bruand, yves_brasilia, apoteose do urbanismo brasileiro_1991 (1)

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    central, e at mesmo os arranha-cus puderam comecara brotar com menores inconvenientes do que na maioriadas partes. Nao houve deslocamento de funces e cadazona conservou sua razo de ser original'", coisa bas-tante rara no caso de crescimento fulminante. ver-dade que o urbanista nao percebeu as fantsticas possi-bilidades que se descortinavam perante a nova capitalde Gois, mas nao se pode censur-lo por isso quandose pensa que a antiga capital nao passava de urnagrande povoaco com alguns milhares de habitantes.Por conseguinte, o centro de Goinia, longe de ser inor-gnico como muitos de seu s congneres, desempenhacorretamente seu papel e nao deixa de ter um certocarter, embora 'nem sempre a arquitetura esteja aaltura do plano. Este foi concebido para urna capital,valorizando o centro administrativo e retornando, comoj foi dito, a disposico solene de Versalhes; infeliz-mente os edifcios que deveriam ter sido favorecidospelas perspectivas essenciais nao demonstraram serdignos dessa atenco. Em vez de atribuir o encargo aum verdadeiro arquiteto, que poderia ter sido o autordo plano piloto, preferiu-se edifcios construdos comeconomia, cuja austeridade medocre fazia as vezes demodernismo sob exteriores mais ou menos classicizantes.: e verdade que, entre 1930 e 1940, o movimento reno-vador brasileiro ainda dava os primeiros passos, eteria sido surpreendente ver surgir, num Estado pobree atrasado, perdido no Plan alto Central, obras de van-guarda que j era difcil implantar no Rio de J aneiroe em So Paulo.

    Contudo, mais do que por seu legado material, acontribuico de Attlio Correa Lima ao urbanismo con-temporneo notvel pelo pensamento fecundo quecontinha. Sob muitos aspectos, Goinia a prefiguracode Braslia, e com certeza Lcio Costa inspirou-se nela,consciente ou inconscientemente, quando germinou emseu esprito a idia-chave que iria materializar-se naCapital Federal. : e verdade que ele transformou a cidadelinear projetada por seu colega numacruz, deslocandoos bairros residenciais do prolongamento do eixo longi-tudinal para instal-los nos dois lados da estrada deacesso transversal, conferindo a essas alas um signifi-cado maior na composico, mas a Avenida Anhangerade Correa Lima, guardadas as devidas proporces, tinhafunco e Iocalizaco semelhantes em seu desenvolvi-mento apenas esbocado. Nao foi Correa Lima queassumiu a iniciativa de distinguir a cabeca e o coraco,o centro governamental e o verdadeiro centro das ativi-dades, situando este no ponto crucial do transito e aquel eum. pouco afastado, mas numa posico privilegiada emtermos de espinha dorsal da cidade?14 Enfim, no foi

    13. Exceto, porm, o aeroporto, cujo proximidade lago se revelou umaheresia; mas nao se deve esquecer que em 1934, a aviaco comercial aindaestava iniciando; os dados precisos sobre os servicos que ela poda prestare suas necessidades ainda nao tinham sido avaliados corretamente. O lotea-mento do terreno deu origem a um novo bairro, que, de modo curioso)guardou o nome de Aeroparto como Iembranca da destinaco originriaque tinha sido dada ao local. . .14. De fato, preciso nao se deixar iludir pela existencia do bairroresidencial alm do paco municipal. Este marcava o fim da coluna vertebralda cidade e, alis, funcionou como um verdadeiro freio, contribuindo paraa expanso prioritria, nao prevista, da cidade no sentido leste-oeste. Em1963, a zona su), embora planificada desde o comecc, ainda era formadainteiramente por ruas nao pavimentadas e pareca pouco ocupada, enquantobairros muito mais recentes se tinham desenvolvido rapidamente nas outrasdlreces.

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    ele o primeiro a fornecer um esquema de eixo monu-mental cujos componentes e ordenaco foram retornados,grosso modo, por Lcio Costa, com urna amplitudemultiplicada e um senso do espaco que naturalmentenao poderiam surgir numa cidade secundria comoGoinia, nem numa poca onde as caractersticas daarquitetura e do urbanismo do sculo XX ainda seimpunham com dificuldade? Assim, a capital de Gois,inicialmente concebida num padro ao mesmo tempomodesto quanto a estimativa da superfcie e ambiciosoquanto aos modelos escolhidos e a significaco dese-jada, nao tem nada de urna criaco revolucionria: elapermaneceu tradicional em sua essncia, embora sen-svel a certos princpios novos, referentes,. por exem-plo, a distribuico da habitaco: mas foi muito maisfecunda do que parece a primeira vista e precisofazer justica ao esprito de sntese de Attlio CorreaLima, que, sem afetar muito os hbitos solidamenteenraizados e ainda irremovveis, conseguiu realizar urnaobra original e lancar bases para o futuro. Goinia, queo autor de seu plano queria que fosse monumental,racional e humana, surge afinal de contas como urnaetapa mareante na evoluco do urbanismo no Brasil,embora ainda se esteja longe do coroamento que o gigantesco empreendimento de Braslia.

    2. BRASILIA , A POTEOSE DO URB ANISMO B RA SIL EIRO

    1. Origem e finalidade da operac;ao

    o sucesso alcancado no plano prtico pela criacode novas capitais regionais s podia incitar o Brasila realizar um antigo sonho, acalentado desde a Inde-'pendencia ou mesmo antes: a mudanca para o interiorda chefia administrativa do pas!". Portanto a operacoque culmina com o nascimento de Braslia muito deveas experiencias anteriores, feitas em escala mais redu-zida e menos ambiciosa; convm, porm, assinalar urnadiferen9a essencial quanto a finalidade procurada. Em'BeOHorlZonte e Goinia, os fatores econmicos tinham~edido as fillalidades pol~ e -imposto urna solu-980 visando ~ umasitua9ao irremediavelmenteultrapassada; em suma, tratava-se de urna atualizaco,tanto quanto de urna .ErQj~~o_p-ara o futuro. Em Bra-slia, aconteceu o contrrio: a poltica nao seguiu a~con .....: elaaprecedeu; a cidade foi concebidaCC;mo um fermento, um meio de esbocar o desenvolvi-mento e o povoamento de zonas at ento abandonadas;

    15. Surgida pela primeira vez, em 1789, durante a Inconfidncia Mi-neira, reaparecendo em 1822, na Independencia, sob a pena de Jos Boni-fco de Andrada e Silva, que via nessa medida a afirmaco da nova per-sonalidade do pas, essa aspiraco poltica ficou mais definida depois daproclamaco da Repblica, em 1889; a Constituico de 1891 previu que seriarecortado, no Estado de Gois, um territrio destinado ao futuro DistritoFederal e urna misso chefiada por Lus Cruls foi at o local para tracarseus Iimites (1892.1894); embora ento se tenha ficado s nisso, aos p~)Ucosa idia foi tomando corpo e a Constituico de 1946, promulgada depois daqueda da ditadura de Getlio Vargas, retomou a. clusula da transferenciapara o' Planalto Central; seguiram-se estudos srios, que levaram a confir-macc (coro ligeiras modificac;es) da rea antes delimitada pela missoCruls para o novo Distrito Federal (1948), aps a escolha do local defi-nitivo (decreto de 10 de setembro de 1955, firmado pelo Presidente CafFilho). Ver retrospectiva completa e cronolgia da questo em O. ORICO,Brasil, C"pilal Brasilia, 2.> ed., sem lugar de publicaco, 1960, pp. 63-74.

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    situada na ponta da frente pioneira de penetraco paraNorte e Oeste, em pleno Planalto Central semidesertoacompanhada pela abertura de uma rede de estra as deprimeira ordem, a cidade, desde o comeco, assumiuum duplo papel material e psicolgico; de um lado,plo de atraco e base de partida para uma conquistaulterior e, do outro, smbolo das possibilidades futurasdo pas e da unio nacional, Braslia Ioi a expressode uma vontade de afirmaco da grandeza e vitalidadedo Brasil, uma prova de sua capacidade de empreendere da confianca em seu destino, uma idia-Iorca capazde galvanizar a opinio'",

    Nenhuma dvida subsiste quanto a responsabili-dade pela fundaco da nova Capital Federal; incontes-tavelmente, ela cabe a J uscelino Kubitschek. verdadeque, quando este assumiu a presidencia da Repblica em~ro de~9~6--,encontrou o terreno preparado: o localtinha sido determinado com preciso, havia sido pre-vista sua transformaco por urna barragem que criariaum imenso lago artificial e chegou ate-a-ser apresentado~ esboc" do plano piloto pela comisso de locali-zaco dirigida pelo Marechal Jos Pessoa., O fato deque essas condi;:6es~s-f~ preenchidasfacilitou a tarefa e tornou vive1 o extraordinrio nasci-mento, numa regio virgem, de urna cidadecompleta-?lente ~~cia1. capaz de desempenhar aproxima ida-mente sua funco primordial no prazo extremamentesurto de menos de cinco anos. Mas tambm verdadeque, sem a aco decisiva e muito pessoa1 de Kubitschek,muita gua teria passado por baixo da ponte antes queo projeto recebesse um impulso real. Basta constatar aoposico encarnicada que foipreciso vencer, o desejoconfessado de vrios polticos e homens de negcios quequeriam adiar a operaco para dias me1hores que foipreciso persuadir. Se Kubitschek nao tivesse prome-tido em sua campanha eleitoral de 1955 efetuar a trans-ferencia antes do fim de seu mandato e se, quandoinvestido do poder, nao tivesse dado prioridade absolutaa esse objetivo, Braslia nao teria sado da terra comonum passe de mgica aos olhos espantados do mundointeiro. Pode-se achar estranho tanta pressa depois deuma lentido secular na abordagem da questo, mas issoera urna prova de realismo por parte do presidente;nao podendo ser reeleito de acordo com a constituicoem vigor e conhecendo bem a repugnancia natural dospolticos brasileiros em continuar os empreendimentosde seu predecessor imediato, Kubitschek compreendeuque o nico meio de evitar um retrocesso e o abandonode' sua obra depois de iniciada era conduzir a construconum ritmo que pudesse colocar seus adversrios peranteo fato consumado; nisso ele teve pleno xito e inscreveuseu nome na Histria com esse lance de audcia, semprecedentes na amplido e rapidez de execuco, Masser que se deve dizer que isso foi urna manifestaco

    16. C. J. O. DE MEIRA PENNA, artigos publicados em maio de. 1956na revista norte-americana de geografia humana, Landscape, depois emMdulo, n.c 7, fev. de 1957, pp. 18-19 e Architecture d'aujourd'hui, n.c 80,out. de 1958, p. 50. O texto completo do estudo em questo encabeca abrochura Brasilia, publicada em vrias lnguas sob os cuidados do Ministriodas Relaces Exteriores do Brasil (edico em francs de maio de 1960).R. CORBISIER, Braslia e Desenvolvimento Nacional, Mdulo, n.e 18,junho de 1960, pp. 3-9. E. KNEESE DE MELLO, cPorque Brasflia, eJ . WILHEIM, Braslia, 1960. Urna' Interpretaco, Acrpole, nmero espe-cial sobre Brasl ia, 2.> ed., 1960, pp. 9-21 e 23-53.

    de teimosia ruinosa e pouco refletida, fruto de Urnamentalidade "faranica", como seus detratores naodeixaram de acus-lo? Embora esse aspecto de mani-festaco de orgulho individual nao possa ser totalmentedescartado, aspecto que desempenhou seu papel naescolha da ordem das prioridades, seria extremamenteinjusto ve-lo como o mvel principal de uma tentativaque superou em muito, por sua finalidade e implicaces,toda espcie de ambico puramente pessoal. Por outrolado, nao se deve esquecer que Kubitschek, com seuardor, nao fez mais do que tornar especfica e concretauma profunda aspiraco que j estava definida em suaslinhas geraisantes dele se manifestar!". Seja como for,seu grande mrito foi ter realizado o empreendimento,ter conseguido dot-Io de um carter excepcional aptoa canalizar o entusiasmo geral, e ter contribudo ativa-mente para a transformaco desse entusiasmo numa dasmais interessantes manifestaces do urbanismo de nos-sa poca.

