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Manifestações artísticas e celebrações

populares no Estadode São Paulo

h i s t ó r i a s | a r t e | c o s t u m e s

Coleção Terra Paulista: histórias, arte, costumes

VOLUME 1A formação do Estado de São Paulo, seus habitantes, e os usos da terraA fundação de São Paulo e os primeiros paulistas: indígenas, europeus e mamelucos Anicleide Zequini

Paulistas em movimento: bandeiras, monções e tropasValderez A. da Silva

São Paulo moderno: açúcar e café, escravos e imigrantesMaria Daniela B. de Camargo

Uma metrópole multicultural na terra paulistaMauricio Érnica

VOLUME 2Modos de vida dos paulistas: identidades, famílias eespaços domésticosA gente paulista e a vida caipiraLuís Roberto de Francisco

Famílias paulistas, famílias pluraisMaria Alice Setubal

A vida cotidiana entre os paulistas: moradias, alimentação,indumentáriaPaulo César Garcez Marins

VOLUME 3Manifestações artísticas e celebrações populares no Estado de São PauloA literatura do interior paulista: do lirismo à anedotaJorge Miguel Marinho

Percursos do olhar: artes plásticas rumo ao interiorAnamelia Bueno Buoro

Artesanato paulista: técnicas e materiais da terraRoberto Santos

Música da terra paulista: da viola caipira à guitarra elétricaAlberto T. Ikeda

Celebrações populares paulistas: do sagrado ao profanoAlberto T. Ikeda e Américo Pellegrini Filho

Surpreende que só agora seja empreendida uma divulgação tão completa

da rica cultura tanto da capital como do interior do Estado de São Paulo,

mas valeu a espera.

O projeto Terra Paulista: histórias, arte, costumes impressiona com a sua

ambição de fazer um levantamento tão amplo, abrangente e profundo. O

seu objetivo declarado, que é ressaltar um sentimento de pertencimento

à cultura paulista por meio da valorização de seu passado e dos traços

característicos de suas comunidades parece ter sido plenamente alcança-

do pela qualidade dos estudos aqui apresentados.

Apaixonado pela iconografia da capital, frustrou-me sempre não poder

incluir, em meus estudos publicados, a fascinante soma de imagens do

interior do Estado de São Paulo. Alegro-me, portanto, em ver a notável

escolha das ilustrações e da iconografia desses três volumes, que contam

com uma apresentação gráfica refinada, despojada e atraente.

A formação do Estado de São Paulo, nos seus aspectos históricos econô-

micos, sociais e culturais é contada aqui da melhor maneira: as muitas his-

tórias, pelas melhores vozes.

Pedro Correa do Lago

Presidente Fundação Biblioteca Nacional

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APOIO

sta coleção de três livros faz parte dos produtos doprojeto Terra Paulista: histórias, arte, costumes, desen-volvido pelo CENPEC - Centro de Estudos e Pesquisas

em Educação, Cultura e Ação Comunitária. Além deles, foramproduzidos também uma coleção paradidática em dez volumese uma coleção de documentários.

O CENPEC é uma organização não-governamental, semfins lucrativos, fundada em 1987, que se dedica ao desenvolvi-mento da educação pública. Ao longo desses anos, cultura earte sempre foram temas presentes em suas atividades, mas, namaioria das vezes, a partir de questões especificamente educa-cionais. Com o projeto Terra Paulista, a instituição inaugurauma nova área de atuação, dedicada especialmente aos temasrelacionados ao patrimônio cultural material e imaterial, massem perder de vista a experiência já acumulada em seus traba-lhos sobre educação.

Nos três livros e nos demais produtos de Terra Paulista, oque se pretende é estimular um olhar crítico para a formaçãocultural do interior do Estado de São Paulo. Um olhar que partedo presente para estabelecer uma série de diálogos de diferen-tes matizes: presente/passado; rural/urbano; antigo/moderno;campo/cidade; regional/nacional; nacional/estrangeiro e tantosoutros.

Mais que tudo, a terra paulista aqui representada é terrarepleta de experiências dos muitos povos que contribuíram paraa sua existência. É uma terra que traz as marcas dos muitos tem-pos e processos históricos de sua formação.

A diversidade cultural e a multiplicidade de tempos histó-ricos aparece nas ruas paulistas e em seus prédios; nas suas fes-tas e celebrações populares; nas artes eruditas e no artesanato;na presença e na transformação dos mitos e ideologias de suahistória. Enfim, aparece nas biografias e nos relatos dos perso-nagens que protagonizaram a formação desse território, comsuas mãos e seu trabalho.

CENPEC IMPRENSA OFICIAL

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Governador Geraldo AlckminSecretário-Chefe da Casa Civil Arnaldo Madeira

Diretor-Presidente Hubert Alquéres

Diretor Vice-Presidente Luiz Carlos FrigerioDiretor Industrial Teiji Tomioka

Diretor Financeiro e Administrativo Alexandre Alves SchneiderNúcleo de Projetos Institucionais Vera Lucia Wey

Direção Maria Alice SetubalCoordenação geral Maria do Carmo Brant de Carvalho

Coordenação do projeto Maria Alice SetubalCoordenação técnica Idéias Consultoria em Educação

Marta Wolak GrosbaumLidia Izecson de Carvalho

Supervisão de conteúdo Paulo César Garcez MarinsMauricio Érnica (colaboração)

Pesquisa iconográfica e legendas Glaucia Aparecida Ribeiro de LimaPaulo César Garcez Marins (cap. 3)

Autores dos textos Jorge Miguel MarinhoAnamelia Bueno BuoroRoberto SantosAlberto T. IkedaAmérico Pellegrini Filho

Edição dos textos Carlos Eduardo Silveira MatosProjeto gráfico Estúdio Girassol

Beth Kok (desenhos)Esperanza Sobral (editoração eletrônica)Bia Costa (supervisão de produção)Irene Incao (revisão de texto)Kok Martins (supervisão editorial)

CENTRO DE ESTUDOS E PESQUISAS EMEDUCAÇÃO, CULTURA E AÇÃO COMUNITÁRIA

IMPRENSA OFICIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO

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Manifestações artísticas e celebrações

populares no Estadode São Paulo

São Paulo, 2004

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Terra Paulista: histórias, arte, costumes 7

sta obra divulga um acervo do legado das artes, tradições

e do cotidiano paulista que contribuíram para a formação

do Estado de São Paulo, dos seus primórdios até meados do

século XX.

É com satisfação que o Banco Itaú BBA patrocina este

importante trabalho de documentação. A coletânea proporciona

o prazer de conhecer os valores do passado paulista e permite ao

leitor melhor compreensão do presente.

Iniciativas como essa são fundamentais no processo de uma

formação, pois o resgate da própria história ajuda a projetar o

futuro e a indicar novos caminhos a serem percorridos.

O Banco Itaú BBA acredita firmemente que, ao patrocinar

este projeto, está contribuindo para a construção de uma cida-

dania mais responsável e comprometida com sua história.

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dmirador do trabalho do CENPEC, recebi, com muito prazer,

a incumbência de apresentar os livros do projeto Terra Paulista:

histórias, arte, costumes que abordam o patrimônio cultural pau-

lista, estudando sua formação ao longo dos cinco séculos de sua

História, com um firme viés contemporâneo na sua interpretação.

Impressiona a ambição do projeto, e surpreende que só

agora seja empreendida uma divulgação tão completa da rica

cultura tanto da capital como do interior do Estado de São Paulo,

muito bem aquinhoado em empreendimentos bem sucedidos,

mas relativamente pobre de estudos que recuperam as identida-

des de suas gentes e terras. Mas valeu a espera, para ser atendi-

da agora com um levantamento que se apresenta tão amplo,

abrangente e profundo como o de Terra Paulista. O objetivo

declarado deste projeto, de ressaltar um sentimento de pertenci-

mento à cultura paulista por meio da valorização de seu passado

e dos traços característicos de suas comunidades, parece ter sido

plenamente alcançado pela qualidade dos estudos aqui apresen-

tados, e pela notável escolha das ilustrações e da iconografia.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 9

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Paulistano por adoção, identifico-me com esse esforço que

corresponde também às minhas não tão longínquas raízes fami-

liares. Apaixonado pela iconografia da capital, frustrou-me sem-

pre não poder incluir, em meus estudos publicados, a fascinante

soma de imagens do interior do Estado de São Paulo, que - antes

mesmo do século XIX - conta com peças de notável interesse.

Vejo-as agora reproduzidas nestes três livros, em textos que

cobrem os aspectos essenciais da formação paulista com apre-

sentação gráfica refinada, despojada e atraente.

Identificar e descrever as imagens do passado da cidade de

São Paulo, tão mais raras que as das grandes cidades do litoral

brasileiro, ensinou-me a valorizar a inserção da capital na vida

econômica do estado e compreender a contribuição das diversas

regiões do chamado interior paulista para o extraordinário cres-

cimento da cidade de São Paulo, fenômeno que só se explica

pela interação profunda com as muitas comunidades da provín-

cia engajadas em trocas intensas com a capital.

A formação do Estado de São Paulo, nos seus aspectos his-

tóricos econômicos, sociais e culturais é contada aqui da melhor

maneira: as muitas histórias, pelas melhores vozes.

Pedro Corrêa do LagoPresidente da Fundação Biblioteca Nacional

10 Terra Paulista: histórias, arte, costumes

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CENPEC construiu sua identidade como organização da

sociedade civil voltada para o ensino público, atuando de forma

interdisciplinar nas áreas de educação e proteção social, em um

trabalho conjunto entre Estado e sociedade civil, como condição

para a construção de uma democracia efetiva. Complementando

essa atuação, o projeto Terra Paulista: histórias, arte, costumes

traz para o CENPEC o foco na área da cultura, como objeto de

estudo e de articulação com a educação e as áreas sociais, na

medida em que o conhecimento da história do território em que

se atua, a valorização do seu patrimônio cultural material e ima-

terial e especialmente de suas gentes traz a possibilidade do deli-

neamento de políticas públicas mais adequadas à realidade, aos

costumes e valores do lugar.

O conhecimento e o reconhecimento dos processos históri-

cos e dos grupos sociais que formaram o Estado de São Paulo e

compõem o interior paulista criam condições para o estabeleci-

mento de um diálogo entre várias matrizes, muitas vezes opos-

tas, tais como: interior/capital; rural/urbano; antigo/moderno;

Apresentação

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 11

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simples/sofisticado; campo/cidade; e tantas outras que podería-

mos discorrer aqui. A valorização do patrimônio cultural paulista

não tem o intuito de propor uma volta ao passado e muito

menos constitui uma tentativa de priorizar costumes, tradições e

valores do interior, considerando-os como aqueles mais corretos.

Aqui não há certo ou errado. Vivemos numa era de globalização,

na qual as expressões massificadas e as grandes cidades detêm a

hegemonia dos processos sociais, econômicos, políticos e cultu-

rais. Esse é o mundo que nos cabe decifrar e construir, de modo

a deixar um legado tão rico quanto possível às futuras gerações.

Nesse sentido, um olhar diferente sobre nossa realidade permite

que possamos dar destaque às diferentes temporalidades e plu-

ralidades culturais que convivem, muitas vezes, no mesmo espa-

ço e no mesmo tempo. São manifestações vivas que, se não

hegemônicas, fazem parte das nossas raízes e dizem respeito aos

múltiplos modos de ser hoje.

A articulação entre o passado e o presente pretende criar

um diálogo em que costumes e valores que fazem parte da nossa

história possam ser reconhecidos como integrantes da história

pessoal de cada um. Trata-se de viver um espaço de pertenci-

mento, no qual a modernidade não consiste em começar tudo

de novo, iniciar do nada, mas em sentir-se enraizado, pertencen-

do, se apropriando de uma herança das gerações anteriores e

reelaborando tal herança. O grande desafio que se coloca não é

ser moderno, mas sim, contemporâneo.

Nessa perspectiva, a construção de um sentimento de per-

12 Terra Paulista: histórias, arte, costumes

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tencimento vai se dando a partir das pequenas coisas do

cotidiano. Por exemplo, quando comemos um biscoitinho, um

sequilho, um doce de batata-roxa ou uma leitoa pururuca com

tutu de feijão e sentimos um gostinho de infância. Para ficarmos

ainda na alimentação, elemento de valor simbólico importante

desde os tempos dos tropeiros, das comidas feitas nas fazendas,

os paulistas também se sentirão em casa ao comerem uma

macarronada, um sushi, uma esfiha, a famosa pizza do domingo

e, por que não, um vatapá ou uma boa moqueca com dendê...

A diversidade e pluralidade cultural paulista, fruto da convivên-

cia dos diferentes povos que aqui se estabeleceram, se estranha-

ram e se integraram, migrando ou imigrando, desde os tempos

mais remotos da Capitania de São Vicente, revela-se nas inúme-

ras referências culturais trazidas por esses grupos, assimiladas e

adaptadas pela gente paulista.

A implementação de novos negócios, seja na indústria, seja

na área rural, seja nos setores de serviços, em diferentes pontos

do país, faz da economia paulista a primeira do Brasil. Trata-se

da manifestação contemporânea de um empreendedorismo e

uma mobilidade territorial que percorrem nossa história desde as

bandeiras, os engenhos de açúcar, o café e a abertura das ferro-

vias. Contudo, essa capacidade de inovação convive, nas peque-

nas cidades paulistas, com a permanência do artesanato, muitas

vezes de origem indígena, como alternativa encontrada pela

comunidade para sua sobrevivência econômica. Não se trata

da única presença do passado: a gente paulista tem grande

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 13

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religiosidade, assim como todos os brasileiros. Viajando pelo

interior do estado, muitas das festas que acreditávamos perten-

cer apenas ao acervo cultural mineiro ou nordestino, assim como

as romarias aos nossos santuários, podem nos emocionar por sua

singeleza, devoção e popularidade. Isso tudo para não dizer da

literatura, arte e música que retratam a força da nossa natureza,

nossa gente, nossas tristezas e alegrias, nosso modo de vida que

se configurou nos ranchos, nos sítios, nas fazendas e nos casa-

rões do interior.

Finalmente, enquanto CENPEC, instituição moldada pela

atuação em educação, e, portanto, essencialmente pelo trabalho

feminino, não podemos deixar de mencionar o destaque que

tiveram as mulheres paulistas ao longo de toda essa história. Elas

demonstraram capacidade de comando e liderança ao se verem

sozinhas - uma vez que os homens saíam nas bandeiras, ou na

abertura de fronteiras agrícolas, constituindo novas fazendas -,

ou ainda por serem chefes de inúmeras famílias paulistas.

A rusticidade dos bandeirantes e a simplicidade da vida cai-

pira, fortemente integrada à natureza e à terra, foram contrasta-

das, na história de São Paulo, com o advento da República, pela

incorporação das idéias de progresso e a negação das tradições

coloniais. O paulista, especialmente o paulistano, busca desde

então, na Europa - sobretudo na França, Inglaterra e Alemanha,

assim como nos Estados Unidos, as referências e os valores de

seu modo de vida. Hoje, na era da globalização, pode-se dizer

que a capital paulista está mais voltada para fora do país do que

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para o interior do estado e até do que para si mesma. A decor-

rência disso é o distanciamento em relação a suas origens. De

fato, o desenvolvimento desse processo, ao longo do século XX,

acabou por destruir, ou ao menos fez perder de vista, grande

parte do nosso patrimônio cultural, das nossas raízes e marcas

culturais. De certa maneira, o paulistano hoje, nas suas tentati-

vas de fugir da cidade, ao menos nos finais de semana, busca

cada vez mais o sossego das praias ou do campo, a simplicidade

da natureza, o isolamento, o silêncio, uma comidinha caseira,

uma prosa e uma viola. Enfim, está em busca de suas raízes, de

uma sensação de paz e pertencimento perdidas no dia-a-dia da

metrópole.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes tem, portanto, a pre-

tensão de fazer com que a reflexão sobre essa história permita

um novo olhar sobre nós mesmos, através do reconhecimento de

nosso patrimônio cultural, estabelecendo um diálogo entre as

matrizes, antes tidas como opostas. Desse modo ajudaremos a

criar, enquanto paulistas, uma identificação maior com aquilo

que é nosso, com nossa herança cultural. A partir desse lugar,

onde passado e presente se articulam, os olhares para as demais

regiões do país, para além deste e, sobretudo, para projetos

futuros podem ser renovados.

Maria Alice SetubalCENPEC - Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária

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Sumário

21 Introdução

23 A literatura do interior paulista: do lirismo à anedota - Jorge Miguel Marinho

24 A estigmatização do caipira ou a literatura jeca

28 São Paulo! comoção de minha vida… - uma obsessão

pela paisagem

35 O interior paulista: uma literatura contada em dois tempos

38 Com os pés na metrópole e os olhos no interior

46 Vozes quase anônimas na literatura caipira

50 Valdomiro, Cornélio, Setúbal e Lobato: lirismo, crítica e

cumplicidade na representação do homem e das coisas do interior

57 A estética caipira: uma literatura “que paga e não paga a pena”

63 Percursos do olhar: artes plásticas rumo ao interior - Anamelia Bueno Buoro

64 Um ponto de partida

68 De volta aos começos

88 De fora para dentro, de dentro para fora

112 Caminhos do monumento - chegadas e partidas

117 Artesanato paulista: técnicas e materiais da terra - Roberto Santos

118 Trajetória do artesanato: das origens à globalização

120 O artesanato paulista ao longo da história

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122 Modalidades do “saber fazer” do povo

125 Uma seleção da produção paulista de artesanato e arte popular

137 O artesanato paulista tem futuro?

141 Música na terra paulista: da viola caipira à guitarra elétrica - Alberto T. Ikeda

144 A cultura e a música caipiras

152 Da música caipira à música sertaneja

158 A música sertaneja “de raiz” e os violeiros

161 Considerações finais

169 Celebrações populares paulistas: do sagrado ao profano- Alberto T. Ikeda e Américo Pellegrini Filho

171 Expressões culturais paulistas em formação

175 Os ciclos festivos, a organização e a circulação das

manifestações expressivas

178 As celebrações

207 A lembrança e a afirmação de um modo de ser

213 Sobre os autores

217 Bibliografia

229 Créditos iconográficos

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“É um passado que se estuda tocando em nervos, um passado que emenda com a vida de cada um;uma aventura da sensibilidade, não apenas umesforço de pesquisa pelos arquivos.”

[Gilberto Freyre, prefácio à 1ª edição de Casa Grande & Senzala.]

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ste livro é o terceiro volume da coleção Terra Paulista: histó-rias, arte, costumes, que tem por objetivo principal reforçar umdiálogo do presente com os diferentes processos históricos e osmuitos grupos sociais que formaram o interior paulista. A coleçãoé composta por uma série de três livros e quatro vídeos que pre-tendem registrar e divulgar diferentes aspectos da formação his-tórico-cultural do interior paulista para, ao mesmo tempo, valori-zar as riquezas presentes na história e na vida cultural do Estadode São Paulo e oferecer um olhar crítico para essa história.

Os três livros estão organizados da seguinte maneira:O volume 1, “A formação do Estado de São Paulo, seus ha-

bitantes e os usos da terra”, se dedica à discussão de aspectosda história econômica e social da formação do interior paulistadesde a colonização no começo do século XVI até o início doséculo XX.

No volume 2, “Modos de vida dos paulistas: identidades,famílias e espaços domésticos”, analisa-se a controversa figurado caipira e é estudado o universo doméstico e familiar dos pau-listas, tendo em vista as suas relações com a organização sociale econômica. Vários arranjos familiares são discutidos, o patriar-cal, o das famílias dos grupos caipiras, os arranjos familiares nosgrupos escravos e os das famílias dos povos imigrantes, bemcomo o expressivo papel das mulheres na organização familiar.Também são discutidas as diversas formas de morar, as maneirasde vestir e as formas de alimentação da terra paulista.

Neste volume 3, “Manifestações artísticas e celebrações po-pulares no Estado de São Paulo”, são examinados o artesanato ea arte popular, as artes plásticas, a literatura do interior, a músi-ca popular, além de celebrações populares religiosas e laicas.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 21

Introdução

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Agora pra diante é que me aconteceu coisa inda mais pior.

[ Valdomiro Silveira ]

e grande parte da obra de Monteiro Lobato contribuiu paraa estigmatização do caipira como sujeito palerma, indolente, ra-quítico, preguiçoso, sonso e quetais, é bom ter em conta queessa visão debilizada do caboclo vem de longe. No começo doséculo XIX, Auguste de Saint-Hilaire nos seus relatos de viagemjá preconizava:

“Essa gente, embrutecida pela ignorância, pela ociosidade,pelo isolamento em que se acha de seus semelhantes e provavelmente pelo gozo de prazeres prematuros, nãopensa em nada, apenas vegeta como as árvores ou o capimdos campos”.1

O tempo passou e a mesma visão do caipira, como sujeito su-balterno e incapaz de realizar a própria história, continua na or-dem do dia, agora com a descaracterização camaleônica da mídiaque, maquiando e remodelando a espinha dorsal do caipira, inje-ta no seu repertório a caricatura dissonante dos caubóis. Paracomprovar essa visão preconceituosa e ligeirosamente pitoresca,basta lembrar que no Dicionário do Folclore Brasileiro, de Luís daCâmara Cascudo, enumerando diversas citações colhidas no tem-po presente, o autor inclui a seguinte adjetivação: “Habitante dointerior, canhestro e tímido, desajeitado, mas sonso”.2

Cristalizando essa visão depreciativa, Aurélio Buarque deHolanda Ferreira reforça a definição com o mesmo recorte se-mântico, reiterando que o senso comum entende por caipira

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 23

Jorge Miguel Marinho

A literatura do interior paulista: do lirismoà anedota

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“Habitante do campo ou da roça, particularmente os de poucainstrução e de convívio e modos rústicos e canhestros”. E acres-centa uma avalanche de sinônimos: “botocudo, bruaqueiro, cas-ca-grossa, jeca, matuto, mocorongo, pé-duro, cafona” e outros.3

A estigmatização do caipira ou a literatura jeca

Por isso tudo e sem fazer alarde, Antonio Candido em seulivro Os parceiros do Rio Bonito, adotando segundo ele “umponto de partida modesto mas decisivo da realidade econômi-ca”, chama a atenção para que se entenda “caipira” desde sem-pre como “um modo-de-ser, um tipo de vida, nunca um tiporacial”.4 E, criticando a maneira como o este vem sendo mais oumenos “caricaturado para espetáculos dos outros”, lamenta queas formas de ser caipira (música, festas, danças e outras), namaioria das vezes, não sejam praticadas por caipiras, “mas porgente que finge de caipira e usa a realidade do seu mundo comoum produto comercial pitoresco” .5

Na opinião de Carlos Rodrigues Brandão, em seu breve eperspicaz estudo Os caipiras de São Paulo, quem constrói a ima-gem do caboclo é “uma gente letrada e urbana”. Portanto, “eleé ponto por ponto a face negada do homem burguês e se defi-ne pelas caricaturas que de longe a cidade faz dele, para estabe-lecer, através da própria diferença entre um tipo de pessoa e aoutra, a sua grandeza”.6

Sem estender demais essa reflexão de natureza antropológicae social, é fundamental assinalar que estão na base da deprecia-ção equivocada e injusta do caipira - que no fundo se torna a visãoque ele passa a ter de si mesmo e que acentua a sua postura ilha-da e matuta contra os valores da cidade - as noções veiculadas so-bre trabalho produtivo, valorizado única e exclusivamente comoação que produz capital. Isto é, o trabalho enquanto ação imedia-ta do homem colado à terra, fazendo da sua força produtiva ummodo de sobrevivência e um simples processo de circulação, nãoé produtivo porque não gera capital. Em síntese, como afirma EnidYatsuda Frederico, “o trabalhador acostumado a um ritmo de tra-balho diverso daquele exigido pela ação rápida do capitalismo foichamado de preguiçoso”.7 E, ainda segundo Brandão, “justamen-te a face negada do lavrador caipira é a do trabalho agrícola que,a cada ano, rege sua vida dentro de ciclos intermináveis de plan-tar, tratar, colher, comer. Ciclos que criam o ritmo das outras facesreais ou imaginadas do seu mundo”,8 incluindo as formas derepresentar o modo de ser do caipira na literatura.

Pois muito bem: a Literatura do Interior Paulista, identifica-da nas suas particularidades locais e nos seus temas específicos,

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é assunto quase de todo desconhecido e matéria praticamenteintocada pela crítica. Só a título de curiosidade, é significativoapontar que o livro História concisa da literatura brasileira, deAlfredo Bosi, uma das mais importantes obras de crítica e histó-ria literária pela visão panorâmica e pela investigação aprofunda-da dos aspectos estéticos, dedica menos de quatro linhas a doisdos mais caros escritores da Literatura do Interior Paulista, dizen-do o seguinte:

“Vicejava, ao lado da prosa regional, um gênero de verso sertanista, meio popular meio culto, que, assinado pelos‘caboclos’ Cornélio Pires e Paulo Setúbal ou pelo pernósti-co Catulo da Paixão Cearense, dava a medida do gostohíbrido a que se chegara”.9

Diante de tal precariedade, Antônio Celso Ferreira, em seuamplo e cuidadoso estudo sobre um possível perfil cultural pau-lista, lamenta “a inexistência de estudos abrangentes acerca nãosó da historiografia, como também da literatura em São Paulo,relativos ao período anterior a 1930”,10 época em que aLiteratura do Interior Paulista aflora em diversos estilos, gênerose temas. Observe-se que Ferreira identifica a ausência de estudosvoltados para a cultura de São Paulo como um todo, nem chegaa citar a poesia e a prosa do interior, assunto completamente“apagado” no âmbito da investigação.

Este vazio com relação à literatura interiorana se deve, entreoutras razões, ao caráter de isolamento das criações regionalis-tas. Essas foram acontecendo de forma descontínua e esparsadesde o pré-romantismo, quando, segundo Antonio Candido, sedá o início da nossa literatura, graças à manifestação de temascomo o indianismo, que vai dominar a produção oitocentista,elemento dos mais positivos no processo de construção de umarealidade e de uma sensibilidade literária com perfil nacional.11

Como a prosa e a poesia relativas ao interior paulista ocorrem deforma isolada, centrada e confinada na sua região, não conse-guem se afirmar como um sistema literário - ainda em palavrasde Antonio Candido, “como fato cultural configurado, não ape-nas como produções individuais de pouca repercussão”.12

Literatura enquanto sistema significa nesses termos consciênciade grupo e reconhecimento de um “passado literário local”,receptividade por parte do público e articulação de traços artís-tico-literários. Assim, mesmo fazendo eco ou dialogando com aliteratura urbana, os escritores do interior paulista permanecemà margem de um processo de formação mais geral, sobretudoem se tratando de um país novo, em que grupos intelectuais eartísticos procuram afirmar e identificar a sua singularidade

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numa permanente dialética que oscila entre as marcas locais e ocosmopolitismo.

Diante dessa tensão globalizadora, mesmo no período mo-dernista em que os protagonistas paulistas do movimento se tor-nam uma espécie de arauto ou pólo irradiador de uma voz cole-tiva, a Literatura do Interior Paulista parece correr na contramãode um território único que, por vezes, falava a mesma língua,tinha um mesmo ideário e comungava as mesmas aspirações. Decerto modo, as criações regionalistas foram tuteladas pela me-trópole sem que esta legitimasse a sua relevância enquantoexpressão do homem local com traços até mesmo universais.Como não há uma sensibilidade de grupo, um conjunto de açõesque definam uma voz coletiva, um norte com expressões articu-ladas, as artes letradas do interior paulista ainda são tratadascomo uma constelação de certa forma posta à margem do siste-ma literário ou focadas como manifestações que primam peloexotismo, marcas decisivas que estigmatizam o papel de coadju-vância com relação à arte urbana, como acontece de fato com ocaipira no seu contexto real. Nesse sentido, arte e realidade sefundem e se confundem e a paradoxalidade no trato do caboclocumpre um movimento de oscilações: por um lado, observa-seuma literatura “Jeca” que insiste em conceber o caipira comoum sujeito tradicional, francamente supersticioso, de físico, ges-tos e costumes grosseiros, ingênuo, crédulo e tudo o que expres-se “oposição a um mundo que se deseja moderno, culto e cien-tífico”;13 por outro lado, essa mesma literatura confere ao cabo-clo uma espécie de inteligência inata, escavada da terra, “fontede uma sabedoria popular, digna de ser resgatada numa socieda-de imersa em valores pragmáticos, materialistas”.14

Por tais razões, esse trabalho tem um caráter documentalapoiado em alguns traços pertinentes à investigação estética. Elebusca assim registrar expressões literárias que tiveram voz artís-tica e peculiaridades bastante específicas, embora tenham sidocondenadas à dispersão e até mesmo ao anonimato, quando emoutras circunstâncias poderiam reforçar o fôlego de uma litera-tura que sempre esteve motivada pela afirmação e pela identida-de da sua geografia artística mais pessoal.

De qualquer modo, ainda que tal produção, regra geral, sejatratada de modo nublado, telegráfico e ligeiroso, de vez em quan-do a crítica e a história literárias, em brevíssimas referências, acen-tuam a relevância de uma cultura do interior paulista que ganhaespaço especialmente nos primeiros decênios do século XX.

Esse é o caso de Nicolau Sevcenko que, em seu panorâmicoe interessante estudo sobre o crescimento de São Paulo e suatransformação em metrópole, analisa uma espécie de confluên-cias culturais onde prospera e ganha relevo instantâneo uma lite-

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ratura de regionalismo paulista protagonizada por Amadeu Ama-ral, Monteiro Lobato, Valdomiro Silveira, Cornélio Pires, Leônciode Oliveira, Otoniel Mota, Benedito Otávio, Paulo Setúbal, Afon-so de Freitas, Egídio Martins, Paulo Duarte, entre outros.15

Pondo à parte a obra de Monteiro Lobato, que é a figuramais relevante e o escritor mais lido antes, durante e depois doModernismo, sem contar a singularidade e o modo polêmicocom que vai lançar mão da sua concepção e interpretação docaipira, a grande maioria desses escritores vai tratar o caboclo deforma acentuadamente lírica, muitas vezes com feliz expressivi-dade estética, mas também enveredando para os vícios tãocaracterísticos do gênero. Nessa abordagem, ganha realce umacerta atmosfera de pitoresco superficial e chavões exclamativoslargamente utilizados para marcar a forte oposição entre a pure-za rural e os artifícios da cidade, cultura rústica e cultura letrada,tradição conservadora e arte experimental, enfim morosidadedas letras do interior e velocidade dos códigos da capital.

Para dar conta desse leque de expressões, o recorte temáti-co do presente trabalho é estudar a Literatura do Interior Paulista,traçando um razoável painel que faz um trajeto das representa-ções do caipira - contemplando tanto o lirismo solto quanto aanedota mordaz. Vale assinalar que, enquanto estudo panorâmi-co, nem por isso a investigação deixará de se posicionar critica-mente com relação a alguns aspectos literários fundamentais.

O corpus de tal investigação, como critério delimitador paraum início de conversa, estará centrado nos escritores nascidos noterritório paulista - de Álvares de Azevedo aos modernistas - quetenham registrado em suas obras o universo caipira, em manifes-tações literárias ocorridas no interior ou a ele atreladas, de modoa situar, em um ou em outro caso, ainda que de forma provisó-ria, o que vem a ser essa Literatura do Interior Paulista. Um ououtro autor que venha a extrapolar esse critério aparece aqui poruma questão de curiosidade literária, observações às vezes meioperiféricas, mas que esclarecem o tema central. Mesmo porque,lançando mão de um provérbio caipira, “quando a sopa estámuito quente, o melhor é comer pelas beiradas do prato”.

Para fechar essa apresentação, vale lembrar algumas pala-vras de José Aderaldo Castello. No intuito de precisar correta-mente as noções de regionalismo, ele insiste em ponderar que“ruralismo, sertanismo, regionalismo na literatura, ao mesmotempo que soma componentes nacionais, não exclui a universa-lidade: esta depende sobretudo da presença humana e da matu-ridade de expressão ou do tratamento literário dos componentesditos regionalistas, superadas as limitações exóticas”.16 Além deuma visão panorâmica, este trabalho também estará atento aessa afirmação de Castello e tantos outros expressivos estudiosos

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de literatura. Trata-se de apontar em que medida a Literatura doInterior Paulista registra poeticamente as peculiaridades de umpovo, de uma geografia, de homens e mulheres com seussonhos, seus dramas e suas inquietações - e até que ponto essamatéria literária é “sugestiva” o bastante para revelar uma di-mensão mais universal da existência humana.

São Paulo! comoção da minha vida… - uma obsessãopela paisagem

Quem não ama desmente a natureza.[ Alexandre de Gusmão ]

A paisagem é uma presença ostensiva na literatura brasilei-ra e, como marca da sua singularidade e até mesmo da sua iden-tidade, vai se tornar uma obsessão nas manifestações literáriasdo interior paulista.

Se essa tendência em projetar o “eu intimista” ou o “eu co-letivo” no cenário geográfico tem suas razões no contexto geralde uma literatura nova como a do Brasil, mais motivos parece tera voz caipira para fazer da paisagem uma força motriz, por seremos regionalismos caboclos expressões culturais colocadas à mar-gem no seu próprio país. Nelson Werneck Sodré, num estudosobre o sertanismo da fase romântica da literatura brasileira,aponta essa tendência peculiar, presente na obra de uma varieda-de de escritores, afirmando que, por idealização, eles:

“Submetem-se ao jugo da paisagem, e pretendem diferenciar o ambiente pelo que existe de exótico no quadro físico - pela exuberância da natureza, pelo gran-dioso dos cenários, pela pompa dos quadros rurais. Isto é o Brasil, pretendem dizer. E não aquilo que se passano ambiente urbano, que copia o exemplo exterior que sesubmete às influências distantes”.17

Vale a pena voltar no tempo e mostrar como desde os pri-mórdios o recorte paisagístico é traço circunstancial nas letraspaulistas e vai ganhando espaço progressivamente até se tornarno regionalismo paulista uma espécie de raiz.

Por limitação de espaço, este capítulo se restringe a registrara paisagem presente na primeira expressão literária ocorrida emSão Paulo por conta do padre José de Anchieta, nascido nasCanárias em 1534, e nos escritores paulistas Alexandre deGusmão, José Bonifácio de Andrada e Silva e Álvares de Azevedo

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(a expressão mais inquietante e significativa do Romantismo nasua segunda geração), para se estabelecer um paralelo ou atémesmo um diálogo destes com as vozes literárias do interior deSão Paulo. Vamos a eles então.

Décio de Almeida Prado, embora considere que a fusão deculturas tão diversas - como a indígena, a cristã e a pagã clássica- ocorrida em território brasileiro, não seja criação particularmen-te paulista, afirma que “cabe a São Paulo uma possível primazia:a de ter dado ensejo ao primeiro texto dramático de Anchieta, amais genuína vocação poética entre os missionários jesuítas”.18 Ofato aconteceu a pedido do padre Manuel da Nóbrega ao seujovem companheiro, que escreveu um texto chamado Auto dapregação universal, por ter sido expresso em português e tupi erepresentado primeiramente em Piratininga e a seguir na vila deSão Vicente, provavelmente entre 1567 e 1570.19

Desnecessário dizer que a preocupação essencialmente dou-trinadora do texto impede de conferir a ele o estatuto de produ-ção artística. No entanto, o auto já aponta para a ação missioná-ria comungada com o ritual cênico e sobretudo embasada naexpressão lúdica que, mesmo embrionariamente, mostra a edu-cação ou a convivência entre nativos e homem letrado ancoradasnuma vocação artística.

De fato, Anchieta é a primeira voz literária manifestada emterra paulista. Suas posteriores investidas poéticas, durante 44anos vividos no Brasil, vão revelar um poeta e um dramaturgoque, descontada a preocupação eclesiástica e o traço doutrina-dor, se afirmou como um expressivo versejador, com passagensde significativo poder de comoção estética. Segundo AntonioCandido, é de se considerar “a sua poesia de inspiração religio-sa e a poesia misto de exaltação da terra e de louvor da obracolonizadora do português”, como exemplificam algumas dassuas criações. E mais: “Qualquer que tenha sido o seu objetivo,foi um exemplo significativo, no século XVI, da realização deuma expressão literária que correspondesse às novas condiçõesdo homem na paisagem americana”.20

Menos expressivos do que Anchieta, aparecem dois escrito-res paulistas, Alexandre de Gusmão e José Bonifácio de Andradae Silva, ambos nascidos em Santos, respectivamente em 1695 e1753. Eles vão reforçar os aspectos alegóricos de uma terra queclama por sua história, tentando escavar do chão bruto e semancestralidade heróica a auto-afirmação de uma capitania, deuma pátria, de um país. Dando completa primazia ao espaçogeográfico em versos como “Em tudo nos descobre a natureza”,num misto de empatia e estranhamento, Alexandre de Gusmãobusca na expressão poética a palavra capaz de unir a geografiainterna com a geografia exterior:

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1 Página de rosto da obra deAlexandre de Gusmão, Medita-ções para todos os dias da se-mana, pelo exercício das trêspotências da alma, conformeensina o Sto. Inácio fundadorda Companhia de Jesus: pelopadre…, 1689.

Alexandre de Gusmão (1629-1724)resgata nesta obra aspectos datrajetória de Santo Inácio, o cria-dor da Companhia de Jesus, cujosmembros fundaram a Vila de SãoPaulo de Piratinga.

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Não sei que nuvem trago neste peito,Que tudo quanto vejo me entristece;A flor do campo parda me parece;Até ao mesmo sol acho imperfeito.Do alegre prado fujo para o escuroEncontro mais triste dos rochedos;Ali pergunto às feras e aos penedos Se alguém é mais que tu cruel e duro?Ali ouço soar, rompendo o mato, Do ribeirinho as saudosas águas:E em competência vão as minhas mágoasDos olhos despedindo outro regato.21

Se em Alexandre de Gusmão a natureza é motivação de umabusca bucolicamente intimista, em José Bonifácio de Andrada eSilva, figura relevante da política da Independência e do PrimeiroReinado, a paisagem é de todo personificada e, num ritmo deimagens altissonantes muito próximo da retórica dos palanques,se apresenta como o imaginário de um espaço paradisíaco ouchão heróico. Tal postura será bastante assumida na poética dointerior paulista como lugar que regenera e cura:

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2 Retrato de José Bonifácio deAndrada e Silva, 1890.

José Bonifácio de Andrade e Silva(1753-1838) exerceu atividadesliterárias no período colonial bra-sileiro, paralelamente à sua car-reira de estadista. Os temas trata-dos em sua obra literária refor-çam suas propostas políticas.

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Vales e serras, altas matas, rios, Nunca mais vos verei - sonhei outroraPoderia entre vós morrer contente;Mas não - monstros o vedam.Não verei mais viração suaveParar o aéreo vôo, e de mil floresRoubar aromas, e brincar travessaCo’ trêmulo raminho.(...)Jardins, vergéis, umbrosas alamedas, Frescas grutas então, piscosos lagos, E pingues campos, sempre verdes pradosUm novo Éden fariam.22

Partindo para uma atmosfera de densa introspecção, o sen-timento da natureza é um dos temas mais freqüentes no Roman-tismo, e mesmo Álvares de Azevedo, nascido em São Paulo em1831, na ânsia de dar corpo e projetar seus estados de alma quevão do satanismo a uma autoflagelação marcadamente fúnebre,como se tivesse incorporado uma tendência arquetípica, vai bus-car nas imagens da natureza uma forma de respiro poético oumaterialização de um desregramento emotivo, etéreo e fugaz.Observem-se duas ou três passagens colhidas ao acaso, atentan-do apenas para o spleen da cidade apelando para o campo comoenseada da salvação:

Sombras do vale, noites da montanha, Que minh’alma cantou e amava tanto, Protegei o meu corpo abandonado, E no silêncio derramai-lhe o canto.

ou

Poetas amanhã ao meu cadáverMinha tripa cortai mais sonorosa!...Façam dela uma corda e cantem nelaOs amores da vida esperançosa!Cantem esse verão que me abandona...O aroma dos currais, o bezerrinho, As aves que na sombra suspiravam, E os sapos que cantavam no caminho!

E mais:

Eu morro qual nas mãos da cozinheiraO marreco piando na agonia...Como o cisne de outrora... que gemendoEntre os hinos de amor se enternecia.23

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O cenário mitificadoNos três poetas de São Paulo, vibra a expressão de um acen-

tuado sentimento paisagístico que, regra geral, deixa vazar umestado de comoção poética na representação literária. Integradostotalmente ou em parte à geografia, para eles a terra descrita emachados alegóricos é motivação maior e, talvez em certos casos,única para compor ficção narrativa e poemas que buscam esboçarou concretizar “a alma humana” nos limites e fronteiras da suarealidade mais tocável: o chão, espaço que será eleito como pro-longamento do próprio corpo do homem do interior paulista.

Só a título de aproximação, é bom lembrar que no século XXPaulo Setúbal, entre tantos outros, fez do território campestre,focado como espaço idealizado para a regeneração do homem,uma espécie de cenário mitificado do que se convencionou cha-mar “Alma cabocla”, não por acaso título da sua obra de estréia.

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3 Ilustração do artista AntônioPaim para a obra Alma Cabocla,de Paulo Setúbal, 1925.

A primeira edição de 3 mil exem-plares do livro Alma Cabocla, dePaulo Setúbal (1893-1937) esgo-tou-se em um mês. Nas próximasobras, o escritor, além de dar con-tinuidade à temática da vida nointerior paulista, abordaria temashistóricos.

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Para marcar essa presença obsessiva da paisagem, AntonioCandido, estudando as origens da literatura brasileira, argumentaque essa atitude poética é também herança recebida do própriocolonizador. Afirma ele que “À curiosidade geográfica e humanae ao desejo de conquista e domínio correspondem, inicialmente, odeslumbramento diante da paisagem exótica e exuberante, teste-munhado pelos cronistas portugueses que escreveram sobre oBrasil - Pero Vaz de Caminha, Pero de Magalhães de Gandavo,Gabriel Soares de Sousa (...)”.24 E Alfredo Bosi, sinalizando para aamplitude temática que a paisagem ocupa em nossas letras, dis-corre sobre a importância do recorte geográfico como arma deresistência às influências de fora - postura muito semelhante à daLiteratura do Interior Paulista que, por vezes, estabelece fronteirasdiante de um inimigo quase vizinho: a cidade. Diz Bosi que:

“Em mais de um momento a inteligência brasileira, reagindocontra certos processos agudos de europeização, procurounas raízes da terra e do nativo imagens para se afirmar emface do estrangeiro: então, os cronistas voltaram a ser lidos,e até glosados, tanto por um Alencar romântico e saudosistacomo por um Mário ou um Oswald de Andrade modernistas”.25

Trazendo essa consideração para o microcosmo da literaturade São Paulo, vale reiterar a mesma atitude: em muito, as mani-festações literárias do interior paulista são motivadas por um sen-timento de ilhamento e de preservação, posicionando-se frontal-mente contrárias às letras da capital, que nesse caso cumpre opapel de universo “estrangeiro”. Em síntese, carente de uma his-tória centrada em temas mais épicos, a Literatura do InteriorPaulista vai representar a natureza humana lançando mão de umageografia singular e específica, exaltando apaixonadamente apaisagem concreta como extensão do corpo espiritual. Tal ten-dência esteve presente desde os primórdios da arte literária volta-da para São Paulo e permanece fazendo eco na prosa e na poe-sia do interior com a seguinte ressalva: o caipira é um ser coladoao seu habitát e paradoxalmente veio sendo condenado a transi-tar e transcender os limites do seu possível território - sentimen-to este provocado tanto pela colonização quanto pelo movimen-to das bandeiras vivido dramaticamente pelo estigma da expan-são. No início e sempre, o mesmo estado de “comoção” dianteda descoberta e preservação da terra, “comoção” que busca con-cretizar uma cultura, uma história, uma identidade na relaçãohomem-natureza e na realidade concreta do chão.

Em síntese, esse apego e louvor à terra recortada nos seusaspectos exóticos ou pitorescos, de forma quase sempre exube-rante, aparece no primeiro aceno literário acontecido em São

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Paulo e estará presente em todo processo de formação e afirma-ção da literatura brasileira, sendo marca constante na Literaturado Interior Paulista. A razão é simples: na ausência de um passa-do histórico e de uma mitologia nacional registrada, o cenárioganha ênfase e se oferece como geografia ou espaço de umarealidade física e ao mesmo tempo humanamente interior. En-fim, a natureza reina soberana, e expressá-la em imagens subje-tivas ou num traçado de cunho mais social revela o percurso lite-rário de gerações e gerações construindo um imaginário funda-do na paisagem - paisagem esta que vem lá de longe e tem forteressonância no foco lírico ou anedótico da literatura paulistacentrada no seu território interior. Nesse sentido, é como seValdomiro Silveira, Paulo Setúbal ou Cornélio Pires - só para citaralguns - fizessem eco para a arte distante de Anchieta num diá-logo entre o tempo presente e um passado primordial:

Minha terra... Ai, com que abalo,Com que sincera emoção, Eu, dando rédea ao cavalo, Margeio este fundo valo, Caminho do meu torrão!Tudo, no ar, festa e brilho!E é com a alma a vibrar,Que eu corto as roças de milho,Por este sinuoso trilhoQue à minha terra vai dar.Ninhos... flores... que tesouro!Que alegria vegetal!À luz do sol, quente e louro, Com seus penachos cor de ouro, Como é lindo o milharal!Abelhas, asas espertas,Num revoejo zumbidor, Pousam trêfegas, incertas, Pelas corolas abertasDas parasitas em flor...Na mata, de quando em quando, Soa o trilar dos nambus.Os pintassilgos, em bando,As frondes sonorizando, Gorjeiam em plena luz!E eu sigo... Vou enlevadoNesta poesia sem fim.Bem sinto, de lado a lado, Que um trecho do meu passadoEm tudo ri para mim!26

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O interior paulista: uma literatura contada em doistempos

Cada vez mais os moradores buscavam no planalto - nos sertões - o seu destino.

[ Ernani Silva Bruno ]

Estudar a literatura tendo como ponto de partida uma di-mensão geográfica exige critérios muito objetivos, sobretudoquando esse território está centrado nas manifestações literáriasdo interior de São Paulo. Isso porque tudo o que se legitimoucomo arte no período que vai do Romantismo ao Modernismopassou pelo aval da capital, sob o crivo da crítica e da histórialiterárias, não raro com o olhar de esguelha dos próprios criado-res. Desse modo, a Literatura do Interior Paulista esteve perma-nentemente submetida a esse viés quando teve a sorte de sercitada, pois o mais comum foi o silêncio servir de registro da suacondenação.

Na verdade, os modernistas na sua grande maioria eramfrancamente contrários à literatura do interior; alguns até comtiradas de “gozação”, como é o caso de Oswald de Andrade.Tripudiavam o tom excessivamente naturalista, o romantismoexacerbado, o traço documental que limitavam o caráter criativoe experimental da arte literária. Por tais razões, o papel dos gru-pos intelectuais ou artísticos da capital, como as universidadesou as academias de letras, silenciando, parodiando ou por vezesacolhendo a criação interiorana, é bastante relevante enquantoespaço de intermediação para dar corpo, negar ou legitimar aLiteratura do Interior Paulista.

Além disso, quando se fala em marcas de uma expressãoliterária local - regionalismo, ruralismo, sertão -, não é difícil en-veredar para uma especulação provinciana e, na busca do espe-cífico, deixar escapar a dimensão universal e coletiva da literatu-ra, tendo em vista que é da sua natureza representativa revelarou sugerir dos pequenos recortes geográficos, do enfoque deexperiências de vida individualizadas, das pequenas porções derealidade, aspectos da própria condição humana, num esforçode comunicação mais coletiva e geral.

Consciente dos perigos ou ao menos da possível abordagemredutora, quando a investigação literária privilegia o regionalnuma perspectiva de autonomia do que possa ser local, AntonioCandido assevera que “Se não existe literatura paulista, gaúchaou pernambucana, há sem dúvida uma literatura brasileira mani-festando-se de modo diferente nos diferentes estados”.27 Nessecontexto, o mestre entende por literatura “fatos eminentemente

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associativos; obras e atitudes que exprimem certas relações doshomens entre si, e que, tomadas em conjunto, representam umasocialização dos seus impulsos íntimos”; 28 não havendo essacongregação espiritual e formal, não há literatura.

Na mira desse alvo, Antonio Candido estabelece cinco mo-mentos decisivos no processo de afirmação e evolução de umacomunidade literária em São Paulo. Devido a questões relativas àépoca em que se dá a fundação das cidades do interior e à suaimportância no contexto brasileiro, para este estudo interessamdois tempos: o Romantismo dos meados do século XIX e o Mo-dernismo especialmente da primeira geração.

