bolsa de investigação 2009 - relatório final

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Entre as várias candidaturas recebidas à Bolsa de Investigação 2009, o júri das Conferências do Estoril seleccionou três finalistas e, por deliberação unânime, atribuiu o prémio ao projecto apresentado por Fernando Sousa - Segurança Alimentar e Comércio Mundial: o caso da Monocultura de Cajú na Guiné-Bissau - que foi escolhido tendo em conta a sua relevância, originalidade, consistência científica e adequada inserção no espírito das Conferências do Estoril. Mais informações em: www.conferenciasdoestoril.com/artigo.aspx?lang=pt&id_object=410&name=Bolsa-de-Investigacao-2009

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Page 1: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final
Page 2: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final
Page 3: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

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ÍNDICE

CAPÍTULO 1- Introdução Geral e Objectivos.........................................................................8

1.1 Introdução Geral.............................................................................................................8

1.2 Objectivos.........................................................................................................................9

CAPÍTULO 2 - Metodologia.....................................................................................................11

2.1 Escolha do Estudo de Caso..........................................................................................11

2.2 Metodologia....................................................................................................................11

CAPÍTULO 3 – A Segurança Alimentar e Comércio Internacional.....................................16

3.1 A Segurança Alimentar no Contexto Global...............................................................16

3.1.1 Constrangimentos e Influências...........................................................................16

3.1.2 Estratégias de Minimização do Risco de Insegurança Alimentar....................19

3.2 O Comércio Agro-Alimentar e a Segurança Alimentar.............................................22

3.2.1 O Quadro Global do Comércio Internacional e Preços de Produtos Agrícolas............................................................................................................................................22

3.2.2 O Comércio Internacional e sua Relação com a Segurança Alimentar..........27

3.2.3 O Papel das Corporações Multinacionais............................................................30

3.3 Efeitos das Dinâmicas Globais nos Sistemas Agrícolas e Segurança Alimentar noContinente Africano.............................................................................................................35

3.4 Síntese............................................................................................................................41

CAPÍTULO 4 - O Mercado Global de Caju.............................................................................43

4.1 A Situação Actual do Mercado Global de Caju..........................................................44

4.1.1 Produção Global de Castanha de Caju................................................................44

4.1.2 Processamento e Exportação da Amêndoa de Caju.........................................46

4.1.3 Principais Consumidores e Evolução dos Mercados de Destino da Amêndoa de Caju..............................................................................................................................48

4.1.4 A Crescente Importância das Multinacionais no Comércio Global de Caju e a Dinâmica dos Preços da Castanha e Amêndoa de Caju nos Mercados Globais......50

4.1.5 Produção e Exportação de Castanha de Caju na Guiné-Bissau.......................52

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4.2 Evolução do Mercado de Castanha e Amêndoa de Caju – Uma Perspectiva Histórica.................................................................................................................................53

CAPÍTULO 5 - Políticas Agrícolas e Segurança Alimentar na Guiné Portuguesa e na Guiné-Bissau.............................................................................................................................68

5.1 Guiné Portuguesa: Agricultura, Segurança Alimentar, Comércio e Políticas Agrícolas................................................................................................................................68

5.1.1 Produção de Culturas de Rendimento Durante o Período Colonial – Uma Responsabilidade Exclusiva dos Pequenos Produtores...............................................71

5.1.2 A Guiné Portuguesa Auto-Suficiente em Arroz: Um Mito.................................73

5.1.3 Dependência da Monocultura do Amendoim: Insegurança Alimentar dos Agricultores e o Agonizar da Economia Colonial na Guiné.........................................77

5.2 A Guerra de Libertação: Agricultura, Segurança Alimentar e Comércio de Produtos Agrícolas...............................................................................................................80

5.2.1 As Zonas Libertadas pelo PAIGC: Diversificação Agrícola e Colectivização...80

5.3 Guiné-Bissau: Agricultura, Segurança Alimentar, Comércio e Políticas Agrícolas 83

5.3.1 O “Estado-Partido”: Políticas de Diversificação Agrícola e de Comércio........83

5.3.2 Os Programas de Ajustamento Estrutural: a Aposta na Agricultura e a Liberalização do Comércio..............................................................................................86

5.4 Síntese............................................................................................................................89

CAPÍTULO 6 - A Castanha de Caju na Guiné-Bissau: Produção, Circuitos de Comercialização e Implicações para a Segurança Alimentar.............................................90

6.1 A Substituição de uma Monocultura por Outra – Do Amendoim ao Caju.............90

6.2 Primeiras Tentativas de Fomento do Cultivo de Caju..............................................92

6.3 O Cultivo do Caju na Guiné-Bissau – Uma Produção de Pequenos Agricultores.94

6.4 Castanha de Caju, Produção Agrícola e Segurança Alimentar na Guiné-Bissau 100

6.4.1 Causas da Diminuição da Produção Orizícola nos Anos 1980 e 1990..........102

6.4.2 A Crise Mundial dos Alimentos de 2007 – 2008 – Possíveis Consequências para a Produção Agrícola Local....................................................................................109

6.5 Exportação de Castanha de Caju – A Importância para a Economia e Receitas do Estado Guineense..............................................................................................................111

6.5.1 A Importância da Exportação de Castanha de Caju nos Rendimentos do Estado Guineense..........................................................................................................114

Page 5: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

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6.6 A Intervenção Estatal no Mercado de Castanha de Caju Guineense...................116

6.6.1 Uma Breve Cronologia da Intervenção Estatal no Comércio de Castanha de Caju..................................................................................................................................117

6.7 O Processamento de Caju na Guiné-Bissau.............................................................124

6.7.1 Alguns Problemas do Processamento de Caju na Guiné-Bissau...................127

6.7.2 Vantagens e Desvantagens da Aposta da Guiné-Bissau na Transformação de Castanha de Caju...........................................................................................................128

6.8 Castanha de Caju: Cadeia e Custos de Comercialização, Preços Recebidos e Evolução do Poder de Compra dos Produtores Guineenses........................................132

6.8.1 A organização da cadeia de compra da castanha de caju – da tabanca ao porto de Bissau (o caso de Quínara)..........................................................................134

6.8.2 O Negócio da Castanha de Caju em Bissau: Grandes Comerciantes, Exportadores e Negociantes Indianos.........................................................................137

6.9 Arroz, Castanha de Caju, e Segurança Alimentar na Guiné-Bissau.....................147

6.9.1 A Crise Mundial de Alimentos: Subidas no Preço do Arroz nos Mercados Mundiais e suas Consequências para a África Ocidental..........................................151

6.9.2 O Mercado Guineense de Importação de Arroz: Serão os Altos Preços Praticados Apenas Consequência das Subidas no Preço Mundial?.........................152

6.9.3 Uma História Recente do Mercado de Arroz na Guiné-Bissau: Acusações Constantes de Especulação e Distorção no Mercado de Importação de Arroz.....154

6.9.4 Evolução dos Preços do Arroz e da Castanha de Caju...................................157

6.9.5 Evolução dos Termos de Troca da Castanha de Caju e do Arroz.................158

6.10 Síntese........................................................................................................................160

CAPÍTULO 7 - Os produtores de Quínara – Análise do Estudo de Caso........................164

7.1 Área de Estudo e Metodologia...................................................................................164

7.1.1 Área de Estudo.....................................................................................................164

7.1.2 Estudo de Caso e Metodologia...........................................................................166

7.2 Estratégias de Subsistência para a População Estudada e Respectivos Constrangimentos: Produção Cerealífera, Monocultura de Caju e Diversificação de Actividades Capazes de Gerar Rendimento....................................................................169

7.2.1 Estratégias de Produção e Segurança Alimentar em Quínara: Perspectivas Iniciais da Investigação.................................................................................................169

Page 6: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

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7.2.2 O Papel da Produção Cerealífera para a Segurança Alimentar Local...........172

7.2.3 A Proliferação da Monocultura de Caju e a sua Relação com a Produção Cerealífera.......................................................................................................................180

7.2.4 A Aposta na Diversificação da Produção Agrícola e a Adopção de Estratégias de Minimização do Risco de Insegurança Alimentar.................................................188

7.2.5 Crédito Informal – A Última Estratégia.............................................................200

7.3 A Implementação da Monocultura de Caju em Quínara: Tendências Entre os Agricultores Inquiridos e a sua Inserção nos Circuitos de Comercialização..............202

7.3.1 Evolução da Adesão à Monocultura de Cajueiros............................................202

7.3.2 A Estrutura da Produção Local e a Comercialização da Castanha de Caju na Perspectiva do Agricultor..............................................................................................206

7.3.3 A Monocultura de Caju como o Principal Cultivo de Rendimento para a População de Quínara: Que Futuro?...........................................................................212

7.4 Conclusões...................................................................................................................217

CAPÍTULO 8 - Considerações Finais....................................................................................223

Recomendações.................................................................................................................230

BIBLIOGRAFIA........................................................................................................................232

Page 7: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final
Page 8: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

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CAPÍTULO1‐IntroduçãoGeraleObjectivos

1.1IntroduçãoGeral

Numasociedadeglobalizadaemqueocomérciointernacionaleasegurançaalimentar

seapresentamcrescentementecorrelacionados,torna‐seurgenteestudareentender

os fenómenos que expõem as comunidades mais vulneráveis ao risco de pobreza,

subnutrição e debilidade económica. Como tal, o presente documento assume‐se

comouma respostaànecessidadedemelhor conhecere compreenderasdinâmicas

locaisemtemposdefenómenosglobais.

Adependênciaeconómicademonoculturasporpartedepaísesemdesenvolvimentoé

um fenómeno relativamente bem documentado para o contexto macroeconómico,

nãosendorarososcasosdepaísescujasexportaçõesdependememmaisdeumterço

de uma só cultura (Moseley 2008:10). No entanto, embora existam na literatura

estudos que descrevem a dependência de vários países africanos de determinadas

monoculturasdeexportação,muitopouco foipublicadosobreoverdadeiro impacto

dasrespectivasdinâmicaseconómicasaoníveldascomunidadeslocais,estabelecendo

a ligação entre a conjuntura global e o seu impacto no bem‐estar local (Godoy

2005:132).

AdependênciadaeconomiadaGuiné‐Bissaudamonoculturadecajutrata‐sedeum

caso extremo, mesmo entre outros países africanos que se especializaram em

monoculturasderendimento,comoocasodoBurkinaFasocomoalgodãooudaCosta

do Marfim com o cacau (Flores 2004:7). Estima‐se que do total de rendimentos

provenientes das exportações do país, 98% sejam do caju, uma dependência mais

elevada que no caso da maior parte dos países da OPEC com o petróleo (Banco

Mundial 2010:70). Esta extrema importância de uma só cultura, apesar de

relativamente recente, tem vindo a consolidar‐se na sociedade guineense, pelo que

gerar informaçãoacercadas suas implicaçõese consequências afigura‐se comouma

finalidadeactual,coerenteeoportuna.

Page 9: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

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De acordo comaComissãoNacional deCaju (CNC), aGuiné‐Bissaué actualmenteo

oitavo produtor de caju a nível mundial (CNC 2009), e o segundo no continente

africano.Dandosinaisdefraquezaeextremadependênciafaceàexportaçãodecaju,a

economia da Guiné‐Bissau entrou em crise em 2002. A contracção do crescimento

económico foiprincipalmentedespoletadapelaquebrade15%naproduçãodecaju

(Boubacar‐Sidetal.2007:79).A instabilidadeebaixadepreçosquetemocorridoao

longo dos últimos anos despoletaram receio da dependência excessiva de umúnico

produtoagrícoladeexportação(Temudo1998),fundamentalmenteentreascercade

90milfamíliasdepequenosagricultoresqueasseguramagrandemaioriadaprodução

decajunacional(Boubacar‐Sidetal.2007:79).

Comoagravante,odestinodepraticamentetodoocajuexportadoéa Índia,ondeé

depoisprocessado.Estasituaçãocolocaumapressãoadicionalsobreosexportadores

guineensesdecaju,econsequentementesobreosprodutores,que,dependentesde

umúnicomercadodeexportação,vêmospreçosdevendadoprodutodiminuirdevido

àsimposiçõesdasfirmasindianas(Boubacar‐Sidetal.2007:80).

Todas estas dinâmicas, alheias à participação e reivindicações dos agricultores

guineenses, têm repercussões ao nível local, sobretudo em termos de segurança

alimentar e nível de pobreza das famílias. A caracterização da relação entre os

fenómenosglobaisreferidoseosseus impactosaonível localéotemacentraldeste

estudo.

1.2Objectivos

Esteestudoinsere‐senoâmbitodaprimeiraediçãodasConferênciasdoEstoril,cujo

principalobjectivoéa criaçãodeumpólode reflexãoanível internacional sobreos

desafiosdaglobalização,comparticularatençãoàrelaçãoentreosdomíniosglobale

local.

Page 10: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

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Na sequência da necessidade de gerar conhecimento acerca dessa mesma relação,

esteestudopretendecaracterizaradinâmicadecomunidadessujeitasàdependência

da monocultura de caju na Guiné‐Bissau, através do estudo de caso da região de

Quínara,nosuldopaís.

Investigando‐seaevoluçãodessadependência,ograudevulnerabilidadeaqueessas

comunidades estão expostas, as consequências relativamente à sua segurança

alimentar e as alternativas disponíveis será possível avaliar, com a profundidade

necessária,arelaçãoentreomercadoglobaleasubsistênciadaspopulaçõesrurais.Ao

contráriodeoutrosestudosrealizadosatéàdata,nãosepretendeapenasentenderde

queformaaGuiné‐Bissauédependentedamonoculturadecaju,mastambémquais

os efeitos deste fenómeno ao nível da subsistência de indivíduos e agregados

familiares.

OcasodeestudoaoníveldaregiãodeQuínara,ondeestãopresentesasvariáveisem

estudo,permiteavaliarcomodeterminadocenáriolocalsecomportaquandosetorna

intervenientedeumadinâmicaglobaldemercadoscadavezmaisinterdependentes.O

estudodastransformaçõesimpostasporessainterdependênciaseráimportantepara

promoveropólodereflexãoanívelinternacional,podendooexemplodeQuínaraser

útilparaumaabordagemmaisamplanaanáliseereflexãosobrepotenciaisiniciativas

aonívellocal,querespondamaosdesafiosquesefazemhojesentiràescalaglobal.

