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CADERNO DE TEXTOS PARA ESTUDO E DEBATES

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Caderno de textos para estudo e debates - Marcha das Margaridas 2007Caderno de textos para estudo e debates - Marcha das Margaridas 2007 1

CADERNO DE TEXTOS

PARA ESTUDOE DEBATES

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Caderno de textos para estudo e debates - Marcha das Margaridas 2007Caderno de textos para estudo e debates - Marcha das Margaridas 20072

PresidenteManoel José dos Santos

Vice-presidente e Secretário de Relações InternacionaisAlberto Ercílio Broch

Secretário GeralDavid Wylkerson Rodrigues de Souza

Secretário de Finanças e AdministraçãoJuraci Moreira Souto

Secretária de Formação e Organização SindicalRaimunda Celesti na de Mascena

Secretário de Assalariados e Assalariadas RuraisAntonio Lucas Filho

Secretário de Políti ca Agrária e Meio AmbientePaulo de Tarso Caralo

Secretário de Políti ca AgrícolaAntoninho Rovaris

Secretária de Políti cas SociaisAlessandra da Costa Lunas

Coordenadora da Comissão Nacional de MulheresTrabalhadoras RuraisCarmen Helena Ferreira Foro

Coordenadora da Comissão Nacional de JovensTrabalhadores e Trabalhadoras RuraisMaria Elenice Anastácio

Diretoria Executi va da CONTAG(Gestão 2005 - 2009)

Elaboração: CONTAGCoordenação: Comissão Nacional de Mulheres Trabalhadoras RuraisRevisão de Texto: Maria do Socorro Souza e Sara Deolinda Cardoso PimentaDiagramação: Fernando José de Sousa

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Caderno de textos para estudo e debates - Marcha das Margaridas 2007Caderno de textos para estudo e debates - Marcha das Margaridas 2007 3

SUMÁRIO

Apresentação ............................................................................................................ 05

Marcha das Margaridas 2007 ................................................................................... 07

Temas Mobilizadores

Terra, Água e Agroecologia ................................................................................... 09

Segurança alimentar e nutricional e a construção da Soberania Alimentar ........ 17

Trabalho, renda e economia solidária ................................................................... 21

Garanti a de emprego e melhores condições de vida de trabalho dasassalariadas rurais ................................................................................................ 25

Políti ca de valorização do salário mínimo ............................................................ 31

Em defesa de uma Previdência Social Pública e Solidária .................................... 35

Em defesa da Saúde Pública e do SUS .................................................................. 41

Em defesa da Educação do Campo não-sexista .................................................... 45

Violência Contra as Mulheres ............................................................................... 49

Anexo - Planilha de Registro ................................................................................... 53

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Caderno de textos para estudo e debates - Marcha das Margaridas 2007

APRESENTAÇÃO

Nesse momento de construção da MARCHA DAS MARGARIDAS 2007 precisamos priorizar e usar toda nossa criati vidade para fortalecer e ampliar os espaços de formação, debate e arti culação políti ca das mulheres trabalhadoras rurais.

Para contribuir com o processo, a CONTAG elaborou este Caderno de Textos com a

fi nalidade de subsidiar a formação dos grupos de mulheres trabalhadoras rurais e orientar a

refl exão políti ca acerca dos temas da Marcha das Margaridas 2007.

O caderno trata de temas abordados no Seminário Nacional da Marcha das Margaridas,

realizado em novembro de 2006, em Brasília/DF, e incorpora as principais contribuições das

FETAGs e de diversas organizações parceiras e apoiadoras que parti ciparam do seminário.

Os textos temáti cos têm por fi nalidade informar, contextualizar, atualizar e provocar a refl exão

junto às mulheres trabalhadoras rurais e organizações parceiras da Marcha das Margaridas.

Alguns desses temas como terra, salário mínimo, previdência, saúde e violência, fazem

parte da pauta políti ca permanente do Movimento Sindical e Movimento de Mulheres, mas

precisam ser sistemati camente atualizados e qualifi cados. Outros temas como agroecologia,

soberania, segurança alimentar e nutricional, economia solidária e educação do campo não-

sexista estão sendo pautados mais recentemente. Estes temas, especialmente, precisam ser

apropriados e debati dos pelas mulheres trabalhadoras rurais e suas organizações, uma vez

que demandam novas concepções, posicionamentos e práti cas políti cas.

O Caderno de Texto trás, ao fi nal de cada tema, algumas questões para refl exão e propostas

para debate para serem analisadas, debati das, atualizadas e, se for o caso, adequadas à

realidade de cada município, estado e região.

As refl exões e propostas deverão ser sistemati zadas na planilha de registro (anexo 1).

As FETAGs e enti dades parceiras deverão registrar as refl exões e propostas dos grupos de

mulheres, e sistemati zar todas as contribuições num relatório a ser enviado para a CONTAG

([email protected]) até 10 de julho de 2007.

Agradecemos a contribuição das pessoas e enti dades que parti ciparam do Seminário

Nacional da Marcha das Margaridas, o que subsidiou a elaboração deste Caderno: Jean Marc

– Rede ASPTA e ANA; Bethânia Ávila e Carmen Silva – SOS CORPO; Sebasti ana Ferreira C. Silva

– MIQCB; Nalu Faria – SOF e MMM; Marilene Melo - CONSEA; Graciela Suzana Rodriguez

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- REBRIP; Andréa Butt o - PPIGRE-MDA; Dirce Grosz – SPM; Ilda Pereira - MMTR-NE; Cláudio

Nascimento - SES; Maria Alves de Souza – CNJTTR; Lílian Arruda - DIEESE – DF; Antonia Dantas

- FETARN.

O resultado deste processo políti co pedagógico será sistemati zado nacionalmente e

incorporado ao Documento e Pauta de Reivindicações da Marcha das Margaridas 2007.

Bons debates!

Coordenação da Comissão Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais

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1 - CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, FETAGs- Federações Estaduais dos Trabalhadores na Agricultura, STTRs – Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, CUT – Central Única dos Trabalhadores, MMTR-NE: Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Nordeste, MIQCB – Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu, CNS – Conselho Nacional de Seringueiros, MAMA – Movimento de Mulheres da Amazônia, MMM – Marcha Mundial das Mulheres, REDELAC – Rede de Mulheres Rurais da América Lati na e Caribe, COPROFAM – Coordenadora das Organizações e Produtores da Agricultura Familiar / MERCOSUL.

MARCHA DAS MARGARIDAS 2007Estratégia das mulheres trabalhadoras rurais contra a fome, a pobreza e a violência sexista

1. A MARCHA DAS MARGARIDAS é considerada um importante marco políti co na trajetória de luta do Movimento Sindical e Movimento de Mulheres / Feminista, porque traduz o crescente amadurecimento políti co da organização das mulheres trabalhadoras rurais no Brasil e fortalece a luta por um desenvolvimento sustentável, justo e solidário no campo e na cidade.

2. A MARCHA DAS MARGARIDAS já faz parte da agenda permanente do sindicalismo rural brasileiro e do movimento de mulheres. Realizada de três em três anos, esta ação é organizada pela CONTAG, FETAGs, STTRs e CUT, em parceria com o Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais (MMTR/NE, MIQCB, CNS, MAMA), movimentos e redes de mulheres de âmbito internacional (Marcha Mundial das Mulheres, REDELAC, COOPROFAM) 1 e outras organizações colaboradoras e apoiadoras. Seus principais objeti vos políti cos são:

2.1. Superar a desigualdade entre mulheres e homens no campo 2.2. Fortalecer a organização das mulheres no campo2.3. Mobilizar as mulheres a parti r de temas do coti diano 2.4. Denunciar e erradicar a fome, a pobreza e todas as formas de violência contra as

mulheres e no campo 2.5. Investi r na formação políti ca sindical e feminista das mulheres 2.6. Fortalecer a nossa capacidade de proposição e negociação de políti cas públicas

gerais e específi cas para as mulheres, arti culadas com as reivindicações da categoria trabalhadora rural.

3. Em 2007, reafi rmamos o lema – contra a Fome, a Pobreza e a Violência Sexista. Os temas e ações da Marcha das Margaridas dialogam com a proposta do Movimento de Mulheres/Feminista, em especial a Marcha Mundial das Mulheres, e se arti culam e fortalecem o projeto políti co do MSTTR: o PADRSS – Projeto Alternati vo de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário.

4. Os temas-mobilizadores são:

4.1. TERRA, ÁGUA E AGROECOLOGIA

4.2. SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL E A CONSTRUÇÃO DA SOBERANIA

ALIMENTAR

4.3. TRABALHO, RENDA E ECONOMIA SOLIDÁRIA

4.4. GARANTIA DE EMPREGO E DE MELHORES CONDIÇÕES DE VIDA DE TRABALHO DAS

ASSALARIADAS

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4.5. POLÍTICA DE VALORIZAÇÃO DO SALÁRIO MÍNIMO

4.6. EM DEFESA DE UMA PREVIDÊNCIA SOCIAL PÚBLICA E SOLIDÁRIA

4.7. EM DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA E DO SUS

4.8. POR UMA EDUCAÇÃO DO CAMPO NÃO-SEXISTA

4.9. COMBATE Á VIOLÊNCIA SEXISTA

5. Vale ressaltar que o contexto políti co em que está sendo construída e realizada a terceira MARCHA DAS MARGARIDAS é de grandes desafi os. Estamos vivendo um momento histórico em que o capitalismo assume novas confi gurações e se estrutura a parti r do projeto neoliberal e de um modelo econômico globalizado. Outro desafi o a se considerar é o início do segundo Governo Lula e as mudanças ocorridas nos estados com o resultado das Eleições 2006. Quais as possibilidades que temos de avançar no processo de implementação de nosso projeto políti co no campo com este novo cenário políti co? Que aspectos da luta sindical e feminista são possíveis pautar, dialogar e avançar?

6. Para 2007, a perspecti va é que possamos empreender um processo políti co, organizati vo e educati vo no qual as trabalhadoras rurais possam analisar as causas de sua dominação e exploração. No aspecto cultural, precisamos mudar a autopercepção das mulheres do campo acerca do lugar que ocupam e do papel políti co que desempenham na sociedade. No aspecto políti co e econômico precisamos fortalecer a organização das mulheres nos espaços públicos locais, estaduais, nacionais e internacionais ampliando sua capacidade de propor, arti cular e reivindicar alternati vas que atendam as necessidades e demandas das trabalhadoras rurais. Precisamos também ampliar a parti cipação nos espaços de gestão das políti cas públicas, visando corrigir os rumos das políti cas para as mulheres, bem como garanti r a efeti vação e ampliar o acesso aos direitos conquistados visando um desenvolvimento que seja sustentável, justo e solidário.

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TERRA, ÁGUA E AGROECOLOGIA

7. Terra e água são essenciais à vida humana e ao desenvolvimento sustentável. Todos os temas da agenda políti ca da MARCHA DAS MARGARIDAS 2007 estão diretamente relacionados à democrati zação da terra e da água e à garanti a do seu acesso pelas mulheres trabalhadoras rurais. Não há soberania, segurança alimentar e nutricional sem reforma agrária e sem garanti a de acesso à água de qualidade. Assim como não há renda, não há saúde, não há cidadania, não há dignidade, enfi m não há garanti a do direito humano à vida.

8. A MARCHA DAS MARGARIDAS 2007 trata o tema da Agroecologia juntamente com terra e água porque interessa às mulheres trabalhadoras rurais o modo de produzir e trabalhar na terra, as relações sociais estabelecidas no processo produti vo, o respeito à natureza e ao meio ambiente e a produção de alimentos saudáveis e de qualidade. A agroecologia implica na adoção de práti cas que respeitem a diversidade dos ecossistemas, preservem os mananciais, o patrimônio genéti co, produzam alimentos de qualidade, concorram para a sustentabilidade da vida humana e contribuam efeti vamente para a superação das desigualdades de gênero no campo.

9. A MARCHA DAS MARGARIDAS 2007 acredita que as práti cas agroecológicas que fazem parte do dia-a-dia de milhares de mulheres trabalhadoras rurais e do saber acumulado ao longo do tempo por trabalhadores e trabalhadoras rurais podem responder a muitos desafi os colocados para a construção do Projeto Alternati vo de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário. Nesse senti do o compromisso das mulheres trabalhadoras rurais se fortalece na defesa da agricultura familiar de base agroecológica e no combate ao lati fúndio e ao agronegócio.

TERRA

10. Sem reforma agrária não há desenvolvimento sustentável e não é possível construir uma nação verdadeiramente democráti ca e soberana, nem tampouco garanti r a segurança e soberania alimentar.

11. O Movimento Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais luta pela realização de uma ampla e massiva reforma agrária, essencial para promover a ruptura com o modelo de desenvolvimento dominante que é excludente, concentrador da terra e da renda e comprometi do com os interesses do agronegócio. Este modelo destrói o meio ambiente e concorre para o empobrecimento da agricultura familiar.

12. A realização de uma ampla e massiva reforma agrária, além de democrati zar o acesso a terra, amplia e fortalece a agricultura familiar como também potencializa processos de desenvolvimento local sustentável, que favorecem a democracia, a superação das desigualdades nas relações sociais, produti vas e familiares.

13. A Reforma Agrária possibilita a construção de novas formas de ocupação do espaço rural que consideram a relação com a natureza e as questões ambientais. O acesso à terra

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é condição fundamental para o combate à fome, à pobreza e à violência no campo que têm sacrifi cado milhares de homens e mulheres e submeti do trabalhadores e trabalhadoras ao trabalho escravo.

14. São muitos os problemas estruturais de ordem políti ca, fi nanceira, legal, jurídica, administrati va e social, que travam a execução da reforma agrária e limitam a solução defi niti va para o problema agrário brasileiro. Dentre esses destacamos a não aplicação dos requisitos da Função Social da Terra como garanti a do direito de propriedade no Brasil.

15. O cumprimento da função social da terra exige que os proprietários promovam o aproveitamento racional e adequado da propriedade, o respeito ao meio ambiente e à legislação trabalhista e o bem estar dos trabalhadores e trabalhadoras. Destes requisitos, apenas o que diz respeito à produti vidade tem sido observado, e ainda assim de forma parcial, uma vez que os índices que medem o grau de produti vidade estão defasados.

16. Os índices de produti vidade datam da década de 70 e não foram revistos pelo atual governo por força da aliança do agronegócio com o lati fúndio. De lá para cá a tecnologia avançou no campo e a modernização se impôs sacrifi cando e explorando milhares de trabalhadores e trabalhadoras. Os índices de produti vidade, cada dia mais defasados, protegem o lati fúndio, determinando o resultado das vistorias que defi nem a terra como produti va e impedem a sua desapropriação para fi ns de reforma agrária, tendo como conseqüência o não cumprimento da função social da terra.

17. A MARCHA DAS MARGARIDAS 2007 vem denunciar a aliança do agronegócio com o lati fúndio, com o capital internacional e com as empresas transnacionais, especialmente as produtoras de agroquímicos, que impõem a monocultura e impedem a realização da reforma agrária.

18. Sem reforma agrária, milhares de mulheres, homens e crianças conti nuam excluídos dos processos de desenvolvimento, muitos vivendo nos acampamentos, sem terra para trabalhar e viver com dignidade. Nesse contexto persiste a violência, a fome e a pobreza, principalmente entre as mulheres para quem há maior difi culdade no acesso a terra.

ACESSO DAS MULHERES A TERRA

19. A MARCHA DAS MARGARIDAS 2007 defende a reforma agrária para mudar a realidade econômica e social dos trabalhadores e trabalhadoras no campo e na cidade e também para valorizar a atuação das trabalhadoras rurais, em especial no processo produti vo. Nos acampamentos e nos assentamentos, as mulheres têm presença marcada no enfrentamento dos confl itos e na produção, mas não são reconhecidas no momento das negociações e da comercialização dos produtos. Para garanti r cidadania e poder políti co as trabalhadoras rurais precisam garanti r o acesso a terra e ampliar as lutas para o fortalecimento da agricultura familiar, com a preservação do meio ambiente e produção e comercialização de alimentos com qualidade, sustentabilidade e solidariedade.

20. A MARCHA DAS MARGARIDAS 2007 reafi rma a Reforma Agrária ampla e massiva e a

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Agricultura Familiar como pilares para a construção do Projeto de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário. Para isso é preciso prosseguir na luta para a desconstrução da herança do modelo familiar patriarcal, que atribui a vida pública e a propriedade aos homens e a vida privada e domésti ca como à mulher.

21. Embora a Consti tuição Federal, promulgada em 1988, preveja em seu Art.189: “O tí tulo de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil, nos termos e condições previstos em lei”, dados do I Censo da Reforma Agrária, de 1996 revelavam um percentual de apenas 12,6% de mulheres benefi ciárias diretas da Reforma Agrária.

22. Pesquisa da FAO/UNICAMP, em 2002, demonstrou que as mulheres representam 50% da população rural que desenvolvem ati vidades agrícolas e não-agrícolas. No entanto, dos tí tulos distribuídos pelo INCRA, 87% estão em nome dos homens. Dos tí tulos das propriedades familiares consolidadas, 92% estão em nome dos homens.

