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Caleidoscópios Revista Eletrônica da Faculdade Pitágoras - Unidade Maceió Estudos Locais VOLUME I – ANO I

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Caleidoscópios Revista Eletrônica da Faculdade Pitágoras - Unidade Maceió

Estudos Locais

VOLUME I – ANO I

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APRESENTAÇÃO

É com imensa satisfação que nós, membros da Equipe Editorial da

Revista Caleidoscópio, publicamos nossa primeira edição. A revista se mantém

coordenada, gerida e editada pelo corpo docente da Faculdade Pitágoras de

Maceió. Esta edição está organizada com quatro artigos, na qual, buscou-se criar

e articular espaços de discussões sobre temas clássicos e contemporâneos das

Ciências Humanas. Trata-se de uma revista interdisciplinar que busca

estabelecer unidade entre as várias linhas de pesquisa no campo cientifico. É

graças ao trabalho do corpo docente que esperamos o reconhecimento por parte

de todos os colaboradores e alunos e que a revista consiga alcançar seu escopo,

respeitando a pluralidade de pensamento típico das Ciências Humanas, Ciências

Exatas, Ciências Sociais e Aplicadas e Ciências Biológicas, contando ainda com

uma rigorosa periodicidade.

Carlos Humberto de Albuquerque Spinelli

Coordenador editorial

FACULDADE PITÁGORAS UNIDADE MACEIÓ

REVISTA CIENTIFICA CALEIDOSCÓPIO

VOLUME I - ANO I

2016

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VOLUME I - ANO I/ 2016

ESTUDOS LOCAIS

SUMÁRIO

ARTIGOS

A educação como um direito social no brasil e seus pilares legais Savanna Kelly Ribeiro Matias A presença do maracatu na vida social alagoana, no início do século xx Carlos Eduardo Ávila

O eurocentrismo e a invenção da América Latina Simone Arestides de Lima

O comportamento do subsetor turismo no mercado de t rabalho formal em alagoas : breve análise dos últimos dados do ipea (2012 – 2013) Thiago Queiroz de Figueiredo

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A EDUCAÇÃO COMO UM DIREITO SOCIAL NO BRASIL E SEUS PILARES LEGAIS

Savanna Kelly Ribeiro Matias1

RESUMO

O presente artigo tem o propósito de analisar o direito social à educação a partir de seus pilares legais, apresentando as principais legislações que asseguram tal direito ao cidadão e que demonstram sua exigibilidade constitucional no ordenamento jurídico brasileiro, sem o intuito de esgotar o assunto. Foi descrito um breve histórico da questão educacional nas constituições anteriores a 1988, enfatizando as previsões inseridas na vigente Constituição da República que leva à conquista da dignidade e da cidadania. De uma forma direta, abordou-se questões jurídicas sobre o processo de ensino e foi destacada a obrigatoriedade escolar no Brasil. A análise se fundamentou em um levantamento bibliográfico, sendo ao final suscitada a importância da atuação estatal, juntamente com o auxílio da família e da sociedade, para a concretização do sonho por uma educação qualitativa e igualitária no país. PALAVRAS-CHAVE: Direito Social à Educação. Pilares Legais. Processo de Ensino.

EDUCATION AS A SOCIAL RIGHTS IN BRAZIL AND ITS PILL ARS LEGAL

ABSTRACT

This article aims to analyze the social right to education from their legal pillars, presenting the main laws that ensure that right to citizens and demonstrating its constitutional liability in the Brazilian legal system, without the intention to exhaust the subject. It described a brief history of educational issue in previous constitutions to 1988, emphasizing the forecasts inserted into the current Constitution of the Republic leading to the achievement of dignity and citizenship. In a direct way, addressed to legal issues about the teaching process and highlighted the compulsory education in Brazil. The analysis was based on a literature review, and the end raised the importance of State action, with the help of family and society, to achieve the dream of a qualitative and equal education in the country.

KEYWORDS: Social Right to Education. Legal Pillars. Teaching Process.

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1 INTRODUÇÃO

1 INTRODUÇÃO

O processo de educar se inicia a partir do nascimento do ser humano

(quando lhe são ensinadas as primeiras palavras no seio familiar) e ocorre

continuamente com as trocas de experiências e de conhecimentos adquiridos

nas relações interpessoais construídas ao longo da vida. Essas trocas se

transformam em valores, crenças, emoções, saberes e tudo o que é necessário

para alcançar a formação e a instrução do indivíduo. Existe uma relação direta

entre as oportunidades que as pessoas conseguem ter e o nível de instrução de

cada uma que participa do todo social.

É notório que há uma preocupação geral da sociedade quanto ao acesso

à educação formal e de qualidade no Brasil. Mais que isso, há uma luta obstinada

pela universalidade concreta do direito à educação, que possibilite o exercício

pleno da cidadania e a efetiva existência do ser humano digno.

A Constituição da República Federativa (CR/1988), lei maior do Estado

Brasileiro, consagrou em seu Capítulo II os Direitos Sociais e posicionou a

educação em primeiro lugar, como se vê no caput do art. 6º: “São direitos sociais

a educação , a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança,

a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos

desamparados, na forma desta Constituição.” (destaque nosso).

A Constituição de 1988 é o grande arcabouço legal que assegura a

educação como um direito fundamental na vida do cidadão brasileiro. É a

referência jurídica que está no topo da pirâmide e vem seguida de outros

diplomas que preveem o assunto em análise. Esclarecemos que arcabouço

jurídico ou legal é o conjunto de regras delimitadoras do comportamento de

pessoas em um país, ou seja, um conjunto que indica direitos, deveres,

possibilidades e balizas. Tudo é pensado e positivado para estabelecer uma

ordem, reduzir os prejuízos e minimizar as diferenças oriundas do convívio

social, pois nem sempre as pessoas assumem os resultados de suas ações,

necessitando da legislação para disciplinar as condutas.

A educação está essencialmente ligada à efetividade dos fundamentos e

dos objetivos fundamentais que alicerçam a República brasileira. O art. 1º da

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CR/88 elencou vários fundamentos , entre eles, a cidadania e a dignidade da

pessoa humana . A educação para todos permite a concretização da cidadania

em seu amplo sentido. Antigamente, ser cidadão tratava-se apenas de ter direito

de viver em uma cidade e ali participar ativamente das atividades. Com o

decorrer dos anos, essa definição se tornou mais abrangente e mais completa,

pois além dos direitos e deveres, passou a englobar um conjunto de valores

morais e sociais. De uma forma simples, a cidadania é o “direito de ter direitos”

– aqui, especialmente, o da educação.

Thomas Marshall dizia que a educação estava diretamente ligada à

cidadania e que para ele era “um pré-requisito necessário da liberdade civil”,

configurando-se, portanto, como uma presunção para o exercício de outros

direitos sociais e políticos (MARSHALL, 1967). Vejamos a seguir:

A educação das crianças está diretamente relacionada com a cidadania, e, quando o Estado garante que todas as crianças serão educadas, este tem em mente, sem sombra de dúvida, as exigências e a natureza da cidadania. Está tentando estimular o desenvolvimento de cidadãos em formação. O direito à educação é um direito social genuíno porque o objetivo da educação durante a inf ância é moldar o adulto em perspectiva. Basicamente, deveri a ser considerado não o direito da criança frequentar a e scola, mas como o direito do cidadão adulto ter sido educado . (MARSHALL, 1967, p.73). (grifo nosso).

Quanto ao fundamento da dignidade da pessoa humana, a educação

influencia diretamente para que haja sua consolidação, pois a dignidade é uma

característica inerente ao indivíduo que busca valorização enquanto membro

constituidor de uma sociedade. Houaiss e Villar conceituaram com maestria o

termo dignidade: “consciência do próprio valor; honra; modo de proceder que

inspira respeito; distinção; amor próprio.” (HOUAISS; VILLAR, 2004, p.248).

Ademais, a dignidade garante liberdade para que o homem possa estabelecer a

direção de sua própria vida. Também confere independência para que ele possa

fazer escolhas e evitar qualquer situação que gere desigualdade, além de

proporcionar possibilidades para o desenvolvimento e crescimento pessoal ao

ser inserido na esfera social (TAVARES, 2010).

Por sua vez, a Magna Carta (a Constituição da República Federativa de

1988 é assim conhecida) apresentou em seu art. 3º os objetivos fundamentais

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do Brasil, com destaque para a redação do inciso I que fala sobre a construção

de uma sociedade livre, justa e solidária , situação essa que somente se

cumprirá no momento em que cada pessoa tiver cristalizado, na prática, seu

direito social à educação qualitativa, igualitária e gratuita.

Assegurar o direito social à educação é certificar ao indivíduo condições

satisfatórias para viver e sobreviver com decência, usufruindo das mesmas

oportunidades para prover seu próprio sustento e se relacionando com as

pessoas que estão ao seu redor com integridade e respeitabilidade. A educação

tem uma relação íntima com a vida livre, justa e solidária que o ser humano

anseia para si e para seu semelhante. Ela faz parte de um “mínimo existencial

ou piso mínimo normativo” – fixado no art. 6º, da CR/88 – necessário a quem

deseja construir uma vida social na cidade, no estado ou em qualquer país o qual

esteja enraizado. Na lição do Professor José Afonso da Silva (1999, p. 109) a

educação é um dos “[...] indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade

da pessoa humana”.

Para a maioria das pessoas, a educação é a base de um país democrático

e modifica substancialmente a realidade de todos que por ela são influenciados.

Muitos educadores falam sobre o assunto, como por exemplo, Carlos Roberto

Cury (2002a, p. 247), que acredita na existência de uma relação profunda entre

o direito à educação e a democracia de um país sustentada em leis que atribuem

ao Estado Brasileiro o papel principal da promoção geral dos direitos sociais –

um deles é o da educação, especificamente tratado neste artigo. Ele nos lembra

que a educação, como direito social e político, é pressuposto básico para o

exercício dos demais direitos. (CURY, 2002a), no caso, moradia, trabalho, lazer

etc.

A educação modifica a atitude do ser humano e sua forma de enxergar o

mundo, levando-o a pensar, a elaborar conceitos críticos e a construir um acervo

cultural, político, religioso, histórico e educacional que atravessará sua

existência. Aprender é o combustível que faz mover o desejo por grandes

transformações. A estrutura escolar não consegue efetuar sozinha a

metamorfose de um país, mas desempenha um papel de grande relevância, pois

ao educar seu cidadão, a Nação estará preparada para o desenvolvimento e

para reivindicar o que lhe é devido.

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A educação abre os horizontes das pessoas, que ao se tornarem “donas

do saber”, passam a enxergar o progresso gerado pelo processo instrucional e

seus ganhos, tudo conquistado pela formação integral e pelo aprendizado

contínuo. Quando um indivíduo é instigado a aprender, ele passa a ter seu

potencial humano aflorado, tornando-se cada vez mais confiante, sociável e

preparado para produzir de maneira autônoma, deixando de lado uma

estagnação que deriva de desigualdades culturais e/ou socioeconômicas

presentes na sociedade.

2 ASPECTOS HISTÓRICOS E LEGAIS DO DIREITO À EDUCAÇÃ O

Desde a evolução, o homem busca novos desafios, desbrava novas

trilhas para ocupar um espaço seu e enfrenta muitas provações, objetivando as

transformações sociais e um crescimento individual significativo. Para tanto, faz-

se necessário ter o conhecimento ao alcance das próprias mãos, adquirido a

partir da idade pueril quando é inserido no processo de instrução tradicional.

O usufruto de saberes baseados em educação integral, qualitativa e

isonômica fez (e até hoje faz) o discente e o docente sentirem que são peças

integrantes e conscientes de um mesmo movimento – o educacional – e que são

capazes de “pulverizar” o comportamento desarmônico de uma coletividade

composta por lados – o lado de quem adquiriu o saber e, de outro, quem não o

adquiriu, embora tenha o mesmo direito. Sobre o assunto, Dalmo de A. Dallari

(1998, p. 51) levanta a bandeira e concorda com a ideia de que todos “[...] sem

qualquer exceção, tenham igual oportunidade de educação. Não basta dizer que

todos têm o mesmo direito de ir à escola, é preciso que tenham também a mesma

possibilidade”.

Pelo diploma constitucional, o direito à educação pertence a todos e, em

regra, deve ser praticado formalmente por uma instituição de ensino. Nesse

sentido, lemos que “[...] a educação e a escola se tornam essenciais para o

indivíduo e para a sociedade, extrapolando fronteiras e promovendo o avanço

da humanidade” (FLACH, 2011, p. 286) (destaque nosso). Constata-se que tal

direito é uma prioridade mundial, fato que pode ser visto nos textos legais que

asseguram a ordem soberana de cada país. Trata-se de uma preocupação que

se configura como elemento edificador da cidadania e da dignidade humana,

mencionadas no preâmbulo.

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A educação promove desenvolvimento e permite posicionar o indivíduo

como sujeito atuante de um país democrático, alicerçado por uma sociedade

hábil e ávida para operar metamorfoses.

O direito social aqui estudado é assegurado em leis nacionalmente e

internacionalmente conhecidas. Diversos são os documentos que o legitimam,

mas podemos destacar a importância da Declaração Universal dos Direitos

Humanos, de 1948, que em seu artigo XXVI já previa:

1. Toda pessoa tem direito à instrução . A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. [...]. 2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeit o pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais . A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz; [...] (grifo nosso).

Há muito, observa-se que várias foram as batalhas travadas no decorrer

dos anos para tornar a educação um direito a ser garantido por lei a todos, sem

exceção. Conta-se que no período inicial da República, as oligarquias rurais

mandavam no Brasil e havia uma explícita divisão de classes, onde os ricos não

tinham aproximação com os pobres. Na esfera escolar, esses fidalgos viam a

educação como uma forma de preservar a pirâmide aristocrata, o que deu origem

a um sistema de ensino separatista, no qual eram dadas oportunidades

educacionais diferentes, de acordo com a classe que cada indivíduo pertencia:

“de um lado, o ensino primário, vinculado às escolas profissionais, para os

pobres; e de outro, para os ricos, o ensino secundário articulado ao ensino

superior, para o qual preparava o ingresso”. (ROMANELLI, 1986, p. 67).

A escola não era considerada um elemento de paridade, pelo contrário,

naquela época inexistia um processo educacional uno que permitisse às

pessoas terem acesso ao mesmo procedimento de ensino-aprendizagem. As

reclamações da sociedade por uma educação igualitária e consistente com suas

necessidades fizeram surgir, em 1930, um documento conhecido como

“Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”. Esse documento propôs uma

reformulação do sistema educacional, reafirmando a importância da educação

para o desenvolvimento social e político do país e para a construção da

cidadania do povo brasileiro.

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Em 1934, surgiu uma Constituição que trouxe a obrigatoriedade da

educação primária no Brasil. Sua redação atribuiu ao Estado e à família a

responsabilidade por ministrar uma educação primária, integral, gratuita e de

frequência obrigatória, extensiva aos adultos, sem esquecer a garantia da

liberdade de ensino para os docentes. Esse texto constitucional expressou

verdades educacionais relevantes, mas teve uma passagem fugaz em razão da

situação política que se instalava à época no Brasil, isto é, o golpe de Estado

(Estado Novo) que interferiu na estrutura jurídica, criando uma nova Constituição

– a de 1937.

A Constituição de 1937 desfez muitas das conquistas educacionais

definidas na Constituição anterior e mitigou o papel do Estado como responsável

pela educação, aludindo o seguinte:

Art. 125 . A educação integral da prole é o primeiro dever e o direito natural dos pais. O Estado não será estranho a esse dever, colaborando , de maneira principal ou subsidiária , para facilitar a sua execução ou suprir as deficiências e lacunas da educação particular. (destaque nosso) [...] Art. 129. À infância e à juventude, a que faltarem os recursos necessários à educação em instituições particulares, é dever da Nação, dos Estados e dos Municípios, assegurar, pela fundação de instituições públicas de ensino em todos os seus graus, a possibilidade de receber uma educação adequada às suas faculdades, aptidões e tendências vocacionais.

Já a Constituição de 1946 preservou no Brasil o ensino primário

obrigatório, que só deveria ser dado na língua nacional, e também o ensino

primário oficial gratuito, sem perder de vista a previsão legal de que o ensino

oficial posterior ao primário caberia a todas as pessoas que provassem a

insuficiência de recursos ou a falta deles. Em relação a essa constituinte,

Dermeval Saviani preleciona que essa previsão abriu uma “[...] possibilidade da

organização e instalação de um sistema nacional de educação como instrumento

de democratização da educação pela via da universalização da escola básica.

[...]” (SAVIANI, 2002, p. 194).

Gradativamente, o legislador percebia a importância de se fazer leis que

garantissem o direito à educação e compreendeu que cada norma positivada

servia de instrumento para o cidadão criar novas regras e condições benéficas

para gerar uma universalização do processo educacional e atingir a todos,

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independente das distinções etárias, econômicas, regionais, culturais e políticas.

Infelizmente, muito tinha a ser feito – e ainda se tem.

Em 1961, surgiu a Lei nº 4.024 que fixava as diretrizes e as bases da

Educação Nacional brasileira. Essa lei deveria ter atendido aos preceitos

constitucionais da época, porém não foi isso que aconteceu, pois “[...] o próprio

texto incluía expressamente, entre os motivos de isenção da responsabilidade

quanto ao cumprimento da obrigatoriedade escolar, o ‘comprovado estado de

pobreza do pai ou responsável’ e a ‘insuficiência de escolas’. Reconhecia-se,

assim, uma realidade limitadora da democratização do acesso a o ensino

fundamental, sem dispor os mecanismos para superar essa limitação .”

(SAVIANI, 2002, p. 195) (destaque nosso). Era uma lei que imprimia muitos

limites, como por exemplo, previa apenas quatro anos de escolarização

obrigatória aos alunos brasileiros, bem como imputava a cada Estado a

responsabilidade de organizar o sistema educacional, individualmente, sem

haver unidade para a normatização do ensino. Talvez pela ineficiência de sua

redação a citada lei teve os artigos revogados por outra adiante citada neste

artigo.

