caderno 23 viver com esperanca armindo vaz

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  • 7/24/2019 Caderno 23 Viver Com Esperanca Armindo Vaz

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    Viver com EsperanaTempos de Crise

    - Notas sobre a Esperana Bblica

    Armindo dos Santos Vaz

    Caderno 23

    Fundao Betnia

    Fevereiro 2013

    www.fundacao-betania.org

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    Viver com esperana tempos de crise

    Notas sobre a esperana bblica

    Armindo dos Santos Vaz

    A esperana inerente ao dinamismo do esprito humano. O humano

    um ser que espera, um ser que, pela conscincia, merece que a sua esperana

    no seja frustrada. o ser que precisa de esperana para viver. Uma

    esperana que no seja um vu a encobrir a resignao, resignao para

    suportar a aventura de cada dia. Uma esperana que no se confunda com

    uma simples espera passiva, que s vezes s uma forma disfarada de

    desesperana e impotncia 1. De uma diz-se com pessimismo que quem

    espera desespera. A outra torna-nos optimistas, d-nos a fora de sorrir

    quando tudo volta parece ruir. sobre esta que meditamos aqui.

    Como em tantos outros temas, tambm neste os clssicos do-nossempre que pensar. Comecemos com dois trechos.

    - O poeta grego Hesodo (sc. VIII a.C.) conta que Zeus, o deus

    supremo do panteo olmpico, quis punir a insolente rebelio do semi-deus

    Prometeu, que se atrevera excessiva esperteza de roubar o fogo divino

    (hybris) para ajudar os humanos a civilizarem-se 2. Ento os deuses deram

    vida a uma linda mulher, na qual Hermes ps mentiras, palavras sedutoras e

    carcter astuto/fraudulento (verso 78). Deu-lhe o nome de Pandora, porqueforam todos os moradores do Olimpo que, com o seu presente, fizeram

    presente da desgraa aos humanos Antes, a raa humana vivia na terra

    [como se fossem deuses: verso 112] ao abrigo das penas, da dura fadiga, das

    doenas dolorosas que acarretam a morte aos humanos. Mas a mulher, tirando

    com a mo a grande tampa da jarra, espalhou-as pelo mundo S a

    1E. FROMM,A revoluo da esperana(Jorge Zahar; Rio de Janeiro 1981) 26.2

    Os trabalhos e os dias, versos 54-58.

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    esperanaficou l, no interior da sua priso inquebrvel, sem sair dos lbios

    da jarra, porque Pandora, por vontade de Zeus, j tinha recolocado a

    tampa Ao contrrio, as tristezas vagueiam inumerveis entre os humanos: a

    terra e o mar esto cheios de males. As doenas, de dia e de noite, visitam os

    humanos, trazendo sofrimento aos mortais em silncio, porque o sbio Zeus

    lhes recusou a palavra. Assim, no h meio de escapar aos desgnios de Zeus

    (versos 80-82.90-95).

    Este mito de origem grego toca o mito bblico de Gnesis 2-3 no ponto em

    que a mulher se diz enganada pela serpente (Gn 3,13) e em que o engano

    da mulher aparece miticamente como causa dos males e da morte que

    inevitavelmente incomodam os humanos e que so vistos como punio divina.

    - Dante comea o canto III do seu Infernona Divina Comdia, contando

    que por cima da porta do inferno estava escrito em letreiro escuro: Deixai toda

    a esperana, vs que entrais (versos 9-12). Significava que a falta de

    esperana o inferno.

    Os dois trechos, com linguagem mtica e potica, tm em comum a

    elevada inteno de dar sentido radical s asperezas da vida pessoal, onde

    est radicado o sentido ltimo ou absoluto, visto pela f na esfera do divino. E

    ambos tm conscincia de que os males fsicos so inevitveis: dependem da

    incontornvel limitao e da radical finitude da condio humana.

    A Bblia, outro clssico, tem um olhar diferente para essa inevitabilidade,

    conjugando a esperana com diversos acentos. Intentamos esboar a estrutura

    bsica da esperana bblica e algumas razes que a fundamentam. A

    percepo da sua estrutura mostra a sua inteno mais genuna, mas tambm

    d credibilidade ao alcance mais profundo da esperana crist e

    possibilidade de a viver hoje de forma crtica e coerente na comunidadehumana.

    1. O dinamismo da esperana no Antigo Testamento

    Uma das observaes mais notveis que um leitor atento pode fazer nas

    entrelinhas do universo dos textos bblicos a de que est perpassado de um

    plano de salvao dos humanos, visto pela f como iniciativa de Deus. Ora,esse projecto, que costumamos chamarhistria da salvaodo povo de Deus,

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    a f v-o impregnado de um dinamismo interior, que o percorre do princpio ao

    fim: uma esperana viva por um futuro sempre melhor e libertador. Descobre-

    se desde logo nos textos do Antigo Testamento.

    Mas, se a tradio crist, desde S. Agostinho at hoje, geralmente traa

    com esse propsito a sequncia paraso queda castigo redeno em

    esperana, ela no resiste a uma anlise crtica das narrativas da criao com

    a metodologia recomendada pelo magistrio da Igreja. Resultante de uma

    leitura literalista, historicista, fundamentalista, est imbuda de perigosa

    ambiguidade e ameaaria a pureza da esperana crist, pois subentende uma

    imagem de Deus que obscurece outras verdades da f, entendendo-o mesmo

    como castigador.

    O esquema bsico que encontramos na anlise dos textos capaz de

    sustentar a esperana sem anular, nem o esforo da liberdade, nem a

    ambiguidade da histria. No princpio de tudo e como fundamento de tudo,

    emerge Deus, transcendncia pessoal que d origem a tudo o que existe e,

    portanto, o sentido ltimo do mundo e do ser humano. Atravs da linguagem

    do mito de origem, a f bblica v todas as coisas como criadas por Deus.

    Assim exaltava-as mxima dignidade e abria o ser humano esperana,

    virtude subliminar que impregna a paisagem bblica de forma caleidoscpica.

    Quando a narrativa fundadora da f bblica passa do mito para a histria

    propriamente dita (em Gn 12), deparamos logo com a esperana naquilo que

    o mais original da revelao bblica: a sua perspectivao histrico-salvfica.

    Gn 12,1-4. Abrao, posto em movimento pela Palavra de Deus, s

    leva consigo na trouxa a esperana, o conforto da Palavra que o

    anima. Havia no ser humano Abrao uma nsia de caminhante,

    expresso de esperana implcita e explcita. Gn 15,1-18. Os verbos esto no futuro: O teu herdeiro sair das

    tuas entranhas Conta as estrelas: ser assim a tua

    descendncia. Abrao aparece abalanado para o futuro.

    apresentado como aquele que vive de esperana e de promessas

    de Deus (de uma descendncia, Isaac, e de uma terra, Israel),

    feitas no mbito de uma alianaem forma de juramento absoluto,

    unilateral e gratuito: a aliana da iniciativa de Deus.

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    Gn 17,1-8.15-20: Renova o compromisso-aliana de Deus com

    Abrao.

