cad curso direito uniao estavel

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UNIÃO ESTÁVEL NO BRASIL: A proteção constitucional à família Daniela Kristina Vieira RESUMO O presente trabalho de conclusão de curso tem como finalidade abordar a nova visão do direito de família frente aos comandos constitucionais, no que se refere à união estável. O legislador, influenciado pelas mudanças sociais que sinalizavam para o reconhecimento das uniões fora do casamento diante da quantidade de pessoas que optavam por esta forma de união, entendeu necessário positivar a matéria, mas o fez através do poder constituinte originário, que ao elaborar o texto constitucional em vigor previu, ao lado do casamento, outras formas de família, entre elas, a constituída pela união estável. Desta forma, tal estudo só pôde ser efetuado diante do fenômeno da Constitucionalização do Direito Civil, ou seja, a inserção dos princípios constitucionais nas normas de direito privado. Assim, levando em consideração tais abordagens, a pesquisa se propõe a analisar o instituto da união estável, sua evolução, conceito, requisitos, como também uma interpretação das normas constitucionais e legais, abrangendo a questão dos alimentos e do direito sucessório. As referidas questões foram tratadas em leis especiais e no atual Código Civil, que baseado nos dispositivos da Constituição regulamentou direitos dos conviventes para que aqueles comandos fossem amplamente efetivados, não se tornando o artigo 226 da Constituição Federal letra morta no direito positivo brasileiro. PALAVRAS-CHAVE: Família, Direito, Casamento, Constitucionalização. INTRODUÇÃO União Estável é a convivência entre homem e mulher, alicerçada na vontade dos conviventes, de caráter notório e estável, visando à constituição de família. Alguns elementos importantes para a configuração deste tipo de união são extraídos desse conceito: fidelidade presumida dos conviventes, notoriedade e estabilidade da união, comunidade de vida e objetivo de constituição de família. Com o advento da CF/88, a união estável entre o homem e a mulher, não unidos pelo matrimônio, passou a ser reconhecida como uma entidade familiar para efeito de proteção do Estado (art. 226, § 3º da CF/88). Diante do assento legal, diversas pessoas, incluídos operadores do direito, passaram a acreditar que o convivente teria certos direitos não previstos em Lei. As divergências nesta área do direito encontram explicações na legislação ultrapassada de que os julgadores têm que se socorrerem para compor os litígios que envolvam questões de união livre, o que os obriga a não se exaurirem nos textos legais, ou

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  • UNIO ESTVEL NO BRASIL: A proteo constitucional famlia

    Daniela Kristina Vieira

    RESUMO O presente trabalho de concluso de curso tem como finalidade abordar a nova viso do direito de famlia frente aos comandos constitucionais, no que se refere unio estvel. O legislador, influenciado pelas mudanas sociais que sinalizavam para o reconhecimento das unies fora do casamento diante da quantidade de pessoas que optavam por esta forma de unio, entendeu necessrio positivar a matria, mas o fez atravs do poder constituinte originrio, que ao elaborar o texto constitucional em vigor previu, ao lado do casamento, outras formas de famlia, entre elas, a constituda pela unio estvel. Desta forma, tal estudo s pde ser efetuado diante do fenmeno da Constitucionalizao do Direito Civil, ou seja, a insero dos princpios constitucionais nas normas de direito privado. Assim, levando em considerao tais abordagens, a pesquisa se prope a analisar o instituto da unio estvel, sua evoluo, conceito, requisitos, como tambm uma interpretao das normas constitucionais e legais, abrangendo a questo dos alimentos e do direito sucessrio. As referidas questes foram tratadas em leis especiais e no atual Cdigo Civil, que baseado nos dispositivos da Constituio regulamentou direitos dos conviventes para que aqueles comandos fossem amplamente efetivados, no se tornando o artigo 226 da Constituio Federal letra morta no direito positivo brasileiro.

    PALAVRAS-CHAVE: Famlia, Direito, Casamento, Constitucionalizao.

    INTRODUO

    Unio Estvel a convivncia entre homem e mulher, alicerada na vontade dos conviventes, de carter notrio e estvel, visando constituio de famlia. Alguns elementos importantes para a configurao deste tipo de unio so extrados desse conceito: fidelidade presumida dos conviventes, notoriedade e estabilidade da unio, comunidade de vida e objetivo de constituio de famlia.

    Com o advento da CF/88, a unio estvel entre o homem e a mulher, no unidos pelo matrimnio, passou a ser reconhecida como uma entidade familiar para efeito de proteo do Estado (art. 226, 3 da CF/88).

    Diante do assento legal, diversas pessoas, includos operadores do direito, passaram a acreditar que o convivente teria certos direitos no previstos em Lei.

    As divergncias nesta rea do direito encontram explicaes na legislao j ultrapassada de que os julgadores tm que se socorrerem para compor os litgios que envolvam questes de unio livre, o que os obriga a no se exaurirem nos textos legais, ou

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    seja, que buscarem outras fontes do direito, sendo que o legislador constitucional amenizou esta situao, sensibilizado pela enorme proporo de unies livres presentes no cotidiano brasileiro.

    Quanto ao dispositivo constitucional, qualquer que seja a interpretao que se queira dar, traduziu to-somente a boa inteno do legislador que quis imprimir dignidade s famlias constitudas margem da lei.

    O atual texto constitucional trouxe uma grande evoluo no direito de famlia, descaracterizando a unio estvel como sociedade de fato, para dar-lhe o status de entidade familiar. Agora, no mais se distingue a famlia pela existncia do matrimnio, solenidade que deixou de ser seu nico trao diferencial, tambm, o tringulo: pai, me, filho mudam de conformao. De acordo com a Lei, a adoo de uma criana permitida aos solteiros, sendo o grupo reconhecido, tambm, como famlia, recebendo a designao de famlia monoparental.

    Justifica-se a presente monografia, porque a natureza scio-jurdica da unio estvel, fato gerador alternativo e natural da famlia, trata to-somente de uma relao de causa e efeito, pois, tanto do casamento, quanto da unio estvel, surge o ncleo da famlia.

    Dessa forma, percebe-se que no mbito da interveno estatal no que concerne a unio estvel, dever ter por finalidade to-somente regular os efeitos patrimoniais, includos a os alimentos, obedecidos os pressupostos para sua concesso, que poder advir salvo acordo prvio em contrrio, da extino da unio estvel e isso, visa, tambm, definir histrico e conceituao civil do instituto do casamento e da unio estvel, estabelecendo um comparativo entre os mesmos como determina o direito brasileiro, bem como, fazer uma pequena abordagem da situao dos companheiros no que tange aos alimentos, regime de bens e sucesso.

    O objetivo geral analisar a evoluo histrica acerca do desenvolvimento da unio estvel enfocando a proteo constitucional dada famlia.

    Especificamente, objetiva-se verificar o conceito e os requisitos caracterizadores da unio estvel, para assim, compreender quais tipos de relaes extraconjugais so aceitas como unio estvel e ,portanto, merecedoras do amparo legal e quais no podem ser tuteladas pelo direito, como o concubinato. Convm tambm estudar a importncia do reconhecimento constitucional unio estvel e seus reflexos no direito civil, analisando os dispositivos do Cdigo Civil, que disciplinam o direito do convivente. Ainda, objetiva-se estabelecer as diferenas em relao aos direitos atribudos pelo Cdigo Civil de 2002 ao convivente,

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    analisando todos os aspectos discutidos pela doutrina, em especial, a eventual a revogao total ou parcial das leis 8971/94 e 9278/96, pelo Cdigo Civil. Por fim, verificar se houve avanos no atual Cdigo Civil, quanto aos direitos do convivente.

    A monografia tem como suporte para seu embasamento as fontes de pesquisa a investigao bibliogrfica de obras de renomados doutrinadores nacionais.

    Para realiz-la, utilizou-se a pesquisa de cunho terico dissertativo, tendo como complemento artigos de revistas, textos, livros, bem como, investigao na jurisprudncia dominante no Superior Tribunal de Justia e no Supremo Tribunal Federal.

    O tema relevante, pois se passado mais de vinte anos da promulgao da Constituio Federal, ainda se tem dvidas, na doutrina e jurisprudncia acerca do alcance da proteo dada pelo texto constitucional unio estvel no Brasil. Apesar das leis posteriores e do Cdigo Civil atual que tratou da matria, os conviventes no tem total respaldo no ordenamento jurdico, mesmo tendo sido conceituada como uma forma de entidade familiar e equiparada ao casamento. Assim, o entendimento de como se efetiva essa proteo constitucional unio estvel que justificou o estudo ora elaborado.

    HISTRIA DA FAMLIA

    A famlia como realidade social

    A famlia no existiu desde sempre como a vemos hoje. E fato que, atualmente, tambm no a conhecemos to bem, dadas as modificaes - em algumas de suas bases e nas formas de estruturao que ela vem sofrendo, e assim continuar, dada sua constante evoluo (GROENINGA, 2008, p. 19)

    Em razo da origem do direito brasileiro, em geral, a evoluo da famlia compreendida a partir do direito romano, o que permite uma anlise dos costumes, dos primrdios e da evoluo da codificao at a atualidade.

    J para Wald (2002, p.9), a famlia brasileira, como hoje a conceituamos, sofreu as influncias da famlia romana, da famlia cannica e da famlia germnica.

    Segundo Venosa (2004, p.16), ao estudar a histria da humanidade, encontrar em todas as culturas, quer ocidentais, quer orientais, os agrupamentos humanos. O homem, durante todo o existir da civilizao, sempre buscou se reunir em torno de algo ou de algum, constituindo dessa forma uma famlia, o segmento social de origem mais primitivo j

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    reconhecido. necessrio dizer que a famlia transcende a tica jurdica. E em face disso, vrias

    configuraes de famlia ficavam margem do Direito que, atualmente, busca muito mais formas de incluso do que a excluso.

    No entanto, no ser necessrio percorrer a histria da humanidade para entender o conceito de famlia no direito brasileiro, pelo simples fato de que o que mais interessa so as inovaes constitucionais.

    Segundo Groeninga (2008, p.19), as bases da constituio da famlia devem ser buscadas no s na viso aportada pelo Direito, como tambm nas fontes sociais, e tambm na especificidade do que nos faz humanos.