    Em todo o mundo muito se discutiu sobre o valorde Braslia'", e nao raro desencadearam-se paix6es fortessobre o assunto. Nao o caso de julgar aqui as con-seqncas econmicas da criaco da cidade, o quenos levaria muito longe; mas preciso observar quea finalidade desejada foi atingida no que se refere aopovoamento e exploraco de zonas antes abandonadasao cerrado ou a floresta virgem: o Distrito Federalconta com muito mais de quinhentos mil habitantes (namaioria de qua1idade discutvel, verdade); cidades epovoaces brotaram ao longo das estradas abertas emtodas as direces, e essa nova ocupaco do solo foiparticularmente sensve1 no eixo Braslia-Belm. que~ ,desempenhou um papel fundamental no desl:5ravamento eintegraco do~..9 Estado de Gois e boa parteda.regio amazQni~ por conSguilIte-;-a nVaCij)'itarserviu como plo de atraco, como trace de uno base de partida .para a conquista interna do territrio,segundo os planos estabelecidos. Quanto a saber se ossacrifcios financeiros foram rentveis ou sero rent-veis a longo prazo, ainda cedo demais para responder;alis, as principais objeces locais sempre visarammenos o princpio da transferencia do que sua oportu-nidade cronolgica. Enfim, o problema levantado porvrios estrangeiros, relativo a possibilidade de desen-volver o interior do pas sem transportar para l achefia administrativa, demonstrou simples mente o des-conhecimento das condices especficas: jamais teriam

    17. o ge6grafo francos F. Ruellan, que tinha participado da expedi-< ;3 0 0 encarregada de estudar as possveis localizaces para a instalaco dafutura Capital Federal, j em 1948 tinha colocado o problema: a capitaldevia ser exclusivamente um centro poltico e administrativo, gozando detodas as comodidades possveis por si mesma e seus arredores, situada nocentro de urna zona j muito povoada OU, pelo contrrio, um fermento,um centro de colonizaco e irradiaco para o grande serto, ou interiordo Norte e do Oeste, caso cm que seria preciso situ-la como as grandescidades, as portas da estepe 01.1 do deserto, como por exemplo Pequimcapital poltica ao mesmo tempo. que grande porto terrestre e ponto d~partida das caravanas para a Monglia e a Manchria? (Bulletin de 'Ano-ciation des gographes ironcais, n.c 194 -195 , maio-junho de 1948, separata,12 p.). O relatrio apresentado ao governo brasileiro depois da expediccdeclara va-se abertamente favorvel ao segundo termo da alternativa e, assirnprops que se voltasse a rea delimitada de 1892 a 1894 pela misso Cruls;com algumas ligeiras modifcaces: essa concluso foi aceita sem reservaspelas autoridades e mantida at o fimo18. Os debates mais srios e mais objetivos tiveram lugar durante umcolquio internacional sobre O problema das capitais na Amrica Latina,em Toulouse, de 24 a 27 de fevereiro de 1964, cujas atas Ioram publicadaspor CaraueUe, n.e 3, 1964 (simposio sobre Braslia nas pp. 363-368). Deve-seconsultar tambm o artigo de P. PINCHEMEL em Vi. urbaine, 1967, n..Q 3,pp. 201-234.

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    sido permitidos os investimentos maccos necessanosem circunstancias que nao fossem a criaco de umanova capital; nao verdade que, no Brasil, seja possvelseparar a economia da poltica e da administraco;aquela sempre segue estas, as quais est ligada pelacomplicaco de uma mquina complexa e minuciosa,talvez parasitria mas invencvel; dentro das estruturasdo Terceiro Mundo, o meio mais eficaz para acarretaro desenvolvimento de uma zona pioneira desfavorecida concentrar nela os rgos dirigentes.

    A 'controvrsia sobre a lgica e os efeitos materiaisde Braslia nao impediu que ela alcancasse um inegvelsucesso ni-~~gkQ,. A atmosfera de epopiacom que foi envolta a obra nascente por uma hbilpropaganda nacional e internacional e a imagem magn-fica que foi sendo criada a medida que a obra tomavaforma produziram o impacto desejado; elas transfor-maram a cidade num objeto de orgulho indizvel, nosmbolo de uma maioridade finalmente atingida e deurna nova era aberta as ambices de um POyO brusca-mente conscientizado de suas possibilidades deafirmaco. A melhor prova da penetraco profunda eirreversvel do ideal encarnado pela capital plantadada noite para o da no Plan alto Central sua manu-tenco apesar das peripcias .de vrias mudancas degoverno; os adversrios mais ferrenhos do empreendi-mento converteram-se por bem ou por mal e nao pro-curaram recoloc-lo em questo quando subiram aopoder; quase todos endossaram decididamente as con-seqncias, pregando sem hesitar a marcha para afrente e retornando, por conta prpria, as finalidadesdesignadas por Kubitschek. E por isso que, apesar daoposico frentica de alguns meios poderosos e da mvontade patente ou discreta de vrias pessoas atingidasem seus interesses imediatos, a capital nao cessa deconsolidar-se ao longo dos anos. Inaugurada em 21 deabril de 1960, ainda era um imenso canteiro de obrasnove meses mais tarde, quando partiu seu fundador;ento eram raros os blocos residenciais completamenteterminados e s urna pequena parte da administracotinha realmente sido transferida para l. Hoje as coisasesto bem mudadas e a cidade est bem viva e cadadia tende mais a assumir integralmente suas Iuncesintrnsecas. A partida foi inapelavelmente ganha gracasao impulso inicial, gracas a mitologia com que foicercada, gracas, enfim, a admirvel realizaco arquite-tnica e urbanstica que ela permitiu e que, para ns,bem entendido, o ponto fundamental.

    2. A organiza~ao do concurso para a escolhado plano p il oto

    Logo depois de instalado no poder, Kubitschekpassou a aco. Em 18 de abril de 1956, criou a Com-panhia Urbanizadora da Nova Capital, cuja denomina-c;;ao logo foi .abreviada para Novacap; esse rgo doEstado, encarregado de todas as operaces visando aimplantaco e a construco da cidade, gozava de liber-dade e autonoma quase totais: s estava subordinadoa autoridade di reta do Presidente da Repblica e podia354

    gerir a vontade seu enorme' orcarnento. Em suma, eraa retornada do mtodo elaborado em Belo Horizontee depois em Goinia, com urna arnplido indita e um\carter mais nitidamente poltico; de fato, os quadrostcnicos foram multiplicados, mas, ao contrrio do quetinha ocorrido nos casos anteriores, a direco supremadessa vez coube a um antigo parlamentar, homem deconfianca de Kubitschek, que provou ser um adminis-trador eficaz e um brilhante propagandista do empreen-dimento - Israel Pinheiro.

    A primeira medida tomada referia-se a elaboracode um plano da cidade'". A comisso que escolheu olocal j tinha se preocupado com a questo: verdadeque o Marechal Jos Pessoa, que a presidia, nao eraurna sumidade na matria, mas na comisso tambmestavam dois arqutetos interessados fundamentalmentenos problemas de urbanismo: Reidy e Burle Marx.ESteS'tinham esbocado um programa e feito a propOst~de chamar Le Corbusier para coordenar os trabalhos,voltando a COCePc;;aoque prevaleceu em J93_6~parao Ministrio da Educaco e Sade. Mas as circunstancias~odesde ento: ness meio tempo, a arqui-tetura brasileira tinha-se imposto em es cola mundial eos meios profissionais mostraram ter plena conscienciadisso; vinte anos depois, os arquitetos locais nao esta-vam mais dispostos a eclipsarem-se como aprendizesperante o mestre, mesmo num campo mais ou menosvirgem para eles; a reaco quase unnime de seus cole-gas obrigou Reidy e Burle Marx a abandonarem a idia.Alis, convocar um estrangeiro in seria-se mal no con-texto psicolgico da mstica nacional, cuja expressosuprema, imaginada por Kubitschek, iria ser a novacapital. Assim ele recusou urna oferta de servicos feita,sem esperar que fosse solicitada, pelo prprio Le Cor-busier, numa carta pessoal ao presidente, carta queteve o dom de inflamar ainda mais os espritos jsuperaquecidos. .

    A artir de 1940 Kubitschek tinha encontrado emNiemeyer um colaborador ideal para sua poltica de pres-~d as construces monumentais desempenhavampapel decisivo; depois de ter podido contar, durante asetapas anteriores de sua carreira pblica, com o talentogenial daquele que ele mesmo tinha contribudo paraimpor como o arquiteto nmero um do Brasil, nao pode-ria dispens-lo no momento crucial do coroamento desua obra. Assim, encarregou Niemeyer das funcesde diretor do Departamento de Arquitetura da Compa-~a~adora, confiou-lhe -a misso de projetarpessoalmente o conjunto dos edifcios mais represen-tativos da futura Braslia e decerto teria visto com bonsolhos que ele mesmo tracasse o plano da cidade. MasNiemeyer recusou-se a fazer isso e aconselhou a insti-tuico de um concurso puramente brasileiro, organizadocom a participaco do Instituto dos Arquitetos doBrasil; desta maneira ele dava uma satisfaco impor-tante a seu s colegas ao mesmo tempo que reservavapara. si slidas garantias. De fato, as condices bsicaspublicadas no Dirio Oficial de 20 de setembro de 1956nao foram as que a Ordem dos Arquitetos tinha redi-

    19. Habitat, n.O 35, out. de 1956, pp. I e 63, e n.e 37, dez. de 1956,p. 52. Arquitetura e Engenharia, n.O 42, nov.-dez. de 1956, pp. 26-28.

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    gido durante um trabalho coletivo,: onde tinham preva-lecido os critrios do escritrio M. M. M. Roberto:encontrou-se nelas apenas um programa vago, especifi-cando o nmero final de habitantes previstos (500.000),o que obrigou os 'candidatos a fazerem as vezes dogoverno na elaboraco dos dados poltico-administrati-vos previstos, mas assegurou-lhes a mais ampla liber-dade; nao se exigia nenhum estudo geogrfico e socio-lgico prvio, o que evitava a preeminencia de equipesj constitudas'" e a excluso de iniciativas individuaisque dessem a imaginaco criadora e aos critrios for-mais uma prioridade sobre a anlise mecnica dos' ele-mentos materiais; enfim.: nao havia um compromissoabsoluto quanto a realzaco do anteprojeto classificadoem primeiro lugar e estava bem especificado que osedifcios iriam depender de decises ulteriores da Co-misso do Plano (em vez de ser submetido a concurso,conforme a lei referente aos edifcios pblicos). Almdo mais, o jri devia ser composto na maioria por repre-sentantes designados di reta ou indiretamente pela pr-pria companhia e Niemeyer tinha, nela, voz predomi-nante tanto pela competencia quanto por seus relacio-

    t 21namen os . CP--v u.J fI.S-o

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    a seus colegas urna deciso que estes nao aprovassem;segundo o depoimento insuspeito de Paulo Antunes Ri-beiro'", nico jurado que se ops ao voto final, pareceat que todas as iniciativas importantes quanto ao ea-minho a seguir, quanto aos critrios de julgamento eclassificaco definitiva, provieram dos tres arquitetosestrangeiros; longe de provoc-los, Niemeyer nao fezmais do que endoss-los .. Alm disso, as divergenciassurgidas com a proclamaco dos resultados por. causada abstenco de Paulo Antunes Ribeiro explicam-semais pelos escrpulos do representante do Instituto dosArquitetos do Brasil do que pela recusa em reconheceros mritos fundamentais do plano de Lcio Costa'".: significativo que, depois da unanimidade que levou,no primeiro dia, a pr-seleco de dez trabalhos, Ribeiro,retornando a ttulo pessoal os projetos descartados paragarantir que nenhuma injustica tinha sido feita duranteo rpido exame preliminar, tenha precisamente res sal-tado as qualidades de um trabalho que se aproximavado de Lcio Costa, queele se recusou a premiar. Emtodo caso, a oferta que fez no sentido de declararconjuntamente vencedores os onze trabalhos em ques-to e de formar urna grande comisso encarregada deelaborar o plano definitivo, quer fosse ditada por urnadiscutvel preocupaco com a perfeico levada ao extre-mo, quer por um profundo desejo de acomodar susce-tibilidades agucadas, estava isenta de realismo. Nao eracerto, nem mesmo pro v vel que, da soluco proposta,resultasse urna obra vlida; de qualquer maneira, elanao tinha qualquer possibilidade de ser aceita dentrode um programa que exigia mxima celeridade para anova capital..

