brasilia-1960-2010

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GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL SECRETARIA DE DESENVOLVIMENTO URBANO E MEIO AMBIENTE SEDUMA COMPANHIA IMOBILIRIA DE BRASLIA TERRACAP

B R A S L I A 1 9 6 0 2 0 1 0 passado, presente e futuro(Organizao de Francisco Leito) Autores Adeildo Viegas de Lima Anamaria de Arago Costa Martins Andrey Rosenthal Schlee Antonio O. Mello Jnior Carlos Madson Reis Cristiane Gusmo Dalve Alexandre Soria Alves Dionsio Alves de Frana Elaine Freitas Alves dos Santos rika Cristine Kneib Francisco Leito Geraldo Nogueira Batista Jane Monte Juc Ldia Adjuto Botelho Lucio Costa Mara Souto Marquez Maria Elisa Costa Marlia Machado Maurcio G. Goulart Sylvia Ficher Tatiana Celliert Ogliari

Braslia-DF Brasil 2009

CrditosOrganizao Francisco Leito Projeto grfico Antonio Danilo Morais Barbosa Superviso de diagramao Breno Rodrigues Diagramao e tratamento de imagens Grau Design Grfico Reviso Rejane de Meneses e Yana Palankof Fotografias Os crditos dos fotgrafos so apresentados junto s fotos As fotografias da autoria de Joo Paulo Barbosa, Juliana Rodrigues, Marcelo Dischinger, Marcos Piffer, Monique Renne Lapa, Orlando Britto, Sergio Alberto Alves e Sidineia Andreo foram selecionadas por meio do 1 Prmio Foto Arte Arte da capa Bruno de Fassio Paulo Apoio Unidade de Administrao Geral UAG Diretoria de Planejamento Urbano DIPLU Gerncia de Articulao de Polticas Urbanas GEAPUBraslia 1960 2010 : passado, presente e futuro / Francisco Leito (organizador)... [et al.] Braslia : Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, 2009. 272 p. ISBN 978-85-61054-01-4 1. Urbanismo Braslia. I. Ttulo. II. Martins, Anamaria de Arago Costa. III. Schlee, Andrey Rosenthal. IV. Mello Jnior, Antonio O. V. Reis, Carlos Madson. VI. Gusmo, Cristiane. VII. Soria, Dalve A. VIII. Frana, Dionsio. IX. Santos, Elaine F. A. X. Kneib, rika C. XI. Batista, Geraldo N. S. XII. Juc, Jane Monte. XIV. Botelho, Ldia Adjuto. XV. Marquez, Mara Souto. XVI. Machado, Marlia. XVII. Goulart, Maurcio G. XVIII. Ogliari, Tatiana Celliert. XIX. Seduma. CDU 911.375.6(817.4)Ficha Catalogrfica elaborada pela Bibliotecria Lcia Helena Alves de Figueiredo CRB 1/1.401

As opinies emitidas nesta publicao so de exclusiva e inteira responsabilidade do(s) autor(es), no exprimindo, necessariamente, o ponto de vista das instituies promotoras da publicao, tampouco o das instituies com autores participantes.

GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL

SECRETARIA DE ESTADO DE DESENVOLVIMENTO URBANO E MEIO AMBIENTE - SEDUMA

COMPANHIA IMOBILIRIA DE BRASLIA TERRACAP

Agradecimentos

Alciene Garcia, Ana Valria Passos Pontes, Antonio Danilo Morais Barbosa, Arquivo Pblico do Distrito Federal, Breno Rodrigues, Bruno de Fassio Paulo, Buenno, Cassio Taniguchi, Cludia Gontijo, Dalmo Alexandre Costa, Daniela Guimares Goulart, Danilo Pereira Auclio, Dulce Blanco Barroso, Elinana Pereira Bermudez, Elme Terezinha Ribeiro Tanus, Eni Wilson de Barros Gabriel, Giselle Moll Mascarenhas, Glauco Ferreira, Graco M. Santos, Joo Fac, Julia Salustiano, Juliana Kalume, Lilia Mrcia Coimbra M. Valente, Lcia Helena Alves de Figueiredo, Lus Antonio Almeida Reis, Luis Humberto, Marcone Martins Souto, Marcus Vincius Souza Viana, Maria das Graas Medeiros de Oliveira, Maria Elisa Costa, Patrcio Rodrigues, Pelagio Gondim, Priscila Santos Reis, Rejane Jung Vianna, Sandra Bernardes Ribeiro, Sandra Furlan, Silvio Cavalcante, Vera Bonna Brando.

Braslia 1960 2010

Apresentao

da prtica do urbanismo do sculo XX. Aos 50 anos de sua inaugurao, notrio que a rea central da cidade manteve ntegros os princpios do movimento moderno que orientaram o Plano Piloto de autoria de Lcio Costa, graas fora do tombamento desta rea urbana, em mbito local e federal, e de seu reconhecimento como Patrimnio da Humanidade pela UNESCO e tambm ao reconhecimento do alto padro de qualidade de vida proporcionado por sua concepo urbana. Na escala de seu territrio, Braslia enfrenta os mesmos desafios das demais cidades brasileiras e j se consolida como metrpole nacional. Nesse contexto, acomodar novas dinmicas sociais, econmicas e culturais, garantir a urbanidade de seus espaos, apesar dos problemas da desigualdade, e promover uma cidade mais justa para toda a populao, seja a que habita no centro, seja a que vive na periferia so desafios que a cidade compartilha com as demais metrpoles do pas. Ao lado dos monumentos, Braslia possui os espaos do cotidiano, apropriados e transformados pela populao. Espaos que muitas vezes desafiam as estratgias de preservao. Assim, aos 50 anos de Braslia, o Governo do Distrito Federal tem concentrado esforos na elaborao de instrumentos capazes de garantir a preservao do espao urbano do Plano Piloto de Braslia e de acomodar as transformaes necessrias para a Braslia de hoje e do futuro. J em fase de elaborao, o Plano de Preservao do Conjunto Urbanstico de Braslia vir suprir uma importante lacuna, ao cotejar, de forma global, os diversos aspectos sociais, ambientais, edilcios, urbansticos, paisagsticos e artsticos envolvidos na gesto de Braslia. Isso representa um rompimento com uma prtica consolidada e lesiva ao interesse comum, que a tomada de decises que afetam a rea tombada de forma pontual, caso a caso, sem uma perspectiva de conjunto. Promover a gesto deste Patrimnio da Humanidade requer principalmente a ao da prpria sociedade, tanto na preservao dos elementos estruturais da cidade, quanto na aceitao dos ajustes necessrios para que Braslia seja, alm de moderna, capaz de responder s questes

B

raslia, alm de ser sede da mais significativa vitrine das decises polticas, administrativas, econmicas e sociais do pas, constitui sntese e materializao do pensamento e

Apresentao

inerentes contemporaneidade sem se afastar dos princpios tericos que nortearam sua concepo, principalmente o planejamento urbano integrado. Para preservar e planejar Braslia necessrio torn-la conhecida. No apenas pelo corpo tcnico, poltico e jurdico, mas pela sociedade como um todo. O objetivo da publicao Braslia1960-2010: passado, presente e futuro , ento, contribuir para a construo do conhecimento coletivo sobre a cidade em que vivemos. Tal conhecimento vem sendo construdo, armazenado e disseminado pelos tcnicos do Governo que lidam diariamente com a gesto da cidade, bem como pelos pesquisadores que se aprofundam na histria, na memria e na documentao sobre essa cidade mpar. Esta publicao pretende sistematizar o conhecimento produzido no mbito tcnico governamental, valorizando e resgatando a cultura de divulgao dos estudos sistematicamente desenvolvidos pelo corpo tcnico do Governo do Distrito Federal que, infelizmente, as sucessivas reestruturaes administrativas trataram de extinguir a prtica de public-los. As contribuies de pesquisadores da Universidade de Braslia e de outras instituies colaboraram para enriquecer este livro, cujo objetivo fundamental celebrar Braslia. Braslia1960-2010: passado, presente e futuro uma edio histrica e comemorativa dos cinquenta anos da cidade, composta por artigos, documentos, fotografias, depoimentos e boa parte da legislao pertinente ao legado cultural da cidade, tendo como fio condutor as escalas urbansticas traadas pelo genial Lucio Costa. Trata-se de homenagem justa e muito esperada por quem se interessa pela histria e pelo futuro de sua corajosa criao.

Braslia 1960 2010

Sumrio11 Prefcio Lucio Costa: o senhor da memriaAndrey Rosenthal Schlee

17 19 27 35 45 69 79 85 87

I - O legado cultural de BrasliaFrancisco Leito e Sylvia Ficher

O legado cultural de Braslia Edital para o Concurso Nacional do Plano Piloto da Nova Capital do Brasil Relatrio do Plano Piloto de Braslia Braslia 57-85: do plano piloto ao Plano Piloto

Lucio Costa

Maria Elisa Costa e Adeildo Viegas de Lima

Lucio Costa IPHAN

Braslia revisitada, 1985-1987: complementao, preservao, adensamento e expanso urbana Portaria no 314, de 08 de outubro de 1992

II - As escalas urbansticas do Plano Piloto de BrasliaO princpio das escalas no plano urbanstico de Braslia: sentido e valor alm de proporoLdia Adjuto Botelho

99 117 137 159

Escala monumentalMara Souto Marquez e Antnio O. Mello Jnior

Escala residencial: Superquadra pensamento e prtica urbansticaMarlia Machado

Escala gregriaMaurcio G. Goulart e Francisco Leito

Escala buclica: os trs mosqueteiros so quatroCristiane Gusmo

183 185 201 207 219 239

III - A gesto da preservao de Braslia: aspectos institucionaisVazios urbanos em BrasliaAnamaria de Arago Costa Martins

Braslia e os desafios de uma nova realidade urbanaTatiana Celliert Ogliari

Transporte, circulao e mobilidade: uma reflexoDalve Alexandre Soria Alves, Elaine Freitas Alves dos Santos e rika Cristine Kneib

Preservao do conjunto urbanstico de Braslia: alguma coisa est fora da ordemCarlos Madson Reis

Realidades e potencialidades das paisagens de Braslia: dos mitos fundadores esquecidos inveno de um patrimnio mundialJane Monte Juc

255 270

Os blocos residenciais das superquadras do Plano Piloto de BrasliaSylvia Ficher, Francisco Leito, Geraldo Nogueira Batista e Dionsio Alves de Frana

Sobre os autores

Braslia 1960 2010

Prefcio

o senhor da memria Andrey Rosenthal Schlee

Lucio Costa

pela memria que se puxam os fios da histria. Ela envolve a lembrana e o esquecimento, a obsesso e a amnsia, o sofrimento e o deslumbramento. Sim, a memria o segredo da histria, do modo pelo qual se articulam o presente e o passado, o indivduo e a coletividade. O que parecia esquecido e perdido logo se revela presente, vivo, indispensvel. Na memria escondem-se segredos e significados incuos e indispensveis, prosaicos e memorveis, aterradores e deslumbrantes. Octavio Ianni

desde muito cedo foi acostumado com a boa educao e com muitas viagens. Ainda na Europa, recebeu formao bsica e fundamental em tradicionais escolas da Inglaterra e da Sua. Com 14 anos de idade, retornou ao Brasil, descobrindo o que de fato no conhecia, para, desde ento, comear a marcar definitivamente a vida do pas de origem de seus pais. O Rio de Janeiro foi-lhe uma revelao. Lucio surpreendeu-se com a natureza e com o casario da capital. Estava, pela primeira vez, conscientemente, diante do patrimnio brasileiro no seu mais puro significado, o da herana paterna. Anos mais tarde, afirmou que o fato de ter passado a infncia fora do pas o fez mais integralmente e equilibradamente brasileiro. Sentia-se em casa, das orlas do Atlntico Chapada dos Guimares, do Oiapoque ao Chu Lucio viveu intensamente os seus 96 anos. Falecendo em 13 de junho de 1998, deixou uma obra significativa tanto do ponto de vista quantitativo quanto qualitativo. Uma obra multifacetada que envolve no apenas as questes diretamente relacionadas com a arquitetura e o urbanismo, obra esta que em ltima anlise permite uma profunda reflexo sobre a cultura doLucio Costa desenho de Breno Rodrigues a partir da foto de Ana Lucia Arrzola

L

ucio Maral Ferreira Ribeiro de Lima e Costa, ou simplesmente Lucio Costa, nasceu em Toulon, Frana, em 27 de fevereiro de 1902. Filho de um engenheiro naval,

seu verdadeiro pas. Essa contribuio coloca-o no mesmo patamar de outras figuras ilustres de sua gerao, a dos chamados intrpretes do Brasil.