23. Em agosto de 2000 a Marcha das Margaridas trouxe em sua pauta a garanti a da emissão da documentação da terra em nome do homem e da mulher, ou da mulher em caso individual. A Pauta da Marcha das Margaridas de 2003 além de manter a reivindicação da Titulação Conjunta apresentava a necessidade de readequações no Sistema de Informações no Processo de Reforma Agrária (SIPRA), nos cadastros, contratos, bem como a capacitação dos funcionários e funcionárias das Superintendências do INCRA responsáveis pelas operações e procedimentos para o acesso a terra e à documentação. Em outubro de 2003, durante do processo de negociação da pauta da 2ª Marcha das Margaridas o Governo publicou a Portaria 981 garanti ndo a outorga do Título de Domínio ou do Contrato de Concessão de Uso ao homem e à mulher, obrigatoriamente, nos casos de casamento e união estável.

24. Apesar de alguns avanços, muitas difi culdades persistem e impedem o acesso das mulheres ao Programa de Reforma Agrária. É importante compreender que estas desigualdades estão fundamentadas em aspectos culturais, estruturais e insti tucionais, tendo pôr base o modelo de família patriarcal e a divisão sexual do trabalho.

25. No âmbito da cultura ainda predomina a compreensão de que é o homem quem exerce o trabalho na agricultura, bem como ao homem cabe a propriedade da terra e a gestão da unidade familiar, em detrimento da mulher, que permanece discriminada. Essa situação precisa ser superada nas insti tuições, na sociedade e nos movimentos sociais. Ainda predomina a exclusão das mulheres, sobretudo das mulheres chefes de família que não encontram apoio e estí mulo para se candidatarem como benefi ciárias da reforma agrária.

26. Na área insti tucional, muito embora o II Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) reconheça as relações de gênero como estruturantes das relações sociais no meio rural e as mulheres como agentes políti cos na construção da reforma agrária e consolidação da agricultura familiar, na práti ca há muito por construir. É necessário garanti r mudanças nos procedimentos que compõem o processo de acesso a terra, que tem início com a inscrição de benefi ciária do Programa de Reforma Agrária até a etapa de assentamento e posterior ti tulação. Um longo caminho insti tucional é preciso percorrer no qual estão presentes diferentes procedimentos

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e práti cas que concorrem para a exclusão das mulheres. Assim, o acesso da mulher a terra permaneceu na agenda políti ca da Comissão Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais após a publicação da Portaria 981 e permanece com toda a atualidade na Marcha das Margaridas 2007.

27. Em 13 de março do corrente ano foi publicada pelo INCRA a Instrução Normati va Nº 38, que dispõe sobre normas para efeti var o direito das trabalhadoras rurais ao Programa Nacional de Reforma Agrária. A Marcha das Margaridas tem a expectati va de que a Instrução Normati va Nº 38, em vigor, seja realmente colocada em práti ca. Para tanto é preciso divulgar, acompanhar e debater a aplicação da IN 38 nas reuniões de mulheres, nos coleti vos de reforma agrária, para que possa resultar concretamente no acesso das mulheres trabalhadoras rurais ao Programa de Reforma Agrária, independente do seu estado civil. É preciso assegurar a garanti a de que as mulheres chefes de família tenham prioridade na classifi cação como benefi ciária da reforma agrária e que nos casos de dissolução da união do casal assentado, a mulher também tenha a prioridade de permanência na terra. Nesse senti do a IN 38 é um instrumento de grande importância para garanti r o direito das mulheres a terra.

28. Todas as enti dades, organizações e movimentos que atuam no campo devem dar visibilidade à importância políti ca das mulheres nos processos de Reforma Agrária. As demandas dos acampamentos e assentamentos devem ser organizadas de maneira que possam melhorar a qualidade de vida no campo para as mulheres.

29. A seguir damos destaque a alguns aspectos da importância de garanti r o acesso à propriedade da terra e a gestão comparti lhada entre mulheres e homens:

29.1. Reconhecimento da importância social e produti va da mulher assentada na agricultura familiar

29.2. Contribuição para reduzir a pobreza entre as mulheres; 29.3. Favorecimento da busca de um sistema de produção mais diversifi cado;29.4. Aumento da produti vidade do empreendimento familiar por meio do acesso das

mulheres à renda, crédito, assistência técnica e informação;29.5. Promoção das condições para a melhoria da renda, do consumo e bem estar da

mulher e seus fi lhos;29.6. Melhoria da gestão dos recursos naturais para a sustentabilidade ambiental29.7. Favorecimento dos investi mentos na saúde da mulher e dos fi lhos;29.8. Redução dos riscos de violência domésti ca e sexual ao possibilitar o empoderamento

da mulher diante da família e da sociedade

30. O acesso das mulheres a terra é fundamental assim como as decisões sobre o planejamento e organização do assentamento e da unidade familiar, que devem ser comparti lhadas entre homens e mulheres. As mulheres trabalhadoras rurais devem ter garanti do também o acesso às políti cas públicas de apoio à produção, aos direitos sociais, e o exercício pleno de sua cidadania. Para tanto se faz necessário que as mulheres tenham seus documentos civis e trabalhistas.

31. Para atender a essa reivindicação histórica das trabalhadoras rurais foi criado o Programa Nacional de Documentação da Mulher Trabalhadora Rural. O Programa de Documentação

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representa um avanço importante, mas ainda é muito limitado perante a ampla demanda que aponta a necessidade de uma políti ca pública de documentação para as mulheres trabalhadoras rurais, que atenda também aos trabalhadores e aos jovens.

32. De posse da documentação as mulheres assentadas podem demandar o crédito do Pronaf e a linha especial para as mulheres assentadas do Pronaf Mulher. Entretanto, há necessidade de assistência técnica para elaborar e implementar o projeto de produção. Ou seja, a assistência técnica e o crédito precisam andar juntos para que as mulheres assentadas possam desenvolver o seu projeto produti vo, individualmente ou de forma coleti va, organizada em grupos ou associações.

33. Apesar de alguns avanços na área de assistência técnica persistem queixas das trabalhadoras assentadas quanto ao tratamento recebido e às práti cas desenvolvidas pelos agentes da assistência técnica. Além de adotarem práti cas e tratos culturais de manejo do solo que degradam o ambiente, muitos agentes desrespeitam as culturas e saberes locais, sonegam informações e não consideram nos projetos o papel produti vo das mulheres e uma infra-estrutura produti va que também incorpore suas especifi cidades. A mesma queixa é feita, quanto ao atendimento nos bancos e órgãos de fi nanciamento (Banco do Brasil, Banco do Nordeste, etc) responsáveis pela aprovação e liberação dos créditos.

ÁGUA

34. A água é um bem essencial à vida e sem ela não há como produzir e sobreviver na terra. A água é um direito de todos e deve estar disponível para o consumo humano e para a produção de alimentos. A privati zação da água e de todos os recursos hídricos atenta contra a vida humana e concorre para o crescimento da fome e da pobreza e por isso deve ser combati da.

35. É necessário fortalecer a luta pela democrati zação e qualidade da água, preservação dos mananciais, recomposição de matas ciliares, dentre outras ações para garanti r o amplo acesso á água com qualidade. Para tanto, se faz necessária a adoção de estratégias e políti cas diferenciadas que garanta o acesso a água nas diversas regiões do país, atendendo à diversidade sócio ambiental, a exemplo da estratégia de convivência com a seca no semi-árido.

36. A Arti culação do Semi-árido, da qual fazem parte centenas de enti dades associati vas, sindicais e ONGs é contrária à privati zação da água. A construção de cisternas rurais para a coleta da água da chuva é uma de suas principais ações para a democrati zação do acesso à água de qualidade pelas famílias do semi árido nordesti no. Além disso, busca a incorporação nas políti cas públicas das propostas de captação, armazenamento, aproveitamento e manejo da água, desenvolvidas pela sociedade civil. Em contraposição à transposição de bacias defende a sua revitalização e gestão parti cipati va.

37. As mulheres trabalhadoras rurais vêm parti cipando ati vamente das estratégias de convivência com o semi-árido e de ações que protegem e defendem a água de qualidade para todos nas diversas regiões do país. A MARCHA DAS MARGARIDAS 2007 propõe uma ampla arti culação dessas ações e das organizações de mulheres trabalhadoras em defesa da água

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AGROECOLOGIA

38. A expansão indiscriminada da mecanização agrícola pelo agronegócio concorre para a devastação ambiental, para a erosão dos solos, em contraposição às práti cas agroecológicas.

39. A agroecologia é uma alternati va sustentável de desenvolvimento que busca o manejo ecológico dos recursos naturais, estabelecendo formas de produção e de consumo que contribuam para encarar a crise ecológica e social, com baixo impacto ambiental. Ao mesmo tempo responde às necessidades de produção e geração de renda para o agricultor e agricultora.40. A MARCHA DAS MARGARIDAS 2007 tem o grande desafi o de fazer crescer a consciência social agroecológica com uma força políti ca capaz de tornar as diversas experiências existentes nas várias regiões do país em referências para a construção de políti cas públicas para a agricultura familiar. Para tanto propõe ações de desenvolvimento parti cipati vo desde os âmbitos da produção e da circulação alternati va de seus produtos, com vistas a restaurar o curso alterado da evolução social e ecológica.

41. Esse modelo de promoção da sustentabilidade, de uma nova estratégia de desenvolvimento agrícola, baseia-se nos princípios da sustentabilidade ambiental e da igualdade social. Os processos de gestão e manejo dos recursos naturais são realizados de acordo com as característi cas específi cas dos vários ecossistemas.

42. No nosso planeta convivem milhões de seres que dependem um dos outros para sobreviverem. A convivência desses seres se dá em locais denominados por ecossistemas, que é o conjunto integrado por todos os organismos vivos, incluindo o ser humano, e os elementos não vivos de uma área geográfi ca que interagem e se auto-regulam. Esses locais, tanto podem pertencer aos sistemas naturais como àqueles modifi cados e organizados pelas pessoas. Diversos ecossistemas compõem o meio ambiente brasileiro, que detém a maior diversidade biológica do planeta.

43. A mudança da matriz de alto insumo energéti co (ferti lizantes, agrotóxicos, transgênicos) e de simplifi cação ecológica, para a matriz de baixo uso de insumos energéti cos, de diversidade na produção, de resgate e diálogo com o saber e cultura dos agricultores e agricultoras é um elemento central da agroecologia. A ampliação dessa nova matriz signifi ca redirecionar o ensino agronômico e agrotécnico no país; reconstruir uma nova concepção de assistência técnica, que seria mais adequado chamar de geração parti cipati va de tecnologias adaptadas; capacitar técnicos e técnicas e reconhecer a atuação e conhecimento dos agricultores e agricultoras. Signifi ca, ainda, ter como ponto de parti da os diferentes sistemas de produção nos vários cenários dos nossos ecossistemas e reconhecer a importância da atuação das mulheres agricultoras.

44. A agroecologia além de combater os agrotóxicos, os produtos químicos e transgênicos, exige mudanças no modo de vida e nas relações sociais. Pauta-se pelas melhores formas de produzir alimentos saudáveis e de qualidade, combinando a escolha do que e como plantar,

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respeitando a diversidade cultural e cuidando do manejo dos ecossistemas locais.45. A agroecologia respeita os variados sistemas e as diferenças entre eles que exigem soluções específi cas, complexas e diversas, que muitas vezes são variações presentes dentro de uma mesma propriedade ou em propriedades vizinhas. Como prevê a distribuição de diferentes produtos dentro de um mesmo espaço produti vo, a agroecologia requer dos membros das famílias uma integração muito forte, para assegurar a gestão processual da propriedade – toda a família precisa parti cipar para dar conta dessa complexidade do sistema produti vo.

46. A agroecologia como sistema sustentável de produção se apresenta como alternati va viável ao sistema do agronegócio que tem sido extremamente devastador. O agronegócio provoca o esgotamento das fontes de água, enquanto que a agroecologia faz o uso racional da água.

47. A história tem demonstrado que a garanti a de futuro do planeta depende da produção agroecológica, que é sustentável, voltada para o conjunto da sociedade e com baixo impacto ambiental. O maior desafi o é construir o conhecimento para estabelecer um novo desenho de propriedade, que envolva todos os membros da família e estabeleça unidades de pensamento para uma nova construção social do conhecimento. Para tanto, o principal papel das organizações sociais é de apoiar essa construção dando visibilidade ao conhecimento agroecológico que vem da tradição das agricultoras e agricultores, das experiências em curso e do fomento a novas experiências.

48. Há constantes inovações em técnicas cientí fi cas e a tecnologia agroecológica tem crescido e se mostrado de grande importância ao considerar a capacidade e o conhecimento tradicional das pessoas da família. Os processos agroecológicos contribuem para a valorização do conhecimento e das práti cas das mulheres agricultoras e para a redução da saída de jovens da agricultura, pois reconhece e necessita da integração do trabalho dos jovens e das mulheres.

49. A agricultura convencional se estrutura em relações de poder, de dominação dos seres humanos sobre a natureza e homens sobre as mulheres. O modo de fazer esta agricultura é explorador e depredador. Os grandes produtores exercem poder sobre os pequenos e as empresas de insumos agrícolas exercem poder sobre os grandes e sobre os pequenos produtores.

50. A agroecologia é um fi o condutor para construir um novo projeto de vida e uma forma viável de enfrentar vários confl itos, como as relações de poder no interior das famílias, o trabalho invisível das mulheres e jovens, as formas anti democráti cas de tomada de decisões e todas as desigualdades de gênero e de geração. As práti cas agroecológicas possibilitam o fortalecimento da agricultura familiar e a construção da soberania, segurança alimentar e nutricional.

51. Para construir a agroecologia é preciso mudar o modo de produzir e de se relacionar na agricultura. Não basta enfrentar os confl itos com o agronegócio e com as formas degradadoras e degeneradoras de produção. É preciso enfrentar os confl itos de forma práti ca com a produção em menor escala que exige a construção coleti va do conhecimento, a práti ca do intercâmbio, a criati vidade e a organização de grupos. Na área da comercialização, a agroecologia esti mula

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as relações diretas entre produtores e consumidores, as formas de comércio solidário, o que fortalece a consciência agroecológica.

52. Um grande desafi o colocado para a agroecologia é produzir o rompimento com a lógica patriarcal que defi ne uma hierarquia na família, para uma relação de parti lha entre as pessoas que parti cipam da unidade familiar de produção. A agroecologia encara este desafi o buscando desconstruir a visão que se naturalizou na sociedade de que lugar de mulher é no espaço domésti co e lugar do homem é no espaço produti vo. Ao contrário, o planejamento e a gestão da produção devem envolver todos os membros da família, pois integra igualmente os trabalhos reproduti vo, domésti co e produti vo.

53. O conhecimento e a práti ca que as mulheres têm sobre a natureza tornam-se um fator muito importante no reconhecimento de seu papel nos processos produti vos. A agroecologia não resolve por si só a desigualdade e discriminação à mulher, mas propicia mudanças importantes no modo de vida na unidade familiar e nas comunidades.

54. Terra, água e agroecologia são inseparáveis. Não é possível construir a agroecologia sem terra e sem água de qualidade, e as práti cas agroecológicas preservam a terra e a água, que a agricultura tradicional, a monocultura e o agronegócio vêm destruindo. Há muitas lutas no mundo em torno da questão da água e o enfrentamento dos problemas ambientais tem sido pautado, principalmente pelas mulheres, que assumem maior responsabilidade com o futuro das novas gerações.

DEBATE DE PROPOSTAS

55. Para avançar na reforma agrária, precisamos fortalecer nossas organizações, construir novas parcerias e conquistar força políti ca, com a pressão social forte e arti culada entre o campo e a cidade. Precisamos afi rmar a exigência pelo cumprimento da função socioambiental da terra e colocar a reforma agrária como centro do projeto de desenvolvimento, como opção econômica e garanti da de sustentabilidade para o país.

56. Para a realização de uma ampla e massiva reforma agrária com o acesso das mulheres a terra é urgente:

57. Rever os índices de produti vidade da terra e exigir a publicação imediata de Portaria Interministerial com sua atualização.

58. Revogar a MP 2.183-56/, que proíbe vistoria de áreas ocupadas por trabalhadores e trabalhadoras rurais.

59. Capacitar os servidores e servidoras do INCRA responsáveis pela operação das ações de acesso a terra para que se faça cumprir a Portaria nº 981 da ti tulação conjunta e a Instrução Normati va Nº 38.

60. Garanti r assistência técnica de qualidade, capacitação para as mulheres assentadas e o seu acesso ao crédito;

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61. Ampliar os recursos para a construção e melhoria de moradias e infra-estrutura produti va, especialmente aquelas que atendem às demandas específi cas das mulheres, assegurando dignidade às famílias no campo;

62. Implementar ações de prevenção e combate à violência sexista nos acampamentos e assentamentos

63. Implementar programas de ação educati va para o acesso das mulheres acampadas e assentadas às políti cas públicas e aos direitos sociais e previdenciários

64. Ampliar o Programa Nacional de Documentação da Mulher Trabalhadora Rural para todos os acampamentos e assentamentos e transformá-lo numa políti ca pública, com orçamento próprio e amplo acesso das trabalhadoras, trabalhadores e jovens trabalhadores rurais.

