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politica em angola

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  • Economia, Democracia eJustia em Angola: O Efmeroe o Permanente*

    Daniel dos Santos

    Resumo

    Este artigo analisa as implicaes diversas em torno das disputaspela hegemonia poltica em Angola, basicamente aps sua independn-cia em 1975. No perodo anterior a este processo, organizaes e parti-dos polticos compostos e dirigidos por diferentes elites angolanas dis-putavam o poder do Estado na tentativa de inaugurar uma nova fase emtermos de construo da soberania e dos destinos da nao angolana. Oautor argumenta que tais tentativas, por mais legtimas que tenham sido,na realidade invertiam de maneira elitista e subordinada a trajetria his-trica que Angola, enquanto nao independente e desejosa de mudanana geopoltica continental e internacional, almejava fazer. As recentesdisputas internas entre as foras polticas do pas prejudicam a constru-o de um projeto nacional e deixam de lado a grande parte do povo an-golano. Com o trmino da disputa inscrita pela Guerra Fria, Angola per-de sua importncia enquanto nao estratgica e se transforma em peado joguete internacional orquestrado pelos EUA. Dessa forma, a efetiva-o de uma democracia que envolva as aspiraes populares torna-sehoje a tarefa mais importante para a consolidao de uma incluso posi-tiva de Angola na poltica internacional

    Palavras-chave: Angola; democracia; nao; projeto nacional; elites di-rigentes

    Estudos Afro-Asiticos, Ano 23, n 1, 2001, pp. 99-133

    Revista Estudos Afro-Asiticos1 Reviso: 16.07.20012 Reviso: 30.07.20013 Reviso: 12.09.2001Cliente: Beth Cobra Produo: Textos & Formas

    * Este trabalho no analisa as eleies de 1992 e o perodo ps-eleitoral.

  • Abstract

    Economy, Democracy and Justice in Angola: The Ephemeral andthe Permanent

    This article analyzes the many implications regarding the politi-cal hegemony disputes in Angola that basically arose after its independ-ence in 1975. During the period prior to this process, organizations andpolitical parties composed of and governed by different Angolan elitesfought for power in the State, endeavoring to start a new phase in theirefforts to shape the countrys sovereignty and the destinies of the Ango-lan nation. The author maintains that such endeavors, however legiti-mate, were elitist and in reality inverted the historical path that Angolaaimed for as an independent nation desiring a change in its continentaland international geopoltics. The recent domestic disputes among thecountrys political forces have a negative impact on shaping a nationalproject and fail to consider a large section of the Angolan people. Afterthe cold war ends these disputes, Angola loses its importance as a strate-gic nation and becomes an international pawn orchestrated by the U.S.of A. Thus, achieving a democracy that reflects popular aspirations is to-day the most important task for consolidating the positive inclusion ofAngola in international policy.

    Keywords: Angola; democracy; nation; national project; governingelite.

    Rsum

    conomie, Dmocratie et Justice en Angola: lphmre et leDurable

    Dans cet article, on analyse les diverses implications concernantles conflits pour lhgmonie politique en Angola, surtout aprs son in-dpendance en 1975. Dans la priode prcdant ce processus, des orga-nisations et partis politiques forms et dirigs par des lites angolaisesdiffrentes disputaient le pouvoir de ltat en cherchant instaurer unenouvelle phase dans la construction de la souverainet et de lavenir de lanation angolaise. Bien que lgitimes, ces tentatives dviaient de faonlitiste et soumise la trajectoire historique que lAngola, en tant que nati-on indpendante souhaitant des changements dans la gopolitique con-tinentale et internationale, voulait emprunter. Les rcentes luttes inter-nes entre les forces politiques du pays nuisent la construction dun pro-jet national et ngligent la plupart des Angolais. Avec la fin de la guerre

    Estudos Afro-Asiticos, Ano 23, n 1, 2001, pp. 100-133

    Daniel dos Santos

    Revista Estudos Afro-Asiticos1 Reviso: 16.07.20012 Reviso: 30.07.20013 Reviso: 12.09.2001Cliente: Beth Cobra Produo: Textos & Formas

  • froide, Angola perd de limportance comme nation stratgique et devi-ent un jouet dans le rapport de forces international men par lestats-Unis. Ainsi, lachvement dune dmocratie reprsentant les aspi-rations populaires constitue aujourdhui la tche la plus importante envue de linclusion de lAngola sur la scne politique internationale

    Mots-cl: Angola; dmocratie; nation; projet national; lites dirigean-tes.

    Economia, Democracia e Justia em Angola: O Efmero e o Permanente

    Estudos Afro-Asiticos, Ano 23, n 1, 2001, pp. 101-133

    Revista Estudos Afro-Asiticos1 Reviso: 16.07.20012 Reviso: 30.07.20013 Reviso: 12.09.2001Cliente: Beth Cobra Produo: Textos & Formas

  • E assim, no podendo fazer com que o justo,fosse forte, transformou-se a fora em justia.

    Blaise Pascal

    A luta de libertao angolana no sculo XX deve ser enfocada,com sua especificidade prpria, como intrinsecamente ligada evoluo das resistncias provocadas pela expanso do sistemacapitalista mundial. Nesta perspectiva, reduzir esta luta a uma di-menso puramente poltica significa limit-la conquista da inde-pendncia, s disputas pelo poder poltico e menosprezar seu al-cance. A luta de libertao nacional angolana tem, em sua base,um rico contedo. Sua edificao , antes e acima de tudo, umaquesto de identidade cultural, elemento essencial e permanentepara a edificar suas instituies prprias, fundamentado no reco-nhecimento das diferenas, e de elaborar um projeto social, nacio-nal e popular baseado no diferendo. Ela se desenvolve a partir doreconhecimento dos interesses e das opinies especficas do povoangolano, e da necessidade de um debate com a participao de to-dos, excluindo-se os que compactuam com interesses exteriores nao, sobre as formas de criao de riqueza (relaes sociais e eco-nmicas, foras produtivas) e sobre o marco referencial desta orga-nizao (relaes polticas e exerccio do poder).

    A democracia , provavelmente, a forma de organizaomais conveniente concretizao da formao social angolana,mas no deve ser confundida com uma ordem particular e aut-noma, o Estado. Ela , principalmente, uma forma e um princ-pio que organizam e articulam todos os elementos que compem aformao social angolana, de forma aberta e no secreta, permitin-do a participao de todos, totalmente imbuda da preocupao departilha e de solidariedade, de justia social. Ela diz respeito a cadaordem e a todas as ordens ao mesmo tempo.

    Estudos Afro-Asiticos, Ano 23, n 1, 2001, pp. 102-133

    Daniel dos Santos

    Revista Estudos Afro-Asiticos1 Reviso: 16.07.20012 Reviso: 30.07.20013 Reviso: 12.09.2001Cliente: Beth Cobra Produo: Textos & Formas

  • Da Importncia de Angola

    O regime colonial portugus encarnou o encontro entre as di-ferentes formaes sociais africanas e o nascente capitalismo portu-gus e europeu. O final do sculo XIX e o comeo do XX marcamum perodo de articulao dessas formaes no-capitalistas com adominao do capitalismo europeu. De forma artificial, e segundointeresses regionais das burguesias portuguesa, alem e britnica naregio, constitui-se ento um espao geogrfico, poltico, econmi-co e social denominado Angola. Mas, no perodo entre as duas gran-des guerras e, sobretudo, aps 1945, vai surgir um novo parceiro, aburguesia americana, cuja presena em Angola no cessar de cres-cer at 1975, e principalmente depois.

    De fornecedora de escravos, Angola passa a produtora dematrias-primas (diamantes, ferro, petrleo, mangans, ur-nio...), produtos agrcolas (acar, algodo, caf, sisal...) e prove-dora de fora de trabalho barata. Para a produo da burguesiaportuguesa, Angola representava, seguramente, um mercado;mas, para o capitalismo mundial, Angola era uma reserva de mat-rias-primas e de fora de trabalho. somente a partir dos anos1960-1970, com a maior abertura aos investidores portugueses eestrangeiros e uma certa industrializao, que Angola se torna ummercado interessante para a produo do capitalismo mundial.Dessa forma, a dominao das indstrias de exportao acentuoua dependncia da colnia em relao ao capital mundial (Torres,1983:1102, 1107) e a burguesia portuguesa teve ento de cedermaior espao s burguesias americana e europia.

    A industrializao e o desenvolvimento da empresa capita-lista em Angola estavam, dessa forma, ligados ao capital financeiroportugus e mundial. Frgil em relao aos seus concorrentes, aburguesia metropolitana portuguesa se agarrava s suas colnias:com rarssimas excees, a subcontratao, a joint-venture e a in-termediao (ver nota 5) tornam-se as nicas formas nas quais aburguesia colonial podia se refugiar. As colnias, e Angola em pri-meiro lugar, permitiam-lhe realizar uma certa acumulao, aomesmo tempo em que constituam, com a imigrao para a Euro-pa e para a Amrica, um meio ideal para solucionar o problema damo-de-obra excedente. A recusa da ditadura portuguesa em con-ceder a independncia a Angola era, antes de tudo, ditada pela ne-cessidade de modernizao do capitalismo portugus.

