budismo - templo zulai

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo DENISE LOPES DE SOUZA DIPLOMA DE MONGE Um estudo sobre a Universidade Livre Budista da Fo Guang Shan MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO São Paulo 2006

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Diploma de monge: um estudo sobre a Universidade Livre Budista da Fo Guang Shan. Dissertação de Mestrado na PUC/SP - Denise Lopes de Souza.

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Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo DENISE LOPES DE SOUZA DIPLOMA DE MONGE Um estudo sobre a Universidade Livre Budista daFo Guang Shan MESTRADO EM CINCIAS DA RELIGIO So Paulo 2006 2Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo DENISE LOPES DE SOUZA DIPLOMA DE MONGE Um estudo sobre a Universidade Livre Budista daFo Guang Shan Dissertao de Mestrado apresentada Banca Examinadora do Programa de Estudos Ps-Graduados em Cincias da Religio daPontifciaUniversidadeCatlicadeSoPaulo,como exigncia parcial para obteno do titulo de Mestre em Cincias daReligio,sobaorientaodoProfessorDoutorFrank Usarski.

So Paulo 2006 3DENISE LOPES DE SOUZA DIPLOMA DE MONGE Um estudo sobre a Universidade Livre Budista daFo Guang Shan Aprovada em____ de ___ de ______ , pela Banca Examinadora: BANCA EXAMINADORA ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________4

Dedico essa dissertao aos educadores. 5Agradecimentos CAPES e ao Programa de Estudos Ps Graduados em Cincias da Religio da PontifciaUniversidadeCatlicadeSoPaulopelabolsaparcialdeMestrado,cujo auxlio financeiro possibilitou a realizao dessa dissertao. Aos professores Gilberto Gorgulho, Fernando Londoo, Maria J os Rosado Nunes e nio J os da Costa Brito com os quais pude ampliar meus conhecimentos por meio das disciplinas cursadas e das conversas informais; e gentil secretria Andra pela colaborao imprescindvel. AoorientadorFrankUsarski,que,comsuasensibilidadedisfaradapelas maneiras germnicas e desconfiadas, me ensinou muito sobre mim mesma. Tambm agradeosuapacinciaecompanheirismo,almdoapoioesugestesmuito importantes. Aos membros do Templo Zu Lai, em especial Mestra Sinceridade, ao Mestre Hui Hou, Moacir Mazzariol Soares e Sullivan Silk Pouza, pelas entrevistas concedidas. Ao novo amigo Andr, pela ajuda em relao aos contatos imprescindveis na busca de informaes para o trabalho.Aos professores e membros da banca do exame de qualificao: Rafael Shoji, Edin Sued Abumanssur e Frank Usarski pelo incentivo fundamental, alm das crticas e sugestes que serviram de estmulo para a finalizao desta dissertao. Aosamigosqueestiveramcomigonoprograma;algunsdelongadata, pacientes,acolhedoreserealmenteespeciais;outrosquecertamentetambmsero amigos por muito tempo, especiais tambm. Aos pesquisadores Stuart Chandler e Damien Keown pelo material gentilmente fornecido.professoraTerezinhaCalilPadisCampos,peloprimeiroincentivoem seguir pelo caminho acadmico.Aos meus familiares e amigos que compreenderam minha ausncia enquanto me dedicava aos estudos e sempre serviram como apoio, incentivo e compreenso tanto nos momentos difceis quanto nos prazerosos. 6 O que observamos no a natureza em si, mas a natureza exposta ao nosso mtodo de questionar. Werner Heisenberg 7RESUMO Este trabalho tem como objetivo descrever e analisar o curso de formao de mongeseprofessoresdeDharmadaUniversidadeLivreBudistadoTemploZuLai situado em Cotia. A coleta de dados foi feita por meio de entrevistas e observaes, determinandoseucarteremprico,bemcomodematerialbibliogrficodefontes primrias e secundrias. O Templo Zu Lai a filial brasileira da organizao Fo Guang Shan cuja matriz em Taiwan a qual tem como objetivos difundir o Dharma por meio dacultura,desenvolvertalentospormeiodaeducao,beneficiarasociedadepela caridade e purificar a mente por meio do desenvolvimento espiritual. O mestre fundador daorganizao,HsingYn,divulgaochamadoBudismoHumanistaque,comseu carter antropocntrico, pretende ressaltar a caracterstica pragmtica do Budismo. Os alunosdaUniversidadeLivreBudistadevem,comodecorrerdocurso,alcanar desenvolvimento espiritual por meio do estudo dessa religio e aprender como utilizar os ensinamentos budistas de forma que contribuam para o bem-estar social do meio ao qual esto inseridos. A caracterstica pragmtica ressaltada pelo currculo do curso se assemelha ao que Ken J ones chama de Budismo socialmente engajado, visto por alguns autores como a necessidade de reunio de budistas, independente da linhagem, em prol deumaabordagemticaepragmticadoBudismofocadanobenefciosocial.O trabalho contribui para a discusso sobre a instalao da organizao Fo Guang Shan no Brasil por meio do uso de caractersticas educacionais inerentes no Budismo, alm de contribuir para a discusso sobre as motivaes que levaram instalao do curso e do queelerepresentatantoparaacomunidadelocalquantoparaoschineseseseus descendentes,considerandoasustnciadaoferta,ainter-relaoentreomovimento religiosoeasociedade,ograudeaberturadarededemembroseacompetncia organizacional do templo; tal discusso tem como base o socilogo Rodney Stark. Sua conclusoprincipalarigidezdasregrasmonsticassquaisosalunosdevemse submeter,bemcomoavalidadelimitadadodiplomaemitidopelaorganizao, determinam uma evaso significativa. Palavras-chave:UniversidadeLivreBudista,ZuLai,FoGuangShan,Budismo Humanista, Hsing Yn, Budismo socialmente engajado 8ABSTRACT Thisworkaimstodescribeandanalysethecourseformonksand Dharmas teachersofferedbytheUniversidadeLivreBudistaoftheZuLaitemplelocatedin Cotia.Datawasobtainedthroughinterviewsandobservations,whichmeansthe research assumes an empirical characteristic. Bibliographic material was also a source ofinformation.TheZuLaitempleisaBrazilianbranchoftheFoGuangShan organizationwhoseheadquartersisinTaiwan.ItsobjectivesaretospreadDharma through culture, develop talents through education, benefit society through charity and purify the mind through spiritual development. The founder of the organization, Hsing Yn, tries to spread the so called Humanistic Buddhism, which has an anthropocentric characteristic and intends to emphasize the pragmatism of Buddhism. Along the course, students of the Universidade Livre Budista are expected to reach spiritual development through study of religion. Furthermore, they are expected to learn how to use Buddhas teachingsinordertobenefittheenvironmenttheybelongto.Thepragmatic characteristic emphasized in the subjects taught during the course are similar to what Ken J ones calls Socially Engaged Buddhism, which is known as the need for buddhists togatherandworktopromoteethicalandpragmaticBuddhismfocusedonsocial benefit. This work contributes to the discussion about the settlement of Fo Guang Shan in Brazil through the use of educational characteristics inherent to Buddhism. Besides that, it contributes to the discussion about the social role the course represents not only tothelocalcommunitybutalsototheChinesepeopleandtheirdescendantsby consideringthesubstanceoftheoffer,theinter-relationbetweenthereligious organizationandsocietyandtheorganizationalcompetenceofthetemple.The discussionisbasedonthetheoryofthesociologist,RodneyStark,andmainly concludes that the strictness of the monastic rules students are supposed to obey, as well as the limited validity of the diploma issued by the organization, contribute to the number of students who give up the course, which is significant. Keywords:UniversidadeLivreBudista,ZuLai,FoGuangShan,Humanistic Buddhism, Hsing Yn, socially engaged Buddhism

9SUMRIO Introduo...................................................................................................................12 Captulo I Fo Guang Shan e Budismo Humanista...................................................15 1 Histria e perfil da Fo Guang Shan.........................................................................15 1.1 Infncia e juventude do Mestre Hsing Yn fundador da Fo Guang Shan.........16 1.2 O incio do movimento budista do mestre Hsing Yn em Taiwan......................18 1.3 O Mestre Hsing Yn nos EUA e a internacionalizao do seu movimento budista.......19 1.4 A situao internacional da Fo Guang Shan.........................................................201.5 A Fo Guang Shan no Brasil................................................................................. 221.5.1 Imigrao Chinesa.............................................................................................22 1.5.2 Desenvolvimento da Fo Guang Shan e BLIA no Brasil....................................23 1.5.3 Atuao da Fo Guang Shan no Brasil................................................................24 1.5.4 O templo Zu Lai ................................................................................................25 2 Budismo Humanista................................................................................................282.1 A base doutrinria tradicional do Budismo Humanista....................................... 282.1.1 O samsara e a necessidade de libertao..........................................................292.1.2 Nexo condicional ...............................................................................................302.1.3 As Quatro Nobres Verdades..............................................................................312.1.4 Caminho do meio..............................................................................................332.2 O Budismo Mahayana como contexto especfico do Budismo Humanista.........34 2.2.1 O lugar sistemtico do ramo Mahayana no universo budista tradicional .........34 2.2.2Especificidades do Budismo Mahayana...........................................................352.2.3 O Budismo Chan como referncia para o Budismo Humanista.......................382.2.4 O Budismo Terra Pura como referncia para o Budismo Humanista...............402.2.5 O Modernismo Budista como fonte do Budismo Humanista............................423 Principais caractersticas do Budismo Humanista...................................................433.1 O Histrico do Budismo Humanista.....................................................................453.2 A doutrina e as prticas do Budismo Humanista..................................................473.2.1 Aspectos oriundos do Budismo tradicional e do Modernismo Budista.............48 3.2.2 Particularidades do Budismo Humanista...........................................................49103.3 Os objetivos do Budismo Humanista...................................................................503.4 A relevncia do Budismo Humanista nos diferentes nveis da vida humana.......51 3.4.1 Nvel individual .................................................................................................533.4.2 Nvel micro-social .............................................................................................553.4.3 Nvel macro-social.............................................................................................59 Captulo II - A educao monstica da Fo Guang Shan no Brasil .............................62 1 A educao sob o ponto de vista do Budismo Humanista.......................................62 1.1 Aspectos da educao conforme o Budismo Humanista......................................62 1.1.1 Aspecto soteriolgico........................................................................................64 1.1.2 Aspecto epistemolgico.....................................................................................65 1.1.3 Aspecto pragmtico...........................................................................................66 1.1.4 Aspecto tico.....................................................................................................67 1.1.5 Aspecto ambiental .............................................................................................68 1.2 Dimenses da educao oferecida por Fo Guang Shan........................................69 1.3 Educao monstica acadmica da Fo Guang Shan.............................................72 1.3.1 No pas de origem..............................................................................................72 1.3.2 No ocidente........................................................................................................74 2 A Universidade Livre Budista do templo Zu Lai ....................................................75 2.1 Fundao e caracterstica gerais...........................................................................78 2.2 Objetivo do curso.................................................................................................81 2.3 