Page 11: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

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CAPÍTULO2‐Metodologia

2.1EscolhadoEstudodeCaso

Apardorestodopaís,aregiãoadministrativadeQuínara1temvindoaassistirauma

grande expansão da área ocupada por plantações de caju, produção que assegura

actualmente o rendimento da grande maioria das famílias de agricultores locais

(INEC:2007;Bívar2008:37).Ossistemasdegestãoderecursosnaturaisedistribuição

da terra da região mantiveram‐se até há pouco relativamente inalterados2. No

entanto, a proliferação da monocultura de caju introduziu dinâmicas que vieram

alterar em grande parte a estrutura da economia local e a lógica de gestão dos

sistemasagrícolastradicionais.

Poroutrolado,ariquezaqueQuínaraapresentaemtermosdeambientesecológicose

sociais confere um especial interesse à região, devido à potencial diversidade de

situações que as comunidades locais encontram no que respeita à sua segurança

alimentar.Asuadimensão,de3.138,4km2,ésuficientementegrandeparaconteresta

diversidadeambientalesocial,eapresentaaomesmotempoumaextensãorazoável

paraserpercorridanotempodisponívelparaotrabalhodecampo.

Porestesmotivos,Quínaratorna‐seumlocaladequadoparaentenderdequeformaa

transformaçãodesistemasdesustentoemsistemasderendimentoalterouadinâmica

desegurançaalimentardaregião.

2.2Metodologia

Narecolhadosdados,foramprivilegiadosmétodosetnográficos,(observaçãodirectae

participante,biografiasdossistemasdeproduçãoehistóriadaproduçãodecaju)por

1 Para informação mais pormenorizada sobre a região de Quínara, ver capítulo 7 2 Bívar 2009, Comunicação Pessoal

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umlado,eporoutrométodossociológicos (questionáriosformaiseentrevistassemi‐

estruturadasaagricultoreseoutrosinterlocutores‐chave).

Foiadoptadaumaabordagemmultidisciplinar,combinandoainvestigaçãodosmodos

de subsistência locais com uma análise económica da cadeia de comercialização do

caju. Segundo Kanji et al. (2005:21), uma investigação que cruze dados sociais e

económicos émais passível de gerar resultados robustos, abrangentes, e emúltima

análisemelhorcolocadosparaservircomoapoioàspolíticasedecisoreslocais.

Otempodeduraçãodotrabalhodecampofoicercadequatromeses,amaiorparte

doqualpassadoemQuínara,emboratendosidorealizadasvisitasaBissaueàregião

de Tombali. Esta duração teve em conta a necessidade de um período inicial de

reconhecimentodo terreno,demodoa contactar como temadeestudo “in situ”e

assimmelhorprepararocursodainvestigação.

Foram realizadas 125 entrevistas semi‐estruturadas a agricultores na região de

Quínara, num total de 48 aldeias, demaneira a obter uma amostra distribuída pelo

respectivoterritório.Aselecçãodosentrevistadosfoialeatória,demodoaminimizaro

enviesamento dos resultados, ao passo que a escolha das aldeias visitadas teve em

conta a facilidade de deslocação, sem no entanto comprometer a diversidade de

ambientes abordados. Assim, foi tido em atenção que nenhum contexto fosse

excluído, quer em termos étnicos, quer em termos ecológicos, tendo sido visitadas

aldeiaslocalizadastantonazonacosteiracomonointerior,emzonasdeflorestaede

savana,edemodoacontactartodasasprincipaisetniaslocais.

Procurou‐se sempre gerar informação sobre estratégias de subsistência; produção

orizícola;produçãodecaju;diversificaçãoagrícola;estratégiasdeminimizaçãoderisco

deinsegurançaalimentar;motivaçãodeadesãoaocultivodecaju;variaçãodospreços

decaju;estruturadacomercializaçãodocaju;evoluçãodousode solo;evoluçãoda

demografialocal;entreoutrasquestões.

Certasaldeias foramseleccionadascomocasos‐tipo,descritosapartirda informação

recolhida através da observação participativa, entrevistas semi‐estruturadas e

conversasinformais,demodoaaprofundarcasosconcretosqueilustremadiversidade

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de situações relativas à segurança alimentar que se pode observar em Quínara. Os

casos‐tipo(vercapítulo7)foramescolhidostendoemcontaarelevânciadessasaldeias

parailustraradiversidadeeheterogeneidadedarealidadelocal.

Paramelhorentenderofuncionamentodoscircuitoslocaisdecomercializaçãoforam

também entrevistados 28 pequenos comerciantes ao longo da região. Foram ainda

realizadas entrevistas a interlocutores‐chave, representantes de instituições como o

MinistériodoComércio,aDirecçãoGeraldeImpostos,oCentrodePromoçãodeCaju,

a Comissão Nacional de Caju e a Fundação para o Desenvolvimento da Indústria

(FUNDEI).Ainformaçãorecolhidafoicomplementadacomfontesbibliográficaslocais,

comooarquivodosjornaislocaisNôPintchaeDiáriodeBissau.

As questões foram aprofundadas dependendo da participação do informante e do

conteúdo da informação, daí se definir o procedimento de recolha de dados como

entrevistas semi‐estruturadas. Durante a recolha de dados foi necessário dispensar

determinadasrespostas,noscasosemqueoentrevistadosemostravapoucoseguro

sobreasestimativasdeproduçãodecaju,anode instalaçãodopomar,entreoutras,

demodoagarantir amáximaqualidadedosdadoseminimizaroenviesamentodos

dados.

ComoafirmamLynneJaeger(2004),osprodutoresnãoconhecememgeralotamanho

dosseusterrenos,pelomenosnosistemamétricoqueseutiliza internacionalmente.

Os autores estimam ainda que a fiabilidade das respostas dos agricultores sobre a

produção tenha uma margem de erro entre 0.5 e 1 tonelada, sendo portanto

necessárioteremcausaadificuldadedeobtençãodedadosfiáveisemcampo.

Foram entrevistados indivíduos dos dois sexos de diferentes etnias. No entanto, a

amostragemdemulheres comparativamenteàdehomensé inferior (17mulherese

108homens)eváriosfactorescontribuemparaestadiferença:(i)asactividadesdiárias

das mulheres são intensas e estendem‐se durante todo o dia; (ii) o facto de o

investigadorserumhomemcondicionaoacessoaestegrupo,sendonecessáriomais

tempoemcadaaldeiaparaqueseestabelecesseumarelaçãodemaiorconfiança;e

(iii) os homens são normalmente os chefes do agregado familiar, oumoransa, em

Page 14: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

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crioulo,constituindoportantoumaboafontedeinformaçãoparaquestõescomoada

economiafamiliaresistemasdeproduçãoagrícola.Tendoemcontaoúltimopontoe

atendendo ao facto de que a unidade de investigação privilegiada é o agregado

familiarenãoo indivíduo,aquestãodadistribuiçãoequitativadosentrevistadospor

géneronãofoiconsideradaimportante.

AetniaBiafadaétradicionalmenteresponsávelpelagestãodoterritórioedosrecursos

deQuínara,sendoosseusmembrosreconhecidospelasoutrasetniascomoos“donos

do chão”, embora este termo impliquemais o conceito de “gestão” do que “posse

legal”. Este grupo é o mais representado entre os entrevistados, com 42,4% dos

inquiridospertencentesàquelaetnia.OsBalantas,que imigraramno iníciodoséculo

XX para o sul da Guiné, tornaram‐se importantes produtores de arroz e como tal

participantes fulcraisna redede trocasdeprodutos,entreosquaisoarroz.Éaeste

grupo que pertencem 28% dos entrevistados. Outros gruposminoritários que estão

presentes na área de estudo correspondem a processos de migração secundários.

Entre os entrevistados contam‐se os Papel, a que pertencem 12,8% dos inquiridos,

ManjacoeBijagócom4,8%,Mancanhecom3,2%,Mandinga(1,6%)eFula(0,8%).Para

1,6%dosentrevistadosnãofoipossíveldeterminarogrupoétnico.

Figura2.1Origemétnicadototaldeentrevistados(N=125)

Page 15: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

15

Adistribuiçãodosentrevistadosporetniapareceserrepresentativadacomposição

étnicadeQuínaraparaosdoisgruposdominantes,osbiafadaeosbalanta.Contudo,

estasuposiçãonãopodeserconfirmadajáqueosúltimoscensosqueincluírama

distribuiçãoporetniadatamde1979.Noentantosabemosqueatendênciageralem

Quínaratemsidoparaumafortediminuiçãodapopulaçãobalantaeumaumentodo

pesodosbiafadanototaldapopulaçãoregional,poisseem1950osbalantaerama

maioria(Carreira1961:106),resultadodasmigraçõesinternasnesseperíodo(ver

capítulo5),em1979osseusnúmerosjáseaproximavamdototaldebiafadas.Apartir

de1979,aúnicamaneiradeavaliarastendênciasdacomposiçãoétnicapassaasera

monitorizaçãodademografiadecadaaldeia,sabendoquecadaetniaseagrupa

preferencialmenteemaldeiasseparadas.Assim,comparandooscensosde1950ede

1991,datadosúltimoscensosqueconsideraramapopulaçãodecadaaldeia,é

possívelverqueonúmerodehabitantesdasaldeiasbalantatemdecrescido,aopasso

queasaldeiasbiafadaverificaramatendênciainversa(Carreira1961:106;Censos

1991).

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CAPÍTULO3–ASegurançaAlimentareComércioInternacional

3.1ASegurançaAlimentarnoContextoGlobal

3.1.1ConstrangimentoseInfluências

Adefiniçãodesegurançaalimentarassumeváriasrealidades.Diferentesabordagens,

que tomam a economia familiar ou individual como unidades de análise, podem

centrar‐senaproduçãodealimentosouno seuacesso comooprincipal indicadore

referir‐se à insegurança alimentar como crónica ou transitória (Maxwell 2003:23).

Segundo a FAO (2009:8), a segurança alimentar consiste na presença de “condições

físicas,sociaiseeconómicasquepermitamoacessoconstanteaalimentossegurose

nutritivosqueatendamàsnecessidadesdedietaepreferênciasalimentaresparauma

vidaactivaesaudável”.Aatençãointernacionalemtornodoconceitosurgiunaaltura

dacrisealimentarglobalde1972‐1974,masfoinosanos80,comfenómenoscomoo

surtodefomede1984‐1985naÁfricaSubsariana,quesetornounumpilardereflexão

eplaneamentoglobais(IFAD1992:6).

Asituaçãoda insegurançaalimentarnospaísesemdesenvolvimentomanifesta‐sena

quantidadede indivíduossubnutridos,aqualmanteveumatendêncianegativaentre

1970 emeados dos anos 90. Durante a última década do século XX, no entanto, o

númerodesubnutridoscomeçouaaumentarecalcula‐sequeem2009,1,02biliõesde

pessoassofriamdesubnutrição(Figura1),ovalormaisaltodesdeo iníciodestetipo

deestimativasnadécadade70(FAO2009:11).

Page 17: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

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Figura1.Totaldesubnutridos(milhões)nomundo,de1969‐71a2009,FAO(2009:11).

Aanálisedasegurançaalimentardeumadeterminadaregiãooupaísprende‐secom

trêsdimensõesessenciais: adisponibilidadedealimentos, o acessoaosmesmose a

sua estabilidade ao longo do tempo, que poderá depender de factores ambientais,

políticoseeconómicos(Flores2004:4).

A nível interno, a disponibilidade de alimentos relaciona‐se com a produção

doméstica, a capacidade de importação, ajuda alimentar, reservas disponíveis,

presença de infra‐estruturas de transporte adequadas e a qualidade de

armazenamento (Flores 2004:5). No Gana, por exemplo, os produtores agrícolas

queixam‐sedosaltospreçoscobradospelosdonosdasviaturasdetransportedevidoà

máqualidadedasviasdeacesso,e,noMalawi,umestudoidentificouamáqualidade

dasestradascomoumdosprincipaisentravesaocomérciodeprodutosagrícolas(IFAD

2006:54), uma situação também frequentemente observada para os produtores da

Guiné‐Bissau.Comoresultado,registam‐setodososanosgrandesperdasdecolheitas

devidoàsmáscondiçõesdearmazenamento(IFAD2006:54).

O acesso, por seu turno, relaciona‐se em geral com o nível de rendimentos da

população,a taxadeemprego,ospreçosdosalimentos, adistribuiçãoda riqueza,o

Page 18: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

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acesso à terra, disponibilidade de crédito e recursos financeiros3, a eficiência dos

mercados,aqualidadedas infra‐estruturas,entreoutros factores (Flores2004:5;Sen

2000:10).Aonível familiar,oacessoaosalimentospodesernegativamenteafectado

pormáscolheitas,perdadepoderdecompradevidoaodesempregoouaumentoda

disparidadeentrerendimentosreaisepreçosdosalimentos,eremoçãodesubsídios

sobredeterminadosalimentosougrupossociais(Sen2000:10).

Aesferaglobal tem implicações importantesnoscenários locaisonde fenómenosde

origempolítica,social,económicaeambientalinfluenciamadisponibilidadeeoacesso

aos alimentos ao nível local, com consequências para a segurança alimentar das

populaçõesresidentes.Asdinâmicasglobaisdocomérciodeprodutosagrícolasestão

entre os factores que podem penalizar a produção agro‐alimentar nos países com

maior insegurança alimentar, através, por exemplo: (i) da especulação de preços a

nívelinternacional,(ii)daactividadedesregradadascorporaçõesmultinacionaisagro‐

alimentarese(iii)deacordosinternacionaiscomoosacordosdecomérciolivre(ACL).

