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Caco Barcellos

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Page 1: Caco Barcellos - UFC · 2018. 12. 6. · Partimos, então, para um segundo método: en-viar e-rnail. Edwirges en-viou a mensagem no dia 9 de abril. A resposta veio no dia 15. Nesse

Caco Barcellos

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evistan20

Entrevista com Cláudio Barcelos de Barcelos, dia 20 de maio de 2008.

Diego - Bem, Caco, a minha primeirapergunta é a seguinte: no livro JornalismoEletrônico ao Vivo há um depoimento seuem que você diz que entrou no Jornalismopor acaso. Eu queria saber como se deu esseseu primeiro contato com a profissão.

Caco - Foi por acaso, porque eu achoque trabalhava ... Era taxista. Fazia faculdadede Matemática pensando em fazer Engenha-ria (tosse e pede desculpas), mas já gostavamuito de escrever. Escrevia crônicas, morriade vergonha delas, não mostrava pra nin-guém. Escrevia crônicas acompanhado domeu cachorro, um cachorro vira-lata que eutinha. A gente rodava à noite pela cidade, e omeu cachorro não gostava de caminhar du-rante o dia. Ele dormia o dia inteiro e à noiteficava muito ligado. E eu sou assim também,eu tendo a ficar mais ligado à noite. Entãosaíamos a passear. A passear, eu escreviasobre essas andanças na cidade. E aí na fa-culdade de Matemática, um dia, inventaramde fazer um jornal do centro acadêmico e euachei maravilhosa a idéia. Me candidatei, nãotinha nenhum candidato, era o único. Aí re-solvi fazer sozinho o jornal, porque ninguémmais se manifestou. Espalhei a notícia pelafaculdade e um grupo de hippies, de outrauniversidade, que nem era a PUC (PontifíciaUniversidade Católica do Rio Grande do Sul),onde eu estudava, era da Federal (Universi-dade Federal do Rio Grande do Sul), se in-teressou e a gente começou a fazer o jornaljuntos. Só que em vez de fazer o jornal para oCentro Acadêmico, a gente acabou fazendoum jornal da comunidade hippie deles e eupassei a morar com eles, nessa comunidade.A gente vendia de mão em mão ojornal.

Um dia, um jornalista da cidade comprou,gostou muito. O jornal dele tava passandopor uma reforma e ele convidou todo mundoque fazia parte do nosso jornal, se quisessetrabalhar lá com um salário. Aí fomos, eufui, eu fiquei e mais um outro amigo ficou.O começo foi assim, por isso não foiprevisto.

Isabele - Você começou sua carrei-ra em um momento bastante complicado,que foi a época da ditadura militar. Quaisforam as maiores dificuldades enfrentadasnesse período?

Caco - Bom, era a de ver a sua matériapub 'cada. ava arias res riçôes por parte

da censura, temas proibidos, histórias proi-bidas (Gustavo, que havia se ausentado paracomprar uma água para o entrevistado, che-ga nesse momento. Caco, no entanto, dizque não vai poder beber, porque a água estágelada). Vocês devem estar me achando umchato, né? (A turma nega). É que eu estoumuito mal, por isso eu disse que não conse-guiria falar ... Eu já dei umas quatro, cinco ne-gativas pra outros convites, pra televisão da-qui também, eu realmente estou muito malda garganta. Estou falando baixinho pra verse ela estabiliza e vai embora. Mas tinha isso,a restrição por temática. Na área de Econo-mia, por exemplo, quase nada podia se falar.Política também não, mas tinha um segmen-to do Jornalismo bastante marginalizado,que era o segmento que divulgava notíciasrelacionadas com crimes de violência.

Antigamente chamava isso de Editoria dePolícia. E esse jornal (Folha da Manhã, ex-tinto periódico do Rio Grande do Sul, ondeCaco começou a carreira no ano de 1972),era muito interessante, a equipe formadaera muito legal, muito aberta, muito ativa eresolveram criar ... Usar esse segmento cha-mado Editoria de Polícia pra contar todas ashistórias graves que aconteciam na cidade(de Porto Alegre). E na Editoria de Polícia nãohavia censura porque ali, por um preconcei-to de classe que perdura até hoje, só eramdivulgadas as notícias que envolviam gentepobre cometendo crimes. Então nós come-çamos a usar a Editoria pra contar todas ashistórias envolvendo injustiça e violência. Nonosso ponto de vista, as violências mais gra-ves que eram cometidas eram aquelas quelevavam à morte das pessoas, como é hoje,como é em qualquer parte. E o que levavaà morte era praticado pela ditadura. Entãonós começamos a denunciar ali os crimes daditadura, crime de tortura e crime de morte,que eram mais graves, no nosso ponto devista, do que o crime contra o patrimônio. Eo jornal era, antigamente, coberto de notíciasrelacionadas ao crime contra o patrimônio,crime praticado por assaltante, por ladrão,pessoas de baixa renda, principalmente, quefaziam do crime a sua atividade financeira. Anossa prioridade era o crime contra a vida enão o crime contra o patrimônio. E isso du-rou nesse jornal, essa experiência, durantetrês anos, até o dia em que já os homens daditadura haviam percebido essa nossa estra-

A idéia inicial era entre-vistar a jogadora de vôleiShelda, o que não foi pos-sível devido à agenda lota-da dela. Ela havia acabadode retomar da Austrália ejá ia à China participar demais uma etapa do circuitomundial.

A opção que vinha emseguida, de acordo coma votação realizada para aescolha dos entrevistados,era o jornalista Caco Bar-cellos. A equipe de pro-dução, então, deu inícioaos primeiros contatos portelefone, porém sem obtersucesso.

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Partimos, então, paraum segundo método: en-viar e-rnail. Edwirges en-viou a mensagem no dia9 de abril. A resposta veiono dia 15.