Por sua vez, a Constituição de 1967 apresentou um texto mais direto,

determinando que o ensino obrigatório e gratuito nos estabelecimentos oficiais

seria para todos que tivessem entre sete e catorze anos de idade (art. 168, §3º,

II). À época, esse texto declarou também que o ensino passaria de quatro para

oito anos de duração, mas tal redação contrastou com a previsão da Lei nº

4.024/61, na qual estava instituído que o ensino primário teria o mínimo de quatro

anos e o máximo de seis, o que na prática significaria que a presença escolar

obrigatória permaneceria reduzida a quatro anos de duração.

No ano de 1971, a Lei Educacional nº 5.692 estabeleceu diretrizes e

bases para o ensino de primeiro e segundo graus, regulamentando a norma que

tratava da entrada no ensino fundamental aos sete anos de idade. Embora

existisse uma possibilidade de o aluno ingressar com faixa etária abaixo dos sete

anos, a referida lei dizia que era de responsabilidade de cada sistema de ensino

regulamentar as regras para a chamada “antecipação de escolaridade

obrigatória”, isto é, o ingresso de alunos com seis anos de idade ou menos,

abaixo do que havia sido normatizado era supervisionado por cada Estado.

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Passados os anos, elaborou-se a Constituição da República Federativa

do Brasil de 1988 (CR/88) – vigente até o presente momento – que fixou a

educação como um direito social no art. 6º. Encontramos uma previsão

específica para esse direito no mesmo diploma constitucional a partir do art. 205

ao art. 214. A redação do art. 205, da CR/88 fala: “A educação, direito de todos

e dever do Estado e da família, será promovida e in centivada com a

colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvol vimento da pessoa,

seu preparo para o exercício da cidadania e sua qua lificação para o

trabalho ”. (destaque nosso). O art. 206 acrescenta que o ensino será ministrado

com base nos seguintes princípios: “igualdade de condições para o acesso e

permanência na escola ; liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e

divulgar o pensamento, a arte e o saber ; pluralismo de ideias e de

concepções pedagógicas , e coexistência de instituições públicas e

privadas de ensino; e gratuidade do ensino público em estabelecimentos

oficiais .”(destaque nosso). Ressalta-se que o direito à educação está vinculado

diretamente aos fundamentos e aos objetivos fundamentais da República

(citados inicialmente), explicitados no texto da Magna Carta de 1988 e essenciais

à supremacia da Nação brasileira.

É fato que a educação compõe uma das necessidades fundamentais do

ser humano que almeja, como dito, a construção de sua cidadania e a efetivação

de sua dignidade através da aplicação do texto constitucional. A CR/88

determinou que o Estado, em parceria com a família, seja o responsável por

fornecer uma educação gratuita nas instituições de ensino oficiais e elabore

políticas públicas relevantes que promovam a ampliação do processo educativo

e preserve o aluno dentro da escola. Para que essa situação seja estabelecida,

nossa Constituição expressou em seu texto legal as hipóteses que traduzem o

caráter amplo, democrático e acessível do direito à educação. São elas: a) a

gratuidade do ensino oficial em todos os níveis; b) a garantia do direito aos que

não se escolarizaram na idade ideal; c) a perspectiva da obrigatoriedade do

ensino médio, substituída pela perspectiva de sua universalização com a

Emenda Constitucional (EC) nº 14; d) o atendimento especializado aos

portadores de deficiência; e) o atendimento em creche e pré-escola às crianças

de zero a seis anos de idade; f) a oferta do ensino noturno regular; g) a previsão

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dos programas suplementares de material didático-escolar; e h) a prioridade de

atendimento à criança e ao adolescente (OLIVEIRA, 2001, p. 41).

Quando a redação da Constituição de 1988 é estudada, percebe-se que

o legislador valorizou a existência da educação e por tal motivo, positivou

diversas regras relativas ao ensino fundamental; à extensão dos graus de

ensino; à inserção da educação infantil como parte do sistema educacional

formal; regras relativas às competências da União, dos Estados, dos Municípios

e do Distrito Federal acerca da educação e regras direcionadas para o

financiamento da educação pública estipuladas nos artigos 211, 212 e 213 do

mesmo documento constitucional.

Vale mencionar que o art. 214 da CR/88 exige a elaboração de um Plano

Nacional e o alvo é a articulação do Sistema Nacional de Educação em regime

de colaboração, definindo diretrizes, objetivos, metas e estratégias de

implantação que assegurem a manutenção e o desenvolvimento do ensino em

seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos

poderes públicos das diferentes esferas federativas que conduzam à erradicação

do analfabetismo; conduzam à universalização do atendimento escolar; à

melhoria da qualidade do ensino; à formação para o trabalho; à promoção

humanística, científica e tecnológica do País; e ações para o estabelecimento de

metas para empregar recursos públicos em educação como proporção do

produto interno bruto.

Além dos textos constitucionais pontuados acima, é importante dizer que

em 1996 surgiu a Lei Federal nº 9.394 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional (LDB) – que determinou em seu primeiro artigo: “A educação abrange

os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na

convivência humana, no trabalho, nas instituições d e ensino e pesquisa,

nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas

manifestações culturais ” (destaque nosso). Tratou também de estabelecer

suas finalidades: o pleno desenvolvimento do discente, o preparo para o

exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho. Falou, ainda, que a

educação é dever da família e do Estado e que está inspirada nos princípios de

liberdade e nos ideais de solidariedade humana.

A LDB estabeleceu também as seguintes regras sobre a educação:

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Art. 4º [...] I - educação básica obrigatória e gratuita dos 04 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, organizada da seguinte forma: a) pré-escola; b) ensino fundamental; c) ensino médio; II - educação infantil gratuita às crianças de até 05 (cinco) anos de idade; III - atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, preferencialmente na rede regular de ensino; IV - acesso público e gratuito aos ensinos fundamental e médio para todos os que não os concluíram na idade própria; V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando; VII - oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola; VIII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde; IX - padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem. X – vaga na escola pública de educação infantil ou de ensino fundamental mais próxima de sua residência a toda criança a partir do dia em que completar 04 (quatro) anos de idade.

Atenta-se ao fato de que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (1996),

dividiu a educação escolar em duas etapas: a primeira é a educação básica ,

que se subdivide em educação infantil, ensino fundamental e ensino médio; e a

segunda é a educação superior . Importante dizer que vários dispositivos da

LDB foram alterados pela Lei nº 12.796, de 2013. Uma inclusão interessante

acerca da educação infantil pode ser encontrada no art. 29: “A educação infantil,

primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento

integral da criança de até 05 (cinco) anos, em seus aspectos físico, psicológico,

intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade”.

Vê-se que a educação infantil passou a ser a primeira fase da educação

básica brasileira e essa obrigatoriedade fez com que tal nível de ensino perdesse

sua natureza assistencialista. Para Cury (2002b, p. 182),

O campo da educação infantil tem sido farto em pressões sociais com vistas à ampliação da rede física por parte das famílias de classes populares. Isso faz supor também o aumento da consciência da importância dessa etapa não só como direito dos pais ao trabalho

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como também um direito da própria infância como um momento significativo da construção da personalidade. (grifo nosso).

No ano de 2001, surgiu a Lei nº 10.172, que aprovou o Plano Nacional da

Educação (PNE). Entre outras coisas, regulamentou a ampliação do ensino

fundamental obrigatório para nove anos de duração. Acredita-se que a intenção

do PNE/2001 sempre foi o de criar mais oportunidades para viabilizar o processo

de aprendizagem, tendo em vista que quanto mais cedo o educando ingressar

no sistema de ensino, maior é o nível de conhecimento adquirido por ele com o

passar dos anos. Portanto, é essencial assegurar a todo e qualquer indivíduo o

acesso à educação, evitando o aumento do analfabetismo e por consequência,

a exclusão social. Sem instrução, o ser humano mergulha na falta de

oportunidades, insere-se na marginalidade e alimenta o ciclo de pobreza tão

proeminente no Brasil.

Na opinião de Carlos Roberto Cury (2002a, p. 260),

O direito à educação parte do reconhecimento de que o saber sistemático é mais do que uma importante herança cultural. Como parte da herança cultural, o cidadão torna-se capaz de se apossar de padrões cognitivos e formativos pelos quais se tem maiores possibilidades de participar dos destinos de sua sociedade e colaborar na sua transformação. Ter o domínio de conhecimentos sistemáticos é também um patamar sine qua non a fim de poder alargar o campo e o horizonte desses e de novos conhecimentos.

A respeito do direito social à educação, o Poder Judiciário também

explicita sua postura de apoio em diversos momentos. Ressaltamos um dos

entendimentos do Supremo Tribunal Federal (STF) que corrobora com o ideal

de educação como direito fundamental dos indivíduos. O STF alerta que na

hipótese de a Administração Pública se comportar de forma omissa, estará

afrontando a lei maior – a Constituição de 1988. Neste sentido, temos o seguinte

julgado:

A educação é um direito fundamental e indisponível dos indivíduos. É dever do Estado propiciar meios que viabilizem o seu exercício. Dever a ele imposto pelo preceito veiculado pelo artigo 205 da Constituição do Brasil. A omissão da Administração importa afronta à Constituição. (RE 594.018-AgR., Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 23-6-09, 2ª Turma, DJE de 7-8-09).

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Assim como a saúde, a alimentação, a moradia, o trabalho e demais

direitos sociais, a educação é elemento essencial para uma vida repleta de

satisfação e realizações. A educação tem a capacidade de gerar esperança, bem

estar e felicidade ao indivíduo. Para a Organização das Nações Unidas (ONU),

felicidade é assunto que deve ser tratado com seriedade e cada País deve

trabalhar em prol desse estado de contentamento pleno. A ONU acredita que

todos os países devem cuidar de seu povo e isso inclui a promoção da educação

como meio para se alcançar a felicidade e o desenvolvimento social e

econômico. Visando ao desenvolvimento, essa organização internacional

formulou as denominadas “Metas de Desenvolvimento do Milênio” e entre as

ooito importantes, está a Meta Dois: atingir o ensino básico universal .

Ainda sobre felicidade, Aristóteles (2009, p. 59) entendia que “a felicidade

é a finalidade da natureza humana, como dádiva dos deuses, a felicidade é

perfeita. A felicidade é um bem supremo que a existência humana deseja e

persegue, de modo que a felicidade depende dos bens exteriores para ser

realizada. É na busca da felicidade que se justifica a boa ação humana, sendo

os outros bens meios para atingir o bem maior felicidade”.

A título de curiosidade, o Senador Cristovam Buarque elaborou uma

Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Nº 19, em 2010, que desejava incluir

no artigo 6º da Constituição Federal do Brasil de 1988 a expressão “a busca da

felicidade”. Na opinião do Senador, a PEC alteraria o art. 6º da CR/88 que

deveria passar a vigorar com o seguinte texto: “Art. 6º. São direitos sociais,

essenciais à busca da felicidade, a educação , a saúde, a alimentação, o

trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à

maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta

Constituição” (destaque nosso). A EC chegou a ser aprovada pela Comissão de

Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal, porém foi arquivada no final de

2014.

A título de informação, a respeito do quadro atual da educação brasileira,

a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)

divulgou em maio/2015, dados que colocam o Brasil em 60ª posição de um

ranking mundial de qualidade educacional composto por 76 países avaliados. O

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14

primeiro lugar ficou com Cingapura, seguido por Hong Kong e Coreia do Sul. Na

última posição ficou o país de Gana. O ranking tomou como parâmetro os

resultados de testes de matemática e ciências aplicados nesses países, sendo

analisados resultados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa),

do Programa TIMSS, nos Estados Unidos, e do TERCE, aplicado em países da

América Latina. Sobre o PISA, trata-se de um Programa que avalia

conhecimentos de leitura, matemática e ciências dos adolescentes no Brasil e

cabe ao Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep),

órgão do Ministério da Educação (MEC), a responsabilidade de aplicar as provas

brasileiras.

Por fim, pode-se afirmar que na esfera legal, a Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988 – lei maior do país – possui uma natureza

democrática e idealista que busca transformar cada indivíduo em cidadão

através da efetividade dos direitos sociais, especialmente a educação. Para isso,

compete à autoridade estatal assumir sua responsabilidade, concretizando o

ensino obrigatório, de qualidade e gratuito. Além disso, é preciso lembrar que os

sujeitos propagadores da educação necessitam de uma maior atenção, tendo

em vista que a qualidade instrucional está diretamente relacionada à qualidade

da formação dos educadores. Isso significa que as políticas públicas

educacionais devem atingir tanto o docente quanto o discente, cada um em seu

grau de importância.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para o indivíduo, a essencialidade do direito social à educação é

indiscutível. Instruir o ser humano é formar a cidadania em cada um; é torná-lo

capaz para o trabalho e digno para viver em sociedade. A educação é direito

fundamental do homem e representa a evolução de um país. O Estado enquanto

Nação é responsável por realizá-lo, criando soluções eficazes a partir da

elaboração de regras que elevem o nível educacional e que facilitem a

acessibilidade daqueles que ainda estão excluídos.

Os cidadãos reconhecem a relevância dos pilares legais garantidores da

educação e, mesmo diante de tantas deficiências do processo instrucional,

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15

transformam as leis em instrumentos de luta para atingir o sonho de serem

alfabetizados e terem uma vida decente, com integridade e honradez.

Qualquer pessoa pode e deve exigir a concretização do direito social à

educação diante do Poder Público – responsável por executá-lo – ao perceber

que o mesmo está sendo suprimido. As leis consolidam as reivindicações por

meio de planos/projetos públicos que ofereçam condições propícias não só para

a universalização da educação, como também para o estabelecimento de todos

os direitos que permitam a existência de sociedades mais iguais, mais livres,

mais humanas e menos injustiçadas.

Para alicerçar a educação como um direito social e fundamental

necessário se faz ligá-lo aos fundamentos da República – entre eles, a cidadania

e a dignidade da pessoa humana – e aos seus objetivos fundamentais,

principalmente o de construir uma sociedade livre, justa e solidária. Privar o

indivíduo de ter acesso à educação pode transformá-lo em um sujeito

potencialmente nocivo para si e para quaisquer outros, pois os que carecem de

garantias sociais ficam desamparados e, sem ter o mínimo existencial para

sobreviver, passam a se comportar como elementos ameaçadores do equilíbrio

social, agindo contra todos que lhe negaram o direito de ter direitos.

Ao analisar a história da educação no Brasil, viu-se de forma breve que

as diversas constituições ampliaram, gradativamente, a obrigatoriedade da

aprendizagem. A efetivação da educação foi se construindo pouco a pouco e

precisou ser amparada em normas jurídicas que certificaram aos cidadãos a

entrada no ensino básico gratuito, independente da posição social que ocupa.

Constatou-se também que as constituições brasileiras anteriores a 1988

apresentaram progressos e, em alguns momentos, conflitos e retrocessos, mas

hoje é a Magna Carta (CR/88) que se coloca no papel de comandante para

conduzir a embarcação educacional em parceria com a LDB no Brasil.

Os textos legais tentam priorizar a manutenção da educação e para isso

buscam inserir em suas redações várias regras que estabelecem o início e a

continuidade da vida escolar, como por exemplo, a determinação que a

educação inicia-se pela fase infantil, passando pelo ensino fundamental, o

ensino médio até o superior. É uma obrigatoriedade imposta ao indivíduo pelo

Estado, aliado à família, à escola e à sociedade como um todo, visando à

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16

instrução e à formação integral do ser humano e não apenas a alfabetização de

uma minoria privilegiada.

É fato que a taxa de analfabetismo ainda é muito alta em nosso país e

isso afasta cada vez mais os cidadãos de qualquer evolução, aniquilando as

perspectivas de um futuro melhor. O direito à educação precisa deixar de ser

teoria para se tornar fato em muitas regiões do Brasil, porém ainda há muito a

ser debatido no contexto educacional, já que persiste uma grande distância entre

a previsão normativa da educação para todos e sua realidade prática.

A educação de qualidade é urgente, disso depende o desenvolvimento da

Nação brasileira. Não se pode ficar inerte, nem deixar de oferecer saídas

voltadas ao melhoramento do sistema educacional. Não se pode dar por vencido

perante as disparidades dos sistemas (público e privado) que acabam, em

alguns momentos, desestimulando o aluno e tirando dele a vontade ter sua

dignidade humana formada e evidenciada socialmente.

A esperança pela efetividade do direito social à educação corresponde às

aspirações de felicidade que cada indivíduo carrega em si, haja vista que todos

nós ainda carregamos a ideia de que o Brasil é um país que deseja crescer,

deseja ler, deseja SER!

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17

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20

A Presença do Maracatu na Vida Social Alagoana, no início do século XX

Carlos Eduardo Ávila 1

O Maracatu sob a perspectiva: a visão dos intelectu ais.

O debate sobre a origem do maracatu apresenta um conjunto de autores

que defendem como atividade ‘ancestral’ destes as coroações de reis negros, as

quais eram festas de caráter público com base cultural popular, que aconteciam

no tempo da escravidão e tinha como recorte étnico os negros. Já as congadas

tinham ligações com a conjuntura política da época. Em suas entrelinhas se

desenrolavam planos de dominação e adestramento do povo negro e pobre

(escravos / escravos recém-libertos), através da possibilidade de manter os

subalternos sob o controle do Império (Almeida, 1996, p. 23). Contudo, a reação

humana ante as formas de dominação supera as situações de limite impostas, e

as festas de reis que nasceram para controlar socialmente a população negra

transformam-se em marcos da cultura nacional transcendendo os objetivos

iniciais de domesticação.

