresenta sinais evidentes da doença e somente é diagnos- ticada com a realização de algum método diagnóstico complementar, como a CCS eletrônica ou o CMT (California Mastitis Test). Os estudos científicos indicam que para cada caso clínico que ocorre em um rebanho leiteiro, pode-se ter até 20 vacas com mastite subclínica no mesmo reba- nho. A falta de monitoramento da mastite gera como consequência indireta o deses- tímulo à implantação de medidas de con- trole e dificulta uma estimativa mais pre- cisa dos prejuízos causados pela doença. CALIFORNIA MASTITIS TEST (CMT)

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— julho 2013

Ferramenta para diagnóstico da mastite

A mastite subclínica não apresenta sinais evidentes da doença e somente é diagnosticada com a realização de algum método diagnóstico complementar, como a CCS eletrônica ou o CMT

(California Mastitis Test). O CMT é um boa alternativa para testes de triagem, pois apresenta alta sensibilidade e boa capacidade de detecção de vacas com mastite subclínica

Os dados mais recentes sobre a quali-dade do leite no Brasil, apresentados

no V Congresso Brasileiro de Qualidade do Leite, realizado recentemente em Águas de Lindóia - SP, indicam que a contagem de células somáticas (CCS) do leite do tanque ainda é um problema atual para a grande maioria dos rebanhos brasileiros. Observou-se pouco avanço nos últimos cinco anos em relação à redução da CCS dos rebanhos leiteiros. Estima-se que cer-ca de 40 a 50% dos rebanhos apresentam média de CCS acima de 400.000 células/ml, o que se traduz em redução do poten-cial de produção de leite, maiores custos

QUALIDADE DO LEITE

Marcos Veiga dos SantosProfessor Associado Faculdade de Medicina

Veterinária e Zootecnia da USPwww.marcosveiga.net

QUALIDADE DO LEITE

Professor Associado Faculdade de Medicina

de produção, redução de bonifi cação do preço do leite e, como consequência, me-nor lucratividade da atividade de produção de leite. Uma das principais limitações para o controle efi ciente da mastite é a ausência de uma rotina de monitoramento da mas-tite nos rebanhos, o que indica desconhe-cimento por parte dos produtores da real situação da mastite.Além da ausência de rotina de monitora-mento da mastite, outro fator que deve ser levado em consideração é que a mastite pode se apresentar na forma clínica, que é facilmente diagnosticada pelo teste da caneca de fundo preto antes da ordenha,

e na forma subclínica. Neste último caso, a mastite subclínica não apresenta sinais evidentes da doença e somente é diagnos-ticada com a realização de algum método diagnóstico complementar, como a CCS eletrônica ou o CMT (California Mastitis Test). Os estudos científi cos indicam que para cada caso clínico que ocorre em um rebanho leiteiro, pode-se ter até 20 vacas com mastite subclínica no mesmo reba-nho. A falta de monitoramento da mastite gera como consequência indireta o deses-tímulo à implantação de medidas de con-trole e difi culta uma estimativa mais pre-cisa dos prejuízos causados pela doença.

CALIFORNIA MASTITIS TEST (CMT)

