bystrina - tópicos de semiótica da cultura [aula 1 e 2]

16
PnÉ-Pntxr trENTRtr I NTeRoISEIPLINAR DE Pesqutsas EM SEurórttrA DA trULTURA E DA MíotA PUtrSP TúPtEEs DE SEMlúnËA DA EULTURA Aulns Dtr P ns E:_!!AÌ{-.E|YSTRI NA MArtr DE 1995 PUtr/SP rnrouçÃo: f\|ORì,AL E AITELLE JR. E SIôÈ|IA El. SASTIÌ{EI PREço úxrso: rtlt r z,ElÍ1

Upload: camilla-cardoso

Post on 24-Jun-2015

1.346 views

Category:

Documents


10 download

TRANSCRIPT

Page 1: BYSTRINA - Tópicos de Semiótica da Cultura [Aula 1 e 2]

PnÉ-Pntxr

trENTRtrI NTeRoISEIPLINAR

DE Pesqutsas EM

SEurórttrA DA

trULTURAE DA MíotA

PUtrSP

TúPtEEs DE

SEMlúnËA DA

EULTURAAulns Dtr

P ns E:_!!AÌ{-.E|YSTRI NAMArtr DE 1995 PUtr/SP

rnrouçÃo:f\|ORì,AL E AITELLE JR. E SIôÈ|IA El. SASTIÌ{EI

PREço úxrso: rtlt r z,ElÍ1

Page 2: BYSTRINA - Tópicos de Semiótica da Cultura [Aula 1 e 2]

Índice

l'AulaApresentação/Sobre o Signo e o Texto "..--- 3

Os Codigos e os Textos ........-....-...-." 5

Sobre a lntençãolEstrutura Básica dos Códigos Terciários .... .............. '7

?'Auia

Soluções Simbolicas para a Assimetria ........--... ...-'.---...-.... 10

Questões 12

Raizes da Cultura 14

Questões 16

3'Aulalnconsciente e Cultr:ra ......

QuestõesA Obra de Arte e a Semiotica da CuituaQuestões

LI

20ZJ25

4'AulaA Herança do Xamanismo na Antiga Palestina """"""' 27

Questões """ 32

5" AulaFundamentos Epistemoiogicos da Semrotica da Cultura ......... 35

A lnformação .......... '-"' 36

Conceito de lnvanante ....... 37

Questões """"""" 38

Page 3: BYSTRINA - Tópicos de Semiótica da Cultura [Aula 1 e 2]

TgPItrES DE

SEvróTtGA DA GuLTURA

Pnnr. lvex EIYSTRINApREcR.IMA DE eÉg-gp,a.cluaçÃcl rM EoMUNttraçÃo e ser'rtórlEÁ, D Í:UC/SP

AFRESErvr.qcÃtr

O Prof. Iuan Bystrina nasceu na Cbecoslouaquta. ortde Jormou-seem Ciêtrcías Políticas. Fez doutorado em Mascou nesta mesma dis-ciplina. Retornnrtdo à Cbecostouaquia, assumiu a dircção de umdos institutos da Academia de Ciêrrcias daquele pak. Engalou-se

no processo plítico de lifuraçào e exerceu pratkas políticas uísarz-

do a um socialismo demc,cratico. .lsso ueio a custar-lbe, ern 1Xt8,perseguQao e exílio na Repúblka Federal Alemà, onde permane-

ceu por L,inte an(x. Duranle este príodo. Bystina deu continuüa-de aos estudas cle Cibenuitica. Teoric da Informaçao, Teoria dos

Sìstemas e Lógica, que bauia iníci.a.do em \íoscou. Tttdo isso tairesultar no desentoluimento de um sistemaproprio de semiotica dcz

cultura, que toma cotpo em meados dos anos 7O ru Uniuesida.de

Liure de Bedim, ortde ele é boje Professor Emérito. Seu liuro sobre

semiótica da cuJtura, editado em 1989, encontra-se esgotado e é

uma das raras bibliogra.,fia.s fundamentad.ora e sistematizadoraCxta dtsciplirn. Uma 2e. edQao sera relançada ruz Alemanba e,

aqui no Brasil teremos em brct'e o larqamento de uma edQao esp-cial em portuguâ.

Neste clrrso, que orzr iniciamos, falaremos sobre o tema "códigos" e em especiai sobre códigos

culturars ou códigos terciários, começando pelos concettos básicos de signo e semiose.

StrlElRE trt SIENtrt E ct TEXTG]

Em nossa escola de Semiótica cia Cuitura, entendemos por signlum ?btetq matenai que é

pro<iuzrOo por um pradular de sigBas (lsso é impoÍtante: não existe um signo que nao se;a prociuzrcio

pq um ser vivo), que seja ,=ceLrido por um receptor, e inrerpretedo Por ess€ Íeceptor.n_ /

4'l'

Page 4: BYSTRINA - Tópicos de Semiótica da Cultura [Aula 1 e 2]

ÍËtElprÉ-PxnÍÍ &E rÍtpísrs DE ssuirTta oa calranr- tvlx gvarrnr - 4

:s-; e a cÌramada ciimensào pragmatira da semros,e ( produtor do signolemlssor. srgno e receD-

-:r :J slgnor. .\ dimensào mais importante e a ditnensrio semâ.nlicaenire o signo e o significado.=:;Íe =miÉm da dimensao sintatica entre os diferentes signos.

-1ssim nascem os textos como comDiexos srgnificativos, com sentido; compostos de signos. Estes

srqnos peÍtencem a linguagens que se compÒem de diversos sistemas de signos. N{as isso não basta.

:Í$e arnda o universo do código, que é um sistema de regras, de vinculaçÒes entre os srgnos.

O signo tem que ser cxpaz cie ser percebrdo peìos s'entidos, tem de ser produzrdo por seres

vlvos - animars ou homens - e recebido e inteçretacio por receptores iguaìmenre vivos. Cada obietoconhecido por nós contém em si uma iniormaçào ìaterÌte, que nós percebemos pelos nossos sentidos.

\este rnomenio, aquela infornaçào latente modifica-se e se ransforÍna numa informaçào atualizada.Por isso. tudo o que percebemos ya e uma informaÇão atualízzda do objeto. Os signos são objetosespeciais porque nao contêm apenas informaçÒes sobre si próprios, mas também informaÇÒes sobreaquilo que esui imanente dentro dele.

Dizemos que textos são complexos de signos com sentldo. Os textos e signos em sr preenchem

uma funçào comunicativa, uma [unçào de particrpar, de informar - no sentido amplo da palavra. Ìvlas

eles preenchem também outras funçÕes. como por exemplo a funçào estética, ou emotiva e expressi-va, ou ainda outÍas funÇÕes sociais.