Os alagoanos debatem o tema da origem do maracatu a partir dos

exemplos pernambucanos, como no livro “O Negro e a Construção do Carnaval

no Nordeste” organizado por Sávio de Almeida (2003), e onde se demonstrará

que além dos aspectos culturais, existiam também características políticas para

exercer poder perpassando as festas de Coroação de Reis e do Congo

afirmando que:

A instituição do rei e rainha do Congo e de Angola [...] remetia ao século XVII, segundo informações colhidas por Pereira da Costa. Eleitos ou nomeados pelas irmandades religiosas dos homens de cor, principalmente pela do Rosário, sua área de influência, entretanto, estendia-se mais além, alcançando todos os negros e etnias de uma dada comarca ou distrito paroquial. O rei do Congo ficava obrigado a inspecionar e manter a ordem e subordinação entre os pretos que lhes foram sujeitos2, conforme o texto de nomeação do preto forro Antônio de Oliveira, rei do congo da cidade do Recife, cujo título foi passado pelo Dr. Henrique de Miranda, juiz de direito e chefe de polícia, em 14 de setembro de 1848 (ARAÚJO, 2003, p. 26).

1 Cientista Social formado pela UFAL; Mestre em Antropologia pela UFS e Professor da Faculdade Pitágoras Maceió. Produtor Cultural e Músico. Pesquisador nas áreas de festas populares, cultura popular, folclore, rituais carnavalescos e carnaval de Maceió. 2 Grifo do Autor.

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21

Os negros que se tornavam reis acabavam responsabilizados por

atividades de dominação de seus próprios pares. A relação dessas coroações

com o nosso objeto de estudo está no fato de que, as danças e ritmos

executados no ritual de coroação quando separadas do ato, transformaram-se

no maracatu que conhecemos hoje, sendo essa uma das teorias mais difundidas

sobre o seu surgimento.

Outro autor que discorreu sobre o tema foi Guerra Peixe3, o qual observou

as coroações como marco inicial do maracatu no Brasil:

A instituição compreenderia o funcionamento de um regime administrativo, e a apresentação do auto dos “Congos” uma parte festiva, com teatro, música e dança. Embora a instituição declinasse nos começos do século XIX, desaparecendo em meados do mesmo, o auto dos Congos persistiu por algum tempo. Depois eliminada a parte falada, os reis teriam juntado as “nações” aos cortejos. Disso resultaram os Maracatus, já com esse nome assinalado, pelo Padre Lino do Monte Carmelo Luna, em 1867, grupos que teriam preservados os cânticos das primitivas nações do Recife. (PEIXE, 1952, p. 24)

Também para Théo Brandão a principal versão para a origem do

maracatu, como estamos vendo, que é até hoje a mais convencionalmente aceita

pelos estudiosos no assunto, é a de que a expressão também resulta das festas

de coração de reis ou dos reinados e congadas: o “[...] reinado ou congado que

é em todos os detalhes – até no chapéu de sol que cobre os Reis – um legítimo

Maracatu” (1982, p. 100). Tal origem remete a uma suposta herança africana

dentro da cultura brasileira, sendo assim as coroações nasceram da falta de

possibilidade dos reis africanos passarem a coroa aos seus filhos no Brasil, dada

a situação de escravos em que se encontravam.

Apresentado um pouco da explicação sobre a origem, se faz necessário

pensar nas ideias que norteiam o surgimento da palavra Maracatu. Para Théo

3 Guerra Peixe - Compositor brasileiro nascido em Petrópolis, Estado do Rio de Janeiro. Deixou uma vasta pesquisa sobre os Maracatus, foi o primeiro a realizar um meticuloso trabalho sobre a cultura pernambucana. Sua obra clássica, que divide águas na região do Recife sobre a história e registro dos Maracatus é o livro - “Os Maracatus de Recife” , de 1952.

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Brandão4, a origem do nome vem de uma região do país, afirmando que o termo

é restrito ao Nordeste. Sua definição é convergente com a de Abelardo Duarte,

que acredita também que proceda de voz ameríndia “com fusão silábica,

significando o ‘instrumento bonito’, isso é, ‘maracá’ (instrumento) e ‘catu’ (bonito,

bom) [...]” (Ibid., p. 108-109). Tanto Brandão como Abelardo Duarte5 citam o

posicionamento de Arthur Ramos sobre a origem do termo, para quem o

maracatu é derivado de “Maracatumba”, que em dialeto africano significa uma

herança “dos povos do Lunda e Congo, Maracatumba, comum no norte e que

ele registra num coco – Atum Maracatumba, Tumba Tumba” (Ibid., p. 109). Tais

explicações são as mais populares nos estudos escritos dos três autores aqui

apresentados.

Os toques dos maracatus também tinham suas particularidades e foram

diferenciados como mais de trinta ritmos. Peixe (1952) destaca dois principais e,

entre eles um sagrado, com características religiosas executadas nos maracatus

mais antigos. Em outros estados essa associação aparece e estabelece

diferenças entre o toque de Luanda e o Baque Virado. Diferenciando os mais de

trinta toques de maracatu, o compositor carioca destaca:

Nos maracatus antigos apenas dois toques são executados: o virado ou dobrado, e o de Luanda. No primeiro admitem-se variações rítmicas, que servem para animar a música por alguns instantes, enquanto o entusiasmo é transmitido às dançadoras. [...] No segundo toque as variações são recusadas, pois é sagrado e toda a sua simplicidade deve permanecer respeitada (PEIXE, 1952, p. 65).

O sagrado indubitavelmente está ligado ao negro e ao ritual religioso de

terreiro; seria a comprovação da ligação desses grupos com a religião africana,

pois apenas esta tem segmentos sagrados com a presença de tambores e

relação com o carnaval. Abelardo Duarte conclui seu estudo sobre o maracatu,

em O Folclore Negro de Alagoas (1975) afirmando que, tradicionalmente, nossos

maracatus eram ligados aos negros “pelo menos os mais antigos, formados de

escravos (no interior) e negras da Costa, [e] originavam-se dos terreiros de

xangô, como em Maceió” (1975, p. 363). Embora também atribuísse tal ligação,

o folclorista Théo Brandão, não a considerava tão unânime quanto Abelardo

4 Brandão, 1982, p. 108. 5 Encontra-se a mesma ideia em Duarte, no livro “O folclore negro de Alagoas” de 1975, p. 359.

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Duarte, afirmando que apenas alguns grupos tinham ligações diretas com os

terreiros, tratando-se, pois de um fenômeno isolado em Alagoas, apesar de

outros estados também manifestarem esse tipo de ligação.

Ulisses Rafael, registra a presença de grupos afro no carnaval onde, mais

uma vez, os maracatus, aparecem como grupos vivos: “[...] grupos de caráter

notadamente afro-brasileiro, como é o caso dos maracatus e quilombos e até

mesmo clubes carnavalescos, cujos nomes denunciavam essa influência.”

(2012, p. 198). Tal fato comprova a importância dos negros nessa modalidade

festiva. A ligação dos mesmos com os terreiros, além de ser enfatizada por

Rafael já havia sido destacada por Théo Brandão (1973) e também registrada

por Abelardo Duart,e ao falar de João Catarina, que viria a ser “dono de um

célebre maracatu”6 (1974, p. 201). Não resta dúvida que a vida destes estava

ligada ao cotidiano dos terreiros e grupos afro brasileiros na cidade de Maceió

do início do século XX7.

Até o ano de 1911, encontramos inúmeros registros acerca da presença

do maracatu nos carnavais alagoanos. Somente a partir de 1912 é que se vão

reduzindo as referências ao assunto, para só reaparecerem em meados do

século XX, quando surgem outros grupos que foram não apenas percebidos,

como também registrados e estudados pelo mesmo Théo Brandão e por seu

discípulo direto, Abelardo Duarte. Quanto ao primeiro deles, é de se destacar o

esforço realizado no sentido de desenvolver ações para criar e estruturar um

grupo de maracatu no momento da 4ª Semana Nacional do Folclore, acontecida

em Maceió, embora sem sucesso, já que o folguedo conhecido localmente como

“Baianas de Alagoas”, não pode adaptar sua estrutura organizacional em favor

de outra expressão artística.

Outras referências nos mostram que na metade do século XX também

estiveram presentes nos bairros de Bebedouro, Trapiche, Pontal da Barra e

Jaraguá e em várias cidades do interior do estado, nas quais eram conhecidos

como ‘Cambindas’ sendo a Cambinda Velha o modelo de maracatu mais antigo,

6 Esta informação consta apenas no livro, edição de 2012, UFS. Na tese de doutoramento não a encontramos. 7 Para Théo Brandão, o folguedo do Guerreiro também se nutria das religiões afro introduzindo ritmos ligados ao Xangô.

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embora coexistissem com a Cambinda Nova e do Porto. Théo Brandão (1973,

p. 161), no livro folguedos natalinos, afirma que os maracatus existiram no final

do século XIX em Alagoas, mas como “uma dança que se realiza no natal”.

Os maracatus formados por negros pobres das cidades, cuja presença no

carnaval, os jornais da época não digeriam muito bem, desapareceram a partir

do Quebra de 1912, deixando poucos vestígios de sua passagem por Maceió e

municípios interioranos, época em que a atuação desses grupos como uma

atividade cultural perpassa outras áreas da vida social. A coroação dos congos

é um exemplo desta variável, quando a ação dos grupos assume uma conotação

política, mesmo que inconscientemente.

Para os estudiosos no assunto, havia uma grande movimentação do

maracatu alagoanos antes do seu desaparecimento em 1912, como se pode

notar a partir das contribuições de Théo Brandão (1973), que faz um

levantamento importante para o tipo da problemática aqui estudada. Segundo o

folclorista alagoano, como descrito na nota a seguir, provavelmente foram às

perseguições aos terreiros no início do século que motivaram o desaparecimento

desta expressão da cultura popular do carnaval de Maceió.

É possível que essa má vontade e as perseguições desencadeadas no começo da segunda década do século contra os terreiros africanos tenha contribuído para a retração e depois desaparecimento do folguedo, embora como notamos, não estivessem muitos deles intimamente ou diretamente ligados aos terreiros de culto afro-negro. (BRANDÃO, 1973, p. 163)

Essa nota é um trecho do texto sobre maracatus dentro do livro

‘Folguedos Natalinos’ , e sustenta a ideia de relação entre os grupos e o Quebra,

influenciando diretamente o carnaval daquele ano (1912). O acontecimento foi

observado, ainda que parcialmente, por esses estudiosos consagrados do

folclore e da historiografia alagoana.

Além de Théo Brandão e Abelardo Duarte8, Félix Lima Junior9 também

atestou a importância de estudo sobre o tema, além de disponibilizarem dados

8 Abelardo Duarte desenvolveu interesse pelo tema da cultura popular desde sua formação na Faculdade de Medicina da Bahia, onde sofrera a influência direta do seu conterrâneo Arthur Ramos. 9 Félix Lima Júnior em sua obra póstuma “Maceió de outrora” trata do tema e aspectos da cidade de Maceió no início do século XX.

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25

importantes para a leitura do período. Ele conseguiu, por exemplo, reunir

informações basilares quando escreveu a respeito das características das

instituições e das personalidades que se envolveram com o Quebra, traçando

um panorama acerca dos aspectos da “Liga dos Republicanos Combatentes em

Homenagem a Miguel Omena”10, associação central na promoção da violência

contra as casas de Xangô, bem como sobre a “Sociedade Perseverança e

Auxílio dos Empregados no Comércio”.

As referências feitas por Félix Lima Junior àquela associação eram

negativas, deixando claro o descontentamento pelo modo agressivo com que ela

expressava suas opiniões políticas pela cidade, motivo pelo qual denomina o

grupo de “famigerado”, “bárbaro” e “criminoso”, entre outras classificações. Em

uma rápida passagem Júnior afirma: “entre muitas proezas sangrentas da Liga

conta-se o assalto, em 22 de dezembro de 1913, à residência de Cel. Paes

Pinto.” (2001, p. 153). Ainda sobre a Liga Félix Lima Junior descreve assim o 1º

de Fevereiro de 1912:

Na noite de 1º de fevereiro, de 1912, elementos populares, capitaneados por sócios da Liga, invadiram os terreiros, quebrando objetos de culto, pondo em fuga, apavorados, os pais e mães-de-santo, que deixaram suas casas, enquanto os parentes fugiam à perseguição criminosa e bárbara.

O que se registrou, então, foi vergonhoso! Além de quebrarem os objetos de culto, alguns caríssimos e raros, trabalhos perfeitos, de elevado custo, danificaram os móveis e utensílios das casas. Em frente à residência de Chico Foginho – na Rua Dias Cabral, próximo ao local onde foi construída depois uma igreja Presbiteriana – fizeram uma pilha de móveis, santos, cabaças, atabaques, tambores, palmatórias, capacetes, pulseiras, paramentos, peças artísticas e de valor, e puseram fogo. E não se contentaram com isso: arrancaram o cavanhaque do babalorixá Manoel Martins; feriram, com um sabre, a cabeça de Tia Marcelina, africana, com mais de cem anos de idade. O que não foi quebrado ou queimado, a Liga ofertou, depois, à Sociedade Perseverança e Auxílio dos Empregados no Comércio, em cujo museu permaneceu, por muito tempo, sendo depois entregue ao Instituto Histórico, onde inda está. (LIMA JÚNIOR, 2001, p.155)

A presença de tambores na pilha de objetos feita na Rua Dias Cabral,

reforça a ideia que os terreiros, para além de seus ilús tradicionais, mantinham

10 O nome é uma homenagem a um jornalista alagoano, talvez um dos primeiros a ter enfrentado a iminente oligarquia maltina. Por conta de conflitos com a polícia fugiu de Alagoas e foi assassinado no Paraná, provavelmente pelos seus inimigos políticos.

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26

atividades percussivas na cidade, e assim os instrumentos aparecem entre os

objetos retirados do culto, que ultrapassam os limites dos ilús sagrados, que são

três. Outro aspecto que reforça essa ideia é a presença de Chico Foguinho, que

era Mestre de Maracatu, nos jornais do período e no caso do quebra, e como

veremos mais adiante um dos organizadores do carnaval da cidade,

principalmente no ano de 1911. Os tambores dos maracatus foram queimados

junto com os objetos dos terreiros; os que sobraram depois foram para a sede

da Perseverança, como descreveu Lima Júnior. A trajetória dos objetos na

sociedade perseverança também é descrita pelo autor da seguinte forma:

No museu foram depositados os objetos de culto dos Xangôs desta capital quando, em 1º de fevereiro de 1912, políticos exaltados e populares, à frente elementos da famigerada Liga dos Republicanos Combatentes, invadiram, criminosa e barbaramente, os terreiros e residências dos pais e mães-de-santo, espancando e ferindo pessoas, além de carregarem o que encontravam. Esses objetos, depois de arrumados devidamente, foram expostos à curiosidade popular, em fins de 1912, registrando a verdadeira romaria aos salões da Perseverança. Todos queriam vê-los! Abandonados naquela Sociedade, se estragando, foram ultimamente entregues ao Instituto Histórico, por sugestão da Comissão Alagoana de Folclore. (LIMA JÚNIOR, 2001, p.171)

Ao falar no desfile de objetos pela cidade por ocasião do Quebra, Rafael

menciona a série de objetos e imagens em circulação pelas ruas da cidade, bem

como a exposição acorrida na sede da Liga, dentre os quais estariam alfaias,

que hoje são instrumentos popularmente utilizados nos maracatus da cidade:

Também encontrava-se exposta uma série de objetos e alfaias de uso variado nos terreiros, tais como: Coroas (Adês) de “Aloiá” e Xangô, um capuz de Ogum, capacete de Oxum, “Ogum China” e de Oxalá, cajados trabalhadas em madeira, assentos, abebês (ventarolas) trabalhadas em latão, espadas e vários instrumentos como adjás (chocalhos), agogôs e pandeiros. (RAFAEL, 2012, p. 41-42)

O Quebra desmantelou os terreiros e os maracatus, atingindo diretamente

o carnaval da cidade, esse que já havia passado por altos e baixos, como

qualquer efeméride popular. Sendo um espaço de culminância desses grupos

populares, existem duas informações levantadas também por Rafael (2012), de

importância para nosso estudo. Ele observa que em 1904 houve um

Page 30: Caleidoscópios Ano 1 - Número 1.pdf

27

arrefecimento do carnaval em Maceió e Recife, o que poderia estar ligado à

tentativa de construção de uma festa mais europeizada e que não teve adesão

forte dos populares, e, talvez essa nem fosse à intenção, porém importa a

diminuição da força do carnaval enquanto festa que engloba toda comunidade.

A segunda, é o crescimento deste carnaval em 1910, dois anos antes do Quebra,

o que ressalta a importância de elementos populares da festa como forma de

subversão e alimenta o caráter real do carnaval. Contudo, o fato é que, a festa

teve seus lados políticos anunciados talvez nas disputas entre os blocos e clubes

que participavam da festa esquentando o clima entre apoiadores do Governo e

oposição. O carnaval de 1910 pode, como um exercício de reflexão, representar

um pequeno panorama do que estava para acontecer em 1912, a queda dos

Malta do poder do Estado alagoano (2012, p. 196).

A oposição política que leva à queda dos Malta parece ter em sua base

ideias ‘higienistas’, somando-se como um elemento cultural dominante ainda no

início do século XX, prática essa que não está presente só em Alagoas, como

também em outros lugares do país. Uma ideologia nascida com o Liberalismo no

meado do século XIX, e que tem origem no debate acerca da radicação de

doenças como cólera e febre amarela, mas que invade o campo político e se

reveste em formas mais sutis de dominação, principalmente sobre a população

pobre das grandes cidades.

Tal ideologia torna-se presente nas instituições reprodutoras de opiniões

e educação como Escolas, Igreja, Estado, Museu, etc. É possível que em

Alagoas também tenha ocupado esses espaços. É nesse sentido que pensamos

a participação do Museu da Sociedade Perseverança no processo do Quebra de

Xangô, ao salvaguardar os objetos retirados do período de perseguição, como

uma instituição formadora de opinião e de prestígio em Maceió.

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28

O Panorama Histórico dos Maracatus em de Maceió

O desafio de escrever este

sobre essa tema apareceu quando as

informações e bibliografia sobre os

grupos de maracatu de Alagoas do

início do século XX, se mostraram

escassas. Precisamente, foi esse o

combustível para a busca de dados e

referências que permitissem montar

este quebra-cabeça de parte da

história cultural alagoana e que nos fez

percorrer o caminho entre folhas antigas, traças e mofo, resultando, assim, num

trecho de ideias e análises a que entregamos neste momento. Sendo assim,

começamos a catalogar e ler periódicos de diversas datas transcorrendo os anos

de 1884 até 1913, basicamente, no rastro de informações sobre pessoas,

terreiros e acontecimentos que ajudassem a entender o que concorreu para o

desaparecimento desse folguedo alagoano. Começamos por entender

historiograficamente a cidade.