Nesse dia, enquanto par-te da turma comia tapiocanas proximidades das Ca-sas de Cultura, Edwirgesrecebeu uma ligação damãe: "O Caco Barcellos li-gou aqui para casa!".

Todos que estavam láficaram agitados. A turmafez uma "vaquinha" e com-prou um cartão telefônicopara retornar a ligação.Caco, porém, não estavamais na Rede Globo. Ocartão foi apelidado de"cartão corporativo".

tégia e começaram a pedir a nossa cabeçae acabamos saindo ... Saímos 22 jornalistasdesse jornal.

Gustavo - Caco ... (Antes da pergunta,Caco pede água natural para um funcioná-rio do hotel). Um dos seus trabalhos maismarcantes foi o da cobertura do conflito naNicarágua (O conflito ficou conhecido comoRevotuçêoSendiniste e ocorreu em 1979, naNicarágua, pequeno país da América Central.A Frente Sandinista de Libertação Nacional,movimento de caráter popular, derrubou afamília Somoza, instalada no poder, com oapoio dos Estados Unidos, desde a décadade 30). A gente queria saber como foi essaexperiência e se quando você estava lá vocêjá pensava em escrever um livro sobre o quehouve. (Nicarágua: a revolução das criançasfoi o primeiro livro escrito por Caco).

Caco - Também foi por acaso. Na minhavida, as coisas acontecem bastante por aca-so (risos). Já havia encerrado a experiênciaali na Folha da Manhã, trabalhei nela de 72 a75 e em 75, saídos desse jornal, nós criamosuma cooperativa de jornalistas (Coojornal,fundada em agosto de 1974), eu e esse gru-po de 22... Era um veículo de imprensa al-ternativa bastante forte naquela época. Todomundo que, de alguma maneira, se sentialesado pela ditadura e era jornalista tratavade escrever nos veículos chamados alter-nativos. E eu passei de 75 a 80 trabalhandonesses veículos e a gente trabalhava prati-camente para comprar o prato do meio-diae era tudo o que ganhávamos. Viajávamoscom o dinheiro muito baixo, muito pequeno,sempre de ônibus, fazendo as refeições maisbaratas possíveis, morando em hospedagemde favor e na de outros companheiros de ou-tras cidades, de outros países, que tambémmilitavam na imprensa alternativa. Traba-lhávamos dessa maneira, atrás de histórias.Quando encontrava uma história, parava eficava escrevendo a história e publicava emalgum lugar dos nossos veículos de impren-sa alternativa, como esse veículo da Coope-rativa que nós fundamos.

Nós criamos também na época - nós queeu digo eu e uns amigos comuns, repórte-res mais ou menos contemporâneos -, umarevista chamada Versus (Fundada em 1975pelo repórter Marcos Faerman [1944-1999J,a revista Versus é um marco na história daimprensa alternativa brasileira. Em sua cur-ta história [75 a 79], procurou expressar osdiversos sentimentos que envolviam o perí-odo da ditadura militar), que foi uma revistade reportagem dos povos latinos. E viajan-do atrás das reportagens dessa revista pelospaíses da América do Sul, América Central,eu acabei me envolvendo lá na guerrilha da

Nicarágua. Era uma guerrilha extremamentepopular que envolvia todos os segmentos dasociedade que eram contra a ditadura.

Eu morava nessa época já nos EstadosUnidos, numa base lá, e de lá eu fui pra Ni-carágua e acompanhei a ofensiva final daguerrilha, que levou à vitória da guerrilha,pra minha sorte. Digo sorte porque eu fiqueiacompanhando a guerra sempre ... Se pode

- acompanhar a guerra dos dois lados, ou deum lado ~Q, e eu escolhi o _Ia~o.da querri-

.. Ihapra acompanhar. Ta!!lQ?rD "por acaso,porque eu fui preso por eles quando estavaentrando numa cidadezinha dominada poreles. E eles me prenderam pensando queeu fosse um espião americano, porque eulevava gravadores que naquela época eramnovidade, gravadores mais ou menos dessetamanho (aponta para o MP3 de Isabele) eeles achavam que era equipamento de es-pionagem. Era uma novidade incrível, nãohavia. E eu, que morava em Nova lorque,comprei lá e trazia na cintura, usava umasbotas americanas também. Enfim, achavamque eu fosse americano e americano apoiavaa ditadura. Ao longo de 42 anos, apoiou mui-to, ensinou lá também o Exército a torturar ea matar, como fizeram no Brasil. Pensaramque eu fosse um espião e me prenderam. Noprimeiro dia, eu dizia que era brasileiro. Nomeu gravador só tinha música que eu leva-va pra ouvir. Nem entrevista tinha. E aí elesme libertaram de madrugada, fiquei preso lánuma vala que eles usavam nos combates,com lodo no fundo, barricada em cima ... Meliberaram e eu pedi pra ficar quando o co-mandante deles chegou. Esse comando erade meninos de 12, 13 anos de idade. Por issoo meu livro, que eu fiz por conseqüência des-sa experiência com a guerrilha, se chamouA Revolução das Crianças (Editora Merca-

"Me prenderampensando que eufosse um espião.

americano, porqueeu levava gravadoresque naquela épocaeram novidade (...)e eles achavam queera equipamento de

espionagem" .

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e o, Porto Alegre, 1982, 152 páginas)e eram crianças os guerrilheiros que

e prenderam e que depois me libertarame eu pedi pra ficar ao lado deles. Eles topa-ram e eu acompanhei a guerra até o final aolado deles. Pra minha sorte, eles venceram aguerra e eu pude contar a história.

Thiago - Além de atuar na Folha da Ma-nhã, em Porto Alegre, você também atuouna Veja e na Istoé. Como foi a sua mudançapra televisão?

Caco - Bem depois. De 81 a 84 na Istoé ena Veja ... Trabalhei também nesse intervalo,que eu falei de cinco anos na imprensa alter-nativa, fazia freelancer pra tudo que é revistae jornal ... Pra viver, pra ter dinheiro, pagaraluguel, comida ...