Nós já encontramos vestígios muito antigos de textos hurnanos, em épocas mais remotas aindado processo de hominizaçao. Nguns desses textos foram preservados até a nossâ época e outrosperderam-se. Nós não sabemos, por exemplo, como era a mírnica e a gestualidade das pessoas emépocas remotas, como eies começaram a falar, ou mesmo como se dava o diáiogo entre ritmo,melodia e dança

Os mais distantes vestígios dos textos culturais aparecem nos restos e nos ritos de sepuÌtamento.

Sabemos, por exemplo, que o homem de Neanderthal <iepositava flores em seus túmulos, pois hojeainda encontramos preservado o póÌen dessas flores, como acontecido na Turquta.

Mais tarde, foram cornprovados três ripos de textos pre-históncos: a pintura, ^o

paleolítico,feitas especiaimente nas cavemas utilizadas como templo e não como moradia, as técnicas de gratru-rasn pedra e aspequenas estatuetes feitas de chifres, ossos, etc.

De acordo com a função predominante no texto, podemos dividi-lo nas seguintes categorias:

- Textos instntrnetttans, cula funçào primordìal é atingir um ob;etivo insrumental, técnico e

cotidiano, pragmático.

- Tutas racionais, que sào textos lógicos, textos matemáticos, Ì.extos das ciências naturais.

- Textos criatiuos e imaginatiuos, como os mitos, os ntuais, obra^s de ârte, utopias, ideologias. as

ficçÕes, etc.

A existência de tutos irstrumentans, evidentemente, pode ser atestada no mundo anrmal erressupÕe-se que iá esteja presente nos estágios eiementares do desenvolvimento do homem. Esses

iexros formam o coniunto das atividades fundamenuis para a sobrevivência do homem como especre.

Page 5: BYSTRINA - Tópicos de Semiótica da Cultura [Aula 1 e 2]

lËE:PnÉ-Pnnr lffi fâaae oE SaEíTEA or Ealtuna- tvnr Brsnne - 5

- -:cminro dos textas racíor?nls só r'ai se dar em peíodos DosteÍrores. muito mais recentes.-ï-{ -iÌÍ-2.:ìs culturâs civilizadas como, por exempio. na anlrga Grecia e na antiga China.

Os iextos exercem rernpre mals de uma flunçào, ntuir-as !'ezes simuitaneam€nte. ]Ias no cen.LÍo-: ruitura humana situam-tr, naluralmente, os texlosimagtlzatlL'os e cnaüL'aç. Sào esses os textos de:rle o homem necessita nào apenas pat'a a sua sobrevivência fGica e materiai - que pode rambém s€Í:3Íantrda pela técnica - mas parà a sua sobrevivêncra psíqurca.

Desde o pnncípio. o homem sempre foi um ser muilo sensitivo, fragll e manteve essâs caracte-:-ísricas até mesÍno nas chamadas culturas cinlizadas. Isso pode ser percebido mais ciaramente nocomportamento dos aborígenes e e fâctl constatar a fragiiidacie dessas culturas no contraste com asÀ ^--:-\jÉl ii.rlò.

t''ì

--' Entendemos p_or cuitura.todo aqueie conjunto de atiwidades que uitrap4p3 4 mera_finalidade depr=r"*";ããõb.evivencia úátènai.-ËÏã-ãèonStituída de coisas aparentemente supérfluas, inúteis. Se

;-ëffiueeIetrabaihaneSSap€rSpect1va.oquepodemosdizerdenovosobre a cuitüãìilqúé, no seu ceme pulsante, eia existe para sr mesma, ou sela a

*c.u_Ìtqra é peia cuitura.âpenas na sua penferia, nas suas margens ç que ela se toma algo qeierue para outras finalidades....-- /i _,.r1i' , I Ç: ^: .,:, :' iur.'

A única teieonomia, poruìnto, sena a superaçào do medo exrstenciaÌ. E esse medo tem a veÍcom âs variaçoes dc biõdpo a partir das modificaçÒes ocorridas com a transferência da vida nas mataspar-a a vida nas savanas, onde o perigo vem de todas as direçoes r.rslumbradas do honzonte.

0s Góorr=os e ss Texrssl

Primeiramenre sào arivados "t í;arr;7;-;a;a. São códigos que reguiam tocia informaçàopr€sente no organismo e. portanto, na vida biolOgiga O código genético é um deles; eÌe atualiza ohomem, seus talentos especials. seus dons ou os s€us defertos. Todas as atividades têm os seuscódigos pnmários; nào só a percepcào. o pensamento, as emoÇÒes, a vontade. Os códigos primánossào zuficientes para a transmissào de informaçoes. mas nào para a produçào de signos. Já os textos sàoeiernentos produzidos de acordo com padrÕes estÍLlturais adequacios, de acordo com regras, taiscomo são construídos os "fyp€s".

As regras para composição dos textos provém de çodtgçssçafedalfAs, os código. €iqgqagçgrÀ gramática de uma linguagem natural, por exemplo, ainda não é crrilU.a, pois tem

^ ,n., ip.r,* .o*

a técÍìica. Os códigos secundários (a grarnática das línguas chamadas naturais) assim como os códigosprimários, não são ainda a cuitura. Somente a partiÍ dos códigos terciáÍios, ou culturais, é que surgemos tgxtos da cultura.

t - O professor não utíizou as expressoes bìpolittguktico. lingúístico e bipiittgttístrco, Ao invés, usa as varianres pritrulrio.wundáno e terctino, que são m-is [1615 e Írenos :mhfguas pacl o uso esÌ ourras linguas. Tanto no inglês coÍÌlo nopomrguês a palavra languageou língtu e o adletivo referente a ela tem um forte wíoculo com a Lingüíeica. O perrsareruoda Seaí5tica da Culürâ" cmo sabcoos, nao privilegia a Lingüí*ica eúquãÍro x^- epr*errcIógica.(N.T.)

F

Page 6: BYSTRINA - Tópicos de Semiótica da Cultura [Aula 1 e 2]

rãEPpÉ-PRrÈr l&E fdprcss oE tu ãirE or calrapl - ty^x gÌsmnl^ - 6

O cue para os códigos pnmários é uma necessidade - p ex.. a oposicào entre cÌaro e escuro -,.c é reaiizado pela atuaçào de um código secundário - a construçào gramatical da frase, por exempio.-\a estera cios códigos terciános, a informação binána dos códigos secundários significa muito mars.

As oposlçÕes que mencronamos, como draz'noite ou ciaro/escuro, sào mais que uma necessida-cire técnica de comunicaÇào ou e)rpressào lingúística adequada. Vistas peÌo eko culturaÌ. vào até a

estrutura mats profunda do texto. Por exempio: têm a ver com os bons aos maus espíritos. com o céue o infemo, com uma visào luminosa como teve Jesus, até o medo primordiai do reino das trevas.