— julho 2013

Como funciona o CMT?Quando um agente patogênico invade a glândula mamária, a vaca reage, enviando células de defesa para o local, buscando combater o processo infeccioso. Essas cé-lulas de defesa, entre as quais neutrófi los, macrófagos e linfócitos, em conjunto com as células de descamação epitelial dos alvéolos, são chamadas de células somá-ticas do leite.Portanto, quando há presença de micror-ganismo patogênico na glândula mamária, a contagem de células somáticas (CCS) aumenta para valores > 200.000 célu-las/mL de leite. O aumento da CCS acima deste patamar é a principal característica utilizada para o diagnóstico indireto da mastite subclínica.Na década de 1950, dois pesquisadores americanos, Schalm e Noorlander, de-senvolveram o CMT (California Mastitis Test), que se tornou um dos testes mais populares e práticos para o diagnóstico da mastite subclínica. Desde aquela épo-ca, havia necessidade de um teste rápido, barato e que permitisse com razoável grau de confi abilidade a detecção da mastite subclínica ao pé da vaca. O princípio do CMT baseia-se na estimativa da contagem de células somáticas no leite por meio de uma escala de escores visuais quando o leite é utilizado com um reagente (deter-gente aniônico neutro e um indicador de pH). O reagente do CMT rompe a mem-brana das células presentes na amostra de leite e libera o material nucléico (DNA), o qual possui alta viscosidade. Sendo assim, quanto maior a viscosidade do leite, maior é o conteúdo celular da amostra. Desta forma, o resultado do teste é avaliado em função do grau de gelatinização da mistura de partes iguais (2 mL) de leite de cada quarto mamário e reagente. Os resulta-dos são expressos em 5 escores: negativo, traços, +, ++ ou +++, os quais apresentam boa correlação com a contagem de células

somáticas da amostra, conforme ilustra-do na Tabela 1.Recomenda-se que o teste do CMT seja feito com o leite antes da ordenha (depois do descarte dos primeiros jatos de leite), pois neste momento da orde-nha o teor de gordura do leite é baixo e não interfere nos resultados visuais de escore do CMT. Além disso, deve-se evitar a presença de esterco ou outras sujidades nas amostras de leite antes da realização do CMT. Os escores de CMT +, ++ e +++ são indicativos de mastite subclínica, enquanto que o escore “tra-ços” indica uma possível infecção. Resul-tados negativos indicam que o quarto mamário está sadio.Ainda que possa ser um teste muito útil, o CMT apresenta algumas limitações, entre as quais a principal é a subjetivi-dade de interpretação dos escores, uma vez que os resultados são visuais e de-pendem do treinamento da pessoa que realiza o CMT. Além disso, a relação en-tre os escores e a CCS média da amostra de leite é variável, o que indica que o CMT não tem capacidade de detecção da vacas na fase inicial da mastite ou mesmo quando a CCS está próxima do limiar de 200.000 células/ml. Estas li-mitações são especialmente relevantes

A chave para a produção

leiteira é a saúde.

TABELA 1. RELAÇÃO ENTRE O ESCORE DO CMT E A CONTAGEM DE CÉLULAS SOMÁTICAS

Escore0Traços++++++

ViscosidadeAusenteLeveLeve/moderadaModeradaIntensa

Fonte: Philpot e Nickerson,1991.

CCS100.000300.000900.0002.700.0008.100.000

UMA DICA

Recomenda-se que o teste do CMT seja feito com o leite antes da ordenha (depois do descarte dos primeiros jatos de leite), pois neste momento da ordenha o teor de gordura do leite é baixo e não interfere nos resultados visuais de escore do CMT

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— julho 2013

QUALIDADE DO LEITE

em rebanhos grandes e que necessitam de resultados com alto grau de precisão para a tomada de decisões. Outra difi culdade em grande rebanhos leiteiros é que o pro-cedimento não é automatizado e necessita de tempo para retirada das amostras de leite, o que pode aumentar a duração da ordenha. Nestes casos a contagem eletrô-nica de células somáticas é o teste mais recomendado.

