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C rreio O A revista das relações e cooperação entre África-Caraíbas-Pacífico e a União Europeia N ° 5 N.E. – ABRIL MAIO 2008 REPORTAGEM SERRA LEOA Acendem-se as luzes DOSSIER Pesca Problemas nas águas ACP Biocombustíveis Mais perguntas que respostas REPORTAGEM SERRA LEOA Acendem-se as luzes DOSSIER Pesca Problemas nas águas ACP Biocombustíveis Mais perguntas que respostas

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C rreioO

A revista das relações e cooperação entre África-Caraíbas-Pacífico e a União Europeia

N° 5 N.E. – ABRIL MAIO 2008

REPORTAGEM

SERRA LEOAAcendem-se as luzes

DOSSIER

PescaProblemas nas águas

ACP

BiocombustíveisMais perguntas

que respostas

REPORTAGEM

SERRA LEOAAcendem-se as luzes

DOSSIER

PescaProblemas nas águas

ACP

BiocombustíveisMais perguntas

que respostas

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C rreioEDITORIALO regresso dos velhos receios 3

EM DIRECTO

Dirigindo o ‘Maquinismo’ das Caraíbas. Encontro com o Professor Dr. Richard Bernal 4

PERSPECTIVA 6

DOSSIER

A pesca: à procura de um modelo sustentávelGuerra aberta à pesca “ilícita, não declarada, não regulamentada” 11

Os novos acordos de parceria 13

O exemplo – controverso - da Mauritânia 15

Pesca artesanal ACP: a mais eficaz para responder aos desafios do novo milénio 18

Pescas artesanais: os desafios da rastreabilidade e da qualidade. O caso do Senegal 19

INTERACÇÕES

As figuras proeminentes da cooperação ACP-UE 21

COMÉRCIO

O debate inflama o mercado de biocombustíveis 25

EM FOCO

Um dia na vida de King Fisher 26

NOSSA TERRA

Barragem debaixo de olho 28

REPORTAGEM

Serra LeoaDa ruptura da paz ao restabelecimento da paz 30

A actividade de governação 33

Uma oposição em dois sentidos 35

Governo reforma profundamente a exploração mineira 36

A agricultura em destaque com o aumento do preço do arroz 38

Dar resposta aos desafios do ambiente 40

Financiamento da UE para reforçar a estabilidade 42

Será o turismo um leão provocador? 43

DESCOBERTA DA EUROPA

Chipre e Malta

História de encontro e de miscigenação 44

Milagre económico 46

El ‘Planning Bureau’, arquitecto do milagre económico ao serviço do desenvolvimento 47

Identidades cipriotas 48

Stelios Ieronimidis. Vice-Presidente da Câmara de Nicósia 49

Beleza e sedução de três continentes 50

Como se Malta controlasse a sua história 52

A alma de Malta. Abertura e encerramento 54

Uma economia pujante sem receio da globalização 56

Malta de ontem e de hoje 58

CRIATIVIDADE

Fotografia contemporânea do Congo (RDC).Congo Eza, conjugação de realidade e de sonho em papel sensível 59

.ZA - Young art from South Africa 60

Programa de apoio às indústriasculturais nos países ACP 61

Danzas des deux mondes.Quando a música clássica se mestiça 62

PARA OS MAIS JOVENS

Goorgoorlou, o pescador 63

CORREIO DO LEITOR/AGENDA 64

Índice

N. 5 N.E. – ABRIL MAIO 2008

O CORREIO, Nº 5 NOVA EDIÇÃO (N.E.)

O

A revista das relações e cooperação entre África-Caraíbas-Pacífico e a União Europeia

Comité EditorialCo-presidentesJohn Kaputin, Secretário-Geral Secretariado do Grupo dos países de Africa, Caraíbas e Pacífico www.acp.int

Stefano Manservisi, Director Geral da DG Desenvolvimento Comissão Europeia ec.europa.eu/development/

Equipa editorialDirector e Editor-chefe Hegel Goutier

JornalistaDebra Percival

Editor assistente e produção Joshua Massarenti

Colaboraram nesta edição Marie-Martine Buckens, Sandra Federici, Gibril Foday-Musa, T. T. Fons, Béatrice Gorez,Gaoussou Gueye, Andrea Marchesini Reggiani, François Misser

Relações Públicas e Coordenação de arteRelações PúblicasAndrea Marchesini Reggiani (Director de Relações Públicas e responsável pelas ONGs e especialistas) Joan Ruiz Valero (Responsável pelas relações com a UE e instituições nacionais)

Coordenação de arteSandra Federici

Paginação, MaquetaOrazio Metello OrsiniArketipa

Gerente de contratoClaudia RechtenTracey D’Afters

Capa Homem vende panelas de alumínio feitas de materiais recicláveis emFreetown, Serra Leoa 2008 © Debra PercivalContracapaÀ direita: Ismail Farouk, Entrance to Jack Mincer Taxi Rank & ParkCentral Filling Station, Shot from the Drill Hall, Vídeo, cor, 2006.Cortesia do artista À esquerda: Ismail Farouk, GHB626GP, 2006. Cortesia do artista

ContactoO Correio45, Rue de Trèves1040 BruxelasBélgica (UE)[email protected]: +32 2 2374392Fax: +32 2 2801406

Publicação bimestral em português, inglês, francês e espanhol.

Para mais informação em como subscrever,Consulte o site www.acp-eucourier.infoou contacte directamente [email protected]

Editor responsávelHegel Goutier

ParceirosGopa-Cartermill - Grand Angle - Lai-momo

A opinião expressa é dos autores e não representa o ponto de vista oficial da Comissão Europeia nemdos países ACP.

Os parceiros e a equipa editorial transferem toda a responsabilidade dos artigos escritos para oscolaboradores externos.

A revista das relações e cooperação entreÁfrica-Caraíbas-Pacífico e a União EuropeiaA revista das relações e cooperação entreÁfrica-Caraíbas-Pacífico e a União Europeia

C rreioO

C rreioO

O nosso parceiroprivilegiado:

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OEspace Senghor é um centro

que assegura a promoção

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África, Caraíbas e Pacífico e o

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Aemergência do que foi rapidamente baptiza-do “revoltas do fim (e da fome)” despertouem todo o lado um receio ancestral: o doterror da fome. E isto, mesmo nos países

ricos que parecem ter-se protegido deste flagelo. Àmedida que surgiam as notícias, a qualificação doreceio agravava-se. Das manifestações no Egipto pas-sou-se às recentes revoltas nos Camarões, BurquinaFaso, Senegal, Sri Lanka ou Costa do Marfim e aostumultos violentos no Haiti.

Alguns se lembraram dos grandes blocos de países ricosque se ergueram essencialmente para se precaverem dafome. Na altura, a União Europeia consagrava até doisterços do seu orçamento à sua política agrícola. Era opreço da serenidade contra o receio da fome que tinhaestremecido populações que haviam sofrido do mal eque o tinham integrado na sua memória colectiva.Outros se recordaram de que nenhum país tinhaenriquecido respeitando escrupulosamente a natureza, aboa governação e os direitos do homem e que o desafioexigido hoje aos países pobres — e que é indispensávelno contexto actual — é diferente de todos os outros.

Ainda hoje, as grandes potências são as que conseguemprimeiro nutrir-se e não as que dispõem de matérias-primas exportáveis, sejam elas petróleo ou diamantes.Não é só uma questão de governação. A China ou aÍndia estão a entrar no círculo dos poderosos, mas sódepois de começarem a alimentar muito melhor as suaspopulações. E, no entanto, há muito que a Índia forneciaao mundo uma grande quantidade de engenheiros e dematemáticos.

O que não preocupava muito, ainda há bem poucotempo, é agora visto na sua verdadeira dimensão: umacatástrofe mundial. O Comissário Europeu doDesenvolvimento, Louis Michel, que já havia chamadoa atenção para esta ameaça, identificou-a, mesmo, comoum tsunami. O Programa Alimentar Mundial já havialançado um SOS em Março passado, um mês antes daserupções sociais.

Mas quantos peritos, exploradores e analistas não seaperceberam de nada! Nesta época em que nada éverdadeiramente novo nos países atingidos. No Haiti,por exemplo, na primeira presidência de René Préval nofinal da década de 90, os arrozais desapareceramquando o país tinha sido exportador. Isso deveu-se aproblemas de irrigação, mas sobretudo ao facto de asgrandes empresas agroalimentares americanasvenderem o seu arroz mais barato do que a produçãolocal... até esta desaparecer por completo.

Havia explicações para isso: a má governação, a falta deliberdade, o baixo nível da educação e da saúde. Sãotodas explicações verdadeiras, mas não bastam. Houvetambém conselhos judiciosos, quando se chegou àconclusão de que o desenvolvimento económico eramuitas vezes impedido pelo preço cada vez maiselevado da energia. Era necessário produzir biodiesel.Sabe-se que a soja, o óleo de palma ou o milhoutilizados para a sua produção formam uma espécie devaso comunicante com os géneros alimentícios. É umjogo ganho de antemão pelo biocombustível, poisvende-se mais caro. Mas é um jogo que pode serperigoso, provocando a subida insustentável do preçodos alimentos num círculo vicioso. De boas intençõesestá o inferno cheio. Neste número de O Correioevocamos esta problemática.

Falamos também da Serra Leoa, que se encontra nofundo da classificação do desenvolvimento do PNUD.Mas hoje a esperança é grande, graças ao regresso daelectricidade, com a democracia. O seu Ministro daAgricultura já está a ser abordado com vista à produçãode biocombustível a partir do óleo de palma. Mas eleprefere dar tempo ao tempo para responder, nãoquerendo que o bezerro de ouro da energia tome o lugardo arroz ou do cacau. Há luz no meio da escuridão.

Hegel GoutierEditor-chefe

O regresso dos velhos receios

N. 5 N.E. – ABRIL MAIO 2008

Editorial

3

Gulda EL Magamba, “cerimónia de divinação Sanga”, extraído de “Congo Eza”,Africalia Editions & Roularta books.

Com o consentimento de Africalia. Sítio Web: www.africalia.beO regresso de um receio ancestral: o terror da fome. Quantos peritos, exploradores e

analistas não se aperceberam de nada?

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Preferências Generalizadas (SPG), negociar umnovo acordo de acesso ao mercado apenas demercadorias ou negociar um APE completo.Reconhecendo o potencial de mercado nos sec-tores de serviços e investimento, a região deci-diu que a melhor opção seria um APE global. Asnegociações foram concluídas em 16 deDezembro de 2007, não devido a pressões exter-nas, mas sim porque os negociadores e os chefesde governo tinham a certeza de que o Acordo erabom e que o mandato tinha sido realizado.

O APE poderá resistir aos desafios na OMC?

Em termos jurídicos, o sucesso num litígiodepende geralmente de duas variáveis: a inter-pretação da lei e a credibilidade dos argumen-tos apresentados pela acusação e pela defesa.A OMC não é excepção. Por conseguinte, épossível que surjam desafios ao APE nasequência da adesão à OMC. Alguns elemen-tos das regras da OMC são ambíguos e nãoforam testados nem interpretados de formaconclusiva no âmbito da jurisprudência daOMC. Esta ambiguidade abre enormes possi-bilidades a desafios, especialmente por partedos países desenvolvidos concorrentes e dospaíses em desenvolvimento não pertencentesao grupo ACP. Simultaneamente, a ambiguida-de jurídica dá azo a interpretações liberais e àaplicação do princípio jurídico.A finalidade global das negociações era a con-clusão de um acordo que, contrariamente àspreferências de Cotonu que requeriam umarenúncia, fosse compatível com as regras daOMC. Tivemos o cuidado de negociar umAcordo que assegurasse os nossos interessescomerciais e ao mesmo tempo sobrevivesse aum exame jurídico minucioso.

Quais são as vantagens do APE para os povosdas Caraíbas?

Uma das vantagens do APE mais imediatas éo facto de permitir ao CARIFORUM evitar oSPG, algo que teria sido significativamentemenos vantajoso que o APE. As indústrias-chave do CARIFORUM como, por exemplo,a indústria da banana, teriam certamente sofri-do na ausência de um APE, uma vez que nãoexiste qualquer cobertura para bananas aoabrigo do SPG.Além disso, de curto a médio prazo, as reduçõestarifárias poderão levar à depreciação de algunspreços de bens e serviços, resultando assim empoupanças para o consumidor. A queda dos pre-ços de retalho diminuirá igualmente os custos deprodução dos produtores do CARIFORUM,cujos processos e factores de produção depen-dem largamente das importações.

A longo prazo, o APE assegura o acesso pre-ferencial do CARIFORUM ao mercado euro-peu de bens e serviços nos sectores novos etradicionais, de maneira consistente com asregras da OMC.

Qual é a sua opinião sobre as perdas de recei-tas tarifárias pelos governos ACP?

A liberalização significa que tanto o CARIFO-RUM como a Europa terão de eliminar os direi-tos de importação de algumas mercadorias. Issoocasionará a perda das receitas derivadas destastarifas. Espera-se que o CARIFORUM liberalizeum máximo de 80% de todos os bens importa-dos da Europa. Contudo, o compromisso desupressão das tarifas não é imediato para oCARIFORUM. Enquanto se espera que aEuropa remova imediatamente direitos e restri-ções de quotas para todos os bens, excepto oarroz e o açúcar, o CARIFORUM poderá tervários planos de faseamento até a isenção dedireitos aduaneiros dos produtos ser necessária.Para alguns produtos, o CARIFORUM poderáatrasar a liberalização em 5, 10 ou 15 anos e,noutros casos, até 25 anos. Além disso, o APEfornece uma lista de produtos que estarão isentosda liberalização.Ao abrigo de um acordo comercial como o APE,espera-se que as perdas de receitas sejam com-pensadas através da capitalização das oportuni-dades de acesso ao mercado facilitado às empre-sas. Contudo, o ajuste do CARIFORUM paraperdas de receitas causadas pela liberalizaçãopode ser realizado posteriormente através dareforma dos sistemas de impostos no intuito depassar de impostos que entravam os fluxoscomerciais para outras formas de tributação.

Que tipo de ajuda ao desenvolvimento é neces-sária para sustentar o APE?

A boa execução do Acordo no âmbito do CARI-

FORUM depende da expressão e execução dacooperação e apoio, financeiros e não financei-ros, ao desenvolvimento.As medidas e prioridades do apoio ao desenvol-vimento do APE encontram-se largamente des-critas num capítulo sobre o desenvolvimento,mas são mais especificamente detalhadas emcapítulos individuais relacionados com assun-tos comerciais específicos no quadro doAcordo. A definição da formulação e imple-mentação de projectos específicos de apoio aodesenvolvimento deverá ser precedida de umprocesso de avaliação das necessidades. Esteprocesso de avaliação das necessidades, embo-ra incompleto, teve início mesmo antes da con-clusão das negociações do APE. A avaliaçãodos custos de implementação será feita atravésdeste processo. Cabe aos Estados-Membrosdeterminar em que consistirão estes projectos.

E o controlo?

O controlo da execução do APE será facilitadoatravés de processos participativos de cadapaís do CARIFORUM e da Europa. Contudo,o APE inclui igualmente algumas disposiçõesinstitucionais. Estas incluem o estabelecimen-to do Conselho Conjunto CARIFORUM-EU,do Comité de Comércio e DesenvolvimentoCARIFORUM-UE e do Comité ParlamentarCARIFORUM-UE. �

www.crnm.org, www.eu.europa.eu/trade

* Director-Geral do CRNM

** O CARIFORUM é o Fórum Caribenho do Grupo deEstados de África, Caraíbas e Pacífico, que inclui membrosdo agrupamento regional CARICOM: Baamas, Barbados,Belize, Domínica, Granada, Guiana, Haiti, Jamaica, SãoCristóvão e Neves, Santa Lúcia, São Vicente, Suriname,Trindade e Tobago, República Dominicana e Cuba. A UEcelebrou um APE, em 16 de Dezembro de 2007, com todosos Estados do CARIFORUM, à excepção de Cuba.

Até que ponto se deve ao CRNM aconclusão com êxito do APE?

O CRNM tem desempenhado um papel decoordenação que facilita o desenvolvimento deposições de negociação regionais. Esta coorde-nação incluiu a facilitação de consultas com aspartes interessadas, a investigação e o trabalhotécnico. Por conseguinte, a conclusão comsucesso do APE deve-se, em parte, ao trabalhotécnico realizado pelos negociadores e peloCRNM, mas sobretudo, aos Estados-Membrosque, em última análise, foram os principais res-ponsáveis pela determinação do mandato denegociação e pela orientação dos negociadoresao longo do processo.

O ‘Maquinismo’ implica um movimento contí-nuo, independentemente da situação.

Quando se entra num carro, há muitas possibili-dades de o motor arrancar quando se liga o con-tacto com chave. De igual modo, também é de

esperar que o ‘Maquinismo’ de negociação fun-cione correcta e consistentemente, à medida emque a natureza e o âmbito da política de comér-cio externo do CARIFORUM vão evoluindo.

Sentiu-se com pressa para assinar um APE?

As implicações da eliminação das preferênciascomerciais não recíprocas ao abrigo doAcordo de Cotonu erammuito reais para a nossaregião. As três princi-pais opções eramrecorrer aoSistema de

DDIIRRIIGGIINNDDOO OO‘‘MMAAQQUUIINNIISSMMOO’’DDAASS CCAARRAAÍÍBBAASS.. EENNCCOONNTTRROO CCOOMM OO PPRROOFFEESSSSOORR DDRR.. RRIICCHHAARRDD BBEERRNNAALL**

Debra Percival

Catorze membros do CARIFORUM** pertencem ao único agrupamento regionalde nações ACP que celebraram, até à data, um verdadeiro Acordo de ParceriaEconómica (APE) com a União Europeia (UE). Tal é visto como um tributo aoCaribbean Regional Negotiating Machinery – Maquinismo RegionalCaribenho de Negociações (CRNM), com sede na Jamaica e estabelecido em1997 pelos chefes de governo da CARICOM (a organização regional sediada naGuiana, que promove a integração dos povos das Caraíbas) para utilizar recur-sos e coordenar todas as conversações comerciais com parceiros. A celebração donovo acordo CARIFORUM-UE está prevista para a Primavera de 2008, com “apli-cação provisória” em Julho. O Dr. Richard Bernal, economista e Director-Geral doCRNM, fala ao O Correio.

Palavras-chaveRichard Bernal; CARICOM; APE; CRNM.

Bernal (à la direita) assina oAPE com Karl Falkenberg,Director-Geral adjunto do

Comércio da ComissãoEuropeia. Atrás, KushaHaraksingh, chefe das

negociações sobre questões jurídicas

dos APE com o Grupo de Negociadores.

© Wayne Lewis

No centro, o Embaixador Richard Bernal; à la izquierda do la fotografia, Henry Gill, DirectorTécnico Sénior do Mecanismo Regional Caribenho de Negociações (CRNM); à la direita,

Junior Lodge, Coordenador principal do CRNM sedeado em Bruxelas. © Wayne Lewis

Em directoOcchiello

54

E m directo

N. 5 N.E. – ABRIL MAIO 2008

Em directo

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Em 13 de Dezembro passado, o Parlamento das Ilhas Salomãoemitiu um voto de desconfiança contra o Governo, procedendoassim à demissão do Primeiro-Ministro e Chefe do Governo,Manasseh Sogavare. Uma semana depois, o seu sucessor, Derek

Sikua, pouco depois de ter sido investido nas suas funções, foi calorosa-mente saudado pela comunidade internacional, nomeadamente pelaAustrália que se havido empenhado em intensificar a sua cooperação como seu Governo, pondo assim termo às tensões que envenenavam asrelações entre os dois países.

Um dos primeiros actos dignos de registodo novo Chefe do Governo consistiu emdirigir-se a Malaita para apresentar des-culpas à população local “pelas ofensase injustiças” cometidas contra eladurante os recentes conflitos étni-cos. Os diferendos entreos originários destaprovíncia e osh a b i -

tantes da Ilha de Guadalcanal deram origem, em grande parte, à longacrise em que o país se viu envolvido desde o final da década de noventa.O apelo de Derek Sikua a uma grande reconciliação foi acompanhado deum pedido de negociações com o executivo de Malaita com vista,nomeadamente, à realização de importantes projectos de desenvolvimen-to, como o do Aulauta Oil Palm, esperado há muito tempo na localidade.

> A noção de “Wantok” Por ocasião da visita de O Correio às Ilhas Salomão, há alguns meses, oantigo Primeiro-Ministro, Manasseh Sogavare, ainda em funções, subli-nhara amplamente o azedume das relações do seu Governo com aAustrália, acusando este país, nomeadamente, de querer impor soluçõesque não tinham em conta a cultura e os usos e costumes das IlhasSalomão.

Para compreender a evolução da situação neste país, é impor-tante ter presente a noção de “wantok” (one talk), segundo

a qual as pessoas que falam a mesma língua que ou-trem, que são, portanto, do mesmo clã, têm pe-

rante ele um dever de solidariedade,muitas vezes no limite da legalidade.

Esta noção está bem enraizadana cultura melanesiana a

que pertence a maiorparte dos habi-

tantes das

IILLHHAASS SSAALLOOMMÃÃOO..AA LLEENNTTAA SSAAÍÍDDAA DDEEUUMMAA LLOONNGGAA CCRRIISSEE

Hegel Goutier

O Parlamento das Ilhas Salomão elegeu, em 13 de Dezembro passado, um novo Primeiro-Ministro, depois de ter emitido um voto de desconfiança contra o seu antecessor. O jogodemocrático foi respeitado e, desta vez, sem tumultos populares, contrariamente às másexperiências do passado recente. As tensões com o poderoso vizinho australiano ate-nuaramse rapidamente. A saída da crise iniciada há muito tempo parece progredir.

Ilhas Salomão. Além disso, a dezena de ilhas constituintes deste país e quesó passaram a formar um conjunto com a independência, é cada umapovoada de clãs diferentes, tendo várias delas mantido antagonismos se-culares. Numa população de cerca de 540.000 habitantes, coexistem maisde 70 línguas totalmente diferentes umas das outras.

O processo de unificação deste conjunto de ilhas só começou verdadeira-mente por volta da Segunda Guerra Mundial, que viu a região, e principalmente a Ilha de Guadalcanal, tornar-se no palco de um dos maisespectaculares e determinantes confrontos entre as forças nipónicas eamericanas. Foi ali, em última análise, que os Japoneses perderam a guer-ra. Os abarracamentos do aeroporto militar de Honiara iriam ser a base dafutura capital, Honiara. E as outras ilhas serão agrupadas à volta deGuadalcanal, às quais o Reino Unido concedeu a independência em 1978(o Estado das Ilhas Salomão), sem ter conhecido uma verdadeira históriapartilhada.

O “wantok”, praticado por políticos que detêm o poder, tem sido vistocom frequência pelos investidores como uma má governação. Daí advêmincompreensões, senão graves tensões!

> Agitações repetidasA curta história do novo Estado foi rapidamente dominada pelas tensõesentre os Malaitanos e a população de Guadalcanal. A densidade da po-pulação em Malaita é relativamente elevada e as oportunidades económi-cas relativamente reduzidas, em comparação com a sua vizinhaGuadalcanal, sede do poder político. Uma parte importante da sua popu-lação vai emigrar para lá.

As primeiras agitações importantes remontam ao final dos anos 90, tendocomo ponto de partida o antagonismo entre as populações originárias deMalaita, instaladas na província de Guadalcanal, e as locais. O povogwale de Guadalcanal, a ilha mais próspera, começou a exprimir vivosprotestos contra o que considera uma invasão dos habitantes das outrasilhas, nomeadamente da ilha vizinha de Malaita, acusados de se apode-rarem não só das terras, mas também dos empregos. Formaram-se ban-dos paramilitares. Primeiro, o Guadalcanal Revolutionnary Army (GRA)que começou a intimidar os “migrantes” malaitanos, forçando-os a fugiraos milhares (mais de 20.000 entre 1999 e 2003) das zonas rurais para acapital ou para as suas terras de origem. Para fazer frente às intimidaçõesdeste grupo de irredentistas, criou-se o Malaitan Eagle Force, que ope-rou em Junho de 2000 um autêntico golpe de Estado capturando oPrimeiro-Ministro. A resposta veio de um novo bando paramilitar gwale(o Isatabu Freedom Fighters, que substituiu o GRA), que assassinou ummembro do novo Governo. Balanço: centenas de mortos.

A não aplicação de dois acordos de paz sucessivos entre as partes levoua que, sobretudo a partir de Abril de 2000, surgissem conflitos emWestern Province. Como pano de fundo desta nova crise, depara-se coma exploração “insuportável” das florestas por sociedades estrangeiras,principalmente asiáticas, cujos impactos dizem respeito não só ao ambi-ente, à economia e à boa governação, mas também à cultura e aos usos ecostumes. Normalmente, a propriedade fundiária em várias ilhas daregião, como em Guadalcanal, pertence à mulher. Ora, as empresas flo-restais são acusadas de fazerem transacções irregulares com determina-dos responsáveis das aldeias e de espoliar as mulheres, que têm organi-zado grandes manifestações e sido vítimas de brutalidades por parte dosguardas de segurança privados de várias plantações. Ella Kauhue,Secretária-Geral do National Council of Women, explica a O Correio:

Museu Nacional e Centro Cultural, Honiara 2008 © Hegel Goutier.

Memorial de Guadalcanal 2008. © Hegel Goutier

Fumo no bosque perto de Honiara 2008. © Hegel Goutier

O contexto da última crise foi a exploraçãoinsustentável da floresta

Parlamento, Honiara 2008. © Hegel Goutier"A recente crise de liderança política demonstrou a forçada nossa instituição democrática fundamental", dissePM Derek Sikua

N. 5 N.E. – ABRIL MAIO 2008

Perspectiva

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P erspectiva

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8 N. 5 N.E. – ABRIL MAIO 2008

Perspectiva Occhiello PerspectivaOcchiello

“Em Guadalcanal, por exemplo, há uma regra matrilinear: as mulheressão proprietárias das terras. No entanto, muitas vezes, quando permitema vinda de estrangeiros, as mulheres não participam na decisão. Oshomens recebem grandes quantidades de dinheiro. Viajam, gastam essedinheiro e, depois, regressam à aldeia.”

Em Abril de 2003, os Estados Insulares do Pacífico, no âmbito daDeclaração de Biketawa*, decidiram enviar às Ilhas Salomão uma mis-são de polícia – o RAMSI (Regional Assistance to Solomon Islands) –sob a direcção da Austrália que forneceu 80% do contingente. Tambémfizeram parte da missão unidades neozelandesas e de outras ilhas doPacífico. Note-se que as unidades das Ilhas Fiji e da Papua-Nova Guinésão remuneradas pela Austrália.

O RAMSI também conseguiu restabelecer a ordem na região, apesar dasagitações intermitentes. Assim, após as eleições de 2006 relativamentebem-sucedidas, o Primeiro-Ministro, eleito por vasta maioria dos trêsprincipais partidos do país, teve de demitir-se após vários dias de tumul-tos, acusado de conivência com a corrupção. Eram visados essencial-mente os meios de negócios asiáticos, sobretudo taiwaneses, implicadosna gestão das florestas. Estes tumultos causaram, entre outras coisas, adestruição do Chinatown de Honiara.

O Parlamento elegeu um novo Primeiro-Ministro que parecia ser do agra-do dos revoltados, M. Manasseh Sogavare (ainda em funções aquando davisita de O Correio), mas que ia manter relações tensas com uma parte dacomunidade internacional e, mais precisamente, com a Austrália. A razãoprincipal era que o Primeiro-Ministro tinha colocado no seu Governoduas personalidades acusadas de terem participado na organização dostumultos. Aliás, num comunicado emitido em Maio de 2006, a União

Europeia não se coibiu de manifestar a sua desaprovação. Sob a pressãointernacional, estas nomeações foram anuladas, mas as relações com aAustrália mantiveram-se azedas devido, nomeadamente, a outrasnomeações contestadas. O Sr. Sogavare já tinha sido Primeiro-Ministrona sequência de um golpe de Estado em 2000 até às eleições deDezembro de 2001, perdidas pelo seu partido.Em 13 de Dezembro, após um voto de desconfiança do Parlamento, estemesmo Parlamento demitiu Sogavare do seu posto e substituiu-o porDerek Sikua em 20 de Dezembro. O Sr. Sogavare passou a assumir opapel de líder da oposição. Após a crise de 1999, raramente houvemudança de Governo tão calma, sem escaramuças nas cidades ou nasaldeias. Para o novo Primeiro-Ministro, é um sinal de que as instituiçõesdemocráticas se fortaleceram: “A recente crise de liderança políticademonstrou a força das nossas instituições democráticas fundamentaispara garantir uma solução justa e democrática.”Efectivamente, desde a chegada das forças do RAMSI, o jogo democráti-co tem sido respeitado, mas muitas vezes com volatilidade e convulsõesmais ou menos graves que não permitiam presumir uma saída total dacrise e a partida das tropas do RAMSI. A presença de uma numerosa mul-tidão em Malaita, que aplaudiu o novo Primeiro-Ministro, foi interpreta-da por muitos como o início de uma verdadeira reconciliação nacional.Oxalá a pacificação actual não seja seguida de novos subterfúgios e out-ras hesitações da democracia. �

* A Declaração de Biketawa, adoptada em Outubro de 2000 pelo Fórum das Ilhas doPacífico (Pacific Islands Forum), definiu as bases de uma resposta coordenada às crisesregionais.

J osé Manuel Durão Barroso, Presidente daComissão Europeia, solicitou aos Estados-Membros que aumentassem a respectivaAssistência ao Desenvolvimento

Ultramarino (ADU), para satisfazer osObjectivos de Desenvolvimento do Milénio(ODM), que incluem a redução da pobrezaextrema global para metade até 2015.

“Estamos no bom caminho quanto à eficáciada ajuda, mas temos que ser sinceros e recon-hecer que a eficácia do volume da ajuda em2007 é pura e simplesmente insuficiente”,disse o Presidente Barroso numa conferênciade imprensa realizada em Bruxelas em 9 deAbril.

O apelo a mais ajuda está, em parte, contidonum documento da UE - “A UE como par-ceiro global para o desenvolvimento” -, pu-blicado por Durão Barroso, em 9 de Abril,discussões iniciadas com vista à adopção deuma posição comum da UE para o Fórum deAlto Nível da Eficácia da Ajuda, a realizar emAcra, Gana, no mês de Setembro, e para oFinanciamento da Conferência sobreDesenvolvimento, em Doha, em Dezembro.

Pela primeira vez desde 2000, a ajuda externacombinada dos 27 Estados-Membros da UE atodos os países em desenvolvimento baixou,situando-se em 46,1 mil milhões de euros em2007, em comparação com os 47,7 mil mil-hões de euros em 2006.