O Romantismo centrado no nacionalismo indianista, no senti-mentalismo ultra-romântico, no exotismo ou no pitoresco da pai-sagem externa como projeção da paisagem interna sedimenta naprodução interiorana um certo sentimento de ufanismo e de reco-lhimento no sertão como território paradisíaco e regenerador. Po-de-se dizer que esse traço está presente em toda a Literatura doInterior Paulista, pois, mesmo quando o caipira é objeto da anedo-ta, a sugestão afetiva de que no fundo ele carrega os atributos dobom selvagem reforça a idéia de que a cultura rústica resulta deum modo de vida nutrido por um estado de purificação. Por isso,o tom interjectivo, a retórica auto-exclamativa, a apologia da vidacampestre se tornam referências até mesmo ostensivas nas maisdiversas composições. É tão evidente essa tendência, que um estu-do mais especulativo facilmente identifica um diálogo ou uma res-sonância entre os jovens da Faculdade de Direito do Largo SãoFrancisco, em meados do século XIX, e os escritores caipiras bempresentes com suas conversas ao pé-do-fogo.

Nessa fusão de tempos, Álvares de Azevedo dá o mote lá delonge:

As ondas são anjos que dormem no mar, Que tremem, palpitam, banhados de luz...São anjos que dormem, a rir e sonharE em leito d’escuma revolvem-se nus!

E quando de noite vem pálida a luaSeus raios incertos tremer, pratear, E a trança luzente da nuvem fluctua, As ondas são anjos que dormem no mar!29

E Cornélio Pires faz eco no mesmo tom:Por que não hei de amá-lo? Se esse rioé o amigo dos tempos de criança, que o meu primeiro pranto repetiu,levando-o, em eco, na corrente mansa!

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Foi ele, esse Tietê, quem mais me viucheio de sonhos, cheio de esperança...e muita vez comigo repartiusua calma ideal, sua bonança...

De dia, ele a passar todo escorreito, era parceiro meu de correria, Eu pela margem e ele pelo leito...

Ao luar, pela noite, ele passavae estrelado de espumas se estendia,e tal qual eu, tranqüilo, repensava.30

Esse lirismo, ensimesmado na paisagem e recolhido numageografia que faz questão de delimitar seu espaço, com o tempochega a gerar uma “sertania” ideologicamente configurada comrelativa consciência de classe. Sua arma mais expressiva é a pala-vra poética brotada do próprio chão, como pontua enfaticamen-te Cassiano Ricardo:

... como esquecer tudo isto? Estas coisas agrestes e sempontuação nem gramática de uma democracia idílica erural que conheci e que nunca mais se apagam no corpo ena alma?31

É justamente no segundo momento, no período modernis-ta, que a possível afirmação de uma literatura paulista reivindica-da pela capital em termos gerais contribui, por tabela, para seesboçar uma possível singularidade da Literatura do InteriorPaulista. Os próprios jogos de oposição entre cidade e campo,cultura rústica, artesanal, oral e expressão letrada, dinâmica emorosidade estéticas, expansão e recolhimento provocam umtipo de tensão salutar, na medida em que é das próprias diver-gências e silêncios que se cria um certo espírito de grupo e se vis-lumbra um patrimônio literário comum com expressões bastanteoriginais. Prova disso é que, no trajeto do Modernismo, MonteiroLobato publica Valdomiro Silveira, Euclides da Cunha insiste emlevar o amigo para a Academia Brasileira de Letras e AgenorSilveira, em carta para Lobato, escreve que “Valdomiro foi o cria-dor da literatura regional no Brasil”.32

Acontece que a hostilidade entre esses dois universosirmãos - cidade e campo -, sendo mais ostensiva, força a culturaurbana e a cultura caipira a se posicionarem ou se mostrarem nasua face real. Se da esfera da metrópole, mesmo silenciosamen-te, o que os modernistas esperam é uma literatura mais ousadae até mesmo experimental aflorando do interior, as vozes letra-

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das do campo parecem fazer da própria condição de expressão àmargem da cidade a sua bandeira, ecoando em alto e bom somda geografia mais funda do interior. O segundo tempo começa eé decisivo mesmo no âmbito das contradições ou oposições, istoé: a literatura já é absorvida por uma comunidade mais ampla deleitores e deixa de ser produção destinada a um gueto de inicia-dos. Pode-se dizer que o caráter humanamente coletivo da arteliterária ganha mais fôlego e esse traçado acentuadamente socialvai se casar muito bem - ao menos como proposta - com o apelopopular da Literatura do Interior Paulista.

Em suma, como esclarece Antonio Candido no estudo jácitado sobre a possível manifestação literária com marcas esta-duais, os modernistas, embora “não manifestassem a princípionenhum caráter revolucionário, no sentido político”,33 e revelas-sem um duplo movimento de atração e desconcerto, acolhimen-to e repúdio em face aos regionalismos, tiveram o mérito de con-ceber a literatura como um bem comum a todos. Nesse sentido,ainda que seja uma postura de fachada, o seu populismo e a suaaparente flexibilidade estética resultam no fundo de uma reto-mada do “nacionalismo dos românticos” agora nos seguintestermos:

“Mergulharam no folclore, na herança ameríndia, na artepopular, no caboclo, no proletário. Um veemente desrecal-que, por meio do qual as componentes cuidadosamenteabafadas, ou laboriosamente deformadas (é o caso de ‘lite-ratura sertaneja`) pela ideologia tradicional, foram trazidasà tona da consciência artística”.34

Com os pés na metrópole e os olhos no interior

Desta vez não conto mais caso urbano pra você, vamosentrar no mato virgem.

[ Mário de Andrade ]

Este breve capítulo trata de escritores por essência urbanosque esporadicamente se viram atraídos ou momentaneamenteinteressados pela realidade do interior. Essa tendência já estápresente na literatura brasileira desde o século XIX com a obrade diversos autores - entre eles Júlio Ribeiro, mineiro de Sabaráe paulista de criação, que, segundo Antônio Celso Ferreira, é res-ponsável pelas melhores páginas da época no que se refere àrepresentação poética do interior.35 No entanto, este estudo vaise ocupar apenas de escritores modernistas, levando-se em con-

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4 Página de rosto da obra O extrangeiro: chronica da vidapaulistana, de Plínio Salgado,1926.

No mesmo ano em que escreveuO extrangeiro: chronica da vidapaulistana, Plínio Salgado (1895-1975) criou, junto com Menottidel Picchia e Cassiano Ricardo, o movimento verde-amarelo, de orientação nacionalista.

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ta que as fronteiras culturais entre campo e cidade se intensifi-cam de forma mais nítida no período em questão.

O rastreio se inicia com Menotti del Picchia, que nasceu nacapital paulista em 1892, estudou em Itapira e Campinas e foiadvogado e agricultor na mesma Itapira antes de fixar residênciaem São Paulo. Com dezesseis anos escreveu um romance que, nasua opinião, não passava de “um terrível pastiche de O conde deMonte Cristo” e portanto não merecia maior atenção. De qual-quer forma, essa primeira investida na arte literária já prenuncia-va o expressivo autor de Juca mulato e um dos líderes maisatuantes que ele viria a ser na Semana de Arte Moderna.

Homem marcadamente urbano, Del Picchia ensaiou algunspassos na literatura caipira com o romance Dente de ouro deforma não muito feliz, por conta do estilo bombástico, empola-do e meio artificial. A narrativa conta a história de um delegadode polícia nomeado para trabalhar em Rio Preto e aponta os con-flitos entre a cidade e o campo com momentos de apologia àvida do interior que caem naquele lugar comum. Além disso, oautor reforça a visão caricata do caboclo, descrito, por meio deuma adjetivação exaustiva, como um indivíduo meio debilizado,palerma e incapaz de executar grandes ações.

Ainda menos significativo que Del Picchia é Plínio Salgado,nascido em São Bento de Sapucaí em 1895, com seu romance Oestrangeiro, escrito em 1926. Segundo o próprio escritor, busca-va “fixar aspectos da vida paulista do interior nos últimos dezanos”, muito embora não tenha atingido esse fim. De fato, oromance divaga e se perde numa prosa entrecortada de episó-dios dispersos e mesclada de passagens bíblicas, investidas poé-ticas e artifícios discursivos de historiador pouco original.

Contrariamente a esses dois “modernistas”, surge Mário deAndrade, nascido em São Paulo em 1893, uma das figuras maisrelevantes na representação do universo paulista em prosa e poe-sia. O seu interesse pelos mais diversos aspectos culturais do país,seja como estudioso obsessivo ou criador inestimável, compreen-de naturalmente uma curiosidade amorosa e ao mesmo temporigorosamente investigadora pelo universo do interior de SãoPaulo. Apenas para não deixar em página branca a excelênciaartística de Mário no tema em questão, é imprescindível destacara singularidade expressiva do conto “Caso em que entra bugre”,do livro Belazarte, que já começa com o tom exclamativo e envol-vente de prosa boa de se ler e de se ouvir: “Belazarte me contou”.

A história acontece em Campos Novos e se ocupa da extinçãodos bugres pelos “chefes políticos”, chamados ironicamente assimpor força de uma terminologia modernosa, mas que de fato -nessa narrativa tensa e densa, pontilhada de um humor no míni-mo corrosivo - se refere aos “senhores de escravos” ou aos caudi-

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5 Capa da obra Belazarte, deMário de Andrade, 1944.

O livro de contos Belazarte, domodernista Mário de Andrade(1893-1945), teve sua primeiraedição em 1934. Era a continuida-de do caminho de uma produçãoque tentava contar as diversas“falas” do Brasil.

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6 Capa de Portinari, desenho ananquim com bico-de-pena,para a obra Juca Mulato, deMenotti del Picchia, 1978.

Cândido Portinari realizou a capada edição de 1959, reeditada em1978, para a obra Juca Mulato doescritor paulistano Menotti delPicchia (1892-1988). A obra aindacontou com ilustrações de AnitaMalfatti, Di Cavalcanti, Tarsila doAmaral e do próprio Menotti.

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lhos locais. A linguagem e a trama narrativa motivadas por um ins-tinto de morte, com cortes poéticos revelando as atitudes aparen-tes e o mundo interior dos personagens, vêm de achados expres-sivos que conferem à prosa regionalista o estatuto de texto comdimensão universal. A verossimilhança e o envolvimento do contoresulta da presença de um narrador que testemunha os fatos eimprime aos acontecimentos uma espécie de “sherloquismo cabo-clo”. Vale registrar aqui ao menos um breve trecho em que otemor de Dasdores - mulher de um dos caudilhos que unem edesunem as forças pelo mesmo impulso de exterminar - é desven-dado de forma concisa e telegráfica, colocando no alvo da temá-tica sertaneja um outro segmento de desvalidos, a mulher:

Porém tanto cigarrão um depois do outro, inquietavam adona. Sanches estava olhando muito fixo e Dasdores conhe-cia o marido. Afinal ele se ergueu. Pigarreou e, não era pradar satisfação não, era decerto pra firmar bem a vontade:- Vou buscar Marciano.Dasdores tomou com um baque fundo no sentimento.Baque afinal esperado... Continuou o serviço. E os dias emque ela ia se emparedar na inquietação, tinha de ser!...36

Enquanto Mário de Andrade deixa sua marca na literaturado interior paulista com uma expressiva prosa poética, CassianoRicardo, completamente centrado na temática paulista, faz suaviagem literária de poeta com passagens significativas pela reali-dade do interior. Nascido em São José dos Campos em 1895,passou a infância no campo junto com os pais e, adolescente,veio para a capital, o que certamente deve ter influenciado emparte a sua obra. Esta revela um escritor com os pés na cidade eos olhos no interior que é espaço poético presente no plano damemória, como acontece neste “Café expresso”:

A minha xícara de caféé o resumo de todas as coisas que vi na fazenda e me vêmà memória apagada...Na minha memória anda um carro de bois a bater as por-teiras da estrada...Na minha memória pousou um pinhé a gritar: carapinhé!

E passam uns homensque levam às costasjacás multicorescom grãos de café.

E piscam lá dentro, no fundo do meu coração,uns olhos negros de cabocla maliciosa a olhar pra mimcom seu vestido de alecrim e pés no chão.37

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Autor de livros de poesia como Vamos caçar papagaios, Afrauta de Pan e Martim-Cererê, entre tantos outros, sua produ-ção literária faz um longo trajeto numa espécie de experiênciamitopoética que parte da realidade indígena, atravessa a epo-péia dos bandeirantes e invade a zona cafeeira para chegarmetaforicamente à capital. Na opinião de Alfredo Bosi, o poeta,com Vamos caçar papagaios, “entra de chofre no seu primeironúcleo de inspiração realmente fecundo: o Brasil tupi e o Brasilcolonial, sentidos como estados de alma primitivos e cósmicos,na linha sempre ressuscitável do paraíso perdido habitado porbons selvagens”.38

Viagem no tempo e no espaço, de Cassiano Ricardo, é umlivro de memórias conhecido como “o livro do menino”, devidoao lirismo solto e à voz poética que não apenas lembra as coisasdo campo no ritmo de total identificação - muito mais do queisso, é poesia que “vive” o ser poético em estado de comoventecelebração ao imprimir à sua cidade a simbologia despojada deartifícios que remete o leitor a um território algo universal:

Na fazenda aprendi a amar a terra com cheiro de chuva,muito cedo; e o meu gosto era ver as contas de orvalho,de manhã, presas nas teias de aranha, nas cercas e árvo-res. Era molhar os pés na relva primaveril.39

Quase no mesmo tom memorialista, muito embora o enca-deamento marcado presentifique as lembranças, aparece AfonsoSchmidt, nascido em Cubatão em 1890, cronista dos mais expres-sivos da capital e poeta de um imaginário nostálgico, autor deSão Paulo de meus amores, entre muitas outras obras. Talvez osentimento meio penumbrista diante de uma cidade que se esfa-cela tenha influenciado a predisposição poética de Schmidt parauma identificação com a atmosfera do campo. O poema “Aobalanço da rede” é exemplar no sentido de fotografar a eternaespera de um caboclo contemplativo que visualiza prostrado nasua rede uma vaga promessa de um futuro melhor:

A rede vai, a rede vem... Ao fundo, pernas em cruz e pensamento ao léu,o caboclo se afasta deste mundo,na escada de Jacó que ascende ao céu.

A rede vai, a rede vem... E chora,e canta... Cada gancho tem um ai...Pedro diz: ‘De hora em hora, Deus

Melhora`.Quietude. A rede vem, a rede vai...

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7 Página de rosto da obraVamos caçar papagaios, deCassiano Ricardo, 1926.

Segundo alguns estudiosos foicom a obra Vamos caçar papa-gaios que Cassiano Ricardo (1895-1974), natural de São Josédos Campos, aderiu à estéticamodernista.

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Sobre o peitos, a viola que ponteia; atrás da orelha, a ponta do cigarro.Ora, para embalar-se, ele se arqueia,ora estatela, como um deus de barro.

E a rede vai e a rede vem... Quem deraque lhe fosse dizer alguma fada:‘Veio morar no sítio a Primavera;há de chover farinha peneirada!`.40

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8 Capa da obra São Paulo demeus amores, de AfonsoSchmidt, 1954.

No livro de crônicas São Paulo demeus amores, Afonso Schmidt(1890-1964) apresenta referênciastípicas de parte da literaturapaulista, como a figura do ban-deirante e o rio Tietê. A obra foilançada nas comemorações do IVCentenário de São Paulo.

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No estudo de Maria Célia Rua de Almeida Paulillo, a ensaís-ta chama a atenção do leitor para a seguinte observação: “ Écurioso como a postura penumbrista de distanciamento harmo-niza-se com a indolência do jeca lobatiano, pois o poema confi-gura traços que podem ser atribuídos tanto à psicologia crepus-cular como à ideologia pessimista de Lobato em relação à vidarural “,41 o que, descontada uma certa atmosfera plácida emelancólica resultante da empatia lírica, revela a força e mesmoo estigma da concepção do caboclo na obra de Lobato.

Reforçando o melhor da prosa e da poesia do interior paulista,ainda que essa contribuição seja esporádica, entra também nessejogo literário Antônio de Alcântara Machado, autor de Brás, Bexiga eBarra Funda e Laranja da China, considerado um dos mais sensíveiscronistas do universo urbano. Com a mesma irreverência e estilo cine-matográfico com que flagrou a cidade, ele focaliza também o interior.

Nascido na capital em 1901, Alcântara Machado escreveuMana Maria, uma coletânea de crônicas ou contos entre os quaisse inclui “A dança de São Gonçalo”, que é prosa da melhor qua-lidade estética na medida em que fotografa a vida interiorananuma feliz combinação de literatura e música em ritmo de festa,alegria e procissão:

Bate pé no chão de terra socada. Pan-pan-pan-pan! Pan!Pan-pan-pan! Pan! Param. De repente. Inesperadamente.Para bater palmas. Plá-plá-plá-plá! Plá-plá! Plá! Plá-plá-plá-plá! Plá-plá. Pára.Para os violeiros cantarem, viola no queixo:É este o primeiro velsoQu’eu canto pra São Gonçalo...Senta aí no chão, Benedito!É este o primeiro velsoQu’eu canto pra São Gonçalo...E o coro começa grosso, grosso. Bola subindo. Desce,fino, fino. Mistura-se. Prolonga-se. Ôôôôh! Aaaa! Ôaaôh!Ôaiiiiiih! Um guincho.42

Essa familiaridade que recorta o mundo caipira num estilosolto, com rapidez narrativa e um agradável tom de crônica, semdúvida resulta da intensa atividade jornalística do autor, especial-mente como diretor da Empresa Editora “A Vida dos Municí-pios”, que publicava jornais em Itapetininga, Sorocaba, São Car-los, Bauru, Botucatu e Jaú.

Desnecessário dizer que a criatividade de grande parte des-ses escritores - indo da tragédia, passando pelo lirismo fácil oubem expressivo e alcançando a prosa lúdica de natureza experi-mental - no fundo é manifestação literária ampla e multifaceta-

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9 Capa da obra Mana Maria,de Antônio de AlcântaraMachado, 1936.

Antônio de Alcântara Machado(1901-1934) é um escritor cujo te-ma central da obra é, sem dúvida,a cidade de São Paulo. No entan-to, em alguns de seus escritos, sur-ge a figura do homem do interior.

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da que, pela qualidade estética ou simples registro de culturalocal, clama por mais atenção.

Nesse alvo, não se pode esquecer de Juó Bananére, pseudônimode Alexandre Ribeiro Marcondes Machado, nascido em Pindamo-nhangaba em 1892. Alcântara Machado o considera o “cronista maispopular de São Paulo”, pelo seu modo peculiaríssimo de recriar a falados imigrantes italianos mesclada de um caipirismo que zomba e es-cangalha os modismos literários, a cultura de fachada, o nacionalismoufanista de Olavo Bilac, a retórica bombástica de Rui Barbosa, a oli-garquia dos “cartolas” e dos militares, a coreografia e o discurso ridí-culos dos políticos e das figuras públicas, numa vasta galeria de pe-quenas e grandes “autoridades” do corpo social. Enfim, é da sua pe-na cortante e do seu estilo centrado na paródia que todo e qualquerpoder instituído é matéria eleita para a crítica mais ferina e mordaz.

Tendo sido um dos fundadores de “O pirralho”, autor de versossatíricos que publicou em diversos jornais do interior e outros escritoscarregados de humor ácido que o tornaram conhecido como “o terrordos políticos”, a sua obra mais criativa e irreverente é La divina incren-ca, em que ele assume uma espécie de voz emblemática escavada do“esculacho”. A singularidade de Juó Bananére está em situar estraté-gica e inteligentemente “o desvalido” à margem da cultura legitima-da, resultado de uma feliz recriação do imigrante italiano que, com ospés bem plantados na metrópole e a força da sua expressão macarrô-nica, implode as mais diversas posturas da elite incorporando fraternal-mente, no seu idioma literariamente anárquico, lances do dialeto cai-pira centrados na porção mais esperta e astuta do homem do interior.

Migna terra tê parmeras,Che ganta inzima o sabiá,As aves che stó aqui,Tambê tuttos sabi gorgeá.

A abobora celestia tambê,Chi tê lá na mia terra,Tê moltos millió di strellaChi non tê na Ingraterra

Os rios lá sô maise grandiDus rios di tuttas naçó;I os matto si perdi di vista,Nu meio da imensidó.

Na migna terra tê parmerasDove ganta a galligna dangolla;Na migna terra tê o Vapr’elli,Chi só anda di gartolla.43

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10 Capa da obra de JuóBananére, La divina increnca,1966.

Alexandre Ribeiro MarcondesMachado (1892-1933) adotou onome de Juó Bananére para apre-sentar as crônicas e poemas escri-tos numa linguagem que mistura-va o português e as línguas dosimigrantes que se instalaram nacidade de São Paulo, desde o sé-culo XIX. A primeira edição desua La divina increnca é de 1924.

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Vozes quase anônimas na literatura caipira

A gente passa nesta vida como canoa em água funda.Passa. A água bole um pouco. E depois não fica maisnada.

[ Ruth Guimarães ]

A produção literária do interior paulista é imensa, mas dedifícil acesso - e localizá-la exige trabalho de garimpagem. Depublicação esparsa em raras antologias meio antigas e revistaslocais, a literatura caipira acaba por se dispersar com o tempo eseus autores caem num anonimato quase total. Como não háum centro de referência atualizado que abrigue de dicionários44

a sites da Internet, o tema carece de estudos, oferecendo-secomo um campo praticamente virgem para investigações.

Por tais razões, esta breve abordagem se restringe a umregistro de alguns escritores que pouco ou nunca apareceram nacrítica e na história literária e são quase anônimos no panoramageral da literatura brasileira. O critério de escolha foi francamen-te “o que foi possível encontrar”, passando pelo crivo de umaleitura atenta voltada para a expressividade estética, a diversida-de de estilos, temas e gêneros ou algum tipo de singularidade detais manifestações, tendo como alvo traçar um painel.

Desnecessário dizer que a pesquisa é parcial e por certo soli-cita estudos mais amplos e específicos no sentido de preencheresses vazios. Em todo caso, é útil como um início de conversa e,“como palavra puxa palavra”, outras contribuições dessa nature-za devem acontecer. Vamos a eles então.

Carlos da Fonseca nasceu em São Carlos em 1879 e viveu nointerior paulista e em lugarejos de Mato Grosso. Publicou doislivros de contos: Vida rústica e Asas emprestadas. É escritor dosmais expressivos da vida do campo e suas narrativas são marca-das por um tom mais distanciado, como se fossem relatos obje-tivos de quem contempla sem invadir o mundo representado. Alinguagem tem um traço predominantemente formal e seu esti-lo é, sem o menor repúdio à vida caipira , invariavelmente culto,fazendo um corte acentuado entre o discurso do narrador letra-do e a fala regional do caboclo, procedimento este que nemsempre resulta num contraponto literariamente feliz.

De qualquer modo, seus contos - com uma atmosfera decrônica - percorrem um painel variado de atitudes, hábitos, aven-turas e desventuras, encontros e desencontros do homem dointerior paulista e por vezes mineiro. O que é singular na pro-sa desse autor é o fato de focalizar a vida cabocla com relativaprofundidade, quase sempre lançando mão de coisas miúdas,

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aparentemente sem importância, como fumar um cigarro de palha, o empacar de uma mula ou só tirar um “pé-de-porco” dobolso na hora de dormir. Observe-se na seqüência uma descri-ção concisa de uma despedida entre mãe e filho, atentando parao aparente tom de gestos sem maior gravidade que, no fun-do, anunciam a transitoriedade da vida e uma possível tragédiano ar:

A sua benção, mãe...Embargada a voz, enxugando os olhos nas franjas doxaile, abraçou-o ela com ternura, demoradamente, aper-tando contra a sua face murcha, flácida, engelhada.45

É dessas miudezas da vida que desponta um mundo circuns-tanciado, de ações imediatas, carente de conhecimento letradoe repleto de uma filosofia supersticiosamente campestre, o quetranspõe a realidade local e de certa forma reflete uma geogra-fia humana mais geral.

No pólo oposto a Carlos da Fonseca, aparece Leão Macha-do, prosador, historiador e folclorista nascido em Itápolis em1904 e autor, entre outras obras, do romance Espigão da sa-mambaia, premiado pela Academia Brasileira de Letras em 1937.Seus romances e contos primam por um lirismo e uma cumplici-dade com a vida cabocla que comovem o leitor por conta dafocalização de um mundo simples povoado “de homens simplese primitivos, de matos e de bichos inocentes”,46 sem com issoenveredar para a caricatura ligeirosa - débil ou ufanista - quecom certa freqüência caracteriza a literatura interiorana.

Mais criativo do que esses dois escritores é Léo Vaz, que nas-ceu em Capivari em 1890, estudou em Piracicaba e Jaú e exer-ceu o magistério em cidades do interior paulista. Com um tomgrave e imperativo que lembra Machado de Assis interpelando os leitores, escreveu, entre outras obras, os romances O profes-sor Jeremias e O burrico Lúcio, tendo lugar de destaque os con-tos que compõem a coletânea Ritinha.. Obra na qual a originali-dade de Léo Vaz vem de uma certa simbologia caipira que nãose esgota nem se restringe ao retrato de uma realidade local;pelo contrário, recria a realidade do interior por meio de constru-ções e de imagens que declaradamente recuperam o estilo dashistórias de As mil e uma noites. É o caso de “O filho pródigo”,conto que narra a vivência contrastiva de dois irmãos, Izar eBalaad, acontecendo numa Babilônia com ares, paisagens, atitu-des e costumes do interior paulista. Observe-se apenas umabreve passagem que mostra essa expressiva alquimia de prosacaipira com o ritmo fabuloso dos contos orientais em chave deleve paródia:

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11 Capa de O professorJeremias, de Léo Vaz, 1920.

O professor Jeremias foi o livro de estréia de Léo Vaz, publicadoem 1920. Foi por essa obra quealguns chegaram a compará-lo aMachado de Assis.

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Enfim, um santo rapaz, o Izar.Já Balaad, o mais moço, era outra fazenda. Dez anos maisnovo do que o irmão, desde a infância que só trazia ao velho atribulações e cabelos brancos. Criançola ainda, já descaminhava cachopas, com graves desembolsos do velho,que só assim lograva a aquietação de rendeiros suspicazes e pais de filhas.Mas ainda isso era o de menos.47

Nesse movimento de letras que fundam e aprofundam umarealidade campestre plurissignificativa porque vai aos poucos cru-zando e assimilando várias etnias e culturas, a ponto de “o italiano

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12 Capa de Espigão da Samambaia, de Leão Machado,1942.

Leão Machado (1904-1976) desen-volveu toda a sua carreira no inte-rior paulista, em especial, na suacidade natal, atuando como escri-tor e colaborador na imprensa.

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virar rezador no sertão e o japonês entrar na dança de roda dasaldeias caipiras” e, por sua vez, o caboclo não ser “mais apenas oJeca Tatu da caricatura de Monteiro Lobato” - como assinala muitobem Ernani Silva Bruno -,48 outras figuras vão ganhando chão nouniverso da prosa e da poesia do interior paulista, embora esse“chão” esteja condenado ao silêncio ou a umas pequenas notas dacrítica e da história literária, resguardadas raríssimas exceções.

Pois é nesse universo silencioso que Ribeiro Couto, nascidoem Santos em 1898, capta muito bem as atitudes, as memórias,“a ciência de viver” e sobretudo a linguagem terna e lúdica deum preto velho de 100 anos que revela a vivência desumana deantigas senzalas esquecidas com o tempo, perdidas num territó-rio do interior que vale por muitos interiores, tudo narrado numconto simples desde o título: “Negro velho”. E Amando Caiubi,49

nascido em Espírito Santo do Pinhal em 1886, vai tirar da atmos-fera pitoresca reforçada pelas crenças caipiras um sentido oracu-lar e mesmo trágico da vivência interiorana nos contos que com-põem os livros Sapezais e Tigüeras e Coração de moça. E tam-bém Antônio Olavo Pereira, nascido em Batatais em 1913, comaquela mesma irritação afetuosa do Drummond de “Cidadezinhaqualquer”, fotografa a atmosfera sonolenta e um certo morma-ço existencial do interior paulista no romance Marcoré.

Além desses, muitos outros e provavelmente mais outros. E,nesse rol de escritores meio anônimos, talvez a expressão poeti-camente mais significativa seja a literatura de uma mulher negraque soube unir de forma única a sua vivência difícil e até mesmodramática no interior paulista com a experiência da criação.Poeta desde os 10 anos, seu nome é Ruth Guimarães, nascidaem Cachoeira Paulista em 1920 e autora de diversos livros de

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13 e 14 Página de rosto deMarcoré, de Antônio OlavoPereira, 1957 e capa de Cabocla,de Ribeiro Couto, 1931.

Antônio Olavo Pereira iniciou suacarreira literária na década de1930, colaborando em revistascariocas. Em Marcoré, apresentouas suas impressões sobre o inte-rior paulista. Já o escritor RibeiroCouto (1898-1963), que viveu emvários lugares do Brasil e domundo, teve como matéria-primade suas obras o modo de vida dagente do interior.

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prosa e poesia. Com ativa participação em jornais e revistas, elaestreou no mundo das letras em 1946 com o romance ÁguaFunda, que hoje é reconhecido por uma pequena parcela de crí-ticos como obra revolucionária, sendo igualado do ponto devista criativo a Sagarana de Guimarães Rosa.

Tal relevância estética se deve, em grande parte, ao empre-go expressivo em sua prosa da técnica fragmentária da narrativamodernista que ganha dinâmica aos “bocados” de histórias, co-mo se um episódio acontecesse e já cedesse lugar a outro, numaavalanche de fatos que dá um colorido especial e um ritmo sem-pre empolgante à Literatura do Interior Paulista. Por isso tudo,ela ficou conhecida como “a bruxa do Vale”, espécie de papisadas cartas do tarô que fica na porta do templo ouvindo e reco-lhendo as histórias dos outros para então transformá-las empalavra amorosamente trabalhada, palavra vinda do mais fundosertão da alma humana, palavra feita para encantar.

Embora Ruth tenha sido elogiada por críticos e escritorescomo Olga de Sá, Érico Veríssimo e Nelson Werneck Sodré, alémde se corresponder com Mário de Andrade - que de imediatoreconheceu a sua singular prosa-poética regional -, essa escrito-ra, que por muito tempo foi professora no Vale do Paraíba, épraticamente desconhecida até mesmo por especialistas e estu-diosos da ficção literária brasileira.

Mas lá do fundo do sertão e da camada mais sugestiva dasletras, sua voz carregada de lirismo e de gravidade poética persiste:

E irei contigo e contra tipela existência inteirae, quem sabe? além dela.

Por tua própria lei,nada no mundo impedirá que eu cruzetua larga fronteira.50

Valdomiro, Cornélio, Setúbal e Lobato: lirismo, críticae cumplicidade na representação do homem e dascoisas do interior

Homem, fui um bicho do mato. E de tanto lidar com paus,fiquei na suposição de que as árvores têm alma, como a gente.

[ Monteiro Lobato ]

Embora a Literatura do Interior Paulista peque pelo lirismoexcessivo e, por vezes, por um naturalismo pitoresco e rasteiro que,devido aos clichês paisagísticos e ao mimetismo na representação do

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15 Capa de Água funda, deRuth Guimarães, 1946.

Ruth Guimarães, além do traba-lho como escritora, desenvolveupesquisas sobre folclore no estadode São Paulo.

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caboclo, resvala pelo banal, em muitos prosadores e poetas a maté-ria “campestre” é assumida nos seus recortes físico, social, existen-cial e mesmo metafísico, revelando-se como expressão poética damelhor qualidade, quase sempre com predomínio da linguagem oral.

De modo geral, os raros estudos de crítica e história literáriado interior paulista têm legitimado Valdomiro Silveira, MonteiroLobato, Cornélio Pires e Paulo Setúbal como os nomes maisrepresentativos das letras desse universo. Esse fato até o mo-mento não deixa de ter suas razões, bastando percorrer a singu-laridade de cada um desses escritores. Todavia, a apresentaçãode novas figuras é matéria para ampliar o painel no sentido deconfrontar os eleitos com outros poetas e prosadores expressivos- na sua maior parte desconhecidos -, para reforçar ou não essejulgamento numa reflexão dialética que é o verdadeiro papel daciência literária. Tal empreitada deverá acontecer com a paciên-cia do tempo e a perseverança da indagação. Por ora, perceba-se a identidade artística de cada uma dessas vozes atentandopara os traços comuns e os aspectos divergentes entre eles, demodo a situar uma possível estética literária do interior.

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16 Ilustração de Belmontepara a capa da obra O poço do Visconde, geologia para as crianças, de Monteiro Lobato,1937.

Em suas obras de ficção, inclusivepara o público infantil, MonteiroLobato (1882-1948) expunha suasidéias políticas, como o fez em Opoço do Visconde, defendendo asriquezas nacionais.

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Valdomiro Silveira, nascido em Cachoeira Paulista em 1873,com sua prosa poética que pensa singularmente o homem e a terrado interior, é considerado um dos pioneiros da ficção regionalista noBrasil. Sua obra, percorrendo a vida local num trajeto literário quevai da tragédia à comédia, canaliza no caipira um fluxo de emoçõese atitudes do homem que trabalha colado à terra e, por essa espe-cial fusão entre personagem e geografia, assume a categoria simbó-lica de uma extensa população capaz de exprimir o Brasil. Fidelidadena configuração do meio e na representação “do homem e das coi-sas do interior” é o alvo do seu projeto literário. Tal postura asseme-lha-se à de Lobato, Cornélio e Setúbal, cada qual trilhando cami-nhos que divergem e no fundo se encontram nas linhas gerais, namedida em que o nacionalismo dos quatro desemboca no mesmoterritório virgem a ser inaugurado, consagrado e paternalmenterepudiado também: o homem e as coisas do interior.

Em Valdomiro Silveira, caipira de nascimento, de coração e devivência efetiva, predomina uma prosa com gosto pela oralidadeque não apenas descreve mas vive literalmente a realidade do inte-rior quase despida de artifícios literários ou explicações. Em seu Nasserras e nas furnas e em Leréias - narrativas escritas em dialeto cai-pira -, é como se a palavra fosse a própria coisa representada, qua-se não se percebendo qualquer distância entre os fatos narrados ea voz do narrador. Desse modo, há na sua obra o que se pode cha-mar de comunhão entre aquele que escreve e o mundo que se ofe-rece como foco de atenção. No conto “Camunhengue”, de Os ca-boclos, um sitiante contrai a lepra e é obrigado a se exilar da famí-lia afundando pelo sertão adentro, como um condenado predesti-nado a carregar o mal para longe. Em toda a travessia que vai dachegada da doença até o exílio, o personagem terá total cumplici-dade do narrador e será acompanhado pela comoção do autor, aponto de as duas falas se fundirem numa única voz:

- Adeus, antão, meu povo dalgum tempo!Voltou a ventania, primeiro quase mansa, depois furiosa euivante. E enquanto ele se sumia na reviravolta do cami-nho, a chuva engrossava, pouco a pouco, até se fazeroutra vez um poder de tempestade.51

Por essa diretriz acontece toda a obra de Valdomiro, com apresença do patético, cenas de paixões e despedidas pinceladaspelo trágico, quadros de forte erotismo, preocupação obsessiva porexpressar em situações elementares e até banais o registro precisodos costumes, dramas e inquietações do homem do interior.

Cornélio Pires, nascido em Tietê, em 1884, talvez pelas tira-das anedóticas do caipira, ainda que em tom de companheiris-mo, é ligeiramente mais distanciado da matéria narrada. Sua

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17 e 18 Página de rosto deLeréias: histórias contadas porelles mesmos, 1945, e capa deNas serras e nas furnas, s/d.,ambas as obras de ValdomiroSilveira.

Valdomiro Silveira (1873-1941) ini-ciou sua carreira de escritor aindamuito jovem. Mais tarde, residin-do na cidade de Casa Branca, teveum intenso contato com Euclidesda Cunha, quando este estava es-crevendo Os sertões.

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prosa é em grande parte lúdica, provavelmente pelo excepcionalcomunicador que ele foi como conferencista e até showman, acomeçar pelos títulos: Quem conta um conto, Conversas ao pédo fogo, As estrambóticas aventuras de Joaquim Bentinho, oqueima-campo, entre outras obras. Esse tom crítico e algo espe-culativo funciona prioritariamente para revelar o caráter de des-valido do caipira, não enveredando para a caricatura mordazque, em grande parte, marcou a postura literária de Lobato. Nofundo, Cornélio Pires é aquele que escuta as histórias, testemu-nha os fatos e assume no corpo da narrativa o corpo do homemdo interior. Porém não é raro tomar gosto pelo melodramático,como é o caso do conto “Atira, Juca” de Quem conta um conto,em que o pai amoroso, por força do acaso, dá um tiro no filho eenlouquece.52

Por tais contrapontos, a relação entre Cornélio e Lobato éno mínimo ambígua. Na opinião de Sylvia Helena Telarolli deAlmeida Leite, em seu estudo pontual sobre a caricatura na lite-ratura, o Jeca Tatu, segundo testemunho de seu criador, é emparte uma provocação a Cornélio e a seus apreciadores, sendomotivo de crítica à idealização e ao pitoresco que marcam “ocaboclismo do escritor”.53 O autor de Urupês chega a fazer críti-cas cortantes às apresentações que Cornélio encenava em climade humor rasgado, cobradas do público. A tais críticas, “o cabo-clista” responde em tom de seriedade ideológica:

“Os caipiras não são vadios: ótimos trabalhadores, têm cri-ses de desânimo quando não trabalham em suas terras esão forçados a trabalhar como camaradas, a jornal. Nessecaso o caipira é, quase sempre, vítima (...). Ânimo não lhefalta, quando trabalha em suas próprias terras...”.54

Sem criar conflitos, como se o simples ato de escrever sobreo interior paulista bastasse para lavrar a terra e fertilizar a “almacabocla”, Paulo Setúbal, nascido em Tatuí em 1893, é especial-mente poeta de um lirismo quase espontâneo. Assumindo ocampo como lugar paradisíaco e restaurador, aproxima-se comseus versos, de rara melodia, das narrações prosaicamente líricasde Valdomiro Silveira. Pode-se afirmar que um nasceu talhadopara a poesia e o outro fez da sua prosa um painel de pequenase grandes epopéias inspiradas nos “causos” mais simples e hu-manamente poéticos do interior.

Não revelando em suas obras maior proximidade com osmodernistas, Setúbal, em sua breve existência de 44 anos, foi umdos escritores mais populares de toda a literatura brasileira.Empregando formas da poética tradicional, se fez conhecido econsagrado pelo mérito de harmonizar o que se pode chamar de

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19 e 20 Capa de Quem contaum conto…: contos regionaes,1922, e página de rosto de Asestrambóticas aventuras doJoaquim Bentinho, o queimacampo, ambas as obras deCornélio Pires, 1927.

Cornélio Pires (1884-1958) viveuem várias cidades do interiorpaulista, onde procurou captar afala do caipira, fonte principal desua obra.

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inspiração naturalmente caipira com uma gramática correta esem sofisticação. Seus temas, não por acaso resumidos no títulode seu livro de estréia, Alma cabocla, e focalizados em romanceshistóricos, contos, peças de teatro, memórias e poemas, dãoconta desde a presença sorrateira e alegórica da morte até aação das bandeiras e das entradas no garimpo dos metais e daspedras preciosas.

Há uma quadra sua que, satisfeita de uma espécie de melan-colia feliz, sintetiza a poesia fluida, derramada, saudosa do pró-prio momento presente como se o imaginário caboclo fosse tãofértil que se torna memória lírica das coisas que o poeta aindanão viveu:

- A um gesto teu, sem que eu pressentisse,Nasceu-me esta canção de sonhador,Como um botão que por acaso abrisseNuma roseira que não dá mais flor...55

A trindade Jeca de Monteiro LobatoPor sua vez, a visão interiorana de Monteiro Lobato, nasci-

do em Taubaté em 1882, por vezes é resumida em seu famosacriação, o Jeca Tatu. No entanto, existem ao menos três JecasTatus56 e as três faces desse mesmo personagem vão revelar acomplexidade cultural, artística e ideológica do escritor.

O primeiro Jeca, configuração do anti-herói “parasita, umpiolho da terra (...), seminômade, inadaptável à civilização (...)”,57

com a chegada do progresso, vai se afundando sertão adentrosilenciosamente, “com seu cachorro, o seu pilão, a pica-pau e oinqueiro, de modo a conservar-se fronteiriço, mudo e sorna”.58

Esse retrato inicial do caipira, resguardada a postura intelectual-mente polêmica de Lobato, resulta em muito da insatisfação defazendeiro frustrado e falido que o mesmo Lobato também foi.

O segundo Jeca, que, com significativa porção de afetivida-de, atende pelo nome de Jeca Tatuzinho, é a representação daanemia, da desnutrição, da penúria a que está inexoravelmenteescravizado e condenado por viver num universo onde impera ainjustiça social. Antes de ser estigmatizado por uma preguiça ge-nética, o segundo Jeca é vítima do mundo em que vive e se tor-nou muito conhecido do grande público por ter a sua históriaveiculada nos folhetos distribuídos na divulgação e na venda doBiotônico Fontoura. Portanto, toma corpo aí um caipira recupe-rável, pois a indolência se desloca do fluxo sangüíneo para sealojar na dinâmica dos fatos sociais.

O terceiro Jeca deixa de ser Tatuzinho, não se beneficia maisdaquele paternalismo ou mesmo assistencialismo centrado no ho-mem do campo e agora é o Zé Brasil, uma espécie de arquétipo

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do ser brasileiro marcado pela alienação. Nos três Jecas, respeita-das as aparências e perfis diferentes, o que impera é o Jeca Tatude sempre, um sujeito torto e exilado do seu corpo social. Em sín-tese, sem raiz:

Coitado deste Jeca - dizia Zé Brasil olhando para aquelas figuras. - Tal qual eu. Tudo o que ele tinha eu tambémtenho. A mesma opilação, a mesma maleita, a mesmamiséria e até o mesmo cachorrinho.59

Como se pode ver, são três Jecas e um único Tatu: no senti-do biológico de prole que se reproduz do mesmo embrião, damesma espécie, do mesmo gênero e do mesmo parto, comoexplica o dicionário, ou simbolicamente a miséria do homem docampo e suas variáveis focalizadas pelo homem da cidade, por-tanto, um corpo talvez destituído de voz.

Marisa Lajolo, em seu estudo “Jeca Tatu em três tempos”, faznum primeiro momento o percurso de Lobato, afirmando que “oautor de Urupês parece ter corrigido progressivamente os desviosde uma má consciência. Se suas primeiras baterias se assestamcom intolerância patronal frente ao camponês, se esta intolerânciaé substituída pela solução paternalista para um problema de saúdepública, o texto final - o do Zé Brasil - aponta para uma análise dainfra-estrutura, isto é, das condições de produção e das relaçõessociais por ela instauradas no Brasil de Lobato”.60 E em seguida,apoiada em Antonio Candido, a ensaísta põe o leitor para pensar:

“Quando Antonio Candido na Formação da LiteraturaBrasileira aponta que o regionalismo pós-romântico (noqual se inclui Lobato) está a serviço ‘do deleite do homemda cidade’, o mestre põe o dedo na ferida”.61

E por fim arremata:

“Independentemente do que tematize, pelo código de que se vale, a produção literária (ao menos a brasileira) foi sem-pre monopólio dos que detêm os instrumentos do trabalholiterário, do pólo do autor ao do leitor”.62

Por esse caminho bem sinalizado, talvez não seja exageradodizer que o confinamento da Literatura do Interior Paulista quevai do lirismo à anedota em muito se deve ao olhar da crítica, daprópria criação letrada e ao que esse olhar decida dizer ou resol-va, como é o caso, silenciar. Isso porque é sempre a voz do outroreproduzindo a fala que não é dele e, em literatura ou crítica lite-rária, tudo depende muito de como se põem as palavras no seudevido lugar. Enquanto essa questão não se resolve, melhor

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21 Capa de Idéias de Géca

Tatú, de Monteiro Lobato, 1919.

O “primeiro” Jeca Tatu, de Mon-teiro Lobato, aparece na obra de1919. Já o “segundo”, é o famosopersonagem do almanaque do for-tificante Biotônico Fontoura, queo popularizaria definitivamente.

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mesmo é ler Valdomiro, Cornélio, Setúbal e Lobato para buscarsaber, com a sensibilidade de leitor interessado, em que medidaeles estão dentro ou fora do interior.

A estética caipira: uma literatura “que paga e nãopaga a pena”

É a viração do mundo: o que onte’ era doce devera, amar-ga hoje; o que fora bom, fica ruim: e tudo volta ao que jáfoi... às vezes...

[ Valdomiro Silveira ]

Como a Literatura do Interior Paulista acontece de mododescontínuo e disperso, esse duplo movimento se auto-alimentae cria uma estética multifacetada, multiforme e plurissignificativaque compreende uma variedade de posturas artísticas, dandoconta desde o lirismo exacerbado que ressuscita no caipira “omito do bom selvagem” até o recorte caricato e anedótico queconfigura o caboclo. Regra geral, a visão é de um ser indolente ecolado voluntária e involuntariamente à terra que não pertence aele, um ser incapaz de construir a sua história enquanto for enxo-tado do seu próprio hábitat, porque, exilado em sua própria geo-grafia, está condenado a existir como um corpo sem voz. Trata-seportanto de uma estética que “paga e não paga a pena” comotantas outras, na medida em que, por ser palavra sobretudo cen-trada na urgência de criar um código como auto-referência, mes-cla história de fato com ficção, pitoresco e situações ingenuamen-te transitórias com sentimentos de natureza universal, discursoletrado com expressão popular, o que nem sempre resulta em lite-ratura de considerável valor, quando muito numa prosa híbrida.

As várias formas de literatura do interior paulista - românti-ca, naturalista, acadêmica e até mesmo modernista - que adqui-rem corpo em nossas letras desde meados do século XIX63 são oresultado de uma fusão ou do contato de “uma cultura citadinae letrada com a matéria bruta do Brasil rural, provinciano e arcai-co”.64 Literariamente, o escritor não tem condições de registrar ofolclore puro, pois ele está na esfera da invenção ou da recriaçãoda realidade, sendo compreensível esse impasse no encontro dohomem letrado com a comunidade caipira onde o mundo natu-ral e o mundo cultural caminham praticamente juntos. Encurrala-do entre o registro culto e a força do dialeto popular, quase sem-pre resta a ele captar as aventuras e desventuras do sertão per-correndo uma viagem - na feliz expressão de Bosi - “à roda docampo”.65

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Mas é da procura que emergem os acidentes de todo e qual-quer processo literário que - para usar uma outra feliz expressão,agora da poética de Drummond - é um “lutar com palavras”,portanto é busca, risco, desafio, o que no “sertanismo” seria darunidade de interpretação, resguardando as linhas de força deuma realidade literária esteticamente plural.

O grande problema da literatura interiorana paulista, porrazões aqui já discutidas, é ainda não ter se firmado como artecoletiva, no sentido de somar suas diversas vozes e faces numaexpressão de grupo com ideário, estilos e ritmos capazes de lo-grar representar o modo de ser caipira nas suas solicitações maisimediatas e circunstanciais, no seu momento histórico e na suageografia local, sem abrir mão, como sempre aspira a literaturade proposta, dos apelos mais universais. Mas há que investiresforços nesse sentido, pois está na raiz da literatura caipira, emâmbito microscópico, uma oscilação semelhante à dialética entrenacional e cosmopolita que marca toda a literatura brasileira.Aqui, nas letras do interior paulista, trata-se de uma permanentetensão entre o suposto mundo de fora, a cidade, e o tocávelmundo de dentro, a geografia do interior. Hoje isso pode serentendido como simplismo literário, porém não se pode negar osentimento de preservação que abriu caminhos para “o altoregionalismo de Graciliano Ramos e a experiência estética univer-sal do regionalista Guimarães Rosa”, expressões revolucionáriasque vêm nutridas “do trabalho paciente e amoroso de um Valdo-miro” e outros pioneiros centrados “na verdade humana da pro-víncia”, como defende Alfredo Bosi em breves considerações.66

Assim, por seu caráter multifacetado e por não ter merecidoda crítica estudos que preencham os seus vazios, a literaturaaparece na caligrafia do interior paulista como um movimento deresistência aos discursos dominantes e, nesse alvo, procura res-guardar o modus vivendi do campo, preservando - na poéticadesses criadores - os seus usos e costumes dos supostos “malesdisseminados pela capital”.

Vale a pena ler Alves Motta Sobrinho, nascido em Guara-tinguetá em 1925 e autor dos contos que compõem os livrosBola preta e Província, para se ter uma idéia dessa postura poé-tica em que o escritor, como um guardião do seu espaço, mesclaum humor ácido com atitudes de recolhimento, protegendo oseu hábitat, especialmente o universo dos desvalidos, carregadode verdadeiras tragédias sociais.