Também chamada, primordialmente de Maçayó, a história da capital

alagoana se mistura com a do povoamento do Estado, diretamente influenciado

pela implantação dos engenhos de cana-de-açúcar que proliferaram por todo o

litoral agrário, desde o tempo em que integrava a antiga Província de

Pernambuco.

As primeiras cidades do domínio territorial do que hoje se denomina

Estado de Alagoas, foram Penedo, Porto Calvo e Vila de Santa Maria Madalena

da Alagoa do Sul, ou simplesmente Vila de Alagoas, atual cidade de Marechal

Deodoro. No período de colonização e definição de terras a marcação era feita

por “Um pilar de pedra ou a cruz”. Como demarcação de lugares já conquistados,

muitas cidades nasceram desta forma e hoje formam nosso mapa cartográfico.

O processo de povoamento da região se acelera em decorrência da

invasão holandesa com a criação de novos distritos que mais tarde viriam a se

tornar cidades e até capitais, como foi o caso de Maceió que só em 1815 aparece

Foto do Antigo Centro de Maceió, Começo do Século XX.

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29

como vila, embora muito em breve viesse a se tornar o centro administrativo da

nova província, cuja emancipação se deu em 16 de setembro de 1817.

O primeiro Mapa de Alagoas é feito ainda em conjunto com Pernambuco

pelo exército, identificando e demarcando o reconhecimento da parte mais

litorânea de nosso território, onde podemos perceber que nosso povoamento

estava, além de pequeno focado no litoral, de autoria de João da Gama Lobo

Bentes.

Um dos primeiros atos do então governador Sebastião de Melo Póvoas,

foi instalar unidades administrativas na nova capital, concorrendo para tornar o

local, em pouco tempo, em centro catalisador das atividades comerciais da

província de modo que já em 1820, surge a necessidade de um primeiro

mapeamento da Cidade, o qual foi desenvolvido por José da Silva Pinto, que se

pode observar no anexo 01, e como complemento o anexo 04, que é um mapa

atualizado da cidade de Maceió. Nele podemos perceber que a cidade se

resumia aos bairros do centro, do Jaraguá, do Poço, da Cambona e do Trapiche,

cuja geografia permaneceria praticamente igual até o ano de 1841, (mapa 02 e

04) onde construções e novas atividades aparecem, porém sem alterar

estruturalmente a geografia local permanecendo a cidade como um vilarejo

pequeno.

Nesse vilarejo também encontramos uma região importante para a

história cultura da cidade e para o contexto da pesquisa, chamada Alto da

Jacutinga11, que se forma somente no final do século XIX. Local aprazível e

muito procurado pela elite maceioense para construção dos seus chalés em

razão das boas condições climáticas que ele proporcionava, mas também que

reservava espaço a habitações populares e a práticas “menos legítimas”, como

veremos mais adiante. Jacutinga era o antigo nome do bairro que hoje é

conhecido como Farol, porém com limitações espaciais mais bem estabelecidas

e favoráveis com relação ao restante do bairro, pela proximidade do centro, como

pela altura em relação ao nível do mar, que lhe permitia receber mais

diretamente a brisa que vinha de lá.

11 Jacutinga em Tupi significa ‘O Pau Branco’, também podemos encontrar definições como ‘O Jacu Branco’, como afirma os historiadores Diégues Júnior (1961) e Félix Lima Júnior (1976).

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30

A evolução da pequena a vila de Maceió esteve durante muito tempo

atrelado às atividades que se desenvolviam através do Porto situado no Bairro

do Jaraguá. Que além dessa centralidade comercial se tornou também espaço

propício às manifestações de caráter popular, como o carnaval, por exemplo,

tanto quanto o centro da Cidade. Portanto, o recorte feito da cidade obedece a

esse critério festivo, tomando-a como ambiente de disputas e criações

simbólicas, no qual o carnaval representava um momento crucial da vida social

local e espaço de derrisão, de sátira e brincadeira.

Conforme já dito, as consultas foram realizadas em diversas fontes, como:

jornais, teses, mapas antigos, as quais. Permitiram-nos a reconstituição parcial

da dinâmica cotidiana e do vivido na cidade , bem como seus momentos festivos

e rituais, com destaque para o carnaval e suas expressões populares.

Quanto ao período, iremos nos concentrar sobre as formas de

sociabilidades locais verificadas durante a Primeira República e, mais

precisamente, nos primeiros anos do Século XX, quando o Estado experimentou

um período de grande efervescência econômica, mas que culminou em um

conflito político de grandes proporções e com consequências nefastas sobre as

expressões culturais tradicionais desenvolvidas nos meios populares.

Segundo os jornais da época, durante o período em que Euclides Malta

governou o Estado (1900-1012), muitos desmandos foram praticados de forma

escancarada, contribuindo para que as acusações que mais tarde recaíra sobre

ele, encontrassem tanta receptividade entre a população, as quais giram,

basicamente, em torno da suposta ligação que o governador mantinha com

algumas casas religiosas de natureza africana especialmente com a casa da

babalorixá Tia Marcelina, cuja repressão sofrida após a destituição daquele

governante, vai ser tomado como símbolo, não apenas do fim da era dos Maltas,

como também de interrupção e silenciamento de uma série de práticas culturais

negras e populares. É possível dizer que o esforço e a disputa por visibilidade

na arena pública, por parte dessas expressões, se fez notar de modo mais

acentuado no fatídico carnaval de 1912, no qual as brincadeiras e folguedos

populares foram divididos entre legítimas e ilegítimas, a partir de critérios

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31

políticos ou do posicionamento partidário dos seus integrantes, se contra ou a

favor do Leba12 das Alagoas, respectivamente.

Esse período e os conflitos ali vivenciados, tanto no plano religioso quanto

político, de certo modo podem representar a passagem entre dois momentos

históricos na vida social alagoana e, em particular, maceioense, qual seja, o

abandono de práticas tradicionais, como os xangôs e os maracatus,

principalmente, consideradas atrasadas e o advento de uma ‘nova sociedade’

anunciada pelos arautos do projeto republicano que preconizavam a igualdade

político, o discurso científico e as modernização das práticas sociais. Os

periódicos utilizados falam acercado fim dos “sacodidos e felizes negros” e suas

expressões profanas na capital alagoana, tema que receberá tratamento mais

amiúdo adiante13. Inesperadamente chegamos ao ano de 1886 em nossa

viagem histórica pelas letras do passado, e foi ali que encontramos a primeira

menção ao maracatu em Alagoas, especificamente no jornal ‘O Orbe’14, numa

coluna sobre o carnaval, o qual, naquele ano aconteceu entre os dias 06 e 09 de

março, tendo sido noticiado como uma festa tranquila que ocorreu e terminou em

paz e sem desordem, já que somente uns ‘máscaras’ foram detidos pelo Dr.

Saboya, por perturbação da ordem!

O que chama atenção nesta coluna é a menção a uma “parteira”, com

destaque para o tipo de vestimenta à moda “Jabú”, que nos fez pensar, tratar-se

de uma alegoria carnavalesca, um tipo de fantasia que talvez representasse

algum protagonista específico do cotidiano maceioense, alguma personagem do

folguedo popular alagoano ou apenas uma figura caricata do carnaval da época.

Mas pode ser também um indício do escárnio comum entre a elite intelectual

para depreciar personagens do universo cultural periférico. A suspeita pode ser

confirmada em coluna mais longa, do mesmo ano, intitulada “Variedades –

causas e lousas” assinada por “um bobo da corte”. Nela, além da menção a essa

personagem, aparecem também outras figuras do cotidiano político-social

12 Leba, termo utilizado para atacar o governador Euclides Malta e seus correligionários, faz referência a uma das principais entidades do xangô alagoano e que corresponderia à figura de Exu. O significado e a representação dessa figura no contexto político alagoano da época em tela, ainda será objeto de discussão adiante. 13 A expressão “sacudidos” foi obtida a partir de uma edição do Jornal de Alagoas, publicada em 1912 e demonstra o modo como os grupos carnavalescos populares alagoanos apareciam na crônica local. 14 Nas Edições de número 26, do oitavo (VIII) ao nono (IX) ano de publicação. Jornal o Orbe.

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alagoano do período, onde, inclusive, encontramos, pela primeira vez em nossa

pesquisa, a palavra maracatu, ainda que não expressando, necessariamente,

um cortejo ou grupo. A categoria que aparece de relevância aqui, é novamente

a festa de carnaval, Jabú como personagem e as máscaras como elemento da

festa, que levou a conflitos, prisões e agitações nos dias do momo.

O maracatu e a festa aparecem como sinônimo de uma mesma coisa,

confirmando a existência do primeiro como elemento da festa em Alagoas. Assim

segue a primeira nota na íntegra que faz referência ao termo durante o mês da

festa:

‘Variedade – cousas e lousas’ Que yôyô Dandão foi bôbo, Mascarou-se, foi à rua, Isso é fora de duvida, - E’ verdade núa e crúa. Eu não sei se Jão Pistola Não gosta dessa folia, Ou se não achou mais verba Na sua secretaria; Por isso que não vi Tão sympathica criatura Seu papel reprentando: - Verdadeiro cara-dura. Mesmo tambem póde ser Que seja envergonhado De ser publico e notorio - Um bofete ter tomado! Pelo mundo dão-se cousas Que parecem cassuadas; Se não são Dandão, Pistola, São sempre Mariannadas. Tambem dizem por ahi: Na patria do sururú Existe um pobre diabo Denominado – Já...bú! E um Chico tan, seu parceiro, Vem completar a trindade; De sorte que O das manhas E’ cartaz de novidade. A essas cousas o Pistola Applaude, enthusiasmado, Pois que lhe importa na cara Tenha um bofete levado?

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Cação panam... ah, malvado! O que queres fazer mais? Matar á fome e á sede Os pobres provinciaes! Diz Chico tan: Viva a pandega! E todos gritam: Vivou! O Jabú quebrando a aza Poz-se a gemer, não fallou. Um bôbo do Maracatú. (Jornal ‘O Orbe’, de março de 1886)

Tudo leva a crer, que ao contrário do que noticiou o jornal mencionado

acima, o carnaval de 1886 foi nada tranquilo. Naquele ano, como provavelmente

nos demais, antes e depois da data citada, foram às ruas os mascarados e

apanharam de um tal ‘João Pistola’, possivelmente o comandante da polícia local

com patente de secretário que era nada simpático ao formato da festa popular.

Referenciado por tomar um ‘bofete’, que pôde ter sido a circunstância da

agitação noticiada.

Mascaradas e maracatus, parecem se referir à mesma modalidade de

expressão artístico-cultural. Essa suspeição reaparece em várias outras notícias

da época, quando o primeiro desses termos aparece até como uma forma de

desdenhar de uma manifestação eminentemente popular e negra.

Quanto aos personagens referidos no longo poema, o esforço de

relacioná-los a pessoas reais, exige um esforço de dedução que ultrapassa o

dado disponível que beira quase a imaginação, como é o caso do próprio “Bôbo

do Maracatu” que assina a coluna, bem como outros já citados como “Jão Pistola’

e “Jabú”.

Seguindo a sequência em que os nomes aparecem na rima

desconcertante, temos em primeiro plano a menção à figura de Yôyô Dandão. É

sabido que o termo ioiô, como tanto outros da língua falada brasileira, traduz

significativamente muito da influência do negro sobre os aspectos íntimos da

vida colonial brasileira, Gilberto Freyre (2003), por exemplo, trata de um certo

“amolecimento” da linguagem infantil em contato com a alma negra, substituindo

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vocábulos como sinhô-moço e sinhazinhas em Ioiôs e Iaiás, como nos versos

mencionado em Casa Grande e Senzala:

Meu branquinho feiticeiro, Doce ioiô meu irmão, Adoro teu cativeiro, Branquelinho do coração. (FREIRE, 2003, p. 424)

Evidentemente o texto em tela destaca-se pelo sarcasmo, lembra-nos as

sátiras e brincadeiras típicas do carnaval, festa eminentemente subversiva e

pública. O espaço privilegiado onde tais festejos transcorriam eram as estreitas

ruas do centro da cidade ou de algum bairro mais afastando onde se

concentravam os blocos que mais tarde invadiriam os espaços legítimos da

cidade, guardados por representantes da lei, como “Jão Pistola”. Não foi possível

identificar nos jornais da época, o tipo de entrevero em que essa autoridade

esteve envolvida, mas é provável que se tratasse de João Pedro Saboia

Bandeira de Mello, Chefe de Polícia que seria exonerado do cargo, sem

justificativa aparente, durante o mandato de Geminiano Brasil de Oliveira Goes,

que no relatório presidencial datado de 18 de abril de 1886, portanto, período

imediatamente posterior ao período carnavalesco.

Outros nomes são mencionados pelo “Bobo do Maracatu”, também auto

denominado Dandão, para formar, junto com “Pistola”, a santíssima “trindade”.

Trata-se de Jabú e Chico Tan. O primeiro deles aparece noutra coluna do Orbe,

chamada “Trioles”, datada de 1884 e referido como Pai Jabú, sobre o qual

afirma: “A tão feia criatura. Chamão-lhe aqui – pae jabú...”. Trata-se, portanto,

de texto com forte conotação difamatória que em conjunto ainda o chama de

grotesco e de desgraça da nação. Tal nos faz crer tratar-se de um pai de santo

que, quando noticiado, talvez ainda vivesse como escravo, já que o fato acontece

antes da assinatura da Lei Aurea. Outra alternativa para esse personagem seria

o uso de tal termo como metáfora para identificar pessoas em situação de festas,

brincadeiras ou representações de atividades profanas ligadas a terreiros. Ele

também aparece como uma figura que rouba algo, comida ou frutas, isso para

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35

dar a comer para alguém, como na nota em que se diz que ele faz ‘medo a

gente’, pois “Jabú fruta com razão, Jabú tem da de comê...”15.

Em 1886 Jabú reaparece no jornal, sendo citado pelo modo de se vestir,

semelhante ao de uma parteira, que naquele carnaval, aparecera na redação do

jornal, acompanhada de outras mulheres, cuja condição social, nem a cor é

mencionada.

Quanto a Chico Tan terceira personagem dessa tríade carnavalesca

aparece utilizando-se de um jogral como orador de respostas, método comum

entre os que fazem a cultura popular e nas loas dos antigos maracatus, era uma

um agitador cultural. Chico Tan também aparece citado de forma irônica como

“deputado”, responsável pela coluna ‘mexericos e confusões’ no periódico ‘Diario

da Manham’.

Contudo, a primeira referência ao seu nome pode ser buscada em edição

do próprio orbe, publicada em dezembro de 1881, em uma poesia em forma de

cordel, supostamente composta por ele, com o título de ‘O deputado capão’,

indicando que além do "cargo político”, o “homenageado” também gostava de

escrever versos de apelo popular16.

Em outro verso publicado num espaço destinado à cultura e festas,

intitulado a ‘Canção Palaciana ou a Voz dos Fidalgos’, o responsável pela coluna

refere-se da seguinte maneira a ele: “E logo atalha, o Chico tan: Porque lhe

chamam, Canção Panam?”17

Trata-se, portanto, de mais uma atitude derrisório da imprensa, agora

representada pelo colunista Grachus, que vincula Chico Tan, um caso de polícia,

em que se descreve o processo em que ele é indiciado e julgado pelas confusões

que sua coluna causaram no povoado de Atalaia. Aparentemente nossa

personagem não estava cumprindo à risca seus deveres, sendo necessário

chamar o chefe de polícia para interditar sua coluna que parecia incomodar muita

15 Jornal ‘O Orbe’, 1884. 16 Jornal ‘O Orbe’, 1881. 17Tubarão de pequeno porte já fora referido na primeira citação de O Orbe.

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36

gente, motivo pelo qual foi chamado de ‘vagabundo’, “que não tendo profissão

quer viver de ser deputado”18.

Denunciado Chico Tan aparece em oura coluna, em 14 de janeiro de 1887

na coluna intitulada “Certidão de um interrogatório por crime de mexerico” do

mesmo jornal19, Chico Tan novamente é acusado de crime de mexerico e

chamado pelo “verdadeiro nome” durante o interrogatório. Trata-se de Chico

Bodião de Menezes Tan, natural da ‘terra do sururú’, nome pelo qual Alagoas,

de um modo geral é conhecida desde remotos tempos, em razão da forte

presença desse tipo de molusco nas tantas lagoas que caracterizam a geografia

do Estado. Porém na linguagem coloquial, o termo sururu também é utilizado

para se referir à confusão, barulho desordem, estardalhaço, entre outros

sinônimos, que é a função que melhor se aplica à situação descrita.

Sabe-se que ele residia e trabalhava na vila de Atalaia, outro povoado

situado no complexo lacunar formado pelas lagoas Mundaú e Manguaba, casado

e que declarara em juízo, viver “de ser deputado”. Refutado pelo Juiz sobre sua

profissão e atos conflituosos, pois as pessoas viviam a querer se matar em Atalia

graças a seus mexericos e mentiras, Chico, confirma que faz do cargo a sua

profissão e defende-se afirmando que fazia as intrigas para sobreviver.

Porém Chico Tan era um homem da festa, do carnaval, da orgia, além de

ter uma vida social agitada e recheada de estórias, possivelmente, por se

destacar como excelente tocador de instrumentos percussivos, como o pandeiro,

por exemplo, referência que aumenta consideravelmente nossas suspeitas de

que se trata-se de um ritmista de maracatu ou de outras agremiações quaisquer,

onde figurava ao lado de seu parceiro, Pai Jabú.

Um mês antes do carnaval de 1887, que aconteceu no dia 22 de fevereiro,

os parceiros Chico Tan e Pai Jabú, reaparecem em uma coluna ‘Dia de Festa’

assinada por Francinha, no mesmo periódico de que vimos tratando aqui.