Thiago - E como foi esse impacto damudança do meio, do impresso para a TV?

Caco - Foi grande, sobretudo porque ...Bom, eu já havia escrito um livro, trabalhavapra revista, na imprensa alternativa escreví-amos reportagens com até 40, 50 páginas,refletia muito antes de escrever cada frase,pensava na melhor palavra, selecionava apalavra. Televisão você às vezes tem 15 mi-nutos não só pra escrever aquela frase quan-to a matéria inteira ... Entrevistando, sinteti-zando ... Então foi muito difícil exercitar essepoder de síntese e, sobretudo, quando tinhauma entrada ao vivo, por exemplo, que vocêtem que usar técnicas de rádio, de preencheros espaços vazios ... Você não pode deixarentre uma frase e outra algum silêncio por-que vai causar estranheza. Você tem que nãoparar de falar e eu vinha de um processo demuita reflexão, eu sou uma pessoa reflexiva,então eu estranhei bastante em usar qual-quer tipo de palavra que às vezes nem sem-pre era a mais adequada, a que sintetizava oque eu queria dizer, ou que representava me-lhor uma determinada história. Então, me in-comodava, eu tinha muita vergonha de usarpalavras inadequadas, frases mal elaboradase com pouca exatidão. Mas depois, com otempo, a gente vai se acostumando e per-cebe que na TV o texto também tem muitaImportância. Tem que explorar bem ... Essecasamento entre texto e imagem é uma coi-sa complexa. Precisa ser coloquial, objetivo,simples, mas a Simplicidade é complicadapra caramba (risos). Atingir a simplicidade éalgo muito difícil, eu acho.

Giselle - Caco, no seu livro Rota 66 vocêfala da violência policial quando você viviaem Porto Alegre. De que forma a sua infânciainfluencia o seu trabalho atual?

Caco - (Pausa) Bom, eu acho que to-dos os momentos da nossa vida nos acom-panham, né, pra sempre. A minha infância,seguramente, me acompanhou, mas não só

pelas injustiças que são decorrentes do fatode você ser pobre, de uma família simples,de um bairro todo assim também. A minhainfância foi muito rica. Tive experiências mui-to interessantes de liberdade conseqüente oude transgressão produtiva, não sei que ter-mo usar, mas eu tive uma experiência muitolegal numa igreja progressista. Padres muitoconscientes que me apresentaram os pri-meiros livros de interpretação da realidade,padres que se preocupavam em ajudar ospobres do bairro onde a gente morava, queme ensinaram a entender por que a gente so-fria violência policial. Me explicavam coisascomo: "Olha, quando uma viatura entra aquina rua, sem pedir direito, invadir a sua casa,dar porrada pra todo lado sem mandado ju-dicial, isso não significa nada específico con-tra sua família, contra sua pessoa ... É contraum conjunto, não só ali do bairro, mas é umacoisa maior, contra todos os pobres do País".Então, não teve diferença nenhuma da nossarealidade para a realidade da maioria, porqueinfelizmente no Brasil a maioria é muito po-bre. A polícia no Brasil, historicamente ... Umaherança talvez portuguesa ... Chegou aqui pradefender os poderosos e não pra defender acomunidade, defender a sociedade. Ela de-fende sim, a princípio, todo mundo, porémcom muita prioridade os mais poderosos eisso acontece até hoje. Então, esse tipo deinterpretação, a igreja é que me trouxe. Essaigreja específica lá, que era uma igreja aliadados pobres, uma igreja progressista, que de-pois virou também perseguida pela igreja doVaticano. Mas enquanto durou, ela foi muitoatuante lá no meu bairro e contribuiu muitopara a formação intelectual dos moradoresdo bairro. Nos ensinou que a gente era muitofraco, se vistos isoladamente. Nós podería-mos ser muito fortes se vistos em conjunto.Então, o delegado, que era todo poderoso,chegava e torturava qualquer moleque alique se encontrava em volta da delegaciadele ... A comunidade inteira ameaçava in-vadir se (o delegado) não respeitasse a leie continuasse com o arbítrio ... O cara tremecomo nunca tremeu na vida.

Giselle - Pode-se dizer que veio dessa

CACO BARCEL05 b5

O co ta o. a avez, deu-se por e-rnail.Caco aceitou conceder aentrevista, mas não podiaconfirmar uma data paravir a Fortaleza, devido àsviagens que estava fazen-do a trabalho.

Ele nos pediu para per-manecer em contato, atésurgir uma data. Semanasdepois, disse que viria àcidade para uma palestra,no dia 20 de maio.

A produção ligou váriasvezes para Caco, a fim desaber se a entrevista po-deria mesmo ser realizadano dia da palestra. Fa tando apenas um dia paraa chegada do Jornal staainda não tinharr-os maresposta.

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Depois da reunião depauta, na segunda-feira19/5l, a equipe de produ-

ção foi à Coordenação docurso tentar, mais umavez, ligar para o entrevis-tado.

Quando já estávamosdesistindo, veio a surpre-sa: Caco Barcellos atendeuo celular.

Ao telefone, Karol tenta-va confirmar a entrevista.Quando ela contou quea durnção seria de duashoras, ele disse ser impos-sível. Tentamos negociarpara, pelo menos, umahora e meia, o que tam-bém não deu certo. Cacodaria, no máximo, 30 mi-nutos.

época o seu interesse pelo Jornalismo Poli-cial, pelo chamado Jornalismo Policial?

Caco - Acho que nunca fiz JornalismoPolicial. Na verdade, eu faço Jornalismo vol-tado para a denúncia da injustiça.