Financiamento......................................................................................................82 2.4 Estrutura curricular...............................................................................................83 2.4.1 Treinamento prtico e avaliao dos alunos......................................................85 2.4.2 A rotina diria dos alunos..................................................................................87 2.5 Corpo docente.......................................................................................................89 2.6 Corpo discente......................................................................................................90 Captulo III Motivaes para a instalao da ULB....................................................92 1 Motivao primria..................................................................................................92 1.1 Realizao do Budismo por meio da educao....................................................93 111.1.1 Histrico da educao budista...........................................................................97 1.2 Caractersticas educacionais inerentes no Budismo...........................................1011.2.1 Soteriologia......................................................................................................102 1.2.2 Pragmatismo....................................................................................................104 1.2.3 tica.................................................................................................................105 1.3 Engajamento social como motivao religiosa..................................................106 1.3.1 Budismo socialmente engajado.......................................................................106 1.3.1.1 Objetivo e principais representantes.............................................................108 1.3.1.2 Princpios e preceitos....................................................................................109 1.3.2 Budismo socialmente engajado na ULB.........................................................111 2 Motivao secundria............................................................................................113 2.1 Referencial terico..............................................................................................113 2.2 Substncia da oferta............................................................................................115 2.3 Inter-relao entre sistema religioso e sociedade...............................................117 2.3.1 Grau de abertura da rede..................................................................................117 2.4 Competncia organizacional...............................................................................119 2.4.1 Lder legtimo e missionrios..........................................................................119 2.4.2 Relacionamento com o Estado........................................................................121 2.5 Conseqncia paralela........................................................................................125 CONCLUSO..........................................................................................................128 BIBLIOGRAFIA......................................................................................................134 12Introduo Em setembro de 2004 teve incio o Curso de Estudos Avanados de Budismo, oferecidopelaUniversidadeLivreBudistaeministradonoTemploZuLai(centro religiosobudistainstaladoemCotia,naGrandeSoPaulo).Oobjetivodocurso formar monges ou professores de Dharma que devero se comprometer a trabalhar em umadasfiliaisdaorganizao.Refletindosobreainstalaodetaluniversidade, naturalmente surgem questes relacionadas razo pela qual a organizao determinou a criao do tal curso no territrio brasileiro. Nasce da a motivao para este trabalho de pesquisa, que pretende verificar, por meio de observao e anlise de dados, o que a organizao alcana (ou busca alcanar) ao oferecer um curso universitrio de carter religioso no Brasil.O Templo Zu Lai a filial brasileira de uma organizao budista fundada em Taiwan pelo Venervel Mestre Hsing Yn em 1967, a Fo Guang Shan, hoje presente em diversos pases (J apo, Austrlia, Estados Unidos, Brasil, frica do Sul, Holanda, entre outros). Alm da presena por meio dos templos, a organizao possui em alguns pases uma vertente laica: a BLIA Buddhas Light International Association.AFoGuangShan,comosuaspublicaesafirmam,temcomoobjetivoa expanso da prtica budista pelo mundo contemporneo, com ateno ao sofrimento dos seres humanos e s formas de ajud-los efetivamente por meio de atividades que visam o bem-estar social baseando-se nos valores e educao budista. O oferecimento gratuito deatividades,bemcomodeaesdecaridade,determinamocartersocialda instituio, que busca atender a comunidade local dos lugares onde se instala.Levantando a bandeira do Budismo Humanista, o mestre fundador pretende difundir o que considera como benfico a todos os seres: o Budismo. Com seu carter antropocntrico, o Budismo Humanista ressalta o conceito-chave da doutrina Mahayana que afirma que todos os seres so Budas em potencial. Sendo assim, busca incentivar o aperfeioamentoespiritualdeformaqueodesenvolvimentoindividualatenteparaa necessidade de ao em relao ao meio social com o benefcio de todos, conforme o desejodosdiscpulos.OmestreHsingYn,consideradopelosdevotoscomoo principal arquiteto da Terra Pura1, incentiva a caracterstica pragmtica do Budismo Humanista.Essepragmatismo,bemcomooprincpiodeque,pormeiodo 1 TEMPLO ZU LAI in: , acesso em 31/03/06.13desenvolvimentoindividual,aspessoasperceberosuaresponsabilidadesociale ajudaronaconstruodeumasociedademaisjusta,socaractersticasquese assemelham ao que Ken J ones nomeia como Budismo socialmente engajado. O Venervel Mestre Hsing Yn afirma que o Budismo pode ser compreendido tambm como educao. No decorrer da dissertao, pretende-se verificar o porqu de tal afirmao e o que outros autores pensam a respeito. Percebemos duas motivaes fundamentais para a instalao do curso no Brasil. A motivao primria religiosa e pretende realizar o Budismo por meio da educao, considerando a semelhana que o mestre afirma existir entre a religio e educao. Alm disso, como forma de realizar o Budismo Mahayana, o curso assume uma caracterstica pragmtica e pretende que seus alunosfuturamentedesenvolvamatividadesquesevoltemparaacomunidade financeiramentecarente,oquedeterminaasemelhanacomoBudismosocialmente engajado, citado anteriormente.Nossoestudosobreodesejodeenraizamentodomovimentoreligiosono territrio brasileiro, ou seja, sobre a motivao secundria, est baseado na teoria de Rodney Stark, socilogo norte-americano que elucida as implicaes sociais da religio, entreelasoquedeterminaquemovimentosreligiosostenhamsucessoouno. Consideramos que, para que haja um enraizamento satisfatrio, o movimento religioso deve mostrar competncia organizacional por meio de um alcance satisfatrio do que oferece e da inter-relao entre o movimento e a sociedade. Caractersticas gerais do curso, bem como o currculo, objetivo, financiamento, treinamento prtico e avaliao, rotina e critrio de escolha dos docentes e discentes so descritos. Tambm so descritos dados de entrevistas com discpulos e professores, bem como de observao de aulas permitidas pela abadessa responsvel pelo templo, Mestra Sinceridade, determinando o carter emprico da pesquisa. A anlise est pautada em fontesprimrias,publicaesdaprpriaorganizaoFoGuangShan,esecundrias, bibliografia de autores no discpulos sobre a mesma. A dissertao constituda por trs captulos: o primeiro, dedicado descrio detalhadadaorganizaoFoGuangShaneaochamadoBudismoHumanista;o segundo, que descreve o curso de formao de monges no Brasil e o templo Zu Lai; e o terceiro,destinadoacompreenderasmotivaesquelevaramconstruoda Universidade Livre Budista. Oobjetivodadissertaodescrevereanalisarsatisfatoriamenteocurso,a organizao e o Budismo Humanista, bem como contribuir para uma discusso sobre as 14caractersticaseducacionaisdessareligioesobreoenraizamentodomovimentoFo Guang Shan no Brasil. Alm disso, pretende abrir espao para posteriores reflexes que podemserconduzidasapartirdetalestudo.Estaprojeo,emsi,denotaoaspecto adicional no meio acadmico, principalmente no campo de pesquisa sobre o Budismo no Brasil, o qual tem alcance bastante limitado at o momento.

15I Fo Guang Shan e Budismo Humanista Este captulo traz informaes sobre o que a organizao Fo Guang Shan (A Montanha da Luz de Buda), quem foi seu fundador e que tipo de Budismo ele divulga, o chamadoBudismoHumanista.Iniciaremoscomabiografiadomestrefundador,sua viso sobre o Budismo e sua preocupao em expandir a religio pelo mundo. Acredita-se que a biografia seja fundamental para o entendimento da organizao, pois o mestre pretendedifundirsuascrenassobreoBudismopormeiodeensinamentos,livros, palestrasecursosqueacontecem,emsuamaioria,nasprpriasdependnciasda organizao. A seguir, os tpicos acima mencionados sero contemplados em detalhes a partir das informaes obtidas durante a pesquisa. I. 1 Histria e perfil da Fo Guang Shan Fo Guang Shan uma organizao budista fundada pelo Venervel Mestre Hsing Yn em 1967. A organizao tem como objetivo a expanso da prtica budista pelo mundo contemporneo, focando a ateno ao sofrimento dos seres humanos e tentando ajud-los efetivamente por meio de atividades que visam o bem-estar social. O trabalho toma por base os valores da educao budista: Fo Guang Shan alicera-se em quatro aspiraes: - difundir o Dharma atravs da cultura; - desenvolver talentos atravs da educao; - beneficiar a sociedade pela caridade; - purificar a mente atravs do aperfeioamento.2 Apssuafundao,em1967,aFoGuangShanalcanouumcrescimento substancial e, atualmente, est mundialmente envolvida em todos os aspectos da prtica budista; desde o bem-estar social, educao religiosa at a prtica asctica. Possui filiais noJ apo,Holanda,Tailndia,Singapura,Malsia,Austrlia,HongKong,Filipinas, Estados Unidos e Brasil, entre outros pases. No Brasil, o fato mais marcante para a expanso da instituio foi a inaugurao do Templo Zu Lai, em outubro de 2003 na cidade de Cotia, Estado de So Paulo.3 2 CHI-YING,F., Espalhando a Luz. So Paulo: Cultura Editores Associados, 2002, p. 154. 3 Vale ressaltar que todo o material pesquisado sobre a vida de Hsing Yn foi publicado pela prpria organizaoFoGuanShan,almdeinformaesobtidasementrevistacomumdosmembrose professores do curso de formao de monges do templo - Moacir Mazzariol Soares. 16 I.1.1 Infncia e juventude do Mestre Hsing Yn fundador da Fo Guang Shan AfiguradoVenervelMestreHsingYn,assimcomootrabalhoporele realizado at o momento, despertam grande admirao e respeito nos discpulos da Fo Guang Shan. Diante disso, preciso observar que todo o material que pesquisamos a seu respeito est eivado destes sentimentos. Eles surgem at no texto de sua biografia, que traz semelhanas com os registros atribudos vida do prprio Buda Sakyamuni.4 Uma dessas semelhanas aparece nos sonhos premonitrios que tanto a me do Buda quanto a me de Hsing Yn teriam tido durante a gravidez. A me de Buda (Maya) teria sonhado que um filhote de elefante branco havia penetrado em seu ventre. O sonho foi interpretado como um sinal de que a criana se tornaria um grande imperador ou um grandemestrereligioso5.AmedeHsingYn,porsuavez,teriasonhadocomum ancio grisalho que, segundo ela, realizara um milagre ao puxar um talo de arroz que estavasobsuacamadepalha.Estepersonagemtambmteriaindicado,comas seguintes palavras, que o menino seria um benfeitor: Este tao frutificar6. Em chins, o termo tao significa tanto arroz quanto caminho - os discpulos acreditam que o sonho seria uma previso de que a vida da criana seria repleta de realizaes.Hsing Yn nasceu em 22 de julho de 1927 em Chiangtu, na China7. O mestre o terceiro filho da famlia Li, que obtinha seus recursos financeiros de uma pequena loja de incensos. H registros de que o mestre, quando criana, tinha uma bochecha rosada e aoutraplida,eumpardelinhasavermelhadasentreonarizeolbiosuperior;a indicaodetaissinaispodecolaborarparaqueosdiscpulosovejamcomoum indivduodiferenteeespecial,ouumaemanaobdicacomumaclaramissode divulgar o Budismo e o Dharma8 (ensinamentos do Buda) pelo mundo.O primeiro contato do mestre com o Budismo se deu por meio de sua av, que costumava recitar o Sutra do Diamante ou o Sutra de Amitabha, dois textos centrais doBudismoMahayana.Almdisso,porvezesHsingYnacompanhavaaavem visitasdevocionaisaostemplosprximosdecasa,oqueconsolidousuaprimeira ligao com a religio. 4 Cf. KEOWN, O Budismo. Lisboa: Ed. Temas & Debates, 2002. 5 Ibid., p. 34. 6 Cf. CHI-YING, op. cit.p.51. 