OsACL,queforçammuitospaísesaabrirassuasfronteirasaprodutoscomosquaisos

seusprodutoresnãoconseguemcompetir,podemaumentara insegurançaalimentar

deumpaísaocausarumdeclínionaproduçãointerna,promovendoaomesmotempo

uma maior dependência do exterior para atender às necessidades alimentares das

suas populações (Paul e Wahlberg 2008:4). A disponibilidade de terras para uso

agrícola é também determinante para a dinâmica da produção agro‐alimentar nos

países em desenvolvimento. Na área da produção energética, por exemplo, a

tendência crescente de conversão de terras agrícolas para produção de agro‐

combustíveis4 tem diminuído a disponibilidade de terra para produção alimentar e

3 Em muitos países africanos, por exemplo, poucos bancos comerciais disponibilizam crédito a pequenos produtores. Enquanto algumas Organizações não-governamentais (ONG) e outros financiadores não bancários facultam crédito em alguns casos, a oferta é manifestamente insuficiente. A produção e comércio rural é muitas vezes ignorada pelas políticas de micro-crédito devido à sua natureza itinerante e tamanho de redes comerciais (IFAD 2006:54) 4 As reservas globais de produtos agrícolas estão já a ser afectadas pela produção de agro-combustíveis. Em 2007, os Estados Unidos canalizaram mais de 30% da produção de milho para fabrico de agro-combustíveis. No Brasil, metade da cana de açúcar cultivada foi usada para produção de etanol e na União Europeia, a maior parte da produção de óleos vegetais não teve como fim o consumo humano mas a produção de energia. Ironicamente, os agro-combustíveis não têm cumprido as expectativas de assegurar a segurança energética e a redução de gases de efeito estufa para a atmosfera já que a sua produção requer grandes gastos energéticos (Ghosh 2010:73).

Page 19: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

19

aumentadoospreçosdeváriosalimentos(PauleWahlberg2008:5).Outraameaçaà

segurança alimentar de um país é o conflito armado, podendo diminuir

substancialmenteadisponibilidadeeoacessoaosalimentos.ÉocasodaSerraLeoae

daLibéria,porexemplo,paísesdaÁfricaOcidentalcujosconflitosarmadosafectaram

severamenteasegurançaalimentardassuaspopulações,fazendo‐sesentiraindahoje

os resultados da destruição de infra‐estruturas e do sistema de produção agro‐

alimentar(Flores2004:15).

As alterações climáticas constituem outro problema que poderá afectar a produção

agrícolaeconsequentementeasegurançaalimentarnospaísespoucodesenvolvidos.

SegundoaFAO(FAO2003a:1),asalteraçõesclimáticaspoderão fazeraproduçãode

cereaisnocontinenteafricanodecrescerentre2e3%até2020,enquantofenómenos

comoareduçãodaprecipitaçãoeoaumentodoníveldomarpoderãopôremcausaas

culturasdesubsistênciademilhõesdepessoas.Adisponibilidadedealimentospode

ainda ser afectada pela perda de colheitas devido a pragas e doenças, sendo que a

Áfricaocidental eraa regiãodomundoqueapresentavaos valoresmais altosdeste

tipo de perdas de 2001 a 2003, com cerca de 50% das colheitas de 10 espécies de

legumesecereais5perdidasnesseperíodo(Oerke2005:40).

3.1.2EstratégiasdeMinimizaçãodoRiscodeInsegurançaAlimentar

Váriostiposdeestratégiaparalidarcomosriscosdeinsegurançaalimentartêmsido

postos em prática a vários níveis (IFPRI 2009:5). Ao nível familiar, os riscos de

insegurança alimentar podem ser minimizados pela aposta na diversificação de

variedades cultivadas, diminuindo assim a vulnerabilidade a variações climáticas e

pragas. Também ao nível familiar se torna relevante diversificar a origem de

rendimentosnãoprovenientesdaagricultura6,demodoaqueoorçamentodafamília

5 As variedades incluídas no estudo citado são: Arroz, milho, trigo, cevada, colza, tomate, batata, beterraba, soja e algodão. 6 Em grande parte das zonas rurais do continente africano, algumas das fontes de rendimento não agrícolas mais comuns são o fabrico artesanal de objectos e trabalhos ocasionais ou que implicam migrações sazonais.

Page 20: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

20

possa ser compatível com a sua segurança alimentar a qualquer momento (IFPRI

2009:5). Os rendimentos obtidos por um agregado familiar têm um papel

determinantena facilidadedeacessoaosalimentose,paramuitas famílias,éesteo

principal factor limitante relativamente à sua segurança alimentar (Herrmann

2009:22).

Asestratégiasaoníveldaunidadefamiliarnãosãonoentantosuficientespararesistir

aconjunturasnegativasqueseprolonguemnotempo,sendonecessáriaaintervenção

dosectorpúblicoeprivadoparamitigarmaioresimpactos.Emrespostaànecessidade

de melhor proteger os seus países da insegurança alimentar, vários governos têm

desenvolvidoestratégiasdediminuiçãoderiscodesegurançaalimentarqueincluema

activaçãodemecanismosderegulaçãoeestabilizaçãodepreços,subsídiosestataisde

emergência e importaçãodebens alimentares (IFPRI 2009:6). A últimaé emmuitos

casos essencial para aumentar a disponibilidade de alimentos a nível do mercado

nacional,emboraacapacidadedeimportaçãodependadirectamentedodesempenho

económicodoestadoedeoutrasentidadesqueparticipemnastrocascomerciaiscom

o exterior (Flores 2004:7). Na área do desenvolvimento rural e do sector agrícola

nacional, os governos têm um papel importante em investimentos públicos como

sistemas de irrigação, redes de transporte, investigação nas áreas agrícola e

tecnológica,conservaçãodosrecursosnaturais,entreoutros,cruciaisparaaumentara

competitividadedosectornomercadointernacional(FAO2003c:34).

Relativamenteàsdiferentesteoriasdedesenvolvimentoquetenhamemvistauma

reduçãodoriscodesegurançaalimentar,asrecomendaçõesdeinvestimentotêmsido

contraditóriasaolongodasúltimasquatrodécadas,comasNaçõesUnidaseoutras

agênciasinternacionaisafavorecerprimeiroodesenvolvimentoindustrial,depoiso

desenvolvimentodaagro‐indústriaedeculturasderendimentoparaexportaçãoe

apenasrecentementeasiniciativasdeapoioaospequenosprodutores(IFPRI2008:20).

Asúltimas,noentanto,sãomuitasvezesdesajustadasdarealidadelocalenão

convergemcomosinteressesdascomunidadesalvodosprogramasdeapoio,

resultandomuitasvezesnofracassodestes(Munroetal.2009:94).

Page 21: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

21

Aonívellocaléhojeamplamentereconhecidaaimportânciadeapoiosaredeslocais

quegeremaprodução,armazenamentoedistribuiçãodeprodutosagrícolas,deuma

formamaispróximadasuarealidadeenecessidades;oapoioaocultivodeespécies

tradicionaisenutritivas;aanálisecríticadoimpactodabiotecnologia7nasegurança

alimentareaprotecçãodabiodiversidadeagrícolalocalcomobaseparaumfuturo

sustentávelnossistemasagrícolaslocais(InterPares2004:3).

Noentanto,aindaqueosectoragrícolasejacrucialparaumpaís,estenãoéoúnico

elemento necessário para garantir a segurança alimentar da sua população,

merecendo atenção outros sectores capazes de gerar emprego e crescimento

económico como a indústria e os serviços (Flores 2004:14). No futuro, mudanças

político‐económicas significativas serão necessárias para reduzir a insegurança

alimentar.Amédioeacurtoprazo,apromoçãodeumadisponibilidadeeacessoaos

bens alimentares mais igualitária dependerá de questões como a inversão da

privatizaçãodosstocksdecereaiseoutrosalimentosnospaíses,fortalecendoopapel

dogovernonagestãodofornecimentoefixaçãodepreços.Serátambémimportante

regularaproduçãodeagro‐combustíveiseactividadesdecorporaçõesquepromovam

ainsegurançaalimentar,assimcomoreveraspolíticaseconómicasinternacionaisque

possamcontribuirparaumacesso injustoaosalimentosemdeterminadaspartesdo

mundo(PauleWahlberg2008:10).

Em suma, ummundo cada vez mais globalizado e interdependente enfrenta novos

desafiosnaáreadasegurançaalimentar.Onúmerodepessoasexpostasàinsegurança

alimentarchegouadiminuirdesde1960atémeadosdadécadade90,iniciandodesde

entãoumacentuadoaumentoatéatingircercadeumsextodapopulaçãomundialna

actualidade. A avaliação e resolução do problema, por políticos e instituições

internacionais, terá de ter em conta o conjunto de dimensões que compõem a

problemática da segurança alimentar numa determinada região: a disponibilidade e

acesso aos alimentos e a sua estabilidade ao longo do tempo. No futuro, diversas

7 O impacto da biotecnologia através de organismos geneticamente modificados (OGM), tem sido contestado por muitos agricultores locais devido a problemas como a contaminação de campos agrícolas não OGM, o desenvolvimento de pragas mais resistentes, o aumento dos preços das sementes, um maior monopólio de insumos agrícolas e sementes por parte de corporações ligadas à biotecnologia, entre outras questões (Shiva 1991; InterPares 2004:3)

Page 22: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

22

possíveis abordagens terão de passar tanto por iniciativas locais, como o

melhoramentodeinfra‐estruturasedesenvolvimentodossistemasagrícolasnacionais,

como por iniciativas globais, por exemplo na definição de políticas comerciais mais

justas que regulemos oligopólios existentes no sector alimentar ao nível nacional e

internacional, de maneira a que o sistema de trocas de produtos agrícolas a nível

mundial se torne mais compatível com a segurança alimentar das populações dos

estadosmaisvulneráveis.

3.2OComércioAgro‐AlimentareaSegurançaAlimentar

3.2.1OQuadroGlobaldoComércioInternacionalePreçosdeProdutosAgrícolas

Desde cedo, as diferenças geográficas na produção agro‐alimentar motivaram o

comércio de produtos agrícolas entre países de modo a complementar a produção

doméstica. Os padrões históricos de fixação,migração e colonização de populações

contribuíramparaadimensãoglobaldo comércio, que se foi alterandoao longodo

tempo (FAO 2003b:232). Nos últimos 60 anos, a organização do sistema alimentar

global sofreuprofundasalteraçõeseassistiu‐seà transiçãodeumcenárioemqueo

comérciointernacionaldeprodutosagrícolaseracontroladopelasestruturascoloniais,

para outro em que a produção e comercialização destes produtos são dominadas

sobretudo por grandes corporações multinacionais, cujas actividades abrangem a

produção,processamento,distribuiçãoe comercializaçãodeprodutosagrícolas (FAO

2003b:232;Paul&Wahlberg2008:8),nummercadocomumvaloranualdecercade

600milmilhõesdedólaresamericanosem2004(Joslingetal.2004:3).

Asúltimasdécadasviramtambémumamudançanageografiadastrocascomerciaisde

produtosagrícolas,comospaísesdesenvolvidosaaumentarsignificativamenteasua

quota demercado em relação ao total das exportaçõesmundiais. AUnião Europeia

(UE)foiresponsávelporgrandepartedestecrescimento,passandodecercade20%na

décadade1960para42%daquotamundialdeexportaçãodeprodutosagrícolasno

Page 23: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

23

princípio do século XXI. Inversamente, os países em desenvolvimento baixaram a

mesma quota de 40% nos anos 60 para 30% na primeira década do novo século.

Destes,foramospaísesdaÁfricasubsarianaosqueviramareduçãomaisdrásticana

quota demercado das exportações globais de produtos agrícolas, passando de 10%

para3%ao longodasúltimasquatrodécadas.Do ladodas importaçõesverifica‐seo

padrãooposto,comamaiorpartedasregiõesemdesenvolvimento,comaexcepção

daÁfricasubsariana,aaumentarasuaquotademercadoparaototaldeimportações

anívelmundial(FAO2005:14).

Actualmente,oscincomaioresexportadoresdeprodutosagrícolassãoaUE,osEUA,o

Brasil,oCanadáeaChina,enquantooscincomaioresimportadoressãoaUEseguidos

dosEUA,China,JapãoeRússia(tabela1).

Tabela1.Principaisdezexportadoreseimportadoresdeprodutosagrícolasanível

mundialerespectivasquotasdemercado(OMC20088).

PaísesExportadores

Quotaglobal%

(2008)Paísesimportadores

Quotaglobal%

(2008)

1 UniãoEuropeia(27) 42,2 UniãoEuropeia(27) 43,3

2 Estadosunidos 10,4 Estadosunidos 8,2

3 Brasil 4,6 China 6,1

4 Canadá 4,0 Japão 5,7

5 China 3,2 Rússia 2,4

6 Argentina 2,8 Canadá 2,2

7 Indonésia 2,4 CoreiadoSul 1,9

8 Tailândia 2,4 México 1,8

9 Malásia 2,1 ArábiaSaudita 1,1

10 Austrália 1,9 EmiratosÁrabesUnidos 1,0

Total 76,0 Total 73,7

8 www.wto.org/english/res_e/statis_e/its2009_e/its09_merch_trade_product_e.htm

Page 24: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

24

Emboraovolumedecomérciodeprodutosagrícolastenhaaumentadosensivelmente

namesmaproporçãoquea taxade crescimentoeconómicomundial nosúltimos50

anos,aquelefoi17vezesinferioraovolumetotaldocomérciointernacionalgeralno

mesmoperíodo(FAO2003b:233).Estadesigualdadenocrescimentodosdoistiposde

comércio deve‐se sobretudo à situação de excepção dos produtos agrícolas no

processo de liberalização económica iniciado com o GATT9 em 1948, que visou a

redução de tarifas aduaneiras apenas para os produtos industriais (Ingco e Nash

2004:25).