    Gn 22,1-19: O drama da esperana!... O filho impossvel para a

    biologia da me (Sara, estril) tornou-se possvel para a f do pai.

    Parecia realizada a promessa divina: Sara, tua mulher, te dar

    luz um filho e hs-de pr-lhe o nome de Isaac (Gn 17,19). Mas

    agora paradoxalmente? Deus pede que lho oferea. No o

    fim do filho e o volte-face da promessa em burla? A f-obedincia

    de Abrao no anula a sua esperana. Esta intuiu que oferecer a

    Deus o filho da promessa no seria um dom sem sentido, porque

    tudo o que na vida tem valor se multiplica quando se d. De facto,

    Deus devolveu-lho, agora abenoado e consagrado pelo sacrifcio.

    E multiplicou o dom: multiplicarei a tua descendncia como as

    estrelas do cu e como a areia das praias do mar (Gn 22,17). A

    esperana j em Abrao e desde ele em diante, uma atitude

    complexa, mas vigorosa, substantiva, ousada. Um acto livre:

    eleio e fidelidade. Libertadora, porque no s um acrscimo de

    sentido, mas tambm um acrscimo de aco: compromete na

    vida. Na escurido da esperana multiplica-se o dom de Deus.

    Paulo deixou-nos o poderoso testemunho da esperana de Abrao:

    Esperou contra toda a esperana, acreditou e foi feito pai de

    muitas naes Diante da promessa divina, no cedeu dvida

    com incredulidade; antes, fortalecido na sua f, deu glria a Deus

    [mostrou que existe Deus], com a plena convico de que poderoso

    Deus para cumprir o prometido (Rm 4,18-21).

    Realmente, Abrao assumiu a responsabilidade de esperar emDeus, tanto como em si prprio. Sabia que s se homem em

    responsabilidade. Ora, a responsabilidade de amadurecer na

    esperana no se pode delegar. Cada um que tem de arcar com

    o custo desconfortvel de querer dar espessura sua esperana

    em Deus, sabendo que ou aspira a tanto ou permanece ano. As

    contas da nossa esperana so todas por conta prpria, porque s

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    h um remdio para a infncia, que crescer 3. Cada um torna-se

    grande sua medida, em proporo grandeza daquilo que

    espera. Quem espera tudo de si prprio torna-se to grande como

    a sua medida. Mas quem espera em Deus torna-se superior,

    porque se supera a si prprio em Deus. Bem-aventurado aquele

    que tem Deus como contedoda sua esperana!

    O compromisso de Deus renovado aos outros patriarcas. A sua

    bnoa cada um fonte de esperana. Gn 28,12-15: o sonhode

    Jacob suporte da esperana: Eu estou contigo. Guardar-te-ei

    para qualquer parte que fores. No. No te abandonarei enquanto

    no cumprir o que te prometi.

    No Egipto, a opresso dos hebreus aparece como uma ameaa

    esperana no Deus dos pais: Ex 2, 23-25 e 3,9-10. Na realidade,

    um processo maiutico que consciencializa o ser humano da

    necessidade de ser libertado: o mal faz-lhe experimentar a

    incapacidade de obter por si s a libertao e abre-o esperana

    de a obter. Sendo sempre a opresso intrinsecamente m, foi

    teologicamente explorada pelo narrador bblico como meio para

    compreender que na relao com Deus tudo graa dEle. Quando

    uma pessoa senteo peso da escravido, fica predisposta para se

    inebriar da espessura da liberdade, porque ento esta no aparece

    como um bem qualquer, mas como um bem gratuito sem

    alternativas reais, como uma construo de Deus sobre os

    escombros do oprimido que grita por socorro, impotente para se

    salvar. S um poder superior capaz de socorr-la. A revela-se

    Deus a favor da pessoa, como motor da histria da liberdadehumana. Onde se levanta a ameaa do perigo de vida, a f faz

    emergir a esperana de um salvador.

    O xodo comea num acto de esperana. A opresso dramtica

    tornou-se contexto e pretexto, observatrio e plataforma para a

    captao de Deus como libertador. A melhor maneira de sobreviver

    opresso do homem contra o homem conseguir dar-lhe um

    3VERGLIO FERREIRA, Interrogao ao destino Malraux, p. 14.

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    sentido. Ora, a f hebraica deu sentido opresso, inscrevendo-a

    num fundo de esperana prodigiosa, que viu Deus a desencadear

    um processo de libertao na histria dos hebreus. Ver Deus como

    Aquele que significava esperar contra o desespero. A linguagem

    da esperana no Deus libertador transformou o medo interior em

    energia libertadora. As pragas em nmero de 10 (Ex 7,8-13,16)

    visavam manter viva a esperana ao longo do processo libertador.

    A travessia do mar (Ex 13,17-14,31) era a vitria da esperana

    sobre o medo e sobre as opresses. A esperana hermenutica:

    v Deus a vir vida do Homem e a dar-lhe significao superior.

    Essa vinda de Deus diz-se selada com uma aliana, a do Sinai.

    Obtida a libertao como dom, o grande objecto de esperana

    agora era a Terra prometida.

    Na travessia pelo deserto, a realidade que mantinha o povo em

    vida era a esperana em Deus e a sua promessa da Terra. O

    deserto era lugar de esperana: no deserto no h nada entre a

    terra e o cu; quem est onde no h nada facilmente espera vir a

    ter algo melhor. A crtica do povo contra os seus lderes, as

    murmuraes e os protestos por o terem tirado da escravido do

    Egipto eram tentaes contra a esperana: Nm 14,1-4 e Nm 11,4-5.

    Os lderes apontavam o caminho para a terra prometida. O povo s

    via deserto. Os lderes apontavam o futuro, o povo recordava o

    passado da comida abundante no Egipto. O novo o objecto da

    esperana. Mas causa preocupaes, pe interrogaes, gera

    receios.

    Para evitar isso, no se pode esquecer Deus, o dador da Terra dizia o Deuteronmio 6,1-13: Quando o Senhor, teu Deus, te

    introduzir na terra que h-de dar-te, conforme jurou aos teus pais,

    Abrao, Isaac e Jacob, procura no esquecer-te do Senhor que

    te tirou da terra do Egipto, da casa da escravido. Ao Senhor, teu

    Deus, temers, a Ele servirs. Deus que mantm viva a chama

    da esperana. As geraes vindouras so a contrapartida, a fonte

    de esperana humana: realidade que desafia a responsabilidade datransmisso da esperana em famlia:

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    Quando o Senhor te tiver introduzido na terra dos cananeus, como

    jurou a ti e aos teus pais, e ta tiver dado, consagrars ao Senhor

    todos os primognitos E quando no dia de amanh o teu filho te

    perguntarque significa isto?, responder-lhe-s: Com mo forte

    o Senhor tirou-nos do Egipto, da escravido O Senhor matou

    todos os primognitos no pas do Egipto, desde o primognito

    humano at ao primognito do gado. Por isso, eu sacrifico ao

    Senhor todo o primognito macho do gado e resgato o primognito

    dos meus filhos (Dt 13,11-16).

