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estudos sobre o século xvii 2017n. 37 issn 1413-6651jul-dez
imagem O Pintassilgo, obra realizada em 1654 pelo pintor holandês Carel Fabritius.
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NOTÍCIAS
DEFESA DE MESTRADO
o problema da felicidade no melhor dos mundos possíveis
Cristian Vasconcellos Paoletti
orientadora: Profª. Dra. Tessa Moura Lacerda
03/07/2017
resumo: Consagrado pela doutrina de que o nosso mundo é o melhor
dos mundos possíveis e por seu otimismo em relação à humanidade, o
filósofo alemão G. W Leibniz (1646-1716) não poderia deixar de tecer
considerações sobre o problema da felicidade humana. Mas, em face das
inúmeras mazelas que afligem a humanidade, e sendo o leibnizianismo
um otimismo teísta, fundado na convicção a respeito do governo so-
berano de um Deus bom, segundo o qual se admite a existência de uma
ordem moral e divina do Universo, apresenta-se para o pensador algu-
mas dificuldades no que tange à defesa da tese do melhor dos mundos,
se quisermos admitir que este “melhor” consiste de um plano divino
que diz respeito de alguma forma à humanidade e a seu bem estar, de-
mandando-se, assim, a justificação de sua posição à luz da experiência
humana observável e dos aspectos metafísicos, teológicos e morais de
seu pensamento. O presente trabalho visa, assim, tratar do problema da
felicidade no melhor dos mundos possíveis, partindo-se da exploração da
concepção leibniziana de felicidade, elucidando-se o sentido da tese
do melhor dos mundos possíveis, e culminando com a defesa da tese
de que, a despeito das aparências em sentido contrário, neste “melhor
mundo”, a felicidade dos espíritos é o principal – embora não o único
– desígnio de Deus, considerando-se também o papel de uma solução
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escatológica e levando-se em conta que a felicidade, para o autor não é
um atributo estático do mundo, mas parte de um progresso perpétuo em
perfeição e na direção de novos prazeres.
DEFESAS DE DOUTORADO
john locke e a liberdade republicana
Rodrigo Ribeiro de Souza
orientador: Prof. Dr. Alberto Ribeiro Gonçalves de Barros
16/02/2017
resumo: Ao longo da história da filosofia, John Locke tem sido fre-
quentemente apresentado sob o rótulo de “pai do liberalismo”, o que
decorre, invariavelmente, de um modo peculiar de interpretação da no-
ção de liberdade para o filósofo, que estaria estruturada em torno da
ideia de não-interferência, Derivada frequentemente de propostas ana-
líticas realizadas em um “vácuo histórico”, em que as ideias de Locke
são tomadas como uma estática coleção, tal conclusão expressa uma
perspectiva que não considera o caráter essencialmente discursivo da
filosofia política e o “campo problemático” em que os conceitos foram
pensados pelo filósofo. Se tomarmos a obra de Locke a partir de um
campo mais abrangente, constituído por diferentes “atos de discurso”,
em que sejam considerados as condições e o contexto em que os ele-
mentos textuais foram enunciados, recuperando-se o aspecto polêmico
do texto, pode ser evidenciado um traço marcadamente republicano no
conceito de liberdade formulado pelo autor. Partindo da perspectiva de
John Pocock acerca do processo de formação do republicanismo inglês,
segundo a qual as matrizes republicanas foram recebidas na Inglaterra a
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partir do século xvi, desencadeando um longo processo de “anglicização
da república”, no qual diferentes “momentos” podem ser identificados,
e tomando como pressuposto a dupla filiação do conceito moderno de
liberdade, proposta por Jean-Fabien Spitz, o propósito deste trabalho é
colher os elementos que apontam em que medida a noção de liberdade
defendida por Locke em sua obra política pode ser considerada tributá-
ria dos argumentos desenvolvidos nos “momentos” precedentes em que
se expressou o pensamento republicano na Inglaterra, o que permitiria
incluí-la como referência de um importante “ato” do longo discurso
que culminou na formulação do conceito republicano de liberdade.