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Lucio Costa: o senhor da memria

Jacques Le Goff, ao desenvolver o verbete memria, da Enciclopdia Einaudi,1 afirmou que, da mesma forma que a amnsia uma patologia individual com repercusses na presena da personalidade, a falta ou a perda da memria coletiva de povos ou naes pode determinar graves perturbaes da identidade coletiva. Afirmou tambm que a memria coletiva pea fundamental quando analisada a luta das diferentes foras sociais pelo poder. Ou seja, tornar-se senhores da memria e do esquecimento uma das grandes preocupaes das classes, dos grupos, dos indivduos que dominaram e dominam as sociedades histricas. Os esquecimentos e os silncios da histria so reveladores desses mecanismos de manipulao da memria coletiva. Considerando tal argumentao e tambm a biografia de Lucio Costa , surge um enigmtico questionamento: no seria ele um senhor da memria nacional? A obra de Lucio foi elaborada de uma forma fragmentada, variada e aditiva. Ao construla, utilizou inmeros meios. Por isso, ela deve ser lida ou organizada como no trato ou montagem de um gigantesco quebra-cabea, com algumas (ou vrias!) peas-chave. De Diamantina a Braslia, de Aleijadinho a Oscar Niemeyer. De 1917 a 1924, Lucio estudou na tradicional Escola Nacional de Belas Artes. Ali, no apenas aprendeu a desenhar, a pintar e a projetar muito bem; no apenas compreendeu que a boa arquitetura tem composio correta e carter adequado; no apenas tomou conhecimento de figuras importantes como Grandjean de Montigny e Arajo Viana; no apenas conviveu com Archimedes Memria ou com os Morales de los Rios; mais do que isso Lucio aprendeu e passou a respeitar os fundamentos conceituais e metodolgicos do sistema de tradio acadmico de fazer arquitetura. Ainda estudante, comeou a trabalhar Primeiro, desenhando para a Firma Rebecchi e para o importante escritrio de Heitor de Mello. Mais tarde, projetando com Fernando Valentim, seu ex-colega da Belas-Artes. Como os demais profissionais de sua poca, mergulhou profundamente no universo da arquitetura ecltica, produzindo um conjunto de prdios marcado pelo uso variado de estilemas pinados dos mais diferentes momentos e estilos do passado. Desse universo historicista e na busca de uma arquitetura identificadora da nacionalidade, nasceu o movimento neocolonial. Recm-formado, e a partir de uma indicao do professor e amigo Jos Mariano Filho, Lucio viajou pela primeira vez para Minas Gerais. Patrocinado pela Sociedade Brasileira de BelasArtes e em decorrncia do movimento neocolonial foi estudar in loco as diferentes manifestaes da arquitetura mineira. Dessa viagem, mais tarde surgiria a primeira de suas peas-chave da memria: Diamantina (passado no presente). Embora tenha visitado as principais cidades histricas mineiras, escolheu Diamantina, terra natal de Juscelino Kubitschek, e onde, durante a dcada de 1950, Oscar Niemeyer construiria uma escola, um clube e um hotel.2 Sobre a cidade afirmou:[] l chegando, ca em cheio no passado no seu sentido mais despojado, mais puro; um passado de verdade, que eu ignorava, um passado que era novo em folha para mim. Foi uma revelao: casas, igrejas, pousada dos tropeiros E mal sabia que, 30 anos depois, iria projetar nossa capital para um rapaz da minha idade nascido ali.3

A conexo estabelecida com Juscelino Kubitschek significativa, pois foi pela vontade e pela influncia poltica deste que Niemeyer pde construir suas principais obras (em Pampulha

1 LE GOFF, 1997. 2 A Escola Jlia Kubitschek, o Clube Diamantino e o Hotel Tijuco. 3 Ver o artigo Diamantina. In: COSTA, Lcio, 1995.

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e em Braslia), revelando-se para o mundo. Por sua vez, foi o presidente quem tornou possvel a construo da capital projetada. Em 1926, Lucio partiu para a Europa. Em 1927, de volta ao Brasil, retornou s cidades mineiras desta vez por trs meses. Em 1929, casou-se com Julieta Modesto Guimares (Leleta) e passou a viver em Correias (RJ). No mesmo ano, publicou o polmico artigo O Aleijadinho e a arquitetura tradicional, no qual afirma que o famoso artista tinha o esprito de decorador, no de arquiteto e que Aleijadinho nunca esteve de acordo com o verdadeiro esprito geral de nossa arquitetura4 robusta, forte e macia. Lucio estava ento mais preocupado em estabelecer padres gerais de anlise da arquitetura brasileira e em reconhecer seus elementos caractersticos do que estudar a contribuio particular do mestre Antnio Francisco Lisboa. Foi a Revoluo de 1930 que colocou Lucio Costa no centro das discusses a respeito do futuro, do presente e do passado da arquitetura nacional. De imediato, o jovem arquiteto de 28 anos foi convidado a dirigir e a transformar a Escola de Belas-Artes.5 Assumiu aplaudido por todos e foi exonerado do cargo nove meses depois! odiado por muitos, principalmente por seus antigos mestres e amigos da academia. frente da escola, buscou reestruturar o ensino (tanto do ponto de vista de sua organizao quanto de sua orientao), contratou novos professores como Gregori Warchachik e Affonso Eduardo Reidy e rompeu definitivamente com a arquitetura neocolonial. Consciente da necessidade de uma nova arquitetura e conhecedor das nossas verdadeiras tradies, Lucio condenou publicamente a produo arquitetnica ecltica e revivalista (chamada de pastiche, camelote e falsa6) e, em meio a muita polmica, abriu o caminho para as transformaes que se sucederam a partir de ento. Em 1934, escreveu novo e balizador artigo: Razes da nova arquitetura, que constitui texto fundador de uma arquitetura moderna brasileira de filiao confessamente corbusiana.7 Em 1936, recebeu do governo revolucionrio duas outras tarefas importantes: coordenar as equipes responsveis pelo desenvolvimento dos projetos da sede do Ministrio da Educao e Sade e da Cidade Universitria do Brasil. O convite foi realizado pelo novo ministro da pasta, Gustavo Capanema, que contava com Carlos Drummond de Andrade como seu chefe de gabinete. Juntos o arquiteto e o poeta convenceram o ministro, e Le Corbusier veio ao Brasil na condio de palestrante-consultor. O ministrio fez-se palcio e surpreendeu (e ainda surpreende) a todos. A Cidade Universitria, como projetada, no saiu do4 Ver o artigo O Aleijadinho e a arquitetura tradicional. In: COSTA, Lucio 1962. 5 Convidado pelo ministro Francisco Campos e indicado por seu chefe de gabinete, Rodrigo de Melo Franco de Andrade. Assumiu em dezembro de 1930 e foi exonerado em 10 de setembro de 1931. O arquiteto Archimedes Memria assumia a direo da Escola em 19 de setembro do mesmo ano. 6 Todos ns, sem excees, s temos feito pastiche camelote, falsa arquitetura, enfim, em todos os sentidos, tradicionalista ou no. In: COSTA, Maria Elisa (Org.), 2000. p.121. 7 COMAS, 1997. p. 69. 8 O Sphan comeou a funcionar experimentalmente em 1936 e substituiu a Inspetoria dos Monumentos Nacionais de 1934. 9 WISNIK, 2001. p.125. 10 Documentao necessria (1937), Notas sobre a evoluo do mobilirio luso-brasileiro (1937), A arquitetura dos jesutas no Brasil (1941) e Consideraes sobre o ensino da arquitetura (1945). 11 Museu das Misses (1937), Pavilho de NY (1938-1939), Parque Hotel (1945) e o Parque Guinle (1948).

papel Em 1937, foi criado o Servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional,8 o Sphan, dirigido por Rodrigo de Melo Franco de Andrade, e que contou desde aquele momento com a colaborao de Lucio Costa na Diviso de Estudos de Tombamento e de Carlos Drummond na Seo de Histria. Ambos permaneceram na repartio at suas respectivas aposentadorias, cabendo a Lucio a definio de critrios e normas de classificao, anlise e tombamento do patrimnio arquitetnico brasileiro.9 A partir de 1937, j afastado da equipe do Ministrio, Lcio deu incio a um perodo em que tratou de consolidar suas idias e estudos, o que fez ao divulgar inmeros trabalhos tericos10 e executar um significativo nmero de projetos paradigmticos.11 Nesse momento surgem duas outras peas-chave da memria: Aleijadinho e Niemeyer (passado e presente), que se tornaram fundamentais em sua construo histrica. Em 1948 respondendo ao jornalista Geraldo Ferraz sobre questes de pioneirismo na arquitetura moderna brasileira relacionadas com o trabalho do seu ex-scio Gregori Warchavchik , Lucio aproveitou para estabelecer uma ligao essencial em seu modelo, ao afirmar que:

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Lucio Costa: o senhor da memria

[] no adianta, portanto, perderem tempo procura de pioneiros arquitetura no far west; h precursores, h influncias, h artistas maiores ou menores: e Oscar Niemeyer dos maiores No mais, foi o nosso prprio gnio nacional que se expressou atravs da personalidade eleita desse artista, da mesma forma como j se expressara no sculo XVIII, em circunstncias, alis, muito semelhantes, atravs da personalidade de Antnio Francisco Lisboa, o Aleijadinho.12