    < 3 , Os projetos nao aceitos do plano pi lotoNao se pretende examinar todos os projetos apre-

    sentados no concurso; alis, a maioria deles logo caiuno esquecimento e nao teve qualquer publicidade. Emcompensaco, h outros que merecem ser citados, poi sderam urna contribuico interessante, embora nao te-nham sido vencedores. Naturalmente, sero vistos maisdemoradamente aqueles que foram classificados e exa-minados detalhadamente pelo jrP9, mas sem que issoseja um limite imperativo.No que se refere a escolha do local propriamentedito, os candidatos gozavam de urna liberdade bemampla; a nica restrico dizia respeito a ocupaco deurna zona prxima do futuro lago artificial, reservadapara a edificaco do Palcio do Presidente e de umhotel destinado aos hospedes de categoria que viriamvisitar os trabalhos; de fato, na pressa de chegar aofim e de possuir rapidamente um instrumento de pro-paganda eficiente, Kubitschek tinha feito comecar essasduas construces em questo sem esperar a definico.27. Expresso num relatrio particular anexo 30 processo-verbal das deli-beraces publicado no Dirio Oficial de 25 de marco de 1957 (pp. 6951-6952)e reproduzido em M6dulo, n.c 8, julho de 1957, pp. 17-21.

    28. Contudo, segundo Sir William Holford, membro .do jri que, naimprensa especializada, foi o advogado mais vibrante do projeto premiado,Paulo Antunes Ribeiro .teria querido no comeco rejeitar o plano de LcioCosta com base nos critrios de apresentaco (sem estudo de populaco,sem linhas feitas a rgua, sem maquete). Cf. Architectural Review, vol. 122,dez -, de 1957, pp. 395-402.29 . M6dulo, n.v 8, julho de 1957, pp. 1316 e 2228.

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    do plano piloto, razo pela qual estavam excludasdo plano. Apesar de tudo, a topografia trazia proble-mas, na medida em que era impossvel ocupar ao mes-mo tempo as margen s do lago, local naturalmenteatraen te numa paisagem montona, e o espigo dascolinas situadas a urna distancia entre dois e seis quilo-metros do lago, sem que se estendesse desmesurada-mente urna cidade prevista para quinhentos mil habi-tantes, com todos os problemas de infra-estrutura e decustos que isso teria acarretado. Assim, alguns candi-datos optaram pela utilizaco prioritria das margens",outros preferiram centralizar a aglomeraco no espi-ga031, enquanto o terceiro grupo nao recuou perantea enorme ampliaco no comprimento e na largura queresultava da tentativa de sntese das duas soluces ante-riores'".Mas todos os projetos divulgados pelas revistasespecializadas'" tinham um ponto em comum: sua ins-piraco racionalista. N eles encontra-se sistematicamentea diviso entre as quatro funces principais enunciadaspela Carta de Atenas de 1933 (habitar, trabalhar, culti-var o corpo e o esprito, circular), a atribuico de setoresbem definidos a cada urna delas, a preocupaco desubstituir a antiga rua por urna nova concepco quedesse prioridade aos espacos livres e aos blocos isoladospontuando com sua massa ordenada as vastas suprf -cies nao construdas, a definico de um tipo de clulade base cuja multiplicaco constituiria um dos ele-mentos fundamentais do plano de conjunto, enfim aregularidade e a geometria estrita tanto do conjuntoquanto das partes que o formam. Quase todos tinhamprevisto um crescimento orgnico para a realizaco su-cessiva dessas estruturas justapostas a medida que acidade se desenvolvesse, mas em caso algum tratava-sede um urbanismo que se fiava na escola "organica" de~igh~ dos finlandeses; a lgica pura ea(fiscipli~aommava~cto-laao, opondo-se a ~ fantasa~ent-L Em suma, podia-se encontrar as qualida-des fundamentais da arquitetura brasileira, seu gostopela ordem e pela simplicidade e a influencia mais doque nunca presente de Le, Corbusier, porm mais lli!!avez a influencia--..d~ primeiro grande perodo do mestre~ ~

    30. Baruch Milman, Joao H. Rocha e Ney Goncalves (2.0 lugar), RinoLevi e associados (3.0 lugar ex aequo), M. M. M. Roberto (3.0 lugar exaequo), Jorge Wilheim (nao classificado), Carlos Millan, Domingos Az~ve~o,Joaquim e Liliane Guedes (nao classificados}. Como observou J. Wl1helmsobre certos projetos (Acr6pole, nmero especial, 2.' ed., 1960, p. 32), Io-raro raras as tentativas de utilizar as pennsulas laterais como elemen!oativo, para que o lago desempenhasse ,UID papel ~emelhante ao. d,e.um noque cortasse .3 cidade. De fato, essa atitude nao tinha nada de ilgica: }lIDlago nao um curso de gua e sua largura, mesmo numa parte estrerta,era um obstculo para urna integraco real das duas margens.

    31. Alm do projeto vencedor, de Lcio Costa, essa solUl;~o ,foi ado-tada pela equipe Henrique Mindlin-G.ianc~r1.o Pala~ti e pelo escnt?no Cons-trutcnica (formado por Milton Ghiraldini, Clovis alga, N. Lindenberg,W. Maia Fina, M. Peixoto, R. Gennari), ambos classificados em quinto lugar.32. O anteprojeto mais notvel desse tipo foi o de Joao Vilanova Arti-

    gas, Carlos Cascaldi, Mrio Wagner da Cunha e Pauio de Camargo e Al-meida, tambm classificado em quinto lugar.33. Arquitetura e Engenharia., n.v 44, marv-abr. de 1957, pp. 232(deciso fundamentada do jri, projetos de Lcio Costa, 1.0; Ney Goncal-

    ves, 2.0; H. Mindlin, 5.0); n.c 45, maio-julho de 1957, pp; 4-28 (M. M: M.Roberto, 3.0); n.c 46, ago.-out. de 1957, pp. 421 (R. Levi, 3.0; M. qh>ral-dini, 5.0). Habitat, n.v 40-41, marco-abril de 1957. pp . 4-29 (R: I;ev" 3.0;M . Ghiraldini, 5. Q; J . Wilheim, nao classificado); n.c 42 ) maio-junho de1957, pp, 2-24 bis (M. M. M. Roberto, 3.0); n.O 45, nov.-dez. ~e 1957,. 'pp.2-20 (H . Mindlin, 5.Q; Pedro Paulo Guimares e associados, ~ao clas~flca.do). Aujourd'hui, n.c 13, junho de 1957, pp. 56-,63 (L. Cost~; B. Milmane N. Ooncalves: M. M. M. Roherto; R. Levi). Modulo, nO 8, Jul.ho de 1957,pp, 29.86 (todos os planos premiados). Acr pole, ~m.ero especial, 2 .. ed.,1960, pp. 31-36 (planos premiados e plano de J. WIlhelm, autor do artigo).

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    [ranco-sur;o, entre as duas guerras, principalmente aii1fluenci1cde sua contribuico terica.Mas havia diferencas notveis entre urna proposta

    e outra. Algumas tinham se preocupado com elaborarum estudo aprofundado dos dados sociais e econmicosque a operaco poderia acarretar e tinham juntado aoprojeto um relatrio detalhado de su as concluses sobreo assunto; o escritrio M. M. M. Roberto destacou-sepela seriedade sob esse ponto -de vista, o que contribuiupara que lhe fosse atribudo o terceiro lugar. De fato,o jri acolheu bem as sugestes ou informaces cole-tadas sobre a matria, mas nao se deixou influenciardecisivamente por esse trabalho; o jri achou que issonao era o essencial, na medida em que essas previsesdeviam ser tomadas com cautela e nao tinham sidoexigidas dos candidatos; preferiu ater-se a outros fa-tores e nao hesitou em endossar a po sic o de LcioCosta, descartando toda tentativa do gnero='. O planodos Roberto tambm se distinguia de seus concorrentespelo esforco de descentralizaco que o caracterizava; claro que exista urna ~c;a dos Tres Poder~s e umgentre-Gultural. instalados num ~J.teJ~~, mas oresto -_lldministracao e o grande comercio estavamCIsiribudos entre sete unidades urbanas de 72 000 ha-1Jltantes (que passariam a dez oU' eventalmente aqua -'torze), organizadas num tipo rgido radiocntrico emtorno de um ncleo hexagonal contendo os edifciospblicos correspondentes a cada urna das unidades.Essa espcie de atomizaco da capital numa srie decircunscrices autnomas, eclipsando com sua perso-nalidade a sede do governo, explicava-se por urna re-cusa proposital do conceito de .monumentalidade, rejei-tado com desprezo como sendo urna sobrevivncia dosculo XIX. Compreende-se o amargor dos autores quan-do viram que era preferido o projeto de Lcio _Lo_sta2stamente porque correspondia as- prciipaces.opos-tas, amargor reforcado ainda maiscom os comentriosoflc~ais dos jurados; estes declararam que a cidaclecrobem-estar desejacTa pelos arquitetos teria provado serdesumana por causa das dificuldades impostas pelafalta de flexibilidade das clulas constitutivas e pelasrestrices feitas a circulaco'". Alis, a polmica tra-vada pelo chefe da equipe, Marcelo Roberto, nao ter-minou a seu favor; ele foi nitidamente refutado pelocrtico de arte Mrio Pedrosa, que observou a exs-. tncia permanente do monumental no curso dos sculos,sua dimenso essencialmente humana e a distinco exis-tente entre a verdadeira monumentalidade e "o exibicio-nismo pomposo'v".