    A famlia, sob o conceito sociolgico, integrada pelas pessoas que vivem sob um mesmo teto, sob a autoridade de um titular.(VENOSA, 2004, p.16)

    Essa noo, sempre atual e frequentemente reconhecida pelo legislador, coincide com a clssica posio do pater famlias do Direito Romano, descrita no Digesto por Ulpiano. Temos clara noo dessa compreenso quando, por exemplo, o art. 1.412, 2, do atual Cdigo, ao tratar do instituto do uso, dentro do livro de direitos reais, descreve que "as necessidades da familia do usurio compreendem as de seu cnjuge) dos filhos solteiros e das pessoas de seu servio domstico.(VENOSA, 2004, p.17)

    A realidade social mostra, a todo instante, que hoje o direito de famlia possui conceito e caractersticas muito amplas, alargadas em um campo que se modifica constantemente, abraando temas e conceitos jamais admitidos pela histria primitiva do direito de famlia.

    Foram enormes as evolues, aceitando-se, nos dias de hoje, determinadas situaes que antes eram repudiadas, tais como a igualdade dos filhos, igualdade entre os cnjuges, unio estvel e entidade familiar, entre outros institutos jurdicos, sem a necessidade de um estudo sobre a histria da famlia para entender isso, bastando apenas olhar para a realidade atual.

    A famlia como realidade jurdica

    Escreve Venosa (2004, p.17) que:

    Entre os vrios organismos sociais e jurdicos, o conceito, a compreenso e a extenso de famlia so os que mais se alteraram no curso dos tempos. Nesse

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    alvorecer de mais um sculo, a sociedade de mentalidade urbanizada, embora no necessariamente urbana, cada vez mais globalizada pelos meios de comunicao, pressupe e define uma modalidade conceitual de famlia bastante distante das civilizaes do passado. Como uma entidade orgnica, a famlia deve ser examinada, primordialmente, sob o ponto de vista exclusivamente sociolgico, antes de o ser como fenmeno jurdico. No curso das primeiras civilizaes de importncia, tais como a assria, hindu, egpcia, grega e romana, o conceito de famlia foi de uma entidade ampla e hierarquizada, retraindo-se hoje, fundamentalmente, para o mbito quase exclusivo de pais e filhos menores, que vivem no mesmo lar.

    Como no poderia deixar de ser, as evolues no Direito de Famlia obedecem s mudanas sociais e poderes que a influenciam. E, num movimento dialtico, tambm o Direito de Famlia influencia as formas de constituio das famlias (GROENINGA, 2008, p.20).

    Hoje, o direito de famlia aponta novos paradigmas. O casamento que antes era requisito fundamental para a legitimao da famlia, com a Constituio Federal de 1988, deixou de ser, estendendo sua conceituao, modificando-se, inclusive, o conceito de Direito de Famlia, antes profundamente ligado aos efeitos do casamento, sendo considerado o centro irradiador de suas normas bsicas.

    A formalidade do casamento deixou de interessar ao Estado, que passou a preocupar-se com a importncia do grupo familiar, qualquer que seja sua origem, garantindo-lhe a proteo e os direitos postos disposio da chamada famlia legtima.

    Mudam os costumes, mudam os homens, muda a histria, s parece no mudar a importncia para o indivduo de encontrar o seu refgio, qual seja, o seio de sua famlia, dificilmente podendo ser substituda por qualquer outra forma de convivncia social .

    Por fim, no interessa que a famlia seja necessariamente biolgica ou no, oriunda de matrimnio ou no, o que relevante a necessidade no interior de cada ser humano de apego a algo ou algum, no importando o lugar que o indivduo ocupe, se o de pai ou de me, ou se o de filho.

    O que importa pertencer a um meio, estar naquele lugar onde possvel integrar e compartilhar valores, sentimentos, esperanas, e se sentir, a caminho da realizao pessoal, social qualquer que seja a realizao e esse meio.

    No cabe ao legislador impor conceitos e padres de modelos de famlia. A realidade social que deve se incumbir de definir tais conceitos. O que cabe ao legislador legislar apenas sobre as relaes patrimoniais da cada unio, no importando e nem colocando

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    em discusso a forma em que ela se deu ou se constituiu, visto que hoje prevalece a constitucionalizao do Direito, sobretudo do Direito de Famlia.

    A famlia, base da sociedade, no mais precisa recorrer-se ao casamento para legitimar-se, sendo respeitada e protegida pelo Estado aquela nascida pela livre e espontnea vontade dos conviventes. No deixou o casamento de ser aquele ato formal, gerador de efeitos e emanador de direitos e deveres familiares, mas deixou de ser o requisito fundamental para o surgimento da famlia e ao reconhecer esta realidade em sede constitucional, o legislador avanou significativamente, permitindo que milhares e milhares de famlias, antes sem sustentao legal, encontrassem guarida no novo ordenamento jurdico.

    Conceito de Famlia

    So muitas as modificaes pelas quais a sociedade tem passado nos ltimos tempos. Em consonncia com os tempos atuais de mudana de paradigmas, caracterizado pela globalizao, facilidade e rapidez nas comunicaes, maior liberdade e pluralidade nas formas de relaes, de rnenor interferncia do Estado na famlia e de dissociao entre sexo, casamento e procriao, as famlias tm se constitudo sob variadas formas.

    A famlia varia de acordo com as pocas, com as culturas e, mesmo, dentro de uma mesma cultura, em conformidade com as condies scio-econmicas em que est inserido o grupo familiar. Assim, a questo que permeia as consideraes tecidas nesta monografia a busca de um conceito de famlia que contemple sua universalidade, dentro das especificidades de cada famlia.

    Acerca das diversas acepes que o termo famlia encerra, Venosa (2004, p.20) afirma que:

    Desse modo, importa considerar a famlia em um conceito amplo, como parentesco, ou seja, o conjunto de pessoas unidas por vnculo jurdico de natureza familiar. Nesse sentido, compreende os ascendentes, descendentes e colaterais de uma linhagem, incluindo-se os ascendentes, descendentes e colaterais do cnjuge, que se denominam parentes por afinidade ou afins. Nessa compreenso, inclui-se o cnjuge, que no considerado parente. Em conceito restrito, famlia compreende somente o ncleo formado por pais e filhos que vivem sob o ptrio poder.

    Segundo Hironaka (2006, p.7)

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    Famlia uma entidade histrica, ancestral como a histria, interligada com os rumos e desvios da histria ela mesma, mutvel na exata medida em que mudam as estruturas e a arquitetura da prpria histria atravs dos tempos (...); a histria da famlia se confunde com a histria da prpria humanidade.

    Verifica-se que a realidade cultural das famlias no Brasil mudou ao longo do tempo, exigindo uma nova valorao por parte do legislador e dos juristas, devendo seu conceito ser analisado sob as atuais perspectivas. Existe atualmente projeto de Lei de n 2.285/2007, que tramita no Congresso Nacional, visando reformar o conceito de famlia, j que o atual conceito no mais pertence tica do direito civil diante das mudanas introduzidas pela Constituio Federal de 1988 e pelo Cdigo Civil de 2002.

    AS ENTIDADES FAMILIARES- DO CONCUBINATO A UNIO ESTAVEL.

    Do concubinato como antecedente histrico da unio estvel

    Para a compreenso de qualquer instituto jurdico, deve-se preceder a um esboo de sua evoluo histrica, principalmente se a finalidade do estudo de tal instituto de ordem cientfica, como ocorre na presente monografia, porm, a unio estvel, instituto do direito de famlia, nem sempre recebeu essa denominao, e muito menos era amparada pela lei. Assim, para que se compreenda o instituto da unio estvel, ser traado um breve histrico do concubinato, que, embora, no atual ordenamento jurdico ptrio, seja considerado diverso da unio estvel, porm j se confundiu como tal e, mesmo nos dias atuais, ainda gera confuses de ordem terminolgica entre leigos.

    Isto , quando se refere evoluo jurdica, ou seja, ao histrico da unio estvel, estar se referindo ao concubinato, posto que a unio estvel, como hoje se conhece, surgiu com a Constituio Federal de 1988.

    A unio livre entre homem e mulher sempre existiu e sempre existir. Entende-se aqui, por unio livre, aquela que no se prende s formalidades exigidas pelo Estado, ou seja, unies no oficializadas e com uma certa durabilidade. Essas unies, registradas na histria, s vezes acontecem tambm como relaes paralelas s relaes oficiais. Antigamente, entre os gregos, a concubinagem no acarretava qualquer desconsiderao e era, em certa medida, reconhecida pelas leis. (LAROUSSE apud BITTENCOURT, 1965,

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    p.40) No Imprio Romano no era diferente, pois o concubinato era comum e frequente,

    inclusive entre homens de grande moralidade, mas no produzia quaisquer efeitos jurdicos.

    No Baixo Imprio, torna-se o concubinato um casamento inferior, embora lcito. Com os imperadores cristos comea a receber o reconhecimento jurdico. Distinguem eles os filhos nascidos de concubinato (liberi naturales), que se podem legitimar per subsequens matrimo-nium dos vulgo quaesiti ou spuriti oriundos de unies sexuais passageiras. Favorece-se, assim, a transformao do concubinato em matrimnio atravs da legitimao dos filhos. (CHAMOUN, 1957, p.171)

    Do perodo medieval at a Idade Moderna, o concubinato pode ser definido nas palavras de Pereira (2006, p. 13-17), quando afirma que:

    Apesar de combatido pela Igreja, nunca foi evitado, nunca deixou de existir. E se os canonistas o repudiavam de jure divino, os juristas sempre o aceitaram de jure civile. Quem rastrear a sua persistente sobrevivencia, por tantos sculos, ver que em todas as legislaes em todos os sistemas jurdicos ocidentais houve tais unies, produzindo seus efeitos mais ou menos extensos.