O aumento contínuo da produção agrícola mundial, o proteccionismo estatal e os

subsídiosàagriculturaproporcionadospordeterminadaspolíticasagrícolasnacionais,

resultaram na progressiva diminuição dos preços mundiais para a maioria dos

produtosagrícolas (Goldin&Knudsen1990:19).Areduçãodospreçosdecompraao

produtor e o aumento nas quantidades produzidas destes produtos não foram, no

entanto, suficientes para satisfazer as necessidades de uma população mundial em

crescimento.Estasituaçãofoimotivadasobretudopelasdesigualdadesnoacessoaos

bensalimentaresemdiferentesregiõesdomundoeclassessociais(FAO2003b:57),e

pelofactodequeopreçodevendaaoconsumidornãodesceutantocomoopreçode

compraaoprodutor,ou,emalgunscasos,nãodesceu,sendoasmais‐valiascapturadas

pelas multinacionais responsáveis pela comercialização e distribuição dos produtos

agrícolas(Morisset1997:23).

Ageneralidadedospaísesmenosdesenvolvidos, tradicionalmentemaisdependentes

daexportaçãodeprodutosagrícolas(Herrmann2009:22),foiparticularmenteafectada

porperíodosdevolatilidadedepreçosnasdécadasde60e70,epeloseudeclínioa

longoprazo (Figura2). Estespaísesacabaramaindapor vera suabalança comercial

agrícolanegativamenteafectada,passandodepaísesexportadoresparaimportadores

debensalimentares(Figura3)(FAO2003b:235;Herrmann2009:2).

9 Sigla inglesa por que é conhecido o Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio, que visa a definição de regras comuns sobre direitos aduaneiros e a redução de entraves ao comércio internacional

Page 25: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

25

Figura2.Evoluçãodospreçosreaisdequatroprodutosagrícolasde1957a2008.

AdaptadodeSarris(2009:19).

Figura3.Relaçãoentrevolumedeexportaçõeseimportaçõesnospaísesem

desenvolvimentode1961a2000.AdaptadodeFAO(2003b:235).

Só com oUruguay Round, a ronda de negociações do Uruguai, de 1986 a 1994, se

começou a avaliar temas como o apoio estatal, acesso a mercados e subsídios de

exportação.Aintençãodestasnegociaçõesseriaadetornaracompetiçãonomercado

deprodutosagrícolasmaisjusta(Joslingetal.2004:6).ARondadoUruguaiculminou

Page 26: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

26

comasubstituiçãodoGATTpelaOrganizaçãoMundialdoComércio(OMC)em1994,

um organismo de maior abrangência, com maior poder institucional e estatuto de

tratadointernacional(IngcoeNash2004:26).Emboraalgunsautoresconsideremque

a liberalização do comércio agro‐alimentar conduzida pelas políticas da OMC possa

fomentar o crescimento dos sectores agrícolas nacionais, uma maior integração no

mercado mundial pode expor os produtores ao risco de desvalorização dos seus

produtos,especialmentenumafaseinicialemqueossectoresdeproduçãoeemprego

se ajustam às reformas instituídas (FAO 2005:6). Em alguns casos, as exportações

agrícolas provenientes de países menos desenvolvidos estão impossibilitadas de

competirnummercadodistorcido,noqualosprodutosprovenientesdospaísesmais

ricosseapresentammaiscompetitivosporbeneficiaremdesubsídiosestatais(Ingcoe

Nash 2004:193). Os países desenvolvidos, em particular os EUA e os da União

Europeia,recusam‐seareduzirosníveisdeprotecçãodosseusprodutos,mantendoos

subsídios aos agricultores nacionais ao mesmo tempo que as regras impostas pela

OMCnãopermitemqueospaísespobressedefendamdasimportaçõesartificialmente

baratas (Oxfam 2006:21). Depois das expectativas geradas pelas negociações no

quadro da OMC para uma reforma do sistema de comércio agrícola internacional,

muitos países vêem‐se defraudados pelos modestos benefícios que obtiveram,

argumentandoqueosacordosrealizadostêmservidoapenasparainstitucionalizaras

políticasdedistorçãodaproduçãoecomercializaçãodeprodutosagrícolas,enquanto

retirampoderreguladoraosgovernos(FAO2003b:241;IFAD2006:14).

Aliberalizaçãodocomérciodeprodutosagrícolastemtambémsidointensificadapela

crescente implementaçãodeAcordosRegionaisdeComércio (ARC).Onúmerodeste

tipodeacordostemaumentadosignificativamenteeemFevereirode2010eramcerca

de462onúmerodeARCnomundonotificadosàOMC.AmaioriadosARCsãoacordos

de comércio livre bilaterais ou regionais, com uma minoria constituída por uniões

aduaneirasentrepaíses(OMC201010).Estesacordos,negociadosàmargemdaOMC,

são muitas vezes elaborados entre países mais desenvolvidos e países em

desenvolvimento,porvezescomconsequênciasnegativasparaosúltimos.Arecente

10 www.wto.org/english/tratop_e/region_e/region_e.htm

Page 27: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

27

aprovação do acordo de comércio livre DR‐CAFTA11 entre os Estados Unidos e seis

países da América Central e Caraíbas, por exemplo, acentuou a liberalização no

comércioentreospaísesenvolvidos.Em2006,oanodaimplementaçãodoacordo,as

exportações dos Estados Unidos para aquele conjunto de países cresceu 19%

relativamente ao ano anterior, enquanto todos os outros seis países viram uma

desaceleraçãodocrescimentodosseussectoresagrícolas(Oxfam2008:24).

Umdosinstrumentosutilizadosnofortalecimentodaregulamentaçãointernacionaldo

comércio de produtos agrícolas tem sido os programas de ajustamento estrutural

(PAE).OsPAEsãonormalmente impostosaosgovernospeloFMIeoBancoMundial

comocondiçãoparaaprestaçãodecréditos,diminuindoopapelreguladordoestado

no sector agrícola e abrindo caminho para o investimento privado desregrado

(Giménez et al. 2009:25). Contrariamente à situação nos países desenvolvidos, que

mantiveramaltos níveis de apoio aos seus sectores agrícolas nas últimas décadas, a

implementação dos PAE contribuiu para um desinvestimento público no sistema

agrícola dos países em desenvolvimento nas décadas de 1980 e 1990 (Herrmann

2009:13),criandoumamaiordependênciadeinvestimentosprivados(BancoMundial

2005:22).

3.2.2OComércioInternacionalesuaRelaçãocomaSegurançaAlimentar

A relação entre comércio e segurança alimentar é complexa e varia consoante as

circunstâncias políticas, económicas e geográficas em que um determinado país se

encontra (FAO 2005:6). Várias agências e instituições internacionais ligadas ao

desenvolvimento e comércio, como as Nações Unidas (NU), o BM, a OMC, entre

outras, advogam a importância do comércio internacional como um meio para a

melhoriadascondiçõesdesegurançaalimentarereduçãodepobreza,particularmente

11 DR-CAFTA ou Dominican Republic – Central America Free Trade Agreement é um acordo de comércio livre implementado em 2006 entre os EUA e a Costa Rica, El Salvador, Honduras, Guatemala, Nicarágua e República Dominicana (Oxfam 2008:24).

Page 28: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

28

nos países em desenvolvimento. Relatórios recentes daquelas instituições apontam

para a necessidade de políticas comerciais que tenham também em consideração o

desenvolvimentohumanoemoposiçãoàlógicaexclusivamentededicadaaoacessoao

mercado (FAO 2005:5). A liberalização do comércio de produtos agrícolas, embora

beneficiemaisospaísescomcapacidadededistorçãodaproduçãoepreçosdassuas

exportações, poderá ter um impacto significativo na segurança alimentar dos países

envolvidos. O efeito mais imediato da liberalização do comércio relaciona‐se

sobretudocomoníveldospreçosaqueosprodutoschegamàsfronteirasnacionais,e

comoestessãodepoistransmitidosatravésdacadeiadecomercializaçãoatéaonível

local, onde ficam disponíveis para os consumidores. Os preços resultantes variam

muitoentrepaíseseinclusivamentedentrodeumpaís,dependendodefactorescomo

as infra‐estruturas disponíveis, o comportamento dos mercados e circuitos de

comercialização internos e os constrangimentos geográficos de cada região (FAO

2005:6).Emrespostaaumaalteraçãodepreçosacurtoprazo,umaunidadefamiliar

poderá ter de ajustar parâmetros como o tipo de consumo que pratica, o esforço

exercidonaobtençãoderendimentoseatéotipodeactividadeaquesededica.

Ainserçãodeumpaísnomercadoglobaldeprodutosagrícolaspoderáterumimpacto

positivo ou negativo na segurança alimentar de um país, dependendo das

circunstâncias de produção, domercado interno e das dinâmicas globais a que está

sujeito.Amédioe longoprazo,aparticipaçãodeumpaísnocomércio internacional

podedesempenharumpapelpositivoparaa segurançaalimentardasuapopulação,

tendo em conta a obtenção de rendimentos e o crescimento económico que dele

podemresultar(FAO2003c:17).Opapeldocomérciointernacionaléparticularmente

relevanteparaospaísesmenosdesenvolvidosjáqueoreduzidoconsumointernonão

permite o uso eficiente de determinados recursos. O obstáculo da ausência de um

mercadointernopodeassimsercontornadopelainserçãodaquelespaísesnomercado

internacional,oquepermiteumamelhorrentabilizaçãodepartedaproduçãonacional

atravésdaexportação,egerarendimentosquepodemseraplicadosnaimportaçãode

produtos alimentares importantes para a população. Caso a integração nomercado

global se traduza no incremento da actividade económica e maior obtenção de

rendimentos,asegurançaalimentardapopulaçãopoderáaumentar.

Page 29: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

29

Poroutro lado,edeumaperspectivamenospositivaparaa segurançaalimentarde

umpaís,aintegraçãonomercadoglobaldecomérciopodefavoreceraespecialização

na produção, que se pode traduzir numa dependência excessiva de um número

reduzidodeprodutos,ou,emmuitoscasos,deapenasumproduto.Parapaísesonde

um produto de exportação represente mais de 20% do total de rendimentos de

exportação, o seu orçamento torna‐se demasiado dependente dos preços nos

mercados internacionais (Flores 2004:7), o que pode pôr em causa as receitas

provenientes da exportação, no caso de uma evolução desfavorável dos preços, e a

obtenção de rendimentos suficientes para a importação dos bens alimentares

necessários.No casode vários países daÁfrica ocidental, por exemplo, este tipode

dependênciaexcessivadeumsóprodutoéfrequenteesãoexemplosocasodaGuiné‐

Bissaucomocaju(97%dasexportações),doBenimedoBurkinaFasocomoalgodão

(36%e35%respectivamente)edaCostadoMarfimedoGanacomocacau (23%e

21%)(Flores2004:7).

Ocomércioglobaldeprodutosagrícolas,econsequentementeospreçosdosprodutos

comercializados, estão também sujeitos a fenómenos alheios ao funcionamento

internodasuaestruturadeorganização,quesãodifíceisdepreverederegular,eque

têm consequências para a segurança alimentar. O crescimento populacional e

económicoqueseobservanoplaneta,porexemplo,exerceumapressãoacrescidanos

stocks alimentares mundiais, ao mesmo tempo que vastas áreas agrícolas são

convertidas pelo homem para construção de infra‐estruturas de transporte, fins

recreativos e urbanização, ou ainda afectadas por fenómenos naturais ou

indirectamente induzidos pelo homem como a desertificação e a erosão dos solos

(PauleWahlberg2008:3).Orecentecrescimentoeconómicoregistadoemeconomias

emergentes como a China, a Índia e o Brasil fez também aumentar o volume das

respectivas classes médias, o que veio alterar os padrões de consumo verificados

nestes e noutros países em desenvolvimento. Como consequência, o consumo de

produtos alimentares mais processados ou que requerem maior gasto de energia,

comoacarneeosderivadosdo leite,aumentaramdrasticamenteempaísescomoa

Page 30: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

30

ChinaeaÍndia,ondeoseuconsumoerabaixohárelativamentepoucotempo12(Paule

Wahlberg2008:3).Adicionalmente,odesinvestimentonaagriculturaverificadodesde

o fim da década de 1970 e a quebra de produção em algumas partes do mundo

exacerbaram a crescente pressão sobre as reservas alimentares de vários países,

provocandoasuarupturaemalgunscasos.Todasestasquestões,aliadasaoaumento

dospreçosdopetróleoduranteaúltimadécada,àquantidadedeculturasconvertidas

paraagro‐combustíveiseàespeculaçãofinanceirasobreprodutos,provocaramacrise

internacionaldepreçosdosprodutosagrícolasde2006‐2008(Giménezetal.2009:10).

Esta crise teve consequências nefastas para as populações dos países em

desenvolvimento (Herrmann 2009:13), causando desconfiança e protestos contra as

políticasdoFMI,BancoMundialeOMC,assimcomodoprópriomodeloagro‐industrial

(Giménezetal.2009:85‐86).Noentanto,emboraestemodeloestejaprofundamente

inseridonoscírculospolíticoseinteressesdascorporaçõesmultinacionaisenvolvidas,

existem esforços globais no sentido de promover medidas que melhorem o actual

modelo,comonovosprogramasgovernamentaisdeapoioaospequenosagricultores

ouiniciativascomoocomérciojusto(Paul&Wahlberg2008:8).Asúltimas,noentanto,

embora promovam melhores e mais justas relações de comércio internacional,

permanecemnumraiodeacçãolimitado,talvezporserememgerallógicasignoradas

anívelestatal.

3.2.3OPapeldasCorporaçõesMultinacionais

O interesse das corporações multinacionais no sector agrícola de países em

desenvolvimento representa uma oportunidade de investimento num sector de

extremaimportânciaparaasubsistênciadamaiorpartedapopulaçãodaquelespaíses.

De forma a corresponder a este crescente interesse, os governos dos países em

desenvolvimentotêmvindo,deumaformageral,aadequarasuapolíticaelegislação

12 O consumo de carne na China aumentou em 150% entre 1985 e 2008. Em 2007, o país importou 35 milhões de toneladas de soja para alimentação animal (Paul e Wahlberg 2008:3).