    Mas a ecloso da revolta nacionalista e o engajamento dosmovimentos de libertao nacional em uma guerra aberta contra o

    Economia, Democracia e Justia em Angola: O Efmero e o Permanente

    Estudos Afro-Asiticos, Ano 23, n 1, 2001, pp. 103-133

    Revista Estudos Afro-Asiticos1 Reviso: 16.07.20012 Reviso: 30.07.20013 Reviso: 12.09.2001Cliente: Beth Cobra Produo: Textos & Formas

  • capitalismo colonial tornam-se um obstculo quela estratgia,pois representam uma tentativa de reapropriao da histria ango-lana. A vontade de implantar um regime neocolonial revelou-seaparentemente um fracasso, no devido industrializao deAngola, mas basicamente pela prpria descolonizao (Ferreira,1985:107). Entre 1969-1970, a burguesia portuguesa procura,ento, financiar a explorao acelerada da colnia, aumentando aomximo a valorizao dos recursos angolanos. As taxas de cresci-mento dos principais produtos minerais (diamante, petrleo, fer-ro) e de certos produtos agrcolas (quarto produtor mundial decaf) alcanam cifras recordes. As indstrias de transformao e osservios tambm do um salto significativo, bem como o setor fi-nanceiro, em que o capital portugus se alia ao capital mundial,em particular ao americano e ao britnico.

    A industrializao de Angola durante aquele perodo no vi-sava, pois, o desenvolvimento autocentrado do capitalismo colo-nial, mas sobretudo as exigncias internas e externas, polticas eeconmicas, da sociedade central metropolitana, como sublinhaTorres (1983:1118). O custo da guerra colonial, o gosto por umcerto capitalismo de rendas e os esforos financeiros exigidos paraeste desenvolvimento precipitado favoreceram a implantao daburguesia mundial em Angola. A interveno da frica do Sul per-mitiu burguesia colonial integrar-se progressivamente no espaocapitalista sul-africano e objetivar uma certa autonomia em rela-o burguesia portuguesa. Esta evoluo dos acontecimentos e apoltica portuguesa de povoamento branco constituam um doselementos que favoreceram a estratgia sul-africana na regio,ameaando a construo da nao angolana.

    O modelo de desenvolvimento de Angola fazendo parte dazona dominada pela frica do Sul, sempre na ordem do dia, esta-ria, assim, de acordo com a estratgia total do apartheid aps 1975,que se traduz pela dominao de uma burguesia branca com basena criao de um mercado interno com explorao de uma fora detrabalho negra marginalizada. A integrao deste espao na regio,principalmente em termos de capital e de trabalho, era e permane-ce uma necessidade do capitalismo sul-africano. Seu anticomunis-mo visceral no era mais que um verniz ideolgico, da mesma for-ma que o apartheid no se reduz a uma questo de cor de pele. Essaspolticas refletiam uma estratgia racional do desenvolvimento docapitalismo sul-africano.

    Mesmo que possa parecer paradoxal, a luta pela construoda nao angolana recoloca o pas no seu verdadeiro contexto, a

    Estudos Afro-Asiticos, Ano 23, n 1, 2001, pp. 104-133

    Daniel dos Santos

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  • frica Austral. No mais se trata de escolher entre o colonialismoou o neocolonialismo portugus e a libertao nacional enquantoconquista poltica, mas sim entre uma integrao mundial maiorou uma integrao regional. A integrao mundial significa a reco-lonizao de Angola, seja atravs de mecanismos regionais sobcontrole sul-africano, seja pelo controle direto dos centros do sis-tema mundial, Estados Unidos da Amrica cabea. Em umaperspectiva contrria, a integrao regional exigiria um compro-misso segundo os interesses nacionais e sociais dos pases da fricaAustral, em um esforo de partilha e de comunho de bens e de re-cursos. Esse compromisso, condio de passagem da conquista dopoder poltico libertao social e da possibilidade de fazer pro-gredir a construo da nao democrtica, no diz respeito unica-mente a Angola, mas a todas as naes da regio.

    E da Independncia de Angola

    s vsperas de 11 de novembro de 1975, Angola representa-va uma certa esperana para o Continente, pois a luta por sua inde-pendncia dava continuidade a uma tradio iniciada outrorapela luta anticolonial e pela constituio dos movimentos de liber-tao. Entretanto, o movimento nacionalista angolano teve de fa-zer face ditadura de Salazar, sustentada pelas grandes democra-cias do centro, reunidas em torno da OTAN. Este apoio e este ali-nhamento do mundo ocidental com algumas excees mal dis-faram os interesses de cada um desses Estados. Com suas terrasfrteis, suas matrias-primas, seus recursos naturais, suamo-de-obra barata e sua posio estratgica em relao ao Conti-nente o porto de Lobito e a ferrovia de Benguela a Angola colo-nial se revela um botim capaz de suscitar a mais santa cobia!1

    Depois de 1945, assistia-se ao despertar dos africanos, des-pertar que marcar a origem de movimentos e instituies de car-ter sociocultural e poltico que apresentaro como resultante nosanos de 1950, em Angola, a criao de dois movimentos de liberta-o. Um dirigido pela pequena burguesia urbana que se radicali-zou e que transformou as reivindicaes culturais, motor de umaidia nacional definida pelo espao unificado pelo capitalismo co-lonial, em uma luta armada com objetivos econmicos, polticos esociais. Esta luta, fruto do insucesso de uma tentativa de dilogocom o Estado portugus, apelava participao de todas as etniasque compem o territrio colonial, mas principalmente partici-

    Economia, Democracia e Justia em Angola: O Efmero e o Permanente

    Estudos Afro-Asiticos, Ano 23, n 1, 2001, pp. 105-133

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  • pao do campesinato angolano e do embrio de operariado das ci-dades. O outro dirigido por uma frao aristocrtica do Norte,em parte exilada no Congo (Zaire) e voltada, pelo menos em suafase inicial, para um passado histrico do qual retira sua legitimi-dade. Os camponeses do Norte e os emigrados do Zaire vo consti-tuir seus efetivos. Mesmo que este movimento tenha reivindicadoinicialmente a reconstituio do antigo reino do Congo, nos anos60 ele vai se apresentar como um movimento nacional, apesar desua base social ter permanecido imutvel.

    Durante a exploso da guerra colonial, na dcada de 1960,surgiu um terceiro movimento poltico, reivindicando tambmpara si a condio de nacional. Entretanto, no se pode determinaruma base social precisa quanto sua origem. Este movimento sur-ge, antes, da vontade de um dirigente dissidente de um outro mo-vimento. Depois de ter criado seu ncleo central de direo, recru-taria sua base principalmente entre as etnias do Centro-Sul. Umquarto movimento poltico vai se manifestar no enclave de Cabin-da, mas sua natureza, sua forma e seu contedo o excluem da na-o angolana, que por ele combatida.

    O que h de comum entre estes movimentos tambm o queos separa: todos so dirigidos pelas diferentes fraes das elites an-golanas, sejam elas nacionais ou locais, tendo, por conseguinte, di-ferentes projetos. Nas vsperas da independncia, algumas dessaselites recorreram com freqncia s clivagens tnicas e raciais, naesperana de compartilhar o poder nacional em uma eventual ne-gociao com a potncia colonial ou de fazer secesso e reconsti-tuir seu territrio.

    A formao social angolana o resultado da ocupao portu-guesa e da imposio do capitalismo colonial como forma domi-nante de organizao das relaes sociais de produo. Esta ocupa-o foi exercida em um espao econmico, social, poltico e cultu-ral concreto. Marcado pela diversidade e pela diferena, este espa-o definido geogrfica e juridicamente pelo direito constitucio-nal portugus, pelos tratados celebrados com Portugal e pelo direi-to internacional. No entanto, recente essa formao social ango-lana. Heimer (1990) situa sua constituio entre o fim do sculoXIX e o fim do primeiro quartel do sculo XX. Trata-se de uma for-mao social inacabada, pois a sociedade colonial se imps s so-ciedades africanas de maneira muito lenta. Por um lado, a consoli-dao da hegemonia poltica da sociedade colonial no se concreti-za seno no sculo XX graas ao desenvolvimento do Estado local,de seus aparelhos e de suas funes. Por outro lado, a integrao

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    Daniel dos Santos

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  • econmica das sociedades africanas lgica capitalista da socieda-de colonial, com sua generalizao da propriedade privada e domercado, a circulao da moeda e a proletarizao do campesina-to, no se acelera seno a partir do final da dcada de 1950.2

    A noo de formao social angolana expe luz vrios ele-mentos essenciais evoluo da Angola independente, como o de-senvolvimento da pequena burguesia angolana, a construo danao angolana e o povo. Esta pequena burguesia deveria desem-penhar o papel de correia de transmisso e de ligao entre a socie-dade colonial e as sociedades africanas. Entretanto, um tal papel,conseqncia de uma poltica de assimilao e de uma poltica co-lonial que impediu a formao de uma burguesia angolana, criou,desta forma, seu contrrio. Pelo seu conhecimento de uns (racio-nalidade e tecnologia capitalistas) e de outros (cultura, aspiraese necessidades populares), a pequena burguesia ocupa uma posi-o que lhe permite mediatizar um projeto nacional. Ela funda-mental para a reproduo do sistema, ao mesmo tempo em que setransforma em seu coveiro, uma vez que deveria assumir a organi-zao da nao.

    A construo da nao angolana exige a unificao e a orga-nizao do espao herdado do capitalismo colonial e a integraodas diferentes sociedades africanas, tendo por base as suas diferen-as. A nao uma condio sine qua non da definio de uma for-mao social angolana acabada. Ela compreende todo o territriode Angola no momento de sua independncia (compreendendoCabinda), todas as etnias e todas as raas que compem o povo an-golano. A nao significa que o povo angolano chamado a parti-cipar plenamente na definio de seus interesses, de suas necessi-dades e dos meios para obter suas satisfaes e sua defesa.3 Esteprojeto nacional deve ter como base aquilo que une o povo angola-no: sua histria comum e suas caractersticas especficas, o plura-lismo cultural e lingstico, a produo e distribuio da riqueza, aajuda mtua e a solidariedade. Dessa forma, os interesses nacio-nais no devem dividir ou separar a comunidade nacional, nemcriar desigualdades econmicas e sociais inaceitveis para nenhumcomponente da nao, seja ele qual for.