Ficando, desta feita, muito claro que os dois estavam diretamente associados,

não apenas à alegria, à boemia, às festas, e aos instrumentos musicais, mas

também intrigas de bairros. Chico Tan toca o pandeiro e Pai Jabú rege a

18 Jornal ‘O Orbe’, 1887. 19 Jornal ‘O Orbe’, 1887.

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espiritualidade. Seguidamente todos são chamados para fazer uma ‘patuscada’,

da qual Pai Jabú é chamado de mestre da obra e Chico Tan enaltecido como

valente na imprensa, que quando fala todos calam e tem medo de suas palavras,

até mesmo na cidade de Penedo, por onde sua fama parece ter se espalhado20.

Claramente duas figuras de renome, que apenas com uma pesquisa mais

detalhada poremos identificar mais especificidades dos mesmos.

Não era atoa que essa dupla estava presente constantemente nas

páginas dos jornais da época, e se não forem uma alegoria para referendar a

festa em si, representam tipos populares que ganharam notoriedade, de forma

negativa, na vida social local, a ponto de se tornarem símbolo daquilo que o

carnaval guarda de mais característico, a derrisão, para utilizarmos uma

expressão bakhtiniana.

No ano de 1887, mais especificamente na sexta-feira, 11 de março, três

semanas após o encerramento do carnaval, que naquele ano aconteceu entre

os dias 19 e 22 de fevereiro, vamos localizar uma segunda referência ao termo

maracatu, que se encontra na coluna ‘Variedade’ de ‘O Orbe’, com o título

‘Curvas e Zig-Zags’, assinada por ‘Vespasiano’ e ‘Calixto’21.

A palavra “Maracatú” se encontra grafada de forma diferente da que

encontramos no ano anterior, agora com a inicial maiúscula em negrito e com

assento no ‘u’. A ironia se mantém como carro chefe.

Dois personagens merecem mais atenção nos comentários dos

colunistas: ‘Oiti’ que tenta proteger Vespasiano e Calixto do homem do Facão. A

informação deixa subentendida a ideia de ameaça e confusão, que envolve um

representante da lei, já que a pessoa a quem eles se referem em primeiro lugar,

era o bacharel Francisco de Paula Leite Oiticica, comissário da polícia, nomeado,

segundo o Relatório Provincial de 1887, para substituir o Bacharel Allino

Rodrigues Pimenta que tirou três meses para cuidados médicos. No mesmo

documento, como é praxe nesse tipo de material, o chefe de polícia é

20 Jornal ‘O Orbe’, janeiro de 1887. 21 Jornal ‘O Orbe’, março de 1887.

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apresentado o como funcionário público exemplar e merecedor de honrarias

devido aos serviços prestados em defesa da ordem pública e segurança.

Como de costume, quando os colunistas mencionam o clima de

insegurança e ameaça na cidade durante o carnaval, parecem estar se referindo

à brincadeira negra, já que o texto é finalizado da seguinte forma: “Porém lhe

deixamos um grôso canudo e um Maracatú”.

A palavra maracatu parece representar algo de importante para finalizar

a escrita e, no contexto carnavalesco, não poderia ser outra coisa, se não, um

grupo brincante da festa de cultura popular. ‘Canudo’ parece uma expressão da

época que pode ser metaforicamente a indicação de formação em bacharel.

Com a virada do século as coisas mudam, e os grupos de maracatu

amadurecem e fazem do carnaval alagoano uma caldeira de cultura, conflitos e

animação. Passando os anos outros jornais apareceram para contar parte dessa

história, e nossos maracatus parecem ficar pomposos e fortes, organizados e

“sacudidos”. Negros e negras nas ruas dançando e tocando, fazendo valer a

força profana da festa no centro da cidade e na Praça dos Martírios.

Em 1901, ouve-se falar de Bico Doce, uma mestra de maracatu, no jornal

A Tribuna, para se referir aos ‘Feitiços e Feiticeiros’, como eram identificados os

pais e mães de santo na cidade, contexto com o qual ela aparece associada.

Trata-se da primeira e única mulher que aparece à frente de um folguedo

popular. No mesmo trecho de jornal descrevem detalhes e objetos presentes em

um possível ritual espiritual que coincidem com os que são usados no maracatu:

Bico Doce é mestra de Maracatu, solemnidade que se effectua quando há necessidade de falar com o pae, que é o nome da divindade acceita pela gyria boçal della e de seus freqüentadores. A Casa estava cheia de crentes e é ornada de búzios, de latas, de cabeças (osso) e quanta coisa sugestiva pode obter aquella gente ignara e parva.” (A Tribuna. “Feiticeiros e feiticeiros”. Maceió, abril de 1901)

Na nota, o folguedo é definido como solenidade que se realiza quando se

precisa falar com o ‘pae’, que pode ser senhor, deus, um santo, enfim. Uma

entidade religiosa de merecido respeito pelos seus praticantes. É aqui que

percebemos a consolidação da organização social dos grupos, ainda no início

do século XX, algo não tão evidente no fim do século XIX. Agora temos uma

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mestra, possivelmente negra e que animava o carnaval da cidade, além, é claro

de realizar e manter rituais religiosos em torno desta expressão popular. Assim

a brincadeira passa a ter uma conotação mística, além de festiva, além de uma

divisão social, já que título máximo de mestra denota uma noção de hierarquia e

organização. Eles estavam presentes na vida social da cidade, embora ainda

sem a liberdade de exposição, a não ser em períodos carnavalesco. A detenção

para averiguação de que foi objeto nossa protagonista, embora assunto de

jornal, ainda estava cercada de mistério e suspeição, sobretudo por conta da

conexão entre tais práticas e os rituais religiosos de natureza africana.

De número proporcionalmente significativo para a época, o maracatu era

constituído por populares. Um tipo de expressão cultural que nascia com o

carnaval, como uma maneira de socialização dos menos aquinhoados em torno

de diferentes camadas sociais e de um momento de euforia que é o carnaval.

Os maracatus enchiam as ruas de Maceió no começo do século XX, para brincar

e sacolejar os foliões mais populares de nossa cidade incomodando também as

elites.

Em 1902, se registra no mês de fevereiro “[...]a saída de Maracatus no

Centro da cidade, informando que as ruas centrais estiveram ‘cheias de povo’’22.

Cheias de povo! Alegria, festa, pessoas, brincadeiras, enfim carnaval. Parece

não ter fim a capacidade inventiva dos brincantes, como também da repulsa por

parte daqueles que não gostavam ou não queriam dividir os mesmos espaços

públicos com essas pessoas.

A ideia de organicidade dos grupos do início do século aparece em 1903,

quando se faz uso da expressão ‘inevitáveis’ para se referir aos maracatus da

cidade, permitindo constatar a permanência da brincadeira durante os dias de

momo na cidade de Maceió, onde inevitavelmente, a contragosto da ‘sociedade

de bem’, eles iam as ruas fazer o carnaval. Apesar dos muitos ‘conffetis’ e do

modelo europeu que começa a se impor como padrão na época, eles ainda eram

vistos e acompanhados por muitos.

E assim os maracatus fixam presença nos festejos de carnaval. Naquele

ano de 1903 os festejos ocorreram muito friamente, isso por conta de uma crise

22 A Tribuna, fevereiro de 1902.

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que atingia a todos, o que limitou seriamente a saída dos clubes populares. Foi

noticiado pelos jornais que nenhum fato perturbou a ordem, o que não é de todo

verdade. O mesmo jornal A Tribuna destaca os conflitos e enfrentamentos entre

os clubes que saíram às ruas, como: Caboclinhas, Ciganos, Morcegos, Marions

e outros, isso para não falar dos “inevitáveis maracatus”23. A referência se

destaca por sua inconveniência e pela segregação a que essas modalidades

carnavalescas estavam submetidas, a ponto, inclusive de sequer serem

percebidas pela totalidade dos jornais da época.

Repleta de ecletismo a narrativa do carnaval de 1903 reconstrói as

atividades carnavalescas descritas como habituais da pequena cidade de

Maceió. De modo inclusivo aparecem grupos que posteriormente se

enfrentariam fisicamente e que irão combater os terreiros, como é o caso do

clube “os morcegos”. Esse clima de hostilidade e desordem se verificou também

no carnaval de 1905, quando os maracatus são classificados, nos jornais, como

‘indefectíveis e detestáveis’, revelando como estavam se dando as relações

entre parcelas os diferentes segmentos da sociedade maceioense. A história de

agitação e conflito que despontava em 1886, se mantém e, agora, de forma ainda

mais direta, através do ódio expresso pelos moradores da cidade, que

classificava tais manifestações como sendo uma forma baixa de cultura,

incluindo-a no campo da barbárie.

Poderíamos comparar essa barbárie, como uma forma de horror

carnavalesco, assim como o termo utilizado por João do Rio (1908), em seu texto

‘A alma encantadora das ruas’, onde apresenta características dos Cordões

carnavalescos, que saiam no Rio de Janeiro. Esses eram numerosos e cheios

de povo, centenas de brincantes populares, em sua maioria negros e periféricos,

loucos pelo prazer, uma explosão de festa.

Os maracatus e caboclinhos em Maceió, possivelmente eram uma

espécie como os ‘cordões’ que aconteciam no Rio de Janeiro, tão bem descritos

23 A Tribuna, fevereiro de 1903.

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por João do Rio. Núcleos da folia, vivos, e antes de tudo ‘bem do povo’. O

carnaval era a festa do prazer, com duas formas de brincadeira, elite e povo.

Pelo que se pode notar, a partir das fontes disponíveis, é que existiam

dois carnavais, o de inspiração europeia e os clubes populares das máscaras,

maracatus e caboclinhos. Diversos são os grupos que aparecem durante o

carnaval, bem como os confrontos que entre eles se armavam quando se

cruzavam nas ruas de Maceió O Clube dos Morcegos, por exemplo, cuja sede

situava-se no bairro da Levada, e onde futuramente seria fundada a Liga dos

Republicanos Combatentes, já nesses primeiros anos do Século XX, costumava

aterrorizar a população pelo tipo de “arruaça’ e tumulto que provocavam.

Dessa época também o Club Vassourinhas, como uma organização dos

que limpam a cidade e desfilam no carnaval sua alegria, entre farpas e

alfinetadas dos grupos rivais, Além, é claro, dos maracatus: “Este ano temos a

registrar a sensaboria dos indefectíveis e detestáveis maracatus”. De fato, esses

pareciam incomodar¸ com seus batuques e uma forte conotação religiosa, muito

mais a sociedade alagoana do que o conjunto dos outros blocos carnavalescos.

No período em tela ainda tínhamos muitos africanos ex-escravos vivendo

na cidade, que formavam verdadeiras colônias étnicas reunidas em torno do

carnaval:24

A Colônia Africana bastante numerosa, deu sorte. Trazia um séqüito immenso (...) muito agradou ao Zé Povo (...) vimos também o maracatu do Pharol e seu homônimo de Jaraguá, iguaes em tudo e no todo. (A Tribuna de 10 de fevereiro de 1907)

Além desses dois grupos, provenientes de bairros distintos, mas

semelhantes na estrutura, encontramos passagens que mencionam os

maracatus de Chico Foguinho, de Bico Doce e de Manoel Inglês, este último

localizado também no Alto da Jacutinga, sobre o qual já tratamos acima.

As praças da cidade eram os tradicionais pontos de encontro dos blocos

populares de carnaval, dentre elas uma merece destaque, a Praça dos Martírios.

Todos se encontravam nesses espaços, mesmo que inimigos no campo

24 Farol é um bairro da cidade de Maceió que mantém o mesmo nome até os dias atuais, porém com definições geográficas diferenciadas.

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42

ideológico e cultural. O maracatu estava consolidado no carnaval de 1907, como

uma expressão cultural local e africanos, formada pelos moradores das áreas

mais afastadas do centro e por empregados em funções menos qualificadas.

Provavelmente esse hábito se construiu pela geografia da cidade se

localizando como ponto central no período estudado, permitindo que, mesmo

sem veículo, todos que residiam nas proximidades do centro, como Jaraguá,

Trapiche, Alto da Jacutinga, Bebedouro, pudessem facilmente se encontrar, com

destaque, como já dito, para a Praça dos Martírios,. Trata-se de um local

simbólico e de centralidade já que nela se situava o Palácio do Governo, o que

talvez facilitasse a presença de políticos nos festejos, entre os quais o próprio

Euclides Malta.

Diversos outros locais se apresentavam como pontos de concentração

desses grupos no carnaval. O povo andava pelas ruas e brincava,

provavelmente, nas imediações do Café Colombo, situado à rua Boa Vista, e na

Praça Tavares Bastos. A cidade fervia com os batuques e aglomerados

populares.

Dentre os vários blocos e manifestações carnavalescas da época,

destacamos, como base em fonte jornalística, a presença das Cambindas,

também conhecidas como cambindas: cambinda velha, cambinda nova,

cambinda de porto calvo, cambinda do trapiche, dentre outras.nomes pelos

quais, segundo o pesquisador alagoano Théo Brandão (1982) também eram

conhecidos os maracatus alagoanos mais antigos. .

A palavra no plural ‘cambindas”’ aparece com mais frequência no

carnaval de 1909, bem como os grupos chamados de Africanas, Caboclinhos e

Bahianas, que pelo o tipo de denominação nos faz supor uma estreita relação,

não apenas com a cultura de tradição africana, como também e sobretudo,

religiosa. O carnaval daquele ano foi diversificado, contou com alegria e muita

festa. O clima de entusiasmo transparece entre as linhas das colunas sobre a

festa, que novamente teve como ponto de encontro a Praça dos Martírios.

Por fim, a praça dos Martírios era o encontro dos grupos populares e ao

mesmo tempo sede do governo de Euclides Melo, o governador afastado pela

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força de populares. Assim o clima do carnaval estava tenso e pesado nos anos

que precedem o quebra de xangô de 1912.

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O eurocentrismo e a invenção da América Latina

Simone Arestides de Lima25

Resumo

Este artigo reúne alguns dos principais autores latino-americanos, bem como, autores que também tratam do tema como Immanuel Wallerstein preocupados em discutir questões referentes a dominação social, política, cultural e, sobretudo, da produção e expansão do conhecimento latino-americanos. A pretensão é apresentar algumas das consequências do eurocentrismo, que recebeu diversas denominações, desde o período colonial às atuais formas de domínio. Ao mesmo tempo chamar a atenção para a riqueza cultural e científica dos povos latino-americanos tanto tempo sufocada pelos ditames dos países considerados dominantes. Os autores abordados também discutem a necessidade de reformulação das ciências sociais enquanto ciência que reproduz e favorece aos sistemas dominantes tanto em sua atuação como em termos de produção científica.

Palavras-chave: América Latina, Conhecimento, Eurocentrismo.

The invention of Eurocentrism and Latin America

Abstrac t

This article brings together some of the major Latin American authors, as well as authors who treat the subject as concerned with Immanuel Wallerstein discuss issues concerned with social domination, political, cultural, and especially the expansion of knowledge production and Latin American. The intention is to present some of the consequences of Eurocentrism, which received different names, since the colonial period to the current forms of domination. At the same time draw attention to the wealth of cultural and scientific Latin American people so long stifled by the dictates of the countries considered dominant. The authors also addressed the need to discuss reform of the social sciences as a science that plays and promotes the dominant systems in both its performance and in terms of scientific production.

Keywords: Latin America, knowledge, Eurocentrism.

25 Cientista social formada pela Universidade Federal de Alagoas – UFAL. Professora mestra em Sociologia, formada pela referida instituição.

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Introdução

A colonização das terras latinas, a escravização de seu povo e os demais

acontecimentos que as sucederam, foram desde muito tempo justificados por

seus algozes que se apoiavam no pensamento de alguns intelectuais e, mais

tarde da ciência moderna, como sendo algo necessário ao desenvolvimento,

bem como acontecimentos naturais e inevitáveis. Contudo, nem todos os

intelectuais compartilham estas ideias. Principalmente, os latino-americanos tem

realizado um trabalho de denúncia e combate a esta forma violenta de negação

aos direitos, a cultura e a autonomia dos povos latinos que tiveram e continuam

a ter suas vozes silenciadas, além de sofrerem com as imposições de povos que

se consideram “superiores”.

Hoje, não podemos falar em um universalismo puramente europeu, pois

uma parte da América, a América do Norte, não faz mais parte da realidade

acima descrita e assim como os europeus que outrora impuseram seus

costumes e exploraram os povos nativos das colônias, os norte-americanos

tornaram-se ditadores de regras neste período de Globalização.

Buscando as raízes da globalização e relembrando historicamente a

violência cometida contra as civilizações que carregaram nas costas aquilo que

foi chamado de “desenvolvimento”, este artigo reúne os principais argumentos

de intelectuais críticos dos sistemas excludentes e cruéis os quais a humanidade

já conheceu.

Como tudo começou- primeiro contato eurocêntrico no Brasil

No dia 22 de abril comemora-se o aniversário do Brasil, pois nesta data

no ano de 1500 ficou marcado como seu “descobrimento”, ou, melhor dizendo,

a primeira vez que os portugueses aqui pisaram. Todos os detalhes desta

experiência foram minuciosamente registrados em uma carta ao rei D. Manuel

por Pero Vaz de Caminha, que estava na expedição de Pedro Álvares Cabral a

caminho das Índias, mas acidentalmente encontraram uma nova terra:

Senhor

Posto que o Capitão-Mor dessa Vossa frota e assim igualmente os outros capitães escreveram a Vossa Alteza dando notícias do achamento desta Vossa terra nova, que agora esta navegação se achou, não deixarei de também eu dar conta disso a Vossa Alteza,

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fazendo como melhor me for possível, ainda que_ para o bem contar falar_ o saiba pior que todos. Queira, porém Vossa alteza tomar minha ignorância por boa vontade, e creia que certamente nada porei aqui, para embelezar, nem para enfeiar, mas do que vi e me pareceu (TRECHO DA CARTA,2010, p..83).