Números recentes da Organização deCooperação e Desenvolvimento Económico(OCDE) revelam que, em 2007, o montanteda ajuda proveniente dos seguintes Estados,que são tradicionalmente grandes con-tribuidores, diminuiu: Bélgica (-11,2%),França (-15,9%), Itália (-3,6%), Portugal (-9,4%), Suécia (-2,6%) e o Reino Unido (-29,1%).

Em contrapartida, os seguintes Estados derammais em 2007: Alemanha (+5,9%), Irlanda(+4,6%), Luxemburgo (+11,7%), Espanha(+33,8%), Áustria (+7,6%), Dinamarca(+2,9%), Finlândia (+5,5%), Grécia (+5,3%)e Países Baixos (+3,1%).

O Presidente Durão Barroso disse que aComissão Europeia tinha um papel de liderançana satisfação dos Objectivos deDesenvolvimento do Milénio e pediu aosEstados-Membros que especificassem os seusaumentos anuais da ajuda ao desenvolvimentoaté 2015. Disse ainda que esta mensagem seriaapresentada na reunião de Junho dos Chefes deEstado da UE, a realizar na Eslovénia, e aogrupo dos oito países mais industrializados(G8), a realizar em Julho no Japão.

Foi igualmente solicitado aos Estados-Membrosque contribuíssem para uma nova linha orça-mental anual da Comissão Europeia de 2 milmilhões de euros para a “Ajuda ao Comércio”até 2010, comparticipada em metade pelaComissão Europeia e na outra metade pelosEstados-Membros. O objectivo é financiarinfra-estruturas susceptíveis de reforçar ocomércio regional nos países em desenvolvi-mento e os grandes beneficiários, como seespera, são os Estados da África, Caraíbas ePacífico (ACP).

Montantes superiores da ajuda são apenas umaparte do documento do “parceiro global” quetambém sublinha a melhoria da eficácia da ajuda.Aqui, houve muito progresso, tendo os Estados-Membros tomado decisões de planeamento con-juntas, afirmou Louis Michel, ComissárioEuropeu do Desenvolvimento, aos jornalistas,em 9 de Abril. Na Somália, seis países da UE e aNoruega coordenam a ajuda. Louis Michel deutambém o seu apoio à linha orçamental que criou“uma relação de confiança entre iguais”.Quarenta e sete por cento dos 22,6 mil milhões deeuros do 10.° FED (2008-2013) são afectados àajuda orçamental nos países ACP.

E o documento apela a mais sinergia entre aspolíticas de desenvolvimento e outras políticasda UE, a fim de evitar situações de conflito comcada uma das outras políticas, sendo os bio-combustíveis um bom exemplo (ver artigosobre biocombustíveis na rubrica sobre ocomércio). D.P. �

GGEEEERREEFFPPAARRAA CCOOMMBBAATTEERR AASSAALLTTEERRAAÇÇÕÕEESSCCLLIIMMÁÁTTIICCAASS

G EEREF significa Fundo Mundial para

a Eficiência Energética e as Energias

Renováveis. Trata-se de um novo fundo

da UE criado para projectos de pequena

escala que melhorem a eficiência

energética ou promovam energias ren-

ováveis nos países em desenvolvimento e

nas economias em transição, reduzindo

as alterações climáticas. A Comissão

Europeia vai disponibilizar 80 milhões de

euros nos próximos quatro anos para

relançar o fundo e estimular o investi-

mento privado. Será dada prioridade a

projectos que utilizem uma tecnologia

sólida do ponto de vista ambiental e ten-

ham experiência comprovada. Os

nacionais ACP são elegíveis.

D.P. � �Palavras-chaveIlhas Salomão; Pacífico; exploração das florestas; Sogavare; DerekSikua.

Palavras-chaveDebra Percival; ODM; Ajuda; José ManuelDurão Barroso; Louis Michel.

Campanha de luta contra a sida da organização Save the Children 2008.© Hegel Goutier.

Mercado de Honiara 2008. © Hegel Goutier.

Estação de serviço no bairro chinês,em Honaria 2008. © Hegel Goutier

Cólera especial contra os negóciosasiáticos. O bairro chinês de Honiarafoi destruído durante os tumultos

Alto-mar visto de Honaria 2008. © Hegel Goutier

RREEDDUUÇÇÕÕEESS DD AA AAJJUUDDAA DDOOSS EESSTTAADDOOSS--MMEEMMBBRROOSS DD AA UUEE AAMMEEAAÇÇAAMM AA SS PPRROOMMEESSSSAASSDD EE DDOONNSS PPAARRAA CCOOMMBBAATTEERR AA PPOOBBRREEZZAA

Logótipo da Climate Action.© CE.

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D ossierDossierPesca

1010

Osector das pescas dos Estados costeiros da África,Caraíbas e Pacífico vive dias movimentados. Os desafiosque o sector deve enfrentar são múltiplos, quer se trate daquestão da integração ou não do sector nos Acordos de

Parceria Económica, da criação de estruturas adequadas para asseguraruma pesca sustentável, tanto da parte das suas frotas como das frotasestrangeiras – singularmente as frotas europeias -, quer se trate ainda daviabilidade das pescarias artesanais, vitais em determinados Estados

costeiros, como o Senegal, a Mauritânia ou alguns países das Caraíbas.Como pano de fundo, está a nova proposta da Comissão Europeia, apre-sentada em Outubro de 2007, para lutar contra a pesca ilícita, que é umflagelo de uma envergadura tal que se tornou numa das preocupaçõesprioritárias a nível internacional. Os desafios são de tal ordem que para-lisaram este processo em três questões de actualidade: a luta contra apesca ilícita, o acordo exemplar de parceria de pesca entre a UniãoEuropeia e a Mauritânia e a pesca artesanal. �

A PESCA:à procura de ummodelo sustentável Por Marie-Martine Buckens “P

ara os países ACP e as nossas relações com eles, odossiê da pesca ilegal é da maior importância”, consi-dera Cesar Deben, “na medida em que se assiste a umdesenvolvimento progressivo deste tipo de pesca e

em que a Europa tem um papel importante a desempenhar, tendo emconta que somos o mercado mais promissor – mesmo perante a emer-gência da Rússia e da China –, sobretudo para produtos de qualidade”.

Com efeito, a União Europeia desempenha um papel importante nocomércio internacional dos produtos de pesca. Em 2003, a quantidadeimportada pelos 25 Estados-Membros de então ascendia a mais de 10milhões de toneladas, correspondente a cerca de 24 mil milhões deeuros. No mesmo ano, a UE só exportou 6 milhões de toneladas de pro-dutos da pesca no valor de cerca de 14 mil milhões de euros. Por con-

seguinte, a UE é importador líquido destes produtos, uma tendência quese vem confirmando. Perante isto, a UE tem vindo a celebrar acordosde pesca com alguns Estados costeiros dos ACP: acordos mistos (quepermitem a captura de diferentes espécies), em especial com a Áfricado Oeste, próxima das costas europeias, sobretudo espanholas, ou acor-dos sobre atuneiros com países do Oceano Índico (Seicheles eComores, nomeadamente) e do Oceano Pacífico – uma das regiões maisricas em espécies migratórias – (Ilhas Salomão, Quiribáti e os EstadosFederados da Micronésia). Estes acordos visam, acima de tudo, assegu-rar às frotas europeias um aprovisionamento regular. Mas o mercadointernacional de produtos da pesca assumiu proporções tais que arras-tou consigo novos piratas dos mares, atraídos por ganhos substanciais,tanto mais que eles descartam as regras que não lhes convêm – técnicasde pesca, quotas – impostas às frotas legais.

Guerra aberta àpesca “ilícita, não declarada,não regulamentada”A UE decidiu atacar de frente um flagelo que afectará cerca de um quinto do volumemundial da pesca: a pesca ilegal. Ponto da situação com Cesar Deben Alfonso, direc-tor responsável pelo controlo e execução na Direcção-Geral da Pesca e dos AssuntosMarítimos da Comissão Europeia.

N. 5 N.E. – ABRIL MAIO 2008 1111

Prateleiras de secagem de peixe em Cap Skirring,Casamance, Senegal. © Delegação da UE no Senegal

Chegada de inspectores para inspecção de um barco de pesca, 2002. © EC

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> Um vasto campo de acção

“Há três motivos que nos levam a abordar estevasto campo de acção”, prossegue CesarDeben. “Primeiro, trata-se de preservar osrecursos. Segundo, o regulamento que pro-pusemos em Outubro de 2007 insere-se numquadro de cooperação, em especial com ospaíses ACP, que são as primeiras vítimas, de-vido não só à incapacidade estrutural deenfrentar este flagelo, mas também aos proble-mas de corrupção. Recorde-se que o controlodas actividades da pesca exige custos enormesque muitos países não podem suportar”. O ter-ceiro motivo consiste em colocar a frotaeuropeia em pé de igualdade com as frotas dospaíses terceiros. “A nossa frota tem que fazerface a normas muito estritas”, afirma CésarDeben, e continua: “É a mais controlada domundo e é necessário assegurar-lhe uma con-corrência leal”. Como medidas a tomar, cita apresença da “caixa azul” a bordo dos navios,que permite localizá-los por satélite, e o livrode bordo electrónico, que será generalizado apartir de 2009. Cesar Deben reconhece, noentanto, que a pesca ilícita afecta todas as fro-tas, seja através de sociedades criadas em paí-ses terceiros, seja através das famosas ban-deiras de conveniência.

> Um rosário de medidas coercivas

Até aqui, a UE apoiou a adopção de certasmedidas para combater a pesca ilícita tomadaspelas organizações regionais de pesca. Mas é aprimeira vez que podem ser adoptadas medi-das juridicamente vinculativas, sob a forma deum Regulamento do Conselho, pelosMinistros Europeus da Pesca. Quais são? Em

primeiro lugar, debater o estatuto da bandeirade conveniência. “O Direito do Mar prevê queo Estado é responsável pelas actividades dosnavios que arvoram a sua bandeira. Énecessário fazer respeitar plenamente estaobrigação”. Felizmente, considera CesarDeben, os casos são cada vez mais raros, epaíses como a Guiné Equatorial, a RepúblicaDominicana, Belize ou o Panamá já terãoabandonado esta prática. “Mas há aindamuitos”, afirma, e prossegue: “Queremos agirsegundo dois eixos. O primeiro consiste emobrigar os Estados a reforçar o controlo. Senão forem cooperantes, recusaremos os seusprodutos nos portos europeus. Em seguida,mudaremos o nosso quadro jurídico inver-tendo o ónus da prova. Os operadores quedesejam exportar os seus produtos para aEuropa deverão provar que as suas capturasobedecem aos requisitos legais, prática aliásmuito corrente nos Estados Unidos”. Para isso,o regulamento prevê um mecanismo de certifi-cação (que já existe para os atuneiros) e “ospaíses que não colaboram poderão perder asua certificação”, acrescenta o directoreuropeu. Não se trata de estabelecer uma listanegra das embarcações piratas, mas de supri-mir um direito automático. “Já existem normassanitárias, basta acrescentar um critério delegalidade”.

> Medidas de acompanhamento

“É necessário igualmente”, prossegue CesarDeben, “que o mecanismo se coadune com asregras da Organização Mundial do Comércio eque não tenha consequências negativas para osexportadores dos países em desenvolvimento.Os principais países ACP exportadores de pro-dutos da pesca para a Europa são a África do

Sul e a Namíbia, seguidos de alguns países daÁfrica do Oeste, principalmente a Mauritânia.Calcula-se, pois, que 80% dos produtos pesca-dos ficam em África através da cadeia de frio”.Além disso, muitos destes países são as princi-pais vítimas da pesca ilegal. As pequenas fro-tas asiáticas, que pescam sem licença nestaságuas, são um verdadeiro flagelo. Para estespaíses, a UE prevê compensações para os aju-dar a respeitar a legalidade das actividades depesca. Nos acordos de parceria de pesca cele-brados entre a UE e alguns Estados ACP (queserão cada vez menos) já está prevista umaajuda financeira. Cesar Deben afirma: “Alémdisso, podemos prever prazos de conformi-dade mais dilatados e medidas de acompa-nhamento como, por exemplo, para formar opessoal aduaneiro”. Estas medidas poderão serfinanciadas pelo Fundo Europeu deDesenvolvimento (FED) ou pela PolíticaComum da Pesca (PCP) da UE.

“Globalmente, estas propostas foram bemacolhidas, tanto pelas ONG como peloParlamento Europeu e o Comité Económico eSocial Europeu”, conclui Cesar Deben. Mastambém foram bem acolhidas pelos grandesconcorrentes da UE neste sector (nomeada-mente a Noruega e os Estados Unidos, mesmoos Chineses estariam dispostos a cooperar), oque é um factor muito importante dado o regulamento prever a constituição de uma redeinternacional.M.M.B. �

Os novosacordos de PARCERIAAcabou a famosa política do “pescar, pagar e partir”,aplicada pela UE aos países ACP com os quais assinouacordos bilaterais de pesca. Vigoram agora os “acordosde parceria de pesca”, os APP, elaborados sob o lema do“desenvolvimento sustentável”.

Aconclusão destes acordos de par-ceria foi imposta por imperativosecológicos – a sobrexploraçãocada vez mais ameaçadora – mas

também comerciais. Antecipando as novasregras da OMC sobre as subvenções à pesca, aComissão considera efectivamente “que acontribuição financeira proposta pelaComunidade não pode ser considerada umasubvenção aos pescadores europeus”. Nofuturo, prossegue a Comissão, “a contribuiçãofinanceira da Comunidade deverá ser conside-rada um investimento destinado a melhorar apesca responsável e racional e, por isso,baseada em novas considerações”. A transfor-mação dos acordos de pesca em acordos deparceria de pesca (APP) é recente e a maior

parte dos APP só entrou em vigor há um ano.No entanto, o principal objectivo dos APP égarantir às frotas europeias, à semelhança dosantigos acordos bilaterais, o acesso às águasterritoriais de alguns Estados costeiros. Nadécada de 70, a maior parte destes Estadosestabeleceu zonas económicas exclusivas(ZEE) alargando a sua jurisdição no mar de 3a 12 milhas náuticas para 200 milhas náuticas.Esta medida colocou perto de 90% dos recur-sos de pesca mundiais sob controlo dosEstados costeiros. As frotas dos Estados-Membros da UE, com uma tradição de pescanas águas de países terceiros, foram brusca-mente excluídas das suas zonas de pesca tradi-cionais. Para assegurar o acesso das suas fro-tas às águas de países terceiros, a UE celebrou

acordos de pesca com estes últimos. Quando,em 1986, a Espanha e Portugal aderiram à UE,os acordos bilaterais nacionais que estes paí-ses haviam celebrado foram progressivamenteabandonados e substituídos por acordos daUE. Onde não existam acordos de pesca da UE(por exemplo na África do Sul), mantêm-seem vigor os acordos bilaterais nacionais.

> Garantir o acesso

A política da UE relativa à pesca longínqua,que tem por principal objectivo defender osinteresses da UE no sector da pesca, tem sidoaté ao presente o principal motor das relaçõesACP-UE no sector da pesca, indica o CentroTécnico de Cooperação Agrícola e Rural(CTA). Em Julho de 2007, a União Europeiacelebrou 14 acordos de pesca com os paísesACP, que prevêem o pagamento de uma con-trapartida financeira. Em troca, as frotas da UEbeneficiam de acesso aos recursos que, em teo-ria, não são explorados pelo Estado costeiro,sendo muitas vezes denominados “recursosexcedentes” .

> Os interesses espanhóis na linha da frente

Um estudo encomendado em 2005 pelo departa-mento do Reino Unido responsável pelo desen-volvimento internacional (DFID) sublinha as

Palavras-chaveMarie-Martine Buckens; pesca ilegal; CesarDeben; Comissão Europeia; ACP; OMC;frotas europeias.

Outra inspecção de uma barco de pesca, 2002. © EC

Polvo© Lauri Dammert. Imagem de BigstockPhoto.com

O atum é uma das reservas de peixe das águas dos Estados litorais ACP

de interesse para as frotas da UE.© Chrissie Shepherd. Imagem de BigstockPhoto.com

12 N. 5 N.E. – ABRIL MAIO 2008

Dossier Pesca DossierPesca

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principais razões dos acordos de pesca assinadospela UE:- Fornecimento de matérias-primas à indústria

transformadora do peixe da UE, tendo emconta o aumento da procura no mercadocomunitário e a diminuição do aprovisiona-mento nas águas da UE essencialmente provo-cada pela sobrepesca. A UE importa cerca de60% do peixe consumido no seu mercado. Apartir de 2000, passou a ser necessário impor-tar um volume suplementar de 9 milhões detoneladas de peixe por ano para satisfazer aprocura, não só da indústria transformadorado peixe, mas também dos consumidores daUE. Estima-se em 694 milhões de euros ovalor acrescentado induzido a título dos acor-dos ACP-UE pelas actividades de transfor-mação e de comercialização do peixe nosEstados-Membros.

- Manutenção da capacidade de pesca no exteri-or das águas da UE. Na década de 90, os acor-dos de pesca ACP-UE autorizavam cerca de800 navios da UE a pescar nas águas dos país-es em desenvolvimento. Note-se que, com o

tempo, o esforço de pesca efectivamentedesenvolvido através dos acordos de pescaACP-UE tem aumentado por motivos ligadosao desenvolvimento tecnológico.

- Manutenção do emprego na UE. Os acordosde pesca ACP-UE representam 35.000empregos na UE, essencialmente no sectorda transformação.

O essencial dos benefícios decorrentes dosacordos celebrados entre os países ACP e a UEvai para os operadores espanhóis, que obtêmmais de 80% do valor acrescentado e dosempregos. A parte que cabe à França e aPortugal representa cerca de 7%. Em 2006, oorçamento total dos acordos de pesca somava240 milhões de euros. Para alguns acordos depesca ACP-UE mais importantes, os custos,em 2006, repartiam-se assim:- 86 milhões de euros para o acordo UE-Mauritânia; - 7,2 milhões de euros para o acordo UE-Guiné-Bissau; - 4,12 milhões de euros para o acordo UE-Seicheles;

- 3,9 milhões de euros para o acordo UE-Guiné. As reservas de peixes que pululam nas águasdos Estados costeiros ACP e que interessam asfrotas de pesca longínqua dividem-se principal-mente em três categorias:- espécies demersais: incluindo essencialmente

o polvo, o linguado, o camarão, os lucianosvermelhos e a pescada;

- pequenas espécies pelágicas: sardinelas, cara-pau/chicharro, sardinhas e sardinopas;

- todas as espécies de atum.

> Os APP, “fonte de todos os males”?

Alguns observadores consideram que os novosacordos de parceria de pesca que a UE negociaactualmente com os países costeiros ACP, parasubstituírem os acordos bilaterais, são a “fontede todos os males” e só favorecem a pesca ilíci-ta. Isso é falso, responde o CTA que cita o exem-plo dos arrastões espanhóis que, operando naságuas sul-africanas com o beneplácito da SouthAfrican Marine and Coastal Management(MCM), teriam conseguido contornar a reduçãodas quantidades de pescada capturada, exigidapor detentores de quotas, transformando apescada em salsichas. Ora, sublinha o CTA, “nocaso da África do Sul, a ausência de um acordode pesca não impediu determinados armadoreseuropeus de aceder às zonas de pesca sul-africanas. É demasiado frequente acordos priva-dos conduzirem a situações desleais e desfa-voráveis, tanto para as populações ACP locaiscomo para os recursos haliêuticos”. M.M.B. �

Em Dezembro de 2007, a Comissão Europeia decidiu revogar oProtocolo em vigor entre a UE e a Mauritânia, estimando que “aspossibilidades de pesca não estavam a ser plenamente utilizadaspelos armadores comunitários”. Estão previstas várias reuniões

técnicas para, como diz a Comissão, “adaptar melhor o novo protocolo aoperfil da frota comunitária que pesca nas águas mauritanas e respondermelhor às necessidades de desenvolvimento do sector nacional das pescasda Mauritânia”. Em 19 de Fevereiro passado, os Ministros da Pesca daUE, reunidos em Conselho, deram um aval à Comissão para que estadetermine “possibilidades de pesca para os navios comunitários em equi-líbrio com a compensação financeira paga à Mauritânia”. Por outras pala-vras, rever a contribuição financeira paga pela UE para que as suas frotaspossam pescar nas águas mauritanas. O Conselho convida igualmente asduas partes a prever “consultas para a adopção de medidas adequadas a

uma gestão sustentável dos recursos marinhos mauritanos, à luz dos me-lhores pareceres científicos disponíveis, nomeadamente o estado dasreservas”. O primeiro acordo de parceria em matéria de pesca entre aUnião Europeia e a Mauritânia data de 1987. O último acordo foi assinadopara o período 2006-2012. O Protocolo que fixa as possibilidades de pescae a contribuição financeira foi assinado para um período de dois anos eentrou em vigor em 1 de Agosto de 2006. Ao fim de um ano de aplicaçãodo protocolo, a Comissão Europeia considerou que as possibilidades depesca concedidas aos Estados-Membros eram insuficientes.

O APP entre a UE e a Mauritânia é exemplar. É o acordo de pesca maisimportante que a União Europeia celebrou com um país terceiro, tanto emtermos financeiros – a contribuição da UE eleva-se a 86 milhões de eurospor ano, o que representa cerca de 32% da receita nacional da Mauritânia

O exemplo – controverso - da

MAURITÂNIAConciliar acesso aos recursos e exploração sustentável é, por vezes, mais difícil do queexecutar um exercício de equilibrista. Provam-no as dificuldades inerentes à aplicaçãodo acordo de parceria entre a UE e a Mauritânia.

Palavras-chaveMarie-Martine Buckens; acordos de parce-ria de pesca (APP); ACP; frotas europeias;sobrepesca; CTA.

Barco de pesca industrial © iStockphoto.com/rramirez125

Porto de Kalaban Koro, perto de Bamako, Mali. © Anne-SophieCostenoble. Com o consentimento da fotógrafa. Contacto: [email protected]

Barcos ao largo da costa da Mauritânia. © Delegação da UE na Mauritânia

14 N. 5 N.E. – ABRIL MAIO 2008

Dossier Pesca DossierPesca

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– como em termos de possibilidades de pesca para os navios comunitários– cerca de 200 navios provenientes de Espanha, Itália, Portugal, França,Grécia, Países Baixos, Lituânia e Letónia operam actualmente nas águasmauritanas. Mas representa também um caso de escola para tentar regulara sempiterna questão da sobrexploração dos recursos. Com efeito, oacordo prevê possibilidades de pesca para crustáceos, essencialmentecamarão, pescada e outras espécies demersais, pequenos pelágicos, atume o recurso mais importante da Mauritânia – os cefalópodes.

> O espectro da sobrexploração

Em Dezembro de 2007, 20 embarcações de pesca pertencentes à associaçãoespanhola de cefalópodes ANACEF e que pescam cefalópodes no âmbito doactual acordo UE-Mauritânia, decidiram interromper a sua actividade em vir-tude da perda de benefícios que se deve, segundo a associação, à inadequaçãodas medidas técnicas contempladas no acordo. A ANACEF incrimina espe-cialmente o tamanho mínimo fixado para a captura dos cefalópodes, isto é500 g, que considera demasiado elevado, o que obriga a pescar para além dolimite das seis milhas. Aqueles pescadores travaram, há vários meses, umbraço de ferro com as autoridades mauritanas para que lhes fosse reconheci-do o direito de pescar tamanhos proibidos de comercialização. Lamentamigualmente serem privados de acesso aos cefalópodes juvenis, a não serpagando avultadas multas. Segundo a ANACEF, o regresso a casa dos naviosespanhóis “provocará a perda de 340 empregos directos e 1600 indirectos,bem como a ruptura do aprovisionamento dos mercados espanhol, italiano ejaponês, que serão privados de sete toneladas de cefalópodes” que estasembarcações levavam da Mauritânia. Uma tonelada de polvo pode, porvezes, atingir 7000 a 8000 dólares dos EUA. O comité científico do InstitutoMauritano de Investigação Oceanográfica e das Pescas (IMROP) tinha lança-do, há alguns meses, um alerta visando proteger a regeneração das espéciescefalópodes abusivamente exploradas.

Todas as frotas que operam nas águas mauritanas, sejam elas nacionais ouestrangeiras, como a frota de pesca europeia de cefalópodes, não param deregistar perdas devido à sobrexploração dos recursos. Por isso, o objectivo

prioritário do acordo deveria consistir, segundo o CTA, em ajudar aMauritânia a ajustar as suas capacidades de pesca aos recursos disponíveis eem manter o princípio segundo o qual as frotas europeias só poderiam teracesso ao excedente dos recursos que não pudessem ser pescados localmente.Também é muito importante, prossegue o Centro, que a UE mantenha o seucompromisso de apoiar os esforços da Mauritânia a favor do desenvolvimen-to de uma política sectorial sustentável.

> A corrida aos cefalópodes

Os cefalópodes, em especial o polvo, são um dos recursos haliêuticosfundamentais da Mauritânia. Em 2004, a Sociedade Mauritana deComercialização dos Produtos da Pesca (SMCP), que comercializa atotalidade dos demersais e cefalópodes congelados desembarcados pelafrota nacional, exportou cerca de 40.000 toneladas de peixe no valor de119 milhões de euros, aproximadamente. Só o polvo representa 51,2%desta quantidade total exportada no valor de quase 98 milhões de euros,ou seja 82% do volume de negócios total da SMCP. Para os Europeus,o polvo mauritano também é um trunfo importante. Assim, ainda em relação a 2004, os arrastões de cefalópodes europeusgeravam 33% do volume de negócios realizado no âmbito do acordo depesca (contra 38% para os pequenos pelágicos e 16% para os arrastõesde camarão).

> A chegada dos Chineses

No início dos anos 90, quando a pesca artesanal do polvo estava noauge, foram introduzidos maciçamente navios de origem chinesa, noquadro de uma renovação da frota, decidida apesar das advertências doCentro Nacional de Investigação Oceanográfica e das Pescas

(CNROP) e da FAO sobre o estado das reservas, que não podiam supor-tar a pressão que se adivinhava. A chegada de arrastões de cefalópodesda UE entre 1994 e 1996 acelerou o esvaziamento das reservas e dosrendimentos. Segundo Béatrice Gorez da organização não governamen-tal a favor dos acordos de pesca equitativos (CAPE), as 125 unidadesda frota nacional industrial eram maioritariamente compostas, em 2006,por estes navios de origem chinesa.

Em 2006, o IMROP, que reúne de quatro em quatro anos os melhoresespecialistas internacionais das pescas mauritanas, estimava em 31% oexcedente de pesca do polvo, o que representava uma perda de pro-dução de 20%. Para realizar o objectivo de maximização do rendimen-to, fixado pela política mauritana, teria sido necessário reduzir o esforçode 40% para o reconduzir ao nível do máximo económico. Se, acrescen-ta a coligação CAPE, examinarmos o acesso proposto pelo actual acor-do Mauritânia-UE, estão previstas 43 licenças de pesca do polvo paraos arrastões europeus. Se o compararmos com o acordo anterior, osnúmeros mais recentes disponíveis provam que, no primeiro trimestrede 2005, só foram utilizadas 46 licenças de pesca das 55 inicialmenteprevistas no acordo de 2001-2006, por causa do mau estado dos recur-sos. Passar-se-ia assim, conclui a CAPE, de 46 para 43 licenças, isto é,uma diminuição de 6,5%. É difícil imaginar como esta módicadiminuição poderá conduzir a uma redução de 30% do esforço de pescaeuropeu anunciado oficialmente.M.M.B. �

Novo acordo com a Costa do MarfimEm 20 de Fevereiro de 2008, o Conselho de Ministros da UE

autorizou um novo acordo de parceria com a Costa do Marfim

no sector da pesca. O acordo – nitidamente menos importante que

o que vincula a UE à Mauritânia – prevê uma contribuição finan-

ceira da UE de 455.000 euros por ano. As quotas de pesca fixadas

por este protocolo serão, para o período de 1 de Julho de 2007 a

30 de Junho de 2013 (com efeitos retroactivos) repartidas entre os

Estados-Membros do modo seguinte:

– 25 cercadores: Espanha (15 navios) e França (10 navios);

– 15 palangreiros de superfície: Espanha (10 navios) e Portugal (5

navios).

A contribuição financeira da UE equivale a uma tonelagem de refer-

ência de 7000 toneladas por ano, mais um montante específico de

140.000 euros por ano para ajudar a executar a política de pesca

do governo marfinense. O novo acordo é suposto substituir o de

1990 relativo à pesca ao largo das costas marfinenses. O protoco-

lo prevê igualmente uma cláusula de revisão que permite, após o

terceiro aniversário, alterar o protocolo e os seus anexos, se a

Comissão Mista considerar necessário. �

Palavras-chaveMarie-Martine Buckens; Mauritânia; APP; ANACEF; China;cefalópodes; CAPE.

O Acordo de Parceria de Pesca Mauritânia - UE é considerado umexemplo. É o acordo de pesca mais importante que a UE jamaisconcluiu com um país terceiro e não apenas em termos financeiros, dado a contribuição da UE ser de 86 milhões de eurospor ano, ou seja cerca de um terço do rendimento nacional da Mauritânia. © Delegação da UE na Mauritânia

Pesca tradicional na Mauritânia. © Delegação da UE na Mauritânia

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Dossier Pesca DossierPesca

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DossierPesca

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Dossier Pesca

Globalmente, a pesca artesanal ori-gina mais de 80% dos postos detrabalho directos e indirectos nosector da pesca. A pesca artesanal

ACP também é essencial às actividades de trans-formação artesanal que abastecem os mercadoslocais e regionais de peixe. Na África subsa-riana, por exemplo, as estatísticas da FAO mos-tram que a pesca artesanal assegura até 80% dosdesembarques de peixe destinado ao consumohumano directo. Além disso, no caso da Áfricado Oeste, a pesca artesanal também desempenhaum papel importante no aumento da oferta depeixe fresco aos mercados internacionais remu-

neradores, como a Europa, os Estados Unidosou a Ásia.

Em 2006, num encontro organizado pelosarmadores europeus para estudar uma maneirade contribuir para o desenvolvimento sustentá-vel dos países ACP, o Ministro da Pesca deMoçambique declarou que a Europa devia«compreender melhor os problemas que os paí-ses enfrentam quando desejam gerir as suaspescarias de maneira sustentável. A principalluta que travamos é a luta contra a pobreza abso-luta. O sector da pesca tem um papel a desem-penhar nesta luta. Nesse sentido, o nosso princi-pal objectivo é o desenvolvimento integrado dapesca artesanal”.

A pesca artesanal como instrumento privilegia-do de luta contra a pobreza é uma relação que severifica em todos os países ACP costeiros.Longe das imagens miserabilistas veiculadaspor alguns, a pesca artesanal é um sectordinâmico, capaz de inovação, que representauma escolha privilegiada para responder aosdesafios do novo milénio, desde que se lheprestem a devida atenção e um apoio adequado.