    Miranda (apud BITTENCOURT, 1965, p.23) tambm discorreu sobre o concubinato na Idade Moderna, salientou que:

    A unio no-matrimonial s desponta como elemento de negociao jurdica a partir da instituio do casamento civil, no sculo XVI, e nos sculos posteriores acentuou-se a tendncia de legislar-se sobre essa matria. Anteriormente a essa conquista de institucionalizao do matrimnio, as ligaes estranhas a este no se apresentavam como problema: existia uma disciplina legal a respeito, tal como no Direito romano, em que o concubinato era considerado casamento inferior, de segundo grau, e como no regime das ordenaes filipinas, em que a ligao extramatrimonial prolongada gerava direitos em favor da mulher.

    O incio da mudana, em relao ao tratamento dispensado ao concubinato, ocorreu na Idade Contempornea, a partir da primeira metade do sculo XIX, quando os tribunais franceses apreciaram e consideraram as pretenses das concubinas. A partir da, esta relao passou a ser vista sob dois aspectos: sociedade com carter nitidamente econmico e como obrigao natural, quando, rompida a relao, havia promessa de certas vantagens ex- companheira.

    Um julgado de um Tribunal Francs, datado de 1883, o marco inicial da atual doutrina e concepo sobre o concubinato, conforme afirma Miranda (apud BITTENCOURT, 1965, p.23):

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    Sem nada a reclamar que se prendesse vida concubinria, a concubina alegou haver entrado com bens prprios para a formao do acervo do companheiro falecido. No podendo firmar-se inteiramente na prova por ela apresentada, o tribunal admitiu os elementos fornecidos como prova supletiva e mandou pagar-lhe a quarta parte dos bens deixados pelo morto, a ttulo de servios prestados e da contribuio de seus bens no acervo comum.

    Assim, as decises dos tribunais franceses passaram a ter a mesma orientao, tornando a jurisprudncia o referencial dos princpios da sociedade em participao, sociedade universal de ganhos ou sociedade de fato e do enriquecimento sem causa. Um julgado da Corte de Paris, de 13/06/1872, j havia revolucionado o sistema de prova sobre esta matria, admitindo presunes, acompanhadas de comeo de prova escrita. Este julgado, alm de abrandar o sistema de prova, consagrou o critrio da sociedade de fato.

    E, a partir da, caracteriza-se como um marco importante da Idade Contempornea no aspecto jurdico, e diferenciando-se de outros tempos, os fundamentos de proteo concubina que eram vinculados somente a uma relao comercial entre o homem e a mulher, mas sempre margem da relao concubinria. Com estas decises dos Tribunais Franceses, instalou-se uma nova concepo jurdica para o instituto.

    Foi nesta poca que se registrou a tendncia de os tribunais reconhecerem que a sociedade resulta unicamente do fato da vida em comum, sem exigir nenhuma prova para o contrato. Por volta de 1910, os tribunais franceses comearam a reconhecer a validade na promessa de indenizar, desconsiderando o precedente da seduo do homem contra a mulher, e j se apoiava na teoria da obrigao natural. (MIRANDA, 2000, p.126)

    O direito francs, pela primeira vez, em 1912, edita uma lei referente ao assunto, ou seja, o que era tratado somente pelos tribunais acabou transformando-se em ato legislativo. O termo concubinato passou a integrar, ento, uma lei civil, estabelecendo que o concubinato notrio era fato gerador de reconhecimento de paternidade ilegtima. Essa lei influenciou para que vrias outras leis sobre o tema surgissem e contribuiu decisivamente para a evoluo doutrinria e jurisprudencial sobre o concubinato.

    Pode-se dizer, portanto, que o surgimento do direito concubinrio ocorreu na Frana, tendo sua importncia histrica influenciado todo o direito ocidental, especialmente o brasileiro, que at pouco tempo atrs era confundida com a unio estvel.

    Reconhecimento da unio estvel pelo ordenamento jurdico brasileiro

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    No Brasil, como em outras legislaes extravagantes, a unio estvel nunca foi

    tipificada como crime. Os diplomas legais no a regulavam, mas tambm, no a proibiam, o que se pode constatar desde as Ordenaes Filipinas.

    Mesmo as proibies de doaes feitas concubina, dispostas no Cdigo Civil, no se constitui propriamente uma repulsa ao concubinato, mas, sim, uma defesa do patrimnio da famlia. Ainda que essa afirmao possa, em alguns aspectos, parecer contraditria, denota, de qualquer forma, uma no-proibio, no-interdio do Estado a esse tipo de relao.

    Acerca do tema, assevera Bittencourt (1965, p.23) que:

    A unio estvel no Brasil teve como incentivo trs fatores bsicos: 1) a incompreenso da Igreja quanto necessidade da realizao do casamento civil como preliminar indispensvel ao casamento religioso, fazendo com que, em todo pas fosse realizado inmeros casamentos religiosos sem efeitos civis; 2) o exagerado formalismo e as despesas para a habilitao do casamento civil, conduzindo a massa operria preferir a unio livre; 3) a proibio de novo casamento ao divorciado. A tais fatores no se pode deixar de acrescentar que, nos pases que se convencionou chamar de terceiro mundo, o estado de miserabilidade e a ignorncia da grande massa da sua populao proporciona unio estvel, ou seja, de fato.

    O desenvolvimento e evoluo do instituto da unio estvel recente na legislao brasileira, apesar da unio afetiva entre um homem e uma mulher sem as formalidades do casamento ser uma realidade indiscutvel. Alguns doutrinadores alegavam ser juridicamente irrelevante o estudo do tema, uns proclamando a imoralidade dessas relaes e outros simplesmente as relegando ao plano do ilegtimo.

    Os autores no costumavam levar em conta esse tipo de unio afetiva para o direito social e, eventualmente, por algumas das suas consequncias, para o direito das obrigaes. Contudo, foi o Supremo Tribunal Federal que primeiro, com a devida relevncia, contribuiu para a evoluo da construo jurisprudencial e doutrinria da unio estvel, atravs das Smulas 380 e 382, in verbis:

    380. Comprovada a existncia da sociedade de fato entre os concubinos, cabvel a sua dissoluo judicial, com a partilha do patrimnio adquirido pelo esforo comum. 382. A vida em comum sob o mesmo teto, more uxrio, no indispensvel caracterizao do concubinato.

    Em suma, o que era tratado exclusivamente no campo do Direito das Obrigaes, principalmente, com a Constituio de 1988, passa a ser tratado pelo Direito de Famlia, no

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    Cdigo Civil de 2002.

    O legislador constituinte reconheceu a unio estvel como uma das entidades familiares, juntamente com a famlia monoparental. Tambm, tratou do tema a Lei n. 8.971, de 29/12/1994, que regula o direito dos companheiros quanto aos alimentos e as sucesses. J a Lei n 9.278, de 13/05/1996, veio regulamentar o 3 do art. 226 da Constituio Federal, que reconhece a unio estvel como entidade familiar, disciplinando o reconhecimento deste tipo de unio, dos direitos e deveres dos conviventes, da administrao do patrimnio, dentre outras questes relativas ao tema. Porm, somente no texto do Novo Cdigo Civil que se consolidou, definitivamente, a unio estvel, dedicando a mesma todo um ttulo.

    As unies livres, como ligaes estveis, nas quais se caracteriza a convivncia more uxrio, ou seja, como marido e mulher, tm relevncia no direito brasileiro, no apenas para permitir a anulao das doaes feitas convivente, nem to-somente para permitir a investigao de paternidade, mas, tambm para a conquista do direito ao benefcio da previdncia social, conforme determina a Lei n 8.213, de 24-07-1991, que atribui, no art. 16, I, a condio de beneficiria companheira. Nesse sentido, decidiu o STF que, em caso de acidente de trabalho ou de transporte, a concubina tem direito de ser indenizada pela morte do amsio, se entre eles no havia impedimento para casar.

    A lei admite, inclusive, que a mulher possa adotar o sobrenome do companheiro, desde que em carter excepcional e havendo motivo pondervel (art. 57, 2 e s., da Lei n 6.015, de 31-12-1973), portanto, no possvel ignorar a unio estvel, pois alm de ser um fato, constitui, hoje, uma situao jurdica que enseja importantes consequncias no campo jurdico, entre elas pode-se citar a questo relativa sucesso e a outorga para alienao de imveis envolvendo pessoas que mantm este tipo de relao.

    Conceito de unio estvel

    Constitui uma realidade scio-familiar das mais antigas da histria da humanidade. No Brasil, as relaes margem do casamento j eram consideradas como fato jurdico anteriormente ao Cdigo Civil de 1916. Com a evoluo da legislao a respeito, passou a ser conhecido tambm como sociedade de fato pela jurisprudncia, unio estvel pela

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    Constituio Federal de 1988, recebendo ainda a denominao companheiros (Lei n 8971/94) e, recentemente, conviventes (Lei n 9278/96).

    Portanto, o conceito de unio estvel no de fcil determinao, pois varia em face dos elementos que o meio, as condies, o nvel educacional social e econmico das pessoas apresentam, alm de muitos outros fatores sociais, culturais, econmicos e psicolgicos.

    Para Viana (1999, p.29), a unio estvel a convivncia entre homem e mulher, alicerada na vontade dos conviventes, de carter notrio e estvel, visando constituio de famlia.

    Alguns elementos importantes para a configurao da unio estvel so extrados desse conceito: fidelidade presumida dos conviventes, notoriedade e estabilidade da unio, comunidade de vida e objetivo de constituio de famlia. (VIANA, 1999, p.29)

    Elementos da unio estvel

    No direito brasileiro, a jurisprudncia vem, ao longo da evoluo do instituto da unio estvel, dando nova roupagem ao mesmo, pois tem fornecido os elementos caracterizadores desta relao para que se possa verificar suas consequncias, sua extenso e seus efeitos, notadamente os de ordem patrimonial.

    Pode-se dizer, embora no sejam pacficos no direito ptrio e no comparado, como elementos que integram ou que caracterizam a unio estvel, a durabilidade da relao, a existncia de filhos, a affectio societatis, ou seja, o intuito dos membros de uma sociedade de promover uma colaborao permanente, rumo a um objetivo comum, coabitao, fidelidade, notoriedade, a comunho de vida, enfim, tudo aquilo que faa a relao parecer um casamento. E, por fim, a posse de estado de casado.

