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Asociación Latinoamericana de Estudios de Asia y África XIII Congreso Internacional de ALADAA Colonización y descolonización en África Brasilia, Lisboa y Washington ante la independencia de Angola (1975): un estudio comparativo con fuentes brasileñas Brasília, Lisboa e Washington diante da independência de Angola (1975): um estudo comparativo com fontes brasileiras Carlos Federico Domínguez Avila Sobre el Autor Doctor en Historia de las Relaciones Internacionales por la Universidad de Brasilia. Profesor del Curso de Relaciones Internacionales del Centro Universitario de Brasilia y de la Maestría en Ciencia Política del Centro Universitario Unieuro (ambos en Brasilia). Currículo académico en: http://lattes.cnpq.br/9405295954097815. Correo electrónico: [email protected]. Resumen O artigo explora as vicissitudes e contradições que envolveram a independência de Angola, bem como acontecimentos subseqüentes naquele país, utilizando como fontes certa documentação diplomática brasileira recentemente desclassificada em dois arquivos: o Arquivo Histórico do Ministério das Relações Exteriores e o Arquivo Nacional, ambos localizados em Brasília. A pesquisa é realizada sob a perspectiva da história das relações internacionais, com ênfase na questão da política internacional e na política para Angola do Brasil, dos Estados Unidos, de Portugal, e em menor medida de Cuba. Vale adiantar que a inicial posição de Brasília foi muito vigorosa, erigindo-se em um dos primeiros regimes em reconhecer a República Popular de Angola. Simultaneamente, Portugal, enquanto antiga potência colonial no país africano, adotou uma posição ambígua, cautelosa e até contraditória. Washington implementou uma política de apóio aos seus aliados e clientes no país e na região todos eles hostis ao MPLA. E Havana concedeu generoso apóio que resultou na institucionalização do processo revolucionário angolano. Palavras-chave: Angola; Descolonização; África; Política Internacional.

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Asociación Latinoamericana de Estudios de Asia y África

XIII Congreso Internacional de ALADAA Colonización y descolonización en África

Brasilia, Lisboa y Washington ante la independencia de Angola (1975):

un estudio comparativo con fuentes brasileñas

Brasília, Lisboa e Washington diante da independência de Angola (1975):

um estudo comparativo com fontes brasileiras

Carlos Federico Domínguez Avila

Sobre el Autor

Doctor en Historia de las Relaciones Internacionales por la Universidad de Brasilia. Profesor del

Curso de Relaciones Internacionales del Centro Universitario de Brasilia y de la Maestría en

Ciencia Política del Centro Universitario Unieuro (ambos en Brasilia). Currículo académico en:

http://lattes.cnpq.br/9405295954097815.

Correo electrónico: [email protected].

Resumen

O artigo explora as vicissitudes e contradições que envolveram a independência de Angola, bem

como acontecimentos subseqüentes naquele país, utilizando como fontes certa documentação

diplomática brasileira recentemente desclassificada em dois arquivos: o Arquivo Histórico do

Ministério das Relações Exteriores e o Arquivo Nacional, ambos localizados em Brasília. A

pesquisa é realizada sob a perspectiva da história das relações internacionais, com ênfase na

questão da política internacional e na política para Angola do Brasil, dos Estados Unidos, de

Portugal, e em menor medida de Cuba. Vale adiantar que a inicial posição de Brasília foi muito

vigorosa, erigindo-se em um dos primeiros regimes em reconhecer a República Popular de

Angola. Simultaneamente, Portugal, enquanto antiga potência colonial no país africano, adotou

uma posição ambígua, cautelosa e até contraditória. Washington implementou uma política de

apóio aos seus aliados e clientes no país e na região – todos eles hostis ao MPLA. E Havana

concedeu generoso apóio que resultou na institucionalização do processo revolucionário

angolano.

Palavras-chave: Angola; Descolonização; África; Política Internacional.

Asociación Latinoamericana de Estudios de Asia y África

XIII Congreso Internacional de ALADAA Colonización y descolonización en África

Brasilia, Lisboa y Washington ante la independencia de Angola (1975):

un estudio comparativo con fuentes brasileñas

Brasília, Lisboa e Washington diante da independência de Angola (1975):

um estudo comparativo com fontes brasileiras

Carlos Federico Domínguez Avila

Introdução

O propósito deste artigo é explorar o dramático processo de independência angolana que

culminou em 11 de novembro de 1975, bem como acontecimentos posteriores,

particularmente no campo internacional. Nessa linha, o texto fundamenta-se em

documentação brasileira resgatada no Arquivo Histórico do Ministério das Relações

Exteriores – no sucessivo AHMRE – e no Acervo do Conselho de Segurança Nacional do

Arquivo Nacional – no sucessivo CSN/AN. Cumpre verificar que a maior parte da

documentação ora comentada não tinha sido divulgada na comunidade acadêmica.

Outrossim, parece pertinente adiantar que o texto não se limita a explorar a questão das

relações bilaterais brasileiro-angolanas, assunto bastante comentado por numerosos autores

brasileiros (Silva, 2008; Melo, 2009). Pretende-se aqui ir além desse tópico específico ao

consultar a documentação procedente das representações brasileiras em Washington,

Lisboa, Kinshasa, Lagos e em outros países com vínculos e interesses na questão angolana.

As informações remetidas pelos diplomatas brasileiros lotados nesses países enriquecem o

debate sobre o problema-objeto, e permitiriam abrir o espaço para eventuais analises

comparativas sobre as políticas para Angola formuladas naquelas capitais.

Paralelamente, vale ponderar que a própria documentação diplomática apresenta um

forte viés burocrático – mesmo reconhecendo-se que, na época dos acontecimentos, o

Brasil era governado por um regime burocrático-autoritário, comandado pelo general

Ernesto Geisel. Em outras palavras, entende-se de saída que as fontes consultadas

conseguem, em geral, ser isentas, equilibradas e adequadas para os fins propostos nesta

pesquisa. Assim, a crítica interna e externa das próprias fontes pode ser considerada, salvo

melhor interpretação, como pertinente e satisfatória.

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O olhar brasileiro sobre a independência angolana: novas evidências

O governo brasileiro foi um dos primeiros em reconhecer não só a independência da

República Popular de Angola como Estado soberano, como também o governo nacional-

revolucionário do Movimento Popular de Libertação de Angola – MPLA –, em 11 de

novembro de 1975, conforme os acordos básicos assinados na cidade portuguesa de Alvor,

em janeiro do mesmo ano. A iniciativa do governo burocrático-autoritário comandado por

Geisel foi considerada como uma das mais ousadas em política externa brasileira da época

(Cervo e Bueno, 2002). Afinal, um pragmático governo de direita reconhecia a emergência

de um país de expressão portuguesa com governo de orientação socialista. Sendo que essa

determinação provocou não pouca irritação doméstica – particularmente na imprensa, na

vociferante comunidade portuguesa residente no Brasil e no seio dos setores mais “duros”

das forças armadas – e de certos parceiros internacionais – sobretudo do governo dos

Estados Unidos. Seja como for, o Brasil se tornou, junto com a Suécia, em um dos

primeiros países de Ocidente em estabelecer relações diplomáticas plenas com o regime de

Agostinho Neto (Vizentini, 1998).

Para os fins deste artigo é particularmente relevante tentar reconstruir a lógica

burocrática que orientou a ousada e até inesperada iniciativa de Brasília. Assim, as fontes

consultadas – tanto primárias quanto secundárias – confirmam que a denominada

Revolução dos Cravos, de abril de 1974, foi fundamental para agilizar a retirada das forças

de Lisboa e a independência de ao menos cinco países de expressão portuguesa na África e

na Ásia – isto é, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, e Cabo Verde

(MacQueen, 1998).