    Uma vez na Terra, do lado humano a esperana vai assentar numa

    figura rgia, que se tornar pouco a pouco o ideal do rei que

    libertar Israel dos seus inimigos e manter a esperana da

    salvao: o rei David. O orculo de 2Sam 7,8-17 o ponto

    culminante do compromisso/alianade Deus com David e a coluna

    vertebral das esperanas de Israel no Antigo Testamento, a partir

    do qual se desenvolveu a esperana dos profetas que anunciava a

    vinda de um novo David. Esboa a expresso do messianismoreal.

    o texto-base que constituiu o fundo antropolgico e as aspiraes

    da esperana futura.

    Isaasassegura que, nos planos de Deus, a dinastia de David a

    eleita para reinar em Jerusalm, capital de Jud: Is 7,13-14:

    Escutai, casa de David: o Senhor em pessoa vai dar-vos um sinal:

    Eis que uma donzela est grvida e vai dar luz um filho e cham-

    lo- Emanuel. A esperana de Isaas enxerga nas circunstncias

    histricas presentes o advento do reino definitivo de Deus. O

    declinar poltico conduziu idealizao do imprio de David; e esteconduziu ao florescimento de esperanas religiosas e polticas de

    que um novo rei, ungido como David, restabeleceria o grande

    imprio na Palestina. Essa esperana viu-se concretizada nos reis

    Ezequias e Josias.

    A esperana inculcada ao povo pelos profetas est intrinsecamente

    ligada Palavra de Deus e s promessas de Deus. Est formulada

    no futuro: Sair um rebento do tronco de Jess Repousarsobre ele o Esprito do Senhor Julgar com justia os dbeis (Is

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    11,1-9). Mas o essencial da esperana no estava ligado ao tempo

    futuro como se fosse adivinhado: o essencial era o "novo"

    absoluto, o divino no humano, o transcendente a entrar no

    imanente, pondo em dilogo o humano com o divino.

    Literariamente, a esperana "dizia-se" no futuro, sim, para significar

    que Deus que toma a iniciativa absoluta de vir histria humana

    e de a conduzir com a sua senhoria soberana; "dizia-se" no futuro

    porque via o futuro de Deus a vir ao presente do destinatrio da

    profecia. A esperana intua o definitivo que est para alm do

    tempo e do espao: intua o sentido ltimodas coisas e as coisas

    ltimas.

    De facto, das duas palavras que os gregos tinham para dizertempo

    (chrnos e kairs), o tempo bblico correspondia mais ao kairs.

    Era conjugado de forma que os acontecimentos adquirissem pleno

    sentido. O tempo bblico era o tempo de uma histria de salvao.

    Era o hoje de Deus que situava o ser humano no corao da

    esperana; era um tempo salvfico. Enquanto o tempo chrnos do

    calendrio, tempo de desesperana, envelhecia e consumia o ser

    humano, o kairsinstitua-se como oportunidade de salvao. Era

    um tempo definido e determinante, que lanava o povo para o

    futuro por caminhos de verdade, de bondade e de fidelidade. Era

    um tempo com sentido, que dava sentido vida, vivida com

    conscincia e densidade. Dando-lhe sentido, dava contedo

    esperana.

    Esse era um objectivo principal do profeta: fundamentar e manter a

    esperana dos seus contemporneos, fazendo quecompreendessem os acontecimentos do seu tempo com o olhar de

    Deus. A esperana at exprimia um conhecimento: no o

    conhecimento do futuro, mas a experincia de Deus. O que, em

    ltima anlise, a esperana contemplava era a profundidade ltima

    das coisas e o seu sentido invisvel a beneficiar a pessoa de

    esperana: Bendito aquele que confia no Senhor e pe no Senhor

    a sua esperana. como a rvore plantada beira da gua, que

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    estende as razes para a corrente; nada tem a temer quando vem o

    calor (Jer 17,7-8).

    A retoma da aliana por parte de Deus, segundo Oseias 1-3,

    trouxe novo flego esperana.

    O exlio ocasionou o desconcerto perante a promessa feita a

    David. Como pde Deus permitir esta humilhao do seu ungido?

    O Sl 89,20-30.47-52 pe esse problema teolgico, dizendo que a

    base da esperana estava na fidelidade de Deus sua aliana:

    Conclu uma aliana com o meu eleito, fiz um juramento ao meu

    servo David: fundei a tua estirpe para sempre, levantei o teu trono

    de gerao em gerao Encontrei em David um servidor, com o

    meu leo santo o ungi Manterei para com ele um amor para

    sempre, a minha aliana com ele ser firme; dar-lhe-ei uma estirpe

    perptua, um trono duradoiro como o cu No violarei a minha

    aliana A sua estirpe durar sempre. A partir do v. 39 seguem as

    queixas do orante, por causa do aparente abandono de Israel por

    parte de Deus: Mas agora rejeitaste-o Enfureceste-te contra o

    teu ungido. Desfizeste a aliana com o teu servo.

    A orao viva era forma de manter viva a esperana.

    Nos profetas, surge a esperana da restauraoda dinastia. Nesta

    linha, o texto mais importante Isaas 11,1-9 e Miqueias 5,1-4a.

    Esperana no regresso do exlio: Is 40,1-5 e Is 43,1-7 e Is

    65,16-25

    Jer 31,31-34 e Ezequiel 36,24-28 : a intuio de uma aliana

    nova d uma esperana nova, porque assenta s na fidelidade de

    Deus e no na do homem (pecador, falvel!). E na identidade quese fechava dentro da segurana da sua tradio da aliana do

    Sinai, constantemente violada a esperana proftica enxertou

    uma identidade aberta superao da anterior fase, eivada de

    alguns riscos.

    Desde o tempo do exlio para Babilnia, a esperana bblica abre-

    se a uma viso universalistada revelao e da salvao: abraa,

    j no s Israel, mas todos os povos.

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    Cntico dos Cnticos: Dos vrios registos em que se pode ler o

    Ct, nota-se nele um motivo condutor, que o cadencia com tons de

    esperana. o motivo daprocuraansiosa do Amado, que aparece

    e desaparece para suscitar mais procura e mais esperana. A

    esperana o constante alimento do amor; e o amor a satisfao

    da esperana.

    A amada deseja impaciente o amado. Tem medo de o perder.

    Salva-a a esperana. Assim comenta Frei Lus de Len o Cntico

    dos Cnticos:

    O amor no perde a esperana, mesmo quando no tem notcias do que busca e

    deseja; antes, ento at se acende mais. Porque sempre assim: ao amor s o

    amor o encontra, s o amor o entende, s o amor o merece4

    .

    Procurando o Amado com avidez, o corao da amada s se fixa

    nele. Da brota nela esta incontida prece, que tudo diz, tudo pede

    definitivamente:

    Em escarpados esconderijos

    mostra-me a tua figura,

    deixa-me escutar a tua voz,

    porque dulcssima a tua voz

    e formosa a tua figura (2,14).