Giselle - Investigativo ...Caco - ... Acho que toda matéria é inves-

tigativa também. Só que no Brasil, eu não seipor qual razão, mas a Imprensa, o conjuntodela pelo menos, acha que Jornalismo Inves-tigativo tem que ser associado com polícia,com denúncia. Eu discordo totalmente. Decada 10 matérias que eu faço, nunca calculeidireito, talvez oito não tenham denúncia con-tra ninguém. Mas tem o retrato das pessoasque sofrem violência, que sofrem injustiça.É muito um Jornalismo voltado para as pes-soas que são injustiçadas e menos de pes-soas que estão cometendo ... Políticos quecometem atos de corrupção, como o Jorna-lismo que está tomado por esse tipo de de-núncia hoje. Eu acho que qualquer matéria,mesmo uma matéria positiva, que vai falarsobre uma ONG (Organização Não-Governa-mental). por exemplo, que atende cinco milcrianças ... Antes de divulgar eu quero saberse realmente são cinco mil crianças que elaatende. Se não são sete mil, por exemplo.Talvez nem saibam que essa ONG é tão ma-ravilhosa que atende muito mais do que cin-co mil. Mas também ela pode atender cinco,ao invés de cinco mil, certo? Toda matériadepende de uma apuração. Então, eu apurocom vários métodos ...

Lá no Profissão: Repórter (quadro que eraapresentado no Fantástico e que virou umprograma semanal. Caco conduz o programadireto das ruas, onde a notícia acontece. Foidele a idéia de mostrar diferentes ângulos danotícia, com a ajuda de jovens repórteres, ede envolver cada profissional da equipe emtodas as etapas de produção: da reportagemà edição), a gente tenta sempre fazer isso,não usar a produção formal, a produção queavisa: "Estarnos aí às duas da tarde pra fazeruma entrevista pra sua empresa". A gente atéfaz isso, mas antes disso a gente visita de sur-presa, depois disso a gente visita de surpre-sa novamente. Ou nunca chegar lá avisando,já chega de surpresa na primeira vez. Comisso acho que aumenta nossa chance de seaproximar da verdade. Num Jornalismo maiscentrado, assim, na produção, que telefona,marcando, a gente corre um risco grande deser enganado pela fonte.

Então, por isso eu te digo, eu acho quetoda matéria depende de uma ação ativa, deum papel ativo do jornalista e não só a maté-ria de polícia, que normalmente as pessoasfalam. Aliás, curioso (risos). porque eu acho- é até uma pequena crítica que eu faço =, que

aqueles que falam bastante de Jornalismo In-vestigativo esquecem que, pelo menos esseconjunto que a gente vê sendo divulgado,quase sempre é resultado de um dossiê quefoi elaborado por terceiros, ou pela Polícia,ou pela Justiça, ou por um político interes-sado em atingir um outro empresário, que-rendo atingir algum governo, ou a Imprensaquerendo atingir algum governo ... Não sãoiniciativas da própria Imprensa, de forma in-dependente, ou iniciativa da comunidade, dapopulação na rua, gritando, exigindo deter-minada denúncia contra determinado gover-no. Quase sempre as coisas vêm de um nú-cleo fechadinho, que já trabalhou antes de aImprensa trabalhar. Então, também por essarazão, eu acho que não é muito investigativonão ... Quase sempre é uma reprodução dedossiês de terceiros.

Gustavo - Então seria como se a impren-sa tivesse sendo usada?

Caco - Não... Botando mesmo isso comoum meio, uma prática profissional, acho quea gente vive uma mau momento do ponto devista de quem gosta de Jornalismo Investi-gativo. Eu diria que é o pior momento. Esseé o momento do Jornalismo declaratório, doJornalismo baseado em entrevistas, fuxicose acusação de A contra B. Não tem muitaverificação de verdade antes da divulgação.Então, isso, pra quem gosta de JornalismoInvestigativo, que é um Jornalismo pratica-do com independência e, sobretudo, com luzprópria, é um mau momento. Um momentode irresponsabilidade e leviandades, de mui-ta acusação e pouca prova ...

Lucíola - Caco, em algumas de suas ma-térias, você se utiliza de disfarces. Em quecasos você se abstém de se identificar proentrevistado como repórter e...

Caco - ... Eu nunca me abstenho. Se souperguntado, eu falo meu nome. Nunca altereimeu nome, nem nada. O que é necessáriofazer, de vez em quando, diria que até ra-ras vezes ... Eu preciso verificar se as coisassão verdadeiras ou não. Eu sou, hoje, rela-tivamente conhecido. Dificilmente eu chegonum lugar sem ser reconhecido por alguém,como sendo um repórter. E às vezes as pes-soas não gostam de fazer determinadas coi-sas diante de um repórter, porque tememque isso seja divulgado, que se torne deconhecimento público. Então, evitam fazeraquilo que vêm fazendo sistematicamente.Você chega lá, você altera a realidade. Então,eu procuro ficar ... Passar despercebido dealguma forma, espiando ... De alguma manei-ra não ser percebido. Por isso, às vezes, euacho importante a microcâmera, não gostodela, esteticamente acho horrível, tem câme-ras muito melhores ... Mas ela altera menos

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a realidade que a câmera grande. Quandoa câmera grande chega, todo mundo tomaconhecimento dela ... Você altera facilmen-te mesmo que você não queira. As pesso-as mudam o comportamento quando vêema televisão chegar. Num estádio de futebol,se o time tá perdendo de 5 a O, você liga acâmera do seu lado, talvez você passe a vi-brar como se tivesse vencendo, como se agoleada fosse a seu favor. Num velório, todomundo triste, aborrecido, você liga a câme-ra, sempre alguém dá um tchauzinho pramãe e tal. Se não tiver cuidado, ela altera,altera, altera _todo tempo. Com uma câmeradiscreta, ela não altera. As pessoas não per-cebem. Então acho que ela é mais ética doque ...Quer dizer, ética ou não ética dependedo profissional, claro. Tanto câmera grande,quanto pequena, quanto fotógrafo, microfo-ne, gravador, qualquer coisa ... Pode ser éticoou não ético, depende do uso que a gentefaça dos equipamentos.

