brochado e monticelli. regras práticas na reconstrução gráfica das vasilhas de cerâmica guarani...

Upload: gtametal

Post on 13-Apr-2018

217 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 7/26/2019 Brochado e Monticelli. Regras Prticas Na Reconstruo Grfica Das Vasilhas de Cermica Guarani a Partir Dos Fra

    1/12

    REGRAS PRTICAS

    NA RECONSTRUO GRFICA

    DAS VASILHAS DE CERMICA GUARANI

    A PARTIR DOS FRAGMENTOS

    Jos Proenza Brochado

    Gislene Monticelli**

    INTRODUO

    Um dos problemas contnuos da arqueologia a reconstruo grfica

    das formas das vasilhas a partir de seus fragmentos. Alguns consideram esta

    tarefa muito difcil, ou mesmo impossvel, pelo menos quando se trata de

    fragmentos pequenos. Defendemos que, comparando com as vasilhas intei-

    ras, a maior parte dos fragmentos de borda permite a reconstruo grfica

    da cermica Guarani arqueolgica, com boa possibilidade de acerto.

    Para efetuar a reconstruo grfica das vasilhas relacionando-as com

    a sua funcionalidade, seguimos os seguintes passos:

    A. A classificao etno-histrica de cermica Guarani do sculo XVII, a

    partir de Montoya, [1650] 1876, cf. Brochado. In: La Salvia Bro-

    chado, 1989: 121-145;

    Doutor, Professor na Pontifcia Universidade Catlica (PUCRS), em Porto Alegre.

    Lic. e Bel. Cincias Sociais UFRGS), acadmica de Geografia (UFRGS), mestranda

    em Arqueologia (PUCRS).

    Estudos Ibero-Americanos. PUCRS, v.Xx, n.2, p. 107-118, dezembro, 1994

  • 7/26/2019 Brochado e Monticelli. Regras Prticas Na Reconstruo Grfica Das Vasilhas de Cermica Guarani a Partir Dos Fra

    2/12

    108

    Estudos Ibero-Americanos, XX 2) - dezembro, 1994

    B. A identificao destas classes entre as vasilhas Guarani arqueolgicas

    inteiras depositadas em museus e colees, principalmente as do

    Centro de Estudo e Pesquisas Arqueolgicas (CEPA-PUCRS) e as do

    Laboratrio de Arqueologia (UFRGS);

    C. O estabelecimento das regras de proporo entre as partes destas

    vasilhas, separadamente para cada classe; ver Brochado, Monticelli

    Neumann In: Veritas, 1990: 727-743;

    D. O uso destas formas na reconstruo grfica atravs de fragmentos.

    Os trs primeiros passos j foram efetuados e seus resultados publica-

    dos. As regras resultantes foram utilizadas, em larga escala, no estudo do

    material obtido durante as pesquisas do Projeto Arquelgico Uruguai, con-

    vnio entre a ELETROSUL (Centrais Eltricas do Sul do Brasil) e a PUCRS

    (Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul), mas os resultados

    s constam nos relatrios entregues financiadora do projeto. (La Salvia,

    Brochado

    Naue. Naue, 1989 e La Salvia

    Brochado, 1990).

    Neste trabalho indicaremos quais as regras prticas que foram sendo

    estabeleci das ao longo das pesquisas, atravs do estudo de mais de 5 mil

    fragmentos de bordas.

    Para encontrarmos a funcionalidade das vasilhas de cermica Guarani,

    recuperadas arqueologicamente, recorremos analogia etnogrfica obtida a

    partir das descries encontradas no Dicionrio Guarani-Espanhol de Ant-

    nio Ruz de Montoya ([1650] 1876).