    O art. 1 da Lei 9.278, ao definir a entidade familiar, traou seus requisitos como sendo: a) convivncia duradoura, pblica e contnua; b) convivncia entre um homem e uma mulher; c) convivncia com objetivo de constituio de famlia. Ocorre que desses elementos se extraem outros, como fidelidade, dever de assistncia moral, entre outros, ou seja, preciso ressaltar que o conceito de comunidade ou comunho de vida tem padecido intensas mudanas na contemporaneidade.

    Segundo Viana (1999, p.144), a unio estvel:

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    (...) se apia em uma relao de fato, (...), sem fora vinculativa. Temos uma convivncia notria como marido e mulher, com continuidade das relaes sexuais, coabitao e fidelidade presumida. indispensvel que a unio se revista de estabilidade, haja aparncia de casamento.

    Isto o que a jurisprudncia brasileira tem absorvido e traduzido ao longo de sua histria, com a evoluo dos costumes, com a Constituio de 1988 estabelecendo novas concepes para a famlia erigida sem os laos do casamento, mas, principalmente, a partir dessas unies estveis, como um fato social marcante no pas.

    Portanto, os elementos caracterizadores da unio estvel so aqueles que delineam o prprio conceito de famlia. No a falta de um desses elementos aqui apresentados que descaracteriza a noo de unio estvel.

    O importante, ao analisar cada caso, saber se ali, na somatria dos elementos, est presente um ncleo familiar, ou, na linguagem do art. 226 da Constituio da Repblica, uma entidade familiar. Se a estiver presente uma famlia, ter a proteo do Estado e da ordem jurdica.

    Assim, como a doutrina no pacfica quanto aos elementos que caracterizam o instituto da unio estvel, discorrer-se- sobre os elementos que entendem-se como os mais importantes, j que so mais estudados pelos juristas.

    Objetivo de constituio de famlia

    A unio extramatrimonial entre um homem e uma mulher precisa visar a

    constituio de uma famlia para que possa ser caracterizada como unio estvel: caso contrrio, o vnculo entre os conviventes no estaria sujeito s regras de Direito de Famlia e, assim, no seria abrangido pela norma contida na Constituio Federal, no artigo 226, 3. Verifica-se, portanto, na unio estvel, o objetivo de constituir famlia por outra forma que no o casamento em decorrncia de fatores diversos.

    Est nsita na idia de constituio de famlia, o desejo dos companheiros compartilharem a mesma vida, dividindo as tristezas e alegrias, os fracassos e os sucessos, a pobreza e a riqueza, enfim, formarem um novo organismo distinto de suas individualidades. E, da mesma, forma, dentro da caracterstica referida, tem-se em vista ma outra finalidade que tambm diz respeito ao casamento e que naturalmente, se faz presente na unio exrtamatrimonial dotada do objetivo da constituio de famlia: a procriao.(GAMA, 2001, p.157)

    Filhos so um elemento importante, mas no determinante, podem ser apenas um

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    elemento a mais ou a menos. Se fosse determinante, os casais sem filhos, casados no civil e no religioso, no poderiam constituir uma famlia, assim como aqueles que optaram por no ter filhos ou mesmo no puderam t-los por razes biolgicas ou genticas.

    Fidelidade

    A unio estvel, como o casamento, tambm impe o dever de fidelidade a ambos os conviventes e no apenas a um deles, ante a regra constitucional. Como decorrncia da caracterstica da unicidade de vnculo na unio estvel, resta inequvoca a presena da fidelidade como dever existente entre os companheiros.

    A fidelidade no companheirismo envolve o dever de lealdade entre os partcipes, sob os aspectos fsicos e moral, no sentido de abster-se de manter relaes sexuais com terceira pessoa, e mesmo de praticar condutas que indiquem esse propsito ainda que no se consume a traio. Envolve, portanto, tanto a infidelidade material quanto moral.(GAMA, 2001,. P.232)

    Tavares (2002, p. 232-233), quanto ao dever de fidelidade, sustenta que pode ser entendido como o dever de lealdade, sob o aspecto fsico e moral, de um dos cnjuges para com o outro, quanto manuteno de relaes que visem satisfazer o instinto sexual dentro da sociedade conjugal.

    Desta forma, o no cumprimento desse dever pode ser de ordem material, caracterizado pelo adultrio, quando um dos cnjuges tem relao sexual fora do casamento, e imaterial, configurado pelo quase-adultrio, se o cnjuge pratica atos com outra pessoa, que no chegam cpula carnal, mas denunciam esse propsito. Independente da corrente doutrinria, o certo que tanto a infidelidade material quanto a moral do causa separao do casal.

    Coabitao

    O dever de coabitao significa a vida em comum, no domiclio conjugal, abrangendo ainda a noo da satisfao do dbito conjugal, ou seja, a manuteno frequ ente e peridica de relaes sexuais entre o casal.

    Esse amplo contedo do dever de coabitao decorre da necessidade de integrao e

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    desenvolvimento da sociedade conjugal, havendo no matrimnio o jus ad copulam, ou direito prestao sexual, que, no entanto, no se confunde com o jus in corpus, pois este implicaria o direito sobre o corpo do outro cnjuge, que inexiste. (TAVARES, 2002, p.236)

    No direito brasileiro no se considera o elemento da coabitao como requisito essencial para caracterizar ou descaracterizar o instituto da unio estvel, mesmo porque, modernamente, comum haver casamentos em que os cnjuges vivem em casas separadas. A proteo jurdica da unio em que os companheiros vivem em comum por tempo prolongado, sob o mesmo teto ou no, mas com aparncia de casamento.

    A tendncia parece ser mesmo a de dispensar a convivncia sob o mesmo teto para a caracterizao da unio estvel, exigindo-se, porm, relaes regulares, seguidas, habituais e conhecidas, se no por todo mundo, ao menos por um pequeno crculo.

    Todavia, Faria (1996, p.21), ao cuidar dos elementos indicados pela doutrina como necessrios configurao da unio estvel, afirma que a coabitao demonstra a aparncia de casamento. Caracteriza a vida em comum de cama e mesa. a vida em comum sob o mesmo teto.

    Ainda, de acordo com esse posicionamento, Bossert (apud FERREIRA, 1997, p.43) sustenta a importncia da coabitao na unio estvel, pois na falta de domiclio comum a relao meramente circunstancial, inexistindo vida compartilhada entre os companheiros.

    No entanto, o Supremo Tribunal Federal, atravs da Smula 382, j se posicionou sobre isto, esclarecendo que a vida em comum sob o mesmo teto, more uxorio, no indispensvel caracterizao da unio estvel.

    Continuidade: lapso temporal

    imprescindvel uma certa continuidade, durabilidade da relao. No h um prazo para determinar a partir de quando a relao se caracterizaria como unio estvel. No Brasil, convencionou-se, por muito tempo, principalmente nos costumes, que o prazo era de cinco anos. Provavelmente, este entendimento decorria da regra da Lei n. 6.515/77, antes da edio da Constituio Federal, onde havia necessidade de separao prvia de fato de cinco anos para a concesso de separao judicial.

    Embora a jurisprudncia aps a atual Constituio comeasse a apontar uma outra

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    direo em matria de tempo para a caracterizao da unio estvel, a Lei n. 8.971, de 29/12/1994, definiu que esse prazo de cinco anos, e, havendo prole, ser menor. Na verdade, o que interessa sobre o tempo in casu que ele caracterize a estabilidade da relao. Isto pode se definir com dois anos, por exemplo, ou mesmo no acontecer nem com dez anos de relacionamento.

    Foi nesse sentido que a Lei n. 9.278, de 13/5/1996, veio estabelecer que no h um prazo rgido para a caracterizao da unio estvel, revogando, portanto, o prazo de cinco anos estabelecido na lei anterior.

    Consolidando essa tendncia de no se estabelecer um prazo rgido para a caracterizao da unio estvel, veio o Cdigo Civil de 2002, que tambm deixou em aberto a questo do prazo, permitindo assim a elastizao e abertura do conceito de durabilidade e estabilidade.

    O Texto definitivo do novo Cdigo Civil tambm no exige o prazo mnimo de convivncia para a caracterizao da unio estvel corno se fez no passado e com a relao anterior do dispositivo citado no Projeto do Cdigo Civil de 1975. A estabilidade da unio entre o homem e a mulher deve ser definida no caso concreto e independe de perodo o mnimo de convivncia. Anote-se, tambm, que o texto legal do Novo Cdigo permite que se conceitue a unio estvel para pessoas separadas de fato. (VENOSA, 2003, p.449).

    Notoriedade

    Outro elemento caracterizador o da notoriedade. Para Gonalves (2006, p.130), a ligao afetiva h de ser notria, porm, pode ser discreta. H situaes de aparente incompatibilidade, em que conhecimento ou divulgao faz-se dentro de um crculo restrito de amigos e pessoas da ntima relao de ambos.

    A unio extramatrimonial, fonte originadora da famlia, datada de estabilidade e representativa do nico vnculo dos partcipes, deve se revestir de notoriedade, no sentido de ser reconhecida socialmente, ainda que por um grupo restrito, como a unio de um homem e uma mulher como se casados fossem.(GAMA, 2001, p.164)

    Tal caracterstica sempre foi apontada como requisito pelos doutrinadores. De qualquer forma, independendo de sua considerao como caracterstica ou requisito, o importante identificar a notoriedade com o sentido oposto ao clandestino, do oculto.

    Os que vivem em unio estvel devem ser tidos como tais perante a sociedade,

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    embora a utilizao do nome do companheiro, pela mulher, no seja requisito fundamental. Observa-se, ainda, que a notoriedade e publicidade no se confundem, sendo

    suficiente que a unio extramatrimonial seja conhecida por nmero mais ou menos largo de pessoas. Exige-se, em suma, que a relao no seja clandestina.

    Distino entre concubinato e unio Estvel

    Acerca do tema proposto, as variaes quanto denominao do instituto so inmeras, mas o que se deve deixar claro que houve uma evoluo, uma mudana, inclusive no que diz respeito a terminologia.

    Hoje, no Brasil, definitivamente, o termo concubinato se refere a relaes adlteras, onde umas das partes, ou s vezes, as duas partes so casadas.

    O legislador entendeu conveniente distinguir a unio estvel do concubinato, deixando de prever direitos e deveres para o que se chama em sede doutrinria, de concubinato adulterino ou impuro.