No caso específico de Angola, cumpre lembrar que naquela época coexistiam ao menos

três movimentos de emancipação: o MPLA de Agostinho Neto, a Frente Nacional de

Libertação de Angola – FNLA – dirigido por Holden Roberto e a União Nacional para a

Independência Total de Angola – UNITA – liderado por Jonas Savimbi. Também existiam

outras forças insurgentes minoritárias como a Frente para a Libertação do Enclave de

Cabinda – FLEC, de orientação separatista e fortemente apoiado pelo governo de Zaire –,

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as tropas de Daniel Chipenda (ex-militante do MPLA com atuação na região centro-oriental

do território), e certos grupos de milicianos brancos – isto é, colonos portugueses – que

lutavam contra a independência da principal colônia lusitana e aparentemente

reivindicavam manter um governo de oligarquia racial (Melo, 2009).

No final de 1974, o governo português acabou reconhecendo como interlocutores

válidos e legítimos representantes do povo angolano unicamente os primeiros três

movimentos de emancipação (MacQueen, 1998). E convidou seus máximos dirigentes para

um encontro que resultou nos chamados Acordos de Alvor (de janeiro de 1975). Nesses

acordos se agendou oficialmente a independência angolana para o dia 11 de novembro de

1975 e se convidou à organização de um governo de unidade integrado por representantes

das três forças insurgentes. Ao mesmo tempo, convidou-se à redação de uma Constituição e

à elaboração de um padrão eleitoral que servisse de base para um processo democrático de

seleção dos dirigentes no transcurso do ano. Contudo, os Acordos de Alvor terminaram

desabando pelas divergências e pelas ambições personalistas das lideranças dos três

movimentos, pela fraqueza de Lisboa – lembrando que, na época, o próprio Estado

lusitano se defrontava com grave instabilidade político-administrativa, o que resultou na

rápida sucessão de seis governos provisórios entre 1974 e 1976, cada um com diferente

orientação ideológica –, e pelos interesses das grandes e medias potências (Estados Unidos,

África do Sul, Cuba, a União Soviética, Zaire, Nigéria, Zâmbia, e França, dentre outros).

A volátil conjuntura entre os atores em conflito derivou em uma nova guerra civil entre

o MPLA, de um lado, e a FNLA (aliado com a UNITA), de outro. O conflito entre os

milicianos acabou sendo equacionado somente após a independência do território na data

combinada. E nessa corrida era de estratégica importância controlar a capital do novo país.

Em tal sentido, tanto o MPLA quanto a FNLA apostaram significativos recursos militares,

políticos e econômicos no controle dessa cidade – eis a denominada batalha de Luanda.

Sendo que no inicio de novembro de 1975 o MPLA controlava Luanda e seu entorno; a

FNLA junto com tropas regulares do Zaire avançavam para a capital desde o norte do país

(chegando a estar a pouco mais de 30 quilômetros da capital); e simultaneamente a UNITA

com apoio de tropas regulares sul-africanas avançavam com direção a Luanda desde o sul.

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Note-se que a situação do MPLA era verdadeiramente dramática, tendo sido cogitada a

possibilidade de adiantar a proclamação da independência e permitir a entrada de

internacionalistas cubanos e assessores soviéticos. Curiosa e paradoxalmente, em 3 de

novembro de 1975, o chanceler brasileiro Antonio F. Azeredo da Silveira enviou ao general

Geisel informação secreta sobre a conjuntura angolana nos seguintes termos:

A uma semana do 11 de novembro, previsto para a proclamação da independência

de Angola, a situação interna é claramente indicativa de que o MPLA prevalece

sobre os outros dois movimentos, a FNLA e a UNITA. Além de ter o controle da

capital, Luanda, o MPLA ocupa mais de dois terços do território angolano, inclusive

quase todo o litoral ao sul de Luanda, com os portos importantes do país, entre os

quais Lobito e Benguela. A FNLA se limita, na sua implantação territorial, as duas

províncias do norte de Angola, vizinhas do Zaire: Uige e Zaire. Dispõe de dois

pequenos portos, de serventia exclusiva para barcos de pequeno calado: Ambriz e

Ambrizete, no trecho setentrional da costa. A UNITA se mantém em área do

planalto central que compreende duas províncias dentre as dezesseis existentes em

Angola. Não tem acesso ao mar, nem a qualquer dos países vizinhos: Zâmbia, Zaire

e Namíbia. Nos últimos dias, contingente da UNITA-FNLA ocupou o porto de

Moçâmedes, depois de haver conquistado Pereira de Eça, na proximidade da

fronteira com Namíbia.

No terreno militar, indica-se que o MPLA dispõe das melhores condições:

experiência guerreira, coesão e disciplina. Tem neutralizado as tentativas da FNLA

de progredir no rumo da capital. A última destas tentativas está em curso. Segundo

notícias telegráficas da France Presse, a FNLA estaria hoje a vinte e cinco

quilômetros de Luanda, de onde suas forças foram expulsas em fins de julho

passado. Este ataque se interpreta como desesperada tentativa de conquistar

posições na capital no momento da independência. Quanto à UNITA, nada se

concretizou até

agora que pudesse confirmar a conjetura sobre sua deliberação de romper o próprio

isolamento no interior do país conquistando o porto de Lobito.

No plano político-diplomático, é também o MPLA que detém nítida vantagem. Tem

o expresso apóio de outros quatro países de língua portuguesa já independentes:

Guiné-Bissau, Cabo Verde, Moçambique e São Tomé e Príncipe. Prevê-se que,

mantidas as condições presentes, um Governo instalado pelo MPLA em Luanda

poderia, logo nos primeiros dias, recolher o reconhecimento de várias dezenas de

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países, tal como aconteceu com o Governo independente proclamado em Guiné-

Bissau pelo PAIGC, em setembro de 1973.

[...] É assinalado, nas mais recentes comunicações recebidas da Representação

Especial [do Brasil] em Luanda, que o MPLA tem interesse em saber “se o Brasil

está disposto a reconhecer Angola, com o Governo que o MPLA instaure, logo no

dia 11 de novembro”. Uma resposta a esta pergunta tem importância política

crucial.1

Afinal, os simpatizantes de Agostinho Neto conseguiram resistir e proclamar em Luanda

a independência do novo país. E imediatamente foram reconhecidos como legítimos

representantes do povo por numerosos governos africanos, socialistas e, em menor medida,

ocidentais (MacQueen, 1998).

Entre a Revolução dos Cravos e os acordos de Alvor a documentação consultada nos

arquivos brasileiros registra uma seqüência de contatos entre diplomatas brasileiros e

interlocutores angolanos (e portugueses). O intuito desses encontros e aproximações era,

evidentemente, preparar o campo para o surgimento e consolidação das relações bilaterais.

Cumpre destacar que até o ano de 1974 a – complacente – posição brasileira diante do

colonialismo português tinha sido duramente criticado pelas lideranças nacionalistas,

anticolonialistas e revolucionárias daquele continente (Filho e Lessa, 2007; Saraiva, 1996).

Essa postura brasileira começou a mudar após o encontro dos chanceleres Mario Soares e

Antonio Azeredo da Silveira, em agosto de 1974, quando este manifestou ao seu

interlocutor português “a intenção de aceitar e mesmo promover contatos diretos com os

líderes dos movimentos de emancipação dos territórios de expressão portuguesa na

África.”2 Observe-se que o chanceler brasileiro Antonio Azeredo da Silveira entendia que

“Tais contatos seriam imprescindíveis para desfazer os ressentimentos e as desconfianças

de tais líderes [angolanos] com relação ao Brasil, o que se tornaria mais difícil de obter se

continuássemos caudatários das decisões de Portugal com relação ao problema colonial e

1 Antonio F. Azeredo da Silveira à Presidência da República, Informação nº 302 (Secreto), Brasília, 3 de

novembro do 1975, Acervo do Conselho de Segurança Nacional do Arquivo Nacional (Delegação Regional

do Arquivo Nacional em Brasília) no sucessivo CSN/AN. 2 Antonio F. Azeredo da Silveira à Presidência da República, Informação nº 295 (Secreto), Brasília,

23.12.1974, CSN/AN. Cumpre destacar que nos acordos que levaram à independência brasileira, no inicio do

século XIX, existia cláusula que expressamente proibia os contatos das autoridades brasileiras com atores

políticos da África portuguesa sem autorização prévia de Lisboa.