    Montoya indica a existncia de diversas classes de vasilhas em uso

    entre os Guarani e cita suas funes. Na maior parte das vezes o termo em

    espanhol foi suficiente para dar uma idia da forma, por exemplo,

    yapep

    olla = panela. Inferncias como esta foram feitas tambm para as outras

    classes de vasilhas no

    Glossrio

    que faz parte do livro

    Cermica Guarani

    (La Salvia

    Brochado, 1989: 125-145), onde h a comparao dos termos

    em Guarani com os termos em Espanhol e a explicao destes atravs de

    comentrios.

    Identificamos pelo menos seis classes de vasilhas Guarani entre que-

    las descritas por Montoya. So elas:

    1 - panelas para cozinhar

    yapep);

    2 - caarolas para cozinhar

    iiaet

    ou

    iiae);

    3 - pratos para assar beiju iiampu ou iiamypiu)

    4 - jarras para bebidas em geral, especialmente bebidas fermentadas

    alcolicas cambuch);

    5 - pratos para comer iiaemb ou teembir);

  • 7/26/2019 Brochado e Monticelli. Regras Prticas Na Reconstruo Grfica Das Vasilhas de Cermica Guarani a Partir Dos Fra

    3/12

    Regras prticas na reconstruo grfica ...

    109

    6 - tigelas para beber cambuch caguba).

    Identificamos estas classes entre as vasilhas de cermica Guarani

    inteiras, depositadas em museus e colees, e por comparao com estas foi

    possvel reconstruir graficamente a forma daquelas vasilhas que esto rep-

    resentadas apenas pelos seus fragmentos.

    Conforme a poro da rea total da vasilha, representada pelo frag-

    mento da borda usado na reconstruo, estabelecemos critrios restritos de

    como agir em cada caso.

    Estes critrios sero explicitados a seguir para cada classe de vasilha

    (entendendo por classe, todas as vasilhas que teriam a mesma funo).

    importante observar que as reconstrues grficas servem apenas

    para indicar algumas possibilidades de forma e dimenses dentro de cada

    categoria (vasilhas da mesma classe, que s se diferenciam por pequenas

    variaes na posio e perfil da borda). Isto no indica que, a partir de um

    fragmento da sua borda, possamos conhecer a forma exata que a vasilha teria

    tido. O que, porm, no prejudica nossa classificao, uma vez que nossa

    preocupao com a reconstruo da funcionalidade das vasilhas.

    As seis classes de vasilhas Guarani identificadas so (Figura 1):

    1 Yapep:

    No dicionrio de Montoya (cf. Brochado), as vasilhas usadas para a

    preparao de alimentos por fervura sobre o fogo, aparecem mencionadas

    como yapep, e so descritas como tendo formas bojudas, com bordas

    cncavas, verticais ou inclinadas para fora.

    Montoya traduz o termo yapep pelo vocbulo espanhol olla, que em

    portugus corresponde panela. Dicionrios de espanhol ilustram a forma

    mais freqente das panelas tradicionais: um recipiente esferoidal, com as

    paredes infletidas e a borda inclinada para fora, com dimenses variadas. As

    panelas europias antigas realmente correspondem a esta descrio, exceto

    pelo fato de possuirem alas e apoios em forma de patas.

    No foi difcil reconhecer a classe das vasilhas denominadas yapep

    nos conjunto das vasilhas inteiras de cermica Guarani arqueolgicas. De

    fato, so muito comuns os recipientes de base conoidal e paredes infletidas,

    com bojo bem marcado e borda cncava, vertical ou inclinada para fora, que

    salvo os detalhes, parecem homlogos das panelas europias. Conclumos,

    ento, que deveriam ser estas as vasilhas a que Montoya se referia ao citar

    o termo yapep.

  • 7/26/2019 Brochado e Monticelli. Regras Prticas Na Reconstruo Grfica Das Vasilhas de Cermica Guarani a Partir Dos Fra

    4/12

    110

    Estudos Ibero-Americanos, XX 2) - dezembro, 1994

    ~f.;;::,~:f

    ;;;;7

    i : . .