Este é um trecho da célebre carta, o que para muitos representa a

“certidão de nascimento do Brasil”, ou seja, negando sua existência antes da

chegada dos portugueses, bem como o direito dos indígenas a terra. Caminha

mostra todo seu encanto pelo lugar e por seus habitantes descrevendo no

documento uma terra paradisíaca e de boa gente. Contudo, ao analisar alguns

trechos é possível identificar falas eurocêntricas de redução de da identidade

dos nativos. No trecho acima, a parte Vossa terra nova exemplifica o sentimento

de posse dos europeus sobre as terras, usurpando o direito de quem há muito

vivia nela. A seguir:

Um deles viu umas contas de rosário, brancas: mostrou que as queria, pegou-as, folgou muito com elas e colocou-as no pescoço. Depois tirou-as e com elas envolveu os braços e acenava para terra e logo para as contas e para o colar do Capitão, como querendo dizer que dariam ouro por aquilo. Nós o assim traduzíamos porque esse era o nosso maior desejo... Mas se ele queria dizer que levaria as contas e mais o colar, isso nós não desejámos compreender, porque tal coisa não aceitaríamos (TRECHO DA CARTA,2010, p.93).

Neste trecho Caminha evidencia o caráter colonial e a tentativa de chamar

a atenção de Portugal para as vantagens que a nova terra poderia trazer. E

seguindo com os trechos:

(...) Nosso Senhor lhes deu bons corpos e bons rostos, como a homens bons. E o fato de Ele nos haver até aqui trazido, creio que não o foi sem causa. E portanto Vossa Alteza, que tanto deseja acrescentar a santa fé católica, deve cuidar da salvação deles e aprazerá a Deus que com pouco trabalho seja assim (p.111)

(...)

As águas são muitas e infindas. È em tal maneira é graciosa que, querendo aproveitá-la, tudo dará nela, por causa das águas tem.

Porém o melhor fruto que dela se pode tirar me parece que será esta gente. E esta deve ser a principal semente que vossa alteza nela deve lançar ( pp.115-116).

Os recortes acima evidenciam o ar de superioridade europeu,

descartando desde o primeiro contato a existência de cultura indígena,

organização e definição de regras, principalmente o critério religioso. A tentativa

de imposição dos modos e valores europeus aparece em várias partes da carta,

bem como, a manifestação de interesse de exploração de pedras preciosas de

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demais riquezas naturais, que viriam a se concretizar muitos anos mais tarde

juntamente com a escravização dos índios sob o pretexto de uma prestação de

favor: a salvação de suas almas.

A oposição intelectual ao eurocentrismo e a exaltaç ão dos saberes

latino-americanos.

Edgardo Lander (2005) é um dos intelectuais latinos opositores ao

sistema neoliberal e crítico da falta de oposição acadêmica e política a este

sistema aceito não apenas como um modelo econômico, mas também como

uma forma de vida ou como o único sistema possível.

Segundo este autor as ciências sociais serviram como instrumento de

legitimação do neoliberalismo e chama a atenção para a desconstrução deste

sistema excludente e desigual, apontando alguns autores que realizam este

trabalho e agem em defesa de saberes não eurocêntricos. Entre os principais

nomes latinos estão Arturo Escobar, Aníbal Quijano, Walter Mignolo, Fernando

Coronil, entre outros também importantes.

Lander (2005) denuncia o pensamento dualista estabelecido pela Europa-

Ocidental; a Europa representava o moderno, o civilizado; em contra partida, os

povos dominados, neste caso, os nativos das Américas eram os atrasados, os

bárbaros. Este processo de segregação estabeleceu vários termos antagônicos,

o civilizado/selvagem; o moderno/ atrasado, ou seja, a Europa e o Outro. Este

fato estimulou o aparecimento do pensamento evolucionista, a Europa era o

apogeu, o último estágio; os demais povos não europeus, portanto,

culturalmente diferentes, teriam que passar por estágios até chegar ao estilo

europeu, ou seja, negava-se a simultaneidade temporal entre as culturas.

A partir disso, foi constituído o universalismo considerando a

particularidade da cultura europeia e como já foi dito, utilizando-se do

pensamento de intelectuais entre os quais estavam os clássicos: Hegel, John

Locke e Adam Smith (LANDER, 2005).

Ainda segundo Lander (2005) no caso de John Locke, o critério de suas

ideias adotado pelos colonizadores foi o de direito à propriedade privada e a sua

proteção. O sistema colonial fundamentava-se no direito europeu, portanto, para

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os exploradores os nativos não apresentavam concretamente nada que lhes

conferissem o direito è terra, ou no caso alegado pelos colonizadores, os

indígenas se quer a cultivavam, fato que lhes concederiam o direito sobre ela.

[...] se não há cultivo ou colheita, nem a ocupação efetiva serve para gerar direitos; outros usos não valem, essa parte da terra, esse continente da América, ainda que povoado, pode ser considerado desocupado, à disposição do primeiro colono que chegue e se estabeleça. O indígena que não se atenha a esses conceitos, a tal cultura, não tem nenhum direito (CLAVERO, 1994 apud LANDER, 2005, p.27).

Continuando os argumentos de Lander (2005) no tocante aos demais

pensadores clássicos, Adam Smith comungava das mesmas ideias acima

descritas, para ele, os nativos não reuniam condições que lhe conferissem

direitos, não possuíam organização social, uma legislação definida ou um Estado

instituído e hierarquizado. No que se refere a Hegel, este parece fazer o

fechamento do conjunto de afirmações ‘irrefutáveis’ nas quais a colonização se

amparava, ao afirmar o caráter universal da superioridade cultural e espiritual do

homem europeu.

A proposta de López-Segrera (2005) é desenvolver uma ciência social

não eurocêntrica. Faz um levantamento do legado das ciências sociais e prova

a autonomia da América Latina no sentido de contrariar a homogeneidade da

ideia da superioridade europeia. Segundo ele, é preciso analisar as contribuições

das ciências sociais ‘impensando-as’.

López-Segrera (2005) defende a realização de pesquisas

transdisciplinares, aliando os métodos nomotético e ideográfico, bem como,

estudos conjuntos entre as ciências das áreas sociais, naturais e exatas, como

faziam os pensadores clássicos Marx, Weber e Durkheim que deixaram seu

legado neste sentido. Faz um apelo á UNESCO com relação a redistribuição de

fundos destinados a cada área separadamente, que se priorize os projetos

transdisciplinares.

Ainda segundo este autor, a falta de valorização e investimentos às

ciências na América Latina tem provocado migrações de grande número de seus

pesquisadores. E defende com veemência a superação da crise nas ciências

sociais, sobretudo na defesa dos saberes não-eurocêntricos.

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Depende de nós transformar “a crise de paradigmas” das ciências sociais na região, (num momento de desintegração do sistema-mundo em que se ampliam nossas opções) em conjuntura propícia para imaginar e construir um novo futuro, a partir de aggiornar as ciências sociais latino-americanas e caribenhas, elaborar sua nova agenda e, deste modo, abrir as ciências sociais, reestruturá-las e construir seu futuro e o da região (LÓPEZ-SEGRERA, 2005, p.223).

Portanto, é preciso acabar com as barreiras que separam as ciências e

suas disciplinas, para isso é importante a aplicação de projetos transdisciplinares

que valorizem a cultura da região.

Mignolo (2005) ao refletir sobre a problemática constituição da identidade

nas Américas aponta uma outra consequência resquício do período colonial,

expondo, sobretudo, as diferentes percepções que as populações latino-

americanas têm de si mesmas. Discute a ideia de “hemisfério ocidental”, o que

ele chama de “imaginário”. Ele se refere como imaginário, pois, segundo ele,

esta era a forma simbólica como a população concebia a si mesma. Chama a

atenção para a existência da “exterioridade no interior”, no caso, a segregação

de comunidades dentro do mesmo imaginário, índios, judeus, africanos, por

exemplo, faziam parte do exterior, da exclusão mesmo vivendo na mesma área

geográfica das populações de ascendência europeia, que ocupavam o “interior”.

Ainda segundo Mignolo (2005) o sistema moderno/colonial surgiu com o

Circuito Comercial do Atlântico no século XVI, o qual consistia na nova rota de

navegação que levava às terras exploradas. O autor se interessa por este

momento específico, pois representa um marco histórico de transformação das

relações sociais e econômicas que foram se expandindo e persistem de um

modo atualizado até hoje. Segundo este autor, não se pode conceber a

existência do sistema moderno/colonial sem a constituição e exploração das

Américas. O pensamento de mais um clássico, Aristóteles contribuiu

significativamente no modo como a exploração foi conduzida “(...) a

transformação da concepção aristotélica da escravidão exigida tanto pelas novas

condições históricas quanto pelo tipo humano (por ex.: negros, africanos) que se

identificou com a escravidão e estabeleceu novas relações entre raça ou

trabalho” (MIGNOLO, 2005, p.74). Portanto, na colonização ibérica a cor da pele

determinava a condição de escravo, e a escravidão em si foi vista como

necessária às novas necessidades dos colonizadores que precisavam de braços

fortes e não pagos para trabalhar as terras.

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A história do povo colonizado além da opressão, também é marcada por

luta e resistência, porém estas foram silenciadas ou esquecidas pela história,

felizmente muitos intelectuais se preocupam em relembrá-las. Mignolo (2005)

chama atenção para as respostas surgidas dentro do “imaginário” dadas por

quem estava fora dele. E explica que esta relação foi responsável pela formação

da dupla consciência.

O imaginário do mundo moderno/colonial surgiu da complexa articulação de forças, de vozes escutadas ou apagadas, de memórias compactadas ou fraturadas, de histórias contadas de um só lado, que suprimiram outras memórias, e de histórias que se contaram e que se contam levando-se em conta a duplicidade de consciência que a consciência colonial gera (MIGNOLO, 2005, p.81).

A colonialidade do poder (Quijano) e utilizado por Mignolo para explicar o

uso excessivo da força pelos países dominadores aos seus dominados, deu

margem ao surgimento de dualidades conceituais como a dupla consciência ou

consciência crioula discutida por DuBois, também considerada por Mignolo em

seus textos. Conclui-se que, devido as diferenças coloniais este tipo de

consciência foi formada de maneiras diferentes: a consciência crioula branca,

desenvolvida por colonos europeus/brancos e predominante em locais como os

Estados Unidos e outros lugares das Américas com grande número de

habitantes com tais características, e a consciência crioulla negra, produto da

escravidão, formada por negros e índios. A consciência crioulla branca

diferentemente da negra não se reconheceu como dupla ou mestiça. Mesmo no

período de formação da identidade nacional houve a separação entre negros e

brancos.

Castro-Gomez (2005) aponta a filosofia pós-moderna e os estudos

culturais convergentes no sentido de apontar ‘patologias da ocidentalização’

causadas pelo dualismo e exclusão produzidos pela modernidade. Esta mesma

modernidade que para ele, encontra-se em crise. O “projeto da modernidade” o

qual: “referimo-nos à tentativa faustica de submeter a vida inteira ao controle

absoluto do homem sob a direção segura do conhecimento”(CASTRO-GOMEZ,

2005, p.170). Este projeto está ligado à formação dos estados nacionais e a

consolidação do colonialismo, processo fundamentado e legitimado pelos

conhecimentos das ciências sociais. Na dominação da natureza pelo homem e

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da vida como um todo através do uso de um conhecimento seguro e exato, o

Estado aparece como instância central, organizando e regulamentando a ação

dos cidadãos tomando por base o conhecimento científico.

As ciências sociais são responsáveis pela legitimação da ação reguladora

do Estado, pois lhe oferece todas as ferramentas necessárias. Nestas

circunstâncias aparece a “invenção do outro”. “Ao falar de “invenção” não nos

referimos somente ao modo como certo grupo de pessoas se representa

mentalmente a outras, mas nos referimos aos dispositivos de saber/poder que

servem de ponto de partida para a construção dessas representações”

(CASTRO-GOMEZ, 2005, p.172).

Para exemplificar a “invenção do outro” Castro-Gomez utiliza as ideias da

intelectual venezuelana Beatriz González Stephan, de acordo com a mesma

existem três práticas reguladoras do comportamento do cidadão latino-

americano: as constituições, os manuais de urbanidade e as gramáticas de

idioma.

Com relação as constituições, estas traçam o perfil do “bom cidadão”,

quem não preenche os pré-requisitos está fora do exercício da cidadania. Este

“cidadão”, que também deve ser bem sucedido, deverá ter conhecimento das

normas escritas e faladas de sua linguagem, o que facilitará nos momentos das

transações comerciais, além de ter o domínio das regras de etiqueta

estabelecidas e seguidas pela “boa sociedade”. De acordo com as conclusões

de González Stephan para que essa identidade de homem civilizado fosse

confirmada era preciso o contraste, o que pudesse ser comparado, para isso a

ideia de “bárbaro” foi criada, ou seja, aqueles que não possuíssem o perfil acima

descrito eram excluídos, marginalizados pela sociedade.

Uma crítica fortemente lançada por Castro-Gomez às ciências sociais diz

respeito ao fato de estas defenderem a ideia da constituição da Europa sem o

contato com outras culturas, ou seja, como algo surgido do nada e negam o

colonialismo violento ao qual as culturas dominadas foram submetidas.

A racionalização -em sentido weberiano- teria sido o resultado da ação qualidades inerentes às sociedades ocidentais (a “passagem” da tradição à modernidade), e não da interação colonial da Europa com a América, a Ásia e a África a partir de 1492. Deste ponto de vista, a experiência do colonialismo resultaria completamente irrelevante para

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entender o fenômeno da modernidade e o surgimento da ciências sociais. Isto significa que para os africanos, asiáticos e latino-americanos, o colonialismo não significou primariamente destruição e espoliação e sim, antes de mais nada, o começo do tortuoso, mas inevitável caminho em direção ao desenvolvimento e a modernização(CASTRO-GOMEZ, 2005, pp.176-177).

Para o autor acima citado o projeto da modernidade chegou ao “fim”

quando o Estado Nacional perdeu a capacidade de organizar a vida material e

social das pessoas. Agora a globalização é quem detém o maior poder.

Coronil (2005) mostra que, apesar da importância das Américas para o

desenvolvimento europeu e para a manutenção do capitalismo, ainda há pouco

interesse dos autores em retratar o quadro pós-colonial nas Américas e no

Caribe ao contrário do que acontece com a África e Ásia que são alvos

preferenciais de estudos de pesquisadores de diversos países. O autor também

identifica a ausência ou a negação da existência do Imperialismo existente

nestas regiões por alguns autores, diferentemente dos autores latino-americanos

que dão maior ênfase a estes aspectos.

Coronil (2005) concentra especialmente suas críticas à globalização

procurando desmitificá-la com um instrumento integrador de nações e

responsável pelo fim das polaridades. Para ele, a globalização não passa de

uma nova forma de domínio, o mercado é o novo ditador, e quem não consegue

acompanhá-lo é excluído. Então, mudam-se as formas, mas a exploração e a

segregação permanecem. O domínio que antes era político e centralizado, hoje

ultrapassa fronteiras físicas. O “globocentrismo” é uma versão atualizada e

intensificada dos anteriores (CORONIL, 2005).

Do mesmo modo, sugerem que sua atual modalidade neoliberal polariza, exclui e diferencia, mesmo quando gera algumas configurações de interação translocal e de homogeneização cultural. Para seus críticos, a globalização neoliberal é implosiva ao invés de expansiva, conecta centros poderosos e periferias subordinadas. Seu modo de integração é fragmentário ao invés de total. Constrói semelhanças sobre uma base de assimetrias. Em suma, unifica dividindo. Em vez de reconfortante imagem de aldeia global, oferece, de diferentes perspectivas e com diferentes ênfases, uma visão inquietantes de um mundo fraturado e dividido por novas formas de dominação (CORONIL, 2005, p.107).

Coronil (2005) relembra a importância da natureza para o

desenvolvimento do capitalismo, como principal fonte geradora de riqueza ao ser

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transformada pela ação do homem e se reporta a Karl Marx como um dos poucos

autores que reconheciam o papel da terra no processo de produção. Coronil

(2005) faz uma retrospectiva, mostrando que a exploração do trabalho escravo

também foi da natureza, não podendo dissociar uma da outra. Os países

periféricos sempre foram o sustento dos países dominantes, fornecendo matéria-

prima e o uso do trabalho escravo nas colônias contribuiu significativamente para

o gradual enriquecimento das metrópoles. Mesmo com o trabalho livre, industrial,

na Inglaterra, por exemplo, o trabalho escravo era substancial para a

manutenção deste, através do envio de matérias a serem industrializadas.

Com a globalização houve uma acentuada divisão dentro de uma mesma

nação, os ricos e os pobres não estão mais definidos geopoliticamente.

Problemas como preconceito de cor e a busca por fazer dinheiro a qualquer

custo para garantir a sobrevivência, faz com que as pessoas comercializem todo

tipo de coisas como drogas, seus corpos, órgãos humanos, além da crescente

prática de roubos e assaltos, estes são alguns exemplos gritantes deste sistema.

Ainda segundo Coronil (2005) é crescente a expansão das multinacionais

em países em desenvolvimento, atraídos pela mão de obra barata e recursos

naturais, estas, ajudadas pela alta tecnologia na extração dos recursos e na

criação de novos produtos, são novas fontes de exploração e contribuem para o

enriquecimento de seus países de origem.

Este autor também mostra o outro lado da natureza no mundo atual, que

é a natureza como atrativo turístico, motivo de investimentos financeiros e apelo

à preservação, a exemplo do Banco Mundial que sugere a inclusão desta ao

patrimônio produzido como capital natural e recursos humanos, por entender que

estes também são elementos constitutivos da riqueza.