    Sem o povo no existe nao, e ainda menos projeto nacio-nal. Deve- se, entretanto, distinguir o projeto de uma classe socialangolana do projeto de nao. Ambos podem se cruzar, dependen-do do momento histrico, mas so, na maioria das vezes, distintos,visto que o povo o conjunto de cidados e no um grupo determi-nado. Este conjunto corresponde a uma coletividade mais ou me-

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    Estudos Afro-Asiticos, Ano 23, n 1, 2001, pp. 107-133

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  • nos estreitamente associada e considerada em referncia ao territ-rio que habita ou do qual originria, ou seja, a nao angolana.Isso implica a posse comum de um legado histrico e a vontade deviver juntos, de partilhar no apenas a herana do passado e,por extenso, o colonialismo portugus mas tambm o futuro.A nao na qual se insere o povo angolano deriva de uma vontadecomum de constituir uma sociedade poltica autnoma,4 posta aseu servio. O povo est acima do Estado, pois este no mais queuma forma entre outras de organizar-se a defesa dos direitos dopovo contra o abuso dos projetos individuais das classes sociais an-golanas, aliadas a interesses estrangeiros. A relao entre as socie-dades civis e a sociedade poltica representa, no entanto, o cerne dapossibilidade de um projeto nacional e popular, condio da cons-truo de uma formao social angolana a ser alcanada. A peque-na burguesia, a maioria camponesa e os trabalhadores angolanosformam o povo e o conjunto que deve definir os interesses nacio-nais.

    As Dominantes Sociais da Democracia

    Desde a independncia, a questo do desenvolvimento eco-nmico tem servido de desculpa ideolgica s elites dirigentes nocentro do sistema mundial, para restringir as legtimas aspiraesdo povo angolano por uma vida melhor. Por outro lado, dois pa-ses, os Estados Unidos da Amrica e a racista frica do Sul, que noreconheciam a independncia de Angola, escolheram primeira-mente o caminho da agresso militar. Seu furor destrutivo os terconduzido a uma aliana com um movimento de libertao e auma guerra extrema contra o regime angolano, causando maiordesgaste que a guerra colonial, tanto no nvel da perda de vidas hu-manas, quanto em nvel de destruio das infra-estruturas econ-micas e sociais (ECA-UN,1989).

    Da escravido ao trabalho forado, da ausncia de liberdadee de direitos polticos, sociais e econmicos aos massacres, a hist-ria colonial angolana est marcada pelo selo da barbrie e dos abu-sos cometidos pelo Estado colonial, pelos colonos e por foras po-lticas angolanas. Mbemba (1990) faz notar que na frica isto temsido constantemente feito em nome da democracia e dos imperati-vos econmicos. Os regimes polticos africanos constituem, deuma forma geral, o prolongamento dos regimes coloniais, caracte-

    Estudos Afro-Asiticos, Ano 23, n 1, 2001, pp. 108-133

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  • rizados por uma dominao econmica estrangeira bastante acen-tuada.

    Esta situao se encontra embutida em um longo processoque caracteriza a formao e o desenvolvimento do sistema mun-dial, e daquilo que Serge Latouche chama de ocidentalizao domundo:

    Ao se fazer a histria das batalhas, escreve Claude Maurel, o colonialis-mo fracassou. Ele se contentou em fazer a histria das mentalidades parase aperceber que esta a maior vitria de todos os tempos. A mais bela vi-nheta do colonialismo a farsa da descolonizao... Os Brancos estopor detrs das cortinas, mas persistem como produtores do espetculo(Latouche, 1989:8).

    As elites dirigentes angolanas faliram em sua tarefa de cons-truo da nao e fizeram malograr um primeiro encontro impor-tante com a Histria. Depreciaram as energias, as aspiraes e a so-lidariedade populares construdas pela conquista da independn-cia e para quem certamente o projeto era aquele de uma sociedademais justa e mais igualitria. Mas em vez da ruptura necessria, elesse intermediaram,5 preferindo garantir o essencial dos privil-gios neocoloniais das foras metropolitanas, em uma espcie decontnuo histrico. Mas a histria no linear. Portanto, no deexcluir a existncia em Angola, durante os ltimos vinte anos, porexemplo, de setores das elites dirigentes populares e nacionalis-tas que tentaram realizar um determinado nvel de ruptura, ouque o povo angolano desistiu de suas reivindicaes.

    Nenhuma potncia colonial e neocolonial preocupou-secom a sorte da democracia na frica, at os anos 80. Pelo contr-rio, elas se tm mostrado ansiosas por preservar laos com os dita-dores de qualquer ndole, e quando uma das elites intermediado-ras no faz mais negcios, essas potncias utilizam todos os meios sua disposio golpes de Estado, por exemplo , para substitu-lapor uma outra mais conforme. Quando se sentem ameaadas porreivindicaes populares, as elites dirigentes africanas apelam en-to quelas potncias que no economizam meios repressivos, in-cluindo o desembarque de foras militares.

    Constata-se, porm, que os povos que formam Angola, ver-dadeiros deserdados e condenados, no interessam nem a unsnem a outros. Aps uma guerra e uma onda de preocupao pelosdireitos do homem, principalmente os polticos, eis que estesmesmos Estados do centro se transformam nos arautos da demo-cracia e decidem imp-la em Angola! Graas ao desmoronamento

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    Estudos Afro-Asiticos, Ano 23, n 1, 2001, pp. 109-133

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  • do comunismo europeu, o Ocidente descobriu, maravilhado, quea democracia, considerada como um valor seu, alcanou um statuscientfico e poltico na medida dos seus sonhos. A democracia um valor universal e natural, o remdio certo contra o mal deque sofre o regime angolano. Este mal poltico. O nacionalismo,a libertao nacional e a justia social passam a ser encarados comoobstculos realizao da felicidade do povo angolano, quando naverdade o destino do povo angolano foi sempre a preocupao me-nor dos bush, dos clinton, dos major, dos mitterand ou dos chirac.A hipocrisia no se detm a...

    Os missionrios se prestam a fazer as lies e as moralidadesdemocrticas, acompanhados pelos especialistas em participaopopular (as ONGs), pelos especialistas em direito constitucional edemocrtico, seguidos pelos mestres da economia livre e dos se-nhores do mercado. Em um ponto todos esto unnimes: o casa-mento entre o mercado, a propriedade privada, a livre empresa e ademocracia o nico remdio natural e possvel para Angola. Comona antiga poca colonial, todos se lanam, mais uma vez imbudosde seu eterno esprito paternalista, ao assalto das regies angolanas,selvagens e atrasadas, onde seres ignorantes e primitivos os recebemcomo salvadores!6 Durante uma entrevista ao jornal francs Le Mon-de (14/12/90:4), o Cardeal Nascimento afirmou que:

    Os amigos de Angola amam as riquezas do pas muito mais que seus ha-bitantes: se Angola tivesse menos ouro, menos petrleo, menos algodo,menos diamantes ter-nos-iam deixado em paz [...]. O mais importante pr um ponto final guerra. Sem a guerra no mais teramos a necessida-de de mendigar.

    Todos se preparam para o grande dia. Financiaro as eleiese providenciaro as urnas, controlaro os eleitores, verificaro osdireitos dos cidados angolanos participao, aconselharo sobreo que deve ser a democracia tudo financiado, j h muito tempo,por partidos polticos que escolheram. Aps o colonialismo, opovo angolano chegaria, ento, a uma civilizao pensada e orga-nizada para ele. Civilizao que outros, em outras partes, j desti-naram recolonizao. (cf. Lique, 1991:13-15; Cattaghy (1991);Harbeson e Rothchild, s/d: 39-68)

    A Sombra da Economia sobre a Democratizao

    Esta mudana de atitude poltica das potncias do centro,sobretudo dos EUA, em relao a Angola, est ligada, em parte,

    Estudos Afro-Asiticos, Ano 23, n 1, 2001, pp. 110-133

    Daniel dos Santos

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  • sua debilidade econmica. Da articulao de uma ordem oficial auma desordem informal, hoje o sistema mundial atravessa umperodo de desordem mal gerenciada e mal controlada. O sistemamundial vem se modificando de um perodo para outro mas, porrazes estruturais (seu lugar no sistema) e polticas (a intermedia-o de suas elites e a guerra de agresso conduzida pelos EUA e pelafrica do Sul), Angola no se ajustou.7 Em nossos dias, a economiainternacional caracteriza-se por uma intensificao das trocas co-merciais entre os pases do centro e uma mundializao e in-terpenetrao de capitais (Amin, 1991:8), pela prestao de ser-vios e pelas indstrias de ponta que vm massivamente se valendodo conhecimento. A RST (Revoluo Cientfica e Tecnolgica)permitiu aos pases centrais aumentarem consideravelmente a par-te de produo de bens sintticos, mais flexveis e mais versteisque os produtos tradicionais, setor em que os africanos perifricosainda podem esperar ocupar um lugar. Com baixos ndices de pro-duo e de acumulao de capital e uma dvida substancial, aosquais vm se incorporar os efeitos perversos da guerra, Angola seafunda em uma extrema dependncia do mundo exterior, contadoapenas com um nico produto, o petrleo.