Os codigcs terc,iinog, segundo sua estrLÌtura, origem e desenvolvimento. tomam-se, assim, a

questao pnmordial, a quesÈo cardinal da Semiótica da Cultura.

Um dos probÌemas mais importantes quando o homem tenta dar contâ da sua exrstência é sabercomo ele chegou à sua matenaiidade atuai, como ele foi no passado e como conseguiu mostrar-se àaltura das exigências que lhe foram imposras ness€ percurso. E por rsso que os estudos de Arqueolo-gia, Àntropoìogia e Semiótica da Cuhura constituem algumas das maiores e mais importantes contri-buiçÕes parâ s€ p€nsar o futuro da humanldade.

Os códigos prirnános - código genético e códigos metabólicos. por exempio - sào portadores deinformaçÕes que estão dentro do corpo. Os codigos primários nào processam signos, mas informaçÒes.

Os códigos primários também regulamentam as informaçÕes. A cor de uma flor rransmite umainformação segundo a qual os pássaros e os insetos s€ orientam. }las ersa informação ainda não ésigno, é um pre-signo. O que falta para que eia se tome um signo é a intenção: a planta não te:n a

intençào de ter uma cor; essa informaçào esú contida no seu código genético.4 ì '1, ) l.)'l,tt :" '

Precisamos entender de forrna ampla o teÍÍno '@ãõ'; nào apenas na esfera das vontadesconscientes. mas também na esfera das vontades inconscientes. Um rabalhador. por exemplo, coloca-se numa postcào subaiterira ern reìaçào ao s€u cnefe e prociuz. conscrentemente. diversos signos cie

cortesia e i€spelto na reiacàc ccm eie. -\las a e1:5ssào coroorai. os slgnos coçorais cie submissào ;ásào da esiera cla intençào do inconsclenre.

A informaçào que vem do inconsciente, como já disr Freud. é uma informação básica, primei-ra, e também é intenção, tamÉm é intencional. Algo na psique produz essa inrençào.

Talvez, para diferenciar a informaçào não sígnica da informaçào sígnica - p^Ía diferenciar ainformação e o signo - deramos esclarecer gue gsigna é Prtador rJa inform4ão, mas nem todainfarmaçao é um signo. O signo porta informaçÕes não apenas sobre aquilo que designa ou repÍes€n-t^, Ín^ tàmrc*n iòbre si prcpno. Isso e importante para o artista, no ca.s da funçào estética d$ signo.'L.-_---..

- .í--

Existe urn pnncípio de estnrturação que dá conta de como a tnfonnação se estrutura. Não se

trata de uma simples percepção diante de uma casa ou de um obyeto quaiquer, mas de uma percepçãode como esses obleros se organizam.

Um bom roÍrìance, por exempio, nào é aqueie que atende critérios de verdade sociai, mas éaquele que s€ estrutura de tai forma que as estÍuturas se evidencram como informaçào. O textoaÍtísf.ico precisa, poÍtarÌto, dizer alguma coisa sobre si póprio.

Page 7: BYSTRINA - Tópicos de Semiótica da Cultura [Aula 1 e 2]

rffiE!PnÉ-FRrxr

f.|f,ffi rdzcas ot Ssúnu Dt Ct Lrapa - tvu Evsrnre - 7

SseRe,A rx.reNçÃo

E ciaro oue o receptor tem tambem uma intençao consciente ou inconscrente. mas eie tambemcieve estr,r aberto aos estimulos que chegam 3té ele. Fu posso. por- €xemplo, ccnvel:ar com alguemque absolutamente nào me ouve porque simpÌesmente nào tem a intençào cie me our-ir, consctente ouinconscientemente. O processo de rnformaÇào unilateral e o processo cle comunicacào sào coisasdrferenes.

=-- --

Apenas sob a infÌuência de uÍn i-eceptor é que o pio<luior pode se iomar Droduior. -'io caso deum best seller, por exempio, tanto o autor como o editor r'ào sofrer as influênctas do público. EIes jáconhecem antecipadamente o que o público está esperando, e e partir ciaí exrsre há um condiciona-mento da resposta do autor e do editor.

)la dinâmica do processo sígnrco erçr$em eiementos-chaves nos quals se esrabeiecern as reia-cÒes. Nas teorias semióticas cÌássicas sào sempre rrês eiementos: o interpretante. o slgno e o ,o$éìc ,-

xcerca do quai a rnformacto se retere

Existe, porem, urna diferenca ent-r€ o orodutor do signo e c recepior do signo. \uma pnmeir-aetapa a informaçào parte do emissor parzÌ o receptor; na oulra dá-se o conlúrio.

Esrnuruna EtÁsrca oos Gáorsss TencrÁnlss.

A estrutura dos códigos terciários se baseia ern experiênci:rs, rnas tambérn em hipóteses. Parti-mos de conceitos desenvolvidos especiaimente pelos russos e pelos esruturalistas do Círcr:lo dePraga. Em relação a esta questão específica, refiro-me a LouTÌan e a RomanJakobson: Apresentaremos,agora alguns pontos desta estmtura básica

I_ EIINARIIDADE

A estrutura básica dos códigos terciários é, em geral, binária ou dual. Esta concepcào fundamen-ta-s€ na troca, no intercâmbio que acontece no mundo matenal. Baseia-se, portanto, na obserr,-ação domundo físico, a primeira realidade.

,Esta binariedade exlste em consonância com códigos também binários. Isso significa que tantono mundo da informação, reguiamentado p,elos códigos primários, quanto no mundo da ìinguagem,da iíngua (códigos secundários), a construção destes códigos se dá em oposiçÕes binárias.

No início da cultura humana a oposiçào mais rmportante era vida-rnorte. E toda a estrutura doscodigos terciários ou cr:lturais se desenvoiveu a partir dessa oposição básica: saúde/doença, prazer/desprazer, céu,/terra, espírito/matéria. movimento/repouso, homem,/mulher. amrgolinimìgo, direia/esquerda, sagrado/profano, pazJ guerra, revolução/contra-revoiução. iiberdadezprisão, iguaidade/de-sguaidade, justiça/iniustiça (justo/injusto) e domrnação,/ausência de dominacão - que em úitima aná-ltse significa anarquía, conceito conotado como negatrvo; muito embora possa ser revertido.

Tais oposiçÕes binárias domrnam com enorrne forÇa o pensamento da nossa cultura particular e

: ciesenvolwimento da cultura em seral.

Page 8: BYSTRINA - Tópicos de Semiótica da Cultura [Aula 1 e 2]

p*É-psrrí ffi tArtt" oe sanximu DA calrair- lyrx BysÌËr - E

II _ PtrILARIDADE

1estruture binaria dos códigos cuiturars terciários é. como vimos, organizada em polandades.