    ~5

    i

    ~

    6~

    ~

    FGC'

    FIGURA 1: Principais formas das vasilhas de cermica arqueolgica Guarani, divididas

    em seis classes: 1. panela =

    yapep;

    2. caarola =

    at;

    3. prato para assar =

    iiampiii;

    4, jarra para bebida = cambuch; 5, prato para comer = naemb; 6. tigela para beber =

    cambuch caguab.

  • 7/26/2019 Brochado e Monticelli. Regras Prticas Na Reconstruo Grfica Das Vasilhas de Cermica Guarani a Partir Dos Fra

    5/12

    Regras prticas na reconstruo grfica ... 111

    la Bordas:

    Montoya identificou duas variedades de bordas nesta classe de vasi-

    lhas: a vertical e a inclinada para fora; assim como encontramos nos

    exemplos arqueolgicos. Nas vasilhas inteiras, cuja forma se assemelha ao

    yapep, se observa que apresentam uma variao na posio da borda que

    vai ligeiramente inclinada para dentro, passando pelas verticais, at as

    inclinadas para fora.

    lb Base:

    Montoya define duas categorias de yapep quanto forma da base:

    conoidal e arredondada, e assim procuramos represent-Ias ao fazer a sua

    reconstruo grfica.

    lc Dimenses:

    Montoya classificou os yapep quanto as dimenses em pequenos,

    mdios e grandes. Partindo desta informao e observando as variaes nas

    dimenses do dimetro nas vasilhas inteiras e fragmentos de borda, conven-

    cionamos classificar como pequenos yapep myri) aqueles com o dimetro

    de boca entre 12 a 16cm; mdios yapep boy) de 18 a 30cm e grandes

    yapep gua), maiores de 32cm. As vasilhas da mesma forma, mas com

    o dimetro da boca menor que 12cm foram classificadas como miniaturas

    (porque dificilmente poderiam ter sido usadas para a preparao de alimen-

    tos sobre o fogo.

    ld Funo:

    A funo do yapep como panela de cozinhar fica clara nas diversas

    frases e expresses mencionadas por Montoya (cf, Brochado), onde o termo

    relacionado com a preparao dos alimentos por fervura.

    le Critrios para a reconstruo grfica:

    Reconstruimos graficamente, como yapep, todos os fragmentos in-

    fletidos que apresentam borda cncava, seguida por um bojo arredondado.

    A borda pode ser vertical, ligeiramente inclinada para dentro ou para fora,

    predominando esta ltimas. Excetuam-se aquelas bordas cncavas cuja

    posio ou a posio da inflexo da parede que se segue, requer sua

    reconstruo como tigela.

    bom lembrar que tigelas infletidas com a borda

    cncava inclinada para fora so raras entre as vasilhas inteiras.

    Na reconstruo grfica representamos todos os

    yapep

    com o bojo

    pronunciado, preferentemente arrendondado do que carenado, porque esta

  • 7/26/2019 Brochado e Monticelli. Regras Prticas Na Reconstruo Grfica Das Vasilhas de Cermica Guarani a Partir Dos Fra

    6/12

    112

    Estudos Ibero-Americanos, XX 2) - dezembro, 1994

    uma caracterstica de sua forma, e todos com bases conoidais, s foram

    utilizadas no caso das miniaturas, conforme se observa nas vasilhas inteiras.

    Excluem-se da classe dos

    yapep

    aqueles fragmentos pintados interna

    ou externamente, que foram classificados como cambuchi com forma de

    yapep

    (ver

    cambuch),

    porque estes obviamente no poderiam ter sido

    usadas sobre o fogo.

    2.

    Naet:

    Montoya traduz faet pelo termo espanhol cazuela, isto , caarola.

    Estas vasilhas europias tinham uma forma aproximadamente tronco-cni-

    ca, com borda direta, contnua com a parede, aproximadamente vertical ou

    inclinada para fora e base aplanada ou levemente arredondada. Como a

    caarola, o faet serviria para cozinhar alimentos por fervura sobre o fogo.