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retardatários com respeito a terceiros países que vêm prestando apoio e auxilio à formação

dos novos Estados.”3 Acrescentando seguidamente que “O Chanceler português entendeu o

sentido destas ponderações e, após consultas com o Governo português, assegurou-me que

o seu Governo não encararia como inamistosas, com relação a Portugal, as aproximações

que fizéssemos com os referidos movimentos.”4

Parece importante destacar que, acompanhando a decisão portuguesa de reconhecer

como únicos interlocutores válidos para a questão da emancipação angolana aos três

principais movimentos nacionalistas, foram realizados contatos entre representantes

brasileiros e contrapartes angolanos na primeira semana de dezembro de 1974. Esses

encontros com as lideranças da FNLA, UNITA e MPLA tinham por objeto iniciar o diálogo

com os futuros governantes angolanos. O assunto em questão era altamente relevante para

Brasília, já que, nas palavras de Silveira,

É inecessário enfatizar a importância de que se reveste para o Brasil a formação de

novos Estados de língua portuguesa na África. É importante ressaltar porém, que, sem

um esforço sério e orientado de nossa parte, a permanência da língua portuguesa, em

algum desses Estados, pode ser posta em risco al longo dos anos. Por outro lado, não se

pode minimizar o perigo representado pelos apoios que vêm recebendo esses futuros

Estados da parte, sobretudo, dos países comunistas, os únicos que, por óbvias razões,

não se peiavam por escrúpulos de não-intervenção em assuntos que, formalmente,

foram, por muito tempo, considerados de exclusiva alçada interna portuguesa. Nossa

penetração nos futuros Estados de Moçambique e Angola, como no Estado de Guiné-

Bissau, tem assim um aspecto de competição com a influência de terceiros Estados de

ideologia adversa. O que parece ocorrer, no entanto, é que as vantagens decorrentes da

similitude da língua, tornam os líderes desses países mais predispostos a buscar a

cooperação brasileira do que seria normalmente de esperar em vista de sua formação

marxista.

As vantagens de um bom relacionamento com Moçambique e Angola são óbvias;

além do interesse que esses Estados representam para a expansão do nosso comércio e a

nossa penetração na África, não se pode deixar de considerar o relevante valor

estratégico desses Estados, situados de um lado e de outro do cone sul do continente

africano.

[...] Nesse contexto, qualquer influência nossa no sentido de orientar a evolução

política em Moçambique e em Angola para rumos mais moderados, é fundamental

3 Ibid.

4 Ibid

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mesmo para os nossos interesses de planejamento estratégico, por Angola e, sobretudo,

Moçambique, na rota do nosso abastecimento de petróleo e do comércio com o Japão, se

constituem as únicas alternativas válidas para o que poderia ser proporcionado pela

África do Sul5

Os parágrafos anteriores parecem ser eloqüentes, auto-explicativos e, salvo melhor

interpretação, dispensam comentários adicionais. Contudo, para os fins deste artigo é, sim,

interessante constatar que uma missão de exploração encabeçada pelo embaixador

brasileiro Ítalo Zappa encontrou-se com Agostinho Neto (em Dar-es-Salaam, Tanzânia, em

2 de dezembro de 1974), com Holden Roberto (em Kinshasa, Zaire, em 6 de dezembro), e

com Novaes Coelho alto responsável da Unita devido à ausência de Jonas Savimbi (em

Luanda, em 9 de dezembro), além do Almirante Antonio Rosa Coutinho, alto representante

português em Angola. No correspondente relatório de Zappa para Silveira observou-se, por

exemplo, o seguinte: “Além de marcar o início de um diálogo, para o qual os futuros

integrantes do Governo de Angola e Moçambique se mostram agora inteiramente abertos,

as conversações foram especialmente úteis para fixação das bases desse diálogo.

Eliminaram-se suspeitas, muito de ressentimento, que evidentemente existia ou ainda

existe, mais agora em grau muito menor, ocasionado nos líderes nacionalistas angolanos e

moçambicanos pela falta de apóio do Brasil à sua causa, no passado.”6 Acrescentou Zappa

que “Os líderes dos movimentos de emancipação revelam plena consciência de que lhes

caberá agora uma tarefa tão difícil quanto foi a da luta para a independência.” Constatou

que em Angola a FNLA estava tentando construir uma aliança político-militar com a

UNITA e com as forças de Daniel Chipenda, contrárias ao MPLA e os portugueses. O

embaixador brasileiro também relatou ao seu superior que “Em todo o processo em curso

em Angola, a complexidade deriva do fato de que são muitos ingredientes: o racial, o tribal,

as ambições pessoais dos líderes e grupos, o elemento ideológico etc. Parece-me, porém,

que o ingrediente mais importante e perigoso pode ser o racial.” E concluiu seu relatório

informando sobre os preparativos de uma reunião de cimeira entre os representantes dos

três movimentos de emancipação e o governo português com intuito de definir a

5 Ibid

6 Ítalo Zappa ao Ministro das Relações Exteriores, “Relatório Contatos com Representantes dos Movimentos

de Emancipação de Angola e Moçambique. Missão Chefe da DAO” (Secreto), Brasília, s. d. [circa

18.12.1974], CSN/AN. Observação: o documento em apreço é anexo da Informação nº 295 do Itamaraty para

a Presidência da República, de 23 de dezembro de 1974 citado anteriormente.

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independência de Angola, sobre a receptividade de todas as partes – inclusive dos

portugueses – para a colaboração brasileira, e insistindo no seguinte:

Em suma, Senhor Ministro, creio que se abrem as portas para uma atuação do Brasil

em Moçambique e Angola. Sobretudo quanto a esta última, a ação que for desenvolvida

agora será decisiva para as relações com aquele país no futuro. Não necessito emitir

juízo sobre a importância sem igual que essas relações revestem para ambas as partes.

Permita-me expressar, finalmente, que a política do Governo brasileiro em relação às

nações de língua portuguesa que se estão formando na África representa, na minha

opinião, um desafio sem paralelo. Exigirá que se reúnam meios e recursos excepcionais,

em diferentes setores, sob coordenação do Itamaraty. Ter-se-á, o mais cedo possível, de

dotar as representações em Angola e Moçambique de pessoal requerido e das condições

necessárias para o seu funcionamento em regime de trabalho intensivo. O resultado

poderá ser não deixar escapar uma oportunidade única de levar o Brasil ao outro lado do

Atlântico.7

Com efeito, poucas semanas depois das mensagens supracitadas teve lugar a conferência

de Alvor (10 a 15 de janeiro de 1975). Como mencionado anteriormente, nesse encontro se

definiu a independência angolana para o dia 11 de novembro do mesmo ano, o chamado

para um governo de unidade, a reestruturação das forças armadas, a integração de

comissões especiais para elaborar uma Constituição, dentre outros assuntos político-

administrativos. Afinal, os acordos de Alvor terminaram sendo suspensos pelo governo

português em razão da guerra civil que iniciou-se em abril entre os antigos movimentos de

emancipação, sendo que esse novo conflito vigorou, pelo menos, até maio de 1976. No

interlúdio, ou mais especificamente no mês de março, foi criada uma Representação

Especial do Brasil em Luanda, encomendada ao embaixador Ovídio de Melo. Em

marcantes e ilustrativos relatos de vida e trabalho, Melo (2000 e 2009) explora as

vicissitudes da situação interna angolana no contexto da guerra civil e sobre a evolução das

relações brasileiro-angolanas. Salvo melhor interpretação, o relato de Melo, bem como os

trabalhos de outros pesquisadores brasileiros (Silva, 2008; Pinheiro, 2007), deveriam

tomar-se como válidos, objetivos e verdadeiros.