Desde seu princípio o brnarismo é vaioracio polai-mente. À necessidade de dar vaior veÍii eíÌì prllïÌelro

lugar para, logo a segulr, subsidiar a decisão. A poiaridade existe, poÍtanto, para facilitar a decisão, a

atitude, o compoÍtamenÌo, a aÇào. E elas surgiram, evidentemente, de situaçÒes púticas da vida.

Assim. cada polo recebe um valor.

Um bebê, no mornento <1o nascimento, gnta. Por que eie grita? Porque percebe a rnudança de

arnbiente entÌe intenor do útero matemo e o ambiente extemo, aéreo. EIe sente a perda do prazer de

esrar num ambiente intemo e o desprazer de um ambiente extemo. Depois vem os sofnmentos da

fome e o prazer de ser amamenttÌdo.

As polaridades também podem ficar evidentes nas situaçÕes de comeÇo e de firn. como nos

mostriÌ a oposição vida e morte. A vida é, eia própria. urna resposta para essa polaridade. Todo ser

wivo possui uma rendência potencializzda par;- a presen'acào e a peÍínanência. enf-rentando as adver-

sidades que 3meaçam ess!- of;;etivo.

O homem, poíânto, começa a demarcar os pólos binános desde o início da sua existência. E ele

o inicia nas situaçÒes cie desprazer, como por exemplo quando há uma pedra no carninho, uma

situaq:.o cie perigo. onde não existe perigo não há sinai, não há desafio. Isso significa que os concei-

tc, idéias ou objetos que nào possuem seu coÍTespondente póio negativo nào podem ser sinaiizados,

não podem ser demarcados. Esta é a segunda caracteística dos códigos terciános.

III _ ASsIMETRIA

A estrutura binána e polar e ciaramente assirnétrica. O póio marcado ou srnalizado negativa-

mente é òercebido ou s€ntido rnurto mais fortemente do que o poÌo positivo' Pofianto, do ponto de

visa da preservaçào <la vida, e s€mpre o polo negatll'o t a morte) que comemora a vitoria. Es'Íta e a

assirnetria: .? _qloÍe é. mais fOrte qU,e a vidz, na percepçào comum-. Por isso, em todas as culturas o

homem aspira Émpre a uma imortaiidade, ou seja, à vida após a moíe.

-->_ i .f,

As estruturas binárias funcionam como diretnzes, indicaçÕes, instruçÕes para a açào. Isso pode

se.. ariigido no mundo físicc com forças físicas - como é o caso dos remédios para atrngir a cura - e

por meio de comportamentos "irracionats", onde opeÍa uma s€gunda reaÌidade, a realidade imaginá-

ria, que se utilizz da magia, como fazem os )Gtmàs e os pa1és'

Os estruturalistas, especialmente l.evi-Strauss, nos mostraram que a soiucào p^ra as oposiçÕes

assimétricas são concebidas na esfera mítica e ideológica, realizadas em rituais sociais, cotidianos,

rituais sagrados e profanos. os texros cuiturais permitem a eiiminação das oposiÇÕes através de aigu-

nas possibilidades de soiução.

-{ primeira possibilidade é a de que as oposiçÕes binánas sào elimrrarias através da identìfica-

c. \um provérbio do antigo Egito temos um o(empLo: o que xtá acima tamh*n está abaixo. Daí

;.Ersce uÍna ligação necessáÍia entre o céu e a terra, e da terra com o mundo inferior.

Page 9: BYSTRINA - Tópicos de Semiótica da Cultura [Aula 1 e 2]

1-.]

J

)

)

lãlElpnÉ-Prrxr ffi fates oe Suri'nct DA caLruRA' lY^r EYãrilx^ - 9

f seguncla possibilidade e a sulressào çj2 negaçào. -\s opostcoes sào conecndes em sistemas

pluricompostos, não apenas brnános. Isso possibilita que os póÌos possam s€r caÉIcterizados ora

positivamente ora negarivamente. À primeira ligaçào das oposiçÕes binárias se dá, naturaìmente, na

úade. Por exempio: na tríade Ceu, Terra, intemo.

Quando fazernos uma associaçào binária. o céu émarcado como posití'i'o ( o mundo dos deuses

imortais) e a tera como negativo ( o mundo dos mortats). Quando tomamos o conjunto bináno terra

e infemo, temos novamente uma oposlção. onde a terra. anteriorTnenie negatl\'a. [oma-s€ o elemento

positrïo à vista do infemo. o pólo negatlvo.

A.ssim, na tríade, o componente interÍnediário (terra) recebe ambos os sinais (positivo e negati-

vo), e com isso a negaçào é suprimida. issp que aqui acabei de mostrar é charnado de Árvore do

foiun<io ou Áwore da Vida. Em todas as crr/t,rras nós encontramos uma árv-ore do mundo ou da vrda.

À terceira tentâtiva, muito radical, de supnmir a polaridads f 2 invers4o. A inversào é uma troca

oo"po-rn'ersãó,ãr".i'aã"àg'ti.,àd.;;;"p.rada'ouentão..enga1ada,'e isso acolltece nas siruaÇÕes em que o negativo s€ toma insuporúv-ei ou insuperár'el. Velamos um

exempio <lisso: urn caçador indígena em sua relaçào com a caça situa-se no pólo positivo superior e

para ele isso é umâ vantagem. O mesmo ocoÍTe em relaçào à pesca: o caÇador esÉ actma e o animai

abaixo. ìVÍas em relação à uma âguia - que para os mrtos indígenas é extremamente Ímportante - a

posição do animal é facrual e miticaí,nente superior, ou seja, ela sempre estaá acima. .{ssim. o caçador

indígena pr€cisa realizar uma inúer(ão das posiçÕes. Ele se deita sobre a tera e coloca sobre si uma

presa (.para ^tÍàir ^

águia) numa pdsição superior à sua própna; assim, a águia precìsa descer da sua

posição para alcançar a presa. No momento em que a águia esrá abarxo, o que seria uma dewantagem

para eia, pode ser capturada e moÍTer, provavelmente, com o pesoço torcido. É importante notar que

nessa operaçào nào pode haver Sangue, elemenlo associado ao polo negativo.

Origtnaimente o sangue é negativo, rnas em algumas situaÇÕes, como a que acabamos de descre-

ver, as duas faces do objeto ficam ciararnente expo$as: o sangue como expressão da rrda e o sangue

como erpressào da morte. Primordialmente as línguas apÍesenta!?m duas paialras para designar o

sangue: sangue "r.ivo'' (sangue) e o sangue "morto " (cn-iel). Assim ambém acontece nas siluaÇÒes de

transrçao da r.'ida par-a a mone. pnncipaimente naquelas que passam peio esgoumento cio sangue.