    Muito diverso do projeto dos Roberto, o projetoelaborado por Rino Levi e seus associados, tambmclassificado em terceiro lugar, apresentava apesar detudo preocupaces semelhantes em dois pontos: a am-plidaoCIad-a aosestudos tcnicos e a falta propositalde valorizaco dos edifcios administrativos. Essa faltachegou a s~r-Ievaaa ao extremo, pois oefeito plsticoda composico iria provir dos prdios de apartamentos

    34. Andr Sive declarou sem rodeios que deu preferencia aos projetospouco extensos, Sir W. Holford que se tratava de urna competico de idias,nao de detalhes, ponto de vista manifestado tambm por Niemeyer (Mdulo,n.O 8, julho de 1957, pp. 22-28).35, Mdulo, n.c 8, julho de 1957, pp, 13-16.36. Brasil, Arquieura Conemporanea, n.s 10, 1957, pp. 32-35.

    de trezentos metros de altura perto dos quais as outrasconstruces teriam parecido subalternas (Fig. 321). Naoh dvida de que a experiencia do escritrio Rino Leviera vigorosamente original e revolucionria na maneira

    Fig. 321. Rino LEVI, Roberto CERQUEIRA CESAR e LuisRoberto CARVALHO FRANCO. Proieto apresen-tado no concurso deescolha do plano piloto deBraslia. Maquete. 1957. Conjunto do projeto.de colocar os problemas. Nesse sentido ela era urnaaposta, como a prpria Braslia, mas pode-se perguntarse seus autores concorreram realmente com a idia deganhar, dando provas de muita ingenuidade, ou sese entregaram a um brilhante exerccio de estilo e aurna demonstraco terica das possibilidades oferecidaspor urna cidade verticaLideal. No plano puramentetcnico, os gigantescos blocos constitudos por pitotorres alinhadas de setenta e cinco andares., ligadas porpassare as e' servidas por urna dupla rede de elevado-res37, eram perfeitamente realizveis, mas, na prtica,no que teria resultado urna concepco dessas? [ dis-cutvel em pases muito avancados, onde os servicosfuncionam bem em princpic'" e onde urna mentalidadede responsabilidade comunitria teria substitudo umindividualismo ainda bem enraizado na maioria dapopulaco, urna tentativa dessas irremediavelmente teriadeixado como saldo urna catstrofe numa regio pio-neira que ainda estava inteiramente por ser equipadae habitada por pessoas de nvel intelectual e de desen-volvimento muito diverso. Alis, mesmo no plano fun-cional, a so luco proposta era muito discutvel, comoo jri corretamente observou: a resistencia ao ventoacarretaria graves complicaces, nao s para os cons-trutores, como tambm para os moradores, que severiam quase sempre impossibilitados de abrir as [ane-las como quisessem; as mudancas de elevador trariamurna carga pesada para a vida cotidiana; enfim, nao.era lgico fazer com que a aglomeraco crescesse emaltura e levasse a urna forte concentraco relativas"quando o que faltava me~ era.justamente-espaco.

    37. \ Elev:;:~:ternos ultra-rpido~ que s param no nivel das pas-sarelas a cada dezesseis andares (cada grupo serve a metade do prdio) eelevadores internos assegurando a correspondencia cm cada sec;ao vertical ehorizontal do bloco (Fig. 322).:f8. Mas nenhuma est livre de acidentes e a repentina falta de luzdurante vrios dias cm vastas rcgies dos Estados Unidos, com conseqncascatast~ficas cm New York, esto a para prov-lo. Tambm nao se deveesquecer o instrumento de presso que podem ser as greves capazes de parartotalmente a vida de urna cidade, incapaz de passar sem eletricidade mesmopor um curto perodo de .tempo. . . . ,39. 16000 pessoas por bloco e 288000 no conjunto de blocos distribu-dos numa superficie inferior a 1 000 hectares.

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    Fig. 322. Rino LEV!, Roberto CERQUElRA CESAR e LusRoberto CARVALHO FRANCO. Maquetes apresen-tadas no concurso para a escolha do plano pilotode Braslia. 1957. Um bloco de habitaco.J O projeto do escritrio Vilanova Artigas caano extremo oposto; a primazia dada ao habitat dispersolevava em conta as aspirac es naturais do POyO e seu

    estado de desenvolvimento social, mas conduzia a fracadensidade de 50 pessoas 129r hectare e a urna enormeinfra-estrutura. Nao se Insistir nas outras experienciaspremraaas:-Triclusive a~eGebeu o se ~0 __lugar, .pois sua personalidad e era menos notria; suas quali-dades e defeitos foram bem sublinhados nos comen-trios oficiais dos membros do jri40 Mas antes deestudar detalhadamente o plano vencedor, precisodizer algo sobre o projeto da equipe Carlos Millan,Domingos Azevedo, [oaquim e Liliane Guedes, grupode jovens necm-sados da Faculdade de Arquiteturae Urbanismo da USP. De fato, as soluces propostasaproximavam-se das de Lcio Costa, embora estivessemlonge de ser tratadas com a mesma percia e autorida-de (Fig. 323). Cidade linear composta por duas asasde tracado curvo, organizaco das zonas residenciaisaos dois lados de urna estrada que percorre a cidadeem toda a sua extenso, com urna circulaco paraleladestinada ao tr fego local, centro comercial no centrodo conjunto, ou seja, na conjunco das duas alas, cen-tro governamental e administrativo ligado ao anteriorpelo setor cultural e colocado como urna excrescnciaem relativo isolamento, que lhe asseguraria calma evalorizaco, rea industrial relegada a outra extremi-dade, perto da estaco, alm da estrada externa - eisos elementos de base e os princpios de composico quelevaram a urna espantosa semelhanca de inspiraco entre

    40. Mdulo, n.- 3, julho de 1957, pp. 13-16.

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    esse projeto e o projeto. vencedor. claro que estavam@l.!nmLo_acl}adQ do.Eixc.Monumental, a pureza e oequilbrio da figura global, a audcia do sistema virioordenado em funco do cruzamento central, que con-triburam para impor a obra de Lcio Costa, mas naose pode deixar de ficar espantado com o fato de queessa associaco de novatos conseguiu tratar com broo tema de urna cidade linear pressentindo todo o pro-veito que o urbanismo contemporneo poderia extra irdela'". Nessas condices, nao curioso pensar quePaulo Antunes Ribeiro, o nico membro do jri querecusou associar-se ao julgamento que deu o primeirolugar a Lcio Costa, foiprecisamente quem tentourecuperar esse plano, sumariamente descartado duranteo exame preliminar concludo pela pr-seleco de deztrabalhos? Essa constataco, vindo depois do exame dassemelhancas observadas, nao deixa de reforcar a opinioj manife~tada: o representante do Instituto dos Arqui-tetos do Brasil recusou associar-se a seu s colegas em seuvoto, nao porque desaprovava o anteprojeto de LcioCosta e as idias que nele estavam contidas, mas simpor razes de solidariedade profissional para com agrande massa dos concorrentes e por causa de sua cons-ciencia por demais escrupulosa, que o impedia de tomarurna deciso rpida e irreversvel. .

    Seja como for, o conjunto das propostas apresen-tadas era de um nvel brilhante e honrava a escolabrasileira, Os premios dados corresponderam a urnalgica segura: o segundo foi para urna equipe jovem,que se tinha destacado por soluces inteligentes facil-mente aplicveis; os dois terceiros reconheceram o es-force de estudos tcnicos extremamente apurados, um

    41. Girando menos do que Lcio Costa em torno de urna cidade con-cebida em func;ao do automvel, alm da rodovia central, eJes tinham colo-cado. um metro de superfcie, que lhes pareca ser o meio mais adequadopara os transportes coletivos.

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    Fig. 323a. C. MILLAN, D. AZEVEDO, J. e L. GUEDES.Projeto do plano piloto de Braslia. 1957. Detalhe:o centro.

    1: estaco Ierroviria ; 2: armazns; 3. estaco rodoviria; 4: zona industrial; 5; aeroporto ; 6: centro; 7: dependencias da estaco ferrovirias; 8: reser-vatrio; 9: hospitais, cemitrios, ete.; 10: quartis, prises, ete.; 11: zona agrcola; 12: casas: 13: esportes de .campo; 14: creche~ e _escalas, esportesurbanos; 15: alojamentos (apartamentos); 16: esportes nuticos; A: comrcio: B: cultura; U: cidade universitaria, D: esportes.e d.lversoes; E: parques ;F: grande prasa coro catedral; G: administraco federal; H: palcio 0.0 governo ; 1: administraco municipal; J: poder legislativo; K: poder judi-cirio; L: servicos governamentais; M: residencias oficiais e embaixadas.Fig. 323. C. MILLAN, D. AZEVEDO, J. e L. GUEDES.Projeto do plano piloto de Braslia. 1957.em matria de ,istema construtivo, o outra.nn.domniodLplanificayao ~gional, e premiaram trabalhos quese destacavam pela originalidade mesmo que, sob mui-tos aspectos, os resultados fossem discutveis; os tresquintos premios ofereceram urna consolaco a projetosde mrito, mas menos vigorosos em sua novidade. Masnenhum deles, e a jor ti or i nenhum dos nao classificados,resolveu o problema especfico colocado pela criacode urna capital e achou um meio de valorizar a funcoparticular a da vinculada='. S um dos planos preen-cha realmente esse requisito, e o jri teve tanto menostrabalho em recompens-lo com a atribuico do primeirolugar quanto essa qualidade era apenas um dos elemen-tos de um perfeito estudo racional do conjunto dosfatores em jogo, desembocando numa soluco de impe-cvel clareza, de vigor e inteligencia.4. O plano de Lcio Costa43 (Fig. 324)

    O memorial explicativo que acompanhava o sim-ples esboce com que Lcio Costa tinha decidido parti-cipar do concurso comecava desculpando-se pela apre-42. Os edifcios administrativos de todo genero estavam geralmente con-centrados numa superficie retangular pouco malevel e esse setor exclusivoapareca quer afogado num conjunto do qual mal se destacava, quer isoladonuma posico invejvel mas isenta de urna boa articulaco com o resto da

    cidade. A disperso completa imaginada pelos Roberto tinha o inconvenientede romper toda unidade e tornar difceis os intercambios necessrios.43. Esse plano foi publicado inmeras vezes pelas principais revistasde arquitetura do mundo e figura em todos os livros de sntese sobre aarquitetura ou o urbanismo contemporneos, Pode-se achar uma reproducodo esbcco apresentado no concurso em Aujourd' hui, n.e 13, junho de 1957,pp. 56-63 e Architecture d'aujourd'hui, n.v 80, out. de 1958, pp. 51-53.O texto completo do memorial original de Lcio Casta, documento funda-

    mental que conservou toda a sua atualidade .e continua senda indispensvelpara a perfeita compreenso de Braslia, foi editado em vrias lnguas peloMinistrio das Relaces Exteriores do Brasil, que o incluiu na brochuraBrasilia, impressa em Zurique em 1960. Pode tamb~ ser encon!rad? e~Mdulo', n.c 8, julho de 1957, pp. 29-48 (com traduces e~ alemao, mglese francs) e n.O 18, junho de 1960, pp. 53-72 (com traduces em espanhol,ingles e francs}.

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    Fig. 324. Lcio COSTA. Plano piloto de Brasilia. 1957. Plano definitivo.1: Praca dos Tres Poderes 12: torre de televiso 23: zona industrial2: Esplanada dos Ministrios 13: setor de rdio e televiso 24: estaco d triagem3: catedral 14: setor esportivo 25: cemitrio4: setor administrativo 15: [quei Clube 26: jardim zoolgico5: setor cultural, 16: praca municipal 27: jardim zoolgico6: plataforma da estaco rodoviria 17: imprensa 28: aeroporto provisrio7: setor de espetculos e lazer 18: bosque 29 a 32: zonas residenciais8: setor bancrio: 19: meteorologia (casas)9: setor comercial 20: quartis 33: lago10: hotis 21: residencias populares 34: J ardim Botnico11: setor dos hospitais 22: estaco ferroviria 35: superquadra36: superquadra dupla

    sentaco medocre do material fornecido. verdadeque, a primeira vista, o plano e os esboces do memorial,tracados a mo, podiam passar por um esboce que naomerecia reter a atenco do jri. Mas Lcio Costa naohesitou em correr esse risco e propositalmente colo-cou-se num nvel diferente do resto dos candidatos, osquais se tinham dedicado a trabalhos de equipe deflego, baseados em consideraces tcnicas e cuidadossob _todos os aspectos. Conforme admitia sem r o a e l o sna introduco, LCioCosta entrou na competico unica-mente porque tinha tido, sobre o assunto, urna idiaque lhe parecia interessante e que ele oferecia comosugesto: sob es se ponto de vista particular e em virtudede um raciocnio elementar surgiam duas possibilida-des: se a proposta fosse julgada aceitvel, os "dados,

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    37: casas gerninadas38, 39: superffcies livres40: embaixadas41: casas individuais42: cidade universitria43: Petrobrs44: golfe45: hipdromo46: clube nutico47: Hotel Braslia Palace48: Palcio da Alvorada

    embora aparentemente sumarios, seriam suficientes,pois revelariam que, apesar da espontaneidade inicial,depois essa sugesto tinha sido pensada e resolvida=";caso nao Iosse aceita, seria rejeitada sem discusso eseu responsvel nao teria "nem perdido seu tempo, nemfeito perder o dos outros". A sorte de Lcio Costa (econseqentemente a do Brasil) foi precisamente terencontrado jurados de esprito aberto, pouco inclinadosa deter-se em detalhes e que estimaram, como o autordo anteprojeto vencedor, que, nesse estgio, o concursoera, antes de mais nada, um concurso de idiass". As-sim, longe de descartar de imediato um desenho apa-

    44. L. COSTA, Relatrio do Plano Piloto de Brasilia!, p. 1 (d. notaanterior) .45. cr. Mdulo, n.Q 8, julho de 1957, pp. 2228.'