Lucio chega at a indicar os meios pelos quais se pode observar e perceber a materializao da expresso do gnio nacional, ou seja, na Capela da Ordem Terceira de So Francisco de Ouro Preto13 (de Aleijadinho) e na Capela de So Francisco da Pampulha (de Niemeyer).14 Sobre a ltima, argumentou: [] Ora, sem a Pampulha, a Arquitetura Brasileira na sua feio atual no existiria, trata-se de uma obra-prima onde tudo engenho e graa, trata-se de um barroquismo de legtima e pura filiao nativa que bem mostra no descendermos de relojoeiros, mas de fabricantes de igrejas barrocas. Alis, foi precisamente em Minas Gerais que elas se fizeram com maior graa e inveno.15 Quer dizer: a histria da arquitetura brasileira de 1500 a 1950 poderia ser contada, ou escrita, com base em apenas dois momentos fundamentais e complementares: o do barroco mineiro e o do modernismo carioca, sendo a Pampulha sua extenso. De Aleijadinho a Niemeyer Num primeiro momento, Diamantina cumpre o duplo papel de ter despertado o autor para a verdadeira tradio (como ocorreu com muitos dos modernistas, a exemplo de Mrio de Andrade) e de conectar o passado ao presente (JK e Niemeyer). Em 1957 e como no poderia deixar de ser diferente , Lucio Costa venceu o concurso para o plano piloto da nova capital. Nascia agora de seu prprio trao a quarta pea-chave da memria: Braslia (futuro). Na abertura do relatrio do plano, lembrou que Jos Bonifcio, em 1823, j havia proposto a transferncia da capital para Gois e sugerido o nome Braslia (histria); e, ao apresentar a soluo adotada, explicou que a cidade nasceu do gesto primrio de quem assinala um lugar ou dele toma posse: dois eixos cruzando-se em ngulo reto, ou seja, o prprio sinal da cruz (memria). Por fim, no pequeno texto intitulado Ingredientes da concepo urbanstica de Braslia,16 afirmou que a capital uma criao original, nativa e brasileira e indicou a cidade de Diamantina como uma de suas fontes de inspirao. Ora, a pureza da cidade mineira no foi citada aleatoriamente. Ao lado dos eixos e das perspectivas de Paris, dos grandes gramados ingleses, dos terraplenos e dos arrimos chineses e das auto-estradas e dos viadutos americanos, Diamantina o contraponto local mais uma vez a marca da tradio. Ao listar tais ingredientes, Lucio no citou provveis influncias de teorias urbansticas europias e omitiu, intencionalmente, Le Corbusier e os postulados do urbanismo dos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna (Ciams). Ao faz-lo, no apenas refora a idia da originalidade nativa, mas tambm a do gnio nacional, capaz de com base em simples experincias perceptivas17 e de determinadas condies materiais, sociais e temporais locais dar as respostas mais criativas e surpreendentes. Braslia, como definiu seu autor, uma criao original e nativa. Original no sentido do que feito pela primeira vez, no que tem carter prprio, no que no procura imitar ou seguir ningum e que pode servir de modelo. Nativa no sentido do que natural, do que no estrangeiro, do que singelo e desartificioso e que pertence a uma terra e a um pas. Assim, da mesma forma em que temos Aleijadinho e Niemeyer, inventamos Diamantina e Braslia. Por fim, resta um outro questionamento: se de fato Lucio Costa construiu um modelo historiogrfico e todo um arcabouo terico legitimador da arquitetura moderna brasileira 12 Ver o artigo Depoimento, de 1948. In: COSTA, 1995. 13 Ver o artigo Antnio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, de 1951. In: COSTA, 1995. 14 Ver o artigo Oportunidade perdida, de 1953. In: COSTA, 1995. 15 Trata-se de uma resposta crtica realizada pelo arquiteto suo Max Bill, que considerou a obra de Niemeyer fruto de um barroquismo excessivo (1953). 16 Ver o artigo Ingredientes da concepo urbanstica de Braslia. In: COSTA, 1995. 17 Lucio Costa fala da lembrana amorosa de Paris, dos imensos gramados ingleses de sua meninice, da pureza de Diamantina dos anos 1920 que o marcou para sempre, de fotografias da China do comeo do sculo XX e de uma viagem que realizou, com as filhas, aos Estados Unidos.

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inclusive pinando e valorizando artistas e obras determinados , qual o papel que ele destinou a si mesmo em tal construo? A resposta parece estar esboada em dois outros textos: na Carta Depoimento, de 1948, e em J. F. L. Lel, de 1985. No primeiro documento explicou que sua contribuio ocorreu com base em cinco pontos ou momentos: 1) na reforma da Escola Nacional de Belas-Artes, em 1930; 2) na iniciativa de convencer o ministro Capanema, com apoio de Carlos Drummond de Andrade, da necessidade da vinda de Le Corbusier ao Brasil em 1936; 3) na disposio de procurar sempre favorecer a evidncia de novos valores, caso de Oscar Niemeyer; 4) na possvel influncia que seu apego aos monumentos antigos autnticos e s obras novas genunas teria exercido sobre o esprito dos jovens arquitetos brasileiros; e 5) na rejeio do critrio simplista que pretende considerar a Arquitetura moderna como simples ramo especializado da Engenharia e no consequente reconhecimento da legitimidade da inteno plstica [] No segundo documento, fala da integrao entre os arquitetos Niemeyer e Lel:[] Oscar Ribeiro de Almeida Niemeyer Soares, arquiteto artista: domnio da plstica, dos espaos e dos vos estruturais, sem esquecer o gesto singelo o criador. Joo Filgueiras Lima, o arquiteto onde arte e tecnologia se encontram e se entrosam o construtor. E eu, Lucio Maral Ferreira Ribeiro de Lima e Costa tendo um pouco de uma coisa e de outra, sinto-me bem no convvio de ambos, de modo que formamos, cada qual para o seu lado, uma boa trinca: que sou, apesar de tudo, o vnculo com o nosso passado, o lastro a tradio.18

De fato, ele foi e um senhor da memria (e tambm do esquecimento). Assim, comemorar o cinquentenrio de Braslia pode representar uma oportunidade mpar de (re)conhecer o verdadeiro significado, a real abrangncia e a indiscutvel capacidade intelectual de Lucio Costa. Feliz o pas que pode contar com um cidado to consciente de seu papel Parafraseando Nelson Rodrigues,19 necessrio dizer que Lucio sacudiu, dentro de ns, insuspeitas potencialidades. A partir de Lucio, surge um novo arquiteto. A que est o importante, o monumental, o eterno na sua obra. Ele potencializou a arquitetura brasileira.

RefernciasCOMAS, Carlos E. D. Da atualidade de seu pensamento. AU arquitetura e urbanismo, So Paulo, Pini, n. 38, p. 69, out./nov. 1997. COSTA, Lucio. Sobre arquitetura. Porto Alegre: Ceua, 1962. ______. Registro de uma vivncia. So Paulo: Empresa das Artes, 1995. COSTA, Maria E. (Org.). Com a palavra, Lucio Costa. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2000. p.121. LE GOFF, Jacques. Enciclopdia Einaudi. Porto: Imprensa Nacional, 1997. MIRANDA, Wander M. (Org.). Anos JK: margens da modernidade. Rio de Janeiro: Casa Lucio18 Ver o artigo J.F.L Lel. In: COSTA, 1995. 19 Nelson Rodrigues sobre Juscelino Kubitschek: A partir de Juscelino, surge um novo brasileiro Ele potencializou o homem brasileiro. In: MIRANDA, 2002.

Costa, 2002. WISNIK, Guilherme. Lucio Costa. So Paulo: Cosac & Naify, 2001. p. 125.

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IO legado cultural de Braslia

Braslia 1960 2010

O legado cultural de BrasliaFrancisco Leito Sylvia Ficher

Mapa de Francisco Tosi Colombina, c. 1751 Mapa que mostra a Capitania de Gois e a regio ao sul at o Rio da Prata.

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O legado cultural de Braslia

Mais do que qualquer outra cidade brasileira, falar de Braslia falar para o bem e para o mal de planejamento. E, ao nos aproximarmos das comemoraes de seus cinquenta anos, bastante oportuno encetar uma reviso de sua contribuio para a reflexo sobre o urbano, conforme consolidada na prtica imediata de sua administrao pblica. Aqui, a estrutura de planejamento urbano precedeu a prpria existncia da cidade. A Lei no 2.874, de 19 de setembro de 1956, de uma s canetada concedeu autorizao para a transferncia da capital federal, estabeleceu o permetro definitivo do Distrito Federal e criou a Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap). Responsvel por todas as aes voltadas para a mudana da administrao federal, a Novacap possua amplos poderes e inmeras atribuies, incluindo a concepo desde logo decidida por ser escolhida em concurso pblico e a construo de Braslia. Para tanto, sua estrutura administrativa contava com um Departamento de Urbanismo e Arquitetura, sob direo do arquiteto Oscar Niemeyer e composto por duas unidades: a Diviso de Arquitetura, chefiada pelo arquiteto Nauro Esteves, e a Diviso de Urbanismo, chefiada pelo engenheiro Augusto Guimares Filho. Aps a inaugurao em 21 de abril de 1960, vrias dessas atribuies seriam transferidas no sem conflitos e sobreposies de competncias para a ento criada Prefeitura do Distrito Federal. Mas o prestgio da Novacap j estava a tal ponto sedimentado que seu primeiro presidente, Israel Pinheiro, seria tambm o primeiro prefeito de Braslia. A cultura de gesto herdada da Novacap no ficaria restrita ao planejamento urbano stricto sensu, porm iria motivar as aes de outras agncias governamentais, como a Caesb, a CEB, a Fundao Educacional e a Emater. Nelas cedo se estabeleceu a mesma rotina de vincular as tomadas de deciso ao processo em curso de organizao do territrio pela formulao de planos setoriais: hospitalar, educacional, de abastecimento, entre outros. Ainda que no tenhamos, lamentavelmente, a invejvel perenidade de instituies como o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC) uma vez que cada governante, em especial aps a autonomia poltica do DF em 1988, invariavelmente remodela a estrutura administrativa, o desenvolvimento urbano esteve sempre, em maior ou menor grau, na ordem do dia das discusses locais. Os grandes temas urbanos os programas de remoo de favelas e decorrentes polticas habitacionais, o saneamento, o transporte de massa, a regularizao fundiria e, mais recentemente, a gesto do patrimnio tombado extrapolam o mbito tcnico e acadmico para ocupar espao relevante nas preocupaes do cidado comum. As instncias incumbidas do planejamento urbano j passaram por diversas denominaes. Nas primeiras dcadas, quando a tarefa maior ainda era construir a cidade, estavam vinculadas s pastas correspondentes, como a Secretaria de Viao e Obras (SVO), a Secretaria de Obras (SO), a Secretaria de Obras e Servios Pblicos (Sosp), etc. Com a cidade consolidada, a partir da dcada de 1990, ficava patente a necessidade de dar autonomia queles responsveis por zelar pelo territrio, sendo criado em 1993 o Instituto de Planejamento Territorial e Urbano do DF (IPDF), de curta e saudosa existncia. Da em diante, a responsabilidade pelo desenvolvimento urbano tem sua autonomia cada vez mais assegurada na estrutura administrativa, ainda que, eventualmente, vinculada a outros setores, como habitao, assuntos fundirios ou meio ambiente. E assim, criada a Seduh em 2000. Atualmente essas competncias so atribudas Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (Seduma), criada em 2007.

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Por tudo isso e para alm de sua construo, Braslia ilustra de modo exemplar o processo de formao de uma cultura tcnica, sociolgica, artstica e, particularmente, urbanstica no Brasil. Como sintetizaram Kohlsdorf e Vianna: A presena desta cidade na histria brasileira precede e transcende seu perodo de existncia concreta.1 Os estudos, os debates e as disputas sobre a determinao do seu stio fundam e fomentam um pensamento sobre a organizao territorial do pas. Igualmente, a seleo de seu projeto induz um conjunto de formulaes que articulam as teorias urbansticas dominantes no mundo ocidental a vises prprias sobre os rumos da modernidade brasileira. 2 Dado o carter de sntese de seu plano piloto,3 seu tombamento e sua inscrio na lista do Patrimnio Mundial da Unesco em 1987 suscitaro novas abordagens e critrios de preservao para obras histricas e artsticas contemporneas.