O mesmo ocorre com a paiavra amanhecer. Onginalmente havia duas expressÕes para eia, uma

negauva e ourfit positiva. Estas series positivas e negativas consttóem paradigmas, sinfagmas, através

dos quais pode-se a.ssociar sangue, desprazer, morte, e assim por dianre.

' 33m, o exemplo do caçador seria um exemplo de inversào. Também em nossos dias vivenciamos

tais inversões. um exemplo: nas ditaduras o povo percebe o autontarismo como negativo; no entanto,

na ideoiogia marxista a ditadura do proletariado é conoBda positivamente e entendida como a partei-

ra da sociedade do futuro. Há, portanto, uma patente inversão'

ouras soluçÕes p^rz 2. polaridade são os artifícios da uniig 1-": e9ig::9,3".-"-: -ç {1 T:d-t-191'

lo9_opostos pó1 um elemenro intermediário. A.ssim, ,ro .*.*piã Aa-cÃstãèãõffi-rea-asin'r-fi-ã.i.é", iêã, infemo), a te:rra seriá-ó elemenro de união entre céu e infemo. E assim são construírlas

t-raÍìsiçÒes simbóiicas entÍe o céu e o infemo. Nossa opinião é a de que os primórdios da reiigião sao

xamanistas, e que pafl o xarnà são muito importantes o vôo para o aito e a wiagem para baixo'JgafCrigo era um :ramã que empreendeu tanto o vôo para o alto quanto a !'1agçÍ!,P1qp1-1xo:

Âssim fechamos rìossas consideraçÕes sobre as quegeì€s básicas dos códigos terciários. sua

egrutuÍa e as operaçÕes de superação-

Page 10: BYSTRINA - Tópicos de Semiótica da Cultura [Aula 1 e 2]

tEtt=iprÉ+nrxr lilÊ fóntos oE ,a.Ei,rEA ol EaLntpr - lvrx eïsrËe - ì 0IEgEI

Auu.a NoZ- I tr/g

Panre | - Souuçóes Stpraóutc.as pan.a .a Asstr'rernta

Na última aula falamos sobre os có_digqg__qrilurais €.a sua estrutura. Vimos que essa estÍutura se

desenvoiveu denúo de um princípio inariante para todas as culturas. Vimos também que, pelo fato

&ssa estÍutura ser necessanamente ap_img_úca; apresentando um pólo negativo mais forte do qu€ opositivo, os s€res humanos procuraram soluÇÕes para essa assimetria. ,{ssim, foram criados padrões de

solução que se desenvoiveram paraleiamente ao desenvolvimento dos próprios códigos culturais.

Vamos retomar a,gor;. aiguns exempios desses padrÕes de soluÇào. À pnmeira possibilidade, a

mais simples, é a identificaçào dos póios. Como exempio podemos mencionar uma soluçào encontra-

da iá no antigo Egito: "O que existe acima também existe abaixo".

A segunda possibilidade é o encadeamento de oposiçÕes binárias em oposiçÒes piuriartiorladas

através da composição de tríades a partLl. cie duas oposiçÕes binárias. 2!:!_:_t]_çã1 clu/terra e da

oposição telrlil&g1o nasce a chamada árvore da vid.4. Denlro das oposiçÕes, o céu recebe sinal

positivo em relação à terra, que recebe o sinal negativo; mas a teÍTa, em relação ao infemo passe a

receber o srnal positivo diante do srnal negativo do infemo.

Assim nasc€ a ambi'r.alência de certos conceitos. A terra, no exemplo dado, passa a ser ambivalente,

recebendo o sinal positivo e o sinai negaüvo em reiaÇão aos seus dois pares - céu e infemo.

A tríade, em geral, passa a ter um uso praticamente universal enquanto modelo, tnciustve na

pópria filosofia, como podemos observar em Hegei, Marx, Peirce e Popper.

A prcxima possibilidade de solução da assimetria, a soiução mats radical, é a inversão, a inver-

sào dos pólos opoÍos: aquilo que estzÌlaì acíma é colocado abaixo e aquilo que estanÍì abaixo é

colocado acima. Na úitima aula vimos o exempio do caçador de levi-Strauss: na caça à águia, que

simboliza a altura, o caçador c:ìva um buraco e se coloca abaixo da superficie da terra, depositando

Page 11: BYSTRINA - Tópicos de Semiótica da Cultura [Aula 1 e 2]

ItllSpnÉ+Rrxr lWã rópcas ot Siarinct DA cuLÍazA - tven grrrxr - I It-etEl

_=,2. -,5<2. Sobre o seu própno corpo. Quando a águla desce pan apanhar 3 lsca' o caÇacior a 3Dann3

e LoÍce o s€u pescoço, para que nào irala sangue- Essa operaÇào nào pode estar iìgada ao sangue

moÍro, por isso quando os índios dela partrcrpam nào podem ter contato coÍn sangue de nenhur:ra

especie, inclusive corn o sangue da menstruacào. sendo impedidos de manter relacÕes sexuais'

Exisre. ainda. um padrao cie soiuçào d.a asstmetna onde os póios sao unidos por eiementos

intermediários ou meciiadores. A án'ore da vida vrncuia regiÕes separadas' disrantes umas das outras.

corn isso ela possibitita transiçÒes srmbólicas de um esrágio paÍ? oulro. em especiai a viagem ao céu

()u 30 infemo, como é apresentada incondicionaimente pelos xamàs. ou mesmo no Novo Testamento

na fìgura de Jesus Cristo.

Também os ritos sacrifíciaìs fazero parte do universo da mediaçào- Quais sào os pólos opostos

neste rito? Os dois pólos podem s€r repres€ntados por aquele que Se oferece ao sacrifício e a divrnda-

cle.oobierodosacrifício-ar,ítima-devevrncular-seaquemofcreceosacrifícìoàdivindade.E'porisso que a mediacão x fazpeia presenÇa tanto do sacerdote quanto do animal sacnficado' Eles ficam

.,n1,.e quem oferece o sacrifícro e a divindade. Há, portanto. dois mediadores nesra sltuacào: o sacer-

dote e o animai ( ou em alguns casos. o sacrifício irumano)'

como lnvaflantes. os velhos e arcaicos mitos e ntuais sào reantmados peias cuituras contempo-

râneas nas s€ltas, ou mesmo simbolicamente sob outras formas. As oposiçÒes ou pa.es opostos apre-

s€ntam grandes complexos estrutumdos. Entre os pólos existem, na maior parte cia !-ezcs, arttplas

zonasintermediáriasondeimperamaindecisão-ouaincerteza-eaplunsignificação,aplurivalência-lsso provoca conflitos e temores.