    Nas colees de vasilhas Guarani inteiras, recipientes abertos, de

    forma conoidal ou elipsoidal, com dimenses relativamente grandes, apare-

    cem usados como tampa das jarras ou talhas cambuch) ou das panelas

    yapep, usadas como urnas funerrias.

    2.a. Dimenses:

    Montoya classifica os faet quanto s dimenses em tamanho normal

    faet)

    e grande

    faet guau).

    Convencionamos como medianos aqueles

    com o dimetro da boca variando de 30 a 48cm, e grandes aqueles com

    dimetro maior de SOcm.

    3.

    Nampy:

    Montoya denomina iiampy ou famypiu uma classe de vasilhas cujo

    nome traduz por tostado r ou torrador, com toda a probabilidade de estar se

    referindo aos pratos rasos para torrar farinha de mandioca e/ou assar o beiju.

    2.b.

    Critrios para a reconstruo grfica:

    Reconstruimos graficamente como faet, os fragmentos da borda

    contnua com a parede, ligeiramente inclinada para fora, vertical ou inclina-

    das para dentro, s vezes levemente infletida, que tenham as dimenses

    necessrias.

    Excluem-se as bordas pintadas interna e/ou externamente, pelo mesmo

    motivo j considerado para os yapep. Estas so reconstrudas como tigelas,

    representadas com menor profundidade do que se tivessem sido repre-

    sentadas como faet.

  • 7/26/2019 Brochado e Monticelli. Regras Prticas Na Reconstruo Grfica Das Vasilhas de Cermica Guarani a Partir Dos Fra

    7/12

    Regras prticas na reconstruo grfica ...

    113

    Nas colees de vasilhas inteiras so raramente encontrados, porque,

    como os pratos de comer

    tembiiru),

    no faziam parte dos sepultamentos,

    nem como urnas para cont-Ios, nem postos no interior destas.

    No entanto, o

    iampy

    so fceis de serem identificados devido a

    borda convexa muito baixa ou apenas vestigial, formando uma espcie de

    prato ou tigela muito rasa.

    3.a.

    Dimenses:

    Montoya divide os tostadores em de tamanho normal iampy) e

    grandes

    iampy

    guau). Convencionamos como normais aqueles com

    dimetro da boca variando de 18 a 32cm e grandes aqueles com dimetro

    maior de 34cm. Vasilhas com a mesma forma, porm, com dimetro igual

    ou menor de 12cm, que por suas dimenses no deveriam ter a mesma

    funo, foram classificadas como miniaturas da sua classe.

    3.b. Critrios para a reconstruo grfica:

    Os

    iampy

    so representados com base plana ou levemente arredon-

    dada, conforme sugere o prprio fragmento. Excluem-se as bordas pintadas

    interna ou externamente, pelo mesmo motivo j considerado para os

    yapep

    e iaet. Estas so reconstrudas como pratos ou tigelas rasas.

    4 Cambuch:

    Montoya denomina

    cambuch

    a vasilha utilizada para conter lquidos;

    principalmente aquelas para servir bebidas fermentadas alcolicas, mas

    tambm, possivelmente as usadas para guardar gua.

    O termo

    cambuch

    foi traduzido indiferentemente pelos vocbulos

    espanhis:

    tinaja, cntaro

    e

    jarro,

    correspondendo em portugus a talha,

    cntaro e jarro. As formas europias tm em comum a forma elipsoidal

    vertical ou duplo-cnica, com o dimetro maior situado no bojo, acima da

    metade da altura, base conoidal, parte superior restringida formando um

    pescoo e borda extrovertida.

    Os cambuch foram identificados como vasilhas usualmente pintadas

    e de grandes dimenses, encontradas enterradas nos stios arqueolgicos,

    com evidncia de terem sido usadas para sepultamento primrios ou secun-

    drios. Seu uso anterior para preparar e servir bebidas fermentadas alcolicas

    ou para armazenar gua sempre foi aceito, com base em evidncias etnogr-

    ficas.

