boris groys - reflexões críticas

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boris groys - reflexões críticasarte&ensaios

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  • 173temticas | Boris Groys

    Reflexes cRticas

    Boris Groys

    crtica da arte crtico de arte histria

    O artigo apresenta as mudanas na crtica da arte, oferecendo uma anlise histrica

    do trabalho realizado pelo crtico e suas relaes com a sociedade e a indstria da

    arte. Destaca tambm o valor e o mrito profissional do escritor, o maior responsvel

    pela transformao do texto em arte.

    J h muito tempo o crtico de arte vem sendo

    considerado um representante legtimo do mun-

    do da arte. tal como acontece com o artista, o

    curador, o galerista e o colecionador, quando

    o crtico de arte aparece num vernissage ou al-

    gum outro evento artstico, ningum costuma

    pensar O que ele faz aqui? tido como bvio

    que algo deve ser escrito sobre arte. Quando obras de arte no so apresentadas com um texto em um

    folder, um catlogo, uma revista de arte ou outro suporte elas parecem vir ao mundo desprotegidas,

    perdidas e nuas. imagens sem textos so embaraosas, como algum despido em um espao pblico.

    Precisam pelo menos de um biquni textual no formato de uma inscrio com o nome do artista e um

    ttulo (que, no pior dos casos, poder ser sem ttulo). a nudez completa de uma obra de arte s

    permitida na intimidade domstica de uma coleo particular.

    a funo de um crtico de arte um comentarista de arte talvez seja mais apropriado consiste, con-

    forme muitos pensam, em preparar vestes-texto como um tipo de proteo para as obras de arte. tais

    textos no so necessariamente escritos com o objetivo original de ser lidos. O papel do comentarista

    de arte totalmente mal interpretado quando se espera que ele seja claro e compreensvel. Na verdade,

    quanto mais hermtico e opaco um texto, melhor: textos que so transparentes demais deixam entrever

    a nudez das obras de arte. H, com certeza, aqueles cuja transparncia to absoluta, que o efeito es-

    pecialmente opaco. esses oferecem a melhor proteo, um truque que todo designer de moda conhece

    muito bem. em todo caso, seria ingenuidade da parte de qualquer um tentar ler um comentrio sobre

    arte. felizmente, essa ideia foi pleiteada por poucos no mundo da arte.

    CritiCal refleCtions | The article discusses the changes in art reviewing, offering an historical analysis of the work performed by the critic and his/her relations with society and the art industry. It also stresses the value and professional merit of the writer, who has the key role of transforming text into art. | art review history art critic

    ilya & emilia Kabakov, The Fallen Angel (O anjo cado), 1997

  • 174 Arte & Ensaios | rev ista do ppgav/eba/ufr j | n. 27 | dezembro 2013

    Desse modo, o comentrio de arte encontra-se

    hoje em situao confusa, to indispensvel quan-

    to suprfluo. Alm de sua pura presena material,

    no se sabe o que dele desejar ou esperar. essa

    confuso est enraizada na genealogia da crtica

    contempornea: o posicionamento do crtico no

    mundo da arte no nada bvio. como de co-

    nhecimento geral, a figura do crtico de arte surge

    no final do sculo 18 e incio do 19, juntamente

    com o aumento gradual de um pblico amplo e

    democrtico. Naquela poca, ele certamente no

    foi considerado representante do mundo da arte,

    mas mero observador externo cuja funo era jul-

    gar e criticar obras de arte em nome do pblico,

    exatamente como faria qualquer outro observa-

    dor bem-educado, com tempo e habilidade lite-

    rria: bom gosto era visto como a expresso de

    um senso comum esttico. O julgamento do

    crtico de arte deveria ser incorruptvel, ou seja,

    no ter qualquer obrigao para com o artista.

    Porque, para um crtico, desistir de sua distncia

    significava ser corrompido pelo mundo da arte e

    negligenciar suas responsabilidades profissionais:

    essa demanda de uma crtica de arte desinteressa-

    da, em nome da esfera pblica, a afirmao da

    terceira crtica de Kant, o primeiro tratado esttico

    da modernidade verdadeiramente importante.