O amanhecer pode ser visto como ameaçador' por exemplo, entre os berberes do norte da

Áfaca. euando um berbere levanta de manhã p^ía r ao trabaiho, ele fica atento para passar peìa

porta com o pé direito. Depois de ter feito isso, e de estar consciente do que fez, r'oÌta atrás e pa'ssa

uma outÍa vez com o pé eseuerdo. Este é um exemplo de ritualizaçao das zonas rntermediárias' e

umbém tem a ver com a porïaenquanto zona intermediária.

Tocios esses detalhes reierente aos mitos sào sacraÌizados e ritualizados. o caso que acabamos

de ver não fica restrito apenas às portas: eles rem a ver com todas as entradas de uma casa, às janeia-s

e às chamrnés. Vejamos ess€ exemplo: o diabo entra s€mpre peia chaminé'2 o diabo também apar€ce

sob a forma de um cão preto, corno em Fausto. Gogoi apresenta caras assustâdoras que olham para

dentro através da ianela. Nesse simbolismo da lanela nào é apenas a luz que entlzl mas também as

figuras assustadoras.

para separar as áreas opostas uma das condiçÕes é o estabelecimento de fronteiras nesta zona

intermediária e pengosa. Tais fronreiras são declaradamente sagradas e s€ constituem em obstáculos

entÍe as pessoas que se situam em ambos os lados- No nosso século o homem tena libertar-se dessas

fronteiras, eliminando-as. Mas é pela e>ostência delas que podemos s€parar um pólo do outro e

entendermosoqueéosagradoeoprofano,opúblicoeoprivado,asciassessoctais'ospovos'oSdiversos segrnentos da sociedade, etc'

-- odiâ I de janeirona Europa6 s.ìia cioLmpadorci,e chamrnes, uÍIla pessozrcomoÍIvlcacaotoci'c pre(oquee simb+

lo de sorte.

Page 12: BYSTRINA - Tópicos de Semiótica da Cultura [Aula 1 e 2]

,.) lÊE:

PrÉ-PnrriÍ lffi rÍáE s DE sürónca DA cuLÍnpa - tv^r Eysrnfl^ - I Z

-\ torca srmbólica cia trontelrâ pode ser confrrmada na antrgúidade peia derramamento de san-

3re. -{ rransposiÇào de ironteiras. passando peia região sagrada e ameaÇadora, é reguiamentada por::tuais de passagem. Estes ritos tinharn sintomaticamente um caúter triádico mágico-rirual. Os ritos cle

seDaraçao, ritu de margirnlidade e ritas de agregeçao, qwe tazem parte cios mais antigos e conheci-cios ntos, sobrevivem ainda hoje, ainda que sob ouras formas, como, por exemplo, sob fonna de ritosde intciaçào: o batrsmo. o casamento. o sepultarnento, uma defesa de mestrado e dotrLorado, etc.

Todas as operaçÒes de que faìamos sâo por nós conhecidas e jâ foram estudadas, roas podemexistir outras arnda nào investigadas semioticamente. Urn desses casos é aquela que se constitui naconstnrçào de uma continuidade progressiva entre os dois poios - tal como obsenamos no yin/yangocidental. Esta é uma opefircào emrnentemente serniótica que começa a ser investigada pela Sernióticada CuÌtura.

Gl u esrões:

' Sobre a existêncta, de sociedades orais e cscritas

A escrìta ou a granrática da linguagem verbai ainda são uma questão de técnica. A existência decódigos primários e secundárìos nào sào indícios de cultura. Somente a partiÍ dos códigos terciários é

que surgem os textos culturars. Aquele binarismo que para os códigos primários foi essencial - a

oposição entre claro e escuÍo, dia e noite, por exerÍìpio - só foi possível de ser realizzdo graças à

transformação contínua das sociedades orais para sociedades escritâs. PoÉm, nas sociedades orais as

regras e os regulamentos eram mais rígidos e não admitiam mudanças; o advento da escrita incoço-rou o cntério da elasticidade e da provisoriedade nas sociedades humanai

'Sobre a arnhivalência do mcdiador

É claro que todo mediador é ambrvalente porque a sua tunçào é conduzir, simbolicamente, algoou alguém de um pólo a outro. Nâ la. reaÌidade esses pólos nào poderiam ser unidos porque nàohaveria um mediador. Os membros intermediários, nos encadeamentos binános, funcionam comoeiementos de ligaçào dos elos da corrente. Eles pode ser entendidos como mediador muito embcranào possuam essa intenção ou determinaçào.

Também aqui vemos uma semeihança entre a filogênese e a ontogênese. Nos primórdios da

evolução humana, o homem nào conhecia a ambivalência: aigo era ou nào era. A ambivalência só vaisurgir mais tardiamente. O mesmo acontece com a criança, que diferencia ciaramente o prazer doCesp:r-azer. Só passçnsic p'ela eçeriêncra diária dui-ante muitos anos é que ela vai compreender que uma:nesÍTÌa coisa, pessoa ou atividade podem s€Í ao mesíno teÍnpo - ou aÌtemadvamente - boa ou má.

- oas sicdades escrirâs podc-se rãs8aÍ o que se es€reve e escÍsver rptracnrc).

Page 13: BYSTRINA - Tópicos de Semiótica da Cultura [Aula 1 e 2]

rãEiPRÉ-Prfxr ffi razas DE sürírcA DA cttlraPA - lY^x BYsr$rr - I 3

'Sobre a superação da morÍe

A vida de um organismo piuricelular sempre teínina com a moÍte. O fato cie que a mofie é mais

foÍie que a vida constliui uma assimeiÍia. Apenas coín a crizÇào da 2a- i-eaÌidade é que a vida pode

sup€rar a mo,1e, porque rÈo 1emos nenhuma prova de que isso sela possíveÌ Íìa la. realidade, ou seja,

rie que existe uma forma de vicia qualquer apos a moÍte. Somente ern aiguns casos podemos dizer de

sobrevivência na la. reaiidade: quando na biologta se afirma. por exemplo, que nào são os indivídu-

os, mas os gens que vencem a morte.

'r ingrragem, cultufa e texto culu'rral

Uma linguagem compòe-se necessariamente de dois aspectos: o lexicai, que no caso da lingua-

gem verbai é o repertório de palavras - e de uma gramática, isto é, um sistema de regras de combina-

çào- Os paradigmas sào, portanto, fomecidos de antemào. \a linguagem verbal. as paiavras sào

retiradas dos paradigmas e arquitetadas em frases, segundo os reguiamentos dos cÓdigos secundários.

Os códigcs rerciários ou cuiturais participarn do processo superpostos aos códigos secundários.

Todas as ligaçÕes e vinculaçÒes entre componentes da cultura supõe uma regulamentaçào

culrural. A cultura para nós é um coniunto, uma totalidade de textos. Todas as obras de arte, ntuais,

mitos, sào rextos. Eles são reguiamentados gramaticalmenie e, além disso, também culturalrnente. É'

por isso que existem trê: tipos de códigos; somente os códigos biológicos, bio-coçorais ou primários

nào sao suficientes para a constituição de signos. Os signos precisam ser regulamentâdos num outÍo

nÍvel, por exempio na língua. Por isso temos os códigos hipolinguais e hiperlinguais.