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    rentemente sumario, eles ficaram impressionados pelaoriginalidade e facilidade de compreenso que emanavadele; a partir desse momento, a partida estava ganha,poi s o estudo atento do memorial anexo nao podia dei-xar de reorcar a primeira opinio e transform-la numacerteza, demonstrando claramente a maturaco segurae refletida da soluco imaginada: as explicaces neces-srias eram fornecidas num estilo lmpido e concisoonde todas as palavras tinham importancia, sem quefosse feito O menor acrscimo suprfluo.As duas qualidades fundamentais que seduziramos jurados foram o carter especfico do plano de LcioCosta e sua clareza absoluta. Enquanto a maioria doscandidatos tinna-se dedica o a definir mais urna cidadedo que urna capital e tinha elaborado esquemas cujosprincpios podiam ser utilizados em situaces variadas,a Braslia concebida por Lcio Costa oferecia a expres-so de um tipo de cidade unicamente aplicvel ao casodado. Por outro lado, baseando-se em exemplos dopassado e da atualidade, que permitiam verificar que,em matria de urbanismo, os melhores resultados sofruto de um pensamento simples transcrito numa lin-guagem grfica e numa expresso definitiva compreen-

    svel a todos a primeira vista, Sir William Holford,_Andr Sive e N~Y...~X_J:essaltaram,. em suas aprecia-ces, que o projeto vencedor inscrevia-se notavelmentenuma linha gloriosa que ele nao desmerecia.Basicamente racionalista na concepco e derivandodiretamente dos princpios da Carta de Atenas, o planode Lcio Costa distinguia-se, contudo, radicalmente dastentativasrnais notveis da primeira metade do sculo,baseadas essencialmente em ~ostas sociolgicas eestudos tcnicos. A soluco oferecida nao foi o frutode pesquisas- minuciosas: "nasceu do gesto inicial dequem designa um local e toma posse dele: dois eixoscortando-se em ngulo reto, ou seja, o prprio sinal dacruz"?". Ali pode-se encontrar urna das fontes de ins-piraco preferidas do arquiteto: a figura em questoligava-se a mais pura tradico colonial, transposta paraum novo campo em funco das necessidades do pre-sente; nem por isso ela tinha um significado simb-lico menos vigoroso: se adaptava muito bem ao espritoe as condices que presidiram a. fundaco de Braslia,capital-osis plantada no Planalto Central para servircomo ponto de partida para a colonizaco,Partindo dessa primeira idia dos dois eixos per-pendiculares, consagrados respectivamente ao setorpblico e a vida particular com concentraco de ativi-dades mistas na intersecco dos dois elementos, LcioCosta preocupou-se em desenvolv-la levando em contaa topografia local e a orientaco desejvel. Assim elechegou a forma definitiva da cidade, cujo desenho lem-bra um avio de fuselagem reta e curta, dotado deimensas asas ligeiramente curvas acompanhando o nvelda colina. Indiscutivelmente a composico era de..en-p~ema elegancia em sua nitidez toial e sua simetraquase -completa, Tratava-se de urna obra de arte, ima-ginada desdeorincpio como um todo acabado eperfeito, mas seria um erro pensar que esse lado formal

    .46. L. COSTA, op. cit., p. L

    prejudicou a expresso das preocupaces fundamentaisdo autor; pelo contrrio, facilitou-a. De fato, para ele,urna capital digna desse nome devia ser monumental,a fim de ~~~penhar o papel de. pr~tigio que lhe eraatribudo: ora, a criaco de urna perspectiva principalnica, englobando todos os edifcios mais representa-tivos, resolvia melhor o problema; alm do mais, urnacidade moderna digna de seu tempo nao podia ser con-cebida sem se levar em conta um fenmeno prpriodo sculo XX, a civilizaco do automvel: ora, a apli-cacao ao ncleo urbano do princpio da rodovia, per-mitindo suprimir os cruzamentos e separar as diversasespcies de trfego e possibilitando, assim, a circulacorpida e fcil de urna ponta a outra da aglomeraco,era infinitamente mais simples e eficaz no caso de umtracado linear.Nao nos demoraremos na nfase dada ao EixoMonumental, verdadeira artria triunfal que constituia espinha dorsal da cidade; seu hito excepcional j foi. aebatido quando se falou f!9s edifcios que caracterizam~e eixo47; com efeito, ele exigiu o tipo de arquiteturaoriginal, equilibrada e vigorosa, que o genio de Nie-meyer era capaz de assegurar, e nao exagero dizerque .Lcio Costa elaborou seu projeto sabendo que' podia~ntar com aquele, j oficiosamente designado como ogrande responsve1 pelas construces essenciais. Mas"nem por isso se deve admirar menos a percia demons-trada pelo urbanista, que nesse caso agiu como umverdadeiro regente de orquestra: determino u nao sa implantaco precisa dos edifcios, como tambm oprprio terreno, arranjado numa srie de esplanadasde amplido, configuraco e nveis variados a fim decriar e explorar a vasta gama de perspectivas permi-tidas por essa disposicos". Ele levou em consideracoas condices do local, colocando judiciosamente a torrede televiso no ponto culminante e servindo-se habil-mente do ligeiro relevo existente, porm evitou o res-peito absoluto pela natureza, pouco conforme a suamentalidade racionalista que afirmava a primazia dohomem e sua capacidade de melhorar o quadro quelhe confiado. No plano da organizaco, pode-se encontrar omesmo princpio esbocado ~m Goiania p'or Correa Li-ma, com a distin ao entre centro real ~ centro _ a g w -nistrativ~ mas dessa vez a repartico Io mais rigorosa,mais equilibrada e demais eficiente sob o as ecto fun-cional e plstico. A simetria inerente a composico tOda~aparece-discre't;ml'entecom---;divisao d 2 " EixQ. Mony-mental em duas ,fQDas_cYic..as_que se contrabalancamem relaco a linha demarcatria formada pelo elementotransversal da cruz inicial, sendo urna dedicada a auto-ridade governamental, a outra a autoridade municipal;mas inexiste qualquer igualdade: o respeito pela hierar-quia faz com que toda a atenco incida no setor nobredestinado ao poder federal, que assim fica to valo-rizado que se destaca francamente do conjunto e suaposico .o torna visvel de todos os lados. Tambm naprtica a vantagem dessa situaco excntrica nao era

    47. C. supra, pp. 204-208.48. Durante urna conversa informal, Lcio Costa confessou que, nessaccasio, lembrou-se da percia dos povos do Extremo Oriente em tirarproveito dos declives por meio de terracos escalonados.

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    desprezvel: evitava a agitaco inerente a um trfegointenso e garantia aos ministros e funcionrios a tran-qilidade necessria para um trabalho eficiente; enfim,ela permitia oferecer um quadro ideal para os desfilesoficiais e as grandes cerimnias pblicas que semeiama vida de urna capital nacional, sem perturbar em nadaos habitantes que nao quisessem assistir a elas, nem asatividades essenciais, nem as faculdades de desloca-mento da populaco. Sob esse ponto de vista trplice -esttico, simblico e utilitrio - o termo final assumiaum significado de lugar. privilegiado ROrexC~ encia;--instalaco dos tres poderes supremos reunidos numa~E.!.~.yrayaerguida em honra deles, ~o modernizadaJia_Irr-yu_eJlI fra~ dos sculos ,XVII e XVIII49, de-rivava portanto da mais estrita lgica e coroava comourna apoteose o espetculo pirotcnico cuidadosamentedosado pela percia de Lcio Costa.Agora convm examinar o outro painel do dpticoapresentado, ou seja, a cidade propriamente dita, com sua dupla preocupaco de elaboraco de urna rede devias rpidas na escala do automvel e de comunidades.habitacionais na escala humana Nao se pode separaros dois elementos, aliados numa sntese estreita, de-signada sob o nome significativo de Eixo Rodovirio-Residencial; de fato, a novidade e originalidade da com-posico consistia na combinaco de duas invencesnascidas trinta anos antes e tpicas da civilizaco dosculo XX: a rodovia de trevos (suprimindo todo cru-zamento no mesmo nvel) e a unidade de vizinhanca(agrupando todos os servicos necessrios a vida cotidia-na local dentro de um contexto urbano arejado everde). Mais urna vez a simplicidade do princpio gerale a aparente facilidade das soluces encontradas oculta-vam o carter meditado e a lenta maturaco resultantede um raciocnio impecvel, onde nada foi deixado aoacaso. A adoco da i@!.La quadrad~ de dimenses~mes para os quarteir6es de_240m_de lado, pre-vistos para con ter, cada um, onze prdios de 9n-c--.~e..s_e uma~ primria (da a denorninaco de

    )Jl:. l!! !.LQuadras)! visava facilitar sua implantaco numafila dupla ao longo das grandes vias de comunicaco:acesso fcil a estas, constituico de ullaade-sOe vizl-~nhans;a por guatro superquadras e' ruas de separacoiJsegundo um esguema global definitivamente estabele-cido, clareza geomtrica absoluta dando ao conjuntoum carter nobre sem excluir urna certa flexibilidadede repartico interna - eis a alianca ntima de preo-cupaces funcionais, psicolgicas e plsticas que j tinhamarcado o ~ Monumental. Contudo, nfais do que nohabita t em si, a tnica foi colocada no sistema de cir-culaco, pois o autor do projeto pensava que a felici-dade da futura populaco dependia, antes e acima detudo, doestabelecimento de comunicaces eficientes.Longe de rejeitar o automvel (que lhe parecia ser umfenmeno caracterstico de nossa poca), decidiu valo-ri z-lo enguanto controlava os abusos por meio de urnarigorosa canalizaco. A coluna vertebral do dispositivofoi assim composta por cinco pistas de rodagem sepa-radas por jardins, urna central (muito larga e com duas

    49. Sobre essa Iiliacc, que nos parece rnuito clara, el. L'Lniormation.d'histoire de I'arl, set.-out. de 1961, n.e 4. pp. 115-116.