Page 31: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

31

dos sectores agrícolas à participação externa, contrariando significativamente a

anterior estratégiade reservaro sector a interessesnacionais (UNCTD2009:94). Em

consequência,ascorporaçõesmultinacionaisagro‐alimentares(CMA),nasuamaioria

sediadas nos países ricos, exercemhoje uma influência directa e crescente nobem‐

estardaspopulaçõesdospaísesemqueinvestem.

Embora possam ter um papel importante na redução da pobreza, na criação de

emprego e no crescimento económico dos países em desenvolvimento, muita da

actividadedasCMAtemcontribuídoparaoaumentodapobrezaedesrespeitopelos

direitosdepopulaçõesruraisnospaísesemdesenvolvimentoatravésdaconcentração

depoderdequeusufruemnosmercadosalvoedamarginalizaçãoquemuitasvezes

impõemàagriculturalocaldepequenaescala(ActionAid2005:8).

Entre os quatro factores que mais fortemente contribuíram para a crescente

dominânciadasCMAnaproduçãoecomercializaçãodeprodutosagrícolasencontram‐

se: (i) a industrialização da agricultura e a Revolução Verde13, que levaram a

monopólios de sementes e agro‐químicos assim como à transição para ummodelo

agrícola baseado no petróleo; (ii) a superprodução agrícola e ajuda alimentar

proveniente de países ricos que inibe a produção dosmesmos produtos nos países

receptores; (iii) os PAE, que contribuíram para a desregulamentação dos mercados

internos;e,porfim,(iv)osacordosdecomérciolivreeaspolíticasdeliberalizaçãoda

OMC(Giménezetal.2009:25).

Hoje, as CMA controlam grande parte da produção e comercialização de produtos

agrícolasnomundo(Thorat2003:4).Asaquisiçõesefusõesdegrandesempresastêm

intensificado um cenário de oligopólios agro‐alimentares em que as trinta maiores

empresas são responsáveis por um terço do total de transacções no sector (Vorley

2003:10).AlistadasCMAquelideramomercadoalimentaréencabeçadapelaNestlé

(sedeada na Suíça) na área de processamento de produtos alimentares e pelaWal‐

13 Entende-se por “Revolução Verde” a transformação da agricultura através da inovação tecnológica, nomeadamente nos países menos desenvolvidos, baseada em contributos científicos e tecnológicos tais como adubos químicos, sementes melhoradas e novas técnicas de irrigação. Este tipo de agricultura é normalmente orientado para a produção em grande escala e exportação (Shiva 1991).

Page 32: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

32

Mart (sedeada nos EUA) na área da sua comercialização, ambas apresentando uma

quotademercadosignificativamentesuperioràsCMAquelhesseguem(tabela2).

Tabela2.AsdezmaioresCMAnaáreadoprocessamentoecomercializaçãode

produtosalimentaresanívelmundial,em2002(ActionAid2005:60)

CMA‐Processamento

Milhõesde

dólares(2002)CMA‐Comercialização

Milhõesdedólares

(2002)

1 Nestlé(Suíça) 54,25 Wal‐Mart(EUA) 246,53

2 KraftFoods(EUA) 29,72 Carrefour(França) 64,98

3 Unilever(ReinoUnido) 25,67 RoyalAholdHolanda) 59,46

4 PepsiCo(EUA) 25,11 Kroger(EUA) 51,76

5 ADM(EUA) 23,45 MetroAG(Alemanha) 48,71

6 TysonFoods(EUA) 23,37 Tesco(ReinoUnido) 40,39

7 Cargill(EUA) 21,50 Costco(EUA) 38,76

8 ConAgra(EUA) 19,84 Albertson's(EUA) 35,92

9 Coca‐Cola(EUA) 19,56 Safeway(EUA) 34,80

10 Mars(EUA) 17,00 Ito‐Yokado(Japão) 27,61

SegundoaActionAid(2005:21),asCMAtêmvindoausaroseupodereinfluênciapara

baixar os preços de compra de produtos agrícolas aos produtores (Figura 5) e a

empresas intermediárias de processamento, ao mesmo tempo que não baixam

significativamente o preço de venda aos consumidores, capturando a diferença

resultanteparasi.Estadisparidadenaobtençãoderendimentoséclaranoestudode

casodaActionAidsobreacomercializaçãodocajuentrea ÍndiaeoReinoUnido,no

qualporcadalibragastanoprodutonumsupermercadoinglês,77pencesficampara

os importadores, empresas de processamento secundário14 (EPS) e supermercados

ingleses,enquantoapenas15ficamparaoprodutor(ActionAid2007:52).Nacadeiada14 Entende-se neste estudo de caso por empresas de processamento secundário as companhias inglesas responsáveis por actividades como torrar e salgar o caju, enquanto o processamento primário, neste caso realizado na Índia, se limita ao descasque, despeliculagem e embalagem do mesmo.

Page 33: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

33

comercializaçãodocajunesteestudodecaso,aentidadequeretémamaiorpartedo

valor final do produto é o supermercado inglês, com45%do total, seguido das EPS

com20%enquantoasempresasindianasdeprocessamentoprimário(EPP)retêm5%

domesmovalor(figura4).Ossupermercadosingleses,umdosquaisaTesco,presente

nalistadasdezmaioresCMAdecomercializaçãonomundo,dominamavendadocaju

aoconsumidor,exercendoumacrescentepressãojuntodosseusfornecedores,asEPS

eimportadores,demaneiraacontrolarospreçosaqueesteslhesvendemoproduto.

Figura4.Fatiadovalorfinaldevendadocajuretidoporcadaentidadeenvolvidana

suacadeiadeprodução,processamentoecomercialização15(ActionAid2007:52).

Ilustrando os elevados lucros resultantes das CMA que dominam o sector, muitas

apresentamumariquezasuperioràdospaísesondeoperam.Em2002,porexemplo,a

Nestlé registou lucrosmais elevados que o valor do produto interno bruto (PIB) do

Gananomesmoano;eem2003,oslucrosdaWal‐Martforamsuperioresaosvalores

combinadosdoPIBdoGanaedeMoçambique16.

No continente africano, a integração do seu sector agro‐alimentar no mercado

mundial está estreitamente ligada à actividade de diversas CMA, amaior parte das

quais sedeadas no exterior do continente. AOlam International por exemplo, uma15 As siglas RU e IN referem-se à localização da entidade representada, respectivamente Reino Unido e Índia. 16 Indicadores de PIB do Banco Mundial: www.worldbank.org/data/databytopic/GDP.pdf

Page 34: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

34

CMAsedeadaemSingapuraqueassegura25%dofornecimentoglobaldecastanhade

caju,estápresenteemvárias fasesdacadeiadevalordoprodutoemdeterminados

países desde a compra a pequenos produtores até ao seu processamento ou

exportaçãoparaaÍndia(OECD2008:59).

Figura5.Relaçãoentreconcentraçãodepodernomercadoepreçosdecompraao

produtor.AdaptadodeVorley(2003:25).

Beneficiandomuitasvezesdainexistênciadeleisoufiscalizaçãoquearegulamentem

nos países emque operam, a actividade das CMApode ainda promover, em alguns

casos, a dificuldade no acesso à terra de qualidade por parte dos pequenos

produtores,assimcomoousopoucoéticodedireitosdepropriedade intelectualea

dificuldade no acesso à justiça para aqueles que são lesados pelas suas actividades

(ActionAid2005:34).

Embora a globalização económica tenha tornado necessáriomelhorar a governação

mundialemtermosdemonopóliosecompetição,nãoexistemaindamecanismosde

regulaçãodasactividadesdasCMAentrecontinentes,sendoatendênciadaspolíticas

adoptadas pela OMC precisamente na direcção da simplificação da regulação entre

países (Vorley 2003:10). Algumas CMA tomaram passos louváveis no sentido de

melhorar a sua responsabilidade social e ambiental através de novos códigos de

conduta,nãosendonoentantodeesperarqueiniciativasvoluntáriasdestetiposejam

Page 35: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

35

suficientesparaprotegerdeumamaneiraeficienteoambienteeosdireitoshumanos.

Revela‐se destemodo imperativo regular as actividades das CMAdemaneira a que

coincidamcomosobjectivosdereduçãodapobrezaepromoçãododesenvolvimento,

assim como assegurar que estas respondam legalmente pelos seus impactos nos

direitoshumanoseambientedospaísesemqueoperam(ActionAid2005:58).

Emsíntese,areformadaspolíticasdecomérciodeprodutosagrícolaspodeconstituir

uma oportunidade para os que mais sofrem de insegurança alimentar, embora o

processodeajustamentotenhadeteremcontaaprotecçãodosgrupossociaismais

vulneráveis. Tendo em conta a complexidade da relação entre comércio mundial e

segurançaalimentar,aevoluçãodestadependerádascaracterísticassociais,políticas,

económicaseambientaisdolocalemcausa,tornando‐senecessárioconsiderarassuas

especificidadesnodesenvolvimentodequalquerprocessodereforma.Umdosefeitos

mais importantes será sem dúvida ao nível dos preços dos alimentos praticados ao

nívellocal.Noentanto,outrosfactorescontribuemparaaformacomoaliberalização

docomérciodeprodutosagrícolasafectaasegurançaalimentardeumadeterminada

população,comoocomportamentodosmercados,asinfra‐estruturasdisponíveiseos

desenvolvimentospolíticosimplicados.

3.3EfeitosdasDinâmicasGlobaisnosSistemasAgrícolaseSegurança

AlimentarnoContinenteAfricano

Osectoragrícolaocupacercade60%dapopulaçãoactivaemÁfricaeéoquemais

contribuiparaoprodutointernobruto(PIB)nocontinente.SegundooNEPAD17,os

problemasqueosectorenfrentasãovários,entreelesafraquezadosmercados

internos,devidoaosbaixosrendimentosdaspopulações,asmudançasclimáticas,o

baixoinvestimentopúblico,ainstabilidadedospreçosinternacionaisdemercado,a

17 O NEPAD, ou New Partnership for Africa’s Development, é um programa da União Africana (UA) que visa o combate à pobreza e fomento do crescimento económico e desenvolvimento.

Page 36: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

36

baixaprodutividadeeacompetiçãodesfavorávelnosmercadosglobais(NEPAD

2002:112).

Emboratenhahavidoumligeirocrescimentonaproduçãoagrícolaafricanadesde

1960,estafoiabsorvidapelocrescimentopopulacionaldesdeentão(Figura6),

agravandoaproporçãoentreproduçãoagrícolaetamanhodapopulação(FAO

2006:16).

Figura6.Evoluçãodotamanhodapopulação,produçãocerealíferaebalanço

comercialalimentarnaÁfricaSubsariana,de1996a2006(Herrmann2009:14)

Oinsucessodosinvestimentosfeitosnosectoragrícolaeumdéficepúblicocrescente

conduziramaumavagadepolíticasdeajustamentoestruturalnoiníciodosanos80,

emváriospaísesafricanos(IFPRI2008:1).OsProgramasdeAjustamentoEstrutural

(PAE),concebidosparaestimularodesenvolvimentoeconómico,foramimpostospelo

FMIeBMcomocondiçãoparaaatribuiçãodeempréstimos,apostandonaprogressiva

liberalizaçãodossectoreseconómicosafricanos(FAO2006:16).Aimplementaçãodos

PAE,levou,emmuitoscasos,aumareduçãodaintervençãoestatal,assimcomoà

retiradadesubsídiosnosectoragrícola,aeliminaçãodetarifasdeimportação,o

incentivoàproduçãodemonoculturasdeexportaçãoeliberalizaçãoedesregulaçãode

investimentosestrangeiros(IFAD2006:16).Emboramuitosdosserviçoseapoios

prestadospelosestadosafricanosaosrespectivossectoresagrícolasfossem

Page 37: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

37

ineficientesousofressemdecorrupção,asuamelhoriafoinegligenciadaem

detrimentodesoluçõesbaseadasnalógicademercado,promovidaspelosPAE.Esta

negligênciadosestadosafricanosrelativamenteàagriculturaeodecrescimentoda

ajudainternacionaldirectaaosectorde18%em1980para4%em2007torna‐se

evidentenaperdadecompetitividadeevolumedeproduçãocerealíferadocontinente

anívelmundial,emcontrastecomregiõescomoaÁsia,porexemplo,queverificaram

umaumentosignificativodaqueletipodeproduçãoagrícola(Figura7).

Poroutrolado,eemconjuntocomosfactoresatrásmencionados,aexposiçãodos

mercadosafricanosaprodutosmaiscompetitivoseisentosdetarifasdeimportação

ajudouaprovocarumaacentuadadeterioraçãodassuasbalançascomerciais(figura

6).Comoresultado,ocontinentepassoudeexportadoraimportadordebens

alimentaresnadécadade1980,enquantonaregiãosubsarianadeÁfricaapenas

actualmenteestãoasimportaçõesaexcederasexportaçõesdealimentos(Herrmann

2009:13).

Figura7.ProduçãocerealíferanaChina,ÁsiadosuleÁfricaSubsariana,de1961a

2001.AdaptadodeIFPRI(2008:21).

Avulnerabilidadeacrescidadossectoresagrícolasdosestadosafricanosdevidoà

liberalizaçãodocomérciodeprodutosagro‐alimentaresteveconsequênciasnegativas

paraosrespectivosmercadosagrícolas(Herrmann2009:13).NocasodoGana,por

exemplo,ondeoIFADidentificouacompetiçãoexternaeremoçãodesubsídioscomo

Page 38: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

38

asprincipaiscausasdoaumentodapobrezaeinsegurançaalimentar,váriasfábricasde

processamentodeconcentradodetomatetiveramdefecharduranteadécadade

1980,devidoàimpossibilidadedecompetircomosmesmosprodutossubsidiados

provenientesdaUniãoEuropeia(IFAD2006:65).NoQuénia,aliberalizaçãoeconómica

motivouoaumentodaimportaçãodearrozasiáticoeeuropeu18,fazendocomquede

2000a2002,osprodutoresquenianosdearrozperdessemmetadedototaldosseus

rendimentos(IFAD2006:73).