    O ideal de juzo foi, entretanto, trado pela crtica

    de arte da vanguarda histrica. a arte da vanguar-

    da conscientemente retirou-se do julgamento do

    pblico. sem o abordar tal como era, falou antes

    com uma nova humanidade tal qual deveria ou

    pelo menos poderia ser. a arte de vanguarda

    pressups uma nova e diferente humanidade para

    sua recepo que seria capaz de compreender o

    significado oculto da cor e da forma pura (Kan-

    dinsky), de sujeitar sua imaginao e at mesmo

    sua vida diria s rigorosas leis da geometria (Ma-

    levich, Mondrian, os construtivistas, Bauhaus),

    de reconhecer um urinol como obra de arte (Du-

    champ). assim, a vanguarda introduziu na socie-

    dade uma ruptura irredutvel a qualquer das dife-

    renas sociais at ento existentes.

    Essa nova diferena artificial a verdadeira obra

    de arte da vanguarda. No mais o observador

    que julga a obra de arte, mas, sim, a obra que

    julga e frequentemente condena seu pblico.

    essa estratgia tem sido muitas vezes chamada de

    elitista, mas sugere uma elite igualmente aberta

    a qualquer um, posto que exclui todos com igual

    intensidade. Ser escolhido no significa automa-

    ticamente domnio nem mesmo maestria. cada

    indivduo livre para colocar-se, contra o resto do

    pblico, ao lado da obra de arte enumerar-se

    entre aqueles que constituem a nova humanidade.

    Vrios crticos de arte da vanguarda histrica fize-

    ram exatamente isso. No lugar do crtico em nome

    da sociedade surgiu uma crtica social em nome da

    arte: a obra de arte no constitui o objeto de jul-

    gamento; em vez disso tomada como ponto de

    partida para uma crtica que visa sociedade e ao

    mundo. O crtico de arte atual herdou o velho car-

    go pblico, juntamente com a traio vanguardis-

    ta desse cargo. a tarefa paradoxal de julgar a arte

    em nome do pblico, enquanto critica a socieda-

    de em nome da arte, abre uma fenda profunda

    no discurso da crtica contempornea. e pode-se

    ler o discurso crtico de hoje como tentativa de

    construir uma ponte ou, pelo menos, de esconder

    essa diviso. Por exemplo, o crtico demanda que a

    arte tematize diferenas sociais existentes e se po-

    sicione contra a iluso da homogeneidade cultural.

    isso certamente soa muito avant-garde, mas o que

    se esquece que a vanguarda no tematizou di-

    ferenas j existentes, mas introduziu outras, ante-

    riormente inexistentes. O pblico ficou igualmente

    perplexo diante do suprematismo de Malevich ou

    do dadasmo de Duchamp, e essa incompreenso

  • 175temticas | Boris Groys

    generalizada perplexidade independente de clas-

    se, raa ou gnero , na verdade, o momento

    democrtico dos vrios projetos de vanguarda. es-

    ses projetos no estavam em posio de sustar as

    diferenas sociais existentes e, desse modo, criar

    uma unio cultural; mas foram capazes de intro-

    duzir distines to novas e radicais, que passaram

    a determinar diferenas. No h nada de errado

    com a exigncia de que a arte desista de sua au-

    tonomia modernista e se torne um meio de crtica

    social; o que no mencionado, porm, que a

    postura crtica enfraquecida, banalizada e, final-

    mente, inviabilizada por esse requisito. Quando

    a arte abandona sua capacidade autnoma para

    produzir artificialmente suas prprias diferenas

    tambm perde a capacidade de submeter a socie-

    dade a uma crtica radical. tudo o que resta arte

    ilustrar uma crtica que a sociedade j consolidou

    ou construiu para si. exigir que a arte seja pratica-

    da em nome de diferenas sociais existentes, na

    verdade, significa uma afirmao da estrutura de

    sociedade existente na forma de crtica social.