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    mos, para o trfego acelerado entre as extremidadesda cidade e o centro) e quatro laterais (de urna s mo,servindo as coletividades residenciais estabelecidas nosdois lados delas); a falta de cruzamentos e a criaco deum circuito independente destinado aos caminhes, nosfundos das superquadras habitacionais, permitia velo-cidades altas em plena cidade, reduzindo com isso asdistancias reais e remediando o principal inconvenientede urna aglomeraco linear estendida por mais de doze=-quilmetros. .O problema da junco dos dois eixos no centroda cidade foi magistralmenteresolvido por uma imensa.plataforma de_tte_s nveis: no andar superior uma pracapblica construda Qbre pilotis, oferecendc uma belaperspectiva para o conjunto monumental; embaixo, umvasto espaco semi-abrigado, no mesmo nvel da Espla-nada dos Mjnistrios, estaco rodoviria e cruza mentopara os veculos que querem ir de um dos bracos dacruz para o outro; enfim, passagem subterrnea paraos veculos que vo da Asa Sul do plano para a AsaNorte ou vice-versa. Assim, o transito era orientado ediversificado; uma hbil disposico dos desvios de liga-co evitava como sempre todo encontro em ngulo reto

    das vrias correntes. Assim, a en fase dada ao sistemade circulaco impunha-se em toda parte e chegava aponto de participar de modo decisivo no efeito provo-cado pela zona privilegiada, concebida em termos demagnificencia esttica e poltica. Organizar o centro dacidade em torno de um cruzamento de rodovias e deurna estaco rodoviria poderia parecer um desafio; aimaginaco de Lcio Costa viu nisso imensas possibi-lidades pr ticas e um significado simblico digno deurna capital nascida na era da civilizaco do automvel.Ele agrupou por meio de um zoneamento preciso, emtorno de sua plataforma, os setores pblicos e privadoscuja concentraco sempre fez nascer a vida ativa e aanimaco prprias das verdadeiras metrpoJes. Facil-mente acessveis a todos por causa de sua situaco edestinados a formar o complemento natural do comr-cio e dos meios de distraco locais atribudo s as comu-nidades habitacionais, esses setores tinham, conseqen-temen te, urna funco -econmica e social essencial; suadistribuico engenhosa fazia tambm com que eles resol-vessem, com urna lgica rigorosa, o problema delicadoda transico entre o eixo administrativo e o eixo resi-dencial.Sob todos os aspectos, o plano de Lcio Costaconstitua urna criaco original. Adotava os grandesprincpios do urbanismo do sculo XX (abandono darua tradicional ladeada por casas ou prdios, implan-taco de urna arquitetura com base em blocos isoladosdentro de vastos espacos verdes, multiplicaco de ele-mentos formando divis6es autnomas justapostas, deimportancia quase igual), mas reagia contra a tendenciaa disperso e a falta de unidad e que at ento tinhamsido su as conseqncias. Enquanto o prprio Le Cor-busier, cuja doutrina serviu como fonte de inspiracoe foi sistematicamente aplicada em Braslia, nao con-seguiu, num programa semelhante (em ChandigarlJ},escapar desse perigo, Lcio Costa repensou o problemae chegou a urna concepco hierarquizada onde o cen-

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    tro revalorizado integrava-se numa composicao global,cujas partes estavam todas destinadas a viver em ntimasimbiose. Assim ele reencontrou as vantagens que con-triburam para a grandeza, o encanto e a eficiencia dascidades antigas, sem renunciar as grandes conquistashodiernas. Conforme previu no memorial que acom-panhava a apresentaco do anteprojeto, a premiaco desua proposta pelo jri tinha sido, antes de tudo, a vitriade urna idia e a demonstraco impressionante da supe-rioridade do esprito sobre todo mtodo mecnico, mes-mo na poca da civilizaco da mquina. Mas esse pontode vista nao obteve a unanimidade das opini6es: reser-vas e violentas crticas surgiram a propsito do carterideal desse plano, de sua geometria estrita, de seusvnculos com O passado; seria intil abordar aqui essadiscusso sob o aspecto puramente terico; a discussoser muito mais proveitosa se aplicada a realizacoem si, que hoje um fato inegvel apesar de nao estartotalmente terminada.5. A realiza~o50

    Sem dvida alguma, o plano de Lcio Costa inteiramente clssico em sua pureza, simetria e concep-co de distribuico racional dos elementos no interiorde urna figura preestabelecida, imaginada em Iunco depreocupaces materiais, psicolgicas e formais estreita-mente fundidas num todo indivisvel. Nesse plano pode-se encontrar o mesmo esprito dos tericos italianos dossculos XV e XVI - a combinaco de dois dados fun-damentais do urbanismo enunciados por Alberti '(com-moditas e voluptasr, a preocupaco com o equilbrio ea regularidade geomtrica das propostas de cidade idealque se sucederam de Filarete a Scamozzi e que reper-cutiram em toda a Europa bem alm da Renascenca'".Mas pretender com isso que a composico estava volta-da para o passado nao teria sentido: nao s Braslia naopoderia ter sido concebida seno no sculo XX e punhaem funcionamento invences tipicamente conternpor-neas, como tambm era preciso que assim fosse paraque urna filiaco dessas pudesse ser evocada. A nocode commoditas, to cara a Alberti e seu s sucessores,implicava essa necessidade de atualidade, sob pena detraico: exclua radicalmente toda forma de imobilis-mo esclerosado. Assim, os vrios crticos que invoca-ram argumentos desse tip052 evitaram remontar to lon-ge na cronologia: contentaram-se em vincular arbitraria-

    50. As publicaces sobre Braslia so muito numerosas e principal-mente de \lID interesse por dcmais desigual para que se pense em dar urnabibliografia exaustiva. H alguns anos, tentamos fazer urna sntese das prin-cipais obras em dois artigos publicados em L'niormotion d'histoire de I'ort,set.-out. de 1961. pp. 111-120 e nov.-dez. de 1961, pp. 142-152. Mas convmacr-escen tar- a lista de obras levantadas alguns estudos dos quais tomamosconhecimento depois : a curta nota de S. MOHOLY~NAGY em ProgressiueArchlrecture , t. 40, out. de 1959, pp. 88-89, a anlise de F. CHOAY emL'Oeit, n.Q 59, nov. de 1959, pp. 76~83, e as opinies contraditrias mani-festadas em Zodiac, n.c 6, maio de 1960, pp. 129-139. Dentre as publicacesmais recentes, deve-se assinalar as ilustraces sempre abundantes de Archi-tccture d'aujourd'hui (n.c 101, abri l-maio de 1962, pp. 22-37), os estudosde DAVID CREASE (ArchitectuTal Review, vol. 131. abril de 1962. pp. 256-262), MARIO BARATA (Zodiac, n.c 11, fev. de 1963, pp. 36-47). C. CASA-TI (Dom"s, n.v 434, 1966. pp. 2-29). P. PINCHEMEL (La uie Urboine,1967, n.c 3, pp, 201-234), F. LOYER (L'Oeil, n.c 184, abril de 1970, pp.8-15) e a obra de W. STAUBLI, Brasilia (Stuttgart, 1965).51. P. LAVEDAN. Histoire de l'urbanisme. Renaissance et Tem.psmodernes, 2.~ ed., Paris, 1959J pp, 2-34 e possim,52. MARCELO ROBERTO (el. su.pra ; p. 305 e nota 36), SYBILMOHOLY-NAGY Progressoe Archit ecture, t. 40. out. de 1959, pp. 88-89)e principalmente BRUNO ZEVI (L'Architellura, n .c 51, jan. de 1960, pp.608-619). .

    (

    mente o projeto de Lcio Costa ao sculo XIX, pocaonde a tradico anterior tendeu a degenerar e cujosfracassos em matria de urbanismo so mais conhecidosdo que os sucessos.Contudo, alm desse problema de parentesco, uti-lizado para fins polmicos, existe urna questo bsica:a das qualidades e defeitos respectivos dos planos" aber-tos" ou "fechados". Enquanto aqueles recusam-se aprever a futura evoluco de urna cidade e querem serbem flexveis para que o crescimento posterior possasomar-se ao ncleo inicial sem perturbar seu funciona-mento, estes visam definir desde o comeco urna aglo-meraco concebida como urna totalidade, espcie deobra-prima corresponden do a necessidades especficas li-mitadas no espaco e no tempo, sntese e smbolo deurna dada civilizaco. Lcio Costa optou consciente-:mente pela segunda soluco, achando que s ela iria per-mitir atingir os objetivos fixados (monumentalidade,significado psicolgico, equilbrio) e que a rigidez ab-soluta do plano seria, no caso de urna criaco ex nihilode grande amplido, urna salvaguarda preciosa contraa eventual inccerncia de iniciativas futuras. Tem-se cen-surado nessa cornposico seu carter autoritrio e afalta de possibilidades de adaptaco no caso em que asprevises nao fossem confirmadas pelo uso, ou fossemsuperadas. Essas crticas so realmente justificadas?Principalmente a primeira parece urna quereJa sem sen-tido; nao se deve esquecer que todo urbanismo com-porta por definico medidas de ordem e restrices asliberdades individuais no interesse da coletividade; .ora,sendo Braslia urna realizaco governamental, cujos es-forcos repousavam antes de tudo no setor pblico, nao de espantar que a iniciativa privada tenha sido, maisdo que em outros lugares, enquadrada dentro de nor-mas muito estritas. Quanto ao segundo ponto, convmnao se deixar enganar pelas aparncias: o rigor do es-quema geral de modo algum exclui urna certa flexibili-dade de aplcaco. Nao se pode deixar de admirar apercia com que o autor conseguiu desenvolver seuprojeto a fim de ultrapassar a previso inicial det500 000 habitantes para urna capacidade de 700000 pes-soas sem alterar o carter da composico: o loteamentodos terrenos na margem oriental do lago permitiu queeje preenchesse duas lacunas essenciais de sua primeiraproposta: a falta de um setor de casas particulares, cujademanda sempre forte no Brasil, e o abandono sememprego til de zonas nitidamente privilegiadas por suasituaco Tambm ocorreram mudancas mais discut-veis, 'qu~, afinal, foram absorvidas, em'bora fossem con-trrias ao esprito da obra: a transformaco do "ncleopioneiro" (verdadeira favela de faroeste que acolheu apopulaco vinda ao Planalto Central para edificar afutura capital) numa cidade definitiva as portas de Bra-slia criou urna excrescncia artificilll;. o mesmo se podedizer do estabelecimento de su erquadras inteirarnenteconsagradas a habitaco individual alm da AyenidaOe te_3..,_tendo por corolrio a falta no setor de urnasada viria rpida., reaparecimento local das artrias_tradicionais com cruzamentos em nivel, a transforma-yaO em ruas de comrcio de vias que originalmente ti-nham sido concebidas apenas para a circulaco de ea-minhes e fornecimento de mercadoras. Portanto o de-

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    bate plano aberto-plano fechado mais acadmico doque parece a primeira vista e Philippe Pinchemel, ge-grafo, nao hesitou em falar paradoxalmente a propsitode Braslia de um plano "relativamente aberto"53. verdade que ele tinha em mente nao a capital propria-mente dita, mas sim o conjunto do Distrito Federal,cujo crescimento ocorreu de modo totalmente inespe-rado; de -fato, as cidades-satlites, preyistas_por Lcio ,.l1osta,-deveriam desenvolver-se apenas mais tarde, cornoCOiplemento da aglomerac;:aocentral; sua criaco ti-nha sido concebidacomo um meio de nao bloquear ocrescimento regional quando a prpria Braslia tivesseatingido o limite alm do qual se arriscava a cair emproblemas incontrolveis pela maioria das grandes me-trpoles do mundo contemporneo: portanto, o vence-dor do concurso nao tinha estudado os planos dessascidades secundrias, que iriam constituir urna ~unda~a . .ra nao levar em cont~ oClillaiiSmo_brasilelro.;-a migraco interna, vinda das regi6es mais pobres, foital que a administraco logo se viu superada; vrias fa-velas comecaram a nascer em tomo dos' canteiros deobras e nao houve outro remdio seno evacuar para ascidades-satlites essa massa humana cujas vagas suces-sivas vieram abater-se ali como na Terra Prometida'

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    falta de vida autntica que ainda J20de ser sentida hoje,com rel9aoao-cfrOde BrasIlia ~nde- desaparecerprogressivamente com o_sanos!6. ~ -~.~o que subsistir sempre a novaconcepco do espaco, trace fundamental do plano deLcio Costa. O movimento racionalista, sob o impulsode Le Corbusier, tinha proposto substituir o espaco fe-chado das ruas e pracas determinadas pelos alinhamen-tos contnuos dos edifcios por um espaco aberto efluido, pontilhado de edifcios isolados que o canaliza-riam, torn-lo-iam sensvel a percepco mas nao o deli-mitariam de modo absoluto. Tratava-se de urna revolu-

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    Fig. 325. Braslia. O Eixo Monumental visto da torre de tele-viso. 1968.

    nessa discusso, que nao est isenta de preconceitos etanto mais violenta quanto a viva do e~-wofesso: ~.--Bauhaus e o.J;lliLadino da ar uitet.ura orgal:l1@ sentam-se con rrios a evoliico mundial, constatando co~amargura que o triunfo de Braslia dava um golpe. deci-sivo nas possibilidades do ideal baseado na p.riO~id~d.eabsoluta da habitaco privada e da democracia indivi-

    ;l( dualista; de fato, esse assurito j foi abordado''". Almdo mais, o urbanismo nao urna questo de dogma e lgico admitir que podem existir vrios caminhos ac~i-tveis: o no-reconhecimento do valor dos espacos cna-dos por Lcio Costa, portanto, foi urna exceco devidaa consideraces apaixonadas e nao um questionamentoobjetivo de sua ..m!.alidackjlltrnseca.