65. A MARCHA DAS MARGARIDAS 2007 assume a defesa da água como bem público desti nado ao consumo humano e à produção de alimentos e o combate à privati zação da água, exigindo:

66. Medidas reparatórias dos impactos ambientais causados pelos grandes projetos, como a contaminação dos recursos hídricos e do solo por agrotóxicos, o comprometi mento da biodiversidade e a expulsão das populações rurais e ribeirinhas por hidrelétricas e barragens, pelo culti vo de eucalipto, soja e algodão, etc.

67. O estí mulo e a garanti a da parti cipação das mulheres nos Conselhos de Meio Ambiente e nos Comitês de Bacias Hidrográfi cas, espaços de formulação e gestão das políti cas de manejo sustentável dos recursos hídricos.

68. A criação de programas de capacitação de mulheres pra qualifi car a parti cipação nos espaços insti tucionais de discussão sobre o Meio Ambiente.

69. A promoção, a criação e a demarcação de reservas extrati vistas, como estratégia para garanti r o acesso das mulheres a terra e aos recursos naturais, especialmente a matéria-prima para os grupos produti vos artesanais e extrati vistas.

70. A aprovação de uma Lei Federal que assegure o livre acesso da população aos recursos hídricos, independentemente de estas estarem em áreas privadas.

71. A criação de políti cas de educação ambiental e sensibilização sobre a uti lização adequada de água.

72. Adotar a proposta agroecológica como referência para a construção de um Projeto Alternati vo de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário e incenti var práti cas agroecológicas de iniciati vas das mulheres, garanti ndo o acesso a créditos, capacitação, tecnologias e assessoria técnica.

73. A MARCHA DAS MARGARIDAS 2007 assume a bandeira de luta das quebradeiras de coco

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em defesa da Lei Federal do Babaçu Livre. Além de aprovar a Lei é preciso fazer com que ela seja cumprida e para isso acontecer, só com a organização e a resistência das mulheres quebradeiras de coco e trabalhadoras rurais.

74. É preciso dar visibilidade às experiências agroecológicas construídas pelas mulheres ligadas ao MSTTR e divulgar a importância da agroecologia, seus princípios e práti cas, para a construção do desenvolvimento rural sustentável e solidário sem desigualdades de gênero.

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SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL E A CONSTRUÇÃO DASOBERANIA ALIMENTAR

75. A Segurança Alimentar e Nutricional é um tema que demanda a compreensão, o debate, o envolvimento e a ação organizada das mulheres trabalhadoras rurais. O dia-a-dia das trabalhadoras rurais, assalariadas, agricultoras familiares, extrati vistas, assentadas da reforma agrária, está diretamente ligado à Segurança Alimentar e Nutricional, que por sua vez está relacionado ao lema da Marcha das Margaridas: “2007 Razões para Marchar contra a fome, a pobreza e a violência sexista”.

76. Para combater a fome e a pobreza a MARCHA DAS MARGARIDAS 2007 reafi rma a luta por terra e água, defende práti cas agroecológicas e o fortalecimento da agricultura familiar, que compõem o Projeto Alternati vo de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário do Movimento Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais – MSTTR. Portanto, não é possível falar em combate a fome e pobreza, em desenvolvimento sustentável sem trabalhar a Segurança Alimentar e Nutricional e integrar as mulheres trabalhadoras rurais no processo de construção e luta pela Soberania Alimentar no Brasil.

77. A abordagem e compreensão sobre Segurança Alimentar e Nutricional vem sendo construída em nosso país com a parti cipação de gestores, organizações governamentais, sociedade civil e movimentos sociais em diferentes instâncias e espaços de debate e construção. Nesse senti do destaca-se a atuação do Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional que integra diversas organizações da sociedade civil, movimentos sociais do campo e da cidade, e o Consea – Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional instância de avaliação e proposição, com parti cipação do governo e da sociedade civil. As Conferências Nacionais, precedidas de um processo de preparação nos municípios e estados, têm sido o espaço políti co de maior representação, debate e proposições revelando a cada realização o crescimento da construção da Segurança Alimentar e Nutricional no nosso país.

78. Neste ano, de 03 a 06 de julho, em Fortaleza/Ceará, será realizada a III Conferência Nacional que tem como tema geral Por um Desenvolvimento Sustentável com Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional e o desafi o de aprovar as diretrizes e prioridades da Políti ca e do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.

O QUE É SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL

79. Como já foi dito a compreensão atual do que é Segurança Alimentar e Nutricional resulta de um amplo processo evoluti vo de construção coleti va e teve seu amadurecimento durante a II Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional realizada em março de 2004:

80. Segurança alimentar e nutricional (SAN) é a realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quanti dade sufi ciente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práti cas alimentares promotoras de

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saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis.

81. Assim defi nida, a Segurança Alimentar e Nutricional arti cula as duas dimensões - alimentar e nutricional, que não podem ser dissociadas. A dimensão alimentar está diretamente relacionada às práti cas de produção, comercialização e consumo e a dimensão nutricional está diretamente relacionada à qualidade do alimento, à sua uti lização e, portanto, às condições de saúde da população. Portanto, falar em Segurança Alimentar e Nutricional implica em falar de práti cas sociais e da ação do conjunto da sociedade para garanti r alimentação saudável, em quanti dade sufi ciente, respeitando a cultura alimentar de cada região.

O QUE É LOSAN

82. Em setembro de 2006 a Segurança Alimentar e Nutricional passou a constar em Lei. Foi aprovada a LOSAN – Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Lei N 11.346 de 15 de setembro de 2006).

83. A LOSAN cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN, que tem a parti cipação do governo e da sociedade civil. O objeti vo maior é assegurar o direito fundamental do ser humano à alimentação adequada e a obrigação do Estado brasileiro com a garanti a, proteção, promoção, fi scalização e avaliação da implementação de políti cas de promoção da segurança alimentar e nutricional. A adoção dessas políti cas e ações deverá levar em conta as dimensões ambientais, culturais, econômicas, regionais e sociais. (Art. 2)

O QUE É SOBERANIA ALIMENTAR?

84. O debate e a compreensão sobre a Soberania Alimentar ampliam a abordagem da Segurança Alimentar e Nutricional. A Soberania Alimentar está diretamente ligada à autonomia e ao direito dos povos e países de defenderem sua cultura alimentar e estabelecerem políti cas de desenvolvimento que protejam e assegurem a produção, distribuição e consumo de alimentos.

85. A Soberania Alimentar se contrapõe às políti cas de Livre Comércio nas quais os alimentos são apenas mercadorias para atender os interesses das grandes corporações do sistema agroalimentar. O alimento é primeiramente um direito e não uma mercadoria, assim como a terra, a água, os recursos genéti cos e a biodiversidade são patrimônios dos povos.

86. A Soberania Alimentar arti cula as bandeiras de luta dos movimentos sociais do campo como: reforma agrária, direitos territoriais e gestão dos bens da natureza, políti cas de apoio à produção, recursos naturais, preservação da biodiversidade, agricultura familiar e agroecológica, alimentos de qualidade, combate ao agronegócio, aos oligopólios, às políti cas de livre comércio e defesa dos mercados locais.

87. Assim podemos entender o tema da III Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional: Por um Desenvolvimento Sustentável com Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. Desse modo, a Soberania Alimentar se consti tui em um princípio ao lado do

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princípio do Direito Humano à Alimentação Adequada e Saudável (DHAA) orientadores para o desenvolvimento sustentável com Segurança Alimentar e Nutricional.

O QUE É LIVRE COMÉRCIO

88. O Livre Comércio se compõe por acordos bilaterais como a ALCA (Área de Livre Comércio das Américas) e a OMC (Organização Mundial do Comércio) que defendem um comércio sem barreiras entre os países, com a justi fi cati va de proporcionar o crescimento econômico dos países em desenvolvimento, como o Brasil.

89. Na perspecti va do Livre Comércio a agricultura familiar pode se expandir e fortalecer. Entretanto, a realidade demonstra que essa políti ca atende aos interesses das grandes empresas transnacionais que dominam o mercado internacional dos produtos da agricultura e impedem o desenvolvimento local e a soberania alimentar. As empresas internacionais recebem subsídios dos governos dos seus países adquirindo as melhores condições de competi r no mercado.

90. A liberalização comercial provoca muitos impactos negati vos no processo de produção e consumo dos alimentos. A produção da Europa e dos Estados Unidos é subsidiada, não tem risco algum e é imposta aos países em desenvolvimento destruindo a produção e os mercados locais. Na base dessa políti ca há uma disputa pela dominação e posse das sementes, como forma de controlar a produção de alimentos, a cultura alimentar e o mercado. Isso signifi ca uma ameaça permanente para a agricultura familiar, para a soberania e segurança alimentar e nutricional.

91. Portanto, o Livre Comércio consti tui uma estratégia neoliberal para fortalecer as empresas transnacionais concorrendo para o enfraquecimento da agricultura familiar e o empobrecimento dos mercados locais. Além disso, o mercado amplamente abastecido com os alimentos industrializados e importados, fortalecido com os investi mentos na mídia, com propagandas sedutoras, acaba por determinar a mudança nos hábitos alimentares da população e concorrer para o empobrecimento nutricional, para a desvalorização da cultura alimentar com impactos negati vos sobre a saúde de homens, mulheres, jovens e crianças.

AS MULHERES TRABALHADORAS RURAIS E A SOBERANIA, SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL

92. O modelo de políti ca macroeconômica é identi fi cado como a principal causa da insegurança alimentar e nutricional e da exclusão social. Este modelo causa a insufi ciência de renda, o elevado nível de desemprego, a concentração da terra, a mercanti lização da água, a precarização da educação e, sobretudo a expansão do agronegócio e as extremas difi culdades da agricultura familiar para produzir e comercializar.

93. A insegurança alimentar se deve ainda à persistência do modelo patriarcal que reproduz as desigualdades de gênero no campo, discrimina as mulheres e concorre para a manutenção dos padrões de pobreza e violência sexista.

94. As mulheres trabalhadoras rurais historicamente vêm exercendo um papel fundamental na

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defesa da biodiversidade, na seleção e conservação das sementes. São as mulheres agricultoras que exercem os trabalhos relacionados à reprodução humana e ao autoconsumo. São também as agricultoras que possuem conhecimentos sobre plantas e alimentos e desenvolvem práti cas fundamentais para a preservação da cultura alimentar. Entretanto o conhecimento e trabalho das mulheres não recebem o devido reconhecimento e a divisão sexual do trabalho concorre para as desigualdades de gênero, com extensas jornadas de trabalho e exclusão das mulheres dos espaços de debate, formulação e acesso a políti cas de desenvolvimento.

95. Não é possível construir soberania, segurança alimentar e nutricional sem o reconhecimento da importância econômica e social das mulheres do campo, com a persistência de desigualdades de gênero e sem a parti cipação e acesso das trabalhadoras rurais às políti cas públicas de desenvolvimento.

96. A Comissão Nacional das Mulheres Trabalhadoras Rurais do MSTTR traz esse debate para a MARCHA DAS MARGARIDAS 2007 por entender que atuação das mulheres trabalhadoras rurais no seu dia-a-dia é fundamental para a construção da soberania, segurança alimentar e nutricional. Por isso se faz necessária uma ação organizada nessa área com proposições e reivindicações.

97. A atuação das mulheres trabalhadoras rurais precisa ser reconhecida e apoiada com políti cas públicas que arti culem o apoio efeti vo à produção e inserção das mulheres nos mercados locais nos mercados solidários É preciso que as políti cas públicas contribuam efeti vamente para as práti cas agroecológicas, para preservação dos recursos naturais e do patrimônio genéti co e promova efeti vamente o direito da população à alimentação em quanti dade e qualidade adequadas a sua nutrição e saúde, respeitando a diversidade cultural.Para fazer avançar a luta por Soberania, Segurança Alimentar e Nutricional, a Marcha das Margaridas entende que é preciso:

97.1. Avaliar as práti cas sociais, as formas dominantes de produção, comercialização e consumo e suas conseqüências para as condições de vida e saúde da população.

97.2. Compreender o modelo de desenvolvimento vigente em nossa sociedade e a necessidade de lutar por um projeto alternati vo de desenvolvimento rural sustentável e solidário que têm suas bases na realização de uma ampla e massiva reforma agrária e no fortalecimento da agricultura familiar.

97.3. Transformar as relações e práti cas na agricultura, evoluindo para as práti cas agroecológicas que supõe o trabalho conjunto e o reconhecimento de todos e todas que o integram: mulheres, homens, jovens

97.4. Realizar uma refl exão sobre o dia-a-dia das mulheres trabalhadoras rurais e responder:

PARA REFLEXÃO

98. Como o trabalho das mulheres concorre para a Segurança Alimentar e Nutricional?

99. A importância da atuação da mulher trabalhadora rural para a Segurança Alimentar e Nutricional tem o devido reconhecimento social?

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100. Que mudanças podem ser identi fi cadas desde a realização da 2º Marcha das Margaridas nas condições de trabalho das trabalhadoras rurais? Em que é preciso avançar? O que é preciso propor?

PROPOSTAS EM DEBATE

101. Denunciar o sistema alimentar dominado pelas transnacionais que compromete os direitos do ser humano, dos povos e nações, que desrespeita e viola a identi dade cultural dos povos, amplia os riscos ambientais, aprofunda as desigualdades sociais e compromete a saúde e a vida.

102. Combater a expansão do agronegócio, a uti lização de agrotóxicos, transgênicos e a privati zação dos recursos naturais se arti culando a todas as ações de defesa e fortalecimento da agricultura familiar em condições agroecológicas, biodiversidade e diversidade cultural.

103. Lutar para a construção do projeto de desenvolvimento rural sustentável e solidário para arti cular e integrar o crescimento econômico, social, humano e cultural, de modo a contribuir para o resgate de valores éti cos, de igualdade, de cidadania e cultura.

104. Ampliar a visibilidade das mulheres trabalhadoras rurais nas ati vidades produti vas, de reprodução e autoconsumo, essenciais no processo de construção da segurança alimentar e nutricional.

105. Divulgar, ampliar e qualifi car a atuação das mulheres na preservação da bio-diversidade e dos recursos genéti cos, essenciais para a segurança alimentar.

106. Valorizar e divulgar os saberes das mulheres quanto ao valor e uso das plantas para nutrição, saúde e renda fundamentais para a preservação do patrimônio genéti co.

107. Dar visibilidade ao manejo dos recursos naturais pelas mulheres em sua atuação de cuidado na reprodução da vida humana, que são essenciais para a preservação do meio ambiente, combate à degradação ambiental e no seu papel de promover a nutrição e a saúde.

108. Divulgar a necessidade de novas práti cas de consumo de alimentos, que sejam mais saudáveis, que valorizem a produção local, da agricultura familiar, contribuindo para superar o quadro de degeneração biológica, ambiental e social,

109. Contribuir no monitoramento e avaliação dos programas sociais de combate à fome para que cumpram seus objeti vos e contribuam efeti vamente para diminuir as desigualdades sociais, com a melhoria das condições de renda, saúde e de vida.

110. Promover condições que favoreçam a parti cipação das mulheres trabalhadoras rurais nos espaços de concepção, implementação e avaliação de políti cas públicas de segurança alimentar e nutricional.

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TRABALHO, RENDA E ECONOMIA SOLIDÁRIA

111. O meio rural tradicionalmente é concebido como um espaço que se opõe ao espaço urbano. É comumente associado a carências e atrasos de ordem econômica, políti ca e cultural. O meio rural é visto predominantemente como um espaço de tensões e assim tem sido retratado pela mídia. As tensões se referem na maioria das vezes aos confl itos pela posse da terra, que não têm o devido tratamento e esclarecimento à população.

112. O meio rural é também associado à ausência de direitos civis e a relações de poder arcaicas. Em contraposição a cidade é vista e difundida como o lugar das conquistas democráti cas, da educação, da organização políti ca e social. A cidade tem sido associada ao desenvolvimento, à evolução, ao lugar que oferece mais e melhores oportunidades de trabalho e de acesso a bens e serviços.

113. Essa visão distorcida e preconceituosa está fundamentada no modelo de desenvolvimento urbano-industrial implementado no Brasil a parti r dos anos 30. No campo, esse modelo que mais tarde incorporou a modernização no campo, se sustenta através da aliança do lati fúndio com o agronegócio, da concentração da terra e da renda, da exploração depredatória dos recursos naturais, da exploração dos trabalhadores e trabalhadoras e da subordinação e discriminação das mulheres.

114. Segundo o Censo 2000 a população do país é composta de 84% urbanos e 16% rurais. Entretanto, o Brasil é menos urbano do que se calcula. Essa questão tem sido abordada por diversos pesquisadores e demonstra que aproximadamente 4.485 municípios têm uma população inferior a 50 mil habitantes e densidade inferior a 80 habitantes por Km2. Esses municípios seriam o que o professor e pesquisador José Eli da Veiga chamou de “Cidades Imaginarias”, e comumente chamados de municípios rurais.

115. Além disso, é preciso refl eti r sobre as mudanças que vem acontecendo no meio rural nos últi mos anos. Atualmente não há como disti nguir o meio urbano do meio rural a parti r simplesmente das ati vidades que são desenvolvidas pelos seus habitantes. As mudanças no meio rural levam ao uso de expressões como “industrialização da agricultura”, urbanização do campo, ati vidades não agrícolas na agricultura familiar ou pluriati vidade.