Um destes grandes desafios dos países ACP é arestauração dos ecossistemas fragilizados e dasreservas de pesca sobrexploradas pela pescaintensiva e destrutora. Neste contexto de empo-brecimento dos recursos, os pescadores ACPdevem optar por um sistema de pesca de quali-dade em vez de uma pesca quantitativa e privi-legiar técnicas que respeitem, tanto o ambiente

como a qualidade do produto. Para começar,existe uma ligação clara entre a qualidade doproduto e os desembarques da frota artesanal.Na pesca mauritana, por exemplo, a superiori-dade da pesca artesanal em termos de qualidadee de valor acrescentado do produto é um ele-mento constante. Assim, em 2005, o polvo cap-turado pela pesca artesanal mauritana vendia-sea um preço superior de 200 dólares/tonelada aodo capturado pelos arrastões congeladores.Relativamente aos peixes nobres de fundo, só osprodutos artesanais fornecem a qualidaderequerida para a exportação em fresco para aEuropa, atingindo um preço médio de 4,5 euroso quilo, quando os mesmos peixes congeladosda pesca industrial custam menos de 2 euros oquilo.

As modalidades de intervenção da UniãoEuropeia no sector da pesca ACP deviam consistir em dar a prioridade ao investimentonestas pequenas e médias empresas de pescaartesanal e nos sectores dos serviços e das infra-estruturas (portuárias, acesso aos locais de trans-formação, utilização de tecnologias apropriadas)para que o sector, nos países ACP, pudesseexprimir todo o seu potencial em matéria de lutacontra a pobreza e pela segurança alimentar. �

* Coordenadora CAPE (Coligação para Acordos dePesca Equitativos)

Pesca artesanal ACP: aMAIS EFICAZ para responderaos desafios do novo milénio

Pescas artesanais: os desafios da

RASTREABILIDADEE DA QUALIDADE.

O caso do Senegal**

A noção de “valoracrescentado”Em geral, é incorrecto falar de “valor

acrescentado” na transformação do

peixe. Em muitos casos, o esforço de

transformação não acrescenta qualquer

valor ao produto. Na realidade, o peixe

começa a perder valor logo que sai da

água... Tanto assim é que, para se opti-

mizar o valor dos desembarques, é

necessário guardar o produto vivo, ou

fresco, o mais tempo possível... �

Béatrice Gorez*

Gaoussou Gueye*

A pesca artesanal senegalesa representa 12.000 pirogas, 60.000 pescadores e outrostantos empregos indirectos criados nas comunidades de pescadores: mulheres transfor-madoras, comerciantes e outras actividades conexas. A pesca artesanal senegalesa étambém o principal fornecedor de produtos da pesca, tanto para a exportação comdestino aos mercados internacionais como para os mercados regionais e locais. Daí aimportância crucial que reveste para o nosso sector a melhoria da rastreabilidade e daqualidade, nomeadamente sanitária, dos nossos produtos.

Palavras-chavePesca artesanal; CAPE (Coligação paraAcordos de Pesca Equitativos).

Pintura mural de CAPE, Praia de Alex, Freetown, Serra Leoa 2008. © Debra Percival

Barcos tradicionais em Djifer, aldeia piscatóriano sul do Senegal. © Delegação da UE no Senegal

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Dossier Pesca

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I nteracções

Acooperação é fruto de debate democrático e traduz-se emactos. Mas este debate e estes actos têm rostos de mulherese de homens e não é possível mencionar todos os autoresdesta obra comum semi-secular. No entanto, O Correio tra-

çou, tanto quanto pôde, o retrato de algumas figuras proeminentes ACPe europeias. Algumas estavam doentes ou incontactáveis. Outras, comoLorenzo Natali, Comissário Europeu de 1985 a 1989, TiéouléMamadou Konaté, primeiro Secretário-Geral do Grupo ACP (1975-1980), ou Isabelle Bassong, Embaixadora dos Camarões de 1988 a2006 junto das instituições europeias, já não se encontram entre nós.

A galeria dos retratos de pessoas que, pontualmente ou ao longo dosanos, desempenharam um papel importante é imensa. Tudo o que OCorreio pode fazer é apresentar um resumo geral, começando, porquenão, por citar um dos seus fundadores, o lendário chefe do protocolo echefe do serviço de imprensa do Grupo ACP, Alpha Niaka Bary, céle-bre pela sua prontidão em resolver inúmeros problemas e pela suaimpressionante colecção de bengalas. O seu compatriota, Seydina Oumar Sy, antigo Embaixador e antigoMinistro do Comércio Externo e dos Assuntos do Senegal, participouem todas as negociações das Convenções de Lomé.

O chefe de fila das negociações ACP da 1ª Convenção de Lomé, oEmbaixador nigeriano Olu Sanu, notabilizou-se pela sua tenacidade.Também a Princesa Ana deixou a sua marca na história desta coo-peração, exortando os membros da Assembleia Paritária CEE-ACP,na sessão de Inverness em Setembro de 1985, nestes termos: «Não secontentem em falar de ajuda, tornem-na eficaz». Muitas outras per-sonalidades políticas de peso deram o seu contributo, como o antigoMinistro francês do Interior Michel Poniatowski, apelando, nasvésperas de Lomé III, como presidente da Comissão doDesenvolvimento do Parlamento Europeu, à renovação da política decooperação. Na linha dos fundadores, há que citar Edgar Pisani, ComissárioEuropeu do Desenvolvimento (1981-1984), “pai” do diálogo políticocom os ACP e da prioridade dada ao desenvolvimento rural e à segu-rança alimentar, graças à sua experiência anterior adquirida noMinistério da Agricultura em França. A história lembrará tambémque a chegada de Lorenzo Natali ao cargo de Comissário doDesenvolvimento, em 1985, pôs termo ao que parecia ser uma for-taleza francesa neste cargo. Sucederam-lhe o espanhol Manuel Marin(1989), o português João de Deus Pinheiro (1994), o dinamarquêsPoul Nielson (1999) e o belga Louis Michel (2004).

Éno mar, no preciso momento em que opeixe sai da água, que se assegura aqualidade. E é por isso que devemosenvidar todos os esforços para melho-

rar a qualidade das nossas embarcações. Hoje,os profissionais da pesca artesanal considerampositiva a substituição gradual das pirogas tradi-cionais de madeira por pirogas de fibra de vidro.Esta substituição pode revelar-se positiva numpaís como o nosso que tem necessidade de com-bater a desflorestação, pois para construir umagrande piroga de madeira são necessárias duasárvores grandes. Além disso, estas pirogasrequerem manutenção frequente e dispendiosa:de seis em seis meses, é necessário recorrer acarpinteiros para efectuarem reparações.As pirogas de fibra de vidro são mais limpas queas de madeira. Mas também são mais leves, logoconsomem menos combustível, o que é um ele-mento a ter em conta numa altura em que ocusto do combustível onera cada vez mais asnossas actividades. As pirogas de fibra de vidrotambém estão mais bem equipadas para conser-var o peixe, além da sua manutenção tambémser mais fácil.

> Embarcações modernas e higiene

Mas a substituição das pirogas de madeira porpirogas de fibra de vidro é dispendiosa para ospescadores, tendo em conta que uma piroga defibra de vidro custa mais do dobro de umapiroga de madeira. Para assegurar a renovaçãoprogressiva da nossa frota e para que estaopção não fique reservada apenas aos que dis-põem de meios financeiros para investir nestasnovas pirogas, são necessários mecanismosespecíficos que permitam uma ajuda ou umcrédito adequado. No entanto, substituir as pirogas de madeirapor pirogas de fibra de vidro não resolverá osproblemas de higiene, se os comportamentosnão mudarem no ramo da pesca artesanal, noque diz respeito às operações de manipulaçãodo peixe. A maior parte das pessoas quemanipulam o peixe nas pirogas e muitas mu-lheres envolvidas nesta actividade (incluindo

nos cais de desembarque) não têm a noção dasexigências que a rastreabilidade e a higienerepresentam em termos de mudança de com-portamento diário. Neste domínio, énecessário prever informação e formação. Obaixo nível de alfabetização destas pessoastorna as coisas ainda mais difíceis.Para sermos mais precisos sobre este últimoponto, temos que reconhecer que, quando se dizque estas pessoas não são alfabetizadas, signifi-ca muitas vezes que elas não dominam o francêse que, a maior parte, domina perfeitamente a lín-gua nacional, falada e escrita. Convém, portan-to, adaptar as formalidades na língua nacionalpara que as pessoas envolvidas na manipulaçãodo peixe possam preencher os documentosnecessários e dar as informações adequadas.Como se depreende, o local onde é efectuada a“primeira venda” (lota) é muito importante paraa recolha dos elementos necessários à rastreabil-idade do peixe.

> O papel crucial do consumidor

Entretanto, já é possível constatar mudançasimportantes em termos de profissionalização ede especialização de pessoas com responsabili-dades em matéria de rastreabilidade e higiene.Assim, as caixas em polistireno destinadas aconservar o peixe a bordo já não são limpaspelos próprios pescadores, mas por homens emulheres que se especializaram nesta actividadee que sabem como assegurar um nível dehigiene excelente destas caixas.Do mesmo modo, os condutores dos camiõesfrigoríficos que transportam o peixe do cais dedesembarque até Dacar estão hoje agrupadosnuma associação e receberam formação paraque o transporte do peixe se faça em boascondições. Foi-lhes concedida uma autorizaçãoindividual que reconhece a sua especialização. Temos pela frente um vasto campo de acção: amelhoria das condições de trabalho e de manip-ulação a nível dos produtos artesanalmentetransformados e vendidos em toda a sub-região.Os problemas são muitos: limpeza e higiene nasinstalações de transformação – o que exigeesforços das autoridades locais para, por exem-

plo, a recolha regular dos resíduos, o escoamen-to e a água potável nestas instalações –, dificul-dades de embalagem da mercadoria, etc. Por último, gostaria de chamar a atenção para aresponsabilidade dos consumidores e a necessi-dade de os sensibilizar para a problemática dapesca sustentável e da luta contra a pesca ilícita.

Por um lado, os consumidores querem um pro-duto de boa qualidade e sadio, e, por outro, nemsempre estão interessados em saber se o produ-to provém de fontes lícitas ou não. Por exemplo,o consumidor quer peixes de 300 g no seu prato,mesmo se a lei estipula que, para fins de conser-vação da espécie, o peso mínimo desses peixesdeve ser 400 g. O pescador vê-se assim “forçado” a satisfazer opedido do consumidor, mesmo se isso o colocaà margem da lei e o força a iludir a rastreabili-dade. É o caso de muitos hotéis, que pedem tamanhosde peixe correspondentes à categoria juvenis,em especial de espécies como a garoupa legíti-ma, a dourada, o camarão, etc., mesmo se estaprática viola o Código de Pesca senegalês. Omesmo acontece em Espanha, onde encontrá-mos, aquando da nossa visita ao mercado deBarcelona, juvenis de espécies provenientes dasnossas regiões à venda nas bancas da praça. É por isso que os consumidores e os com-pradores (incluindo os hotéis) devem ser infor-mados e responsabilizados em relação à suaprocura de produtos da pesca que estejam emconformidade com as leis e regulamentaçõesligadas à conservação das espécies. �

* Vice-Presidente do Conselho NacionalInterprofissional da Pesca Artesanal no Senegal (CONI-PAS), e-mail: [email protected]

** Apresentação feita na “Cimeira dos Produtos daPesca”, organizada pela Seafood Choices Alliance, de27 a 30 de Janeiro de 2008, em Barcelona (Espanha).

Palavras-chavePesca artesanal; Senegal; piroga; CONIPAS;rastreabilidade.

As FIGURAS PROEMINENTESda cooperação ACP-UE

François Misser, Hegel Goutier e Andrea Marchesini

A medir pelos resultados, a cooperação é fruto de um debate democrático.Todavia, os resultados destes debates resumem-se a uma única coisa: cada homem ecada mulher. Dado ser praticamente impossível mencionar todas as pessoas envolvi-das na cooperação ACP-UE no decorrer dos anos, O Correio tenta apresentar umagaleria de algumas das vozes líderes nestas discussões e debates.

Barcos de pesca tradicionais numa praia do Senegal.© Delegação da UE no Senegal

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Interacções Personalidades ACP-UE InteracçõesPersonalidades ACP-UE

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> Michel Rocard O QUEBRADOR DE TABUS

O antigo Primeiro-Ministrofrancês, Michel Rocard, conhecidopela sua posição contra a guerra daArgélia e por ter defendido oprincípio da autodeterminação daNova Caledónia, prosseguiu a sualuta, tanto na Comissão doDesenvolvimento do ParlamentoEuropeu como na AssembleiaParlamentar Paritária (APP), noabate de alguns tabus. Lembremosalguns deles: a confusão sob a de-

signação de “informal” do tráfico de armas, de pedras preciosas e de sereshumanos com a economia popular dos países ACP. Outro tabu, na suaopinião, é o “slogan enganoso e perigoso” segundo o qual “a chave dodesenvolvimento da África passaria pelo acesso dos seus produtos aosmercados dos países desenvolvidos, quando dois terços dos paísesafricanos não têm nada para exportar e os restantes não obtiveram quais-quer resultados decorrentes da afectação dos rendimentos do petróleo aodesenvolvimento”. Rocard também nunca deixou de lembrar que, devi-do à diminuição da auto-suficiência alimentar em África, era necessárioproteger a sua agricultura alimentar.

> Louis MichelDÁ PRIORIDADE ÀS INFRA-ESTRUTURAS

Comandante de bordo da coope-ração europeia para o desenvolvi-mento desde 2004, o ComissárioLouis Michel, antigo Ministrobelga dos Negócios Estrangeiros,já impôs o seu cunho na evoluçãodas relações com os parceiros deÁfrica, Caraíbas e Pacífico.Primeiro, sob a sua direcção, aComissão Europeia aumentou aproporção da ajuda directa aosorçamentos dos Estados ACP, afim de os responsabilizar pela suaapropriação dos programas dedesenvolvimento financiados pelaUE. Além disso, é sob a sua lide-

rança e a do seu colega, responsável pelo comércio, o Comissário PeterMandelson, que devem ser celebrados, em 2008, os Acordos deParceria Económica (APE) com os países ACP. Espera-se que estesacordos estimulem o comércio regional e atraiam investimentosextremamente necessários, tendo em conta as necessidades de desen-volvimento das economias ACP. Um elemento importante da política deLouis Michel a favor dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénioconsistiu em focalizar-se no apoio às infra-estruturas, particularmenteem África, a fim de proporcionar aos parceiros ACP os meios de quenecessitam para se tornarem competitivos e gerirem a riqueza em proldos seus cidadãos.

> Giovanni Bersani ESTABELECER PONTES ENTRE A UE E OS ACP

Diplomado em Direito, activistacontra o nazismo e o fascismo naItália, após a Segunda GuerraMundial, Giovanni Bersani fezparte dos fundadores do movi-mento italiano dos trabalhadorescristãos, foi vice-presidente daACLI (Associação cristã dos tra-balhadores italianos) e parlamen-tar italiano durante sete legislat-uras. Foi sub-secretário doMinistro do Trabalho do Governo

de De Gasperi em 1952-1953. Como deputado do Parlamento Europeu,a partir de 1960, implicou-se particularmente nas relações externas, emespecial com a África, para desenvolver, no final da década de 60, umapolítica europeia de paz através de relações fortes.O objectivo da sua actividade política era apresentar a Europa, segundoo espírito dos seus fundadores, como potência cívica e moral e nãocomo força militar.

Foi, depois, vice-presidente da Comissão do Desenvolvimento e mem-bro da Comissão das Relações Económicas Externas. No início, aderiuao Partido Democrata Cristão, depois ao grupo parlamentar do PartidoPopular Europeu. De 1976 a 1989, foi Presidente da AssembleiaParlamentar Paritária, criada pela Convenção de Lomé, e, no final doseu mandato, foi nomeado Presidente vitalício ad honorem. A partir de1980, tem consagrado a sua vida política às relações com os paísesmediterrânicos que não fazem parte da UE. Em Abril de 1989, lançouum apelo à primeira Assembleia Parlamentar Mediterrânica para uma“cooperação total”. Esta assembleia aprovou um plano de cooperaçãopermanente, no qual uma Assembleia Parlamentar Paritária desempe-nha um papel central como no caso das Convenções de Lomé.

> Glenys KinnockUMA PERSONALIDADE DE PRIMEIRO PIANO

Antiga docente, Glenys Kinnockfoi eleita pela primeira vez em 1994e reeleita em 1999 e em 2004, dep-utada europeia pelo País de Gales.Faz parte da Comissão doDesenvolvimento e Cooperação doParlamento Europeu e é Co-Presidente da AssembleiaParlamentar Paritária ACP-UE(APP), procurando, nesta quali-dade, apresentar uma agenda con-sistente e sem rodeios. Um colega

da APP afirmava na sessão de Wiesbaden, em Junho de 2007: “Sem ela,as nossas reuniões não serão a mesma coisa”. Presidente da ONG OneWorld Action e madrinha da Drop the Debt Campaign, as suas actividadesa favor do desenvolvimento não se restringem aos fóruns parlamentares.

Todos os membros da APP se recordam da sua vibrante defesa a favor dosObjectivos de Desenvolvimento do Milénio, na sessão de Novembro de

> Dieter FrischO NEGOCIADOR EUROPEU DAS CONVENÇÕES DE LOMÉ

Director-Geral do Desenvol-vimento da Comissão Europeia, de1983 a 1993, este diplomado emCiências Económicas (Univer-sidade de Bona) e em LínguasModernas (Universidade deHeidelberg), acompanhou a aven-tura da construção europeia desde1958. Depois de ter cessado assuas funções na Comissão, contin-uou a alimentar a reflexão sobre odesenvolvimento, empenhando-se ao mesmo tempo naTransparency International, da

qual é um dos membros fundadores juntamente com o seu compatri-ota alemão e antigo alto funcionário do Banco Mundial, Peter Eigen,na luta contra a grande corrupção: a que constitui um entrave aodesenvolvimento. Na sua opinião, uma das maiores lições a tirar dosacordos de Lomé entre a Comunidade Europeia de então e os paísesACP é que são acordos pioneiros, que desencadearam uma dinâmicaque levou a outros acordos com os países do Mediterrâneo, daAmérica Latina e da Ásia.

> Ghebray Berhane“OS ACP DEVEM ENCONTRAR OUTRA AMBIÇÃO”

Secretário-Geral do Grupo ACPde 1990 a 1995, este doutor emDireito, diplomado pelaSorbonne, acumulou uma expe-riência de 14 anos no domínio dacooperação UE-ACP. Antes deiniciar funções na direcção doSecretariado ACP, GhebrayBerhane negociou, comoEmbaixador da Etiópia junto dasinstituições europeias, de 1978 a

1987, as Convenções de Lomé III e de Lomé IV.

Graças a esta experiência, mas também à que adquiriu depois de sair doSecretariado ACP, como director de uma firma de aconselhamentojurídico e de consultoria em Adis Abeba, que prestou serviços àEthiopian Privatization Agency, da Commonwealth DevelopmentCorporation, mas também no domínio da arbitragem por conta doPrograma Alimentar Mundial e da União Europeia, Ghebray Berhaneconsidera que as regiões ACP se comprometeram a assinar acordos deparceria económica separados com a UE e que chegou a hora de os ACPprocurarem “um novo impulso, uma outra ambição”. Na sua opinião, osACP deveriam enfrentar os grandes desafios que só podem ser tratadosa nível regional, como as alterações climáticas ou os grandes flagelos,por exemplo.

> Claude Cheysson“PAI” DE LOMÉ E DO STABEX

Antigo Ministro francês dasRelações Externas, de 1981 a1984, Claude Cheysson é um dosarquitectos da política de cooper-ação da União Europeia. ComoComissário Europeu doDesenvolvimento, levou à piabaptismal a 1ª Convenção deLomé, que entrou em vigor em1975 e revolucionou a cooperaçãodo fundador, devido, nomeada-mente, ao seu carácter contratualque impedia o retrocesso das van-tagens então adquiridas. Mas tam-

bém porque Lomé foi a aposta da apropriação pelos parceiros ACP dadefinição das prioridades da sua cooperação com a União Europeia.Além disso, Lomé I foi o primeiro acordo de cooperação internacionala introduzir um mecanismo de compensação das perdas de receitas deexportação dos produtos agrícolas ACP para a UE: o Stabex. A audáciadestas posições não espantam num homem que, à entrada na diploma-cia francesa, a seguir à Segunda Guerra Mundial, compreendeu as aspi-rações das antigas colónias à independência. Conselheiro do Presidentedo Vietname em 1952, Claude Cheysson foi um fervoroso defensor daemancipação da Argélia. E foi ainda ele quem, de 1985 a 1988, na qua-lidade de Comissário Europeu responsável pela política mediterrânica edas relações Norte-Sul, insuflou o espírito de Lomé para fomentar acooperação com outros países.

> Edwin Carrington O PRAGMÁTICO

O economista trindado-tobaguenseEdwin Carrington, que passou 14anos no Secretariado ACP comoSecretário-Geral Adjunto (1976-1985) e Secretário-Geral (1985-1990), é um dos que melhor con-hecem as Convenções de Lomépor as ter negociado. Além disso,como Secretário-Geral da Caricomdesde 1992, continua, pela forçadas coisas, a acompanhar o proces-so de cooperação com a UE.

É impossível resumir aqui os quilómetros de discursos pronunciadossobre o assunto por Edwin Carrington. Mas podemos sublinhar o apelo,nomeadamente expresso na edição de Janeiro de 1982 de O Correio, a“uma apreciação cada vez mais realista das potencialidades” desta coop-eração. Sejamos claros: em si, os acordos não trazem nenhuma soluçãofácil aos problemas dos países ACP, mesmo se constituem o únicoquadro de cooperação desta natureza. Compete aos países ACP desco-brir em que sectores podem tirar proveito da cooperação, mas tambémdevem ser considerados responsáveis uma vez que eles contribuem paraa fixação das suas prioridades.

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Aameaça das alterações climáticas,associada ao aquecimento global e apreços do petróleo mais elevados,está a fomentar o uso de com-

bustíveis alternativos, como os biocombustíveis,que produzem menos emissões de carbono. Osbiocombustíveis podem ser produzidos a partirde milho, soja, óleo de colza, cana-de-açúcar epalma, e utilizados puros com motores adapta-dos ou, então, misturados com gasóleo ougasolina standard.Em Março de 2007, os Chefes de Estado e deGoverno da UE acordaram que, até 2020, 10%dos combustíveis utilizados nos meios de trans-porte da UE deverão derivar de biocombustíveisde fontes sustentáveis. Passado um ano, concluiu-se numa reunião dosector dos biocombustíveis, que era necessárioacelerar a produção para atingir este objectivo.No congresso de 13 de Março sobre osMercados Mundiais de Biocombustíveis, o rep-resentante do sector, Olivier Schaeffer, e direc-tor de política no Conselho Europeu de EnergiasRenováveis (CEER) afirmou: “Acredito quepodemos atingir o objectivo de 10%, tanto maisque o potencial é superior a isso”. Noutras salas de reunião de Março emBruxelas, o entusiasmo sobre o futuro dos bio-combustíveis foi mais resfriado. Os partici-pantes num seminário do Parlamento Europeusobre o tema “Biocombustíveis – salvadoresecológicos ou destruidores”, manifestaram-sepreocupados pelo facto de mais terra utilizadapara produzir mais culturas para biocom-

bustíveis significar menos terra cultivada paraculturas alimentares e indiciar subidas dospreços dos alimentos.Na mesma reunião, foi claramente afirmadoque as enormes extensões de floresta para pro-duzir culturas para biocombustíveis conduzirãoa uma perda de biodiversidade. Lester Brown, Director do Earth Policy Institut(Instituto de Política da Terra), sedeado emWashington, advertiu aquando do lançamento,em Bruxelas, do seu livro Plan B 3.0Mobilizing to Save Civilisation: “Historica-mente, as economias alimentares e energéticasestavam separadas, mas com tantas destilariasde etanol actualmente construídas para conver-ter o grão em combustível, as duas economiasestão a fundir-se. Nesta nova situação, o preçomundial do grão está a subir para o seu valorequivalente a petróleo. O mundo está aenfrentar subitamente uma questão moral epolítica sem precedentes: será que vamos uti-lizar o grão como combustível para automóveisou como alimento para as pessoas?”Brown concluiu: “Há o risco de a subida dospreços do grão provocar o caos nos mercadosmundiais do cereal e semear a discórdia nospaíses de baixos e médios rendimentos importa-dores de grão”.

> Reacção emocional

Claire Wenner, directora da Associação dasEnergias Renováveis de Biocombustíveis,sedeada em Londres, afirmou numa reunião dos

industriais do sector que “os biocombustíveisutilizam cerca de um por cento da terra globaldisponível para a agricultura (os dados sãoligeiramente superiores na Europa)” e que “há operigo real de os biocombustíveis incriminadosse tornarem numa reacção emocional que nosimpedirá de tratar questões muito mais vastas,como as necessidades energéticas e alimentares,nos próximos 50 anos”.Na conferência do Parlamento Europeu, outrossolicitaram mais investimento nos biocom-bustíveis da chamada “segunda geração”, comoa purgueira, um arbusto silvestre que dá umfruto não comestível do tamanho de uma bola degolfe com sementes que contêm óleo que podeser transformado em biodiesel e – trunfo adi-cional – pode ser cultivada em baldios. Entretanto, países como a Serra Leoa são con-frontados com decisões a tomar. Entrevistadopor O Correio em Freetown, o Ministro daAgricultura, Dr. Sam Sesay, afirmou ter rece-bido muitos pedidos de investidores em óleo depalma, mas advertiu: “Primeiro, queremos con-centrar-nos na satisfação das necessidadesdomésticas antes de pensarmos nas exportações.Mas não queremos que o óleo de palma reduzaoutras culturas como o arroz, o café e o cacau.Necessitamos de equilíbrio para termos acerteza de que não perdemos outras culturasimportantes”. D.P. �

O DEBATE INFLAMA o MERCADO de

BIOCOMBUSTÍVEIS

O DEBATE INFLAMA o MERCADO de

BIOCOMBUSTÍVEISAs palmeiras agitam-se majestosamente nos matagais da Serra Leoa assinalan-do o mercado potencial de óleo de palma para produzir biocombustíveis. Noscírculos de Bruxelas, porém, os sinais são menos entusiastas.

Palavras-chaveDebra Percival; Serra Leoa; Energia;Biocombustíveis.

2006 nos Barbados, quando exortou simultaneamente os ACP e a Europaa concentrar-se nos serviços públicos essenciais, alegando que “o merca-do não pode nem deve assumir sozinho estas tarefas vitais”. Insistiu nofacto de que “a ajuda deve ser mais previsível, flexível e pontual para queos governos possam planificar e utilizar os seus orçamentos de maneiraconcertada e transparente nos sectores da saúde e da educação”. Emmatéria de comércio, insistiu igualmente na ideia de que a Europa deveter em mente que “negoceia os APE com um grupo ACP onde existemalgumas das economias mais vulneráveis do mundo”. Finalmente, con-cluiu que “ninguém de entre nós escapará aos efeitos das alteraçõesclimáticas, mas são os mais pobres que pagarão o preço mais elevado ede forma desproporcionada”.

> Jean-Robert Goulongana O HOMEM DA CONCILIAÇÃO

Quando assumiu as suas funções àcabeça do Secretariado ACP, exac-tamente antes da assinatura dafutura Convenção de Lomé, forammuitos os que recearam as capaci-dades do Grupo em assegurardeterminadas alterações na coo-peração com a União Europeia. Enão seriam muitos os que apostari-am na coesão entre os ACP nofinal das negociações comerciaisanunciadas.

Goulongana fez rapidamente o seudiagnóstico. O Grupo não pode ser forte sem um Secretariado forte eeste não pode ser forte sem a sua independência e, sobretudo, sem umadespolitização. E o Secretário-Geral, que deve servir os Estados e ani-mar o Grupo, vai ser esse animador que dará alma ao Grupo em caso desonolência e nos momentos de dúvida.

Diz-se servidor, mas é sobretudo chefe de orquestra. Os músicos tocam,ele marca o ritmo. Graças ao seu talento de conciliador, reconciliador eorquestrador, o Grupo sair-se-á airosamente de situações difíceis e acooperação ACP-UE ultrapassará alguns escombros, defendendo comunhas e dentes os interesses dos ACP, muito embora mantenha umacompreensão total pelos pontos de vista do seu parceiro.

As situações em que Goulongana desenvolve a sua arte da conciliaçãosão incontáveis: o “diálogo político” entre a UE e países ACP sobre osdireitos humanos, as negociações dos APE e a concertação com a OMC.Revelar-se-á, em todas as circunstâncias, exímio na consecução de umentendimento cordial durante e após aturadas discussões.

> Sir John KaputinFACE ÀS NOVAS MUTAÇÕES

Sir John Kaputin, Secretário-Geraldo Grupo ACP desde 1 de Marçode 2005, é um homem de leis comuma longa experiência de 30 anoscomo parlamentar no seu país, aPapua-Nova Guiné, de 1972 a2002. Exímio conhecedor do fun-cionamento da cooperação ACP-UE, foi associado às negociaçõesdas Convenções de Lomé e doAcordo de Cotonu desde 1978. E

foi Co-Presidente da Assembleia Paritária ACP-UE de 1995 a 1997.

Logo no início da sua carreira política, Sir John entrou para o Governo doseu país e nele se manteve quase ininterruptamente de 1973 a 2002,chefiando sucessivamente os Ministérios da Justiça, do Plano e doDesenvolvimento, das Finanças, das Minas e da Energia, dos NegóciosEstrangeiros e, finalmente, como Ministro Delegado às instituições finan-ceiras internacionais. �

Palavras-chaveUE; ACP; Dieter Frisch; Sir John Kaputin; Jean-RobertGoulongana; Louis Michel; Giovanni Bersani; Glenys Kinnock;Michel Rocard; Edwin Carrington; Claude Cheysson; GhebrayBerhane; APP; Lomé; APE.

Manuela Carzo, Abbracciamo il mondo, 2007

Manifesta! © Africa e Mediterraneo

© Jim Parkin. Imagem de BigstockPhoto.com

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Interacções Personalidades ACP-UE

N. 5 N.E. – ABRIL MAIO 2008 25

C omércio

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“ambientes conscientes” são importantes paracada álbum: “Quando fiz esse primeiro álbum,disse às pessoas que tínhamos que falar sobreo que nos levou à guerra”.