Todo texto é um sinagma: a roupa que vestimos é determinada cuituraimente e sua natur€za e

combrnaçÕes obedecem a um conlunto de elementos que f?'zem parte, culturalmente, da vestimenta

masculina ou fèminina.

'Sobre tipos dc tgxtos

Hoje em dia não encontrzlmos tão freqüentemente os textos puros. Apenas em textos muito

simples, sem grande complexidade, encontramos o que podernos chamar de texro puro: a iista telefô-

nica é um exemplo disso, assim como uma tabela de horários de trens e o manual de instruções de

uso de eletrodomésticos. São textos claramente instrumentais que dispensam aspectos tmaginativo-

criaüvos. No que diz respeito aos tsxtos racionais, que surgiram mais tarde na história do homem, eles

podem ser diferenciados facilmente dos textos imaginativos. Â matemática é um ciáqsico exemplo de

texto racional, e temos também as monografias, dissertaçÕes e teses- Quando investigarnos, entretanto,

a teoria da relatividade, com ceraeza podemos afirmar que ali existe muito de imagrnativo e criativo.

'Sobre o cspztçrr da culnrra

O espaço da cultura é o car-npo da sobrevivência psíquica, mas isso nào quer dizer que a

estÍutura psíquica necessanamente interfere no físico. Ào desenvoiver seu biótipo, o homem soiucio-

nou deficiêflcias: tomou po51ura vertical, liberou o uso das mãos, etc- Por outr€ lado, passou a ter um

Page 14: BYSTRINA - Tópicos de Semiótica da Cultura [Aula 1 e 2]

,a |Frc

PnÉ-PRrxÍ ltE rdpEse oE SüttiTEÀ DA CaLraE - ry^ri SrsÌÈr - ! 4

::ìeco exlÍencial, aigo que não conhecia quancio vivìa protegido peia floresra. '\ rnre-ç:: l3:-. *<

saazrnas trouxe. portânLo, a necessidade de solucionar o medo através de suas própnas caSac-câ:Ë>

psíquicas de engrendrar soiucÕes. Àí o homem cna a s€gunda realidade, como uÍna cura Dar? : ::::-avì<pnnirl I cam,^â. *. 1;Àoào Ëni naácnÌ^ 'rmâ inr-an14n r.?.lin .^ncrnrí/ì.idiitU. ütt14 iilçLriçév i4luid. !uiirii utu* 2pOS O nescime:-:: -.linguagem. Os anirnars têm suas iinguagens. mas nào possuem cullura.

;\ segunda reaiidade e, pois. nrtidamente um fenômeno psíquico. Não se pode enrar em comu-nicacao com esse nír'eì de realidade sem o suporte físico da produção de signos. Sem o aparelho

Íonador. sem as màos, nào é possívei cnar segundas realidades. NÍas temos também que considerar

que todos os processos psíquicos sào produzidos matenalmente no corpo.

P.qRrE II _ A5 RAíZE5 DA trULTURA

Tentamos mostrar, ate aqui, coÍrÌo se

subumanas: o sonho e o jogo ou bnncadeira.estruiura a cuitura. Na sua origem, duas esferas sao

As demais esferas surgiram no âmbito mesmo da cultura.

[J soNx s

Os pnmeiros textos imaginativos e criativos que o ser humano produziu e que todas as pessoas

üvenciam sào os sonhos. Jâ foi comprovado que o recém-nascido sonha muito, mas naturalmente nào

temos acesso ao conteúdo destes sonhos.

O sonho do ser humano acontece na fase denominada RE,\Í do sono. mas nào f ica limitado a

apenas nesta fas€. Isso nào e privilégio <Jo homem, uma vez que foi constatado que também outrosmamíf'eros sonham na fase RElVt. E entre os mamífèros 1á é possível. até certo ponto, constatar qual oconteúdo desses sonhos: o cào que dorme most-ra no sono comportamentos como correr, alìmentar.

morder, mas estas íunÇÒes eiementares aparecem enfraquecidas, suavizadas; o som é mais fraco; o

latido, por exemplo, é bem suave.

O"_ryt!9q-?"1,qlg:!fm ? _g^^"d:*11fluê1gia que o sonho tem sobre a cuirura. Existe um mitocoínpaÍtilhado por aboúgenes ãü"úiiã""..q,.r. evidencia a força criativa do sonho. Nele, o sonhoexeÍce o papel de criador, é o póprio momento da criação de tudo o que existe. Os pnmórdios da

criação, quando todos os ser€s surgiram, é designado por esses aborígenes como o "Tempo dos

Sonhos". Na sua narrativa, os primeiros seres sonhavam as piantas, os animais; depois desenhavam

seus sonhos em rochas e lhes davam a alma. A partir dos desenhos na rocha, os seres adquiriram

corpo, materialidade.

Em muitos outros mitos da criaÇào a atividade aíííica desernpenha um papel muito importante.

Javé, por exempio, é apresentado como um escuitor que dá forma à matéria-prima retirada da terra e

com o seu sopro inieta alma (espÍrito) nessa matéria.

Page 15: BYSTRINA - Tópicos de Semiótica da Cultura [Aula 1 e 2]

J., IHIEprÉ-Prfr.r

fftfr ra"r"a" ot sanpnu Dt cuLneA- tvlr gvvrrç,r - ] 5

-\ essênc1a oe todos esses rnttos é sempre a mesmx. e lnvanante. Entre os povos Dnmli:\'.s : -:-'

---:"nhecida-a relãêã" ""re sonho. sono e morte. \a mirologla grega. Hipnos, o cìeus Go SCr-C- ií:

:rmào gêmeo de Tânatus. o deus cla morte. Xenoionte acreditava que a alma estaria mais lirre Ílc >.:--:

e podernos supor que. paÉ ele, a pslque iicana mais livre aÌnda cotn a rnorte. Xenofonte acrecl;'.-:

que. em vid.a, o sono é o Ínomento trtats proximo cJe morte'

Em cuaieueÍ xamanismo existem as r iagens pare outros nìundo.s. \a cntogênes€' a cnanca

rrprenceu pouco a pouco a cliferenciar o sonho da reaiidade. i\{as, especialmente quando acontece um

sonho assustãdor. eÌa nao conregue separá-lo da realidade. Para o pequeno. a realidade interior está

ligada à reaiidade exterior. Esse rrrundo de fantasia e reai parà 3. cflzlnca. Provavelmente, o mesÍno

ocoÍTeu na filogênese da humanidade: sc; rardiamente o homem passou a distinguir as duas reaiidades.