    Nos dias de hoje, arte geralmente entendida

    como uma forma de comunicao social; toma

    como bvio que todas as pessoas querem comuni-

    car-se e procuram reconhecimento comunicativo.

    Mesmo se o discurso contemporneo da crtica de

    arte compreender o famoso outro no no senti-

    do de identidades culturais especficas, mas como

    desejo, poder, libido, o inconsciente, o real, e as-

    sim por diante, a arte ainda interpretada como

    uma tentativa de comunicar esse outro, para dar-

    -lhe voz e forma. Mesmo se a comunicao no

    for alcanada, o desejo de que seja suficiente

    para garantir aceitao. alm disso, o trabalho da

    vanguarda clssica aceito quando entendido

    como subordinado sria inteno de trazer o

    inconsciente e a alteridade como expresso: para

    o observador mdio, a incompreensibilidade da

    arte resultante dispensada em virtude da impos-

    sibilidade de qualquer mediao de comunicao

    do outro radical. Mas esse outro que deseja

    expressar-se incondicionalmente, que quer ser co-

    municativo, no , claro, outro o bastante. O que

    fez as vanguardas histricas interessantes e radi-

    cais foi precisamente ter evitado conscientemente

    as convenes da comunicao social: ela se exco-

    mungou. a incompreensibilidade da vanguarda

    no foi apenas o efeito de uma falha na comuni-

    cao. linguagem, incluindo a linguagem visual,

    pode ser usada no s como meio de comunica-

    o, mas tambm como meio estratgico de des-

    comunicao ou mesmo autoex-comunicao, ou

    seja, uma partida voluntria da comunidade dos

    comunicantes. e essa estratgia de excomunho

    totalmente legtima. Pode-se tambm querer er-

    guer uma barreira lingustica entre si e o outro, a

    fim de ganhar uma distncia crtica da sociedade.

    e a autonomia da arte no nada mais do que

    esse movimento de autoexcomunho. questo

    de alcanar poder sobre as diferenas, uma ques-

    to de estratgia em vez de superar ou comu-

    nicar antigas diferenas, novas so produzidas. a

    sada da comunicao social, praticada repetida-

    mente pela arte moderna tem sido muitas vezes

    descrita, ironicamente, como escapismo. Mas

    ilya & emilia Kabakov, How One Can Change Oneself (como algum pode mudar a si mesmo), 2000

  • todo escapismo sempre seguido por um retorno:

    assim, o heri rousseauniano primeiro deixa Paris

    e vagueia por prado e floresta para voltar a Paris,

    criar uma guilhotina no centro da cidade e subme-

    ter seus antigos superiores e colegas a uma crtica

    radical, que lhes cortar a cabea. toda revoluo

    que valha a pena tenta substituir a sociedade tal

    como est por uma nova sociedade artificial. O im-

    pulso artstico sempre exerce aqui papel decisivo.

    at o momento, a decepo gerada com tantas

    tentativas de produzir uma nova humanidade ex-

    plica o abalo de muitos crticos que colocam espe-

    rana demais na vanguarda. em vez disso, desejam

    conduzir a vanguarda de volta para a base segura

    dos fatos, cerc-la, e prend-la no real, nas diferen-

    as existentes.

    ainda assim, a questo permanece: o que so realmente essas reais diferenas existentes? a maioria completamente artificial. Tecnologia e moda geram as diferenas importantes de nossos dias. e se so produzidas estratgica e conscien-temente seja em arte erudita, design, cinema,

    msica popular ou novas mdias , mesmo assim,

    sobrevivem tradio da vanguarda (um exemplo

    o recente entusiasmo pela internet, que lembra a

    poca da vanguarda clssica). crticos de arte social

    no tratam das diferenas tcnicas ou na moda, em-

    bora devam seu sucesso a tais diferenas artificiais

    que inserem seu tipo de discurso na moda (ou pelo

    menos estavam na moda at muito recentemente).