> U go si am

“Nesse álbum havia uma canção em krio,chamada U go si am ou, Vereis, cantada porEmmerson”, prossegue Fisher. “A mensagemera que somos corruptos, que estamos a uti-lizar mal os recursos do país e que um dia istose voltará contra nós. Essa canção teve muitosucesso. As pessoas adoraram-na porque diziao que elas queriam dizer e não podiam”.Fisher continuou a produzir um álbum a solo,Borbor Bele, para Emmerson Bockarie. Acanção do título também toca numa corda sen-sível do público: “Um ser humano com umestômago enorme está a desviar dinheiro,razão pela qual o seu estômago é tão grande”.Fisher afirma que a canção fez cair o últimoGoverno. À pergunta se alguma vez foi cen-surado, respondeu: “Nunca”. Fisher explica a sua simbiose musical: “Amaior parte dos jovens estão virados para ohip-hop: Notorious B.I.G e Tupac, todos vira-dos para o rap. E eu pensei: Porque não trans-portar o rap para a língua local, o krio, e mis-turar o ritmo hip-hop com o tipo de músicacaribenha e jamaicana? De início, as pessoasriam-se. Agora, toda a gente a canta e dança amúsica”.Muitos jovens na Serra Leoa estão a tentarfazer dinheiro com a música. Parte do que éproduzido atemoriza Fisher, é de baixa quali-dade. Ele também tenciona fazer qualquercoisa contra a pirataria musical. Basta ir aqualquer cruzamento de rua para obter uma

compilação barata, copiada, por apenas 4000leones, ou seja, menos de 2 dólares dos EUA. “Constituímos uma organização, a NationalAssociation of Performing Artists (NAPA).Há uma lei antipirataria, mas o problema éque está desactualizada. Assim, se um artistaapresentar queixa contra alguém que tenhapiratado a sua obra, custar-lhe-á mais doque o que o tribunal lhe conseguiria obter.Temos que utilizar novamente o poder damúsica para mudar as coisas. Ainda nãotemos o nome da canção. É necessário re-gulamentar essa lei e torná-la opera-cional”. Fisher está a trabalhar em doisálbuns, um dos quais dedicado às criançaspara ser cantado sobretudo pelas criançasde um orfanato. A Serra Leoa assinou a

Convenção das Nações Unidas sobre osDireitos da Criança, disse ele, mas oParlamento ainda não a ratificou. “O impor-tante é levar o Parlamento a reunir-se e a adop-tar a convenção. O ensino básico é suposto sergratuito, mas, quando se vai para a escola, osencargos são tantos, como a compra dos livros,por exemplo, que se fica com a impressão degastar mais do que se não fosse gratuito”. King Fisher também se pronunciou sobre aactual estrela tórrida da Serra Leoa, a DJ Lulu:“Ela sofreu muito enquanto criança. Émestiça, filha de pai libanês e de mãe serra-leonesa. Mas a comunidade libanesa não apre-cia este tipo de relação. Quando o seu pai fale-ceu, ela era ainda muito jovem. Por isso, a suafamília libanesa decidiu desviá-la, pelo que elateve de lutar muito pela vida. Ela tem uma canção em que diz como setornou adulta, Na Me Kam So. Diz assim:

“Pensaram que eu nunca me safaria, mas estouaqui”. King Fisher também está a trabalhar emvídeos para a ONG Search for CommonGround na autarquia local. As eleiçõesautárquicas terão lugar em Julho de 2008. “Oque estamos a fazer é ir pelas regiões fora efazer uma reportagem com imagens quemostrem como as Câmaras estão a actuar etentar compará-las com outras Câmaras paraque, quando houver sessões de trabalho daCâmara com os vereadores de diferentes áreas,os responsáveis possam apresentar estesvídeos para que as pessoas os comentem edigam se esta Câmara está a funcionar bem ounão com o orçamento de que dispõe”. O objec-tivo é dar a palavra às pessoas para tornar pos-sível a mudança. Outra preocupação de Fisheré a garantia de um governo de união nacionalque inclua todas as tribos: “Este será o tema deuma das minhas canções”.São cerca de 7 da tarde. Fisher sai do seu estú-dio para se relaxar com o seu pessoal (“hismen”) e beber uma cerveja. A seguir, poderáver um filme de acção. E ainda terá de arranjartempo, diz, para pôr as suas pernas dançantesnovamente a trabalhar para o lançamento denovos álbuns.D.P. �

Palavras-chaveDebra Percival; King Fisher; Serra Leoa;músico; rap.

Z oom

Ésábado e o Body Guard Studio, nas traseiras de uma rua deFreetown, é o local do nosso encontro com King Fisher, ummúsico que se tornou DJ número um da Serra Leoa, produtorde música e documentarista. Acabou de chegar de uma região

do país onde esteve a gravar vídeos que apelam à compreensão públicapara as dificuldades que enfrentam os serra-leoneses. Fisher está apaixonado pelo seu país e pela música. As oportunidadesde distracção são raras. Levanta-se às 6 e meia da manhã, ouve as notí-cias da BBC World e segue directamente para o estúdio a fim de insta-lar um novo equipamento de produção de música e de vídeo. Para muitos serra-leoneses, como King Fisher (aliás, Emrys Savage), aguerra civil alterou a marcha do futuro. O panorama musical no seu paísdescolou durante o conflito que durou uma década, a dos anos noventa,“quando tudo deixou de funcionar”. “Nessa altura, trabalhei como DJ e participei em concursos de rap. Amaior parte do tempo era escolhido para fazer parte do júri. Num deles,encontrei um grupo chamado Black Roots. Este foi o primeiro grupojovem a actuar ao vivo. Fiquei tão impressionado que prometi ajudá-loscom álbuns. Estávamos então em 1995”.Em 1997, Fisher começou a compor as suas próprias canções. Explicacomo surgiu o nome do estúdio: “Havia uma estação de rádio britânicachamada British Forces Broadcasting Service (BFBS) e um DJ muitoforte que tinha um grupo chamado Bodyguard. Apenas utilizei o seunome. Também vi no nome um tipo de protecção contra muitas coisasque aconteceriam mais tarde”.

Ele fala da influência de Jimmy Bangura (Jimmy B), um serra-leonêsque tem um contrato de gravação com a EMI e que passou a maior parteda sua juventude nos Estados Unidos e na África do Sul, sendo tambémo primeiro a importar equipamento digital para a Serra Leoa. Após ofim da guerra em 2002, criou o Paradise Recording Studio e deu ajovens, colectivamente conhecidos por Paradise Family, a oportunidadede editarem o primeiro álbum gravado na Serra Leoa. Foi um grandesucesso. “Tentei levar, sem êxito, os Black Roots para os ParadiseFamily. Prometi-lhes, no entanto, que um dia criaria o meu próprioestúdio de gravação”.Outra porta se abriu a Fisher quando trabalhava para Search forCommon Ground, uma ONG internacional com uma representação naSerra Leoa, com a qual continuou a trabalhar, fazendo vídeos sobreassuntos que preocupam os serra-leoneses, que vão da saúde ao com-bate à corrupção. “Encontrei um expatriado que estava a instalar umequipamento digital. Pensei, uau!, posso comprar um computador, algu-mas coisas, instalá-las, montar um estúdio e isso tornou-se no estúdiodigital”.Às 10 e meia, Fisher interrompe para fazer um intervalo (hora do chá),depois regressa directamente ao estúdio até às 3 da tarde. Fala-nos daedição do seu primeiro álbum:“Quando fizemos a nossa primeira compilação no Body Guard Studio,chamada Body Guard Revolution Chapter 1, as pessoas perguntavam-me qual era o significado da revolução e se eu queria voltar aos temposda guerra. Disse-lhes que esta revolução é positiva”. Para Fisher, os

KING FISHER Um músico serra-leonês com “ambientes conscientes”

Um dia na vida de

Páginas 26 e 27:King Fisher no Talking Drum Studio, Search for Common Ground, Freetown (Serra Leoa) 2008.© Alfred Bangura aka Funky Fred, Talking Drum Studio

Álbum popular de Emmerson produzido por King Fisher 2008. © Emmerson

N. 5 N.E. – ABRIL MAIO 2008

Em focoOcchiello

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E m foco

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SERRA LEOAPor Debra PercivalPoder acender a luz pela primeira vez, o que aconteceuno início deste ano, trouxe expectativas de mudançaaos cidadãos de Freetown, que estavam habituados aestar às escuras.O Presidente Ernest Bai Koroma obteve uma escassavitória na última volta das eleições de Setembro de2007 e a produção de energia continua a ser uma dassuas prioridades principais. O projecto da centralhidroeléctrica de Bumbuna, que o próprio Koromadescreveu como “o mais longo projecto hidráulico dahistória da humanidade”, deve ficar concluído este anoe prevêem-se outros projectos para aumentar a pro-dução fora de Freetown, em áreas rurais. Koroma disseà população que não irá parar “até estarmos em

posição de conseguir 100 megawatts para o país”. Já passaram cinco anos desde que terminou o brutalconflito de 11 anos alimentado pelos diamantes e leva-do a cabo por rebeldes, que deslocou quase metade dapopulação, matou dezenas de milhares de pessoas,deixou outras a sofrer e arruinou as estruturas governa-mentais e a economia.A Serra Leoa ainda está nos últimos lugares do Índice deDesenvolvimento Humano das Nações Unidas (PNUD).Contudo, com o auxílio de doadores internacionais,incluindo a UE, está a desenvolver instituições governa-mentais e a reformar todos os sectores da economia:exploração mineira, agricultura e turismo para todos oscidadãos da Serra Leoa.

R eportagemBARRAGEM DEBAIXO DE OLHO

Em 7 de Janeiro último, o BEI decidiuconceder um empréstimo de 136 mi-lhões de dólares (92 milhões de euros)à sociedade ugandesa Bujagali Energy

Limited (BEL), encarregada da construção eexploração de uma barragem e de uma centralhidroeléctrica com uma capacidade de 250MW em Bujagali, no curso superior do Nilo, ajusante do lago Vitória. Os outros co-investido-res serão a Sociedade Financeira Internacional(filial do Banco Mundial que concede emprés-timos ao sector privado), o Banco Africano deDesenvolvimento e um grupo de instituiçõesfinanceiras europeias, por um montante globalde 462 milhões de euros. Esta decisão pôs

termo às hesitações em torno de um projectocriticado por uma coligação de organizações dasociedade civil, tanto internacionais comougandesas, em virtude do seu impacto sobre oambiente e algumas povoações ribeirinhas.

Segundo os promotores do projecto, a hidroe-lectricidade produzida no Nilo será a fonte deelectricidade menos cara num país como oUganda, que não tem acesso ao mar e é um dosmais pobres de África. Na realidade, Bujagalivai dar um contributo importante a duas outrasbarragens: a de Nalubaale, construída no finaldos anos 50 pelos Britânicos, e a de Kiira,construída nos anos 90 pelas autoridades deCampala. Actualmente, estas duas barragens,sublinha o BEI, são insuficientes para respon-der à procura crescente de electricidade e,reconhece o Banco, as avarias de corrente emperíodos de caudal de água insuficiente provo-cam graves perturbações na actividade econó-mica do país. A construção de uma terceira bar-ragem a jusante permitirá aumentar a produçãode electricidade. Melhor ainda: Bujagali reuti-lizará a água que já serviu para produzir elec-tricidade nas barragens a montante.

> A saúde do lago Vitória ameaçada?

Mas o Fórum ugandês para o desenvolvimen-to das barragens, que agrupa dez ONG, estápreocupado com a viabilidade ambiental doprojecto. Apoiando-se num relatório da ONGamericana International River Networks

(IRN), o Fórum considera que as barragensserão parcialmente responsáveis pela baixa donível de água do lago Vitória. Preocupam-seigualmente por não ter sido feito nenhum estu-do de avaliação do impacto das alteraçõesclimáticas sobre a saúde hidrológica do lago.Estas preocupações levaram a vários estudosdestinados a determinar as incidências ambi-entais e sociais do projecto. Incidências que,estima o BEI, são relativamente limitadas.Assim, os consultores canadianos Burnside,incumbidos de um estudo de impacto comple-to pelo Banco Mundial, consideram queBujagali não vai mudar “significativamente” ahidrologia do lago e do rio. Único aspecto a terem conta: as flutuações do nível de água ajusante, para o qual recomendam a criação deum plano de gestão. Em todo o caso, prometeo BEI, o projecto é e será constantementeobjecto de acompanhamento e de medidas deatenuação segundo as rigorosas normas inter-nacionais, que impõem, nomeadamente, con-sultas aos habitantes, às colectividades locais eàs associações envolvidas. M.M.B. �

BARRAGEM DEBAIXO DE OLHOA terceira barragem que o Uganda se prepara para construir no Nilo,à saída do lago Vitória, deverá permitir-lhe dispor da energia de queo país carece cruelmente, com o menor custo e sem impacto negativosocial e ambiental. É essa, pelo menos, a conclusão do estudo deimpacto encomendado pelo Banco Mundial. O Banco Europeu deInvestimento (BEI) decidiu co-financiar o projecto.

Palavras-chaveMarie-Martine Buckens; Uganda; lagoVitória; Nilo; BEI; barragem.

Em CimoO Nilo. © iStockphoto.com/FrankvandenBergh

Em baixoAs Quedas Vitória, Uganda.© iStockphoto.com/Lingbeek

Exploração agrícola perto deFreetown. A Serra Leoa tem

um enorme potencial agrícola 2008. © Debra Percival

N. 5 N.E. – ABRIL MAIO 2008 2928

N ossa terra

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Nessa altura, as suspeitas de abuso do poder e amá gestão dos recursos de diamantes erammoeda corrente, sendo ambas responsáveis pelodesencadear da guerra civil que se seguiu. Antigo cabo do exército, Foday Sankoh, e a suaFrente Unida Revolucionária (RUF) fizeramcampanha contra Momoh, controlando cidadesjunto à fronteira com a Libéria. Os seus ataquesiniciais foram no distrito de Kailahun, rico emdiamantes, no Leste.Outro factor subjacente ao início do conflito foia guerra na vizinha Libéria. Charles Taylor,então líder rebelde da Frente PatrióticaNacional da Libéria, terá ajudado a RUF a recu-perar os diamantes da Serra Leoa. Devido à recusa do Governo de negociar comos rebeldes na altura, o capitão do exércitoValentine Strasser lançou um golpe militarenviando Momoh para o exílio na Guiné emAbril de 1992. Strasser formou o ConselhoNacional Provisório de Governo (NationalProvisional Ruling Council - NPRC), queduraria quatro anos.

> Novas eleições

Em 1995, os rebeldes controlavam grande parteda província do leste, rica em diamantes, eestavam às portas de Freetown. O NPRC terácontratado mercenários de uma firma de segu-rança privada, Executive Outcomes, pararepelir os rebeldes. Mas houve dificuldades nagestão da crise e Strasser foi deposto por umgolpe militar encabeçado pelo seu Ministro daDefesa, o Brigadeiro General Julius Maada Bio,que restabeleceu o poder constitucional e con-vocou eleições. O candidato do SLPP, AlhajiAhmad Tejan Kabbah, foi democraticamenteeleito e investido nas suas funções em 1996. Uma alegada tentativa para derrubar Kabbahpelo Major General Johnny Koroma resultouno processo e encarceramento de Koroma.Desgostosos com esta decisão, um grupo desoldados, o Conselho Revolucionário dasForças Armadas (AFRC), derrubou oPresidente e libertou Koroma – que, por suavez, se tornou presidente e convidou a RUF aparticipar no Governo, proibindo os partidospolíticos e manifestações e encerrando asrádios privadas. Estes movimentos conduziram a sanções peloConselho de Segurança da ONU em 1997,incluindo o embargo de armas e produtos depetróleo em 1997. Em Março de 1998, a ForçaOeste-Africana de Intervenção, ECOMOG,reinstalou Kabbah. No ano seguinte, outra tenta-tiva para derrubar o Governo pelo AFRC, com oapoio da RUF, causou 5000 mortos emFreetown e uma enorme degradação da situação.

> UNMSIL

Em Outubro de 1999, a força de manutenção dapaz das Nações Unidas restaurou a ordem edesarmou as forças rebeldes. Foram finalmenteenviados para o país 17.000 “capacetes azuis”da Missão das Nações Unidas para a Serra Leoa(UNMSIL), descreve Christian HolgerStohmann, dos Serviços de Informação doEscritório Integrado das Nações Unidas na SerraLeoa (UNIOSIL) em Freetown. O subsequenteacordo de cessar-fogo e de paz de 1999, assina-do na capital togolesa de Lomé, assegurouposições no Governo aos rebeldes. Mas Sam Bokari, um dos líderes rebeldes, retal-iou contra a presença das tropas das NaçõesUnidas que foram atacadas e raptadas no Leste.Chegou um contingente de 800 pára-quedistasbritânicos para manter a segurança do aeroporto,a fim de proteger a força de manutenção da paz,e Foday Sankoh foi capturado. Em Maio de2001, iniciou-se o desarmamento dos rebeldescom a ajuda do exército nacional da Serra Leoa. Em Janeiro de 2002, acabou oficialmente aguerra. Kabbah, do SLPP, obteve uma vitóriaesmagadora nas eleições pluripartidárias nessemesmo ano. Mas foi batido pelo candidato doAPC, Ernest Bai Koroma, nas eleições presiden-ciais de 2007. Koroma fez campanha pelamudança.

> Mutilações

É difícil encontrar alguém que não tenha sidodirectamente afectado pelos crimes brutais daguerra. Os relatos horríveis de mutilação, comvítimas escolhidas aleatoriamente, ainda sãoimpressionantes. Um jovem residente emFreetown, ‘Kenneth’, descreve como foi obriga-do a encostar-se a uma parede com as mãosatadas enquanto os rebeldes discutiam sobre sehaviam de lhe seccionar ou não os membros. Foilibertado, mas muitos outros foram mutilados,incluindo mulheres e crianças. Outro jovem‘Kanu’ conta como a sua irmã desapareceudurante três meses na selva, onde se raptavamjovens para serviços de cozinha e de limpezapara os rebeldes. As violações eram frequentes.Muitas crianças soldados foram mortas. Agora,as vítimas da guerra, sem braços nem pernas,têm o dobro das dificuldades em encontraremprego num país onde 65% das pessoas entre18 e 40 anos não têm trabalho. Um Tribunal Especial criado pelas NaçõesUnidas após a guerra, a pedido do Governo daSerra Leoa, ainda exerce as suas funções, mas oseu mandato expira em 2010, afirma FrancescaVarlese, directora de projecto na Delegação da

UE em Freetown. A União Europeia tem dadoapoio financeiro ao Tribunal desde 2003, pre-stando-lhe serviços como a transmissão ao vivode vídeos para ouvir o julgamento em curso deCharles Taylor, desde Haia, e estágios para queo legado do Tribunal possa prosseguir.No entanto, as opiniões dividem-se quanto à efi-ciência do Tribunal, diz Ambrose James, direc-tor no país da ONG “Search for CommonGround”, produtor de vídeos e de radiodifusõesque exprimem os pontos de vista de todos osserra-leoneses. Estes, afirma, têm sentimentosmistos a respeito do Tribunal. Primeiro, os“grandes líderes rebeldes” como Sam Bokari,“Mosquito” e outros, estão mortos ou em fuga.Depois, também se instalou a confusão, porquenão se sabe porque é que alguns membros daForça de Defesa Civil são objecto de uma acçãoem Tribunal. Afinal de contas, opuseram-se aosrebeldes. “As pessoas não perceberam que

cometeram abusos de direitos humanos, por issoé que há complicações”, afirma AmbroseJames no seu escritório em Freetown.Acrescentou que também há questões sobre asfunções do Tribunal Especial e de umaComissão de Verdade e Reconciliação – umacriação do acordo de Paz de Lomé. Perdoam-seuns, punem-se outros. Também foram deslocados dois milhões deserra-leoneses, quer interna quer externa-mente para países vizinhos. A guerra e asanteriores convulsões deixaram as suas mar-cas na economia e na sociedade. A Serra Leoaencontra-se no último lugar (177 sobre 177)no Índice de Desenvolvimento Humano dasNações Unidas para 2007-2008, tendo atingi-do um lugar particularmente baixo nas estatís-

No século XVI, os marinheiros ingleses referiam-se ao paíscomo ‘Serra Leoa’. Ao final do século XVIII, Bunce Island,perto de Freetown, tornou-se numa das principais operaçõesde comércio de escravos ao longo da costa oeste-africana.

Foi em 1782 que o filantropo inglês fundou a “Província de Freetown”,reinstalando alguns dos negros pobres de Londres nesta “Province ofFreedom” da Serra Leoa. Milhares de escravos africanos libertados foramentregues a Freetown. Oriundos de toda a África, vieram para ficarconhecidos como o povo ‘Krio’. Hoje em dia, a língua krio é amplamentefalada entre os 15 grupos étnicos do país.Em 1808, a Serra Leoa tornou-se uma colónia oficial da coroa britânicae a sede do Governo para as suas outras colónias oeste-africanas ao longoda costa. A criação, em 1827, de um dos primeiros colégios de ensinosuperior na África do Oeste, Fourah Bay College, distinguiu-se emMedicina, Direito e Educação, o que levou Freetown a ser conhecidacomo a “Atenas de África”.

> Estado de partido único

Sir Milton Margai, líder do Partido Popular da Serra Leoa (SLPP), foinomeado Ministro-Chefe do país em 1953. A Serra Leoa obteve a suaindependência da Grã-Bretanha em 1961 e Margai passou a ser o seuprimeiro Primeiro-Ministro. Siaka Stevens, candidato do Congresso detodo o Povo (All People’s Congress - APC) venceu as eleições de Marçode 1967, mas foi deposto, poucas horas depois, voltando ao poder em1968. Em 1971, o país passou a ser uma república, sendo Stevens, entãoPrimeiro-Ministro, nomeado Presidente Executivo. Em 1978, uma novaconstituição proclamou a Serra Leoa como um Estado de partido único,em que o APC seria o único partido legal. O Major Joseph Saidu Momohtornou-se Presidente, após a aposentação de Stevens em 1985, na sequên-cia de um referendo do partido único.A revisão constitucional do Presidente Momoh recomendou o restabele-cimento, em 1991, de uma constituição democrática pluripartidária.

DA RUPTURA DA PAZ ao restabelecimento da pazQuando o explorador português Pedro da Cintra atravessou as montanhas que circun-dam o que é hoje a capital do país, Freetown, em 1462, chamou àquela terra ‘SerraLeoa’, o que significa ‘montanhas de leão’. Aos seus olhos, as alturas escarpadas forammodeladas como dentes de leão. O novo Governo de Ernest Bai Koroma deseja apagara ira do passado e ajudar o seu país a dar um salto económico.

Criança a vender bananas, Moyamba. Muitascrianças trabalham para fugir à pobreza

2008. © Debra Percival

Cartaz do Tribunal Especial – crimes puníveis 2008. © Debra Percival

30 N. 5 N.E. – ABRIL MAIO 2008

Reportagem Serra Leoa ReportagemSerra Leoa

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ticas de mortalidade infantil e noutras emmatéria de saúde e de educação.Crianças muito pequenas procuram desenrascar-se nas ruas vendendo sacos de fruta ou biscoitos.A literacia adulta é de 30% e 68% da populaçãovive com menos de um dólar por dia.

> Expectativas elevadas

Deposita-se muita esperança no novo Governode Ernest Bai Koroma, que prometeu governarem estilo “empresarial” e enfrenta um teste depopularidade nas próximas eleições locais deJulho de 2008.Há outras mudanças prometidas no Governo.Uma Comissão Anti-Corrupção, criada em2000, destina-se a combater a corrupção nosmais diversos horizontes, explica Abdul Tejan-Cole, que se encontra em funções desdeDezembro de 2007. Sugere mensagensradiofónicas para encorajar o público a denun-ciar casos de que tenha conhecimento e desejaque os deputados declarem os seus patrimónios. Há muito a fazer para desenvolver o aparelhodo Governo, com o país dependente, demomento, do apoio financeiro dos principaisdoadores, a fim de colmatar o défice dasreceitas orçamentais.Os quatro grandes doadores da Serra Leoa sãoo Departamento Britânico para oDesenvolvimento Internacional (DFID), aUnião Europeia, o Banco Africano deDesenvolvimento (BAD) e o Banco Mundial(BM). Todos se encontram com regularidadepara discutir “valores de referência” para odesembolso da ajuda orçamental, tais como

saber como o Governo está a gerir as suasfinanças e a satisfazer os objectivos anti-pobreza.Os quatro juntos dão anualmente 52 milhões deeuros para apoio ao orçamento, ou seja, 17% doorçamento nacional da Serra Leoa. Em 2007, asdificuldades fiduciárias interromperam a ajudaorçamental, devendo-se amplamente aosaumentos imprevistos dos preços dos com-bustíveis, explica Hans Allden, chefe daDelegação da UE na Serra Leoa, que sublinhoua natureza delicada da ajuda orçamental, queexige, por um lado, uma boa gestão financeira,e, por outro, um fluxo previsível da ajuda orça-mental. E acrescentou: “Caso contrário, haverátodo o tipo de problemas de pagamentos queafectam a própria segurança. Um grupo de pes-soas esfomeadas, que não recebe os seus venci-mentos, não é bom para a estabilidade”.A UE e o DFID, que coordenam a sua estraté-gia de ajuda na Serra Leoa, fornecem actual-mente 42% do financiamento total dosdoadores ao país. Cada um concentra-se no quesabe fazer melhor: a UE nas infra-estruturas ena governação, o DFID na educação, saúde esaneamento. Outros países da UE, com progra-mas de ajuda bilaterais para a Serra Leoa, são aIrlanda, Alemanha, Itália e França.E, de acordo com Hans Allden, o país gostariaeventualmente que os nacionais serra-leonesesse treinassem para integrarem a força demanutenção da paz. Isto seria, afirma, “um moti-vo de imenso orgulho para o país”. D.P. �

Ernest Bai Koroma venceu a segunda volta das eleições presiden-ciais em 8 de Setembro de 2007, derrotando o candidato do par-tido da oposição, Solomon Ekuma Berewa, do Sierra LeonePeople’s Party (SLPP). Nenhum dos candidatos obtivera 55%

dos votos necessários para uma vitória na primeira volta. Koroma propôs-se aplicar as suas aptidões empresariais para gerir um governo. É antigogestor da Reliance Insurance Trust Corporation, membro do Instituto deSeguros da África Ocidental, Associado do Instituto de Gestão de Riscodo Reino Unido e membro do Instituto de Administradores do ReinoUnido. O All Peoples’ Congress (APC) de Koroma tem uma maioria de59 lugares no Parlamento após as eleições de Agosto de 2007. OPresidente assinou “contratos” com os seus Ministros a fim de garantirresultados, disse-nos numa entrevista realizada no Palácio Presidencial,em Freetown, em finais de Fevereiro de 2008.

Entrou com uma etiqueta de mudança. Quais foram as mudanças que fezaté agora?

Criei um mecanismo que estabelecerá as bases para uma inversão da situ-ação, em que veremos o país de novo a avançar e os investidores achegarem. Fizemos uma transição pacífica do governo anterior para este.Tratámos igualmente a questão que pensamos dever ser o nosso objecti-vo principal, isto é, fornecer energia a este país. Neste momento, Freetown tem uma certa quantidade de electricidade.Solicitámos a participação do Banco Mundial e de outros doadores eaccionámos um programa de Produção Independente de Energia (PIE),em que a produção foi atribuída ao sector privado, ficando as vendas para

a Autoridade Nacional de Energia (ANE). Herdámos 6 megawatts de pro-dução de energia e acrescentámos 15 megawatts. Isso deu-nos uma situ-ação de 21-22 megawatts e solicitámos a um produtor de energia inde-pendente que adicionasse mais 10 megawatts.Agora o que é preciso é encontrar uma solução a médio prazo, que passapela conclusão da central hidroeléctrica de Bumbuna. A comunidade dedoadores ofereceu-nos os 45 milhões de dólares necessários para termi-nar o projecto este ano. Quanto ao nosso compromisso de termos electri-cidade em todo o país, temos de iniciar um programa de electrificaçãorural. Neste preciso momento, os Chineses estão a examinar o nossopotencial hidroeléctrico. Existe uma possibilidade de termos pequenascentrais hidroeléctricas no país se conseguirmos explorar com êxito oscinco rios que correm por todo país.

Que sectores irão reduzir a pobreza?

Em qualquer país que esteja a sair de uma guerra há que resolver asquestões humanitárias e de estabilização social. É também preciso resolveros problemas dos amputados e dos deslocados. Está na altura de tratarmosdo crescimento económico real e de criarmos um impacto na economia.Para além da exploração mineira existe o turismo, pesca e agricultura.Cerca de 60% a 70% da nossa população trabalha na agricultura.Temos potencialidades não só de nos alimentarmos, mas também deexportar a nossa produção agrícola. Só quando conseguirmos comer-cializar a agricultura é que seremos capazes de abordar com seriedadea redução da pobreza.

É verdade que disse que queria dirigir a Serra Leoa como uma empresa?

Temos de ser cada vez mais empresários. Acabámos de sair de umareunião governamental em Bumbana e identificámos objectivos. Fizemos

A ACTIVIDADEde GOVERNAÇÃOEntrevista com Ernest Bai Koroma,Presidente da Serra Leoa

Superfície: 73,326 sq km

População: 5.9 milhões (2007)

Previsão: 6.9 milhões (2015)

Índice PNUD: 177 de 177 países (Relatório sobre o DesenvolvimentoHumano 2007-2008)

Esperança média de vida: 41.8 (2005)

Taxa de alfabetização da população adulta(a partir de 15 anos): 34.8 % (1995-2005)

Taxa de mortalidade de menores de cincoanos (por 1,000 nascimentos): 282 (2005)

Importações: 306 milhões de euros (produtosalimentares, maquinaria, combustíveis)*

Exportações: 163.5 milhões de euros (dia-mantes, rutilo, cacau, bauxite, café, peixe,minerais de ferro, sementes de palma)*

Panorama político

Presidente: Ernest Bai Koroma desdeSetembro 2007

Assembeia unicameral: Presidente eleito porvoto popular cada cinco anos com limitede dois mandatos. Os parlamentares sãotambém eleitos por voto popular cadacinco anos.

Principais partidos políticos: All People’sCongress (APC), Sierra Leone People’sparty (SLPP), People’s Movement forDemocratic Change (PMDC). Têm aindaassento no Parlamento 12 chefes eleitosindependentemente, representantes dosdistritos do país.

Fontes: Banco Mundial, Programa dasNações Unidas para o Desenvolvimento(PNUD), Comissão Europeia, EnciclopédiaSerra Leoa 2007.

Sítios Web: www.sfcg.org, www.sc-sl.org

* 2006 �

Dados estatísticos da Serra Leoa

Palavras-chaveDebra Percival; Serra Leoa; ONU; DFID;Ajuda orçamental.

Venda de maçãs,Freetown 2008. © SLIS

Mapa de Serra Leoa.Copyright da Universidade do Texas.

O Presidente da Serra Leoa,Ernest Bai Koroma 2008.