116. Na realidade residir no meio rural não signifi ca desenvolver ati vidades econômicas tradicionalmente rurais. Acontece também o contrário, ou seja, nem todas as pessoas que residem na cidade trabalham na cidade. Portanto, é preciso observar melhor o modo de ocupação das pessoas. A expressão “Novo rural brasileiro”, que tem gerado muitos debates, busca dar conta da diversifi cação das ati vidades econômicas, dos valores e modos de vida, das novas condições de comunicação e transporte e da quebra de fronteiras entre rural e urbano no mundo globalizado.

117. Um dos grandes desafi os políti cos da MARCHA DAS MARGARIDAS 2007 é desconstruir a visão de rural associado à miséria, fome e atraso, e reafi rmar a importância estratégica que as ati vidades rurais agrícolas e não agrícolas têm para o desenvolvimento sustentável do país.

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Dessa perspecti va é fundamental dar visibilidade à atuação e importância econômica, social e políti ca das mulheres trabalhadoras rurais, com toda a sua diversidade produti va.

118. O trabalho das mulheres no meio rural além de abranger as ati vidades agrícolas e não agrícolas incorpora as ati vidades reproduti vas essenciais para a manutenção da unidade familiar. Por força da divisão sexual do trabalho essa responsabilidade tem pesado sobre as mulheres e concorrem para a desqualifi cação da sua importância produti va na agricultura familiar.

Trabalho e renda das mulheres na agricultura familiar

119. Tradicionalmente falar em agricultura signifi ca tratar de ati vidades agropecuárias. Entretanto, a agricultura familiar sempre foi pluriati va, embora só recentemente isso venha ocupando lugar nos debates sobre o mundo rural

120. A Pluriati vidade é a combinação entre as ati vidades agropecuárias com outras ati vidades rurais não-agrícolas, como os trabalhos de benefi ciamento de produtos agrícolas ou extrati vistas e os trabalhos com artesanato. Corresponde às múlti plas ati vidades coti dianas exercidas pelos membros da unidade familiar na luta pela sobrevivência em especial pelas mulheres e jovens.

121. Entender a agricultura familiar implica em compreender a sua dinâmica que envolve a combinação de diversas jornadas de trabalho, de homens, mulheres e jovens, que acontece dentro e fora da unidade familiar de produção.

122. As discriminações de gênero fundadas na divisão sexual do trabalho, expressão da cultura patriarcal dominante, colocam as mulheres na invisibilidade ou em situação de inferioridade e subordinação. Na realidade as mulheres agricultoras vivenciam um coti diano de sobre trabalho, sem remuneração, com extensas jornadas que abrangem as tarefas domésti cas e o trabalho produti vo.

123. Apesar de sua importância econômica e produti va, as mulheres encontram fortes obstáculos para o reconhecimento e comprovação de suas ati vidades, sem contar que o trabalho reproduti vo que garante o exercício produti vo dos membros do núcleo familiar não é valorizado. Essa situação coloca as mulheres em situação de vulnerabilidade, comprometedora que é da sua inserção social e do seu acesso aos direitos sociais e cidadania.

124. Nesse contexto sócio-econômico, cultural e políti co de opressão e discriminação de gênero são as mulheres que compõem em maior parte o contexto de exclusão, vulnerabilidade e pobreza fortemente expressivo no meio rural, e áreas de agricultura familiar de subsistência. Ressalta-se a constatação de grande conti ngente de mulheres “chefes de família” reconhecido como indicador da feminização da pobreza. E em que pesem as polêmicas sobre a categoria renda, as diversas defi nições e uti lizações da mesma, é certo que as mulheres têm menor renda e na agricultura familiar não têm seu trabalho remunerado.

125. A agricultura familiar, portanto não é um todo harmônico, mas regida por relações de

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poder que colocam as mulheres em situação de subordinação. Diante dessa realidade é de fundamental importância a organização das mulheres em grupos, associações e sindicatos.

126. As mulheres parti cipam em todas as fases do processo produti vo, e de forma crescente têm parti cipado de projetos produti vos para ampliar a renda da unidade familiar, de forma individual ou organizada em grupos e associações As trabalhadoras rurais têm desempenhado papel de destaque com práti cas agroecológicas, no respeito à biodiversidade, aos cuidados com os recursos naturais, especialmente a água, e concorrido sobremaneira para a segurança e soberania alimentar.

127. As mulheres agricultoras têm construído formas alternati vas de produção e geração de renda por meio do benefi ciamento de produtos agropecuários, de ati vidades não agrícolas e artesanais que compõem a agricultura familiar. O fortalecimento da agricultura familiar passa pelo reconhecimento dessa dinâmica e do papel desempenhado pelas mulheres agricultoras.

128. A produção familiar amplia a possibilidade de gerar trabalho e integrar outros membros da família. O processo produti vo, além da carga cultural agregada, com fortes representações de diferentes etnias, possui potencial orgânico pelo manejo sustentável dos ecossistemas, tanto no culti vo da matéria-prima, como no seu benefi ciamento. O maior desafi o é organizar a produção e prestar o assessoramento técnico e gerencial adequado, para garanti r a comercialização dos produtos com valor agregado e remunerações justas e sustentáveis. A diversidade produti va da agricultura familiar consti tui um diferencial signifi cati vo para a conquista de fati as expressivas de mercados emergentes e promissores como o de alimentos agroecológicos, de produtos naturais, e outros próprios do mercado solidário.

129. MARCHA DAS MARGARIDAS 2007 busca o apoio para os grupos produti vos de trabalhadoras rurais de modo a garanti r renda e autonomia para as mulheres com a convicção de que esta é uma forma de combater a fome, a pobreza e a violência sexista.

A Economia Solidária e sua contribuição para a autonomia das mulheres

130. A economia solidária, ao contrário da economia capitalista, se caracteriza por concepções e práti cas fundadas em relações de colaboração solidária, ambientalmente sustentável e socialmente justas, voltadas para o ser humano de modo integral. A economia solidária é consti tuída por práti cas de produção, comercialização, fi nanças e consumo que privilegiam a auto-gestão, cooperação, desenvolvimento comunitário e humano.

131. O que está em foco na economia solidária é a sati sfação das necessidades humanas com justi ça social, igualdade de gênero, raça, etnia e acesso igualitário à informação e conhecimento. A economia solidária busca construir segurança alimentar e nutricional esti mulando e difundindo as práti cas de manejo sustentável e agroecológicas.

132. As práti cas da economia solidária se orientam pela valorização do saber e cultura popular, pela igualdade de direitos, de responsabilidades e oportunidades de todos os parti cipantes e gestão democráti ca dos empreendimentos.

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133. As associações e cooperati vas de produção são de grande importância, bem como o estí mulo ao consumo solidário, em mercados e feiras locais, que valorizam a diversidade cultural e respeitam as dimensões de gênero, raça e etnia.

134. Os princípios e as práti cas da economia solidária concorrem para o reconhecimento da atuação das mulheres e jovens trabalhadoras rurais na agricultura familiar e são ferramentas importantes para superar as situações de pobreza e construir o desenvolvimento sustentável e solidário.

PROPOSTAS EM DEBATE

135. A MARCHA DAS MARGARIDAS 2007 deve estabelecer diálogos com a Economia Solidária no senti do de arti cular práti cas e inserir grupos produti vos nos processos de capacitação e realização da produção e comércio solidário.

136. O MSTTR, as secretarias de políti ca agrícola, as comissões estaduais e a comissão nacional de mulheres trabalhadoras rurais devem arti cular as iniciati vas de produção e comercialização à economia solidária, para construir um desenvolvimento rural sustentável e solidário.

137. Promover o apoio aos grupos produti vos de mulheres por meio de ações de capacitação e qualifi cação voltadas para o fomento aos projetos de diversifi cação econômica e agregação de valor.

138. Avaliar as condições de acesso das mulheres a assistência técnica e ao PRONAF visando à reorientação dessas políti cas e programas para o efeti vo atendimento às trabalhadoras rurais.

139. As Comissões Estaduais de Mulheres e a Comissão Nacional devem construir com as secretarias de políti ca agrícola espaços de debate e parceria em projetos e programas de apoio a produção e comercialização, para garanti r a abordagem de gênero e a inclusão das mulheres e jovens.

140. A MARCHA DAS MARGARIDAS 2007 deve trabalhar em sua agenda políti ca a questão das jovens trabalhadoras rurais. Todo o diálogo e abordagem têm sido voltados para as mulheres que têm famílias, ou chefes - de família. É preciso dar visibilidade à atuação das mulheres jovens na agricultura familiar e construir pontos de pauta que dialoguem com sua realidade.

141. Reivindicar a criação de um programa nacional de apoio aos grupos de produção em sintonia com a economia solidária, com a integração de Ministérios e Secretarias, assegurando capacitação, assistência técnica, crédito e comercialização da produção.

142. Resgatar e reafi rmar a reivindicação apresentada nos Gritos da Terra Brasil 2006 e 2007: Criação de um Programa Nacional de Apoio e Fortalecimento de Experiências Produti vas agrícolas e não-agrícolas, geradoras de renda, para mulheres trabalhadoras rurais das diversas regiões do país, que viabilize estudos da cadeia produti va e de mercados; garanta assessoria técnica para elaboração e implementação dos projetos produti vos; organize e oriente as

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demandas para o acesso ao Pronaf; promova o acompanhamento e monitoramento das ações no âmbito local e territorial, contribuindo na construção de metodologias e referenciais para novos projetos.

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GARANTIA DE EMPREGO E DE MELHORES CONDIÇÕES DE VIDA E TRABALHO PARA AS ASSALARIADAS RURAIS

143. Margarida Maria Alves foi líder sindical até meados de 1980, em plena Ditadura Militar, no município de Alagoa Grande, no estado da Paraíba. Ela se destacou na luta sindical porque defendeu os direitos da categoria trabalhadora rural, em especial dos assalariados e assalariadas rurais.

144. Apesar da luta histórica do MSTTR2 em defesa dos interesses e direitos deste segmento, as condições de vida e trabalho das assalariadas e assalariados rurais conti nuam precárias.

145. Há muito tempo que as assalariadas vêm colocando para as nossas organizações o desafi o de conhecer melhor suas demandas e reivindicações. Precisamos saber melhor quem são, quantas são, onde estão e como vivem essas mulheres. Precisamos também ter uma estratégia para fortalecer a organização dessas mulheres nos seus respecti vos locais de trabalho, bem como dentro do MSTTR e no Movimento de Mulheres/Feminista.

146. Por esta razão, a Marcha das Margaridas 2007 defi niu este tema como uma das prioridades para o ano de 2007. Entendemos que defender os direitos das assalariadas rurais é lutar contra a fome, a pobreza e a violência sexista. Nossa principal estratégia, contudo, deve ser no senti do de reforçar a luta para que estas trabalhadoras tenham acesso à terra, erradicando a exploração e a exclusão social promovida pelo agronegócio, e consolidando no campo uma Reforma Agrária ampla e massiva.

A GLOBALIZAÇÃO, A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E AS MUDANÇAS NO ASSALARIAMENTO RURAL

147. No dia a dia sindical, muito ouvimos falar sobre a relação globalização, reestrturuação produti va, fl exibilização de direitos, privati zação, desigualdade. Mas o que tudo isto signifi ca de fato? Qual o impacto disso no campo e na vida das mulheres trabalhadoras rurais?

148. Para entender essas mudanças, é preciso retomar alguns conceitos que fazem parte das idéias e políti cas neoliberais:

149. Globalização: processo de integração entre as economias e sociedades de vários países, a parti r da abertura de mercados, quebra de barreiras e da livre concorrência. A integração se refere especialmente à produção de mercadorias e serviços, aos mercados fi nanceiros e à difusão de informações e tecnologias.

150. Reestruturação produti va são as mudanças que ocorreram no mundo do trabalho, em especial no modo de produção e nas relações de trabalho, a parti r do avanço da globalização

2 MSTTR – Movimento Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais

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no mundo, visando atender às necessidades de maior lucrati vidade das empresas.

151. Privati zação: venda total ou parcial das ações de empresas públicas estatais para o setor privado.

152. Mercosul: bloco de integração entre as economias e sociedades dos países da América do Sul, especialmente Brasil, Argenti na, Uruguai, Paraguai, Peru e mais recentemente Chile, Bolívia e Venezuela.

153. No Brasil, essas idéias e políti cas neoliberais ganharam mais forças. Na década de 1980, surgiram novos desafi os relati vos ao mercado de trabalho urbano e rural. Mesmo com o crescimento da economia, a geração de novos postos de trabalhos não foi sufi ciente para a população economicamente ati va em busca de ocupação. Nos anos de 1990, houve um intenso processo de integração econômica no cenário mundial da globalização. No Brasil, a abertura de mercados, a privati zação, a reestruturação produti va, a competi ti vidade internacional e Mercosul passaram a pautar o debate nacional, trazendo profundas modifi cações para o cenário brasileiro, em especial o campo.

154. Segundo dados da PNAD/IBGE - Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio do Insti tuto Brasileiro de Geografi a e Estatí sti ca de 2005, existem cerca 17,8 milhões de ocupados na agricultura. Esse agrupamento representa cerca de 20,5% da força de trabalho ocupada no país. A região que mais emprega na agricultura é o nordeste, com cerca de 8,3 milhões de pessoas; e a que menos emprega é a região centro-oeste com 1,1 milhão.

155. Dos 17,8 milhões de ocupados na agricultura, 4,9 milhões (27,6%) são de empregados. Desse total, 1,5 milhão tem vínculo empregatí cio com carteira de trabalho assinada e mais de 3,3 milhões de trabalhadores e trabalhadoras tem assinatura na carteira de trabalho. Muitos desses profi ssionais moram nas periferias das pequenas e médias cidades, e devido ao alto índice de desemprego e baixos salários pagos, essas pessoas também se consti tuem no setor mais empobrecido da categoria.

156. Destes quase cinco milhões de trabalhadores e trabalhadoras assalariadas rurais, existem dois milhões de postos de trabalho fi xo, em que o contrato é por prazo indeterminado. 1,5 milhão trabalham pelo menos uma vez por ano de quatro a oito meses, no período da safra (contrato de safra) e 1,5 milhão trabalha em culturas de curta duração (feijão, milho, tomate, horti fruti granjeiros, colheita do café, etc.), neste caso grande quanti dade de trabalhadoras e trabalhadores não possuem carteira de trabalho assinada e a duração no trabalho é no máximo de 15 dias. Muitos trabalham em três ou quatro estados durante o ano.

157. No campo, atualmente, também tem sido comum a seleção de mão-de-obra qualifi cada ou habilitada para determinadas funções. O ritmo do trabalho aumentou e a exigência de produção mínima diária passou a ser critério de seleção. As trabalhadoras e trabalhadores são selecionados entre os mais produti vos. A colheita mecanizada é largamente empregada. Por conseqüência, muitos postos de trabalho desapareceram e o desemprego se tornou um problema estrutural. A situação se agravou ainda mais pela políti ca econômica neoliberal adotada pelos governos brasileiros, centrada na sobrevalorização cambial, na abertura

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indiscriminada às importações e na manutenção de altas taxas de juros para atrair o capital fi nanceiro especulati vo.

158. Nas últi mas décadas constatamos a redução do emprego assalariado com vínculo empregatí cio. Há também proliferação de ocupações de baixa renda, trabalho assalariado sem registro em carteira, fl exibilização de direitos trabalhistas, previdenciários e perdas de conquistas históricas. Como também o aliciamento de mão-de-obra para o trabalho escravo. Ao mesmo tempo, ampliou-se a desigualdade de rendimentos entre homens, mulheres e jovens assalariados rurais; sendo as mulheres as mais prejudicadas.

159. Neste período foi adotado um conjunto de medidas que fl exibilizaram regras e direitos trabalhistas, facilitando o rompimento do contrato de trabalho, reduzindo a proteção ao emprego, permiti ndo a proliferação das cooperati vas de mão-de-obra, através de leis ou de processos de negociação coleti va, assim como permiti u a adoção de regra da livre negociação entre patrões e empregados sempre desfavoráveis aos trabalhadores e trabalhadoras.

DESIGUALDADE E DISCRIMINAÇÃO NO ASSALARIAMENTO RURAL

160. Em nosso país, as relações de trabalho existentes no mercado de trabalho reproduzem profundas desigualdades e descriminações de gênero e raça. Para entender melhor essas distorções e injusti ças, observemos como funciona o mercado de trabalho em âmbito nacional e como essas desigualdades e discriminações persistem e são reproduzidas nas relações e no mercado de trabalho assalariado rural.

161. No Brasil, de forma geral, há uma crescente parti cipação das mulheres no mercado de trabalho, entretanto há uma forte diferença em relação à parti cipação dos homens. A força de trabalho feminina está concentrada em um número reduzido de ocupações (serviços, agricultura) e em funções menos valorizadas no mercado de trabalho. A remuneração e a renda das mulheres são inferiores à renda dos homens, ainda que estes tenham os mesmos níveis de escolaridade.