Seja como for, nos dez dias anteriores ao 11 de novembro de 1975 a crise angolana foi

objeto de constante seguimento em Brasília. Cumpre lembrar que no documento de Silveira

7 Ibid

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para Geisel de 3 de novembro, além das considerações já citadas, solicitava-se avaliar a

questão do reconhecimento do regime a ser instaurado em Luanda pelo MPLA. A

sinalização do iminente reconhecimento não era ociosa ou irrelevante para o futuro das

relações bilaterais. Segundo Márcia Mario da Silva (2008, p. 173), a determinação para o

reconhecimento do governo do MPLA foi emitida por Geisel e transmitida à representação

brasileira em Luanda em 6 de novembro.

Paralelamente, segundo documento interno do Itamaraty, o pronto reconhecimento do

governo do MPLA poderia vir a ter as seguintes vantagens: a) “a ação corresponderia à

situação de fato, militar, mais provável”; b) “não teríamos de retirar a Representação

Especial e o Consultado, ou deixar nosso pessoal sem status em Luanda”; e c) mesmo

reconhecendo o caráter marxista do MPLA, “o Brasil poderia ser talvez uma via para a

diversificação dos contatos externos do Governo MPLA –fora da Europa Oriental e de

outros países africanos.” Entretanto, também ponderou-se sobre eventuais desvantagens,

dentre outras: a) “internamente, no Brasil, poderia ocorrer crítica por termos reconhecido

um governo „marxista‟, o que obrigaria certos esclarecimentos”; e b) “a própria premissa

factual – que o MPLA se mantenha no controle dos pontos essenciais do país – pode vir a

ser desmentida no correr do tempo. Nessa hipótese, o Brasil necessariamente teria perdido

terreno junto à FNLA e à UNITA.”8

O imediato reconhecimento da República Popular de Angola pelas autoridades

brasileiras, em 11 de novembro de 1975, foi um acontecimento de singular relevância nas

relações bilaterais, em particular, e na história das relações internacionais, em geral

(Saraiva, 1996). Ovídio de Melo continuou sendo o Embaixador brasileiro em Luanda

durante as semanas seguintes, e posteriormente foi substituído por outros diplomatas (Melo,

2009). E a Representação Especial foi rapidamente elevada à categoria de Embaixada plena

8 Ramiro Saraiva Guerreiro ao Ministro das Relações Exteriores, “Informação para o Senhor Ministro de

Estado”, Brasília, 3.11.1975, CSN/AN. Cumpre acrescentar que na introdução do documento em apreço o

então Secretário-Geral do Itamaraty ponderou o seguinte: “Aparentemente, não há país ocidental que esteja

seguro do que fará quando Angola se tornar independente em 11 de novembro. Portanto, qualquer sugestão

que submeta a Vossa Excelência decorre da necessidade de simplificar as alternativas, sem o que será

impossível tomar decisão. Faço-o, pois, nesse espírito e indicando um curso de ação que, embora não seja o

que desejaríamos, me parece ser, nas circunstâncias, o possível, ou o de menor desgaste” [cursiva

acrescentada].

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em Luanda (Silva, 2008). Visto em retrospectiva, contudo, muitas das expectativas de

grande influência brasileira nos países de expressão portuguesa na África, em geral, e em

Angola, em particular, acabaram sem concretizar-se em função da dialética da guerra e da

marcante interferência de outras potências com vínculos e interesses naquele país (Saraiva,

1999).

Portugal, a independência angolana e o regime do MPLA: vicissitudes na

recomposição das relações bilaterais

Em 10 de novembro de 1975, o máximo representante português em Luanda proclamou

a independência de Angola, porém transferindo a soberania política diretamente ao povo do

país, e não necessariamente ao MPLA (dominante em Luanda), ou aos outros dois

movimentos de emancipação (MacQueen, 1998). Lisboa somente reconheceria o regime

implantado pelo MPLA no fim de fevereiro de 1976, logo após intensas consultas

domésticas e com outros atores relevantes na questão angolana. Com efeito, durante mais

de três meses as autoridades do VI Governo Provisório português avaliaram as diferentes

perspectivas, particularmente no que diz respeito aos seguintes tópicos: (a) a mudança e

continuidade dos interesses lusitanos em Angola e vice-versa, (b) a influência de partidos

políticos e outros atores sub-nacionais nas relações bilaterais, (c) os alinhamentos

estratégicos globais de Lisboa e de Luanda, a (d) posição brasileira perante o regime do

MPLA. Esses e outros assuntos relevantes foram cuidadosamente observados e avaliados

pelos diplomatas brasileiros lotados em Lisboa e em Luanda. Salvo melhor interpretação,

essas apreciações parecem importantes para ilustrar a evolução e as vicissitudes das

relações luso-angolanas.

Nessa linha, em 11 de novembro de 1975, a Embaixada brasileira em Lisboa informou a

Brasília que em reunião ampliada do Conselho de Ministros, inclusive com a participação

do Presidente da República e dos Secretários gerais do Partido Socialista (centro), do

Partido Popular Democrático (direita) e do Partido Comunista Português (esquerda), após

saudar o povo angolano e congratular-se pela independência do novo país africano, teriam

sido definidas duas posições fundamentais: de um lado, a direita local teria sustentando o

compromisso derivado dos acordos de Alvor no sentido de “apenas reconhecer um Governo

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[angolano] que integrasse os três movimentos emancipalistas, ou aguardasse a clarificação

da situação militar naquele país, reconhecendo então o movimento vitorioso no confronto

armado.”9 Na verdade a direita portuguesa estava tentando preservar significativo espaço de

poder para seus homólogos da FNLA e UNITA. De outro, a esquerda portuguesa

reivindicava o imediato “reconhecimento do Governo angolano, no caso de o mesmo ser

composto não apenas por militantes do MPLA, mas também por personalidades

independentes.”10

Ao respeito, cumpre levar em consideração que, em 22 de agosto de

1975, no contexto da guerra civil, o próprio governo português tinha declarado a suspensão

parcial dos acordos de Alvor, em virtude das quase insuperáveis divergências entre os três

movimentos de emancipação. Ao mesmo tempo, as lideranças da esquerda portuguesa

alertavam que um tardio ou extemporâneo reconhecimento do governo do MPLA poderia

acabar provocando um grave e inevitável desgaste com as autoridades do novo país.

O dilema português continuou vigente nas semanas seguintes, acrescentando-se novos

tópicos de atrito como o massivo retorno de colonos anteriormente residentes em Angola

(bem como o destino das suas propriedades), a notória interferência político-militar de

terceiros países, e os desdobramentos da conjuntura angolana na já atribulada política

doméstica portuguesa – isto é, o complexo processo de transição do VI Governo Provisório

para o I Governo Constitucional, processo que não passou desapercebido aos dirigentes do

MPLA dispostos a agir em favor dos seus homólogos do Partido Comunista Português e em

menor medida do Partido Socialista. Assim, uma semana antes do reconhecimento

português da República Popular de Angola – ou RPA –, a embaixada brasileira em Lisboa

informou, por exemplo:

A questão do reconhecimento da RPA por Portugal continua a suscitar intensos

debates nos centros de decisão deste país, sem que se chegue a uma definição sobre o

assunto. A medida que se sucedem as notícias sobre novos reconhecimentos do Governo

de Luanda por países africanos e até mesmo europeus (França e Finlândia) a imprensa

lisboeta impacienta-se com a indecisão portuguesa, sucedendo-se as manchetes que ora

9 Da Fontoura ao Ministério das Relações Exteriores – no sucessivo MRE –, Telegrama 2945 (Confidencial

urgentíssimo), Lisboa, 11.11.1975, Arquivo Histórico do Ministério das Relações Exteriores – no sucessivo

AHMRE. 10

Ibid

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dão o reconhecimento (por Lisboa) como “iminente” ora manifestam dúvidas quanto a

sua concretização a curto prazo.