© Debra Percival

Operação mineira no local dia-mantífero Kimberlite, cidadeKoidu 2008. © Jornal de Awoko

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Reportagem Serra Leoa ReportagemSerra Leoa

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Reportagem Serra Leoa ReportagemSerra Leoa

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Cada um destes partidos tem o seubastião: o SLPP reina entre a popu-lação do sul e do leste, no grupoétnico Mende, que constitui cerca

de 30% da população. A maioria dos apoiantesdo APC encontra-se na parte norte e oeste,entre os Temnes, que também constituem 30%da população. O SLPP conquistou 43 lugares nas últimas elei-ções parlamentares de Agosto de 2007. Alegaque o seu candidato venceu a segunda volta daseleições presidenciais em 8 de Setembro de2007: “De acordo com todas as indicações, ven-cemos as eleições. Por razões amplamente con-hecidas da Comissão Eleitoral, esta vitória foi-

nos roubada. Quatrocentos e setenta e setepostos de votação no nosso bastião foramcancelados e nunca foram contabiliza-dos”, contou-nos, em Fevereiro, oSecretário Nacional Administrativo do

partido, Brima Koroma, no seu gabinete deFreetown*. Esta declaração é feitaapesar de as eleições par-lamentares e presiden-

ciais terem sido con-sideradas “livres ejustas” por múlti-plos observadoresinternacionais

que estiveramp r e s e n t e s ,incluindo daUE.

O antigo presidente do SLPP, Ahmad TejanKabbah, ocupou o poder nos 11 anos anterio-res à sua retirada, antes das eleições de 2007:“A nossa principal prioridade enquanto partidoresidia no facto de as pessoas nos concederemum mandato para regressar à paz. Era este onosso compromisso. Depois de o termos afir-mado, ganhámos as eleições de 1996 e tive-mos de administrar o país do exílio em 1996-1997. Estabelecemos como objectivo acabarcom a guerra e conseguimos concretizá-lo”,afirmou Koroma. Acrescentou que o governo SLPP reconstruiucom êxito o país quando, em 2000, a guerraterminou oficialmente: “A reparação dosdanos e da devastação nas províncias foi umprocesso extremamente moroso. Não haviahospitais nem escolas. Conseguimos atingir ospadrões de referência. Em 2002, a economiado país tinha estabilizado, mesmo com o leone[moeda] a par do dólar”. Koroma afirmouainda que o governo SLPP reintroduziu asassembleias locais em 2004. Referiu tambémque actualmente as coisas estão “incrivelmen-te difíceis”, salientando especificamente o ele-vado preço do arroz.

> Um terceiro poder

O Peoples’ Movement for Democratic Change(PMDC) tem 10 lugares no Parlamento e 4 pos-tos de ministro, como recompensa pelo apoioprestado ao APC na segunda volta das presiden-ciais de Setembro, explicou o seu secretário-

geral, o advogado Ansu Lansana. O seu partidoproporciona à Serra Leoa uma terceira alterna-tiva: “Os dois partidos têm andado a jogar pin-gue-pongue político. Há tanto tempo que opovo clama por uma terceira força”. Os apoian-tes do PMDC são amplamente “… os descon-tentes, desempregados e abandonados da SerraLeoa”, retorquiu Lansana.Segundo ele, os 11 anos do antigo governoSLPP foram caracterizados por uma enormeineficiência: “Uma liderança também excessi-vamente preocupada com a política ultrapassa-da, em que a geração dos nossos avós e dos nos-sos pais tinha nascido SLPP e portanto todostinham de ser SLPP. Este tipo de abordagem dapolítica é prejudicial ao desenvolvimento nacio-nal, na medida em que não fomenta a governa-ção em função do desempenho”.Remata com a sua opinião acerca do novogoverno: “Para mim, o único problema é teremcomeçado a desrespeitar algumas das suas pro-messas de campanha. A minha percepção dopaís é de um optimismo prudente. Porque hácertas coisas que são positivas e orientadas parao futuro, mas há outras que ainda fazem lembraro passado: o desemprego e a desordem…”D.P. �

* 12 chefes supremos, um de cada distrito do país, tambémtêm assento no parlamento.

OOPPOOSSIIÇÇÃÃOOUUMMAA OOPPOOSSIIÇÇÃÃOO EEMM DDOOIISS SSEENNTTIIDDOOSSO maior partido da oposição, o Sierra Leone People’s Party (SLPP), tem domina-do o cenário político na Serra Leoa juntamente com o actual partido dirigente, AllPeople’s Congress (APC). O SLPP foi formado em 1951 e bateu-se pela inde-pendência do país em relação à Grã-Bretanha, que viria a ter lugar em 1961. Temsido uma oposição activa ao actual partido do governo, APC, formado em 1960.

Palavras-chaveDebra Percival; Serra Leoa; Política;Oposição.

a promessa de que nos próximos 36 mesescomeçaríamos a ver uma inversão da situação.Foi por isso que assinei contratos de gestão comos ministros. Estão agora todos em conver-sações com o Palácio Presidencial a negociar osobjectivos anuais e os que pretendem alcançarnos próximos três anos.

Como é que consegue atrair investidoresestrangeiros?

Estamos a rever as nossas leis, a melhorar aindependência e a credibilidade do sistema judi-cial e a empreender uma forte luta contra a cor-rupção, para assegurar que as pessoas terãocondições equitativas. Isto trará investidores.Temos os melhores diamantes do mundo, osmaiores depósitos de rútilo, grandes depósitosde minério de ferro, bauxite e platina, etc.Também temos um enorme potencial no sectoragrícola. Por cima de tudo está o nosso poten-cial turístico único. Com o investimento certo, aSerra Leoa pode facilmente tornar-se o melhordestino turístico do mundo. A nossa flora efauna, a nossa topografia e as nossas praias nãoexistem em mais lado nenhum.

A Serra Leoa está nos últimos lugares do Índicedo PNUD. Como poderá subir?

Acabámos de lançar o plano estratégico de2008-2010 para as crianças e outros. Estamos arever o nosso sistema educativo e a trabalhar namelhoria do número de pessoas que têm acessoà água canalizada, bem como a melhorar osnossos equipamentos médicos. Quando tudoisto estiver a andar, penso que o essencial serámotivar as pessoas responsáveis dessesserviços, as que prestam os serviços: médicos,enfermeiras e professores.

Está confiante em que voltará a ter o mesmoresultado nas eleições locais em Julho?

Acredito que iremos ganhar a maioria doslugares no país, porque num período muitocurto os cidadãos começaram a compreenderque somos um governo orientado para resul-tados. Não discutimos política. O que dize-mos é o que fazemos, como no caso da elect-ricidade. Iremos lançar o nosso programaagrícola e queremos assegurar um programade saúde.Não se esperem resultados tangíveis da noitepara o dia. O que se vê é actividade governa-mental: um esforço da nossa parte para tra-balhar nas promessas feitas ao nosso povo epenso que as pessoas confiam nisso. A únicadificuldade para nós é que chegámos numaaltura em que os preços nos mercados mundi-

ais têm vindo a aumentar. O preço dos com-bustíveis está a subir, tal como os preços doarroz e do trigo. Infelizmente alguns destestêm um impacto directo na vida dos cidadãos.Não podemos subsidiar, porque não temosfundos. Não somos um país produtor depetróleo.

O seu governo é etnicamente desequilibrado?

Não, não é o caso. Temos pessoas das outrasregiões; os nossos ministros da Saúde e dosRecursos Marinhos, por exemplo. Sempreinsisti que se trata de um governo de inclusão etemos representadas pessoas de todos os distri-tos, não só no governo mas também ao nível desubstitutos de ministros. Estamos a nomear pes-soas para empresas estatais e missões diplomáti-cas, que representam o carácter nacional.

O que pensa da focalização na ajuda orçamen-tal na parceria com a UE?

É importante que continue, uma vez que anossa base de receitas é muito limitada.

Estamos a pedir ajuda para nos podermosaguentar. Quando arrancarmos com as activi-dades de exploração mineira, agricultura e tur-ismo, penso que teremos o bastante para geriro nosso orçamento e cuidarmos do nossoesforço de desenvolvimento. A UE está tam-bém a desempenhar um papel de liderança nosprogramas de infra-estruturas. Tal como aenergia, uma melhoria da rede rodoviária iráfacilitar as actividades económicas no país.Criará a livre circulação de pessoas, ajudará nacirculação dos produtos agrícolas e aumentaráo turismo e o comércio com os nossos vizin-hos, a Guiné e a Libéria. D.P. �

Sítio Web: www.statehouse.gov.sl

Palavras-chaveDebra Percival; Presidente Ernest BaiKoroma; Serra Leoa; Ajuda orçamental;Electricidade.

A Serra Leoa é atravessadapor muitos rios 2008.

© Debra Percival

Habitação, Kroo Bay, Freetown 2008.© Debra Percival

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milhões de toneladas de bauxite e vestígiosde minério de ferro – incentivamo-lo a for-mar um consórcio entre exploradores deminério de ferro e exploradores de bauxite,dado terem de utilizar os mesmos cami-nhos-de-ferro e os mesmos portos”, disse oMinistro Jallon. E acrescentou: “O gabinete incumbiu-mede constituir um subcomité com a missãode analisar todos os acordos celebradoscom as grandes empresas mineiras, e essacláusula será integrada nos novos acordos a

concluir com as empresas mineradoras”.“A pior coisa que descobrimos foi que as pessoas chegam aqui e obtêm

uma licença de exploração mineira que integram, em seguida, no merca-do de valores e ganham dinheiro à nossa custa. Dizem que isso é legal,mas nós queremos mudar esta situação”, continuou Jallon.Alfred Carew, secretário executivo do Fórum Nacional de DireitosHumanos e presidente da Coligação Nacional de Aconselhamento sobre aExtracção, disse-nos que está convencido de que as empresas Internetestão a fazer a mesma coisa. Está preocupado com os custos sociais daexploração mineira, como por exemplo o emprego de crianças na quebrade pedras, a prostituição, as doenças nas zonas mineiras e os impactossobre o ambiente.O Ministro falou sobre a actual “liberdade total” em Kono, região do dia-mante, e o respectivo contrabando: “Fazemos tudo para organizar ascoisas de uma forma estruturada. Na maioria dos casos, há um negocianteque ajuda o proprietário de terras e os trabalhadores na aquisição demáquinas. Depois é necessário vender a esse negociante os produtosporque ele os ajudou. Este homem dá os diamantes a um exportador deten-tor de uma autorização de exportação e que é o único a dispor dessalicença, pela qual pagou 40.000 dólares. Nós pensamos que o contraban-do não está alheio a tudo isso, mas não conseguimos prová-lo”.Disse ainda que o país adere ao Processo Kimberley, que proíbe a vendade diamantes provenientes de zonas de conflito no mundo: “Eu assino umcertificado Kimberley a qualquer exportador. Mas só no destino é que seobtém uma visão global e é necessário que esteja lá alguém para verificar

se os diamantes chegaram. Trata-se de uma administração complicada”.D.P. �

* A EITI inclui a publicação regular das receitas pagas ao governo pelas empre-sas de materiais, petróleo, gás e minas.

DDEESSBBRRAAVVAARR OO CCAAMMIINNHHOO–– SSIIEERRRRAA RRUUTTIILLEE LLTT DD..

Um empréstimo de 24 milhões de euros concedido em parte pelo“SYSMIN”, antigo fundo comunitário de apoio ao sector das

minas, e o restante pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED),permitiu à Sierra Rutile Ltd., reinstalar-se no Distrito de Bonthe nosudoeste. O rútilo (dióxido de titânio) é exportado essencialmentepara a Europa, América do Norte, Brasil, Japão e Rússia, onde é usadocomo pigmento de tintas, sendo os grânulos maiores destinados aofabrico de eléctrodos de soldadura.A subvenção destinada ao relançamento foi transmitida ao governo,que canalizou as verbas sob a forma de empréstimo comercial para aempresa. Bob Lloyd, o director da empresa, descreve-o como “ummarco significativo no renascer da Serra Leoa no final do conflito”.Com uma produção prevista de 180.000 toneladas, a empresa estáposicionada para ultrapassar as 140.000 toneladas do ano passado. O processo de extracção utiliza grandes volumes de água, que podemser utilizados para outros fins produtivos, explica Jean-Pierre Milard,assistente técnico do Ministério e financiado pela UE. Como esteprocesso não é tóxico, existem muitas possibilidades. Bob Lloyd expli-cou que a Sierra Rutile Ltd. criou uma fundação que está a financiarum cultivo agrícola piloto num dos ‘lagos’. Há outros projectos, comopor exemplo a aquicultura, e as areias brancas deixadas na praia pelaexploração mineira estão a suscitar ideias turísticas.Parece que a empresa continuará ainda muitos anos no ramo. BobLloyd mostrou um mapa ao O Correio que identifica as reservasencontradas nas proximidades de Bonthe. E a exploração tambémestá em curso ao longo da costa.O capital e os juros do empréstimo no valor de 45 milhões de eurosserão reembolsados ao governo da Serra Leoa no período de 2008-2013, começando com 716.000 euros em Junho deste ano. Está pre-visto que a Comissão Europeia intervenha na utilização destas verbas.Bob Lloyd disse que o contacto com a população local foi bom: asautoridades encontram-se regularmente com os oito principais chefesdas tribos que circundam as minas. �

Palavras-chaveDebra Percival; Serra Leoa; Exploração mineira; Diamantes;Minério de ferro; Rútilo.

Aexploração mineira é um sector sensível na Serra Leoa e,especialmente, a exploração de diamantes que contribuiu paraum conflito de 11 anos. A mineração representa 90% dasexportações e 20% do PIB, segundo as estatísticas do Banco

Mundial. O Governo quer agora que o sector beneficie todos os habitantesda Serra Leoa. “Somos o segundo maior produtor de rútilo no mundo (e o produtornúmero um de rútilo em bruto). Temos grandes jazigos de bauxite e deminério de ferro. Temos diamantes em todo o país e estamos a explorar afonte de diamantes, kimberlito e ouro”, explicou Alhaji Abubakar Jallon,Ministro dos Recursos Minerais, antigo director executivo da EmpresaNacional de Diamantes e antigo geofísico.Com exportações de diamantes registadas no valor de 125,3 milhões dedólares, as gemas são o número um das exportações do país sem contarcom o seu comércio não registado. No total, o sector de exploraçãomineira faz viver 250.000 pessoas, ou seja, 14% da força laboral, mas ogoverno considera que a mineração poderá trazer mais benefícios ao povoda Serra Leoa.O regime fiscal anterior não atraiu muito investimento de qualidade,dizem os representantes do Banco Mundial. Mas há outras desvantagens,por exemplo, a falta de transparência na concessão dos direitos de explo-ração de minas, a existência de um grande número deexplorações artesanais não autorizadas e informais, ocontrabando de ouro e de diamantes e o impactoambiental e social sobreas comunidades locais.Segundo o Banco Mundial,apenas 2% das receitas fiscais provin-ham do sector em 2000.Está prevista para Julho de 2008 a aprovaçãode um projecto de assistência técnica do BancoMundial (6 milhões de dólares através da AssociaçãoInternacional de Desenvolvimento) com vista aencontrar uma maneira de tornar aindústria mais transparente no

regime actual, aumentando as receitas de exploração mineira para o go-verno e melhorando o apoio governamental à Extractive IndustryTransparency Initiative (EITI, Iniciativa de Transparência da Indústria deExtracção)*, em que se empenhou o país em 2006, que servirá de apoio àsacções de regulamentação do sector, incluindo a Política Mineira de Basede 2003 e a recolha de dados geológicos.O Ministro Jallon incentiva as empresas a empenharem-se mais na con-strução de infra-estruturas no sector das minas: “Se estiver a explorarminas algures, apresente-nos um plano eléctrico que possa ser-lhe útil,mas que seja também útil à população da região. Um fórum recente sobrea exploração mineira, realizado em Conakry, na Guiné, e patrocinado peloBanco Mundial e pelo Banco Africano de Desenvolvimento (BAD),chegou à conclusão de que devemos ligar a exploração mineira às infra-estruturas”.E não se deve repetir o antigo tipo de acordos, disse-nos o Ministro. Umexemplo disso é a Delcros, uma empresa de exploração de minas de ferroque, em 20 anos de exploração, construiu caminhos-de-ferro e um portopara a exportação. Quando a mina fechou, o porto e os caminhos-de-ferrotornaram-se supérfluos: “Este tipo de situação não deverá repetir-se”, disseo Ministro. “Quando autorizamos alguém a explorar uma mina – são muitos os pedi-

dos e há outros jazigos que representam mais de 100

GOVERNO REFORMA PROFUNDAMENTEa exploração mineira

GOVERNO REFORMAPROFUNDAMENTEa exploração mineira

Draga, Sierra Rutile Ltd. 2008. © Debra Percival

Minister of Mineral Resources, Alhaji Abubakar Jallon 2008. © Debra Percival

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Reportagem Serra Leoa ReportagemSerra Leoa

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acrescentado sério e fazer, de facto, umabebida local muito boa, susceptível de ser pro-duzida, praticamente, em qualquer parte”. Ocaju, uma cultura lucrativa no Norte do país,nivelará a linha divisória económica Norte-Sul, disse o Dr. Sesay.

> Preço justo para a terra

IOs acessos melhorados às estradas, as normasde produtos harmonizadas nos países da organi-zação regional oeste-africana, a ECOWAS, e apropriedade fundiária foram também questõessubjacentes ao relançamento do sector, afirmouSesay, que disse ainda que em zonas onde a terrase destina à venda “tem que se pagar um preçoadequado. A terra tem valor e as pessoas nãoestão a obter um preço justo”.A agricultura não é um dos sectores em foco donovo financiamento da CE ao abrigo do 10.°FED. No período pós-guerra, o financiamentodo FED canalizado para o desenvolvimentorural destina-se a reinstalar as pessoas nas zonasrurais e a promover a segurança alimentar. Foilançado um programa de reinstalação e reabili-tação (30 milhões de euros) para infra-estruturassociais em todas as zonas rurais, reconstruindocentros de saúde, poços e outras infra-estruturasdestruídas pela guerra. Foi seguido de um pro-jecto de ligação entre a ajuda de emergência, areabilitação e o desenvolvimento (LRRD) de 24milhões de euros, fornecendo ferramentas esementes, água e saneamento, explicou GeorgesDehoux, do serviço de segurança alimentar daDelegação da UE na Serra Leoa. Disse aindaque num país fértil como a Serra Leoa, “a segu-rança alimentar não deveria constituir um pro-blema”. Seguiram-se outros projectos de segu-rança alimentar.Com uma subvenção de 4,2 milhões de euros doantigo Financiamento da Estabilização das

Receitas de Exportação (STABEX), que com-pensa as perdas de receitas de exportações agrí-colas, as culturas de rendimento estão a propor-cionar valor acrescentado em Bombali,Tonkolili (arroz) e Kono, Kenema e Kailahun(cacau). Matthias Reusing, chefe doDesenvolvimento Rural da Delegação da UE naSerra Leoa, explicou que o país não pode com-petir com as exportações de cacau a granel daCosta do Marfim e do Gana, mas trabalhandocom a ONG neerlandesa, a AGRO ECO, melho-rou os métodos de secagem e certificou o cacaucomo comércio justo e orgânico. Vendido a1000 dólares dos EUA por tonelada pré-seca,pode agora atingir 1400 a 1600 dólares dos EUApor tonelada.Reusing sugeriu que o país aproveitasse a opor-tunidade para aperfeiçoar a insuficiência de caféorgânico Robusta no mercado global. Na UE hámuita quantidade de bom café Arabica no mer-cado, cultivado em grande altitude na Etiópia,mas não de Robusta, que é cultivado em altitu-

des mais baixas. Como os Europeus gostam deuma mistura de Arabica e Robusta, haveria aquium nicho de futuro.Para manter a dinâmica do projecto STABEX,foi retirado um montante de 12 milhões de eurosao abrigo do 10.° FED para melhorar a produ-ção, o processamento e a comercialização deculturas de rendimento, incluindo também agen-tes estatais. E 4 milhões de euros do 10.° FEDirão para a descentralização do desenvolvimentode capacidades do sector dos conselhos distritaise agentes não estatais. Georges Dehoux realçoua necessidade de agir a nível local para progre-dir. D.P. �

Sítios Web:www.megapesca.org, www.oceanic-dev.com

* 1 dólar dos EUA = 3 000 leones; 1 euro = 4,789 leones.

OO FFUUTTUURROO PPAASSSSAA PPEELLAA PPEESSCCAAApesca ilícita pode custar à Serra Leoa qualquer coisa como 23 milhões

de euros por ano, de acordo com um relatório financiado pela UE e

realizado pelo consórcio Oceanic Développement (França) e MEGAPESCA

(Portugal). O estudo explora as diferentes opções para a parceria de pescas

com a UE. Cerca de 8000 embarcações artesanais, tais como pirogas e bar-

cos de pranchas, e 52 arrastões de pesca demersal de profundidade, prin-

cipalmente barcos do Sudeste Asiático, espanhóis e gregos, têm actual-

mente empresas comuns para a pesca nas águas da Serra Leoa. Segundo

os observadores, os navios chineses pescam alegadamente de forma ilícita

nas águas da Serra Leoa.

“Tudo perto da costa é crucial”, disse Reusing. Uma das quatro opções

exploradas pelo consórcio destina-se à pesca do atum, camarão de profun-

didade e pequenos pelágicos dos navios da UE. Potencialmente, aquele

acordo proporciona royalties de 2,5 milhões de euros por ano.

Desde então, há uma proibição da UE, que poderia ser levantada este ano,

sobre as exportações de peixe da Serra Leoa. As capturas feitas por estas

empresas comuns devem dar entrada na União Europeia através de um

país terceiro, sugeriram os observadores em Freetown. A União Europeia

lançou um Apoio Institucional para a Gestão das Pescas (ISFM) de 3 mi-

lhões de euros para aceder às reservas e fornecer aconselhamento técnico

para a conservação dos recursos, em colaboração com o Instituto de

Biologia Marinha e Oceanografia da Serra Leoa. A ideia é consolidar o

actual status quo das reservas e desenvolver um plano de gestão susten-

tável, disse Reusing. No futuro, a União Europeia tenciona continuar a

melhorar as normas de higiene na indústria e a controlar e inspeccionar

melhor a pesca em sete Estados oeste-africanos, incluindo a Serra Leoa,

para erradicar a pesca ilícita.

Palavras-chaveDebra Percival; Serra Leoa; Agricultura;Comércio; Pesca.

“Não conseguiremosreduzir a pobreza senão mudarmos a situ-ação dos agricultores”,

disse o Presidente Ernest Bai Koroma, emMarço deste ano, por ocasião de uma visita aKenema no Leste do país. Os recursos naturaisrenováveis, tais como a agro-floresta, a agri-cultura e as pescas contribuem com 50% doProduto Interno Bruto (PIB), mas 75% da po-pulação vive do sector. O país está fortemente dependente das impor-tações para a sua alimentação de base, como oarroz. Quando visitámos o país no final deFevereiro de 2008, o elevado preço de um sacostandard de arroz provocou um certo burbu-rinho nas ruas de Freetown. Custava entãocerca de 80.000 leones (aproximadamente 27dólares dos EUA). Mas no período eleitoralem Agosto de 2007, esse mesmo saco custava50.000 leones (17 dólares dos EUA). A crise alimentar internacional deve-se princi-palmente à subida do preço do arroz, explicouo Presidente Koroma em Kenema, substi-

tuindo-se ao novo Governo, e conduziu à proi-bição das exportações de arroz nalgumaszonas. Mas acrescentou que a crise deu grandevisibilidade à fiabilidade do país em matéria

de importações, sendo necessário aumentar aprodução nacional. O Governo deve criar umaagência de desenvolvimento da produção paraanalisar todo o sector agrícola e aumentar aprodução.O Ministro da Agricultura, Dr. Sam Sesay,disse a O Correio no seu gabinete emFreetown o quanto o preocupava a entradafácil do arroz pelas fronteiras porosas do país:“Só produzimos 60% das nossas necessidades.Somos tradicionalmente produtores de arroz eaté fomos exportadores nos anos 60. Preocupao Governo que uma parte do nosso arroz váinteressadamente para os países vizinhos,como a Libéria e a Guiné. De acordo com osestudos realizados, a Serra Leoa tem uma van-tagem comparativa em matéria de produção dearroz, tanto no mercado interno como paracompetir internacionalmente”.Também vê futuro noutras culturas, como opimento-malagueta, caju e cerveja de gengi-bre: “O problema é que a cerveja de gengibrenão é produzida adequadamente. Trata-se deum domínio em que se pode obter um valor

A agricultura em

destaque com o

Pesca artesanal, praia de Alex 2008. © Debra Percival

Cena rural, distrito de Bonthe, 2008. © Debra Percival

Projecto de cacau STABEX 2008. © Delegação da UE na Serra Leoa/Matthias Reusing

A agricultura em

destaque com o AUMENTO DO PREÇO DO ARROZ

Luxuriante e fértil, é fácil ver porque é que muitos pensam que a agricultura tem umenorme potencial na Serra Leoa. Como em muitas áreas da economia do país, os conflitos têm deixado marcas e há falta de meios. Por isso, não é fácil convencer aspessoas a laborar as terras. Para alguns, a agricultura é mais uma punição do queuma maneira de ganhar a vida, explicou o Ministro da Agricultura, Dr. Sam Sesay,que tem o múnus de estimular a produção e criar empregos no sector.

38 N. 5 N.E. – ABRIL MAIO 2008

Reportagem Serra Leoa ReportagemSerra Leoa

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> Práticas incompatíveis com o ambiente

O conflito incidiu na alegação de que a empresatinha retirado as terras aos habitantes locais e noperigoso impacto ambiental das operaçõesindiscriminadas da empresa com explosivos. Aempresa mineira também foi objecto de violen-tas críticas por parte de grupos da sociedadecivil e de ONG que continuam a considerar asactividades da empresa não só desrespeitadorasdo ambiente, mas alegam igualmente que aKoidu Holdings não tomou quaisquer medidaspara reparar os danos causados ao ambientedepois das operações mineiras. A empresaKoidu Holdings não é única nesta matéria.Por outro lado, na luta contra a degradaçãoambiental, o Governo da Serra Leoa e os seusparceiros para o desenvolvimento precisam defazer frente às actividades locais de certos indi-víduos, como o abate de árvores para produção

de carvão vegetal, a exploração mineira ilegal,desorganizada e ‘gratuita para todos’ nas zonasdiamantíferas e a exploração ilegal de madeira. Paradoxalmente, todas estas actividades consti-tuem igualmente um importante meio de sub-sistência e de sobrevivência de muitas pessoasde quase todos os quadrantes sociais. Umavasta investigação feita por um dos principaisjornais nacionais, Awoko, publicou um relatopormenorizado de jovens numa actividademineira violenta no distrito oriental de Kono.Havia fotografias que mostravam uma terraesgotada, enquanto os mineiros cavavam deses-peradamente debaixo de pontes e de casas.Mais de 100.000 jovens escavam o solo sim-plesmente pelo pão diário. É assim que elesvêem isto. Outro jornal, For Di People, publi-cou um artigo de investigação em que indica osnomes de políticos importantes que ajudam eincitam tacitamente empresas estrangeiras adesenvolverem actividades clandestinas deexploração de madeira, que no entanto ogoverno proíbe. A nível local, a alegação de“associação criminosa” abrange tanto lídereslocais como tradicionais. �

* Jornalista da Serra Leoa, Freetownwww.RSPB.org

MMaaiissMMEEDDIIDDAASSVVEERRDDEESS......AUE atribuiu 1 milhão de euros para

assistência técnica destinada à cri-ação da Comissão Nacional para oAmbiente e as Florestas (CNAF), explicaMatthias Reusing, que está à frente doDesenvolvimento Rural na Delegaçãoda UE na Serra Leoa. Será um pontocentral para todas as análises das inter-venções ambientais, legislação e dados,bem como para integrar as questõesambientais nos principais domínios deintervenção política, como a explo-ração mineira, as pescas, a água, osaneamento e a descentralização.No âmbito do Programa Floresta Gola,o país também está a pensar no comér-cio de direitos de emissão. Uma possi-bilidade consiste no Mecanismo deDesenvolvimento Limpo do Protocolode Quioto. Destina-se a criar créditos deRedução Certificada de Emissões (RCE)para os países em desenvolvimentodiminuírem as emissões. A Serra Leoanão é signatária do Protocolo deQuioto, mas pode olhar para os merca-dos voluntários de carbono, que ven-dem actividades que reduzem os gasescom efeito de estufa a empresas ouindivíduos que querem reduzir o seurasto de carbono, explica Reusing.A Serra Leoa também está incluída numestudo da DG Desenvolvimento, comlançamento previsto para a Primavera de2008, sobre o comércio transfronteiraslegal e ilegal de madeira e de produtosflorestais na África Ocidental. O Governomostrou recentemente interesse numacordo de parceria voluntária no quadrodo programa da UE intitulado Aplicaçãoda Legislação, Governação e Comérciono Sector Florestal (FLEGT) para reprimira exploração florestal ilegal*.

D.P. �

* Os Acordos FLEGT são regimes voluntários delicenças com países parceiros que asseguramque só pode entrar na UE madeira obtida legal-mente nos países parceiros.

Palavras-chaveGibril Foday-Musa; Serra Leoa; ambiente;exploração florestal; FLEGT; exploraçãomineira.

Oátrio estava decorado com gri-naldas coloridas de bandeirasdos Estados-Membros da UE,entrecruzando-se no tecto do

British Council em Freetown. Estamos a 10de Dezembro de 2007 e a presidência deErnest Bai Koroma, que dura há quatromeses, vai lançar o Programa da Floresta deGola. Este projecto irá proteger 75.000hectares de floresta tropical que acolhemmamíferos raros como o hipopótamo anão,chimpanzés e elefantes da floresta e 14 espé-cies de aves ameaçadas mundialmente,nomeadamente o invulgar picatartes decabeça descoberta e o corujão-pesqueiroruivo.

Só compareceram no evento menos de 40 porcento dos funcionários públicos convidados, oque levou o Presidente Ernest Bai Koroma amanifestar a sua grande decepção e a alertaros seus concidadãos para a “grave ameaçaglobal” para o habitat natural do país. A UE atribuiu recentemente uma subvençãode 3 milhões de euros ao Programa daFloresta de Gola, para um período de cincoanos, através da Real Sociedade para aProtecção das Aves, estabelecida no ReinoUnido (RSPB). Esta subvenção permitiráarrancar com a gestão da zona protegida, odesenvolvimento de capacidades a todos osníveis, programas de subsistência e empe-nhamento das comunidades no planeamentoda gestão das florestas, investigação e avali-ação da biodiversidade e educação e defesa doambiente. O objectivo é proteger as reservasda Floresta de Gola para a conservação dabiodiversidade e o desenvolvimento comu-nitário, criando um novo modelo de gestãodos recursos naturais sustentáveis na SerraLeoa. O programa será executado juntamentecom alguns parceiros – a Sociedade deConservação da Serra Leoa e a ComissãoNacional para o Ambiente e a Floresta(NACEF). A RSPB também está a solicitar oapoio de doadores para um fundo de 10 mi-lhões de euros destinado a gerar juros anuaispara gerir o projecto de conservação de Golano futuro.