    A busca do amado torna-se esperana, que o modo supremo da

    procura e o modo mais denso de ir ao encontro dele. Ao exprimir-se

    assim, o poeta vai segredando em surdina:

    Viver sempre comungar com o outro. Mas, a comunho que j

    aconteceu no tudo o que possvel. Continua a procurar com

    esperana. Ainda h mais amor a dar e a receber; h mais amor

    para alm das penas e das decepes. O amor que o deveras

    ser imorredouro diz a amada:

    No podem as guas mais caudalosas apagar o amor,

    Nem os rios afog-lo (8,7).

    Essa esperana no defrauda a amada, porque a procura fiel do

    amor a enriquece e faz com que se transcenda no amado e se

    salve.

    4Citado porEl cantar ms bello. El Cantar de los cantares de Salomn(Traduccin y comentario de EmiliaFernndez Tejero) (La dicha de enmudecer; Trotta; Madrid 1998) 85.

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    Job19,23-27a: Eu sei que o meu Defensor vive Depois de me

    deixarem sem pele, j sem carne, verei Deus Os meus olhos,

    que no outros, o vero. A este limite da esperana, por causa de

    uma situao-limite, faz eco o grande final: Conhecia-te de ter

    ouvido, mas agora viram-te os meus prprios olhos (42,5). A

    esperana aparece satisfeita pela viso de Deus. isso o que a

    reabilitao de Job na sua anterior prosperidade quer significar.

    Tendo ns acompanhado este plano salvador para a humanidade ao

    longo da histria bblica, vemos o fundamento da esperana humana

    tematizado nos conceitos de promessa e de aliana. O de promessa aos

    patriarcas pe o acento na iniciativa absoluta de Deus, que mas salva a partir

    da total gratuitidade do seu amor. Mesmo assim, tem carcter pessoal, que

    essncia da esperana bblica: faz-se a um tu e a uma conscincia. Portanto,

    est intrinsecamente ligada aliana, no quadro da qual Deus fiel s

    promessas e assegura o carcter interpessoal delas; e dentro da aliana que

    o povo beneficirio das promessas. Estas dizem-se feitas no mbito de uma

    aliana:

    na aliana csmica dentro de um relato mtico, promessa de no mais

    voltar a aniquilar a vida pelas guas do dilvio (Gn 9,11);

    na aliana com Abrao, promessa de descendncia e de uma terra (Gn

    15,18);

    na aliana do Sinai, promessa da eleio divina e de fazer do povo um

    reino de sacerdotes e uma nao santa (Ex 19,5-6);

    na aliana com David, promessa de um reino que permanecer parasempre 5;

    na aliana nova intuda pelos profetas, promessa de pr a Lei e o

    Esprito divinos no interior das conscincias e promessa do perdo total dos

    pecados 6.

    Esta esperana veio-se apoiando em sucessivas concretizaes: a

    libertao da escravido do Egipto, a doao da terra prometida, a paz e a

    52Sm 7,16; Sl 89,21-38; 132,10-12.6Jer, 31,31-34; Ez 36,25-29.

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    justia para todo o povo, a confluncia de todos os povos para Jerusalm 7, o

    regresso do exlio 8, a vinda do reinado de Deus

    um facto que tudo quanto foi escrito no passado se escreveu para ensinamento nosso,

    de modo que, atravs da constncia e da consolao que do as Escrituras, mantenhamos

    a esperana (Rm 15,4).

    Tambm a orao dava corpo esperana. Dirige-se a Deus como

    refgio e fortaleza, amparo e proteco, que alimenta a esperana mesmo

    em situaes-limite. Na angstia abres-me sadas Sabei que o Senhor me

    distingue com o seu amor. O Senhor escuta-me quando o chamo (Sl 4,2-4).

    Feliz de quem tem por auxlio o Deus de Jacob, de quem pe a sua esperana

    no Senhor, seu Deus (Sl 146,5). O Deus bblico o apoio seguro de

    esperana por ser um Deus que escuta: Deus escutou os gemidos dos filhosde Israel e lembrou-se da sua aliana com Abrao, Isaac e Jacob (Ex 2,23-

    24). No maltratars a viva nem o rfo. Se lhes fizeres mal e eles clamarem

    por mim, escutarei o seu clamor 9.

    2. O especfico da esperana crist

    esperana de um povo, no ponto culminante da sua histria, Deus dissesim e men em Jesus (2Cor 1,20). Este sim o slido terreno e o suporte

    definitivo em que assenta a esperana crist. Dando o Filho ao ser humano,

    dava provas de lhe ser fiel. E dava garantias de que a sua esperana no era

    em vo. Na apario de Jesus como Filho de Deus a libertao prometida em

    esperana no Antigo Testamento irrompeu como o grande hoje de Deus. Em

    Jesus, o que at ele era futuro, para a f crist tornou-se presente definitivo:

    perdo absoluto dos pecados, filiao divina pessoal, habitao do Esprito no

    corao de carne, povo de Deus alargado a todos os povos. A base e o

    contedo da esperana foram reformulados e consistem na pessoa, na

    mensagem e na obra salvfica de Jesus. Se qualquer ser humano est animado

    de esperana, a crist tem um distintivo: apoia-se no Deus de Jesus Cristo. D

    7Is 2,2ss; Miq 4,1ss.

    8Is 43,1ss; Ba 4,36ss.

    9 Ex 22,21. Este dado da esperana bblica deve ser constantemente purificado da ratoeira dosantropomorfismos, para no cair na viso de um Deus intervencionista.

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    vida o sentido que lhe deu Jesus, que acreditava no Deus de Abrao e

    mostrou o Deus do amor.

    2.1. Esperana e morte de Jesus

    A morte de Jesus interpretada pelos escritores do NT como necessria.

    Pem Jesus a explicar aos discpulos de Emas: no era necessrio que o

    Messias padecesse estas coisas e entrasse assim na sua glria? (Lc 24,26).

    Com isso no queriam significar que Deus mandou Jesus ao mundo para ser

    morto. A morte cruenta livre e voluntariamente aceite como inevitvel pelo

    incmodo que tinha causado aos poderes institudos revelava de forma

    suprema o amor de Deus pela humanidade. Foi sofrendo a morte por amor que

    Jesus revelou em plenitude a glria de Deus, ou seja, quem Ele: amor,

    Deus para ns. E foi morrendo por amor que Jesus manifestou a sua glria

    (Jo 2,11; 13,31-32), manifestou quem era: o Filho de Deus que fazia incarnar o

    seu amor. Se no tivesse aceitado morrer, no teria revelado Deus tal como

    Ele , diferente de como muitos humanos o faziam ou queriam que Ele fosse.

    S um Deus sofredor na pessoa de Jesus entrava na dor de cada um dos seus

    filhos. S assim Ele foi solidrio com os sofredores e est do lado deles,

    dando-lhes esperana.