Alinne - (risos) Eu acho que a perguntaque eu ia fazer você acabou de responder ...

Caco - O quê?Alinne - Era justamente quanto à ética

profissional. Se você já foi questionado algu-ma vez, se sofre muitos processos ...

Caco - Pelo uso de que, de equipamentos?Diego - Pela adoção de disfarces ...Caco - Não, disfarce não causa dano

a ninguém ...Alinne - Não, é mais pela câmera mesmo.Caco - Qual, a câmera grande?Alinne - A pequena.Caco - Eu nunca sofri nada, eu uso mui-

to pouco a escondida. Eu prefiro chegar:"Sou jornalista, estou aqui e tal, ..". Não gostoquando eu sei que essa chegada altera com-pletamente as coisas. Mas se eu já apureibastante, cheguei lá escondido e ninguém meviu, eu sei que as coisas acontecem daquelejeito ... Aí chego no dia seguinte com a câme-ra, até porque eu vou mostrar pro telespec-tador, acho que isso vira conteúdo .... "Vocêsviram ontem quando eu não disse que erajornalista como estavam as coisas? E comoestão hoje? Olha a diferença". Vocês viramuma matéria sobre corte de cana? (Matériaexibida nos dias 14 e 21 de maio de 2006,no quadro Profissão: Repórter, que mostrouas condições de trabalho dos cortadores decana). Treze pessoas morreram por exaustãono corte de cana sob o sol intenso. A gentefez um teste que é infalível. A gente telefo-nou: "Vamos aí, mostrar sua usina, como éque é o trabalho com os bóias-frias que cor-am cana, pessoal imigrante que veio do Ma-

ranhão pra São Paulo, cortar cana...". E foiincrtvell Na área do corte havia ambulância,

éd.cos, todo um equipamento de primei-

ra linha para os trabalhadores, assim comouniforme, sombra, água fresca, sombra paraa refeição, intervalos regulares de descansoe tal. E a outra equipe foi cortar cana sem di-zer que era um repórter ali e, como sempre,a gente, pelo menos comigo, eu não achocorreto você falsificar identidade. Todos seapresentaram com seus nomes verdadeirose suas carteiras profissionais verdadeiras.Nem precisou isso, eles começaram a traba-lhar antes do registro. E com eles, como nãoeram repórteres que estavam chegando lá,foram tratados como são, de fato, tratados ostrabalhadores. Equipamentos sem nenhumitem de segurança, tudo enferrujado, de bai-xo do sol como todo mundo, todo dia semambulância, sem médico ... O que nos aju-dou a entender por que treze morreram sobexaustão. A indústria ficou revoltada e tal,porque não achou ético a gente fazer isso. Euacho que não seria ético você mentir para oseu telespectador, dizendo que todo mundorecebe condições ideais de trabalho se nãorecebem. Então, nesse caso, a microcâmeranão foi ética? Depende do ponto de vista. Euacho que foi muito ética, não causou dano aninguém. Os trabalhadores eu acho que fo-ram beneficiados. Houve pressão depois doMinistério Público nessa usina e nas outrasonde estavam acontecendo as mortes. Nãoaconteceram mais mortes, por coincidênciaou não. No ano seguinte não teve mais ... De-pende do ponto de vista, sempre.

Talita - Caco, um dos seus trabalhosinvestigativos mais conhecidos acabouse transformando em livro, que foi o Rota66. Como é que surgiu a idéia de escreveresse livro?

Caco - Olha, quando eu decidi, a Polí-cia Militar de São Paulo já era a organizaçãobrasileira que havia matado o maior núme-

"Tanto câmeragrande, quanto

pequena, quantofotógrafo, microfone,gravador, qualquer

coisa ... Pode serético ou não ético,depende do uso

que a gente faça dosequipamentos".

CACO BARCELLOS I 57

Acei amos e - 5

minutos. O proximo passofoi saber o horário de seuvôo. Caco disse .ou a Ka-rol entendeu) que a saídade São Paulo seria às 14h.Sendo assim, ele deveriachegar por volta das 17h.

Depois disso, a produ-ção voltou a se reunir epreparou uma nova pauta,adequada ao tempo de du-ração da entrevista.

Baseando-se naquelehorário, a turma foi, no diaseguinte, esperar o entre-vistado no aeroporto. Foiquase todo mundo no car-ro da Alinne. O carro maisparecia uma Topic. Nãofaltou quem fizesse pia-da da situação: "Próximadesce!".

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A turma chegou ao ae-roporto por volta das 15h.A equipe de produção foilogo providenciar o localda entrevista. A assessorade imprensa da Infraeroem Fortaleza, oice Ribei-ro, disse que a entrevistapoderia ser na própria salada assessoria.

Até este momento, ascoisas pareciam correrbem. Foi quando Edwir-ges encontrou Eliomar deLima, jornalista do O Povo:"O Caco Barcellos? Ele jáchegou e já foi embora",disse, para desespero daturma.

A turma ficou desolada.Minutos depois, váriostelefonemas e contatoscomeçaram a ser feitos.Thiago chegou, inclusive,a ir conversar com taxistaspara ver se algum delestinha levado Caco Bar-cellos.