Planejando uma nova capital para o BrasilA liberao do acesso ao concurso reduziu de certo modo a consulta quilo que de fato importa, ou seja, concepo urbanstica da cidade propriamente dita, porque esta no ser, no caso, uma decorrncia do planejamento regional, mas a causa dele; a sua fundao que dar ensejo ao ulterior desenvolvimento planejado da regio. Lucio Costa, Relatrio do Plano Piloto de Braslia, 1957

Apesar do tom peremptrio, as palavras de Lucio Costa no correspondem exatamente realidade histrica. Braslia comeou a ser planejada bem antes de 1957, uns 65 anos antes.4 Pode-se mesmo consider-la fruto de um esforo pioneiro de planejamento regional, nos termos que seriam conceituados muito depois por Patrick Geddes em seu clssico livro Cities in evolution: an introduction to the town planning movement and to the study of civics, publicado em Londres em 1915. O intuito de transferir a capital do pas no ensejo de induzir e promover a ocupao de suas terras interiores inspirou a elaborao de diversos estudos de grande alcance. Desde 1823, com o documento Memria sobre a necessidade de edificar no Brasil uma nova capital, de autoria de Jos Bonifcio o Patriarca da Independncia, to apropriadamente citado por Lucio Costa em seu Relatrio , passando pela longa campanha do historiador Francisco Adolfo de Varnhagen, o Visconde de Porto Seguro, exposta em detalhe em seu livro A questo da capital: martima ou do interior, de 1887, muitas foram as reflexes sobre a necessidade da interiorizao da administrao pblica e a organizao do continental territrio brasileiro. Pouco tempo aps a Proclamao da Repblica, em 1892 nomeada uma comisso1 KOHLSDORF e VIANNA, 1985. 2 Sobre os diversos projetos elaborados para Braslia, sugerimos a consulta a Jeferson Tavares, Projetos para Braslia e a cultura urbanstica nacional. 3 O estudo de Sylvia Ficher e Pedro P. Palazzo, Paradigmas urbansticos de Braslia (Cadernos PPG-AU, Universidade Federal da Bahia, edio especial, 2005), discute o Plano Piloto de Braslia como eptome dos principais iderios urbansticos formulados no Ocidente desde a Renascena. 4 Para uma discusso mais detalhada, ver Sylvia Ficher, Geraldo N. Batista, Francisco Leito e Andrey Schlee: Brasilia: la historia de un planeamiento, 2006.

encarregada da escolha do stio do Distrito Federal, em atendimento ao que assentava a Constituio da Repblica dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891. Nesse documento encontramos, em seu art. 3o, a disposio que, de direito, pode ser interpretada como a certido de nascimento de Braslia: Fica pertencendo Unio, no planalto central da Repblica, uma zona de 14.400 quilmetros quadrados, que ser oportunamente demarcada para nela estabelecer-se a futura capital federal. A comisso ento constituda chefiada pelo diretor do Observatrio Nacional, o astrnomo Luiz Cruls, e formada por 22 membros, em sua maioria militares percorreu aquela

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regio e, em sete meses de trabalho, perscrutou palmo a palmo seus mais de 4.000 km2. Seus levantamentos minuciosos sobre a topografia, a geologia, a pedologia, a hidrologia, o clima, a fauna, a flora, os recursos minerais e materiais de construo esto expostos no menos conhecido Relatrio Parcial e no Relatrio da Comisso Exploradora do Planalto Central do Brazil, o famoso Relatrio Cruls.5 Como resultado imediato dos seus trabalhos, ficou demarcado um quadriltero esferoidal de 160 km x 90 km, situado no Estado de Gois, desde ento conhecido como Quadriltero Cruls.6 Sua localizao incluiu, entre outras inmeras qualidades, a rea conhecida como guas Emendadas, onde se renem as nascentes dos rios que compem as trs principais bacias hidrogrficas do pas: o So Francisco, o Paran e o Tocantins. Nunca demais louvar o Relatrio Cruls, composto por um volume de textos descritivos, fotografias, tabelas, clculos e croquis e por um atlas, contendo 83 mapas dos caminhos percorridos. Em seu bojo encontramos, entre outros, o relatrio sntese (de autoria de Luiz Cruls); trs relatrios expondo as atividades das turmas em que haviam sido organizados os membros da misso, cada uma encarregada de demarcar no terreno um dos quatro vrtices do quadriltero (de autoria de Henrique Morize, chefe da turma SE; de Augusto Tasso Fragoso, chefe da turma NW; e de A. Cavalcanti, chefe da turma NE);7 os clculos para a determinao das coordenadas dos vrtices NW, SW e SE; trs relatrios tratando de aspectos especficos (de autoria do mdico higienista Antonio Pimentel, do gelogo Eugenio Hussak e do botnico Ernesto Ule) e mais uma notcia sobre a fauna (de autoria de Cavalcanti de Albuquerque). Dadas as suas qualidades nicas, o Relatrio Cruls pode ser considerado, com justeza, um precursor dos atuais Estudos de Impacto Ambiental hoje requisito legal para a implantao de assentamentos urbanos e o primeiro documento tcnico relevante para o planejamento de Braslia. Mais ainda, a acuidade das suas informaes faz com que seja possvel consider-lo tambm uma primeira aproximao ao projeto da capital, uma vez que muito particularmente em Braslia o suporte fsico elemento indissocivel do projeto urbanstico. Muitos j falaram da monumentalidade do stio fsico caracterizado por uma convexidade, a colina de sua rea central, no interior de uma concavidade, dada pela bacia do Parano. Tal ponto de vista foi expresso com elegncia por Cludio Queiroz, ao mostrar que o partido adotado para o Plano Piloto se apropriou da natureza de uma forma que preservou o seu trao marcante... Uma nova Paisagem Visual que traz consigo a Paisagem Natural preexistente. 8 Ainda que pouco de prtico tenha resultado nas dcadas seguintes afora a presena de um pequeno retngulo nos mapas do Brasil, onde lia-se Futuro Distrito Federal , com o fim do Estado Novo e a promulgao da Constituio dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro de 1946, naquele mesmo ano criada a Comisso de Estudos para a Localizao da Nova Capital, sob a presidncia do general Polli Coelho. Aps novas incurses ao planalto central e, desta vez, ao tringulo mineiro, a comisso elabora dois relatrios preliminares9 e um relatrio final,10 este ltimo de 1948 e trazendo como principal novidade uma outra proposta de delimitao para o Distrito Federal, o assim chamado Permetro Polli Coelho uma ampliao para o norte do Quadriltero Cruls. Estava reacendido o debate sobre a interiorizao e a transferncia da capital, o qual faria presena agora em artigos e livros, em geral de gegrafos ou engenheiros, em geral unnimes5 O Relatrio Parcial de 1894, porm foi publicado apenas em 1896. O Relatrio Cruls foi publicado no Rio de Janeiro pela H. Lombaerts em 1894, tendo sido republicado em edio facsmile em 1987 pela Codeplan. 6 Essa rea est descrita apenas no Relatrio Parcial de 1894. 7 O vrtice SW ficou sob a responsabilidade do prprio Cruls e sobre ele no consta o relatrio especfico, apenas os clculos para sua determinao. 8 QUEIROZ, 1991. p. 179. 9 Presidncia da Repblica do Brasil, 1960, v. 3. p. 415-436. 10 CASTRO, 1948.

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quanto sua aprovao. Dentre os mais influentes, alguns autores devem ser citados, como Fbio de Macedo Soares Guimares,11 Cristovam Leite de Castro,12 Manoel Demosthenes [Barbo de Siqueira],13 e Everardo Backheuser.14 Em 1953, estabelecido um terceiro permetro, o Retngulo do Congresso, perfazendo 52.000 km, delimitao esta que iria servir de base para os estudos da Comisso de Localizao da Nova Capital Federal. Presidida inicialmente pelo general Caiado de Castro, dentre suas medidas mais efetivas destacam-se a contratao da firma Cruzeiro do Sul, encarregada do levantamento aerofotogramtrico da regio, e a contratao da empresa americana Donald J. Belcher & Associates, encarregada da fotointerpretao do material e da seleo dos cinco stios mais adequados para a capital. Os resultados desses estudos esto publicados no cuidadoso Relatrio Tcnico sobre a Nova Capital da Repblica, popularmente conhecido como Relatrio Belcher.15 Mais um documento decisivo para a realizao de Braslia Nova Metrpole do Brasil,16

que, embora editado em 1958, detalha as aes da Comisso de Planejamento da

Construo e da Mudana da Capital Federal durante o ano de 1955, quando presidida pelo marechal Cavalcante de Albuquerque. nele que vamos encontrar o relato dos procedimentos adotados para a demarcao do territrio do Distrito Federal e para a escolha do stio definitivo da cidade. Ser em 1956 que por fim tomar alento o projeto mudancista, graas ao empenho do recm-eleito presidente Juscelino Kubistchek, considerado com todo o mrito o construtor de Braslia.

Braslia 50 anosPerante tal legado, de grande oportunidade o Governo do Distrito Federal, por meio da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, oferecer um registro de informaes relevantes para a concepo, consolidao, planejamento e preservao de Braslia. No intuito de familiarizar o leitor com os conceitos que nortearam o risco preliminar da cidade, as tentativas de orientao e controle de sua expanso urbana e as aes voltadas para a proteo de seu conjunto urbanstico, a presente obra inicia-se com a republicao de alguns entre os inmeros textos essenciais para abordar tantas questes significativas. Reproduzidos em seu inteiro teor, estes so o Edital do Concurso de Projetos para a Nova Capital do Brasil, acrescentado das informaes complementares fornecidas pela Novacap; o Relatrio do Plano Piloto de Braslia e o documento Braslia Revisitada, ambos de Lucio Costa. Por se tratar de um texto muito extenso, do texto Braslia: 1957-1985, do Plano Piloto ao Plano Piloto, de Maria Elisa Costa e Adeildo Viegas de Lima, so reproduzidos excertos que abordam de forma mais sistemtica o desenvolvimento da cidade. Complementa tal abertura a Portaria Iphan n. 314,11 Por seus artigos: O planalto central e o problema da mudana da Capital do Brasil e Trabalhos de campo e de gabinete da segunda Expedio Geogrfica ao Planalto Central, ambos de 1946. 12 Por seus artigos: A nova Capital do Brasil, 1946; A transferncia da Capital do Brasil, 1946, e A mudana da Capital do pas, 1948. 13 Por seu livro: Estudos sobre a nova capital do Brasil, 1947. 14 Pelo longo artigo Localizao da nova capital, 1947 a 1948. 15 BELCHER, 1957 e 1984. 16 ALBUQUERQUE, 1958.

de 8 de outubro de 1992. A seguir, na segunda parte do livro, temos cinco artigos sobre as escalas urbansticas do Plano Piloto de Braslia, apresentados com o objetivo de garantir um melhor entendimento da concepo de Lucio Costa e das questes envolvidas em seu desenvolvimento e preservao, material este em parte elaborado no mbito da extinta Diretoria de Preservao (Dipre). So eles: O princpio das escalas no plano urbanstico de Braslia: sentido e valor alm de proporo, de Ldia Adjuto Botelho; Escala monumental, de Mara S. Marquez e Antonio de Oliveira Mello Jnior; Escala residencial: superquadra, pensamento e prtica urbanstica, de

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Marlia Machado; Escala gregria, de Maurcio Goulart e Francisco Leito; e Escala buclica: os trs mosqueteiros so quatro, de Cristiane Gusmo. Concluindo, para abordar o tema da gesto da preservao, na terceira parte da publicao so apresentados seis textos que tratam de diversos temas relacionados ao futuro da cidade. Em Vazios urbanos em Braslia, Anamaria de Arago Costa Martins faz um acurado levantamento dos espaos subaproveitados diferentes dos vazios estruturantes previstos em projeto e caractersticos do urbanismo modernista , demonstrando que representam ameaas prpria preservao da fisionomia da cidade. Tatiana Celliert Ogliari, em Braslia e os desafios de uma nova realidade urbana, procura situar Braslia no contexto atual de rpidas transformaes econmicas e perante a teoria das cidades globais, incitando-nos a uma reflexo sobre seu papel futuro. Transporte, circulao e mobilidade, assinado por Dalve A. Soria Alves, Elaine F. Alves dos Santos e rika Cristine Kneib, recupera o longo e claudicante percurso para a estruturao de um sistema de transporte que garanta a mobilidade dos moradores em uma organizao urbana polinucleada, apresentando propostas em processo de implantao. Carlos Madson Reis nos oferece uma importante reflexo sobre o ainda incipiente sistema de gesto do conjunto urbano tombado, objetivando construir um debate sobre os limites, os avanos e as possibilidades do modelo at ento adotado, no texto Preservao do conjunto urbanstico de Braslia. Em Realidades e potencialidades das paisagens de Braslia resumo da tese de doutoramento de Jane Monte Juc apresentada uma instigante e inovadora abordagem acerca do projeto de paisagem subjacente ao plano de Braslia. Por fim, no texto Os blocos residenciais das superquadras do Plano Piloto de Braslia, apresentamos em conjunto com os colegas Geraldo Nogueira Batista e Dionsio Alves de Frana um estudo que demonstra como sucessivas decises pontuais tm contribudo para a transformao de um dos elementos mais distintivos do plano da cidade: a superquadra.