162. Também há desigualdades entre negras e brancas, negros e brancos, jovens e adultos. No geral, a remuneração da trabalhadora negra é menor do que da trabalhadora branca. A taxa de desemprego das mulheres é superior à dos homens; dos negros é superior à dos brancos e a dos jovens é superior à dos adultos. Nesses casos a mulher negra sofre dupla discriminação: de gênero e de raça

163. No caso, a desigualdade entre homens e mulheres e entre as próprias mulheres aumentam. Estudos da PNAD (1993-1998), realizado por Hildete Pereira e Alberto Di Sabbato, da Universidade Federal Fluminense/RJ, confi rmam que mais de 80% das mulheres trabalhadoras rurais não recebem nenhum ti po de renda monetária, enquanto que essa proporção é de 30% para os homens do campo. Embora dediquem mais de 15 horas de trabalho semanalmente na horta e no quintal, especialmente para o consumo familiar, o trabalho não remunerado das mulheres é visto como uma extensão do seu papel de mãe, esposa e dona de casa, e não como uma ati vidade produti va que tem valor monetário para o mercado e para a renda familiar e para a renda familiar.

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164. Os estudos mostram ainda que, das ati vidades desempenhadas pelas mulheres, o trabalho feminino é predominantemente na cultura de aves e pequenos animais (86,1%), na extração vegetal (63,2%), na horti cultura e fl oricultura (48,3%). Nas demais ati vidades agropecuárias prevalecem o trabalho masculino. As ati vidades que mais agregam a parti cipação remunerada das mulheres é a extração vegetal, a pesca e a silvicultura. Entretanto, estas ati vidades abrangem apenas 5,5% do total de mulheres ocupadas na agropecuária. Estas ati vidades apresentam também alta parti cipação das fi lhas.

165. Há muita discriminação e exclusão também nas formas de contratação das empresas rurais. Muitas empresas não aceitam contratar mulheres com idade superior a 30 anos, que tenham fi lhos menores, que tenham pouca escolaridade, que precisem de transporte para chegar ao local de trabalho.

166. As mulheres que conseguem ingressar no mercado de trabalho assalariado rural têm sido absorvidas em ati vidades temporárias, sem garanti a de direitos e benefí cios, com uma carga horária de trabalho diário que varia de 8 a 10 horas, sem investi mento na formação profi ssional e sem nenhum equipamento de uso coleti vo nos locais de trabalho, como creches, banheiros, refeitórios.

167. O ti po de inserção no assalariamento rural reproduz a divisão-sexual do trabalho. Ao selecionar e contratar mulheres, as empresas desti nam a elas funções consideradas “ti picamente femininas”, como semear, coletar, selecionar, lavar. Exemplo disso é o uso massivo da mão-de-obra feminina na fruti cultura, fl oricultura e horti granjeiros. O argumento dos administradores é que as mulheres têm mãos mais leves e mais habilidades para lidar com as frutas e cuidar de animais de pequeno porte.

168. Em muitas situações, para se manter empregada, a mulher precisa apresentar produção igual ou maior do que a do homem, ainda que isto implique no recebimento de salários menores.

169. Lamentavelmente, também ocorrem relações de trabalho em que o empregador fi rma contrato apenas em nome do homem (marido, companheiro ou pai) e uti liza, de forma informal e não remunerada, a mão-de-obra familiar, em especial das mulheres. Isso acontece principalmente em chácaras, síti os ou fazendas, e em setores que adotaram a produti vidade diária, como o setor canavieiro que exige uma produção diária entre 8 a 18 toneladas. A família, em especial a mulher – para preservar o emprego do marido/pai - se submete a cuidar dos afazeres domésti cos, jardins, pomar, animais, e até mesmo ir para o canavial.

170. As condições de vida e trabalho são precárias e muito insalubres. Por esta razão, há muitas doenças decorrentes do trabalho, principalmente oriundas da exposição ao sol, do esforço repeti ti vo e da contaminação por agrotóxicos. É crescente a incidência de câncer e mortes derivadas desses problemas.

171. Em muitos locais de trabalho também é comum práti cas de violência contra as mulheres, como o assédio moral e assédio sexual. Por terem um nível maior na hierarquia interna das empresas, administradores e muitos dos seus auxiliares perseguem e ameaçam mulheres,

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especialmente as mais jovens. A situação se torna ainda mais difí cil porque essas mulheres não recebem apoio do sindicato muito menos do marido para fazer a denúncia contra o agressor. Lamentavelmente, a solução para muitas é pedir demissão do emprego.

172. É importante conhecer, valorizar e lutar para que sejam assegurados os direitos e conquistas das assalariadas rurais. Entre estes, as normas regulamentadoras a serem aplicadas nos locais de trabalho e os direitos trabalhistas e previdenciários.

173. O MSTTR parti cipou da construção da Norma Regulamentadora de Segurança e Saúde no Trabalho na agricultura, pecuária, silvicultura, exploração fl orestal – NR31, publicada em 04 de março de 2005, através da Portaria 86. Esta norma contribui para que sejam asseguradas condições de saúde e segurança necessárias para o desempenho das ati vidades no local de trabalho. Nosso maior desafi o é pressionar para que esta seja implementada.

174. Quanto aos direitos trabalhistas e previdenciários, vale ressaltar a Proteção Social à Maternidade.

175. A Proteção Social à Maternidade é um conjunto de ações que garantem à mulher e à criança condições e assistência básica para seu bem estar fí sico-mental e social. Além da licença-gestante de 120 dias – que pode ser gozada 30 dias antes e 90 depois do nascimento da criança - garante o salário integral durante 120 dias e estabilidade no emprego desde a hora que a trabalhadora comunica sua gravidez ao empregador até de 06 meses após o nascimento da criança.

176. A proteção social à maternidade é uma maneira de reconhecer o valor social e econômico do trabalho reproduti vo exercido pela mulher trabalhadora rural no campo. Além de acumular as ati vidades assalariadas e domésti cas, a mulher sofre todas as conseqüências das alterações fí sicas e mentais que a gravidez provoca, assume também a responsabilidade e cuidados com as crianças. Estas ati vidades contribuem para reproduzir e manter a força de trabalho na unidade familiar, bem como mão-de-obra para o mercado de trabalho.

PARA REFLEXÃO

177. Como é a situação das assalariadas no seu estado e município?

178. O que mudou? Em que medida essas transformações ati ngem as assalariadas rurais?

179. Qual ação é desenvolvida pelo sindicato e FETAG em defesa dos direitos das assalariadas rurais?

180. As mulheres do seu município estão sindicalizadas? Elas parti cipam das negociações coleti vas e das campanhas salariais?

181. Quais as principais ações o sindicato deve desenvolver para melhorar as condições de vida e trabalho das assalariadas rurais?

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182. O que fazer para combater a violência no local de trabalho?

183. Que políti cas públicas são necessárias para melhorar a qualidade de vida das assalariadas rurais?

PROPOSTAS EM DEBATE

184. Lutar por políti cas estruturais que impeçam a exclusão de grandes conti ngentes de trabalhadoras e trabalhadores do mercado de trabalho, como também a reversão do atual modelo agrário brasileiro, democrati zando o acesso à terra, priorizando o acesso à educação de qualidade de modo a promover a cidadania e melhoria da qualidade de vida e trabalho da juventude, de mulheres e homens.

185. Fortalecer a sindicalização, as campanhas salariais e o processo de negociação coleti va de trabalho, pois estes conti nuam sendo elementos importantes para garanti a de direitos e na luta em defesa dos interesses dos trabalhadores e trabalhadoras assalariados (as) rurais.

186. Melhoria na remuneração das assalariadas e assalariados rurais com repercussões no seu poder de compra visando ampliar o mercado consumidor local e o potencializar o crescimento de venda dos produtos da agricultura familiar.

187. Fortalecer a parti cipação das mulheres nas negociações coleti vas (convenção coleti va, acordo coleti vo ou dissídio coleti vo) assegurando as suas reivindicações na pauta de negociação.

188. Ampliar e assegurar as fi scalizações realizadas pelos auditores fi scais do trabalho, vinculada às Delegacias Regionais do Trabalho, importantí ssimos para avançar no cumprimento da legislação trabalhista, previdenciária, de medicina e segurança no trabalho. Neste processo, são imprescindíveis o envolvimento do Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais e das FETAGs quando da denúncia de irregularidades nas relações de trabalho e de denúncias relacionadas ao trabalho escravo.

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POLÍTICA DE VALORIZAÇÃO DO SALÁRIO MÍNIMO

189. Desde a sua 1ª edição a MARCHA DAS MARGARIDAS colocou como uma de suas principais reivindicações a valorização do salário-mínimo, por entender ser o mesmo um fator fundamental para a distribuição da renda no Brasil, para a melhoria das condições sociais e econômicas de grande parte da população e elemento fundamental em qualquer processo de desenvolvimento sustentável e com justi ça social para o País.

190. Graças às mobilizações como a MARCHA, nos últi mos quatro anos, no governo Lula, o salário mínimo acumulou ganhos reais, acima da infl ação, estando atualmente no valor de R$ 380,00. Este avanço, ainda que muito longe do ideal, serviu para confi rmar o que a MARCHA DAS MARGARIDAS e os movimentos sociais e sindical já vinham afi rmando, pois elevou o poder de compra da população mais carente e permiti u uma ligeira melhora na distribuição da renda. Como é sabido, o valor do salário mínimo conti nua ainda muito distante daquele que seria necessário para que ele cumprisse com a sua previsão consti tucional. Para isto, ele deveria ser, na atualidade, no valor de R$ 1.620,89.

191. A principal preocupação, no momento, não é apenas que o salário mínimo conti nue, nos próximos anos, apresentando ganhos reais. É fundamental que a políti ca de valorização do salário mínimo não seja apenas uma políti ca de governo, que possa em um futuro próximo ser abandonada ou mesmo reverti da. É preciso que ela seja entendida como uma políti ca de Estado, fundamental para o desenvolvimento do País e para o bem estar do conjunto da população brasileira.

O QUE É O SALÁRIO MÍNIMO

192. A função do salário mínimo está defi nida no art. 7º da Consti tuição Federal, nos seguintes termos:

“IV – salário mínimo, fi xado em lei, nacionalmente unifi cado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preserve o poder aquisiti vo, sendo vendada a sua vinculação para qualquer fi m;”

193. Como se pode ver acima, o salário mínimo não tem por objeti vo apenas comprar a cesta básica para alimentação. Ele deve ser um importante parâmetro para a qualidade de vida do trabalhador e de sua família, assegurando todas e não apenas as suas necessidades básicas, como também incenti vando o seu desenvolvimento pessoal, quando prevêem itens como educação e lazer.

194. Não é difí cil perceber que o salário mínimo está muito longe de cumprir com o previsto na Consti tuição Federal. Quem ganha o mínimo, gasta muito mais da metade com a alimentação e aí prati camente não sobra nada para as demais necessidades, que é a moradia, educação, saúde, lazer, etc.

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195. Assim, quando falamos em melhorar o poder aquisiti vo do salário mínimo, estamos defendendo a proposta de que a Consti tuição deve ser respeitada e o valor do salário mínimo deve se aproximar ao máximo da quanti a necessária para que o trabalhador e sua família possam ter assegurada uma boa qualidade de vida.

RESGATANDO A HISTÓRIA DO SALÁRIO MÍNIMO NO BRASIL

196. Desde o começo do século passado havia uma luta dos trabalhadores para a criação do salário mínimo. Quando foi criado, em 1940, o Salário Mínimo valia, em moeda de hoje, R$ 661,00. O mínimo de 2007 é de R$ 380,00, quase um terço do valor do poder aquisiti vo que ti nha no seu início.

197. Para as mulheres, o mínimo já começou mal. Em 1940, a lei autorizava os patrões a pagarem para as mulheres 10% a menos do que para os homens. A desculpa esfarrapada para o desconto de 10% era o gasto da empresa com “higiene e proteção” das mulheres. Traduzindo, cobrava-se das mulheres o gasto com um lugar para elas darem de mamar aos bebês. Que na maioria das empresas, como hoje, não existi am.198. Essa diferença de salário reafi rmava uma posição de inferioridade das mulheres no mundo do trabalho e reforçava suas obrigações de mãe. O desconto de 10% só caiu em 1943, com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

199. De 1940 a 1952, o Salário Mínimo fi cou sem reajuste e perdeu muito de seu valor diante da infl ação.

200. A entrada crescente da mulher no mercado de trabalho tornou-se uma realidade. Mas os governos e os patrões usavam o argumento de que a mulher trabalhava apenas para complementar a renda do marido para justi fi car a conti nuação da discriminação contra elas, que recebiam salários menores. Até hoje, no campo brasileiro, é comum que a produção da mulher no trabalho assalariado seja computada como parte da produção do marido. É o caso do proprietário que contrata o vaqueiro ou caseiro, contando com o trabalho domésti co não remunerado da esposa do trabalhador.

201. A mesma discriminação era aplicada aos negros, sob a desculpa de que eram preguiçosos ou incapazes de aprender as tarefas “mais difí ceis”, não sendo, portanto, de confi ança, desculpa para explorar o seu trabalho em níveis até piores do que o que se fazia com os escravos.

202. Depois de 1950, os sindicatos e as lutas sociais se organizaram melhor, de forma que em 1957 conseguiram para o mínimo brasileiro o maior valor de sua história: R$ 817,00, em moeda de hoje.

203. A parti r de 1964, a ditadura militar tratou de manter os salários bem baixos, para proveito das grandes propriedades agrícolas, a indústria nacional e as indústrias estrangeiras que chegavam em busca de custos baixos para ter grandes lucros. A parti r daí o mínimo foi caindo, perdendo o seu poder aquisiti vo diante da infl ação.

204. Na década de 60, a parti cipação da mulher no mercado do trabalho tornou-se irreversível.

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Ao fi m da década, as mulheres já compunham 28% da população trabalhadora. A presença da mulher no mercado do trabalho era incenti vada pela grande oferta de empregos, em um mercado de trabalho em expansão.

205. O velho discurso para justi fi car a discriminação, calcado na dependência do marido, cada vez mais insustentável. Criaram-se, então, formas mais suti s de discriminação, como a não presença das mulheres nas funções de liderança e gerência executi va, a desvalorização das profi ssões consideradas femininas (o médico deve ganhar mais que a enfermeira; o piloto mais que a aeromoça, etc.).

206. O fortalecimento dos movimentos feministas foi um fator importante para que este discurso fosse desmascarado, tendo se alcançado, ao menos ao nível legal, a proibição de qualquer discriminação em função do sexo. Mas como é sabido, esta igualdade legal ainda está muito longe de se concreti zar na práti ca, conti nuando a estar no centro das reivindicações das mulheres, urbanas e rurais, em todo mundo.

207. Em 1973, de cada 100 mulheres trabalhadoras, 55 recebiam até um salário mínimo. Entre os homens, de cada 100, os que ganhavam até um mínimo eram 40.

208. Durante todo este período, o Brasil cresceu do ponto de vista econômico, chegando a ser a 8º economia do mundo. Mas o arrocho salarial, especialmente a perda do poder aquisiti vo do salário mínimo, não permiti u a melhoria das condições de vida da população, tendo uma minoria se apropriado de todos os ganhos. A década de 70 demonstrou claramente que crescimento econômico não traz, sozinho, um desenvolvimento sustentável e justo socialmente.

209. Devido ao modelo de crescimento econômico adotado nos vinte anos anteriores, nas décadas de 1980 e 1990, o país passou por grave crise econômica, com infl ação descontrolada, desemprego e piora das condições de vida da classe trabalhadora. Foi a fase apelidada de “vôos de galinha”, onde curtos períodos de crescimento eram seguidos de prolongados períodos de estagnação ou recessão. Isto porque as nossas elites (políti cas, econômicas e intelectuais) insisti am em perpetuar o mesmo modelo de crescimento econômico do passado, cuja melhor expressão é a políti ca de juros altos, que penaliza o setor produti vo e favorece os ganhos dos especuladores do setor fi nanceiro.

210. A parti r de 2003, com o início do governo Lula, o salário mínimo vem apresentando ganhos reais, ou seja, ele é reajustado em percentuais acima do valor da infl ação. Hoje, existe uma comissão especial que está discuti ndo uma políti ca permanente e de longo prazo para os aumentos do salário mínimo.

O SALÁRIO MÍNIMO E AS TRABALHADORAS RURAIS

211. O salário mínimo impacta de diferentes maneiras sobre as trabalhadoras rurais. Os benefí cios previdenciários acessados pelas trabalhadoras rurais (aposentadoria, pensão, auxílio maternidade, etc.) são no valor do salário mínimo.

212. E aqui é preciso ter uma atenção especial, pois sempre aparecem “especialistas” em

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Previdência Social defendendo a exclusão dos trabalhadores e trabalhadoras rurais do Regime Geral da Previdência Social ou então a desvinculação do salário mínimo dos benefí cios previdenciários e assistenciais. Esta desvinculação representaria, para os rurais, voltar à situação anterior à Consti tuição Federal, aos tempos do Funrural, onde eram pagos benefí cios para a área rural em valores inferiores ao salário mínimo.

213. As assalariadas rurais consti tuem outro setor diretamente afetado pelo valor do salário mínimo, que é um forte referencial para o estabelecimento da remuneração no campo, tanto no trabalho por diária como com base na produção. A maioria das convenções coleti vas estabelece um piso salarial baseado no valor do salário mínimo acrescido de uma porcentagem.