7 Idem; Handing Down the Light. Hacienda Hiegths: Hsi Lai University Press, 1996, p. 9. 8Algunsautores,comoKenJ ones,diferenciamDharmadedharma,sendooprimeiroreferenteaos ensinamentos de Buda e o segundo referente lei e moralidade universal (Cf. JONES 2003, p.46). Nesta dissertao optaremos pela primeira terminologia, pois um dos professores do templo Zu Lai (Moacir Mazzariol Soares) ressalta que a organizao Fo Guang Shan tambm a utiliza desta forma. 17Devidoalimitaesfinanceiras,omestrenofreqentouescolaparticular quando criana, tendo aprendido a ler e escrever com a me. Devido ao fato de estar freqentementedoenteeacamada,seufilhosempreliaparaelaoChi-tzu-tuan, conjunto de textos folclricos chineses que tratam principalmente de temas mitolgicos, histricos e nobres. Escritos em prosa, so compostos por oraes com estruturas de sete sinais de escrita: Ela corrigia seus erros enquanto ele lia e, com o tempo, ajudava-o a construir um refinadovocabulrio,estimulandosuaavidezporleituraenelefortalecendoos princpiosdelealdade,devoo,integridadeehonestidade.Anosmaistarde,ele ainda se lembra dos nomes de todos os cento e oito personagens e suas respectivas caractersticas no clssico Shi-hu Chuan.9 Encontra-se em sua biografia a informao de que Hsing Yn fora uma criana bastantecompassiva.Comoexemplo,humrelatodainfncianoqualafamliado mestre estava reunida para contar histrias, como era de costume na poca. Uma delas era a respeito de um pobre andarilho que no tinha o que comer; ao ouvir tal estria, o mestre, tomado de compaixo, teria chorado e se escondido debaixo de uma mesa. Na realidade, por toda a biografia percebe-se a admirao da autora pelo carter do mestre e por sua sofrida trajetria. Em 1937, ano em que o J apo invadiu a China, o pai de Hsing Yn foi obrigado a partir de casa a procura de trabalho. Por muitos anos o menino no teve contato com ele.Umdia,aos12anos,quandoacompanhavaamenaprocurapelopai,foi questionado por um monge sobre seu possvel desejo de tambm se tornar um clrigo. Como que instintivamente ele respondeu de forma afirmativa e, no mesmo dia, partiu com o monge para tambm se ordenar, voltando a ver a me somente 47 anos depois. Tornou-seentoomongemaisnovodomonastrio Chi-hsiaVinayaCollege,na ChinaContinental,tendorecebidoordenaocompletaaos14anos10.Estudoupor muitosanosatsertransferidoparaaEscolaBudistaChiao-shan,em1945.H,na biografia,diversosrelatossobredificuldadespelasquaispassouatseformar.Aps formar-senessaescola,tornou-sediretordotemploTa-chuehedepoisdaescola primria Pai-ta e, com isso, deu um passo alm da experincia monstica e entrou no ritmodasociedade.Deduzimos,portanto,quealigaocomaeducaoecoma sociedade comeou bem cedo em sua vida monstica. 9 CHI-YING, Handing Down..., op. cit., p. 19. (traduo nossa) 10 Cf. CHI-YING, Handing Down..., op. cit.,p. 30. 18I.1.2O incio do movimento budista do mestre Hsing Yn em Taiwan Hsing Yn estudou na China at 1949, quando o regime comunista assumiu o comandodopas.NestaocasioomestrepartiuparaTaiwan,paraservircomo enfermeiro das tropas nacionalistas chinesas. No mesmo ano foi aprisionado com outros monges, sob a acusao de atividades subversivas. Permaneceu 23 dias no crcere.Foi em Taiwan, mais especificamente na cidade de Illan, que o mestre iniciou a construo dos templos da Fo Guang Shan; l ele praticou o que aprendera durante sua ordenao, o que, mais tarde, viria a chamar de Budismo Humanista. Nesta poca teve muitasdificuldadesparaconquistarapopulaolocal;sofreu,tambm,com dificuldadesfinanceiras.Comoresultadodeseusesforosedodesejodedivulgaro DharmaeoBudismoHumanista,apsalgumtempoconseguiuadaptar-se, conquistandoorespeitodapopulaolocal.Em1956,nessamesmacidade,foi construdo o primeiro jardim-de-infncia budista, por onde j passaram mais de trinta mil crianas. A cidade de Illan era um local onde os devotos aprendiam a recitar textos budistas a prtica, alm de combater o analfabetismo, foi responsvel pela instalao do Budismo no local11. O oferecimento de servios educacionais foi fundamental para o crescimento e a aceitao da organizao Fo Guang Shan na regio. I.1.3OMestreHsingYnnosEUAeainternacionalizaodoseumovimento budista A primeira viagem do mestre a outros pases asiticos foi em 1963, quando se juntouaumgrupodemongesenviadosndia,Tailndia,Malsia,Singapura, Filipinas, J apo e Hong-Kong, numa iniciativa do governo chins para aumentar o apoio destes pases em relao Republica da China e apresentar uma petio solicitando a libertaodechineseseresgatedeembarcaespesqueirasretidasnacidadede Kaohsiung.12 Este foi o incio da expanso da organizao Fo Guang Shan pelo mundo, pois, por meio de suas viagens, comeou a divulgar seus ensinamentos e as maneiras pelas quais acredita poder beneficiar as sociedades onde a organizao se instala. Em 1976 Hsing Yn visitou os EUA e percebeu, nesse pas, o potencial para um rpido crescimento da f entre a populao chinesa e seus descendentes. Durante mais de uma dcada o mestre trabalhou para divulgar o Budismo e fundou um centro budista 11 Ibid, p. 94. 12 Kaohsiung considerada a capital porturia de Taiwan. Informaes oficiais em KAOHSIUNG CITY, in: http://w4.kcg.gov.tw/~english/, acesso em 18.04.06. 19para americanos, publicando um peridico chamado FoGuangScholarlyJournal, alm de abrir uma clnica e um hospital, demonstrando sua preocupao com a sade, o queserepetiunachegadaaoBrasil.Comoconseqnciadestapercepoedeseus esforos em divulgar o Dharmapelo mundo, Hsing Yn inaugurou em 1988, em Los Angeles, o maior e primeiro templo budista da organizao no Ocidente, o chamado Hsi Lai, que significa Chegando ao Ocidente. No mesmo ano, o templo foi sede de umaconfernciadeumaorganizaobudistachamadaWorldFellowshipof Buddhists(WFB),queterseuobjetivomelhorexplicadoposteriormente.Mestre Hsing Yn foi o anfitrio desse evento. Este ento foi o incio da expanso da instituio Fo Guang Shan no Ocidente, que atualmente conta com mais templos e venerveis pelo mundo do que qualquer outra organizao budista. Antes mesmo da inaugurao do templo em Los Angeles, o mestre recebeu o ttulo de doutor Honoris Causa pela Universidade Oriental da mesma cidade13.Paralelamente expanso da organizao Fo Guang Shan, d-se o surgimento e expansodaBLIA(BuddhasLightInternationalAssociation).ABLIAuma organizao laica que pretende divulgar os princpios do Budismo chins, preocupando-seprincipalmentecomaplicaodeprojetosvoltadosparaaassistnciasocial.Essa organizao tem trabalhos voltados para a populao em que se relevam os aspectos espirituais, culturais e educacionais. Os objetivos da BLIA so: 1.SeguirepropagarosensinamentosdoBuda,reverenciandoaJ iaTrplice, trabalhando pelo bem-estar e despertar do mundo.2. Promover um Budismo vivo e dinmico pela construo da Terra Pura do Buda no Planeta, aproximando a todos do Budismo Humanista com benevolncia e compaixo. 3. Cumprir os preceitos BudistaseharmonizarosCincoVeculos,praticarosTrsEnsinamentose aperfeioar o carter humano. 4. Envolver-se nos eventos culturais e educacionais, ter mente aberta e tratar os outros com respeito mtuo.14

O Captulo15 da BLIA foi criado em 1990, originalmente na Repblica da China, e em seguida foi inaugurado formalmente em 1991 no mesmo pas. No mesmo ano foi inaugurada a BLIA de Los Angeles no Templo Hsi Lai. A seguir foram estabelecidos os captulos de Hong Kong, Nova Zelndia, ustria, Canad, J apo, Filipinas, Indonsia, Malsia,Frana,Brasil,ParaguaiefricadoSul.Emoutubronoanoseguinte 13 Cf. YN, H., How I Practice Humanistic Buddhism. Hsi Lai University Press, Taiwan, 1997, p. 5. 14 TEMPLO ZU LAI, in: (op. cit.) 15 Denominao usada pela organizao para se referir s sedes espalhadas pelo mundo. 20fundaodaBLIA,omestrefoiapontadocomoohonorvelpresidentevitalcioda associao World Fellowship of Buddhists16. I.1.4A situao internacional da Fo Guang Shan Segundo Moacir Mazzariol Soares17, existem mais de 200 templos da Fo Guang Shan espalhados pelos cinco continentes, embora Chandler afirme que a organizao possua57templosemTaiwane95centrosnoExterior18.Osmaiorestemplos atualmenteestoemTaiwan,EUA(LosAngeles),fricanoSul,AustrliaeBrasil (Cotia), e todos eles oferecem cursos de formao de monges. A formao acadmica oferecidapelotemplodeLosAngeles(HsiLai),porm,noserestringeaomeio religioso.Podemosencontrarnessepas,porexemplo,cursosdemestradoem Administrao de Empresas, ou cursos absolutamente desvinculados da vida religiosa. Vale ressaltar que, segundo o entrevistado, todos os templos so construdos e mantidos por meio de doaes e ajuda dos discpulos. Com a criao da FoKuangPublishing Housesolidificou-seummarcosignificativoparaadivulgaodoBudismono Ocidente: a traduo de sutras para a lngua inglesa. A expanso prosseguiu por meio de coral, msicas e programas de rdio e TV. Por aproximadamente trinta anos, Hsing Yn proferiu palestras em vilarejos, pequenas cidades, fbricas, museus, centros de arte eestdiosesportivos,entreoutros,comaintenodedivulgaraomximoos ensinamentosdoBuda.EmTaiwansuaspalestrasseestendiam,comoapoiodo governo, at as prises. A maior preocupao do mestre atingir, com a pregao do Dharma, pessoas de todos os estilos de vida, o que o obriga a adaptar seus mtodos de ensinoadiferentespblicos.Eleconsidera,entretanto,queasimplesexistnciade templosemonastriosnopode,sozinha,reviveroBudismo,purificarasmentese retificar tendncias negativas; mas a educao pode19. Por isso, Hsing Yn construiu uma instituio com mltiplas funes: educacional, cultural e religiosa. Uma das maneiras que o mestre utiliza para facilitar sua expanso em territrios fora da China o vnculo com figuras polticas. Segundo Chandler, diversos polticos visitampublicamenteostemplosdaFoGuangShan,especialmenteempocasde 16 Cf. YN, How I Practice..., op. cit.,p. 6 (Prefcio). 17 Informao obtida em entrevista realiza em 07/06/05 no templo Zu Lai. 18 Cf. CHANDLER, S. Globalizing Chinese Culture, Localizing Buddhist Teachings: the Internationalization of Foguangshan. In Journal of Global Buddhism, Vol. 3, 46-78, in:, accesso em 10.08.2004.19 Cf. CHI-YING, Handing Down..., op. cit.,p. 134. 21eleies.20Soduasasrazespolticasparatal.Aprimeiraqueainstalaode templos, geralmente de grande porte, costuma representar um impulso para a economia local, j que os ostentosos edifcios geralmente atraem no s devotos, mas tambm curiosos, imprimindo, de certa forma, uma caracterstica turstica aos locais. A segunda razo a possibilidade de obteno de apoio poltico da comunidade chinesa local, uma vez que o mestre consideravelmente influente para tal comunidade.Quandoum reprter australiano perguntou a um dos abades da Fo Guang Shan como a organizao planejavadifundiroBudismoentreosno-descendentes,tevecomorespostaqueas pessoas se interessariam simplesmente devido curiosidade humana. Ao encontrarem um templo bonito, elas naturalmente se dirigiriam ao seu interior. Esta a razo pela qual a Fo Guang Shan escolheu construir estruturas to grandes e impressionantes aos olhosdopblicoemgeral.21Comisso,acreditamquenohnecessidadede proselitismo agressivo, preferindo acreditar que simplesmente a curiosidade das pessoas as levaria a perguntar sobre o Dharma.Comoresultadodosesforosdo mestre Hsing Yn, foram criados em Taiwan diversos templos, quatro universidades, dezesseisfaculdadesbudistas,vintebibliotecas,duasgrficas,novegaleriasdearte, umaclnicamdicamveleumaestaodetelevisocomomeiodeaproximara populao do Budismo. Hsing Yn alcanara tamanha popularidade no pas a ponto de serpremiadopeloMinistrodaEducaoporsuacontribuiosociedade22. Deduzimos, com isso, que desde o comeo de sua participao ativa na expanso do Budismo o mestre se mostra interessado em usar a educao, juntamente com projetos de assistncia social, como estratgia de divulgao da religio. I.1.5A Fo Guang Shan no Brasil As informaes seguintes se referem ao desenvolvimento da Fo Guang Shan no Brasil,apartirdachegadadosprimeiroschinesesnopasatoatualpontode desenvolvimentoqueainstituioalcanoujuntamentecomospapisquetemno contexto brasileiro. 20 Cf. CHANDLER, op. cit.21 Ibid. 22 Cf. YN, How I Practice... op. cit., p. 5 (Prefcio). 