Quijano concorda que a globalização é uma continuação do período

colonial, só que renovada e mais duradoura que os modelos anteriores. Ao

analisar o sistema colonial e os problemas advindos destes, que aprimorados

chegaram ao que temos atualmente como foi anteriormente discutido por autores

já abordados, Quijano conclui que, a América representa a primeira id-entidade

moderna constituída em cima de um padrão espaço/tempo e, explica que, a partir

do contato com os povos americanos foi estabelecido o conceito de raça e foi

Page 59: Caleidoscópios Ano 1 - Número 1.pdf

56

definida a separação entre colonizador/colonizado. Foram produzidas nesta

relação com as Américas identidades e outras foram redefinidas, então surgiram

as seguintes classificações: índios, negros, mestiços, espanhol, português,

depois europeu. Estas categorias serviram como uma linha divisória. Antes a

divisão era pelo aspecto geográfico, mais tarde o critério foi racial. Neste caso,

os colonizadores se auto dominaram brancos e a raça mais explorada foi a negra

e a indígena em menor grau.

Quijano (2005) explica a divisão racial do trabalho nas colônias, buscando

historicamente mostrar como o sistema funcionava na prática, exemplificando

com a América espanhola, mostra que, a coroa hispânica decidiu acabar com a

escravidão dos índios para evitar seu completo extermínio e assim, estabeleceu

o regime de servidão isentando apenas a nobreza indígena, estas serviam como

intermediadoras entre os dominadores e os servos; quanto aos espanhóis não

nobres, estes eram funcionários assalariados ou poderiam ser comerciantes,

artesãos; os nobres ocupavam altos postos e aos negros sobrava a escravidão.

Este autor coloca a diferença entre o regime de servidão nas colônias e o

existente no período feudal na Europa, os colonizados, diferentemente dos

servos europeus não contavam com a proteção dos seus senhores e não tinham

posse da terra. A suposta inferioridade dos colonizados os colocavam em

situação natural de escravidão.

O processo de colonização consistia violentamente em duas principais

fases: em primeiro lugar, a expropriação das terras e, posteriormente a

repressão a qualquer conhecimento, religião ou a qualquer traço da cultura

nativa. Os colonizadores fizeram um trabalho de redução da identidade dos

povos dominados, os diferentes grupos nativos foram definidos apenas como

índios e as diversas etnias africanas eram simplesmente negros. Essa nova

identificação era uma forma cruel de negação da subjetividade destes povos.

Quando se fala sobre a separação entre corpo e o não-corpo (alma),

pensamento que faz parte da crença cristã que prega a supremacia da alma

sobre o corpo, assunto discutido por Descartes que converte a alma em razão,

ou seja, a parte responsável pelo processamento de conhecimento racional e o

corpo como objeto de conhecimento (Quijano,2005). O sistema colonial

apoderou-se destas ideias adaptando-as aos seus interesses, através dela foi

Page 60: Caleidoscópios Ano 1 - Número 1.pdf

57

possível estabelecer a diferença de raça, condenando certos grupos à

inferioridade por não serem considerados racionais, os índios e negros estavam

mais próximos da natureza era justificável a sua escravização. Outra leitura da

separação religiosa entre corpo e alma, se transformará em aparente motivo

para a exploração dos nativos das Américas, como sua cultura foi anulada ou

não havia reconhecimento desta, a nobreza dos europeus estaria no ato de

“salvar” a alma destes povos e fazer com que os castigos a seus corpos fossem

a “expiação” de seus pecados.

Assim como discute Walter Mignolo sobre os problemas durante a

constituição da identidade nacional das ex-colônias, Quijano identifica as

diferenças na formação das identidades surgidas entre as ex-colônias na

América Latina. Na constituição do Estado-nação e da identidade nacional nos

Estados Unidos, por exemplo; inicialmente o território era ocupado pela

população britânico-americana, os índios ficavam em seus territórios, mas

estabeleciam uma relação pacífica. No período da independência a relação

mudou e os índios foram excluídos da nacionalização, suas terras foram

usurpadas e grande número deles foi exterminado. Os migrantes de pele branca

eram rapidamente assimilados pela nação norte-americana. Nos países do Cone

Sul da América Latina, Argentina, Chile e Uruguai a situação foi parecida com os

Estados Unidos, eram países de maioria branca pois, além dos colonos brancos

houve uma migração em massa de pessoas de pele clara para lá. Segundo

Quijano (2005) as diferenças estavam no fato de que nos Estados Unidos a

nacionalidade americana foi firmada e as terras foram melhor distribuídas, o

mesmo não aconteceu com a Argentina que se consideraram europeus por um

período maior e houve uma concentração maior de terras, este quadro só veio a

mudar após a II Guerra Mundial. No Chile a concentração de terras foi menor

que na Argentina e menor que no Uruguai, nestes países os imigrantes

encontravam um país melhor constituído e nacionalmente mais firma que a

Argentina.

A população branca na América Ibérica não se identificavam com os

índios, negros e mestiços e eram completamente dependentes dos europeus em

interesses e produtos, só com a crise de 1929 a burguesia latina foi forçada a

produzir bens e produtos antes importados.

Page 61: Caleidoscópios Ano 1 - Número 1.pdf

58

Felizmente as críticas ao capitalismo e à globalização não se concentram

apenas na América Latina, autores de outras nacionalidades também comungam

das ideias latino-americanas, um grande oposicionista é Immanuel Wallesrtein,

um sociólogo norte americano nascido m Nova York. Sua teoria é baseada no

pensamento de Karl Marx, é contra o capitalismo e a globalização por seu caráter

excludente, também critica as formas violentas usadas durante a colonização,

na qual o modelo civilizatório europeu era tomado como referencial e aqueles

que eram diferentes deste eram subjugados ou exterminados em nome de um

progresso que justificava a violência praticada contra os povos ditos primitivos.

Os governantes pan-europeus (termo usado por Wallerstein por incluir os

Estados Unidos ao grupo dos países dominantes) pregam o universalismo, que

nada mais é que uma das formas de ditar regras econômicas, políticas e sociais,

ou seja, regras que deverão ser obedecidas pelos países pobres, e estes

deveriam aceitar está-las como um favor e ficarem agradecidos. Esta é uma

forma atual de domínio e exploração dos países desenvolvidos (centristas) para

com os demais (periféricos e semiperiféricos). Os centristas realizam a

dominação sob o pretexto de defenderem os direitos humanos e a democracia.

Wallerstein (2007) defende um universalismo universal em contraposição

ao “universalismo europeu”, prega isso com bastante vigor. Inicia sua análise

voltando ao século XVI pela colonização espanhola nas Américas, denuncia a

crueldade cometida contra as populações nativas, dizimando-os e explorando os

recursos naturais. Neste cenário duas figuras importantes e oponentes surgem,

de um lado, o padre Bartolomé de Las Casas que lutava junto a igreja e aos

monarcas em defesa dos índios e contra o sistema colonial, seu principal

opositor na Espanha foi Juan Guinés de Sepúlveda que, por sua vez, defendia

com veemência a escravização, escrevendo dois livros Demócrito Primeiro e

Demócrito Segundo- Das causas justas da guerra contra índios, nos quais

Sepúlveda defendia os motivos para a escravidão dos índios, o primeiro livro

não foi publicado, mas ele continuou a insistir em sua empreitada e reforçou seu

pensamento no segundo, argumentando que: 1) Devido a barbaridade e a

irracionalidade dos índios, estes deveriam ser dominados por outros que fossem

capazes de ordenar seus atos; 2) Os castigos e a dominação deveriam ser

aceitas de bom grado como forma de remição de suas barbaridades; 3) A

Page 62: Caleidoscópios Ano 1 - Número 1.pdf

59

intervenção era necessário para evitar os males cometidos por esta população.

4) Era preciso promover a evangelização destes povos pagãos sem risco a vida

dos sacerdotes espanhóis.

Wallerstein (2007) utiliza estes personagens e suas ideias no intuito de

demonstrar que diálogos e personagens como estes do século XVI existiram em

outras partes e continuam a existir, protagonizados por outros, mas no final,

indicam a mesma coisa: de um lado a defesa dos direitos de povos oprimidos ou

populações pouco desenvolvidas, do outro, povos melhor desenvolvidos que se

julgam superiores e justificam seus atos por meio de um discurso de fachada.

Ao pensarmos nesta situação, podemos relembrar e fazer um breve paralelo com

o caso brasileiro apresentado por Alfredo Bosi (1992) ocorrido no século XVII. O

padre Antônio Vieira, jesuíta português ocupante de altos cargos e com

influência, sobretudo, junto o rei d. João IV, defendia com ardor os índios e os

negros da escravidão e dos martírios aos quais eram submetidos, atuando

principalmente no Pará e no Maranhão, sofria das contradições de suas funções,

de lado, o compromisso de evangelizar os índios, o que do outro, representava

uma forma de “domesticá-los”, torná-los dóceis à escravização. Por sua

dedicação em argumentar muitas vezes utilizando a bíblia a favor dos índios e

negros, inclusive, apelando aos senhores colocando a escravidão como coisa do

demônio, recebeu hostilizações e passou por diversos conflitos com os colonos

do Maranhão e Pará, mas foi em São Paulo de Piratininga que as disputas se

concentraram, o que resultou na expulsão dele e de seus companheiros do

Brasil, só retornando após vinte anos. Seu principal opositor era o padre também

jesuíta João Antônio Andreoni, italiano que veio ao Brasil a convite de Antônio

Vieira, a quem viria a combater suas ideias. Andreoni via a escravidão como algo

natural e necessário. Segundo seus estudiosos: era inteligente, hábil com

números, minucioso em suas tarefas, o que o classificava como objetivo. Em

outras palavras, era admirador das coisas, mas era insensível aos humanos.

Grande estudioso das riquezas brasileiras, principalmente do açúcar, dava

conselhos em seu livro Cultura e Opulência do Brasil aos senhores de engenho

de como tratar seus escravos de modo a obter mais empenho deles no trabalho,

bem como dicas de como aumentar a produção. Para ele, os seres humanos

não passavam de instrumentos de produção de objeto (açúcar) gerador de

Page 63: Caleidoscópios Ano 1 - Número 1.pdf

60

riquezas. Resumindo o comportamento de Andreoni para com Vieira: “Este

sabotava, sempre que lhe era da oportunidade, os projetos daquele que o

trouxera da Europa e o honrara com rasgados elogios franqueando-lhe segura

carreira na instituição” (BOSI, 1992, p.151). Ou seja: “O exato escriba, fiel na

cópia das letras e das cifras, foi infiel ao espírito de seu protetor. Quase um

traidor” (BOSI, 1992, p.150).

Retornando ao pensamento de Wallerstein (2007), este, para continuar a

exemplificar o “Universalismo europeu”, retrata uma corrente de pensamento

que perdurou entre os séculos XVIII e XIX, o Orientalismo. Com a expansão

comercial pelo mundo, os europeus entram em contato com civilizações mais

“avançadas”, China, Pérsia, Índia e Império Otomano, mas apesar destas

civilizações possuíram uma base burocrática desenvolvida e se apresentar

notavelmente forte aos olhos ocidentais, estes, precisavam encontrar algo quer

justificasse moral e politicamente a dominação destas populações. Neste

contexto o Orientalismo, serviu para consolidar e provar a superioridade

europeia, comparando traços culturais europeus aos hábitos culturais dos

orientais, os intelectuais desta corrente tentavam mostrar a superioridade

européia e o caráter moderno desta, modernidade que foi adotada como critério

universal. Diferentemente das civilizações citadas que, embora “avançadas” não

eram consideradas modernas, não tinham evoluído o suficiente; eis os motivos

para a dominação. O discurso exprimia a suposta condução dos povos orientais

à modernidade. Após 1945, fim da II Guerra Mundial, o Orientalismo foi perdendo

gradativamente suas forças. Neste período também, as ciências foram

classificadas em humanistas e científicas, o Orientalismo era uma das ciências

humanistas, que primavam pela subjetividade e juízos de valor, por outro lado,

havia a objetividade e a neutralidade das disciplinas ditas científicas, estas eram

pensadas como capazes de responder a tudo de modo preciso, por isso

alcançaram o primeiro lugar na preferência, sobretudo de investidores,

interessados em tirar vantagens, visto que, essa era uma época de expansão do

capitalismo. Segundo Wallerstein, o ‘Universalismo particularista’ dos

Orientalistas foi substituído pelo ‘Universalismo científico’.

Vários são os nomes dados às formas camufladas de dominação e os

critérios para ela adotados, Orientalismo, Universalismo científico, modernidade,

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61

os mais atuais democracia e direitos humanos, todos eles são usados como

desculpa para o controle de povos de cultura diferente, a tentativa de “ajudá-los”

é uma capa para o real interesse: exploração e enriquecimento. A preocupação

de Wallerstein está na implantação de um universalismo realmente universal,

que considere os valores universais, mas sem descartar os particulares e que

una aspectos científicos e humanistas. Acredita na superação do universalismo

europeu para isso: “Uma alternativa possível é a multiplicidade de

universalismos, que lembraria uma rede universalismo universais”

(WALLERSTEIN,2007, p.124). No entanto, não se sabe se essa alternativa se

tornará realidade um dia.

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62

REFERÊNCIAS

BOSI, Alfredo. A dialética da colonização. São Paulo, Companhia das Letras, 1992.

CASTRO, Silvi. A Carta de Pero Vaz de Caminha – O Descobrimento do Brasil. Porto Alegre, L&PM, 2007.

CASTRO-GOMEZ. Ciências sociais, violência epistémica e o problema da “invenção do outro”, In: LANDER, E. (Org.). A colonialidade do saber. Eurocentrismo e ciências sociais . Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires, Clacso, 2005.

CORONIL, Fernando. Natureza do pós colonialismo: do eurocentrismo ao globocentrismo, In: LANDER, E. (Org.). A colonialidade do saber . Eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires, Clacso, 2005.

LANDER, E. Ciências Sociais: saberes coloniais e eurocêntricos, In: LANDER, E. (Org.). A colonialidade do saber . Eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires, Clacso, 2005.

LOPEZ-SEGRER. Abrir, “impensar” e redimensionar as ciências sociais na América latina e Caribe – É possível uma ciência social não eurocênrtrica em nossa região, In: LANDER, E. (Org.). A colonialidade do saber . Eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires, Clacso, 2005.

MIGNOLO, Walter D. A colonialidade de cabo a rabo: o hemisfério ocidental no horizonte conceitual da modernidade, In: LANDER, E. (Org.). A colonialidade do saber. Eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires, Clacso, 2005.

QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina, In: LANDER, E. (Org.). A colonialidade do saber . Eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires, Clacso, 2005.

WALLERSTEIN, Immanuel. O Universalismo europeu – a retórica do poder. São Paulo, Boitempo, 2007.

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63

O comportamento do subsetor turismo no mercado de t rabalho formal em alagoas : breve análise dos últimos dados do ipea (2012 – 2013)

Thiago Queiroz de Figueiredo26

Resumo

Setores econômicos tradicionais em Alagoas, como o sucroalcooleiro, vem perdendo espaço para outras atividades em relação à absorção de mão de obra formal, ou seja, com carteira de trabalho e previdência social assinada (homologada pelo Ministério do Trabalho e Emprego), nos últimos anos, sendo o setor serviços o que mais cresceu na formação de postos de trabalho e dentro deste se destacam as atividades voltadas ao turismo. Então, com base neste exposto, fez-se necessário, um estudo sobre a temática, como tentativa de contribuir para a compreensão destes fenômenos citados anteriormente. Portanto, na busca pela obtenção destes resultados, utilizaram-se algumas fontes de pesquisas imprescindíveis na construção deste trabalho, como os dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e outros estudos da área. Por fim, constatou-se a importância do subsetor turismo e de suas peculiaridades nas recentes transformações no mercado de trabalho formal alagoano. Palavras-chave: Alagoas. Trabalho. Turismo.

Abstract

Traditional economic sectors in Alagoas, such as sugarcane, has been losing ground to other activities in relation to the formal labor absorption, ie, with working papers and signed social security (approved by the Ministry of Labour and Employment) in recent years, with the services sector the fastest growing in the formation of jobs and within this we highlight the activities related to tourism. So, based on this exposed, it became necessary, a study on the subject in an attempt to contribute to the understanding of these phenomena mentioned above. Therefore, in the quest for achieving those outcomes, we used some sources of essential research in the construction of this work, as data from the Institute of Applied Economic Research (IPEA), General Register of Employed and Unemployed (CAGED) of the Ministry of Labour and Employment (MTE) and other studies of the area. Finally, there was the importance of tourism sub-sector and its peculiarities in recent transformations in Alagoas formal labor market. Keywords: Alagoas. Work. Tourism.

26 Mestre em Economia pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e Professor das disciplinas Microeconomia, Macroeconomia e Análise de Créditos, cobrança e riscos da Faculdade Pitágoras em Maceió/AL. E-mail: [email protected]

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64

INTRODUÇÃO

Historicamente, o mercado de trabalho formal em Alagoas, ou seja, das

pessoas empregadas com carteira assinada, apresenta-se fortemente

influenciada pela monocultura canavieira, em que, tanto na agricultura quanto na

indústria, o setor sucroalcooleiro predominou na economia alagoana até o

período recente, absorvendo a maior dos créditos, incentivos, subsídios e

investimentos, muitos destes provindos dos órgãos públicos.

Entretanto, alguns fatores vêm contribuindo para o declínio deste

predomínio citado anteriormente, como, por exemplo, o fim do Proálcool (1986),

a extinção do IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool) (1990), a crise fiscal alagoana

e a quebra do Produban (1996) e as novas políticas econômicas, tanto a nacional

quanto a estadual, as quais, direcionam as diretrizes para o desenvolvimento

econômico a outros setores mais dinâmicos e que geram recursos e empregos

de forma mais regular e permanente, ao contrário das atividades sazonais e no

caso específico, da atividade sucroalcooleira.

Neste contexto pode-se observar o crescimento de outros setores

econômicos no estado, como, por exemplo, comércio e serviços. No caso do

último setor supracitado, é perceptível o aumento de investimentos em novos

negócios ou até mesmo a expansão e a diversificação nas atividades já

existentes, sendo a prova incontestável disto a instalação de novos

empreendimentos em Alagoas, como: empresas de teleatendimentos (Carl

centers), faculdades e cursos técnicos, shoppings centers e serviços em geral

nas mais diversas áreas: alimentação, lazer, viagens etc.