    tantos anos aps o surgimento da avant-garde, o

    discurso da teoria da arte contempornea continua

    a sofrer porque diferenas artificiais, produzidas

    conscientemente, ainda permanecem depreciadas.

    assim como na era da vanguarda histrica, aqueles

    artistas lanando diferenas estticas artificiais so

    censurados por ser motivados exclusivamente por

    interesses estratgicos e comerciais. Reagir moda

    com entusiasmo e esperana, nela vendo a opor-

    tunidade de uma diferena interessante e nova,

    considerado imprprio na teoria sria. a falta

    de vontade do crtico para identificar-se com po-

    sies artsticas especficas aparece finalmente na

    teoria como a opinio de que chegamos ao fim

    ilya & emilia Kabakov, The Ship of Shiva (O navio de shiva), 2005

  • 177temticas | Boris Groys

    da histria da arte. Por exemplo, em Aps o fim da

    arte1 arthur Danto argumenta que os programas

    da vanguarda que buscavam definir a essncia e a

    funo da arte tornaram-se, finalmente, insusten-

    tveis. No mais possvel privilegiar teoricamente

    um determinado tipo de arte como tanto insistem

    os crticos que persistem pensando pelo vis da van-

    guarda no contexto dos estados Unidos, o pa-

    radigma clement Greenberg. O desenvolvimento

    da arte no sculo 20 terminou em um pluralismo

    que tudo relativiza, torna tudo possvel em todos os

    momentos, impossibilitando um julgamento fun-

    damentado criticamente. certamente, essa anlise

    parece plausvel. Porm, o prprio pluralismo de

    hoje completamente artificial um produto da

    vanguarda. Uma nica obra de arte moderna uma

    enorme mquina de diferenciao contempornea.

    se os crticos, como fez Greenberg, no tives-

    sem tomado obras especficas como ocorrncia

    para demarcar o campo da teoria e das polticas

    da arte, no teramos pluralismo hoje, porque

    esse pluralismo artstico certamente no pode

    ser reduzido a um pluralismo social, j existente.

    Mesmo os crticos de arte social s podem fazer

    suas distines entre o natural e o codificado

    socialmente relevante para a crtica de arte, por-

    que colocam essas distines (artificiais) como re-

    adymades no contexto de uma diferenciao mo-

    dernista. e Danto faz o mesmo movimento que

    Greenberg quando tenta retirar todas as ilaes

    de Brillo Box, de Warhol, e pensar essa obra como

    o incio de uma era totalmente nova. O pluralismo

    de hoje significa que definitivamente nenhuma

    posio pode ser inequivocamente privilegiada

    em detrimento de outra. No entanto, nem todas

    as diferenas entre duas posies tm igual valor;

    algumas diferenas so mais interessantes do que

    outras. Vale a pena preocupar-se com diferenas

    to interessantes, independentemente da posio

    defendida. Vale a pena ainda mais criar diferenas

    novas e interessantes que ampliem a condio do

    pluralismo. e, uma vez que essas diferenas so pu-

    ramente artificiais, um final histrico, natural, no

    pode ser atribudo a esse processo de diferenciao.

    talvez, a verdadeira razo para um crtico de arte de hoje no mais defender apaixonadamente uma abordagem especfica na arte e sua relevn-cia para a teoria e as polticas culturais seja mais de ordem psicolgica do que terica. em primeiro lugar, ao faz-lo, o crtico sente que deixado na mo pelo artista. algum pode supor facilmente que depois de o crtico ter passado para o lado do artista ele tenha ganho sua gratido e se tornado seu amigo. Mas no funciona desse jeito. O texto do crtico assim acredita a maioria dos artistas parece mais isolar o trabalho de seus potenciais admiradores do que proteg-lo de detratores. Uma definio terica rigorosa ruim para os negcios. assim, muitos artistas se protegem do comentrio terico com esperanas de que a obra nua seja mais sedutora do que vestindo um texto.