Literariamente o seu forte está no retrato direto das mazelasou dos aleijões sociais e na caligrafia da acusação. Só por curiosi-dade, é útil assinalar que seu livro Bola preta quase chegou a serliteralmente queimado em praça pública, causando a maior celeu-ma na cidade porque figuras bem conhecidas se viram projetadas

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22 e 23 Capa de Bola preta:contos, 1949, e capa deProvíncia: contos, 1950, ambasas obras de Joaquim AlvesMotta Sobrinho.

Além de suas obras literárias,Antônio Joaquim Alves MottaSobrinho incursionou pelo campoda história, escrevendo um livrosobre as fazendas do Vale do Pa-raíba: A civilização do café.

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na ironia ácida do autor. Nesse esquema de guardar e atacar oseu chão, muitas outras vozes literárias fazem eco no mesmotom, embora nunca alcancem formar um coro local.

Este tipo de resistência também acolhe a obra de PauloSetúbal, mas com ele a demarcação das fronteiras entre campo ecidade resulta de um lirismo expressivamente auto-suficiente, umlirismo tão centrado no “extraordinário” inspirado na simplicida-de tocante do seu pequeno paraíso poético, que não há espaço,nem tempo, nem olhos para acusar o que transpõe o seu lugar.

No que se refere à prosa bem rasgada, um volume razoável dascriações narrativas focaliza, por meio de um naturalismo bem trans-parente, uma certa “pureza agreste”, até mesmo poeticamente rús-tica, que cumpre o papel de cartão de apresentação de homens emulheres colados à paisagem, o que por vezes nivela uma popula-ção de indivíduos sem história, apenas corpos que se confundemcom uma vaga atmosfera e o recorte da natureza locais. Essa faceda literatura caipira parece não ter tensão de significados, não apro-funda os dramas humanos e quase não atende à solicitação da lite-ratura que lança mão do imaginário para dar corpo e voz à históriareal. Nesse alvo, não é demais reiterar que falta à literatura caboclauma consciência de uniformidade nutrida pela própria diversidadee, sem ela, é praticamente impossível construir uma literatura comosistema nos termos propostos por Antonio Candido, conforme foitratado na apresentação deste estudo.

Tal procedimento se faz urgente e necessário pois, num rolde registros literários tão variado, há vozes de uma expressivida-de artística tão singular que é como se a palavra revelasse a forçahumana de “um modo de ser” caipira. E, nesse universo que sedesvenda sem nunca abrir mão totalmente do mistério, o leitorvai encontrar a força da recriação do dialeto regional em Valdo-miro Silveira, Léo Vaz, Antônio de Alcântara Machado e tantosoutros; a expressão fluida, direta, carregada do melhor lirismo eao mesmo tempo de imagens cortantes na linguagem não me-nos que “mágica” de Ruth Guimarães; as crendices caipiras numtom oracular que beira o trágico em sentido universal emAmando Caiubi, e muito mais.

Desse modo, este breve trabalho centrado em território aindavirgem e fértil de “ouro verde” - para usar uma última expressão caraa uma possível estética paulista do interior - põe um ponto final pro-visório aqui com as mesmas palavras já utilizadas no presente estu-do: enquanto a Literatura do Interior Paulista vai tomando corpo comcriações humanamente expressivas e aguarda investigações que atri-buam a ela o seu estatuto de arte literária, a melhor contribuição detodos os interessados é ler os escritores conhecidos e desconhecidospara buscar saber, com aquela sensibilidade de leitor apaixonado, emque medida eles estão dentro ou fora do interior.

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Notas

1 SAINT-HILAIRE, Auguste de.Viagem à província de SãoPaulo. Belo Horizonte: Itatiaia;São Paulo: Edusp, 1976, p. 85.

2 CASCUDO, Luís da Câmara.Dicionário do folclore brasilei-ro. São Paulo: Melhoramentos,1980, p. 198.

3 HOLANDA, Aurélio B. Novodicionário da língua portugue-sa. 1ª ed. Rio de Janeiro: NovaFronteira, s/d, p. 251.

4 CANDIDO, Antonio. Os parcei-ros do Rio Bonito. 8ª ed. SãoPaulo: Livraria Duas Cidades,l998, p. l7.

5 CANDIDO, Antonio, “Caipira-das”. In: CANDIDO, Antonio.Recortes. São Paulo: Compa-nhia das Letras, 1993, p. 248.

6 BRANDÃO, Carlos Rodrigues.Os caipiras de São Paulo. SãoPaulo: Brasiliense, 1983, p. l2.

7 FREDERICO, Enid Yatsuda. Cai-pira à sombra do café: um es-tudo sobre o regionalismopaulista. Tese de doutoradoapresentada à cadeira de Lite-ratura Brasileira da Universida-de de São Paulo, 1991, p. 42

8 BRANDÃO, Carlos Rodrigues.Op. cit.,p. 49.

9 BOSI, Alfredo, “O Modernismo:um clima estético e psicológi-co”. In: História concisa da lite-ratura brasileira. 40ª ed. SãoPaulo: Cultrix, 1994, p. 333.

10 FERREIRA, Antônio Celso. Aepopéia bandeirante: letra-dos, instituições, invenção his-tórica (1870-1940). São Paulo:Unesp, 2002, p. 26.

11 CANDIDO, Antonio. Formaçãoda literatura brasileira - momen-tos decisivos. Vol. l. São Paulo:Livraria Martins, 1964, p. 25.

12 Idem, p. 26.13 FERREIRA, Antônio Celso. Op.

cit., p. 70.

14 Idem, p. 7115 SEVCENKO, Nicolau. “Um je-

quitibá no palco”. In: Orfeuextático na metrópole: SãoPaulo, sociedade e cultura nosfrementes anos 20. São Paulo:Companhia das Letras, 1992,p. 247.

16 CASTELLO, José Aderaldo.“Coordenadas da narrativa fic-cional - do romantismo aomodernismo”. In: A literaturabrasileira: origens e unidade.Vol. II. São Paulo: Edusp, 1999,p. 361.

17 SODRÉ, Nelson Werneck. His-tória da literatura brasileira. 5ªed. Rio de Janeiro: CivilizaçãoBrasileira, 1969, pp. 323-4.

18 PRADO, Décio de Almeida. “Oteatro em São Paulo”. In: FREI-TAS, J. V. Marcondes e PIMEN-TEL, Osmar (orgs.). São Paulo:espírito, povo e instituições.São Paulo: Pioneira, 1968, p.432.

19 Idem, p. 433.20 CANDIDO, Antonio e CASTEL-

LO, José Aderaldo. Presençada literatura brasileira I: dasorigens ao Romantismo. 4ª ed.São Paulo: Difel, l971, p. 23.

21 GUSMÃO, Alexandre de. “Auma pastora tão formosacomo ingrata”. In: HOLANDA,Sérgio Buarque de (org.).Antologia dos poetas brasilei-ros na fase colonial. São Paulo:Perspectiva, 1979, p. 124.

22 ANDRADA E SILVA, José Boni-fácio de. “Ode aos baianos”.In: HOLANDA, Sérgio Buarquede (org.). Antologia dos poe-tas brasileiros na fase colonial.São Paulo: Perspectiva, 1979,p. 440.

23 AZEVEDO, Álvares de. “Lem-brança de morrer” e “O poetamoribundo”, In: CANDIDO,

Antonio. Formação da literatu-ra brasileira - momentos deci-sivos, cit., pp. 181-2.

24 CANDIDO, Antonio e CASTEL-LO, José Aderaldo. Presençada literatura brasileira I: dasorigens ao Romantismo. 4ª ed.São Paulo: Difel, l971, p. 13.

25 BOSI, Alfredo. Op. cit., p. l3.26 SETÚBAL, Paulo. Alma cabo-

cla. 9ª ed. São Paulo: Com-panhia Editora Nacional, 1983,pp. 15-17.

27 CANDIDO, Antonio. “A litera-tura na evolução de uma co-munidade. In: Literatura e so-ciedade: estudos de teoria ehistória literária. 6ª ed. SãoPaulo: Companhia Editora Na-cional, 1980, p. l39.

28 Ibidem.29 AZEVEDO, Álvares de. “Anjos

do mar”, In: RONCARI, Luiz,Literatura brasileira: dos pri-meiros cronistas aos últimosromânticos. 2ª ed. São Paulo:Edusp, 2002, p. 396.

30 PIRES, Cornélio. Conversas aopé-do-fogo. Itu, SP: Ottoni,2002, pp. 12-13.

31 RICARDO, Cassiano. “O meni-no que fui”. In: SÁ, Olga de.Arte e cultura no Vale do Paraí-ba. Lorena, SP: Centro CulturalTeresa D’Ávila, 1998, p. 68.

32 GONÇALVES, Júnia Silveira.“Notas biográficas sobre Valdo-miro Silveira”. In: SILVEIRA, Val-domiro. O mundo caboclo deValdomiro Silveira: estudos deBernardo Élis e Ruth Guima-rães. Rio de Janeiro: José Olym-pio, 1974, p. X.

33 CANDIDO, Antonio. Literaturae sociedade: estudos de teoriae história literária. Cit., p. l64.

34 Ibidem.35 FERREIRA, Antônio Celso. Op.

cit., p. 186.

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36 BRUNO, Ernani Silva (org.).História e paisagens do Brasil:O planalto e os cafezais. SãoPaulo: Cultrix, 1959, p. 247.

37 CANDIDO, Antonio e CAS-TELLO, José Aderaldo. Presen-ça da literatura brasileira: Mo-dernismo. São Paulo: Difel,1983, p. 125.

38 BOSI, Alfredo. Op. cit., p. 366.39 RICARDO, Cassiano. Viagem

no tempo e no espaço. Rio deJaneiro: José Olympio, 1970,p. 304.

40 SCHMIDT, Afonso. “Ao balançoda rede”. In: PAULILLO, MariaCélia Rua de Almeida. Tradi-ção e modernidade: AfonsoSchmidt e a literatura paulis-ta (1906-1928). São Paulo:Annablume/FAPESP/UNIFIEO,2002, pp. 127-8.

41 Idem, p. 128.42 BRUNO, Ernani Silva. Op. cit.,

pp. 257-843 BANANÉRE, Juó. La divina in-

crenca. São Paulo: Editora 34,2001, p. 8

44 Em 1954, por ocasião dacomemoração do IV Centená-rio da Cidade de São Paulo, acomissão do evento publicou oDicionário de autores paulis-tas, material da maior relevân-cia, organizado por Luís Cor-reia de Mello.

45 FONSECA, Carlos da. “Que-rença”. In: PACHECO, João(org.). Antologia do contopaulista. São Paulo: ConselhoEstadual de Cultura - Comis-são de Literatura, 1959, p. 53

46 MACHADO, Leão. “Espigão dasamambaia”. In: BRUNO, Erna-ni Silva (org.). Histórias e pai-sagens do Brasil: o planalto eos cafezais. São Paulo: Cultrix,l959, p. 265.

47 VAZ, Léo. “O filho pródigo”,

In: PACHECO, João (org.). Op.cit., p. 97.

48 BRUNO, Ernani Silva. “Aponta-mentos sobre a região”. In:BRUNO, Ernani Silva. Op. cit.,p. 36.

49 MELO, Luís Correia de. Dicio-nário de autores paulistas. SãoPaulo: Comissão do IV Cente-nário da Cidade de São Pau-lo, 1954, p. 115. O nome doautor aparece incorretamentecomo Armando Franco SoaresCaiubí.

50 GUIMARÃES, Ruth. “Regres-so”. In: Revista Ângulo, nº 65,Cadernos do Centro CulturalTeresa D’Ávila. Lorena, SP:Instituto Santa Teresa, 1996,p. 24.

51 SILVEIRA, Valdomiro. Os cabo-clos. 3ª ed. Rio de Janeiro: Ci-vilização Brasileira, 1962, p.63.

52 PIRES, Cornélio. “Atira, Juca”.In: PACHECO, João (org.). Op.cit. p. 86.

53 LEITE, Sylvia Helena Telarolli deAlmeida. Chapéus de palha,panamá, plumas, cartolas: acaricatura na literatura paulis-ta (1900-1920). São Paulo:Unesp, 1996, p. ll6.

54 PIRES, Cornélio. Conversas aopé do fogo. Edição fac-similar.São Paulo: Imprensa Oficial doEstado, 1987, pp. 5-7.

55 SETÚBAL, Paulo. Alma Cabo-cla. Op. cit., p. l23.

56 Vale a pena ler o ensaio deMarisa Lajolo, “Jeca Tatu emtrês tempos”, texto conciso,pontual e aprofundado, noqual esta breve descriçãoesquemática se baseia. In:SCHWARSZ, Roberto. Os po-bres na literatura brasileira.São Paulo: Brasiliense, 1983,pp. 101-5.

57 LOBATO, José Bento Monteiro.“Velha Praga”. In: Urupês. l7ªed. São Paulo: Brasiliense,1972, p. 27l.

58 Ibidem. 59 LOBATO, José Bento Monteiro.

Zé Brasil. São Paulo: Vitória,l947, p. 86.

60 LAJOLO, Marisa. Op. cit., p.103..

61 Idem, . p. l0462 Ibidem.63 BOSI, Alfredo. “Sertanistas:

Bernardo Guimarães, Taunay,Távora”. Op. cit., p. 141

64 Ibidem.65 Ibidem.66 BOSI, Alfredo. “O regionalis-

mo como programa”. In: Op.cit., p. 208.

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A verdadeira viagem do descobrimento não consisteem buscar novas paisagens,

mas novos olhares.[ Marcel Proust ]

ste texto quer dar a ver algumas imagens e percorrer algunscaminhos da arte produzida no território do atual Estado de SãoPaulo. Para isso, ele se volta ao interior, já que este é o rumo quelhe foi proposto seguir. Como texto verbal, pode - tanto quantodeseja - ser vivido como uma viagem em direção a uma experiên-cia transformadora, que resulte na aquisição de conhecimentosignificativo. Como texto visual, o olhar de quem o lê será tam-bém convidado a se movimentar para além das palavras, arris-cando-se por trilhas, atalhos, estradas que o levem à visualidade,como elemento acionador da sensibilidade. Assim como na epí-grafe de Marcel Proust, este texto enseja instalar novos olhares,a partir de uma experiência de renovação de algumas paisagensconhecidas e reconhecidas, descobertas e revisitadas. Paisagensdo interior, dos interiores.

O olho e o corpo do artista vêem, vivem e sentem o mundo;desse modo, projetam-no também para dentro de si, repropondoesse trajeto a um outro. O mundo é, dessa forma, processado naprodução do objeto de arte e oferecido ao olhar de um sujeito-leitor. Eis um caminho que parte do mundo concreto, da expe-riência vivida, da imaginação e da reflexão, e que leva à indaga-ção, à inquietação, ao maravilhamento, daí desdobrando-se naconstrução de um objeto, que por sua vez deverá provocar nesseoutro - o sujeito-leitor - um novo movimento, agora de fora paradentro, de indagação, de inquietação, de descoberta. Assim,

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Anamelia Bueno Buoro

Percursos do olhar: artes plásticas rumo ao interior

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esse outro é convidado a reencontrar e seguir o rastro do percur-so do artista, para travar contato com os universos e os significa-dos da obra de arte. Dessa maneira, a arte torna visível o vivido,mediante um pensar e um fazer. Por meio dela, toda sorte deexperiência humana reveste-se de materialidade e sentido.

As artes plásticas, enquanto produção humana, são textovisual - comunicação, mediação entre sujeito e realidade -, nosentido de que podem favorecer a compreensão do mundo e dopróprio sujeito: da natureza, da cultura e das relações que estasestabelecem criando a condição humana em toda a sua plenitu-de e diversidade. Movidos por estas percepções, moveremostambém nosso olhar sobre algumas obras de arte produzidas emSão Paulo por diferentes artistas, na tentativa de descobrir comonelas estão expressas essa cultura e essas culturas que, demaneira a um tempo tão singular e universal, têm muito a nosrevelar sobre nós mesmos.

Um ponto de partida

- Brecheret, eu gostaria de ouvir uma confissão da suaparte. Se você não fosse artista o que desejaria ser? Oescultor tornou a passar o lenço na careca luzidia, pensou,pensou. Enxugou a testa e respondeu com convicção.- Nada.

[ Armando Pacheco ]

Quem não viu o “Monumento às bandeiras”, escultura rea-lizada pelo artista Victor Brecheret, precisa conhecer essa obra,grande no tamanho e no significado. Fica diante do parqueIbirapuera, na cidade de São Paulo, posta de frente para a ave-nida Brasil. Não foram casuais sua realização e sua localização: olugar em que está situada foi designado desde a concepção daobra. Brecheret elaborou dois projetos do monumento, primeiroem 1919 e mais tarde em 1936, quando retomou e alterou suaproposta original; ele trabalharia mais 17 anos para terminá-lo.Assim, a escultura começou a ser planejada no mesmo períodoem que as idéias modernistas principiavam a ganhar notorieda-de e visibilidade em São Paulo, e foi inaugurada em 1953, no iní-cio das comemorações do VI Centenário da Cidade.

Em 9 de julho de 1936, Armando de Salles Oliveira, gover-nador de São Paulo, enviou à Assembléia Legislativa estadualuma mensagem que, dentro de um contexto de nacionalismopré-Segunda Guerra Mundial, declarava entre outras coisas:

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1 “Monumento às bandeiras”(vista frontal), de VictorBrecheret, inaugurado em 1953.

O “Monumento às bandeiras”, deBrecheret, foi se tornando, aolongo de sua história, um dosmaiores símbolos de São Paulo. Olocal recebe uma grande visitaçãode turistas, mas principalmentede moradores da cidade.

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“(...) propõe-se que esse monumento seja levantado numapraça de São Paulo, atestando o desejo dos paulistas de renovar os princípios e os feitos que constituíram os fundamentos da nacionalidade. Pela Avenida Brasil: quedá acesso a todos os grandes caminhos de penetração -ao Tietê e às estradas que levam ao Sul, a Mato Grosso, aMinas e a Goiás - sairão, como saíram, grandes grupos debandeirantes, que iniciarão uma nova etapa da sua obra, aserviço da Pátria”.1

Hoje, quando nossos olhos - nossos olhares-leitores - se de-param com essa escultura, ela nos coloca frente a frente comuma estética inovadora para o Brasil de uma época que aindatinha no academismo a expressão artística mais valorizada. Onovo modo de expressar, representado pelo monumento e intro-duzido pelo “saber fazer” estético de Brecheret, incorporavatanto a ideologia presente na encomenda do governo estadualquanto a do grupo modernista.

Nesse contexto, a figura do escritor e poeta modernistaMenotti del Picchia, grande amigo de Brecheret, influenciaria demodo determinante a concepção ideológica do “Monumento àsbandeiras”, dando visibilidade ao bandeirantismo como movi-mento heróico, um dos mais importantes mitos da formação denosso país. Tal ideologia também buscava mostrar as etnias fun-dadoras de uma identidade coletiva brasileira e paulista, a his-tória desses primeiros grupos étnicos e a figura do bandeirantecomo “desbravador de terras virgens”. Entre os personagensrepresentados, podemos reconhecer as figuras do índio, do por-tuguês, do negro. Estão ali, igualmente presentes e visíveis, asidéias, os pensamentos, os sentimentos e os valores esculpidosno granito pelo artista, que assim soube dar-lhes forma, comuni-cá-los, colocá-los em circulação. Impressos nas figuras do monu-mento - pessoas, cavalos, outros animais, um barco -, tais senti-mentos e valores certamente poderão ser também percebidospor aqueles que o investigarem e ao seu entorno com um olharcurioso, criterioso: um olhar-leitor.

A maneira escolhida pelo artista para apresentar sua obraevidencia também sua preocupação com os significados por eleconstruídos e a ligação de Brecheret com as vanguardas artísti-cas de seu tempo:

“Deixou para trás o ritmo tenso e dramático da muscula-tura acentuada (...). Desenvolveu um desenho curvilíneo,espiralado, que dá o movimento geral da figura. Abstraíadetalhes e atinha-se ao roliço e, para que a luz refletissecom intensidade, passou a usar superfícies muito polidas.

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(...) entrando nos anos 30 (...) passava a marcar mais vigo-rosamente as superfícies determinadas por facetamentossucessivos. Passou também a explorar materiais menospolidos”.2

Uma obra de arte pede leitores que, percebendo o que nelaestá posto, pensam, estabelecem relações, concordam ou discor-dam dos sentidos corporificados no modo como se mostra. Nocaso do “Monumento às bandeiras”, podemos dizer que se tratade uma obra que não apenas valoriza as primeiras etnias forma-doras do povo brasileiro, mas também estabelece como persona-gem central a ação transformadora dos bandeirantes, dando visi-bilidade à conquista da terra e à demarcação e ampliação deseus limites. Ainda que essa não fosse a principal razão de exis-tir das entradas e bandeiras, historicamente e poeticamente,Brecheret a transforma em tema de seu trabalho.

Colocada de modo a dar as costas para o mar, a esculturafortalece a visão de um “movimento para dentro”, desenhadopelos conquistadores da terra que, num percurso imaginário,temporal e geográfico, construíram e ainda constroem o queconhecemos como Estado de São Paulo. A posição do monu-mento, como já dissemos, aponta para a rota de saída dos ban-deirantes, que assim ampliam as fronteiras espaciais, históricas eculturais do Brasil. Os sertanistas não levam em consideração aLinha de Tordesilhas, primeiro limite territorial brasileiro - queestá demarcada num mapa logo à frente da escultura, debaixodas patas dos cavalos.

A construção das culturas do interior paulista é amplamen-te influenciada por esse “movimento para dentro” e pela carac-terística de mobilidade dos bandeirantes, como representantesda cultura do colonizador. Antonio Candido remete a esse aspec-to, referindo-se à “cultura caipira”:

“Da expansão geográfica dos paulistas, nos séculos XVI,XVII e XVIII, resultou não apenas a incorporação de territó-rio às terras da Coroa portuguesa na América, mas a defi-nição de certos tipos de cultura e vida social, condiciona-dos em grande parte por aquele grande fenômeno demobilidade. Não cabe analisar aqui o seu sentido histórico,nem traçar o seu panorama geral. Basta assinalar que emcertas porções do grande território devassado pelas ban-deiras e entradas - já denominado significativamentePaulistânia - as características iniciais do vicentino se des-dobraram numa variedade subcultural do tronco portu-guês, que se pode chamar de ‘cultura caipira`.”3

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É a partir da vila litorânea de São Vicente e depois da vila deSão Paulo de Piratininga - fundada no planalto, já no rumo do in-terior - que se delineia um circuito “para dentro”. Assim, o terri-tório paulista passa a configurar-se como aquilo que AntonioCandido chama de “variedade subcultural do tronco português”,encruzilhada ativada pelos muitos contatos entre diferentesetnias e culturas. Num primeiro momento, a portuguesa, a indí-gena e a africana (embora se trate, nos dois últimos casos, deuma pluralidade de culturas e etnias). Depois, ao longo do tempo,pelos encontros entre esse núcleo inicial, já mesclado, e os maisdiversos povos, que para aqui trouxeram outras culturas, outrosmodos de viver e sentir. Outros modos de ver e de fazer arte.

De volta aos começos

Quem não sabe o que veio antes não sabe dizer adiante.[ Gerald Thomas ]

Não existe no mundo povo que não produza arte e ciência,posto que somos seres de sensibilidade, tanto quanto sujeitos deconhecimento. No texto “Arte índia”, de Darcy Ribeiro, que inte-gra o livro História geral da arte no Brasil, organizado por WalterZanini,4 encontramos um trecho que propõe questões relevantes,sobre o sentido da arte no contexto dos diversos grupos indíge-nas de nosso país, destacando a produção das “coisas belas”como uma necessidade humana, humanizante e humanizadora.Diz o antropólogo:

“O esforço e a diligência que um índio põe no fazimentodas coisas é muito maior do que o necessário para queelas cumpram suas funções pragmáticas. Este esforço adi-cional e dispensável seria inútil e fútil, se beleza não fosseassunto tão sério para seres humanos equilibrados e íntegros”.5

Pontua também Darcy Ribeiro que, apesar dessa necessida-de da presença do estético no cotidiano de comunidades indíge-nas em geral, nelas a arte se apresenta também particularizada,de acordo com o universo real e imaginário em que cada povo seinsere. O mesmo podemos dizer de povos de outras culturas:europeus, asiáticos, africanos, aborígenes, norte-americanos...Isso por certo vai de encontro à idéia estereotipada - tanto quan-to persistente - da existência de um único povo, chamado gene-ricamente de “índios brasileiros”. O que existe são povos dife-

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renciados, com culturas diversas, imaginários plurais, múltiplosmodos de viver, de organizar-se em sociedade, de produzir cul-tura, de conceber mitologias. O que existe são povos identifica-dos por um modo de produção a um só tempo singular e fami-liar, nascido de um desejo de estar no mundo e de transformá-loque reúne beleza e funcionalidade. No mesmo texto, Darcy Ri-beiro afirma:

“Nossa segunda observação prévia é a de que não há umaarte comum ou geral dos índios, mas tantas quantas sãoos muitos povos em que eles se diferenciam. Aqui tam-bém é preciso ponderar que, apesar das diferenças, há umar de família em suas criações que as torna distinguíveistanto das européias, como das africanas e das asiáticas”.6

Esse “ar de família” nos permite refletir, por exemplo, sobreo fato de que a produção de diversos grupos tupis - que, desdeo século XVI, foram submetidos a intensos choques culturais pro-movidos pelo contato com o europeu, o que incluía o abandonoda vida seminômade e a fixação em aldeamentos na periferia dosagrupamentos de colonizadores - compartilhou originariamenteda mesma concepção de arte de outros povos indígenas. Issoaconteceu, pelo menos, no que tange à necessidade e à funçãoda arte como modo de se relacionar com o mundo dos homense com o mundo dos deuses, como linguagem que transita entremundos, entre culturas, entre sujeitos. Nessa esteira, destacamosaqui um outro trecho, no qual Darcy Ribeiro chama a atençãopara o que dizem os povos do Xingu, no Estado de Mato Grosso,

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2 Vasilhame cerâmico emforma de meia-esfera, de bocaconstrita e contorno composto,tradição tupi.

A confecção de objetos cerâmicosenvolve toda uma gama de co-nhecimentos, que vai da escolhada matéria-prima até a arte doacabamento, passando pela técni-ca adequada para a queima. Essesconhecimentos ancestrais, emmuitos casos, conseguiram serconservados por povos indígenasem suas expressões artísticas.

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e os Kadiwéu no Mato Grosso do Sul, quando perguntados acer-ca de suas pinturas corporais. Pode-se imaginar que a respostade um tupinambá ou de um guarani teria sido semelhante:

“No Xingu, alguém estranhando que os índios estivessemsempre se cobrindo de pinturas de cores vivas como sepreparassem para uma festa, ouviu deles que índio éassim mesmo, pinta porque a pintura é bonita, porquebeleza dá alegria e porque assim bonitos é que o Criadorquer vê-los. Os Kadiwéu, postos também diante de umaargüição deste tipo, disseram ao antropólogo impertinenteque se pintam simplesmente porque não são bichos, sãogente”.7

De volta ao ponto de partida, esta viagem chega ao Pátio doColégio, onde nasceu a cidade de São Paulo e onde se instala-ram os primeiros jesuítas, catequizadores a serviço da IgrejaCatólica e da gigantesca empresa da colonização. Por meiodeles, desencadeou-se poderosamente o contato dos índios comas culturas européias. No início do século XVI, a população pau-lista era majoritariamente indígena e sua miscigenação com osportugueses já transcorria em ritmo acelerado. Por isso mesmo,muitos aspectos das culturas indígenas eram claramente percep-tíveis na vida paulista do período colonial. Falava-se a “língua-geral”, uma mistura de português, espanhol e línguas da famíliatupi-guarani, criada pelos jesuítas para facilitar seu mister deconverter os “selvagens”, respeitando contudo sua dificuldadede articular as consoantes; comiam-se alimentos nativos como ofeijão e a mandioca; utilizava-se a argila para construir casas,utensílios domésticos e estatuetas.

A partir da primeira metade do século XVI, quando os colo-nizadores passaram a atuar de maneira mais intensiva no territó-rio conquistado, tanto em São Paulo como em outros pontos daAmérica Portuguesa, os povos indígenas e suas artes foramsendo rapidamente submergidos por uma avalanche cultural,vinda do Velho Mundo. Os objetos estéticos dos povos indígenastêm uma profunda relação com seu viver, visto que são objetosutilitários que possuem, como disse Darcy Ribeiro, um cuidadoestético que perpassa o “fazimento das coisas” próprio dessasculturas. Muito pouco restou desses belos utensílios indígenasdo início do período colonial, salvo algumas peças levadas paraa Europa ou aquelas conservadas em museus brasileiros, vindasde escavações arqueológicas. Esses objetos, similares aos quehoje classificamos como obras de arte indígenas, desgastavam-seno uso cotidiano, sendo extremamente frágeis, já que produzi-dos com matéria orgânica.

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Durante o processo de colonização, separados do ambientesocial em que sua produção artística até então se desenvolvera,tanto os índios aldeados como os escravizados perdiam rapida-mente suas características culturais iniciais, além de seus modosde organização religiosa, social e política. Com elas desfaziam-setambém suas raízes mais profundas, o que resultava na inevitá-vel dissolução de suas tradições e modos de vida. De certomodo, essa situação reproduz o que acontecia com seus delica-dos e belos artefatos - um universo frágil, que, já no século XVI,vinha sendo submetido a um rápido e irreversível processo dedissolução, ou de reelaboração nos meios sociais miscigenados.

Um pouco dessa arte indígena pode ainda ser vista noMuseu de Arqueologia e Etnografia da USP, entre outros espaçosque guardam coleções dessa natureza.

O poder das imagens

Nós colonizamos o futuro; é bom ter atenção a isso.[ Lucia Santaella ]

Com a chegada dos jesuítas ao litoral vicentino, antes mesmoda fundação do colégio no planalto, começam a desembarcar aquitambém as imagens destinadas ao culto católico, peças de origemportuguesa e espanhola. Essas primeiras esculturas européias desantos se tornam os modelos para uma produção paulista.

“Do primeiro século pouca coisa se conservou, tanto emfunção do estágio ainda incipiente do povoamento quantopelas reposições posteriores de imagens mais antigas, dani-ficadas pelo tempo e pelo manuseio devocional, que a tra-dição do culto católico determinava fossem enterradas emlocal sagrado, no recinto das igrejas. (...)Nas primitivas fundações jesuíticas do litoral é ainda possí-vel identificar uma ou outra imagem do século XVI. (...) NaMatriz de Santana de Itanhaém, no litoral paulista, conser-va-se também uma excepcional Nossa Senhora daConceição em barro cozido, venerada desde meados doséculo XVI na região, cuja ligação com a ordem jesuítica éevidenciada pelo nome de ‘Virgem de Anchieta`, pelo qualé popularmente conhecida. Essa imagem, de origem portu-guesa como as demais citadas anteriormente, foi indicadapor Eduardo Etzel8 como cabeça de série de uma tipologiade imagens da Virgem Maria desenvolvida em São Paulono século XVII, apresentando soluções semelhantes de pos-tura, cabeleira solta nos ombros e base trabalhada emcomposição ternária de querubins”.9

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3 Imagem da “Virgem deAnchieta”, século XVI.

Entre os objetos trazidos pelosportugueses em sua bagagem naviagem para a Colônia, estavamas imagens sacras.

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É importante destacar que a tradição portuguesa de produ-ção artística sacra trabalha, em grande parte, com esculturas,enquanto a tradição espanhola também enfatiza as pinturas. Asimagens que chegaram ao Brasil para o culto católico podemainda ser inseridas, na História da Arte européia, nos períodos doManeirismo e do Barroco.

O Maneirismo, como esclarece Benedito Lima de Toledo nacitação abaixo, é um movimento artístico que se caracteriza, naEuropa, como uma transição entre o Renascimento e o Barroco:

“Depois de um largo período de estabilidade baseada nosidéias da antigüidade clássica, a arte européia parececonhecer uma fase de indefinição caracterizada pela preo-cupação em desenvolver e intensificar de maneira artificio-sa as formas consagradas do Renascimento.A esse período, que Victor Tapié diz-se tentado a situarcronologicamente entre 1530 e 1580, poderemos chamarManeirismo. Nele, segundo Dvörak, estão as raízes doBarroco, e explicam a transição entre dois momentos con-siderados antagônicos na história da arte”.10

No século XVI, contudo, podia-se entender Maneirismocomo “o procedimento inerente a uma manifestação artística, aforma correta de proceder, ou a peculiaridade de produção deum determinado artista”. No século XIX, Maneirismo passa adesignar “a arte que não conseguia ultrapassar os limites dapura imitação, abdicando da originalidade”. Hoje o mesmo con-ceito é visto e entendido como “um desses períodos de assenta-mento, de ajuste, de transição”.11

O Barroco foi, por sua vez, um movimento de muitas verten-tes, tanto na Europa como no Brasil, surgido no seio da Contra-Reforma da Igreja Católica. Originou-se na Itália e ganhou força naEspanha, espalhando-se pela Europa e suas colônias. Dinâmico esensorial, afastou-se das regras do Classicismo renascentista. Issoescandalizou os adeptos desse movimento, que criticavam noBarroco a “falta de equilíbrio, falta de contenção, concessão exces-siva à emoção”.12 Nesse sentido, a arte barroca gera imagens dra-máticas, com sensação de profundidade, de realismo e forte im-pressão de movimento. São, portanto, objetos inseridos e produzi-dos ao sabor dessa estética que chegam à colônia, para construirum novo imaginário mesclado de valores estrangeiros e autóctones.

Em São Paulo, as dificuldades geradas pelo árduo acesso aoplanalto acabaram por movimentar a realização da imaginária(produção de imagens sacras), com reinterpretação local. Algunsdos artistas eram eruditos, anônimos ou identificados, formados,de modo geral, nas oficinas das ordens religiosas. Outros eram

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4 Imagem de São FranciscoXavier, século XVIII.

A iconografia de São FranciscoXavier é um dos temas mais recor-rentes da produção da imagináriajesuítica.

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artistas chamados populares, detentores de um fazer estético maisingênuo, menos comprometido com modelos e ideais importados.

Podemos, pois, pensar que foram imagens importadas queserviram de modelo para as obras realizadas no período colonialem São Paulo. Somava-se a isso a forte impressão estética quefiguras desse tipo devem ter causado na gente local e a sua impor-tância para os jesuítas, que as utilizavam como referência imagé-tica na conversão e educação dos nativos.

“O caráter essencialmente didático e freqüentemente retóri-co da imaginária jesuíta vincula-se às atividades básicas dacatequese e ensino pedagógico que caracterizam a ordem. Aimagem jesuíta ensina, apoiando a instrução catequética nosaldeamentos indígenas que constituíram a modalidade maisdifundida de atividade missionária na Colônia brasileira. Mastambém impressiona e convence, do alto dos monumentaisretábulos que lhe servem de suporte nas igrejas dos colégiosdos grandes centros urbanos litorâneos. É por excelência aimagem da Contra-Reforma, que interpela, através de gestoseloqüentes de pregação, apresentando símbolos do dogmacristão, como a Cruz de Cristo e o livro, atributos habituaisdos santos fundadores Inácio de Loiola e Francisco Xavier”.13

Ao longo dos séculos XVI e XVII, portanto, a produção artísticapaulista adotou como modelos as imagens maneiristas e barrocaseuropéias. A produção local era realizada por artistas dos mais varia-dos: anônimos, beneditinos, jesuítas, franciscanos, carmelitas. Nesseuniverso, predominavam os santos e as imagens sacras de barro poli-cromado, sendo que a madeira aparecia em menor quantidade. Jánessa época, notava-se a presença de artistas cultos, conhecedoresde técnicas escultóricas em barro. Entre as diversas ordens religiosasque desenvolveram oficinas de produção de imagens, destacam-seas fundações beneditinas de São Paulo e Parnaíba, que funcionaramcomo centros irradiadores de uma escola seiscentista de imagens embarro cozido, conhecida como Imaginária Bandeirante. Somam-se aelas, nas últimas três décadas do século XVII, os centros produtoresde Itu e Sorocaba, com figuras de características um pouco diferen-tes, embora dentro do mesmo universo formal, cristalizado pelo iso-lamento da região nesses primeiros tempos.14

Os franciscanos instalados no Vale do Paraíba e em Taubatéconstituíram, por seu turno, um centro de produção de imaginá-ria popular, realizada por santeiros anônimos e também elabora-da com barro cozido policromado, cuja influência se estenderiaaté o século XIX. Nessa mesma região, pode-se ainda encontrar aprodução de conjuntos de imagens com temática de presépio.Trata-se de um outro tipo de apropriação popular de tradição

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portuguesa, tão cara aos franciscanos: o primeiro presépio foi ela-borado por São Francisco, em 1224. Produziram-se igualmenteimagens de São Francisco e de Santo Antônio, ambos usando ohábito e o cordão de três nós dos franciscanos. O santo de Assispode ser reconhecido ainda pela barba e pelas mãos estigmatiza-das, cruzadas sobre o peito, enquanto Santo Antônio aparecesem barba, carregando o menino Jesus no braço esquerdo.

Os carmelitas estabeleceram-se no litoral paulista a partir doséculo XVII, construindo seu convento em Santos. Também seutilizaram do barro cozido como material preferencial.

O desenvolvimento da produção de imagens sacras, durantemais de um século limitada a uma região, fez florescer a criativida-de dos barristas de São Paulo, que souberam introduzir uma ex-pressividade singular aos seus trabalhos. Esse aspecto só se torna-ria uma constante nas demais regiões brasileiras a partir de meados

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5 Imagem de Nossa Senhorados Prazeres, século XVII.

O relativo isolamento dos paulis-tas do planalto foi um dos fatorespara a profusão de imagens deartistas locais, como esta imagembeneditina de Nossa Senhora, daregião de Sorocaba.

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6 Imagem de São Francisco,século XVII.

Durante o século XVII, os conven-tos franciscanos destacaram-secomo pólos de produtos de artesacra na região de Itu.

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7 Imagem de Santo Antônio,século XIX.

As imagens de barro, produzidaspor santeiros ceramistas do séculoXIX ativos na região de Sorocaba,eram freqüentemente encontra-das nas cidades de Piedade, Ibiú-na, São Roque e Cotia.

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do século XVIII. Muitas das imagens estão nas regiões referidasneste texto e podem ser procuradas nos Museus de Arte Sacra nor-malmente presentes junto às igrejas do interior de São Paulo, comoem Sorocaba e Taubaté. O Museu de Arte Sacra e o Museu do Pátiodo Colégio, ambos em São Paulo, também expõem imagens comessas características e que, por isso mesmo, merecem ser vistas.

Apontaremos a seguir algumas das diferenças estéticas exis-tentes entre duas imagens do século XVIII, a primeira realizadaem madeira por uma artista erudito português e a segunda, debarro cozido, feita por um artista popular paulista. Ambas repre-sentam Nossa Senhora da Conceição, cujo símbolo iconográfico,a lua crescente (ela é descrita como Pulchra ut luna, “formosacomo a lua”) acabou sendo interpretado analogamente aos chi-fres demoníacos pela iconografia popular. Note-se que, apesardas diferenças estéticas evidentes, há igualmente um forte diálo-go entre elas. A imagem oriunda de Portugal tem sido classifica-da como Barroca. Já a segunda, do Vale do Paraíba, não pode serenquadrada facilmente, embora alguns historiadores de arte aconsiderem como pertencente a um tipo de Maneirismo.

Entendemos que a imagem paulista não se limita a uma tra-dição européia. Ainda que possa tê-la utilizado como modelo, apeça parece inserir-se mais numa estética gerada a partir do coti-diano da vida local. A presença de uma religião nova e sedutora eo desejo de igualar-se ao estrangeiro poderão ter levado nossobarrista a buscar, em sua imagem, uma semelhança impossívelcom o original, fosse pela ausência da técnica - determinada naescolha da argila como matéria -, fosse pela diferença de contex-to no qual esse produtor viveu e trabalhou. Em outras palavras, elenão teria como desenvolver uma expressão artística classificávelpelos cânones europeus, simplesmente por não ser europeu.Surgia assim uma nova arte, diversa da que se fazia no VelhoMundo, com uma personalidade própria, fruto de outros conheci-mentos e experiências, alheia ao ambiente das Cortes e às normasdas escolas da História da Arte européia. Ou, como afirma Lemos:

“(...) simplesmente surgiu, no isolamento do planalto, dacabeça de alguém que não tinha meios de copiar exata-mente o modelo como estaria desejando. (...) Aliás, julga-mos que essa compostura hierática das imagens paulistastambém tem muito a ver com o nível digamos primitivo deexpressão - não se trata de arte primitiva de sociedadesditas selvagens ou pré-históricas, mas primitivo no sentidode emanar de gente inculta ou ingênua. (...) essa é acaracterística da arte americana, não só da brasileira oupaulista: a concomitância de versões que, na Europa, sesucedem cronologicamente”.15

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No quadro, podem ser conferidas algumas das diferençasconstatadas entre a imagem européia e a paulista, produzida pe-lo santeiro colonial.

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Portugal XVIII

• técnica elaborada

• muitos detalhes

• movimento acentuado nas roupas

• a textura da roupa é apresentadapelos inúmeros recortes da escul-tura, em linhas onduladas

• os corpos das figuras aparecemsoltos, com movimentos e expres-são facial variados

• a lua crescente aparece pontiagu-da e numa posição que correspon-deria ao pé (encoberto pela roupa)da santa sobre a cabeça do demô-nio, representado pelos chifresmimetizados na lua

• uma base hexagonal sustenta aimagem

• realizada em madeira policromadae dourada

Paulista XVIII

• técnica simples

• poucos detalhes

• movimento indicado na roupa

• a textura da roupa é dada pelapintura e pelas linhas retilíneas

• há simplicidade das formas expres-sivas, sem grandes movimentos,tendo os braços colados ao corpo

• a lua crescente aparece como duasargolas laterais, dando a impressãode estar a santa com os dois pés sobre a cabeça do demônio, estando este integrado com a baseda coluna onde a imagem se apóia

• uma base redonda sustenta a imagem

• realizada em barro cozido policromado

8 e 9 Imagem de NossaSenhora da Conceição, deorigem portuguesa, feitadurante o século XVIII, eimagem de Nossa Senhora daConceição, Vale do Paraíba,século XVIII.

Representações distintas das ima-gens de Nossa Senhora da Con-ceição, de acordo com a estéticaeuropéia e a estética popularpaulista no século XVIII.

8 9

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As diferenças entre as duas imagens não afirmam uma cate-goria de valor do tipo melhor ou pior, por exemplo. Acima dequalquer outra coisa, apontam para a importância e a necessida-de da produção dessas peças durante o período colonial. Essefato é atestado pela enorme quantidade de esculturas realizadasentre os séculos XVIII e XIX, com a finalidade de dar conta deuma cultura religiosa que, àquela altura, já conseguira se firmarno Novo Mundo.

“Paulistinhas”

As imagens são “matérias dinâmicas” derivadas da nossa participação ativa no mundo.

[ Gaston Bachelard ]

Refletindo sobre a vida paulista da época a partir dasinfluências indígena e negra da população mestiça, ambas emchoque com a fé católica, pode-se imaginar que a apropriação ea difusão das imagens sacras sinalizavam, por um lado, a conti-nuidade da expansão das crenças do colonizador e, por outrolado, uma adaptação da população e de seu imaginário à religio-sidade portuguesa. Tal adaptação está claramente expressa nas“paulistinhas”, obras de indivíduos que, nos séculos XVIII e XIX,aproximaram a produção artística da religiosidade popular. Desse

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modo, apropriaram-se de aspectos do sagrado europeu demaneira mais subjetiva, num contexto mais cotidiano e numaprodução numerosa. Some-se a isso o interesse comercial dossanteiros, dado que a grande quantidade desses santinhos reme-te à intensa demanda local por esse item comercializado pelosmascates. Alguns museus do estado, entre eles o já citado Mu-seu de Arte Sacra de São Paulo, possuem, em seu acervo, cole-ções de “paulistinhas”.

Nessas estatuetas, acentua-se a preferência pelo barro comomaterial acessível, bom e barato. Alguns santeiros criaram ima-gens únicas. Outros, em suas oficinas, passaram a desenvolvertécnicas próprias para a realização de grandes quantidades deimagens mais simples ou mais elaboradas, produzidas por enco-menda. Essa maneira de produção artística é tipicamente paulis-ta, aparecendo tanto nas bacias do Paraíba, como na do Tietê.Especula-se também sobre essa variedade de procedências e pro-dutores a partir da diversidade de barros: de cor branco-acinzen-tada ou branco-palha de massa muito fina, grosso avermelhado,amarelo-ocre...

“Chamam-se, entre nós, de “paulistinhas” as imagens debarro de pequeno tamanho - que variam de 5 a 25 cm dealtura, predominando a média de 12 a 15 cm - que apre-sentam duas características permanentes: as figuras sem-pre estão sobre um pedestal tronco-cônico ou tronco-pira-midal e são furadas a partir da base - essas cavidades sãosistemática e intencionalmente cônicas, a espessura daborda chega a ser de 3 a 4 mm, e daí para cima, a grossu-ra do barro aumenta, com o furo diminuindo até zero novértice do oco”.16

Algumas dessas esculturas representaram criações isoladas,enquanto outras foram produzidas a partir de moldes básicos.Depois, no acabamento da peça, incorporavam-se os detalhescaracterísticos de cada santo representado. Em geral, as imagensmenores, de até 10 centímetros, eram trabalhadas com o auxíliodas formas e tinham acabamento menos elaborado, enquanto asmaiores requisitavam a minuciosa atenção do artista, por contade seus detalhes mais cuidadosos. No entanto, o que mais en-canta nas “paulistinhas” são as soluções encontradas por essesartistas anônimos para uma estatuária de pequeno porte, en-frentando com engenhosidade a questão da iconografia caracte-rística dos santos. Tais soluções podiam igualmente apropriar-sede características européias, conforme o gosto de cada um, ouainda encontrar modos próprios de realizar interpretações singu-lares da imaginária do colonizador.

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10 Imagens de três paulistinhas representandoNossa Senhora: Nossa Senhoracom Menino, Nossa Senhora da Piedade, Nossa Senhora doRosário.

As chamadas paulistinhas são umexemplo, muito bem sucedido, detradução da imaginária européiano Brasil, tanto pela introduçãode materiais nativos disponíveisem sua produção, quanto pelaadoção de novos sinais iconográ-ficos, condizentes com as crençaslocais.

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A presença africana

As artes africanas são o resultado de um processo altamente intelectual, de uma tradução de conceitos e de valores apresentados sob a forma de uma imagem.

[ François Neyt - Catherine Vanderhaeghe ]

Ao contrário da influência indígena, que se dilui na tradiçãoeuropéia, a evidência da presença dos africanos em São Paulo éexígua, mas demarca sua estética na arte paulista. Ela se acentuacom o início da produção açucareira em Itu e também com a cul-tura do café, que tem na mão-de-obra escrava africana e afro-brasileira seu principal motor. Tal influência é visível nas escultu-ras de tamanho reduzido, conhecidas como “nó de pinho”.

As esculturas “nó de pinho” nem sempre foram realizadascom esse tipo de madeira. Utilizaram-se também outras madei-ras duras ou ainda a ponta do chifre bovino, material incomumna imaginária popular paulista, que tinha no barro sua matériapreferida. No livro A imaginária paulista, Carlos Lemos conta quetais imagens representavam Santo Antônio, que poderia acumu-lar a identidade de Ogum (na Bahia), Bará (no Rio) ou Exu (emPorto Alegre). As dimensões desse tipo de escultura variamdesde as minúsculas, próprias para bentinhos ou patuás, até asde cerca de 10 centímetros de altura.17

A origem dessas imagens remonta a um plano de revolta deescravos, membros de uma associação secreta devotada a SantoAntônio, em Vassouras, no ano de 1847. Essa devoção estendeu-

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11 Imagens de Santo Antônio,em nó de pinho.

Na cultura afro-brasileira, SantoAntônio é uma das figuras maisimportantes. Daí vem a produçãode imagens desse santo em nó depinho, com forte influência deimagens africanas.

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12 Imagem de Nossa Senhorada Conceição.

A madeira não foi um materialmuito utilizado na imagináriapaulista, especialmente antes doséculo XVIII. Somente a partir demeados desse século, encontra-mos documentada a presença deentalhadores trabalhando em São Paulo.