Principais usos do CMTDiversos estudos avaliaram a acurácia do CMT como teste de triagem para de-tecção de mastite subclínica. Para estas avaliações, os estudos determinaram a sensibilidade e a especifi cidade do teste frente a um outro método padrão. A sensi-bilidade mede a capacidade do método de identifi car corretamente os quartos com mastite subclínica, enquanto que a espe-cifi cidade mede a capacidade do método em identifi car corretamente os quartos sa-dios. Em outras palavras, quando um teste apresenta alta sensibilidade, ele é capaz de identifi car com grande precisão as vacas com mastite subclínica, mas pode apresen-tar resultados falso positivos. Por outro lado, uma alta especifi cidade indica alta capacidade de detecção de vacas sadias, mas com possibilidade de apresentar re-sultados falso negativos. Os resultados de pesquisas científi cas indicam que o CMT apresenta sensibilidade média de 90% e especifi cidade de 70%. Estes resultados confi rmam que o CMT é um boa alterna-tiva para testes de triagem, pois apresen-ta alta sensibilidade e boa capacidade de detecção de vacas com mastite subclínica.As principais vantagens do CMT, como a rapidez, simplicidade, baixo custo e facili-dade de execução do teste ao pé da vaca, permitem que este teste seja usado em algumas situações específi cas. No entanto, deve-se destacar que não é recomendado o uso de resultados do CMT para deci-são de iniciar ou não um tratamento com antibióticos, sem o respaldo de outros métodos diagnósticos como a cultura mi-crobiológica para identifi cação do agente causador de mastite.Entre os principais uso do CMT, pode-se destacar:• Determinar qual quarto mamário se en-contra infectado, quando uma vaca apre-senta alta CCS em amostra composta de leite: rebanhos que realizam a CCS de for-ma rotineira podem selecionar as vacas

com alta CCS para coleta de amostra para cultura e identifi cação do agente causador. Neste caso, para aumentar a chance de iso-lamento, recomenda-se a realização prévia do CMT antes da coleta da amostra para identifi car o quarto afetado.• Detecção de mastite subclínica em va-cas adquiridas de outros rebanhos: vacas em lactação que são compradas de outros rebanhos devem ser avaliadas em relação à saúde do úbere. O CMT pode ser realiza-do ao pé da vaca antes da introdução dos animais dentro do rebanho de lactação, para evitar a introdução de agentes cau-sadores de mastite contagiosa (Staphylo-coccus aureus e Streptococcus agalactiae). Vacas com escore de CMT positivo devem ter a coleta de uma amostra de leite para cultura e identifi cação se a mastite é ou não contagiosa.• Detecção de mastite em vacas recém-paridas e avaliação da secagem: uma das possíveis fontes de transmissão de mas-tite contagiosa no rebanho são as vacas (primíparas e multíparas) recém-paridas. Desta forma, recomenda-se a realização do CMT em todas as vacas no 4º dia pós-parto (sensibilidade e especifi cidade de 80%). Vacas com CMT positivo devem

ser submetidas a cultura microbiológica para identifi cação do agente causador. Va-cas com mastite no período pós-parto po-dem ter sido infectadas antes da secagem (indicativo de falha da cura do tratamento de vaca seca) ou durante o período seco (indicativo de falha na prevenção dos ca-sos novos de mastite antes do parto). As infecções pós-parto causadas por micror-ganismos ambientais e por estafi lococos coagulase negativa apresentam alta taxa de cura espontânea nas primeiras semanas pós-parto e, desta forma, não necessitam de intervenção imediata. No entanto, vacas com mastite causadas por agentes contagiosos deveriam ser segre-gadas do restante do rebanho pra reduzir o risco de transmissão de mastite para as demais vacas.Além destes usos, o CMT pode ser uma alternativa para monitoramento men-sal da mastite subclínica em pequenos rebanhos, nos quais não é possível a realização pelo método eletrônico, por difi culdade de acesso ou custo. Ainda que apresente algumas limitações da meto-dologia, o uso do CMT como teste de triagem pode contribuir para o controle de mastite subclínica.

FIGURA 1. SEQUÊNCIA DE PROCEDIMENTOS PARA A REALIZAÇÃO DO CMT PARA DIAGNÓSTICO DE MASTITE SUBCLÍNICA

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1. Posicionar a bandeja de acordo com os tetos.2. Ordenhar cerca de 2 mL de leite de cada quarto.3. Eliminar o excesso de leite utilizando a marca da bandeja.4. Adicionar cerca de 2 mL de reagente de CMT (até atingir a segunda marca da bandeja).5. Misturar o leite e o reagente com movimentos circulares.6. Visualizar o resultado da viscosidade.