o infinito em peso, número e medida: a comparação dos incomparáveis na obra de blaise pascalJoão Figueiredo Nobre Corteseorientador: Prof. Dr. Luís César Guimarães Oliva30/10/2017
resumo: Este trabalho mostra a unidade da obra de Pascal no que diz
respeito à “comparabilidade dos incomparáveis”: a comparação, lin-
guística ou matemática, que é feita entre coisas que não poderiam, em
princípio, ser aproximadas. Trata-se de fazer uma abordagem histórica
e linguística para colocar questões filosóficas sobre a comparação, em
particular sobre o papel fundamental que o infinito desempenha de
acordo com Pascal. Identificamos a comparação de incomparáveis sob
três formas. A primeira parte deste trabalho é dedicada à formulação de
uma forma de analogia retórica que chamamos de analogia de despropor-
ção (inspirada por Secretan 1998). Se geralmente se diz que a analogia
faz uma comparação entre duas relações, cada uma das quais existe en-
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tre coisas homogêneas, a analogia da desproporção torna possível, por
outro lado, mostrar uma semelhança entre relações de heterogeneidade,
entre desproporções ou entre distâncias infinitas: duas coisas são tão
diferentes entre si quanto duas outras. Pascal sendo um autor que en-
fatiza as desproporções acima de tudo, mostramos que ele compara as
desproporções, em especial para delimitar o que o homem não conhece
perfeitamente. A segunda parte analisa a prática matemática de Pascal
“em peso, número e medida’’: trata-se de mostrar que no método dos
indivisíveis das Cartas de A. Dettonville, no Tratado do triângulo aritmético e
na comparação das linhas curvas e retas, sempre o infinito (ou melhor,
o indefinido) intervém como um fator que permite a comparabilidade
do que parecia incomparável. A terceira parte faz uma discussão filosó-
fica sobre o infinitamente pequeno e o infinitamente grande, levando
em consideração a prática matemática de Pascal. Discutimos a natureza
dos “indivisíveis’”, “diferenças’’ e “distâncias infinitas”. Propomos que
o “infinito” na prática matemática de Pascal é melhor compreendido
como um “indefinido”, ligando-o a uma distinção entre o significado
absoluto e o significado relativo das palavras. Uma exceção na prática
matemática de Pascal é a geometria projetiva, onde devemos aceitar ele-
mentos a distância infinita. O “encontro’” dos dois infinitos, finalmente,
permite mostrar a reciprocidade do infinito de grandeza e do infinito de
pequenez. Uma discussão é feita sobre este assunto, ligando a proporção
inversa entre os dois infinitos à grandeza e à pequenez do homem, e
ao caráter paradoxal de certas verdades de acordo com Pascal, as quais
são resolvidas na pessoa de Jesus Cristo. Concluímos que Pascal traz do
infinito não um conhecimento direto, mas uma abordagem da relação
que o homem, ser finito, tem com o infinito.
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SUI JURIS, FORTUNAE JURIS: ensaio sobre ontologia e história em espinosaAntônio Mario David Siqueira Ferreiraorientadora: Profª. Dra. Marilena de Souza Chaui
10/11/2017
resumo: A pesquisa visa a estabelecer o conceito de história em Espi-
nosa. Na Introdução, discute-se o estatuto da linguagem em Espinosa
e a maneira pela qual se interpreta a obra. A primeira parte, dedicada à
ontologia, contém quatro capítulos: a crítica de Espinosa aos filósofos
(capítulo 1), a refutação do finalismo (capítulo 2), a teoria da causali-
dade (capítulo 3), a centralidade da noção de ordem (capítulo 4). O
Apêndice da primeira parte versa sobre o conceito de regra de vida. A
segunda parte é dedicada à concepção de história em Espinosa e com-
preende três capítulos: o conceito de multitudo (capítulo 1), o trabalho
na gênese da vida comum (capítulo 2); a revolta popular (capítulo 3).
No Apêndice da segunda parte discute-se a noção de democracia. Na
conclusão, procura-se delinear um conceito de história amparado na
ontologia espinosana.