Asvariaçõessúbitasdepreçosdebensalimentaresnosmercadosinternacionais,como

adacrisede2007‐2008,podemtambémtergravesconsequênciasdirectasparaa

segurançaalimentardaspopulaçõesafricanas(Figura8).Omodocomoasubidade

preçosinternacionaisdosalimentosafectaumapopulaçãodependedosseusníveisde

rendimentos,fazendocomqueaumentosdepreçosdebensalimentaresao

consumidorprejudiquemessencialmenteaspopulaçõesdepaísesmaispobres

(Herrmann2009:7).Duranteacrisealimentarde2007‐2008,asubidaemmédiade

52%dospreçosdebensalimentaresdificultouoacessoaalimentosemváriospaíses

africanos,originandorevoltassociaisemprotestocontraospreçosaltoempaíses

comoaCostadoMarfim,oBurkinaFaso,oSenegaleaMauritânia(IFPRI2008:1),

apresentandoosdoisúltimosumaelevadadependênciadaimportaçãodetrigoearroz

paragarantirasegurançaalimentardassuaspopulações(Bush2010:122).Entreas

principaiscausasdacrisealimentarde2007‐2008encontram‐sefenómenosglobais

comoaespeculaçãodospreçosdosprodutosagrícolas,factoresclimáticos19,produção

desviadaparaagro‐combustíveis,baixasreservascerealíferaseelevadospreçosde

petróleo,mastambémfenómenoslocaiscomoanegligênciadeinvestimentona

agriculturaobservadanasúltimasdécadas(Ghosh2010:72;Bush2010:120).A

instabilidadeprovocadalevouaquealgunsestadosAfricanosadoptassemnovas

políticasdeapoioaospequenosprodutores,comoprogramasdesubsídiospara

18 Na sua maioria arroz importado da Ásia para ser processado na Europa e reexportado para outras partes do mundo. 19 Alguns efeitos das alterações climáticas que podem pôr em causa ou alterar os regimes de produção agrícola são mudanças ao nível das condições de humidade e temperatura adequadas ao crescimento das culturas; a ocupação de terras férteis devido à subida do nível do mar e aumento da frequência de fenómenos climáticos extremos. Podem existir, no entanto, efeitos positivos resultantes do aumento de CO2 atmosférico, que aumenta a eficiência no uso de água pelas plantas e a taxa de fotossíntese de muitas espécies, embora estes possam contrabalançados pelos efeitos negativos causados pela libertação de outros gases de efeito estufa, como o dióxido de enxofre e o ozono (USDA 2001:1)

Page 39: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

39

sementesefertilizantes.OMalawi,porexemplo,subsidiaagoraosfertilizantesaos

seusagricultoresem70%,aopassoquenoQuéniaovaloréde30%(IFPRI2008:27).

Acrisefinanceiraglobalde2008‐2009constituiuoutraameaçaàsegurançaalimentar

einvestimentonaagriculturadospaísespobresemgeral(Figura9),diminuindoofluxo

deinvestimentoestrangeiro,remessasdeemigrantesecrescimentoeconómico(IFPRI

2009:2).

Figura8.Evoluçãodospreçosinternacionaisdemilho,trigoearroz,de2003a2009

(IFPRI2009:2)

Figura9.Evoluçãodeinvestimentoestrangeiro,remessasdeemigrantesecrescimento

económiconospaísesemdesenvolvimentode1990a2009(IFPRI2009:2)

Enquantoosconsumidoresafricanosvêemasuasegurançaalimentarameaçadapor

surtosdepreçosaltosaoconsumidor,osprodutoresporoutroladotêmsido

prejudicadospelatendênciadecrescentedovalordeváriosprodutosagrícolasdesdea

décadade1970(Morisset1997:3).Comefeito,oaumentodadisponibilidadede

Page 40: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

40

produtoscomocacau,caju,caféeaçúcar,potenciadapeladinâmicadecultivopara

exportaçãoemváriospaísesemdesenvolvimento,fezcairospreçosdessesprodutos

nosmercadosmundiais(ActionAid2005:14;Oxfam2006:20).NoGana,aplantaçãode

monoculturadecacauparaexportaçãoprovocouumainundaçãodomercado

internacionaldoprodutolevandoospreçosabaixar48%entre1986e1989(Abugre

1993:87).NoUganda,aáreacultivadadecafécresceude250.000para300.000de

1993a1999.Noentanto,quandoospreçosdoprodutocaíramnosanos90,ovalor

dasexportaçõescaiude432milhõesdedólaresem1994para165milhõesnofinalda

década.

AspopulaçõesdosEstadosespecializadosnaexportaçãodedeterminadosprodutos

embrutotornam‐separticularmentevulneráveisàevoluçãoerráticadospreçosdesses

produtosnosmercadosinternacionais,originandosituaçõescomoadaEtiópiaem

2002‐2003,quandoumcolapsodospreçosdocaféprovocouumagravecrise

alimentar(Oxfam2006:20).NaÁfricaOcidental,porseuturno,emboramuitos

agricultorestenhamapostadonamonoculturadealgodãocomofontederendimento,

ospreçosbaratosdoalgodãonorte‐americano,subsidiadopelorespectivogoverno,

resultamem200milhõesdedólaresdelucrosperdidosanualmentenaregiãodevidoà

dificuldadedecompetiçãonosmercadosinternacionais(Oxfam2006:20).Alguns

paísesmenosdesenvolvidostêmtambémdificuldadeemapostarnoprocessamento

dosprodutosqueexportamembruto,porseremactividadeseconómicasque

implicamgrandesinvestimentos,ficandoassimexcluídosdeummercadosujeitoa

menoresflutuaçõesdospreços.Estaéumaáreadominadapelosestadosmais

desenvolvidosoupaísesemdesenvolvimentoqueinvestiramnestetipodeactividade,

quepodemassimbeneficiardospreçosmaisestáveisdosprodutosprocessadosgraças

àsbarreirascomerciaisquesãomuitasvezesinstituídasparaaqueletipodecomércio

(Oxfam2006:20).

Outrasmedidasimplementadasequeacabamporfavorecerosprodutoresdepaíses

maisdesenvolvidossãomuitasvezesdisfarçadasdenormasdesaúdeesegurança,

comgrandesimpactoseconómicosnospaísesexportadoresdedeterminadosprodutos

(Joslingetal.2004:41).SegundoumestudodoBancoMundial,porexemplo,um

Page 41: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

41

projectodeumanovanormaeuropeiarelativaàqualidadedecereaisefrutossecos20,

teriaumgrandeimpactonasexportaçõesafricanasdaquelesprodutosparaaEuropa

custando670milhõesdedólaresaosexportadoresafricanos,semquehouvesse

melhoriassignificativasnaqualidadedosprodutosparaoconsumidoreuropeu(Otsuki

etal.2001:280).

3.4Síntese

Arelaçãoentresegurançaalimentarecomérciomundialtemmerecidoumacrescente

atençãonareflexãoeplaneamentoglobais,particularmentenocontextodospaíses

menosdesenvolvidos,ondeasuainteracçãonegativasefazsentircommais

severidade(FAO2009:9;Herrmann2009:22).Asegurançaalimentar,definidacomoa

disponibilidadedealimentos,oacessoaosmesmos,easuaestabilidadeaolongodo

tempo(Flores2004:4),podeserconsideradaumafunção,nãoapenasdaprodução

alimentareacessoaomercado,mastambémdoambientecriadopelasinstituições

económicasepolíticasnacionaiseinternacionais,quepodemfacilitaroudificultaro

acessoaosalimentosporpartedapopulação(FAO2009:47).Ocomérciomundialde

produtosagrícolaseosistemamundialagro‐alimentarencontra‐sedominadopor

poderosascorporaçõesagro‐alimentares,quecontrolamgrandepartedoscircuitosde

produçãoecomercializaçãodeprodutosagrícolasnomundo(Thorat2003:4;ActionAid

2005:60),numcenáriodeoligopóliosagro‐alimentaresemqueastrintamaiores

empresassãoresponsáveisporumterçodototaldetransacçõesnosector(Vorley

2003:10).Osdesequilíbriosquecaracterizamopanoramaglobaldoscircuitosde

comercializaçãoforamacentuadospelapressãodeinstituiçõesinternacionaiscomoa

OMC,BancoMundialeFMInosentidodeliberalizarocomércioereduzira

intervençãodoestadonomercado(PauleWahlberg2008:4),usandoferramentas

comoosprogramasdeajustamentoestrutural(PAE)comocondiçãoparaaprestação

decréditoseabrindocaminhoaoinvestimentoprivadodesregrado(Giménezetal.

20 Norma relativa à quantidade de aflatoxina presente nos produtos. O estudo citado avalia o impacto de uma diferença de 10% na quantidade padrão de aflatoxina permitida. A norma não foi aplicada até ao momento.

Page 42: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

42

2009:25)eaodesinvestimentopúbliconosectoragrícoladospaísesem

desenvolvimento(Herrmann2009:13).Adicionalmente,atendênciaglobalparao

desinvestimentonosectoragrícoladesdeofinaldadécadade1970teveumefeito

negativonaprodutividadeagrícolamundial,colocandosobpressãoosstocks

internacionaisdealimentos,expostostambémàtransformaçãodospadrõesde

consumodeeconomiasemergentescomoaChinaeaÍndia,aocrescimento

populacional,aosrecentesaumentosdospreçosdopetróleo,àquantidadedeculturas

convertidasparaagro‐combustíveiseàespeculaçãofinanceirasobreosprodutos

agrícolas(PauleWahlberg2008:4;Giménezetal.2009:10).Acomplexainteracção

destesfactorescontribuiuparaaeclosãodacriseinternacionaldepreçosdosprodutos

agrícolasde2006‐2008,queteveconsequênciasnefastasparaaspopulaçõesdos

paísesemdesenvolvimento(Herrmann2009:13),causandodesconfiançaeprotestos

contraaspolíticasdoFMI,BancoMundialeOMC,assimcomodoprópriomodelo

agro‐industrialactual(Giménezetal.2009:85‐86).

Asegurançaalimentarmundial,eemparticulardospaísesmenosdesenvolvidos,não

podeserdissociadadofactodequeamaiorpartedapopulaçãoruraldependedo

sectoragrícolaparasubsistênciaeobtençãoderendimentos(FAO2003:227)edeque

quaisqueralteraçõesnaorganizaçãoeestruturadomercadomundialenasdinâmicas

internacionaisdospreçosdeprodutosagrícolasterãoimpactossignificativosaonível

local.

Page 43: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

43

CAPÍTULO4‐OMercadoGlobaldeCaju

NotasIntrodutórias

Para melhor compreensão do texto que se segue, esclarece‐se que o produto

normalmentedenominadoporcaju,é,naverdade,aamêndoadecaju,obtidaapóso

descasquedacastanhadecaju(figura1).

Figura1.Aplantadocajueiro,opseudo‐fruto(avermelho),eofruto(acastanho,colocadana

extremidadedopseudo‐fruto).Entende‐seporcastanhadecajuofrutoqueenvolvea

amêndoadecaju,oprodutofinal21.

A exportação de castanha de caju, o caju “em bruto”, para países onde ocorre o

processamento,implicaaperdadovaloracrescidodoprodutoprocessado,aamêndoa

decaju.Oprocessodetransformaçãoemamêndoadecajuérelativamentecomplexo

eexigeoinvestimentoeminfra‐estruturasdeprocessamento,assimcomoapresença

dequadrosqualificadosparaestaindústria.

Acaracterizaçãodaprodução,comercializaçãoeconsumodacastanhaedaamêndoa

decaju,éapresentadaaolongodaprimeirapartedestecapítulo.

21 Figura retirada de www.wikipedia.pt

Page 44: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

44

4.1ASituaçãoActualdoMercadoGlobaldeCaju

O cajueiro é actualmente cultivado em mais de trinta países por todo o mundo,

situados aproximadamente entre os 30 graus norte e sul do equador. A produção

mundial de caju é na sua maioria assegurada por países em desenvolvimento,

enquanto o consumo é mais alto nos países desenvolvidos, como será descrito ao

longodopresentecapítulo.Grandepartedaproduçãomundialdecajuédepequenos

agricultores,esãoquaseinexistentesosgrandesprodutoresdecaju(DIFD2004).

4.1.1ProduçãoGlobaldeCastanhadeCaju

Aproduçãoglobaldecastanhadecajucresceudeumtotalde287535toneladasem

1961,para3763492toneladasem2009(Figura2).

Figura2.Evoluçãodaproduçãomundialdecastanhadecaju(emtoneladas)de1961a2008.

Fonte:FAOStat2010.

Actualmente,oVietnameassume‐secomoomaiorprodutormundialdecastanhade

caju. Depois deste país surgem a Índia e a Nigéria em segundo e terceiro lugar

Page 45: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

45

respectivamente,emboracomvaloresdeproduçãosemelhantes.Seguem‐seaCosta

doMarfimeoBrasil,ocupandoporestaordemoquartoequintolugares(Tabela1).

Segundo a FAO (FAUSTAS 2010), aGuiné‐Bissauocupava em2008o décimo lugar a

nívelmundialemtermosdeproduçãodeCastanhadecaju.AComissãoNacionalde

Caju(CNC)daGuiné‐Bissau,noentanto,referequeaexportaçãooficialdecastanhade

caju foide109618toneladas,oque indicaqueaproduçãonacionaldecastanhade

cajunesse anodeverá ter sidobastante superior às 81000 toneladas referidaspela

FAOparaomesmoano.Assumindoaquantidadedecastanhadecajuexportadapela

Guiné‐Bissauem2008comoequivalenteàprodução,opaíssubiriaparaooitavolugar

na lista dos dez maiores produtores a nível mundial, passando à frente de

Moçambique e da Tanzânia, mas atrás da Indonésia e Filipinas. Considerando os

númerosde2009,de135708toneladas(CNC2009),opaísficariaaindaàfrentedas

Filipinas, embora não tenham sido encontrados dados para a produção filipina em

2009.