214. Indiretamente, o salário mínimo afeta as agricultoras familiares, já que a primeira repercussão da melhoria no seu valor é o aumento do consumo de alimentos por parte da população. Os trabalhadores e trabalhadoras que recebem salário mínimo gastam até 80% do seu valor com alimentos. Isto signifi ca ampliação do mercado interno para os produtos da agricultura familiar e abre caminho para a valorização fi nanceira da produção.

215. Pensar salário mínimo e lutar pela sua valorização, como vem fazendo a MARCHA DAS MARGARIDAS desde o seu início, signifi ca abandonar a concepção errônea que confunde crescimento econômico com desenvolvimento. E lutar pela melhoria das condições de vida e de trabalho dos trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade, criando as condições necessárias para que haja um desenvolvimento econômico e social, sustentável e com justi ça social.

PARA REFLEXÃO

216. Qual a importância do salário mínimo na região em que você mora? Aproximadamente, qual a porcentagem da população que recebe salário mínimo?

217. Os recursos dos benefí cios pagos aos aposentados e pensionistas da área rural têm alguma importância para o comércio da cidade?

218. Os aumentos acima da infl ação do salário mínimo nos últi mos quatro anos trouxeram melhorias para a sua comunidade? Quais?

219. Qual a repercussão que teria para as trabalhadoras rurais a desvinculação dos benefí cios da previdência e da assistência rural do valor do salário mínimo? Isto resolveria os problemas da previdência social?

220. Para atender a sua função prevista na Consti tuição, qual deveria ser o valor do salário mínimo?

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EM DEFESA DE UMA PREVIDÊNCIA SOCIAL PÚBLICA E SOLIDÁRIA

221. Os direitos previdenciários têm sido uma bandeira de luta permanente do Movimento Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, que ao longo de mais de 40 anos vem pressionando, debatendo, propondo, negociando todas as questões de interesse da categoria. Nos últi mos quinze anos a Previdência Social tem sido a políti ca pública de maior impacto econômico e social no meio rural.

222. Os benefí cios previdenciários alcançam mais de sete milhões de trabalhadores/as rurais e é a principal políti ca pública de distribuição de renda no campo. Os recursos previdenciários são fundamentais para a melhoria das condições de vida no meio rural, na medida em que reduzem em mais de 10% o percentual de brasileiros que vivem abaixo do nível da pobreza. Além de movimentar a economia e o comércio de pequenos e médios municípios, também contribui para diminuir o êxodo rural e o processo de favelização das grandes cidades. Os rurais trabalham, em média, de 40 a 45 anos, e contribuem para a Previdência Social com base em uma alíquota incidente sobre a comercialização da produção rural.

223. A políti ca de previdência social para os trabalhadores e trabalhadoras rurais nem sempre foi assim. Ela é fruto de muitas vitórias e derrotas, de avanços e retrocessos.

224. A primeira conquista ocorreu somente a parti r de 1971, quando a categoria trabalhadora rural passou a ter direito a alguns benefí cios previdenciários assegurados através do FUNRURAL/PRÓ-RURAL - Programa de Assistência ao Trabalhador Rural. Os benefí cios ti nham caráter assistencial e eram pagos em valores de 50% do salário mínimo. O sistema também não protegia todos os membros do grupo familiar e assegurava benefí cios como: aposentadoria por idade ao arrimo de família - 65 anos para homens e 60 para mulheres -, invalidez, pensão por morte e auxílio funeral.

225. As trabalhadoras rurais eram prati camente marginalizadas do acesso a esses benefí cios, recebendo apenas a pensão por morte (viuvez) ou aposentadoria se conseguisse comprovar que era arrimo de família. Se o cônjuge fosse aposentado, restava às mulheres apenas o direito ao benefí cio da renda mensal vitalícia aos 70 anos de idade.

226. Fruto de muitas lutas e reivindicações, a Consti tuição Federal de 1988 incluiu os trabalhadores e trabalhadoras rurais no Regime Geral da Previdência Social, qualifi cando-os como segurados especiais ou empregados rurais, assegurando-lhes o direito a todos os benefí cios previdenciários no valor de um salário mínimo e a garanti a de igualdade de condições.

227. Seguradas e segurados especiais são agricultores/as familiares, parceiros/as, meeiros/as, arrendatários/as, comodatários/as, posseiros/as, assentados/as, extrati vistas e seus respecti vos cônjuges ou companheiros/as que trabalham em regime de economia familiar. Para terem acesso aos direitos previdenciários, as/os seguradas/os especiais precisam comprovar o efeti vo exercício da ati vidade rural. Em relação à contribuição para a previdência, os segurados especiais contribuem com uma alíquota de 2,2% sobre a receita bruta proveniente

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da comercialização da produção, sendo que o recolhimento desta deverá ser feito por terceiros quando a venda do produto for feita a pessoa jurídica, ou pelo próprio segurado quando a venda for feita diretamente ao consumidor. Essa fórmula de contribuição considera as condições de trabalho e as especifi cidades da produção no campo.

228. Empregadas e empregados rurais são as assalariadas/os que trabalham em ati vidade por prazo indeterminado ou em ati vidades de curta duração mediante uma relação de vínculo empregatí cio. A contribuição previdenciária equivale a uma alíquota que varia de 8 a 11 % aplicada sobre a remuneração que recebem. É responsabilidade do empregador efetuar o desconto e recolher mensalmente para a previdência social. As trabalhadoras e trabalhadores rurais têm direito aos seguintes benefí cios previdenciários:

228.1. Aposentadoria por idade - sendo 55 anos para as mulheres e 60 para os homens228.2. Aposentadoria integral por tempo de contribuição para os assalariados e assalariadas rurais, sendo aos 30 anos de contribuição para as mulheres e 35 para os homens228.3. Aposentadoria por invalidez228.4. Auxílio-doença228.5. Auxílio por acidente de trabalho228.6. Salário maternidade228.7. Salário-família228.8. Pensão por morte228.9. Auxílio reclusão (quando o companheiro / a está na prisão)

229. Esses direitos são possíveis porque o fi nanciamento do sistema é formado por contribuições próprias das/os seguradas/os especiais e assalariadas/os rurais e complementado por recursos fi scais da Seguridade Social, previstos na Consti tuição de 1988.

230. Vale ressaltar, que em todos os países onde existe um regime de previdência para a população rural, o sistema é fortemente subsidiado pelo Estado. Isso demonstra o reconhecimento e a importância do campo no desenvolvimento das sociedades modernas.

231. No caso do Brasil, esta proteção social no campo se deve ao fato de que o acesso à terra é restrito, o desemprego é estrutural e as relações de trabalho são marcadas pela sazonalidade e informalidade. Portanto, a aposentadoria rural e os demais direitos previdenciários não são práti cas assistencialistas, mas instrumentos de equilíbrio social e valorização da cidadania.

232. Não obstante ter havido um avanço da proteção previdenciária no campo, é de se destacar que a efeti vidade dessa políti ca tem demandado, nos últi mos anos, uma mobilização permanente e um grande esforço do Movimento Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais – MSTTR e Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais, no senti do de pautar e negociar com o Governo Federal um conjunto de medidas para assegurar o reconhecimento dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras rurais e melhorar o atendimento nas Agências e Postos do INSS de todo país. Entretanto, diversas questões negociadas não têm sido implementadas adequadamente pelo INSS, o que tem causado frustração e indignação nas trabalhadoras e trabalhadores rurais.

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A REFORMA DA PREVIDÊNCIA E OS RISCOS SOBRE OS DIREITOS DOS RURAIS E DAS MULHERES

233. No contexto atual brasileiro, está em discussão uma nova Reforma da Previdência Social. Para fazer o debate com os diversos setores da sociedade brasileira, o Governo Federal criou o Fórum Nacional da Previdência Social, que vai funcionar até 21 de agosto de 2007. Este fórum é triparti te, ou seja, é composto por representantes do governo, setor empresarial, centrais sindicais e algumas confederações, a exemplo da CONTAG que é a única que representa diretamente as trabalhadoras e trabalhadores rurais. Sua fi nalidade é discuti r formas de sustentabilidade do sistema previdenciário brasileiro. Para isso, uma das tarefas do fórum é atualizar o diagnósti co sobre os problemas previdenciários no país e mapear e sugerir soluções para o problema do que alguns chamam equivocadamente de défi cit, buscando-se a construção de consensos entre as três partes: governo, patrões e trabalhadores.

234. Chama-se défi cit o desequilíbrio existente nas contas da Previdência Social, decorrente dos valores que o Governo Brasileiro arrecada com as contribuições previdenciárias serem menores do que os valores pagos em benefí cios aos segurados do sistema.

235. Nessa linha de entendimento, alguns setores da sociedade, a exemplo da grande imprensa, empresários e alguns especialistas em previdência social, alegam que o desequilíbrio nas contas da previdência se agravou depois que a Consti tuição Federal de 1988 incluiu as trabalhadoras e trabalhadores rurais no Regime Geral da Previdência Social. Como solução ao problema do alegado défi cit, esses setores sugerem transferir os rurais para a Assistência Social, inclusive pagando benefí cios com valores inferiores ao salário mínimo. Sugerem também a exti nção da diferença no limite de idade entre mulheres e homens para fi ns de aposentadoria, tanto para os rurais quanto para os urbanos. Para eles, as mulheres vivem mais tempo do que os homens, contribuem menos tempo para a previdência e gozam dos benefí cios pagos por mais tempo. Esse ti po de argumento se presta mais a defender o interesse do grande capital e do mercado especulati vo que querem um Estado cada vez mais descompromissado com as políti cas de proteção social.

236. É de se ressaltar, que a Previdência Social, juntamente com a saúde e com a assistência social, faz parte de uma políti ca de proteção social maior que é a seguridade social. Nesse senti do, o seu fi nanciamento também é feito por um conjunto de contribuições desti nadas à seguridade social. Isso permite afi rmar que, na práti ca, não existe défi cit da previdência e sim uma necessidade de fi nanciamento que é coberta pelas receitas da seguridade social. A propósito, no ano de 2006, de acordo com a ANFIP, a seguridade social, após serem pagas todas as despesas com previdência, saúde e assistência social, teve um saldo positi vo em caixa superior a cinqüenta bilhões de reais.

237. Assim, sabemos e reconhecemos que há distorções na previdência social brasileira que de fato elevam a necessidade de fi nanciamento e que precisam ser superados, mas não podemos aceitar que a distorção existente no sistema seja debitada na conta da classe trabalhadora, em especial dos rurais e das mulheres.

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238. Além da questão fi scal, é importante que a sociedade faça o debate sobre a Previdência Social também na perspecti va da inclusão previdenciária. É de se observar que no Brasil mais de 50% da População Economicamente Ati va – PEA está desprotegida, ou seja, excluída da Previdência. Isso se deve, principalmente, ao alto índice de informalidade no mercado de traballho.

GÊNERO E RAÇA NA PREVIDÊNCIA SOCIAL

239. A Marcha das Margaridas é um importante instrumento de luta para mostrar para a sociedade brasileira que os rurais e as mulheres não são responsáveis pelo rombo nas contas da Previdência Social.

240. Neste senti do, é urgente e necessário conhecer e se apropriar de argumentos em defesa dos direitos das trabalhadoras rurais e urbanas e dialogar com os diversos setores da sociedade brasileira.

241. O Movimento de Mulheres / Movimento Feminista fi cou de fora do Fórum Nacional da Previdência Social. Por esta razão, criaram e parti cipam do Fórum Iti nerante e Paralelo sobre a Previdência Social - FIPPS. Sua fi nalidade é analisar a situação das mulheres no mercado de trabalho e na previdência social e criar argumentos e propostas em defesa dos direitos das mulheres trabalhadoras do campo e da cidade.

242. Para nós, mulheres do campo e da cidade, a origem do problema está na desigualdade de gênero e raça no mercado de trabalho. É preciso entender que, mesmo tendo mais tempo de vida que os homens, nós, mulheres, estamos na Previdência Social com menor capacidade de contribuir com o sistema previdenciário.

243. As mulheres têm menor parti cipação no mercado de trabalho do que os homens3. Esta diferença diminuiu entre os anos de 1985 a 2005; entretanto, a inserção das mulheres tem ocorrido nos setores mais precários, desti tuídos de direitos e desvalorizados, como no setor informal, agrícola e no emprego domésti co, em que as mulheres, sobretudo as negras e as mais pobres, estão inseridas. No trabalho rural agrícola, as mulheres representam cerca de 40% das pessoas ocupadas nas ati vidades agrícolas e na produção para o consumo4.

244. As mulheres têm menor remuneração do que os homens5. Quando empregadas, são submeti das à desigualdade de remuneração na maior parte dos locais de trabalho deste país.

245. As mulheres têm menor tempo de permanência no mercado de trabalho6 e são as mais ati ngidas pelo desemprego: a taxa de desemprego entre as mulheres é de 7,8%.

246. Há também diferenças entre a capacidade contributi va entre as próprias mulheres

3 Dados IBGE 20044 Dados IBGE 20035 Idem, idem6 Idem, idem

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trabalhadoras, em especial entre as mulheres rurais e urbanas, negras e brancas, pobres e ricas7.

246.1. As mulheres negras recebem em média 50% a menos que as mulheres brancas. 246.2. As mulheres rurais recebem em média 20% do que recebem as mulheres urbanas.246.3. Cerca de 80% das mulheres rurais não têm acesso a nenhum ti po de renda

monetária

247. No Brasil, o valor social e econômico do trabalho domésti co, e o tempo desti nado às mulheres para realizá-lo não são reconhecidos, visibilizados e não contam para o acesso a direitos. Estudos recentes já demonstram que, quando contabilizado, o trabalho domésti co corresponde a cerca de 13% do PIB do nosso país – somente os afazeres realizados pelas mulheres geram 185 bilhões para a economia 8. Isso signifi ca dizer que se o trabalho domésti co fosse reconhecido todas as mulheres seriam consideradas trabalhadoras e estariam contribuindo para a produção de riqueza do país.

248. No campo e nas cidades ainda arcamos com o peso da dupla jornada de trabalho (dentro e fora de casa), refl exo da injusta divisão sexual do trabalho entre homens e mulheres. Essa desigualdade diminui as possibilidades das mulheres entrarem no mercado de trabalho remunerado; reduz as possibilidades de aprimoramento profi ssional, reduz a conti nuidade dos estudos, bem como a parti cipação políti ca e lazer. Vale lembrar que o tempo gasto com o trabalho reproduti vo, na esfera domésti ca, pelas mulheres, é de cerca de 4 a 5 horas superior ao gasto pelos homens. Hoje, milhões de mulheres já envelheceram e seguem envelhecendo realizando trabalho domésti co não-remunerado e, portanto, sem acesso à Previdência em função do trabalho realizado.

249. No campo, as mulheres trabalhadoras rurais dedicam cerca de 8 horas por dia para o culti vo de hortas e plantas medicinais e ao trato de pequenos animais. Este trabalho é de extrema importância para fortalecer a relação de cooperação mútua na unidade familiar, para diversifi cação da produção e o sustento de todos os membros da família. Ainda assim, as mulheres têm muitas difi culdades em comprovar a ati vidade de trabalhadora rural junto ao INSS.

250. Outro obstáculo que se interpõem a este o fato de poucas mulheres terem acesso ao bloco de notas. Somente em sete estados o Bloco de Notas da produtora está implantado. A situação se torna mais grave porque existe no campo mais de quatro milhões de trabalhadoras rurais sem nenhum ti po de documento, razão pela qual lhes são negados todos os direitos de cidadania.

PARA REFLEXÃO

251. Qual impacto que a Previdência Social tem na sua comunidade e seu município?

7 Dados do CEDEPLAR/UFMG, apresentado durante o Seminário Nacional Previdência Social, promovido pela Secretaria de Políti cas para Mulheres, em Brasília/DF, 04 de abril de 2007. 8 Melo e Considera, 2005

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252. Quais as difi culdades que as mulheres enfrentam para ter acesso aos seus direitos previdenciários?

253. Que mudanças os benefí cios previdenciários adquiridos pelas mulheres provocaram na sua vida e na relação familiar?

PROPOSTAS EM DEBATE

254. Mostrar para os diversos setores da sociedade brasileira a importância do atual sistema previdenciário enquanto modelo redistributi vo,

255. Dar conti nuidade à luta em defesa da Previdência Rural, especialmente em torno das propostas que constam no Projeto de Lei 6.852/2006 (que trata de novas regras para os trabalhadores/as rurais) e que precisa ser aprovado no Congresso Nacional. 256. Agilidade nas decisões dos processos de benefí cios dos trabalhadores/as rurais agendados por meio eletrônico ou na própria Agência do INSS.

257. Liberação integral dos recursos orçamentários do INSS aprovados para o ano de 2007 como forma de garanti r o atendimento adequado a todos os segurados da Previdência.

258. Contratação urgente de mais servidores para fazer o atendimento de análise de processos de benefí cios no âmbito das Agências do INSS.

259. Que o governo implemente um sistema de proteção previdenciária para os assalariados e assalariadas rurais, principalmente para aqueles que trabalham em ati vidades de curta duração, com regras que levem em consideração o exercício da ati vidade rural e o modo específi co das relações de trabalho no campo.