    Visto sob este aspecto, Angola teria perdido sua importn-cia. A queda da URSS e dos pases do Leste europeu faz diminuirseu valor geopoltico e militar. Entretanto, ainda que mais vulne-rvel s presses e dominaes do centro, Angola est, de uma for-ma ou de outra, inserida na economia mundial e submetida sualgica. Os Estados do centro manifestam um certo interesse e con-tinuidade em preservar a reserva que Angola pode representar, emse tratando de matrias-primas e de fora de trabalho, ao preo damanuteno da polarizao do sistema e da misria extrema doscamponeses e dos trabalhadores angolanos.

    A crise econmica se eterniza e abala, de igual forma, tantoum plo quanto outro. uma crise do sistema mundial: Trata-sede uma crise geral do modelo de acumulao no sentido de que amaior parte das formaes sociais do Leste e do Sul so incapazesde assegurar uma reproduo ampliada e s vezes tambm uma re-produo simples (Amin, 1991:11).

    Da a necessidade de restruturar o conjunto do sistema, mo-vimento que provoca a desvantagem visvel, a desordem que o ca-racteriza e a ineficcia de certos mecanismos de regulao econ-mica (o mercado) e de regulao poltica (os mecanismos de estru-turao da hegemonia mundial). Ao mesmo tempo, os EstadosUnidos e a sua posio hegemnica, econmica e financeira (Cu-

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  • mings, 1991:205-6) devem ter em conta a fora de antigas potn-cias, uma na Europa (Alemanha), a outra na sia (Japo), com asquais deveria compor a direo da economia mundial.8 A Guerrado Golfo ilustrou at que ponto a posio americana est abalada.Cada vez mais seu papel se resume ao de gendarme do sistema mun-d i a l , po rque sua po t nc i a mi l i t a r s e gue incon t e s t e(Chomsky:1991), o que no significa declnio do seu poder eco-nmico e financeiro.

    No outro plo, a lgica de ajustamento estrutural se inscrevena procura de solues para a acumulao de capital e procede im-posio do mercado como mecanismo de regulao e de unificaodo sistema. Onde ainda possa existir possibilidades de resistncia,mesmo que nfimas, a imposio da democratizao um elemen-to da geocultura, daqueles quadros de referncia cultural no inte-rior dos quais o sistema mundial opera (Wallerstein, 1991:11). Istofaz parte de um longo movimento histrico que visa, a cada etapa,maior integrao das periferias lgica do centro:

    O Ocidente fez mais que modificar seus modos de produo, ele des-truiu o sentido de seu sistema social ao qual esses modos estavam forte-mente aderidos. Desde ento, o econmico tornou-se um campo aut-nomo da vida social e uma finalidade em si mesmo. As velhas foras ondepredominava o ser mais, foram substitudas pelo objetivo ocidental doter mais. (Latouche, 1989:27)

    Para o Banco Mundial e para o Fundo Monetrio Interna-cional a democracia estaria melhor servida se Angola aplicasseseus programas de ajustes, cujo objetivo principal o de reforar omercado em relao ao Estado. Segundo essas instituies, a priva-tizao da propriedade pblica , por excelncia, a garantia do plu-ralismo, assim como um mercado mais livre a certeza da descen-tralizao de decises, da multiplicao de centros de poder e, porconseguinte, do fortalecimento da sociedade civil (nesse senti-do, sociedade civil sinnimo de sociedade burguesa). Entre-tanto, esses programas ampliam, na maioria das vezes, a inflao eo desemprego, ao mesmo tempo em que controlam os salrios, re-duzem as fontes de financiamento e cortam os subsdios. Comoconseqncia, a maior parte dos ganhos dos cidados angolanosdiminuram em termos reais: 40% deles vivem abaixo do nvel depobreza absoluta, o que leva a um aumento do setor informal e aomercado paralelo (Morais, 1990). A esta queda real dos ganhosveio se juntar o agravamento dos problemas sociais crnicos daeconomia, da desnutrio, das mortes prematuras e do desespero.

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  • Para estes cidados angolanos, o ajuste estrutural assemelha-se aum massacre, e no ao reforo da sociedade civil. Rapidamente sedo conta de que mulheres e crianas so as primeiras vtimas des-tes programas. O Unicef prega abertamente um ajuste estruturalcom face mais humana (Pearce, 1989). A necessidade de ajusteda economia angolana certamente no est em pauta, dado o xo-do massivo dos quadros portugueses quando da independncia, osmales causados pela guerra e as polticas econmicas aps 1975(Martin e Johnson, 1989; Lubati, 1989; ECA-UN, 1989). Isto ex-plica, em parte, a gesto deficiente e desastrosa da produo e dadistribuio nacionais. Os problemas se situam, antes de tudo, nonvel das solues que o Banco Mundial e o FMI querem impor(Africa South, 1990).

    A especificidade angolana, relacionada ao clima de guerra es despesas militares da decorrentes, so conseqncias de umapoltica cega por parte dos Estados Unidos e da frica do Sul, tan-to quanto da cobia das elites polticas angolanas. A dispensa de 40a 50% dos empregados pblicos de Angola no pode ignorar o fatode que, na maioria das vezes, o Estado o nico empregador poss-vel. Portanto, fundamental ativar o sistema de produo, criarprogramas de formao da fora de trabalho e de proteo de seusdireitos sociais, pois a preservao de uma reserva de mo-de-obrano qualificada aumenta a misria. Por isso, a privatizao das em-presas pblicas angolanas representa um embuste, pois no reforaa propriedade, a produo e o consumo nacionais para o desenvol-vimento de um mercado autocentrado. Ela deve favorecer o inves-timento produtivo, nacional e internacional, e a criao de meca-nismos nacionais de acumulao de capital, em lugar da compra evenda de servios e de equipamentos muitas vezes inteis. Esta pri-vatizao no deve levar Angola a uma renovada dependncia eco-nmica em relao aos centros. A nova ordenao do sistema mun-dial constitui uma renovao dos Pactos Coloniais e introduz, porintermdio da privatizao, o domnio dos centros sobre as fontesde recursos naturais da periferia, mesmo onde isso j no era maisuma realidade ou corria o risco de o deixar de ser.

    O Estado angolano caracteriza-se pelos poucos serviosque oferece a seus cidados, tanto nas reas social e econmicaquanto na cultural, apesar dos esforos realizados aps 1975.Comparados ao regime colonial, estes servios esto realmentedemocratizados, mas se os comparamos s reais necessidades dopovo angolano, damo-nos conta de que est longe de alcanar seusobjetivos. O ajuste estrutural no apenas evidencia este resultado

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  • mnimo, como acentua o diferendo aumentando as desigualdadese a injustia dessa nova distribuio. Defrontamo-nos, assim, comuma contradio paradoxal! Em uma situao de desenvolvimentodbil das foras produtivas e de pobreza, a distribuio da riquezanacional desigual, menos desigual, porm, que quando o desen-volvimento conduz a uma nova riqueza. Isto pe em destaque aimportncia dos mecanismos e das modalidades de distribuio dariqueza nacional e das transferncias desta mesma riqueza deAngola para os centros e a urgente necessidade de as redefinir se-gundo os interesses nacionais.

    Em tal conjuntura, a democracia uma iluso! Contam ape-nas a aparncia e o formalismo. O povo angolano torna-se um ele-mento passivo da vida social. A qualidade substituda pela quan-tidade, preldio do desenvolvimento e da ampliao da reifica-o.9 E isso que consolida, por um lado, a tendncia uniformi-zao de todos os aspectos da vida no interior do sistema mundial(integrao/racionalidade) e, por outro lado, a tendncia redu-o da conscincia das sociedades civis a um simples reflexo. Don-de se estabelece a lgica da reificao: ampliar as bases da acumula-o privada do capital impondo a idolatria do dinheiro. Tudo mercadoria, tudo est venda. O que leva simultaneamente ao au-mento das possibilidades de realizao de lucro e das condies deedificao de um consenso ideolgico em torno dos valores econ-micos, em particular da explorao da fora de trabalho e do exer-ccio da governabilidade.

    Mesmo que a universalizao do modo de desenvolvimento,segundo o centro do sistema mundial, seja claramente marcadapor um determinismo econmico, a nao angolana deve definirseus interesses e sua escolha nesse contexto. Aps a independncia,os Estados centrais intervm regularmente na vida econmica, po-ltica e cultural de Angola para estabelecer e para preservar as con-dies de reproduo do sistema. Mas esta interveno no ex-clusividade de Angola. Na frica, esses Estados tm enviado as for-as militares locais para se livrar das elites locais que se tornaramincmodas. Porm, mais sutil e freqentemente, os centros forja-ram os mecanismos econmicos, financeiros e comerciais que li-gam inexoravelmente os pases africanos s metrpoles, que cor-rompem o poder poltico (Pan, 1988; Couvrat e Plesse, 1988) eprovocam danos ecolgicos considerveis (Bouguerra, 1985; Vi-dal, 1992). Os Estados do centro e suas instituies introduziramum novo modo de interveno na vida africana: o condiciona-mento poltico. Este permite peneirar a ajuda, outro mecanismo

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  • financeiro que deu suas provas de utilidade e benefcio em ummesmo sentido, ou seja, o centro sempre leva vantagem em relao periferia. Desde ento os centros utilizam este mecanismo comouma forma de acelerar os processos de integrao da frica acu-mulao mundial. A atual reforma poltica no objetiva o desen-volvimento autnomo e autocentrado da formao social angola-na, mas a liberalizao do mercado. No apenas isto que est emjogo em Angola, mas constitui o objetivo principal.