22I.1.5.1Imigrao Chinesa A presena de chineses no Brasil ganhou relevo a partir da segunda metade do sculo XX. Ainda que haja registro de imigrantes entre ns j no incio do sculo XIX um grupo de 400 pessoas foi trazido por D. J oo VI em 1812 para trabalhar no cultivo de ch na Corte -, sua presena s se fez sentir quando da chamada dispora chinesa, iniciadacomachegadadeMao-T-TungaopodernaChinacontinental.23Hoje,o Brasil abriga uma populao de chineses e sino-descendentes estimada entre cem mil e duzentas mil pessoas.24 As entidades budistas de origem chinesa refletem, portanto, a necessidadedeosgrupostnicosmanteremsuastradiesreligiosas.Aprimeira instituio oficial do Budismo chins no Brasil, o templo Mo Ti, foi inaugurada em 1962 e administrada pelo mestre Chi Ming at sua morte, em 1992. Em 1987, outro grupo chins deu incio construo de outro templo, o Kuang Yin, situado no bairro de Santo Amaro, em So Paulo, o qual foi inaugurado em 199225. Tambm em 1992 deu-se incioconstruodotemploquemaisnosinteressa:oZuLai.SegundoShoji26, podemos associar a expanso da organizao Fo Guang Shan com o prprio fluxo de imigrao chinesa no mundo, uma vez que encontramos nos templos atividades no s religiosas,masqueacabamreunindodescendentesparaparticipaoemeventos, atividades em grupo, reunies, etc. e com isso deduzimos que a expanso da Fo Guang Shan pelo pas, alm de servir como plo centralizador dos imigrantes e descendentes, traz um evidente aumento da influncia chinesa no futuro do Budismo no Brasil.27 I.1.5.2 Desenvolvimento da Fo Guang Shan e BLIA no Brasil O surgimento da organizao Fo Guang Shan no Brasil se deu primeiramente por meio de sua vertente laica, a BLIA, mencionada anteriormente, fundada em 1992 em Cotia. Esse mesmo ano foi crucial para o desenvolvimento da Fo Guang Shan no pas,poisfoiquandooempresrioChangShenKaidoouumachcaraparaa organizao; esta rea viria a ser o stio do atual templo Zu Lai. Na ocasio, o mestre havia sido convidado para inaugurar em So Paulo um outro templo budista, de uma 23 Cf. APOLLONI, "SHAOLIN Brasileira: estudo sobre a presena e a transformao de elementos religiosos orientais no Kung-Fu praticado no Brasil. So Paulo. 2004. Dissertao de Mestrado. Departamento de Cincias da Religio. PUC-SP. 24 Ibid. 25 Cf. USARSKI, O Budismo no Brasil. So Paulo: Ed. Lorosae. 2002, p. 14-5. 26 Cf.SHOJI,Estratgias de adaptao do Budismo chins: brasileiros e chineses na Fo Guang Shan, In: USARSKI, op. cit.,p. 127-148. 27 Ibid,p. 131. 23outra tradio chinesa, e o empresrio o convidou para passar um dia de repouso em seu stio e o doou no mesmo dia; Hsing Yn ento perguntou mestra Sinceridade, a atual abadessaresponsvelpelotemploZuLaiequefaziapartedacomitivaqueo acompanhava, se ela gostaria de ficar no Brasil; a mestra aceitou e, a partir de ento, iniciou seus esforos (inclusive o do aprendizado da lngua, pois na poca no falava portugus) para a construo do que hoje o enorme templo. Os objetivos da BLIA no Brasilsoosmesmosjcitadosanteriormente,ouseja,seguirepropagaros ensinamentos do Buda, divulgar o Budismo Humanista propiciando o bem-estar social, aperfeioar o carter humano por meio da educao e eventos culturais.Atualmente existem no Brasil captulos da BLIA em trs estados: Rio de J aneiro (capital), Paran (Londrina) e So Paulo (capital), mas todos eles se reportam sede brasileira que fica no templo Zu Lai. Alm do templo de Cotia, tambm h templos da Fo Guang Shan no Rio de J aneiro, Recife e Foz do Iguau. Como forma de expandir os ensinamentosbudistasnoBrasil,aorganizaoapresentaatividadesdirecionadas tambm aos leigos, como o projeto Filhos de Buda, por exemplo, que se prontifica a oferecer benefcios sociais, como aulas de ingls e ginstica, entre outras, gratuitamente s crianas residentes de uma favela prxima ao templo. I.1.5.3Atuao da Fo Guang Shan no Brasil Nogeral,ShojipercebequatropapisdaorganizaoFoGuangShanno Brasil.28Oprimeiroaquele,jmencionado,dereunirdescendenteschinesescomo forma de dar continuidade tradio tnica. O segundo o papel da Fo Guang Shan como provedor de uma busca espiritual, a qual bastante beneficiada, uma vez que o Budismo, no geral, reporta aspectos mais filosficos que religiosos, dando assim maior liberdadeaobrasileirodemantersuatradio,emsuamaioriacatlica,epraticar meditaoaomesmotempo.OBudismomuitasvezesvistopelobrasileirocomo filosofiadevida,oquemuitasvezespossibilitaumavivnciareligiosamltipla, facilmentecompatvelcomocarterinclusivistadareligiosidadebrasileira.29.O terceiropapeldaFoGuangShanodepromoverserviosocial.Considerandoos inmeros problemas de ordem social que encontramos no Brasil, uma organizao como aFoGuangShan,queofereceatividadesgratuitaseassistnciapopulao financeiramente carente, evidentemente bem-vinda pela populao beneficiada, o que 28 Cf.SHOJI, R. Estratgias de adaptao... In: USARSKI, op. cit., p. 144-7. 29 Ibid,p. 145. 24pode resultar num maior interesse dessa populao pelo Budismo, de forma que ocorra ento um proselitismo indireto. E, finalmente, o quarto papel de que a Fo Guang Shan se ocupa o de provedor de uma opo de sade diferente daquela que os ocidentais estoacostumados.Paraosbrasileiros,ameditao,aacupunturaeamedicina chinesa em geral so apresentadas como uma alternativa aos tratamentos tradicionais, associaoqueencontrareflexoeconfirmaonasatividadesdaFoGuangShan30. Umadessasatividades,porexemplo,aprticademeditao,sobaorientaoda MestraSinceridade,oferecidaafuncionriosepacientesdoHospitaldoServidor PblicoMunicipal,almdointercmbioentreaFoGuangShaneaAssociaode MedicinaTradicionalChinesadoBrasileoInstitutodePesquisaHolsticaem Medicina. Ocupando tais papis no contexto social brasileiro, evidente que a organizao Fo Guang Shan j se mostra fundamental participante da histria do Budismo no Brasil. I.1.5.4 O Templo Zu Lai O templo Zu Lai est situado no municpio de Cotia, em uma travessa de uma movimentadarodoviadacidadedeSoPaulo,naregiodaGranjaViana,bairro habitado por pessoas de alto poder econmico, mas que tambm possui favelas.A entrada do templo ostentosa, o que contribui para que a ateno daqueles que passam pela rua seja facilmente direcionada para o prdio, devido, principalmente, aoseutamanho.Logonaentrada,depoisdoportodevidamenteguardadopor seguranas e seus ces, encontramos uma enorme esttua de um Buda, e, atrs dela, uma espcie de quadro, chamado Muro dos Mritos do Templo Zu Lai. Do lado direito dessemurodemritosestaversochinesadomesmoquadro.Dooutrolado,no caminho que leva a uma entrada lateral do templo, existem diversas outras esttuas de Buda.Assimquesepassaaentradavem-semaisesttuas,destavezdefiguras chinesas, e uma fonte com uma esttua de um Buda. Os adeptos ou visitantes atiram moedas no local, ao que tudo indica, acreditando obter mritos financeiros futuros. Aos domingos, dia tradicional para visitas, pode-se notar o grande nmero de moedas dentro da fonte. Por outro lado, durante os dias de semana pode-se notar que as moedas j no esto mais l. 30 Ibid.,p. 147. 25Continuandoopercurso,vemosdooutroladodafonte,logofrente,uma grande escadaria que d acesso ao primeiro e segundo andar do templo. Subindo as escadarias nos encontramos no primeiro andar. Do lado direito do visitante existem quatro salas, algumas das quais so utilizadas em dias de festa, como a comemoraodoaniversriodoBudahistrico(Vesak),porexemplo,comolugares onde se expe algo que geralmente est fechado ao pblico. Ao final da biblioteca, do lado esquerdo, esto o restaurante e a cozinha. Nos finais de semana o restaurante est sempre cheio e os funcionrios sempre ocupados em repor os pratos. Paga-se um preo fixo e pode-se comer vontade os pratos vegetarianos. Do outro lado do primeiro andar esto uma loja de produtos budistas, a sala de meditao, o caf e o museu de arte budista, o qual no pode ser fotografado, e que contm esttuas, esculturas e quadros de entidades bdicas, entre outras coisas. No segundo andar onde se encontra a sala do altar. Antes, entretanto, de se entrar na sala, encontramos logo na entrada um grande incensrio onde os devotos, ou visitantes, podem acender incenso e fazer seus votos ao Buda, segundo suas crenas. De acordocompessoasqueorientamvisitantesnosfins-de-semana,aoacendermoso incenso devemos pedir para aprender algo que ajude a paz no mundo. Pode-se pedir coisas aos budas, desde que o pedido esteja enraizado no desejo de promover a paz e compaixo entre as pessoas. Logo depois do incensrio est uma espcie de urna sobre a qual esto mensagens do mestre Hsing Yn, em portugus e chins, cartes com figuras de budas e envelopes para doaes voluntrias para o templo. Passando o incensrio e a urna, encontramos a sala do altar, ou seja, o lugar onde so celebradas as cerimnias e onde as pessoas se renem para entoar seus mantras e acompanhar os rituais conduzidos pelos mestres. No altar est uma enorme esttua do Buda Shakyamuni, assim como flores, frutas e instrumentos utilizados para conduzir cerimnias. As paredes dessa sala so inteiramente cobertas por figuras de Buda. No mesmo andar existem outras salas reservadas para o uso administrativo do templo, um auditrio e uma sala de prece aos mortos. O andar tambm abriga enormes esculturas, uma do Buda e outra do mestre Hsing Yn.Napartedetrsdotemploestoolagoeojardim,lugarestranqilose convidativos para um momento de silncio.Em suma, existem no templo diversas imagens de budas e o lugar, pelo tamanho e exotismo, realmente chama a ateno dos curiosos. Quase todos os locais do templo sodelivreacessoaopblico,masexistemreasdeacessorestrito,entreelaso 26aposento dos alunos da Universidade Livre Budista. Para se conseguir observar o local necessriopedirpermisso,aqualnofoiconcedida,paraaabadessaprincipaldo templo, mestra Sinceridade. O templo Zu Lai no de fcil acesso para os moradores de So Paulo, mas os administradores do templo solucionam esse problema oferecendo um nibus que leva gratuitamente aos domingos interessados em geral para visitar o local. O nibus parte da estao de metr Liberdade s 8 horas e deixa o templo s 14h30 em direo ao local de partida. Ao observarmos os usurios desse nibus, notamos que a maioria deles (mais da metade) so orientais, o que vem ao encontro do que Shoji afirma sobre a integrao dos descendentes resultante de atividades realizadas no templo. Alm dessa facilidade oferecida,otemplorecentementeabriuumcentrodemeditaonaLiberdade, tradicionalmente o bairro que mais abriga imigrantes e descendentes orientais em So Paulo. Esse centro oferece meditao e cerimnias com a mestra Sinceridade, grupos de estudos sobre o Budismo Humanista (em portugus ou chins), aulas de Tai-chi-chuan, Kung-Fu,lnguachinesaeculinriavegetariana.Algunsdoscursosoferecidostm preo fixo e outros pedem por uma contribuio voluntria. Dessa forma, percebemos que o grupo de imigrantes e descendentes, que provavelmente busca uma identidade tnica, acaba por usar a religio como forma de unio: Com a imigrao surge a importante questo da definio da identidade tnica do grupoimigranteemumcontextoculturalquelheestranho,e darelaodessa identidade com a tradio religiosa desses imigrantes. Em geral o grupo no tem entre as razes de sua imigrao a difuso de sua religiosidade, sendo essa antes uma caracterstica cultural comum para a unio do grupo.31 Pelotamanhoequantidadedeatividadesoferecidas,otemploZuLai evidentemente lembrado quando se fala do Budismo chins no Brasil. A maneira que os administradores do templo utilizam para a atrair devotos e interessados em geral o oferecimento de atividades no necessariamente religiosas. A recente inaugurao do centro de meditao no bairro da Liberdade refora a atrao de novos interessados, devido facilidade de acesso aos moradores da cidade de So Paulo. Tanto o centro de meditao quanto o templo Zu Lai em Cotia oferecem diversos cursos e atividades, os quaisestodiretaouindiretamentevoltadosparaocumprimentodeumadasquatro aspiraes da organizao, citados anteriormente: 31 SHOJI, Estratgias de adaptao... In: USARSKI, op. cit., p. 132. 271 - difundir o dharma por meio da cultura: ikebana, artesanato com miangas e n chins, cultivo de cogumelo shitake, coral Zu Lai, violo (teoria e prtica). 2-desenvolvertalentospormeiodaeducao:lnguachinesa(bsicoe avanado),Tai-chi-chuaneKungFu,grupodeestudosdoBudismoHumanista, filosofia budista3 - beneficiar a sociedade por meio de caridade: projeto Filhos de Buda 4 - purificar a mente por meio do aperfeioamento: meditao e fundamentos do Budismo. Entre todos os cursos, dois pedem contribuio espontnea para o templo; o restante tem o preo mensal fixo, sendo que as turmas so formadas somente em caso de inscrio de um nmero mnimo de interessados.Almdoscursosoferecidos,otemplopromoveencontrosemdatas comemorativasemquasetodososmesesdoano(excetojunhoenovembro).Tais encontros servem para que imigrantes chineses e descendentes possam se reunir e dar continuidade a tradies tnicas, visto que nem todas as datas esto relacionadas com eventos relevantes para o Budismo. Bons exemplos so o ano novo chins32 e o dia de finados na China, comemorado em 3 de abril. Como projeto social, o templo tambm ofereceatividadesecursosgratuitosparaadolescentesmoradoresdeumafavela prxima (o j mencionado projeto Filhos de Buda), alm de doaes de mantimentos a asilos e favelas da regio. Como veremos posteriormente, parte do aprendizado dos alunos da Universidade Livre Budista a integrao com esses projetos sociais, o que conta como estgio supervisionado pelo qual tm de passar.