    Estas vasilhas tem a forma de jarras ou talhas, de contorno complexo,

    segmentado, como vasilhas sobrepostas, com vrios pontos de ngulo, o

  • 7/26/2019 Brochado e Monticelli. Regras Prticas Na Reconstruo Grfica Das Vasilhas de Cermica Guarani a Partir Dos Fra

    8/12

    114

    Estudos Ibero-Americanos, XX 2) - dezembro, 1994

    mais baixo deles, correspondendo ao maior dimetro e situado acima da

    metade da altura. Estes pontos de ngulo formam o que se denomina carena

    ou carenagem e a segmentao pode se repetir at 3 vezes, formando o que

    se denomina ombros .

    4.a. Bordas:

    O termo usado por Montoya para a borda do cambuch diferente dos

    termos usados para as bordas do yapep. Isso se relaciona provavelmente ao

    fato das vasilhas inteiras, que podem ser identificadas com a definio do

    cambuch, apresentarem geralmente borda carenada ou reforada externa-

    mente. A borda cncava extrovertida, que como vimos caracterstica do

    yapep, aparece mais raramente nas urnas funerrias pintadas, que ento

    foram descritas como cambuch com forma de yapep.

    4.b. Boca:

    Montoya divide os cambuch entre os de boca estreita e os de boca

    mediana. Esta diviso, observvel nas vasilhas inteiras, no pode ser usada

    quando no possvel considerar a relao entre o dimetro da boca e o

    dimetro do bojo.

    4.c. Base:

    Montoya tambm divide o cambuch pela forma da base, existindo os

    de base conoidal, arredondada e aplanada. Esta diviso, observvel nas

    vasilhas inteiras, tambm no pode ser aplicada na reconstruo do material

    fragmentado, porque no podemos relacionar a forma das bases com as

    respectivas bordas.

    4.d. Dimenses:

    Montoya dividiu os cambuch, quanto as dimenses, em pequenos e

    grandes. Convencionamos classificar como pequenos cambuch miri) aque-

    les com o dimetro da boca variando de 18 a 34cm e como grandes

    cambuch gua) aqueles com dimetro maior de 36cm. As vasilhas da

    mesma forma, mas menores de 12cm e que no deveriam ter a mesma

    funo, foram consideradas miniaturas.

    4.e. Critrios para a reconstruo grfica:

    A maioria das bordas carenadas, reforadas externamente, pintadas ou

    no, so reconstrudas graficamente na forma de cambuch, excetuando-se

  • 7/26/2019 Brochado e Monticelli. Regras Prticas Na Reconstruo Grfica Das Vasilhas de Cermica Guarani a Partir Dos Fra

    9/12

    Regras prticas na reconstruo grfica ... 115

    aquelas cuja inclinao da borda ou posio da inflexo da parede que se

    segue requer sua reconstruo como tigela

    Na reconstruo grfica, os cambuch foram representados com um

    bojo pronunciado, preferentemente carenado do que arredondado, porque

    esta uma caracterstica de sua forma.

    Alguns so representados com a base conoidal, outros, mais raramente,

    com a base arredondada. Nas vasilhas inteiras da rea estudada (RS e SC)

    no aparecem bases aplanadas, as quais existem porm em So Paulo e no

    Paraguai.

    As miniaturas dos cambuch so reconstrudas com forma esferoidal,

    porque assim se apresentam nas colees.

    Montoya descreve outro tipo de cambuch, o cambuch yaruquai, que

    deveria ser constringido na parte mdia, formando corpo duplo. Realmente

    so encontrados fragmentos de borda e que podem ser reconstitudos com

    esta forma. Na regio do Alto Uruguai, onde existem, tem a superfcie

    alisada e enegrecida por esfumaamento .

    5. e 6.

    Tigelas:

    Naemb ou tembiiru e cambuch caqub.

    Montoya denomina naemb ou tembiiru uma classe de vasilhas, cujo

    nome traduz por prato, loua; implicando seu uso para comer. O termo

    tembiiru traduzido como prato, claramente derivado de tembi, comida.