J ) •

ro de brasileiros em toda a nossa história,mesmo se você comparar com as guerrasconvencionais, como a Guerra do Paraguai(mais longa e devastadora guerra da históriada América do Sul. Ocorreu de 1864 a 1870.Argentina, Uruguai e Brasil juntaram forçaspara derrotar o Paraguai). que foi a que tevemaior número de vítimas ... Superou até essaguerra. Então, já pela quantidade de pessoasque havia matado, é um assunto de extremarelevância. Hoje não é mais a que mais matano mundo, mas continua sendo uma das or-ganizações brasileiras que mais matam nomundo. Hoje já são os alunos da Rota (Ron-das Ostensivas Tobias Aguiar. Força táticada Polícia Militar de São Paulo) que são osque mais matam. É o pessoal do Bope (Ba-talhão de Operações Especiais) lá do Rio deJaneiro ... É a polícia mais violenta do mundo.Eu devo falar isso bastante hoje, lá na minhapalestra (Caco faz referência à palestra queiria proferir mais tarde, na Faculdade de Di-reito da UFC, sobre violência). Se você pegaro relatório da Anistia Internacional deste ano,elenca lá a violência nos países que praticama execução, que as PMs do Brasil praticam,dentro da Lei. São os países que adotaram apena de morte. O Brasil é signatário de váriostratados que impedem a pena de morte aquino Brasil, porém pratica mais do que os paí-ses que fazem dentro da lei: Estados Unidos,China, Irã, Paquistão, Afeganistão. Os paísesque têm a pena de morte, no ano de 2007,mataram menos do que, sozinho (bate namesa) o Bope no Estado (do Rio de Janeiro)todo. Sozinho! E mataram mais ... São 1.350mortos da PM do Rio de Janeiro no ano pas-sado. Mil quatrocentos e cinqüenta. E são milcento e alguma coisa - eu tenho o número -,as mortes praticadas pelos países que adota-ram a pena de morte. Pra você ter uma idéiada gravidade disso, que a sociedade brasilei-ra pratica, já que a Polícia Militar é um braçodo Estado, ela funciona com o dinheiro dosnossos impostos, não é? Somos nós que es-tamos matando dessa maneira, por meio dasmetralhadoras da PM. Os Estados Unidos,

que praticam a pena de morte há dezenas deanos, em toda a sua história, não mataram osuficiente pra bater um ano de ação do Bopee de sua turma no Rio de Janeiro. Foram1.010 pessoas executadas no Rio de Janeiroaté hoje. Apenas um ano, veja aí, 1.450. ARota, só num ano, 1.500, quando eu lanceio livro, no ano de 92. Então eu acho que onúmero fala mais do que qualquer coisa, né?Ora, se a gente tem a polícia mais violentado mundo, temos que contar a história des-sa polícia e dessa sociedade - mais do quedessa polícia.

Karol - Caco...Caco - ... Que horas são?Isabele - Faltam cinco minutos (para o

encerramento da meia hora combinada).Caco - Cararnba, como passa rápido (ri-

sos).Karol - Caco, no seu outro livro, Abusa-

do, você relata a história do Juliano VP, quefoi um traficante do Rio de Janeiro. Pra pro-duzir o livro, você teve, inclusive, que con-viver e conhecer pessoas da comunidade.Você já foi pressionado pela polícia para di-vulgar essas informações ou já foi acusadode encobrir os criminosos?

Caco - Não, olha, acusado formalmente,não. Eu recebo algumas críticas, de algunsjornalistas, de alguns intelectuais, principal-mente, do Rio de Janeiro, que apóiam essasações da PM do Rio de Janeiro. E hoje sãomuitos jornalistas que apóiam. Antigamen-te se omitiam, hoje, alguns, não são maio-ria, mas alguns apóiam as execuções prati-cadas pela PM. E esses que criticam o fatode eu ter subido as favelas, convivido coma comunidade durante cinco anos, fazendoas entrevistas noite e dia quando tinha opor-tunidade ... Acham que isso é uma relaçãopromíscua. O que é curioso, porque quandoos criminosos de alta renda cometem frau-des, desviam dinheiro público - e são muitosno Brasil, políticos, advogados, industriais etal -, e se envolvem em crimes que causamdano, muitas vezes, maior do que o produzi-do por alguns crimes que vêm da favela, nin-

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e me pergunta: "Ué, você tá encobrindoesses empresários pelo fato de estar entre-

stando os empresários? Como é que vocêe relaciona com ... digamos ... Vamos ver umorne ... PC Farias (Paulo César Farias, ex-te-

soureiro da campanha presidencial de Fer-rando Cal/ar de Mel/o, acusado de desviarverbas públicas na administração de Cal/ar,causando, assim, o processo de Impeach-ment do então presidente). Como é que vocêentrevista Paulo Maluf (ex-prefeito de SãoPaulo acusado, em 2005, de crimes contrao sistema financeiro, lavagem de dinheiro,corrupção passiva e formação de quadrilha.Atualmente é Deputado Federal pelo PartidoProgressista de São Paulo)?" Nunca ninguémme perguntou isso. É incorreto entrevistar oeletricista ... Juliano ou Paulo, ou Marcos daSilva "vírgula" traficante? E não é promíscuoentrevistar o engenheiro Paulo Maluf "vírgu-la" ladrão público? Qual a diferença?

Eu acho que a minha postura tem queser igual com todo mundo. Discordo radical-mente de quem acha que só deva dar vozaos bacanas. Eu acho que todo mundo temdireito a voz, sobretudo quando você acusa.No caso do Juliano, eu estava acusando, nolivro inteiro. Trata-se de uma obra ali que falado tráfico, do comércio ilegal de drogas. Ora,isso não é uma coisa legal. Se eu tô falandodisso, contando a história de traficantes (batena mesa), eu tenho que contar a história(bate na mesa) deles, completa. O lado delesé importante. Porque assim é quando a gen-te conta os crimes praticados pelos bacanas.A gente ouve o advogado deles, uma, duas,três vezes, (conta batendo na mesa), não é?Ouve a família, a circunstância que o levoua se envolver com determinada fraude, nãoé? Então, acho que é uma crítica infundada.Acho que tem preconceito de classe, nisso.As pessoas acham que quem mora no morronão merece receber visita da Imprensa. Nãomerece receber visita da Justiça, da Promo-toria Pública. Não existe um prédio da Justi-ça nos morros do Rio de Janeiro, e lá morammais de três milhões de pessoas. Só existe,lá, escola, nos morros, porque foi construídapor um governador que era aliado dos po-bres, que era Leonel Brizola (ex-governadordo Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul,foi o fundador do Partido Democrático Tra-balhista. Morreu em 2004). A prática dele eracoerente com o discurso. Ele realmente eraum cara que se preocupava com as mino-rias sociais. Então tem realmente escolas deprimeiríssima linha nos morros. Poucas, por-que quando ele criou uma de primeiríssimalinha, que foi quando ele saiu, foi perdendoa qualidade ... Tinham escolas lá melhores doque escola de bacana, que paga uma fortuna

para estudar nas particulares.Ivna - Caco, você já fez três livros-repor-

tagem. Na hora de produzir essas reporta-gens "barra" livros, você se considera maisrepórter ou mais escritor?