RefernciasALBUQUERQUE, J. P. C. Nova metrpole do Brasil: relatrio geral de sua localizao. Rio de Janeiro: Imprensa do Exrcito, 1958. BACKHEUSER, E. Localizao da nova capital. Boletim Geogrfico, ano 5, n. 53, ago. 1947; ano 5, n. 56, nov. 1947; ano 5, n. 57, dez. 1947; ano 5, n. 58, jan. 1948. BELCHER, D. O relatrio tcnico sobre a nova Capital da Repblica. Rio de Janeiro: Departamento Administrativo do Servio Pblico, 1957; Braslia: Codeplan, 1984 (edio fac-smile). CASTRO, C. L. A mudana da Capital do pas. Revista Brasileira de Geografia, n. 10, 1948. ______. A nova Capital do Brasil. Revista de Emigrao e Colonizao, ano 7, n. 4, dez. 1946. ______. A transferncia da Capital do Brasil. Boletim Geogrfico, ano 4, n. 45, dez. 1946. COMISSO DE ESTUDOS PARA A LOCALIZAO DA NOVA CAPITAL DO BRASIL. Relatrio Tcnico. Rio de Janeiro: [s.n.], 1948. DEMOSTHENES, M. [BARBO DE SIQUEIRA]. Estudos sobre a nova capital do Brasil. Rio de Janeiro: Agir, 1947.

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FICHER, S.; PALAZZO, P. P. Paradigmas urbansticos de Braslia. Cadernos PPG-AU. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2005. Edio especial. FICHER, S.; BATISTA, G. N.; LEITO, F.; SCHLEE, A. Brasilia: la historia de un planeamiento. In: VILLAESCUSA, Eduard Rodrguez i; FIGUEIRA, Cibele Vieira (Org.). Brasilia 1956-2006, de la fundacin de una ciudad capita, al capital de la ciudad. Barcelona: Lleida, 2006. GUIMARES, F. M. S. O planalto central e o problema da mudana da capital do Brasil. Revista Brasileira de Geografia, ano XI, n. 4, out./dez. 1946. ______. Trabalhos de campo e de gabinete da segunda Expedio Geogrfica ao Planalto Central. Revista Brasileira de Geografia, ano XI, n. 4, out./dez. 1946. KOHLSDORF, M. E.; VIANNA, M. V. Braslia como patrimnio cultural. Revista Mdulo, n. 89/90, Rio de Janeiro: Barbero, 1985. PRESIDNCIA DA REPBLICA DO BRASIL. Coleo Braslia. Rio de Janeiro: Servio de Documentao, 1960. QUEIROZ, C. J. V. Paisagem poderosa e preexistncia. Dissertao de Mestrado, Universidade de Braslia, Braslia, 1991. TAVARES, J. Projetos para Braslia e a cultura urbanstica nacional. Dissertao de Mestrado, Universidade de So Paulo, So Carlos, 2004.

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Misso Cruls, foto de Henrique Charles Morize, 1892, publicada em 1894 Comisso composta por astrnomos, mdicos, farmacuticos, gelogos, botnicos, etc., para demarcar o local da futura capital.

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A Comisso de Planejamento da Construo e da Mudana da Capital Federal, com sede na Avenida Presidente Wilson, 210, salas 306 e 307, nesta capital, torna pblica a abertura do concurso nacional do Plano Piloto da Nova Capital do Brasil, sob as normas e as condies estabelecidas no presente Edital.

I Inscrio1. Podero participar do concurso as pessoas fsicas ou jurdicas domiciliadas no pas, regularmente habilitadas para o exerccio da engenharia, da arquitetura e do urbanismo. 2. As inscries dos concorrentes estaro abertas dentro de dez dias a partir da data da publicao do presente Edital no Dirio Oficial da Unio e sero feitas mediante requerimento dirigido ao Presidente da Comisso, pelo prazo de quinze dias, contado da abertura das inscries. 3. O Plano Piloto dever abranger: a) traado bsico da cidade, indicando a disposio dos principais elementos da estrutura urbana, a localizao e a interligao dos diversos setores, centros, instalaes e servios, distribuio dos espaos livres e das vias de comunicao (escala 1:25.000); b) relatrio justificativo. 4. Os concorrentes podero apresentar, dentro de suas possibilidades, os elementos que serviram de base ou que comprovem as razes fundamentais de seus planos, como sejam: a) esquema cartogrfico da utilizao prevista para a rea do Distrito Federal, com a localizao aproximada das zonas de produo agrcola, urbana, industrial, de preservao dos recursos naturais inclusive florestas, caa e pesca, controle de eroso e proteo de mananciais e das redes de comunicao (escala 1:50.000); b) clculo de abastecimento de energia eltrica, de gua e transporte, necessrios vida da populao urbana; c) esquema do programa de desenvolvimento da cidade, indicando a progresso por etapas e a durao provvel de cada uma; d) elementos tcnicos para serem utilizados na elaborao de uma lei reguladora da utilizao da terra e dos recursos naturais da regio; e) previso do abastecimento de energia eltrica, de gua, de transporte e dos demais elementos essenciais vida da populao urbana; f) equilbrio e estabilidade econmica da regio, sendo previstas oportunidades de trabalho para toda a populao e remunerao para os investimentos planejados; g) previso de um desenvolvimento progressivo equilibrado, assegurando a aplicao dos investimentos no mais breve espao de tempo e a existncia dos abastecimentos e dos servios necessrios populao em cada etapa do programa; h) distribuio conveniente da populao nas aglomeraes urbanas e nas zonas de produo agrcola, de modo a criar condies adequadas de convivncia social. 5. S podero participar deste concurso equipes dirigidas por arquitetos, engenheiros ou urbanistas, domiciliados no pas e devidamente registrados no Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura.

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6. O Plano Piloto dever ser executado tinta, cpia heliogrfica ou fotosttica, sobre fundo branco e trazer a assinatura dos seus autores, sendo vedada a apresentao de variantes, podendo, entretanto, o candidato apresentar mais de um projeto. 7. Os relatrios devem ser apresentados em sete vias. 8. O Jri, presidido pelo Presidente da Companhia Urbanizadora da Nova Capital da Brasil, comporse- de: dois representantes da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil, um do Clube de Engenharia e dois urbanistas estrangeiros. 9. Os trabalhos devero ser entregues dentro de 120 dias, a partir da data da abertura das inscries. 10. O Jri iniciar seu trabalho dentro de cinco dias a contar da data do encerramento do concurso, e o resultado ser publicado logo aps a concluso do julgamento. 11. Os concorrentes, quando convocados, faro defesa oral de seus respectivos projetos perante o Jri. 12. A deciso do Jri ser fundamentada, no cabendo dela qualquer recurso. 13. Aps a publicao do resultado do julgamento, a Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil poder expor os trabalhos em lugar acessvel ao pblico. 14. Os autores do Plano Piloto classificados em primeiro, segundo, terceiro, quarto e quinto lugares recebero os prmios de Cr$ 1.000.000,00 (um milho de cruzeiros), Cr$ 500.000,00 (quinhentos mil cruzeiros), Cr$ 400.000,00 (quatrocentos mil cruzeiros), Cr$ 300.000,00 (trezentos mil cruzeiros) e Cr$ 200.000,00 (duzentos mil cruzeiros), respectivamente. 15. Desde que haja perfeito acordo entre os autores classificados em primeiro lugar e a Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil, tero aqueles a preferncia para o desenvolvimento do projeto. 16. O Jri no ser obrigado a classificar os cinco melhores trabalhos e consequentemente a designar concorrentes que devam ser premiados se, a seu juzo, no houver trabalhos merecedores de todos ou de alguns dos prmios estipulados. 17. Todo trabalho premiado passar a ser propriedade da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil, aps o pagamento do prmio estipulado, podendo dele fazer o uso que achar conveniente. 18. A Comisso de Planejamento da Construo e da Mudana da Capital Federal coloca disposio dos concorrentes, para consulta, os seguintes elementos: a) mosaico aerofotogrfico, na escala de 1:50.000, com curvas de forma de 20 em 20 metros (apoiados em pontos de altura determinados no terreno por altmetro de preciso Wallace & Tiernan) de todo o Distrito Federal; b) mapas de drenagem de todo o Distrito Federal; c) mapas de geologia de todo o Distrito Federal; d) mapas de solos para obras de engenharia de todo o Distrito Federal; e) mapas de solos para agricultura de todo o Distrito Federal; f) mapas de utilizao atual da terra de todo o Distrito Federal;

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g) mapa de conjunto, indicando locais para perfurao de poos, explorao de pedreiras, instalaes de usinas hidreltricas, reas para cultura, reas para criao de gado, reas para recreao, locais para aeroportos, etc.; h) mapa topogrfico regular, na escala de 1:25.000, com curvas de nvel de 5 em 5 metros, executado por aerofotogrametria, cobrindo todo o stio da Capital (cerca de 1.000 km) e mais uma rea de 1.000 km a leste do stio da Capital, abrangendo a cidade de Planaltina e grande parte do vale do Rio So Bartolomeu; i) j) ampliao fotogrfica dos mapas do stio da Capital (200 km) para a escala de 15.000, com curvas de nvel de 5 em 5 metros; mapas detalhados de drenagem, geologia, solos para engenharia, solos para agricultura e utilizao da terra, do stio da cidade (1.000 km) e mais 1.000 km a leste desse stio; k) mapas topogrficos regulares, na escala de 12:000, com curvas de nvel de metro em metro e de dois em dois metros, da rea de 150 km, indicada como ideal para a localizao da zona urbana da Capital Federal; l) relatrio minucioso relativo aos estudos do solo e do subsolo, do macroclima e do microclima, das guas superficiais e subterrneas, das possibilidades agrcolas e pecurias, etc. 19. Caber aos concorrentes providenciar as cpias heliogrficas, fotogrficas, etc., que julgarem indispensveis elaborao dos projetos, sendo que, para esse fim, sero fornecidos os seguintes elementos: a) mapas topogrficos regulares em 1:25.000, com curvas de 5 em 5 metros, do stio da Capital; b) mapas ampliados para a escala de 1:5.000, de 200 km do stio da Capital; c) mapas topogrficos regulares, na escala de 1:2.000, com curvas de nvel de metro em metro e de dois em dois metros, da rea de 150 km, indicada como ideal para a localizao da zona urbana da Capital Federal. 20. A Comisso de Planejamento da Construo e da Mudana da Capital Federal facilitar aos concorrentes visita ao local da futura Capital, para melhor conhecimento da regio. 21. Qualquer consulta ou pedido de esclarecimento sobre o presente concurso dever ser feito por escrito, sendo que as respostas respectivas sero remetidas a todos os demais concorrentes. 22. As publicaes relativas ao concurso sero insertas no Dirio Oficial da Unio e em outros jornais de grande circulao no Distrito Federal e nas principais Capitais Estaduais. 23. A Comisso de Planejamento da Construo e da Mudana da Capital Federal, considerando que o planejamento de edifcios escapa ao mbito deste concurso, decidiu que os projetos dos futuros edifcios pblicos sero objeto de deliberaes posteriores, a critrio desta Comisso. 24. A participao neste concurso importa, da parte dos concorrentes, em integral concordncia com os termos deste Edital. Rio de Janeiro, 19 de setembro de 1956. Ernesto Silva, Presidente.