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se desde então entre outros escravos do Vale do Paraíba, geran-do uma intensa produção de santinhos e patuás. O historiadorRobert W. Slenes explica a relação das imagens com a estéticaafricana da cultura Kongo:

“Ora, algumas dessas estatuetas lembram muito, na fisionomia, postura do corpo e desenho nos braços, asfiguras minkisi da cultura Kongo, usadas no baixo rio Zairecomo fetiches para garantir a boa sorte, evitar a desventura, ou (na mão de feiticeiros maus) levar o infor-túnio para os outros. Os minkisi também são feitos, depreferência, de madeira muito dura, traduzindo a analogiaque os bakongo fazem entre a ‘força`, ou qualidademoral, de um homem ou espírito, e a eficácia de um fetiche, com o grau de dureza (ou fraqueza) de umadeterminada árvore ou tipo de madeira”.18

Outras influências marcantes da cultura africana podem serpercebidas em exemplos concretos do sincretismo religioso sur-gido e disseminado nas diversas regiões paulistas. Entre eles estáa Capela Senhor do Bonfim em Sorocaba, construída pelo beatoJoão de Camargo (1858-1942), que reúne a fé católica do colo-nizador a elementos da religiosidade africana.

A força dos artistas

A criação de uma obra equivaleà criação de um mundo.

[ Wassily Kandinsky ]

O anonimato era freqüente na produção artística dos sécu-los XVI, XVII e XVIII, fundamentado numa tradição medieval quevia nessa atitude um exemplo de desprendimento e humildade,a serviço da Igreja. Assim, imagens assinadas e datadas são algoraro entre as obras desse período.19 A despeito disso, encontra-mos identificados alguns artistas de destaque. Entre eles, chama-mos a atenção para um escultor do século XVII, frei Agostinho deJesus - um beneditino carioca que influenciará a imaginária ban-deirante - e os pintores José Patrício da Silva Manso e Jesuíno doMonte Carmelo.

Nascido no Rio de Janeiro, frei Agostinho de Jesus (c. 1610-1661) aprendeu o ofício de escultor com o já famoso frei Agos-tinho da Piedade ( c. 1580-1661), na Bahia. Ordenou-se em Por-tugal (c. 1630) e realizou seus trabalhos especialmente no terri-tório paulista. Sobre a sua obra, influenciada por imagens portu-guesas, recortamos o seguinte trecho:

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“...a expressividade um tanto ingênua de frei Agostinho deJesus, cujas imagens, já próximas do barroco, olham diretamente nos olhos do espectador, às vezes em atitudecompassiva, como o excepcional São Bernardo do Mosteirode São Bento de São Paulo. Outras têm uma certa expres-são brejeira, como o São Bento da antiga fazenda beneditina de Iguaçu e as imagens da Virgem Maria brincando carinhosamente com o Menino Jesus no colo”.20

Obras desse escultor podem ser encontradas no Museu deArte Sacra de São Paulo (vindas sobretudo de Santana do Parnaí-ba) e no mosteiro beneditino paulistano.

O artista erudito José Patrício da Silva Manso (?-1801) e opadre Jesuíno do Monte Carmelo (1764-1819), mais ingênuo nasua expressão estética, têm como obras mais significativas aspinturas, em especial as de forros de igreja. Sabemos que, con-quanto as imagens mais elaboradas fossem importadas daEuropa, a construção da igreja, bem como a pintura de forro eparedes, eram realizadas por artistas locais.

José Patrício da Silva Manso era pintor, dourador e restaura-dor. Considerado o mais importante pintor paulista do séculoXVIII, executou obras eruditas em Itu para a Igreja Matriz deNossa Senhora da Candelária (1780-1784), e em São Paulo, paraas igrejas da Ordem Terceira de São Francisco (1784-1797), daOrdem Terceira de Nossa Senhora do Carmo e do Mosteiro deSão Bento, entre outras. Enquanto trabalhou em Itu, teve a seuserviço Jesuíno de Paula Gusmão, que mais tarde, ao se ordenarpadre, adotou o nome de Jesuíno do Monte Carmelo.

Nascido em Santos, Jesuíno do Monte Carmelo realizouobras diversas em Itu e São Paulo, destacando-se entre elas oforro da Igreja de Nossa Senhora do Carmo ituana. Seu trabalhofoi objeto do último livro de Mário de Andrade, no qual o escri-tor acentua a presença de um modelo europeu que o artista localparece buscar, conseguindo como resultado uma pintura umtanto ingênua e bastante original.

Muitas obras do período colonial paulista podem ser vistasem igrejas e museus. Merecem destaque, entre outros, o Museude Arte Sacra de São Paulo, o Museu de Arte Sacra de Taubaté,a catedral de Jundiaí, a capela da Fazenda de Santo Antônio emSão Roque, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário em Embu, aMatriz de Nossa Senhora da Candelária e a Igreja de NossaSenhora do Carmo em Itu, o Mosteiro da Luz em São Paulo, aIgreja de Nossa Senhora do Carmo e a Igreja da Ordem Terceirado Carmo em Mogi das Cruzes.

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13 Imagem de Nossa Senhorada Purificação, de FreiAgostinho de Jesus, século XVII.

Frei Agostinho de Jesus realizoumuitas obras em São Paulo eSantana do Paraíba, onde haviarepresentantes da ordem dosbeneditinos, à qual pertencia.

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14 Pintura do forro da capela-mor da Igreja de Nossa Senhorado Carmo, de padre Jesuíno doMonte Carmelo, 1784.

A obra realizada pelo Padre Jesuí-no do Monte Carmelo, para Igrejade Nossa Senhora do Carmo, emItu, é o único forro pintado a óleoem um templo colonial brasileiro.

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15 Forro da capela-mor damatriz de Nossa Senhora daCandelária, de Itu, de JoséPatrício da Silva Manso, 1780-1784.

Silva Manso, nascido na cidade deSantos, é considerado por algunscríticos o mais importante pintorpaulista do século XVIII.

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De fora para dentro, de dentro para fora

Talvez uma das funções mais importantes da arte consista em conscientizar o homem da grandeza que ele ignora trazer em si.

[ André Malraux ]

Como vimos, os artistas são seres que viajam, movimentam-se de um lugar para outro, e nesse caminhar carregam suasexperiências de vida, colocando-as em diálogo com outras expe-riências buscadas, descobertas, vividas. Sua obra, portanto, éproduto que exibe um modo próprio e singular de se relacionarcom o mundo, assim como de refletir e produzir culturas.

No decorrer do século XIX, esses deslocamentos dos artistasganharam dimensões mais amplas, e a produção brasileira abriu-se a novas influências externas, além da portuguesa. Estabeleci-do no Rio de Janeiro desde 1808, o futuro rei D. João VI trouxeao Brasil, em 1816, artistas da Academia Francesa, que maistarde formariam na capital do país a Academia Imperial de BelasArtes. Eles introduziriam no Brasil a chamada arte acadêmica,baseada nas estéticas do Neoclassicismo e do Romantismo:

“A arte torna-se, então, uma instituição oficial, protegida,organizada, hierarquizada. Faz-se carreira, como no exérci-to ou na administração. Para um artista, a carreira com-preendia a formação no Liceu Imperial de Artes e Ofícios,a entrada e a freqüência aos cursos na Academia Imperialde Belas Artes no Rio de Janeiro, a obtenção do Prêmio deViagem, geralmente a Paris, onde completa sua formaçãocom os ‘papas` da Academia, a admissão nos Salões,obtenção de medalhas, e, finalmente, de regresso aoBrasil, o magistério e a eleição para a Academia”.21

A estética da Academia carioca, por sua vez, influenciou naformação da Pinacoteca do Estado de São Paulo, em 1905, ins-talada no mesmo prédio do Liceu de Artes e Ofícios de SãoPaulo, com acervo inicial de pequenas coleções de obras deAlmeida Júnior, Pedro Alexandrino e Oscar Pereira da Silva.

Também durante o século XIX, outros artistas viajantes pro-curaram revelar, ao olhar europeu, aspectos da paisagem, dafauna, da flora e dos habitantes do Novo Mundo. Entre essesandarilhos, destacamos Pallière (1784-1862), Rugendas (1802-1858), Hercules Florence (1804-1879), e Hildebrandt (1818-1869). Eles também registraram cenas da vida paulista, influen-ciando desse modo outros artistas, esses últimos locais.

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16 “Calçada do Lorena”, deOscar Pereira da Silva, 1826.

Esta obra de Oscar Pereira daSilva foi pintada a partir de umdesenho de Hercules Florence.

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17 “Caminho da roça”, deOscar Pereira da Silva, 1938.

Oscar Pereira da Silva (São Fidélis,RJ, 1867 - São Paulo, SP, 1939),apesar de ter nascido no Rio deJaneiro, e lá exercido várias ativi-dades artísticas, pintou tambémimagens relacionadas a São Paulo,onde passou parte de sua vida.

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Naquele momento, tanto na Europa quanto nas Américas, aRevolução Industrial transformava a vida e a arte. Aqui, porém,a industrialização chegaria muito mais tarde; o que veio com oideal capitalista da época foi a cafeicultura, para influenciar ofazer artístico e assim interferir nos rumos de nossa viagem. AIgreja, até então forte centro de produção estética, passaria adividir sua força com a poderosa elite dos “barões do café”, ricosfazendeiros desejosos de adquirir e encomendar obras de arteque tratassem de outros temas, além dos religiosos.

Na segunda metade do século XIX, muitos artistas nascidosno interior de São Paulo passariam a buscar a capital, para ali fre-qüentar escolas de arte como o Liceu de Artes e Ofícios. Tambémsurpreende o número de paulistas que viajam para o exterior,muitos deles patrocinados pelo Estado, movidos pela necessidadede convívio com outros centros importantes de produção artísti-ca. Paris receberia numerosos artistas de São Paulo no final doséculo XIX e começo do século XX, pois se tratava então de umdos mais importantes centros produtores e irradiadores de arte domundo. Daí se pode dizer que o interior serviu de “celeiro” ou de“incubadora” para a arte produzida na capital, na medida emque esses artistas interioranos traziam para a cidade aquilo quecarregavam consigo: seus repertórios, seus interiores pessoais,seus projetos, suas visões de mundo -, tanto quanto recebiam ainfluência dos “mundos de fora”: os da capital, os do exterior.

Caminho da roça

Almeida Júnior, em luta aberta com as luzes do nosso dia e a cor da terra que a sua paleta parisiense não aprende-ra, analisa com firmeza os costumes e o tipo do caipira.

[ Mário de Andrade ]

Cada artista traz assim até nós um aspecto diverso do uni-verso do interior paulista, uma temática, um modo de realizarsua obra, enfim aspectos que dialogam de forma direta ou indi-reta com o modo de ser “caipira”. Este é fruto de um mundonascido com as entradas e bandeiras e que se desdobra com otempo em muitos centros receptores e irradiadores, os quais porsua vez recebem os imigrantes e os migrantes que pouco apouco se integram às culturas locais, ajudando a transformá-las.

“Para designar os aspectos culturais, usa-se aqui caipira, quetem a vantagem de não ser ambíguo (exprimindo desdesempre um modo de ser, um tipo de vida, nunca um tiporacial), e a desvantagem de restringir-se quase apenas, pelouso inveterado, à área de influência histórica paulista.”22

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18 e 19 “Casamento caipira”,de Cândido Portinari, 1940, e “A caipirinha”, de Tarsila doAmaral, 1923.

Em “Casamento caipira”, Portinariaborda um tema que perpassoutodos os períodos de sua obra: odos ritos populares brasileiros.Nessa imagem os noivos são figu-ras etéreas e quase mágicas. Em“A caipirinha”, a artista moder-nista Tarsila do Amaral utiliza for-mas geométricas e uma explosãode cores, influência de seus estu-dos com o pintor francês FernandLéger (1881-1955).

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Apropriamo-nos aqui de um trecho do texto de AntonioCandido sobre esse universo cultural, apontando para o termo“caipira”, não considerado como dado de uma outra etnia, mascomo aspectos de uma cultura que se estrutura no interior deSão Paulo. O que nos interessa apontar aqui são alguns dos ele-mentos culturais impressos na produção de arte do interior e queapresentam atributos estéticos e históricos desse modo de serpaulista. Para isso, recorremos a algumas pinturas realizadas porartistas brasileiros no séculos XIX e XX, cujos títulos se apropriamdo termo “caipira”.

Nos títulos, assim como nas pinturas, os modos desse ser “cai-pira” aparecem como parte do universo desses artistas. Ao obser-varmos as obras, garantindo o tempo necessário para que sobreelas passeie um olhar-leitor mais aprofundado, podemos reconhe-cer, na construção do texto visual, certas peculiaridades percebidasindividualmente pelos artistas e expressadas nessas obras.

Muitos são os sentidos que a palavra “caipira” tem carrega-do por meio da imagem e, em especial, da imagem da arte. Secontrapusermos apenas dois deles, poderemos perceber que o“caipira” Jeca Tatu, criado por Monteiro Lobato e encarnado nocinema por Mazzaroppi, é muito diferente do “caipira” pintadopor Almeida Júnior. Sobre essa questão, Maria Cecília FrançaLourenço afirma:

“O caipira, para Almeida Júnior, possui um sinal positivoirrestrito ... Há certos preconceitos repetidos, em nossacultura, abarcando sentidos poucos lisonjeiros, entre osquais consta a pecha de atrasado, trapalhão, tímido, seminstrução, simples, tosco, despreparado para a convivênciasocial na fala, nos hábitos, na vestimenta e nos costumes,reveladores de dificuldade para entender a alteridade deuma cultura de que estão (ou desejam estar) apartados. As diferentes interpretações sobre o caipira perpetuadasnas telas do autor de ‘Saudade` encontram-se diametral-mente opostas e revelam uma proposição peculiar nainterpretação do momento por que passava a Província deSão Paulo. Através de suas pinturas, evidencia a necessida-de de se buscar nas origens agrárias um fator capaz dedignificar e idealizar as diferenças, em face da capital doImpério, o Rio de Janeiro.O caipira de Almeida Júnior é arrojado por construir viasde acesso à capital, numa época em que dizimar mataspossuía outra conotação, comparativamente à atualidade,como se vê em ‘Derrubador brasileiro`(Museu Nacional deBelas Artes, 1879), obra feita em Paris. Igualmente enten-de-o como astuto para surpreender a caça, como em

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‘Caipiras negaceando`(Museu Nacional de Belas Artes,1888), nas versões da Pinacoteca e do Museu Nacional deBelas Artes. Expressa-o também na situação oposta e des-contraída, seja tocando a viola, ou na interrupção de umaação para atender a um chamado, seja enrolando calma-mente o cigarro de palha, nas significativas telas daPinacoteca, ‘Violeiro`(1899), ‘Amolação interrompi-da`(1893) e ‘Caipira picando fumo`(1893)”.23

Almeida Júnior (1850-1899) nasceu em Itu e estudou naEuropa, patrocinado pelo imperador D. Pedro II. De volta ao Bra-sil, tornou-se o primeiro artista a levar para a academia obrascom a temática do interior paulista. A partir das retomadas dossalões do Rio de Janeiro, Almeida Júnior “firma a figura do inte-riorano como uma característica divergente da vida na capital daRepública”,24 segundo Maria Cecília França Loureiro.

Aracy Amaral também informa sobre a trajetória do pintor:

“É a partir de inícios de 90 que leva a termo uma série depinturas baseadas na temática caipira, que surpreendente-mente encontrarão acolhida em meio às classes mais abas-tadas da crescente burguesia de uma São Paulo quecomeça rapidamente a transformar-se (de seu aspectocolonial fixado em fotografia por Militão em fins de 70) jácom mestres de obras italianos. Com fachadas vistosas acantar um novo tempo para a cidade que inicia o seu pro-cesso de desvario”.25

20 “Cozinha caipira”, deAlmeida Júnior, 1895.

Na visão de Almeida Júnior, a“Cozinha caipira” é ampla, masquase sombria e com o mínimonecessário para as tarefas reali-zadas no silêncio do ambiente.

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21 e 22 “Caipiras negaceando”,1888, e “Caipira pitando”, 1895,ambas as obras de AlmeidaJúnior.

Em fins do século XIX, o artistaAlmeida Júnior realizou uma sériede pinturas tendo como temáticaa vida no interior paulista, nasquais também destacou o tipomasculino rústico que o própriopintor denominava de caipira.

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23 e 24 “Casamento Capira” e“Casamento Capira” (detalhe),de Adolfo Fonzari (Gorizia,Itália, 1880 - São Paulo, SP,1959), s/d.

O pintor Adolfo Fonzari, em suaobra “Casamento Caipira”, repre-senta as figuras de uma formasolene e contida.

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A contribuição da imagem na construção desse modo de serpaulista está explícita não só nas telas - que trazem no título apalavra “caipira” -, mas também em muitos outras maneiras dever e pintar a vida no interior de São Paulo.

Ao pé da portaA partir de 1848, quando o café passou a ser o sustentácu-

lo da economia da Província de São Paulo - dominando o Vale doParaíba e sobrepujando o açúcar até mesmo em tradicionais re-giões de engenhos como Itu e Campinas -, aumentaram as enco-mendas de obras de arte por parte dos fazendeiros enriquecidos.Assim, fortaleceu-se a diversidade de expressões artísticas, em-bora todas elas tivessem como ideal o modelo acadêmico. Alémdas imagens religiosas e dos retratos de figuras importantes,apareciam com mais força as pinturas de gênero, as paisagens,os retratos de cafeicultores e de suas famílias e as pinturas deco-rativas de forros e paredes, agora não mais restritas às capelas eigrejas, mas executadas também no interior da sede da fazendaou no solar da cidade.

A pintura de gênero buscava representar um ou vários per-sonagens numa situação real ou imaginária, contando uma his-tória ou documentando um instante. Algumas dessas pinturasincluem temas bíblicos, outras representam instantâneos do coti-diano. Exemplos desse tipo de pintura são “Leitura” e “O impor-tuno”, de Almeida Júnior, e “Os emigrantes”, de Antônio Rocco.

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25 “Curva do rio Piracicaba”,de Joaquim Miguel Dutra.

Joaquim Miguel Dutra (Piracicaba,SP, 1864 - 1930) era neto do tam-bém pintor Miguelzinho Dutra.Pintou inúmeras obras represen-tando sua cidade natal.

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As pinturas de paisagem, como o próprio nome diz, têm portema o espaço natural e o urbano, as propriedades rurais e asmarinhas. Benedito Calixto, Almeida Júnior, Pedro Alexandrino,Joaquim Miguel Dutra e José Monteiro França são alguns nomesque se destacam. Joaquim Miguel Dutra, por exemplo, realizouvárias telas sobre o tema da curva do rio Piracicaba. Numa delas,podemos observar essa curva circundada por casas e árvores queconduzem o olhar até as colinas dos últimos planos da pintura.Por utilizar a maior parte da tela para o seu tema, o pintor dei-xou um pequeno espaço para o céu, que aparece no últimoplano. “É obra de quem não estudou pintura, mas gosta do quefaz, mesmo que repita o mesmo tema muitas vezes, produzindo,assim, telas agradáveis”.26 As obras desse artista seduzem o lei-tor, convidando-o a conhecer pessoalmente essa paisagem. Oseu modo de produzir arte, de pintor sem estudos acadêmicos,reflete aspectos da vida no interior paulista, “pois sua ingenui-dade cheia de sinceridade fez com que produzisse obra de saborcaipira de real valor” .27

Observando essas e outras telas, pode-se notar como cadaartista traz referências pessoais para dentro de sua pintura. Cadaum deles reconhece diferentes valores nesse viver no interior.

Em Ferrigno, vemos mais uma paisagem rural do que o tra-balho na lavoura, indiciado apenas por dois personagens solitá-rios, postos no canto inferior direito da pintura. O artista mostra

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26 “Os emigrantes”, deAntônio Rocco, c. 1910.

Nessa obra, o artista AntônioRocco (Amalfi, Itália, 1880 - SãoPaulo, SP, 1944), retrata seus con-terrâneos italianos emigrando pa-ra outras terras.

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27 “Florada de café”, deAntônio Ferrigno, 1903.

Antônio Ferrigno (Salerno, Itália,1863 - 1940) foi outro pintor querepresentou o trabalho na lavou-ra de café, em São Paulo.

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28 e 29 “Colheita de café”,1902, e “Terreiro de café”, 1903,ambas as obras de RosalbinoSantoro.

O artista italiano Rosalbino San-toro viveu em São Paulo, ondepintou cenas da vida cotidianapaulistana, como o processo deprodução do café.

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a vastidão do horizonte rural, colocando o observador distante deseu tema. Já em Santoro, a pintura parece preocupada com oregistro do trabalho, como apontam duas de suas telas, que exi-bem etapas distintas da cafeicultura: “Colheita do café” e “Ter-reiro de café”. Nelas, roupas, posturas e gestos dos personagensrefletem a posição hierárquica e a ocupação de cada um. Em“Colheita de café”, o leitor é colocado como observador não tãodistante, como na paisagem de Ferrigno, mas ainda externo àcena. Em “Terreiro de café”, contudo, é inserido na cena pintada.

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30 Pés de mandioca, feijão efumo, de José Maria Villaronga,c. 1858-1860.

Ainda podemos ver algumas pin-turas nas paredes das sedes dasfazendas de café, atestando ogosto pela arte decorativa de seusantigos proprietários.

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Os retratos - tipo de pintura freqüente desde o século XVI -procuram enfocar personagens importantes. No século XVI, re-tratavam-se figuras destacadas, como clérigos e personalidadeshistóricas e políticas. No século XIX, tornam-se mais intimistas epassam a simbolizar a ascensão social dos fazendeiros de café,ganhando popularidade ainda maior com a inserção dos proces-sos de reprografia e fotografia. Em muitas sedes de fazenda dointerior paulista encontram-se retratos - tanto na forma de pin-turas como de fotografias - das mais diversas épocas, mostrandoo proprietário e sua família. Muitos artistas viviam das encomen-das de retratos dos “barões do café”.

Já as pinturas de forros e paredes, especialmente estas últi-mas, têm função decorativa. Refletindo o gosto acadêmico eheterogêneo da época, esse tipo de decoração de paredes per-manecerá em voga até o início do século XX. A pintura utilizavatemas orientais, ruínas romanas, pavilhões árabes, florões e cor-nucópias jorrando bilhetes de banco, imitações de placas de már-more, truques ópticos como jogo de sombras, para dar impres-são de relevo, quadros pintados nas paredes e que se projetam,como se nelas estivessem pendurados, portas entreabertas oufechadas, para dar uma impressão de realidade. Villaronga(1819-1892) é um dos artistas que executavam retratos e pintu-ras parietais. Muitas de suas obras ainda podem ser vistas naFazenda Resgate, em Bananal, a antiga capital do café do Valedo Paraíba.28

Para travar contato com a arte dessa época, vale a pena visi-tar essa fazenda, em Bananal; a residência urbana da famíliaÁlvares de Magalhães, em São José do Barreiro, e a FazendaRestauração, em Queluz, entre outras.

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31 e 32 Retratos do comenda-dor Luciano José de Almeida esua esposa D. Maria Joaquinade Almeida, ambos de ClaudeJoseph Barandier, 1849.

Os retratos do século XIX regis-tram a ascensão social das elitescafeeiras.

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33 e 34 “Café”, e “Café”(detalhe), de Portinari, 1935.

Com o objetivo de fazer uma“arte nacional”, Portinari realizatrabalhos como o “Café”, repre-sentando os brasileiros e o univer-so do trabalho no país.

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O ModernismoNo início do século XX, São Paulo já não é mais um estado

de economia exclusivamente rural. A indústria e os automóveistomam as ruas da capital, a vida se acelera, sopram novos ven-tos na cultura paulista. A Semana de Arte Moderna, realizada noTeatro Municipal de São Paulo entre 11 e 16 de fevereiro de1922, lança o estopim da grande mudança nas artes paulista ebrasileira, gerando a publicação do “Manifesto da Poesia Pau-Brasil” e do “Manifesto Antropófágico”, ambos escritos porOswald de Andrade - o primeiro publicado em 18 de março de1924 no Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, e o segundo, noprimeiro número da Revista Antropofagia, datada de 1.º de maiode 1928.

A tradição acadêmica remetia a uma pintura realizada a par-tir das regras clássicas de fidelidade à natureza, de uma perspec-tiva que constrói profundidade, de idealização do modelo, entreoutros aspectos. O modernismo romperia definitivamente comessa estética, libertando-se dos cânones até então impostos parao “saber fazer” pintura. Em muitos dos artistas eruditos que via-jaram para o exterior, eram já visíveis as marcas da Arte Modernaeuropéia, prenunciando a virada irreversível deflagrada pela Se-mana de 1922.

Alguns trabalhos de artistas que produziram a partir desseperíodo dão visibilidade, tanto no tratamento estético como notemático, a aspectos próprios da cultura do interior paulista,estabelecendo novos e fecundos diálogos com outras obras jácitadas aqui.

Entre esses artistas, cinco em particular dialogam diretamen-te com nosso texto. Tarsila do Amaral (1886-1973) nasce emCapivari e imprime em sua obra um olhar de reminiscência dainfância na fazenda. Alfredo Volpi (1896-1988) vem da Itália e,no início da década de 50, busca e encontra refúgio na cidadede Mogi das Cruzes. Seu olhar é o do imigrante que se encantacom o que vê, reconhece elementos de suas raízes pessoais noBrasil e assim se apropria de elementos comuns às culturas italia-na e brasileira, a exemplo das festas do interior. Cândido Porti-nari (1903-1962), filho de italianos, nasce em Brodósqui e reve-la, por seu olhar, algo da infância na cidade pequena, das festas,das brincadeiras e dos brinquedos infantis; em suas obrasganham visibilidade elementos do cotidiano da roça, do espan-talho que assusta os pássaros nas plantações à colheita do café.Djanira da Motta e Silva (1914-1979), de Avaré, e José Antônioda Silva (1909-1996), nascido na região de Sales de Oliveira, fil-tram e registram, com seus olhares singulares, nos temas queescolhem, nos modos de realizar suas obras, alguns aspectosdesse espírito do interior, de seus afazeres e prazeres.

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35 “Carnaval infantil emCananéia”, de Alfredo Volpi, c. 1955.

Volpi também abordou, em suaobra, as manifestações popularesdas cidades pequenas.

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36 “Folia do Divino”, deDjanira Motta e Silva, 1959.

O conjunto da obra de Djaniramostra várias cenas do cotidianobrasileiro, com ênfase nos traba-lhadores, nos momentos lúdicos eno próprio trabalho.

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37 “Religião brasileira”, deTarsila do Amaral, 1927.

Tarsila dizia que pintava com ascores que lembrava de sua infân-cia, no interior paulista.

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Caminhos do monumento - chegadas e partidas

O senhor... mire e veja o mais importante e bonito domundo é isto: que as pessoas não estão sempre iguais,não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudan-do. É o que a vida me ensinou. Isso me alegra...

[ João Guimarães Rosa ]

Os caminhos das obras de arte que roteirizaram nossa via-gem pelo interior paulista conduziram-nos, ao longo deste texto,na direção de descobertas e revisitações de aspectos como a reli-giosidade, a paisagem, o trabalho e a vida do interior - esse ter-ritório real e imaginário. As imagens religiosas balizam esse per-curso. Elas chegam ao Brasil juntamente com o espírito catequis-ta do colonizador, trazendo consigo uma marca estética que nãodesaparece, mas se transforma nos fazeres dos muitos artistasque com elas têm contato e por elas são mobilizados a produziroutras imagens, igualmente sagradas, igualmente poderosas.Podemos encontrar ecos dessa imaginária na produção artísticados primeiros paulistas, tanto quanto na dos modernistas e emmuitos outros pintores e escultores com quem os santos conver-sam. Essa temática estabelece diálogos entre artistas de diferen-tes tempos e lugares: do passado e do presente, do exterior e dointerior, do universo sagrado e do profano.

No meio do caminho, olhamos as paisagens que tanto encan-taram os antigos viajantes, que de longe vieram para pintar oNovo Mundo e que, por seu turno, souberam encantar muitos pin-tores paulistas. O diálogo entre as paisagens se estabelece pormeio dos temas e dos artistas, constantemente repropostos. Al-meida Júnior retoma Hercules Florence ao pintar “Partida da mon-ção”. Muitos artistas paulistas serão influenciados por ambos, vin-do a influenciar, por sua vez, outros tantos. São paisagens que setransformam com o tempo e a ação do homem ou que se mantêmquase intactas no correr dos anos, podendo expressar mudançasnos muitos modos de ver e fazer arte. São preciosos registros his-tóricos e estéticos de espaços da vida no interior de São Paulo.

Ao pé da porta, encontramo-nos com as fainas, com as fes-tas e com as pessoas nelas envolvidas. Aspectos do trabalho nasfazendas de café ficam assim registrados nas obras de muitospintores, dos eruditos aos populares. Imagens que apontamvalores, mas que são, em si mesmas, valores e que provocam onascimento de outros valores ainda, seja pela percepção dooutro, seja pela conquista da própria identidade.

O “Monumento às bandeiras” - nosso pré-texto que agoraretomamos -, como todas as obras de arte aqui apontadas, traz

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38 “Monumento às bandeiras”(vista parcial), de VictorBrecheret, inaugurado em 1953.

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em si uma significação singular, que pode e deve ser ampliadanos diálogos múltiplos com as histórias que o antecederam, comos acontecimentos ocorridos durante sua produção e com ofuturo e aquilo que ele nos reserva. Obra única, a escultura deBrecheret pode encerrar em si o que já foi dito aqui, tanto quan-to indicar novos caminhos e novos diálogos com o interior, comos interiores: em cada uma de suas figuras, na maneira como foirealizada, no local em que está posta, em outras obras de arteque evoca - enfim, ainda há muito que ver, muito que descobrir.

Assim como Victor Brecheret, outros artistas produziram eproduzem obras de arte que falam de suas vivências e experiên-cias, reúnem o local e o universal, apontam para o passado e ofuturo, propõem a conquista de territórios por descobrir. Cabe anós, leitores de obras de arte, buscar seus contextos, suas histó-rias, estabelecer outros diálogos pertinentes e provocantes entreessas e as outras obras diante das quais nos colocamos. Cabe anós decidir, a partir de tudo o que foi dito, o que é significativopara a formação de nossa própria identidade. Cabe a nós elegero que nos vinculará ao passado, o que nos servirá para o futuroe o que deverá ser posto de lado e encerrado.

Este texto não pretende concluir-se como viagem, muitomenos fechar questões sobre a arte do interior paulista. Quer serapenas ponto de partida para outras e novas entradas: para esti-mular nosso contato com uma arte que tem muito a nos ensinare sobre a qual há muito que aprender. Podemos enxergar a nósmesmos assim - e por que não? - como as últimas figuras do“Monumento às bandeiras”, empurrando o barco fora da água,no seco, mais para adiante, e sendo também puxados para trás,nesse movimento que nos concede existência e sentido, abrindonossos caminhos para os interiores - o de São Paulo, o do Brasil,o de cada um de nós.

A arte que não serve para todos os tempos não serve paratempo nenhum.

[ Pablo Picasso ]

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1 BATISTA, Marta Rossetti. Ban-deiras de Brecheret: história deum monumento (1920-1953),São Paulo: Departamento doPatrimônio Histórico, 1985, p.57.

2 Idem, p. 46.3 CANDIDO, Antonio, Os parcei-

ros do Rio Bonito, São Paulo:Livraria Duas Cidades, 1977,p. 35.

4 RIBEIRO, Darcy. “Arte índia”.In: ZANINI, Walter (org.). His-tória geral da arte no Brasil.São Paulo: Instituto WaltherMoreira Salles, 1983, vol. I, pp.47-87.

5 Idem, p. 53.6 Idem, p. 53.7 Idem, p. 67.8 ETZEL, Eduardo. Arte sacra ber-

ço da arte brasileira. São Paulo:Melhoramentos, 1984, p. 86.

9 OLIVEIRA, Miriam Andrade Ri-beiro de. “A imagem religiosa

no Brasil”. In: AGUILAR, Nelson(org.). Mostra do Redescobri-mento: arte barroca. São Pau-lo: Associação Brasil 500 AnosArtes Visuais, 2000, pp. 47-48.

10 TOLEDO, Benedito Lima de.“Do século XVI ao início doséculo XIX: Maneirismo, Bar-roco e Rococó”. In: Zanini. Op.cit., p. 94.

11 Idem, p. 92.12 Ibidem.13 OLIVEIRA, Miriam Andrade Ri-

beiro de. Op. cit., p. 54.14 Idem, pp. 49-55.15 LEMOS, Carlos A. C. A imagi-

nária paulista. São Paulo: Pina-coteca do Estado, 1999, pp.64-66.

16 LEMOS, Carlos A. C. Op. cit.,p. 101.

17 Idem, pp. 116-117.18 Ibidem, pp. 119-120.19 OLIVEIRA, Miriam Andrade Ri-

beiro de. Op. cit., p. 49.

20 Idem, p. 50.21 BAECHLER, Dominique-Edouard.

Pintura acadêmica - obras pri-mas de uma coleção paulista(1860-1920): paisagem. SãoPaulo: Imprensa Oficial do Esta-do, 1982.

22 CANDIDO, Antonio. Op. cit.,p. 22.

23 AMARAL, Aracy e LOUREIRO,Maria Cecília França. AlmeidaJúnior: um artista revisitado(Catálogo da exposição emhomenagem aos 150 anos doartista, de 25 de janeiro a 16de março de 2000). São Paulo:Pinacoteca do Estado, 2000,pp. 19-20.

24 Idem, p. 20. 25 Idem, pp. 7-8.26 Idem, p. 168.27 Idem, p. 169.28 O Café, (Catálogo de exposi-

ção). São Paulo: Banco Real,2000, pp. 22 e 23.

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Notas

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uando se fala sobre o artesanato paulista contemporâneo,provavelmente serão mencionadas as delicadas peças de barrodos Figureiros de Taubaté e, em especial, o Pavão Azul, adotadocomo símbolo da atividade dos artífices da região e de todo oestado. Talvez alguém se lembre dos pássaros de Silveiras, enta-lhados em madeira e finamente pintados, ou de outras represen-tações de aves - ao que parece, um tema recorrente no imaginá-rio popular paulista, pois suas figuras estão presentes por todaparte, elaboradas segundo as mais diversas técnicas. Mas não sevai muito mais longe: tais criações seriam a expressão máxima, ea síntese, do artesanato paulista.

Trata-se, evidentemente, da simplificação reducionista deuma atividade múltipla, embora ainda pouco pesquisada.

Não é difícil encontrar argumentos em apoio à variedadedas criações populares em São Paulo. Basta lembrar dos diferen-tes climas, topologias, flora e fauna (os pássaros não estão pre-sentes por acaso) encontrados aqui. Nos planos histórico e cultu-ral, o território no qual teve início a colonização portuguesa noBrasil, o cadinho onde se fundiram as contribuições culturais eétnicas de indígenas, ibéricos, africanos e imigrantes europeus easiáticos das mais diferentes origens teria, necessariamente, deproduzir um artesanato diversificado.

Talvez a produção artesanal paulista encontre justamente navariedade a sua característica mais marcante, o que não favore-ceu o desenvolvimento de uma técnica específica que se dissemi-nasse a ponto de representar o estado, como acontece porexemplo com a renda filé do Ceará. E o próprio desenvolvimen-to econômico de São Paulo, o estado mais industrializado dopaís, levou os artesãos para as fábricas e outros setores, restrin-gindo o espaço para a manifestação de sua criatividade. Hoje,porém, multiplicam-se as iniciativas no sentido de recuperar eestimular, em toda a sua diversidade, o “saber fazer” da gente

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Roberto Santos

Artesanato paulista: técnicas e materiaisda terra

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simples do território paulista. São esses aspectos, de multiplici-dade, perda e resgate da produção artesanal, que serão discuti-dos neste texto.

Trajetória do artesanato: das origens à globalização

O artesanato surge na aurora dos tempos, associado à preo-cupação em suprir as carências humanas nos planos material eespiritual.

Inicialmente, as pessoas produziam objetos para satisfazeràs necessidades de sobrevivência, conforto e prazer da comuni-dade, das mais básicas e imediatas, como a alimentação, até asdo plano simbólico, como a celebração de rituais. Aos poucos, osmais hábeis se especializaram na elaboração desses objetos, tor-nando-se artesãos.

Considerando que as necessidades básicas são bem maisfreqüentes que as de ordem ritualística, grande parte do artesa-nato tem caráter eminentemente utilitário e de uso cotidiano,tais como:

• a cerâmica para armazenar e cozer alimentos e água;• o entalhe em madeira para movelaria e objetos;• a tecelagem para o vestuário e para a casa;• os trançados para cestaria e chapelaria; • os adornos e a cantaria (arte de trabalhar com pedras) para

enfeitar o corpo e a casa; • a luteria (arte de fazer instrumentos) para a diversão e rituais;• as armas para caça e defesa pessoal;• os artefatos ligados à agricultura, pecuária, pesca e ao

comércio.

Embora essas necessidades sejam comuns a quase todos ospovos, os meios e as formas para atendê-las variarão conforme ainfluência da configuração geoambiental sobre as comunidadesresidentes1 e sobretudo de acordo com a sua cultura e saber.Juntos, esses dois fatores acabam por condicionar boa parte dosusos e costumes dos povos e, conseqüentemente, sua produçãoartesanal.

Outro aspecto determinante é a disponibilidade de recursosnaturais que se prestem à confecção do artefato no meioambiente onde vive o artesão.

Por fim, a cultura e o imaginário coletivo e individual confe-rem a essas peças seu traço mais marcante: a utilização de tec-nologias e metodologias, simbologias e iconografias que funcio-nam como assinatura inconfundível de determinada sociedade.

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O impacto da industrialização Tais considerações, necessariamente gerais, se aplicam às

criações artesanais das mais diversas comunidades, de todas asépocas e latitudes. Mas uma profunda transformação produtiva,bem delimitada no tempo e no espaço, pôs em xeque o trabalhodos artífices, primeiro na Europa e logo no resto do mundo. Foia Revolução Industrial, que se iniciou na Inglaterra em meadosdo século XVIII.

Impulsionada pelas máquinas e pelos operários reunidos nasfábricas, a produção industrial em larga escala gerou artigosmais práticos, mais baratos e de fácil acesso a uma parte maiorda população, criando uma ótima alternativa para os consumido-res. No entanto, para o setor artesanal, a invasão dos artigosindustriais representou um golpe fortíssimo.

Na verdade, a produção artesanal não tinha como fazer fren-te à industrial. Historicamente, o artesanato se desenvolvera pararesponder às necessidades básicas de pequenos grupos popula-cionais. Destinava-se ao consumo interno das comunidades pro-dutoras, que precisavam ser auto-suficientes tanto quanto possí-vel, devido às dificuldades de comunicação entre os diferentesnúcleos.2 Essa produção em pequena escala se mostrou incapazde enfrentar a concorrência dos produtos industrializados.

Tamanho foi o impacto da Revolução Industrial, que no dicio-nário de língua francesa Petit Robert fica clara a forma pejorati-va3 como o adjetivo “artesanal” é utilizado. Ele é colocado comooposto de industrial, pouco organizado, e embutindo implicita-mente as noções de primitivo, irregular, inconstante e desigual. Omodelo para comparação é a rigidez dos processos industriais,que resultam em produtos padronizados e idênticos, além demais baratos, o que desde o início seduziu os consumidores.

A definição unilateral do Petit Robert não representou umcaso isolado. Por exemplo, embora fossem rapidamente suplan-tadas pelas máquinas, as técnicas artesanais são bastante sofisti-cadas, pelo grau de apuro no manuseio das matérias-primas epelos próprios métodos de produção, os quais, na ausência deprocessos tecnológicos mais desenvolvidos, só podem resultar deexperiências empíricas aprimoradas ao longo das gerações deartesãos. No entanto, apesar das evidências em contrário, o “sa-ber fazer” dos artífices foi considerado rudimentar e obsoleto.

Outro fator que contribuiu para o menosprezo da atividadefoi o caráter predominantemente utilitário da maior parte do ar-tesanato e sua aparente “rusticidade”. Seria preciso esperar atéa segunda metade do século XX para que essa produção fossenovamente valorizada como uma arte em si própria. A reviravol-ta ocorreu a partir do momento em que os objetos “rústicos”foram absorvidos pelo comércio como produtos de decoração,4

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passando a ser requisitados pelo seu aspecto estético e não maispor sua função propriamente dita.

Contraditoriamente, o processo torna-se mais intenso nasúltimas décadas do século XX, em meio à globalização que tudomassifica. Na sociedade planetária, os objetos elaborados um aum, pelas mãos dos artífices, passam a ser valorizados justamen-te pela simbologia e pelas histórias que lhe são inerentes e queos distinguem da padronização monótona dos produtos fabrica-dos em massa. Essa valorização, em escala global, da criativida-de e dos saberes da população mais simples reflete-se no atualresgate do artesanato paulista, depois de cinco séculos de exis-tência e um longo período de declínio.

O artesanato paulista ao longo da história

Quando os portugueses aqui chegaram, os indígenas já pro-duziam artesanato. Cada grupo tinha seus próprios padrões paraa elaboração de redes, pratos, panelas, esteiras, sacolas, cestostrançados, etc., que supriam suas necessidades cotidianas.

Boa parte dessa produção foi rapidamente assimilada peloseuropeus,5 que reconheceram a engenhosidade e a adequaçãodas soluções encontradas pelos indígenas para as condições doterritório.

Com a dificuldade de comunicação com a metrópole e aimportação restrita ao mínimo possível,6 durante o período colo-nial a moradia brasileira comportou em harmonia o artesanatoindígena e o português. Na verdade, os dois começaram a semesclar, pois os colonizadores também dominavam técnicas co-mo o trançado, a cerâmica, a tecelagem, etc.

Assim, os trançados índios ganharam novas tramas e absor-veram pontos de crochê e tricô, tipicamente europeus, da mesmaforma que os portugueses não só incorporaram a rede de dormirindígena, como lhe aplicaram rendas, bordados, crochê, etc.

Aos colonizadores, deve-se também a utilização de técnicasartesanais de entalhe em madeira e da forja de metais, bemcomo a confecção de figurinhas de barro colorido para a confec-ção de presépios, que auxiliavam na catequese dos nativos.

A partir do século XVIII, com a descoberta do ouro e o des-locamento do eixo econômico colonial do Nordeste para o Su-deste, o intercâmbio com Portugal se intensifica e objetos impor-tados para uso doméstico passam a conviver com os rústicosartefatos brasileiros dos séculos anteriores.7

No início do século XIX, graças à presença da família realportuguesa no Rio de Janeiro e à abertura dos portos ao livrecomércio com o exterior, a influência europeizante nos modos de

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morar altera o quadro anterior, e o luxo se intensifica no interiordas residências das elites. O espaço para o artesanato se reduz,ficando circunscrito às partes mais operacionais da casa, como acozinha, a área de serviço e a senzala. Os núcleos urbanos pau-listas, relativamente próximos da Corte, assimilam pouco apouco essas transformações.

Já nas últimas décadas do século XIX, com a lavoura cafeei-ra e o afluxo de imigrantes italianos para São Paulo, as técnicasde entalhe em madeira e os artefatos de metal e couro se sofis-ticaram, resultando em peças únicas com acabamento refinadís-simo. Sucessivas levas de imigrantes, vindos dos mais diferentespaíses, dariam origem a produções com estilos multifacetados.

Declínio e retomadaCabe ressaltar que o próprio desenvolvimento econômico

paulista, que atraiu os imigrantes, em nada colaborou para amanutenção dos ofícios artesanais. A prosperidade advinda dacafeicultura e depois da indústria arrastou boa parte da popula-ção para esses setores. Desse modo, seduzidos pela oportunida-de de melhorar de vida, os artesãos abandonaram seus ofíciostradicionais.

Na verdade, pode-se dizer que o êxodo de artesãos paraoutros setores mais atraentes em termos financeiros é um fenô-meno generalizado, que torna o nível dessa atividade inversa-mente proporcional ao grau de desenvolvimento de uma região.Não por acaso, existe ainda hoje tanto artesanato no Norte eNordeste e muito menos no Sul e Sudeste do Brasil.

Daí sua freqüente presença junto às camadas mais humildesda população, o que criou a pecha de artesanato “ser coisa depobre”. Além disso, mesmo seus expoentes máximos trabalhamcom as mãos e são normalmente pessoas humildes e de baixíssi-ma escolaridade - quando não analfabetas - das zonas rurais.

Esses fatores tiveram atuação determinante em São Paulo, aregião mais rica do Brasil desde as últimas décadas do século XIX.Menosprezado pela origem social de seus criadores e por sua“rusticidade”, o artesanato foi sendo sistematicamente substituí-do por produtos industrializados.8 O resultado foi a extinção devários ofícios que desapareceram junto com seus mestres, quemuitas vezes não conseguiram sobreviver dignamente de seu tra-balho em virtude dessa acirrada concorrência e da própria desor-ganização do setor artesanal.

Além disso, em face de consumidores que passaram a teropção de compra (a panela de barro concorria com a de cobre edepois com a de alumínio), os artesãos foram se apropriando decaracterísticas desses produtos e passaram a alterar formas, co-res, símbolos, processos produtivos, etc., com o intuito de tornar

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suas criações mais competitivas ou adaptá-las à moda e tambémao gosto dos turistas.

Essa série de fatores acabou por levar a uma profunda perdaou ainda à descaracterização do artesanato paulista. Este se man-teve razoavelmente intocado apenas nas regiões menos desenvol-vidas economicamente e afastadas de grandes centros, como ovale do Ribeira, ou ainda nas áreas de povoamento antigo, quetiveram tempo de criar hábitos arraigados e tradições próprias.Foi o caso do litoral e do Vale do Paraíba. Essas três regiões viriama se tornar redutos tradicionais da produção artesanal.

A perda do lastro cultural, tão essencial ao artesanato, e oforte impacto do mercado globalizado - que pressiona os governosnacionais a suspenderem barreiras para importações de produtosmassificados -, têm levado o Poder Público e o Terceiro Setor a ins-taurarem programas para reverter esse quadro. Assim, o Ministériodo Desenvolvimento lançou o Programa de Artesanato Brasileiro(PAB), e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empre-sas (SEBRAE) instituiu o Programa SEBRAE de Artesanato, que esti-mulam o desenvolvimento socioeconômico e cultural por meio daprodução artesanal. Desse modo, promove-se ao mesmo tempo avalorização das raízes culturais e tradições do povo, profissionali-zação, geração de ocupação e renda e, conseqüentemente, o res-gate da auto-estima e da cidadania dessas comunidades.

Em São Paulo, por exemplo, a atuação do Arte que Vale -Programa SEBRAE-SP de Artesanato tem promovido não somen-te o resgate de técnicas ameaçadas de extinção, ou mesmo jádesaparecidas, como também tem estimulado a recuperação e ainserção de temáticas originais de cada comunidade nos produ-tos, aproximando dos grandes pólos consumidores os núcleosprodutivos profissionalizados e revitalizados.

Esse tipo de iniciativa tem permitido que o artesanato pau-lista venha sendo recuperado e estimulado, mesmo em locais dis-tantes dos redutos históricos de produção artesanal, como acon-teceu nas regiões administrativas de Barretos, Bauru, Central eSão José do Rio Preto.

Aos poucos, as peças dos artesãos paulistas contemporâneospassam a ser utilizadas por arquitetos e decoradores em ambien-tes sofisticados e urbanos,9 num movimento oposto ao que se ini-ciara em princípios do século XIX. Ou seja, o artesanato reconquis-ta as áreas sociais da casa, de onde, aliás, nunca deveria ter saído.

Modalidades do “saber fazer” do povo

Na produção acadêmica brasileira, e em especial na paulis-ta, as manifestações artesanais raramente mereceram pesquisas

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e estudos aprofundados. Na maioria dos casos, foram focaliza-das superficialmente, apenas como apêndices de outras manifes-tações ritualísticas, folclóricas ou étnicas, essas sim dimensõesconsideradas mais significativas e relevantes no tocante ao sabere à cultura populares.10

Ou seja, o artesanato foi estudado onde havia reisados, con-gadas, procissões, folguedos, etc., com a condição de que es-tivesse relacionado a essas manifestações. O mesmo ocorreu nas localidades onde havia remanescentes ou agrupamentosindígenas.

Não é sem razão que o pouco que se estudou sobre o arte-sanato paulista esteja concentrado no litoral, Vale do Paraíba evale do Ribeira. O primeiro e o segundo, pelo povoamento anti-go que levou ao cultivo de várias tradições folclóricas e ritualísti-cas, e o terceiro, pela preservação de hábitos, saberes e tradiçõesda população de ascendência indígena.

Em resumo, tratada com menosprezo, como atividade obso-leta e pouco rentável, a produção artesanal tampouco foi valori-zada do ponto de vista estético e cultural. O resultado é a escas-sez de bibliografia referente ao assunto.

Como reflexo dessa carência, utiliza-se comumente um úni-co termo, “artesanato”, para nominar “o saber fazer do povomanifestado em objetos”. No entanto, essa designação abarcaindistintamente criações completamente diversas, a saber:

• arte popular;• artesanato;• trabalhos manuais.

Independentemente de sua classificação, é importante co-nhecer sua distinção para entender suas diferenças de valor, tan-to econômico quanto sociocultural, e suas complexas relaçõescom a cidade ou região de origem.