    Este uso indica a existncia de pratos coletivos ou comunais, conforme a

    expresso: o que come comigo em um prato .

    Os naemb so fceis de serem identificados devido a sua forma:

    pratos e tigelas muito abertas, com a borda convexa, contnua com as

    paredes, aproximadamente vertical ou inclinada para fora. So, no entanto,

    raramente encontrados nas colees de vasilhas inteiras, porque no faziam

    parte dos sepultamentos.

    Montoya indica a existncia de outra classe de recipientes, vasilhas de

    beber cambuch caguaba), cujo nome traduz como: vaso onde se bebe

    vinho, instrumento de beber. Este termo est relacionado tambm com os

    cambuch miri, traduzido por copo ou vaso, mas que em sentido genrico,

    poderia ser qualquer vasilha em que se bebe. Montoya, porm, no descreve

    o

    cambuch caguba,

    nem d qualquer sugesto a respeito de sua funo. O

    uso do termo cambuch como parte do nome no parece indicar a forma, pois

    aparentemente, podia ser usado para qualquer vasilha relacionada prepa-

    rao, servio ou consumo de bebidas.

  • 7/26/2019 Brochado e Monticelli. Regras Prticas Na Reconstruo Grfica Das Vasilhas de Cermica Guarani a Partir Dos Fra

    10/12

    116 Estudos Ibero-Americanos, XX 2) - dezembro, 1994

    Atravs da analogia etnogrfica se chegou a concluso que as vasilhas

    de beber dos Guarani deveriam ter a forma de tigelas, tanto aquelas feitas de

    cermica, como as de cuia. Neste caso, se observa nas colees um grande

    nmero de recipientes pintados externamente e mesmo internamente, s

    vezes de contorno muito elaborado e que faziam parte quase que obrigatria

    do acompanhamento dos restos humanos nas urnas funerrias.

    Sendo ambas as classes -

    naemb

    ou

    tembiiru

    e

    cambuch caguba -

    compostas por tigelas, fica difcil diferenci-Ias a partir dos fragmentos da

    borda. O que se percebe ao observar vasilhas inteiras que se distinguiram

    principalmente pela forma da base: os naemb ou tembiiru possuiriam base

    aplanada ou levemente arredondada, enquanto os

    cambuch caguba

    apre-

    sentariam base perifrica, elipsoidal ou conoidal.

    5.a.

    Dimenses:

    Montoya classifica os naemb ou tembiiru em pequenos e grandes.

    Convencionamos classificar como pequenos aqueles com dimetro da boca

    de 12 a 16cm, medianos aqueles com dimetro de 18 a 26cm e grandes,

    aqueles com dimetro de 28 a 34cm. As vasilhas menores do que 12cm de

    dimetro da boca foram consideradas miniaturas e no teriam a mesma

    funo de prato de comer.

    Assim haveriam pratos individuais (pequenos), pratos usados por

    pequenos grupos (medianos) e pratos comunais (grandes) usados por grupos

    maiores.

    6.a

    Para os

    cambuch caguba

    no h informaes quanto a dimenso.

    Consideramos como pequenas as tigelas com o dimetro da boca, entre 12

    e 16cm, medianas, as de 18 a 26cm de dimetro da boca foram consideradas

    miniaturas e no teriam a mesma funo.

    5.b. e 6.b. Bordas:

    As bordas diretas, isto , contnuas com as paredes, convexas, ligeira-

    mente inclinadas para dentro foram reconstrudas como tigelas, sempre que

    sua posio assim o sugeria.

    Uma maneira de diferenci-Ias com certo grau de probabilidade, foi

    usar o critrio da relao dimetro-profundidade (altura). Assim as mais

    rasas (2,4 a 4,5) seriam pratos de comer naemb ou tembiiru) e as mais

    profundas (0,5 a 2,49), tigelas de beber

    cambuch caguba).