[...] Os argumentos alinhados pelos que se opõem ao reconhecimento imediato são

numerosos cabendo assinalar: a) ceticismo em relação à consolidação da vitória do

MPLA, fundado sobretudo em dúvidas quanto à adesão ao MPLA das populações

campesinas, principalmente no planalto central e à continuidade do apóio soviético e

cubano a médio ou longo prazo bem como quanto [à] intervenção dos Estados Unidos da

América que alguns acreditam não estar definitivamente excluída; b) relutância em

sancionar a interferência clara e abusiva das potencias estrangeiras em Angola; c)

preservação da coerência do processo de descolonização, que se caracterizou sempre

pela negociação antes do reconhecimento – a vitória militar do MPLA teria tido por

efeito unicamente reduzir o número de interlocutores de três para um mantendo-se

intacto o espírito dos Acordos de Alvor; d) [a] posição sui generis de Portugal, em

decorrência de sua condição de ex metrópole que confere à questão do reconhecimento

maior complexidade; [e] e) possível reação desfavorável dos portugueses de Angola

(retornados ou não) a um reconhecimento imediato e incondicional do MPLA.

A isso setores favoráveis ao reconhecimento imediato contrapõem os seguintes

argumentos principais: a) aumento do apoio internacional dado ao MPLA com o

reconhecimento de seu Governo inclusive por alguns países europeus; b) efeitos

negativos que o atraso do reconhecimento produzirá no campo das relações de Portugal

com o Terceiro Mundo em geral e com Angola em particular; c) prejuízo que tal atraso

trará em termos de sua “independência nacional”, ao atrelá-lo definitivamente a

Europa.11

Se de um lado a indefinição portuguesa acabava sendo de interesse da FNLA e

UNITA, de outro causava grande irritação na liderança do MPLA, e exemplos desse

crescente distanciamento não faltaram. Observe-se, por exemplo, que no inicio de

fevereiro de 1976 se especulou sobre a existência de um virtual ultimato, exigindo o

reconhecimento do governo de Agostinho Neto como único representante do povo

angolano.12

Seguidamente, em 17 de fevereiro, a embaixada brasileira em Luanda

comentou certas declarações de Lúcio Lara, então Secretário-Geral do MPLA, criticando

duramente a postura portuguesa, alertando sobre o impacto dessa atitude no futuro das

relações bilaterais, e acrescentando o seguinte: “Angola sente-se hoje cada vez mais

desligada do povo português e não havia necessidade disso... A cooperação estreita com

Portugal está cada vez mais distante, mais longínqua. Isto tudo por falta de inteligência

do governo português.” Na correspondente apreciação da representação brasileira

11

Da Fontoura ao MRE, Telegrama 250 (Confidencial), Lisboa, 18.2.1976, AHMRE. 12

Da Fontoura ao MRE, Telegrama 161 (Confidencial Urgentíssimo), Lisboa, 2.2.1976, AHMRE.

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ponderou-se que: “A violenta crítica a Portugal, enfim, reflete a profunda mágoa de um

partido [isto é, o MPLA] cujos quadros são culturalmente portugueses e que prestavam

grande importância a uma assistência de Lisboa que, segundo tudo indica, não deverá

materializar-se. Portugal, em suma, deixou em Angola grande vácuo que provavelmente

beneficiará o Brasil.”13

E em 20 de fevereiro se informou a Brasília que o próprio Vice-

cônsul português em Luanda terminou sendo expulso da RPA supostamente em

decorrência “da atitude assumida por aquele funcionário, o qual passou a exercer

publicamente as funções de Cônsul do Governo de Lisboa, contrariando, portanto, a

decisão do Governo local de permitir a sua presença como simples cidadão português. A

decisão do governo angolano, no entanto, provavelmente reflete o endurecimento da

RPA em relação ao Governo português e traduz a irritação de Luanda diante da

indefinição lusitana – indefinição essa considerada agora, após os reconhecimentos pela

maioria dos países do Mercado Comum bem como pela Noruega e a Suécia, como

atitude francamente hostil a Angola.”14

Não é claro até que ponto a pressão angolana foi efetiva no processo de tomada de

decisão sobre o assunto em questão, inclusive porque o governo português tinha

interesses especiais a reivindicar, salvaguardar e defender no curto, médio e longo

prazos. Seja como for, em 24 de fevereiro de 1976 foi finalmente anunciado em Lisboa o

reconhecimento do governo do MPLA como único e legitimo representante do povo

angolano. Surpreendentemente, as relações diplomáticas luso-angolanas, que iniciaram

com considerável atraso, em lugar de consolidar-se, rapidamente acabaram sendo

suspensas por iniciativa de Luanda, após graves incidentes contra interesses angolanos –

e cubanos – em Lisboa e Porto. Com efeito, aparentemente ex-colonos portugueses

retornados do país africano – que em total somavam quase hum milhão de pessoas –,

junto a simpatizantes da direita portuguesa, atacaram fisicamente instalações

diplomáticas, sociais e culturais claramente identificadas com o regime do MPLA,

provocando uma reação fulminante em Luanda.15

A interrupção das relações bilaterais

13

Affonso ao MRE, Telegrama 89 (Confidencial), Luanda, 17.2.1976, AHMRE. 14

Affonso ao MRE, Telegrama 96 (Confidencial), Luanda, 20.2.1976, AHMRE 15

Observe-se que alguns observadores também atribuíram a ruptura das relações luso-angolanas a uma

calibrada iniciativa do MPLA em favor do Partido Comunista Português, no marco geral do processo de

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prolongou-se de maio até setembro de 1976. Afortunadamente predominou a sensatez e

o pragmatismo entre as partes, logrando-se o reatamento e a gradual normalização das

relações bilaterais.

Parece pertinente acrescentar que as relações luso-angolanas nunca mais foram

verdadeiramente prioritárias para as partes. De um lado, os governos constitucionais

portugueses – geralmente dirigidos por partidos de centro-direita até 1986 – se

preocuparam com a incorporação do país no processo de integração européia e com as

relações transatlânticas. Certamente o predomínio político da direita portuguesa

contrastava com o nacionalismo-revolucionario – também chamado de afro-comunismo

– imperante na maioria das ex-colonias, sobretudo em Luanda e Maputo. Na verdade, as

relações de Portugal – e do Brasil – com Angola e outros países de expressão portuguesa

na África somente recuperariam um maior dinamismo e convergência após a criação da

Comunidade de Países de Língua Portuguesa, em 1996, e eventos subseqüentes

(Menezes, 2000; Saraiva, 1999).

Henry Kissinger e a independência de Angola: nacionalismo e freio ao impulso

imperial

Os Estados Unidos foram dos últimos países em reconhecer a República Popular de

Angola. De fato o reconhecimento de Washington aconteceu recém em 1993, no inicio

da administração de Bill Clinton. A tardia recomposição das relações bilaterais foi uma

outra das conseqüências do traumático processo de luta do período de 1975 e 1976, bem

como de certos condicionantes impostos pelas partes para lograr uma gradual

normalização dos vínculos – de um lado, Washington demandava a retirada das forças

de combate cubanas em Angola, e de outro Luanda exigia o fim dos subsídios enviados

pelos Estados Unidos a UNITA.

transição do VI Governo Provisório para o I Governo Constitucional. Sendo que no novo contexto político

local, o PCP experimentava na época um rápido declínio no seu prestígio político. Nessa hipótese, o PCP se

erigiria em interlocutor privilegiado perante o MPLA e no contexto das relações luso-angolanas – cumpre

acrescentar que durante o período da interrupção das relações bilaterais ao menos dois altos dirigentes do PCP

visitaram Luanda e se entrevistaram com seus homólogos do MPLA. Paralelamente, em Lisboa não faltaram

dirigentes que reivindicavam a implementação de políticas de firmeza ou de apaziguamento, segundo as

diferentes posturas políticas no polarizado espectro ideológico lusitano.