> Gola será um parque nacional

O Presidente Ernest Koroma estava entusias-mado. Associou a importância do ambiente àpaz, estabilidade e desenvolvimento susten-tável. Garantiu igualmente o seu empe-nhamento em transformar futuramente aFloresta de Gola num parque nacional.Koroma terminou com um apelo à nação

para que reconheça o efeito desastroso dosriscos ambientais. Mas os desafios que o governo do novo par-tido All Peoples Congress (APC) tem pelafrente no domínio da protecção do ambientesão enormes. Anos de guerra civil nesta sub-região provocaram grandes migrações derefugiados para povoados virgens, que con-tinuam a ser um pesado fardo para a biodiver-sidade e a flora e a fauna. Com poucos con-hecimentos e pouca experiência de lidar comsituações de refugiados, não foi dada muitaatenção às consequências ambientais destasmigrações pelos governos, pelas ONG oupelas agências das Nações Unidas que foramresponsáveis pela criação de tantos novospovoados para as pessoas que fugiam do peri-go. Tudo isto foi agravado pela enorme pil-hagem dos recursos naturais e pela destruiçãoda biodiversidade durante a guerra.A ordem democrática e o Estado de direitofizeram com que os governos da regiãocomeçassem a tentar controlar e regularactividades como a exploração florestal emineira e a caça, entre outras, ‘proibindo’algumas destas actividades. A exploração flo-restal e a exportação de madeira, por exemp-lo, foram proibidas pelo governo doPresidente Koroma. O Governo da SerraLeoa, em colaboração com a Convenção dasNações Unidas de Combate à Desertificação,elaborou uma lei para combater a degradaçãodas terras através de um Plano de AcçãoNacional. O programa visa identificar os sin-tomas, as causas e os efeitos da degradaçãodas terras, tanto a nível local como nacional.Recentemente o Governo também suspendeuas actividades da empresa Koidu Holdings,que explorava as minas de kimberlite, depoisde uma confrontação violenta com jovens dacomunidade ter provocado a morte de duaspessoas.

DDaarr rreessppoossttaa aaoossddeessaaffiiooss ddooAAMMBBIIEENNTTEE Por Gibril Foday-Musa*

Lenha para venda na berma da estrada 2008. © Debra Percival

Jovens à procura de diamantes, Kaisambo, Kono 2008. © Jornal de Awoko

Mapa do projecto florestal de Gola. © Conservation International

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Reportagem Serra Leoa ReportagemSerra Leoa

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Page 23: C rreio - UFDC Image Array 2ufdcimages.uflib.ufl.edu/UF/00/09/50/67/00024/OCorreio-2008-05.pdf · REPORTAGEM Serra Leoa Da ruptura da paz ao restabelecimento da paz 30 ... O CORREIO,Nº

Afrondosa folhagem verde da natu-reza que contrasta com a terraescarlate e que abriga uma abun-dante fauna e flora é tão humilde

quanto arrebatadora. O governo sabe que aopreservar estes recursos naturais pode trazeros turistas de volta ao país (ver o artigo sobreo ambiente).O Ministro do Turismo da Serra Leoa,Hindolo Tyre, que tem um pequeno eaconchegado escritório no estádio nacional dedesporto, afirma que o sector não ficará forade jogo: “Houve sempre um Ministério doTurismo, embora tenha sido sempre conside-rado um ministério esquecido. Há mesmo umapiada que diz que quando um ministro tomamás decisões é castigado com o pelouro doturismo. Para mim, não se trata de um castigo,trata-se, isso sim, de um desafio. As pessoasnão podem contar eternamente com as minas”.Fica apenas a seis horas de voo da Europa,mas é árdua a tarefa de mudar a imagem exter-na do país. Em termos de praias arenosas, opaís pode competir perfeitamente com aGâmbia ou o Senegal, com as suas baíasescondidas como Sussex, River 2 ou a sualonga extensão em Lumley. Em relação àsinfra-estruturas, já não é bem assim. Os voospara a Serra Leoa são muito caros e a localiza-ção do aeroporto nacional em Lungi (numapenínsula) implica que, à chegada, se tenha dedar um saltinho suplementar de helicópteropara chegar a Freetown. No momento deredacção deste artigo, não existia ainda trans-porte marítimo alternativo para a capital.

> Dia de limpeza

Outros pormenores que afastam e dissuademalguns turistas: a pobreza visível, uma economiafortemente numerária e problemas ambientais,tais como resíduos – essencialmente plásticos –

despejados na praia de Lumley. O governodeclarou o último sábado de cada mês como o“dia de limpeza” ambiental, sem tráfico nas ruase em que se espera que todos fiquem em casa alimpar a sua zona.“Este sector pode tornar-se numa importantefonte de divisas e num criador de emprego.Dizer que somos um país destroçado pela guer-ra não corresponde à realidade. Precisamos decomercializar e promover o nosso país não sóalém-fronteiras, mas também internamente”,afirmou o Ministro.Para os principiantes, o Ministro pretendeimprimir um mapa onde se assinalem as belezasnaturais, os locais históricos e as relíquias dopaís. Ele menciona vários elementos: o cenárioextraordinário e os quartos de hotel refinados dacidade de Bumbuna e a Ilha Tiwai, que é umareserva natural estonteante. As antigas moradias coloniais com varandasornamentadas incutem um cunho de antiguidadea Freetown. E o algodoeiro – uma árvoremajestosa encontrada no final do século XVIIIpelos antigos escravos americanos que conquis-taram a sua liberdade lutando ao lado dosbritânicos na Guerra Civil Americana e que

chamaram “Freetown” à sua nova terra – é umponto de passagem obrigatório na capital. “Parte do nosso plano estratégico inclui a pre-sença de consultores jurídicos, ainda quedurante períodos de apenas três meses, paraanalisarem as regras e regulamentos. Por exem-plo, o Tourism Development Master Plan de1982. A Monuments and Relics Act, por outrolado, data de 1957. Mesmo alguns dos nossosacordos com hotéis não são favoráveis à SerraLeoa”, acrescentou.Na sua opinião, o investimento externo era vital,dadas as prioridades nacionais serem a electrici-dade, a alimentação e a água: “Observando bem,o país assemelha-se a uma virgem imaculadapelo investimento e os investidores, mas a abor-dagem que queremos pôr em prática é total-mente diferente. Uma das falhas do sistemaanterior foi precisamente a interferência políti-ca. Nós queremos despolitizar tanto quanto pos-sível a nossa abordagem”. D.P. �

Sítio Web: www.sierraleone.org

Será o TURISMO umLEÃO PROVOCADOR?Grandes extensões de areia branca, enseadas recônditas, bares à beira-mar, barracu-das vindas directamente do mar e uma sensação de remanso total. Já está longe orótulo de destroçado pela guerra que se manteve associado a este país durante todauma década e que o governo anseia dissipar de uma vez por todas.

Palavras-chaveDebra Percival; Serra Leoa; Turismo;Ambiente; Património.

Há 242 milhões de euros na rubrica “A” do 10.° FEDorientado para a boa governação (37 milhões de euros), areabilitação das infra-estruturas prioritárias (95 milhõesde euros) e o apoio geral ao orçamento (90 milhões de

euros). Fora dos sectores em foco, os fundos são afectados à agricul-tura (12 milhões de euros – ver artigo sobre a agricultura); comércio,que inclui financiamento para reforçar um eventual Acordo deParceria Económica (3 milhões de euros); uma facilidade técnica ede cooperação (2,5 milhões de euros); e a contribuição para projec-tos regionais (2 milhões de euros).A rubrica “B” dispõe de 26,4 milhões de euros adicionais – inicial-mente para dois anos, renovável. Destina-se a cobrir necessidadesimprevistas, tais como ajuda de emergência, uma contribuição para oalívio da dívida internacionalmente aceite e efeitos secundáriosdecorrentes da instabilidade das receitas de exportação. O financiamento do FED à Serra Leoa aumentou desde 1975 quandoo 4.° FED entrou em funcionamento. A guerra interrompeu o plano,por isso ainda estão a ser gastos 100 milhões de euros dos fundosanteriores. Entre 1999 e 2002, o serviço de ajuda humanitária da CE,ECHO, concedeu 44 milhões de euros para vítimas da guerra, retor-nados e refugiados liberianos. A Serra Leoa é um dos poucos países ACP onde a UE está a planeara sua estratégia de ajuda conjuntamente com um Estado-Membro daUE, o Departamento Britânico para o DesenvolvimentoInternacional (DFID). “Há uma enorme complementaridade entre oDFID, que se concentra na saúde e no saneamento, e a UniãoEuropeia, que centra as suas atenções nos transportes e nas infra-estruturas”, disse-nos Richard Hogg, chefe do serviço do DFID naSerra Leoa.

Ambos os doadores também forneceram apoio orçamental. Ao abri-go do 10.° FED, foram prometidos 15 milhões de euros por ano, oque corresponde a 29% do apoio orçamental total por parte dosdoadores, ou 5% da receita total do Governo. São elaboradosparâmetros de referência para desembolso destas verbas com oBanco Africano de Desenvolvimento (BAD), o Banco Mundial, oDFID e incluem uma boa gestão do financiamento público.Dos 95 milhões de euros destinados às infra-estruturas ao abrigo do10.° FED, 48 milhões de euros vão para estradas afluentes, 15 mi-lhões de euros para o revestimento da estrada de junção Songo-Moyamba e 7 milhões de euros para a construção da ponte Magbele.As obras de beneficiação em curso com fundos do FED são um troçode 86 km, que faz a junção entre Rogbere na Serra Leoa e a Guiné, eos 168 km que ligam Masiaka a Bo. A continuação desta estrada atéà Libéria é considerada uma prioridade económica porque criariauma artéria de reforço comercial da Libéria para a Guiné.Também estão incluídos no capítulo orçamental para infra-estruturasos fundos destinados ao sector energético vital (12 milhões deeuros), um “plano director” para Freetown (8 milhões de euros) –incluindo a construção de estradas urbanas e de mercados – e odesenvolvimento do transporte fluvial (2 milhões de euros), incluin-do a construção de cais em vários pontos dos 380 km de vias naveg-áveis interiores. Há também um apoio para o Ministério dosTransportes (3 milhões de euros). Dos 37 milhões de euros afectados à boa governação, explicouFrancesca Varlese, directora de projecto na Delegação da UE emFreetown, 8 milhões de euros irão para o apoio contínuo (vigilância)às eleições, incluindo 3,7 milhões de euros para a realização deeleições locais em Julho e os órgãos eleitorais – a ComissãoNacional de Eleições e a Comissão de Registo de Partidos Políticos.Chiara Bellini, funcionária da secção de governação da Delegação,acrescenta que a reforma do serviço civil (10 milhões de euros) e adescentralização dos serviços (9 milhões de euros) também são pri-oritárias. Adicionalmente, há um financiamento contínuo para oOrdenador Nacional que coordena os projectos da UE para oGoverno (5 milhões de euros) e verbas para a governação ambiental(4 milhões de euros) e o desenvolvimento da sociedade civil (1 mi-lhão de euros).D.P. �

Financiamento da UE parareforçar a ESTABILIDADEO financiamento do 10.° Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED) de seis anos(2008-2013) para a Serra Leoa destina-se a projectos que visam reforçar a estabili-dade e a boa governação e facilitar a retoma económica.

Palavras-chaveDebra Percival; Serra Leoa; 10.° FED; Infra-estruturas.

Renovação de estrada financiada pelo 9.º FED, Masiaka-Bo 2008. © Debra Percival

Longa extensão de areia, praia Lumley2008. © Debra Percival

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Reportagem Serra Leoa ReportagemSerra Leoa

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Page 24: C rreio - UFDC Image Array 2ufdcimages.uflib.ufl.edu/UF/00/09/50/67/00024/OCorreio-2008-05.pdf · REPORTAGEM Serra Leoa Da ruptura da paz ao restabelecimento da paz 30 ... O CORREIO,Nº

ao ano 30 a.C., data em que começa o períodoromano, que termina em 330 d.C. O paístorna-se então província de Bizâncio e assimpermanecerá durante quase nove séculos, ape-sar das sucessivas incursões árabes. Isso con-tribuirá para impregnar fortemente a culturadeste Império Romano Oriental. No fim doséc. V, a Igreja Ortodoxa de Chipre tornar-se-áautocéfala, possuindo, pois, o direito denomear o próprio arcebispo metropolita quepreside a esta Igreja.Ricardo I (Coração de Leão) apodera-se dailha no fim do séc. XII e cede-a aos CavaleirosTemplários, cujo regime retrógrado e ditatori-al será seguido do domínio veneziano em 1489e da ocupação otomana em 1570. Esta vaidurar até à cessão de Chipre em 1878, sempreteoricamente parte do Império Otomano, àadministração britânica como contrapartida deuma protecção contra a ameaça russa.

> Uma das tragédias da história doséc. XX

Em 1914, como represália pelo alinhamentoda Turquia ao lado da Alemanha, a Grã-Bretanha anexou Chipre que se tornou oficial-mente colónia britânica em 1925. A anexaçãofoi relativamente bem aceite porque os defen-sores, a grande maioria da população, da eno-sis (união com a Grécia) viam nela umaocasião propícia. Sofreram, porém, umagrande desilusão. Irromperam insurreições,rapidamente debeladas. Também após aSegunda Guerra Mundial, a recompensa faltouaos cipriotas gregos recrutados em massa(60.000 pessoas) ao lado das tropas inglesas.Em 1955, entraram na luta armada. Graças àintervenção americana, os dirigentes grego eturco chegaram, em 1959, a um acordo sobreas condições da independência de Chipreexcluindo qualquer projecto de união com a

Grécia e de divisão do país. Foi previsto umdireito de veto para a minoria cipriota turca(aproximadamente 20% da população) quantoa certas questões sensíveis, bem como umaparticipação de 30% na função pública. Umacordo definitivo foi celebrado entre as duaspartes e a Grã-Bretanha, garantindo, nomeada-mente, a esta última a manutenção das suasbases militares. Chipre alcançou a inde-pendência em 16 de Agosto de 1960, sendopresidido pelo arcebispo Makários, um dosgrandes líderes terceiro-mundistas e não alin-hados.

> A divisão

Os mais determinados das duas comunidadesestavam insatisfeitos com os acordos para aindependência, e conflitos sucessivos levaramao envio em 1964 pelo Conselho de Segurançada ONU de uma força de manutenção da paz.A divisão do país começou para todos osefeitos quando os ministros cipriotas turcosdeixaram o Governo e os seus concidadãospassaram a refugiar-se cada vez mais na partenorte da ilha.A junta militar que tomou o poder na Gréciaem 1967 fomentou um golpe de Estado contrao Presidente Makários. Em resposta a estaprovocação, e na ausência de qualquer reacçãoda terceira potência garante da independênciade Chipre, a Grã-Bretanha, a Turquia invadiumilitarmente o território em 20 de Julho de1974.Em pouco tempo, ocupa perto de 35% do ter-ritório, ou seja, a parte mais desenvolvida àdata, cujo potencial económico estava estima-do em 70%. E é traçada uma nova linha dedemarcação que divide a cidade de Nicósia emduas partes. É actualmente a única capital divi-dida do mundo. Cerca de 140.000 cipriotasgregos, um quarto da população do país, aban-

donaram as suas habitações para fugir para aparte sul. Por outro lado, desapareceram 1500pessoas. Os cipriotas gregos e os maronitasnão são mais do que algumas centenas naparte norte.

> Renasce a esperança

Terão sido necessários vinte anos à populaçãoda República de Chipre para reconstruir aeconomia e devolver-lhe todo o seu esplendor.De tal sorte que Chipre pôde responder aoscritérios para aderir à UE. Nas instânciaseuropeias, esta adesão implicava uma reunifi-cação prévia no âmbito do plano da ONU, co-nhecido como Plano Annan, que devia seradoptado por referendo em simultâneo nasduas partes da ilha. Enquanto, na “parte ocupa-da”, recolheu 65% dos votos, foi rejeitado por76% dos cipriotas gregos, o que fechou a portada Europa à parte norte do país. Este resultadoteve o efeito de um balde de água fria nasinstâncias europeias e enraizou o ressentimen-to dos cipriotas turcos. A realidade é, porém,muito mais complexa. Contrariando os proces-sos de intenção, os cipriotas gregos não parecem querer vingar-se mas consideram sim-plesmente o Plano Annan desequilibrado, con-tendo demasiadas exigências para si próprios eexcessivas prerrogativas para os cipriotas tur-cos senão para a Turquia.A eleição para a presidência, em 24 deFevereiro transacto, de Demetris Christofias, ocandidato do AKEL (partido comunista deChipre), mostra claramente que os cipriotasgregos não estão interessados no prolongamen-to da discórdia. As correcções solicitadas porDemetris Christofias ao Plano Annan valeram-lhe o apoio de Tassos Papadopoulos, antigochefe de Estado e principal vencido naseleições, cuja eliminação à primeira volta, ape-sar do êxito obtido no plano económico esocial, é mais uma indicação de que umagrande parte dos eleitores considerava que asua obstinação contra o plano Annan não con-tava com uma larga aprovação. O diálogo foi reatado no dia seguinte à eleiçãode Demetris Christofias que deu início às nego-ciações com Mehmet Ali Talat, presidente daRepública Turca de Chipre do Norte (Estadonão reconhecido pela comunidade interna-cional). O primeiro símbolo deste desbloquea-mento é a abertura na linha de demarcação deuma passagem, a da rua Ledra. Ledra era oprimeiro nome de Chipre. H.G. �

Ahistória de Chipre estende-se por muitos séculos, remon-tando os traços de vida humana ao IX milénio antes deCristo. Seis mil anos depois, as populações que aí resi-diam tinham evoluído até dominar a metalurgia do cobre.

Aliás, a palavra cobre deriva da palavra latina Cuprum, que, por suavez, deriva da palavra Cyprium, usada para designar a ilha de Chipre.Mas a implantação de Chipre opera-se com a chegada, cerca de 1200anos a.C., dos gregos de Micenas que levaram para a ilha a língua, acultura e a técnica. Com altos e baixos, a cultura grega continuarádominante. Tornando-se rapidamente um lugar destacado da cultura grega,Chipre soube cruzar a herança da universalidade com o húmus detantas outras culturas, todas elas ainda presentes no cadinho que con-stitui este país. Uma outra contribuição importante é a dos fenícios,que apareceram no século IX antes da nossa era, expulsos pelosassírios da sua terra, o actual Líbano. Com eles, regista-se um novoflorescimento da cultura nomeadamente com a excelência da cerâmi-ca e da joalharia fina ainda hoje apreciadas em Chipre. Muitos con-quistadores se sucederam, desde os assírios no séc. VIII a.C. aosegípcios no VI. Os persas, chegados em 525 a.C., vão controlar o paíscom mão de ferro. E isto até à vitória de Alexandre o Grande em 333a.C. que fez Chipre entrar oficialmente na sua época helenística até

Foi provavelmente a sua longa históriade ponto de encontro e de miscigenaçãocultural que conferiu à população deChipre o dinamismo e o encanto,nomeadamente uma hospitalidadecomovente e, sobretudo, um espírito dediálogo raro num país em que parte doseu território está ocupada. As últimasevoluções políticas vaticinam talvez ofim desta tragédia.

CHIPREe

MALTACHIPRE.

História deencontro e demiscigenação

O Correio dá excepcionalmente a conhecerneste número dois Estados-Membros daUnião Europeia, Chipre e Malta. Os doispaíses aderiram ao mesmo tempo ao euro,em 1 de Janeiro do ano em curso.Também porque Malta e Chipre apresen-tam muitas semelhanças, a começar poruma economia de pequena dimensão masaberta, próspera e sólida, o que lhes permi-tiu responder num prazo curto aos critériosditos de convergência exigidos pela UniãoEuropeia, relativos nomeadamente aocrescimento, à taxa de inflação e ao déficepúblico. Os dois países tinham aderido ao“Mecanismo de Taxa de Câmbio” europeuem 2 de Maio de 2005. Em 16 de Maio de2007, a Comissão Europeia e o BancoCentral Europeu davam-lhes luz verde paraa entrada na zona euro, formalizada peloConselho em 11 de Julho. Ambos dispu-nham de uma moeda forte e estável, respec-tivamente a libra cipriota ( 1 = Lc0,5853)e maltesa ( 1 = Lm0,4293).Chipre e Malta são também velhos paíseseuropeus, na periferia do continente comuma longa história de permeabilidade a ou-tros espaços e culturas da África e do Oriente.

Palavras-chaveChipre; história; Grécia; Turquia;Demetris Christofias; Ledra; HegelGoutier.

Casa abandonada perto da zona de demarcação,Nicósia 2008. © Hegel Goutier

N. 5 N.E. – ABRIL MAIO 2008

Descoberta da EuropaChipre

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D escoberta da Europa

Reportagem por Hegel Goutier

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Antes de 1974, o Norte do paísconcentrava quase três quartos daeconomia. A ocupação fez fugirquarenta por cento da população

abrigando-se em acampamentos provisórios.Isto significou o colapso total da economia.Mas Chipre precisou de apenas quinze anospara se reconstruir.Para Marios Tsiakkis, director doDepartamento Industrial da Câmara deComércio e Indústria de Chipre, é a determi-nação de todas as camadas sociais da popu-lação que explica o “milagre cipriota”. Referecom emoção como os sindicatos “reclama-ram” espontaneamente uma redução salarialenquanto contribuição para a reconstrução. Por volta de 1990, a vitória era certa. Noentender de Marios Tsiakkis, Chipre enfrentaactualmente um outro desafio, o da competi-tividade, no âmbito da Europa, por um lado, ecom terceiros, como a China e os demais paí-ses asiáticos, por outro. A agricultura represen-ta actualmente 3,5 % da economia, as indús-trias transformadoras 10% e os serviços 74%.“Devemos evoluir ainda mais rumo a umaeconomia industrial baseada nas soluções dealto valor acrescentado. Encorajamos asempresas cipriotas a investir em projectos deinvestigação, desenvolvimento e inovação. ACâmara de Comércio colabora com aUniversidade Pública de Chipre. Tem por mis-são servir de elemento catalisador entre a uni-versidade e o mundo empresarial”.O sector dos serviços é responsável por 74%

da economia, correspondendo 20% ao turis-mo. Os outros ramos importantes são osserviços financeiros, a marinha mercante, aconstrução que está actualmente em fase defranco crescimento, bem como os serviços decontabilidade e auditoria prestados às grandesempresas internacionais.O baixo nível da taxa dos impostos sobre oslucros das empresas (10%) é inequivocamenteum factor de atracção. Adite-se ainda o factode Chipre ter celebrado convenções com cercade quarenta países em todo o mundo para evi-tar a dupla tributação. E, last but not least, osordenados em Chipre são menos elevados doque na maioria dos Estados-Membros daUnião (aproximadamente 84% da média naUE). O bom estado das infra-estruturas viáriase dos meios de comunicação, a utilizaçãousual da língua inglesa, o alto nível dos sis-temas de educação e de saúde e o clima socialfavorável completam a reputação do país juntodos investidores estrangeiros. Para não falar,insiste Marios Tsiakkis, na segurança, noclima ameno e na beleza do país.A capacidade de atracção de Chipre para osinvestidores e residentes estrangeiros reflecte-se na explosão do sector imobiliário. Istoexplica que no mundo empresarial, já, emlarga medida, defensor da reunificação, osempreiteiros estejam ainda mais motivados.Antecipam já os milhões de euros que serãoinvestidos após a reunificação para reconstruiro Norte do país.H.G. �

MILAGREeconómico Uma das surpresas que Chipre nos reserva é o seu altonível de desenvolvimento económico. Tudo é novo.Nicósia é resplandecente. Os seus bairros comerciaisrivalizam em dimensão e luxo com os das cidades maisricas. Estão repletos de joalheiros, lojas de luxo, bancos,escritórios de grandes empresas. Fala-se da parte sul deNicósia, é evidente! Ao norte, na zona ocupada, nãofalta encanto mas cheira, não raro, a abandono.

Emmanuela Lambrianides,técnica superior de coorde-nação, ‘Planning Bureau’,

Ministério dos NegóciosEstrangeiros*

> Fase inicial:Implementação do pro-jecto de subcontratação

Em 2007, a percentagem do PIBdo Chipre para a política de desen-volvimento alcançou 0,12 porcento. O objectivo é chegar aos0,17 por cento até 2010 em con-formidade com os compromissosassumidos no Conselho da UE.A nossa estratégia consiste emdelegar a implementação da nossacooperação a outros Estados-Membros da UE. Não é só porquenão temos peritos locais emnúmero suficiente, mas tambémpor motivos de eficácia: porquêdespender muito dinheiro na con-strução de uma grande adminis-

tração quando podemos utilizar oque já existe? Os nossos princi-pais parceiros são o Lesoto e oMali nos países ACP e quatropaíses vizinhos do Norte deÁfrica e Médio Oriente**.Pequenas verbas de auxílio vãopara outros dez destinatários.

> Segunda fase: Ajuda dearranque para o Chipre

Os nossos sectores de concen-tração são a saúde e a educação.Temos vantagens comparativasnestas áreas e queremos usar asnossas competências. Criámos cur-sos de agricultura adaptados à rea-lidade – programas intensivos deaproximadamente seis semanas,que cobrem a investigação.Depois da primeira fase, seremoscapazes de tomar as rédeas dofuturo, mas trabalhamos igual-mente com organizações não go-vernamentais (ONG). Estamospresentemente a trabalhar comelas para antecipar o que podemosfazer sozinhos após 2010 quandoa estratégia a médio prazo(2007–2010) chegar ao seu termo.Criámos igualmente o mecanismode tomada de decisões para esta-belecer a “CyprusAid”, estreitan-do os laços com os países benefi-ciários e com as nossas ONG. Estamos igualmente a trabalharno sector marítimo e bancárioonde recebemos pedidos para for-mação de curta duração. Outraárea é o planeamento económico.Temos alguma experiência neste

ramo, já que a própria economiado Chipre se encontrava comple-tamente desmantelada. O Chipreteve de lançar várias iniciativas deplaneamento e, nesse contexto, opapel do Gabinete foi instrumen-tal. Criou um plano quinquenal einstruiu o sector privado.Conseguimos fazer com que aeconomia recuperasse completa-mente volvidos apenas 15 anos,um facto de que o Gabinete dePlaneamento se orgulha.

Giorgos Virides, director daCooperação para oDesenvolvimento e Ajuda

Humanitária, Ministério dosNegócios Estrangeiros*

> Beneficiários ACPEstivemos envolvidos em trêsprojectos. Um no Lesoto, onde foiconstruído um colégio internofeminino no distrito deMokhotlong. As meninas queresidem nos arredores tinham depercorrer todos os dias a pé umadistância de oito quilómetros parairem à escola, correndo o risco deserem atacadas por bandos arma-dos. Este projecto foi levado acabo em parceria com a Irish Aide o órgão de execução foi oMinistério da Educação do Lesotocom base num acordo entre aIrlanda e o Lesoto. O projectoteve um custo total de 350.000 €.No Mali completámos um projec-to de gestão de resíduos susten-tável na cidade de Sikasso em

parceria com o governo daBélgica e do Mali. A agência deexecução foi a BTC (BelgianTechnical Cooperation). A cidadede Sikasso padecia de gravesproblemas de saúde pública, regi-stando-se um aumento da pro-dução de todos os tipos de resídu-os, principalmente industriais. Acontribuição total foi de 151.000€ e os equipamentos foramentregues em finais de 2006. De momento, temos outro projectoem curso com o governo do Mali.Desta vez, vamos construir quatropontes pequenas que darão acessoa aldeias no caso de os moradoresficarem isolados durante a estaçãodas chuvas. H.G. �

* Baseado em entrevistas de HegelGoutier** Egipto, Iémen, Líbano e os TerritóriosAutónomos da Palestina são os benefi-ciários.

EL ‘PLANNING BUREAU’arquitecto do milagre económico aoserviço do desenvolvimento Para criar a sua política de desenvolvimento, o Chipre mobilizou o departamento dedesenvolvimento do Ministério dos Negócios Estrangeiros e o ‘Planning Bureau’(Gabinete de Planeamento do governo) que tinha como função a reconstrução daeconomia do país na sequência da invasão turca daquela ilha.

Palavras-chiaveHegel Goutier; EmmanuelaLambrianides; Georges Virides;Chipre; econômico; desenvolvi-mento; política; ONG.

Palavras-chaveChipre; economia; Marios Tsiakkis; investimentos; Hegel Goutier.

Porto de Paphos 2008.© Hegel Goutier

Distrito de negócios florescentes emNicósia, com a zona ocupada ao fundo

2008. © Hegel Goutier

O calor de origem solar está em todoo lado, símbolo de uma economia

desenvolvida 2008. © Hegel Goutier

Emmanuela Lambrianides, Gabinete dePlaneamento, Ministério dos NegóciosEstrangeiros 2008. © Hegel Goutier

Ministério dos Negócios Estrangeiros,Nicósia 2008. © Hegel Goutier

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Como é que atrairia alguém para Nicósia?

Se se refere a negócios, Chipre foi sempre umcentro de serviços e costumava ser um centrocomercial ainda antes da adesão à UniãoEuropeia. Temos uma indústria florescente.

Agora, após a adesão, temos os impostosempresariais mais baixos da União Europeia,sendo por isso que muita gente, da UniãoEuropeia ou não, deseja criar aqui empresas. Amaioria das actividades comerciais é feitaaqui, em Nicósia.

Há pouca gente que conhece Nicósia.

Nicósia é a versão portuguesa de Lefkosia, quesignifica “cidade branca”. Lefko significabranco. Bel também significa branco na línguaeslava, por isso Belgrado significa igualmente“cidade branca”.

E porquê Lefkosia? Por causa do clima resp-landecente e das cores brancas que dominamos edifícios. Mas não é só o clima que é bomdurante todo o ano: há monumentos históricose é muito fácil viajar em Chipre, por ser umpaís pequeno. A história de Chipre remonta àIdade da Pedra. Encontram-se indícios depovos da Idade da Pedra e monumentoshistóricos que relatam a evolução da civiliza-ção no Médio Oriente: os fenícios, egípcios ebabilónicos. Tudo isto torna o país muito inte-ressante do ponto de vista arqueológico.Nicósia tem um museu muito interessante paraquem quiser saber de que maneira a históriaevoluiu, não só em Chipre, como também emtoda a região.

Embora haja uma maioria cristã, há muitoscidadãos muçulmanos e temos mesquitas eigrejas implantadas lado a lado. As muralhasmedievais circundantes foram construídaspelos Italianos quando Chipre foi ocupado

pelos Venezianos e estão iluminadas toda anoite. Poderá encontrar igualmente arquitec-tura britânica, do tempo em que a ilha estevesob domínio britânico. Nem toda a gente sabeque a história do clássico de Shakespeare –Otelo – passou-se em Chipre. O herói casou-seem Famugusta.