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EM DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA E DO SUS

260. Por muito tempo predominou no Brasil a idéia de que saúde era apenas a ausência de doença. A Consti tuição Federal Brasileira de 1988 declara que a saúde é “um dever do Estado e um direito de todos e todas”. Declara ainda que para se ter uma vida saudável é preciso ter qualidade de vida, ou seja, acesso à terra, alimentação de boa qualidade e em quanti dade sufi ciente, moradia digna, sistema de saneamento básico, acesso ao trabalho e em condições decentes, renda, serviços de saúde e educação de qualidade, transporte, cultura, lazer, ambientes sustentáveis, e outros bens e serviços essenciais à vida. Isso signifi ca que a promoção da saúde da população depende de um conjunto de políti cas públicas.

261. Para fazer valer parte deste direito, foi promulgada a Lei 8080, de 1990, que cria o SUS - Sistema Único de Saúde, bem como outras leis complementares que asseguram o direito universal e igualitário de todas as pessoas às ações e serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde.

O QUE É O SUS

262. O SUS é o Sistema Único de Saúde e é organizado de acordo com os seguintes princípios éti co-políti cos:

262.1. Universalidade: a saúde é um direito de todos e todas e um dever do Estado. É um direito social assegurado a todas as pessoas, em todos os níveis de assistência, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie, independente de contribuições.

262.2. Integralidade: planeja e realiza ações preventi vas e curati vas, relacionadas à saúde das pessoas ao longo de suas vidas.

262.3. Equidade: assegura a todas as pessoas, sem privilégios ou barreiras, ações e serviços dos vários níveis de complexidade, conforme a necessidade requerida em cada caso (exames, cirurgias, tratamentos especializados, etc.) Este princípio deve contribuir para corrigir as desigualdades e prestar serviços a todos/as, sem disti nção de sexo, idade, cor/raça, etnia, orientação sexual, religião, defi ciência, etc.

262.4. Descentralização, com direção única em cada esfera de governo: desloca o poder de decisão para quem e responsável pela execução das ações no âmbito do município (Secretaria Municipal de Saúde), estado (Secretaria Estadual de Saúde) e Governo Federal (Ministério da Saúde).

262.5. Parti cipação Social: este princípio estabelece o direito da população de parti cipar das instâncias de gestão do SUS e dos conselhos e conferências de saúde. Estes espaços insti tucionais são paritários com representantes das usuárias/os, prestadores de serviços, profi ssionais de saúde e gestores. A parti cipação signifi ca a responsabilidade entre o Estado e a Sociedade Civil na formulação, execução, monitoramento e avaliação das políti cas e programas de saúde.

263. O SUS é formado por uma rede de serviços hierarquizada e descentralizada: Postos e centros de saúde, hospitais públicos / fi lantrópicos e privados, clínicas especializadas, maternidades, laboratórios, etc. Esta rede envolve também a contratação de serviços privados, quando o serviço púbico não for sufi ciente e precisar ser complementado. Muita gente não sabe, mas os

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serviços privados contratados pelo SUS devem funcionar de acordo e com as mesmas normas do serviço público e submeti dos aos gestores do SUS (Ministro da Saúde ou Secretários/as Estaduais e Municipais de Saúde).

264. Mesmo tendo um único comando, o SUS é um sistema descentralizado, ou seja, cada esfera de governo (União, Estados e Municípios) tem funções e responsabilidades específi cas e complementares. Entretanto é o município que tem a maior responsabilidade na prestação de serviços de saúde da população.

265. A Regionalização é outra estratégia do SUS que ultrapassa a capacidade e o limite de atuação municipal. De modo geral, o seu principal objeti vo é garanti r a integralidade na atenção à saúde, ou seja, garanti r a solução de todos os problemas de saúde (média e alta complexidade) com qualidade das ações e serviços.

A SAÚDE NO CAMPO

266. As políti cas neoliberais implementadas no país nos últi mos dez anos, especialmente nessa área, vem ameaçando os fundamentos básicos do SUS - universalidade, integralidade, equidade, parti cipação da comunidade - comprometendo a sua efeti va implementação.

267. Apesar dos esforços feitos por alguns gestores públicos, as ações de atenção à saúde ofertadas à população rural, em especial às mulheres, são dispersas, descontí nuas, contraditórias, contrapondo-se aos fundamentos do Sistema Único de Saúde. Nessas políti cas e ações persiste uma visão restrita do que é rural, concebendo-o apenas como uma área geográfi ca distante do perímetro urbano.

268. Não há uma atenção à saúde que leve em conta a diversidade do campo: os diferentes sujeitos sociais, a dinâmica populacional de quem vive e trabalha no campo; as relações sociais, os modos de produção, os aspectos culturais e ambientais, as formas de organização dos assentamentos, acampamentos, aldeias indígenas, comunidades quilombolas, ribeirinhas, etc.

269. Dados do Ministério da Saúde e do IBGE - Insti tuto Brasileiro de Geografi a e Estatí sti cas confi rmam que é no campo e na fl oresta - em especial nos acampamentos, assentamentos, reservas extrati vistas e comunidades - que se convive com os maiores problemas de saúde.

SAÚDE DA MULHER TRABALHADORA RURAL

270. No campo, também não há uma atenção à saúde que leve em conta as condições de vida e trabalho das mulheres trabalhadoras rurais. Sabemos que muitos agravos de saúde têm origem nas desigualdades de gênero e na discriminação racial, ou seja, nas relações de opressão, submissão, exploração e violência que enfrentam no ambiente familiar, no trabalho e na sociedade.

271. Dentre tantos problemas, uma questão inaceitável é o número de mortes de mulheres que são facilmente evitadas; principalmente as chamadas mortes maternas e as por câncer

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do cólo de útero e mama. E agora mais recentemente as mortes por Aids. A maioria dessas mortes pode ser evitada se as mulheres ti vessem acesso regular à consulta ginecológica, com exames de papa-nicolau, um bom pré-natal e um bom atendimento ao parto.

272. Um outro dado grave é em relação ao aborto. No Brasil, é grande o número de mulheres, tanto urbanas como rurais, que recorrem ao aborto como forma de interromper uma gravidez indesejada. As mulheres pobres fazem esses abortos com métodos inseguros, acarretando seqüelas para saúde e muitas mortes.

273. Diante da difi culdade de acesso ou mesmo da inexistência de serviços de saúde, muitas trabalhadoras afi rmam que é mais fácil se tratar por conta própria ou procurar benzedeiras e farmácias do que ser atendido no serviço de saúde local. A distância das comunidades rurais para os centros urbanos, a falta de transporte, o número restrito de vagas para consultas, a discriminação, a falta de equipamentos e de medicamentos básicos são as principais difi culdades alegadas pelas usuárias e usuários que uti lizam o sistema de saúde pública.

A LUTA NO CAMPO EM DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA E DO SUS

274. A baixa qualidade dos serviços e a ausência de uma estratégia que atenda melhor as demandas da população rural usuária do SUS, em especial as mulheres, têm gerado um elevado grau de insati sfação. Essa insati sfação tem dado suporte para o surgimento de um diversifi cado universo de reivindicações que deveriam ser tratadas no âmbito municipal, e não o são devido a pouca sensibilidade e capacidade dos gestores públicos locais para absorver, dialogar e responder às demandas dos setores populares.

275. As questões acima destacadas têm levado os movimentos sociais do campo, em especial o Movimento Sindical e o Movimento de Mulheres, a empreender esforços em defesa da saúde pública no Brasil, visando assegurar o direito e a universalização do acesso a serviços de saúde de boa qualidade para todas trabalhadoras e trabalhadores rurais.

276. Tais esforços se traduzem na organização de lutas pela saúde, no compromisso da CONTAG, Federações de Trabalhadores na Agricultura - FETAGs - e Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais – STTRs e das enti dades parceiras com a criação e efeti vação do SUS, e na dimensão prioritária que o tema saúde vem ganhando nas pautas de reivindicação dos Gritos da Terra Brasil e Marcha das Margaridas.

277. Embora importantes, essas estratégias têm se mostrado insufi cientes para superar os problemas e apresentar respostas concretas às questões relacionadas à saúde que emergem da base.

278. Sabemos que isso ocorre porque muitas medidas de cunho neoliberal trouxeram prejuízos ao processo de consolidação do SUS, desde o seu surgimento. Essas medidas contribuíram para reduzir o papel do Estado na promoção da Saúde, e reforçou o pensamento de que a saúde é um bem de consumo, ou seja, uma mercadoria e não um direito universal.

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279. Sem contar com o volume necessário de recursos, o SUS não conseguirá oferecer, através da rede pública, o pleno atendimento das necessidades e demandas de saúde da população, principalmente os serviços de média e alta complexidade, que demandam maiores investi mentos. Por conseqüência, há um crescimento do setor privado (hospitais, clínicas, laboratórios, indústria farmacêuti ca, etc) conveniado ao SUS.

280. Esse quadro contribui para o fortalecimento dos planos de saúde, para a concentração dos recursos públicos da saúde no setor privado e para o enfraquecimento do processo de parti cipação e controle social por parte da população.

A POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE DOS POVOS DO CAMPO E DA FLORESTA

281. O Movimento Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais e demais movimentos sociais que atuam do campo tem protagonizado a luta por um desenvolvimento rural que seja sustentável e solidário, que garanta saúde e qualidade de vida para todas as pessoas que vivem e trabalham no campo e na fl oresta.

282. Em resposta às nossas reivindicações, o Ministério da Saúde criou, em 2003, o Grupo da Terra. Composto por diversas áreas técnicas do Ministério da Saúde e por Movimentos Sociais que atuam no campo, tem a fi nalidade de possibilitar a integralidade na resposta às demandas e a formulação da Políti ca Nacional de Saúde dos Povos do Campo e da Floresta.

283. Esta políti ca pode expressar um pacto nacional, ou seja, o compromisso entre as três esferas do governo (União, Estados e Municípios) em fortalecer o SUS no campo. Além de ações e serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde, esta políti ca se propõe a elevar o nível de desenvolvimento humano das populações do campo e da fl oresta por meio de outras políti cas públicas, como segurança alimentar e nutricional, geração de emprego e renda, saneamento ambiental, habitação, educação, cultura e lazer, acesso à terra, enfrentamento da violência contra as mulheres e transporte digno.

284. Ou seja, a Políti ca Nacional de Saúde dos Povos do Campo e da Floresta deve estar em sintonia com os diversos planos e programas do Governo Federal, arti culando o desenvolvimento regional e integrando um conjunto de políti cas públicas que elevem o padrão de vida da população rural.

QUESTÕES PARA REFLEXÃO

285. Porque no campo e na fl oresta se convive com os maiores problemas de saúde do país?

286. Se o SUS é para garanti r saúde pública, integral e de qualidade para todos e todas sem disti nção e discriminação, porque então que a população do campo e da fl oresta é tão esquecida pelos gestores da saúde? 287. No Governo Lula, o recurso da saúde aumentou. Será que o dinheiro da saúde desti nado ao nosso município é pouco, ou ele é mal uti lizado? É o SUS que não presta ou ele é mal administrado?

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288. Você sabe quanto o seu município recebe de recursos do Governo Federal para atender as demandas de saúde da população local?

289. Você sabe como é composto e como funciona o conselho de saúde do seu município?

290. O que fazer para fortalecer a parti cipação da sua comunidade no controle social nas políti cas de saúde de seu município, em especial as reuniões dos conselhos e as conferências de saúde?

291. Em seu município existem espaços organizados para debater a saúde da mulher? Este assunto é tratado nas reuniões do conselho de saúde do seu município ou em outros espaços públicos?

292. Quanto dos recursos do seu município é desti nado à saúde da mulher?

293. Com quem podemos contar no município, no estado e nacionalmente para

294. Apresente sugestões de como o MSTTR deve se organizar para parti cipar da 13ª Conferência Nacional de Saúde, considerando que a Etapa Municipal: 1º abril a 05 de agosto; Etapa Estadual: 15 de agosto a 15 de outubro; Etapa Nacional: 14 a 18 de novembroApresente propostas para fortalecer o debate e as ações do MSTTR e Movimento de Mulheres na temáti ca da saúde pública dos povos do campo e da fl oresta, em especial na saúde da mulher

294.1. - municipal:294.2. - estadual:294.3. - nacional:

295. Apresente propostas para efeti var o SUS nas instâncias:

295.1. - municipal:295.2. - estadual:295.3. - regional295.4. - nacional:

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POR UMA EDUCAÇÃO DO CAMPO NÃO-SEXISTA

296. No meio rural, o sistema educacional é considerado de baixa qualidade. Grande parte das trabalhadoras rurais, sobretudo as adultas, nunca ti veram o direito de freqüentar escola. Dentre todos os setores da economia, o setor agropecuário apresenta o mais baixo nível de escolaridade. É neste setor que os homens têm mais anos de escolaridade (18,5%) do que as mulheres (17,0%). Isso ocorre porque as mulheres mais jovens que tem mais estudos têm saído em busca de outras oportunidades de trabalho. As mulheres adultas e de meia idade, que tem menos escolaridade, são as que conti nuam trabalhando na agropecuária.

297. As gerações mais anti gas não ti veram condições de estudar, por várias e diferentes razões. O trabalho e o sustento da família eram a sua primeira obrigação. Diante da luta pela sobrevivência, a escola prati camente perdia seu valor. A escola era vista como lugar de lazer, de diversão e até mesmo de namoro. A escola prati camente não era reconhecida como lugar para aprender e preparar para a vida e o trabalho.

298. As mulheres de outras gerações enfrentaram maiores difi culdades para freqüentar a escola do que os homens. A sociedade por muito tempo proibiu a mulher de ter acesso à escola. Somente as fi lhas dos coronéis e dos donos de engenhos podiam freqüentar escolas, sobretudo as escolas que formavam as mulheres em prendas domésti cas e para serem professoras. Enfrentaram também o machismo do pai: “mulher não precisa estudar”.

299. As gerações mais novas reconhecem na Educação o direito de cidadania, direito ao conhecimento e chances de ter uma vida melhor e uma profi ssão mais valorizada

É PRECISO MUDAR O PAPEL SOCIAL DAS ESCOLAS DO CAMPO

300. No geral, a escola não consegue cumprir o seu papel social. A escola tem funcionado mais como uma insti tuição que reproduz os valores da classe dominante e não para promover mudanças e transformações sociais.

301. A luta das trabalhadoras e trabalhadores pela qualidade de vida no campo ainda fi ca de fora das escolas. No currículo escolar não se fala da importância da reforma agrária, da valorização da agricultura familiar, do cuidado com o meio ambiente. A escola está omissa e despreparada até mesmo para debater temas do coti diano da vida humana, como: a afeti vidade, a sexualidade, a saúde reproduti va, a violência sexual, a violência social, etc.

302. Os salários das professoras e professores conti nuam baixos e atrasados. As condições precárias das escolas e a falta de maiores incenti vos para valorização do magistério e para capacitação também têm desesti mulado as professoras e professores. Poucos querem sair da cidade para ensinar nas escolas do campo.

303. É preciso que a escola esteja estruturada para preparar as alunas e alunos para enfrentar a vida, manterem uma relação de igualdade entre homens e mulheres, meninos e meninas,

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respeitarem as diferenças sexuais, serem competi ti vos no mercado de trabalho, exercerem sua cidadania.

304. Cabe à escola educar as crianças, jovens, homens e mulheres para fazerem uma leitura críti ca da realidade, questi onarem os valores vigentes, esti mular a mudança de comportamentos e ati tudes nas relações interpessoais, esti mular a busca de soluções. Neste senti do, comunidade precisa parti cipar da vida da escola; ou melhor: a escola precisa parti cipar da vida da comunidade.

305. Repensar o papel social da escola signifi ca também reforçar a bandeira da educação “não sexista”. Quando assumimos esta bandeira estamos reconhecendo que a escola não deve trabalhar de modo a reproduzir as discriminações e desigualdades de gênero. É preciso mudar comportamentos e ati tudes que estão amplamente presentes, seja nas práti cas com alunos e alunas, seja nos livros didáti cos, seja nas políti cas educacionais e no modo de inserção de professores e professoras nas salas de aula.

306. Vários desafi os se apresentam na perspecti va do nosso compromisso com uma educação não sexista, ou seja, uma educação que não discrimina, que não reproduz desigualdades fundadas nas diferenças entre masculino e feminino.

307. Vale ressaltar que a educação sozinha, isolada, não vai transformar a realidade do campo e da cidade. Entretanto, se for repensado o papel social da educação no Brasil, sobretudo no campo, se a educação for arti culada com outras políti cas sociais (agricultura, saúde, transporte, saneamento, moradia, lazer, etc.), a educação será um dos principais elementos para construirmos e implementarmos o desenvolvimento rural sustentável que queremos.

A LUTA POR UMA POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO DO CAMPO

308. Até a década de 90, o MSTTR fez um investi mento na educação popular, não-formal, voltado para a formação de seus quadros políti cos e lideranças de base. A parti r da década de 1990, o Movimento Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais - MSTTR começou a trabalhar com mais ênfase em uma proposta de educação para o campo. Os 7º e o 8º CNTTRs apontaram ser inconcebível querer implementar um processo de desenvolvimento sustentável no campo sem que a educação ocupe um papel estratégico neste processo, de forma a ampliar o grau de escolaridade e de profi ssionalização dos trabalhadores e trabalhadoras rurais. Passou-se, então, a arti cular uma proposta visando unifi car as iniciati vas da formação sindical, da capacitação técnica e da escolarização, na construção do Projeto Alternati vo de Desenvolvimento Rural Sustentável.