    Foi a Lei n 9.278/96 que mudou a terminologia at ento usada por leigos e juristas. Rompeu-se com os conceitos mais tcnicos, j sedimentados na doutrina, na jurisprudncia, nas leis anteriores e na prpria histria do Direito de Famlia. Companheira ou concubina agora convivente; concubinato convivncia. Temos, ento, um substantivo comum de dois para designar os concubinos: o convivente, a convivente.

    A justificativa para essa inovao do legislador diz respeito ao fato de que o termo concubinato tem, no Brasil, sentido pejorativo entre os leigos, sendo ofensivo chamar uma mulher de concubina.

    Entretanto, a expresso companheira no traz essa conotao negativa e j foi consagrada na jurisprudncia como uma unio livre mais idnea e respeitvel do que o concubinato. Todavia, a nova lei no repetiu anterior, adotando, ao invs dessa expresso j to bem dissecada pela jurisprudncia, a expresso convivente.

    O concubinato propriamente dito ocorre nos casos em que duas pessoas estabelecem uma relao afetiva, paralela ao casamento e uma das pessoas, mantm duas ou mais relaes, uma oficial e outra(s) extra-oficial (is). Mesmo que esta relao se assemelhe convivncia e constitua, as vezes, uma sociedade de fato, passvel de partilhamento dos bens adquiridos pelo esforo comum, no se pode identific-la com a unio estvel.

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    Em outras palavras, o Direito, atravs das Leis n. 8.971/94 e n. 9.278/96 e do Novo Cdigo Civil, no protege o concubinato. Alguns autores preferem nomear essas relaes como concubinato impuro, em oposio a concubinato puro ou honesto, que quando no h impedimento legal para o estabelecimento da relao. um paradoxo para o Direito proteger as duas situaes concomitantemente. Isto poderia destruir toda a lgica do ordenamento jurdico brasileiro, que gira em torno da monogamia.

    Desta feita, o ordenamento jurdico no reconhece como entidade familiar a relao existente entre pessoas que tambm seriam impedidas de se casar, como os legalmente casados e as pessoas do mesmo sexo.

    A excluso decorre de previso constitucional, expressa no art. 226, 3 da Constituio Federal. Assim, o art. 1.727 do atual Cdigo Civil dispositivo importante, porque, agora, o conceito de cubinato no fica confiado exclusivamente as formulaes doutrinrias.

    Alguns juristas, todavia, entendem que este artigo inconstitucional, pois 1 .723 do Cdigo Civil, no seu 1, dispe que as pessoas casadas no podem constituir unio estvel, mas as separadas judicialmente ou de fato podem, como se estas nao continuassem casadas. Desta forma, na hiptese de um companheiro (ou ambos) serem separados de fato ou judicialmente, a unio estvel havida entre eles no poderia jamais ser convertida em casamento, j que eles estariam impedidos de casar.

    Portanto, o vocbulo concubinato deve ser reservado para outras espcies de unies extramatrimoniais, mas que, de nenhuma forma, se constituem em modalidade de famlia.

    J a unio estvel, que por muito tempo foi considerada concubinato diz respeito unio de pessoas no casadas entre si, mas que por algum motivo no querem ou no podem, em determinado momento, constituir casamento, mas que vivem como se casadas fossem.

    Ao cuidar da distino entre concubina e convivente, depois de passado o perodo em que o tratamento de ambas as palavras tinha o mesmo significado, revela-se a importncia da diferenciao.

    O concubinato traduz-se numa relao espria, de convivncia clandestina, ilegtima, e desse modo, no possui qualquer respaldo jurdico nos seus efeitos, enquanto a unio estvel pode ocorrer nos casos de pessoas que se casaram no exterior, e que no possuem registro no Brasil, dos casamentos religiosos sem efeito civil, das relaes extramatrimoniais mantidas entre pessoas separadas judicialmente e, portanto, enquanto no a

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    converterem em divrcio, so impedidas de contrarem novo matrimnio.

    Assim, o concubinato se constitui em uma relao adltera, que no gera nenhum efeito jurdico, enquanto a unio estvel uma relao reconhecida constitucionalmente, o que de plano, j indica que no se trata de relao adulterina, pois o ordenamento jurdico brasileiro reconhece to somente a monogamia.

    Veja-se uma deciso do Tribunal de Justia de So Paulo que bem reflete e traduz esta posio:

    Concubinato Concomitncia com o casamento. A lei no contempla o concubinato adulterino, isto , aquele mantido concomitantemente com o casamento. A tal relao no se aplica o art. 5 da LICC que determina que, na aplicao da lei, o juiz atender aos fins sociais a que ele se dirige e s exigncias do bem comum. O dispositivo s deve ser aplicado quando a situao de fato assim o reclamar, isto , desde que existente uma separao de fato entre os cnjuges, a tornar o concubinato honesto, como o reconhece a nova Constituio (3 CCTJ-SP, Ap. n. 116.225-1, m. v. em 17/10/1989, rel. Des. Mattos Faria, RT 649/52).

    Portanto, h ntida diferena no tratamento das relaes esprias, adulterinas e a unio estvel. A proteo constitucional prevista no artigo 226 da Constituio Federal alcana to somente as unies no adlteras, onde os conviventes tenham outro impedimento que no o do casamento, pois a se tem o concubinato e no a unio estvel.

    UNIO ESTVEL NO BRASIL: A proteo constitucional famlia

    Proteo famlia

    Segundo Moraes (2004, p.66), a Constituio Federal de 1988 deve ser entendida como a lei fundamental e suprema do Estado brasileiro. Alm de conter normas referentes estruturao do Estado, formao dos poderes pblicos, forma de governo e aquisio do poder de governar, a Carta Constitucional deve prescrever os direitos, as garantias e os deveres dos cidados, consagrando um sistema de garantias de liberdade.

    no direito das famlias em que mais se sente o reflexo dos princpios eleitos pela Constituio Federal, que consagrou como fundamentais valores sociais dominantes. Os princpios que regem o direito das famlias no podem distanciar-se da atual concepo da famlia dentro de sua feio desdobrada em mltiplas facetas. A Constituio consagra alguns princpios, transformando-os em direito positivo, primeiro passo para a sua aplicao.(DIAS, 2008, p.57)

    Ainda Moraes (2004, p.46) diz que:

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    A Constituio Federal h de sempre ser interpretada, pois somente por meio da conjugao da letra do texto com as caractersticas histricas, polticas, ideolgicas do momento, se encontrar o melhor sentido da norma jurdica, em confronto com a realidade scio-poltico-econmica e almejando sua plena eficcia

    No caput do artigo 226, a Constituio Federal determina que, constituindo a base da sociedade, a famlia deve ter especial proteo do Estado.

    A Constituio Federal de 1988 reconheceu uma nova ordem de valores no mbito do Direito de Famlia. Ao consagrar a dignidade da pessoa humana como fundamento da Repblica em seu art. 1, inciso III, a Constituio Federal mudou a perspectiva de proteo da famlia.

    A Constituio Federal de 1988 traduziu importantes modificaes, como: O princpio da dignidade da pessoa humana, em seu art.. I., Ill, e a igualdade entre cnjuges e entre filhos, alm de reconhecer a famlia coma base da sociedade, no caput do art. 226, e limitar o poder de interferncia de pessoa de direito publico ou privado na comunho de vida instituda pelo casamento. Alm destas, a Constituio trouxe a igualdade entre os cnjuges e filhos. Passaram a ser reconhecidas as famlias formadas pelo casamento e unio estvel, e, ainda, a famlia monoparental, formada por um dos genitores e seus filhos.

    So inmeras as modificaes pelas quais a sociedade tem passado nos ltimos tempos, sobretudo a partir da segunda metade do ltimo sculo. Em consonncia com os tempos atuais de mudana de paradigmas, caracterizado pela globalizao, facilidade e rapidez nas comunicaes, maior liberdade e pluralidade nas formas de relaes de menor interferncia do Estado na famlia e de dissociao entre sexo casamento e procriao, as famlias tem se constitudo de formas antes impensadas.

    As relaes estveis entre um homem e uma mulher passaram a ter carter de legitimidade ao lado da famlia legtima, como entidade familiar, ou seja, a atual Constituio Federal de 1988 considera-se, portanto, como famlia a procedente de unio estvel, garantindo-lhe proteo especial do Estado, independente da forma pela qual tenha provindo a unio.

    Corrobora esse entendimento, a lio de Oliveira (s/d, p.28):

    A inovao deu-se com a Constituio Federal de 1988. Seu art. 226 define a famlia como base da sociedade, tendo especial proteo do Estado; destaca a figura do casamento, mas no como pressuposto nico de constituio da famlia; estende a proteo do Estado Unio estvel entre homem e mulher, considerada como

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    entidade familiar, devendo a lei facilitar sua converso em casamento (art. 226, 3.); e menciona, tambm, como entidade familiar, na comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (art. 226, 4.).

    Nota-se que houve um enorme avano no ordenamento jurdico no que tange ao conceito de famlia, sendo hoje melhor abrangido pelo termo entidade familiar. Seguindo o raciocnio do legislador constitucional, o Cdigo Civil de 2002, tambm reconheceu a unio estvel como sendo uma famlia, equiparada ao casamento em direitos, deveres e obrigaes.

    notrio que em nosso pas inmeros eram os casais, e ainda so, que viviam e vivem sob o manto de um relacionamento conjugal, diferente do casamento. Tais pessoas, por viverem uma relao no oriunda do casamento que se constitui mediante ato solene, no poderiam ficar margem da lei, como se fossem relaes indiferentes para o sistema jurdico brasileiro. Hironaka advoga a ideia de que:

    .

    A famlia no s anterior, mas transcende a tica que o Direito tem dela. E, nesta esteira, o Direito no mais tem estado s para compreender e acompanhar as mudanas na forma e qualidade dos relacionamentos, buscando o concurso de outras disciplinas. Em funo das modificaes sociais e de um sentido mais interdisciplinar que o Direito tem seguido, este tem atendido sua vocao no sentido de abrigar muito mais formas de incluso do que excluso. Assim tem se dado a mudana de paradigmas do Direito de Famlia (HIRONAKA, 2008, p.32)

    A realidade social urgia pela atual posio do legislador, e bem certo que a lei precisava regulamentar estas situaes de fato, conferindo proteo queles que se encontram em unio estvel, visto que esta uma realidade gritante em nosso pas, no cabendo a qualquer que seja e, principalmente ao Estado, desprezar os motivos que levaram os indivduos a conviver a margem do casamento, sobretudo ao aspecto econmico.