  • 7/26/2019 Brochado e Monticelli. Regras Prticas Na Reconstruo Grfica Das Vasilhas de Cermica Guarani a Partir Dos Fra

    11/12

    Regras prticas na reconstruo grfica ...

    117

    Tambm foram reconstrudos como tigelas de beber aquelas bordas

    infletidas ou complexas, carenadas, cuja posio assim o sugeria; uma vez

    que nas vasilhas inteiras estes perfis de borda aparecem unicamente naquelas

    tigelas que podem ser interpretadas como tendo esta funo.

    Na reconstruo grfica asbases so representadas levemente arredon-

    dadas ou aplanadas para os pratos de comer e esferoidais, elipsoidais ou

    conoidais para as tigelas de beber, conforme se observa nas vasilhas inteiras.

    Entre as vasilhas Guarani inteiras, existem ainda outras formas que

    no podem ser includas nas seis classes morfolgico/funcionais que iden-

    tificamos acima. Estas vasilhas, porm, so raras e parecem estar limitadas

    determinadas reas. Muitas destas vasilhas aparecem ilustradas, por exem-

    plo, no livro Cermica Guarani (La Salvia Brochado, 1989).

    grande a importncia na reconstruo grfica e da inferncia sobre

    a funcionalidade das vasilhas, principalmente, nas tentativas de identificar

    qual teria sido a alimentao

    pr-histrica,

    tanto qualitativa, como quantita-

    tivamente. Do ponto de vista qualitativo, quais seriam os tipos de alimentos,

    como eram preparados e consumidos; e, quantitativamente, pela contagem

    das vasilhas identificadas, estimar os nmeros mnimo e mximo da popu-

    lao nas aldeias, hoje representadas por stios arqueolgicos .

    Agradecemos a Joo Felipe Garcia da Costa pela arte-final da ilustra-

    BIBLIOGRAFIA

    BROCHADO, j. p., MONTICELLI, G., NEUMANN, E. Analogia etnogrfica na

    reconstruo grfica das vasilhas Guarani arqueolgicas. In:

    Veritas.

    Porto Alegre,

    v.35,n. 140, dez. 1990.p. 727-43.

    LA SALVIA, F., BROCHADO, J. P. Cermica Cuarani. Porto Alegre: Posenato Arte

    e Cultura, 1989. p. 121-45.

    LA SALVIA, F., BROCHADO, J. P., NAU E, G. (coords.) Relatrio Projeto Guarabi.

    Levantamento Cultural, histrico, arqueolgico e paisagstico.

    Projeto A rqueolgico

    Uruguai. Porto Alegre, CEPNPUCRS-ELETROSUL, 1988. p. 204-15.

    LA SALVIA, F., BROCHADO, J. P., NAUE, G. Programa para o salvamento do

    patrimnio histrico-cultural. Rio Uruguai. rea de Machadinho.

    Projeto Arqueol-

    gico Uruguai. Convnio ELETROSUL-CEPNPUCRS, Porto Alegre, 1989. p. 774-

    1190.

    LA SALVIA, F., BROCHADO, J. P. Patrimnio histrico-cultural. Rio Uruguai. rea

    de Carabi.

    ELETROSUUPUCRS. Porto Alegre, 1990. p. 246-314.

  • 7/26/2019 Brochado e Monticelli. Regras Prticas Na Reconstruo Grfica Das Vasilhas de Cermica Guarani a Partir Dos Fra

    12/12

    118

    Estudos Ibero-Americanos, XX 2) - dezembro, 1994

    MONTOY A, Antnio Ruz de. Vocabulrio y tesoro de Ia lengua guarani mas bien

    tup

    I: Vocabulrio espaiol-guaran ( Tupi)-espaiol. Nueva edicin: Viena, Faesy

    y

    Frick; Paris, Maisonneuve

    y

    Cia. 1876 (1640). Edio organizada por F. A.

    Vernhagen, Visconde de Porto Seguro.