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As relações entre Angola e os Estados Unidos se tornaram visivelmente turbulentas

virtualmente desde a época dos acordos de Alvor, já que, no mesmo mês de janeiro de

1975, o governo de Gerald Ford autorizou a transferência de importantes recursos

financeiros – e posteriormente de material de emprego militar, a realização de operações

encobertas e o alistamento de mercenários – para a FNLA e, em menor medida, também

para UNITA. Washington também acionou certos aliados com vínculos e interesses na

questão angolana – especialmente o Zaire de Mobutu Sese Seko, a África do Sul de B. J.

Vorster, o Israel de Golda Meir e a França de Giscard d‟Estaing –, procurando uma

vitória político-militar dos seus clientes e o surgimento de um governo angolano

independente sensível aos interesses e prioridades de Washington no continente africano

e no mundo. Todavia, parece evidente que Mobutu – ao apoiar seu genro Holden

Roberto, chefe do FNLA – procurava erigir-se em virtual líder na região central do

continente africano; e a África do Sul buscava manter um governo amigável ao norte de

Namíbia. Em síntese, existia a intenção de esmagar o MPLA e evitar o surgimento de

uma Angola de orientação socialista – o que poderia ameaçar os governos pró-ocidentais

de Mobutu, de Vorster e eventualmente de Kenneth Kaunda em Zâmbia ou de Ian Smith

na Rodésia.

A documentação diplomática consultada sugere que a embaixada brasileira em

Washington começou a discutir seriamente a questão angolana somente após a

proclamação da independência pelo MPLA e com inicio da assim chamada Operação

Carlota – isto é, com a chegada em Luanda dos internacionalistas cubanos, enviados por

Havana a lutar contra a agressão das tropas regulares de Zaire (em conjunto com o

FNLA) e da África do Sul (em conjunto com a UNITA). Certamente a ousada decisão

da elite revolucionária cubana – em colaboração com Moscou e outras capitais – acabou

atropelando os planos – neo-colonialistas – de Ford, do Secretário de Estado Henry

Kissinger, da Central de Inteligência Americana e da direita radical em geral. Contudo,

também a partir da inapelável vitória militar do MPLA, o executivo norte-americano

anunciou que somente reconheceria o governo de Agostinho Neto após a retirada das

tropas de combate cubanas no país – algo que acabou acontecendo somente em 1991.

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Observe-se que é muito difícil ignorar a inconsistência da posição norte-americana ao

inicialmente ignorar o espírito e as determinações dos acordos de Alvor – isto é,

respaldando decididamente a FNLA, bem como outros clientes – e após a proclamação

da independência negar-se a reconhecer a vitória política e militar do MPLA – além de

questionar hipocritamente o apoio das forças progressistas ao novo país e seu governo.

Paralelamente, na opinião de Kissinger a intervenção cubano-soviética em Angola era

contrária ao chamado processo de distensão em curso no contexto das relações Leste-

Oeste. O Secretário de Estado também advertiu que a Operação Carlota atingia

especificamente a questão das “não-relações” entre Washington e Havana.

Curiosamente, a questão angolana também provocou divergências entre o executivo e o

legislativo norte-americano – adiantando-se que em dezembro de 1975 e janeiro de 1976

o Congresso estadunidense debateu e votou contra a manutenção da assistência aos

movimentos insurgentes de Angola sem previa autorização parlamentar, eis os

fundamentos da denominada Emenda Clark. Algo semelhante aconteceu com a reduzida

credibilidade da administração Ford, e inclusive nos confrontos ao interior do Partido

Republicano.

Uma das primeiras referencias à questão angolana após a proclamação da

independência angolana registradas pela embaixada brasileira em Washington foi datada

em 25 de novembro de 1975, nos seguintes termos: “Ontem, perante o Economic Club,

de Detroit, o Secretario de Estado Kissinger advertiu que os Estados Unidos não podem

ficar indiferentes à intervenção militar da URSS e de Cuba em Angola, acrescentando

que essa intervenção teria conseqüências no desenvolvimento da Detente Leste-Oeste.”

Na avaliação correspondente da Embaixada brasileira afirmou-se o seguinte: “Delineia-

se, assim, em toda a sua plenitude uma confrontação Leste-Oeste em torno de Angola.

Ninguém aqui dúvida de que o Pentágono e a CIA procurarão acelerar o auxilio militar e

econômico ao FNLA, através de Zaire, mas grandes inibições psicológicas, ligadas ao

trauma do Vietnam, tornam difícil e improvável uma intervenção direta de contingentes

americanos. Essa seria possivelmente a inclinação de Kissinger, mas as resistências

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opostas pelo Congresso poderão revelar-se irremovíveis.”16

A lucidez da citação anterior

parece dispensar comentários adicionais; mesmo assim vale adiantar que realmente

Kissinger passou a considerar a questão angolana como um virtual desafio global no

contexto das relações Leste-Oeste, complementando seu argumento com um persistente

esforço para garantir o respaldo político, financeiro, diplomático e militar aos aliados e

clientes pro-ocidentais na África austral. Cumpre acrescentar que Kissinger também

questionou o reconhecimento do governo do MPLA por governos ocidentais, dentre

esses o caso brasileiro e de certos países escandinavos.

Os esforços para constituir um consenso estratégico regional anticomunista em

Angola naufragou sobretudo após a confirmação da penetração de tropas regulares sul-

africanas (em conjunto com os milicianos da UNITA) com objeto de conquistar Luanda.

Ao respeito, cumpre acrescentar que o virtual reconhecimento da intervenção sul-

africana – que na verdade iniciou-se no mês de outubro de 1975 – teria sido realizado

em Londres por Helgar Muller ao declarar o seguinte: “Yes, there are some South

Africans troops in Angola. They are there to defend the laborers and the equipment

needed for the work of ensuring South Africa‟s water supplies from Cunene River.”17

A

eventual emergência de um regime semi-racista e favorável a Pretória em Angola não

somente terminou chocando a opinião pública africana – e norte-americana – como

também acabou servindo como virtual justificativa da presença militar cubano-soviética

para o nacionalismo africano, inclusive para governos nacionalistas de orientação

ocidental (Nigéria, Quênia, Zâmbia, dentre outros). Algo semelhante poderia afirmar-se

sobre a comprovada presença de mercenários – especialmente norte-americanos

(geralmente ex-combatentes da guerra do Vietnam) e britânicos –, alistados nas milícias

da FNLA, e pagos com fundos transferidos direta e indiretamente por Washington. A

presença de tropas regulares zairenses, que combatiam conjuntamente com a FNLA,

também se tornou evidente e problemática aos formuladores de política exterior norte-

americana tanto internamente quanto em terceiros países.

16

João Augusto de Araújo Castro ao MRE, Telegrama 4708 (Confidencial urgentíssimo), Washington,

25.11.1975, AHMRE. 17

Oliveira Campos ao MRE, Telegrama 1746 (Confidencial), Londres, 21.11.1975, AHMRE.