O comportamento do mercado de trabalho alagoano vem sofrendo

modificações nos últimos anos, pois dos 514,4 mil empregos formais gerados no

estado no ano passado (2014), pelo menos, aproximadamente 25% foram

absorvidos pelo setor de serviços (RAIS, 2014).

A perda de força, no que tange à geração de empregos formais em

Alagoas, do setor sucroalcooleiro, devido aos fatores abordados anteriormente,

induziu a expansão de outras atividades e com captação de mão de obra mais

qualificada ou com exigência de maiores graus de escolaridade, maior tempo de

duração emprego (diferente da atividade sucroalcooleira, a qual se tem

periodicidade sazonal no emprego, ou seja, durante alguns meses do ano) e

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65

melhores remunerações, pois no ano retrasado (2013), Alagoas registrou o

maior aumento do poder aquisitivo em relação às novas admissões no mercado

de trabalho com carteira assinada, ou seja, 9,96% (FIGUEIREDO; SPINELLI,

2014).

Este trabalho terá como objetivo principal demonstrar sinteticamente a

influência das atividades voltadas ao turismo (subsetor do setor Serviços), as

quais têm tido destaque na geração de empregos formais na economia

alagoana, além disto, demonstrar-se-ão os dados comparativos dos ocupados

formais nas atividades do Turismo, tanto em relação a outros setores quanto aos

perfis destes empregados, de acordo com os últimos resultados do Instituto de

Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA) e por fim serão abordadas algumas

considerações finais sobre o tema.

ANÁLISE DO TURISMO EM ALAGOAS (2012 - 2013)

A seguir será realizada, de forma sintética, uma análise comparativa do

estoque de emprego formal e a quantidade de admissões formais nos anos de

2012 e 2013 no subsetor Turismo27, devido a sua relevância no mercado de

trabalho formal do setor Serviços.

Como fontes de pesquisas, serão utilizados dados, tanto da RAIS

(Relação Anual de Informações), quanto do CAGED (Cadastro Geral de

Empregados e Desempregados), ambos do MTE (Ministério do Trabalho e

Emprego) do Governo Federal do Brasil.

A título de compreensão das especificidades nas metodologias dos dois

órgãos citados anteriormente (RAIS e CAGED), os dados da RAIS tomam como

referência o estoque de emprego formal do ano base em 31/12 e a

movimentação mês a mês de admitidos e desligados a partir deste período, além

disto, considera todos os estabelecimentos, mesmo os que não apresentaram

movimentação, enquanto que, por outro lado, o CAGED aborda apenas as

27 O Setor Serviços é muito amplo e engloba várias atividades, dentre estas se percebem as atividades características voltadas ao turismo especificadas por órgãos oficiais, como, por exemplo, o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).

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66

movimentações mensais de admitidos e desligados e considera exclusivamente

os estabelecimentos que apresentaram movimentação.

Pelo exposto, far-se-á esta análise comparativa dos anos 2012/2013 com

base em algumas variáveis relevantes, como: a) número de ocupados formais,

b) tipo de atividade, c) grau de instrução, d) sexo, e) idade, f) faixa salarial, g)

tamanho do estabelecimento, h) tempo no emprego e i) horas contratuais.

Comparação do número de Ocupados Formais no Turismo em Alagoas (2012 -

2013).

O número de ocupados formais em 2012 corresponde a 9.583, enquanto

que, no ano seguinte (2013) são 10.032 ocupados formais, tendo um aumento

de 449 novos empregados no mercado de trabalho formal no Turismo, conforme

Gráfico 01:

Gráfico 01 - Comparação do número de Ocupados Formais no Turismo em

Alagoas (2012 - 2013)

Fonte: IPEA, 2012/2013.

Ainda se percebe que, comparando o subsetor Turismo com o setor Serviços

(neste caso, para efeito de análise, exclui-se o Turismo) e em relação aos outros

setores (neste caso, para efeito de análise, exclui-se o setor Serviços e seu

Page 70: Caleidoscópios Ano 1 - Número 1.pdf

67

subsetor Turismo), pode-se verificar que, no ano de 2012, os ocupados formais

no turismo em Alagoas (9.583) representaram 6% de todos os admitidos formais

no estado, enquanto os serviços (sem o turismo), com 26.732, corresponderam

a 16% e os demais setores (128.334 ocupados), 78% do total de ocupados em

Alagoas, conforme Gráfico 02:

Gráfico 02 - Comparação do número de Ocupados Formais - Subsetor Turismo

em relação ao Setor Serviços e demais Setores em Alagoas (2012 - 2013)

Fonte: IPEA, 2012/2013.

Com relação a 2013, o turismo (10.032 ocupados) manteve os 6%, enquanto

os serviços (27.631) aumentaram o índice para 18% e os demais setores

(120.449) registraram redução para 76% em relação a 2012, conforme Gráfico

03:

Gráfico 03 - Comparação do número de Ocupados Formais – Subsetor Turismo

em relação ao Setor Serviços e demais Setores em Alagoas (2012/2013)

TurismoTurismoTurismoTurismo

6%6%6%6% Serviços (exceto Serviços (exceto Serviços (exceto Serviços (exceto

Turismo)Turismo)Turismo)Turismo)

16%16%16%16%

Série1Série1Série1Série1; ; ; ; Demais Demais Demais Demais

Setores (exceto Setores (exceto Setores (exceto Setores (exceto

Serviços e Turismo)Serviços e Turismo)Serviços e Turismo)Serviços e Turismo); ; ; ;

128334128334128334128334; ; ; ; 78%78%78%78%

Comparativo 2012Comparativo 2012Comparativo 2012Comparativo 2012

Turismo² Serviços³ (exceto Turismo) Demais Setores (exceto Serviços e Turismo)

Page 71: Caleidoscópios Ano 1 - Número 1.pdf

68

Fonte: IPEA, 2012/2013.

Comparação do número de Ocupados Formais no Turismo em Alagoas – Por

Atividade (2012 - 2013).

No que tange aos tipos de atividades do turismo, pode-se perceber que,

dentre os setores que tiveram aumento de 2012 para 2013, destacam-se

alojamento, que passou de 4.033 (2012) para 4.499 (2013) e alimentação, de

3.324 (2012) para 3.545 (2013), como demonstra o Gráfico 04:

Gráfico 04 - Comparação do número de Ocupados Formais no Turismo em

Alagoas – Por Atividade (2012 - 2013)

Fonte: IPEA, 2012/2013.

Série1Série1Série1Série1; ; ; ; TurismoTurismoTurismoTurismo; ; ; ;

10032100321003210032; ; ; ; 6%6%6%6%

Série1Série1Série1Série1; ; ; ; Serviços Serviços Serviços Serviços

(exceto Turismo)(exceto Turismo)(exceto Turismo)(exceto Turismo); ; ; ;

27631276312763127631; ; ; ; 18%18%18%18%

Série1Série1Série1Série1; ; ; ; Demais Demais Demais Demais

Setores (exceto Setores (exceto Setores (exceto Setores (exceto

Serviços e Serviços e Serviços e Serviços e

Turismo)Turismo)Turismo)Turismo); ; ; ; 120449120449120449120449; ; ; ;

76%76%76%76%

Comparativo 2013Comparativo 2013Comparativo 2013Comparativo 2013

Turismo Serviços (exceto Turismo) Demais Setores (exceto Serviços e Turismo)

Page 72: Caleidoscópios Ano 1 - Número 1.pdf

69

Comparação do número de Ocupados Formais no Turismo em Alagoas – Por

Grau de Instrução (2012 - 2013).

Em relação ao grau de escolaridade ou instrução, percebe-se o aumento

do número de ocupados (admitidos), de 2012 para 2013, com níveis de

escolaridades maiores em detrimento dos que apresentaram menores graus de

escolaridade, como, por exemplo, os ocupados com ensino médio e superior

incompleto passaram de 5.875 para 6.387 e com superior completo, de 476 para

544, conforme o Gráfico 05:

Gráfico 05 - Comparação do número de Ocupados Formais no Turismo em

Alagoas – Por Grau de Instrução (2012 - 2013)

Fonte: IPEA, 2012/2013.

Comparação do número de Ocupados Formais no Turismo em Alagoas – Por

Sexo (2012/2013).

No que diz respeito ao gênero ou sexo, verifica-se que, aumentou tanto o

número de homens ocupados no mercado formal do turismo, quanto o número

de mulheres, pois enquanto os admitidos do sexo masculino passaram de 5.299

(2012) para 5.394 (2013), os do sexo feminino passaram de 4.284 para 4.637,

ou seja, o crescimento de mulheres em ocupações formais nas atividades

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70

características do turismo foi maior do que o dos homens, isto é, foram admitidos

do ano para o outro mais 353 mulheres e apenas 95 homens, como mostra o

Gráfico 06:

Gráfico 06 - Comparação do número de Ocupados Formais no Turismo em

Alagoas – Por Sexo (2012 - 2013)

Fonte: IPEA, 2012/2013.

Comparação do número de Ocupados Formais no Turismo em Alagoas – Por

Idade (2012 - 2013).

Em relação à faixa etária, destacam-se os ocupados formais na faixa

etária de 25 a 49 anos de idade, inclusive apresentando o maior aumento de

admissões do ano de 2012 para o de 2013, conforme o Gráfico 07:

Gráfico 07 - Comparação do número de Ocupados Formais no Turismo em

Alagoas – Por Idade (2012 - 2013)

2012 2013

Masculino 5299 5394

Feminino 4284 4637

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71

Fonte: IPEA, 2012/2013.

Comparação do número de Ocupados Formais no Turismo em Alagoas – Por

Faixa Salarial (2012/2013).

Com relação à faixa salarial, percebe-se que o maior número de ocupados

formais recebe até dois salários mínimos, além disto, esta faixa de remuneração

registrou o maior aumento nas admissões, do ano de 2012 para o de 2013, ou

seja, 360 contratados a mais de um ano para o outro, como mostra o Gráfico 08:

Gráfico 07 - Comparação do número de Ocupados Formais no Turismo em

Alagoas – Por Faixa Salarial (2012 - 2013)

Fonte: IPEA, 2012/2013.

2012; Até 24 anos; 1825

2012; De 25 a 49 anos; 6925

2012; 50 anos ou mais; 832

2013; Até 24 anos; 1926

2013; De 25 a 49 anos; 7231

2013; 50 anos ou mais; 875

2012 2013

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72

Comparação do número de Ocupados Formais no Turismo em Alagoas – Por

Tamanho do Estabelecimento (2012/2013).

No que se refere ao tamanho do estabelecimento, verifica-se que, a maior

parte dos empregados formais está inserida em empresas de pequeno a médio

porte (considerando, nesta análise, o tamanho da empresa pela quantidade de

funcionários), além disto, houve aumento significativo de 812 ocupados do ano

para o outro, conforme o Gráfico 08:

Gráfico 08 - Comparação do número de Ocupados Formais no Turismo em

Alagoas – Por Tamanho do Estabelecimento (2012 - 2013)

Comparação do número de Ocupados Formais no Turismo em Alagoas – Por

Tempo no Emprego (2012/2013).

Um dado que chama a atenção é que, a maioria dos ocupados, ou seja,

3.948 (2012) e 4.058 (2013) permanecem menos de doze meses no emprego,

como é demonstrado no Gráfico 09:

Page 76: Caleidoscópios Ano 1 - Número 1.pdf

73

2012; Menos de 12 meses; 3948

2012; De 12 a 23 meses; 1743

2012; De 24 a 59 meses; 2411

2012; 60 meses ou mais; 1481

2013; Menos de 12 meses; 4058

2013; De 12 a 23 meses; 1752

2013; De 24 a 59 meses; 2607

2013; 60 meses ou mais; 1615

2012 2013

Gráfico 09 - Comparação do número de Ocupados Formais no Turismo em

Alagoas – Por Tempo no Emprego (2012 - 2013)

Fonte: IPEA, 2012/2013.

Comparação do número de Ocupados Formais no Turismo em Alagoas – Por

Horas Contratuais (2012 - 2013).

Por fim, no que diz respeito aos ocupados formais com relação às horas

contratuais, a maior parcela se encontra na jornada de trabalho semanal de 41

horas ou mais, inclusive neste caso, com registro de aumento de 457 admitidos

do ano de 2012 para o ano de 2013, conforme o Gráfico 10:

Gráfico 10 - Comparação do número de Ocupados Formais no Turismo em

Alagoas – Por Horas Contratuais (2012 - 2013)

Fonte: IPEA, 2012/2013

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74

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A seguir, em termos de considerações finais, serão destacadas algumas

conclusões, no que diz respeito às admissões no mercado de trabalho formal em

Alagoas e nas atividades relacionadas ao subsetor Turismo pertencentes ao

setor de Serviços, como:

� De 2012 para 2013 houve um aumento de 449 novas admissões geradas

pelas atividades relacionadas ao Turismo em Alagoas;

� O Turismo é responsável por aproximadamente 6% de todos os empregos

formais (com carteira assinada) gerados na economia alagoana;

� As atividades de alojamento (por exemplo, hotelaria) e alimentação (por

exemplo, restaurantes), foram responsáveis pelo maior volume de contratações;

� Os ocupados formais que foram admitidos nos últimos anos apresentam

maiores níveis de escolaridade;

� Em 2013 foram contratadas 353 mulheres a mais em relação a 2012,

enquanto que, por outro lado, foram 95 homens a mais em 2013 comparando-

se a 2012;

� O maior número de contratados nos últimos anos no subsetor Turismo se

encontra na faixa etária compreendida entre 25 e 49 anos de idade;

� A maior parte dos ocupados formais recebe até dois salários mínimos;

� Os empregados, em sua maioria, encontram-se ocupados em empresas

de pequeno e médio porte;

� As atividades relacionadas ao turismo apresentam grande rotatividade de

empregados, pois a maior parte destes ocupados não dura um ano no emprego;

� A jornada de trabalho semanal da maioria dos empregados é de 41 horas

ou mais.

Page 78: Caleidoscópios Ano 1 - Número 1.pdf

75

REFERÊNCIAS

FIGUEIREDO, Thiago Queiroz de; SPINELLI, Carlos Humberto. Diagnóstico

Atual do Mercado de Trabalho Formal em Alagoas: Breve Análise dos Últimos

Sete Anos (2007 – 2014), Olhares plurais – Revista Eletrônica Multidisciplinar ,

vol. 2, n° 11, 2014.

IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada, Extrator de dados, 2012 –

2013.

MTE - Ministério do Trabalho e de Emprego, CAGED – Cadastro Geral de

empregados e desempregados, 2012 – 2013.

MTE - Ministério do Trabalho e de Emprego, RAIS – Relação Anual de

Informações, 2013 – 2014.

Page 79: Caleidoscópios Ano 1 - Número 1.pdf

76

REGRAS PARA PUBLICAÇÃO

1.Todos os originais serão apresentados na versão definitiva. Os textos devem ser enviados

em formato Word, em Times New Roman, ou arial corpo 12, com espaçamento entre linhas

de 1,5 e margens normais (2,5 cm inferior e superior - 3 cm direita e esquerda).

2. Na primeira página do texto devem ser incluídos para cada autor/a os seguintes elementos:

nome, titulação, área de docência e endereço eletrônico.

3. Poderão ser incluídos nos artigos apresentados quadros, figuras, fotografias ou desenhos

que esclareçam os argumentos expostos, desde que em número reduzido e fornecidos com

boa qualidade. As imagens devem ser enviadas no mesmo documento do texto e também

separadamente, com extensão JPEG ou TIF. O tipo de letra que as imagens eventualmente

contenham deverá ser Helvetica (em alternativa Arial), corpo 9, regular. Todas as imagens

têm de ser acompanhadas por indicação clara da fonte e dos respetivos direitos de autor.

4. Os artigos serão sempre acompanhados por um resumo e título em português e inglês (ou

em francês). O resumo não deve exceder os 900 caracteres com espaços. Os/as autores/as

poderão também sugerir um conjunto de palavras-chave em número não superior a 5, em

português e inglês (e se possível em francês). As palavras-chave a incluir na versão publicada

são decididas pela revista, ponderando em simultâneo as sugestões dos/as autores/as e os

critérios de normalização.

5. As referências bibliográficas serão sempre feitas no corpo do texto, na forma abreviada da

indicação, entre parênteses curvos, do último apelido do/a autor/a, data de publicação e, se

for caso disso, número de página (a seguir a dois pontos). Se se tratar de uma citação indireta,

essas indicações serão precedidas da palavra apud. Exemplos:

Um/a só autor/a: (SILVA, 1995, p.42).

Dois/duas autores/as: (MEIRA E SOUZA, 1985, p. 22).

Três ou mais autores/as: (SENNA et al., 1989).

Citação indireta: (apud Ferreira, 1992: 217).

6. Será incluída no final, com o título “Referências”, a lista completa, por ordem alfabética de

apelidos de autores/as, das obras que tenham sido referidas ao longo do texto (e apenas

destas). Tratando-se de mais de um/a autor/a, os nomes serão separados por ponto e vírgula.

O(s) nome(s) próprio(s) dos/as autores/as não devem nunca ser abreviados (ex.: Wallerstein,

Immanuel, e não Wallerstein, I.). Se se tratar de uma tradução, deve incluir-se o nome do/a

tradutor/a. Para além do local de publicação, deverá sempre indicar-se também a editora. Nas

referências a artigos em revistas ou a capítulos de coletâneas deve indicar-se sempre as

páginas ocupadas pelo texto citado.

7. O envio para avaliação e publicação deverá ser feito para os e-mails: [email protected] [email protected] [email protected]

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77

FACULDADE PITÁGORAS DE MACEIÓ

DIREÇÃO GERAL:

TATTIANA TESSYE FREITAS DA SILVA

DIREÇÃO ACADÊMICA:

ELDA BEZERRA ROQUE NICÁCIO

REVISTA CALEIDOSCÓPIO, ANO 1, NÚMERO 1, ago-out, 2016

CONTRIBUIRAM PARA ESTE NÚMERO

Carlos Eduardo Ávila Carlos Humberto Spinelli Maria Claudicea Brandão

Savanna Kelly Ribeiro Matias Simone Arestides de Lima

Thiago Queiroz de Figueiredo Tattiana Tessye Freitas da Silva