Arte popularDas três modalidades do “saber fazer do povo”, a que des-

pertou maior interesse de pesquisa foi a arte popular. Pode serdefinida como a manifestação pessoal de artistas do povo queexprimem, em peças únicas (não seriadas), sua realidade e ima-ginação, com função meramente decorativa ou ornamental, semter recebido instrução acadêmica para tanto, em oposição aosartistas plásticos que estudam com esse fim.11 A tradição santei-ra, a modelagem figurativa em barro e o entalhe figurativo emmadeira constituem exemplos de arte popular.

Dessa forma, artistas populares como Mestre Vitalino emPernambuco, bem como santeiros de todo o país, tornaram-se

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ícones e foram objeto de exposições, pesquisas acadêmicas,reportagens na mídia, etc.

Algo semelhante ocorreu com os Figureiros de Taubaté. Noimaginário do país, suas criações tornaram-se sinônimo de arte-sanato paulista. Com isso, raras vezes são levadas em conta asproduções de outras áreas, a exemplo da cerâmica da região deApiaí, também figurativa e primitivista.

Dadas as limitações deste trabalho, não é possível fazer umrecenseamento completo dos artistas populares paulistas. Alémda árdua tarefa do levantamento em si, seria necessária curado-ria específica e muito delicada.

Por esse motivo, no caso da arte popular, o texto vai se res-tringir aos Figureiros de Taubaté e ao Mestre Ditinho Joana, con-sagrados e alçados por formadores de opinião (marchands, críti-cos de arte, colecionadores, etc.) a uma posição de destaque emrelação a outros artistas populares ainda não “descobertos”.

Artesanato e trabalhos manuaisApesar da utilização do vocábulo “artesanato” de maneira

generalizada e indistinta, o termo recebe, em São Paulo, uma de-finição precisa. Conforme Portaria da Superintendência do Traba-lho Artesanal nas Comunidades (SUTACO) - I, de 14/03/ 1995, eComunicado datado de 02/06/1995, considera-se artesanato todoe qualquer trabalho manual onde há mais de 80% de trabalho dasmãos do artesão, com ou sem auxílio de instrumentos rudimenta-res, na transformação de matéria-prima bruta, normalmente co-mum na sua região de origem, em produto acabado e que trazreflexos claros da cultura local,12 como, por exemplo, trançados emfibras, cerâmicas, entalhes, etc.

Um exemplo esclarecedor é o das garrafas de areia do Ceará:

• desconsiderando a garrafa, que foi comprada pronta, mais de 80% de trabalho manual é aplicado à peça;

• o artesão usa areia comum em sua cidade;• ele transforma a matéria-prima bruta (areia) num produto

acabado;• ele retrata cenas que fazem parte de seu entorno - como as

praias - e de seu cotidiano - vilarejos de pescadores, barcos de pesca, etc.

Em São Paulo, a cerâmica monoqueima de São Sebastião ser-ve como exemplo:• mais de 80% das peças são resultado de trabalho manual;• o artesão, outrora, usava barro comum na região;• ele transforma a matéria-prima bruta (barro) num produto

acabado;

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• a decoração das peças com temas ligados ao mar faz parte do cotidiano dessas pessoas.

Por sua vez, o conceito de trabalhos manuais também é pre-ciso, determinado igualmente pela Portaria SUTACO - I e peloComunicado de 02/06/1995. Tais normas definem trabalhos ma-nuais como os artefatos que tenham, no mínimo, 60% de traba-lho manual reproduzido a partir de fórmulas e receitas de domí-nio público com materiais geralmente industrializados, sem tra-ços culturais peculiares e que, justamente por isso, são os maisfáceis de ser encontrados, tais como tricô, crochê, bordado, pin-tura em tecido, ponto cruz, etc.

A utilização dessas técnicas foi favorecida no Brasil e emSão Paulo pela escassez e o alto custo de panos e fazendas im-portados, desde o período colonial, quando não havia outrasolução a não ser buscar alternativas que acabaram por desem-bocar nos teares, tricô, crochê e outros.13 De início, as peçaseram elaboradas para consumo próprio e depois como forma deobter alguma renda complementar para a família, fato queocorre até hoje.

Essas práticas foram então repassadas à exaustão, caindo no domínio público, e a banalização acabou por desvalorizar ostrabalhos.

Recentemente, porém, com o auxílio de designers e artistasplásticos, os trabalhos manuais vêm sendo revitalizados com autilização de matérias-primas alternativas, como fibras ou mesmofitas de vídeo e sacolas de plástico, e também mediante a inser-ção de temáticas locais que os diferenciam e valorizam.

Uma seleção da produção paulista de artesanato e arte popular

Os exemplos abordados adiante foram localizados sobretu-do em áreas do Estado de São Paulo que tiveram seu povoamen-to iniciado até o século XIX. Isso permitiu que o artesanato e aarte popular tenham ali se instalado antes das grandes transfor-mações que a entrada dos produtos industrializados realizaria nocotidiano do interior paulista durante o século XX, sobretudo nasáreas de ocupação mais recente. Trata-se, portanto, de uma sele-ção, que poderá incorporar outras expressões ainda conhecidasapenas pelas comunidades locais.

Como já foi mencionado, os dois primeiros casos apresenta-dos a seguir constituem exemplos de arte popular. Os demaisenquadram-se na categoria de artesanato.

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Os Figureiros de TaubatéProvavelmente, essa expressão artística tem sua origem liga-

da à arte presepista estimulada pelos franciscanos do Conventode Santa Clara em Taubaté, no século XVII, e irradiada paraPindamonhangaba, São Bento do Sapucaí, São José dos Campos,Tremembé e Taubaté. A região até hoje abriga o maior reduto deprodução desse tipo de cerâmica no estado.

Além de fazerem seus próprios presépios, os artesãos passa-ram a inserir elementos culturais próprios, como imagens de ani-mais da região. Mais tarde passaram a vendê-las, inicialmenteapenas na época do Natal. Um detalhe importante: por seremfiguras santas, as peças não são queimadas, o que aumenta asua fragilidade.

Com o passar do tempo, a produção local começou a ter umestilo bastante característico. Nesse processo, mostrou-se decisivaa contribuição das “Três Irmãs Marias”. Com base no aprendizadocom o pai, José Leite Santos, também figureiro, elas elaborarampeças até hoje copiadas ou reinterpretadas por outros artesãos.

Maria Cândida criou o Pavão Azul - que se tornou o símbolodo artesanato local e da própria SUTACO -, bem como a chuva ourevoada de pavões e galinhas-de-angola, a pavoa branca, o pre-sépio de chuva. Maria Luíza deu origem à série de trabalhadeirasem prosaicas atividades caseiras e cotidianas no interior. MariaEdith foi a que simbolizou mais fortemente a origem religiosadessa arte. Sua criação mais expressiva é denominada NossaSenhora das Flores, inspirada em prece ensinada pelo pai:

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1 e 2 Pavão e galinha,Taubaté.

Herdeiros de antigas técnicas ce-ramistas vindas do período colo-nial, os Figureiros de Taubaté pro-duzem peças delicadas de grandeefeito cromático.

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3 e 4 Chuva de pavões,Taubaté.

Entre as peças mais característicasda produção dos Figureiros deTaubaté destacam-se as chuvas degalinhas d’Angola e também depavões azuis, que pendem de frá-geis armações de arame.

3

4

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Virgem Maria degrande valorcoroada de estrelascercada de flor.Lá no céu tem treze estrelasTodas treze a par com a luaNossa Senhora no meioBrilha mais do que nenhuma.

Atualmente, em Taubaté, a rua Imaculada Conceição, no Al-to do São João, às margens da rodovia Presidente Dutra, reúnegrande parte das famílias de figureiras, que preservam a tradiçãodas pequenas imagens de barro coloridas. Desde 1994 elas dis-põem da Casa dos Figureiros, onde comercializam suas peças oano todo.

A delicadeza e a pureza das peças encantam e seduzem a mí-dia e os formadores de opinião, que as divulgam mundo afora, aju-dando a perpetuar esse exemplo singelo da arte popular paulista.

As esculturas de madeira do Mestre Ditinho JoanaBenedito da Silva Santos é conhecido no bairro do Quilombo,

em São Bento do Sapucaí, como Mestre Ditinho Joana. Hoje, essenome chegou até o exterior. Sua casa já se tornou parte do roteiroturístico da cidade e suas esculturas em madeira são cada vez maisadmiradas, devido às várias exposições das quais já participou.

A exemplo de outros artistas populares, Mestre DitinhoJoana é de família muito humilde e foi obrigado a abandonar osestudos antes de completar o 4º ano primário, para ajudar nalida da roça e no sustento da casa.

Ele começou a trabalhar a madeira em 1974, encantadocom o formato de uma raiz encontrada no campo. Ele conta queresolveu “aperfeiçoá-la”, para que tivesse uma forma definitiva.A partir daí, começou a criar esculturas de bichos, mas depoispassou a mostrar a gente da roça em seu cotidiano de trabalhoárduo. Finalmente, chegou ao que ele chama de “sua paixão”,que é retratar as pessoas mais velhas, pois elas “têm a história ea marca do sofrimento”.

Com base em suas reminiscências, Mestre Ditinho traz emsua obra a narrativa de imagens que não perduraram e tampou-co chegaram a ser registradas: o trabalho no pilão, o fazedor deremédios, o boticário, o sapateiro...

O traço comum a suas esculturas é a autenticidade dos per-sonagens marcados pelo tempo e pela rudeza do trabalho. Asimagens expressam toda a força do universo caboclo, com ummisto de serenidade, nobreza e vigor, que a própria lida na roçalhe permitiu sentir e esculpir.

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Diz ele: “Eu procuro transmitir em minhas esculturas o povoesquecido. Meu avô, meus antepassados não tiveram fotos,foram esquecidos pelo tempo [...] Eu retrato o gesto do povoantigo. Se me pedirem para fazer um jogador de futebol, nãofaço. Não enxergo dentro de mim esse homem. As torturas dohomem da roça são as perfeições de minhas esculturas”. 14

Os bicos de papel e os tocos da região de Bom Jesus doPirapora

Como acontece em todo o Brasil, boa parte das festivida-des e manifestações folclóricas paulistas está ligada a eventosreligiosos.

A tradicional romaria de Bom Jesus de Pirapora, que atraigente de todo o estado e mesmo de outras regiões, é um ótimoexemplo disso. Ela se realiza todos os anos durante o período daPáscoa, quando uma infinidade de romeiros devotos, pagadoresde promessas ou em busca de graças, sai a pé, de bicicleta, oude caminhão para percorrer o trecho que vai de Barueri a Itu echegar a Bom Jesus de Pirapora, no meio desse caminho. Essaestrada, a antiga Marechal Rondon, foi até rebatizada de Estradados Romeiros.

Não é surpreendente, pois, que se encontrem ainda artesãosque dominem as técnicas dos bicos de papel e dos tocos nessaregião.

A falta de recursos financeiros da população mais humilde -e mais devota - fez com que se criasse uma alternativa engenho-sa à utilização das rendas, muito caras, que enfeitavam oratóriose paramentavam as janelas por ocasião da passagem da romaria.Assim se originaram os bicos de papel, de efeito estético seme-lhante às rendas, mas financeiramente acessíveis à população.

A mesma improvisação motivada pela fé e pela necessidadeeconômica ocorreu com a utilização dos tocos, galhos mortosdecorados, empregados para transportar velas durante a romaria.Eles representam, portanto, uma alternativa ao uso de castiçais.

O crochê de barbante de BananalA palavra crochê deriva do vocábulo francês crochet, que

significa gancho, numa alusão ao bico encurvado da agulha uti-lizada para a confecção das peças.

Apesar da designação francesa, não é possível precisar suaorigem. Sabe-se, porém, que na Idade Média as peças de crochêeram muito apreciadas na Áustria, Bretanha e Irlanda e seu valorse equiparava ao das rendas.15

Através dos portugueses a técnica do crochê se espalhoupor todo o Brasil. Mas, na cidade paulista de Bananal, a utiliza-ção do barbante como matéria-prima a singularizou .

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5 Tapete redondo de crochê,Bananal.

Envolvendo dezenas de artesãosda cidade de Bananal, os traba-lhos em crochê de barbante ini-ciados por D. Laurinha são umareferência do artesanatovaleparaibano.

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A técnica introduzida por dona Laurinha, Laura RamosSciotta, encontrou terreno fértil, inicialmente entre as mulheresda cidade. Com o aumento dos pedidos, porém, até mesmo oshomens passaram a fazer peças de crochê de barbante. A práti-ca se entranhou de tal forma nos usos e costumes de Bananalque, excepcionalmente, o crochê dessa localidade é consideradoartesanato e não trabalho manual.

Na década de 1970, o crochê de barbante empregava 200pessoas e a cidade se tornou um pólo produtor, chegando a ex-portar peças. No entanto, com a concorrência de artigos indus-trializados e a falta de renovação, o mercado começou a decli-nar. Diante desse quadro, um grupo de artesãs foi capacitado pa-ra renovar os produtos, tornando-os novamente sedutores.

A cerâmica noborigama de CunhaA rigor, o artesanato mais conhecido de Cunha não se encai-

xa no contexto da atividade artesanal, pois sua origem não estáligada à cultura local. A tradição cerâmica da cidade limitava-seàs criações das “paneleiras”, herdeiras das técnicas indígenas.Mas a situação iria mudar em 1975, com a chegada dos casais deartistas plásticos Toshiyuki e Mieko Ukeseki e Alberto Cidraes eMaria Estrela. Eles introduziram a técnica oriental de cerâmica dealta temperatura - noborigama. Mais tarde outros artistas se jun-tariam àqueles pioneiros e transformariam Cunha num pólo cerâ-mico de reputação internacional.

A tradição dessa cerâmica remonta ao final da DinastiaTang, na China, quando os fornos eram construídos em barran-cos, com câmaras interligadas e alinhadas em desnível. Dessaforma, o forno consegue acumular e distribuir melhor o calor,produzindo efeitos estéticos diferentes de acordo com a exposi-ção da peça às altas temperaturas. Isso faz com que a vitrifica-ção, feita a partir de cinzas e minérios naturais, resulte sempreem criações únicas.

A técnica foi aperfeiçoada no Japão no século XVI. Nobo-rigama é, inclusive, um termo japonês que significa “forno sobrerampa” ou “forno que sobe”. Já nessa época, a temperatura aque eram submetidas as peças alcançava 1.600 graus centígrados.

Hoje a cidade de Cunha conta com nove ateliês de ceramis-tas, dos quais cinco fazem a queima das peças em forno nobori-gama. Cada um tem seu estilo peculiar, mas todos atuam numlimite tênue entre artesanato e arte, transitando livre e criativa-mente por esses dois terrenos.

Dos precursores, restam Mieko Ukeseki e seu companhei-ro Mário, que produzem peças variadas. Mieko, porém, tem umviés forte para a escultura, mesmo quando elabora objetos utili-tários.

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Os trabalhos de Gilberto Jardineiro e Kimico Suenaga, quetambém fizeram parte do grupo inicial, recebem uma delicadapintura de motivos naturais com forte influência oriental.

Luiz Toledo, antigo aprendiz, influenciado pela mestra Mie-ko, produz máscaras de barro e figuras da cultura vale-paraiba-na. Lei Galvão e Augusto Campos, também ex-aprendizes dogrupo inicial, parecem produzir uma síntese de tudo que lhes foitransmitido por seus diferentes mestres.

Desde 1998 os ateliês recebem o público para a aberturadas fornadas a cada três meses. Os eventos são divulgados viamala direta e via e-mail para clientes de todo o Brasil e mesmodo exterior, garantindo assim o rápido escoamento das peças.

O trançado de taboa de PotimA abundância da vegetação nativa em todo o Brasil levou os

indígenas e posteriormente os europeus a desenvolver comfibras variadas e técnicas híbridas, fruto da influência mútuaentre essas culturas, uma infinidade de objetos para as necessi-dades diárias. Desse modo foram criados produtos que vão decestas e sacolas comuns a engenhosas arapucas.

Na cidade de Potim, os irmãos Donizete podem ser conside-rados mestres no trançado em taboa, bastante difundido por to-do o território paulista. A partir desse talento, a técnica foi re-passada a um grupo que está sendo nela capacitado.

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6 e 7 Peças de cerâmicas de técnica noborigama, Cunha.

Oscilando entre objetos utilitáriose outros de caráter escultórico, aprodução de cerâmicas noboriga-ma constitui uma importante in-corporação de técnicas japonesaspor artesãos e artistas paulistas.

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Curiosamente, uma das pessoas do grupo, a sra. DeolindaElache, tem reminiscências de sua infância num sítio da região,quando uma esteira tripla de taboa lhe fazia as vezes de colchão.Pode-se perceber claramente o processo de miscigenação cultu-ral, pois o trançado tem origem indígena, e a esteira, tão bemadaptada ao nomadismo dos nativos, foi convertida na formasedentária do colchão.

Os pássaros de SilveirasPassado o período áureo do café, Silveiras, bem como outras

cidades do Vale do Paraíba, estava fadada à decadência econô-mica, que se prolongou pelo século XX.

No início da década de 1980, o artesão Benedito Paulino,que produzia toscas gamelas e pilões, passou a fazer imagens depássaros entalhadas em madeira. Ele atendia à encomenda dedois artesãos, João Camilo e sua esposa Denise, que haviammudado recentemente para Silveiras.

O casal, que na época fazia macramê (criação de objetos pormeio de nós em cordas e cordões), estava habituado a freqüen-tar feiras de artesanato para vender seus produtos. Certa ocasiãoos dois receberam um pedido para fornecimento de pássaros emmadeira pintada para complementar a pequena produção deartesãos de Camburi, no litoral norte de São Paulo.

O sucesso das peças entalhadas e finamente pintadas alcan-çou tais proporções que atualmente a cidade sobrevive basica-mente desse artesanato, vendido para todo o Brasil.

As peças decorativas, utilitárias ou mesmo lúdicas, retratamprincipalmente aves locais e do país. Certos artesãos chegam aestudar o passaredo para obter resultados ainda mais fiéis. Porconta disso, reza uma história que um deles fez uma casa dejoão-de-barro e a colocou na frente do ateliê, e que um casaldessas aves logo a ocupou.

Atualmente, Silveiras conta com oito ateliês ativos, cadaqual com suas peculiaridades. Os mais ousados, como Camilo eDenise, esmeram-se em criatividade e acabamento, extrapolandoos modelos mais comuns e adotando outros elementos da fauna,bem como funções inéditas, entre as quais as lúdicas caixas-segredo.

O repuxo em cobre da região do Vale do ParaíbaO Vale do Paraíba ocupa uma posição estratégica, na divisa

entre Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, próximo aos por-tos por onde escoavam, no século XVIII, o ouro de Minas e, de-pois, o açúcar e o café. Devido a esses fatores, tornou-se cami-nho obrigatório dos tropeiros. Nos pousos de sua passagem, for-maram-se vilas que concentravam todas as espécies de serviço

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8 Cesta com tampa em taboa, Potim.

Produzido em diversas localida-des paulistas, o artesanato emtaboa pode ser considerado umareminiscência das técnicas indíge-nas de utilização de fibras vege-tais para a elaboração de objetosutilitários.

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para satisfazer as necessidades das tropas. Entre esses prestado-res de serviços estavam os artesãos do cobre.

O emprego do cobre para fins utilitários provavelmente es-tá ligado à dificuldade de manuseio do ferro, que tem seu pontode fusão a uma temperatura muito superior, além de ser poucomaleável.

O cobre mostrou-se então propício e de fácil elaboraçãopara os artesãos que trabalhavam com a técnica do repuxo, queconsiste em aquecer chapas e, com uma marreta, afinar sua es-pessura e dar a elas o formato desejado.

Os artefatos de cobre, menos sujeitos à oxidação e de higie-nização mais fácil que os de ferro, encontraram larga utilizaçãona culinária, como testemunham os tachos, panelas, escumadei-ras e alambiques produzidos na região.

Restam ainda, no Vale do Paraíba, alguns artesãos isolados,herdeiros da técnica do repuxo em cobre. No entanto, devido aoalto grau de dificuldade na confecção das peças e à concorrên-cia dos produtos industrializados, esse artesanato tende a seextinguir, caso não seja estimulado.

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9 e 10 Pássaros de madeira ecasa de joão-de-barro, Silveiras.

Muito voltada para a represen-tação da fauna local, a produçãode pequenas esculturas de pás-saros de Silveiras floresceu nadécada de 1980 e, desde então,ganhou grande notoriedade.Celebrando um dos pássaros maispopulares entre as crianças dointerior paulista, a casinha dejoão-de-barro é uma obra do deli-cado artesanato escultórico dalocalidade valeparaibana.

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Os artefatos de casca de laranja e bagaço de cana deAraraquara

A técnica de artefatos feitos de casca de laranja e bagaço decana em Araraquara dá testemunho dos bons resultados doincentivo à criatividade local, mesmo em regiões sem uma tradi-ção de artesanato.

Ao ser realizada uma visita técnica a Araraquara, verificou-se que não existiam estilos típicos, técnicas ou materiais quecaracterizassem a cidade em termos de artesanato. Foi entãorealizado um concurso promovido pela Secretaria da Cultura emparceria com o SEBRAE-SP a fim de estimular a engenhosidadedos artesãos locais.

Os vencedores foram a Sra. Rosa Maria da Cunha Alves e seumarido Dalvo Rodrigues Alves, que desenvolveram produtos à ba-se da casca da laranja e do bagaço de cana. Esses materiais eramdejetos abundantes na região, que conserva forte presença dalavoura canavieira e constitui um dos maiores pólos exportadoresde suco de laranja do país.

A técnica utilizada pelo casal foi a moldagem de acordo coma forma pretendida, com a aplicação de desenhos pirografados.

A partir dessa idéia, formou-se em 2001 um grupo para tra-balhar com esses artefatos.

O revestimento de capim amargoso de CajobiQuando foi realizada visita técnica à região de Barretos em

2001, entre os trabalhos manuais e outros objetos com forteapelo country destacou-se a técnica do revestimento de capimamargoso, originária de Cajobi.

A curiosa prática nasceu da criatividade da artesã DelfinaRibeiro Marcelo. A partir da técnica do ponto cruz, utilizada no

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11, 12 e 13 Padrões de trançado e peças em capimamargoso, Cajobi.

A abundância de uma plantarejeitada pelo gado favoreceu acriatividade e a produção depeças pelos artesãos de Cajobi,que transpuseram técnicas doponto cruz para os trabalhos como capim amargoso.

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bordado, ela transferia os desenhos que desejava trabalhar paratelas que eram então recobertas por esse material, “o capim queboi não come”, praga nos pastos da região.

Depois de criada, a imagem era pintada, o que de certaforma acabava por esconder a beleza do material. Hoje o geome-trismo e a cor natural da matéria-prima já são ressaltados emdiversas peças utilitárias.

O trançado estrela de OlímpiaArtesanato típico de Olímpia, na região de São José do Rio

Preto, o trançado estrela se origina das técnicas indígenas. So-freu também influências de outros povos que se fixaram nas ter-ras paulistas, originando padronagens únicas.

O trançado tem no milho sua matéria-prima. A planta já fa-zia parte da alimentação de muitos grupos indígenas da região,bem antes do descobrimento. Além disso, a palha do milho erausada na confecção de cestos, utilizados no dia-a-dia dos nativos.

A peculiaridade desse trançado consiste na trama em formade estrela, única no país, elaborada sem o auxílio de qualquerequipamento elétrico. O processo é extremamente trabalhoso;uma única peça pode consumir um dia inteiro do artesão.

A produção extinguiu-se por vários anos, a ponto de resta-rem apenas duas peças feitas com essa técnica: um chapéu e umcesto. Os objetos pertenciam ao Museu de História e Folclore“Maria Olímpia”, e a artesã que os criara já havia falecido. A téc-nica foi resgatada pela mestre artesã Geralda das Neves Singh,que a aprendera ao restaurar uma peça desse museu.

Assim se originou o grupo de Trançado Estrela, que vemganhando notoriedade. Em agosto de 2003, uma almofada feitapor esse grupo foi premiada na quarta edição do concurso dedesign promovido durante a XXVII Housewares & Gift Fair, maiorfeira de artigos para a casa, utilidades domésticas e presentes daAmérica do Sul e a quinta mais importante do gênero em todo omundo. Vale ressaltar que a almofada concorreu com 334 inscri-tos, em sua maioria empresas tradicionais do setor, com acessofácil a todo tipo de recurso para desenvolver seus produtos.

As peças começam a chegar aos lojistas dos grandes centrose estão se tornando o símbolo da cidadezinha paulista.

O panô de ponto ajur de São CarlosA região administrativa Central, da qual faz parte São

Carlos, esteve entre os trechos do território paulista tomados deassalto pela cafeicultura no decorrer do século XIX.

Os escravos usavam então as sacarias de juta danificadas,que serviam de acondicionamento ao café, para confeccionarsuas próprias roupas, arrematando-as com sisal.

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14 Porta guardanapo emtrançado estrela, Olímpia.

Fruto da retomada de técnicasesquecidas, aprendidas nova-mente quando da restauração depeças antigas, o trançado estrelade Olímpia tem como matéria-prima a palha do milho.

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Com a chegada dos imigrantes italianos, a econômica idéiada utilização das sacarias de juta foi aprimorada com a aplicaçãode retalhos unidos pelo ponto ajur para a confecção de peças paracama e mesa, provavelmente devido à raridade e ao custo eleva-do, nas áreas rurais, de tecidos e outros artigos industrializados.

Nas famílias dos colonos italianos, a elaboração das peçasera atribuição tipicamente feminina. Uma “mulher prendada”deveria ser capaz de prover a casa e a família com prendas e uti-litários diversos que mostrassem o pleno domínio de técnicasmanuais como a costura. Desse modo, ela devia conhecer osdiversos pontos do crochê e do bordado, entre os quais o ajur.

O panô de ponto ajur é um processo artesanal híbrido, queassocia diversas técnicas de costura. Sobre a juta são aplicadosdiferentes retalhos de tecido de acordo com o efeito que sedeseja dar à peça, unidos pelo ponto ajur, que ressalta a junçãodos retalhos. Tudo é feito manualmente, sem auxílio de equipa-mento elétrico ou mecânico.

Bastante trabalhoso, esse artesanato foi sendo gradativamen-te abandonado e esteva muito próximo de se extinguir. Em 2001,porém, a mestra artesã Nelcy Bastos repassou a técnica para ou-tras artesãs. Surgiu então o grupo Raízes do Café, composto sópor mulheres, que hoje, além de produzir, administram o negócio.

As peças já estão disponíveis em algumas lojas da capitalpaulista e também podem ser encomendadas via internet, no sitedo grupo.

O artesanato paulista tem futuro?

Esse breve levantamento permite identificar algumas ques-tões para o exame dos rumos e perspectivas de sobrevivência doartesanato paulista. Evidentemente, elas não esgotam a discus-são, pretendem apenas colocá-la na ordem do dia.

O primeiro aspecto, e um dos mais urgentes, diz respeito à necessidade de um estudo aprofundado das manifestações

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15 e 16 Serviço americano em trançado estrela, Olímpia.

Servindo aqui de acabamento àuma peça central de tecido, otrançado estrela é o mais notórioproduto artesanal da cidade quesedia o Festival do Folclore, rea-lizado anualmente em agosto.

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artesanais em todo o território. Na medida em que não existe emSão Paulo um tipo hegemônico de artesanato, como ocorre emvárias regiões nordestinas, essas pesquisas permitem captar uma dascaracterísticas mais fortes da produção paulista, ou seja, sua enor-me diversidade. Elas também podem contribuir para a criação denovas técnicas, como aconteceu em Araraquara, com a difusão dosartefatos à base da casca de laranja e do bagaço da cana.

Outro ponto a destacar é o relativo êxito das iniciativas deestímulo e resgate do artesanato. Um caso extremo ocorreu emOlímpia, onde a técnica do trançado estrela, já extinta, foi recu-perada. Também se alcançaram êxitos na revitalização do panô deponto ajur de São Carlos, do crochê de barbante de Bananal e emmuitas outras atividades. Isso aumenta as perspectivas de sobre-vivência para o artesanato em cobre do Vale do Paraíba, ameaça-do de extinção. E quantas práticas, por todo o estado, devemestar na mesma situação, declinando aos poucos até desaparece-rem? Os esforços para identificar, recuperar e dinamizar essas ati-vidades ajudam a preservar a diversidade cultural paulista e con-tribuem para o reforço da cidadania de seus humildes criadores.

Cabe também ressaltar que não existem fronteiras estáticasentre as diversas modalidades do “saber fazer do povo manifes-tado em objetos”. Por exemplo, o crochê de barbante, trabalhomanual, é considerado artesanato devido a sua grande difusão nacidade de Bananal, enquanto o artesanato dos Figureiros deTaubaté alcançou reconhecimento como arte popular. Talvez ospássaros de madeira de Silveiras, cada vez mais elaborados,venham a conquistar o mesmo status, repartindo o espaço, naarte popular paulista, com o pavão azul e a pavoa branca criadospela figureira Maria Cândida. Desse modo, o levantamento dasdiferentes manifestações da engenhosidade popular e o estímuloa essas atividades podem contribuir para dinamizá-las e torná-lascada vez mais expressivas, ampliando o acervo artístico e culturalda população paulista.

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17 e 18 Peças em ponto ajur,São Carlos.

A abundância de sacas de jutadestinadas ao café acabou porsugerir a artesãos de São Carlossua utilização como matéria pri-ma básica para as peças que rece-bem o acabamento em pontoajour, destinado a fixar os reta-lhos de tecido colorido sobre afibra vegetal.

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1 VIDAL, Lux e DA SILVA, AracyLopes. “O sistema de objetosnas sociedades indígenas: artee cultura material”. In: Arteplumária do Brasil, 1982, dis-ponível em www.bibvirt.futu-ro.usp.br/textos/humanas/edu-cação/temática/#1, acessadoem agosto de 2003.

2 BARDI, Pietro. Mestres, artífi-ces, oficiais e aprendizes. Vol.4. São Paulo: Banco Sudameris,1981 (Coleção Arte e Cultura).

3 Petit Robert: “Artesanal: Quese refere ao artesão. Setor Ar-tesanal. Por exemplo: essa ati-vidade ficou artesanal, é, mui-to artesanal: pouco organiza-da e industrializada”.

4 SOUZA, Márcio. Brasil das ar-tes. São Paulo: Imagem Data,1998, p. 17.

5 DAMANTE, Hélio. Folclore bra-sileiro. Rio de Janeiro: Funarte,s/d. pp. 39-41. “O artesanatoindígena foi largamente preser-vado ou assimilado no empre-go de redes de pescar, dormirou de defuntos, e nas edifica-ções de taipa e suas armações,cobertura e ‘amarrações`. Pro-vém da mesma fonte o uso dapalha de milho, da taquara edo cipó, a confecção de arma-dilhas para a caça e a pesca, sa-lientando-se a arapuca e o co-vo, além de parte substancialde cerâmica doméstica. O po-te de barro e a cuia de coco oude cabaça, ao lado da ‘bica`,figuram entre os objetos de pri-meira necessidade, juntamentecom peneiras, cesteiras, ces-tos(as) e balaios (...)”.

6 SURIANI, Rogério Massaro.Releitura das ambientaçõesbrasileiras - cinco séculos dehistória. São Paulo: Senac,2003.

7 SURIANI, Rogério Massaro. Op.cit. “Em virtude da falta de mu-lheres brancas, as índias assu-miram seu lugar nas casas, so-cando milho, preparando man-dioca, trançando as fibras, fa-zendo redes e moldando o bar-ro. A cestaria e o trançado exis-tentes desde o início da coloni-zação, ainda supriam a necessi-dade de objetos como balaios,cestos, esteiras, chapéus entreoutros. As fibras naturais utili-zadas pelos indígenas, como oalgodão, o tucum e a folha depalmeira, foram incorporadaspelo colonizador na confecçãode redes e vestimentas. A cerâ-mica era feita com a mesmatécnica dos índios numa grandeprodução de panelas, jarros,cuias, potes e vasilhas, de barrobranco ou escuro, e serviam pa-ra o preparo e armazenamentode alimentos”.

8 SANTOS, Gerson Munhoz dos.“Antecedentes e evolução”.In: MASSARANI, Emanuel VonLauenstein. O artesanato deSão Paulo. São Paulo: Impren-sa Oficial do Estado de SãoPaulo, 1983.

9 CASO, Fabiana. “O lugar doartesanato”. O Estado de SãoPaulo, Caderno Casa & Família,pp. 1-3, São Paulo, 27/07/03.

10 PEREIRA, João Baptista B. “Oartesanato na cultura”. In: Bi-blioteca Eucatex de CulturaBrasileira. Arte no trabalho.São Paulo: Grupo Eucatex,1991. “Nas reflexões sobre aprodução cultural dos povos,onde se situam de forma privi-legiada as de natureza antro-pológica, pode-se detectaruma vocação irresistível, comose fosse uma ordem de caráternatural e impositiva ao mesmo

tempo, para se eleger certostemas. Em geral é uma escolhatemática, feita convencional-mente, a partir de conceitos epreconceitos. Tome-se comoexemplo, o artesanato. Visto eavaliado como expressão ma-terial, ou ergológica, de cultu-ras conceituadas como civiliza-das, o artesanato é cataloga-do, às vezes até depreciativa-mente, como folclore, espéciede componente cultural menordo processo civilizatório.”

11 BARROSO NETO, Eduardo. Cur-so de gestão estratégica de de-sign no artesanato (apostila).Ceará, Instituto Dragão do Marde Arte/Indústria Audiovisualdo Ceará, jan./2001.

12 MEGALE, Nilza B. Folclore bra-sileiro. 4ª ed. Rio de Janeiro:Vozes, 2003.

13 DAMANTE, Hélio. Op. cit.. pp.39- 41.

14 WALDECK, Guacira. Esculturasde Benedito da Silva Santos(folder da exposição). Rio deJaneiro: Funarte, 11/9 a 19/10de 1997.

15 Biblioteca Eucatex de CulturaBrasileira. Op. cit.

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Notas

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isualizar de maneira panorâmica e histórica as práticasmusicais em São Paulo, projetadas a partir das regiões interiora-nas, possibilita-nos perceber um amplo leque de modalidades,que abrangem, entre outras:

a a música dos primeiros ocupantes da região, os índios; b as realizações dos grupos negros trazidos na condição de

escravos, que muitos viajantes e memorialistas registraramgenericamente como batuques;

c as músicas populares diversas, dos saraus das elites às seres-tas e bailes populares;

d aquelas identificadas como folclóricas, das danças, folguedose rituais tradicionais; e, dependendo da localidade,

e a música identificada como “erudita” ou “clássica”, dos con-certos, e que podemos encontrar também nos antigos ofíciosreligiosos. Claro, não podemos deixar de mencionar as ban-das e suas retretas, que marcaram e marcam ainda a vida demuitas cidades.

No caso da música sacra (“clássica”), podemos lembrar, porexemplo, das atividades do Frei Jesuíno do Monte Carmelo (1764-1819), que nasceu na cidade de Santos e atuou também em Itu,entre o final do século XVIII e o início do século XIX, tendo pro-duzido importante obra musical sacra. E ainda de Manuel JoséGomes (1792-1868), nascido em Santana de Parnaíba e queatuou sobretudo em Campinas, onde nasceu o seu filho famoso,Antônio Carlos Gomes (1836-1896). Manuel José Gomes alcan-çou renome como músico, tendo composto também várias peçassacras e profanas. Claro que estes são apenas alguns exemplosreferenciais, pois nessas e noutras cidades antigas bem antes já se realizavam ofícios religiosos e profanos, nos quais a música de autores de formação erudita sempre se fazia presente.1 Eles

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Alberto T. Ikeda

Música na terra paulista: da viola caipira àguitarra elétrica

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incursionaram também pela música popular. O próprio CarlosGomes, que se notabilizou nacional e internacionalmente com assuas óperas - entre as quais “O Guarani”, que estreou com gran-de sucesso na Itália em 1870 -, compôs modinhas, valsas, polcas,quadrilhas, mazurcas e outros gêneros populares.

A música da PaulistâniaNesse texto, porém, optamos por tratar sobretudo de uma

modalidade especial da música popular. Uma música que se rela-ciona à própria formação histórica de São Paulo, singularizando-se como paulista. Nesse caso, quando buscamos alguma identi-dade, sobretudo do interior, chegamos certamente à músicapopular de tradição oral, que tem na viola caipira o seu símbolomaior.2 Surgida na gênese dessa formação histórica, a chamadamúsica caipira se expandiu por um amplo território por vezesdesignado como Paulistânia - a área ocupada pelos paulistas nosséculos XVI, XVII e XVIII e influenciada culturalmente por eles,que se estende pelas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste eabrange basicamente, além de São Paulo, trechos dos atuaisestados de Minas Gerais, Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso doSul e Goiás.

Com o tempo, a partir das expressões culturais caipiras maisantigas, cada uma dessas regiões foi firmando processos cultu-ral-musicais próprios, de múltiplas influências. Nesse caso, pode-mos exemplificar com as regiões mato-grossenses que cultivam orasqueado cuiabano, de marcante influência paraguaia, mas pre-servam ainda a dança do cururu, com cantoria de desafio, que ébem tradicional de algumas localidades do interior paulista.3 Defato, as duas regiões partilharam uma mesma gênese cultural ini-cial: as primeiras povoações do Centro-Oeste foram estabeleci-das por bandeirantes paulistas.

Assim, a música caipira, em um primeiro momento, se fez apartir das práticas musicais aqui introduzidas pelos portugueses,de tradição ibérica. Com o tempo, incorporou, em pequena es-cala, traços de musicalidades indígenas, e posteriormente rece-beu a influência da música de africanos e seus descendentes.Não se imagine, porém, que essa formação cultural tenha ocor-rido de maneira simples e sempre harmoniosa, por meio das“contribuições dos povos”. Claro, os contatos dos portuguesescom os índios e, posteriormente, com os escravos africanos sederam muitas vezes de forma traumática, com lutas e processosde dominação pela força. Mesmo nos momentos pacíficos osprocessos culturais são comumente frutos de trocas e disputassociais, de tentativas de prevalecimento de interesses diversos,de pessoas, grupos e classes sociais, por suas formas de “ver omundo” e conduzir a partir delas a realidade social. Podemos

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exemplificar aqui com dois dos gêneros musicais mais tradicio-nais da cultura caipira, o cururu (já mencionado) e o catira, queresultaram do processo de catequese que os jesuítas realizaramcom os indígenas desde o século XVI. Os padres teriam utilizadoalgumas danças já praticadas pelos nativos, adaptando-as para,por meio delas, incutir nos índios, principalmente a partir dascrianças, os valores religiosos e de vida do catolicismo. Isso impli-cou, ao longo do tempo, no desaparecimento dos modos devida, da língua, das crenças, da imensa maioria dos traços cultu-rais dessas comunidades nativas, empobrecendo, evidentemen-te, as variantes e riquezas próprias dos grupos humanos.

Quanto à questão da área de abrangência da cultura caipi-ra, há de se lembrar, ainda, que a expansão da música dos pau-listas teve outras etapas além daquela inicial, decorrente da ocu-pação do território. Com o desenvolvimento dos meios de comu-nicação de massa, no final da década de 1920, iniciaram-se asgravações de discos com a música do interior paulista, rebatiza-da de música sertaneja, que também passou a ser divulgada nasrádios. Essa nova fase de expansão atingiu paulatinamenteoutras regiões, até chegarmos às décadas de 1970/1980, agorajá com a presença da televisão. Nos anos seguintes, quase toda

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1 Tocador de viola na Festa doDivino Espírito Santo, em Mogidas Cruzes, 2002.

Oriunda da tradição portuguesa,a viola é um símbolo da músicapopular em que a oralidade tempapel fundamental.

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modificada, a música historicamente lastreada em São Paulo tor-nou-se fenômeno nacional e internacional, com as “duplas ser-tanejas jovens”, como Chitãozinho e Xororó, Christian e Ralf,Zezé Di Camargo e Luciano e tantas outras.

Não se fará aqui uma história da música em São Paulo, mas,sim, uma abordagem introdutória, apontando alguns momentose nomes referenciais sobre o assunto.

A cultura e a música caipiras

No uso popular, o termo “caipira” firmou-se como adjetivopejorativo, indicando sobretudo timidez, rudeza nos modos eignorância, que supostamente caracterizariam as pessoas das re-giões interioranas. Porém, nos trabalhos de historiadores, soció-logos, antropólogos e outros cientistas sociais, a palavra é utiliza-da para se referir à cultura tradicional paulista, cujo significadoetimológico mais comumente aceito, originado nos idiomas dafamília lingüística tupi-guarani,4 refere-se aos moradores das re-giões do interior. No presente texto, adotamos o termo no usocomum das ciências sociais, para se referir, no caso, à música tra-dicional paulista, que muitos identificam como folclore.

Essa música se faz presente nos diversos momentos da vidadas comunidades reconhecidas como caipiras, seja trabalho sejana vida doméstica, nas festas e no lazer, nas práticas rituais reli-giosas.5 Conforme explica José de Souza Martins, a música caipi-ra “se caracteriza estritamente por seu valor de utilidade, en-quanto meio necessário para efetivação de certas relações sociaisessenciais ao ciclo do cotidiano do caipira”.6 Assim, ela dificil-mente é praticada apenas para a audição isolada, de forma autô-noma, como atividade puramente musical. Comumente aparecerelacionada a outras expressões, sejam os ritos religiosos, o baile,as danças e os folguedos dramáticos,7 as atividades de trabalhoe outras.

Os momentos em que mais se podem ouvir essas músicassão os do convívio coletivo, como as festas cíclicas anuais, namaioria de cunho devocional, em louvor aos santos, que envol-vem cidades inteiras e suas regiões próximas, nas quais se apre-sentam os grupos de danças e folguedos tradicionais e se can-tam nas capelas, igrejas, casas, sítios e procissões. Entre as maisdifundidas em São Paulo estão as festas do Divino e dos SantosReis, as de São Benedito e/ou Nossa Senhora do Rosário e as fes-tas dos santos de junho (Santo Antônio, São João e São Pedro).8

Comumente se podem encontrar nelas, dependendo da região,manifestações de folguedos dramáticos como a congada, omoçambique e o caiapó,9 e danças como o catira ou cateretê, o

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2 Folia dos Santos Reis, noParque da Água Branca, 1999.

Da véspera do Natal até o dia daFesta dos Santos Reis, os devotoscom trajes típicos visitam as resi-dências cantando e tocando seusinstrumentos.

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3 Tocador de marimba de umgrupo de congada na Festa deSão Benedito, em Ilha Bela,1999.

Os devotos fazem festas a SãoBenedito em datas variáveis, deacordo com cada região do esta-do. O santo negro é homena-geado com congadas, moçambi-ques, distribuição de comida eprocissões.

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fandango, o jongo, o batuque (de umbigada), alguns tipos desamba (samba-de-bumbo e samba-lenço) e outras mais.10 Tam-bém se pratica muita música nas festas mais particularizadas, nossítios e casas, que mesmo assim sempre envolvem grande núme-ro de participantes da vizinhança. É o caso da Festa de SãoGonçalo, bastante disseminada em São Paulo, que se dá pormeio de uma dança específica, normalmente com cantoria, pal-meado e sapateado.11 No campo religioso não se pode deixar demencionar também, em algumas localidades, os cantos de reco-menda de almas, do período da Quaresma/Semana Santa, que sefazem para o “descanso das almas do purgatório”.12

Podemos lembrar ainda de práticas musicais nas atividadesde trabalho grupal, como as cantorias de mutirão. Estas se fazema partir de um costume antigo de labor comunitário (mutirão,puchirão), para a realização de alguma tarefa que requer muitaspessoas (colher safra agrícola, construir casa, roçar pasto eoutras), a convite de um morador. A prática consiste na forma-ção de duplas, que, interrompendo por um momento o trabalho,cantam versos, normalmente quadras elaboradas no ato, numaespécie de desafio entre as duplas. Completada a tarefa propos-ta no dia, em geral se realiza uma festa noite adentro, semprecom repasto farto e comumente com cantorias e/ou danças, que,conforme a região, podem ser o desafio do cururu 13 e dançascomo o catira, a cana-verde, a ciranda, a dança do caranguejo eoutras.14 Naturalmente, também nas festas profanas, como o car-naval, realizam-se manifestações que envolvem a música, acom-panhando diversos tipos de cortejos de blocos (cordão-de-bichos, boizinho de carnaval).15 Cabe mencionar, ainda, os ofícios

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4 Festa do Divino, em São Luiz do Paraitinga, 2000.

Realizada cinqüenta dias após aPáscoa, a Festa do Divino repre-senta a visão do Espírito Santo,sob a forma de uma pomba, pelosapóstolos. Os homens fardadosfazem parte da celebração, queinclui danças e música.

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religiosos de tradição originalmente dos afrodescendentes, comoos ritos dos terreiros de Umbanda e Candomblé. Podem serrepresentados, entre outras, pela Festa de Cosme e Damião ou“festa das crianças”, realizada no dia 27 de setembro e hoje emdia comemorada igualmente pela população católica. Deve-sedestacar, também, que danças já mencionadas como o jongo, obatuque (de umbigada) e os sambas se relacionam aos grupos deorigem africana, assim como, na vertente do catolicismo, as con-gadas e moçambiques têm presença predominante nesse seg-mento étnico.

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5 Instrumento dos grupos demoçambique, em Olímpia, 1989.

O paiá é uma correia de guizos,presos sob os joelhos, usada co-mo instrumento de percussão pe-los componentes dos grupos de moçambique.

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6 Pequeno tambor dos gruposde moçambique, em Olímpia,1989.

O pequeno tambor (denominadocaixa) é um instrumento de per-cussão que acompanha os gruposde moçambique, dança de origemafro-brasileira comum no Vale doParaíba. Trata-se aqui da apresen-tação do Terno de Moçambiquede São Benedito do Capitão Adé-lis Paulo dos Santos, no JardimSanta Ifigênia, em Olímpia.

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Celebrações da memóriaAs festas são, assim, práticas associativas fundamentais. São

ocasiões nas quais os indivíduos se encontram para as realiza-ções comunitárias, que lhes dão identidade, permitindo que sesintam integrantes de um grupo. Ao mesmo tempo, elas são omomento de afirmação e/ou confirmação dos valores sociais,sagrados e profanos, importantes para a comunidade, assim co-mo o tempo do lazer, da criação, do gozo estético e do prazerlúdico, que excedem a rotina do dia-a-dia. Existe um verdadeiroexercício de coletivismo nesses momentos, pois as festas tradi-cionais, sob a responsabilidade de um festeiro ou um grupodeles, que se renova a cada ano, sempre envolvem muitas pes-soas, que nelas colaboram nas formas mais variadas (ajuda emdinheiro, realização de algum tipo de trabalho, auxílio na prepa-ração de comidas, doação de alimentos ou prendas, etc). Nessasocasiões a música cumpre sempre papel fundamental, como umaespécie de amálgama de fixação, preservação e dinamização doscostumes. Assim, essas músicas, danças e folguedos tradicionaisnão podem ser vistas apenas como apresentações artísticas,como espetáculos, pois para os seus praticantes elas são bemmais do que isso. Elas constituem a fonte de guarda da memóriaafetiva e ancestral e da reafirmação dos valores e dos laços so-cialmente importantes, e muitas vezes são práticas de puro teorreligioso.

Embora a música caipira esteja predominantemente relacio-nada a outras expressões, conforme ressaltado antes, alguns rit-mos acabaram se fixando também de forma autônoma, comogênero musical em si, predominantemente para a audição, como

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7 Festa do Divino, em São Luiz do Paraitinga, 2000.

Um músico faz o acompanhamen-to para as cantorias do cortejo naFesta do Divino.

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expressão musical popular de espetáculo (concerto), com autoriareconhecida e expressa. Entre eles se incluem: o cururu, o catira,o arrasta-pé (polca) e o xótis (xote), que originalmente são for-mas dançadas, com cantorias muitas vezes de improviso;16 atoada e a moda de viola,17 gêneros apenas vocais, e, finalmente,o pagode caipira, inicialmente um tipo de música instrumentalsolista, de grande virtuosismo, executado na viola caipira18, e quepassou a ser apresentado também na versão cantada. Essesgêneros estão relacionados com a fixação da chamada músicasertaneja, a partir da década de 1930, quando a música caipirapassou a fazer parte do sistema de comunicação massiva, pormeio das gravações em discos e da divulgação nas rádios, inseri-da no processo de mercantilização da música popular, em queela se torna um produto de consumo, como expressão de músi-ca-espetáculo.