    A sua solidariedade manifestou-se no facto de ter sido vtima do mesmo

    mal que de diversas formas nos atinge a todos. O sofrimento e a morte que ele

    aceitou por amor aos humanos projecta luz sobre a nossa existncia sofredora

    redimida, como projectou luz sobre a sua existncia redentora. Ao ser

    revelao do amor at ao fim (Jo 13,1), a morte voluntria de Jesus na cruz

    tambm era revelao do fim do mal enquanto absurdo. Quer dizer, depois dasolidariedade total de Jesus com a humanidade (incarnando nela e morrendo

    por ela), o mal j no obstculo esperana crist. A ctedra da cruz o

    lugar da sua ltima lio para ns e tambm para si prprio. A carta aos

    Hebreus esclarece a este propsito: Ele nos dias da sua vida terrena [ literalmente:

    nos dias da sua carne] apresentou oraes e splicas quele que o podia

    salvar da morte, com grande clamor e lgrimas Apesar de ser Filho,

    aprendeu [mathen] a obedincia por aquilo que sofreu [pathen]; e, chegado perfeio, tornou-se para todos os que lhe obedecem fonte de salvao

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    definitiva, tendo sido proclamado por Deus sumo-sacerdote 10. Esta suma

    solidariedade um sumo gesto de amor, que d contedo esperana crist.

    Enquanto os sacerdotes do Antigo Testamento, por uma srie de purificaes,

    se mantinham separados do seu povo e eram solidrios com ele s no pecado,

    Jesus Cristo perfeitamente solidrio em tudo com os humanos leigo como

    eles, no pertencente tribo sacerdotal e no tem pecado como eles: No

    temos um sumo-sacerdote que no possa compadecer-se da nossa fraqueza,

    pois ele foi provado em tudo como ns, excepto no pecado (Heb 4,15; 2,17-

    18). Enquanto sumo-sacerdote, Jesus perfeito mediador, pontfice [faz

    perfeitamente aponteentre o humano e Deus], porque, filho humano, tambm

    Filho divino e foi proclamado sumo-sacerdote por Deus, no pelos

    humanos, limitados. Assim, pode salv-los do pecado porque no o tem.

    Realmente, o ser humano aprende a pensar-se a si prprio como limitado e

    dependente. O sofrimento ensina-lho melhor, d-lhe essa experincia. Mas o

    sofrimento de Jesus redime essa limitao natural. E a participao, pelo

    sofrimento, no amor com que Jesus abraou a cruz faz com que cada humano

    torne prpria essa redeno, fundamento da esperana crist.

    De facto, para o cristo a cruz de Jesus no simples expresso de

    sofrimento, muito menos lugar de suplcio. a Palavra do amor, que

    frequentemente implica dor. E a dor a experincia humana mais poderosa

    para viver e exprimir o amor. No sofrimento aparece mais claramente a fora

    do amor. Assim, no Jesus da dor encontramos o Deus do amor. Do alto da cruz

    a morte de Jesus fala muito alto: Jesus gritou com voz forte (Mc 15,33-37).

    Com esse acto de amor assinou com o seu sangue o texto de toda a sua vida.

    A f no amor manifestado pela sua morte o mais seguro fundamento da

    esperana: d que pensar e que viver. De facto, depois de ter sido solidrio

    connosco no nascimento, na vida e na morte, acontea o que acontecer, no

    estamos sozinhos. Representa-nos porque um de ns; pode compadecer-se

    da nossa fraqueza porque a partilhou na nossa carne.

    Com tudo, isso ainda no basta, pois, mesmo que morra comigo, se ele

    prprio no capaz de superar a morte, de pouco me serve: se eu estou no

    abismo e ele desce at onde estou, solidrio comigo; mas, se no consegue

    10Heb 5,7-10. Cf. A. TORRES QUEIRUGA, Esperanza a pesar del mal(Presencia teolgica 140; Sal Terrae;Santander 2005) 118-131.

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    sair de l, estou condenado a perecer. A esperana crist espera o bem

    definitivo, a libertao do aniquilamento total que a morte. De facto, ningum

    pode viver a pensar que, ao fim, s existe a Morte - declara o cavaleiro do

    filme O stimo selo, de Ingmar Bergman.

    2.2. Esperana e ressurreio de Jesus

    A resposta definitiva esperana cristest na ressurreio real de Jesus

    Cristopela fora do Esprito do Pai. Ela foi a aprovao divina de tudo o que

    Jesus fez na sua vida. Foi a consagrao do sentido de uma vida e de uma

    morte dedicadas ao amor e promoo do amor. Ressuscitando-o, o Pai fez

    ressurgir toda a sua vida terrena, marcada pela entrega ao seu reino.

    Identificou-se com ele desautorizando os que o tinham condenado e matado.

    Aprovou os seus gestos de bondade para com os desfavorecidos, validou a

    sua solidariedade total com os humanos, a sua cura de todos os males, as

    suas lutas pela verdade, pela justia e pela fraternidade universal; consagrou o

    ensino do perdo incondicional aos pecadores, a sua fidelidade, at morte,

    ao plano salvfico de Deus para com todos os humanos, o projecto de um

    mundo novo, o seu investimento total nas pessoas e na suma dignidade

    humana, buscando uma vida mais digna para todos. Mas no s lhe deu razo.

    Fez-lhe justia. Devolveu-lhe a vida que injustamente lhe tinham tirado,

    levando-a plenitude. Ao ressuscit-lo da morte, dava razo mensagem que

    tinha anunciado e s obras que tinha feito: que Deus era como Jesus o tinha

    apresentado nas suas parbolas. O amor e a misericrdia do Pai eram

    verdade. A aco de Jesus coincidia com a vontade do Pai: o que Jesus fez

    era o que Deus queria. luz da sua ressurreio, tudo o que ele tinha dito e feito fazia agora

    sentido perfeito 11. Projectava retrospectivamente uma luz nova sobre o

    sofrimento e sobre a vida do Crucificado, mas tambm iluminava toda a histria

    da humanidade e dava-lhe esperana. A aco de Deus a favor de Jesus

    assegura-nos da omnipotncia do seu amor, que consiste em estar sempre e

    s do lado do ser humano. Graas ao que Deus fez por Jesus j no

    11Cf. J.A. PAGOLA, Con los ojos fijos en Jess, Fijos los ojos en Jess. En los umbrales de la fe (PPC;Madrid 2012) 186-188; J.A. PAGOLA, El arte de generar esperanza(Idatz; San Sebastin 2005) 7-10.

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    precisamos de pensar que Deus nos abandone, se cale ou se desentenda de

    ns. Por trs do mal que nos acontece e que Ele no quer nem pode evitar

    dadas as condies da histria e da natureza humanas (como no pde livrar

    Jesus da morte, pela escolha que ele fez) , est um Pai cheio de amor

    libertador.