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LANÇAMENTOS
leibniz e hobbes: causalidade e princípio de razão suficienteCeli Hirataedusp
É notório que Leibniz sempre buscava nas outras filosofias pontos de
convergência com a sua, mostrando que havia algo de verdadeiro em
todas elas, ao mesmo tempo que lhes fazia duras críticas, apontando suas
limitações e deixando claro ao leitor por que era preciso abandone-las
em nome do seu sistema. Esse procedimento, tão conciliador quanto
ardiloso, deixa-se revelar com especial virulência na relação de Leibniz
com Hobbes pouco explorada pela tradição de comentário e tema desse
belo livro de Celi Hirata, cuja base foi sua tese de doutorado premiada
pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(Capes) como a melhor tese de filosofia em 2013. A autora mostra com
muita precisão argumentativa e fidelidade aos textos originais, quanto a
elaboração leibniziana do princípio de razão suficiente, ponto fulcral de
seu racionalismo integral, foi devedora da noção hobbesiana de causa-
lidade, segundo a qual a reunião de todos os requisitos necessários para
a produção de um efeito não só permite que esse efeito seja produzido
como não pode deixar de produzi-lo. Essa noção levará à formulação de
algumas das principais teses hobbesianas, como a necessidade absoluta
de tudo que ocorre no universo, o materialismo radical e a impossibili-
dade de investigação racional da natureza divina. Ora, se Leibniz parte
da causalidade hobbesiana para formular o seu princípio, o alargamento
que faz da noção de razão (para além da mera causalidade eficiente
que Hobbes tinha em vista) acaba por permitir que o filósofo alemão
derrube cada uma das teses hobbesianas mencionadas. A insuficiência
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do mecanicismo para dar conta da realidade levará Leibniz a afirmar a
imaterialidade das substâncias, a contingência da criação e a justiça su-
prema de Deus. De Hobbes, Leibniz guardará a crítica à indeterminação
e ao acaso, mas o sentido dessa crítica será completamente subvertido.
Ao apresentar-nos meticulosamente todas as etapas desse processo, este
livro de Celi Hirata, de certo modo, nos conta a história de um parri-
cídio, talvez não o único presente na obra de Leibniz, mas certamente
um dos mais cruéis.
alegria e felicidade: a experiência do processo liberador em espinosaMarcos Ferreira de Paulaedusp
Este é um livro de grande interesse tanto para iniciantes quanto para
especialistas no pensamento de Baruch de Espinosa (1632-1677). Aqui,
com grande clareza e beleza, Marcos Ferreira de Paula explora a maneira
engenhosa como a filosofia espinosana faz da alegria um instrumento
essencial para a construção da liberdade humana tanto na ética quanto
na política. De fato, se a filosofia espinosana é simultaneamente uma
filosofia da liberdade e uma filosofia contra a superstição, ela própria
é igualmente seu mais potente exemplo de como filosofar é, acima de
tudo, um elevado modo de vida – a vida do homem livre e sábio, o
homem que “em nada pensa menos que na morte” –, uma constante e
consciente busca do bem-estar, a Felicidade. Desde seus primeiros escri-
tos Espinosa busca orientar seu leitor no tortuoso caminho de superação
da servidão, um caminho que tem início no reconhecimento de suas
impotências intelectuais e passionais. Para bem além, no entanto, da an-
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terior denúncia feita por Descartes acerca da presença do erro em nosso
conhecimento. Espinosa mostra que nosso maior defeito é de ordem
passional: uma cadeia de tristezas, ódios e más alegrias que desequilibra
em cada um de nós a potência de nosso corpo e da nossa mente e nos
entrega à superstição e à servidão, que por sua vez realimentam essa
mesma cadeia de afetos tristes ou inadequados. Contra essa enlouque-
cida experiência da tristeza, todavia, Espinosa mostra que nosso conatus,
aliado aos nossos amores e alegrias e principalmente à nossa potência
para produzir e ampliar uma pluralidade de alegres afetos múltiplos e
simultâneos, mantém em nós o desejo em ato da produção autônoma
de nosso bem-estar – ou nossa felicidade –, e também por isto a alegria
é instrumento de conquista de uma vida livre e sábia, dedicada à filoso-
fia e à multiplicação da própria cadeia de afetos alegres. Como Marcos
Ferreira de Paula mostra de múltiplas maneiras nesta sua intensa inves-
tigação da teoria espinosana dos afetos, a partir de Espinosa não há mais
como dissociarmos vida filosófica e Felicidade.