Caco - Não sei te responder. Acho queas duas coisas, até porque eu gosto muitodos escritores. Todos os meus ídolos foram,um dia, repórteres ou continuam repórteresde livros.

Ivna - E quem seriam?Caco - Ah, são vários. Citar, assim, rapida-

mente ... Gay Talese (editor e ensaísta ameri-cano. Publicou, entre outros livros, Fama eAnonimato e A mulher do próximo), TrumanCapote (autor de A Sangue Frio, livro consi-derado como marco inicial do New Journa-tismi, Frederick Forsyth (escritor britânicode O dia do Chacal, Cães de Guerra, entreoutros), Stephen Grey (jornalista holandês,autor de Avião Fantasma), Jack London (es-critor americano, autor de A Praga Escar-late, Caninos Brancos e O Lobo do Mar),John Reed (jornalista americano, autor deDez Dias Que Abalaram o Mundo} ... Ah, temtantos ... Bom, brasileiros: Fernando Morais(autor de Olga, Chatô, o rei do Brasil, A Ilha,entre outros) ... Tem uns latinos legais tam-bém, Eduardo Galeano (escritor uruguaio,autor de obras como De pernas pro ar, Diase noites de amor e de guerra, Futebol ao sole à sombra, O livro dos abraços e Memóriado fogo) ...

Edwirges - Caco, na apresentação aquido seu livro, o Rota 66, o Narciso Kalili (Re-

,"E incorretoentrevistar o

eletricista Julianoou Paulo (...)

"vírgula" traficante?E não é promíscuo

entrevistar oengenheiro Paulo

Maluf "vírgula" ladrãopúblico? (...) Eu achoque a minha postura

tem que ser igualcom todo mundo".

CACO BARCELLOS 59

Karol e Diego conse-guiram, finalmente, falarcom a assessora da SouzaCruz, empresa que estavapromovendo a palestraem Fortaleza. Ela deu onúmero do celular de Si-mone Veltrin, que estavaacompanhando Caco naviagem.

Simone se dispôs a noscolocar em contato com oentrevistado. Pouco tem-po depois, Caco retornoua ligação para o celular deRonaldo, falou com Edwir-ges e acertou a entrevista.Com o endereço do hotelem mãos, a turma se diri-giu para lá.

Chegamos ao hotel(eram quase 17h). Edwir-ges ficou com o restanteda turma para recepcio-nar o entrevistado. Karol eDiego foram providenciaro local da entrevista. Umasala de reuniões esta adisporuvel

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Ao dizer que estávamosali para entrevistar CacoBarcellos, uma das aten-dentes disse: "Ah, CacoBarcellos, aquele ator?".Karol e Diego logo corrigi-ram a confusão: "Não, eleé jornalista ...",

Caco encontrou a turmano saguão do hotel. Cum-primentou todos e foi en-caminhado à sala onde sedaria a entrevista.

Karol e Diego esperavamem frente à porta. Diegosegurava a última ediçãoda Revista Entrevista e,após os cumprimentos ini-ciais, entregou o exemplarao jornalista.

A entrevista demorouainda um pouco para co-meçar. Caco estava comdor de garganta e pediuque desligassem o ar-con-dicionado.

pórter da revista Realidade, na década de 60.Faleceu em 1992) fala que você é um repór-ter que escolheu um lado: que é o lado dasvítimas, é o lado dos mais fracos. O que temove a trabalhar em função desse lado?

Caco - Objetividade, principalmente. Seeu morasse na Suíça, eu seria um repórterde classe média, da classe média (retifica).No Brasil, a maioria da população ... Depen-de também do critério do que você conside-ra pobre ou não. Há quem considere pobreaqueles que recebem menos de R$ 500 pormês. Eu acho que pobre é aquele que rece-be menos de R$ 1 mil. Mas o IBGE (InstitutoBrasileiro de Geografia e Estatística, órgãoresponsável por coletar dados e informaçõessobre o Brasil e a população brasileira) consi-dera duzentos e poucos, trezentos e poucos(reais). Então, seguramente, são mais de 100milhões de pessoas pobres no Brasil. Ó, temque ter repórter dessa gente, né, e não doscinco por cento. Então, se eu sou dos 100milhões, tem que tá nos morros, vai ter quetá na periferia ... Por mais que diga que issoé promíscuo, que estou lá fazendo apologiaao crime. Tô falando porque eu sou repórter,por dever de ofício, também (enfático). Nãoé? Se fosse a Suíça, eu estaria lá, gastando,digamos, dez mil por mês.

Diego - Caco, você acha que realmenteo Jornalismo tem esse caráter transformadorque lhe atribuem? Você tem essa opinião?

Caco - Eu tenho, mas não sei se é ver-dadeira. Eu acredito nisso, eu trabalho pen-sando nisso. Eu acho que você tem um papelsocial a cumprir. Acho que a gente tem queir atrás de assuntos de alto interesse público,sempre. (pausa). E... Se muda ou não mudaas coisas, não sei, não dá pra avaliar porqueo valor é tão subjetivo no nosso trabalho, nãoé? Às vezes, você até encontra, sim, uma mu-dança objetiva, quase que imediata. É muitoraro, mas às vezes acontece, quando vocêdenuncia alguma coisa, a polícia prende um"cabra" folgado. Mas isso será que muda al-guma coisa pro capitalismo brasileiro? Achoque as mudanças são mais ... Graduais, maissubliminares, mais a longo prazo.