    Notemos, entretanto, que esta ajuda, que raramente alcanaum nvel significativo, no respeita os compromissos assumidosinternacionalmente, mesmo em relao ao oramento dos pasesbeneficirios. Ela direcionada de forma tnue s foras econ-micas e populares. Ela no refora os grupos nacionais nem o mer-cado interno, elementos de uma autonomia to necessria ao de-senvolvimento da periferia angolana. Esta ajuda no apia o de-senvolvimento e a participao verdadeira das sociedades civis nademocratizao do pas. Pelo contrrio, ela incrementa a corrup-o do aparelho poltico e mascara as relaes sociais e econmicasconcretas, insistindo no formalismo poltico que prprio da ima-gem do modelo democrtico dominante dos Estados centrais:

    Ns elogiamos os mritos do Estado de direito, da eleio e da represen-tao, e temos razo; mas esquecemos que milhares de nossos contempo-rneos vivem a maior parte de suas vidas em um mundo o mundo daproduo e da empresa onde o direito apenas se aplica quando se fazrespeitado pela fora, e onde o poder exercido segundo os modelos quese situam em algum lugar entre o feudalismo e o despotismo esclarecido,mas que no dizem certamente respeito democracia. (Latouche,1989: 27)

    O Jogo Democrtico: Submisso e Resistncia

    Do ponto de vista etmolgico, a democracia rene dois in-gredientes, o povo (demos) e a potncia (kratos), e faz referncia aum sistema no qual a soberania pertence ao conjunto de cidados eno apenas a um ou alguns dentre eles. Ela um valor e uma exi-gncia moral, resultante da insatisfao com o presente, da buscada restaurao de uma situao de soberania e da demanda poruma melhor ordem poltico-social. Como forma de organizaoda vida em sociedade e como modo de regulao das relaes so-ciais, a democracia deve juntar as liberdades poltica, cvica e indi-vidual com a ordem econmica, a igualdade social e os direitos co-letivos. Tenta-se, muitas vezes, separar o poltico do social e do

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  • econmico mas, na verdade, so inseparveis porque complemen-tares. A totalidade democrtica define-se pela articulao dessasordens como condio necessria libertao dos indivduos detodos os condicionamentos que os oprimem, sua participaoplena no estabelecimento de regras que tm que observar, e em to-das as esferas da vida social.

    A democratizao da formao social angolana, segundo averso dos Estados do centro, reclama, de forma curiosa, o debatesobre o sufrgio universal no sculo XIX, quando a burguesia eu-ropia no o aceitava por no ter a certeza de que ganharia as elei-es. De fato, as eleies tornaram-se um caminho de legitimaoda dominao desta classe e da emancipao do Estado/poder po-ltico mais que uma ferramenta da libertao do cidado/povo.Para que a democracia seja efetiva e conduza emancipao do ci-dado angolano, com o aumento da sua participao nas decises ena criao de regras de conduta, ela deve tornar seu o debate sobrea distribuio das riquezas nacional e mundial, com a preocupaode justia social e de eqidade. Quando as elites perifricas, sob apresso de seus povos, demandam uma Nova Ordem EconmicaInternacional, os centros do sistema mundial fazem uma frente co-mum para bloquear toda possibilidade significativa de mudana,pois hoje eles se unem para impor uma Nova Desordem Mun-dial: O desenvolvimento a aspirao ao modelo de consumoocidental, potncia mgica dos brancos, ao status ligado a essemodo de vida (Latouche, 1989:27).

    sob esta perspectiva que se deve compreender porque ocentro democrtico levou tanto tempo para se interessar pela de-mocratizao da periferia. Mesmo atualmente, a dvida persiste.Em 1992, os Estados Unidos queriam, antes de tudo, fazer desapa-recer o regime angolano para instalar no poder uma outra faco,mesmo antidemocrtica, que lhe fosse mais favorvel; como tal so-luo mostrou-se irrealizvel, declararam-se, naquela altura, dis-postos a aceitar um regime dividido entre os dois. No so, no en-tanto, os centros mesmo que vm reivindicando o pluralismo,mas sim a prpria sociedade angolana. O centro se contenta comum formalismo democrtico, que garantir sua supremacia e legi-timar a submisso da periferia angolana, capaz de conter as foraspopulares e nacionais. A era da paz e da prosperidade, to anuncia-da aps a Guerra do Golfo e a assinatura dos acordos de Bicesse, jno representam mais um paraso ao alcance das mos! Este fim desculo no inaugura um perodo de justia e de fraternidade entreos dois plos do sistema mundial, mas uma confrontao possvel

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  • e violenta (Rufin, 1991; Dowden, 1992). O desaparecimento daURSS, a consolidao da Comunidade Europia, o Tratado de Li-vre-Comrcio das Amricas e o declnio do Atlntico comercial emilitar indicam claramente que os centros empunham suas armaspara uma nova conquista colonial.

    Na poca da globalizao do capital, a democratizao deAngola pe em jogo a oposio entre os centros e a nao angolana,e, por outro lado, entre as foras nacionais e populares e as forasintermediadoras. O movimento de reificao do sistema se enca-minha para uma nova etapa, na qual o centro briga por uma maioruniformizao do mundo, caracterizada pela cobia ilimitada domercado livre e da propriedade privada. Isto implica uma nova le-gitimao da intermediao das elites polticas e econmicas ango-lanas. Basta escutar as exageradas declaraes e profisses de f decertos partidos polticos angolanos, como se tivessem, de repente,descoberto um novo deus. medida que cai o vu, os cidadosque formam a nao angolana respondero a este movimento con-forme a histria desses ltimos sculos, com estratgias de rupturasincrnica, no incio, e diacrnica, no prosseguimento. Tais estra-tgias tm sua fonte nos mecanismos forjados pela libertao na-cional que eles estendem a um projeto nacional e popular, condi-o da construo de um desenvolvimento autocentrado e de umadistribuio mais justa (Amin, 1990a e 1990b).

    As elites angolanas perderam, em 1975, um momento cruci-al de reapropriao da histria nacional. Repetiram o erro em1992, pois no entenderam a importncia desta dialtica prpriadas sociedades civis, e do lugar que estas devem ocupar na defini-o dos interesses nacionais. Os numerosos partidos emergentesse autodenominam de partidos cvicos para se diferenciarem dostrs mais antigos. Entretanto, isto est relacionado a uma grosseiramanipulao poltica, j que as sociedades civis angolanas devempermanecer autnomas10 e encontrar, por elas mesmas, a forma e ocontedo de sua expresso poltica. Elas no se confundem com opoder poltico ou com os partidos e devem, pelo contrrio, consti-tuir-se como o verdadeiro local da soberania nacional, de reivindi-cao e de resistncia moral, econmica, social e cultural. Da aimportncia do cdigo de coabitao nacional proposto por Gen-til Viana (entrevista ao Jornal de Angola, 22/12/1991:1 e 7; e So-bre o Cdigo de Convivncia Nacional, Jornal de Angola,5/1/1992.). Este se ocupa em estabelecer um abrangente acordode princpios organizados em normas que garantam a regulaodas relaes entre os cidados e os partidos polticos, por um lado,

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  • e, por outro, entre esses ltimos. Existe, porm, um problema: adistino feita entre paz militar e paz civil se presta confuso,uma vez que qualifica o conflito angolano como guerra civil.As sociedades civis angolanas sofreram uma guerra entre, por umlado, duas formaes polticas e, por outro, uma guerra de agressocom invaso e conquista de foras militares estrangeiras. A paz ci-vil s pode ser regulada pelas prprias sociedades civis, o que reme-te s relaes entre as classes e os grupos sociais angolanos e suavontade de edificar a nao angolana, enquanto a paz militar de-pende dos partidos polticos beligerantes e das foras estrangeirasenvolvidas. A paz civil e a reconciliao nacional podem e devemser obtidas, no por um cdigo definido pelos partidos polticos,mas pela organizao e fortalecimento das sociedades civis, demodo a permitir a estas a imposio sobre os partidos polticos an-golanos e sobre as foras estrangeiras. Gentil Viana realizava umacorrida contra o relgio, provocada pelo absurdo da manuteno,a qualquer preo, das eleies em setembro de 1992, o que indica asede de poder da sociedade poltica angolana. O cdigo de coabita-o nacional deveria constituir um dos meios que permitiriam ssociedades civis se impor e responsabilizar os partidos polticos e oEstado.

    Verdade que a democracia no elimina a relao dominan-tes/dominados, mas reduzi-la a um carter poltico exclusivo sig-nifica obrig-la a permanecer abstrata e a reproduzir as piores desi-gualdades que marcam to especificamente o sistema mundial: aarrogncia e o egosmo, de um lado, a misria e a humilhao, deoutro. Essa situao encontrada no interior de cada plo do siste-ma mundial (centros e periferias). Ao tornar-se concreta, a demo-cracia deve englobar todas as esferas da formao social angolana, acomear pela economia. Ao se opor ao efmero, que caracteriza asrelaes poltico-econmicas, a democracia torna-se o espao noqual se tecem as relaes sociais durveis e prprias das sociedadescivis. Somente uma democracia que responda a tais exignciaspode produzir os meios que a periferia angolana necessita para res-tringir a reificao e a cega cobia que marcam a globalizao docapital, e para expandir as possibilidades de construo da nao ede formao de um Estado angolanos, condio para uma melhorredistribuio.