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EVENTOS
iii congresso ibero-americano leibniz
Entre os dias 6 e 9 de novembro, aconteceu em Curitiba, na ufpr, o iii
Congresso Ibero americano Leibniz. Foi a primeira vez que os professo-
res e pesquisadores dos diversos países participantes da Red Iberoameri-
cana Leibniz se reuniram no Brasil, aproveitando a ocasião para refletir
também sobre a situação atual das universidades brasileiras. Os membros
do Congresso redigiram uma carta com pedido de esclarecimento das
circunstâncias da prisão do reitor da ufsc, Luiz Carlos Cancellier de
Olivo – a prisão levou o reitor à morte por suicídio.
prêmio jabuti
No dia 31 de outubro de 2017, foram anunciados os vencedores
da 59ª Edição do Prêmio Jabuti, que contemplou a Professora Marile-
na de Souza Chaui na categoria de Ciências Humanas com o segundo
volume de A nervura do real: imanência e liberdade em Espinosa, publicado
pela Editora Companhia das Letras, no ano de 2016.
Voltando-se para a noção de liberdade, Marilena Chaui comple-
ta o percurso iniciado no primeiro volume do Nervura, publicado há 18
anos, e no qual tratava sobre a noção de imanência. Assim, no segundo
volume, a autora cumpre de maneira geral dois propósitos, de um lado
mostra que a imanência de Deus à Natureza não impede, mas é condi-
ção da existência das coisas singulares, e do outro lado que a necessidade
não impede, mas define a liberdade.
Nessa mesma categoria foram contemplados, em 2º lugar o livro
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A radiografia do golpe: entenda como e por que você foi enganado, de Jessé
Souza, publicado pela Editora Leya. E em 3º lugar o livro A tentação Fas-
cista no Brasil: Imaginário de Dirigentes e Militantes Integralistas, de Hélgio
Trindade, publicado pela Editora da ufrgs.
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TÍTULO DE PROFESSORA EMÉRITA
No dia 13 de dezembro de 2017, no Auditório Nicolau Sevcenko,
localizado no Conjunto didático de Geografia e História da Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo,
foi realizada a Cerimônia de outorga do título de Professora Emérita à
Marilena de Souza Chaui.
Segundo o artigo 93 do Estatuto da usp, o título de professor
emérito é uma distinção concedida a professores aposentados, que se
destacaram por atividades didáticas e de pesquisa ou que tenham con-
tribuído de modo notável, para o progresso da Universidade.
Marilena Chaui realizou toda a sua formação acadêmica no De-
partamento de Filosofia da Universidade de São Paulo, instituição na
qual lecionou como professora titular desde 1986. É reconhecida nacio-
nal e internacionalmente, sobretudo pelos trabalhos desenvolvidos em
torno da filosofia de Espinosa. Trabalhos entre os quais se destacam os
dois volumes de A nervura do real, vencedores do Prêmio Jabuti nos anos
de 2000 e 2017, respectivamente. Além disso, Marilena Chaui tem tam-
bém, uma pesquisa vasta e consistente sobre a filosofia de Maurice Mer-
leau-Ponty, que começou com sua dissertação de mestrado defendida
em 1971, intitulada Merleau Ponty e a crítica do humanismo. Considerando
sua formação e dedicação a essas duas vertentes do pensamento filosó-
fico dos séculos xvii e xx, Marilena Chaui já orientou e ainda tem sob
sua tutela várias pesquisas de mestrado e doutorado, além de coordenar
e participar ativamente do Grupo de Estudos Espinosanos.
Marilena Chaui é uma professora engajada, cuja produção in-
telectual é ampla e engloba desde questões concernentes à filosofia, a
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discussões sobre a política brasileira, crítica da cultura, reflexões sobre a
Universidade etc. Ademais, além de publicações voltadas para a comuni-
dade acadêmica, a professora Marilena Chaui tem, também publicações
consagradas voltadas para o ensino de filosofia aos alunos de ensino
médio, como Iniciação à Filosofia e Convite à Filosofia, obra com a qual
ganhou o seu primeiro Prêmio Jabuti em 1995.
Levando em conta a trajetória de Marilena Chaui, sua produção
e engajamento em diferentes esferas, a professora Maria das Graças de
Souza afirma, ao redigir o convite de outorga do título de professora
Emérita, que “a vasta e diversifica produção” da professora Marilena
“veiculada em artigos, conferências e cursos, no Brasil e no exterior, é,
sem dúvida, uma contribuição decisiva para a formação de estudantes e
professores da área de Filosofia e de Ciências Humanas”.