    A partir da f na ressurreio, a esperana crist v o presente como

    grmen de uma vida que se torna definitiva em Deus: Bendito seja Deus, Pai

    de nosso Senhor Jesus Cristo! Pela sua grande misericrdia/amor fez-nos

    nascer de novo para a esperanaviva, que Ele nos deu ressuscitando Jesus

    Cristo da morte (1Ped 1,3). Venha o que vier, a minha vida no poder ser

    menos do que aquilo que Ele prometeu, realizou e garantiu. A salvao, que s

    pode ser dom dEle, fundamenta-se no poder do seu amor, na fidelidade s

    promessas que a f lhe atribui nas Escrituras e no evangelho (Cl 1,23),

    realizadas em Jesus: fomos salvos na esperana (Rm 8,24). Realmente,

    noutro tempo, vs, os pagos, estveis longe de Cristo, sem esperanae

    sem Deus no mundo (Ef 2,11-12). Agora estamos em paz com Deus por

    nosso Senhor Jesus Cristo. Por ele tambm obtivemos, por meio da f, o

    acesso a esta graa [da amizade divina] em que nos encontramos; e estamos

    orgulhosos na esperana de que Deus se manifeste presente. Mais ainda:

    estamos orgulhosos at perante as tribulaes, sabendo que a tribulao gera

    a capacidade de suportar, a capacidade de suportar gera virtude provada e a

    virtude provada gera esperana. Aesperana no falha, porque o amor de

    Deus foi derramado nos nossos coraes pelo Esprito Santo que nos foi

    dado E a prova de que Deus nos ama que Cristo, sendo ns ainda

    pecadores, morreu por ns (Rm 5,1-5.8). Este amor o que, em definitivo, d

    contedo esperana crist, que, portanto, no engana. Por isso, Paulogloria-se: Sei de quem me fiei (2Tim 1,12). Os cristos poderiam definir-se

    como os que tm esperana.

    2.3. Esperana e vida crist

    O que Jesus tinha dito e feito era para ser feito. Acolhido e feito, dava

    esperana vida de todos os que aderissem a esse estilo de vida. A f naressurreio fundamenta e promove o realismo histrico de uma esperana

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    viva que navega entre os dois maiores escolhos que ameaam a eficcia do

    compromisso contra o mal: a utopia e o desespero. No cai na utopiaporque a

    ressurreio de Jesus no faz desaparecer o sofrimento humano: empenha na

    luta histrica contra ele. Mas tambm no cai no desespero, porque a

    ressurreio, ao mostrar que a vida humana est envolta no Amor infinito de

    Deus, mais poderoso do que o mal, tira a este a ltima palavra, vencendo

    mesmo a sua maior fortaleza que a morte 12.

    Assim, a esperana crist tem carcter absoluto: Tendo esperana,

    procedemos com toda a segurana/ousadia (2Cor 3,12). A esperana para

    ns uma ncora firme e segura da nossa existncia (Heb 6,18-19):

    permanecei firmemente consolidados na f e inabalveis na esperana,

    prometida pelo anncio da boa nova que ouvistes (Col 1,23). Ela a ltima

    razo dessa segurana: O prprio Senhor nosso Jesus Cristo e Deus, nosso

    Pai, nos amou e nos deu pela sua graa uma consolao eterna e uma

    esperanaditosa (2Tes 2,16).

    Numa das exortaes mais convincentes da Bblia, Paulo incute aos

    Romanos confiana inatacvel, apontando a esperana como razo para

    superar as dificuldades postas vida humana: Somos tratados como ovelhas

    para o matadouro. Mas em tudo isto samos vencedores graas quele que nos

    amou. Pois estou certo de que nem a morte nem a vida, nem o presente nem

    o futuro, nem a altura nem a profundidade, nem qualquer outra criatura

    poder separar-nos do amor de Deus manifestado em Cristo Jesus, nosso

    Senhor (8,36-39). Por isso, a vida que agora tenho na carne vivo-a na f do

    Filho de Deus que me amou e se entregou a si mesmo por mim (Gl 2,20).

    Paulo explicita mesmo a relao complementar entre as trs virtudes

    teologais, f, esperana e amor:A vosso respeito, guardamos na memria a actividade da f, o esforo do

    amor e a constncia da esperana (1Tes 1,3). Agora subsistem a f, a

    esperanae o amor, estas trs. Mas a maior de todas o amor (1Cor 13,13).

    Acabam por ser variantes da mesma vida crist, a vida dada por Deus, a

    vida definitiva. Charles Pguy diz que a esperana a irm mais pequena da f

    e do amor, mas conduz as outras duas pela mo e puxa por elas:

    121Cor 15,26. Cf. A. TORRES QUEIRUGA, Esperanza a pesar del mal(Presencia teolgica 140; Sal Terrae;Santander 2005) 127-129.

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    A F de que eu mais gosto, diz Deus, a esperana.

    A f, isso no me espanta.

    Isso no espantoso.

    Eu resplandeo de tal maneira na minha criao [que a f no me espanta]

    A caridade, diz Deus, isso no me espanta.

    Isso no espantoso.

    Essas pobres criaturas so to infelizes que a no ser

    que tivessem um corao de pedra, como no

    haveriam de ter caridade umas para com as outras?...

    Mas a esperana, diz Deus, isso que me espanta.

    A mim mesmo.

    Isso espantoso.

    Que essas pobres crianas vejam como todo esse [mal] acontece

    e acreditem que amanh vai ser melhor

    O que me espanta, diz Deus, a esperana.

    Eu fico pasmo.

    Essa pequena esperana que parece uma coisa de nada.

    Essa pequena esperana. Imortal.

    Porque as minhas trs virtudes, diz Deus.

    As trs virtudes, minhas criaturas.

    Minhas filhas, minhas crianas.

    Elas prprias so como as minhas outras criaturas

    A F uma Esposa fiel.

    A Caridade uma Me.

    Uma me ardente, cheia de corao.

    Ou uma irm mais velha que como uma me.A Esperana uma menina de nada.

    Que veio ao mundo no dia de Natal do ano passado

    Porm, das trs, esta menina que atravessar os mundos.

    Esta menina de nada.

    Mal se d por ela no caminho da Salvao

    Mas ela, a pequena Esperana, que avana na estrada

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    entre as duas irms mais velhas, arrastando-as.

    S ela, levando as outras, poder ultrapassar tudo o que j foi 13.

    Das trs, a esperana a mais frgil, mas tambm a mais necessria. E

    nenhuma delas se pode conceber sem a outra:

    A esperanaest intimamente ligada na estrutura da vida f. No h

    esperana sem f em Jesus Cristo: s nele lana as razes. S quem cr

    espera de verdade. A f o suporte [hypstasis] daquilo que se espera (Heb

    11,1). Ou seja, a f visa instalar a esperana no corao do crente, est ao

    servio da esperana. A f salva a esperana e a esperana salva a existncia

    e d-lhe sentido ltimo. A f faz-nos passar do simples esperar (eu espero que)

    para a esperana fundada (eu espero em).

    Mas a fsem esperana seria vazia, ficaria sem base e sem garantia: s

    quem espera de verdade que cr. S cremos naquilo que esperamos, como

    s esperamos o que acreditamos. Esperamos o que a f nos promete. A f d

    substncia esperana: um agarrar-se ao que se espera. A minha f a

    forma da minha esperana. A melhor f a da esperana: esperamos o que

    no vemos (Rm 8,25).