    Na verdade, artistas preferem formulaes que sejam o mais vagas possvel: o trabalho est car-regado de tenso, crtico (sem qualquer indi-cao de como ou por que), o artista descontri cdigos sociais, questiona nossa forma habitual de ver, pe em prtica a elaborao de uma coisa ou outra, e assim por diante. Ou, ento, ar-tistas preferem falar por si mesmos, contam suas histrias pessoais e demonstram como tudo at mesmo objetos bem comuns bem observados assume significado profundo e pessoal para eles (em muitas exposies, o observador tem a sen-sao de que est sendo colocado no lugar de um assistente social ou de um psicoterapeuta sem receber qualquer gratificao financeira corres-pondente, um efeito muitas vezes parodiado nas instalaes de ilya Kabakov e, de forma diferente, no trabalho em vdeo de tony Oursler).

  • 178 Arte & Ensaios | rev ista do ppgav/eba/ufr j | n. 27 | dezembro 2013

    Por outro lado, as tentativas do crtico de voltar-se

    para o pblico e oferecer-se como o defensor de suas

    reivindicaes no levam a nada: a antiga traio

    no foi perdoada. O pblico ainda considera o cr-

    tico um iniciado, um agente de relaes pblicas

    para a indstria da arte. ironicamente, o crtico

    quem menos tem poder na indstria. Quando um

    crtico escreve para um catlogo, selecionado e

    pago pelas mesmas pessoas que esto exibindo

    o artista que ele est analisando. Quando escre-

    ve para uma revista ou jornal, ele est cobrindo

    uma exposio que o leitor j assume ser digna

    de ateno. Portanto, o crtico no tem a menor

    chance de escrever sobre um artista que no este-

    ja consolidado; um artista que algum no mundo

    da arte j decidiu ser merecedor de uma exposi-

    o. algum pode ponderar que um crtico tem

    condies de, pelo menos, fazer uma avaliao

    negativa. isso verdade, sem dvida, mas no faz

    diferena. ao longo dessas dcadas de revolues

    artsticas, movimentos e contramovimentos, o p-

    blico neste sculo chegou finalmente posio

    em que a crtica negativa no diferente da posi-

    tiva. O que importa num comentrio que artistas

    so mencionados, onde e por quanto tempo so

    discutidos. O resto o resto.

    em reao a essa situao, um tom amargo, de-sapontado, niilista permeia a crtica de arte hoje, que claramente arruna seu estilo. isso vergo-nhoso, porque o sistema de arte ainda no um lugar assim to ruim para um escritor. verdade que a maioria desses textos no lida, mas por isso mesmo pode-se, em princpio, escrever o que se quer. sob o pretexto de abrir os diferentes contex-tos de uma obra de arte, as mais diversas teorias, investidas intelectuais, estratgias retricas, adere-os estilsticos, conhecimento acadmico, histrias pessoais e exemplos de todas as esferas da vida

    podem ser combinados no mesmo texto vontade

    de uma forma que no possvel nas duas outras

    reas destinadas aos escritores em nossa cultura:

    a academia e os meios de comunicao de massa.