I.2Budismo Humanista Apartirdestemomentofaremosumaexposiodoque,deacordocomo mestre Hsing Yn, o Budismo Humanista difundido pela organizao Fo Guang Shan.33 Paraumacompreensocompletadestaexpressobudista,entretanto,precisamos contextualiz-lo na tradio do Budismo em si; por conseguinte, introduziremos alguns aspectos da religio e, posteriormente, demonstraremos como caractersticas de um dos veculos do Budismo (o Mahayana)encontram expresso no Budismo Humanista. 32 Comemorado por ocasio da segunda lua nova depois do solstcio de inverno (no Hemisfrio Norte). 33Novamentevalelembrarquetodoomaterialutilizadoparaapesquisafoipublicadopelaprpria organizao, ou seja, a fonte utilizada primria. 28I.2.1A base doutrinria tradicional do Budismo Humanista Para entender o Budismo Humanista faremos uma exposio das ramificaes queessareligioapresentouaolongodahistria,acomearpelosprincipais ensinamentos de seu fundador, onde termos especficos, como samsara e nirvana, por exemplo, sero melhores explicados. O Budismo comeou com a histria do Iluminado: Grosso modo, os fatos histricos de sua vida so os seguintes: ele nasceu em 563 a.C. onde hoje o Nepal, perto da fronteira com a ndia. Seu nome inteiro era Siddharta Gautama, dos sakyas, o nome do cl ao qual sua famlia pertencia. Seu pai era um rei, mas como havia muitos reinos no continente indiano, seria mais preciso pensar nele comoumsenhorfeudal.Paraospadresdapoca,Siddhartacresceucercadode luxo.34 Aps atingir a Iluminao e tornar-se o Buda, ou o Iluminado, Sidarta viveu transmitindo seus ensinamentos e, com a pregao, deu-se incio ao que posteriormente seria chamado de Budismo. Em seu desenvolvimento histrico, entretanto, o Budismo sofreu diferenciaes doutrinrias de forma que, atualmente, encontramos diferentes expresses desta religio. No obstante, alguns dos conceitos bsicos ensinados pelo Buda permanecem vigentes emtodasasdiferentesformasdessareligio.Soquatroosconceitosbudistas fundamentais: samsara e necessidade de libertao, nexocondicional,QuatroNobres Verdades e Caminho do Meio. Todos estes ensinamentos esto na verdade interligados, e a separao se faz aqui somente por uma questo didtica, pois devemos compreend-los como atuando concomitantemente. I.2.1.1O Samsara e a necessidade de libertao Paracompreendermosoconceitodesamsaraeanecessidadedelibertao devemos nos lembrar de que todos os budistas almejam por Iluminao, a qual libertaria todososseresdociclodesofrimento.Segundoatradiobudista,reencarnamos infinitamente at sermos evoludos o bastante para no mais precisarmos renascer no mundo.Alibertaodesteciclo,entretanto,notemporalouevolutiva,podendo acontecer em qualquer momento. At que se alcance o nirvana, os seres reencarnam ciclicamente e este ciclo o que os budistas chamam de samsara: o Buda ensinou que 34 SMITH; NOVAK, Budismo Uma Introduo Concisa. So Paulo: Cultrix, 2003, p. 18 (grifo do autor). 29os seres, confusos como so pelos desejos e medos ignorantes, so capturados por um ciclovicioso,ealibertaodesseciclonirvanaomaisaltoobjetivodo humano35. O nirvana, por sua vez ,omaisaltodestinodoespritohumanoeseu sentidoliteralextino36. Para se alcanar o nirvana necessrio extinguir-se da ganncia,raiva,apegoedesiluso.Emoutraspalavras,nirvanasignificano-ganncia, no-raiva, no-apego e no-desiluso. Pelo que percebemos, no h umadefiniopositivadoquesejapropriamenteonirvana;nosabemosoqueo nirvana,massimoqueno.Umaparbolailustraaexplicaodeumdos seguidores do Buda (Nagasena) quando este foi questionado sobre como era o nirvana: - Existe uma coisa chamada vento? - Sim, reverenciado senhor. - Por favor, mostre-me o vento pela cor, ou configurao, ou pela sua espessura, ou por sua extenso. - Mas impossvel, reverenciado Nagasena, mostrar o vento, pois o vento no pode ser segurado pela mo, nem tocado, embora o vento exista. - Bem, senhor, se o vento no pode ser visto, ento no h vento. - Eu, reverenciado Nagasena, sei que o vento existe. Estou convencido disso, mas no sou capaz de mostrar o vento. - Da mesma maneira o nirvana existe, senhor. Mas no possvel mostr-lo.37 I.2.1.2 Nexo condicional Outro ensinamento crucial para o Budismo o conceito de nexo condicional, ou seja, as coisas no existem por si s e sim dependem de uma srie de condies que possibilitamsuaexistncia.Osbudistasacreditamqueistosedporquetodasas coisas(noapenasaspessoas)sodesprovidasdeeu38; sendo assim, se constituem deformadependente,formandoumaespciederedeondetodasascoisasesto interligadas.Vistoquetodasascoisassodesprovidasdeeu,segundoatradioos fenmenos todos so impermanentes e mudam constantemente. Tudo no universo existe pormeiodecondiesadequadasesuaexistnciaacontececomoresultadodeuma causa anterior. A condio dos fenmenos ocorre mutuamente por meio de um nexo condicionado. Considerando que todas as coisas so desprovidas de eu, o verdadeiro 35 Ibid., p. 175. 36 Ibid., p. 58. 37 CONZE et al. Buddhist texts Through the ages. New York: Haper & Row, 1964, apud: SMITH; NOVAK,op.cit.p. 59 38 Cf. SMITH; NOVAK,op.cit.p. 6630ensinamentoconsisteemperceberestarealidadeecompreenderascoisascomo efmeras. O apego resulta em sofrimento, o qual se apresenta justamente como causa de um desejo por algo tambm desprovido de Eu. Segundo o conceito de nexocondicional, ou, de uma maneira mais conhecida pelos ocidentais, princpio de causa e condio, ou causa e efeito, somos responsveis por todas as aes que tomamos e enfrentamos somente as conseqncias de nossas atitudes.Tomemoscomoexemploasementedeumafruta.Paraqueasemente,ou causaprincipal,frutifique,sonecessriosdiversosfatores,comogua,condies adequadasdesolo,luzsolar,arefertilizantes,queseriamcondiessecundrias. Somente quando todas as condies adequadas esto reunidas possvel que o efeito (fruta) se apresente. Desta forma, uma causa especfica resultar num efeito tambm especfico. Visto desta maneira, percebemos que toda a existncia est condicionada a uma causa anterior e toda causa provoca um efeito. Tal conceito fundamental para a religio budista. I.2.1.3 As Quatro Nobres Verdades

Assim que atingiu a Iluminao, o Buda despertou sua conscincia e assumiu como objetivo o ensinamento do que aprendera no processo de libertao da ganncia, raiva,apegoedesiluso.Emseuprimeirosermoapsalibertao,transmitiuum conceito imprescindvel para o entendimento do Budismo: as Quatro Nobres Verdades. Diz-se que este foi um ensinamento do Buda de grande valia para a doutrina religiosa: QuandooBudafinalmenteconseguiuromperoencantamentodoxtasequeo enraza no Ponto Imvel durante os quarenta e nove dias da sua iluminao, ele se ergueu e comeou a andar os mais de cento e sessenta quilmetros at a cidade santadeBenares,nandia.Quandoestavaadezquilmetrosdessacidade,num parque de gamos em Sarnath, ele parou para pregar seu sermo, Colocando em MovimentoaRodadoDharma.Otema[dosermo]eraasQuatroNobres Verdades.39 APrimeiraNobreVerdadeadequeavidasofrimento,traduomais comumparaapalavradukkha.ASegundaNobreVerdadeafirmaqueacausado sofrimentoodesejo,ouapego,traduomaisencontradaparaapalavratanha. Embora tanha seja a traduo de desejo, devemos estar alertas para o fato que nem todo desejo ruim, o desejo da Iluminao, por exemplo, justamente o objetivo dos 39 SMITH; NOVAK, op. cit.p. 40. 31budistas. A Terceira Nobre Verdade afirma que possvel se libertar do desejo egosta e, finalmente, a QuartaNobreVerdade afirma que h um caminho para a libertao desse desejo: o Caminho ctuplo. OBudaapresentouoCaminhoctuplocomoumprogramadetratamento realizadopormeiodetreinamento.Oqueelepropunhaeraumasriedemudanas destinadas a libertar o indivduo da ignorncia, do impulso involuntrio e da tanha40.O Caminho ctuplo apresenta os seguintes passos a serem seguidos por aqueles que desejam encontrar a libertao: 1. Viso correta implica em reconhecer as Quatro Verdades Nobres. 2. Inteno correta aconselha que nosso corao esteja focado naquilo que realmente queremos. 3. Discurso correto devemos estar conscientes do nosso discurso e de que maneiraelerevelanossocarter.Deve-seevitarpalavrasquecausem sofrimento aos outros. 4.Condutacorretadevemoscompreendermaisobjetivamentenosso comportamento refletindo sobre as aes e sobre o que elas provocam. Estas orientaes esto melhor detalhadas de acordo com os Cinco Preceitos (1- no matar, 2- no roubar, 3- no mentir, 4- no ter m conduta sexual e 5- no usar substncias inebriantes). 5. Correto viver tomar como ocupao algo que promova a vida, em vez de destru-la. 6.EsforocorretodevemosnosesforarparaalcanaraIluminao,nos libertando de paixes e estados mentais destrutivos. 7. Correta ateno devemos estar atentos aos pensamentos, pois a libertao da existncia inconsciente somente alcanada pela conscincia refinada. 8. Concentrao correta devemos tentar, paciente e persistentemente, manter a ateno num nico ponto, preferivelmente na respirao, ou seja, devemos meditar. Aceitando as Quatro Nobres Verdades e seguindo o Caminho ctuplo, os seres humanos seriam capazes de alcanar o nirvana libertar-se do ciclo de reencarnao, ou o samsara. 40 SMITH; NOVAK, op. cit.p. 47. 32I.2.1.4 Caminho do Meio Por fim, outro conceito tambm imprescindvel para o entendimento do Budismo o CaminhodoMeio. Para entend-lo precisamos nos lembrar de que o Buda, na primeirapartedavida,viveunumpalciocercadodeluxoedetodasasregalias presentes na vida de um prncipe. Tais privilgios, entretanto, no o satisfaziam e, como conseqncia, deixou a vida de nobre e partiu para uma busca espiritual, uma deciso comum na ndia da poca.41Mesmoquetenharecebidodosmestrestodasastcnicasdemeditaoe ensinamentos,oBudaaindanoestavasatisfeitoeresolveu,portanto,experimentar tcnicas diferentes. Elas implicavam em exercer austeridades extremas e tinham como objetivo controlar apetites e paixes. O primeiro exerccio envolvia prender o flego por perodoscadavezmaislongos.Esseexerccio,entretanto,emvezdetrazer conhecimento espiritual, provocava grandes dores de cabea. O Buda assim abandonou atcnicaetentouumsegundomtodo,oqualconsistiaemreduzirasuaraode comida a propores minsculas, apenas uma colher de sopa de feijo por dia. Com isso, alm de emagrecer, no conseguia sentar-se direito e seu cabelo comeou a cair. Assim, compreendeu que esta forma de auto-mortificao tambm no dava resultado e abandonou-a. Embora deixasse todas as tcnicas, seus esforos no foram totalmente vos,vistoqueaexperincialheensinaraqueosextremosdequalquertipoeram inteis.42FinalmenteoBudaverificouqueocaminhomaissensatoocaminhodo meio,ondeosapetitesnosonegadosnemexageradamentesatisfeitos.Esta descoberta passou assim a permear seus ensinamentos de forma que todas as expresses do Budismo, sejam elas ortodoxas ou no, as adotam em sua doutrina. Visto que pertencem a todas as diferentes linhagens do Budismo, estes quatro conceitosacimacitadosesto,evidentemente,presentestambmnoBudismo Humanista. O mestre Hsing Yn, ao que tudo indica, pretende trazer tais ensinamentos para o dia-a-dia de todos os interessados na religio. 