    Os anos 90 apresentam, independente dos regimes polti-cos, certos indcios de novas formas de resistncia perifrica de-sordem reinante, fundamentalmente diferentes das formas passa-das. Elas acentuam a oposio centro-periferia, enquanto os novos

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  • idelogos afirmam no existir resistncia ou oposio importantes nova ordem unipolar e democrtica, dirigida pelos EstadosUnidos (Carpenter, 1991:27). Estas resistncias se aglutinam emtorno das formas e das expresses culturais, sem abandonar asquestes polticas, econmicas e sociais (Latouche, 1991). Elastrazem luz a existncia e o direito de afirmar a diferena e o dife-rendo. Na diferena ressalta-se aquilo que distingue e separa unsdos outros, a cultura em seu sentido amplo. A diferena refere-seao conjunto de caracteres que tornam a distino no apenas pos-svel, como tambm clara. Sua definio plural constitui, ento,sua unidade. Discerne-se, no diferendo, o que pode ou deveriauni-los e que impe, desde o incio, um debate a propsito do jus-to e do injusto.11 O diferendo o domnio da possibilidade do de-sacordo e da contestao. Ele plural, pois baseia-se na diversida-de de opinies e na oposio de interesses, ou seja, o reconheci-mento da possibilidade de um confronto e de um compromissoentre as partes.

    Estas resistncias so concernentes a valores fundamentais,ou seja, concepo de uma viso de mundo prpria, relaoentre a vida e o mundo que a cerca (cultura/natureza) e que guia aconstruo das solidariedades, das alianas e das oposies. A geo-cultura do sistema mundial caracteriza-se por sua pretenso uni-versalista e pelos valores ideolgicos que a contradizem: o racismoe o sexismo (Wallerstein, 1991: 12, 158-83; 1983: 73-93). A im-posio da reificao e de tudo aquilo que ela comporta como valo-res do centro do sistema revela um desprezo pelas pluralidade eidentidade da periferia. A ideologia etnocntrica, fortemente car-regada de racismo e de sexismo, j no mais se camufla! Estes doiscomponentes da geocultura fizeram-se to importantes e visveisque se tornaram, novamente, nos dias de hoje, objeto da cincia edas lutas polticas entre os dois plos do sistema e no interior decada um deles.12

    Esta contradio no nvel da geocultura produz efeitos per-versos que apontam em direo s oposies mais evidentes. To-mando como referncia a experincia angolana, ela se traduz pelascontradies que opem a nao e os intermedirios. Mesmo entreaqueles que denunciam o racismo e o sexismo no centro, muitosaceitam o universalismo do sistema mundial e agem em Angolacom a arrogncia do dominante (classe poltica e dos negcios), namelhor das hipteses com um paternalismo de bom tom (igrejas,ONGs) ou com ignorncia inocente (a massa desinformada).Sentem-se, apesar de tudo, parte integrante do centro. As possveis

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  • resistncias culturais da periferia angolana tm assim o seu duplo,aqueles que aceitam a intermediao, na maioria das vezes de for-ma consciente (as elites polticas e suas clientelas) e aqueles quehoje no renegam a nova soluo milagrosa. Sedentos de poder,confundem a democratizao formal com a propriedade privada eo mercado livre. O sistema mundial e seus centros investem consi-deravelmente na desinformao e na difuso massiva de uma ideo-logia social-democrata, centrista, soft, consensual e dogmtica (cf.Huyghe e Barbs, 1987; Herman e Chomsky, 1988; Chomsky,1989; Terray, Moscovici, Doise et alii, 1990; Devouassoux e La-bvire, 1989; e, principalmente, Eudes, 1982), objetivando asse-gurar a coeso e a adeso de todos os cidados geocultura:

    Este sistema de comunicao o espelho de uma sociedade da qual estausente todo valor de compartilhar. O espelho no reflete seno o hor-ror. Ou a insignificncia. Onde, na percepo do sujeito, o mundo tor-nou-se em horror. Ou jogo. A conseqncia? Uma poluio permanenteda alma, o sentimento de impotncia, a psicose da solido, a recusa dooutro e da histria. Um manto de sofrimento jogado sobre as pessoas.(Ziegler, 1989:45)

    Esta ideologia caracteriza-se pelo predomnio dos valoreseconmicos da modernidade tal como concebida no Ocidente: oprodutivismo, a rentabilidade, a eficcia tecnolgica e a manuten-o exagerada da expanso de trocas desiguais, tudo isso conjuga-do com a avidez de lucros imediatos. Face a uma tica falsa e umamoral imoral, as resistncias angolanas, em particular a luta poruma democracia concreta e completa, dependem muito mais doscidados e de suas instituies que dos partidos polticos e do Esta-do. O cidado angolano deve distinguir esses dois nveis de aopara exercer plenamente seu direito a uma livre escolha poltica epara exigir contas aos que lutam pela responsabilidade e no peloprivilgio, de exercer o poder em seu nome.

    Quando a Democracia Tambm Justia

    Insistindo sobre o formalismo e a dimenso poltica da de-mocratizao, o sistema mundial finge ignorar as relaes sociaisconcretas e reduz a liberdade dos cidados angolanos emancipa-o do pretenso Estado e do mercado locais. Esta autonomiaconquistada emancipa-se em relao s sociedades civis, visto queela uma condio de legitimao da intermediao e da domina-o do mais forte. A democracia angolana no ser concreta a me-

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  • nos que venha a ser o mecanismo de libertao das sociedades ci-vis, do cidado angolano coletivo e individual. O exagero daquelespartidos polticos angolanos que celebraram a vitria do forma-lismo democrtico ilustra-se por uma vasta campanha de desinfor-mao, manejada pelos centros do sistema, para os quais o concei-to de democracia est impregnado de esperas desmedidas e porta-dor de falsas esperanas. Estes mesmos partidos fizeram crer que arealizao da democracia formal resolver os problemas no ape-nas polticos, mas sobretudo sociais e econmicos da formao so-cial angolana, e que somente o capitalismo compatvel com a de-mocracia. Pretendem que as democracias formal e poltica colo-quem todos os cidados em um plano de igualdade, ou seja, que elaconduzir a uma distribuio mais igual e mais justa dos benefciose dos recursos econmicos e sociais.

    A democracia em Angola no aparecer como uma forma deorganizao mais ordenada, mais consensual e mais estvel. Suaprpria natureza indica que ela constitui um compromisso que seconstri continuamente entre a desordem, o desacordo e o movi-mento. Certamente ela conduzir a uma administrao polticamais aberta, mas isto no significa que a economia tambm oser.13 Certos objetivos da organizao da economia angolana, de-finidos pelo Banco Mundial e pelo FMI ou seja, o direito de pos-suir a propriedade e reter os lucros, a funo de depurao domercado, a liberdade de produzir sem regulamentao estatal e atmesmo a privatizao das empresas pblicas podem se tornarobstculos democratizao de Angola. O Estado democrtico aser construdo em Angola ter a necessidade de deduzir taxas e im-postos e regulamentar os mais gulosos para evitar, o mais poss-vel, os monoplios, os cartis e os oligoplios e para proteger os di-reitos da coletividade da intromisso abusiva dos que possuem apropriedade. Assim, a democracia se definir pela pluralidade dasformas de propriedade, sem ceder tentao de privilegiar uns emdetrimento de outros. Isto significa simplesmente que certas no-es de liberdade econmica, em geral levadas adiante pelos mode-los neoliberais, no so sinnimo de liberdade poltica. Na maioriadas vezes, as primeiras impedem as segundas. Certos partidos pol-ticos, por exemplo, compram, literalmente, o voto do cidado, ou-tros se vendem aos pases estrangeiros para obter apoio financeiroe material.

    Um futuro Estado democrtico angolano dever prestarcontas s sociedades civis. Da a necessidade urgente de criar orga-nismos possuidores de direito de veto, totalmente independentes

    Economia, Democracia e Justia em Angola: O Efmero e o Permanente

    Estudos Afro-Asiticos, Ano 23, n 1, 2001, pp. 121-133

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  • dos partidos polticos e do Estado e capazes de controlar e verificaras aes destes. A meta dessas instituies civis seria a de afirmar asoberania da nao, de vigiar a execuo do mandato confiado sociedade poltica e de garantir um verdadeiro Estado de direitodemocrtico.

    A independncia ou a separao dos poderes no um pro-blema exclusivo da sociedade angolana. Constantemente pode-mos encontrar o mesmo problema nas democracias dos pases docentro. Contrariamente ao que pensam os partidos polticos, nadaimpede a criao de instituies que emanem das sociedades civis eque assumam um papel de guardio constitucional. O Estado eos partidos polticos no so responsveis apenas diante do Parla-mento, mas tambm diante do povo. O Parlamento, pea-mestrada sociedade poltica, por excelncia o lugar de legitimao doexerccio do poder, ao passo que a democracia exige que este lugarseja assumido pelas sociedades civis.

    A questo da distribuio econmica e social essencial aodebate sobre a democratizao da formao social angolana e desuas relaes com o centro do sistema mundial. Da forma por eleconsiderada, esta democratizao no traz necessariamente em seurastro o crescimento econmico, a paz social, a eficcia adminis-trativa, a s, honesta e aberta governabilidade, a harmonia polti-ca, os mercados livres e eqitativos, o fim das ideologias, e me-nos ainda, o fim da histria! Desde a colonizao, os episdios deresistncia do povo angolano, ao contrrio, tm sempre comopano de fundo o desenvolvimento, em diferentes nveis, de ideolo-gias nacionalistas e a tentativa de retomada de sua histria. Esta re-estruturao se baseia na fora do movimento de reificao e insis-tncia sobre o mercado, sobre a privatizao e sobre o formalismoeleitoral. Ela s se interessa pela criao, na periferia angolana, dascondies necessrias reproduo do capital, pela reserva da for-a de trabalho e das matrias-primas. Para que serve um cresci-mento econmico, se os mecanismos e as regras de distribuio emAngola no favorecem os produtores e os consumidores locais,mas principalmente as empresas transnacionais, os Estados docentro, as pequenas e mdias empresas internacionais e as elitescompradoras locais?