Da música caipira à música sertaneja

É importante lembrar que desde o final do século XIX semanifestava em São Paulo o interesse por temas regionais. A ini-ciativa coube ao escritor Valdomiro Silveira (1873-1941), nascidoem Cachoeira Paulista, no Vale do Paraíba, que publicou em1894 o conto regionalista “Rabicho”, considerado iniciador des-se movimento entre nós.19 A partir daí outros contos foram publi-cados, focalizando aspectos da vida “da roça”. Essa temática serevelava para além da literatura, alcançando também expressõescomo o teatro e as artes plásticas. Neste último caso, podemoslembrar das pinturas do ituano José Ferraz de Almeida Júnior(1850-1899), retratando a vida rural interiorana, incluindo: “Cai-pira picando fumo” (1893), “Cozinha caipira” (1895), “Aper-tando o lombilho” (1895), “Violeiro” (1899) e outras20. A “des-coberta” da música tradicional paulista vem no bojo desse pro-cesso de valorização regional.

Historicamente, a música caipira começou a ser evidenciadano cenário cultural brasileiro a partir da capital paulista, sobretu-do da década de 1910 em diante, tendo no escritor, produtor eapresentador-humorista Cornélio Pires (1884-1958), nascido nacidade de Tietê, um dos divulgadores pioneiros. A partir de entãoa cidade de São Paulo se tornou o centro catalisador e difusordessa modalidade musical. Em 1910, Cornélio Pires apresentou-se no Colégio Mackenzie, em uma palestra sobre a cultura caipi-ra21, fazendo-se acompanhar de uma dupla de violeiros do inte-rior, com números de canto e danças. A partir de então, passou aexcursionar também por diversas cidades paulistas, retratando avida interiorana, sobretudo a rural, de forma humorística, sempre

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com cantorias de violeiros e os “causos caipiras”. Entre apresen-tações artísticas, publicações de livro, colaborações em jornais,atividade como professor de ginástica e outras tantas, em 1929ele organizou a Turma Caipira Cornélio Pires, composta de inú-meros violeiros cantadores da região de Piracicaba.22 No mesmoano realizou as primeiras gravações de música caipira em discos.Foram pagas por ele mesmo, uma vez que nenhuma gravadora seinteressou pelo empreendimento, sem acreditar que discos commúsicas desse tipo pudessem ter compradores. No entanto, a ini-ciativa teve sucesso comercial e artístico e despertou logo o inte-resse de concorrentes. Surgiu então a Turma Caipira Victor, daVictor Talking Machine Company (RCA Victor), resultando na gra-vação de cinco discos, lançados ainda em 1929.23

A partir desse momento, a música tradicional paulista come-çou a ser apresentada para além das fronteiras da zona deinfluência da cultura caipira, conforme explica J. R. Tinhorão:

“Quando, porém, a fábrica americana Victor reúne umconjunto de músicos sob o nome de Turma Caipira Victor,a partir de outubro de 1929, a música da área rural deSão Paulo se transforma realmente em música popularurbana. E assim, no dia 25 de outubro de 1929, a expres-são moda de viola aparece pela primeira vez no selo deum disco comercial, lançado já agora para a venda nãoapenas na região centro-sul, mas em todo o Brasil; ...”.24

Sem demora, já eram várias as gravadoras interessadas emcomercializar músicas do repertório caipira paulista (Colúmbia doBrasil, RCA Victor, Parlophon, Odeon). Elas lançaram os seus pri-meiros artistas, entre os quais: Mariano (da Silva) e Caçula (Joséda Silva), Arlindo Sant’Anna, Ferrinho (Antônio da Silva), Zico Diase Sorocabinha (Olegário José de Godoy), Mandi (Manuel Rodri-gues Lourenço25), Cobrinha (Victório Ângelo Cobra), Raul Torres(que integrou a famosa dupla Torres e Florêncio), Serrinha (Ante-nor Serra) e outros, que formaram diferentes duplas entre eles ecom outros músicos durante as suas carreiras.26 O hábito de secantar em duplas, inclusive, era uma tradição herdada de Por-tugal, que vinha pelo menos desde a segunda metade do séculoXVIII, dos denominados “duetos” ou “modas a duo” (“modinhasa duo”), conforme aponta o estudioso Mozart de Araújo.27

Nessa época inicial, a região compreendida pelo triânguloentre as cidades de Piracicaba, Botucatu e Tietê foi o verdadei-ro centro difusor da música caipira, onde nasceram muitas dassuas figuras pioneiras. Daí seguiram-se outras duplas que fica-ram famosas, como Alvarenga (1912-1978) e Ranchinho (1913-1991),28 formada em 1929, mas com notoriedade a partir de

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meados da década de 1930, e destacadamente Tonico (1919-1994) e Tinoco (1920),29 que cantavam no interior, mas se nota-bilizaram sobretudo a partir da gravação do primeiro disco em1944,30 já residentes em São Paulo. Os irmãos Tonico e Tinocotornaram-se verdadeiros ícones da música sertaneja.

É preciso esclarecer que o interesse pelas “modas” caipirasou sertanejas, nas primeiras décadas do século XX, não estavarestrito aos seus praticantes do interior, embora fosse essa aregião da sua localização mais dinâmica. Mesmo compositoresde vivência mais urbana também se dedicaram a esse tipo derepertório, entre eles o pianista Marcelo Tupinambá,31 nascidoem Tietê, e o cantor paulistano Paraguaçu.32 O próprio composi-tor Angelino de Oliveira (1888-1964), autor da célebre toada“Tristeza do Jeca” “Nestes versos tão singelo, minha bela, meuamô. Pra mecê quero contá, o meu sofrê a minha dô, ...”, de1918, considerado o “hino da música sertaneja”, embora nasci-do em Itaporanga e tendo vivido em Botucatu, revelava predomi-nantemente um repertório típico da música popular urbana. Emespecial, algumas de suas canções de sabor seresteiro (modi-nhas) lembram procedimentos composicionais de autores decanções de câmara, de base erudita. Angelino teve formaçãomusical com domínio teórico, estudando violino, violão e che-gando a tocar trombone na Banda de Música São Benedito, deBotucatu.33 Assim, embora localizada em região interiorana, estae outras cidades mantinham também hábitos musicais comunsda vivência dos maiores núcleos urbanos da época.

A partir de então, as músicas que na cultura tradicionalcomumente aconteciam integradas a outras atividades passarama se constituir como realização especificamente artístico-musical,para a audição isolada, embora, claro, em muitos momentospudessem servir para a dança. Estabeleceram-se assim os gêne-ros que se consagraram como música sertaneja paulista, distintadas músicas de outras regiões, sobretudo as do Nordeste, quetinham presença no Rio de Janeiro e São Paulo desde a décadade 1910 pelo menos. O termo sertaneja era aplicado à músicaregional nordestina, que chegava ao Rio de Janeiro com osmigrantes, da mesma forma que os interioranos daquela regiãoeram usualmente chamados de sertanejos. Nesse caso temos osexemplos do cantor e poeta popular Catullo da Paixão Cearense(1866-1946), nascido no Maranhão, que chegou ao Rio deJaneiro em 1880, e do violonista e compositor João Pernambuco(1883-1947), nascido no interior pernambucano, que chegou àcapital do país por volta de 1902. Em parceria, os dois tiveraminúmeras músicas de sucesso, como a embolada “Caboca diCaxangá”, de 1913, e a toada “Luar do Sertão”, de 1914,34 iden-tificadas então como música sertaneja. A nomenclatura passou

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8 O cantor sertanejo Tinoco.

Mesmo após a morte de seu par-ceiro Tonico, em 1994, o cantorTinoco continua se apresentando,preservando a música caipiratradicional.

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também a ser aplicada ao repertório caipira paulista quando estecomeçou a ser destacado em apresentações de palco e gravado.

Assim, transformada em espetáculo artístico-popular deconsumo, batizada como sertaneja, não mais integrada nos vá-rios momentos da vida das comunidades caipiras, a música foisofrendo modificações e incorporações que a distanciaram cadavez mais de suas matrizes iniciais. Ao longo do tempo, foi sealterando na sua temática, na forma (gêneros), na instrumenta-ção e nos modos de ser interpretada, tornando-se um produtoacabado da indústria do entretenimento.

Ritmos latino-americanos e a invasão dos caubóisQuanto aos gêneros (ritmos) da música sertaneja, além da-

queles tradicionais e mais comuns, como o cururu, o catira, atoada e a moda de viola, referenciados nas duplas mais antigas,com acompanhamento da viola caipira e do violão, observa-se aolongo do tempo a assimilação de outros ritmos, de diferenteslocalidades brasileiras e estrangeiras. Podemos relembrar o casoda música pantaneira, do Centro-Oeste; mais recentemente, temsido bastante executado nos bailes o vanerão,35 do Rio Grandedo Sul. Além disso, incorporaram-se ritmos estrangeiros, notada-mente a partir da década de 1940. Entre eles, na vertente latino-americana, estão a guarânia, o chamamé 36 e a polca paraguaia(comumente identificada como rasqueado, no Sul, Centro-Oestee Sudeste), do Paraguai, e os corridos e as rancheiras,37 do Mé-xico. Da influência paraguaia, um dos marcos é a gravação, em1952, da guarânia “Índia”, de José Assunción Flores e ManuelOrtiz Guerrero, pela dupla Cascatinha e Inhana.38 A música seconsagrou como “um clássico” da música sertaneja e a dupla foiuma das maiores representantes desse gênero no Brasil. No quese refere à música mexicana, pode-se mencionar a dupla PedroBento e Zé da Estrada,39 que principalmente pela década de 1960se consagrou como representante do estilo mexicano, assimilan-do até mesmo os trajes considerados típicos daquele país. Nessescasos, além da incorporação dos ritmos musicais, ocorreu tam-bém a presença de instrumentos de acompanhamento como aharpa, do Paraguai, e, do México, as bandas com instrumentosde sopro, conhecidas como Mariachis.

Posteriormente, pelas décadas de 1960 e 1970, houve forteinfluência norte-americana, da vertente do rock, por meio domovimento que no Brasil se denominou “jovem guarda”, resul-tando na incorporação de instrumentos eletrificados como asguitarras, o contrabaixo e a bateria. A outra inspiração marcan-te dessa época foi a dos filmes norte-americanos de caubóis, queatingiu muitas das duplas jovens da música sertaneja que atua-ram nas décadas de 1970 a 1990. Uma dupla que incorporou de

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modo exemplar a influência norte-americana foi a de Léo Ca-nhoto e Robertinho,40 pela década de 1970. Explica WaldenyrCaldas: “Eles se apossaram da figura do caubói americano e, aomesmo tempo, do jovem que absorveu toda a modernidade domeio urbano-industrial ...”. Porém, esclarece o autor, a influên-cia dessa dupla não se deu somente via filmes norte-americanos,mas também por meio dos filmes de bang-bang realizados naItália, que faziam sucesso no Brasil por essa época.41 Um outroexemplo da aproximação entre o rock e a música sertaneja é odo cantor paulistano Sérgio Reis (1940), que iniciou carreira comcanções românticas e músicas de rock’n’roll no final da décadade 1950, depois incorporou-se na tendência pop-rock românticada “jovem guarda”, pela década de 1960, e a partir de meadosda década de 1970 direcionou-se definitivamente para a músicasertaneja,42 após o seu sucesso com a gravação do cururu “O me-nino da porteira”, em 1973. Sérgio se distinguiu também porcantar individualmente, isto é, sem formar uma dupla.

Posteriormente, pela década de 1990 sobretudo, houvenovo momento de forte presença norte-americana na músicasertaneja, dessa vez através da música country e dos rodeios.43 Afigura dos caubóis passou a ser referencial, gerando comércioaltamente lucrativo, incluindo o modismo dos seus trajes: cha-péu texano, bota, calça jeans, camisa de corte próprio e cinto defivela grande.

Esta última fase corresponde à da consagração dessa músi-ca, ainda identificada como sertaneja, como fenômeno de alcan-ce nacional e internacional. Poucos aspectos se preservaram daépoca das primeiras gravações, praticamente restando somenteo canto em duplas. Os irmãos Chitãozinho e Xororó 44 retratambem esse momento da transformação dos cantores sertanejosem ídolos de alcance nacional, movimentando negócios demilhares de dólares. Vindos do Paraná, de família humilde, inicia-ram a carreira apresentando-se em programas de rádio. O pri-meiro disco oficial foi lançado em 1970, intitulado Galopeira.45

Em 1979 gravaram o disco 60 dias apaixonado, que recebeu oprêmio da gravadora pela venda de 150 mil cópias. A duplaincorporava então um imaginário que unia a música sertaneja àmúsica popular “moderna”, relacionada ao pop-rock nacional. Apartir daí os sucessos se seguiram. O LP Amante amada, de1981, vendeu 250 mil cópias, e o seguinte, Somos apaixonados,de 1982, com a música “Fio de Cabelo”, vendeu 1,5 milhão decópias. Para coroar a ascensão da dupla como ídolos não só dopúblico sertanejo (mais interiorano), que já o eram, mas da músi-ca popular de massa no Brasil, em 1988 Chitãozinho e Chororóapresentaram-se na famosa casa de espetáculos Palace (pos-teriormente DirecTV Music Hall), de São Paulo, até então um

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9 O cantor paulistano Sérgio Reis

Integrante da “jovem guarda”nos anos 1960, Sérgio Reis tor-nou-se um dos grandes nomes damúsica sertaneja a partir de 1973.Primeiro artista do gênero a tocarem rádios FMs, trabalhou tambémcomo ator em filmes e novelastelevisivas.

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espaço aberto apenas para os artistas mais consagrados da cha-mada MPB (Música Popular Brasileira). O sucesso foi tanto que atemporada teve de ser ampliada.46

A onda countryA segunda metade da década de 1980 também foi de ade-

são ao estilo country norte-americano, que, fomentado por meiodas festas do “peão de boiadeiro” ou “peão boiadeiro” (ro-deios),47 tornou-se uma verdadeira onda comercial nos anos1990, envolvendo a música48, a dança e os vestuários49.

As músicas sertanejas, sobretudo após a década de 1960,sofreram modificações ao sabor principalmente dos interessescomerciais, que necessitam da reciclagem periódica de produtos(as músicas, no caso), para manter a dinâmica do consumo.Nesse caso podemos lembrar, por exemplo, que a onda countryna música sertaneja nada tem de “natural” ou “normal”, comose costuma dar a entender, mas ocorreu por um processo defomento sobretudo comercial. O modismo country está direta-mente vinculado às feiras agropecuárias e aos rodeios, que sãomegaempreendimentos comerciais, promovidos às dezenas, acada ano, em diversas localidades do interior, atingindo sobretu-do o segmento jovem da população. O que está em jogo sãoinvestimentos financeiros altíssimos que necessitam de retorno,e que de fato dinamizam significativamente a economia de mui-tas cidades e diversos setores produtivos. Nesses eventos estão

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10 Festa do Peão Boiadeiro,em Barretos, 1998.

A vista aérea do local onde serealiza a Festa do Peão Boiadeiroem Barretos mostra a dimensãoque tem o evento.

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envolvidos os interesses de prefeituras, gravadoras de CDs,rádios, emissoras de televisão, revistas, jornais, indústrias de con-fecção de roupas e calçados. Interessam igualmente aos produ-tores de bebidas e alimentos, de cigarros, às empresas de turis-mo e transporte e, evidentemente, à própria “indústria dosrodeios” (criadores de animais, produtores de selas e outrosimplementos). Alcançam, também, a indústria de implementosagrícolas e veículos automotores (automóveis, caminhões, utilitá-rios, motocicletas, tratores, máquinas colheitadeiras, etc.) e ou-tros setores, como os dos fertilizantes, agrotóxicos e tantos mais.Ao sabor desses interesses é que ainda se mantém a denomina-ção “sertaneja”, como marca de um produto (marketing),mesmo que essas músicas praticamente nada mais tenham a vercom a realidade ou a história das regiões identificadas como“sertão”, sobretudo na era da globalização.

Na década de 1990, todos esses interesses e os holofotes damídia contribuíram para fazer das duplas “sertanejas” o maisimportante segmento comercial da música popular de massa noBrasil. Os cantores ainda se apresentam usualmente em duplas,mas a viola caipira há muito foi descartada. Além disso, o reper-tório predominante consiste de canções e baladas românticas eoutros ritmos mais dançáveis com acentos pop-rock-country,bem distanciados das origens da música sertaneja.

A música sertaneja “de raiz” e os violeiros

Além das vertentes da música caipira e da sertaneja já apre-sentadas, que singularizam São Paulo e a região de sua influên-cia histórica no cenário da música brasileira, é preciso enfocarainda uma outra, que tem sido denominada “música raiz” ou“música de raiz”. Esse segmento se dinamizou nas décadas de1980/1990, no mesmo período da ascensão e massificação damúsica sertaneja comercial, alçada à condição de fenômeno na-cional. Podemos dizer que a “música de raiz” constitui uma ver-tente da MPB50 voltada para os padrões considerados autênticosda música caipira, que está se configurando desde a década de1970. Na verdade, essa corrente vem desde o início do séculoXX, quando compositores de vivência urbana e muitas vezes deformação mais intelectualizada se interessaram pela composiçãomodelada nas músicas regionais tradicionais, como é o caso dojá citado compositor Marcelo Tupinambá e outros51.

Um nome de presença obrigatória nessa corrente é o da can-tora paulistana Inezita Barroso (1925), apresentadora do Progra-ma “Viola, Minha Viola”, da TV Cultura, de São Paulo, que estáno ar desde 1980. O programa se volta para os artistas conside-

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rados “de raiz”, da música sertaneja paulista e de outras regiõesdo Brasil, incluindo a apresentação de grupos identificados comofolclóricos, de música e dança. A carreira de Inezita como atriz,cantora e instrumentista vem desde a década de 1950, tendo nore-pertório peças reconhecidas como MPB, sambas e músicas detradição oral de várias localidades brasileiras. Suas atividadesainda contemplam realizações como produtora e radialista, pro-fessora, pesquisadora e palestrante de folclore.

Como trabalho autoral, nessa linhagem a criação musical sedá a partir das matrizes tradicionais.52 A referência mais conheci-da dessa corrente é o compositor Renato Teixeira (1945), após osucesso que obteve com a gravação, em 1977, da sua canção53

“Romaria”, na voz da cantora Elis Regina (1945-1982). Renatonasceu em Santos e morou em Taubaté, no Vale do Paraíba,vivenciando ali a cultura caipira. Em 1967 transferiu-se para SãoPaulo e começou a participar de festivais de música popular daépoca, quando obteve reconhecimento como compositor. Com osucesso de “Romaria”, passou a ser uma referência para a músi-ca de inspiração regional paulista, identificada então como“música de raiz”, que a distinguia das músicas sertanejas quealcançavam as grandes massas. Outro nome expressivo dessavertente é o de Rolando Boldrin (1936), compositor, ator, apre-sentador e contador de “causos” caipiras, nascido em São Joa-quim da Barra. Boldrin atuava desde o final da década de 1950como ator e se fez conhecido na música sobretudo a partir de

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11 e 12 Rolando Boldrin e Zica Bergami, compositora de“Lampião de gás” com InezitaBarroso.

Representantes da denominadamúsica “de raiz”, cantores, atores,instrumentistas e compositores,ganharam fama e notoriedadenos canais de televisão do país apartir da década de 1980.

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1974, quando gravou o primeiro disco. Mas obteve grande reco-nhecimento a partir de 1981, ao se tornar apresentador do pro-grama “Som Brasil”, da TV Globo.54

O movimento identificado como música sertaneja “de raiz”inclui cantores solistas (não mais em duplas), conjuntos musicais(“bandas”) e instrumentistas solistas, tendo na viola caipira oseu símbolo máximo. Dele participaram não só autores paulistas,mas também mineiros e mato-grossenses, confluindo em SãoPaulo, à maneira do que ocorrera historicamente. No caso deMato Grosso do Sul, um dos destaques é o violeiro/cantor/com-positor Almir Sater (1956), nascido em Campo Grande. Sua car-reira nacional firmou-se a partir de São Paulo. Após gravar o pri-meiro CD, em 1981, foi reconhecido como grande divulgador da“música pantaneira” no Brasil. O movimento revelou tambémum número significativo de excelentes instrumentistas da violacaipira, incluindo, entre tantos: os mineiros Roberto Corrêa, IvanVilela, Braz da Viola e Chico Lobo, e os paulistas Paulo Freire,Mazinho Quevedo e Passoca (Marco Antônio Vilalba).

Entre os instrumentistas deve-se incluir um pioneiro anteces-sor, que é o mineiro Renato Andrade (1932), de formação erudi-ta como violinista e que, mudando de instrumento, para a violacaipira, desde a década de 1970 vem atuando como compositore instrumentista-concertista. Também deve-se registrar a revela-ção e adoção do “mestre” violeiro, também artesão de rabeca eviola caipira, o mineiro Zé Coco do Riachão (1912-1998). “Des-coberto” pelo também mineiro e compositor-violeiro Téo Aze-vedo (1943), Zé Coco do Riachão teve o seu primeiro CD lança-do em 1980, praticamente aos 70 anos, e passou a ser umaespécie de violeiro-símbolo para os instrumentistas jovens.55 Namesma perspectiva de “adotados” deve-se incluir a dupla minei-ra dos irmãos Pena Branca e Xavantinho56, radicados em SãoPaulo desde a década de 1960 e com reconhecimento a partir de1980, entre outros motivos pelo fato de cantarem à maneira dasduplas mais antigas. Aqui é preciso registrar também a existên-cia de alguns conjuntos musicais (“bandas”), como os gruposParanga e Rio Acima, respectivamente de São Luiz do Paraitin-ga e Paraibuna, no Vale do Paraíba, com atuação desde a déca-da de 1980.

Nessa vertente das “bandas”, sobretudo pelo final da déca-da de 1990, deve-se mencionar a configuração de um movimen-to musical paulista um tanto diferente do que se comentou atéo momento. Surgiram grupos também voltados para as “raízes”,mas, ao mesmo tempo, interessados na “modernização”, reali-zando trabalho autoral (composição de músicas) e ainda gravan-do repertório tradicional, na perspectiva das “releituras”, quemarcaram as nossas artes em geral nessa década. Pode-se dizer

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13 O instrumentista da violacaipira, Paulo Freire.

O paulista Paulo Freire iniciou-sena viola com “seu Manelim”, co-nhecido violeiro de Taboca, MinasGerais. Atualmente, contribui pa-ra perpetuar a música de violacom seu trabalho como pesquisa-dor e violonista.

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que essas “bandas” constituíram um movimento com traços pró-prios, um neocaipirismo musical de renovação.

Caracterizaram-se, entre outros aspectos, pela mistura deritmos e de instrumentos, envolvendo a viola caipira acústica eelétrica, com a guitarra e o contrabaixo elétrico (por vezes a san-fona) e ainda a bateria, além de outros instrumentos, revelando,novamente, uma forte influência sobretudo do rock, e até dofunk, do rap e outros padrões. Entre esses grupos podemos citar:Mercado de Peixe, de Bauru, surgido em 1996; Fulanos de Tal, deRio Claro, formado em 1997; e Matuto Moderno, da capital, ini-ciado em 1999. Este último revela no próprio nome um dos prin-cípios dessa corrente musical, a tentativa de compatibilização en-tre o tradicional e o moderno.57

É interessante observar que dessa geração de jovens envol-vidos com a música caipira muitos têm formação universitária(até mesmo em cursos de música) e atingem também um circui-to de público mais intelectualizado. Pode-se identificar aí prati-camente um movimento “universitário” de música sertaneja, fa-to que os distingue bem no trabalho de criação musical, tantoem relação aos artistas sertanejos pioneiros quanto aos comer-cializados “sertanejos jovens”, voltados para as grandes massas.Muitos desses músicos “de raiz” lançam os seus CDs de formaindependente ou por selos de pequenas gravadoras.

Considerações finais

Desde a década de 1980, e adentrando os anos iniciais de2000, uma pessoa que visite as cidades paulistas fora da regiãoda capital pode ter a impressão de que a música popular do inte-rior se restringe aos cantores sertanejos (“jovens”), tamanha é amassificação. Mas é importante lembrar, conforme demonstra-do, que estes representam apenas uma das suas vertentes. Se apessoa olhar com um pouco mais de calma, poderá perceber quetanto a música tradicional caipira quanto a sertaneja mais anti-ga, agora identificadas como “raiz”, continuam a ter seus espa-ços de preservação e divulgação, mesmo diante da chamada“modernização”. É notório que os modos musicais caipiras, tra-dicionais, sofreram poucas mudanças no tempo, embora, é claro,estejam sujeitos às transformações dialéticas inerentes aos fatossociais. Eles se preservaram integrados à vida e aos costumes dascomunidades, com funções e sentidos bem diversos das músicascomerciais, conforme já apontado. No entanto, a vertente que secunhou como sertaneja, inserida no sistema da comunicação edo entretenimento de massa, com as músicas transformadas emprodutos comerciais, passou por grandes mudanças. Assim,

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quando se comparam as suas gravações pioneiras, de 1929 e dadécada de 1930, e o que se realiza nas décadas de 1990/2000,pelas duplas sertanejas “modernas”, nota-se que elas na maio-ria das vezes têm muito pouco em comum, tanto nos temasquanto nos gêneros (ritmos), na instrumentação e em outrosaspectos.

De qualquer modo, todas as vertentes se revelam funda-mentalmente como fenômeno paulista e da região de suainfluência histórica. Tal fato se confirma na própria procedênciados seus protagonistas, desde os primeiros cantadores caipirasda região de Piracicaba trazidos para se apresentar na capital, noinício do século XX, passando pelos “artistas” sertanejos pionei-ros, até as duplas sertanejas mais recentes, das canções demassa, e os cultores das “raízes”. Em sua grande maioria, elessão mineiros, paranaenses, goianos, mato-grossenses, sul-mato-grossenses e, evidentemente, paulistas e até paulistanos, cujasvivências ou memórias se fundam na chamada cultura caipira.

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1 Ver DUPRAT, Régis. Garimpomusical. São Paulo: NovasMetas, 1985, pp. 53-72.

2 Embora seja um dos símbolosprincipais da música brasileira,a viola é um legado de Portu-gal, onde o instrumento tam-bém tem popularidade, sobre-tudo na música de tradiçãooral.

3 Rasqueado cuiabano - gêneromusical (ritmo) em compassoternário (ou binário compos-to), derivado da polca para-guaia. Muitas vezes é identifi-cado como rancheira e valsea-do. Por sua vez, o cururu éuma espécie de cantoria dedesafio no interior de SãoPaulo, com acompanhamentode violas e violões. Na origem,além da cantoria, executava-seuma dança de roda, em senti-do anti-horário. Atualmentenão se pratica mais a dança noEstado de São Paulo, que, noentanto, é preservada no MatoGrosso e Mato Grosso do Sul.

4 Ver: NEPOMUCENO, Rosa. Mú-sica caipira: da roça ao rodeio.São Paulo: Ed. 34, 1999, p. 56.

5 O antropólogo Carlos Rodri-gues Brandão expõe: “Hoje emdia não há no Estado de SãoPaulo mais do que alguns bol-sões de vida e de cultura decaipiras...”. In: BRANDÃO, Car-los R. Os caipiras de São Paulo.São Paulo: Brasiliense, 1983, p.92 (Coleção Tudo é História).Para se ter uma idéia das loca-lidades e tipos de festas, ritos,danças e folguedos tradicionaisno estado, podem ser consul-tados: PELLEGRINI FILHO, Amé-rico. Folclore Paulista: calendá-rio & documentário. 2ª ed. SãoPaulo: Cortez/Secretaria de Es-tado da Cultura, 1985; MAIA,

Thereza e MAIA, Tom. Vale doParaíba: festas populares, his-tória e folclore. Guarulhos, SP:Centro Educacional Objetivo/Fundação Nacional do Tropei-rismo/SESC/Grupo Papel Si-mão, 1989; MACEDO, Toni-nho. “Mapa Cultural Paulista”.In: D. O. Leitura (Ano 17, nº 6out./1999), p.p. 4-8; além deoutros títulos da Bibliografia.

6 MARTINS, José de Souza. Ca-pitalismo e tradicionalismo:estudos sobre as contradiçõesda sociedade agrária no Brasil.São Paulo: Pioneira, 1975, p.112. O autor expõe ainda, nap. 113, que “a música caipiraé meio [para os fins diversosmencionados], enquanto quea música sertaneja é fim em simesma, destinada ao consumoou inserida no mercado deconsumo”.

7 Folguedos dramáticos - tam-bém denominados danças-dra-máticas, dança-cortejo ou fol-guedos populares, são gruposde cantoria e dança, normal-mente em forma de cortejo-de-rua, que realizam tambémalguma espécie de dramatiza-ção (teatralização), ou, quan-do perderam este aspecto,ainda preservam, simbolica-mente, personagens comoreis, rainhas, etc.

8 A Festa do Divino correspondeà Festa de Pentecostes, nocalendário católico, em que secomemora a descida do Espí-rito Santo aos apóstolos, 50dias após a Páscoa. Popular-mente, o Divino Espírito Santoé representado por uma pom-ba branca. Trata-se de umadas festas mais tradicionais doBrasil e de Portugal. A Festados Santos Reis, no dia 6 de

janeiro, homenageia os ReisMagos Baltazar, Gaspar e Bel-chior. A ela estão relacionadasas Folias de Reis, que são gru-pos que representam “a visitados Reis Magos ao MeninoDeus”. Portando uma bandei-ra alusiva e instrumentos musi-cais, os devotos fazem visita-ções nas casas, normalmenteentre 24 de dezembro e 6 dejaneiro, em meio a cantorias erituais de louvação. Normal-mente, pedem ajuda para arealização da festa comunitá-ria. São Benedito é santo ne-gro, de grande devoção popu-lar. Nasceu na Sicília, Itália(1526-1589), filho de africa-nos, daí ser considerado pa-droeiro dos negros. As datasdas comemorações variam se-gundo a tradição de cada loca-lidade. E Santo Antônio, SãoJoão e São Pedro são comemo-rados, respectivamente, nosdias 13, 24 e 29 de junho.Seus festejos estão entre osmais disseminados no Brasil.

9 Congada - folguedo dramáticoou dança-cortejo realizado so-bretudo por pessoas das co-munidades afro-brasileiras, emdevoção principalmente a SãoBenedito e Nossa Senhora doRosário. Na maioria, as conga-das ou congos são grupos dedança-cortejo, existindo, po-rém, alguns que realizam re-presentações de lutas entregrupos rivais, reportando-se àÁfrica, ou, às vezes, encenan-do os antigos combates entrecristãos e mouros. Moçambi-que - dança-cortejo, de bas-tões, em duas filas, lideradaspor um Mestre (ou Capitão) eum Contra-Mestre. Integradona maioria das vezes por ne-

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Notas

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gros, é comum no Vale doParaíba paulista e sul de MinasGerais. Além dos instrumentosmusicais (sanfona, violas, vio-lões, cavaquinhos e caixas),todos os componentes usamguizos (paiás) presos abaixodos joelhos. Seus membrospartilham com os das conga-das a devoção por São Benedi-to e Nossa Senhora do Rosário.O caiapó, por sua vez, não temorigem africana. Trata-se deum folguedo composto de umgrupo de pessoas, em geralhomens, que se trajam imitan-do os índios, portando arcos eflechas e alguns instrumentosmusicais, na maioria de per-cussão. Apresentam-se na for-ma de uma dança-cortejo, rea-lizando dramatizações.

10 Fandango - no interior de SãoPaulo o fandango refere-se aalguns tipos de danças degrupo, centradas no sapatea-do. No trecho meridional dolitoral paulista designa o bailecomum, embora se executemalguns ritmos próprios e tradi-cionais. No Sul do Brasil trata-se de um conjunto de váriasdanças. Jongo - dança de ro-da, com solistas no centro,praticada por membros dascomunidades negras de algu-mas localidades do Vale doParaíba paulista, do Estado doRio de Janeiro, além de cida-des do Espírito Santo e deMinas Gerais. É realizada semdata específica, mas comu-mente se dança na época dasfestas juninas e também nasfestas de 13 de maio, come-morando a Abolição da Escra-vatura. Batuque (de umbigada)- dança praticada por mem-bros das comunidades negras

da região de Piracicaba, Tietê eCapivari, que tem na umbiga-da (batida dos ventres dosdançarinos) o seu elementocoreográfico principal. A um-bigada também caracterizaoutras danças de tradição afri-cana, entre as quais o samba,o coco do Nordeste, o carimbódo Pará e o tambor-de-crioulado Maranhão. Samba-de-bum-bo - samba-lenço - samba cai-pira - designações de tiposantigos de samba paulista, quetinham no bumbo o seu instru-mento mais destacado. Erapraticado por membros decomunidades negras em váriaslocalidades, como Santana doParnaíba, Campinas, Itu, Pira-pora do Bom Jesus, Atibaia,Franco da Rocha e outras.Ainda está presente em Pira-pora do Bom Jesus, Santanado Parnaiba e Mauá, dentrodo movimento de preservaçãofolclórica.

11 Nascido em Portugal, São Gon-çalo (c. 1187-1259) é padroeirodos violeiros do Brasil e um dossantos de maior devoção popu-lar-tradicional. A dança-de-são-gonçalo é feita sempre para pa-gamento de promessa.

12 O pesquisador Toninho Mace-do registra esse tipo de ritualnas localidades de Capela doAlto, Cássia dos Coqueiros, Ri-beirão Grande e Santo Antô-nio da Alegria. Cf. MACEDO,“Mapa Cultural Paulista”. Op.cit. p. 7.

13 No Vale do Paraíba é comumuma outra modalidade de can-toria de desafio, de influênciamineira: o calango.

14 Cana-verde, ciranda, dança docaranguejo, danças tradicio-nais de coreografia simples, no

geral de roda, de origem por-tuguesa, que se realizam nasfestas populares.

15 Cordão-de-bichos - cortejo devários bichos confeccionadosde armações de bambu ououtros materiais, que costu-mam se apresentar na épocado carnaval. Boizinho de car-naval - tipo de brincadeira derua carnavalesca, em que seconfecciona o dorso de umboi, com cabeça e chifres,movimentado por uma pessoaembaixo.

16 Arrasta-pé - nome genéricoque se dá aos bailes popularesem várias regiões do Brasil.Como gênero específico, é adesignação popular dada prin-cipalmente à polca, que édança de pares surgida na re-gião da Boêmia, Tchecoslová-quia, e que começou a ser co-nhecida no Rio de Janeiro emmeados do século XIX, trazidapor companhias de teatro.Também é conhecida comolimpa-banco. É o ritmo maiscomum utilizado para se dan-çar a quadrilha caipira, nasfestas juninas. Xótis (xote) énome derivado de schottish,dança de provável origemfrancesa, introduzida no Brasilem meados do século XIX porartistas de companhias de tea-tro. Adaptou-se como dançapopular por todo o país, tendogrande consagração no Nor-deste e no Sul.

17 Na cultura caipira, a moda deviola é uma forma de músicavocal recitada, uma maneiramusicada de contar uma histó-ria. Comumente, ela, entre umverso e outro, serve para a rea-lização do catira, que é dançade palmeado e sapateado.

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18 A respeito do pagode caipira,tem-se afirmado que se tratade um gênero criado pelo vio-leiro Tião Carreiro (José DiasNunes, 1934-1993), nascidopróximo de Montes Claros,Minas Gerais, e criado nosarredores de Araçatuba, emSão Paulo. Tião é um dos auto-res do famoso cururu “Rio deLágrimas”, juntamente comPiraci e Lourival dos Santos,gravado em 1970 (“O Rio dePiracicaba, vai jogar água prafora, quando chegar a água,dos olhos de alguém quechora...”). Entretanto, o maissensato seria considerá-lo ofixador dessa forma de músicavirtuosística, assim como o fezLuís Gonzaga com o baião noNordeste. A viola se faz pre-sente na cultura caipira desdeos primórdios da colonização,tudo indica, e certamente já sepraticava algum tipo de músi-ca solista antes desse notávelinstrumentista. Por sua vez, háde se notar que o ritmo básicodo pagode caipira é o mesmodo antigo gênero denominadolundu, relacionado como dan-ça de negros desde o séculoXIX pelo menos, e cujo padrãorítmico se encontra tambémno catira. Ver dados biográfi-cos sobre Tião Carreiro emNEPOMUCENO, Op. cit., pp.336-348.

19 DANTAS, Macedo. Op. cit., p.55. Ver também GONÇALVES,Júnia Silveira. “Notas biográfi-cas sobre Valdomiro Silveira”.In: SILVEIRA, Valdomiro. Omundo caboclo de ValdomiroSilveira: estudos de BernardoÉlis e Ruth Guimarães. Rio deJaneiro: José Olympio/MEC,1974, pp. X-XI.

20 Ver: SANTA ROSA, NereideSchilaro. José Ferraz de Almei-da Júnior (Mestres das Artesno Brasil). São Paulo: Moder-na, 1999.

21 DANTAS, Macedo. CornélioPires: criação e riso. São Paulo:Duas Cidades/Secretaria daCultura, Ciência e Tecnologia,1976, p. 344. Ver também LO-PES, Israel. Turma caipira Cor-nélio Pires: os pioneiros da“moda de viola” em 1929 - 70anos da música sertaneja. SãoBorja, RS: M & Z (edição doautor), 1999. Nas págs. 13 e18, ele sustenta que a “primei-ra” apresentação de violeiros“no palco”, em São Paulo,ocorreu em 1915.

22 LOPES. Israel. Op. cit., pp. 33-35.

23 CALDAS, Waldenyr. O que émúsica sertaneja. São Paulo:Brasiliense, 1987, pp. 42-43(Coleção Primeiros Passos).

24 TINHORÃO, José Ramos. Pe-quena história da música po-pular: da modinha à canção deprotesto. Petrópolis, RJ: Vozes,1974, p. 197.

25 NEPOMUCENO explica queLourenço e Olegário logo “ado-tariam os apelidos de Mandi eSorocabinha”. Op. cit., p. 111.

26 É ainda NEPOMUCENO quemexpõe: “(...) As primeiras du-plas se formaram, com troca-troca de integrantes: ArlindoSantana e Joaquim Teixeira,Cobrinha e Capitão, IrmãosLaureano, Laureano e Soares,Nhô Nardo e Cunha Júnior,Lázaro e Machado, Mariano eLaureano, Mariano e Cobri-nha, Raul Torres e Serrinha,Torres e Florêncio, Zé Messiase Luizinho, e ainda a CaipiradaBarretense, todos vindos do

interior paulista ...”. Op. cit.,p. 112 .

27 ARAÚJO, Mozart de. A modi-nha e o lundu no século XVIII(uma pesquisa histórica ebibliográfica). São Paulo: Ri-cordi, 1963, p. 28. O autor serefere especificamente à in-fluência do cantar em duplasna moda de viola, mas semdúvida o processo é o mesmopara as outras formas do can-tar tradicional paulista. É inte-ressante apontar, ainda, queesse tipo de música era canta-do nos saraus das elites.

28 Murilo Alvarenga, nascido emItaúna, MG, e Diésis dos AnjosGaia, nascido em Jacareí, SP. Adupla teve diferentes cantoresque atuaram com o nomeRanchinho.

29 João Salvador Pérez, nascidoem São Manuel, SP, e José Pé-rez, de Botucatu, SP.

30 NEPOMUCENO diz que a pri-meira gravação se deu em1945. Op. cit., p. 304.

31 Fernando Lobo, 1889-1953.32 Roque Ricciardi, 1894-1976.33 FREIRE, Paulo de Oliveira. Eu

nasci naquela serra ...: a histó-ria de Angelino de Oliveira,Raul Torres e Serrinha. SãoPaulo: Paulicéia/autor, 1996,p. 18.

34 Enciclopédia da música brasi-leira: erudita, folclórica, popu-lar. 2 vols. São Paulo: Art,1977, p. 604. Existem contro-vérsias sobre a autoria dessasmúsicas, que, pelo que tudoindica, seriam melodias de tra-dição oral, adaptadas por JoãoPernambuco. Cf. SEVERIANO,Jairo e HOMEM DE MELLO,Zuza. A canção no tempo: 85anos de músicas brasileiras.Vol. 1: 1901-1957. São Paulo:

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Ed. 34, 1997, pp. 37-38.35 Trata-se de um ritmo deriva-

do da habanera ou havane-ra (adaptação cubana do tan-go ibérico), que, simplificada,gerou os termos vanera evanerão.

36 Alguns autores dizem que ochamamé é ritmo surgido nacidade argentina de Corrien-tes, próxima da divisa com oParaguai.

37 Vários autores identificam arancheira como gênero locali-zado no Rio Grande do Sul.Tasso Bangel, autor gaúcho,diz, inclusive, que “(...) é ogênero mais gaúcho dentro damúsica brasileira ...”; Cf. Oestilo gaúcho na música brasi-leira. Porto Alegre: Movimen-to, 1989 p. 38. Porém semdúvida houve a presença mar-cante das rancheiras mexica-nas nas regiões interioranas.

38 Francisco dos Santos (1919-1996) e Ana Eufrosina da Silvados Santos (1923-1981). Cf.FERRETE, J. L. Capitão Furtado:viola caipira ou sertaneja?. Riode Janeiro: Funarte/INM, 1985,p. 122.

39 Joel A. Leme (1934) e Waldo-miro de Oliveira (1929).

40 Leonildo Sachi (1936) e JoséSimão Alves (1944).

41 CALDAS, Waldenyr. Op. cit.,pp. 71-72.

42 Encarte do CD MPB no JT (Jor-nal da Tarde): Sérgio Reis (Re-vista Semanal de Música Popu-lar Brasileira, set. /1997, nº 8).

43 A country music corresponde-ria à música “caipira” norte-americana, a música tradicio-nal dos caubóis (vaqueiros) doOeste dos Estados Unidos.

44 José Lima Sobrinho (1954) eDurval de Lima (1957). Existem

diferentes datas para o nasci-mento de Xororó: 1956 e1957. Esta última consta daEnciclopédia da Música Brasi-leira (cit.). O nome da dupladeve-se à célebre toada “Chi-tãozinho e Xororó”, dos com-positores Serrinha (AntenorSerra, 1917-1978) e AthosCampos (1923-1992): “Eu nãotroco o meu ranchinho, amar-radinho de cipó, por uma casana cidade, nem que seja ban-galó. Eu moro lá no deserto,sem vizinho eu vivo só, só mealegro quando pia, lá praaqueles cafundó ... é o inham-bu chitã e o xororó...”.

45 Antes, em 1969, eles tinhamgravado um disco que foi tri-lha sonora do filme “O homemlobo”, de Raffaela Rossi. Cf.NEIVA, Ana Lúcia. Chitãozinho& Xororó: nascemos para can-tar. São Paulo: Prêmio (Arte-meios), 2002, p. 40.

46 NEIVA, Ana Lúcia. Op. cit., pp.103-104.

47 O rodeio pioneiro desse tipofoi a Festa do Peão de Boia-deiro, da cidade de Barretos,institucionalizada em 1956.Cf. NOGUEIRA, Néia. Festa dopeão de boiadeiro: onde oBrasil se encontra. São Paulo:Ícone, 1989, p. 46.

48 A presença da música countrynorte-americana no Brasil sefaz notar desde as décadas de1940/1950, com o cantor BobNelson (Nelson Pérez, 1918), o“vaqueiro alegre” (ver: encar-te do CD Bob Nelson, vaqueiroalegre. Gravadora Revivendo,RVCD-108). Mas bem antes asimagens dos caubóis norte-americanos e as suas músicasjá se faziam presentes entrenós, no cinema.

49 Quanto às vestimentas, a pes-quisadora Néia Nogueira infor-ma que, em Barretos, pelomenos desde 1968 já se nota-vam alguns usos que “se inspi-ravam no cowboy norte-ameri-cano”. (NOGUEIRA. Op. cit., p.74, nota 25).

50 O pesquisador Marcos Napoli-tano explica: “(...) por volta de1965, surgiu a sigla MPB, gra-fada com maiúsculas como sefosse um gênero musical espe-cífico, mas que, ao mesmotempo, pudesse sintetizar ‘to-da’ a tradição musical popularbrasileira. (...).” Cf. NAPOLITA-NO, Marcos. História & Mú-sica: história cultural da músi-ca popular brasileira. Belo Ho-rizonte: Autêntica, 2002, p.64. Não será o caso de aquitecer aprofundamento concei-tual, mas, no geral, o termoMPB surgiu como referência aum tipo de música popular vol-tada para as questões da reali-dade brasileira da época, mui-tas vezes de crítica e protesto,que se divulgava sobretudopor meio de importantes festi-vais de música, incluindo auto-res como Chico Buarque deHolanda, Geraldo Vandré, EduLobo e outros. Ver, também:SILVA, Alberto Ribeiro da (Al-berto MOBY). Sinal fechado: amúsica popular brasileira sobcensura (1937-45/1969-78).Rio de Janeiro: Obra Aberta,1994, e VILARINO, Ramon Ca-sas. A MPB em movimento:música, festivais e censura. SãoPaulo: Olho D’Água, 1999.

51 Podemos mencionar tambémque compositores eruditos,dentro do movimento naciona-lista, que vem desde a segun-da metade do século XIX, se

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inspiraram em temas da cultu-ra popular tradicional. No casoespecífico da cultura caipira,podemos lembrar do compo-sitor A. Theodoro Nogueira(1913), nascido em Santa Ritado Passa Quatro, que compôspeças de erudição para a vio-la caipira, denominando-a vio-la brasileira, entre as quais:“Concertino para viola brasi-leira caipira” e “Orquestra decâmara, de 1962, e 7 prelúdios(nos modos da viola caipira)”,de 1962.

52 Observe-se, entretanto, que oconceito “música raiz” é bas-tante ambíguo, como se notano próprio programa “Viola,Minha Viola”. A apresentado-ra Inezita Barroso sempreanuncia que se trata de umprograma de “música raiz”, da“autêntica música caipira”,mas muitas duplas cantam aliguarânias e polcas paraguaiasque, embora já incorporadasna vida musical interiorana,não têm origem no Brasil.Assim, muitas vezes o conceitode “raiz” se confunde com an-tigüidade. Discutir a brasilida-de de qualquer gênero é, defato, questão complexa, poismesmo as tradicionais toadascaipiras são canções que nasua rítmica derivam quasesempre diretamente dos tan-gos ibéricos (ou das habane-ras, adaptação cubana do tan-go ibérico).

53 A música tem sido classificadamais comumente como can-ção, não sendo, porém , muitoclara a sua tipologia, por seuaspecto recitado em algunstrechos, sob compasso terná-rio. Pode até mesmo ser classi-ficada como balada ou mazur-

ca-canção, sobretudo pelo seurefrão.

54 NEPOMUCENO. Op. cit., pp.349-360.

55 NEPOMUCENO. Op. cit., p.43.

56 José Ramiro Sobrinho (1939) eRanulfo Ramiro da Silva (1942-1999).

57 Sobre algumas dessas bandas,ver: TAVARES, Daniel. “Os no-vos caipiras”. Revista GloboRural, ano 18, nº 214, p. 72-77. São Paulo: Editora Globo,ago./ 2003. Trata-se de umacorrente estético-musical pau-lista ainda não devidamenteestudada, mas que, tudo indi-ca, tem influência direta domovimento denominado Man-guebeat, iniciado em RecifeOlinda, PE, no começo da dé-cada de 1990, que teve comoum dos mentores reconhecidoso compositor e cantor ChicoScience, falecido em 1997. Defato, o Manguebeat se desdo-brou não somente em São Pau-lo, mas em todo o Brasil, comose pode notar no surgimentode grupos semelhantes emMinas Gerais, Paraná, EspíritoSanto, Mato Grosso, Santa Ca-tarina e outras localidades.

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nfocamos aqui algumas significativas tradições popularesdo Estado de São Paulo, sobretudo festas, danças, práticascoreográfico-dramático-musicais, bem como algumas outrascelebrações.1 Trataremos, então, para uma rápida exemplifica-ção, de manifestações como as festas do Divino, de São Beneditoe de Nossa Senhora do Rosário, de danças como o jongo e ocateretê, e de folguedos2 como a congada e o moçambique,3 eoutras tantas modalidades, que fazem parte de um complexo decostumes da vida caipira4 paulista.

Muitas pessoas identificam tais práticas como folclore, que,naturalmente, abrange muito mais do que essas manifestações.O conceito de folclore alcança todo o complexo da vida social,dos saberes e “fazeres” populares, que abarcam as crenças esuperstições, passando pelos usos e costumes, linguagem, brin-cadeiras, artes e técnicas, música, literatura, cultura infantil eoutros aspectos mais. Nos últimos anos, esses saberes têm sidonomeados, como o fazemos aqui, cultura popular, cultura tradi-cional-popular e cultura popular de tradição oral.

Além da terminologiaQual o sentido dessa mudança? Não temos a intenção de

aprofundar aqui as questões históricas e de abrangência queenvolvem conceitualmente folclore e cultura popular. Os enfo-ques são muitos e diversificados, além de polêmicos. As tentati-vas de conceituação sempre apresentam um ou outro senão,diante da complexidade do assunto.5 Apenas para um rápidoesclarecimento, apresentamos a seguir alguns posicionamentossobre o tema.