    , No eixo rdoviri~-residencial, a situaco nao to clara. Tambm ali a imensa superfcie nao cons-truda da rodovia que separa as duas sries de super-quadras o fulero em torno do qual orga~iza-se acomposico, mas trata-se de um espaco propo.srtalmentemenos bem definido e menos puro que no etxo monu-mental: a hierarquia desejada pelo autor do projeto naopodia acomodar-se a um concorrente, que teria_aten~ad?o prestgio vinculado a zona-smbolo da funco pnnci-

    61. el. L'Lnjormation d'histoire de l'art, set.-out. de 1961, -pp. 114-116e supra, pp. 203-204.

    , :>6 6

    pal da cidade., r Ali , o.problema colocava-se de mododiferente: a contm idade absoluta das pistas era urnanecessidade imperativa e nao teria sido lgico preverurna compartimentaco qualquer por meio de obras dearte que limitassem a viso. Mas o prolong-.mento por

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    Ierenca fundamental entre os dois tipos de espaco emtorno do qual ordenam-se os dois bracos da cruz imagi-nada por Lcio Costa. Um tratado de modo plstico,unitrio, imp6e-se sem reservas; visvel de qualquerlado, goza de urna valorizaco particular a partir decertos pontos privilegiados. O outro tratado de modomais discreto; sua existencia nao impressiona perma-nentemente, exceto quando percorrido de carro ou quan-do se passeia nos quarteires prximos; ele se apaga nasvistas gerais e mesmo nas vistas areas de perto, toma-das fora de seu eixo vertical (Figs. 326 e 327): naoraro so os edifcios da dupla fila de superquadras dooeste (sries 100 e 300) que definem o tracado dessaparte da cidade, e nao o conjunto das quatro sries im-plantadas em torno da artria de base. Enquanto o es-paco do Eixo Monumental era, desde o ~comec;:.Q,epre-sentativo e magnfico, com um carter, prtico que sintervinha em segunda instancia,aproporc;:ao inverteu-se nas asas residenciais, onde incontestavelmente do-mina a funco utilitria.

    Essa seguranca na--manipulac;:ao do espaco de acor-do coro a expresso e as necessidades, com as variacessutis sobre um nico tema, levou ao resultado globalprevisto por Lcio Costa. O desenho que seduziu o jripassou sem dificuldades para a realidade. A forma ima-ginada, to sedutora no papel, comprovou ser, na exe-cuco, totalmente diversa de um desenho gratuito: po-de ser apreendida de relance nao s na vista area, mas

    Fig. 326. . Braslia. A ala residencial sul vista da torre de te-leviso. Vista parcial. 1968.

    tambm quando vista do interior da prpria cidade, esua nitidez contribui para impressionar o morador ouo visitante, banhado numa atmosfera de pureza e gran-deza equilibrada que imp6em respeito. Trata-se de urnaobra de arte verdadeiramente concebida pelo planifica-dor: os efeitos esperados nao decepcionam. Alm disso,a simplicidade do esquema torna fcil a orientaco, qua-lidade prtica que vale seu peso em ouro. Houve ver-dadeiramente urna conquista do lugar, audaciosamentevalorizado pela cidade, sem a qual esta teria um signi-ficado esttico muito restrito; mas essa conquista naose traduziu num esmagamento da natureza: esta foiarranjada pela mo do homem, domada, melhorada pa-ra seu prprio proveito, mas nao foi violentada. O ur-banista levou em consideraco seus traeos essenciais,originais ou modificados, (topografia, hidrografia) e,~embora tenha dado primazia a criac;:ao do esprito hu-mano, tomo u a precauco de prever um~-te e verde em torno da aglomeraco, soluco essa que~taas duas vantagens de realcar a arquitetura eassegurar aos moradores um agradvel ambiente para ofuturo. verdade que sero parques artificiais, com ve-getaco replantada (o que acarretar um custo conside-rvel, tanto mais que o solo de laterite nao facilita ascoisas) , mas esse um dado permanente dentro do con-texto natural brasileiro, muito rido ou muito hostil pa-

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    Fig. 327. Braslia. A ala residencial sul em vista area. Vistado oeste. (No primeiro plano as casas populares aoeste da Avenida W-3, em segundo plano, os blocosdas superquadras das sries 300 e 100.)ra poder ser deixado como est. O tratamento do espacona escala total do lugar foi portanto realizado com amesma percia que o tratamento da aglomeraco pro-priamente dita, e nao dos mritos menores de LcioCosta o ter conseguido aproveitar magnficamente urnaIocalizaco que a priori nao apresentava nenhuma vir-tude excepcional.

    Embora o tratamento do espaco sempre tenha con s-titudo o elemento essencial de um bom xito urbans-tico, jamais foi um ato gratuito. Nao deixa de estarligado a consideraces prticas e especialmente a orga-nizaco da rede de circulaco. Ora, o plano de Brasliaestava baseado, mais do Que qualquer outro, nesse lti-mo dado, j que se caracterizava por urna dupla nfasecolocada no carter monumental da cidade e no sistemavirio. De fato, pela primeira vez urna cidade era cons-truda em funco de urna rodovia urbana, prevista desdeo corneco e nao acrescentada depois como nas grandesmetrpoles da Amrica do Norte; portanto, o resultadoda experiencia apresentava um interesse de primeiraordem. verdade que, como j foi ressaltado, a capitalbrasileira ainda nao est terminada, mas sua construcoest bastante adiantada para que se possa tirar dela en-sinamentos preciosos. Realizado tal como tinha sido con-cebido, o conjunto virio dos grandes eixos prestou os368

    servicos esperados: as comunicaces so fceis e rpi-das, pon do as quadras mais afastadas a alguns minutosdo. centro; as pistas so bastante largas para que osinmeros carros particulares e transportes coletvos pos-sam tom-las sem perturbar uns aos outros=': os aces-sos as superquadras nao apresentam problemas e O li-geiro desvio que imposto aos automveis para pene-trarem nelas serve para salvaguardar sua tranqilidade;a complexidade do cruzamento central em tres nveis apenas aparente e os motoristas nao tm dificuldadealguma em aprender em algumas horas os segredos dosvrios trevos que permitem deslocar-se sem dificuldadepor toda a cidade. As previses do arquiteto autor doplano, portanto, confirmaram-se em todos os pontos eraros foram os retoques necessros: a constataco daausencia de trfego intenso na via do meio do eixo re-sidencial, devido ao fato de que essa artria s podeser aproveitada por veculos que se dirigem de forapara o centro e vice-versa, levo u os responsveis apensar em tres trevos em cada ala a fim de repartir me-lhor a capacidade de utilizaco da vasta rede estabele-cida'". Tambm houve a j mencionada transformacoda Avenida Oeste 3 em rua de comrcio 'e o desenvol-vimento arbitrrio da zona situada alm dessa avenida,

    62. Ora, Braslia apresenta a maiar densidad e de veculos motorizados -{por habitante em todo o Brasil; os servicos de nibus inicialmente deficien-tes agora esto regularizados e as queixas dizem respeita principalmente a sligacdes com as cidades-satlite, cujo distanciamento constitu U01 obstculopara urna populaco que vern trabalhar cm massa na prpria capital.63. Alis, nao se deve esquecer que esse abandono da pista principalde grande raio de a

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    agora coberta por casas individuais, chamadas de popu-lares mas na verdade ocupadas principalmente pelaclasse mdia; mas isso foi urna imposico poltica, aqual os urbanistas tiveram de acomodar-se. A adocode um sistema de quadras servidas por calcadas des-contnuas permitiu a domesticaco do automvel, comonas superquadras originais; em compensaco, os mora-dores nao gozam de vantagens semelhantes no que serefere as comunicaces, j que a Avenida Oeste 3 nao urna rodovia; a multiplicaco de fungo es a ela atri-budas levou a colocaco de semforos, tanto para ve-culos, quanto para pedestres, exatamente como nas aglo-meraces tradicionais, quando Lcio Costa tinha que-rido banir de Braslia esse modo de regular a circulaco:mas verdade que, mesmo assim, essa circulaco fluicom urna facilidade invejada pelos motorista s acostu-mados aos engarrafameritos clssicos das outras cidades.Alis, o caso da Avenida Oeste 3 merece ser estu-dado em todos os seus aspectos, j que coloca um pro-

    blema fundamental para o urbanismo contemporneo.De simples via de abastecimento destinada aos cami-nhes no projeto inicial, ela foi promovida a categoriade calcada nobre margeada de lojas, acontecimento mo-tivado em grande parte pelas circunstncias e pela ordemde desenvolvimento adotada para a futura capital'". Masessa explicaco nao basta. A idia do planificador erasuprimir completamente a rua antiga e separar as fun-ces que at ento ela vinha desempenhando: ele sconservou o papel de passagem de veculos, retirando-olhe nao s os prdios de apartamentos que a rodeiam(agora agrupados nas superquadras), como tambm asvitrinas comerciais; estas deviam abrir-se nos caminhosvoltados para O interior dos quarteires habitacionais;s os fundos das lojas dariam para as calcadas desti-nadas ao trfego motorizado. Ora, os comerciantes naoaceitaramessa soluco e inverteram as fachadas paravoltarem a ordem usual, e isso tanto na grande artriaem questo quanto nas ruas secundrias entre as qua-dras residenciais. Essa rebelio, que nao se tentou com-bater por causa de seu carter profundo e espontneo,sem dvida alguma foi parcialmente devida a urna na-turalatitude conservadora e a recusa em tentar adap-tar-se a novas normas; mas seria intil nao ver a aexpresso de urna necessidade de abertura para o exte-rior sentida pelos interessados e pelo pblico. O co-mrcio local nao. quis ser aquartelado num setor ex-clusivo, mesmo naescala da superquadra que abrigavrios milhares de pessoas, e, por seu lado, a clientelaficou mais a vontade na via tradicional, ande o agrupa-mento de vitrinas dava a impresso de urna escolha mais. efetiva. Esse fracasso em suprimir a rua clssica nao significativo, nem encerra a condenaco de toda tenta-tiva do genero, pois existem dois fenmenos distintos: verdade que a rua comercial conserva seu s atrativos eseria um erro tentar faz -la desaparecer, substituin-do-a. unicamente 'por l...gra~ sup~;~:d~ dotadosde imensos estaconamerrn , mas po - ensar emad.apt~la, excluindo dela a circulaco de automveis.exercidos por um centro ainda pouco desenvolvidc, mas sem dvida algumaessa situa9ao ir mudar daqui a alguns anos. .64. Cf', supra, p. 364.