    A democracia se resumiria, ento, s formas de legitimaoda reestruturao do sistema mundial e do lugar que ele destina aAngola? Ela deve deixar de ser um princpio de legitimao, que areduz a formas de governabilidade baseadas na autoridade do maisforte14 e reduz o espao poltico angolano a uma legitimidade reco-

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    Daniel dos Santos

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  • nhecida do exterior, para se transformar em um princpio de justi-a, no fio condutor da organizao da nao angolana como umatotalidade. Sua definio, enquanto legitimidade, repousa sobre amodernizao liberal ocidental que privilegia a liberdade indivi-dual, definida pelo direito como forma de limitao do poder. tambm nessa ideologia liberal que se encontra a noo de liberda-de inovadora do direito como fundamento do poder ilimitado davontade geral (soberania). E a temos posies contraditrias:uma, afirmando a precedncia do direito sobre a legislao, limi-tando, assim, a fora da soberania; a outra estabelece que todocontrato social possvel a qualquer momento. Para esta, deve sefazer tbua rasa e criar a ordenao jurdica da sociedade de formavoluntarista. Aqui, o direito e a lei se confundem e ambos preten-dem ser a expresso da vontade geral. E feita a jogada, visto queesta vontade geral identificada com a soberania do Estado e noda nao. Aparentemente contraditrias, estas duas proposiesformam uma unidade que se tornou a coluna vertebral do Estadodemocrtico liberal.15

    Esta confuso entre legitimidade e legalidade provoca umdebate muito importante, o do Estado de direito. Ele encontrasuas fontes na monarquia absoluta francesa para a qual a sobera-nia limitada pela lei divina, natural e constitucional e na crticados iluministas (Montesquieu em particular), principalmente nomito fundador do formalismo democrtico que a separao dospoderes (executivo, legislativo e judicirio). Uma outra fonte, pro-vavelmente mais importante, a monarquia constitucional ingle-sa. Ela pretende conceder a supremacia aos direitos individuaisdos sujeitos e o papel principal de controle constitucional ao jur-dico (Lauvaux, 1990:46-52). Nenhuma das partes conquistou umlugar concreto nas sociedades civis. ainda o liberalismo domi-nante do sculo XIX que reduz o controle do exerccio do poderpoltico a um outro rgo do Estado. Este deve se submeter ao di-reito que surgiu como por encanto, autnomo. O mais incrvel que o Estado de direito se parece perigosamente com o direito doEstado, visto que o povo, ao delegar a sua deciso, afastado desteprocesso de limitao do poder. Na democracia representativa li-beral, o Estado, sob pretexto de representar a maioria, definiu osdireitos, escolheu os indivduos aos quais este deve ser aplicado,indivduos que constituem seu objeto concreto, e o quadro noqual isso deve ser feito. A idia de separao de poderes reificada atal ponto que

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    Estudos Afro-Asiticos, Ano 23, n 1, 2001, pp. 123-133

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  • [...] na sua apreciao dos regimes africanos, eles (os juristas e os profes-sores de direito constitucional) sucumbem ao fascnio do princpio daseparao de poderes. assim que, na quase totalidade, os Estados afri-canos consagram ao menos uma linha de suas constituies a este prin-cpio imortal (de Gaudusson e Conac, 1990:6).

    O que est em pauta no a necessidade de limitar o exerc-cio do poder, mas o fato de esvazi-lo de seu sentido primeiro.Nunca ser bastante repetir que, na democracia, a soberania per-tence ao povo e no ao Estado e aos partidos polticos. J no maisse pode confundir as reivindicaes destes ltimos. Infelizmente,foi o que se passou no j clebre caso de Benguela, no qual um par-tido poltico reivindicara, pela fora, certas propriedades, sobre-pondo-se ao respeito s regras de direito em vigor e ao prpriopovo. A atuao da justia deve ser considerada alm da prtica dostribunais e deve incluir a distribuio das liberdades e das riquezas,dos benefcios e dos encargos econmicos e sociais. Portanto, paragarantir sua independncia, a justia deve ser acessvel a todosmas, sobretudo, ela deve ser responsvel perante o povo. Os juzes,assim como os deputados, devem ser eleitos, existindo tambm apossibilidade da destituio de ambos. O Estado no deve, em ne-nhum caso, ser juiz e partido. Sua posio seria, no melhor dos ca-sos, contraditria (instrumento e objeto), e no pior dos casos, apresa daqueles que dominam a economia (instrumento). Estaria,assim, em uma condio de conflito potencial (Fisk, 1989) perma-nente, entre a busca da justia e a manuteno de uma ordem so-cial dominada por seu componente econmico: [...] apesar dosprincpios proclamados, a justia , na realidade de suas relaescom o poder poltico, um servio subordinado e estreitamente de-pendente (de Gaudusson e Conac, 1990:7).

    O papel da justia de colocar os limites, mas os limites jus-tos. Alm do aspecto formal da justia como aparelho de Estado, ajustia justa ainda o refgio das lutas para pr um fim domina-o e opresso (Lyra Filho, 1983:92-127). No pode, porm, ig-norar os interesses e as reivindicaes dos dominados. Qualquerregime poltico no pode pretender uma justia justa16 se no levaem conta os modos de distribuio. poca da reestruturao dosistema mundial, a justia se situa nas relaes que ela tece com ou-tras periferias e os centros do sistema, seja no interior ou mesmono exterior da sociedade angolana. As implicaes destas relaespodem ser considerveis. A poltica agrcola mundial, por exem-plo, pode influenciar a determinao das formas da propriedadefundiria em Angola, a forma de distribuio da riqueza produzida

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  • localmente, as reivindicaes e os protestos dos produtores ango-lanos e a ao do aparelho jurdico do Estado.

    Um Projeto Nacional e Popular?

    O apoio e as alianas internacionais muito dizem sobre a na-tureza da partida que se joga em Angola, durante a luta de liberta-o, depois da independncia e at nossos dias (Santos, 1983). Osprocessos de intermediao da sociedade angolana comeam bemantes de 1975. Mas a independncia de Angola, apesar do ca-bo-de-guerra entre os movimentos de libertao nacional e seusaliados no nvel do sistema mundial, foi um momento propcio operacionalizao de um projeto nacional e popular. Esta possibi-lidade no podia ser admitida pelos pases do centro, em particularpelos Estados Unidos e, em nvel regional, pela frica do Sul. A de-fesa dos interesses nacionais poca coloca como condio mni-ma uma nova partilha das riquezas no nvel da formao social an-golana e no nvel do sistema mundial. Como condio mxima,esta possibilidade significaria o caminho da ruptura em suas con-seqncias ltimas. evidente que aps 1975, dada a agresso mi-litar da qual foi vtima, Angola no possua as condies, tanto nonvel do desenvolvimento de suas foras produtivas, quanto noque se refere s condies polticas, para realizar tal escolha.

    No que concerne frica do Sul, uma Angola independentee capaz de promover tal projeto representaria uma ameaa polticapara os fundamentos do seu estado racista. Atualmente, apesar dosacontecimentos, a ambio do capitalismo sul-africano permane-ce intacta: dividir o continente africano em quatro grandes regiespolticas e econmicas controladas por frica do Sul, Egito, Nig-ria e Qunia, objetivando garantir um lugar para o Continenteafricano no momento da reestruturao do sistema mundial emblocos comuns. O regime sul-africano aspira o reconhecimento desua fora econmica e de sua liderana na integrao do Continen-te ao sistema mundial. verdade que este o sonho da burguesiabranca sul-africana, e que o regime do ANC tem um outro discur-so. Aparentemente, este reconhece, acima de tudo, a necessidadeda formao de um bloco econmico regional tendo como base areduo da dominao sul-africana, no qual a base industrial ser-viria, em primeiro lugar, para encorajar o crescimento das econo-mias da regio.

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  • Entretanto, os problemas que a frica do Sul ps-apartheidtem de enfrentar so de tal ordem que este pas ser tentado a dre-nar certas riquezas da regio para suprir suas dificuldades. Nestecaso, Angola deve se enfraquecer para se tornar um fornecedor depetrleo e de mo-de-obra e um mercado para consumo dos pro-dutos sul-africanos. Os pases do centro do sistema mundial no seocupam da possibilidade de um desenvolvimento capitalista forteem Angola, visto que a frica do Sul no necessita de concorrentesque a incomodem e que Angola deve permanecer uma reserva es-sencial, principalmente de matrias-primas.

    A democratizao de Angola se apresenta como um fenme-no de dupla face. Na aparncia, uma imposio dos centros dosistema mundial, em particular dos Estado Unidos, que buscam seapropriar para melhor controlar os contornos e as formas e assegu-rar as prerrogativas de ajuste estrutural em Angola. No obstan-te, a periferia angolana deve adotar esta democratizao para rede-finir suas estratgias nacionais e para reconstruir novas formas deresistncia popular. Angola jamais deixou de ser uma periferia afri-cana do sistema mundial. Sua especificidade no resulta do regimepoltico criado aps a independncia, mas de uma longa luta de li-bertao nacional. Apesar de suas contradies, esta luta era porta-dora de uma esperana e de um projeto nacional cuja condio m-nima de triunfo repousava na concretizao de uma mobilizaopopular democrtica para a construo da nao, nas possibilida-des de ruptura e na sua condio no interior do sistema mundial.