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Informaes complementaresCarta remetida pelo Presidente da Novacap ao Presidente da Comisso de Planejamento e Mudana da Capital Federal, informando sobre a nova redao do item 15 do Edital do Concurso do Plano Piloto. Rio de Janeiro, 16 de outubro de 1956. Sr. Presidente: Em complemento exposio que tive oportunidade de fazer aos Diretores e Representantes do Instituto de Arquitetos do Brasil, esclareo, pelo presente, alguns pontos do Edital do Concurso Nacional do Plano Piloto da Nova Capital do Brasil, os quais suscitaram dvidas na sua interpretao. Assim, o artigo 15 dever ser assim entendido: Os autores classificados em primeiro lugar ficaro encarregados do desenvolvimento do projeto, desde que haja perfeito acordo com a Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil sobre as condies para a execuo desse trabalho. Comunico-lhe, ainda, que determinei [que] seja prazo de 120 dias para entrega do Plano Piloto, contado a partir da data do encerramento das inscries, e que sejam fornecidas aos concorrentes cpias do Relatrio Belcher, nas partes que lhes possam interessar. Reitero os meus protestos de elevado apreo. Israel Pinheiro, Presidente.

Correspondncia enviada pelo Diretor do Departamento de Urbanismo e Arquitetura da Novacap ao Instituto dos Arquitetos do Brasil, fornecendo mais informaes para o Concurso do Plano Piloto. Ao Sr. Dr. Ary Garcia Roza DD. Presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil. O Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Companhia Urbanizadora responde s consultas formuladas, at esta data, pelos concorrentes ao Plano Piloto da Nova Capital: 1. Ventos dominantes Predominam os ventos leste. 2. Estrada de ferro Uma estrada de ferro dever ligar Anpolis ou Vianpolis Nova Capital. 3. Estrada de rodagem Dever ser projetada de Anpolis a Braslia. 4. Represa, hotel, palcio residencial e aeroporto A represa (cujo nvel corresponder cota 997), o hotel e o palcio residencial ficaro situados de acordo com a planta j fixada e disposio dos concorrentes. O palcio do governo projetado

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aguardar fixao do Plano Piloto. Nessa planta se acha tambm localizado o aeroporto definitivo, j em construo. 5. Ministrios Para os estudos do Plano Piloto permanece a atual organizao ministerial, acrescida de trs ministrios. Somente cerca de 30% dos funcionrios sero transferidos. 6. Indstria e agricultura Dever prever-se um desenvolvimento limitado, em vista do carter poltico-administrativo da Nova Capital. 7. Loteamento e tipo de propriedade O assunto aguardar sugestes do Plano Piloto. 8. Densidade Proviso para 500.000 habitantes, no mximo. 9. Construes em andamento Esto sendo iniciadas as obras de um hotel e de um palcio residencial para o Presidente da Repblica. Alm dessas obras, esto em construo, em carter provisrio, as instalaes necessrias ao funcionamento da Companhia Urbanizadora e dos servios que ali se iniciam. 10. Relatrio Foi enviada cpia do relatrio ao Instituto de Arquitetos do Brasil e Faculdade de Arquitetura de So Paulo. 11. Apresentao dos trabalhos Os concorrentes tero plena liberdade na apresentao de seus projetos, inclusive no uso de cores, etc. 12. Escala A escala para o Plano Piloto permanecer de...1:25.000, entretanto ser permitido aos concorrentes apresentar detalhes do referido plano na escala que desejarem. 13. Colaboradores O arquiteto inscrito no concurso para o Plano Piloto de Braslia ter plena liberdade na escolha de seus colaboradores, que podero assinar as plantas apresentadas. 14. Defesa oral Na defesa oral, os arquitetos podero ter a assistncia de seus colaboradores.

Oscar Niemeyer, Diretor do Departamento de Urbanismo e Arquitetura.

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Quadriltero Cruls, 1893 rea designada para a construo da futura capital pela Misso Cruls.

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Relatrio do Plano Piloto de BrasliaLucio Costa

Plano Piloto de Braslia apresentado por Lucio Costa ao Concurso Nacional do Plano Piloto de Braslia

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Relatrio do Plano Piloto de Braslia

...Jos Bonifcio, em 1823, prope a transferncia da Capital para Gois e sugere o nome de BRASLIA.

Desejo inicialmente desculpar-me perante a direo da Companhia Urbanizadora e a Comisso Julgadora do Concurso pela apresentao sumria do partido aqui sugerido para a nova Capital, e tambm justificar-me. No pretendia competir e, na verdade, no concorro, apenas me desvencilho de uma soluo possvel, que no foi procurada mas surgiu, por assim dizer, j pronta. Compareo, no como tcnico devidamente aparelhado, pois nem sequer disponho de escritrio, mas como simples maquis do urbanismo, que no pretende prosseguir no desenvolvimento da idia apresentada seno eventualmente, na qualidade de mero consultor. E se procedo assim candidamente porque me amparo num raciocnio igualmente simplrio: se a sugesto vlida, estes dados, conquanto sumrios na sua aparncia, j sero suficientes, pois revelaro que, apesar da espontaneidade original, ela foi, depois, intensamente pensada e resolvida; se no o , a excluso se far mais facilmente, e no terei perdido o meu tempo nem tomado o tempo de ningum. A liberao do acesso ao concurso reduziu de certo modo a consulta quilo que de fato importa, ou seja, concepo urbanstica da cidade propriamente dita, porque esta no ser, no caso, uma decorrncia do planejamento regional, mas a causa dele: a sua fundao que dar ensejo ao ulterior desenvolvimento planejado da regio. Trata-se de um ato deliberado de posse, de um gesto de sentido ainda desbravador, nos moldes da tradio colonial. E o que se indaga como no entender de cada concorrente uma tal cidade deve ser concebida. Ela deve ser concebida no como simples organismo capaz de preencher satisfatoriamente e sem esforo as funes vitais prprias de uma cidade moderna qualquer, no apenas como urbs, mas como civitas, possuidora dos atributos inerentes a uma capital. E, para tanto, a condio primeira achar-se o urbanista imbudo de uma certa dignidade e nobreza de inteno, porquanto dessa atitude fundamental decorrem a ordenao e o senso de convenincia e medida capazes de conferir ao conjunto projetado o desejvel carter monumental. Monumental no no sentido de ostentao, mas no sentido da expresso palpvel, por assim dizer, consciente, daquilo que vale e significa. Cidade planejada para o trabalho ordenado e eficiente, mas ao mesmo tempo cidade viva e aprazvel, prpria ao desvaneio e especulao intelectual, capaz de tornar-se, com o tempo, alm de centro de governo e administrao, num foco de cultura dos mais lcidos e sensveis do pas. Dito isto, vejamos como nasceu, se definiu e resolveu a presente soluo: 1. Nasceu do gesto primrio de quem assinala um lugar ou dele toma posse: dois eixos cruzandose em ngulo reto, ou seja, o prprio sinal da cruz (Figura 1). 2. Procurou-se depois a adaptao topografia local, ao escoamento natural das guas, melhor orientao, arqueando-se um dos eixos a fim de cont-lo no tringulo equiltero que define a rea urbanizada (Figura 2). 3. E houve o propsito de aplicar os princpios francos da tcnica rodoviria inclusive a eliminao dos cruzamentos tcnica urbanstica, conferindo-se ao eixo arqueado, correspondente s vias naturais de acesso, a funo circulatria tronco, com pistas centrais de velocidade e pistas laterais para o trfego local, e dispondo-se ao longo desse eixo o grosso dos setores residenciais (Figura 3).

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4. Como decorrncia dessa concentrao residencial, os centros cvico e administrativo, o setor cultural, o centro de diverses, o centro esportivo, o setor administrativo municipal, os quartis, as zonas destinadas armazenagem, ao abastecimento e s pequenas indstrias locais, e, por fim, a estao ferroviria, foram-se naturalmente ordenando e dispondo ao longo do eixo transversal que passou assim a ser o eixo monumental do sistema (Figura 4). Lateralmente interseco dos dois eixos, mas participando funcionalmente e em termos de composio urbanstica do eixo monumental, localizaram-se o setor bancrio e comercial, o setor dos escritrios de empresas e profisses liberais, e ainda os amplos setores do varejo comercial. 5. O cruzamento desse eixo monumental, de cota inferior, com o eixo rodovirio-residencial imps a criao de uma grande plataforma liberta do trfego que no se destine ao estacionamento ali, remanso onde se concentrou logicamente o centro de diverses da cidade, com os cinemas, os teatros, os restaurantes etc. (Figura 5). 6. O trfego destinado aos demais setores prossegue, ordenado em mo nica, na rea trrea inferior coberta pela plataforma e entalada nos dois topos mas aberta nas faces maiores, rea utilizada em grande parte para o estacionamento de veculos e onde se localizou a estao rodoviria interurbana, acessvel aos passageiros pelo nvel superior da plataforma (Figura 6). Apenas as pistas de velocidade mergulham, j ento subterrneas, na parte central desse piso inferior que se espraia em declive at nivelar-se com a esplanada do setor dos ministrios. 7. Desse modo e com a introduo de trs trevos completos em cada ramo do eixo rodovirio e outras tantas passagens de nvel inferior, o trfego de automveis e nibus se processa tanto na parte central quanto nos setores residenciais sem qualquer cruzamento. Para o trfego de caminhes estabeleceu-se um sistema secundrio autnomo com cruzamentos sinalizados mas sem cruzamento ou interferncia alguma com o sistema anterior, salvo acima do setor esportivo, e que acede aos edifcios do setor comercial ao nvel do subsolo, contornando o centro cvico em cota inferior, com galerias de acesso previstas no terrapleno (Figura 7). 8. Fixada assim a rede geral do trfego automvel, estabeleceram-se, tanto nos setores centrais como nos residenciais, tramas autnomas para o trnsito local dos pedestres a fim de garantir-lhes o uso livre do cho (Figura 8) sem contudo levar tal separao a extremos sistemticos e anti-naturais pois no se deve esquecer que o automvel, hoje em dia, deixou de ser o inimigo inconcilivel do homem, domesticou-se, j faz, por assim dizer, parte da famlia. Ele s se deshumaniza, readquirindo vis--vis do pedestre feio ameaadora e hostil quando incorporado massa annima do trfego. H ento que separ-los, mas sem perder de vista que em determinadas condies e para comodidade recproca, a coexistncia se impe. 9. Veja-se agora como nesse arcabouo de circulao ordenada se integram e articulam os vrios setores. Destacam-se no conjunto os edifcios destinados aos poderes fundamentais que, sendo em nmero de trs e autnomos, encontraram no tringulo equiltero, vinculado arquitetura da mais remota antiguidade, a forma elementar apropriada para cont-los. Criouse ento um terrapleno triangular, com arrimo de pedra vista, sobrelevado na campina circunvizinha a que se tem acesso pela prpria rampa da auto-estrada que conduz residncia e ao aeroporto (Figura 9). Em cada ngulo dessa praa Praa dos Trs Poderes, poderia chamar-se localizou-se uma das casas, ficando as do Governo e do Supremo Tribunal na base