    Finalmente, s a esperana numa fora que nos transcenda que pode

    fundamentar uma vida com futuro. Essa fora a do amor, dada pela primeira

    fonte do amor, Deus. Por isso, a esperana no ilude: o amor de Deus, o

    amor at ao extremo, aconteceu mesmo no Jesus histrico. O cristo

    potencia a fque esperano Deus que em Jesus se revelou como Amor. Fora

    da esperana em Jesus fora da esperana oferecida por Deus qualquer

    outra esperana acaba por perecer. S quem tem esperana persevera nos

    actos de amor. E quem cr e espera como cristo age segundo o amor. A

    esperana dita o amor, torna-se visvel na aco, impulsiona boas aces.

    O relevo dado esperana no nega que a essncia do cristianismo seja

    o amor. Liga uma ao outro: o amor tudo espera (1Cor 13,7).

    2.4. Esperana crist e sentido da vida

    13 Charles PGUY, em Breve Antologia da Poesia Crist Universal (Edio eletrnica, org. SammisReachers; 2012).

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    esperana humana est ligada a pergunta pelo sentido da vida: que

    podemos esperar do viver? Ora, como as religies esto tradicionalmente

    ligadas pergunta pelo sentido a dar vida, tambm a esperana bblica tem

    uma palavra nessa reflexo. A resposta est contida na ideia de salvaoou

    esperana realizada, conceito bblico equivalente ao conceito no bblico do

    sentido ltimo da vida 14. Quando o cristo diz eu espero, orienta-se para a

    salvao, que, para ele, dom gratuito de Deus: na vida, morte e ressurreio

    de Jesus, deu contedo esperana e sentido vida.

    Os seus grandes inimigos so o mal e o sofrimento, o mal fsico e o mal

    moral. Frequentemente geram a sensao do absurdo do viver. A sabedoria

    que enfrenta o mal parte da procura de sentido. De facto, o que

    principalmente interessa ao ser humano no gozar do prazer ou evitar a dor:

    encontrar sentido para a vida. At estar disposto a sofrer o sofrimento

    inevitvel, contanto que faa sentido sofrer. O sofrimento faz desesperar

    quando no se lhe encontra sentido. De facto, o drama fundamental do ser

    humano no a falta de prazer: sem prazer pode-se viver. Drama a falta de

    sentido, igual a falta de razo para viver. Quando no se encontra o sentido da

    vida, busca-se o prazer e o poder 15. Mas, a vida tem sentido quando somos

    capazes de gerir o equilbrio entre o prazer e a dor.

    Este tema corre-nos nas veias e vale a pena insistir nele. Perante uma

    experincia dolorosa, a pessoa sem esperana fica sem horizontes, olhar

    diminudo pela miopia. A partir da, a viso negativista atinge os demais

    aspectos da vida. Mas h outra forma de encarar as penas da vida. Em vez de

    a viver toda a partir delas, a pessoa precisa de as viver a partir da totalidade da

    sua vida e do sentido positivo que ela tem. Precisa de ampliar os horizontes e

    elevar o olhar. No tirar importncia ao problema doloroso particular. Situa-ono conjunto da sua existncia, onde deve encontrar aspectos,

    enquadramentos, experincias, relaes mais positivas. Geralmente, fazer com

    que a mesma situao se torne mais ou menos negativa, depende da atitude

    com que a enfrentamos: com sentimentos negativos, derrotistas, desoladores,

    ou com pensamentos amplos, nobres, integradores. A esperana a parte de

    14 Cf. D. BONHFFER, Risposta alle nostre domande (Queriniana; Brescia 20052) 130. De resto, oequivalente prtico ideia de sentidoda vida a felicidade total.

    15Cf. V. FRANKL, El hombre en busca de sentido(Herder; Barcelona 2011) 128-137; V. FRANKL, El hombredoliente(Herder; Barcelona 2011) 13-26.

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    ns a contrariar o pessimismo, a tristeza, o desnimo, a crise que grita fora de

    ns e nossa volta. Tentar descobrir o bom do quotidiano uma emergncia

    de sabedoria. fcil pintar a vida de negro carregado: comea como o vinho

    novo, cada um envelhece-a ao seu gosto e h quem prefira torn-la vinagre.

    Mas a sabedoria e a esperana pintam-na de cores matizadas, bonitas e

    harmoniosas. Viver em esperana ajuda a dar cores positivas ao andar da vida,

    ao olhar para as coisas, escuta dos problemas, relao com os

    desesperanados 16. Infunde motivos para continuar a viver apesar de tudo.

    Mantm a coragem de existir. Enquanto d capacidade de interpretar a vida

    pelo lado bom, o dinamismo da esperana factor de optimismo. anseio de

    sentido e de plenitude 17. Gera a fora de esperar, quando os outros se

    resignam. essencialmente revolucionria. A falta de esperana acabrunha,

    entristece, derrota, leva a pessoa ao sem-sentido: quem nada espera

    desespera. Ao contrrio, a esperana tira-nos do buraco do desespero e d

    sentido ltimo vida. Irmos, no queremos que andeis tristes como os

    outros que no tm esperana (1Tes 4,13).

    urgente pensar que a esperana crist mexe mesmo na vida. Comanda

    a vida. Transforma-a positivamente. D de presente o futuro, no como uma

    quimera ou mera utopia que projecta no futuro as frustraes do presente:

    antes, puxa para o presente a experincia de plenitude, ou seja, de salvao

    da pessoa, realizada por Jesus. No iluso passageira: abre um caminho real

    quando estamos num beco sem sada. No s d alento para fazer o caminho

    custoso que leva at casa: tambm antecipa o gozo da chegada a casa. A

    esperana de ter umas frias maravilhosas d energia para suportar os duros

    trabalhos de um ano inteiro; mas tambm faz saborear antecipadamente a

    alegria e o descanso das frias. Atrai o futuro para dentro do presente, demodo que aquele j no puro ainda no. O facto de este futuro existir

    muda o presente 18. Com o nosso empenho contribumos para que o mundo

    se torne um pouco mais luminoso e humano e assim tambm se abram as

    portas para o futuro 19. A falta de futuro o inferno, como j antevia Dante

    16J.A. PAGOLA, El arte de generar esperanza(Idatz; San Sebastin 2005) 17-23.

    17Cf. A. GESCH, El sentido(Verdade e imagem 164; Sgueme; Salamanca 2004: original 2003) 131-156.

    18BENTO XVI, Spe salvi, 7.19BENTO XVI, Spe salvi, 35.

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    descrevendo-o na Divina Comdia: Assim entenders que todo o

    conhecimento seja morto desde o ponto em que se feche a porta do futuro 20.

    A esperana crist desafia o presente imediato, sempre breve. um poder

    criador. Abre perspectivas que fazem viver. Vive j com aquilo que ainda no

    mas que nos faz ser. Transforma o fim em finalidade 21. Aquilo que

    esperamos o motor daquilo que fazemos, sendo a nossa aco a prpria

    manifestao daquilo que esperamos.

    Se a esperana abre o ser humano ao futuro, para o cristo o futuro o

    reino de Deus, o espao para Deus viver na sociedade, nas famlias, em mim:

    o paraso celeste antecipado para a terra. O reino de Deus um dom,

    constituindo a resposta esperana 22. O ser humano tem necessidade de

    Deus; de contrrio, fica privado de esperana 23. A essa altura, pronuncia-se a

    competncia do mstico: a esperana, referida a Deus, tanto alcana quanto

    espera 24.