    A forma a que se deva constituir uma relao conjugal, se mediante casamento ou unio estvel, uma deciso ntima que cabe a cada indivduo pessoalmente escolher e, ao Estado cabe apenas e exclusivamente acolher essa unio, dispondo apenas sobre os seus reflexos jurdicos, e no discutir se ela ou no legtima.

    Esse , ou pelo menos deveria ser, o papel do Direito, visto que hoje se preconiza substancialmente pela Constitucionalizao do Direito, sobretudo do Direito Civil, que regula as relaes mais ntimas ligadas ao ser humano. Portanto, acertou e muito o legislador ao reconhecer a unio estvel e consagrar seus efeitos jurdicos, no que tange aos direitos patrimoniais e sucessrios do companheiro.

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    Por fora desse fenmeno, qual seja o da constitucionalizao do direito, deve as leis infraconstitucionais, no que tange ao Cdigo Civil, que nos dias de hoje deixou de ser apenas uma legislao de carter privado, se aderirem aos princpios da Proteo da Famlia, no podendo de forma nenhuma haver discriminao entre uma entidade que seja constituda pelo casamento e outra que seja constituda pela unio estvel, visto que a prpria Constituio, que norma suprema, consagra a no discriminao entre ambos os institutos.

    Portanto, h de se ressaltar que, atendendo a preceitos constitucionais (Art. 226, 3, da CF/88 ), o novo Cdigo Civil cuidou de assegurar aos conviventes em unio estvel, reconhecimento legal, gerando efeitos patrimoniais para os envolvidos, inclusive no que concerne ao Direito Sucessrio.

    Entidades familiares

    A sociedade tem vivenciado o dinamismo de suas relaes e pode-se dizer que a famlia foi um dos componentes sociais que mais sofreram modificaes, e, por conseguinte, o prprio direito de famlia necessitou acompanhar os avanos. No direito brasileiro, grande modificao se notou com o advento da Constituio Federal de 1988, que veio estabelecer a proteo famlia, estendendo esse conceito, que agora abarca a unio estvel e a famlia uniparental.

    A Constituio Federal objetivou a proteo famlia e aos filhos havidos no casamento ou fora dele, e nessa esteira, o legislador ordinrio, ao editar o Cdigo Civil de 2002 regulou a unio estvel, instituto de origem constitucional.

    Introduziu a Constituio Federal de 1988 uma nova ordem de valores no mbito do Direito de Famlia brasileiro. Ao eleger a dignidade da pessoa humana como fundamento da Repblica, em seu artigo 1, inciso III, a Constituio Federal, mudou a perspectiva de proteo de famlia.

    A famlia margem do casamento uma formao social merecedora de tutela constitucional porque apresenta as condies de sentimento da personalidade de seus membros e a execuo da tarefa de educao dos filhos. As formas de vida familiar margem dos quadros legais revelam no ser essencial o nexo famlia-matrimnio: a famlia no se funda necessariamente no casamento, o que significa que casamento e famlia so para a Constituio realidades distintas. A Constituio apreende a famlia por seu aspecto social (famlia sociolgica). E do ponto de vista sociolgico inexiste um conceito unitrio de famlia. (MUNIZ,1993, p.77)

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    Morais (2004, p. 40) informa que a Constituio Federal definiu trs espcies de entidades familiares: a constituda pelo casamento civil ou religioso com efeitos civis, previsto no art. 226, 1 e 2 da Constituio Federal; a constituda pela unio estvel entre homem e a mulher, devendo a lei facilitar sua converso em casamento, previsto no art. 226, 3, e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, prevista no art. 226, 4.

    Tepedino (1997, p. 109) comenta que a Constituio de 1988 alterou o objeto da tutela jurdica, deixando de enaltecer, como sempre fizera em nome da paz domstica, apenas a famlia conjugal, passando a proteger outras entidades familiares, independentemente da formalidade ou informalidade de sua origem e at quando constituda por apenas um dos pais, devendo qualquer comunidade familiar ser preservada apenas como instrumento de tutela da dignidade da pessoa humana.

    A previso constitucional no sentido de reconhecer as relaes no fundadas no casamento, denominadas de unio estvel, como entidade familiar, fez com que a famlia deixasse de ser apenas aquela matrimonializada pelos efeitos do casamento, visto que este sempre foi uma das cerimnias mais emblemticas da sociedade.

    a lio de Lisboa (2006, p.83) , para quem:

    A finalidade do casamento estabelecida na sociedade moderna ocidental e na ps- moderna difere em muito daquela originalmente existente no direito romano, que passou por uma primeira fase em que o matrimonio possua no apenas o desiderato de satisfao das necessidades comuns dos cnjuges, mas, como relatam ries e Duby, principalmente a procriao masculina, visando ao fortalecimento do exrcito nacional, como meio de segurana e de se proporcionar a expanso do imprio.

    Assim, o novo Cdigo Civil Brasileiro, seguindo as inovaes constitucionais, trouxe inovaes substanciais na parte do direito de famlia, as quais ainda no foram assimiladas em seu todo pela comunidade jurdica e sociedade em geral, trazendo dvidas e polmicas a respeito da interpretao da lei, seu alcance e objetivo. Tais inovaes, entretanto, trazem baila, inmeras tentativas de interpretao e crticas por parte da doutrina e estudiosos do direito, as quais sero analisadas no decorrer deste trabalho monogrfico.

    A famlia continua a ser a base da sociedade e goza de proteo especial do Estado. Entretanto, o casamento no tem mais o mesmo prestgio, sendo que no mundo

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    moderno a idia de um relacionamento com vistas constituio de uma famlia slida e estruturada, no mais se encontra justificativas apenas em uma cerimnia religiosa, envolta por simbologias, crenas e festividades.

    Vislumbra-se, hoje, perante a sociedade, uma concepo plural de famlia, que compreende no apenas as oriundas do matrimnio, mas tambm as unies estveis e as monoparentais. Assim, passa-se a privilegiar o bem-estar da pessoa humana, a promoo de sua felicidade, deixando-se em segundo plano as estruturas formais, passando a famlia a ser protegida no mais como uma estrutura autnoma e superior, mas em razo de sua funo social frente comunidade.

    Assim, o importante a formao do ncleo familiar, no sendo relevante a sua forma de constituio, se originada do casamento, ou da unio estvel, ou mesmo, se formada por apenas um dos pais e o filho, a denominada famlia monoparental. Portanto, com a Constituio Federal, a unio estvel hoje reconhecida como unio legal.

    Como anota Hironaka (2008, p. 127), pode-se, efetivamente, falar em progresso nesse reconhecimento de direitos dos concubinos porque, por laico que fosse o Estado brasileiro, as ideologias legislativas e judiciais que o sustentavam (e ainda o sustentam) eram fundadas basicamente numa lgica irracionalista de fundo religioso para a qual o casamento vlido deve ser apenas aquele que se formaliza de forma sacramental

    A Consitituio Federal foi responsvel pelo reconhecimento legal da unio estvel no Brasil, mas foram leis especiais e o Cdigo Civil que depois a regularam, sempre pautados pelos comandos constitucionais.

    Ocorreu, portanto, relevante evoluo legislativa na famlia consttuida margem do casamento, desde o reconhecimento da unio estvel como entidade familiar, pela Constituicao Federal de 1988, at a sua regulamentacao por leis especiais e a incluso do tema no Cdigo Civil de 2002.

    Leis especiais de unio estvel

    Diante do mandamento constitucional de proteo unio estvel como entidade familiar, foram editadas, em curto espao de tempo, duas leis especiais sobre a matria.

    Inicialmente, surgiu a Lei 8.971, de 29 de dezembro de 1994, dispondo sobre os direitos de companheiros a alimentos, sucesso (herana e usufruto) e meao em caso de morte, e que foi parcialmente revogada posteriormente.

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    Ocorre que adveio a Lei 9.278, de 10 de maio de 1996, que deu nova definio a unio estvel, estabelecendo os direitos e deveres dos conviventes, tratando da assistncia material (alimentos) em caso de resciso da unio estvel, garantindo o condomnio (meao) do bens adquiridos na constncia da unio e a ttulo oneroso (salvo estipulao contratual em contrrio), acrescentando o direito de habitao no plano da sucesso hereditria, permitindo a converso da unio estvel em casamento por requerimento ao Oficial do Registro Civil e remetendo toda a matria competncia do juzo da Vara de Famlia, assegurado o segredo de justia.

    De rpida durao, essas leis resultaram vencidas na maior parte de seu texto, embora sem revogao expressa, pela incorporao da matria, com importantes alteraes, no vigente Cdigo Civil brasileiro.

    Unio estvel no Cdigo Civil

    O Cdigo Civil de 2002, influenciado pela Constituio Federal, considerou a famlia como base da sociedade, sob especial proteo do Estado, dando-lhe amplitude singular, indo alm ao reconhecer a unio estvel entre o homem e a mulher como entidade familiar. Ao faz-lo, corrigiu distores que as leis ordinrias continham que, numa certa medida, confundia o estatuto da unio estvel com o concubinato.

    A constitucionalizao do Direito Civil, tema j mencionado no decorrer deste trabalho monogrfico, entendida como a insero constitucional dos fundamentos de validade jurdica das relaes civis, sendo mais do que um critrio hermenutico formal. O contedo conceptual, a natureza, a finalidade de um dos institutos bsicos do direito civil, a famlia, no mais o mesmo que veio do individualismo jurdico. Sai de cena o indivduo, aqui entendido como uma pessoa qualquer, para revelar uma pessoa humana, identificada, apontando a afetividade como o valor essencial da famlia.

    O vigente Cdigo Civil, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, em vigor desde 11 de janeiro de 2003, dedica um ttulo unio estvel, compreendendo os artigos 1.723 a 1.726, alm de disposies esparsas em outros captulos.