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O reconhecimento nigeriano da RPA foi particularmente negativa para os planos dos

setores radicais do governo norte-americano. Cumpre destacar que até a confirmação da

presença militar sul-africana em Angola o conservador governo nigeriano comandado

pelo general Murtala Mohammed era neutro diante da guerra civil no país vizinho,

trabalhava pela constituição de um governo de coalizão em Luanda e tinha condenado

veementemente a interferência cubano-soviética nos negócios internos angolanos.18

Porém, segundo a Embaixada brasileira em Lagos, após a constatação da presença de

sul-africanos, zairenses e mercenários lutando ao lado da FNLA e da UNITA, as

autoridades nigerianas teriam procedido a reconhecer imediatamente as autoridades da

MPLA e indiretamente influenciado seus aliados na região para proceder no mesmo

sentido, principalmente no seio da Organização da Unidade Africana.19

Essa mudança

política na Nigéria foi altamente apreciada pelo MPLA, que imediatamente enviou para

Lagos missão político-diplomática, comandada pelo Primeiro Ministro Lopo de

Nascimento, para agradecer a iniciativa e solicitar apóio material do governo do general

Murtala Mohammed.20

Contudo, o mais severo golpe contra a política de Ford e Kissinger em Angola

terminou acontecendo no Congresso dos Estados Unidos, quando parlamentares do

Senado e da Câmara dos Representantes se manifestaram e votaram contra a

continuação das operações encobertas, da transferência de fundos e de armas para

aliados e clientes operando no país africano. Na opinião da Embaixada brasileira em

Washigton o problema fundamental da estratégia Ford-Kissinger diante da questão

angolana estava relacionada com a falta de credibilidade do governo tanto em termos

domésticos quanto externos – sobretudo após a queda do presidente Richard Nixon e do

fiasco na Indochina. Assim, entre dezembro de 1975 e janeiro de 1976 teve no

Congresso norte-americano um complexo debate sobre as verbas destinadas às

18

Lima ao MRE, Telegrama 426 (Confidencial), Lagos, 12.11.1975, AHMRE. 19

Lima ao MRE, Telegrama 447 (Confidencial), Lagos, 27.11.1975, AHMRE. A República Popular de

Angola foi admitida na Organização da Unidade Africana em fevereiro de 1976, com o apoio de dois terços

dos Estados membros. 20

Ovídio Melo ao MRE, Telegrama 543 (Confidencial), Luanda, 1.12.1975, AHMRE. Também em Lima ao

MRE, Telegrama 454 (Confidencial), Lagos, 4.12.1975, AHMRE. Cumpre acrescentar que, nas semanas

seguintes, Lopo de Nascimento retornou a Lagos, inclusive com prisioneiros sul-africanos detidos nos campos

de batalha.

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operações encobertas em Angola. Afinal predominou a tese sustentada pelo Senador

Dick Clark. Como apontado anteriormente, a denominada Emenda Clark proibiu a

assistência norte-americana a qualquer grupo combatente em Angola sem previa

autorização parlamentar – sendo que ao longo do ano de 1975 a CIA tinha gasto

aproximadamente 25 milhões de dólares com aliados e clientes, e para o ano de 1976 se

solicitavam outros 35 milhões de dólares, esse montante acabou sendo indeferido,

mesmo a contragosto de Ford, de Kissinger, e da direita radical local.21

Em 29 de janeiro de 1976, Kissinger realizou um último depoimento sobre a questão

angolana no Senado. Ao respeito, a Embaixada brasileira em Washington informou que

na platéia se incluíam parlamentares moderados, interessados em uma gradual abertura

com Luanda, e parlamentares “duros”, interessados em manter latente o conflito naquele

país africano. A negativa resposta dos parlamentares acabou consumando a derrota

militar dos aliados e clientes de Washington – ao menos temporariamente.22

Seja como

for, a partir de fevereiro Kissinger advertiu que no futuro não toleraria novos avanços

soviético-cubanos em África; Mobutu e Vorster retiraram as tropas zairenses e sul-

africanas de território angolano – além disso, o governo zairense proibiu a presença de

mercenários contratados para lutar junto aos milicianos da FNLA –; a própria FNLA foi

praticamente desarticulada e seu chefe, Holden Roberto, foi para o exílio na Europa;

entretanto, a UNITA de Jonas Savimbi iniciou uma época de reorganização de quadros e

militantes na região sul – contando com comprovado apoio sul-africano. Ainda que os

desdobramentos da Emenda Clark pareciam serem favoráveis ao MPLA, também é

evidente que a negativa de Kissinger em reconhecer o governo angolano enquanto

continuasse a presença militar cubana virou uma política de Estado que continuou

vigente durante os governos de Jimmy Carter, de Ronald Reagan e de George Bush pai.

Considerações finais: o contraponto cubano

21

Celso Diniz ao MRE, Telegrama 5043 (Confidencial), Washington, 18.12.1975, AHMRE. Alguns

parlamentares apoiaram a emenda Clark argumentando que a radical política de Kissinger teria “empurrado” a

liderança angolana ao bloco socialista. Posteriormente Kissinger acusou o Congresso de permitir a “perda” de

Angola para o bloco soviético, alterando marginalmente os equilíbrios pactuados entre as superpotencias. 22

Celso Diniz ao MRE, Telegrama 449 (Confidencial Urgente), Washington, 30.1.1976, AHMRE.

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Entre 1964 e 1986 foram suspensas as relações entre o Brasil e Cuba. Em

conseqüência, a documentação diplomática brasileira sobre a perspectiva cubana da

questão angolana é relativamente modesta, parca e indireta – no sentido de que no

existiam informações procedentes diretamente de Havana e as referências sobre os

desígnios cubanos acabavam sendo enviadas desde as representações brasileiras em

terceiros países, principalmente em Angola, Estados Unidos e Portugal. Ao mesmo

tempo, parece pertinente destacar que até a véspera da independência cubana as

informações diplomáticas procedentes de Luanda sobre a presença cubana na então

colônia eram muito escassas. Mesmo assim, e em retrospectiva, o ex-presidente Geisel

confirmou que tinha conhecimento da presença cubana em Angola, mesmo antes do

reconhecimento do novo país pelas autoridades centrais de Brasília (Silva, 2008).

Seja como for, e reconhecendo que o envolvimento cubano acabou sendo vital para o

desfecho da guerra civil, parece importante levar em consideração que foi somente nos

primeiros dias de novembro de 1975 – ou mais exatamente no contexto da batalha de

Kifangondo, vilarejo localizado a 30 quilômetros de Luanda – quando o governo de

Havana determinou o envio de uma força internacionalista integrada por tropas regulares

do exército para lutar junto ao MPLA contra as tropas regulares zairenses e os

milicianos da FNLA (tanto nos arredores de Luanda quanto em Cabinda), bem como

contra as tropas regulares sul-africanas e seus colegas de UNITA. Anteriormente

existiam basicamente assessores militares cubanos dedicados principalmente às

atividades de treinamento militar dos milicianos do MPLA. Com efeito, sabe-se que a

elite revolucionária cubana se identificou com a luta do Agostinho Neto desde inicio da

década de 1960. Mesmo assim, não parece incorreto lembrar que os Estados Unidos,

Zaire, África do Sul e até a França faziam o próprio com seus aliados e clientes, e que o

envolvimento norte-americano a partir de janeiro de 1975 foi muito mais massivo e

consistente que o cubano – ou o soviético. Em outras palavras, não há dúvida de que o

envolvimento de Washington e de outros países ocidentais em benefício da FNLA e da

UNITA precedeu em volume de recursos econômicos e militares a assistência cubana –

e soviética – ao MPLA.

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A rapidez, a combatividade, a eficiência e o profissionalismo das operações militares

cubanas no norte, centro-oeste e sul de Angola provocaram uma verdadeira contra-

ofensiva estratégica, que desbaratou os planos da maioria dos opositores domésticos e

externos da RPA. Acredita-se que em maio de 1976, pouco antes do primeiro anuncio

oficial da retirada das tropas cubanas, existiam 14 mil soldados e oficiais caribenhos em

Angola. (Curiosamente, uma porcentagem relativamente significativa de mercenários

pagos com fundos norte-americanos para lutarem em Angola junto com os milicianos da

FNLA também era de cubanos ou cubano-estadunideses, alguns desses eram veteranos

da batalha de Baia dos Porcos, em 1961, e obviamente se tratava de ferventes anti-

castristas; pelo menos um destes mercenários cubanos acabou sendo capturado e

executado pelas autoridades angolanas em 1976).