    Enquanto tem a ver com o futuro, tem a ver com o tempo. Porque o ser

    humano viandante, peregrino, olha em frente, com as luzes nos mximos.

    Mas tambm transporta na memria o passado. Tem atrs de si toda a

    experincia de uma longa e rica histria. E a recordao desse passado cheio

    de esperana como o da revelao bblica e o da liturgia crist sustenta e

    cultiva a esperana no presente, comunicando o poder salvfico dos

    acontecimentos rememorados por quem os celebra e recita. D existncia

    pessoal o sentido ltimo, que a f v em Deus.

    Concluso

    A criseque hoje nos ameaa tem razes mais profundas do queas econmicas e financeiras. Resulta de uma vida sem razes na terra e sem

    laos com o cu. Mas, bem aproveitada, pode tornar-nos mais fortes. Puxa por

    20Inferno, Canto X, 106-108.

    21C.M. MARTINI, em U. ECO C.M. MARTINI, Em que cr quem no cr?(Grfica de Coimbra; Assafarge2000) 15.

    22BENTO XVI, Spe salvi, 35.

    23 BENTO XVI, Spe salvi, 23. Veja neste sentido V. FRANKL, Psicoterapia y existencialismo (Herder;Barcelona 2011) 167-181.

    24S. JOO DA CRUZ, Poema X, Tras un amoroso lance, vv. 31-32; Subida do monte Carmelo, livro 3, 7,2;Noite escura, livro 2, 21,8.

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    ns. Torna-nos inventivos, num desafio criatividade. Faz que nos superemos.

    Para o cristo, do terreno que fez germinar a crise irrompem sementes de

    esperana. As crises desencadeiam duas atitudes humanas, contraditrias: a

    do medo e a da esperana. Aprender hoje a ter medo na justa medida face

    crise de valores e de procura de sentido significa aprender a lidar com

    dificuldades e limitaes. Mais ousado, mas mais importante, aprender a ser

    pessoa de esperana. Ela projecta-nos para alm das limitaes, d fora para

    venc-las. Abre-nos, em vez de fechar-nos.

    Torna-se libertadora. No erradica os perigos que nos espreitam,

    nem nos blinda contra as insdias do mal. Mas exorciza o medo, a

    desesperana, as depresses que nos visitam; e permite rezar: mesmo que

    passe por vales tenebrosos, no temerei nenhum mal, porque Tu ests

    comigo (Sl 23,4). Se o excessivo medo paralisa, a esperana fundada

    dinamiza. De um ser de necessidade faz um ser de vontade. O cristianismo

    realiza um aspecto da sua vocao contagiando de esperana a sociedade,

    prisioneira do medo de foras annimas e de ameaas obscuras reais.

    A esperana crist, colocada no transcendente, no alheia

    esperana fundamental humana, colocada no imanente. Nem um acrescento

    a ela. Insere-se nas suas entranhas, anima-a, potencia-a e abre-a para a sua

    plenitude. Como o amor, tambm ela ter de ser incarnada, a partir do humano,

    embora tenha de terminar no divino: quem no esperar no ser humano a quem

    v no pode esperar em Deus a quem no v. As esperanas humanas so o

    lugar em que se realiza a esperana que nos transcende. E a esperana em

    Deus no se justape s esperanas humanas. Assume-as, d-lhes maior

    urgncia. Concretiza-se atravs delas, na histria humana, que na Bblia se

    torna caminho de esperana. Por muita confiana que d, no passaporte para o

    descomprometimento na vida. A pessoa de esperana sabe, a partir da f

    bblica, que a sua vontade j est envolta num amor mais poderoso do que o

    seu prprio pecado, um amor que garantia de que a sua esperana lhe d o

    novo. O prprio Jesus lhe deu suporte ao apelar confiana em Deus como

    Abbe ao afirmar que Deus Pai bom para com os ingratos e os malvados

    (Lc 6,35). E embora a nossa conscincia nos condene, Deus, que sabe tudo,est por cima da nossa conscincia. Queridos, se a nossa conscincia nos

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    condena, temos confiana total em Deus; e o que lhe pedirmos, obt-lo-emos

    dEle, porque guardamos os seus mandamentos e fazemos o que lhe agrada

    (1Jo 3,20-22).

    Se no podemos ser demasiado exuberantes e fceis na

    proclamao da esperana crist por declaraes excessivamente militantes e

    idealistas, estamos sempre prontos a dar a razo davossa esperanaa todo

    aquele que vos pea uma explicao (1Pe 3,15). Damo-la no testemunho de

    pertencer a Jesus Cristo e de acreditar no Amor que viveu para os outros;

    damo-la, fundamentados na prpria histria bblica, habitada como est pelo

    Amor salvador, superiormente expresso na pessoa de Jesus 25. A viso bblica

    de Deus como Amor abre a conscincia humana esperana realista de

    comunho com o que imperecvel, onde no haver morte, nem penas, nem

    pranto, nem dor 26. Esse relacionamento da imanncia relativa com a

    transcendncia absoluta, com valores inabalveis e ltimos, estabelece os

    fundamentos da esperana bblica porque s o divino proporciona certeza e

    no est sujeito s carncias do transitrio 27.

    S quem se abriga no arco e na lgica da f bblica est

    preparado para compreender a esperana crist. No certeza matemtica

    mas afectiva. No d solues mgicas. Nem se encomenda sorte. Abre

    caminhos inspiradores. Empenha toda uma vida. Sendo dom, tambm

    responsabilidade 28. Os cristos mantm essa segurana/confiana e essa

    honra que a esperana, firme at ao fim (Heb 3,6). Neste tempo em que a

    crise parece estender a sua sombra a todos os domnios da existncia

    humana, tm a responsabilidade da esperana. Esta a sua grande tarefa.

    Alm de lugar de culto e instncia moral, a Igreja comunidade de

    esperana. Que seria a Igreja de Jesus se no comunicasse a boa novade umDeus amigo da vida e no contagiasse as pessoas com a esperana que brota

    do Ressuscitado?

    25Cf. C.M. MARTINI, La audacia de la esperanza(Verbo divino; Estella 2005) 271-288.

    26Ap 21,4. Cf. A. TORRES QUEIRUGA, Esperanza a pesar del mal(Presencia teolgica 140; Sal Terrae;Santander 2005) 61-96.

    27Cf. V. FRANKL, La presencia ignorada de Dios(Herder; Barcelona 2011) 55-64.

    28

    Cf. F. MARTNEZ DEZ, Crer em Jesus Cristo, viver como cristo. Cristologia e seguimento (Grfica deCoimbra 2; Assafarge 2007) 759-832; J. MOLTMANN, El experimento esperanza (Verdad e imagen 44; Sgueme;Salamanca 1977); J. MOLTMANN, Teologa de la esperanza(Verdad e imagen 48; Sgueme; Salamanca 1981).

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