41 Cf. KEOWN, op. cit. p. 37. 42 Ibid. p. 37-8. 33I.2.2O Budismo Mahayana como contexto especfico do Budismo Humanista Comomencionamosanteriormente,oBudismoapresentoudiferenciaes doutrinriasemseudesenvolvimentohistrico.Oveculomaissignificativoparao entendimento do Budismo Humanista chamado Mahayana (uma das diferenciaes doutrinrias do Budismo). Sendo assim, localizaremos tal expresso dentro do universo budista e, em seguida, mostraremos caractersticas especficas de tal veculo, de forma a compreender melhor qual a base do Budismo Humanista e que caractersticas deste universoreligiososoutilizadasnodesenvolvimentodoBudismodifundidopelaFo Guang Shan. I.2.2.1O lugar sistemtico do ramo Mahayana no universo budista tradicional Historicamentesabemosqueaprimeiraescolabudistasurgidafoiachamada Theravada, seguida da Mahayana e posteriormente Vajrayana, ou Budismo Tibetano. O Budismo Humanista tem suas razes no Mahayana, por isso focaremos nosso interesse principalmente nesta expresso na presente dissertao.Grosso modo, as maiores escolas do Budismo so Theravada e Mahayana, ao passo que o Budismo Vajrayana pode ser considerado uma vertente do Mahayana. A classificao, aqui, se d pelo que os budistas chamam de veculo (yana). Theravada, ouHinayana,seriaopequenoveculo,poissereferedisciplinaquepermiteao discpuloalcanarasalvaopormeioindividual,enquantoMahayanaogrande veculo, pois o ponto central nessa traduo a ajuda dispensada aos outros para que eles encontrem a libertao antes de libertar a si mesmo.43

OBudismoTheravada,consideradoomaisortodoxo,tambmconhecido comoBudismodoSul,poisseespalhoupelosuldandia,SriLanka,Birmnia, Tailndia,Laos,Camboja,Malsia,Indonsia,AfeganistoePaquisto.Entresuas caractersticasencontramosumBudismocomotarefadetempointegral,ouseja, aqueles que almejam o nirvana como seu maior objetivo tm de desistir do mundo e se tornar monges como o prprio Buda o fizera.No Budismo Theravada o indivduo o responsvel pelo seu progresso e dele dependesuacompreensoeadevidaaplicaodavontade.Paraestaexpresso 43 O uso do nome Hinayana tido como ofensivo por seguidores dessa linha do Budismo. Por isso foi oficialmentesubstitudoporTheravada,em1950naprimeiraconfernciadaorganizaoWorld Fellowship of Buddhists (WFB). Informao obtida em: FREIBERGER, The Meeting of Traditions:Inter-BuddhistandInter-ReligiousRelationsintheWestin: , acesso em 11.10.2005. 34religiosa, a humanidade est sozinha no universo e a confiana em si mesmo o nico recurso para a conquista da libertao.44 Sabemos que para o Budismo Theravada h o ideal do monge, em que o aspirante Iluminao acredita que, para alcan-la, deve agir exatamente como Buda o fez, libertando-se, conseqentemente, do que lhe causa sofrimento.Alibertao,entretanto,umatarefarduaedependedevocao monstica. Nesta corrente religiosa cada um responsvel por sua prpria libertao e o processo se d de forma evolutiva. O monge deve percorrer o caminho da Iluminao pormeiodemeditao,esuacondutadeveserrigidamenteauto-vigiada,afimde alcanar, enfim, o ideal de ser iluminado. OBudismoVajrayana,porsuavez,podeserconsideradoumaversodo Mahayanacarregadadeelementosocultos,mgicosemsticos,comoaentoaode mantras, utilizao de mudrs (gestos) nos rituais e feitura de mandalas, os quais, de acordocomosadeptos,socapazesdedeterminardiversosbenefciosparaosseres humanos. I.2.2.2Especificidades do Budismo Mahayana Enquanto a forma de Budismo mais ortodoxa prega que cada um responsvel por sua prpria libertao, o Budismo Mahayana acredita ser possvel contribuir para a libertao do prximo, uma vez que, segundo seus adeptos, todo ser humano possui de formalatenteoestadodeBuda,necessitandosomentelibertar-sedaignornciapara alcanar a Iluminao: nas palavras de um famoso texto Mahayana, humBudaem cadagrodeareia. 45Avirtudeprincipal,paraoMahayana,acompaixo,ea libertao pode ser alcanada tanto por leigos quanto por monges. Alm disso, o destino de todo indivduo est ligado ao de toda forma de vida. TalcomoparaoCristianismooauto-sacrifciodeCristoummodeloqueos cristos devem seguir, tambm o ideal supremo do Mahayana uma vida dedicada ao bem-estar do mundo. Em vez de cada um procurar a sua prpria salvao, como aconselham os ensinamentos primitivos, o Mahayana valoriza a tarefa de salvar o prximo. Este princpio encontra expresso no ideal do boddhisattva,algum que faz o voto de trabalhar sem descanso, ao longo de inmeras vidas para conduzir os outros ao nirvana.46 44 Cf. SMITH; NOVAK, op. cit. p. 69-70. 45 Ibid., p.70 46 KEOWN, op. cit., p. 74 (grifo do autor). 35Como responsvel pela pregao da compaixo, o bodhisattva adia o nirvana at que todos os seres alcancem a Iluminao por meio de sua ajuda. Para ele o exemplo de compaixomaioroBuda,vistopeloMahayanacomoumsalvadordevidoasua imensa capacidade de bondade e amor em relao a todos os seres. As perfeies do bodhisattva so: 1. Generosidade 2. Moralidade 3. Pacincia 4. Coragem 5. Meditao 6. Sabedoria. O Mahayana ainda acredita na transferncia de mrito, ou seja, o bom karma dealgunspodeserpartilhadoporoutraspessoas.Emboraotermokarmatenhaum significado bastante complexo o compreenderemos aqui, basicamente, como uma lei de causaeefeitooperandonasdimensesfsicasemoraisdavidahumana,ouseja,o resultado das aes constitui um ciclo do qual o ser humano faz parte at alcanar o nirvana. A doao de um bom karma tem como conseqncia um aumento de saldo krmicopositivo,graasgenerosamotivaodepartilhae,assim,quantomais doamos,maisrecebemos.Agenerosidademostra-sesaudvelemtermosdekarma, visto que contribui para a formao de um carter generoso e benevolente.47Para o Mahayana, as aspiraes humanas so sustentadas por poderes divinos epelagraaqueelesconcedem48.Sendoassim,compreendemosque,paraesta corrente doutrinria, existem milhares de seres iluminados que ajudam seus devotos a alcanarem o entendimento e esclarecimento necessrios Iluminao. Utilizando-se, entre o sculo I a.C. e sculo II d.C., de textos da doutrina Theravada,oMahayana produziu uma literatura chamada Sutras da Sabedoria, nos quais uma multiplicidade dedeusesebodhisattvaspassaramaserexaltadosefazerparte,inclusive,da iconografia desta religio (encontrada at os dias presentes).49A crena na existncia 47 Ibid,p. 56. 48 Cf. SMITH; NOVAK, op. cit., 2003, p. 74. 49 Cf. KOMATSU,C., The Way to Peace The life and teachings of the Buddha. Kyoto: Ed.Hozokan Publishing Co., 1989, p. 34.36dediversosseresiluminadosmarcantenoMahayana,vistoqueacreditamque qualquer pessoa pode se tornar um Buda: Os mahayanistas argem que para alguns discpulos o Buda revelou que o universo emseumagoumaverdadeirafbricadeBudas.Comoouniverso inimaginavelmente velho e como a libertao sempre foi possvel, ela, a libertao, tem sido alcanada inmeras vezes durante incontveis eras, e mais recentemente pelo Buda, Sidharta Gautama. Os esforos e iluminao de todos esses Budas, sem mencionarosincrveisesforosdeincontveisbodhisattvas,juntosproduziram nada menos que um infinito tesouro de mrito, um celeiro de energia de salvao personificada pelos Budas e bodhisattvas que habitam os inmeros reinos etricos. Dessesseresiluminados,celestiais,osfiisbudistaspodempedirereceber,no apenas alguma ajuda ou socorro que v ao encontro dos seus prprios esforos, mas ajuda ilimitada.50 A prtica de rituais e cerimnias seriam maneiras de se evocar tais seres para pedirgraas.NotemploZuLaisoencontradas,pelasdependnciasdainstituio, muitasfigurasdeBudaseseresiluminados;sendoassim,consideramosesta caracterstica como uma das expresses do Mahayana encontradas no templo. PercebemosnoMahayana forte carter social. A nfasenaticaaltrustaea preocupao com o desenvolvimento social esto presentes, como alicerces em todas as suas expresses. Um legtimo mahayanista preocupa-se em compartilhar com os outros seus avanos espirituais principalmente por acreditar numa interdependncia de todos os seres. Todos os atos, conseqncias, causas e efeitos esto interligados, formando uma redeinfinita.Esteoconceitodaascensodependente,oqualenfatizadono Mahayana. Segundo a tradio mahayanista, esta foi uma das maiores descobertas de Sidarta: O ponto crucial do Despertar do Buda foi a descoberta da ascenso dependente: todas as coisas e todos os processos ascendem dependentesde incontveis outras coisas e processos. Os budistas freqentemente comparam esse lampejo intuitivo comaimagemdaRededeIndra,umateiacsmicapresacomjiasemcada interseco.Cadajiarefleteasoutras,juntamentecomosreflexosdetodasas outras. Numa anlise mais profunda, cada jia no nada alm do reflexo dos outros reflexos.51 O conceito de ascenso dependente foi primeiramente utilizado pela linhagem de base Mahayana chamada Huayen,52 a qual tem como base e principal fonte um texto indiano (Avatamsaka) que chegou China no sculo V d.C. e passou a ser uma das 50 SMITH; NOVAK, op. cit.,p. 173 (grifo do autor). 51 Ibid, p. 66. (grifo do autor) 52 Cf. SMART,N. World Philosophies. Londres: Routledge, 2000, p. 81-82. 37formas de reflexo budista do pas. Este texto um mito potico supostamente ancorado num evento real ocorrido num perodo imediatamente posterior Iluminao do Buda. Para o Huayen, o universo um conjunto de Dharmasuniversalmente interconectado, refletindo,destaforma,exatamenteaimagemdaRededeIndra.CadaDharma particular,mas,emsuaparticularidade,contmarepresentaodetodasas conseqncias de todos os outros Dharmas, ou seja, todas as coisas dependem de outras para se ajustarem ao sistema chamado universo. Segundo esta linha, o universo uma complexidadeorgnicaquecomeapelainterconexocomomicrocosmo.Cada Dharmacompartilhaseiscaractersticasmetafsicas:universalidade,particularidade, similaridade,diferena,integraoedesintegrao.Aidiadereflexomtua representada pela Rede de Indra, o que justifica a nfase na cadeia de relaes chamada sociedade e que crucial para o entendimento do Mahayana e de todas as expresses budistasqueusamesteveculocomobasedesuasdoutrinas,entreasquaisesto Budismo Humanista.Comasdescriesacimapercorremospelasprincipaiscaractersticasdo Mahayana.Estacorrentedoutrinria,porsuavez,tambmapresentaramificaese, entre elas esto as escolas Chan e Terra Pura; por conseguinte, faremos abaixo uma explicaodeseusprincipaiselementos.J ustifica-secitarasduasexpresses doutrinrias acima (Chan e Terra Pura) pelo fato de o Budismo Humanista utilizar-se deumaespciedefusodelas.NasprticasapresentadaspelainstituioFoGuang Shan percebemos a nfase tanto na meditao Chan, quanto na Terra Pura por meio da devoo Amithaba, com as cerimnias de evocao de seu nome.