    em quase nenhum outro lugar a textualidade pura

    do texto revela-se to claramente como na crtica

    de arte. O sistema da arte protege o escritor, tan-

    to da demanda de que ele transmita algum tipo

    de conhecimento para as massas de estudantes

    quanto da disputa por leitores com os que cobrem

    o julgamento de O.J. simpson. O pblico no mun-

    do da arte relativamente pequeno: falta a presso

    de um frum pblico amplo. Portanto, o texto no

    precisa necessariamente receber a aprovao des-

    se pblico. claro, a moda surge por meio de uma

    considerao s vezes deve-se sentir autenticida-

    de em uma obra de arte, em outros momentos

    percebe-se que no h autenticidade, algumas

    vezes enfatiza-se sua relevncia poltica, outras

    deixa-se transparecer obsesses pessoais mas

    no uma considerao estrita. H sempre aqueles

    que no gostam da ltima moda porque gostavam

    de uma anterior ou porque esperam a prxima ou

    ambas as possibilidades. acima de tudo, porm, o

    crtico de arte no pode errar. claro, o crtico recebe

    acusaes repetidas por ter interpretado mal ou in-

    compreendido uma forma de arte especfica. Mas

    essa repreenso infundada. Um bilogo pode

    errar, por exemplo, se descreve um jacar como

    sendo algo diferente de um jacar, porque jacars

    no leem textos crticos e, portanto, no tm seu

    comportamento influenciado por eles. O artista, ao

    contrrio, pode adaptar seu trabalho ao julgamen-

    to e abordagem terica do crtico. Quando surge

    uma lacuna entre o trabalho do artista e o juzo do

    crtico, no se pode dizer, necessariamente, que o

    crtico calculou mal o artista. talvez o artista tenha

    interpretado mal o crtico? Mas isso tambm no

    to ruim: o prximo artista pode l-lo melhor. se-

    ria engano pensar que de alguma forma Baudelai-

    re superestimou constantin Guys, ou Greenberg,

    Jules Olitski, porque o excesso terico que os dois

  • 179temticas | Boris Groys

    produziram tem seu prprio valor e pode estimular

    outros artistas.

    tambm no assim to importante quais obras o

    crtico de arte usa para ilustrar suas diferenas ge-

    radas teoricamente. a diferena em si importante

    e no aparece nas obras, mas na utilizao delas,

    incluindo sua interpretao mesmo se vrias ima-

    gens parecem adequadas s finalidades do crtico.

    No h escassez de ilustraes teis, porque obser-

    vamos um enorme excesso de imagens produzidas

    hoje. (cada vez mais, os artistas reconhecem isso

    e eles prprios comearam a escrever. a produo

    de imagens lhes serve mais como proteo do que

    como um objetivo real.) a relao entre a imagem

    e o texto mudou. antes, parecia importante forne-

    cer um bom comentrio para um trabalho. Hoje,

    parece importante proporcionar uma boa ilustra-

    o para um texto, o que demonstra que uma ima-

    gem com comentrios j no nos interessa tanto

    quanto o texto ilustrado. a traio dos critrios do

    gosto do pblico transformou o crtico de arte em

    artista. No processo, qualquer pretenso de uma

    metacrtica do julgamento foi perdida. No entanto,

    h muito tempo, a crtica de arte tornou-se, por

    mrito prprio, uma arte; com a linguagem como

    seu meio e ampla base de imagens disponveis, ela

    segue autocraticamente, como tornou-se tradio

    na arte, cinema ou design. assim, completa-se o

    desaparecimento gradual da separao existen-

    te entre artista e crtico de arte, enquanto a tra-

    dicional distino entre artista e curador, e crtico

    e curador tende igualmente a dissipar-se. apenas

    as novas divises artificiais na poltica cultural so

    importantes, aquelas que so divisadas para cada

    caso individual, com estratgia e inteno.

    traduo Jofre silva

    reviso tcnica cezar Bartholomeu

    nota

    Artigo publicado originalmente na Artforum, em 1997.

    1 Aps o fim da arte: a arte contempornea e os li-mites da histria. so Paulo: Odysseus editora, 2006.

    Boris Groys crtico de arte, filsofo, professor de

    esttica e histria da arte na Universidade de arte

    e Design de Karlsruhe, na alemanha. tornou-se

    conhecido mundialmente com a publicao do livro

    The total art of Stalin, no incio dos anos 90. Dentre

    suas obras mais recentes destacam-se Introduo

    antifilosofia, traduzido para o portugus em 2013;

    History becomes form: Moscow conceptualism,

    2010; Ilya Kabakov: the man who flew into space

    from his apartment, 2006.

    ilya & emilia Kabakov, The Fallen Sky (O cu cado), 2006