Na 25ª Conferência Geral da Organização das Nações Uni-das para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), realizada emParis, 1989, foi proposta a seguinte conceituação de folclore:

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Alberto T. Ikeda e Américo Pellegrini Filho

Celebrações populares paulistas: do sagrado ao profano

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“O Folclore é o conjunto das criações provenientes de umacomunidade cultural baseadas nas tradições expressas por um grupo ou por indivíduos e que reconhecidamente correspondem às expectativas da comunidade enquantoexpressão de sua identidade cultural e social, as normas eos valores que se transmitem oralmente, por imitação oupor outras maneiras. Suas formas compreendem, dentreoutras, a língua, a literatura, a música, a dança, os jogos,a mitologia, os ritos, os costumes, o artesanato, a arquite-tura e outras artes”.6

No VIII Congresso Brasileiro de Folclore, ocorrido na cidadede Salvador, Bahia, em 1995, o folclore foi conceituadocomo “o conjunto das criações culturais de uma comunida-de, baseado nas suas tradições expressas individual ou cole-tivamente, representativo de sua identidade social. (...)”.7

A palavra “folclore” nem sempre corresponde ao rigor e àabrangência desses conceitos. Muitas vezes, ela chega a ser rela-cionada, negativamente, com fatos grotescos, cômicos e excentri-cidades de pessoas e situações. Em outro aspecto, as práticas reco-nhecidas como folclóricas passaram a ser entendidas, para muitos,como “costumes típicos”, como expressões, antigas e fossilizadas,de formas precárias e “pobreza” material, embora interessantespelo aspecto “agreste” e de “pureza”. Algumas modalidadesexpressivas como danças, músicas, artesanato e pintura serviram,então, para exibição em palcos e exposições, desvinculadas dosseus contextos sociais, como se fossem adornos, para a fruiçãopredominantemente estética, representativas da cultura nacionalou das culturas regionais mais “puras” (folclore brasileiro, folclorenordestino, folclore pernambucano, por exemplo).

Essas considerações influenciaram a opção pelo uso dos ter-mos já mencionados, associados à cultura popular, para designaros saberes e “fazeres” do povo. Mas o problema não se esgotanessa questão terminológica: existe uma grande diversificaçãoem torno das questões conceituais sobre a cultura popular. Porexemplo, Néstor García Canclini, importante estudioso dessatemática na América Latina, analisa de uma perspectiva eminen-temente política as expressões da cultura popular. Ele sustentaque as classes menos favorecidas constituiriam a cultura popularna relação com outros segmentos sociais, mas sob a condição denão terem acesso a todo o patrimônio cultural gerido socialmen-te. Podemos concordar em parte com essa visão. No entanto, háde se levar em conta que todas os setores sociais, inclusive as eli-tes (intelectuais ou econômicas), têm seus legados de culturapopular.

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Uma observação de García Canclini fornece uma orientaçãovaliosa aos estudiosos dessas questões:

“ (...) Acima de tudo, a cultura popular não pode serentendida como a “expressão” da personalidade de umpovo, à maneira do idealismo, porque tal personalidadenão existe como uma entidade a priori, metafísica, e simcomo um produto da interação das relações sociais”.8

Há de observar-se, de fato, que essas expressões, para osseus praticantes, são muito mais do que meras formas de repre-sentar identidades, nacional ou local, embora possam tambémassumir tal caráter. São, mesmo, formas históricas de expressão ede sua percepção da realidade em que vivem os seus praticantes.

Expressões culturais paulistas em formação

Quanto à constituição das expressões culturais tradicionaisem São Paulo, podemos recordar que elas se alicerçam historica-mente em três matrizes socioculturais: a indígena, a portuguesae, posteriormente, a presença negro-africana. Essa mistura deetnias que marca São Paulo, como de resto todo o Brasil, produ-ziu uma grande variedade de práticas culturais. Conforme expli-ca Darcy Ribeiro, referindo-se ao povo brasileiro: “ (...) Surgimosda confluência, do entrechoque e do caldeamento do invasorportuguês com índios silvícolas e campineiros e com negros afri-canos, uns e outros aliciados como escravos”. 9

No entanto, a questão da nossa multiculturalidade é bemmais complexa do que a convergência simples das três vertentescitadas, pois mesmo estas tiveram seus processos de hibridizaçãoem épocas anteriores aos contatos no Brasil. A cultura portu-guesa, por exemplo, resultou de cruzamentos de povos diversos,ocorridos por longo tempo na Península Ibérica, incluindo-se osmúltiplos impactos da ocupação dos mouros, por centenas deanos. Por sua vez, a cultura genericamente identificada como ne-gra tinha ampla diversidade. Recebemos no Brasil africanos dedois grandes grupos culturais, os sudaneses, embarcados na cos-ta ocidental setentrional (incluindo alguns islamizados) e os ban-tos, nas costas meridionais. Pelo que se sabe, São Paulo recebeu,em um primeiro momento da colonização, principalmente escra-vos do grupo banto, das atuais regiões de Angola, Congo e Mo-çambique. Todavia, mesmo estes eram compostos de subgruposque tinham proximidades tanto quanto distinções culturais. Porsua vez, também os indígenas se compunham de grupos bas-tante diferenciados.10

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No decorrer da ocupação do território paulista, e de toda aAmérica Portuguesa, ocorreram ásperos conflitos entre os trêsgrupos, mas também aproximações e convívio, sob hegemoniaeuropéia. Pode-se constatar esse processo contraditório em mui-tos fatos culturais que se revelam híbridos, enquanto outros guar-dam os traços próprios de cada um desses grupos. Alguns exem-plos: no segmento ibérico, podemos lembrar que muitas das nos-sas formas processionais seguem modelos ainda vigentes emPortugal e na Espanha. A Festa do Divino provém de Por-tugal,onde teve início no século XIII, enquanto as “folias” como gruposprecatórios (que pedem algo), de sentido e função estritamentereligiosos, são herança ibérica. É especialmente interessante ocaso das festas juninas, de forte presença na vida caipira, a pontode também serem conhecidas como “festas caipiras” em boaparte do território brasileiro. Trata-se de uma manifestação rece-bida da tradição católica ibérica, mas que a rigor representa acontinuidade de rituais agrários antiquíssimos, pré-cristãos, queocorriam em diversas regiões da Europa. Relacionados à nature-za, eram praticados sobretudo na época das colheitas ou semea-duras, na forma de ritos propiciatórios e divinatórios.11 Pode-senotar essa herança nos nossos festejos juninos de feições maistradicionais, envolvendo cerimônias que incluem o fogo, a água,as adivinhações, os mastros dos santos e o casamento caipira,entre outros. Essas antigas celebrações “pagãs”, claro, foramadaptadas pelos católicos, que as direcionaram para os santos.

No tocante à presença africana, há de se lembrar do batu-que (de umbigada) e do jongo, que são heranças de escravos tra-zidos das regiões do Congo e de Angola, assim como o são osdiversos tipos de sambas tradicionais. Já as referências indígenas

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1 Festa do Divino em Tietê, 1985.

Realizada em muitos municípiospaulistas, as Festas do Divino fo-ram introduzidas pelos portugue-ses no tempo da colonização epossuem singularidades regionais,como o encontro de irmandadesem Tietê, ainda que em todas sedestaquem a decoração e a fartu-ra de comida.

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2 Festa do Divino em São Luiz do Paraitinga, 1985.

Na Festa do Divino realizada emSão Luiz do Paraitinga, as casastambém são objeto de decoraçãopara homenagear e comemorar aaparição do Espírito Santo.

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têm presença bem menos pronunciada. Há indícios dessainfluência em algumas práticas como o catira e o cururu, quevários pesquisadores acreditam estarem relacionadas aos silvíco-las,12 tendo sido originalmente adaptações, a partir de dançasnativas, que os jesuítas realizaram para o trabalho de catequese.

Portanto, nas diversas expressões culturais caipiras, a pre-sença mais visível é a ibérica, seguida da africana e, com meno-res marcas, da indígena.

Além dessas matrizes básicas, devemos considerar que osprocessos de formação cultural são sempre dinâmicos e as trocasinterculturais uma constante. Assim, ao longo do tempo, asexpressões culturais paulistas em geral continuaram a receberinfluências, em diversas localidades, de imigrantes estrangeiros,sobretudo italianos, alemães, espanhóis e libaneses, já no séculoXIX, e mais tarde dos japoneses. Houve também a presença demigrantes provenientes de várias regiões do país, que deixaramsua contribuição. Por sua vez, ocorreram igualmente influênciaspor proximidade com alguns países vizinhos, sobretudo o Para-guai. A partir do desenvolvimento dos meios de comunicação demassa, outras marcas culturais se fizeram notar, sobretudo nocampo das expressões artísticas; na música por exemplo, por

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3 Vista geral do “Barretão”,Barretos, 1998.

No local, realiza-se a Festa doPeão Boiadeiro, na cidade de Bar-retos. A festa ocorre desde 1955.

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meio dos discos, das rádios, do cinema e da televisão. Nesse últi-mo caso temos, desde meados da década de 1980, o notóriomodismo do estilo country norte-americano na música identifica-da como “sertaneja” e no vestuário, com chapéus, botas, calças,cintos e outros implementos, que têm grande visibilidade nasinúmeras festas de “peão de boiadeiro” (rodeios) e feiras agro-pecuárias.

Para concluir esta introdução ao tema, é importante mencio-nar que as expressões culturais caipiras, além do Estado de SãoPaulo, historicamente se alastraram por uma ampla região, acom-panhando o expansionismo da ocupação territorial iniciada pelosbandeirantes, alcançando principalmente os atuais estados deMinas Gerais, Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás.

“Todos caipira é brincalhão, mais brinca meio cismado, né?Só co’o tempo qui ele dexa di sê cismado. Agora, tem argum quié atirado dimais. Antão esses têm qui tomá cuidado, purque eleé ‘entrão”, muito “entrão” memo. Ele é o caipira daqueles quijá vai chegano i quereno dominá. Quando chega uma pessoa nacasa dele ele qui qué falá tudo, ele qui qué comandá. Antão cumesse tem qui tomá cuidado. Im Cristina [cidade do Sul de MinasGerais] tem muito, i eu cunheci bastânti, né?

Mais o caipira é cismado. Por isso qui fala qui o caipira ébicho do mato. Acho qui pur causo da criação dele.”

(Depoimento do afamado violeiro Zé Mira [José Alves deMira, nasc. 1924], morador da cidade de São José dos Campos,ex-tropeiro e mestre de Moçambique.)13

Os ciclos festivos, a organização e a circulação dasmanifestações expressivas

As celebrações tradicionais paulistas seguem, em linhas ge-rais, o calendário institucionalizado sobretudo pela tradição cató-lica, compreendendo determinados ciclos temáticos fixos, a sa-ber: o Natalino e de Reis, entre dezembro e janeiro; o Carnava-lesco, no geral recaindo em fevereiro ou março; o da Quaresma eSemana Santa, que se estabelece por 40 dias após a Quarta-feirade Cinzas; o do Divino, que ocorre 50 dias após a Páscoa; e oJunino, sempre no mês de junho. Porém, a maioria dessas cele-brações requer preparação, antecedendo assim, em muito, o mo-mento culminante das comemorações propriamente ditas. Porexemplo: a Festa do Divino costuma ser antecedida, em muitaslocalidades, de meses de “giros” (percursos) da Folia do Divino,cantando louvores e recolhendo donativos para a festa.

Por sua vez, é preciso esclarecer que algumas comemora-ções, como as do Divino, podem ser realizadas também em datas

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diferentes, dependendo da tradição própria de cada localidade.Assim, na cidade paulista de Tietê, ela é realizada no último fimde semana de dezembro. Ainda, festas como as de Nossa Se-nhora do Rosário e São Benedito ocorrem em datas diversas.Além disso, há celebrações que independem de ciclos ou datasespecíficos, como a dança-de-são-gonçalo, que se realiza nor-malmente aos sábados em qualquer época do ano, menos noperíodo da Quaresma.

A organização dessas festividades pode ter a iniciativa depessoas dos mais diversos segmentos sociais, dependendo decada tipo de comemoração e da localidade. Existem desde aque-las que são realizadas por líderes de pequenos núcleos comuni-tários - podendo ser o “mestre” de um folguedo, um devoto quefez promessa ou o seu herdeiro, uma irmandade - até as queenvolvem, além de membros das comunidades tradicionais, pre-feituras, a igreja e diversas instituições estabelecidas, sobretudoquando existe interesse comercial nesses eventos, que alcançamgrande público. Na maioria dos casos, as festas de grande parti-cipação popular sempre fazem crescer, em muito, o interesse dossegmentos comerciais, na forma de “patrocínios”, e dos órgãospúblicos, que chegam a incluí-las no calendário de eventos ofi-ciais.

Assim, os grupos de danças e folguedos vêm sendo convida-dos a participar dessas diversas categorias de eventos, tanto tra-dicional-populares quanto oficiais, artístico-comerciais, festivaisde folclore e outros, de pequeno ou grande alcance. Nos últimosanos, em especial, esses grupos podem ser vistos em eventos dis-tintos daqueles mais convencionais, no geral de cunho religio-so/sagrado. Eles passaram a circular como “atração artística” outurística, ou mesmo “atração folclórica”. De fato, é interessanteacompanhar o calendário intenso de apresentações 14 de deter-minados grupos de danças ou folguedos tradicionais, nos fins desemana, por praticamente todo o ano, nos vários tipos de even-tos culturais. Para isso, contribuiu bastante o interesse, senão omodismo, que esse tipo de “atração” passou a ter sobretudopela década de 1990, por todo o Brasil. E atendendo principal-mente a uma demanda de pessoas de formação mais intelectua-lizada, incluindo artistas diversos, educadores, estudantes, ativis-tas de movimentos sociais e organizações não-governamentais(ONG’s), preocupadas, pelo menos supostamente, em valorizaras tradições populares e “dar visibilidade” a elas. Tal movimentoresultou na produção e organização de diversos tipos de encon-tros cultural-artísticos, shows mesmo, em que se incluem apre-sentações de grupos “folclóricos” ou “étnicos”, muitas vezesatuando ao lado de artistas dos meios de comunicação de massavoltados para as “raízes”.

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4 e 5 Participantes da Festa do Divino em Tietê, 1985, e bonecos dos folguedos do Divino de São Luiz doParaitinga, 1984.

A Festa do Divino em Tietê, alémde ter um calendário próprio, temoutras particularidades como aparte das festividades que aconte-ce no rio. Os participantes fazemuma formação com objetos repre-sentando os remos dos batelões,que são os barcos que transpor-tam os devotos pelo rio Tietê.Maria Angu e João Paulino sãoalguns dos bonecos gigantes cujatradição remonta à colonizaçãoportuguesa. Em São Paulo, sãomais comumente encontrados noLitoral Norte e no Vale doParaíba.

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As celebrações

A seguir, a apresentação e os comentários sobre as manifes-tações populares paulistas se referem a: festas, danças, folgue-dos, ciclos festivos e outras celebrações.

FestasUma das mais importantes comemorações paulistas é a Festa

de Nossa Senhora Aparecida, em 12 de outubro, misto de religiãoinstitucionalizada (Igreja Católica) e expressão popular. Emborapossa ocorrer em várias localidades, a mais consagrada se realizana cidade de Aparecida, no Vale do Paraíba, organizada por umcasal de festeiros (como acontece em outras festas tradicionais).Verifica-se ali a presença de grupos de folguedos como os moçam-biques, congadas e outras manifestações, que participam da pro-cissão e se movimentam durante o dia inteiro pela cidade. A festareúne anualmente milhares de devotos de várias regiões do Brasil,de todas as classes sociais. Existe o costume de se organizaremexcursões em ônibus, enquanto muitas outras pessoas fazem lon-gos trajetos a pé até o santuário, como forma de pagamento depromessa, por meio do sacrifício físico. É tradicional a elaboraçãode doces, com prendas doadas, os quais recebem a bênção dosacerdote e são distribuídos aos visitantes. Algumas procissões sãorealizadas com participação de grupos de diversos folguedos,como os bonecos gigantes João Paulino e Maria Angu, provenien-tes de São Luiz do Paraitinga. Durante os dias da festa, é feito lei-lão de prendas em benefício do evento, além de outras atividades.

São Benedito (1526-1589) desfruta de grande devoção popu-lar. Nascido na Sicília, Itália, era filho de africanos e, por isso, é con-siderado padroeiro dos negros (“santo de preto”, no dizer popular),o que não impede o seu culto por pessoas de todas as origens. É co-memorado em diversas datas, conforme a tradição de cada localida-de, estando comumente associado a Nossa Senhora do Rosário. Asfestividades são bastante disseminadas em São Paulo, ocorrendo,entre tantas localidades, em: Tietê, Itapira, Atibaia, Arujá, Guaratin-guetá e Aparecida. Esta última cidade recebe, todos os anos, deze-nas de grupos de folguedos de congo e moçambique, vindos sobre-tudo de várias regiões paulistas e mineiras. O encerramento das co-memorações sempre ocorre no fim de semana seguinte ao da Pás-coa, compreendendo a segunda-feira, que é o seu dia principal.

“Com que se prepara coroaCoroa de São BeneditoÉ o cravo, é a rosaÉ a frô mais bonito” (Verso de congo de Atibaia.)15

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A Festa de Bom Jesus também é realizada em diversas loca-lidades paulistas, entre elas Iguape, Tremembé e Pirapora doBom Jesus. Nesta última, próxima da cidade de São Paulo, écomemorada normalmente entre 3 e 6 de agosto (dia principal),sendo uma das mais populares e tradicionais da região metropo-litana da capital. Durante muito tempo a festa foi um reduto deencontro de grupos negros (que se reconheciam como “bata-lhão”) de diversas localidades do estado, inclusive da capital,que ali se reuniam para a devoção religiosa e para a prática deformas tradicionais de samba paulista, reconhecidos como:samba de bumbo, samba de Pirapora, samba caipira, samba-lenço ou simplesmente samba.

Um ritual de fundo exclusivamente religioso é a chamadaFesta da Carpição. Consiste em eliminar o mato do entorno ime-diato de uma capela católica (a carpição) e em seguida recolherum punhado de terra (em um lenço, um saquinho qualquer oumesmo na mão) de determinado local próximo ao templo, colo-cando-o junto a alguma parte do corpo afetada por enfermida-de, para depois depositá-lo em outro lugar próximo. Ocorre emalgumas localidades como o bairro de Remédios no distrito de

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6 Festa São Benedito,Aparecida, 2001.

Comemorado em associação àshomenagens a Nossa Senhora doRosário, São Benedito é uma dasfestas mais populares em municí-pios como Aparecida.

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São Francisco Xavier e o bairro do Bom Sucesso (ambos no muni-cípio de São José dos Campos), o bairro de Bom Sucesso (emGuarulhos) e outros, em agosto, comumente por volta do dia 15.A prática se estende para animais adoentados, especialmentecachorros e cavalos. Em alguns desses locais há festeiro (respon-sável pela organização do evento), quermesse com leilão eoutras atividades. Embora relacionada ao catolicismo (NossaSenhora da Carpição, Nossa Senhora do Bonsucesso), não hácomo nesse caso deixar de se supor também ligações com cultosancestrais ligados à própria terra, tais como a devoção aPachamama, a “mãe terra” dos povos andinos (Peru, Bolívia,Chile e outros).

Em 27 de setembro ou em datas próximas, que podemalcançar outubro, realiza-se a festa em comemoração aos santosgêmeos Cosme e Damião, identificados como deidades relacio-nadas às crianças. Popularmente, é a “festa das crianças”, mar-cada pela distribuição de doces, bolos, bebidas e brinquedos.Comemorado tanto por pessoas de formação católica quanto deUmbanda e Candomblé, é realizada nas ruas, terreiros ou casas,em geral recebendo muitas doações. Está disseminada por váriaslocalidades do Estado de São Paulo.

A Festa de Santa Cruz relaciona-se ao sacrifício de JesusCristo. É realizada em vários municípios, com destaque para aAldeia de Carapicuíba (município de Carapicuíba), próxima dacidade de São Paulo, nos dias 2, 3 e 4 de maio. Na festa pratica-se uma dança específica em louvor à cruz, o sarabaqüê. Acom-panhado com cantoria, violas, reque (reco-reco), pandeiros e apuíta (cuíca), é realizado em três partes: Saudação, Roda eDespedida.

“Vamo saudar a Santa CruzE a padroera do lugar,Pedimos que ela protejaEm toda parte que ela andar

Agora que eu vô cantáQue inda hoje não canteiQuero experimentá meu peitoSe inda está como deixei

Pra dançá com esta morenaEu tenho satisfaçãoO luxinho que ela fazMe balança o coração”

[ Cantorias registradas na Aldeia de Carapicuíba - S. Paulo. ]16

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7 Festa de Santa Cruz, Aldeiade Carapicuíba, 2001.

Anualmente, no início de maio,realiza-se em Carapicuíba a Festade Santa Cruz, tradição vindadesde o século XVIII. Violeirosfazem a “saudação da cruz”, umadas três partes em que a festa sedivide.

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A festa também ocorre no Embu, em Itaquaquecetuba e emoutros locais próximos da capital, num domingo em torno do dia3 de maio (considerado o dia principal da comemoração).Sempre liderada por violeiros, a dança é realizada diante dacapela e de uma grande cruz colocada no pátio central do local,assim como na frente de algumas casas próximas, nas quais osmoradores colocam também uma pequena cruz. Dança-se até oamanhecer. Tem-se como certo que a festividade constitui umamanifestação originada de atividades missioneiras de jesuítas, nogrande entorno da então vila de São Paulo. Deve, portanto, terocorrido em outros locais, como o bairro de Pinheiros, os muni-cípios de Barueri e Mogi das Cruzes, entre outros pontos de tra-balho de catequese jesuítica.17

Correspondendo à Festa de Pentecostes no calendário ofi-cial da Igreja Católica (em que se comemora a descida do EspíritoSanto aos apóstolos, 50 dias após a Páscoa), a Festa do Divino éuma das mais tradicionais do Brasil, assim como o é em Portugal.A maioria dos estudiosos acredita que essas celebrações princi-piaram no Brasil já no século XVI, por iniciativa de portugueses.Quanto a São Paulo, o pesquisador Alceu Maynard de Araújoanotou, por exemplo, uma antiga referência à festa na cidade deGuaratinguetá, já em 1761.18 Divino é festa organizada usual-mente por gente da elite (fazendeiros, comerciantes, etc.),enquanto a de São Benedito é “festa de pobre”.

Por sua vez, a Folia do Divino consiste em um grupo dehomens, portando uma bandeira com o símbolo do Divino (umpombo branco, prateado ou dourado) e instrumentos musicaisdiversos, que faz um “giro” por residências urbanas e/ou pro-priedades rurais, para cantar louvores ao Divino Espírito Santo erecolher doações (“esmolas”) para a festa. Essas oferendas po-dem ser de diversas espécies: dinheiro, animais (pato, galinha,porco, bezerro), alimentos (arroz, feijão, açúcar, sal), prestaçãode serviços e outras. Há sempre um “festeiro”, que é o respon-sável pela organização da festa a cada ano. Algumas localidadesonde “giram” folias e são realizadas grandes festas do Divino:São Luiz do Paraitinga, Lagoinha, Nazaré Paulista, Cunha, Mogidas Cruzes, Salesópolis, Piracicaba, Tietê, Anhembi, LaranjalPaulista. Instrumental básico: duas violas, triângulo, pandeiro,caixa. O “bandeireiro” é outro integrante, encarregado de con-duzir respeitosamente a bandeira do Divino e recolher esmolas.Pessoas devotas consideram a bandeira (vermelha com bordadosou pinturas em branco ou dourado) como a própria presença doDivino, “que veio visitá”. Uma vez cumprida a obrigação de sen-tido religioso, se a Folia pernoitar em determinada propriedadepodem ocorrer atividades de lazer não religioso, com a execuçãode músicas, cantorias e danças após o jantar. Em muitas localida-

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8 Festa do Divino EspíritoSanto em São Luiz doParaitinga, 2000.

A riqueza dos ornamentos daFesta do Divino Espírito Santo éum sinal da participação da elitelocal no evento.

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des, nos dias da festa prepara-se uma comida chamada afogado,servida gratuitamente aos presentes. Muitos devotos acreditamque esse alimento passou a ter atributos místicos especiais - é “acomida do Divino”. Os ingredientes provêm de doações recolhi-das geralmente pela Folia, compreendendo carne de boi ensopa-da, arroz, feijão, farinha de mandioca e batata cozida na água.

Outra cerimônia largamente disseminada é a Festa de SãoGonçalo, realizada em louvor a esse santo nascido em Portugal(c. 1187-1259), com cantorias e danças, ao som de violas, nor-malmente com sapateado e palmeado, com coreografia básicaem duas fileiras. A dança-de-são-gonçalo é feita sempre parapagamento de promessa, chegando a se estender por quatrohoras ou mais. Ocorre sempre diante de um altar improvisado,tendo por base alguma mesa pequena da casa, ou ergue-sesobre ela um nicho com bambus, adornado com flores artesa-nais, onde se coloca a imagem do santo. Costuma-se colocartambém no altar outros santos de devoção do “festeiro” (orga-nizador) e do pessoal da casa, os quais devem, então, ser tam-bém louvados pelos violeiros. Os dançadores fazem várias evolu-ções, tendo sempre à frente os “mestres” violeiros, comumentereconhecidos como “folgazões”. A celebração no geral temcaráter mais particular, reunindo parentes, vizinhos e devotosconhecidos, realizando-se dentro de casa ou mais usualmentenos quintais, para poder abrigar maior número de participantes.Padroeiro dos violeiros e “casamenteiro das velhas” no Brasil,São Gonçalo é considerado “milagreiro” e está entre os santosde maior devoção na cultura popular-tradicional brasileira. Suafesta tem enorme ocorrência em São Paulo, sendo realizada emArujá, Nazaré Paulista, Atibaia, Joanópolis, Lagoinha, SantaIsabel, Mogi das Cruzes, São José dos Campos e muitas outraslocalidades.

As Festas Juninas constituem um dos mais importantesciclos de comemorações populares no Brasil. São celebraçõespopulares no mês de junho, comemorando Santo Antônio (dia13), São João Batista (dia 24) e São Pedro (dia 29). A rigor, osdevotos ou pessoas que têm o nome desses santos costumamfestejar a partir da véspera dos dias citados. Nas regiões interio-ranas paulistas, sobretudo nas localidades rurais, ainda se preser-vam bem o louvor religioso e até rituais ancestrais, enquanto nascidades a ênfase recai sobre o aspecto festivo em si.

Nessas ocasiões, são elementos constantes a fogueira, osfogos de artifício, quadrilha (às vezes com “casamento caipira”),mastro com estampas dos santos, correio do amor ou correioelegante, culinária considerada do ciclo - cuscuz paulista, bolode fubá, broa de milho, curau, pipoca, pinhão cozido na água,quentão, vinho quente -, embora se trate de iguarias que podem

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ser consumidas em qualquer época. Tais elementos dão a esseseventos uma ambientação “caipira” ou de zona rural. Essa ima-gem de “festa caipira”, inspirada na figura do caboclo paulista,se difundiu por boa parte do Brasil, com as roupas e os gestosconsiderados “típicos”, tendo, também, na quadrilha caipira (vermais adiante), a sua representação coreográfica.

Dos santos das festas juninas, um é português e os outrosdois judeus contemporâneos de Jesus. Santo Antônio nasceu emLisboa, em 1195, e faleceu em Arcela, na Itália, em 13 de junhode 1231. Seu nome de registro era Fernando de Bulhões y Tavei-ra de Azevedo, sendo conhecido como Santo Antônio de Lisboaou Santo Antônio de Pádua, por ter vivido nesta cidade italianapor muito tempo. Pertenceu à ordem de São Francisco de Assis.Tido como casamenteiro e grande realizador de milagres, estáentre os santos mais cultuados no Brasil. No seu dia é comum, nosconventos franciscanos, a distribuição de pãezinhos, que simboli-zam a fartura do alimentos, sendo ainda fator de proteção espiri-tual. Muitas pessoas colocam esse pão bento no recipiente ondese guarda o arroz ou outro alimento, para que este nunca falte nacasa. Nas missas realizadas em seu dia, milhares de pessoas vão àsigrejas próprias, para realizar pedidos diversos, incluindo-se aí,naturalmente, as súplicas para conseguir casamento.

São João Batista, primo de Jesus, tem seu nascimento come-morado no dia 24 de junho pelo calendário católico. Conside-rado protetor das colheitas, é dos três santos o que mais se iden-tifica, no Brasil, com o espírito popular festivo junino, no senti-do profano, estando relacionado principalmente a símboloscomo o fogo, a água, a natureza e a fertilidade. Em várias partes

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9 Festa Junina em Cotia, 2003.

Reminiscências ibéricas, as festasem homenagem a Santo Antônio,São João e São Pedro ocorrem nomês de junho em diversos municí-pios do Estado de São Paulo. Asquadrilhas dançadas por crianças,com roupas especialmente feitaspara o evento, são comuns.

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do Brasil se realiza a “lavagem do santo” nos rios, cuja águapassa a ser considerada benta nesses momentos e dotada depoderes curativos. No cristianismo, é através do batismo naságuas que se considera convertido o pagão. Entre nós, existemreferências às festas joaninas desde o início do século XVII, mas,provavelmente, os primeiros colonizadores portugueses já aspraticavam desde o século anterior. Na noite de 23 para 24, rea-lizam-se diversos tipos de “sortes” para se prever e pedir pelofuturo (casamento, morte, boas colheitas e outros).

São Pedro, por sua vez, é consagrado como o “chaveiro docéu” e protetor das viúvas, sendo também o padroeiro dos pes-cadores, pois, segundo o Novo Testamento, foi pescador antesde se tornar seguidor de Jesus. No seu dia realizam-se procissõesfluviais em diversas localidades. É o santo que encerra tradicio-nalmente o ciclo junino, embora já se realizem comemoraçõesno mês de julho, as chamadas festas julinas ou julhinas.

Finalmente, a Festa dos Santos Reis refere-se aos Três ReisMagos Gaspar, Belchior e Baltazar, festejados no dia 6 de janei-ro. A ela estão relacionadas as Folias de Reis, que são gruposdevocionais, geralmente de homens, que representam “a visitados Reis Magos ao Menino Deus”. Portam uma bandeira comdesenhos/pinturas alusivas e instrumentos musicais e fazem visi-tações (“giro”) nas casas, normalmente no período entre 24 dedezembro a 6 de janeiro. Nessas ocasiões, realizam cantorias erituais de louvação, com versos que anunciam o nascimento deJesus e outros temas afins. Normalmente, pedem ajuda (“esmo-las”) para a realização da festa comunitária, da mesma formaque o fazem as Folias do Divino. A visita da Folia de Reis às resi-

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10 Folia de Reis emBebedouro, 1986.

Máscaras e chapéus cônicos sãotraços distintivos das fantasias dosmembros das Folias de Reis. Essasfestas são mais comuns no Nortee no Noroeste paulistas ao longodo ano, exceto na Quaresma.

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11 Representante do grupoFolia de Reis de São Luiz deParaitinga com seu cetro real,2000.

Na Folia de Reis, homens combelas fantasias fazem o papel dosReis Magos, em visita ao meninoJesus.

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dências é cercada costumeiramente de grande emoção, na medi-da em que, segundo a crença popular, ali se fazem presentes aspróprias entidades louvadas. A dona ou o dono da casa recebe abandeira na porta e a conduz para dentro, com grande reverên-cia, passando-a por sobre a cabeça dos membros da família e dosmóveis e implementos da casa, levando-a também para os várioscômodos, que então consideram estar protegidos.

A Folia de Reis também recebe os nomes de Companhia deReis, Terno de Reis ou simplesmente Reis. Seus integrantes sãochamados de “foliões”. O instrumental é bastante variado,podendo incluir: violas, violões, cavaquinho, pandeiro, caixa,sanfona, rabeca (violino). Não se pode deixar de mencionar apresença dos “Palhaços”, no geral dois. Com roupas sempre fol-gadas e muito coloridas, e ainda usando máscaras e chapéus emforma de cone, eles fazem a função cômica nos grupos, muitasvezes representando os “soldados do rei Herodes”, dos relatosbíblicos. A festa ocorre em muitas regiões paulistas. Cabe lem-brar que várias cidades paulistas promovem Festa de Reis fora dociclo próprio, em festivais com a presença de dezenas de grupos(inclusive de Minas Gerais e Goiás). Isso acontece em Altinópolis,Barretos, Ribeirão Preto, Votuporanga e outras localidades.

Diferentemente das celebrações católicas citadas até aqui, aFesta de Iemanjá homenageia um orixá de religiões afro-brasilei-ras, que representa a força das águas do mar. É reverenciadasobretudo por tendas de Umbanda e Candomblés, comumenteem praias. Em determinadas datas, sobretudo 8 de dezembro edias próximos, bem como em 31 de dezembro, nas celebraçõesde passagem do ano, adeptos da Umbanda vindos de todo o ter-

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12 Festa de Iemanjá na Praia Grande, 1992.

Iemanjá, produto do sincretismoreligioso afro-brasileiro, repre-senta a força das águas do mar. Por isso, as homenagens a esseorixá - também associado à católi-ca Nossa Senhora da Conceição -ocorrem em dezembro, nos mu-nicípios litorâneos.

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ritório paulista realizam cultos nas praias de Santos, São Vicente,Guarujá, Bertioga, Praia Grande. Sincretizada com NossaSenhora da Conceição (festejada em 8 de dezembro), Iemanjá écontemporaneamente representada por uma moça de cabeloslongos e pretos, vestido longo branco-azulado, saindo do mar.Alguns dos rituais já extrapolaram as sessões dos cultos afros ese disseminaram por toda a população. Isso ocorre principalmen-te nas regiões litorâneas, onde, nas “festas de ano-novo”, mui-tas pessoas jogam flores e presentes e se banham no mar, vesti-das de branco.

DançasBatuque é termo genérico no Brasil, referente a qualquer

música percussiva ou ao simples ato de percutir, em geral relacio-nado a populações negras. De fato, documentos e relatos literá-rios antigos associam o batuque aos cultos religiosos e, ainda, atodas as manifestações envolvendo música e dança, praticadaspor africanos e seus descendentes. No Rio Grande do Sul, Pará eAmazonas trata-se do nome das práticas religiosas da vertenteafro-brasileira. No caso específico de São Paulo, batuque refere-se a uma modalidade preservada por membros de comunidadesafro-brasileiras das regiões de Piracicaba, Tietê e Capivari, quetem na umbigada (batida dos ventres dos dançarinos) o seu ele-mento coreográfico principal. Estudos indicam que o batuque seoriginou de escravos trazidos da região Angola/Congo, portanto,dentro do grupo etnolingüístico africano banto ou bantu. Alémdo canto, a dança é realizada sob o acompanhamento rítmico dedois tambores, o tambu (o maior, feito com um segmento detronco de árvore) e o quinjengue (o menor, em forma de cálice),e mais um par de madeiras que percute o corpo do tambu, deno-minado matraca. Muitos participantes portam ainda outro ins-trumento, um chocalho de metal denominado guaiá. O tambufica no chão, e seu tocador senta-se sobre ele, como se o caval-gasse. A coreografia básica se desenvolve em duas alas, uma dehomens e outra de mulheres, em lados opostos, que se encon-tram várias vezes, com pares diferentes, realizando a umbigada.As cantorias se fazem com versos improvisados ou tradicionais.Normalmente o batuque se inicia tarde da noite, por volta das 23horas, e vai até o raiar do dia.

Cana-verde - ciranda - dança do caranguejo - chimarrete(chimarrita ou chamarrita) são danças tradicionais de coreografiasimples, no geral de roda ou alas, na maioria de origem portu-guesa, que se realizam nas festas populares. A ciranda envolveparticipantes adultos, assim como ocorre em Portugal, não seconfundindo com a brincadeira de roda infantil nem com a ciran-da das regiões nordestinas, também de adultos. Essas práticas se

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fazem sob o acompanhamento dos instrumentos musicais maiscomuns, como: sanfona, viola caipira, violão, pandeiro e outros,tendo cantoria de versos tradicionais e também criados nomomento, o que sempre lhes dá atualidade. Ocorrem no litoral eno interior. A pesquisadora M. Amália Corrêa Giffoni explica queem geral são apresentadas de forma isolada. Em certos casos,porém, dependendo da localidade, se executam relacionadas aum conjunto de outras coreografias denominado fandango.

“Chimarrete, chimarreteVeio de MontevidéuQuem não dança ChimarreteNão vai comigo ao céuTico-tico no terreiroNem que chove não se moiaOnde tem moça bonitaNas feia não se óia”

[ Versos de Chimarrete, Aldeia de Carapicuíba, São Paulo. ]19

Catira ou cateretê é dança de palmeado e sapateado, quetradicionalmente era quase sempre executada por homens pos-tados frente a frente. Seus executantes dizem o Catira - no mas-culino. Ocorre em diversas localidades paulistas, em festas fami-liares e/ou tradicionais (Divino, São Benedito, Santa Cruz), eoutras. Por estar historicamente associado a localidades de tradi-ção boiadeira, fixou-se o costume de os grupos trajarem botas,camisa xadrez, chapéu de aba larga. Todavia, podem-se encon-trar executantes em roupas comuns. O Catira é praticado ao somde duas violas ou viola e violão, com movimentos entremeadospela moda de viola (forma de cantoria recitativa). A coreografiainclui sapateados e palmeados, além de outras evoluções comoa “meia-lua”. Alguns estudiosos o associam ao trabalho cate-quético de jesuítas, aproveitando práticas de música e dança deindígenas, adaptando-as para seus objetivos religiosos (conformejá mencionado).

Cururu é atualmente uma espécie de cantoria de desafiocom acompanhamento de viola e/ou violão. Na origem, além dacantoria, executava-se uma dança de roda, em sentido anti-horá-rio. Atualmente, ela não é mais praticada no Estado de SãoPaulo, mas sobrevive em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. OCururu é comum em noitadas de Piracicaba, Capivari, Tietê,Sorocaba, Tatuí e outras localidades da chamada MédiaSorocabana, nas festas tradicionais e naquelas promovidas pordonos de bares, nos fins de semana, com o intuito de atrair fre-qüentadores. Tempos atrás, havia o Cururu religioso, quando oscantadores deviam versar sobre conteúdos da Bíblia. Além da

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13 e 14 Grupo de mulheresdançando catira na Festa doDivino em São Luiz doParaitinga, 1984, e fandango de tamanco em Olímpia, 1999.

Os trajes do catira remetem aouniverso boiadeiro. A dança acon-tece dispondo-se os participantesem duas fileiras, executando pal-mas e sapateados, e pode ocorrerem festejos privados ou em festastradicionais. Fandangos são dan-ças de bater os pés executadaspor grupos masculinos, comacompanhamento de cordas e deoutros instrumentos de percussão.O fandango de tamanco, de ori-gem ibérica foi introduzido porespanhóis e portugueses.

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forma de cantoria de desafio, o Cururu identifica também umgênero (padrão rítmico) musical da cultura caipira, distinto damoda de viola, do catira e da toada.

Fandango, no interior de São Paulo, refere-se a alguns tiposde danças de grupo, centradas no sapateado, geralmente feitopor homens. Existem variantes como o fandango de tamanco, deRibeirão Grande e Capão Bonito, e o fandango de chilenas (tipode grandes esporas), de Capela do Alto, Tatuí e Sorocaba. Dança-se normalmente em duas alas frente a frente, sob o acompanha-mento de violas, sanfonas e pandeiros. Dependendo da localida-de, pode haver diversas coreografias, com nomes específicos,como se fossem práticas diferentes. No litoral sul de São Paulo otermo designa o baile comum, como o arrasta-pé, embora se exe-cutem alguns ritmos próprios e tradicionais. No Sul do Brasiltrata-se de um conjunto de várias danças (suíte), enquanto noNordeste se refere a um auto com muitos personagens, danças ecantorias, que dramatiza temas marítimos. O fandango (suíte dedanças) tem origem espanhola, mas se disseminou em váriasregiões de Portugal, de onde, tudo indica, o recebemos.

A dança de fitas é uma manifestação feita por participantesmasculinos e femininos, ou somente por meninas, com unifor-mes que diferenciam dois grupos (há preferência pelas cores azule vermelha) e tendo por referência um mastro de cujo topo par-tem fitas, uma para cada participante. A um aviso dado, todos semovimentam em ziguezague, a coreografia mais comum, umavez passando sua fita pelo alto da fita de um integrante que semovimenta em direção oposta, e a seguir passando-a por baixoda fita do próximo. Desse modo, se obtém um cruzamento dasfitas no mastro. Outras coreografias podem ser executadas, em

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15 Mastro dança fitas doFestival do Folclore, Olímpia,1999.

Do mastro pendem fitas, uma pa-ra cada participante desta dançaexecutada por homens e mulheresou somente por meninas, dividi-dos em grupos trajados a caráter.

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geral acompanhadas por ritmos de marcha ou polca. Em SãoPaulo há registros de sua execução em Taubaté, Cotia, São Luizdo Paraitinga e Iguape.

FolguedosCaiapó é nome de um grupo indígena da família lingüística

Jê, cujas aldeias atualmente se encontram no sul do Pará e nortedo Mato Grosso. Outrora viviam em muitas outras localidades. Ofolguedo com esse nome, caiapó, nada tem a ver propriamentecom esses indígenas. É composto de um grupo de pessoas, namaioria homens, que se trajam imitando índios, portando arcose flechas e alguns instrumentos musicais, no geral de percussão.Cacique, bugrinha, guerreiros são alguns de seus personagens.Apresentam-se na forma de uma dança-cortejo, realizando algu-mas dramatizações, que provavelmente se relacionam a repre-sentações de antigos embates entre índios e bandeirantes. Noterritório paulista, o caiapó teve ampla ocorrência, inclusivesendo citado na capital, mas nos últimos anos é encontrado empoucas cidades, como São José do Rio Pardo, Piracaia e Ilha Bela.

Embora o Brasil seja mundialmente reconhecido por algumasdas suas expressões do carnaval, como as Escolas de Samba do Riode Janeiro e os blocos carnavalescos da Bahia e de Pernambuco,existem ainda várias outras modalidades de folguedos desse perío-do. Entre eles, no Estado de São Paulo, registram-se:

Cabeções - Caracterizados pela confecção de grandes cabe-ças, de feições diversas, usando-se pedaços de papel coladossobre forma de barro, tendo o formato de bonecos gigantes. Sãousados no carnaval de Santana do Parnaíba.

Cordão de bichos - cortejo de vários “bichos” (boi, cavalo,urso, galinha, pato, cegonha, zebra, etc.) confeccionados comarmações de bambu ou outros materiais e colagem de papel.Costumam se apresentar na época do carnaval, em cidadescomo Santana do Parnaíba e Tatuí.

Boizinhos - confeccionados segundo a mesma técnica dearmação e empapelamento ou recobertos com tecido. Ocorremem Ubatuba, Iguape e São Luiz do Paraitinga. Nesta última cida-de confeccionam-se também bonecos gigantes, tradicionalmen-te o João Paulino e a Maria Angu.

É comum que essas manifestações sejam acompanhadas deinstrumentos de percussão20 e, às vezes, de uma banda (instru-mentos de sopro), ou, até mesmo, ultimamente, por bateria dotipo das Escolas de Samba. Esses “cordões” se apresentam nãosomente no carnaval, mas também em outras festividades.21

A cavalhada é um tipo de teatro popular que representa aslutas entre mouros e cristãos na Península Ibérica. Os mouros

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16 Carnaval em Santana do Parnaíba, 1998.

A desproporção entre a cabeça eo corpo que a sustenta é a carac-terística mais marcante dos Cabe-ções. Santana do Parnaíba é umadas últimas localidades paulistasonde essas personagens desfilamno Carnaval.

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17 Grupo de caiapó deJoanópolis, 1999.

Grupos predominantemente mas-culinos, os caiapós apresentam-seem folguedo em algumas locali-dades paulistas, imitando índiosem sua indumentária e nos instru-mentos de percussão.

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18 e 19 Cavalhada em Franca,2002, e Cavalaria de SãoBenedito em Lorena, 2002.

Na cavalhada são representadosos cristãos (vestidos de azul) e osmouros (com trajes vermelhos)em luta na Península Ibérica. Essafesta popular foi trazida peloseuropeus no período colonial.Cavalaria é o termo usado paradenominar uma reunião de pes-soas a cavalo, e ocorre em váriascelebrações populares paulistas.

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vestem-se com uniforme em que prevalece a cor vermelha, e oscristãos, com a constância do azul. Costumam “lutar” com 12homens em cada “partido”, todos efetuando coreografias mon-tados em cavalos e dispondo das armas - lança, espada e garru-cha. Há os “espias” (espiões) que, a partir dos disfarces, deriva-ram para “palhaços”. Pode ocorrer também a presença daPrincesa Floripes ou Florípedes, moura que é raptada e converti-da ao cristianismo. Com a derrota, todos os mouros são conver-tidos e, então, se encerra a tarde de lutas com diversos jogos deagilidade eqüestre. Alguns exemplos: os cavaleiros procuramespetar ou estourar cabecinhas artesanais, de papel, espalhadaspelo campo onde se faz a representação; jogam suas lançassobre um fio ou trave de bambu para apanhá-las adiante; tiramcom a lança uma pequena argola pendurada no meio do campo.Uma pequena banda - a “furiosa” - comumente acompanha amovimentação. Existe ainda um tipo de cavalhada em que osaspectos dramáticos se perderam, restando apenas os jogoseqüestres. Ocorre em festas do Divino e outras; também podeintegrar programação de feiras de gado e agrícolas. A cavalhadadramática é realizada em Franca e São Luiz do Paraitinga, poden-do deslocar-se daí para outras regiões. Não deve ser confundidacom a cavalaria de São Benedito, que é apenas um cortejo depessoas a cavalo, em louvor ao santo, sendo mais conhecida a dacidade de Guaratinguetá.

A congada, congado ou congo é um folguedo dramático oudança-cortejo realizado sobretudo por pessoas das comunida-des afro-brasileiras, em devoção principalmente a São Benedito,Nossa Senhora do Rosário e Santa Ifigênia. Na maioria das vezes,as congadas ou congos são grupos de dança-cortejo, existindoporém alguns que realizam representações de lutas, geralmentecom espadas de madeira (congadas dramáticas), entre gruposnegros rivais, reportando-se à África, ou, às vezes, encenandoantigas lutas entre cristãos e mouros. Em geral as apresentaçõesse fazem ao som de cantorias e instrumentos diversos, de per-cussão variada, viola caipira, violão, cavaquinho e acordeão,principalmente.

A maioria dos estudiosos considera que o surgimento dascongadas está relacionado às festas brasileiras de coroação doRei do Congo, ou Rei Congo, que foi costume institucionalizadopelos portugueses na África, no século XV.22 Nas regiões domina-das por estes, a população elegia um rei simbólico, sob grandesfestas. O objetivo era controlar os habitantes com maior eficá-cia.23 Nesses festejos teria surgido o auto. Outra vertente acredi-ta que esses grupos surgiram por ocasião das festas de devoçãoa Nossa Senhora do Rosário, institucionalizadas pela IgrejaCatólica em 1573.24 A partir daí teriam aparecido as primeiras

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20 Detalhe da apresentação doTerno de Congada Chapéu deFitas, do Capitão José FranciscoFerreira, Jardim Santa Ifigênia,Olímpia, 1988.

A congada com chapéu de fitas éuma das manifestações dessetradicional folguedo.

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21 Apresentação deMoçambique de Sainha, doGrupo União São Benedito deBelém, em Taubaté, 1988.

Moçambiques são folguedos reali-zados por grupos religiosos aolongo de todo o ano em diversosmunicípios paulistas. Com músi-cas e danças, homenageiam SãoBenedito e Nossa Senhora doRosário.

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confrarias de negros no Brasil e nelas as congadas, nos momen-tos das festividades públicas.

Na vertente afro-negra de danças e folguedos popularestemos o jongo, cuja coreografia mais comum é a roda, com umcasal de solistas no centro. É praticado sobretudo por membrosdas comunidades afro-brasileiras de algumas localidades do Valedo Paraíba paulista, como Guaratinguetá, Lagoinha, São Luiz doParaitinga, Cunha, Piquete e também na porção fluminense dovale. Há variantes em cidades do Espírito Santo e Minas Gerais,onde também é reconhecido como caxambu, e ainda no morro daSerrinha, na capital fluminense. O Jongo é realizado sem dataespecífica, mas em geral ocorre na época das festas juninas e emoutras tradicionais e ainda nas de 13 de maio, comemorando aAbolição da Escravatura. Dança-se ao som de tambores, denomi-nados tambu (o maior) e “candonguero” (candogueiro, o menor);em certas localidades, ambos são designados como tambu. Alémdisso, às vezes aparece também um tipo de chocalho denomina-do guaiá ou angóia. Cantorias de versos tradicionais ou improvi-sados são denominados “pontos”. Existem modalidades tradicio-nais de jongo nas quais se apresenta um enigma que deve ser“desatado” (desvendado) pelos outros participantes.