    A democracia ao mesmo tempo um meio e um fim. Estacondio mnima repousa sobre a existncia de foras polticas lo-cais organizadas em torno das aspiraes populares e capazes de es-tabelecer uma relao dinmica com as sociedades civis. Isto cons-tituiria a base sobre a qual a sociedade angolana poderia criar ascondies de realizao das legtimas aspiraes de seu povo que,assim, poderia criar uma produo local para satisfazer um consu-mo local, ou seja, um mercado interno, autnomo e endgeno, eos mecanismos nacionais (estatais, privados e coletivos) de distri-buio para assegurar a justia social e econmica.

    Este projeto nacional e popular, mesmo antes de qualqueraplicao concreta, causou arrepios no centro do sistema mun-dial. A atitude deste foi de encorajar uma sada cega, acompanhadade um furor destrutivo sem precedente e de uma pilhagem ao estilomedieval dos colonos portugueses primeiro, da burguesia racistasul-africana e dos intermediadores angolanos por ltimo. A hist-ria das relaes entre Angola e os EUA est ainda para ser escrita,

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  • mas parece sempre contrapor o interesse nacional de Angola e a ex-plorao de seus recursos naturais pelas transnacionais americanas atitude arrogante e imperial dos Estados Unidos. A potnciaamericana, mais que qualquer outra potncia central, sempre teveum jogo duplo em um esforo de resguardar os interesses de suaburguesia: apoio ao fascismo colonial portugus, ao fascismo ra-cista sul-africano e aos interesses do Zaire, ao mesmo tempo emque apoiou os movimentos angolanos em cada poca que repre-sentavam a maior das possibilidades de intermediao (FNLA,UNITA e, finalmente, MPLA).

    Assim, a guerra que explodiu aps a independncia no podeser reduzida a uma guerra civil. Ela contrape duas faces de elitespolticas sem a participao verdadeira das sociedades civis, queso as principais vtimas. , por isso mesmo, uma guerra de agres-so: invases de um exrcito estrangeiro, financiamento, apoio lo-gstico e material de dois Estados estrangeiros (frica do Sul eEUA). A frao dirigente, desta forma, recorreu s foras militarese ao apoio de duas outras potncias estrangeiras (Cuba e URSS).Para alm dos discursos e da propaganda das elites polticas ango-lanas e dos Estados do centro, no se trata de uma guerra tnica,religiosa ou de classes sociais. O conflito entre as duas facesdas elites deixa de ter importncia, pois o que est em causa a pre-tenso, por mnima que seja, de construir um projeto nacional.

    Esta guerra que quase aniquila Angola, por no conseguireliminar a frao dirigente, logrou dividir e tornar intermediriauma boa parte dela. Esta situao representa um risco de suma gra-vidade para o projeto nacional. Apesar da guerra, o destino docampesinato, todas as etnias confundidas, constitui um exemplode como as elites fracassaram em seu encontro com a histria ango-lana. Pea-chave na luta pela independncia, o campesinato temsido submetido e maltratado por uns e por outros. No obstante,existe um outro aspecto capital para este projeto, portador de espe-rana. A um preo horrivelmente alto, a frao dirigente tem sabi-do manter intacta a unidade do pas e preservar a integridade na-cional, o que significa que ainda existe um cerne nacionalista ca-paz de repensar a histria do pas. Faz-se, porm, urgente pensar anao e reagrupar todas as foras nacionais e populares, acima dospartidos polticos.

    A definio de um projeto nacional e popular mnimo de-riva diretamente da anlise feita da experincia dos anos1950-1975. A questo crucial que os movimentos de libertao sedeveriam colocar s vsperas de 1975 dizia respeito capacidade

    Economia, Democracia e Justia em Angola: O Efmero e o Permanente

    Estudos Afro-Asiticos, Ano 23, n 1, 2001, pp. 127-133

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  • de pensar a conquista do poder em termos dos interesses da nao eno da ambio de suas elites dirigentes: como construir um Esta-do que estivesse realmente a servio da nao e do povo?

    Esta questo permanece, ainda hoje, como central na de-mocratizao angolana. Mas, na ausncia de sociedades civis for-tes e suficientemente autnomas, capazes de vencer as alianas in-ternas e de definir clara e ativamente o interesse nacional, o Esta-do permanecer debilitado face oposio externa (capital mun-dial) e interna (intermedirios). Por isso as eleies eram impor-tantes, se bem que a pressa em realiz-las nessas condies tenhatransformado a futura democracia em uma noz vazia. A demo-cracia no se constri em um dia, mas todos os dias. Ela deveabranger todos os campos da sociedade angolana, na qual o atorprincipal o povo e o objetivo supremo a construo da nao, isto, um espao pblico (do povo). Estes so permanentes. O demais efmero!

    Notas

    1. Apesar da guerra, que continuou aps a independncia, essas conquistas permane-cem praticamente intactas. Ver Hodges (1987) e Walker (1990).

    2. medida que o capitalismo colonial portugus se impunha s sociedades africanasangolanas, elas eram obrigadas a se submeter, no sem resistncias, e passar, sem avi-so prvio, para uma produo essencialmente agrcola, orientada para o consumo ex-terno (mercado mundial), caracterizada principalmente pela produo de valores detroca (excedentes contnuos e crescentes), em que a propriedade se lhes escapa.

    3. Em uma entrevista ao jornal Sunday News (20-8-72), Agostinho Neto, mdico, poe-ta e presidente de um dos movimentos de libertao angolano, j afirmava que lutarpela independncia de Angola significa lutar pela construo de uma Angola demo-crtica, prspera e justa, da qual os cidados angolanos participariam plenamente,onde poderiam expor suas opinies, possuiriam as riquezas do pas, onde os trabalha-dores receberiam um salrio justo e onde a justia seria igual para todos (Bragana eWallerstein, 1978, v. II: 170).

    4. A autonomia da sociedade poltica se define em relao ao mundo exterior e no emrelao s sociedades civis angolanas. Quando nos referimos a elas, estamos nos refe-rindo ao povo, suas aes (prxis social) e suas instituies, bem como s relaes quese criam e se desenvolvem. Estas ltimas no se referem apenas s relaes de classe.Por outro lado, no se trata aqui do conceito de Estado-nao, identificado com omundo ocidental, o qual desembocou, na maior parte das vezes, na submisso da na-o ao Estado e supremacia de uma classe social sobre o conjunto da sociedade civil.

    5. Definimos a compradorizao como sendo este processo social estrutural de articu-lao da economia subdesenvolvida economia desenvolvida. Esta palavra deriva doportugus comprador, que significa intrprete ou intermedirio. Os compra-

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  • dores so indivduos que atuam como agentes locais dos capitalistas estrangeiros(Hoogvelt, 1977:100). Optei pelos termos intermedirio e intermediao Notado tradutor).

    6. A ttulo de exemplo, no raro se prestar contas desta ideologia, apresentada de for-ma to sutil na imprensa ocidental. Nos ltimos dez anos, a imprensa portuguesaapresentou inmeras reportagens sobre Angola, nas quais o jornalista disfara a nos-talgia colonial e paternalista sobre o assunto (jamais ele mesmo quem fala, mas umvelho negro angolano que tem saudades do colono e dos bons velhos tempos) comimagens do passado.

    7. Este ajuste no tem nada a ver com o ajustamento estrutural imposto pelas Institui-es Financeiras Internacionais (IFI), dominadas pelos Estados do centro. Aqui, em-pregamos esta palavra para designar a elaborao e a definio de uma posio e deuma poltica autnoma, nacional e africana.

    8. A propsito das modificaes estruturais do sistema mundial e sua influncia, deve-mos nos referir excelente obra de Immanuel Wallerstein (1991).

    9. A reificao apenas um conceito que nos permite caracterizar o estado de transfor-mao das relaes humanas concretas (valor de uso) em relaes abstratas entre coi-sas inertes (valor de troca). Ela a petrificao das relaes humanas, sua coisificao.

    10. Isto significa que ela retm o poder de se organizar de maneira independente, fora daesfera poltica.

    11. No sentido empregado por Lyotard e Rogozinski (1985:27-34). No se trata de ne-gar a importncia da universalidade, mas, sobretudo, de recusar particularidades quese impem periferia, como os universalismos disfarados pelos interesses especfi-cos do centro.

    12. O desenvolvimento das pesquisas e das lutas das mulheres tem ocasionado um enor-me salto qualitativo e quantitativo. O mesmo fenmeno pode ser constatado em re-lao ao racismo. Como exemplo, citemos: Said (1978); Temu e Swai (1981); Bernal(1987); Thiongo (1987); Amin (1988); Asante (1988); Moghadan (1989); Ghe-verghese et alii (1990).

    13. Ao mesmo tempo em que os centros exigem uma economia cada vez mais aberta emAngola, eles prprios se fecham e multiplicam os controles de seus mercados comuma preocupao excessiva de protecionismo, como demonstram as disputas doGATT -OMC.

    14. Isto leva alguns a brincar com fogo, a agir de maneira perigosa, escondendo armas,criando um clima nocivo de instabilidade, de incerteza e de medo.

    15. Ver os trabalhos simples e claros de Macpherson (1965, 1977).16. Considera-se uma virtude social no sentido de que caracteriza relaes sociais no respe-

    ito dos direitos morais, da imparcialidade, da igualdade e do mrito. Ela inclui, logo, ajustia social que se refere estrutura e s polticas de uma sociedade e justia econ-mica, que diz respeito distribuio dos benefcios e dos encargos econmicos.

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    Daniel dos Santos

    Revista Estudos Afro-Asiticos1 Reviso: 16.07.20012 Reviso: 30.07.20013 Reviso: 12.09.2001Cliente: Beth Cobra Produo: Textos & Formas

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