Thiago - É preciso indignar-se para fazeressas denúncias?

Caco - Considerando que a gente vivenum país muito injusto, eu acho que sim. Senão fosse um país injusto, não. Mas a gente émuito injusto, né? (enfático) É muito desigual.Não precisava ser tanto assim. Não só porqueé um regime capitalista, não estou fazendocrítica ao capitalismo, só... Por que escolher omais selvagem deles, né? Podia ser um capi-talismo das nações como Itália, França, ReinoUnido ... Mas tinha que ser o mais perverso,o mais brutal, o mais ...? Isso tem que causarindignação. As diferenças são muito grandes,são muito brutais no Brasil.

Então eu acho que essa diferença gera con-flito, desarmonia. Porque tem que pensar, jáque é um país capitalista, nas coisas da... Daspossibilidades de oportunidade, das chancesde oportunidade. E quando as coisas são tãodesiguais, as oportunidades serão desiguais.Por mais que pareça democracia, não é de-mocracia. Então, vamos pensar a chance quetêm, de se dar bem na vida, o filho de um in-dustrial e o filho de um operário. Se observardesde o momento em que nasce, eu duvidoque o filho de um operário, pelo fato de ternascido numa família de operário, vai ser ummau elemento por natureza, como muita gen-te pensa. "Quem mora nos morros é bandido,a princípio". Não. (enfático) é uma trajetóriaque fez com que ele vá para um lado ou praoutro. Eu acho que a chance daquele que éfilho de um industrial, sempre vai ser maior ...Desde o momento em que ele precisa de umachupeta (bate na mesa), a chupeta do filho(bate na mesa) do industrial vai ser de me-lhor qualidade do que a do filho de operário.A proteína de primeira linha ... A qualidade daproteína dele vai ser diferente. A qualidade noensino, nos primeiros momentos, a qualidadeda companhia, do amor, da família (enumerabatendo na mesa).

Coisa que eu mais ouvi nos morros que jáandei, foi isto: a falta de amor da mãe. Nãoque a mãe seja uma desalmada, uma mãeperversa. É que ela trabalha pros bacanas,de segunda-feira a sábado, à noite. Direto.Ela é mãe de dois: do filho do bacana ... Ofilho do bacana tem duas mães. A mãe dele,legítima, e a empregada doméstica, que é amãe do traficante do morro, que nunca temessa mãe (bate na mesa), e só tem a mãedomingo. Isso é igualdade de oportunidade?De igualdade até... De oportunidade de afeto,não é? Ele tem a mãe no domingo, e a mãeexausta, passou, na escravidão da classemédia alta, lá, a semana inteira. Geralmentepor um salário indigno, tão indigno que cos-tuma ser três vezes inferior ao trabalho - quenão é trabalho, que é um ato ilegal - do filho.Então ele consegue acesso ao tráfico, ele vaiganhar três vezes mais do que a mãe. Com

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que autoridade a mãe vai chegar pro filho evai dizer: "Pare de fazer esse serviço, que eute trago todas as coisas pra você não preci-sar fazer isso", como dizem os bacanas emcasa, né? "Se eu te dou tudo, por que vocêvai para o crime?". No caso dela, é ao contrá-rio: "Te tiram tudo, que é a minha presençafísica, de segunda a sábado, só te tenho, sósou sua, no domingo e exausta". Tem que tálavando roupa acumulada, essas coisas ...

Então, o que essa mãe pode oferecerpro moleque? Deixa o moleque abandona-do, sendo criado pelo irmão mais velho, oupelo vizinho, pelo traficante mais próximo,não sei. Os traficantes são amigos, são filhosde outras empregadas domésticas também,elas não vêem como a gente vê esse univer-so. É muito complicado, não é? Um sistematão desigual, porque eu te dei um exemplosó de favela, mas se pensarmos no merca-do de trabalho também ... Essa diferença vaibater. E por isso não estranho que a gentecometa tantos crimes, porque a desarmoniaé muito grande, a indignação de muita genteé muito forte. E logo, pra encerrar, porqueeu tenho que correr pra lá (para a palestra),não é também por acaso que as pessoas debem, no Brasil, as pessoas comuns, não oscriminosos que matam pra roubar, são maisviolentas do que os marginais, não é? Nós(enfático) praticamos muito mais crimes doque os marginais praticam. A estatística mos-tra isso. Porque eu acho que a gente devia,inclusive, não precisar dessa forte desarmo-nia (tosse). Continuamos depois? Vocês meatacam lá, no final? (risos)

\••·······

CACO BARCELLOSI 61

Gustavo foi p o e c auma água para o entre IS-

tado. Quando retornou,Caco disse que não pode-ria beber, porque a aguaestava gelada. Uma outraágua (agora natural) foiprovidenciada.

Caco Barcellos tambémperguntou se alguém tinhaalgum comprimido parador de cabeça. Thiago ofe-receu Neosaldina e LucíolaParacetamol. Ele aceitoueste último - para a alegriade nossa colega.

A entrevista finalmentecomeçou e se deu de for-ma tranqüila. Os 30 minu-tos previstos acabaramrendendo mais. Foram nototal 41 minutos de con-versa.

Caco Barcellos sugeriuque continuássemos aconversa após a palestra,mas o professor Ronal-do, preocupado com agarganta do entrevistado,achou melhor encerrar aentrevista.

Na saída do hotel, Gus-tavo soltou a pérola dodia: "Puxa, comprei a águamais cara da minha vida(R$ 3(75) e ele nem be-beu ...", A turma resolveuir ao Dragão do Mar comere, depois, assistir à pales-tra de Caco na Faculdadede Direito da UFC.