    Constam, do referido ttulo, a conceituao de unio estvel como entidade familiar, os requisitos e os impedimentos para a sua formao, os direitos e deveres dos companheiros, a sujeio ao regime de comunho parcial de bens, salvo contrato escrito, e a possibilidade de ser requerida a converso da unio estvel em casamento.

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    A conceituao de unio estvel como entidade familiar, adotada pelo artigo 1. 723 do Cdigo Civil, na esteira de quanto dispunha a Lei 9.278/1996, demanda a presena de requisitos objetivos, que so a convivncia pblica, contnua e duradoura do homem e da mulher, e de requisito subjetivo que a inteno de formar uma famlia.

    Tambm, porque, na configurao da unio estvel, a inexistncia de impedimentos matrimoniais de que trata o art. 1.521 do CC, com ressalva para as situaes de pessoa separada judicialmente ou de fato. Abre-se campo, assim, a subsistncia de uma unio estvel paralela ao casamento ainda no desfeito sob a tica da justia.

    A convivncia intuitu familiae pode existir mesmo que as partes no vivam sob o mesmo teto, desde que se comprove, por outros elementos circunstanciais, a unio efetiva e consolidada no plano familiar e social. Tenha-se em conta que o art. 1. 724 do CC, ao elencar os deveres dos companheiros no menciona a coabitao, a significar inexistncia dessa obrigao do domiclio comum.

    Distinguem-se o "companheiro" e o "concubino", aquele exclusivo da unio estvel, e o segundo prprio da unio concubinria. A tanto se dirige o art. 1. 727 do Cdigo Civil, com definio especfica do concubinato, como sendo a relao no eventual de homem e mulher com impedimentos matrimoniais, ressalvadas as excees do art. 1. 723, 1.

    Os efeitos jurdicos da unio estvel, alm dos deveres e direitos pessoais, abrangem direitos patrimoniais que j eram previstos em leis extravagantes e aqueles dispostos no Cdigo Civil, que so os alimentos, a meao pelo regime da comunho parcial, e a participao na herana.

    No obstante a similitude dos direitos assegurados aos companheiros e aos cnjuges, subsistem algumas importantes diferenas especialmente na esfera do direito sucessrio, exigindo esforo interpretativo e propostas de mudanca legislativa para esta entidade familiar.

    Direito a Alimentos

    A obrigao alimentar entre conviventes decorre do dever de mtua assistncia, previsto no artigo 1.724 do Cdigo Civil. Ainda, o artigo 1.694 do referido Cdigo, que coloca no mesmo plano os parentes, cnjuges ou companheiros, facultando-lhes pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatvel com a sua condio

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    social, inclusive para atender s necessidades de sua educao.

    A fixao da prestao alimentar obedece ao critrio de proporo entre as necessidades de quem pede e dos recursos da pessoa obrigada.

    Diante do Cdigo Civil, constata-se que os conviventes podem pr fim unio estvel sem que se discuta culpa, sem cogitar de causa. Neste caso, os alimentos sero devidos por qualquer um dos dois, bastando que se instaure a necessidade de um para com o outro, para que a obrigao se ponha.

    que ao falar do elemento culpa, o Cdigo Civil, nos artigos 1.702 e 1.704, somente se referem aos casados e no aos companheiros.

    Mesmo porque o dever familiar incompatvel com a ideia de culpa. Apregoa a doutrina, que os alimentos devem ser fixados por um perodo de tempo razovel para que o credor possa obter os meios para se manter, findo esse tempo, os alimentos deixaro de ser devidos.

    Cessa a obrigao alimentar do ex companheiro nos casos de nova unio estvel ou casamento do alimentando conforme o artigo 1.708 do Cdigo Civil.

    Outro artigo relevante diz respeito transmisso da obrigao alimentar aos herdeiros prevista no artigo 1.700, como tal se entendendo que responde a herana, no limite de suas foras, desde que o alimentando continue necessitado.

    Finalmente, tem-se a vedao da renncia ao direito a alimentos, embora admitida sua dispensa.

    Informa Oliveira (2008, p. 159) que neste caso, vindo a ser proposta a ao de alimentos mais tarde, j no haveria a presuno da necessidade de quem pede, o que significa a exigncia de prova segura a cargo do reclamante.

    Do Regime de comunho parcial

    Dispe o artigo 1.725 do Cdigo Civil que na unio estvel, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se s relaes patrimoniais, no que couber, o regime da comunho parcial de bens.

    Portanto, os bens adquiridos a ttulo oneroso pelos companheiros, em nome prprio, de cada um, ou de ambos, na constncia da unio, pertencem a ambos os companheiros, devendo ser partilhados, com a observncia das normas que regulam o regime

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    da comuno parcial de bens.

    Este o regime oficial de bens, que prevalece na unio estvel se os convivente no contratarem de forma diversa. Foi selecionado, pelo legislador ptrio, desde a promulgao da Lei do Divrcio, em 1977 , inicialmente, para o casamento, e se traduz pelo fato de comunicar-se apenas os bens adquiridos na constncia do casamento, e, modernamente, da unio estvel, e revelando, por isso mesmo, um acervo de bens que pertencero exclusivamente ao marido, ou exclusivamente mulher, ou que pertencero a ambos. Por essa razo, tambm chamado pela doutrina de regime legal ou supletivo.

    Nas palavras de Rodrigues (2004, p. 178), esse regime:

    (...) traduz, basicamente, na excluso da comunho os bens que os cnjuges possuem ao casar ou que venham a adquirir por causa anterior e alheia ao casamento, como as doaes e sucesses, e em que entram na comunho os bens adquiridos posteriormente, em regra, a ttulo oneroso. Trata-se de um regime de separao quanto ao passado e de comunho quanto ao futuro.

    Diante disso, o patrimnio total engloba o patrimnio comum do casal que so os bens comunicveis, o patrimnio da esposa e o patrimnio do marido, sendo estes ltimos formados por bens particulares incomunicveis. Assim, esse regime, alm de frear a dissoluo da sociedade conjugal, torna mais justo a diviso dos bens por ocasio da separao judicial.

    Os bens que se comunicam nesse regime esto dispostos no art. 1.660 do Cdigo Civil. Segundo o mencionado artigo, os bens adquiridos onerosamente na constncia do casamento, ainda que s em nome de um dos cnjuges, so comunicveis, pois presumem-se frutos do esforo comum, integrando dessa forma a meao.

    Os bens adquiridos por fato eventual, tambm so comunicveis, mesmo com concurso de trabalho ou despesa anterior de apenas um dos cnjuges. O fato eventual o que acontece sem a interveno da pessoa que se beneficia com seu resultado, podendo ser humano, tais como prmio de loteria, jogo de aposta, ou tambm natural, como os meios de aquisio de propriedade mvel ou imvel, sem contraprestao do proprietrio.

    So tambm comunicveis a doao, herana ou legado em favor de ambos os cnjuges, muito embora sejam gratuitos, desde que o doador ou testador tenha manifestado vontade nesse sentido. Seguindo esta tica, o legislador ainda faz meno s benfeitorias. Se elas forem realizadas nos bens particulares de cada cnjuge, aderem ao bem principal, sendo incomunicveis nesse sentido, mas diante da presuno de terem sido realizadas por

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    esforo comum, na constncia do casamento, so comunicveis.

    Diz Lobo (2003 p. 139):

    (...) o mesmo bem pode estar sujeito a regimes patrimoniais distintos: o particular, nas condies em que se encontrava na data do casamento; e o comum, no montante correspondente aos melhoramentos recebidos aps o casamento.

    Prosseguindo, os frutos civis ou naturais, ressalta a doutrina, percebidos na constncia do casamento ou pendentes ao tempo em que cessar a comunho, tambm constituem bens comunicveis, por serem ganhos posteriores ao casamento, uma vez que o que caracteriza esse regime a composio de uma sociedade, que se constitui de um patrimnio comum produzido aps o casamento.

    Os companheiros, podem, por contrato escritro, estipular outro regime de bens, mas de qualquer forma a administrao do patrimnio cabe a ambos os companheiros.

    A sucesso do companheiro sobrevivente

    O Cdigo Civil trata desse instituto no art. 1.790, o qual se segue:

    A companheira ou o companheiro participar da sucesso do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigncia da unio estvel, nas condies seguintes: I - se concorrer com filhos comuns, ter direito a uma quota equivalente que por lei for atribuda ao filho; II - se concorrer com descendentes s do autor da herana, tocar-lhe- metade do que couber a cada um daqueles; III - se concorrer com outros parentes sucessveis, ter direito a um tero da herana; IV - no havendo parentes sucessveis, ter direito totalidade da herana.

    Pereira (2006 p. 149) afirma que o companheiro, na ordem de vocao hereditria foi bastante desprestigiado na nova lei civil, sendo chamado a concorrer inclusive com colaterais.

    Segundo o autor:

    O Cdigo Civil de 2002 situou o companheiro em posio pior na ordem da vocao hereditria: na ausncia de descendentes e de ascendentes, e a partir da vigncia do novo diploma, o companheiro passou a ser chamado em concorrncia com outros parentes sucessveis, e no mais na qualidade de herdeiro nico (...) apenas quando o de cujus no tiver parente sucessvel algum que se atribuir ao companheiro a herana em sua integralidade. Identifica-se, no ponto, injustificvel retrocesso.

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    Para Diniz (2008, p. 143), quem est em situao desvantagosa na legislao sucessria atual, tambm o companheiro e no o cnjuge.

    H desigualdade de tratamento entre cnjuge e convivente sobrevivo, pois aquele , em certos casos, herdeiro necessrio privilegiado, podendo concorrer com descendente, se preencher certas condies, ou com ascendente do falecido. O convivente, no sendo herdeiro necessrio, pode ser excludo da herana do outro, se ele dispuser isso em testamento, pois s tem direito sua meao quanto aos bens adquiridos onerosamente na constncia da unio estvel. A relao matrimonial na seara sucessria prevalece sobre a estabelecida pela unio estvel ( DINIZ, 2008, p.146).