    Essa separaco de trfego e freguesia desejvel: fa-vorece o pedestre apressado que faz compras, da mes-ma forma que aquele que est passeando, e tende a de-volver a cidade um de seu s atrativos de sempre, naoraro perdido depois do triunfo absoluto dos veculosmecnicos. Ora, era isso mesmo que queria Lcio Cos-ta, mas ele manteve as duas funces muito prximasurna da outra e principalmente no mesmo plano hori-zontal: a facilidade oferecida foi explorada contra suaidia diretora, enquanto um des vio desses teria sidoimpossvel se a diferencaco fosse por nveis verticais(por exemplo, Cumbernauld, na Esccia) . Assim, no fe- Jnmeno constatado houve mais falta de compreenso dafinalidade desejada do que verdadeiro vcio de forma,e nao se pode dizer que a realizaco da experiencia naodeu mais satisfaco do que o estado atual. Mas persis-tem dvidas quanto a saber se a frmula proposta, queprovou ser adequada para o tratamento do centro deurna grande cidade reconstruda como Rotterdam e queparece dever dar bons resultados no caso de Braslia,teria os mesmos atrativos se aplicada sistematicamentena escala do bairro.

    Chegou o momento de abordar o ltimo captulo im-portante do urbanismo de Braslia: as comunidades re-sidenciais. Tambm ali as disposices muito simples ado-tadas por Lcio Costa funcionaram perfeitamente. Assuperquadras quadradas de S, ll erfcie identica ermiti-ram or anizar um habitat coletivo a a ta o a con-~getli.L,. o erecendo aos beneficirios mltiplasvantagens: contexto arejado, onde os prdios ocupamurna pequena proporco da superfcie do solo, o restosendo transformado em vastos jardins pblicos para ouso permanente da populaco vizinha; completa tran-qilidade dentro das quadras gracas a excluso da cir-culaco de automveis que nao seja o transito pura-mente local (s tm interesse em penetrar nelas os pro-prietrios, locatriose visitantes que guardam os auto-mveis; as vias internas sinuosas, cortadas por canaletasou obstculos obrigam os motorista s a andar devagar) ;proximidade da rodovia evitando toda perda de temponos deslocamentos (os carros particulares so for9adosa um pequeno es..~fsentrada- e saCla SI uam-seapenas nos fu.ndos das superqua:dras-'cfimd--agJ"parOI uxo mOtoriZaClo e ffiitar-nmefi)' - e pOntos-dis-postos ara o acesso as pistas e ve!ociua-de; 'em com-ensa~ e e ec_ e a Cfi'fetiirrente aos-pOlTtos denbus instalados nessas mesmas pistas); disposico aoalcance imediato de todas as comodidades essenciais,que permitem vi ver no prpro local se se quiser (esco-la primria dentro da quadra, lojas nas ruas perifricas,ginsio, cinema, quadra de esportes, capela numa zonamais afastada). Foram fetas crticas pelos primeirosvisitantes de Brasilia, que temiam que emanasse do con-junto urna monotonia perturbadora, devida a repeticosistemtica de urna nica forma de diviso do terrenoacompanhada pela repetico de blocos idnticos. Ora,desde o comeco Lcio Costa esteve perfeitamente cons-ciente desse risco, mas resolveu corre-lo, achando quepodia ser combatido pela repartico diferente dos pr-dios no interior de cada quadrado e' pela utilzaco deespcies vegetais determinadas para os cintures verdesdestinados a cada um desses quadrados. E foi isso que

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    a imposico, pelo autor do plano piloto, denormas . stritas ara o edifcios de a artamen-~ (construco sobre p"lotis, fixa~,,- e um gabaritopreciso edo nmero de andares exi idos em cada ua- -ra, em geral W~"assegurou a capital uma rara uni-'dade monumental, mas sem levar a uma distribuicoestereotipada,nem excluir a variedade tcnica e plsti-ca (Figs. 328 e 329). A liberdade dos arquitetos encar-regados da realizaco de uma ou mais quadras sem d-vida alguma foi limitada, mas isso nao impediu que elescriassem . obras harmoniosas marcadas com o selo desua personalidade.

    Fig. 328. Braslia. Superquadra 108. Arquiteto: Osear N IE-MEYER.

    Fig. 328a. Brasl ia. Superquadra 108, Arquiteto: Osear N IE-MEYER.OS quarteir6es situados alm da Avenida Oeste 3,originalmente nao previstos, nao gozam das mesmasvantagens de comunicaco e comrcio local ao alcance

    imediato, apesar da transformaco do carter dessa ave-nida. Alis, des abrigam uma populaco menor, j queso formados unicamente de casas; estas esto habil-mente dispostas, a fim de assegurar a necessria intimi-dade ao mesmo tempo que se mantm no domnio p-blico a rea bastante vasta compreendida entre suas du-plas filas; de fato, em vez do minsculo jardim Indi-vidual que poderia ter sido destinado a essas moradias,concebidas inicialmente para as classes menos abasta-das, preferiu-se um belo gramado comum oferecendomais possibilidades de recreaco para adultos e de di:vertimento para criancas, Alis, o mesmo princpio Ioi

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    utilizado para as luxuosas mans6es destinadas aos mi-nistros e altas personalidades, situadas numa das penn-sulas do lago; dispostas em quincunce e bem espacadasentre si, nao so cercadas, gozando, assim, de um grandejardim comum. Com isso a esttica sai ganhando, masnao essa a explicaco fundamental da escolha feita.Uma das finalidades de Lcio Costa foi criar umacidade inteiramente nova, onde as pessoas nao vivessemmais de modo egosta, onde e1as fossem membros ativosde uma comunidade. Ele chegou mesmo a sonhar uma

    integraco social progressivabaseada na unidade de vi-zinhanca, que faria uma mlsturacautelosa da popula-co: com os quarteir6es mais prximos da rodovia ocupa-dos pelos ricos, as superquadras exteriores destinadasa classe mdia, haveria uma justaposico na vida coti-diana e manutenco de certas relaces, ao mesmo tem-po que se evitariam as combinaces explosivas; as crian-cas de meios diferentes ficariam isoladas nos primeirosanos e especialmente na escola primria(nico meiode as classes abastadas nao desertarem da escola p-blica) , mas se reuniriam no ginsio, onde os elementosmais dotados das classes modestas poderiam ser aceito scomo colegas dos flhos de pais favorecidos pela for-tuna. Esprito requintado, idealista e positivo ao mes-mo tempo, conhecendo bem a mentalidade doshab-tantes de seu pas, Lcio Costa nao procurava precipitaras coisas; lancava as bases de uma transformaco degrande flego; que s tinha possibilidade de se; esbo-cada por meio de um passo discreto. Contudo, os fatosprovaram que mesmo assim ele foi muito otimista: de-savergonhadamente, os polticos ocuparam todos osapartamentos da asa sul.. entregando-se a uma especula-.co desenfreada, e exigiram acriaco de quadras decasas particulares alm da Avenida Oeste, com o pre-te~to de que a populaco pouco evoluda nao estavacapacitada a morar nos prdios; mas, como essas casasforam bem concebidas e provaram ser agradveis, foramas classes mdias que as receberam, enquanto os peque-nos funcionrios eram relegados a lugares mais distan-tes situados perto da zona industrial e da estaco: quan-to aos migrantes pobres que servem de mo-de-obra ba-rata e malevel, que desabaram no Distrito Federal el se fixaram, nao tiveram outra soluco seno a favelaou a cidade-satlite (que, alis, originalmente foi umafavela). Niemeyer, mais marcado politicamente do queLcio Costa, tambm mais intransigente em suas idiase mais violento em suas reaces, ergueu-se vigorosamen-te contra essa situaco, mas nao pde fazer mais doque deplor-Ia em seu livro de depoimentos'" e eminmeras declaraces. Em 1963, ele pensou impedir essatransferencia de destinaco de alojamentos modestosprojetando, para certos prdios da asa norte, aparta-mentos onde o tanque ficava na sala de estar (nicomeio de afastar definitivamente a burguesia), mas acrise do regime em 1964 e o afastamento espontneo _do arquiteto depois desses acontecimentos impediramque uma iniciativa to curiosa tivesse prosseguimento.Mas possvel que, com a atenuaco progressiva dafalta de moradia, o problema do acambarcamento das

    65. O. NIEMEYER, Minha Experiencia em Brasilia, Rio de [anero,1961, pp. 6365.

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    novas unidades constru das se torne menos crucial naasa norte e um equilbrio social mais coerente se esta-beleca naturalmente. Tambm convm dizer que o sis-tema adotado'" para financiar a edificaco das comuni-dades residenciais de Braslia levou a urna segregaco:de fato, o programa foi confiado ou a um regime deprevidncia social, ou a urna grande administraco ouempresa, que tomava a seu cargo o equipamento de urnaou mais superquadras e alugava os apartamentos a seu sassociados ou a seu pessoal; por isso nao se pode deixarde assistir a um agrupamento da habitaco por profis-ses e por empresas, com todas as conseqncias dessa

    introduziu-se a diversificaco em conjuntos na orgemrigidamente reservados a comunidades profissionais.Mas tambm verdade que desde j a ala sul surge co-mo o bairro elegante e duvida-se de que o equilibriosonhado por Lcio Costa para o conjunto da cidadepossa ser restabelecido no plano social. Mas esse r la-tivo fracas~~ nao dev~ ocultar o sycesso real dos g1l.!!.r:teir6es residenciais imaginados pelo urbanista. Est lon-geo tempo erii que os primeiros beneficirios fugiamda cidade no primeiro feriado: Esse movimento naopassava de urna reaco provisria contra os incmodosde um imenso canteiro de obras. Hoje a tendencia

    Fig. 329. Braslia. Superquadra 114. Arquiteto: Ary GARCIAROSA.falta de maleabilidade e a criaco de ncleos de. vida'em circuitos fechados. Paradoxalmente, desta vez foi aespeculaco imobiliria que trouxe um corretivo ben-fico para esse estado de coisas. Inicialmente, tinha-sepensado em exclu-la completamente da nova capital; oterreno era propriedade pblica e as sociedades con s-trutoras iriam apenas alugar os alojamentos; a falta derecursos financeiros para prosseguir no programa e aspresses dos particulares levaram bem cedo a um 'planode venda aos moradores com grandes facilidades decrdito; ora, grande nmero deles logo revendeu comlucros sua parte para comerciantes ou profissionais li-berais que tinham mais condices financeiras; assim,

    66. Mas a responsabilidade nao cabe de modo algum a Lcio Costa.

    inversa: os moradores sentem-se em casa, bem fixadose felizes com o tipo de vida que lhes proposto. Elestm consciencia de serem privilegiados, de participarde urna experiencia, e isso lhes d satisfaco.Nao se insistir nos elementos complementares es-pecficos de Braslia devidos a sua funco ou contextotopogrfico, As embaixadas, localizadas nas encostasda ala su!, esto magnificamente situadas: isoladas noverde e ,bem distanciadas entre si-para nao se incomo-darem nutuamente, formam um conjunto discretoque domina a Avenida das Naces: cada pa's pode oupoder afirmar sua personalidade arquitetnica, se de-sejar, sem correr o risco de desnaturar o conjunto (asnicas restrices impostas dizem respeito, de fato, aaltura dos edifcios, obrigando os responsveis a umdesenvolvimento horizontal mais do que vertical). Asmargen s do lago ofereciam uma localizaco magnfica371

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    para a instalaco de locais para lazer e atividades espor-tivas: ali multi licaram-se clubes assegurando urna vas-ta gama de distraces e todo tipo. claro que aindafalta preencher o imenso espaco que circunda a cidadee deve ser arranjado em parques: at mesmo os -terre-nos que separam a cidade do lago ainda esto, em suamaio