I.2.2.3O Budismo Chan como referncia para o Budismo Humanista Chan a traduo chinesa para Zen, que significa "meditao". O zen [chan] traa suas origens, atravs da China, at o prprio Gautama. Segundo o zen, seus ensinamentos, os quais formam o Cnon Pli, eram verdadeiros, mas provisrios.Seusseguidoresmaissensveisouviramnasuamensagemum ensinamentomaissutil,umaverdadedefinitiva.Oexemploclssicodissoest relatadonofamosoSermodaFlor,doBuda.Depnumamontanhacomos discpulosaoseuredor,oBudanorecorreupalavranessaocasio.Ele simplesmenteergueuumltusdourado.Ningumentendeuosignificadodesse gesto eloqente, a no ser Mahakasyapa, cujo sorriso discreto, indicando que ele tinha entendido o sentido, fez o Buda o designar como seu sucessor. A lenda nos conta que o lampejo intuitivo que o fez sorrir foi transmitido na ndia por vinte e 38oitopatriarcaselevadoparaaChinaporBodhidharma,em520d.C.Delse espalhou pela Coria e chegou ao J apo no sculo XII, levando o segredo do zen.53 Como o prprio nome indica, o Chan centra-se na prtica da meditao, por meiodaqualosbudistasacreditamserpossvelatingirumestadodeIluminaoe compreenso e o conseqente fim do sofrimento ao qual todos os seres humanos esto sujeitos.Caracteriza-seoChanporumcorpodedilogosconfusoseenigmticos, paradoxos, contradies e falsas concluses abruptas. Todos com o intuito de levar o discpulo libertao da ignorncia. Vejamos alguns exemplos: Um mestre, Gutei, sempre que lhe perguntavam qual o significado do zen[chan], erguia o dedo indicador. Isso era tudo. Um outro chutava uma bola. Outro ainda batia em quem tinha perguntado. Um mestre zen diz: o corao o Buda; esse o remdio para as pessoas doentes. Semcorao,semoBuda:issoparapessoasqueestodoentesporcausado remdio. Um discpulo que fez uma aluso respeitosa ao Buda recebeu a ordem de lavar a boca e nunca pronunciar aquela palavra suja de novo. Um mestre zen do sculo XX disse: h Buda para aqueles que no entendem o que ele de fato. No h Buda para aqueles que entendem o que ele de fato.54 por meio da meditao que os discpulos tentam desenvolver a mente a ponto delibertarem-sedaignornciae,porfim,compreenderemomotivopeloqualos mestres apresentam enigmas paradoxais. Com a Iluminao os discpulos compreendem que a essncia do Chan no pode ser colocada em palavras. No Budismo Chan, as oraessooferecidasatodososBudaseBodhisattvasdopassado,presentee futuro55,ouseja,aquiencontramosexpressoevidentedaidiaMahayanada existncia de milhares de seres iluminados. 53 SMITH; NOVAK, op. cit. p. 89-90. 54 Ibid, p. 90. 55 Cf. GARD, R.A., Budismo. Rio de J aneiro: Zahar Editores, 1964, p. 142. 39I.2.2.4O Budismo Terra Pura como referncia para o Budismo Humanista OBudismodaTerraPura,porsuavez,estcentradonaveneraodoBuda Amida,ouAmithaba56.Arepetiodeseunomeajudariaosdiscpulosanascerem numa terra livre de sofrimentos. Segundo a lenda: Hmuitaseras,ummongechamadoDharmakarafezquarentaeoitovotos insuperveis,quevieramaserconhecidoscoletivamentecomooVoto Fundamental. Deles, o Dcimo Oitavo Voto era decisivo. Quando eu alcanar o Estado de Buda, Dharmakara jurou, se todos os seres, confiando em mim com um corao sincero, desejarem nascer no meu pas (o Paraso Ocidental, que jurou que criaria) e chamar meu nome de uma a dez vezes, e, ento, se eles no nascerem l, queeunoconsigaailuminao.MasoBudadanossaera,Shakyamuni, assegurouaosseusdiscpulosnoseufamososermonoPicodoAbutreque Dharmakara, de fato, alcanara a iluminao e assim todos os que pronunciarem sinceramente o nome de Dharmakara nascero no seu Paraso Ocidental.57 Por acreditarem que o Buda Amithaba os ajudar a renascer na Terra Pura, os devotos recitam o chamado nembustu, palavra japonesa composta por seis caracteres: Na-Mu-A-Mi-Da-Butsu,ouNamu-Amida-Butsu58equecorrespondemcitao chinesa Omitofo, que podemos ouvir quando os monges e devotos do templo Zu Lai se cumprimentam. Tal palavra significa: eu me refugio no Buda Amida, identificando-me com sua luz eterna e vida infinita.59 Para os devotos, apropriar-se de uma conduta tica e verdadeira na vida fundamental, mas somente o poder externo de Amithaba ser capaz de ajud-los a renascer na Terra Pura: A escola da Terra Pura diz que todos os homens, bons ou maus, podem alcanar a salvao atravs da compaixo do Buda Amida, bastando para isso ter f no poder maior. A prtica devocional caracteriza a escola da Terra Pura, onde no nfase nas prticas pessoais e meditaes, o simples ato de recitar com f o nembutsupode conduziropraticanteaoencontrocomopodermaioreanaturezabdicade Amida.60 Percebemos, assim, um forte carter devocional no qual os discpulos esperam renascer num paraso encantado onde tero maiores possibilidades de atingir o nirvana e sair do ciclo do samsara. Vejamos o que afirma uma lenda mahayanista em que o Buda, 56 Amithaba e Amida so o mesmo Buda, o primeiro, porm, escrito em japons e o outro em chins. Como estamos nos referindo a um templo chins (Zu Lai) utilizaremos a nomenclatura Amithaba, salvo em citaes de autores que se voltam ao estudo do Budismo japons e escrevem, portanto, Amida. 57 SMITH; NOVAK, op. cit.,p. 173-4. 58Ibid, p. 175. 59 MATSUE, R.Y., O Budismo da Terra Pura em Braslia, p. 193-219.In: USARSKI, op.cit. p. 198. 60 MATSUE, op. cit., p. 199.40supostamente,descreveaseudiscpuloAnandaoparasoonderenascemosseres merecedores: Ento,Ananda,essemundochamadoTerraPuraprspero,rico,bomparase viver, frtil, adorvel e habitado por muitos deuses e homens. Ananda, essa Terra Pura tem a fragncia de perfumes adocicados, rica em mltiplas flores e frutos, enfeitadacomrvoresdejiasefreqentadaportribosdediversospssarosde cantos doces. Htantasfloresdeltusl,demaisdedezyojanas(centoequarentaecinco quilmetros)decircunferncia.Edecadaltussaemtrstrilhesesetecentos bilhes de raios de luz. E de cada raio de luz saem trs mil e setecentos Budas com corpos dourados, que ensinam o dharma aos seres dos imensurveis e inumerveis mundos da Terra Pura.61 OsseguidoresdoBudismoHumanistaacreditamnopoderdeAmithabae assumem como correta, segundo orientao do mestre Hsing Yn, uma conduta que os ajudar a renascer na Terra Pura. O mestre, entretanto, acredita que o ideal criarmos na vida presente a Terra Pura e no esperarmos para renascer naquele lugar. O ideal que criemos na vida atual uma atmosfera semelhante ao paraso da Terra Pura e, por isso,justifica-sesuaintenodetrazeroBudismoHumanistaparaavida contempornea e espalhar os ensinamentos do Buda por toda a sociedade.OBudismoHumanista,portanto,seapropriadeumajunoentreadoutrina Chan e a da Terra Pura, corroborando desta forma a idia geral de no-distino entre estasduasformasbudistas,comocomumnoBudismochins62.Emcartes ilustrativos com figuras do Buda oferecidas gratuitamente ao pblico do templo Zu Lai podemosencontrarfrasescomo:pratiquemosoChaneoTerraPura,sigamosos preceitos,aceitemostudocomeqidadeetolerncia. Tal frase denota claramente a fuso das duas expresses doutrinrias no contexto do Budismo Humanista. AparteChandoBudismoHumanistafacilitaaaceitaodareligiopelos ocidentais, visto que o caminho meditativo para eles mais fcil que a entoao de sutras chineses. Por um outro lado, existe no Budismo Humanista a tentativa de realizar a Terra Pura no momento presente e essa tentativa de realizao por meio de atividades voltadasaobenefciodasociedadedeterminaocartersocialdadoutrina,aqualo mestre chama de Budismo Humanista, realizada pela Fo Guang Shan. Essa a prtica que o mestre procura manter nas dependncias dos templos. 61 KANAMATSU, K. Naturalness: A classic of Shin Buddhism. Bloomington: World Wisdom Inc., 2002, p. 17-23, apud: SMITH; NOVAK, op. cit., p. 17462 Cf. SHOJI, R. The nativization of East Asian Buddhism in Brazil. Hannover. 2004. Tese de doutorado. Universidade Hannover., p.157 41I.2.2.5 O Modernismo Budista como fonte do Budismo Humanista J untamente com o crescimento e desenvolvimento da organizao Fo Guan Shan teve incio, em meados do sculo XIX, um movimento de reavivamento do Budismo chamado Modernismo Budista.63 Em 1889 no Sri Lanka j era possvel observar tal movimento por meio de seu lder Anagarika Dharmapala e de seu mentor americano, Henry Stell Olcott. O movimento aspirava a que todos os budistas asiticos se unissem embenefciodetodooOrientee,emdecorrnciadisto,organizaesforam estabelecidasnaprimeirametadedosculoXXcomaintenodeapoiaruma cooperaomaisprximaentrediversasformasdeBudismo.Em1950aprimeira organizaomundialdebudistasfoifinalmenteestabelecida:WorldFellowshipof Buddhists (WFB). O objetivo principal da organizao que todos as expresses de Budismo se unam numa federao econmica, poltica e cultural, e sirvam como base de paz para o Leste Asitico e, como conseqncia final, conduzam o mundo por um caminhomaispacfico,seguindoomodelodeumaorganizaocomoasNaes Unidas, por exemplo. DeacordocomosfundamentosdoModernismoBudista,soduasas caractersticasquejustificamodesejode uniodetodososbudistas:aprimeiraa convico de que o Budismo preenche as necessidades dos tempos modernos e conduz harmoniaepaz.Aoutracaractersticaapropagaodademocraciabaseadaem modelos de organizaes ocidentais seculares e democrticas e no em organizaes hierrquicas,comoemoutrasreligies.Taiscaractersticasconduziriamaum engajamento social e a uma atitude democrtica. Isto tudo se justifica pelo fato de que todos os budistas seguem ensinamentos bsicos comuns, mencionados anteriormente, e consideram o Buda como o grande professor. A preocupao com a inter-relao das religies marcante nas discusses dos budistasmodernistas.Nosprimrdiosdodesenvolvimentodasinter-relaesentre budistas percebem-se dois aspectos de uma globalizao religiosa. Um deles a difuso de certos temas globais, tais como democracia, a paz universal e a preocupao com a responsabilidade sobre o planeta e sobre os pobres e famintos. O outro aspecto o ato deapresentartaistemascomopreocupaocentraldeumatradioeapontaruma conduta ideal para a resoluo de problemas globais. Em outras palavras, podemos dizer queoobjetivoauniodetodososbudistas,umavezquetodostmfundamentos 63 Cf. FREIBERGER, The Meeting of Traditions:Inter-Buddhist and Inter-Religious Relations in the Westin: , acesso em 11.10.2005. 