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e a do Congresso no vrtice, com frente igualmente para uma ampla esplanada disposta num segundo terrapleno, de forma retangular e nvel mais alto, de acordo com a topografia local, igualmente arrimado de pedras em todo o seu permetro. A aplicao em termos atuais, dessa tcnica oriental milenar dos terraplenos, garante a coeso do conjunto e lhe confere uma nfase monumental imprevista (Figura 9). Ao longo dessa esplanada o Mall, dos ingleses , extenso gramado destinado a pedestres, a paradas e a desfiles, foram dispostos os ministrios e autarquias (Figura 10). Os das Relaes Exteriores e Justia ocupando os cantos inferiores, contguos ao edifcio do Congresso e com enquadramento condigno, os ministrios militares constituindo uma praa autnoma, e os demais ordenados em sequncia todos com rea privativa de estacionamento , sendo o ltimo o da Educao, a fim de ficar vizinho do setor cultural, tratado maneira de parque para melhor ambientao dos museus, da biblioteca, do planetrio, das academias, dos institutos etc., setor este tambm contguo ampla rea destinada Cidade Universitria com o respectivo Hospital de Clnicas, e onde tambm se prev a instalao do Observatrio. A Catedral ficou igualmente localizada nessa esplanada, mas numa praa autnoma disposta lateralmente, no s por questo de protocolo, uma vez que a Igreja separada do Estado, como por uma questo de escala, tendo-se em vista valorizar o monumento, e ainda, principalmente, por outra razo de ordem arquitetnica: a perspectiva de conjunto da esplanada deve prosseguir desimpedida at alm da plataforma onde os dois eixos urbansticos se cruzam. 10. Nesta plataforma onde, como se via anteriormente, o trfego apenas local, situou-se ento o centro de diverses da cidade (mistura em termos adequados de Piccadilly Circus, Times Square e Champs Elyses). A face da plataforma debruada sobre o setor cultural e a esplanada dos ministrios no foi edificada com exceo de uma eventual casa de ch e da pera, cujo acesso tanto se faz pelo prprio setor de diverses, como pelo setor cultural contguo, em plano inferior. Na face fronteira foram concentrados os cinemas e teatros, cujo gabarito se fez baixo e uniforme, constituindo assim o conjunto deles um corpo arquitetnico contnuo, com galeria, amplas caladas, terraos e cafs, servindo as respectivas fachadas em toda a altura de campo livre para a instalao de painis luminosos de reclame (Figura 11). As vrias casas de espetculo estaro ligadas entre si por travessas no gnero tradicional da Rua do Ouvidor, das vielas venezianas ou de galerias cobertas (arcades) e articuladas a pequenos pteos com bares e cafs, e loggias na parte dos fundos com vista para o parque, tudo no propsito de propiciar ambiente adequado ao convvio e expanso (Figura 11). O pavimento trreo do setor central desse conjunto de teatros e cinemas manteve-se vazado em toda a sua extenso, salvo os ncleos de acesso aos pavimentos superiores, a fim de garantir continuidade perspectiva, e os andares se previram envidraados nas duas faces para que os restaurantes, clubes, casas de ch etc., tenham vista, de um lado para a esplanada inferior, e do outro para o aclive do parque no prolongamento do eixo monumental e onde ficaram localizados os hotis comerciais e de turismo e, mais acima, para a torre monumental das estaes radioemissoras e de televiso, tratada como elemento plstico integrado na composio geral (Figuras. 9, 11 e 12). Na parte central da plataforma, porm disposto lateralmente, acha-se o saguo da estao rodoviria com bilheteria, bares, restaurantes etc., construo baixa, ligada por escadas rolantes ao hall inferior de embarque separado por envidraamento do cais propriamente dito. O sistema de mo nica obriga os nibus na sada a uma volta, num ou noutro sentido, fora da rea coberta pela plataforma, o que permite ao viajante uma ltima vista do eixo monumental da

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cidade antes de entrar no eixo rodovirio residencial , despedida psicologicamente desejvel. Previram-se igualmente nessa extensa plataforma destinada principalmente, tal como no piso trreo, ao estacionamento de automveis, duas amplas praas privativas dos pedestres, uma fronteira ao teatro da pera e outra, simetricamente disposta, em frente a um pavilho de pouca altura debruado sobre os jardins do setor cultural e destinado a restaurante, bar e casa de ch. Nestas praas, o piso das pistas de rolamento, sempre de sentido nico, foi ligeiramente sobrelevado em larga extenso, para o livre cruzamento dos pedestres num e noutro sentido, o que permitir acesso franco e direto tanto aos setores do varejo comercial quanto ao setor dos bancos e escritrios (Figura 8). 11. Lateralmente a esse setor central de diverses, e articulados a ele, encontram-se dois grandes ncleos destinados exclusivamente ao comrcio lojas e magasins, e dois setores distintos, o bancrio-comercial, e o dos escritrios para profisses liberais, representaes e empresas, onde foram localizados, respectivamente, o Banco do Brasil e a sede dos Correios e Telgrafos. Estes ncleos e setores so acessveis aos automveis diretamente das respectivas pistas, e aos pedestres por caladas sem cruzamento (Figura 8), e dispem de auto-portos para estacionamento em dois nveis, e de acesso de servio pelo subsolo correspondente ao piso inferior da plataforma central. No setor de bancos, tal como no dos escritrios, previram-se trs blocos altos e quatro de menor altura, ligados entre si por extensa ala trrea com sobreloja de modo a permitir intercomunicao coberta e amplo espao para instalao de agncias bancrias, agncias de empresas, cafs, restaurantes etc. Em cada ncleo comercial, prope-se uma sequncia ordenada de blocos baixos e alongados e um maior, de igual altura dos anteriores, todos interligados por um amplo corpo trreo com lojas, sobrelojas e galerias. Dois braos elevados da pista de contorno permitem, tambm aqui, acesso franco aos pedestres. 12. O setor esportivo, com extensssima rea destinada exclusivamente ao estacionamento de automveis, instalou-se entre a praa da Municipalidade e a torre radioemissora, que se prev de planta triangular, com embasamento monumental de concreto aparente at o piso dos studios e mais instalaes, e superestrutura metlica com mirante localizado a meia altura (Figura 12). De um lado o estdio e mais dependncias tendo aos fundos o Jardim Botnico; do outro o hipdromo com as respectivas tribunas e vila hpica e, contguo, o Jardim Zoolgico, constituindo estas duas imensas reas verdes, simetricamente dispostas em relao ao eixo monumental, como que os pulmes. 13. Na praa Municipal, instalaram-se a Prefeitura, a Polcia Central, o Corpo de Bombeiros e a Assistncia Pblica. A penitenciria e o hospcio, conquanto afastados do centro urbanizado, fazem igualmente parte deste setor. 14. Acima do setor municipal, foram dispostas as garagens da viao urbana, em seguida, de uma banda e de outra, os quartis e numa larga faixa transversal o setor destinado ao armazenamento e instalao das pequenas indstrias de interesse local, com setor residencial autnomo, zona esta rematada pela estao ferroviria e articulada igualmente a um dos ramos da rodovia destinada aos caminhes. 15. Percorrido assim de ponta a ponta esse eixo dito monumental, v-se que a fluncia e unidade do traado (Figura 9), desde a Praa do Governo at Praa Municipal, no exclui a variedade, e cada setor, por assim dizer, vale por si como organismo plasticamente autnomo na composio do conjunto. Essa autonomia cria espaos adequados escala do homem e permite o dilogo monumental localizado sem prejuzo do desempenho arquitetnico de cada setor na harmoniosa integrao urbanstica do todo.

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16. Quanto ao problema residencial, ocorreu a soluo de criar-se uma sequncia contnua de grandes quadras dispostas, em ordem dupla ou singela, de ambos os lados da faixa rodoviria, e emolduradas por uma larga cinta densamente arborizada, rvores de porte, prevalecendo em cada quadra determinada espcie vegetal, com cho gramado e uma cortina suplementar intermitente de arbustos e folhagens, a fim de resguardar melhor, qualquer que seja a posio do observador, o contedo das quadras, visto sempre num segundo plano e como que amortecido na paisagem (Figura 13). Disposio que apresenta a dupla vantagem de garantir a ordenao urbanstica mesmo quando varie a densidade, categoria, padro ou qualidade arquitetnica dos edifcios, e de oferecer aos moradores extensas faixas sombreadas para passeio e lazer, independentemente das reas livres previstas no interior das prprias quadras. Dentro destas super-quadras os blocos residenciais podem dispor-se da maneira mais variada, obedecendo porm a dois princpios gerais: gabarito mximo uniforme, talvez seis pavimentos e pilotis, e separao do trfego de veculos do trnsito de pedestres, mormente o acesso escola primria e s comodidades existentes no interior de cada quadra (Figura 8). Ao fundo das quadras estende-se a via de servio para o trfego de caminhes, destinando-se ao longo dela a frente oposta s quadras, instalao de garagens, oficinas, depsitos do comrcio em grosso etc., e reservando-se uma faixa de terreno, equivalente a uma terceira ordem de quadras, para floricultura, horta e pomar. Entaladas entre essa via de servio e as vias do eixo rodovirio, intercalaram-se ento largas e extensas faixas com acesso alternado, ora por uma, ora por outra, e onde se localizaram a igreja, as escolas secundrias, o cinema e o varejo do bairro disposto conforme a sua classe ou natureza (Figura 13). O mercadinho, os aougues, as vendas, quitandas, casas de ferragens etc., na primeira metade da faixa correspondente ao acesso de servio; as barbearias, cabeleireiros, modistas, confeitarias etc., na primeira seo da faixa de acesso privativa dos automveis e nibus, onde se encontram igualmente os postos de servio para venda de gasolina. As lojas dispem-se em renque com vitrinas e passeio coberto na face fronteira s cintas arborizadas de enquadramento dos quarteires e privativas dos pedestres, e o estacionamento na face oposta, contgua s vias de acesso motorizado, prevendo-se travessas para ligao de uma parte a outra, ficando assim as lojas geminadas duas a duas, embora o seu conjunto constitua um corpo s (Figura 14). Na confluncia das quatro quadras localizou-se a igreja do bairro, e aos fundos dela as escolas secundrias, ao passo que na parte da faixa de servio fronteira rodovia se previu o cinema a fim de torn-lo acessvel a quem proceda de outros bairros, ficando a extensa rea livre intermediria destinada ao clube da juventude, com campo de jogos e recreio. 17. A gradao social poder ser dosada facilmente atribuindo-se maior valor a determinadas quadras como, por exemplo, s quadras singelas contguas ao setor das embaixadas, setor que se estende de ambos os lados do eixo principal paralelamente ao eixo rodovirio, com alameda de acesso autnomo e via de servio para o trfego de caminhes comum s quadras residenciais. Essa alameda, por assim dizer, privativa do bairro das embaixadas e legaes, se prev edificada apenas num dos lados, deixando-se o outro com a vista desimpedida sobre a paisagem, excetuando-se o hotel principal localizado nesse setor e prximo do centro da cidade. No outro lado do eixo rodovirio-residencial, as quadras contguas rodovia sero naturalmente mais valorizadas que as quadras internas, o que permitir as gradaes prprias do regime vigente; contudo, o agrupamento delas,