As motivações do inédito envolvimento cubano – isto é, de tropas regulares cubanas

– em África foi objeto de numerosas especulações devidamente registradas por

diplomatas brasileiros lotados em diferentes capitais. Assim, em fevereiro de 1976, a

Embaixada brasileira nos Estados Unidos informou o seguinte:

Ao que tudo indica, começa a prevalecer em Washington a idéia de que a

intervenção cubana em Angola obedece menos a imperativos de “solidariedade” ou

“gratidão” para com a URSS do que a desígnios e ambições próprias de Fidel Castro

[...] Especula[-se] que o próprio Secretário de Estado teria concluído que Cuba

resolveu retomar a “exportação de sua Revolução”, não só para Angola como

também, possivelmente, para outros países da África e talvez mesmo outras áreas.

Embora continue culpando à URSS publicamente, Kissinger estaria agora convencido

de que os cubanos estão agindo em Angola por conta própria, embora com obvio

beneplácito e o apóio logístico de Moscou. O que ainda continua pouco claro para os

analistas americanos é o verdadeiro objetivo e os possíveis desdobramentos da

intervenção cubana. Neste ponto as opiniões estão divididas. Uma corrente acredita

que Fidel Castro esperava obter uma rápida vitória em Angola, emergindo do conflito

como um “campeão” das lutas de libertação nacional e com sua imagem muito

engrandecida na África e em parcela do Terceiro Mundo que tende a enveredar pelo

caminho da contestação violenta à presente ordem mundial. Esta corrente, de outro

lado, agarra-se à esperança de que o desgaste de um envolvimento prolongado em

Angola terá efeito exatamente oposto para Fidel; nesse sentido, Angola seria o

Vietnam de Fidel, que passaria a ter sua liderança contestada até mesmo em Cuba.

Outra corrente de opinião é de que a expedição cubana não pode ser atribuída a um

“impulso” limitado no tempo e no espaço. Acredita esta corrente que os “cubanos

estão em Angola para ficar” e que procurarão, a partir desse país, embarcar em nova

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fase intervencionista visando, inicialmente, procurar “desestabilizar” o Zaire e

Zâmbia e, a prazo mais longo, apoiar mais ativamente o movimento de libertação da

Namíbia.23

Mesmo constatando que após o encerramento das principais hostilidades em

Angola os cubanos contataram grupos insurgentes da Namíbia – a Organização do

Povo da África do Sudoeste (SWAPO) – e da África do Sul – o Congresso Nacional

Africano –, bem como opositores ao regime de Mobutu – principalmente os

chamados gendarmes katangueses naturais da região de Shaba –, o esforço básico de

Luanda e Havana passou a ser orientado para a reconstrução do país após duas

décadas de conflitos, e para lográ-lo certamente era necessário manter a paz no país e

na região (Menezes, 2000). Provavelmente o mais claro exemplo de essa política de

pragmatismo acabou sendo o encontro entre Agostinho Neto e Mobuto, em

Brazaville, a 28 de março de 1976, procurando normalizar as relações bilaterais,

mesmo reconhecendo as incompatibilidades político-ideológicas das partes.

E, após visita secreta de Raúl Castro a Luanda no fim de abril de 1976, no inicio

de maio Agostinho Neto anunciou a gradual retirada das tropas cubanas da RPA – o

próprio Fidel Castro, em carta endereçada ao então Primeiro Ministro da Suécia Olof

Palme, também assinalou a disposição de retirar as tropas do país africano no prazo

de um ano. Obviamente a retirada militar cubana somente foi completada no ano de

1991, com a saída do último soldado em Angola. A persistência de ameaças externas

e internas ao regime do MPLA acabaria justificando essa polêmica presença de

militares estrangeiros no país e no continente. Entretanto, também é importante

verificar que a partir de 1976 teve uma importante transformação qualitativa da

presença cubana, com uma crescente presença de instrutores civis (médicos,

pedagogos, engenheiros, agrônomos) dispostos a participar das atividades de

reconstrução nacional e de institucionalização do processo revolucionário angolano.

Ao respeito da evolução das relações cubano-angolanas a Embaixada brasileira em

Washington informou, em maio de 1976, o seguinte:

23

Celso Diniz ao MRE, Telegrama 540 (Confidencial Urgente), Washington, 5.2.1976, AHMRE

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Pondo de lado a questão de saber quanto tempo custará aos cubanos para debelar

os focos de resistência ainda existentes no território, resta indagar se, como sua parte

do compromisso, os americanos estarão dispostos a aceitar em caráter permanente

uma presença preponderante de Cuba em Angola. O problema não se coloca tanto em

relação à cooperação econômica e técnica, a não ser na medida em que esse tipo de

assistência constitui a base de uma influencia política e ideológica de conseqüências

mais sérias. Os correspondentes americanos acreditam que a nova nação angolana

está sendo criada à imagem e semelhança do modelo cubano. O esforço seria

sistemático e principiaria pela reorganização do MPLA e das Forças Armadas

angolanas nas linhas do Partido Comunista e do Exército de Cuba, com a formação

de milícias populares, organizações estatais de segurança e reforma do sistema de

prisões. No terreno social e econômico a contrapartida construtiva incluiria a

instituição de um sistema de saúde com a colaboração de cerca de 150 médicos e

especialistas cubanos, a vinda de um número comparável de professores e

agrônomos, estes últimos para desenvolver a produção angolana de café e açúcar. O

dedo cubano já se reconheceria nas novas técnicas de propaganda ao mesmo tempo

que os compatriotas de Fidel estariam por toda parte discretos e atenciosos,

comunicando-se com facilidade com a população local, a qual, segundo os jornalistas,

sentiria genuína amizade pelos descontraídos hospedes.

Tudo isso cria evidentemente laços profundos e alguns [...] chegam a perceber a

emergência de um eixo Luanda-Havana, reconhecido de forma indireta quando o

Embaixador cubano [em Angola] Óscar Oramas afirma serem tais vínculos muito

mais do que “as relações diplomáticas clássicas” e o Premier Lopo do Nascimento

corrobora, lembrando que a amizade angolano-cubana foi cimentada com o sangue

derramado pela mesma causa. Cuba gozaria já de posição especial em Angola e sua

influencia seria mais crucial do que a soviética. Certos observadores vão mais longe e

arriscam a opinião de que Cuba não se abstém de pressionar Angola em favor de um

alinhamento mais estreito com a União Soviética mas até poderia desempenhar

eventualmente o papel de “tampão” entre os dois, dando aos angolanos condições de

resistir pressões soviéticas para obter bases ou outros privilégios.24

Também parece interessante constatar que a estreita identificação dos cubanos com a

relativamente moderada linha de Agostinho Neto – predisposto a criar uma sociedade

multirracial e aberta aos contatos com países ocidentais, inclusive com o Brasil e com

Portugal – acabaria provocando importantes contradições com os setores mais radicais (e

pró-soviéticos) do MPLA, especialmente com o grupo comandado por Nito Alves.25

24

Celso Diniz ao MRE, Telegrama 2142 (Confidencial), Washington, 26.5.1976, AHMRE. 25

Em maio de 1977, Nito Alves comandou uma confusa tentativa de golpe de Estado contra Agostinho Neto e

a ala moderada do MPLA. A tentativa golpista foi desarticulada com decisivo apoio militar dos cubanos.

Aparentemente o acontecimento provocou divergências com os soviéticos, e a posterior retirada dos

Embaixadores da URSS e de Cuba em Luanda.

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XIII Congreso Internacional de ALADAA Colonización y descolonización en África

Mesmo que as relações de Angola com Cuba continuaram sendo prioritárias para o

MPLA, a presença de tropas e assessores militares cubanos no país africano – situação

que se manteve até o encerramento da operação Carlota, em 1991 – também acabou

provocando certo desgaste no discurso, no prestigio e nas credenciais nacional-

revolucionárias das lideranças angolanas – acusadas, por exemplo, de não demonstrar o

efetivo controle do território com seus próprios meios. Algo semelhante aconteceria com

o discurso internacionalista da elite revolucionária cubana – sem esquecer os quase três

mil caribenhos mortos em território angolano, e um número ainda maior de feridos e

incapacitados em combate.

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