309. No ano de 2001, o MSTTR, em parceria com outras enti dades que acumulam experiências práti cas em educação, sistemati zou uma proposta de políti ca pública, consti tuída por princípios e diretrizes de educação do campo. Essa proposta foi apresentada e debati da nas audiências públicas do Conselho Nacional de Educação – CNE realizadas no fi nal do ano de 2001, cujo conteúdo proposto foi incorporado ao documento aprovado pelo Conselho Nacional de Educação ao insti tuir as “Diretrizes Operacionais de Educação Básica para as Escolas do Campo”, através da Resolução n.º 01, de 03 de abril de 2002.

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310. As “Diretrizes Operacionais de Educação Básica para as Escolas do Campo” incorporam as reivindicações dos Movimentos Sociais, que nunca haviam sido contemplados em legislações anteriores, como a universalização da educação básica para toda população rural; o papel da escola a serviço da construção de um projeto de desenvolvimento rural sustentável; ati vidades curriculares e pedagógicas direcionadas para o desenvolvimento sustentável; formação inicial e conti nuada do professorado do campo; fi nanciamento diferenciado para as escolas do campo; estabelecimento de parceria com os movimentos sociais que desenvolvem ati vidades pedagógicas comprometi das com o desenvolvimento sustentável do campo; e controle social por parte da comunidade escolar.

311. As diretrizes aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação desencadearam um novo debate no âmbito no MSTTR sobre as estratégias e as ações para implementá-las.

312. No início de 2003, com a posse do Governo Lula, e com mobilizações como Grito da Terra Brasil e Marcha das Margaridas 2003 surgiram novas perspecti vas no senti do de que as políti cas educacionais para o campo pudessem tomar um novo rumo.

313. Em 2004, é realizada a II Conferência Nacional por uma Educação do Campo, em Luziânia-GO. A Conferência marcou um novo momento na história da construção políti ca de um projeto de Educação do Campo. Nela foram apontados os graves problemas da educação do campo que ainda persistem nos dias de hoje; foi reafi rmada a luta social por um campo visto como espaço de vida e por políti cas públicas específi cas para sua população; defendeu-se um projeto de sociedade que seja justo, democráti co e igualitário, que contemple um projeto de desenvolvimento do campo que seja sustentável, includente, que respeite a diversidade e que tenha a educação como uma políti ca estratégica no processo de sua construção e implementação.314. Todo esse contexto de debate reafi rma que a consolidação do Projeto Alternati vo de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário – PADRSS, perpassa pela implementação de uma proposta de educação no campo brasileiro que fomente e dê sustentabilidade ao desenvolvimento.

315. O MSTTR deve conti nuar defendendo e reivindicando uma políti ca pública nacional para a educação do campo em todos os seus níveis e modalidades e se arti cular com diversos outros movimentos sociais e insti tuições públicas para que os Municípios, Estados e a União implementem esta políti ca em seus respecti vos sistemas de ensino. Para tanto, é estratégico para o MSTTR:

PARA REFLEXÃO

316. Como tornar a escola um espaço de debate sobre o modelo de desenvolvimento que queremos para o campo?

317. Como a escola pode contribuir para a construção de relações iguais e não-racista entre mulheres e homens, meninas e meninos?

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VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES

318. As mulheres trabalhadoras rurais vêm cada vez mais se fortalecendo enquanto sujeitos políti cos, protagonizando lutas e avançando em defesa de seus direitos. Esse compromisso tem favorecido o rompimento das fronteiras machistas do mundo sindical bem como o debate políti co de temas antes reservado ao mundo privado, entre estes a violência contra as mulheres.

319. A MARCHA DAS MARGARIDAS 2007 propõe debater o tema da violência levando em conta, não apenas a violência prati cada nos espaços privados, mas também nos espaços públicos e políti cos, como o movimento sindical, parti dos políti cos e locais de trabalho. A violência contra as mulheres tem na sua base a discriminação fundada no sexo, a idade, raça, etnia e orientação sexual.

ORIGEM, TIPOS E FORMAS DE MANIFESTAÇÃO

320. As mulheres sofrem violências específi cas apenas pelo fato de serem mulheres e estarem em uma relação de desvantagem com relação aos homens. Como decorrência das relações desiguais de gênero, as mulheres e meninas, de modo geral, estão sujeitas a algum ti po de violência. Entretanto, são mais vulneráveis as mulheres e meninas que vivem em situação de pobreza, de marginalidade, que sofrem discriminação devido à raça, religião e orientação sexual, assim como as mulheres rurais, indígenas, idosas e as mulheres portadoras de defi ciências.

A violência que ati nge as mulheres pode ser de diferentes ti pos: 320.1. violência fí sica 320.2. violência sexual320.3. A violência psicológica, que ocorre quando o agressor tenta controlar as ações da

mulher, seus comportamentos, crenças e decisões por meio de ameaças, humilhação, isolamento e outros meios;

320.4. violência patrimonial que ocorre quando a víti ma perde bens, valores ou recursos econômicos por coação, chantagem ou manipulação;

320.5. violência insti tucional refere-se às situações em que as mulheres são maltratadas e têm seus direitos violados em serviços públicos, empresas privadas, organizações e meios de comunicação.

320.6. assédio moral, quando a víti ma sofre repeti ti vamente atos de humilhação, desqualifi cação ou ridicularização.

320.7. Assédio sexual

321. A violência contra as mulheres também pode assumir diferentes formas: pressões psicológicas, maus-tratos fí sicos, espancamentos, piadas, cantadas, humilhações, acusações, calúnias, assédio sexual, assédio moral, estupro e assassinato. Para isso o agressor faz uso da força fí sica e também de ameaças. A existência dessa violência coloca as mulheres em uma situação de medo e ameaça permanente.

322. A violência prati cada por homens que vivem próximos às mulheres - pais, maridos,

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companheiros, irmãos, namorados, amantes, pais, padrastos, ti os, fi lhos - geralmente ocorre dentro de casa ou em ambientes familiares, desde a infância até a velhice.

323. Nos espaços públicos também há muitas manifestações de violência contra as mulheres. A práti ca do crime que ocorre nos centros urbanos das grandes e pequenas cidades vem ati ngindo as mulheres de forma crescente. Esses crimes ocorrem na periferia das cidades - geralmente em áreas pobres, carentes de infra-estrutura, abandonadas pelo poder público. Nessas áreas grupos criminosos que dominam o poder local usam a força para deter e controlar a população, inclusive as mulheres.

324. Coti dianamente, na rua, no comércio, nos estabelecimentos públicos, mulheres negras e lésbicas têm seus direitos violados. Isso ocorre porque a sociedade brasileira é racista e criminaliza a homossexualidade. 325. A parti cipação das mulheres nos espaços políti cos é crescente, especialmente a parti r da adoção da cota mulheres. Contudo, muitas mulheres apesar de estarem engajadas na construção de relações de igualdade entre homens e mulheres, ainda reproduzem práti cas discriminatórias, preconceituosas e de violência contra as mulheres nos espaços políti cos onde militam, em especial nos parti dos políti cos e no movimento sindical.

COMO E PORQUE SE MANTÊM A VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES

326. A sociedade brasileira convive com a violência e a aceita, pois há uma cultura da violência que banaliza a vida humana e naturaliza as desigualdades, estabelecendo, assim, as bases para a práti ca da violência, para a sua aceitação e, em alguns casos, para a sua legiti midade.

327. Essa cultura propaga a idéia de que a violência contra as mulheres é natural, de que é normal os homens serem violentos e que é de responsabilidade das mulheres evitarem a violência.

328. A sociedade, o Estado e os sistemas religiosos legiti mam o poder dos homens sobre as mulheres. Por medo, vergonha, senti mento de culpa, muitas mulheres silenciam diante da violência. Elas se sentem desautorizadas e desesti muladas a falarem sobre a sua condição e a procurar ajuda para sair da situação de violência. Com esse silêncio, as mulheres acabam por contribuir para o desconhecimento da extensão da violência e para a impunidade. Não se sabe ao certo quantas mulheres morreram víti mas da violência, como e quantas sofreram e sofrem atos de violência no campo e nas cidades. Não se sabe onde, nem em que condições essa violência ocorre.

O CONTROLE SOBRE O CORPO DAS MULHERES É UMA FORMA DE VIOLÊNCIA

329. As mulheres ainda sofrem muitas violações de seus direitos em relação à vida reproduti va e sexual, e a situação de violência agrava ainda mais essa condição. Para a maioria das mulheres ainda não é possível negociar o uso da camisinha, porque elas têm medo de serem julgadas promíscuas por seus companheiros, têm medo do abandono e até mesmo da violência fí sica. Sem o uso da camisinha, fi cam mais expostas a uma gravidez indesejada e às doenças sexualmente transmissíveis, inclusive a Aids.

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330. O aborto ainda é considerado crime, e milhares de mulheres morrem ou fi cam doentes em conseqüência de prati carem o aborto de forma clandesti na, em péssimas condições. Somam-se a isso o desrespeito, a humilhação e mau atendimento nos serviços de saúde, uma vez que a maioria dos profi ssionais de saúde considera que as mulheres que fazem aborto devem ser punidas. Além disso, é muito comum o assédio e o abuso sexual nos serviços de saúde.

A RESPONSABILIDADE DOS GOVERNOS E AS POLÍTICAS PÚBLICAS

331. Todas as mulheres têm direito à vida, à integridade, à liberdade de expressão e à associação, de viver segundo sua orientação sexual. Portanto, todas as mulheres têm o direito de não serem discriminadas, nem violentadas. O Estado brasileiro, através da ação pública dos seus governos não deve permiti r que esses direitos sejam ameaçados ou violados. Se a prioridade do governo é proteger a vida e garanti r a segurança das mulheres, ele deve construir e implementar políti cas públicas que favoreçam a prevenção e o combate a todas as formas de violência contra as mulheres.

332. A violência é um problema complexo e exige soluções políti cas também complexas. Para que as políti cas públicas de prevenção e erradicação da violência alcancem resultados efeti vos e transformem a vida das mulheres é necessário que as políti cas globais e específi cas tenham como propósito explícito atacar as causas da violência.

333. Uma das principais reivindicações dos movimentos de mulheres frente aos governos tem sido a implementação de uma políti ca nacional de enfrentamento da violência contra as mulheres, com ações arti culadas de prevenção e apoio às mulheres víti mas, bem como alterações na legislação brasileira.

334. Buscando atender a essa reivindicação, o Governo Federal, por meio da Secretaria de Políti cas para Mulheres, desde 2003, vem implementando a Políti ca Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, que compreende ações de prevenção, atenção e proteção às mulheres em situação de violência, bem como de combate à impunidade dos agressores. Essas ações arti culam as áreas de Justi ça, Segurança Pública, Trabalho e Renda, Educação, Saúde, Assistência Social e outras.

335. A políti ca de combate à violência tem sido exercida por meio da implementação de redes de serviços de atendimento (casas abrigo, centros de referência, defensorias públicas, delegacias especializadas, disque-denúncia); da capacitação de profi ssionais que lidam com a questão da violência; mudanças na legislação, a exemplo da Lei Maria da Penha, e outras.

336. Entretanto, essas ações e metas são estruturadas numa perspecti va funcional muito urbana e implementadas de maneira desarti culada de outras políti cas, como o acesso à terra, renda, trabalho, formação profi ssional, habitação, educação, etc. Essa formatação tem difi cultado ou anulado a efi cácia desta políti ca no meio rural. Conseqüentemente essa políti ca não tem impacto junto às mulheres trabalhadoras rurais, principalmente as víti mas das áreas de assentamento ou de comunidades distantes dos perímetros urbanos.

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LEI MARIA DA PENHA

337. A Lei Nº. 11.340, sancionada no dia 07 de agosto de 2006, torna mais rigorosa a pena contra quem agride mulheres. Considerada abrangente, esta lei propõe medidas preventi vas, assistenciais, puniti vas, educati vas e de proteção à mulher e aos fi lhos/as perante todos os ti pos e formas de violência já citadas anteriormente.

338. A Lei Maria da Penha garante a adoção de mecanismos de proteção fí sica e moral que colocam a mulher a salvo do agressor, tais como:

338.1. aumento de um para três anos de detenção a pena máxima para agressões domésti cas,

338.2. permite a prisão em fl agrante do agressor 338.3. acaba com possibilidade de transição338.4. A pena pode ser aumentada em um terço se o crime for cometi do contra pessoa

portadora de defi ciência. 338.5. O juiz pode determinar, ainda, o comparecimento obrigatório do agressor a

programas de recuperação e reeducação. 338.6. Prevê, para um futuro próximo, a criação do Juizado Especial de Violência Domésti ca

e Familiar contra a Mulher que vai cuidar especifi camente dessas causas cíveis e criminais envolvendo qualquer ti po de violência contra mulher.

339. Sabemos que a Lei Maria da Penha é uma resposta do Estado brasileiro, em especial deste Governo, às reivindicações históricas do Movimento de Mulheres/Feminista. A Lei é importante porque propõe ações necessárias para que haja punição aos agressores e mecanismos de apoio às mulheres víti mas de violência. Porém, ela não é sufi ciente para acabar com a violência contra as mulheres. É preciso entender que as raízes dessa violência estão na situação de desigualdade e opressão das mulheres e que as mudanças nessas relações sociais não decorrem apenas da criação de leis, mas, sobretudo da mudança de mentalidade e de comportamento da sociedade.

340. Por esta razão, mais do que punir, é necessário uma luta geral que combata todos os mecanismos de manutenção dessa opressão. Essa luta deve ser protagonizada pelas mulheres, em diálogo com o conjunto da sociedade. Neste senti do, é preciso trabalhar no aspecto da educação e da conscienti zação da sociedade para que se comprometam com a construção de relações igualitárias entre homens e mulheres e eliminar, a parti r do coti diano no campo e na cidade, a cultura da violência que se fundamenta no sexismo, racismo, patriarcado e na banalização do direito à vida.

PARA REFLEXÃO

341. Qual a origem da violência contra as mulheres e por que ela se reproduz e perpetua no campo?

342. O que você acha do ditado popular que diz: “violência contra a mulher ninguém mete a colher”?

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343. Que situações de violência contra as mulheres existem em sua comunidade?

344. Como a comunidade reage a essas situações de violência?

345. Existem serviços de atendimento às víti mas disponíveis no seu município?

346. Qual deve ser o papel do sindicato diante desses casos de violência contra as mulheres trabalhadoras rurais?

Apresentação e debate de propostas

347. Propostas de políti cas públicas para combater a violência contra as mulheres no campo

348. Propostas de ação para o Movimento Sindical e Movimento de Mulheres

349. Ações para a prevenção da violência prati cada contra as mulheres trabalhadoras rurais

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ANEXO 01

PLANILHA DE REGISTRO

FETAG:

Ati vidades realizadas para debater o caderno de textos __________________________________________

________________________________________________________________________________________

Organizações e movimentos que parti ciparam dos debates _______________________________________

________________________________________________________________________________________

Número de parti cipantes que esti veram nas ati vidades _______________

Pontos centrais da refl exão feita pelas mulheres sobre o tema:

Propostas para o Movimento Sindical e Movimento de Mulheres:

- municipal

- estadual

- nacional

Propostas de Políti cas Públicas:

- municipal

- estadual

- nacional

Sugestões e comentários:

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Adriana Borba Fetzner Assessoria Parlamentar Amarildo Carvalho de Souza Assessoria de Org. e FormaçãoArmando Santos Neto Assessoria da Coord. de JovensCélia Hissae Watanabe Assessoria de Org. e FormaçãoCléia Anice da Mota Porto Assessoria de Políti ca AgráriaDécio Lauri Sieb Assessoria de Políti ca AgrícolaEdson Barbeiro Campos Assessoria da PresidênciaEliene Novais Rocha Assessoria de Políti cas SociaisEvandro José Morello Assessoria de Políti cas SociaisFani Mamede Assessoria de Meio AmbienteIara Duarte Lins Assessoria de Fin. e AdministraçãoIvaneck Peres Alves Assessoria JurídicaLuiz Vicente Facco Assessoria de Rel. InternacionaisMaria do Socorro Souza Assessoria de GêneroMaria José Costa Arruda Assessoria de Políti ca AgráriaMarleide Barbosa de Sousa Assessoria da Sec. de AssalariadosPaulo de Oliveira Poleze Assessoria de Políti ca AgrícolaPaulo Jarbas de Caldas Osório Assessoria de Convênios/ProjetosRaimunda de Oliveira Silva Assessoria de Org. e FormaçãoRaquel Luiza Cardoso dos Reis Silva Assessoria da Sec. de AssalariadosRodrigo Silva Leal Assessoria da Secretaria GeralRonaldo Ramos Assessoria de Políti ca AgrícolaSara Deolinda C. Pimenta Assessoria de GêneroZeke Beze Júnior Assessoria de Políti ca Agrícola

Assessoria da CONTAG

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