Tabela 1. Produção de castanha de caju (em toneladas) dos dez principais produtores de

castanhadecajuanívelmundialpara2008.Fonte:FAOStat2010.Nota:SegundoaComissão

NacionaldeCajudaGuiné‐Bissau,aexportaçãodecastanhadecajudaGuiné‐Bissauem2008

atingiuas109618toneladas,umvalorconsideravelmentesuperioraoapresentadopelaFAO.

Vietname Índia NigériaCostadoMarfim

Brasil Indonésia Filipinas Tanzânia MoçambiqueGuiné‐Bissau

1190600 665000

660000

280000 243253

142536 112334 99100 85000 81000

AÁfricaOcidental temvistoasuaproduçãocrescernosúltimosanos,passandodois

países desta região a ocupar o terceiro e quarto lugares entre os cinco maiores

produtores a nível mundial. A África Oriental, por seu turno, tem vindo a perder

importâncianototaldeproduçãomundialdecastanhadecaju.Defacto,Moçambique

eaTanzâniaforamduranteadécadadesessentaosprincipaisprodutoresmundiaisde

castanha de caju. Contudo, a produção destes dois países baixa a partir dos anos

setentaeoitentaea Índiaafirma‐secomooprincipalprodutormundialdecastanha

de caju a partir de 1976. A posição indiana de primeiro produtormundial sómuito

Page 46: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

46

recentementeviriaaserpostaemcausapeloVietname,queapartirde2002setorna

omaiorprodutormundialdecastanhadecaju.Duranteosanosoitentaospaísesda

África Ocidental, com destaque para a Costa do Marfim, Nigéria, Benim, e Guiné‐

Bissau, destacam‐se como grandes produtores de castanha de caju e actualmente a

produçãodestaregião,éanívelmundialapenasultrapassadapeloVietname.OBrasil,

omais antigoprodutor de castanhade caju,manteve‐se ao longodos anos umdos

grandes produtores de caju a nível mundial. A Indonésia, que apenas a partir da

décadadenoventacomeçaatomarumlugardedestaquenaproduçãodecastanha,é

actualmenteumimportantepaísprodutor.

4.1.2ProcessamentoeExportaçãodaAmêndoadeCaju

Muitos dos países produtores de castanha de caju, processam pouca ou nenhuma

parte da sua colheita. Os três grandes processadores de castanha de caju, e que

asseguramgrandepartedasexportaçõesmundiaisdeamêndoadecajusãoaÍndia,o

Vietname,eoBrasil.OspaísesprodutoresdaÁfricaOcidental,praticamenteexportam

atotalidadedasuaproduçãodecastanhadecajuparaserprocessadanaÍndia,assim

comoaIndonésiaabasteceasfábricasvietnamitascomcastanhadecaju.

Operíododecolheitadacastanhadecajuégeralmentesemelhanteparaas regiões

queseencontramàmesmalatitude.OspaísesasuldoEquadorcomoMoçambique,a

TanzâniaepartedoBrasil,iniciamacolheitanosmesesdeSetembroeOutubro,eesta

durageralmenteatéaoiníciodoanoseguinte.OspaísesanortedoEquador,comoa

Índia,oVietname,ouospaísesprodutoresdaÁfricaOcidental, iniciamacolheitano

iníciode cadaano, que seprolongará geralmente até aosmesesdeMaio/Junho.As

diferentes épocas de colheita da castanha de caju têm um papel importante no

abastecimentodaindústriadeprocessamentodecaju,quenecessitadematéria‐prima

deformaregularaoalongodetodooano.

Page 47: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

47

Tabela 2.Meses em que se processa a colheita de castanha de caju nos principais países

produtores.Fonte:RedRiverFoods,Inc.2008.

J F M A M J J A S O N D

Índia X X X X X

Vietname X X X X

Benim X X X

Guiné‐Bissau X X X

Costa doMarfim

X X X

Nigéria X X X X

Togo X X

Brasil X X X X X X X X

Moçambique X X X X X

Tanzânia X X X X X

Quénia X X X X

Geralmente,umatoneladadecastanhadecajurenderáapósodescasqueentre200a

240 kg de amêndoa de caju, dependendo do local de origem da castanha de caju

(tabela 3). O processamento da castanha de caju é ainda um processo em grande

medidamanual.O sectordedescasquedecastanhadecajubrasileiro,porexemplo,

que é em grande parte mecanizado, apresenta altas percentagens de amêndoa

quebrada durante o processo de descasque, o que diminui consideravelmente os

rendimentosobtidospelosprocessadoresbrasileiros(RedRiverFoods2008:4).

Tabela3.Quantidadedeamêndoadecaju (kg.)produzidapor toneladadecastanhadecaju

descascada,paraostrêsmaiorespaísesprocessadores,porpaísdeorigemdacastanhadecaju

importada.Fonte:adaptadodeRedRiverFoods,Inc2008:4.

Paísexportador Paísdeorigem Amêndoadecaju(kg)produzidaportoneladadecastanha

África

Benim, Guiné‐Bissau,Togo

240

Costa doMarfim,Senegal

220

Indonésia 240

Ásia

Tailândia,Vietname

220

Nigéria 200

Quénia, 200

Page 48: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

48

Moçambique

Índia 230

Brasil Brasil 210

Figura3.Evoluçãodasexportações(emtoneladas)deamêndoadecajudostrêsprincipais

processadoreseexportadoresdeamêndoadecaju–Vietname,Índia,eBrasil–de2003a

2007.Fonte:FAOStat2010.

Aexportaçãototaldeamêndoadecajudostrêsmaioresabastecedores–Índia,Brasil,

e Vietname ‐ atingiu em 2007 o valormais alto até à data, com 315mil toneladas

exportadas.Emconjunto,estestrêspaísesexportaram121miltoneladasparaosEUA

e76miltoneladasparaaUniãoEuropeia(Figura3eRedRiversFood,Inc.2008:6).A

Índia, que desde o final da Segunda GuerraMundial se destacava como o principal

processador e exportador de amêndoa de caju, tem vindo, desde 2006, a ser

ultrapassadapeloVietname(Figura3).

4.1.3PrincipaisConsumidoreseEvoluçãodosMercadosdeDestinodaAmêndoadeCaju

OsprincipaisconsumidoresdeamêndoadecajuhojesãoosEUA,aUniãoEuropeiaea

Índia,quenoconjuntorepresentamentre80%e90%doconsumoglobaldeamêndoa

Page 49: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

49

de caju (tabela 4). No entanto, a partir dos anos noventa, tem‐se existido a uma

crescentediversificaçãonosmercadosdedestinodaamêndoadecaju,comosurgirde

novos consumidores comoaChina, aAustrália, aNova Zelândia, aArábia Saudita, a

Rússia, Europa de Leste e Israel, que juntos representam entre 15% e 20 % do

consumomundial(HorusEnterprises2005:20).

Nos últimos anos o Vietname tem‐se imposto como um importante abastecedor

mundial do mercado global de amêndoa de caju. Enquanto entre 2006 e 2007 as

exportaçõesindianasdesteprodutoparaaUniãoEuropeiacaíramem6miltoneladas,

asexportaçõesvietnamitasparaomesmoperíodoaumentaramem11miltoneladas

(RedRiverFoods,Inc.2008:6).

Masas transformaçõesnasdinâmicasdomercadomundialdecajunãose ficampor

aqui,ea Índiaécadavezmaisremetidaparaumpapelmenospreponderantecomo

exportador de caju, à medida que países emergentes como o Vietname e o Brasil

investemnaproduçãoeprocessamentodecaju.Em1998aÍndiaeraresponsávelpor

50 a 60 % da importação de amêndoa de castanha de caju dos EUA. Em 2007, no

entanto, essa percentagem baixaria para 33%. As importações norte‐americanas ao

Vietnamecresceramdecercade100toneladasem1994(1%dototaldeimportações

norteamericanas)para45miltoneladasem2007(36%dototaldeimportações)(Red

RiverFoodsInc2008:6).De2006para2007asimportaçõesdosEUAaoVietnameeao

Brasil aumentaram respectivamente, 19% e 17% em relação a 2006, enquanto as

importações de origem indiana sofreram um decréscimo pelo segundo ano

consecutivo. Em 2007, pela primeira vez, os EUA importaram mais amêndoa de

castanhadecajuaoVietname(45miltoneladas)doqueàÍndia(42miltoneladas)(Red

RiverFoodsInc2008:5).

O mercado europeu consome maioritariamente amêndoa de caju branca (Horus

Enterprises2005),inteira,edeproveniênciaindiana.Apreferênciadomercadonorte‐

americano,porseuturno,édeummaiorvolumedeamêndoadepequenasdimensões

(LynneJaeger2004:28).

Page 50: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

50

Tabela 4. Quantidades de amêndoa de caju (em toneladas) importadas em 2007 pelos

principais importadoresmundiais.Fonte:FAOStat2010.Nota:AÍndia,oVietname,eoBrasil

nãoestãopresentesnestafigura,apesardeseremgrandesconsumidores.Oconsumointerno

deamêndoadecajudestespaíseséasseguradoporproduçãoprópria.Nãoexistemcontudo

estatísticasdeconsumoparaestespaíses.

PaísesEUA UE Austrália

E.A.Unidos

Canadá Rússia China Japão

Quantidadeimportadaem2007(tn)

125420 99914 14674 13575 10153 6432 5971 5741

4.1.4ACrescenteImportânciadasMultinacionaisnoComércioGlobaldeCajueaDinâmicadosPreçosdaCastanhaeAmêndoadeCajunosMercadosGlobais

Omercadointernacionaldecastanhaeamêndoadecajuénasuamaioriageridopor

casas comerciais baseadas em Singapura, Índia ou Europa, das quais as mais

importantessãoaOlam,NomanbhoyeSayeedMohammad(LynneJaeger2004:24).

De todas estas, uma só companhia, a Olam International Ltd., controla 25% do

comércioeprocessamentodecastanhadecaju.Tem‐seassistido,nosúltimosanos,à

entrada de algumas destas companhias no sector do processamento. A Olam, por

exemplo,temjá7fábricasdeprocessamentoemfuncionamento,nomeadamenteem

Moçambique,Tanzânia,Nigéria,eCostadoMarfim(YouthReinsertionOpportunities

Study2006:24).

Opoderacrescidoquetemganhonosúltimosanostempermitidoque,porexemplo,a

Olam tenhavindoaexigir àCostadoMarfima isençãodos impostosdeexportação

nosúltimosanos(YouthReinsertionOpportunitiesStudy2006:43).

Asmultinacionaisqueoperamnomercadodocajubeneficiamaindadaespeculação

dospreçosinternacionaisdacastanhadecaju, jáquenãoexistempreçosfixosoude

referência no mercado internacional para a mesma (Holt 2002: 4). Estes são

normalmentedefinidosemNovaIorque,Roterdão,LondresouSingapura,eomercado

global de caju é considerado, na generalidade, especulativo. Devido à escassez de

informação sobre omercado global de caju, os dados das importações indianas de

castanhade caju são vulgarmenteutilizadosparaentender as variaçõesdepreços a

cadaanodocajudediversasorigens(LynnandJaeger2004:24).

Opreçodacastanhadecajuvariaconsideravelmenteemcurtosperíodosde tempo,

inconstância que parece ser influenciada por vários factores, entre eles a

Page 51: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

51

disponibilidade de castanha de caju no mercado, a manipulação e especulação por

parte de agentes comerciais, produção dos possíveis substitutos do caju (amêndoa,

nozes,etc.),easvariaçõesnastaxasdecâmbio(HorusEnterprises2005:3).

A estabilidade do preço da amêndoa contrasta com a instabilidade do preço da

castanha (Cramer 1999: 1256). O preço da amêndoa de caju apresenta um padrão

geraldesazonalidaderelativamenteregular:háumaquedanovalordocajunaÍndia

noprimeirotrimestredoanoeumarecuperaçãonosegundotrimestre.Ospreçosde

exportação da amêndoa de caju sobem bastante no mês de Agosto devido à

necessidadedosretalhistasteremoprodutivodisponívelparaoNataleAnoNovoeà

procura interna para as festividades indianas deDussera eDiwali. Durante o último

trimestredoanoospreçosmantêm‐se relativamenteestáveis (CommodityIndia.com

2003).

Quanto à castanha de caju, e tendo como referência a variação do preço FOB22 da

castanhadecajuindiana(dotipoW32023),eapesardainconstânciadopreço,pode‐se

afirmar que até 1999, quando a força competitiva do Vietname ainda não estava

estabelecida,eaÍndiacontrolavaomercadomundialdecaju,ospreçosmantiveram‐

se relativamente estáveis (variando entre 2,20 e 2,50 dólares americanos por libra

entre1993e1998)atingindoumpicoem1999,anoemqueacastanhadecajuatingiu

nos mercados internacionais os valores mais altos de sempre (696,7 dólares

americanospor tonelada,ou3,16dólaresamericanospor libra) (TheHinduBusiness

Line2008).

Entre 2000 e 2003 os preços da castanha de caju sofrem grandes reduções (366

dólares americanos por tonelada, 1,66 dólares americanos por libra em Março de

2003)(TheHinduBusinessLine2008)devidoaosaumentosdeproduçãodoVietname

edoBrasil,eocajuvietnamitachegoumesmoa inundarosmercadosocidentaisde

caju,tradicionalmentealimentadospelocajuindiano(CommodityIndia.com2003).

Em 2004, contudo, informações pessimistas relativamente a possíveis baixas de

produção do caju na Índia e Brasil, levou a que os preços aumentassem (Horus

Enterprises2005:18),umatendênciaquesemanteriaaté2005(entreJaneiroeJunho

de 2005 o preço da castanha de caju na Índia variou entre 2.37 e 2.58 dólares22Ospreçossãoreferidosnabibliografiadeduasformas:i)opreçoCIF(“costinsurance

freight”,ouseja,“custo,seguro,frete”)emqueéofornecedorqueseresponsabilizapelo

frete,cabendoaesteaemissãodeumaguiaquepermiteaocompradorresgataroproduto;e

opreçoFOB(“freeonboard”),emqueofreteficaacargodocompradorconsoanteotipode

serviçoqueescolheu,

23Tipodecastanhadecajuemqueumalibracorrespondea320amêndoasdecajuinteiras

depoisdodescasque.