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de quatro em quatro, propicia num certo grau a coexistncia social, evitando-se assim uma indevida e indesejvel estratificao. E seja como for, as diferenas de padro de uma quadra a outra sero neutralizadas pelo prprio agenciamento urbanstico proposto, e no sero de natureza a afetar o conforto social a que todos tm direito. Elas decorrero apenas de uma maior ou menos densidade, do maior ou menor espao atribudo a cada indivduo e a cada famlia, da escolha dos materiais e do grau e requinte do acabamento. Neste sentido deve-se impedir a enquistao de favelas tanto na periferia urbana quanto na rural. Cabe Companhia Urbanizadora prover dentro do esquema proposto acomodaes decentes e econmicas para a totalidade da populao. 18. Previram-se igualmente setores ilhados, cercados de arvoredo e de campo, destinados a loteamento para casas individuais, sugerindo-se uma disposio dentada em cremalheira, para que as casas construdas nos lotes de topo se destaquem na paisagem, afastadas umas das outras, disposio que ainda permite acesso autnomo de servio para todos os lotes (Figura 15). E admitiu-se igualmente a construo eventual de casas avulsas isoladas de alto padro arquitetnico o que no implica tamanho estabelecendo-se porm como regra, nestes casos, o afastamento mnimo de um quilmetro de casa a casa, o que acentuar o carter excepcional de tais concesses. 19. Os cemitrios localizados nos extremos do eixo rodovirio-residencial evitam aos cortejos a travessia do centro urbano. Tero cho de grama e sero convenientemente arborizados, com sepulturas rasas e lpides singelas, maneira inglesa, tudo desprovido de qualquer ostentao. 20. Evitou-se a localizao dos bairros residenciais na orla da lagoa, a fim de preserv-la intata, tratada com bosques e campos de feio naturalista e rstica para os passeios e amenidades buclicas de toda a populao urbana. Apenas os clubes esportivos, os restaurantes, os lugares de recreio, os balnerios e ncleos de pesca podero chegar beira dgua. O clube de Golf situou-se na extremidade leste, contguo Residncia e ao hotel, ambos em construo, e o Yatch Club na enseada vizinha, entremeados por denso bosque que se estende at margem da represa, bordejada nesse trecho pela alameda de contorno que intermitentemente se desprende da sua orla para embrenhar-se pelo campo que se pretende eventualmente florido e manchado de arvoredo. Essa estrada se articula ao eixo rodovirio e tambm pista autnoma de acesso direto do aeroporto ao centro cvico, por onde entraro na cidade os visitantes ilustres, podendo a respectiva sada processar-se, com vantagem, pelo prprio eixo rodovirio-residencial. Prope-se, ainda, a localizao do aeroporto definitivo na rea interna da represa, a fim de evitar-lhe a travessia ou contorno. 21. Quanto numerao urbana, a referncia deve ser o eixo monumental, distribuindo-se a cidade em metades Norte e Sul; as quadras seriam assinaladas por nmeros, os blocos residenciais por letras, e finalmente o nmero do apartamento na forma usual, assim por exemplo, N-Q3-L ap. 201. A designao dos blocos em relao entrada da quadra deve seguir da esquerda para a direita, de acordo com a norma. 22. Resta o problema de como dispor do terreno e torn-lo acessvel ao capital particular. Entendo que as quadras no devem ser loteadas, sugerindo, em vez da venda de lotes, a venda de quotas de terreno, cujo valor depender do setor em causa e do gabarito, a fim de no entravar o planejamento atual e possveis remodelaes futuras no delineamento interno das quadras. Entendo tambm que esse planejamento deveria de preferncia anteceder a venda das quotas, mas nada impede que compradores de um nmero substancial de quotas submetam aprovao da Companhia projeto prprio de urbanizao de uma determinada quadra, e que, alm de facilitar aos incorporadores a aquisio de quotas, a prpria Companhia funcione, em

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grande parte, como incorporadora. E entendo igualmente que o preo das quotas, oscilvel conforme a procura, deveria incluir uma parcela com taxa fixa, destinada a cobrir as despesas do projeto, no intuito de facilitar tanto o convite a determinados arquitetos como a abertura de concursos para a urbanizao e edificao das quadras que no fossem projetadas pela Diviso de Arquitetura da prpria Companhia. E sugiro ainda que a aprovao dos projetos se processe em duas etapas, anteprojeto e projeto definitivo, no intuito de permitir seleo prvia e melhor controle da qualidade das construes. Da mesma forma quanto ao setor do varejo comercial e aos setores bancrio e dos escritrios das empresas e profisses liberais, que deveriam ser projetados previamente de modo a se poderem fracionar em sub-setores e unidades autnomas, sem prejuzo da integridade arquitetnica, e assim se submeterem parceladamente venda no mercado imobilirio, podendo a construo propriamente dita, ou parte dela, correr por conta dos interessados ou da Companhia, ou ainda, conjuntamente. 23. Resumindo, a soluo apresentada de fcil apreenso, pois se caracteriza pela simplicidade e clareza do risco original, o que no exclui, conforme se viu, a variedade no tratamento das partes, cada qual concebida segundo a natureza peculiar da respectiva funo, resultando da a harmonia de exigncias de aparncia contraditria. assim que, sendo monumental tambm cmoda, eficiente, acolhedora e ntima. ao mesmo tempo derramada e concisa, buclica e urbana, lrica e funcional. O trfego de automveis se processa sem cruzamentos, e se restitui o cho, na justa medida, ao pedestre. E por ter o arcabouo to claramente definido, de fcil execuo: dois eixos, dois terraplenos, uma plataforma, duas pistas largas num sentido, uma rodovia no outro, rodovia que poder ser construda por partes, primeiro as faixas centrais como um trevo de cada lado, depois as pistas laterais, que avanariam com o desenvolvimento normal da cidade. As instalaes teriam sempre campo livre nas faixas verdes contguas s pistas de rolamento. As quadras seriam apenas niveladas e paisagisticamente definidas, com as respectivas cintas plantadas de grama e desde logo arborizadas, mas sem calamento de qualquer espcie, nem meios-fios. De uma parte, tcnica rodoviria; de outra, tcnica paisagstica de parques e jardins. Braslia, capital area e rodoviria; cidade-parque; sonho arquissecular do patriarca.

O marco zero, foto de Mrio Fontenelle/ArPDF Cruzamento do Eixo Monumental com o Eixo Rodovirio

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Braslia 57-85do plano piloto ao Plano Piloto1 Maria Elisa Costa Adeildo Viegas de Lima

Foto de Buenno Plataforma Rodoviria cruzamento do Eixo Monumental com o Eixo Rodovirio

1 Nota do editor: Este estudo foi realizado em 1985, por meio do Convnio SVO/DAU-Terracap/Ditec, tendo como supervisores o engenheiro Luiz Alberto Cordeiro, diretor-tcnico da Terracap, e a arquiteta Tnia Batella de Siqueira, diretora do DAU/SVO. Com grande pesar, percebemos a impossibilidade de reproduzir a integridade desse valioso documento no limitado espao desta publicao. Para no privar o leitor de to importante registro, a soluo encontrada foi reproduzir os trechos que apresentam reflexes mais sistemticas sobre o processo de desenvolvimento da cidade. Em contrapartida, optamos por disponibilizar o documento em sua verso integral na rede mundial de computadores (no stio www.seduma.df.gov.br).

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Braslia 57-85: do plano piloto ao Plano Piloto

Braslia, maro de 1985

CoordenaoArquiteto Lucio Costa

BrasliaEm boa hora a Secretaria de Viao e Obras e a Terracap resolveram promover este confronto da proposta original do plano-piloto com a realidade atual de Braslia. O trabalho, feito com proficincia e sensibilidade por quem de direito e cujo teor subscrevo com a ressalva de acentuar, tal como nele j consta, que a implantao de novas quadras estar condicionada previa liberao das reas retidas pela UnB e do reforo das estaes de tratamento originariamente instaladas , resultou num valioso documento no s para aqueles que tero a responsabilidade de prosseguir na tarefa de encaminhar a evoluo controlada da cidade, tendo em vista o pensamento que a gerou, como tambm para melhor entendimento dos usurios que nela vivem e transitam. De fato, este check-up urbanstico revela que a concepo original vingou, e que, apesar de certos vcios congnitos e das mazelas advindas do desconhecimento das verdadeiras intenes do plano e de consequentes erros na sua interpretao, a saudvel constituio orgnico-estrutural da cidade terica proposta e a fora das idias ali contidas garantiram-lhe singularidade e vida perene. Valeu a pena. Lucio Costa 5/III/85

Introduo... Jos Bonifcio, em 1823, prope a transferncia da Capital para Gois e sugere o nome de Braslia.

Desejo inicialmente desculpar-me perante a direo da Companhia Urbanizadora e a Comisso Julgadora do Concurso pela apresentao sumria do partido aqui sugerido para a nova Capital, e tambm justificar-me. No pretendia competir e, na verdade, no concorro apenas me desvencilho de uma soluo possvel, que no foi procurada mas surgiu, por assim dizer, j pronta. Compareo, no como tcnico devidamente aparelhado, pois nem sequer disponho de escritrio, mas como simples maquisard do urbanismo, que no pretende prosseguir no desenvolvimento da idia apresentada seno, eventualmente, na qualidade de mero consultor. E se procedo assim candidamente porque me amparo num raciocnio igualmente simplrio: se a sugesto vlida, estes dados, conquanto sumrios na sua aparncia, j sero suficientes, pois revelaro que, apesar da espontaneidade original, ela foi, depois, intensamente pensada e resolvida; se o no , a excluso se far mais facilmente, e no terei perdido o meu tempo nem tomado o tempo de ningum.

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A liberao do acesso ao concurso reduziu de certo modo a consulta quilo que de fato importa, ou seja, concepo urbanstica da cidade propriamente dita, porque esta no ser, no caso, uma decorrncia do planejamento regional, mas a causa dele: a sua fundao que dar ensejo ao ulterior desenvolvimento planejado da regio. Trata-se de um ato deliberado de posse, de um gesto de sentido ainda desbravador, nos moldes da tradio colonial. E o que se indaga como, no entender de cada concorrente, uma tal cidade deve ser concebida. Ela deve ser concebida no como simples organismo capaz de preencher satisfatoriamente e sem esforo as funes vitais prprias de uma cidade moderna qualquer, no apenas como urbs, mas como civitas, possuidora dos atributos inerentes a uma capital. E, para tanto, a condio primeira achar-se o urbanista imbudo de uma certa dignidade e nobreza de inteno, porquanto dessa atitude fundamental decorrem a ordenao e o senso de convenincia e medida capazes de conferir ao conjunto projetado o desejvel carter monumental. Monumental no no sentido de ostentao, mas no sentido da expresso palpvel, por assim dizer, consciente daquilo que vale e significa. Cidade planejada para o trabalho ordenado e eficiente, mas ao mesmo tempo cidade viva e aprazvel, prpria ao devaneio e especulao intelectual, capaz de tornar-se, com o tempo, alm de centro de governo e administrao, num foco de cultura dos mais lcidos e sensveis do pas. (Introduo do Relatrio do Pl