    Interessante frisar, ainda, o pensamento de Venosa (2004, p. 118), o qual em posicionamento semelhante ao trazido colao por Pereira, afirma ter havido retrocesso no direito sucessrio dos conviventes, haja vista que:

    (...) existe um retrocesso na amplitude dos direitos hereditrios dos companheiros no Cdigo de 2002, pois, segundo a lei referida, no havendo herdeiros descendentes ou ascendentes do convivente morto, o companheiro sobrevivo recolheria toda a herana. No sistema implantado pelo art. 1790 do novo Cdigo, havendo colaterais sucessveis, o convivente apenas ter direito a um tero da herana, por fora do inciso III .

    Venosa, ainda, comenta que o Cdigo Civil de 2002 deixou de garantir expressamente o direito de habitao do companheiro, caso o nico bem deixado pelo de cujus seja o imvel que serve de habitao para os conviventes, embora de forma discutvel, mas plenamente defensvel, se possa vislumbrar a extenso do direito de habitao ao companheiro, em funo do disposto no art. 1831 do CC .

    Portanto, conforme expresso por Venosa (2004, p. 121), a legislao civil atual falha e retrgrada em relao aos direitos do Companheiro em situao de unio estvel, colocando-o ora em situao desfavorvel (em concorrncia com colaterais na diviso da herana), ora lanando dvida sobre direitos amplamente reconhecidos aos cnjuges como no caso do direito de habitao.

    Contrrio viso at aqui apresentada, Lisboa (2006, p.56), observa que a nova legislao civil tende a ser mais favorvel em certos aspectos ao direito do companheiro suprstite do que a figura do cnjuge. De acordo com o mencionado jurista, percebe-se um tratamento diferenciado indesejado ao convivente na sucesso, se contrastado com o dispensado ao cnjuge sobrevivente. Ambos tm direito meao, por se tratar de matria

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    relativa ao direito de famlia.

    Contudo, ao preceituar normas sobre o direito sucessrio, o legislador viabiliza a sucesso em favor do convivente em qualquer situao, bastando que o cnjuge sobrevivente no concorra sucesso pelas razes do art. 1830, e que a aquisio dos bens tendo sido feita a ttulo oneroso, durante a vigncia da unio estvel. J o cnjuge suprstite nem sempre suceder, quando o autor da herana tiver deixado descendentes e o regime de bens do casamento civil poca da morte inviabilizar o concurso herana.

    Assim, na viso do referido autor, tal situao determinante no sentido de se demonstrar um posicionamento mais favorvel da legislao ptria em face do companheiro suprstite.

    Primeiramente, cumpre alertar que o companheiro sobrevivente, paralelamente a eventual direito sucessrio, poder tambm exercer no processo de inventrio na qualidade de condmino ou meeiro, buscando a sua participao sobre os bens em funo do regime patrimonial adotado durante a unio estvel.

    Conforme j mencionado, a Constituio Federal, em seu art. 226, 3 reconheceu a unio estvel como entidade familiar, sendo esta uma realidade social constante. Logo, o convivente pode suceder nos bens deixados pelo outro convivente ante a ocorrncia de sua morte.

    Para tanto, indispensvel que a unio estvel tenha durado por um perodo de tempo considerado razovel, lapso temporal este que deve ser analisado casuisticamente pelo julgador, para os fins de configurao dos seus pressupostos, quais sejam, a convivncia pblica e o relacionamento contnuo e duradouro, sem conotao de eventualidade.

    Converso da unio estvel em casamento

    Ao definir a unio estvel como entidade familiar, a Constituio Federal, em seu art. 226, 3, determina que a lei facilite sua converso em casamento.

    Coube ao legislador ordinrio, portanto, efetivar o mandamento constituciomnal. Assim, o artigo 1.726 do Cdigo Civil prescreveu que a unio estvel poder converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil.

    Para facilitar, era preciso que a lei criasse mecanismos simplificadores do pedido de converso. Todavia, a disposio do artigo 1.726, segundo Oliveira (2008, p.166), longe de

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    estabelecer qualquer facilidade, obriga a um procedimento judicial que, na verdade, dificulta a converso da unio estvel em casamento, quando seria mais simples a celebrao direta do casamento na via cartorria.

    Para efetuar a converso determina que as partes devem requer-la ao juiz de direito, que, ante as circunstncias, decretar a converso. Em caso de deferimento judicial, feito o devido assento no Registro Civil, dispensando-se, dessa forma, o processo de habilitao em casamento.

    Tal complicao no faz sentido quando certo que tanto a antiga lei da unio estvel, Lei 9.278/1996, quanto o Cdigo Civil de 1916, no continham semelhante exigncia, contentando-se com a atuao do registrador civil, tanto na habilitao matrimonial quanto no procedimento de converso da unio estvel em casamento.

    Teria sentido a interveno judicial se houvesse a possibilidade de deferir efeitos retroativos ao termo inicial da unio estvel, como acontece em outros pases, mas o direito brasileiro no expressou tal possibilidade, referindo-se apenas possibilidade de converso, que se efetua a partir do correspondente ato do registro civil.

    CONCLUSO

    Do exposto, pode-se concluir que os avanos fantsticos foram registrados numa rea to absolutamente retrgrada, at muito pouco tempo, para o ordenamento jurdico brasileiro. O estabelecimento de igualdade entre os cnjuges e entre os filhos representam o auge desse processo.

    Impe-se, finalmente, esboar as concluses do presente estudo: - O destinatrio da proteo consagrada no artigo 226, 3, da CF no cada um dos partcipes da unio concubinria, em face do outro, mas a entidade familiar vista como um conjunto.

    A Constituio, embora no tenha igualado a unio estvel ao casamento, manifestou, atravs de seu reconhecimento, que houvesse a aproximao dos dois institutos at onde possvel for, baniu a discriminao da outra relao, fazendo-a emergir do mundo dos fatos atravs do reconhecimento da lei, como j havia tratado de faz-lo a jurisprudncia dos nossos tribunais.

    No entanto, restou ao legislador ordinrio fixar o alcance da expresso proteo do Estado. Finalmente, urge a necessidade de criao de legislao complementar da

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    matria, que dite regras especficas sobre o patrimnio comum, bens, aquestos, direito herana, que se fixe alimentos aos conviventes, para que haja implementao e aplicao plena do instituto da unio estvel no Direito de Famlia.

    Dado o exposto, pode-se concluir que a lei distanciou-se em pontos cruciais da doutrina, bem como a jurisprudncia, j assentaram, como por exemplo, a necessidade de os conviventes habitarem o mesmo teto para s assim caracterizar a unio estvel.

    A despeito disso, reflete mais uma tentativa do Estado de regular a conduta dos membros da sociedade, conduta esta que no poder ser regulada seno por um mnimo exigvel, tendo-se por escopo to somente as injustias ocorrida em caso concreto, em virtude de sua natureza mesma.

    Contudo, presta-se esta pesquisa para to-s levantar a polmica, sob o ngulo da unio estvel, como a presuno relativa de serem comuns os bens adquiridos a ttulo oneroso, o tratamento da matria pela Vara de Famlia, a imposio da obrigao de prestar alimentos ao convivente que dele necessitar, a aceitao da unio, desde que duradoura, notria, pblica e contnua, como tipo constitucional de entidade familiar que merece a proteo dos poderes pblicos, que representam avanos importantes.

    Ainda resta muito a ser feito e consolidado, especialmente no mbito dos tribunais. Reconhece-se, oportuno, que a devida compreenso do tema e de suas novas possibilidades jurdicas reivindiquem debates mais acirrados nos centros de estudo e nas Universidades, preparando os futuros profissionais a lidarem com as questes ainda obscuras ou dbias no universo da temtica, de modo a capacit-lo para identificar e construir solues jurdicas justas e adequadas.

    No resta dvida de que o Direito de Famlia, entre os ramos das cincias jurdicas, foi o que experimentou maiores transformaes nos ltimos tempos. Antes, submetido a um olhar retrgrado do sistema, teimava em no admitir a existncia de unies de fato que, com toda a aparncia de uma entidade familiar, convivendo bem na sociedade. Competiu a uma doutrina avanada e aos precedentes dos tribunais ditar as novas linhas que passaram a comandar tais relaes, finalmente reconhecidas em dispositivo da Constituio de 1988.

    Conclui-se, no entanto, que a legislao que regulamentou a norma constitucional, no se mostra suficiente para a soluo de todos os conflitos que porventura surjam dessas relaes de afeto, quando rompidas. Exemplo disso a presuno que a lei elegeu para estabelecer um regime condominial de bens entre os conviventes. Ressalvando a possibilidade

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    do contrato escrito pacificar o conflito, mas no previu a reverso compulsria das partes ao estado anterior, na hiptese de desobedincia aos princpios do equilbrio contratual e da boa- f dos contratos e da ocorrncia de qualquer fato que possa viciar a vontade de um dos contratantes.

    Assim, a invalidade de ajustes dessa natureza pode-se dar pelo reconhecimento de erro, dolo, coao ou fraude. Tambm, possvel a reviso do contrato pela excessiva onerosidade que desequilibra a relao, ou pela ofensa ao princpio da boa-f que, em contratos da espcie, fator preponderante. Admite-se, inclusive, ausncia de prejuzo se a boa-f foi irrefutavelmente ferida, como tambm nulidade a clusula ou do contrato na ausncia de m-f, mas com significativo prejuzo.

    Adota-se como conduta jurdico-processual as regras civilistas-obrigacionais, pela absoluta ausncia de regulamentao suficiente para tratar de to importante questo. Reconhece-se que a ideia de aplicar princpios e regras de Direito de Famlia vantajoso, mas dada a insuficincia apregoada e at pela maior abrangncia de conceitos, mantm-se o raciocnio fundamentado nas leis civis, sem desfazerem dos princpios que regem as unies de afeto, como o respeito mtuo e considerao.

    A novidade do instituto poder dirigir a doutrina e jurisprudncia no sentido de consolidar uma ou outra posio. Todavia, deve-se admitir que o hbito arraigado de examinar questes entre casais unidos informalmente sob o prisma dos conceitos civis, so difceis de extinguir do pensamento jurdico. Os avanos acontecero e sero notveis, a continuar o progresso cientfico que hoje marca o Direito de Famlia.

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