Para os visitantes, há lindas paisagens ao redorde Nicósia e muito perto destas erguem-seíngremes montanhas. Mesmo neste climamediterrânico, as montanhas estão cobertas deneve durante cinco a seis meses por ano. A 45minutos daqui encontra-se uma paisagemcoberta de mais de meio metro de neve.

Como é que Nicósia viveu a divisão?

O facto mais peculiar e triste em Nicósia é asua própria divisão. Como sabe, em 1974, aTurquia invadiu Chipre e tirou-nos metade dasterras. A linha de ocupação situa-se mesmo nocentro de Nicósia e divide a cidade em duas.Nicósia é a única cidade dividida no mundo.Em Jerusalém existem sectores, mas não exis-tem muros como aqui.

Aqui, sente-se muito esta divisão. Se andarpelas ruas, especialmente na cidade antiga,encontrar-se-á sempre em frente de um muro.Verá ruas vazias muito diferentes das ruas ani-madas a alguns metros de distância.

O Conselho Municipal tenta incentivar as pes-soas que vivem perto da linha divisória amudar para casas que foram abandonadas, afim de reduzir os problemas derivados doabandono na zona próxima da linha. A autar-quia expropria as casas abandonadas e indem-niza os seus proprietários. Depois, convidaprimeiro os antigos proprietários a viveremnessas casas a um preço de renda muitofavorável. Se estes recusarem, as casas serãoalugadas a outras pessoas interessadas.

Actualmente não podemos responder à procu-ra de casas que foram restauradas. São aplica-dos alguns critérios de elegibilidade aos arren-datários, que são normalmente famílias comrendimentos moderados.

Em que medida a invasão turca alterou a almada cidade?

A invasão turca obrigou muita gente a deixaras suas casas no Norte. Depois de 1974, opanorama dos arredores de Nicósia mudoucom muitos edifícios novos. Alguns não sãofeitos da melhor qualidade. A cidade cresceu.Nós esforçámo-nos por demolir parte dosmuros, a fim de termos um acesso mais livre,mas o exército invasor turco insiste em per-manecer ali, proclamando que, para protegeros cipriotas turcos, tem o direito de manterquartéis militares no centro de Nicósia. Comoautoridade local, o nosso sonho é ver a cidadereunida. H.G. �

> Neshe YasinPOETA, SEXO FEMININO, CIPRIOTA TURCA*

Há confusão quanto à identidade cipriota. Há definições verticais e ho-rizontais. Há religiões: cristã e muçulmana. E depois há nacionalidades:turca e grega. Os britânicos pediram às pessoas que se definissem.Alguns dos chamados cipriotas turcos eram africanos de etnia negra,outros provavelmente rebeldes turquemenos trazidos para a ilha ondeadoptaram a religião muçulmana.

Neste país, uma pessoa pode apresentar-se como sendo turca, cipriotaturca, cipriota, grega e cipriota grega. Do modo como se define dependea sua perspectiva política sobre o futuro. Afirmando-se grego, será con-siderado de direita. Se disser cipriota, penderá provavelmente para aesquerda. Enquanto cipriota grego ou cipriota turco significará que per-tence ao centro. Mas o que se quer realmente dizer com cipriota, gregoou turco?

A identidade cipriota traduz igualmente o empenhamento num projectogeográfico de unidade, ou não. Enquanto ilha, Chipre só tem fronteiracom o mar. E todos os cipriotas gostam da forma do seu país. Esta écopiada em alfinetes e jóias. Guardamos o local onde vivemos na nossamemória, mas fomos, em larga medida, forçados a esquecer esta recor-dação.

A identidade está sempre à espera de algo. Sou poeta. Alguns poetasprocuram o hibridismo e consideram que o cipriota é um ser híbrido.Nas línguas, a música é a mesma. Por vezes, as palavras são comuns.Encontrará palavras italianas nas nossas quatro línguas e, do mesmomodo, na mente e no carácter. Temos a mesma memória. A mentalidadeé muito semelhante. A estrutura familiar é muito idêntica, assim comoa maneira de falar, o entusiasmo.

Nas aldeias, a entreajuda permite a sobrevivência. Por exemplo, nasfestas religiosas turcas, era costume confiar um animal a um cipriotagrego para que tomasse conta dele e vice-versa. Com a questão danacionalidade, tudo isso acabou.

> Giorgos MoleskisPOETA, SEXO MASCULINO, CIPRIOTA GREGO*

Há muitas identidades em Chipre. Há várias religiões: ortodoxa grega,muçulmana, maronita, cristã arménia e católica romana.Linguisticamente falando, os cristãos foram assimilados pela línguagrega.

Os católicos romanos estão ligados aos maronitas do Líbano. Osmaronitas não só usam o grego, mas também conservaram o dialectomaronita, que é falado em algumas aldeias cipriotas. Este caracteriza-sepela presença de palavras gregas, turcas e árabes.

A minha mulher é arménia, natural de Yerevan. A minoria arménia temuma publicação em arménio e inglês. A partir de 1996, cada cidadãoteve de indicar a respectiva religião.

A percepção de um cipriota grego ou de um cipriota turco não é impor-tante. Ao utilizar uma língua, utiliza-se uma cultura. A cultura greganum caso e a cultura turca no outro. Mas a história pertence a todos.Cipriotas gregos e cipriotas turcos viveram ao longo de muitos séculosna mesma aldeia. O mesmo pastor guardava os seus rebanhos.Partilhavam tudo, a terra e o pastor. Lembro-me de visitar os pais de umamigo meu quando estudava. Gregos e turcos viviam juntos e parti-lhavam tudo: terra, gado, brincadeiras no mesmo bairro. O folclore e acomida eram os mesmos. A mesma amizade, a mesma hospitalidade, omesmo cultivo das terras. Era tudo igual.

Uma parte da identidade é a língua, a cultura e a tradição. Mas a outraparte é feita de quotidiano. H.G. �

* Baseado em entrevistas de Hegel Goutier

identities CIPRIOTAS

STELIOSIERONIMIDISVice-Presidente da Câmara de NicósiaEntrevista de Hegel Goutier

Palavras-chaveStelios Ieronimidis; Nicósia; Famagusta;Chipre.

Palavras-chiaveHegel Goutier; Giorgios Moleskis; cipriota grego; cipriota turco.

Livros do poeta cipriota turco, Neshe Yasin, e outros escritores cipriotas 2008. © Hegel Goutier

© Hegel Goutier

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Bizantina, que é único. Muitas associações efundações culturais, como a SymphonyOrchestra Fondation, vulgarizam a cultura comum certo êxito. A parte norte de Nicósia não lhefica a dever, entre as suas obras-primas conta-se a catedral de Santa Sofia transformada emmesquita. Teatros, salas de concerto, cinemas efestivais internacionais de arte e de cultura emtodas as disciplinas fazem da ilha um tesouropara os amadores de arte e os visitantes.H.G. �

Dois milhões e meio de turistas visitam Chipre todos os anos.A ilha parece ser capaz de se adaptar ao estado de espíritode cada um. O silêncio e a serenidade dos sítios arqueoló-gicos para uns, as magníficas praias ou os cumes das mon-

tanhas cobertos de neve para outros, os belos museus e outros espaçosde cultura para prazer dos amadores de arte e os locais de divertimentopara os foliões. E tudo a menos de uma hora de distância de umambiente para outro. Além disso, a ilha oferece o perfeito desenraiza-mento, tendo misturado a herança grega com influências orientais emesmo africanas. Aliás, todos os prestigiosos sítios arqueológicos sãoromanos e não gregos. A pintura é bizantina, o artesanato veneziano.Chipre é realmente cipriota. E essa é a sua mais bela qualidade.Christina Mita, guia turística profissional, resume assim o seu país: “Adança, a música, o dialecto são diferentes da Grécia. A influência gregaimpede Chipre de ser oriental e o Oriente, muito presente, impede-o deser 100% grego”.Desde o encerramento do aeroporto de Nicósia na sequência da ocu-pação, Larnaca, encantadora cidade costeira no Sudeste, tornou-se aprincipal porta de entrada do país. Alardeia o seu encanto fora de moda,sobretudo o do antigo bairro turco, e o ambiente romântico e pitorescodos passeios de namorados à beira-mar, mal a noite cai. Certas aldeias,como Pyrga e Kiti, são, pela decoração interior das suas igrejas ecapelas, soberbos testemunhos da passagem dos reis dos francos.A norte de Larnaca, agitava-se noutros tempos a alegre Famagusta. Sóuma pequena parte dos seus subúrbios está sob o controlo da Repúblicade Chipre. Dir-se-ia uma bela adormecida, quase sem habitantes, con-servada como eventual contrapartida de um hipotético reconhecimen-to do Estado do Norte pela República de Chipre. Na costa Sul, fica Limassol, o pólo importante do turismo balnear comos seus clubes nocturnos e o alarido característico destas cidades. Masà sua porta, está a serenidade do sítio arqueológico da cidade greco-romana de Kourion durante muito tempo cobiçada pelo Egipto (RamsésIII) e que, mais tarde, será assíria e persa. O seu teatro, com o mar ao

fundo, abriga um grande festival de arte. E os arqueólogos continuam atrazer à luz do dia grandes extensões da cidade romana. Entre Limassol e Paphos na costa mais a ocidente, quase à entrada dacidade mais sofisticada de Chipre, o imaginário desperta em Petra touRomiou, local onde segundo a mitologia nasceu a deusa Afrodite,emergindo da espuma do mar (aphros). Se tiver alguma dúvida quantoà realidade do mito, a rocha com o seu perfil, que surgiu da água aomesmo tempo, continua bem presente. Mais para norte, no interior, estáum outro mundo, o da calma dos mosteiros das altas montanhas deTroodos, procuradas também pelos amadores de esqui.

> Local de cultura e ‘check points’

Sítios arqueológicos, mosteiros, a história está presente em toda a parte.Mas é ainda mais patente na capital Nicósia, Lefkosia em grego,Lefko_a em turco. Nicósia é provavelmente a mais pacífica das cidadesdivididas da história. Mesmo ao chegar à linha de demarcação, não háqualquer tensão. Um símbolo comovente: na linha de demarcação entreo posto de controlo da República de Chipre e o da parte Norte, estãoinstaladas as forças da UNFICYP no palácio Ledra. Uma ou duas vezespor semana, um coro, o Bi-communal choir composto de cipriotas gre-gos e turcos, faz aí os seus ensaios, obrigando cada membro a passarpelo posto de controlo. Os dois directores do coro, um de cada comu-nidade, exprimem-se de preferência em inglês. O coro foi criado desdea abertura do primeiro ponto de passagem em Abril de 2003. Dá concer-tos tanto na parte Norte como no Sul. Os cantos são das duas comu-nidades, sendo o mesmo por vezes cantado nas duas línguas, como aNiksarin Fidanlari, uma velha cantilena turca adoptada também pelosgregos. Lenia Melanidou e Costis Kyranides, os dois directores,relataram a longa história do coro, a única associação bicomunitária a tersobrevivido ao longo do tempo, através de desalentos e vicissitudes. Nicósia encerra um património inestimável, como o Museu de Arte

BELEZA ESEDUÇÃO de três continentesTerá a cultura vencido os ‘check points’?

Palavras-chave:Hegel Goutier; Chipre; turismo; cultura;Nicósia; bizantino; Larnaca; Afrodite.

À direita:A Rocha de Afrodite 2008. © CE

Abaixo:“No boarder Underwear”. Loja perto da linha

de demarcação 2008. © Hegel GoutierOvercoming the checkpoints.

Em baixo, à esquerda:Castelo medieval de Paphos e marina 2008.

© Hegel Goutier

Em baixo, à direita:Casa de Dionísio, Pafos 2008. © Hegel Goutier

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durante o reinado de Carlos V. Este recorre,em primeiro lugar, aos cavaleiros da OrdemHospitaleira de São João de Jerusalém parabarrar a ofensiva muçulmana em Malta, que jásofreu algumas incursões de envergadura eacaba por lhes ceder a ilha em 1530. À parti-da, os cavaleiros da Ordem não viam grandeinteresse em instalar-se nesta terra árida, cujapopulação, reduzida desde sempre, era apenasconstituída pela velha nobreza de Mdina,descendente dos normandos da Sicília.

Depois de ter perdido Trípoli, a Ordem ganhaa batalha de Malta contra os turcos em 1565.Com esta vitória, os cristãos terminam areconquista do Mediterrâneo europeu. É edifi-cada uma nova capital, La Valette, uma cidadebastião, cuja construção começou em 1566. Oscombates navais são frequentes entre a frotaturca e as galeras da Ordem. Esta vai transfor-mar Malta numa gigantesca escola navaleuropeia que fornecerá marinheiros a Françaque, em 1765, transforma a ilha num protec-torado.

Tendo a Ordem tomado partido em 1789 porLuís XVI contra a revolução, esta despojou-ade todos os bens em 1792. Em resposta, aOrdem elegeu um alemão como Grão-Mestre.Em 1798, o general Bonaparte à cabeça deuma frota de 300 barcos conquista Malta semdisparar um tiro. Apoderou-se dos bens daOrdem e rumou ao Egipto. A guarnição ocu-pante provocou a ira da população por causa,

nomeadamente, das atitudes anticlericais. Foiobrigada a capitular em 1800, cercada portropas inglesas. Não estando os malteses inte-ressados no governo do Grão-Mestre, solici-taram em 1802 a tutela britânica, reivindican-do tão-só o direito a conservar a sua constituiçãoe a religião católica romana. O acordo entreMalta e a Grã-Bretanha foi ratificado peloTratado de Paris em 1814.

Passado um período difícil, nomeadamente assucessivas epidemias de peste e de cólera,Malta conhece um período fausto na segundametade do séc. XIX, nomeadamente graçasaos seus portos de carvão e à sua localizaçãopróxima do novo canal de Suez. Vai tambémser abalada pela querela linguística entre osdefensores do italiano e do inglês, alimentadapelas primeiras manifestações independentis-tas. Estas reivindicações, entorpecidas poruma mão-cheia de concessões, voltarão aemergir no contexto da recessão económica dofim da Primeira Guerra Mundial. A adminis-tração britânica reage com reviravoltas con-secutivas. Na esteira das concessões, o maltêsé reconhecido como língua oficial em 1934. ASegunda Guerra Mundial vai consolidar omaltês e o inglês. Para resistir aos assaltosesperados da Alemanha, a ilha fortaleza trans-forma-se em bunker. Até as grutas neolíticas eas catacumbas são transformadas em abrigos.No início da guerra, Malta (menos de 250 km2para a ilha principal, pouco mais de 300 comGozo e Comino) sofrerá cerca de 2500 ataques

aéreos no espaço de dois anos. Estes farão2000 mortos e causarão a destruição de maisde 40.000 casas. No verão de 1942, regis-taram-se 154 dias (e noites) de bombardea-mentos contínuos sobre Malta (contra 56sobre Londres), 6500 toneladas de bombaslargadas unicamente sobre o Grand Harbourde La Valette (contra 250 sobre Coventry). Opaís será condecorado com a medalha GeorgeCross por heroísmo. Depois da independên-cia, este título de glória será integrado na suabandeira.

Malta, a heróica, será recompensada com aautodeterminação em 1947, mas o partidonacionalista, contrariamente ao seu rival libe-ral, não se contentou com isso. E, logo quesubiu ao poder em 1962, o seu presidente,Gorg Borg Olivier, exigiu o reconhecimentoda independência total de Malta. Esta serádeclarada em 21 de Setembro de 1964.Chegado ao poder em 1974, o partido traba-lhista (Labour party) fará adoptar no mesmoano uma constituição republicana. Obteráigualmente a evacuação da base militarbritânica. O governo de Dom Mintoff é tam-bém marcado pelo seu posicionamento ter-ceiro-mundista e de neutralidade entre os doisgrandes blocos.

O partido nacionalista sobe de novo ao poderem 1984, presidido por Eddie Fenech Adami.Permanece até 1996. Neste período, a Ordemde Malta, banida há muito, é restabelecida. Nodomínio da economia, rompe com as tendên-cias socialistas do seu predecessor, mantendo-se, porém, fiel à opção de neutralidade empolítica internacional. Enceta em 1992 asnegociações para a adesão de Malta à UniãoEuropeia. Mas a introdução do IVA custa-lheas eleições de 1996.

O Labour party regressa, tendo como chefe deGoverno Alfred Santz. Só estará no poder doisanos, depois do clamor suscitado pelo impassenas negociações de adesão do país à UE.

Os nacionalistas, que ganham as eleições de1998 sempre com Eddie Fenech Adami àcabeça, relançam em 2000 o processo deadesão à UE, a que Malta acederá em 1 deJaneiro de 2004. Vencerão as eleições subse-quentes, as últimas das quais a 8 de Março de2008.H.G. �

Os primeiros habitantes da ilhachegaram provavelmentedurante o sétimo milénio a.C.As populações provenientes da

Sicília alcançaram Malta no quinto milénioa.C. Os achados arqueológicos mais antigose que hoje contribuem, em larga medida,para a fama da ilha, os templos megalíticos eos hipogeus, nomeadamente o extraordináriohipogeu de Hal Saflieni, um património dahumanidade, foram erigidos entre o quarto eo terceiro milénio a.C. Serão os fenícios e oscartagineses a marcar permanentemente acultura do país a partir de 700 até 218 a.C.,ano em que integrará o império romano. Oscartagineses desenvolveram no seu territórioa construção naval.

> Cristianização precoce

No começo da era cristã, o naufrágio no ano60 do navio do futuro São Paulo, a caminhode Roma para aí ser julgado, será um ele-mento fundador do carácter do país, da suacristianização e latinização. À administraçãode Roma, suceder-se-á a de Bizâncio, em395, até à invasão árabe de 870 pelosaglábidas da Tunísia. Estes permanecerãodois séculos. Os árabes ocupam também aSicília, Gibraltar e Espanha.

> Do mundo árabe às Vésperas sicilianas

Os dois séculos de ocupação árabe vão tam-bém impregnar profundamente Malta. A lín-gua árabe magrebina constituirá a base domaltês. Depois, diferentes invasores suceder-se-ão durante quase cinco séculos. Primeiro,os normandos da Sicília que tiraram partidodas discórdias entre os países muçulmanos,vários dos quais, de resto, entraram em guerracontra Bizâncio. Em 1090, absorveram Maltasem, no entanto, expulsar os árabes. A ilhaonde viviam em harmonia cristãos, muçul-manos e judeus é então o ponto de passagemde peregrinos e cruzados.

Malta permanecerá ao longo de quatro séculossob a alçada da Sicília, durante todas as vicis-situdes por que esta passará. Em 1130, quandoa Sicília se torna num reino autónomo, quandoFrederico II da Germânia é aclamado rei (em1194), bem como sob o domínio francês deCarlos de Anjou (1266) e, por fim, quando asVésperas sicilianas de 1282 escorraçam osfranceses cedendo a Sicília ao reino de Aragãoe, depois, em 1409, o governo desta região.Logo no início do período siciliano assistiu-seao regresso do cristianismo a Malta e àadopção da língua italiana pela nobreza.Finalmente, em 1479, sempre acompanhada

da Sicília, Malta cai nas mãos dos reis católi-cos de Espanha que permitiram a instalação desenhores feudais que se dedicavam à piratariae ao contrabando.

> A Ordem instala-se

No início do séc. XVI, as tropas otomanas dosultão Solimão, o Magnífico, conquistam ailha grega de Rodes e ameaçam a Sicília

Sete mil anos de integração mais do que de ocupação, de adaptação mais do que derevolta e de revolução, Malta sempre foi parte integrante dos impérios que a incorpo-raram. Até à entrada no império britânico que ela própria reclamou no início do séc.XIX e à independência em 1964 conquistada de forma conciliatória em contraste coma turbulência que caracterizou os processos de descolonização. Como se Malta con-trolasse a sua história.

Palavras-chaveHegel Goutier; Malta; história; megalíti-cos; hipogeu; Templários.

COMO SE MALTAcontrolasse a sua história

Palácio dos Grandes Mestres de Valeta 2008. © Hegel Goutier

Palácio dos Grandes Mestres de Valeta (interior) 2008. © Hegel Goutier

De início, os cavaleiros da ordem tinham pouco interesse em estabelecerem-se em Malta

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Oliver Friggieri exemplifica, de novo, com aCatedral de São João e com o conceito de dua-lidade e de ambiguidade. “Da fachada, pareceuma garagem. E o interior faz lembrar umteatro. As pessoas tiveram de enfrentar seu des-tino. Mas subsiste uma ambiguidade. Queremsempre dar uma imagem da importância deMalta”.

> Divisão e consenso

A opinião pública começa sempre por estardividida. Sobre a adesão à União Europeia,por exemplo. Dos dois mais importantes par-tidos políticos, o Labour party defendia umaassociação mas não uma adesão completa,enquanto o partido liberal advogava esta últi-ma opção. O resultado do referendo foi claroa favor do sim e os socialistas assumiram-no.“Malta é assim mesmo: primeiro a discórdiae depois a concórdia. Mas o consensonacional prevalece sempre”. Uma linhadivisória separa o Norte mais liberal e o Sulmais conservador. “Não há acordo sobretudo, mas precisamos da coesão para sobre-viver. E, quando surgir o próximo desafio,estaremos mais uma vez divididos para nosunirmos de novo. É um perpétuo combate deboxe, seguido da conciliação e de novo con-fronto”.

Esta ambiguidade reflecte uma verdade pro-funda, a da globalidade de Malta, “muito

pequena mas completa, como um insectominúsculo com um organismo inteiro e nãometade de uma nação”. A visão política nopaís seria à imagem da alma maltesa. “Há umapego ao círculo menor, à paróquia, ao par-tido. Quem é, donde vem? Seita, casta,região, grupo social, tudo isso tem importân-cia em Malta.”

Os Malteses definiram a sua identidade emtermos de mar e de terra. O mapa do paísmostra uma ilha pequena com fortalezasespalhadas por toda a costa. Pensam semprena eventualidade da invasão, no receio doataque. “La Valette é uma cidadela, há os queestão dentro e os que ficam de fora. Dondevem? No plano psicológico, o povo de Maltaguardou na memória a perseguição emRodes. Assim, a nossa psicologia antecede-nos”.

Há cem anos, a divisão incidira na questãolinguística. Dever-se-ia adoptar o italiano, alíngua da tradição, ou o inglês, a língua dopoder? A questão ressurgiu por alturas daindependência com mais ou menos acuidade.Entretanto, ocorreu a guerra de 39-45,durante a qual Malta deu um apoio consid-erável às tropas aliadas, recompensado pelaInglaterra que lhe atribuiu a medalha GeorgeCross. Naturalmente, o inglês foi adoptadocomo segunda língua oficial, gozando omaltês do estatuto de língua nacional.

Mas a hesitação revela-se, sorri OliverFriggieri, quando há um desafio de futebolentre a Itália e a Inglaterra. “Vai mais longe doque o jogo. Corresponde a algo bem maisarreigado. Tem a ver com a imagem do pai. Anossa identidade precede-nos. Uma ilha querdizer tradição, identidade, resistência àmudança”. Malta é, pois, visceralmente umailha mas absorveu muito dos países que arodeiam. Aceitou, comparou, modificou, adap-tou à sua medida.

> Língua árabe para povo europeu

A língua maltesa é incontestavelmente semita,tendo neste caso concreto estrutura árabe.Malta esteve quase sempre exposta à invasãode populações do Norte. E, paradoxalmente,foram a África e o Médio Oriente que lhederam a língua, a base da sua arquitectura etantas outras facetas da sua cultura.

> Adesão à União Europeia

Para Oliver Friggieri, Malta tem a percepçãoda segurança e da auto-suficiência. E da buscado pai que nos sustenta. “Assim, há, por umlado, um governo e, por outro, Bruxelas quenos confere uma identidade internacional. Masmuitos pensam que Bruxelas fica longe”,acrescenta. “Isso não me preocupa!” Os meiosde comunicação locais falam relativamentepouco da Europa, salvo no que se refere a cer-tas informações técnicas, à taxa de câmbio doeuro ou a grandes acontecimentos políticos,por exemplo. “Malta está na periferia, fica nasua própria periferia, à margem de si própria”,conclui. H.G. �

* Oliver Friggieri é professor de literatura maltesa e deliteratura comparada na Universidade de Malta. Osseus livros estão traduzidos em várias línguas e os seuspoemas figuram em numerosas antologias interna-cionais. Recebeu prémios literários prestigiosos emtodo o mundo. É ainda autor de peças musicais e ani-mador de programas culturais na rádio e na televisão.(ver entre outros The International Who's who, 2007,Londres).

As obras de Friggieri têm as suas raízes nesta terra, uma ilhaperto de África, no sul da Europa e com uma cultura mista,latina e semita, para não falar de outros aspectos. Na reali-dade, reflecte, “Não escrevo sobre Malta, escrevo sobre o

ser humano”. Oliver Friggieri publicou um número importante de livros– poesias, romances, ensaios – traduzidos em várias línguas. Todos dis-secam esta pequena ilha que o obceca, a sua, Malta e o seu multicultu-ralismo.

> Constante dualidade

“A Malta em que cresci é completamente diferente da de hoje. Agora ailha parece uma cidade”. No centro da aldeia, havia a igreja e defrontedela abria-se uma praça (misra), depois vinham as casas e a seguir oscampos. A igreja no centro reflectia a concepção de poder e de cultura.Igrejas enormes, “porque somos pequenos”. Mais adiante, estaria umaoutra aldeia traçada segundo o mesmo plano. E, um dia, estas aldeias

acabaram por se juntar, ligando-se. Mas apesar de tudo, a nação conser-vou a sua identidade. Malta é uma nação em que cada um está próximodo outro. A misra sofreu uma mutação. A capital, La Valette, está deser-ta a partir das seis da tarde. O centro (misra) desloca-se. As pessoas preferem as zonas de lazer de St-Julians.

As bases da cultura da nação maltesa são a fé cristã e a língua. Em cadauma, persiste uma dualidade. Por exemplo, a existente entre a ma-gnificência da Catedral de São João em La Valette e as pequenas igrejasaldeãs.

Uma característica importante do país é que fez sempre parte de regimesfortes. Com Napoleão no auge da sua glória, de 1798 a 1800, posterior-mente com os ingleses, lordes Nelson e Alexander. “Malta fez sempreparte de grandes impérios e agora é membro da União Europeia. Temostendência para exagerar: o mais forte, o mais corajoso, o maisinteligente”.

Porque é pequena, Malta fez sempre parte de grandes impérios. Abre-se ao mundopara se concentrar mais na sua segurança. “Malta fica na sua própria periferia, àmargem de si própria”. Divide-se sobre tudo, mas chega sempre a um consensonacional. É a análise de Oliver Friggieri, professor de literatura, poeta e críticoliterário.

A alma de Malta

ABERTURA e ENCERRAMENTO

Palavras-chave:Hegel Goutier; Oliver Friggieri; misra;Malta; maltês; La Valette.

Página 54

Em baixoCottonera, as três cidades que formam Cottonera pro-

tegem Valeta, a cidade fortificada 2008. © Hegel Goutier"Valeta pode ser bloqueada… Onde quer que se esteja em Malta, há aqueles

que estão dentro e aqueles que estão fora”

Page 54Autocarro típico em Valeta, 2008. © Hegel Goutier "Malta é uma

orla externa, periférica a si mesma, na borda de si mesma”

Oliver Figgieri:© Hegel Goutier

54 N. 5 N.E. – ABRIL MAIO 2008

Descoberta da Europa Malta Descoberta da EuropaMalta

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56 N. 5 N.E. – ABRIL MAIO 2008

Descoberta da Europa Malta Descoberta da EuropaMalta

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> Cidade inteligenteO nosso país está a aderir à tec-nologia da informação (TI). ASmart City aparenta-se com aInternet City em Dubai. O gover-no deu luz verde à sua construçãode raiz nos subúrbios de Ricasoli.Este projecto vai criar 5600 pos-tos de trabalho para progra-madores informáticos e outrosprofissionais. Os maltesesestarão certamente interessadosem trabalhar nesse centro tec-nológico. O desenvolvimento dazona começou há seis meses. ASmart City estará concluída den-tro de cinco ou seis anos. Temosactualmente uma média de umcomputador por cada seis estu-dantes. Dentro de seis mesescontamos ter um computador porcada quatro estudantes, o querepresentará a taxa mais elevadano mundo. Todas as aulas terãoligação internet.

> Malta no cinemaA indústria cinematográfica é umoutro segmento florescente daeconomia. Os títulos maisfamosos cujas filmagens decor-

reram em Malta são: “OGladiador”, “Tróia”, “Munique” emuito brevemente um grandefilme espanhol, ainda sem nome.Um outro ramo é o turismo decruzeiro. No inverno, 15 naviosatracam todas as semanas. Algunsdeles nos 12 meses do ano.Mesmo quando vêm por apenasum dia, os turistas gastam di-nheiro. O turista tem uma estadamédia de seis a sete noites.Quando faz muito frio no Norte,os reformados do Reino Unido ouda Alemanha ficam duas, trêssemanas, quando não cinco sem-anas ou mais.A economia inspira-me grandeoptimismo. O Governo está emcondições de baixar os impostos.Os salários e os lucros crescem.Embora as receitas fiscais tenhamaumentado, as taxas dos impostosbaixaram de 35 para 32 por cento.O Primeiro-Ministro anunciouque a economia era suficiente-mente forte para reduzir a taxamáxima do imposto sobre o rendi-mento de 35 para 25 por cento. Aspessoas que auferem até 12.000 €por ano beneficiam de isenção deimposto sobre o rendimento. Ataxa de desemprego é actualmentede 6 por cento, valor consideradomuito baixo. Este tem vindo adescer nos últimos cinco anos. Odéfice público diminuiu bemcomo a dívida nacional. Todosestes factores facilitaram a adesãode Malta à zona euro. Cremos quea nossa entrada na zona euro faráa economia prosperar, o PIBaumentar e a dívida diminuir.

> Muito emprego para osestrangeiros

Malta tem um número muito ele-vado de trabalhadores migrantes.Na qualidade de país pequeno,nem sempre é fácil encontrarpessoal especializado. Os peritosem informática, por exemplo, sãoquase sempre recrutados naEuropa e sobretudo no ReinoUnido. A indústria hoteleira atraitrabalhadores de Itália e França.Os trabalhadores do sector daconstrução imigram dos paísesafricanos e mediterrâneos. Semeles, os salários subiriam e asempresas seriam menos competi-tivas.