As estruturas básicas do sonho s€ r€Detem. ao menos em pane. nos devaneios. nas fantasias da

vigí1ia.

n J;;;'

9_.-grypqrtrmenro lúrlico po<Ìe Ér enconrrado umbém entre animais; mes o logo entre eles'

on, .rãã -fr-rnçào

especial: o aprendilaclo, Entre os setes hlrmanós o logo nào se"'lirnfta*ãpêõas à

infâncra; ao colúárioì o s€Í humano apècia o logde as brincadeiras até o fim de sua vida. até a moÍte.

os ;ogos têm a finalidade de nos ajudar na adaptação à reaÌidade, aìém de facilìtar sobremaneira o

aprendizado, o compoÍamento cognitivo-

Entre os animars podemos distinguir clois tipos de jogos de movimenlo: os jogos de luta e os

logos de fuga. Há também os jogos de representação, quando :r màe cuida do filhote" Porém, nas

situaçÒes de importância vital, nos momentos em que s€ exige pronttdào para a aÇào' o jogo se

inrerrompe abrupamenre. Isso significa que já entre os animais o jogo possui um status diferente de

reaiidade.

O comportamento de logo tem aivo própno. Como uma das molas propulsoras da atividade do

ser humano o exercícío iúdico laz parte da procura peio novo. A criança c o mernbro de uma

sociedade primitiva sentem-se atraídos peio seu caráter mágico do jogo. Essa curiosidade, ligada à

mimesis, à imitaçào, Ieva, porum lado, paraa^ descoberta de áreas desconhecidas ou ao brinquedo.

O jogo se situa no ìado de fora do processo da libertação direta; não requer mediação, e suPre

necessidades. por possuir características úo peculiares, ele interrompe o processo normal da vida.

Numa srtuaçào de jogo, o fogador diferencia os vários pianos da realidade, porque eie sabe até

aonde 'ai a realidade lúdica e onde corneÇa a realidade cotidiana. Se não pudesse delimitar tais

front€i!-as, não poderia s€quer jag?.Í. PoÉm, o ccmportamento lúdico é restrito a um tempo e um

espaÇo limitados, um palco , um ringue, um campo de futebol, etc... E somente dentro desses espaços

é que o iogo goza de seu pleno significado.

Natur-almente, pode-se também lcgar ou brincar no "ilirnrEdo' tsnlo quanto S€ consegue- Uma

tourada pode sa6 dos iimites da arena e ganhar as vÍas púbiicas mas, de ceÍta tbrÍrÌa. esse exagero ;á

é previsÍvel rìas regras daquele jogo específico, numa época especial do caiendário-

Page 16: BYSTRINA - Tópicos de Semiótica da Cultura [Aula 1 e 2]

l6rÉPnÉ-Pnnr ll[Ë rriees w Sanxímu DA EuLíuFA - tvn BYgrnrr - 'l 5

ttlrlEl

À deìimitaçào entre jogo e rcaiidade diária tem ràízes protundas na cuìtura. Para a convivêncta

diária, deìimitam-se espaÇos nos quais passam a vigorar regras extÍemamente rígidas, e que devem ser

observadas pêlos participantes, os jogadores. trÍas rambérn existe liberdade paÍa a atuaçào livre.

,{s seqüências d:s açoes num jogo nào são prea'rstâs em detdhes. mas são combinár'eis com reiatila

iib€"rdade. Isso enge do logador ume pertormance engenhou e criattva. \'etnos. assun. que o jogo e aarMdade Ìúdica Se formarir a paÍtiÍ da necessidade de encontrar. ou u'ìl'enulr. uma resposta livre dentro de

deterrmrncl"s regas e obedecendo a certas ironterr.rs. O cineasta de um documentário, por exemplo,

precisa t-azer Cescoi..ertas a paÍtr de um obJeto de regras t-txas, o que taz ern irnprovrsaÇão !il"re.

As regras, poÍ€Ín, nem Émpre sào formuladas explicitamente em todos os iogos. r\ cnança que

brinca de màe com a boneca o faz sem regras previamente definidas. À criança se entrega à situaçào

lúdica, e o fzz improvisadamente, livremente, Eìa se coloca em um papel, cuja característica essenciai

é o afeto. Nos jogos em que as regias sào explícitas, os papéis nào sào desempenhados apenas de

forma ficçional, mas também com prÀzer, o pràzer de jogar. O jogador sabe perfeitamente que a

realidade do dia-adia nào contém tais regras-

!ì_lgg"_!19g9u'e uma rransicao volunúrra pa;rà a segunda realiciade. Jogo e seriedade nào s€

excluem ãècididameãte, mas é-tãiúicr"ãããi Quandó se loga. o átrndo em tomo é concebido de

rnarreira diferenre. Ob;etos da pãrneià êalidade sào colocados na segunda, sob a influência da

imaginaçào. Porem, como esses obletos nào possuem cert^as propnedades pera responder ao novo

estâtuto, eìas Ìhes sào atrìbuídas ficcionalmente peics jogadores. Assim, é possível compreender isto

quando vemos que as crianças dào qualidades irnagrnativas a obletos inanimados. A boneca, por

exernplo, nem precisa teÍ a conformação de uma boneca... pode ser até mesmo um pedaço de pano.

As crianças fazem desses materiais portadores de desejos e fantasias'

O mais destacado autor que escreveu sobre a atividade iúdica, Junto com Cailois, é o Huizinga"

Ele vê a cultura inÌrrnsecamenie ligada ao jogo. Depois que e cultura se constituiu. o jogo se tomou

,r* d. seus mais influentes t'atores. Huizinga acha que as grandes atividades originats da especie

hurnana sào todas entremeadas com o lúdico.

Ao lado do sonho, o Jogo é aquela atividade na quai a vida cuiturai 1â estâ presente em geÍrne.

,\ quantidade das atividades de tipo lúdico não ó dificllmente mensuúvel: esportes, iogos de luta,

torneios, jogos de erudlção, circo, camaval, mascaradas, dança, balé, pantomima, teatro, etc.

. --.-/â ."t-"1'o''/d^"íl

/''- ti''itã4;

G| uEËï-É_E-E_1

- -n/'" Sobre crrltrrra e togo ,--'-

*" a.a'

I

A segunda realiÇÁe é um i"gg, gT*?T-?f1 g um _sgnho ou- urnlS ,",i-s"?g- A pluralidade, a

diwersidade da se$nããreãfiffi-éãmaror arnda do qr.le a da pnmeira. \a verdade, ela é um acéscüno

à primeira reaiidade.

'Sobre @ào e cultrra

A cuitura nào e t-anlo uma questao cie razAo, embora a rzzzo rambém oaÍticiDe ativamente. -\

.rin -" e i""aiil;d" essencialmenre pelo

/a

- 7't'4

f,t./',// t :,