42comuns, de forma que a responsabilidade social seja a principal preocupao. A atitude globaldoWorldFellowshipBuddhists,portanto,umaexpressodoModernismo Budista, assim como um exemplo de globalizao religiosa. Toda a preocupao com o carter social do Modernismo Budista encontra expresso em um outro nvel chamado de Budismo Engajado, o qual tem firme nfase na busca por cooperao em certas reas de engajamento social, tais como ecologia, paz, direitos das mulheres, etc., e que ser objeto, posteriormente, de maior ateno nesta dissertao. A conscincia de responsabilidade social, assim como a preocupao em manter umacondutaticaqueconduzaasociedadeaumaconvivnciapacficaejusta,so aspectos fundamentais no Modernismo Budista. Hsing Yn est tambm engajado em tal conduta e aberto a relaes com organizaes que tenham o mesmo objetivo. Seu interesse por tais organizaes comprovado pelo fato dele ter sido anfitrio de uma conferncia da WFB e ser, atualmente, o honorvel presidente vitalcio da organizao, demonstrando claramente a inter-relao entre o Budismo Humanista e o Modernismo Budista. I.3 Principais caractersticas do Budismo Humanista UmadascaractersticasprincipaisdoBudismoHumanistaocartersocial. Outra caracterstica a dificuldade em separar a prtica da doutrina, uma vez que a doutrina demonstra estar enraizada na prpria prtica diria dos ensinamentos: acima de tudo, um budista de Fo Guang Shan est totalmente engajado nos assuntos do dia-a-dia64. Devido dificuldade em separar doutrina e prtica, procuraremos explanar o que o mestre compreende por Budismo Humanista de acordo com sua prpria compreenso eexemplificao;sendoassim,encontraremosdoutrinaeprticacaminhando paralelamente. ParaHsingYn,oBudismoHumanistaestnodesenvolvimentoindividual, micro e macro-social, educao e muito mais - acredita-se que isto se deve ao fato do usodabaseMahayanaparaodesenvolvimentodetalprticabudista.OBudismo Humanistaestnodia-a-dia.ElemesmodizqueoBudismoHumanistapodeser caracterizado como: a escrita de livros e desenvolvimento de teorias, estabelecimento e manutenodeescolas,construodetemplosecentrosdeestudosdoDharma, discussosobrerefeiesvegetarianas,palestrassobreossutraseexposiodo 64 Cf. CHI-YING, Espalhando... op. cit.p. 153. 43Dharma,limpezadasruaseproteodomeio-ambiente,engajamentoematividades educacionaiseculturais,fornecimentodecuidadosmdicos,cuidadosparacomos idosos e educao para os jovens, prtica do Dharmae transmisso dos preceitos de Buda, palestras sobre Budismo, peregrinaes at os templos, recitao dos nomes dos Budas e prtica diria do Dharma com as outras pessoas, execuo de msicas budistas e recitao de sutras, conduo de ensinamentos a lugares mais afastados dos grandes centros, nutrio de sabedoria e habilidades, relacionamento com os outros com base na dependncia originria (todos fazemos, de alguma forma, parte de uma rede infinita de relacionamentos) e na lei cclica de causa e efeito, estado de ateno para o karma do BemedoMal,tentativadeextinodosofrimentoeobtenodapaznodia-a-dia considerandoanaturezadovazioeaverdadeiraauto-satisfao.65Sendoassim, percebemosqueomestrebusca,pormeiodeseuBudismoHumanista,trazeros ensinamentostradicionaisdareligioerealmenteaplic-losnavidadiriadeseus seguidores. I.3.1 O Histrico do Budismo Humanista O termo Budismo Humanista foi pela primeira vez utilizado pelo Venervel Mestre Tai Hsu (Taixu, 1889-1947). Tal mestre foi, segundo Ritzinger, o responsvel pela fundao de diversas instituies de educao monstica; foi, tambm, aquele que buscourenovaroBudismoestabelecendo-oedisseminando-opelomundo contemporneo.66 Sendo seguidor aplicado de Taixu, Hsing Yn, ao que tudo indica, percorre o mesmo caminho de preocupao com a sociedade. Tai Hsu pretendia, por meio do Budismo Humanista, transformar a sociedade e trazer progresso humano por meiodebenefciosquefossematingidosnosindividualmente,mastambm,e principalmente,portodaasociedade,oquecorrespondeexatamenteabordagem Mahayana. Com a descrio que faremos posteriormente verificaremos que Hsing Yn pretende difundir a idia de Tai Hsu comportando-se como um fiel seguidor de seus ensinamentos,eomeioqueusaparatalpodeserconsideradocomoeducacional, cultural e social. 65 Cf. YN, Humanistic Buddhism. Hacienda Heights: Buddhas Light Publishing. 2003, p.10 (introduo). 66 RITZINGER, Taixu: To renew Buddhism and save the modern world. In: , acesso em 10.10.04. 44ParaexplicaroBudismoHumanistanocontextoatual,HsingYnenfatizaa importncia da ateno vida prtica diria e utiliza passagens de sutras, exemplos do dia-a-dia,metforaseensinamentosdoBudaparaexemplificaroquenomeiacomo Budismo Humanista. Uma de suas publicaes para explicar o Budismo Humanista justamenteumrelatodeexperinciaspessoaisnasquaisafirmaaprticadeste Budismo.67MuitosdosprofessoresdeHsingYnforamalunosdeTaiHsu,oque determinaumacertaseqnciadeensinamentos;almdisso,oprprioHsingYn freqentou o Curso de Treinamento em Assuntos Budistas Chineses68 ministrado pelo falecidovenervel,enele,aoquetudoindica,aprendeumuitosobreoBudismo Humanista e sobre como divulgar o Dharmade maneira que a sociedade, no geral, se beneficie.AhistriadoBudismoHumanistadifundidoporHsingYnnarealidade acompanhaaprpriahistriadaorganizaoFoGuanShan.Segundodevotosda organizao, o mestre, desde sua chegada em Taiwan, deu incio ao que mais tarde viria a ser conhecido como Budismo Humanista. Da mesma forma como a organizao tem crescido substancialmente, o Budismo difundido por ela tambm tem. Segundo Hsing Yn,oBudismoHumanistatemsetornadoamplamenteconhecido,espalhandosuas razes por toda a China, Taiwan e muitos outros lugares do mundo, inclusive o Brasil. De acordo com o mestre, at mesmo no J apo o pensamento e a prtica do Budismo Humanista so conhecidos, embora o termo no seja utilizado nesse pas.69Na Coria, grupos budistas tm usado tecnologia em sua conduta estabelecendo inclusive estaes de televiso, o que, segundo Hsing Yn, nada mais do que uma expresso do Budismo Humanista. Segundo ele, pases como a Tailndia e Sri Lanka tambmtmseinclinadoaoBudismoHumanista,vistoquetemplosbudistasdesses pasestmdemonstradoapoioepreocupaocomasociedade.Almdisso,noSri LankaumaorganizaochamadaInternationalBuddhistProgressSocietytem publicado livros sobre o Budismo Humanista. Para Hsing Yn, tudo isto prova de que o Budismo Humanista tem se tornado cada vez mais conhecido e no est limitado a umacertaregiooupovo.Segundoele,estaposturaderivadiretamentedos ensinamentos do Buda e a herana utilizada pelo Budismo Humanista o ensinamento de que sua doutrina e prtica visam a Iluminao da sociedade. 67 Cf. YN, How I Practice... op. cit. 68 Cf. CHI-YING, Espalhando... op. cit.,p. 88. 69 Cf. YN, How I Practice... op. cit., p. 8 (Introduo). 45AindaquedefendaoBudismoHumanistacomomeiodealcancedeuma sociedade benevolente e justa, Hsing Yn afirma que tal enfoque no criao da Fo Guan Shan, enfatizando que o Budismo Humanista conseqncia dos ensinamentos do prprioBuda,vistoqueSidartanasceunestemundocomohumanoe,segundoele, divulgou em sua vida o prprio Budismo Humanista. HsingYnpostulaquenopassadooBudismodirecionavamaisatenoao abandono do mundo, de forma que os aspirantes da Iluminao viviam em montanhas ouflorestas.Atualmente,segundoele,estofazendooprocessooposto,trocandoas florestas e montanhas pela sociedade e a vida em grandes cidades, ou seja, esto mais preocupadoscomasociedadee,conseqentemente,seutilizandodoBudismo Humanista em sua aplicao prtica.70 I.3.2 A doutrina e as prticas do Budismo Humanista DoutrinaeprticadoBudismoHumanistaso,narealidade,originriasdo Mahayana, relevando as correntes Chan e Terra Pura, com nfase na prtica da tica altrusta cujo objetivo fornecer benefcios sociedade em geral. Alm disso, Hsing YneosmembrosdaFoGuanShanenfatizamameditaoeadevooaoBuda Amithaba. Hsing Yn acredita que somente com o seguimento dos cinco preceitos (no matar,noroubar,nomentir,notermcondutasexualenoutilizardrogasou bebidas alcolicas) possvel que a sociedade alcance harmonia permanente. Para o mestre, os cinco preceitos e as dez condutas budistas em sua totalidade representam o padrodemoralidadehumana,poisnosestimulamanopraticaratosruinseno infringirocorpo,riqueza,reputa