> HabitaçãoMalta debate-se com um proble-ma habitacional porque, durante aPrimeira e a Segunda GuerraMundial, muitas casas foramdestruídas por ataques aéreos. OGoverno promulgou uma lei nosentido de facilitar o arrendamen-to às pessoas cujas casas foram

destruídas. Esta lei ainda está emvigor e é muito favorável aosinquilinos. O inquilino, os filhos emesmo os netos podem morarnuma casa mediante o pagamentoda renda inicial, sendo o senhorioresponsável por toda amanutenção. Há quem viva emcasas confortáveis e pague apenas100 euros por mês. A lei foi alter-ada em 1994, mas apenas para osnovos inquilinos, não para os anti-gos. Por isso, os senhorios prefe-rem, amiúde, não arrendar osfogos devolutos. A Câmara deComércio tem vindo a exercerpressão junto do Governo no sen-tido de alterar a lei, mas este hesi-ta. Teme que algumas pessoas nãopossam pagar mais. Todos osaspectos deverão ser cuidadosa-mente ponderados antes de oGoverno poder anunciar novasmedidas. �M

alta conquistou a sua indepen-dência em 1964. No períodoentre 1964 e 1979, ainda rece-beu muito apoio do Reino

Unido como contrapartida das bases militaresna ilha. A partir de 1979, Malta tornou-se eco-nomicamente auto-suficiente. No sector pri-vado, o Governo identificou dois sectores pro-missores: indústria transformadora e turismo.

> Construindo uma indústriatransformadora dinâmica

O Governo criou a Malta DevelopmentCooperation (MDC) para atrair investimentoestrangeiro. Nessa altura, o nível salarial e opadrão de vida eram baixos. Instituições como aCâmara de Comércio tinham assento no MDCmas o principal papel cabia ao Governo. Asempresas interessadas em diversos sectores –vestuário, têxteis, sobresselentes paraautomóveis, etc. – provinham do Reino Unido,Alemanha e Estados Unidos.O Governo também recorreu a incentivos (subsí-dios, facilidades ao nível do arrendamento e out-ros tipos de apoio) para fomentar o investimento.No sector do turismo, o Governo subsidiou aconstrução de hotéis e complexos turísticos eatribuiu licenças de concessão de terrenos epraias. Nos anos 70, o Governo criou a Air

Malta com o objectivo de promover o turismo.Malta também contava com as suas gentes.Éramos trabalhadores e falávamos inglês, oque nos permitia receber formação de técnicosestrangeiros. No fim dos anos 90, o padrão devida em Malta tinha melhorado significativa-mente. No início, o sector público foi maisrápido a criar postos de trabalho do que o pri-vado, na polícia, registo cadastral, etc. Nessaaltura, havia muitos monopólios nacionais:electricidade, telefone, televisão e Air Malta.Todos pertenciam ao sector público. A taxa dedesemprego nunca foi alta em Malta. As pes-soas trabalhavam no sector público ou nosserviços ou exerciam uma actividade profis-sional independente. Quase no fim dos anos90, já tínhamos chegado ao estádio actual e opadrão de vida e o nível salarial melhoraram.Ao mesmo tempo, intensificou-se a concorrên-cia no investimento da Europa Oriental e daChina. Estávamos à espera disso! Em 2004,Malta aderiu à UE e pôde candidatar-se a cer-tos fundos. Utilizou essas verbas na formaçãodos seus trabalhadores, sobretudo em tecnolo-gia de informação (TI) e, assim, pudemos con-struir infra-estruturas e estradas, desenvolver atecnologia das fibras ópticas, estabelecer ligações internet e modernizar o aeroporto. Aeconomia mudou, passando a depender menosda indústria transformadora e mais dos serviços.

Algumas fábricas foram deslocalizadas para aTunísia e outros países, mas continuam a per-tencer a malteses. No entanto, muitas empresasque se dedicam ao ramo da comercialização, daconcepção, da investigação e desenvolvimentopermanecem em Malta. A indústria de transfor-mação de tomate conta-se entre os sectores maisafectados pela deslocalização das instalaçõesfabris para a Tunísia. Anteriormente estava con-centrada em Gozo. No que se refere à indústriado vestuário maltesa, a fabricação das peças éfeita na Tunísia, enquanto a concepção, a comer-cialização e a gestão estão situadas em Malta.Malta faz parte do mundo globalizado apesar deos malteses não viajarem muito para fora dopaís. No sector do turismo, a Corinthia(Corinthia Group of Companies) é uma grandeempresa. Possui uma cadeia de hotéis e estáprestes a abrir um grande hotel em Londres. Estápresente no Gabão, Líbia, Turquia, Portugal,República Checa e Hungria.A nossa Câmara encoraja as empresas maltesas aabrirem filiais no estrangeiro. O que nós dizemosé, se a sua empresa é capaz de vender aos malte-ses e aos turistas, porque não o será emCasablanca e Praga? Não podem deixar de ofazer. Na Câmara temos um perito para assistir aspequenas e médias empresas. As grandes empre-sas, como a Corinthia, têm dimensão suficientepara não precisarem de nós.

Uma economiapujante sem receioda GLOBALIZAÇÃO Kevin J. Borg, Director-Geral da Câmara de Comércio e Indústria de Malta

A partir de uma entrevista realizada por Hegel Goutier

Panorama económico de Malta

Boat people em MaltaNos últimos cinco anos, Malta vê-se confrontada com a chega-

da regular de refugiados de países africanos que ou atingem

a costa ou são interceptados pela Guarda Costeira Maltesa. Em

média, chegam 1500 em cada ano, muitos deles tendo atravessa-

do o deserto do Saara antes de embarcarem na Líbia em botes

precários. Ficam inicialmente no centro de acolhimento para refu-

giados de Hal Far que tem capacidade para 600 pessoas. Situado

próximo do aeroporto internacional, trata-se de um campo que os

aloja em tendas que reúnem as condições de conforto mínimas,

provocando os protestos de algumas ONG.

Depois de serem transferidos para um segundo centro de acolhi-

mento, os beneficiários de asilo enfrentam o problema da falta de

trabalho. Apesar de uma economia próspera, Malta tem uma po-

pulação de apenas 400.000 pessoas e só tem disponíveis entre

1000 e 1500 postos de trabalho anuais para estrangeiros. Os refu-

giados só terão acesso a um número muito reduzido, se algum,

destes empregos. Faltam-lhes as competências necessárias ou são

pura e simplesmente rejeitados, segundo os meios de comuni-

cação locais, devido à sua condição de refugiados. �

Palavras-chaveMalta; Kevin J. Borg;comércio; economia; turismo; tecnologia

Vinha, Malta 2008. © Hegel Goutier

Câmara de Comércio e da Indústria 2008. © Hegel Goutier"Se podemos vender aqui à população maltesa e aos turistas, porque não fazê-lo em Casablanca e Praga?"

Kevin Borg 2008.© Hegel Goutier

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Raramente se tem a oportunidade deacariciar um tão belo livro defotografias consagrado a artistascriativos desta parte da África,

quando não do Sul. Congo Eza é uma dasexcepções que confirmam a regra. Já houveoutros, felizmente, como o inesquecívelnúmero especial da Revista Negra em 2001,que homenageava a fotografia artística. OCongo Eza é a conjugação da realidade con-golesa contemporânea, da guerra recente àebulição de vida e de criatividade deste país.

Conjugação de sensações, emoções, olhares erestituições. Preto e branco e cores.Espontaneidade, composição dramática,insolência, revolta, transgressão, irreflexão,humor, alusões, sem distinção de paletas. Osfotógrafos vêm de horizontes diversos. Sãovinte e quatro. O que os une é o facto de teremparticipado em duas experiências artísticas eem formações ministradas respectivamentepela Delegação Valónia- Bruxelas emKinshasa e pelo Comissariado para asRelações Externas da ComunidadeFrancófona da Bélgica, entre as quais oFestival de Cultura do Congo na Bélgica -Yambi - em 2007. A associação AFRICALIA

(Bruxelas) decidiu manter os vestígios de taisencontros com esta obra de prestígio.

A conjugação faz-se com uma selecção deverbos do idioma lingala, disseminados pelosdiferentes capítulos da obra. Kokekola,aprender, educar, crescer. Imagens de Epinal,essencialmente a preto e branco, evocando odesejo de aprender nos livros, nos terrenos dedesporto, por empatia com entes queridos,mas infelizmente também “através do maisconhecido dos jogos das crianças nestessítios: o jogo da guerra”, como o sublinha otexto de Marie-Louise Bibish Mumbu, emepígrafe a este capítulo. Belo texto, comotodas as outras poesias que acompanham adigressão neste caleidoscópio da vida e dosonho congolês.

E, depois, kobouger, palavra mestiça queexprime mover-se, deslocar-se; kolingana –amar; kobeta libanga - sobreviver, desenras-car-se; komilakisa - mostrar-se, aparecer,posar; kosambela – pedir, solicitar; kokoma -escrever, grafitar, pintar. E, por último,kopana bakambi - escolher, votar, eleger,com um poema de Fiston Nasser Mwanza,trágico e humorístico, em epígrafe. “Ex” dá o

seu título a este livro e reflecte como um ecoo seu tom duplo de nostalgia e desabafo deamargura:

“Ex - Associação Internacional do Congo Ex - Comité de Estudos do Alto-Congo Ex - Estado Independente do Congo Ex - Congo Belga Ex - República Democrática do Congo, Ex - Zaire

RE - República Democrática do Congo ......... Congo ezalaki Congo eza Congo ezakoya Foi, está lá, vem... ……..” (extracto)

Um livro…como se diz comovente em lin-gala?

“Congo Eza”, Africalia Edition & Roularta Books, Bruxelas

2007, 264 páginas.

H.G.�

Fotografia contemporânea DO CONGO (RDC)Congo EZA, conjugação de realidade e de sonho em papel sensível

Palavras-chaveHegel Goutier; Congo; Zaire; Eza; Africalia;fotografgia.

Malta pode valer-se do encantode um país mediterrâneo tantoquanto de um património cul-tural europeu dos mais eclécti-

cos. Praias e locais de lazer, sabor a Oriente,língua semita, colecções únicas de obras dearte. O passado perpassa em tudo e acom-panha, a par e passo, a modernidade e as ante-cipações do futuro. Entre estas contam-se ascriações de um arquitecto de génio, RichardEngland, que insufla sonho e magia ao vigordas construções dos Cavaleiros da Ordem.

Num território que perfaz apenas trezentosquilómetros quadrados – incluindo as ilhasadjacentes, Gozo e Comino – , as suas boasestradas e as rápidas ligações marítimas, todasas maravilhas do país podem ser visitadas emdois ou três dias. Uma solução ideal para o visitante é o chamado Red Tour: um dia para arota do Sul (South Route) e outro para a doNorte (North Route).

Entre outras curiosidades a ver na South Route:as fileiras duplas de fortificações das trêscidades de Cottonera, protegendo La Valette e osseus estaleiros navais; a pitoresca vila piscatóriade Marsaxlokk com os seus barcos coloridos adesfilar como num sonho; as belas prais deBugibba, Qawra e St. Paul's Bay e os seus locaisde lazer; as águas cristalinas da Gruta Azul. NaNorth Route: os jardins botânicos de San Anton;o encanto da antiga capital, Mdina, “a cidadesilenciosa” com a sua mistura suave de arquitec-tura medieval e barroca e os meandros das suasvielas; as vertiginosas falésias de Dingli pertodos Jardins de Buskett com o seu vinhedo, laran-jal, olival e limoal e os luxuosos bairros à modade Silema ou de St Julians.

Em La Valette, os tesouros estão ao alcance davista: os da Co-Catedral de São João, que abri-ga, entre outras maravilhas, o célebre quadro

“A Degolação de São João Baptista” deCaravaggio, o Palácio do Grão-Mestre daOrdem e outros tantos palácios, bem como ossoberbos jardins alcandorados nos frontões,como os de Upper Baraka.

> A alma precisa de mais espaçodo que o corpo oferece

E, a seguir, em La Valette, pode-se admirar aantiga fortaleza de St James Cavalier transfor-mada em local de cultura e de esfuziante cria-tividade por Richard England, poeta, desen-hador e filósofo que dá uma alma às impo-nentes defesas dos Cavaleiros, fazendo entrar aluz e o sonho nos fossos de fortes militares.Entre os marcos subjacentes à sua obra arqui-tectónica a elipse de Axel Munthe: “The soulneeds more space than the body”. RichardEngland sonha dar a toda La Valette a magiadas suas grandes realizações, o Martin LutherKing Memorial em Washington, o ItzhakRabin Memorial em Tel Aviv e outras obras emMoscovo, Buenos Aires, Wroclaw, etc. Casasprivadas, igrejas, teatros, santuários. Quersalientar na cidade the silence in between comofez com maestria no Main lecture hall ou noHumanities block da Universidade de Malta.

No termo do seu plano director da entrada deLa Valetta é toda a personalidade da cidadeque será metamorfoseada, prefigurada pelo StJames Cavalier e pelo Banco Central de Maltanos quais interveio cirurgicamente no passadopara criar evanescência com respeito e empa-tia pelo que existia. H.G. �

* in “O Livro de San Michele”, 1929

MALTAde ontem e de hoje

Midna, uma cidade encantadora 2008. © Hegel Goutier

Rabbat Midna 2008 © Hegel Goutier

Porto de Marsaxlokk 2008 © Hegel Goutier

Carnaval em Valeta 2008. © Hegel Goutier

Carnaval em Valeta 2008. © Hegel Goutier

Blanchard Labakh, Petit Dobakh, Cité Verte, Kinshasa, DRC 2007.

Com o consentimento de Africalia

N. 5 N.E. – ABRIL MAIO 2008 59

C riatividade

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Descoberta da Europa Malta

Palavras-chaveHegel Goutier; Malta; Gozo; Comino;Richard England; La Valetta; Catedral deSão João.

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Serenade, um carro da polícia local é colocadona entrada do velho edifício. A seguir, um actorvestido com um uniforme de polícia senta-sedentro do carro e canta “Can’t Take my Eyesoff of You” através de altifalantes montados notejadilho do carro. É muito estranho (e pertur-bador) ouvir um polícia cantar a melodiosacanção “I love you baby! And if it’s quitealright, I need you, baby!”.The Black Passage de James Webb é umestreito corredor escuro em que o visitantecaminha em direcção à origem de um ruídosurdo – a descida para uma mina. No final,uma luz sugere uma porta meio fechada, masquando lá chegamos descobrimos que nãoexiste saída. É uma experiência chocante esurrealista de ir para o túnel da mina, mastambém evoca uma ‘sem saída’, tanto físicacomo psicologicamente.Os vídeos de Ismail Farouk oferecem-nos umarepresentação interessante da vida nas cidadesda África do Sul. Fotografias de ZaneleMuholi mudam a atenção para a discriminação

e questões de identidade da perspectiva racial,de género e sexual. Night Journey, de ColleenAlborough, uma instalação interactiva: umlabirinto de cortinas em que o espectador setorna parte activa do percurso narrativo e sen-sorial dos sonhos e pesadelos de uma miste-riosa personagem adormecida. As figuras de couro de Nandipha Mntamboatravessam a parede para descobrir o passado.Estas figuras estão ligadas simultaneamenteao carácter perturbador e agressivo dos ani-mais sul-africanos e à elegância dos trajes doséculo XVIII.Em resumo, a “nova arte sul-africana” deixoude estar associada exclusivamente aoapartheid, embora mantenha fortes carac-terísticas políticas e sociais. Os artistas da.ZA ilustram perfeitamente a condição de int-electuais numa situação periférica no novomundo globalizado onde – apesar de tudoparecer estar perto e ser possível – as perife-rias continuam a ser periferias. �

60

Occhiello

claro que os artistas seleccionados não corremo risco de seguir os clichés africanos paraserem aceites ou fazerem vendas noestrangeiro. Este interessante conjunto de tra-balhos – embora um pouco imaturos – coa-duna-se com o local, que é um extraordináriopalácio do século XV, com uma sequência desalas e salões e tectos decorados com pinturasdo estilo Renascença. A beleza das salas écoroada por um torreão que, para além de pro-porcionar a melhor vista a 360 graus de Siena,é o sítio onde Galileu teve a sentença comuta-da e foi colocado em prisão domiciliáriadepois de renegar a Igreja Católica.Outro elemento importante é o material icono-gráfico que os cinco curadores-artistasforneceram para melhorar a imagem daexposição: cinco cartazes dinâmicos e degrande impacto, que cobrem as paredes e opavimento da sala de entrada. Este ambienteanunciava a actuação central de Johan Thomna cerimónia de abertura: durante quatro horasdeitaram-lhe por cima resíduos de vidro e óleoamarelo.Os co-curadores também escreveram os textosdo catálogo para ilustrar a situação actual dosartistas sul-africanos. A análise feita porKendell Geers dos sistemas culturais do país éespecialmente pungente: “Desde o fim doapartheid, a África do Sul tem-se esforçadopor enfrentar a sua violenta história, lutandopara encontrar um equilíbrio entre construirum futuro e lidar com os desequilíbrios dopassado. […] Em vez de celebrar a arte pelasua excelência, a obra de arte foi reduzida auma demografia politicamente correcta, comênfase no artesanato tradicional”. Na suaessência, trata-se de acusar as políticas deacção afirmativa que queriam inverter asrelações entre pretos e brancos e contra asquais a arte se revoltou.No entanto, para artistas e escritores brancos,reduzir a distância em relação aos seus homól-ogos pretos levou muitas vezes à perda decredibilidade e a ser olhados como falando emnome do povo negro oprimido. Com o fim doapartheid, o maior problema dos artistas foi odesaparecimento de um “inimigo” comum,bem como a necessidade de encontrar umnovo objectivo para o seu trabalho. Os jovensautores da .ZA, que cresceram na Nação doArco-Íris de Mandela e Mbeki, parecem terresolvido este problema de forma positiva,sem sentimentos negativos em relação ao seuantigo inimigo. A exposição inclui obras de arte sobre as iden-tidades e os locais da África do Sul e salientaas lutas latentes desta sociedade multiétnica,abordando também temas mais universais. Nainstalação-representação de Simon Gush,

Sandra Federici

.ZA - YOUNGart from South Africa

“Épossível falar da África do Sulsem cair na armadilha dasbanalidades sobre raça,apartheid, colonialismo, classe,

pobreza e SIDA?”, pergunta Kendell Geers noseu texto para o catálogo da exposição .ZA -Young art from South Africa.É este o verdadeiro desafio subjacente àexposição realizada pelo Centro de ArteContemporânea Palazzo delle Papesse, em

Siena. Como declarou o seu director, MarcoPierini, o objectivo desta iniciativa era“fotografar” a jovem produção artística dopaís, em colaboração com artistas maismaduros (Marlene Dumas, Kendell Geers,Bernie Searle, Minnette Vári e SueWilliamson) e a cada um dos quais foi pedidoque escolhesse três artistas. Lorenzo Fusi, cri-ador da exposição, juntou-se a eles.Considerando os trabalhos apresentados, fica

Programa de apoio àsindústrias culturais nospaíses ACPupport gramme to

OSecretariado ACP elaborou um programa de apoio às indústriasculturais dos 79 países ACP. O programa, administrado e execu-

tado pelo Secretariado ACP assistido por uma unidade de gestão doprograma, é financiado pelo 9.º Fundo Europeu de Desenvolvimento(FED).O objectivo do programa é reforçar as capacidades dos responsáveispolíticos e dos operadores culturais através de um:

• Observatório Cultural ACP para melhorar o enquadramento político,legal e institucional do sector cultural nos países ACP;

• Fundo Intra-ACP de Apoio à Cultura para reforçar e profissionalizar osoperadores culturais ACP;

• Projecto conjunto ACP/OIT/CNUCED/UNESCO para reforçar as indús-trias criativas em cinco países (Fiji, Moçambique, Senegal, Trindade eTobago e Zâmbia).

“Este programa culmina um processo iniciado com a Declaração deDacar dos Ministros da Cultura ACP, que em 2003 estabeleceram objec-tivos para as indústrias culturais dos países ACP,” afirma Aya Kasasa,responsável pelo programa no Secretariado ACP. “Havia uma grandeexpectativa por parte dos operadores ACP, porque a informação sedifundiu no Festival Cultural ACP, que foi o primeiro resultado concretoda Declaração de Dacar. Agora vamos elaborar um programa de trabal-ho semestral no qual serão estabelecidos os objectivos e o calendáriopara o Fundo. Em Maio de 2008 será publicado um convite para apre-sentação de propostas.” � INFO: www.acp.int

Os autores:COLLEEN ALBOROUGHBRIDGET BAKERZANDER BLOMDINEO BOPAPEISMAIL FAROUKFRANCES GOODMANSIMON GUSHNICHOLAS HLOBOMOSHEKWA LANGANONTSIKELELO LOLO VELEKOCHURCHILL MADIKIDANANDIPHA MNTAMBOZANELE MUHOLIRUTH SACKSSEAN SLEMONDOREEN SOUTHWOODMIKHAEL SUBOTZKYJOHAN THOMINA VAN ZYLJAMES WEBB

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Palavras-chaveÁfrica do Sul; .ZA; Arte; Kendell Geers.

Kendell Geers, cartaz realizadopara a exposição .ZA - youngart from South Africa, Palazzodelle Papesse em Siena 2008.

Em CimoJohan Thom, Come in peace/Go to pieces, Performance2008. Foto © Ela Bialkowska - Palazzo delle Papesse

Em baixoClube de Bamako Coura. Com o consentimento de Alban Baussiat.

Esta imagem é parte de um relatório de fotografias sobre a indústria do filme no Mali intitulado ‘Cinés cassés’,publicado pela agência fotográfica belga Contraste. Sítioweb: www.albanbiaussat.com.

60 No 2 N.E. - SETEMBRO OUTUBRO 2007 N. 5 N.E. – ABRIL MAIO 2008

Criatividade Occhiello Criatividade

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Identificam-se de bom grado as influências africanas na Arte dasCaraíbas, mas as da Europa também se manifestaram na fusãoque insuflou nos corpos, tanto como nos cantos e nas danças, oromantismo, o halo, a melancolia sensual e a visão escancarada

destas ilhas.A música europeia que conduz ao arrebatamento da dança – rondas,valsas, mazurkas, passos de dois – e o romantismo, nomeadamente o daEuropa Central e Oriental, tal como cristalizado nas músicas de Brahmsou de Chopin, vão entrar na amálgama caribenha. Ao virar do séculoXVIII, no Haiti, por exemplo, os Polacos, chegados muitas vezes con-trariados entre as tropas napoleónicas, foram os primeiros Europeus aapoiar a nação em gestação e contribuíram amplamente para divulgarna região o violino e o spleen da sua música. Violino e spleen que seencontram também nas danças merengue, guaracha ou zouk.Este património europeu está na base de todas as tendências musicais,tanto em Cuba como no Haiti, em Porto Rico como na Martinica. Masna burguesia nascente, a música clássica da Europa ou dos criadoreslocais vai intitular-se “música sábia”, que passará a ser ensinada a par-tir da primeira década do século XIX na escola de música de Milo, cri-ada pelo rei Cristóvão no Norte do Haiti, ou nos círculos de música deSão Domingos. Com o tempo, a música vai mestiçar-se com mais calor

ainda, acentuando os seus traços característicos: mais romântica, maisquente, mais suave. São estas as “danzas” do cubano Ignacio Cervantes (Duchas frias e 3Danzas) e dos haitianos Ludovic Lamothe (Danças espanholas n.° 2em lá menor, n.° 3 em fá menor, Declaração), Frank Lassègue (Cançãoda margem n.° 3) e Alain Clérié (Prelúdio) na 2ª parte do concerto deMichel Laurent que abre com peças de Brahms (Valsas Opus 3) eChopin (Mazurkas, Opus 6 n.° 1, Opus 67 n.° 2, 3 e 4). A flexibilidade,a elegância e a interpretação apaixonada de Michel Laurent são os argu-mentos ideais para nos restituir a sensualidade de um repertório destetipo. H.G.�

Teatro Molière, Bruxelas, 26 de Abril, às 20h00“Danzas des deux mondes” (“danças dos dois mundos”) destina-se a organizar regular-mente espectáculos sobre a mestiçagem entre as músicas clássicas caribenha e europeia.Informação: [email protected]

DANZASDES DEUX MONDESQuando a música clássica se mestiça Desde o início do encontro dos três mundos – Europa, África e América –, a música sem-pre contribuiu para acalmar os azedumes e acompanhar, senão as alegrias, pelo menosos momentos de “interregno”. Tanto os negreiros da África como os navios mercantis daEuropa transportavam, nos seus porões e pontes, escravos, flibusteiros, colonos e mer-cadorias, mas também a cultura: música, canções lamurientas, cantos e outros sonhos.

Palavras-chaveHegel Goutier; música clássica; Haiti; Cuba; Ignacio Cervantes;Ludovic Lamothe; Frank Lassègue; Alain Clérié; Michel Laurent.

Europa, Caraíbas

Ludovic Lamothe. © Anónimo

Doreen Southwood, The dancer, Bronze, esmalte, tecido, aço, 176 x 190 x 292cm, 2007, pormenor. Com o consentimento de Michael Stevenson, Cape Town

Foto: Mario Todeschini. .ZA – Arte Jovem da África do Sul, Palazzo delle Papesse em Siena

T.T. Fons

Por cortesia do autor

N. 5 N.E. – ABRIL MAIO 2008 63

ara os mais jovens

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Criatividade

Page 34: C rreio - UFDC Image Array 2ufdcimages.uflib.ufl.edu/UF/00/09/50/67/00024/OCorreio-2008-05.pdf · REPORTAGEM Serra Leoa Da ruptura da paz ao restabelecimento da paz 30 ... O CORREIO,Nº

orreio do leitor

Agradecemos as edições de O Correio enviadasao Liceu Evariste de Parny (Ilha da Reunião).Estamos a dar aos artigos uma excelente utiliza-ção.

Christine Fourest

Já há vários anos que tenho o privilégio de lerO Correio. Penso que todos os políticos e

aqueles que o desejam ser deveriam estudarbem os seus artigos. Se o fizessem, penso quepoderiam contribuir mais eficazmente para odesenvolvimento geral dos seus países.

Courtney Lafleur

Acabo de receber a última edição de O Correio(sobre o Haiti e a Roménia). Muitos parabéns

pela boa apresentação e pelo seu conteúdointeressante. O Correio tem todo o potencialpara se tornar numa publicação relevante.Não deixem passar essa oportunidade!

Andrea Frazzetta, fotógrafo da Agenzia Grazia Neri,

Milão, Itália.

A palavraaos leitores!

Estamos interessados na sua opinião e nas suas reacções aosartigos desta edição.Sendo assim, diga-nos o que pensa deles.

Endereço: O Correio – 45, Rue de Trèves 1040 1040 Bruxelas (Bélgica)Sítio Web: [email protected] Correio electrónico: www.acp-eucourier.info

Junho

> 3-5 Conferência de Alto Nível da FAOsobre a segurança alimentar mun-dial: os desafios das alterações cli-máticas e da bioenergia, em Roma,Itália

> 8-13 87ª Sessão do Conselho deMinistros ACP, em Adis Abeba,Etiópia

> 8-13 33ª Sessão do Conselho deMinistros ACP-CE, em AdisAbeba, Etiópia

> 17-18 Conselho TRIPS da OMS em Genebra

> 25-27 3° Fórum ACP da Sociedade Civil,em Bruxelas, Bélgica

> 26-1 Cimeira da União Africana, emSharm el Sheik, Egipto

> 30-2 Fórum e Cimeira de Negócios doCARIFORUM-UE, em Trinidad

Julho

> 2-5 29ª Reunião Regular daConferência de Chefes deGoverno,na Antígua e Barbuda

> 12 Cimeira CARICOM-Espanha, emSaragoça, em Espanha

> 15-16 Lançamento de NegociaçõesComerciais do CRNM, no Haiti

> 16-18 ReuniãoACP-ONU sobre o Habitat,Dar es Salaam, na Tanzânia

> 23-25 Comité sobre os AcordosComerciais Regionais da OMC,em Genebra

> 23-26 Revisão da Política Comercial daOMC, em Barbados

> 23-27 Conselho Geral da OMC, emGenebraCimeira CARICOM-Canadá, emOtava (data a confirmar)

Agosto

> 19-21 19-21 Reunião Anual do Fórum doPacífico, em Niue (a confirmar)

Setembro

> 12-13 Fórum sobre Meios de comunica-ção e Desenvolvimento,Ouagadougou, Burquina Faso

> 23-25 ONU – Necessidades de desenvol-vimento de África, em NovaIorque, EUA

FAO: Organização das Nações Unidas para aAgricultura e AlimentaçãoOMS: Organização Mundial de SaúdeCARICOM: Comunidade Caribenha (15 Estados-membros)CARIFORUM: Fórum dos Estados ACP dasCaraíbasCRNM: Mecanismo Regional Caribenho deNegociação OMC: Organização Mundial do Comércio ONU: Organização das Nações Unidas

AGENDA Junho – Setembro 2008

Estrasburgo, França foi o local escolhidopara a terceira edição dos Dias Europeusdo Desenvolvimento, 15-17 Novembro,2008.

Mais informação:http://eudevdays.eu/Public/index.html

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ÁFRICAÁfrica do Sul Angola Benim Botsuana Burquina Faso Burundi Cabo Verde CamarõesChade Comores Congo (República Democrática) Congo (Brazzaville) Costa doMarfim Djibouti Eritreia Etiópía Gabão Gâmbia Gana Guiné Guiné-Bissau GuinéEquatorial Lesoto Libéria Madagáscar Malawi Mali Mauritânia Maurícia (Ilha)Moçambique Namíbia Níger Nigéria Quénia República Centro-Africana Ruanda SãoTomé e Príncipe Senegal Seicheles Serra Leoa Somália Suazilândia Sudão TanzâniaTogo Uganda Zâmbia Zimbabué

CARAÍBAS Antígua e Barbuda Baamas Barbados Belize Cuba Domínica Granada Guiana HaitiJamaica República Dominicana São Cristóvão e Nevis Santa Lúcia São Vicente eGranadinas Suriname Trindade e Tobago

PACÍFICOCook (Ilhas) Fiji Marshall (Ilhas) Micronésia (Estados Federados da) Nauru Niue PalauPapuásia-Nova Guiné Quiribáti Salomão (Ilhas) Samoa Timor Leste Tonga TuvaluVanuatu

UNIÃO EUROPEIAAlemanha Áustria Bélgica Bulgária Chipre Dinamarca Eslováquia Eslovénia EspanhaEstónia Finlândia França Grécia Hungria Irlanda Itália Letónia Lituânia LuxemburgoMalta Países Baixos Polónia Portugal Reino Unido República Checa Roménia Suécia

As listas dos países publicadas pelo Correio não prejulgam o estatuto dos mesmos e dos seus territórios, actualmente ou no futuro. O Correio utiliza mapas de inúmeras fontes.O seu uso não implica o reconhecimento de nenhuma fronteira em particular e tampouco prejudica o estatuto do Estado ou território.

Países de África – Caraíbas – Pacíficoe União Europeia

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Not for saleISSN 1784-6803