Moçambique é uma dança-cortejo afro-brasileira, com bas-tões, que ocorre em diversas cidades do Vale do Paraíba e algu-mas do sul de Minas Gerais; costuma participar de festas de basereligiosa e outras. Cada grupo é formado por duas fileiras ou alas- conforme a coreografia - de homens trajando roupas brancas,tênis brancos, casquetes brancos (tipo de boné flexível, sem abas)com fitinhas ou medalhas de santos. No peito, eles tradicional-mente utilizam fitas azuis (de Nossa Senhora) ou vermelhas (deSão Benedito) cruzadas (ultimamente aparecem também fitasverde e amarela, em homenagem ao Brasil), e abaixo dos joelhos,guizos amarrados, por vezes chamados de guaiás ou paiá. Osmovimentos da coreografia se fazem sempre com o manejo dosbastões que, percutidos entre os membros do grupo, servem tam-bém como instrumento rítmico. Os participantes dançam e can-tam ao mesmo tempo, abordando assuntos religiosos ou livres,acompanhados por diversos instrumentos musicais, como a caixa(tambor pequeno), a viola, a sanfona, o violão e o cavaquinho,entre os mais comuns. Junto aos tocadores (músicos), costumamficar o “rei” e a “rainha” do moçambique, que podem conduzira “bandeira” ou estandarte do grupo, sempre trazendo as figu-ras de São Benedito e/ou Nossa Senhora do Rosário, dos quais osparticipantes são devotos. Alguns estudiosos acreditam que omoçambique tem a mesma origem das congadas, mas não sepode descartar a influência da dança dos pauliteiros, ou dos pau-litos, portuguesa, que também utiliza bastões.

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22 Sambistas do Grupo deSamba de Roda de Pirapora,1999.

O bumbo é o principal acompa-nhamento do samba praticadopor comunidades negras do inte-rior do estado de São Paulo, emmodalidades como o samba debumbo, o samba caipira e osamba-lenço.

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A tão conhecida quadrilha caipira tem origem francesa (qua-drille) e ocorre em todas as regiões brasileiras, nas festas juninas.Pelo que se conhece, começou a ser praticada entre nós a partirda vinda para o Brasil, em 1808, da família real portuguesa, quedeixou a Europa devido à invasão dos exércitos de NapoleãoBonaparte. Portanto, era aristocrática, realizada nos salões daselites, em qualquer tipo de festividade e qualquer época do ano(inclusive no carnaval). Mas com o tempo alcançou todos osestratos sociais e se fixou como um componente essencial dasfestas juninas, tendo como centro a figura do caipira paulista. Aquadrilha é usualmente comandada por um “marcador”, quedirige as variadas coreografias. Não constitui propriamente umgênero musical, mas sim uma forma da dança, que ocorre emgeral sob o ritmo da polca ou da marcha junina. Existem contro-vérsias sobre sua classificação como dança ou folguedo, poissempre tem diversos personagens - “noivos”, “padre”, “delega-do” e outros.

Samba, samba de bumbo, samba-lenço, samba caipira sãodesignações de formas antigas de samba que membros de comu-nidades negras praticavam em várias localidades do Estado deSão Paulo, como Santana do Parnaíba, Campinas, Rio Claro,Sorocaba, Itu, Pirapora do Bom Jesus, Atibaia, Franco da Rochae outras. Essas modalidades tinham no bumbo o seu instrumen-to mais destacado, sendo distintas do samba de tradição baiano-carioca, que se consagrou nacionalmente a partir da década de1930. Ainda está presente em Pirapora do Bom Jesus, Santanado Parnaíba e Mauá, principalmente por influência de movimen-tos de preservação folclórica (folcloristas, antropólogos, profes-sores, estudantes).

Outras celebraçõesOs tapetes de Corpus Christi constituem um tipo de arte

popular efêmera, já que adornam o leito das ruas por onde pas-sará a procissão (católica) do dia em que se homenageia o Corpode Deus. Os habitantes de cada quarteirão reúnem-se e criamdesenhos alusivos ao tema, que serão realizados a partir damadrugada; para isso, juntam materiais diversos como serragemtingida ou não, farinha de mandioca, folhas e pétalas de flores,vidro moído, cascas de ovo, gesso e outros. Além dos “tapetes”,são feitos, em pontos intermediários e nas esquinas, os “qua-dros” (figuras mais elaboradas), para o que muitas vezes são uti-lizadas fôrmas também preparadas pelos moradores. Emboraesses adornos efêmeros sejam realizados em muitas cidades,podem ser destacados os de Matão, São Manuel, Caçapava,Santana do Parnaíba, Taubaté, São Luiz do Paraitinga, Taqua-ritinga e Capivari.

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O ritual da malhação de Judas significa um castigo a JudasIscariotes, por ter traído Jesus, segundo a tradição bíblica.Centraliza-se no boneco de Judas, feito normalmente com rou-pas velhas, com enchimento de jornal, serragem ou panosvelhos, usado para a “malhação”, no sábado ou no domingo daPáscoa. Na malhação mais simples, o boneco é amarrado numposte e queimado ou espancado até ser destruído; também podeser amarrado no alto de um pau-de-sebo, ao longo do qual sãopenduradas prendas, como acontece em Capivari. Uma formatradicional que já existiu no Rio de Janeiro e em outras localida-des é mantida em Itu, ao meio-dia do domingo de Páscoa.Utilizam-se dois bonecos, de Judas e do Diabo. O boneco deJudas fica preso em um poste, cerca de três metros abaixo dafigura do Diabo; ambos explodem após a bateria de fogos quefaz acionar uma roldana para o Diabo despencar nos ombros do“traidor”.

Destacando-se no calendário anual por ser um período decontenção quanto a festas, danças e outras atividades de lazer,a Quaresma/Semana Santa é um período ritual do cristianismo,de 40 dias, que vai da Quarta-feira de Cinzas (após a Terça-feirade carnaval) até o Domingo de Páscoa. Segundo a tradição cató-lica mais antiga, é tempo de abstenções (por exemplo, de secomer carne às sexta-feiras ou durante a Semana Santa inteira),de recolhimento e austeridade, no qual nenhuma manifestaçãofestiva deve ocorrer. Essa visão migrou, até, para muitos prati-cantes de religiões afro-brasileiras, que evitam rituais de tambo-

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23 Tapete em rua de SãoManuel, 1986.

Serragem, farinha, pétalas de flo-res e cascas de ovos são algunsdos materiais utilizados na deco-ração dos “tapetes” que orna-mentam as ruas nas festas deCorpus Christi.

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res durante essa época. Entre os costumes tradicionais daQuaresma está a recomenda de Almas, executada por grupo dehomens e mulheres, à noite, em ambientes abertos (ruas e cemi-térios). Nessas ocasiões, canta-se e reza-se para as almas “queestão no purgatório”. Recebemos essa prática de Portugal, ondeé registrada desde a Idade Média. Tem sentido rigorosamentereligioso, marcado comumente por cantos lúgubres e cercadosde “mistérios” e sigilos. Ocorre em Capela do Alto, RibeirãoGrande, Santo Antonio da Alegria, Franca e outros municípios.

“Lembre-se a expressão comum entre os nossos recomenda-dores: não olhar para trás, para não enxergar as almas quevagam no espaço. Através de suas orações e do peditório de ora-ções, que é uma das características do grupo, procuram afastaras almas do seu convívio e do convívio da comunidade a que per-tencem. Crêem que as almas dos que não morreram de mortenatural são aquelas que atormentam os vivos e, portanto, a elassão dirigidas, principalmente, as orações. E com os instrumentosexorcistas, a matraca e o berra-boi, pedem aos mortos que osdeixem em paz, oferecendo-lhe inclusive a paz para eles mes-mos. Pela importante função social que exercem, os recomenda-dores, tal como os chamam nas regiões rurais de São Paulo, sãovistos com seriedade e respeito.” 25

Concluindo as explicações sobre este grupo de manifesta-ções, temos as romarias - tipo de celebração religiosa comumnas regiões interioranas, tendo por centro de interesse algumpólo católico. Podem ser realizadas a pé, a cavalo, em veículosmotorizados (inclusive motocicletas) e outros recursos, sempreem grupo. São organizadas ciclicamente, em função do dia espe-cial de comemoração do santo(a) ou em qualquer época, por ini-

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24 Tapete de Festa de CorpusChristi em Santana do Parnaíba,1987.

Santana do Parnaíba é um dosmunicípios em que se destaca otrabalho da comunidade na exe-cução do tapete decorativo daFesta de Corpus Christi.

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ciativa grupal, incluindo-se a possibilidade de pagamento de pro-messa. Alguns pólos de atração para as romarias são Aparecida,Iguape, Bom Jesus dos Perdões e Pirapora do Bom Jesus.

A lembrança e a afirmação de um modo de ser

Os saberes e “fazeres” populares aqui apresentados, que sedisseminam por regiões do interior do Estado de São Paulo, têm,na maioria das vezes, origens remotas: “é coisa dos antigos”,como se diz popularmente. Entretanto, são formas vivas e dinâ-micas que, num processo complexo que não cabe aqui aprofun-dar, se preservam mas se renovam nas suas funções, formas esignificados. Ocorrem tanto no âmbito da vida rural (“é coisa desítio”, dizem) quanto nas cidades de pequeno, médio e até demaior porte. Constituem-se como eventos de grande poder aglu-tinador, que marcam as comunidades dos seus praticantes. Aoserem exercidos, tornam-se instrumentos valiosos de guarda damemória e identidade de pessoas e grupos, sendo sempre oresultado do esforço coletivo de preservação.

As festas, em particular, representam momentos da maiorimportância social. São instantes especiais, cíclicos, da vida cole-tiva, em que as atividades comuns do dia-a-dia dão lugar a prá-ticas diferenciadas que as transcendem, com múltiplas funções esignificados sempre atualizados. As diversas espécies de práticasculturais populares podem ser a ocasião da afirmação ou da crí-tica dos valores e normas sociais; o espaço da diversão coletiva;do repasto integrador; do exercício da religiosidade; da criação eexpressão de realizações artísticas; assim como o momento daconfirmação ou da conformação dos laços de identidade e soli-dariedade grupal. Podem, inclusive, conciliar sentidos diversosem uma mesma manifestação.

É no contexto social amplo, e não apenas no isolamento emsi dos fatos, que elas podem revelar os seus significados maisprofundos. Percebe-se, então, que, apesar de comumente serempercebidas apenas como “festas”, no sentido lúdico do termo,por se expressarem muitas vezes por meio de músicas, danças,cores, brincadeiras e refeições em comum, elas têm, além dessesaspectos, sentidos outros para os seus praticantes. Pode-se notarque em percentual significativo as celebrações populares estãorelacionadas com valores religiosos/sagrados. Assim, mesmo asdanças e folguedos não são apenas “diversão”, para serem vis-tas e ouvidas somente como práticas artísticas. São também atosde fé, de solidariedade, de partilhar a vivência e a históriacomum das pessoas, do presente e do passado, rememorandosempre um modo de ser caipira, com muito orgulho.

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Notas

1 Os temas de festas, ritos ecelebrações são clássicos nasciências sociais. Para uma lei-tura introdutória e didática,consultar: BRANDÃO, CarlosRodrigues. “Rotina, festa e ri-tual: algumas idéias introdutó-rias”. In: Cavalhadas de Pire-nópolis: um estudo sobre re-presentações de Cristãos eMouros em Goiás. Goiânia:Oriente, 1974; ITANI, Alice.Festas e calendários. São Pau-lo: Unesp, 2003; SEGALEN,Martine. Ritos e rituais con-temporâneos. Rio de Janeiro:FGV, 2002.

2 Dança refere-se à expressãocoreográfico-musical tão so-mente, enquanto folguedoadmite esses aspectos, tendo,ainda, necessariamente, algu-ma forma de dramatização,mesmo que apenas a presençade algum personagem comoum Rei, uma Rainha, um Em-baixador, que outrora podemter sido integrantes de um en-redo teatral mais completo.Daí serem práticas coreográfi-co-dramático-musicais. Alémdessa nomenclatura, encontra-mos outras, como: dança dra-mática (adotada por Mário deAndrade em Danças dramáti-cas do Brasil. Tomo 3. São Pau-lo: Martins, 1959), dança-cor-tejo, auto, auto popular.

3 Explicações sobre essas e ou-tras expressões se encontramno decorrer do texto.

4 Sobre esse termo, ver conside-rações no texto “A gente pau-lista e a vida caipira”, de LuísRoberto Rocha de Francisco,no volume 2 desta coleção.

5 Dentre outros, ver: BRANDÃO,Carlos Rodrigues. O que é fol-clore. São Paulo: Brasiliense,

1982 (Coleção Primeiros Pas-sos); PELLEGRINI FILHO, Amé-rico. “Conceitos brasileiros defolclore”. In: PELLEGRINI FILHO(org.). Antologia de folclorebrasileiro - século XX. São Pau-lo: Edart, Belém: Univ. Federaldo Pará, João Pessoa: Univ.Federal da Paraíba, 1982, pp.11-31; CARVALHO, Rita LauraS. de et al. Seminário folclore ecultura popular: as várias facesde um debate. Rio de Janeiro:INF/IBAC/MEC, 1992 (Série En-contros e Estudos 1); FERNAN-DES, Florestan. O folclore emquestão. São Paulo: Hucitec,1978; CASCUDO, Luís da Câ-mara. Dicionário do folclorebrasileiro. 5ª ed. São Paulo:Melhoramentos, 1980; LIMA,Rossini Tavares de. Abecê dofolclore. 4ª ed. São Paulo:Ricordi, 1968.

6 Boletim da Comissão Nacionalde Folclore, nº 13. Rio de Ja-neiro: Comissão Nacional deFolclore, abr.-jun., 1993.

7 Carta do Folclore Brasileiro.Rio de Janeiro: ComissãoNacional de Folclore/InstitutoBrasileiro de Educação, Ciênciae Cultura (Ibecc)/Unesco,1995, p. 2.

8 GARCÍA CANCLINI, Néstor. Asculturas populares no capita-lismo. São Paulo: Melhora-mentos, 1982, p. 42. Há de seressaltar que este autor prefe-re o uso do plural - “culturaspopulares” - para esses sabe-res, diante da sua diversidadee porque não se reduzem “aum traço essencial” (p. 50).

9 RIBEIRO, Darcy. O povo brasi-leiro: a formação e o sentidodo Brasil. 2ª ed., 4ª reimp. SãoPaulo: Companhia das Letras,1996, p. 19. No caso específi-

co da temática folclórica emSão Paulo, ver: LIMA, RossiniTavares de. “Aculturação”. In:A ciência do folclore (segundodiretrizes da Escola de Folclo-re). São Paulo: Ricordi, 1978,pp. 35-37.

10 Ver o texto “A fundação de SãoPaulo e os primeiros paulistas:indígenas, europeus e mamelu-cos”, de Anicleide Zequini, novolume, A formação do Estadode São Paulo, seus habitantese os usos da terra, da coleçãoTerra Paulista.

11 Ritos propiciatórios são “festi-vidades” realizadas para queas entidades divinas ou a pró-pria natureza se tornem favo-ráveis ou propícias ao homem,por exemplo, para que as co-lheitas sejam boas, favorecen-do a sobrevivência das pes-soas. As práticas divinatórias(ritos divinatórios) são realiza-das para se ter idéia do futuro.É o caso das tradicionais adivi-nhações comuns na noite deSão João, onde se busca saber,por exemplo, com quem a pes-soa irá se casar. São inúmerasas adivinhações praticadas noBrasil na época das festas juni-nas. Ver: IKEDA, Alberto T. “Afesta caipira e os santos”. In:São João no Brasil: a culturapopular em festa (Prospectode Programação). São Paulo:Sesc, 1996, e RANGEL, LúciaHelena Vitalli. Festas Juninas,festas de São João: origens,tradições e história. São Paulo:Casa do Editor/Yoki Alimentos,2002.

12 Ver: ANDRADE, Mário de. Di-cionário musical brasileiro. Be-lo Horizonte: Itatiaia; Brasília:Ministério da Cultura; SãoPaulo: IEB/USP, 1989, e CAN-

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DIDO, Antonio. “Possíveis raí-zes indígenas de uma dançapopular”. In: SCHADEN, Egon(org.). Leituras de etnologiabrasileira. São Paulo: Nacional,1976. Segundo consta do Di-cionário Houaiss (2001), a pa-lavra cururu deriva do tupi“kuru’ru ‘variedade de sapo,também chamado sapo-cururu’... “.

13 BERNARDES, Lídia. Nas trilhasde Zé Mira - um caipira mira o vale do Paraíba. São Paulo:Escrituras, 1999.

14 Quando um grupo de dançaou folguedo participa de de-terminada festa com sentidoreligioso, está vivenciando umrito devocional (na visão deseus integrantes); diferente-mente de estar fazendo umaapresentação ou representa-ção (na visão de turistas e ou-tras pessoas). Até mesmo tex-tos de estudiosos incorrem noequívoco do uso desses con-ceitos e desses termos.

15 GIRARDELLI, Élsie da Costa.Ternos de congos: Atibaia. Riode Janeiro: MEC/INF, 1981, p. 24.

16 PELLEGRINI FILHO, Américo.Folclore paulista: calendário edocumentário. 2ª ed. São Pau-lo: Cortez/Secretaria da Cultu-ra, 1985, pp. 102-121.

17 Ver: PETRONE, Pasquale. Al-deamentos paulistas. 2ª ed.São Paulo: Edusp, 1995.

18 ARAÚJO, Alceu Maynard. Fol-clore Nacional: festas, baila-dos, mitos e lendas. Vol. 1.São Paulo: Melhoramentos,1964, p. 33.

19 GIFFONI, Maria Amália Corrêa.Danças miúdas do folclorepaulista. 2ª ed. São Paulo: No-bel, 1980, p. 23.

20 Muitas vezes esses grupos depercussão são identificadoscomo Zé Pereira. Em Portugal,o Zé Pereira é um grupo depercussão formado por grandequantidade de zabumbas oubombos.

21 MACEDO, Toninho. “MapaCultural Paulista”. In: D. O.Leitura, ano 17, nº 6, out.1999. O autor registra a exis-tência de “Bonecos de rua(gigantes) e bichinhos desaias” em mais de 25 municí-pios paulistas.

22 Sobre o tema ver: SOUZA,Marina de Mello e. Reis negrosno Brasil escravista: história da Festa de Coroação de ReiCongo. Belo Horizonte: UFMG,2002.

23 LIMA, Rossini Tavares de. Fol-guedos populares do Brasil.São Paulo: Ricordi, 1962, p. 29.

24 TINHORÃO, José Ramos. Mú-sica popular: de índios, negrose mestiços. 2ª ed. Petrópolis,RJ: Vozes, 1975, p. 46.

25 LIMA, Rossini Tavares de. Fol-clore das festas cíclicas. SãoPaulo: Vitale, 1971, pp. 11-12.

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Jorge Miguel MarinhoÉ professor de Literatura e autor de vários livros, entre eles, Te dou a luaamanhã: biofantasia de Mário de Andrade e Mulher fatal.

Anamelia Bueno BuoroMestre e doutora em Comunicação e Semiótica e autora dos livros O olharem construção e Olhos que pintam e de vários artigos e pesquisas.

Roberto SantosÉ administrador, mestre em hotelaria, professor universitário, especialistaem turismo e coordenador do Programa SEBRAE-SP de Artesanato desde2001.

Alberto T. IkedaMestre em Artes, doutor em Ciências da comunicação, pesquisador e pro-fessor de etnomusicologia e cultura popular no Instituto de Artes daUNESP. É autor de mais de 40 artigos e ensaios sobre música e culturapopular do Brasil.

Américo Pellegrini FilhoAmérico Pellegrini Filho é professor titular na Escola de Comunicações eArtes da USP e publicou, entre outros livros, Turismo cultural em Tiradentese Folclore paulista.

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Sobre os autores

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Terra Paulista: histórias, arte, costumes 223

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A literatura do interior paulista:do lirismo à anedota

1 Página de rosto da obra deAlexandre de Gusmão, Medi-tações para todos os dias dasemana, pelo exercício das trêspotencias da alma, conformeensina o Sto. Inácio fundadorda companhia de Jesus: pelopadre..., Lisboa: Officina deMiguel Deslandes, 1689, Bi-blioteca do Instituto de Estu-dos Brasileiros, USP, fotogra-fada por Carlos Kipnis e IvanSayeg, 2004.

2 Retrato de José Bonifácio deAndrada e Silva extraído daobra SILVA, José Bonifácio deAndrada e. Cartas andradinas:correspondência particular deJosé Bonifácio, Martim Francis-co e Antonio Carlos dirigidaa... Rio de Janeiro: Leuzinger,1890, Biblioteca do Institutode Estudos Brasileiros, USP, fo-tografado por Carlos Kipnis eIvan Sayeg, 2004.

3 Ilustração do artista AntônioPaim para a obra de Paulo Se-túbal, Alma Cabocla, São Pau-lo: Monteiro Lobato,1925, Bi-blioteca do Instituto de Estu-dos Brasileiros, USP, fotografa-da por Carlos Kipnis e IvanSayeg, 2004.

4 Página de rosto da obra de Plí-nio Salgado, O extrangeiro:chronica da vida paulistana, SãoPaulo: Hélios, 1926, Bibliotecado Instituto de Estudos Brasi-leiros, USP, fotografada por Car-los Kipnis e Ivan Sayeg, 2004.

5 Capa da obra de Mário de An-drade, Belazarte, Rio de Janei-

ro: América,1944, Bibliotecado Instituto de Estudos Brasi-leiros, USP, fotografada por Car-los Kipnis e Ivan Sayeg, 2004.

6 Capa de Portinari (desenho ananquim com bico-de-pena)para a obra Juca Mulato, deMenotti Del Picchia. Ilustra-ções de Di Cavalcanti e outros.São Paulo: Editora Cultrix,1978, Biblioteca do Institutode Estudos Brasileiros, USP, fo-tografado por Carlos Kipnis eIvan Sayeg, 2004.

7 Página de rosto da obra deCassiano Ricardo, Vamos caçarpapagaios, São Paulo: Novís-sima, 1926, Biblioteca do Insti-tuto de Estudos Brasileiros,USP, fotografada por CarlosKipnis e Ivan Sayeg, 2004.

8 Capa da obra de AfonsoSchmidt, São Paulo de meusamores, São Paulo: Clube doLivro, 1954, Biblioteca do Ins-tituto de Estudos Brasileiros,USP, fotografada por CarlosKipnis e Ivan Sayeg, 2004.

.9 Capa da obra de Antônio de

Alcântara Machado, Mana Ma-ria, Rio de Janeiro: J. Olympio,1936, Biblioteca do Institutode Estudos Brasileiros, USP, fo-tografada por Carlos Kipnis eIvan Sayeg, 2004.

10 Capa da obra de Juó Bananére,La divina increnca, São Paulo:Folco Masucci, 1966, Bibliotecado Instituto de Estudos Brasilei-ros, USP, fotografada por CarlosKipnis e Ivan Sayeg, 2004.

11 Capa da obra de Léo Vaz, Oprofessor Jeremias, São Paulo:

Revista do Brasil,1920, Biblio-teca do Instituto de EstudosBrasileiros, USP, fotografadapor Carlos Kipnis e Ivan Sayeg,2004.

12 Capa da obra de Leão Macha-do, Espigão da Samambaia,Curitiba: Guaira, 1942, Biblio-teca do Instituto de EstudosBrasileiros, USP, fotografadapor Carlos Kipnis e Ivan Sayeg,2004.

13 Página de rosto da obra deAntônio Olavo Pereira, Marco-ré, Rio de Janeiro: J.Olympio,1957, Biblioteca do Institutode Estudos Brasileiros, USP,fotografada por Carlos Kipnise Ivan Sayeg, 2004.

14 Capa da obra de Ribeiro Cou-to, Cabocla, São Paulo: Com-panhia Editora Nacional, 1931,Biblioteca do Instituto de Es-tudos Brasileiros, USP, fotogra-fada por Carlos Kipnis e IvanSayeg, 2004.

15 Capa da obra de Ruth Guima-rães, Água funda, Rio de Janei-ro: Globo, s/d, Biblioteca doInstituto de Estudos Brasileiros,USP, fotografada por CarlosKipnis e Ivan Sayeg, 2004.

16 Ilustração de Belmonte para aobra de Monteiro Lobato, O po-ço do Visconde, geologia paraas crianças, São Paulo: Compa-nhia Editora Nacional, 1937, Bi-blioteca do Instituto de EstudosBrasileiros, USP, fotografada porCarlos Kipnis e Ivan Sayeg, 2004.

17 Página de rosto da obra deValdomiro Silveira, Leréias: his-tórias contadas por elles mes-

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 229

Créditos iconográficos

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230 Terra Paulista: histórias, arte, costumes

mos, São Paulo: Martins, 1945,Biblioteca do Instituto de Es-tudos Brasileiros, USP, fotogra-fada por Carlos Kipnis e IvanSayeg, 2004.

18 Capa da obra de Valdomiro Sil-veira, Nas serras e nas furnas,São Paulo: Nacional, s/d, Biblio-teca do Instituto de EstudosBrasileiros, USP, fotografada porCarlos Kipnis e Ivan Sayeg, 2004.

19 Capa da obra de Cornélio Pires,Quem conta um conto...: contosregionaes. São Paulo: Piratinin-ga, 1922, Biblioteca do Institutode Estudos Brasileiros, USP, foto-grafada por Carlos Kipnis e IvanSayeg, 2004.

20 Página de rosto da obra deCornélio Pires, As estrambóti-cas aventuras do Joaquim Ben-tinho, o queima-campo, 3ªed., São Paulo: Imprensa Me-thodista, 1927, Biblioteca doInstituto de Estudos Brasilei-ros, USP, fotografada por Car-los Kipnis e Ivan Sayeg, 2004.

21 Capa da obra de Monteiro Lo-bato, Idéias de Géca Tatu, SãoPaulo: Revista do Brasil, 1919,Biblioteca do Instituto de Estu-dos Brasileiros, USP, fotografa-da por Carlos Kipnis e IvanSayeg, 2004.

22 Capa da obra de Antônio Joa-quim Alves Motta Sobrinho, Bo-la preta: contos, São Paulo:E.G. São José, 1949, Bibliotecado Instituto de Estudos Brasilei-ros, USP, fotografada por CarlosKipnis e Ivan Sayeg, 2004.

23 Capa da obra de Antônio Joa-quim Alves Motta Sobrinho,

Província: contos, São Paulo:Brasiliense, 1950, Biblioteca doInstituto de Estudos Brasileiros,USP, fotografada por CarlosKipnis e Ivan Sayeg, 2004.

Percursos do olhar: artes plásticas rumo ao interior

1 “Monumento às bandeiras”(vista frontal), Victor Brecheret,1953, granito Mauá esculpido,peça: 8m x 7m x 40m, pedes-tal: 2,54m x 8,40m x 43,80m,localizado no parque do Ibira-puera, São Paulo, fotografadopor Dudu Cavalcanti/N-Imagens.

2 Urna corrugada, tradição tupi,sem data, cerâmica, prove-niente do interior do estado deSão Paulo. Acervo do Museude Arqueologia e Etnologia daUniversidade de São Paulo,São Paulo, fotografada porWagner Souza e Silva.

3 Virgem de Anchieta, anônima,século XVI, barro policromado,Portugal, 107cm , localizada naigreja matriz de Santana, Ita-nhaém, São Paulo, fotografadopor Manuel Nunes da Silva (pu-blicada em: TIRAPELLI, Percival.Igrejas paulistas: Barroco eRococó. São Paulo: Editora daUNESP; Imprensa Oficial doEstado, 2003, p. 56).

4 Imagem de São Francisco Xa-vier, obra jesuítica, século XVIII,madeira, 173cm x 73cm x 50cm. Coleção Guita e José Min-dlin, São Paulo, fotografa-do por Lúcia Mindlin (publica-do em AGUILAR, Nelson (org.)Mostra do Redescobrimento:

arte barroca. São Paulo:Associação Brasil 500 AnosArtes Visuais, 2000, p. 112).

5 Imagem de Nossa Senhora dosPrazeres, obra beneditina, sé-culo XVII, barro cozido policro-mado, 85cm x 36cm x 40cm,proveniente da região de Soro-caba. Acervo do Museu de ArteSacra de São Paulo, São Paulo,fotografada por Rômulo Fialdini.

6 Imagem de São Francisco,anônima, século XVII, barrocozido e policromado, 78cm ,procedente do Convento deSão Francisco de Itu, SãoPaulo, fotografado por Pablodi Giulio (publicado em: LE-MOS, Carlos A. C. A imaginá-ria paulista. São Paulo: Pinaco-teca do Estado, 1999, p. 200).

7 Imagem de Santo Antônio,anônima, século XIX, barroqueimado, 46,5cm, provenien-te da região de Sorocaba.Coleção particular, São Paulo,fotografada por Pablo DiGiulio (publicado em: LEMOS,Carlos A. C. A imaginária pau-lista. São Paulo: Pinacoteca doEstado, 1999, p. 99).

8 Imagem de Nossa Senhora daConceição de Portugal, anôni-ma, século XVIII, madeira poli-cromada e dourada, prove-niente de Portugal, 150cm x85cm x 60cm. Acervo do Museude Arte Sacra de São Paulo, fo-tografada por Rômulo Fialdini.

9 Imagem de Nossa Senhora daConceição, anônima, séculoXVIII, barro cozido, provenien-te do Vale do Paraíba, 36cm,São Paulo. Coleção particular,

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fotografada por Pablo Di Giulio(publicada em: LEMOS, CarlosA. C. A imaginária paulista. SãoPaulo: Pinacoteca do Estado,1999, p. 67).

10 Imagem de Nossa Senhora comMenino, anônima,sem databarro cozido policromado (pau-listinha),16cm, coleção particu-lar, São Paulo, imagem de NossaSenhora da Piedade, barro cozi-do policromado (paulistinha),sem data, 16cm , coleção parti-cular, São Paulo; imagem deNossa Senhora do Rosário, barrocozido policromado (paulisti-nha), sem data, 14,5cm, coleçãoparticular, São Paulo, todasfotografadas por Pablo Di Giulio(publicadas em: LEMOS, CarlosA. C. A imaginária paulista. SãoPaulo: Pinacoteca do Estado,1999, p. 111).

11 Imagens de Santo Antônio,anônimas, século XIX, madei-ras variadas com predominân-cia em nó de pinho, 4 a 12cm,coleções particulares, fotogra-fadas por Pablo Di Giulio (pu-blicadas em: LEMOS, Carlos A.C. A imaginária paulista. SãoPaulo: Pinacoteca do Estado,1999, pp. 116-117).

12 Imagem de Nossa Senhora daConceição, anônima, semdata, madeira policromada,proveniente da igreja de NossaSenhora da Escada, Guara-rema, 16cm , coleção particu-lar, fotografada por Pablo DiGiulio (publicada em: LEMOS,Carlos A. C. A imagináriapaulista. São Paulo: Pinacotecado Estado, 1999, p. 55).

13 Imagem de Nossa Senhora daPurificação, Frei Agostinho deJesus, meados do século XVII,barro cozido policromado, proce-dente de Santana do Parnaíba,97cm. Acervo do Museu de ArteSacra de São Paulo,fotografadapor Rômulo Fialdini.

14 Nossa Senhora do Carmo entre-gando o escapulário aos santoscarmelitas, Padre Jesuíno doMonte Carmelo, 1784, óleosobre madeira (forro da capela-mor, Igreja de Nossa Senhora daCarmo, Itu) fotografada porManuel Nunes da Silva (publica-da em: TIRAPELLI, Percival.Igrejas paulistas: Barroco eRococó. São Paulo: Editora daUNESP; Imprensa Oficial doEstado, 2003, p. 65).

15 Apresentação do Menino Jesusno templo, José Patrício daSilva Manso, 1780-1784, pin-tura (forro da capela-mor damatriz de Nossa Senhora daCandelária, Itu) fotografadapor Manuel Nunes da Silva(publicada em: TIRAPELLI,Percival. Igrejas paulistas:Barroco e Rococó. São Paulo:Unesp/Imprensa Oficial doEstado, 2003, p. 65).

16 “Calçada de Lorena, 1826”,Oscar Pereira da Silva, óleosobre tela, 123cm x 65,5cm.Acervo do Museu Paulista daUniversidade de São Paulo,fotografado por Hélio Nobre.

17 “Caminho da roça”, OscarPereira da Silva, 1938, óleosobre madeira, 43,5cm x25cm. Coleção particular,fotografado por Pedro RibeiroMoreira Neto (publicado em:

TARASANTCHI, Ruth Sprung.Pintores paisagistas: São Paulo1890-1920. São Paulo:Edusp/Imprensa Oficial doEstado, 2002, p. 116).

18 “Casamento caipira”, CândidoPortinari, c. 1940, óleo sobrepapel, 64 x 49cm, , fotografa-do por Rômulo Fialdini (publi-cado em: Tradição e ruptura:síntese de arte e culturabrasileiras. São Paulo: Funda-ção Bienal de São Paulo, 1984,p. 201, prancha 398).

19 “A caipirinha”, Tarsila doAmaral, 1923, óleo sobre tela,61cm x 81cm,. Coleção Caro-lina P. da Silva Teles, São Paulo,fotografado por Rômulo Fial-dini (publicado em: AMARAL,Aracy. Tarsila: sua obra e seutempo. São Paulo: Art /Círculodo Livro, 1987, p. IV).

20 “Cozinha caipira”, AlmeidaJúnior, 1895, óleo sobre tela,64cmx 87,5cm. Acervo daPinacoteca do Estado de SãoPaulo, São Paulo, fotografadopor Rômulo Fialdini.

21 “Caipiras negaceando”, Al-meida Júnior, 1888, óleo sobretela, 281cm x 215cm. ColeçãoMuseu Nacional de BelasArtes/IPHAN/MINC, fotografa-do por Vicente de Mello.

22 “Caipira pitando”, Almeida Jú-nior, 1895, óleo sobre tela,61cm x 87cm. Acervo da Fun-dação Maria Luisa e Oscar Ame-ricano, São Paulo, fotografadopor Carlos Kipnis e Ivan Sayeg.

23 “Casamento Caipira”, AdolfoFonzari, sem data, óleo sobre

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232 Terra Paulista: histórias, arte, costumes

tela, 31cm x 42cm. ColeçãoRuth Sprung Tarasantchi, SãoPaulo, fotografado por PedroRibeiro Moreira Neto (publica-do em: TARASANTCHI, RuthSprung. Pintores paisagistas:São Paulo 1890-1920. SãoPaulo: Edusp/Imprensa Oficialdo Estado, 2002, p. 309).

24 “Casamento Caipira” (deta-lhe), Adolfo Fonzari, sem data,óleo sobre tela, 31cm x 42cm. Coleção Ruth Sprung Tara-santchi, São Paulo, fotografadopor Pedro Ribeiro Moreira Neto(publicado em: TARASANTCHI,Ruth Sprung. Pintores paisagis-tas: São Paulo 1890-1920. SãoPaulo: Edusp/Imprensa Oficialdo Estado, 2002, p. 309).

25 “Curva do rio Piracicaba”, Joa-quim Miguel Dutra. Coleçãoparticular, fotografado por Pe-dro Ribeiro Moreira Neto (pu-blicado em: TARASANTCHI,Ruth Sprung. Pintores paisagis-tas: São Paulo 1890-1920. SãoPaulo: Edusp/Imprensa Oficialdo Estado, 2002, p. 168).

26 “Os emigrantes”, AntônioRocco, c. 1910, óleo sobre te-la, 202cm x 131cm. Acervo daPinacoteca do Estado de SãoPaulo, São Paulo, fotografadopor Rômulo Fialdini.

27 “Florada de café”, AntônioFerrigno, 1903, óleo sobre tela,96cm x 147cm. Coleção Socie-dade Rural Brasileira, São Paulo,fotografado por Nelson Kon.

28 “Colheita de café”, RosalbinoSantoro, 1902, óleo sobre tela,105cm x 217cm. Acervo daSociedade Rural Brasileira, São

Paulo, fotografado por NelsonKon.

29 “Terreiro de café”, RosalbinoSantoro, 1903, óleo sobre tela,105cm x 217cm. Acervo da Socie-dade Rural Brasileira, São Paulo,fotografado por Nelson Kon.

30 Pés de mandioca, feijão efumo, José Maria Villaronga,pinturas parietais no vestíbuloda sede da Fazenda Resgate, c.1858-1860, Bananal, fotogra-fadas por Nelson Kon.

31 Retrato de Luciano José deAlmeida, Claude Joseph Ba-randier, 1849, óleo sobre tela.Coleção de Maria do RosárioMangini de Almeida Ferreira,São Paulo, fotografado porRômulo Fialdini (publicado em:O Café. São Paulo: Banco Real,2000,p.77).

32 Retrato de Maria Joaquina deAlmeida, Claude Joseph Ba-randier, 1849, óleo sobre tela.Coleção de Maria do RosárioMangini de Almeida Ferreira,São Paulo, fotografado porRômulo Fialdini (publicado em:O Café. São Paulo: Banco Real,2000, p.77).

33 “Café”, Candido Portinari,1935, óleo sobre tela, 130cm x195cm. Acervo do Museu Na-cional de Belas Artes / IPHAN/MINC, Rio de Janeiro, foto-grafado por Vicente de Mello.

34 “Café” (detalhe), de Candido Por-tinari, 1935, óleo sobre tela, 130cm x 195cm. Acervo do MuseuNacional de Belas Artes/IPHAN/MINC, Rio de Janeiro, fotografa-do por Vicente de Mello.

35 “Carnaval infantil em Cana-néia”, Alfredo Volpi, c. 1955,têmpera sobre tela, 54,3cm x72,9cm. Acervo do Museu deArte Contemporânea da Univer-sidade de São Paulo, São Paulo,fotografado por Rômulo Fialdini.

36 “Folia do Divino”, DjaniraMotta e Silva, 1959, óleo sobretela, 61,8cm x 50,5cm. AcervoBanco Itaú S/A, São Paulo,fotografado por Luiz Hossaka.

37 “Religião brasileira”, Tarsila doAmaral, 1927, óleo sobre tela,63cm x 76cm. Acervo ArtísticoCultural dos Palácios do Go-verno do Estado de São Pau-lo/Coleção Palácio Boa Vista,Campos do Jordão, fotografa-do por Márcio Reis.

38 “Monumento às bandeiras”(vista parcial), Victor Breche-ret, 1953, granito Mauá escul-pido, peça: 8m x 7m x 40 m,pedestal 2,54m x 8,40m x43,80m, localizado no parquedo Ibirapuera, São Paulo, foto-grafado por Dudu Cavalcanti/N-Imagens.

Artesanato paulista: técnica emateriais da terra

1 Pavão, procedente de Taubaté,cerâmica policromada, coleçãoSérgio Roizenbilt, São Paulo,fotografado por Carlos Kipnise Ivan Sayeg, 2004.

2 Galinha, procedente de Tauba-té, cerâmica policromada, co-leção Sérgio Roizenblit, SãoPaulo, fotografada por CarlosKipnis e Ivan Sayeg, 2004.

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3 Chuva de pavões, procedentede Taubaté, cerâmica policro-mada e metal, coleção SérgioRoizenblit, São Paulo, fotogra-fada por Carlos Kipnis e IvanSayeg, 2004.

4 Chuva de pavões (detalhe),procedente de Taubaté, cerâ-mica policromada e metal, co-leção Sérgio Roizenblit, SãoPaulo, fotografada por CarlosKipnis e Ivan Sayeg, 2004.

5 Tapete redondo de crochê,procedente de Bananal, bar-bante, coleção Paulo CésarGarcez Marins, São Paulo, fo-tografado por Carlos Kipnis eIvan Sayeg, 2004.

6 Bule de cerâmica, de Gilber-to Jardineiro, procedente deCunha, coleção Sérgio Roizen-blit, São Paulo, fotografado porCarlos Kipnis e Ivan Sayeg,2004.

7 Peça de cerâmica, de MiekoUkeseki, procedente de Cunha,coleção Sérgio Roizenblit, SãoPaulo, fotografado por CarlosKipnis e Ivan Sayeg, 2004.

8 Cesto com tampa, proceden-te de Potim, taboa. Acervo deimagens Arte que Vale - Pro-grama SEBRAE/SP de artesa-nato, São Paulo, fotografadopor Carlos Kipnis e Ivan Sayeg,2004.

9 Pássaros, procedentes de Sil-veiras, madeira policromada efibras vegetais, coleção SérgioRoizenblit, São Paulo, fotogra-fados por Carlos Kipnis e IvanSayeg, 2004.

10 João-de-barro, procedente deSilveiras, madeira e cerâmica.Acervo de imagens Arte queVale - Programa SEBRAE/SP deArtesanato, São Paulo, foto-grafado por Carlos Kipnis eIvan Sayeg, 2004.

11 Trançado (detalhe), proceden-te de Cajobi, capim amargoso.Acervo de imagens Arte queVale - Programa SEBRAE/SP deArtesanato, São Paulo, foto-grafado por Carlos Kipnis eIvan Sayeg, 2004.

12 Trançado (detalhe), proceden-te de Cajobi, capim amargoso.Acervo de imagens Arte queVale SEBRAE/SP, São Paulo,fotografado por Carlos Kipnise Ivan Sayeg, 2004.

13 Bandeja e suporte, procedentede Cajobi, capim amargoso emadeira. Acervo de imagensArte que Vale SEBRAE/SP, SãoPaulo, fotografado por CarlosKipnis e Ivan Sayeg, 2004.

14 Porta-guardanapo em trança-do estrela, procedente deOlímpia, palha de milho. Acer-vo de imagens Arte que ValeSEBRAE/SP, São Paulo, fotogra-fado por Carlos Kipnis e IvanSayeg, 2004.

15 Porta-guardanapo em trançadoestrela, procedente de Olímpia,palha de milho. Acervo de ima-gens Arte que Vale SEBRAE/ SP, São Paulo, fotografado porCarlos Kipnis e Ivan Sayeg, 2004.

16 Serviço americano com acaba-mento em trançado estrela,procedente de Olímpia, palhade milho e tecido. Acervo de

imagens Arte que Vale SEBRAE/SP, São Paulo, fotografado porCarlos Kipnis e Ivan Sayeg,2004.

17 Serviço americano em panô deponto ajur (detalhe), proce-dente de São Carlos, juta e te-cido. Acervo de imagens Arteque Vale SEBRAE/SP, São Pau-lo, fotografado por CarlosKipnis e Ivan Sayeg, 2004.

18 Serviço americano em panô deponto ajur (detalhe), proce-dente de São Carlos, juta etecido. Acervo de imagensArte que Vale SEBRAE/SP, SãoPaulo, fotografado por CarlosKipnis e Ivan Sayeg, 2004.

Música na terra paulista: daviola caipira à guitarra elétrica

1 Festa do Divino Espírito Santo,Mogi das Cruzes, São Paulo,fotografada por Izan Petterle/Sambaphoto, 2002.

2 Folia dos Santos Reis, Parqueda Água Branca, São Paulo, fo-tografada por Marcelo Peri/Sambaphoto, 1999.

3 Festa de São Benedito, IlhaBela, São Paulo, fotografadapor Marcelo Peri/Sambaphoto,1999.

4 Festa do Divino, São Luiz doParaitinga, São Paulo, fotogra-fada por Nair Benedicto/N-Imagens, 2000.

5 Instrumento dos grupos deMoçambique, Olímpia, SãoPaulo, fotografado por Nair

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 233

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234 Terra Paulista: histórias, arte, costumes

Benedicto/N-Imagens, 1989.

6 Pequeno tambor (denominadocaixa) dos grupos de Moçam-bique, Olímpia, São Paulo, fo-tografado por Nair Benedicto/N-Imagens, 1989.

7 A Festa do Divino, São Luiz doParaitinga, São Paulo, fotogra-fada por Nair Benedicto/N-Imagens, 2000.

8 O cantor sertanejo Tinoco, SãoPaulo, fotografado por MarcoAurélio Olímpio.

9 O cantor paulistano SérgioReis, São Paulo, fotografadopor Marco Aurélio Olímpio.

10 Vista aérea da Festa do PeãoBoiadeiro, Barretos, São Paulo,fotografada por Maurício Si-monetti/Olhar Imagem, 1998.

11 Rolando Boldrin, São Paulo,fotografado por Marco AurélioOlímpio.

12 Zica Bergami e Inezita Barroso,São Paulo, fotografadas porMarco Aurélio Olímpio.

13 O instrumentista Paulo Freire,São Paulo, fotografado porMarco Aurélio Olímpio.

Celebrações populares paulistas: do sagrado ao profano

1 Festa do Divino, Tietê, SãoPaulo, fotografada por RicardoMalta/N-Imagens, 1985.

2 Festa do Divino, São Luiz doParaitinga, São Paulo, fotogra-

fada por Nair Benedicto/N-Imagnes, 1985.

3 Festa do Peão Boiadeiro, Bar-retos, São Paulo, fotografadapor Maurício Simonetti/OlharImagem, 1998.

4 Festa do Divino,Tietê, São Pau-lo, fotografada por RicardoMalta/N-Imagens, 1985.

5 Bonecos Maria Angu e JoãoPaulino, Festa do Divino, SãoLuiz do Paraitinga, São Paulo,fotografados por Rosa Gaudi-tano/Studio-R, 1984.

6 Festa de São Benedito, Apare-cida, São Paulo, fotografadapor Rosa Gauditano, Studio-R,2001.

7 Festa de Santa Cruz, Aldeia deCarapicuíba, São Paulo, foto-grafada por Rosa Gauditano/Studio-R, 2001.

8 Festa do Divino Espírito Santo,São Luiz do Paraitinga, SãoPaulo, fotografada por NairBenedicto/N-Imagens, 2000.

9 Festa Junina, Cotia, São Paulo,fotografada por Daniel Cym-balista/Pulsar Imagens, 2003.

10 Folia de Reis, Bebedouro, SãoPaulo, fotografada por NairBenedicto/N-Imagens, 1986.

11 Folia de Reis, São Luiz do Pa-raitinga, fotografada por NairBenedicto/N-Imagens, 2000.

12 Festa de Iemanjá, Praia Gran-de, São Paulo, fotografada por Nair Benedicto/N-Imagens,1992.

13 Dança catira na Festa do Divi-no, São Luiz do Paraitinga, fo-tografada por Rosa Gauditano/Studio-R, 1984.

14 Fandango de tamanco, Olímpia,São Paulo, fotografado por RosaGauditano/Studio-R, 1999.

15 Mastro da dança de fitas, Fes-tival do Folclore, Olímpia, SãoPaulo, fotografado por RosaGauditano/Studio-R, 1999.

16 Carnaval, Santana do Parnaíba,São Paulo, fotografado por Mar-celo Peri/Sambaphoto, 1998.

17 Grupo caiapó, Joanópolis, SãoPaulo, fotografado por Marce-lo Peri/Sambaphoto, 1999.

18 Cavalhada, Franca, São Paulo,fotografada por Izan Petterle/Sambaphoto, 2002.

19 Cavalaria de São Benedito, Lo-rena, São Paulo, fotografada porIzan Petterle/Sambaphoto, 2002.

20 Terno de Congada Chapéu deFitas, do Capitão José Francis-co Ferreira, Jardim Santa Ifi-gênia, Olímpia, São Paulo, fo-tografado por Nair Benedicto/N-Imagens, 1988.

21 Moçambique de Sainha doGrupo União São Benedito deBelém, Taubaté, São Paulo, fo-tografado por Nair Benedicto/N-Imagens, 1988.

22 Grupo de Samba de Roda, Pira-pora, São Paulo, fotografado porMarcelo Peri/Sambaphoto, 1999.

23 Tapete de Corpus Christi, SãoManuel, São Paulo, fotografa-

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do por Rosa Gauditano/Studio-R, 1986.

24 Tapete de Corpus Christi, San-tana do Parnaíba, São Paulo,fotografados por Ricardo Mal-ta/N-Imagens, 1987.

Terra Paulista: histórias, arte, costumes 235

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Setubal, Maria Alice (coord.)C389ma Manifestações artísticas e celebrações populares no Estado de

São Paulo / Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária, São Paulo : CENPEC, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2004.

(Coleção Terra Paulista: histórias, arte, costumes; v. 3)240p.

ISBN nº 85.7060.278-2 (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, v. 3)ISBN nº 85.7060.295-2 (Coleção Terra Paulista - Imprensa Oficial do

Estado de São Paulo) ISBN nº 85-85786-40-X (CENPEC, v. 3)

1. Artes plásticas - São Paulo (Estado) 2. Música caipira 3. Festas populares - São Paulo (Estado) 4. Literatura regional I. Título

CDD 981.61

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Foi feito depósito legal na Biblioteca Nacional (Lei nº 1.825, de 20/12/1907).

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Esta obra foi composta em Frutiger Light, fotolitos da Laser Print

e impressa sobre papel couché fosco branco, em setembro de 2004

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