brum, eliane. antiautoajuda para 2015

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BRUM, Eliane. Antiautoajuda para 2015. Acessado em: 26 de dezembro de 2014 Disponível em: http://brasil.elpais.com/brasil/2014/12/22/opinion/1419251053_2723 92.html Não tenho certeza se esse ano vai acabar. Tenho uma convicção crescente de que os anos não acabam mais. Não há mais aquela zona de transição e a troca de calendário, assim como de agendas, é só mais uma convenção que, se é que um dia teve sentido, reencena-se agora apenas como gesto esvaziado. Menos a celebração de uma vida que se repactua, individual e coletivamente, mais como farsa. E talvez, pelo menos no Brasil, poderíamos já afirmar que 2013 começou em junho e não em janeiro, junto com as manifestações, e continua até hoje. Mas esse é um tema para outra coluna, ainda por ser escrita. O que me interessa aqui é que nossos rituais de fim e começo giram cada vez mais em falso, e não apenas porque há muito foram apropriados pelo mercado. Há algo maior, menos fácil de perceber, mas nem por isso menos dolorosamente presente. Algo que pressentimos, mas temos dificuldade de nomear. Algo que nos assusta, ou pelo menos assusta a muitos. E, por nos assustar, em vez de nos despertar, anestesia. Talvez para uma época de anos que, de tão acelerados, não terminam mais, o mais indicado seja não resoluções de ano-novo nem manuais sobre ser feliz ou bem sucedido, mas antiautoajuda. Quando as pessoas dizem que se sentem mal, que é cada vez mais difícil levantar da cama pela manhã, que passam o dia com raiva ou com vontade de chorar, que sofrem com ansiedade e que à noite têm dificuldade para dormir, não me parece que essas pessoas estão doentes ou expressam qualquer tipo de anomalia. Ao contrário. Neste mundo, sentir-se mal pode ser um sinal claro de excelente saúde mental. Quem está feliz e saltitante como um carneiro de desenho animado é que talvez tenha sérios problemas. É com estes que deveria soar uma sirene e por estes que os psiquiatras maníacos por medicação deveriam se mobilizar, disparando não pílulas, mas joelhaços como os do Analista de Bagé, do tipo “acorda e se liga”. É preciso se desconectar totalmente da realidade para não ser afetado por esse mundo que ajudamos a criar

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BRUM, Eliane. Antiautoajuda para 2015.Acessado em: 26 de dezembro de 2014Disponel em: !""p:##brasil.elpais.com#brasil#2014#12#22#opinion#141$2%10%&'2(2&$2.!"ml)*o"en!ocer"ezaseesseanoai acabar.+en!o,maconic-*ocrescen"ede.,eosanosn*oacabam mais. )*o !/ mais a.,ela zona de "ransi-*o e a "roca de calend/rio, assim como de a0endas,1 s2 mais ,ma conen-*o .,e, se 1 .,e ,m dia "ee sen"ido, reencena3se a0ora apenas como 0es"oesaziado. Menos a celebra-*o de ,ma ida .,e se repac",a, indiid,al e cole"iamen"e, mais como4arsa. E "alez, pelo menos no Brasil, poderamos 5/ a4irmar .,e 201& come-o, em 5,n!o e n*o em5aneiro, 5,n"o com as mani4es"a-6es, e con"in,a a"1 !o5e. Mas esse 1 ,m "ema para o,"ra col,na,ainda por ser escri"a. 7 .,e me in"eressa a.,i 1 .,e nossos ri",ais de 4im e come-o 0iram cada ezmaisem4also,en*oapenaspor.,e!/m,i"o4oramapropriadospelomercado. 8/al0omaior,menos 4/cil de perceber, mas nem por isso menos dolorosamen"e presen"e. Al0o .,e pressen"imos,mas "emos di4ic,ldade de nomear. Al0o .,e nos ass,s"a, o, pelo menos ass,s"a a m,i"os. E, por nosass,s"ar, em ez de nos desper"ar, anes"esia. +alez para ,ma 1poca de anos .,e, de "*o acelerados,n*o "erminam mais, o mais indicado se5a n*o resol,-6es de ano3noo nem man,ais sobre ser 4elizo, bem s,cedido, mas an"ia,"oa5,da.9,ando as pessoas dizem .,e se sen"em mal, .,e 1 cada ez mais di4cil lean"ar da cama pelaman!*, .,e passam o dia com raia o, com on"ade de c!orar, .,e so4rem com ansiedade e .,e :noi"e ";m di4ic,ldade para dormir, n*o me parece .,e essas pessoas es"*o doen"es o, e