Page 52: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

52

americanos por libra (CashewWeek 2005: 4) devido à diminuição da produção da

ÁfricadeLesteedoBrasil(naordemdos50%)(CommodityIndia.com2003).

Em 2006, a diminuição da procura de amêndoa de caju a nívelmundial, teve como

consequência uma redução do comércio de castanha de caju na África Ocidental, e

baixassignificativasdopreçodacastanhadecajuem2006e2007(TheHinduBusiness

Line2006).

Em2008,estragosnasplantaçõesdecajueirosdoBrasil,VietnameeIndonésiadevido

a fortes chuvas, e consequente diminuição da produção, levou a que o preço da

castanha de caju subisse novamente (670 dólares americanos por tonelada, 3,04

dólaresamericanosporlibraemAbrilde2008)(TheHinduBusinessLine2008).

A partir de 2008, e até ao presente o preço da castanha de caju tem mostrado

tendência negativa (2,90 dólares americanos por libra em 2009, e 634,3 dólares

americanos a tonelada, ou 2,90 dólares americanos por libra em 2010 (The Hindu

BusinessLine2010a).

AÍndiatemvindonosúltimosanosaanunciaraintençãodeaumentaraproduçãode

castanhadecaju,edesetornarauto‐suficientenestamatéria‐prima.Nocasodetalvir

a acontecer, e por a Índia ser o principal importador de castanha de caju a nível

mundial, os preços de compra ao produtor da castanha de caju nos países

abastecedoresdaÍndia(emgrandeparteospaísesprodutoresdaÁfricaSubsaariana)

poderão vir a sofrer fortes decréscimos (Cramer 1999: 1255). A verificar‐se, esta

situação afectará de forma grave países fortemente dependentes do caju como a

Guiné‐Bissau.

4.1.5ProduçãoeExportaçãodeCastanhadeCajunaGuiné‐Bissau

Emmenosde trintaanosaGuiné‐Bissau,umprodutor insignificantede castanhade

cajuanívelmundial,passouaocuparo10ºlugarmundialdosprodutoresdecastanha

decaju,eo3ºlugarentreospaísesprodutoresdeÁfrica(tabelas5e6).

Tabela5.ProduçãodecastanhadecajudaGuiné‐Bissauedomundo(emtoneladas,em1961,

1971,1981,2001,e2009.Fonte:Faustas2010.

1961 1971 1981 1991 2001 2009

Guiné‐Bissau 2000 2500 5000 20824 85000 135707

Mundo 287535 558846 494167 909065 1933333 3763492

Page 53: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

53

A exportação guineense de castanha de caju (o país apenas processa quantidades

insignificantesdeamêndoadecaju)dirige‐sequasenatotalidadeàÍndia.Em2002,por

exemplo, a castanha de caju importada da Guiné‐Bissau constituiu 19% das

importações indianas de castanha de caju (Eapen and Jeyaranjan 2003: 16), e é de

esperarqueestapercentagemsejaactualmentesuperior,dadoograndeaumentode

produçãodecastanhadecajunaGuiné‐Bissaunosúltimosoitoanos,eofactodeas

exportaçõesdopaíscontinuaremaserquaseexclusivamenteparaaÍndia.

A castanhade caju guineense é consideradapelomercado comoumadasmelhores

castanhasdecajuanívelmundial (devidoaoaltoráciodeamêndoasdecajuobtidas

após o descasque da castanha), e tem apresentado, entre os países produtores

abastecedoresdomercadoindiano,ospreçosmaiselevados(LynneJaeger2004).Em

Julho de 2010 a castanha de caju proveniente da Guiné‐Bissau valia na Índia 1125

dólares americanos por tonelada, enquanto a castanha com origem na Costa do

Marfimeracompradaa900dólaresamericanosportonelada(TheHinduBusinessLine

2010c).

Ofactodeacastanhadecajuguineenseestarprontaparaexportaçãonumperíodoem

que a indústria indiana necessita de grandes quantidades de castanha de caju, tem

tambémsidoumfactorimportante.

A produção, comercialização e implicações do caju para a segurança alimentar na

Guiné‐Bissauserãomaisdesenvolvidasnocapítulo6(6.1).

4.2EvoluçãodoMercadodeCastanhaeAmêndoadeCaju–UmaPerspectivaHistórica

O cajueiro é uma árvore de origembrasileira, que terá tido alguma importância em

termos alimentares e medicinais para as comunidades indígenas do nordeste

brasileiro. Depois da colonização do Brasil, a árvore começou a ser cultivada pelos

colonoseuropeus,eacastanhadecajuaserutilizadacomomantimentonasviagens

marítimasdelongadistância.DestaformaocajueirofoidisseminadopelaÁfricaepela

Ásia(Meaney‐Leckie1989:37).NoséculoXVIocajueiro jácrescianacostadaÍndiae

deMoçambique,eem1668eraplantadoemS.Tomé(Alpern2008:64).Rapidamente

foiintroduzidonoscultivosdesubsistênciadeagricultoresindianoseafricanos,porser

umaplantadegranderusticidade.

Page 54: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

54

DuranteoséculoXIXeemplenaRevoluçãoIndustrialeuropeia,ocajunãoviriaatera

grande difusão de outras oleaginosas tropicais (como o amendoim) devido às

dificuldadesdoseuprocessamento.Seriaapenasem1905quepequenasquantidades

de castanha de caju começaram a ser importadas da Índia pelos EstadosUnidos da

América(EUA),masapenasmaistarde,nadécadade1920‐30,seiniciaumverdadeiro

comércioglobaldecastanhadecaju,comimportaçõesdeorigemindiana,feitaspelos

EUAnaordemdas45toneladas(Ohler1979:16).

Com o surgir da Segunda GuerraMundial, o governo do Brasil autorizou os EUA a

realizarprospecçõesemterritóriobrasileiro, comoobjectivodeencontrarmatérias‐

primas úteis em tempo de guerra. Foi desta forma que foram descobertas novas

utilizações para o líquido da casca da castanha de caju (LCCC). O LCCC é uma das

poucas fontes naturais de fenol, um álcool extremamente corrosivo quando em

contacto com a pele, que os indígenas brasileiros usavam como anti‐séptico e no

tratamentodedoençasdepele.

Descobriu‐sequeoLCCCpodiaserusadocomoagentedesíntesedeoutroscompostos

químicos,particularmentesubstitutosdeváriosderivadosdepetróleo.Apartirdesta

data o LCCC seria usado como um substituto do petróleo no fabrico de munições,

borracha, e outros materiais especialmente úteis durante a guerra (Meaney‐Leckie

1991:38).

Em 1943, uma companhia de capitais norte‐americanos e brasileiros, começou a

fabricar o LCCC em Fortaleza, no Nordeste Brasileiro. Simultaneamente ao

processamentodoLCCCaproveitava‐seaamêndoadecaju,queeravendidatostadae

salgada no mercado internacional em pequenas quantidades, como produto

secundáriodaempresa(Cabraleoutros2003:9).

Devidoaregulaçõescomerciaisnorte‐americanas,eàmaiorproximidadedoBrasilaos

EUA,oBrasilseriaoúnicofornecedordeLCCCaosEUAduranteaguerra.Asindústrias

indianas e moçambicanas, dois países então já produtores de caju, eram bastante

rudimentaresenãoestavamaptasaofabricodeLCCC(Meaney‐Leckie1991:319).

Page 55: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

55

O preço do LCCC baixaria com o acabar da guerra, mas com a recuperação da

economiamundialnopós‐guerra,aamêndoadecajucomoaperitivotorna‐secadavez

mais procurada nosmercados norte‐americano e europeu. A partir de 1945 a Índia

destaca‐se como o principal exportador de amêndoa de caju, e desde essa data

começaaimportarquantidadescrescentesdecastanhadecajudaÁfricadeLestepara

processamento,poisaproduçãoindianadecajunãoerasuficiente24paraabastecero

crescentenúmerodeunidadesdedescasquedecastanhaquetinhamsurgidonopaís.

AexpansãodomercadomundialdeamêndoadecastanhadecajulevaaÍndiaatomar

medidas para aumentar a produção nacional de caju, de forma a diminuir a

dependênciadasimportações.Em1965élançadopelogovernoindianoumplanode

fomentodocajueiro,eem1966écriadaumasecçãoespecialdedicadaaocajudentro

doMinistériodaAgricultura.ComoresultadoaÍndiaaumentaasuaáreadeprodução

de230000hectaresem1965,para302732hectaresem197125 (FAOStat2010),no

entanto o país continuaria fortemente dependente de importações de castanha de

caju(EapenandJeyaranjan2003:12)(Figura4).

24Em1961aÍndiaimporta129332toneladasdecastanhadecaju.Moçambique,Tanzânia,QuéniaeNigériaexportamnomesmo

ano,respectivamente,89583,41000,6000,1000toneladas,queemgrandeparteterãosidoencaminhadasparaomercado

indiano(FAOstat2010).

25Aáreadeplantaçõesdecajuem1965éumaestimativadaFAO,ovalorde1971ébaseadoemdadosoficiais.

Page 56: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

56

Figura4.Importaçõesindianasdecastanhadecajuemtoneladas(1961‐2007).Fonte:FAOStat

2010.

Devidoaofomentodocajueiropelaadministraçãocolonialportuguesa,Moçambique

torna‐se nos anos 60 o líder mundial na produção de caju. De 1961 a 1975

Moçambiqueconsegueininterruptamenteosvaloresmaisaltosdeproduçãomundial

decaju.AÍndiadestacava‐secomosegundomaiorprodutor,masaTanzâniaproduzia

tambémgrandesquantidadesdecastanha26(Figura5).

Figura 5. Evolução da produção (em toneladas) dos principais produtores mundiais de

castanhadecajuentre1961e1985.Fonte:Faustas2010.

Nos anos 50,Moçambique inicia um plano de industrialização da transformação de

caju, substituindo o processamentomanual pelomecanizado. A primeira fábrica foi

inauguradaem1950,eduasdécadasdepoisexistiam14fábricasadescascarcastanha

de caju, com uma capacidade de processamento de 150 mil toneladas. O

processamento de caju atingiu a maior produtividade em 1973 quando 149 800

toneladasdecastanhadecajuforamprocessadasparaexportação(McMillaneoutros

26Produçãomédiadecastanhadecajuaoanode1961‐1975:Moçambique162900toneladas;Índia113799toneladas;Tanzânia

94282toneladas.

Page 57: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

57

2004:5). A produção total do país excedia no entanto a capacidade da indústria

transformadora27,eaÍndia,duranteosanos60e70,tornar‐se‐iaograndeimportador

decajudaÁfricadeLeste,commaisde75%dassuas importaçõesprovenientesde

MoçambiqueedaTanzânia(EapenandJeyaranjan2003).

Até1969aÍndiadominaomercadodeexportaçãodeamêndoadecajucommaisde

80% domercadomundial contudo, a partir de 1969,Moçambique sobe a quota na

produçãomundial, conseguindo valores em torno de 25% de 1970 a 1983 (FAOStat

2010)(Figura5).

Entre 1972 e 1983 as importações indianas de castanha de caju diminuem, pois os

países produtores da África de Leste são assolados por condições climáticas

desfavoráveis,doençasepragasnoscajueiros (principalmentemíldio)e instabilidade

política.Consequentementeaproduçãodecajudiminuinestespaíses28.Moçambique,

a seguir à independência em 1975, proíbe as exportações de castanha de caju de

formaaincentivaraindústrianacionaldeproduçãodeamêndoadecastanhadecaju,

aumentando a indisponibilidade de caju para importação pela Índia (Eapen and

Jeyaranjan2003:16).

O Brasil, que em 1966 apenas contribuía com 2,5% das exportações mundiais de

amêndoa de caju (Cabral e outros 2003: 9), aumenta o seu papel nas exportações

mundiais, e em 1980 as exportações de amêndoa de caju brasileira atingem os 69

milhõesdedólaresamericanos,ouseja,22,4%nasexportaçõesmundiaisdeamêndoa

decaju(Cabraleoutros2003:9)(Figura6).Devidoaumvariadonúmerodefactores29,

1980 seria também o ano do declínio deMoçambique a produção de amêndoa de

27Porexemploem1973,anoemqueMoçambiqueatingiuovalormáximodetoneladasdecastanhadecajuprocessadas(149

800),aproduçãodopaísfoide240miltoneladas(FAOStat2010).

28EmMoçambique,aproduçãodecastanhadecajuem1971era202miltoneladas,quereduzempara91500toneladasem

1977.NaTanzâniaaproduçãodiminuide126409toneladasem1971para93285em1977(FaoStat2010).

29Apesardaproibiçãodeexportaçãodecastanhadecajuqueogovernomoçambicanodecretaapartirde1975comoobjectivo

derevitalizaraindústriadedescasquenacional,em1983Moçambiqueéresponsávelporapenas5,8%damercadomundialde

amêndoadecastanhadecaju.Ascausassãovárias:guerracivil,pragasnoscajueiros,fogosflorestaisdescontroladasdevidoà

guerra,aumentodocustodamão‐de‐obranasfábricasdedescasque,saídadequadrosdopaís,eaentradadoVietnameno

mercadointernacional(Cabraleoutros2003:12).

Page 58: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

58

castanha de caju. Em consequência a Índia e o Brasil tornam‐se os principais

exportadores (Cabral e outros 2003:9). A partir desta data Moçambique não

recuperariaaimportânciacomoprodutoretransformadordecastanhadecajue,nas

décadasde90e2000,Moçambiqueprocessariaapenas8miltoneladasdecastanhade

caju(McMillanetal.2003:5).

Figura6. Evoluçãodas exportaçõesde amêndoade caju (em toneladas) entre 1961e 1985.

Fonte:Faustas2010.

Com a queda deMoçambique, a Índia torna‐se a partir de 1976, omaior produtor

mundialdecastanhadecaju(161536toneladas)(FAOStat2010).

De1976a2000aÍndiamantém‐senaposiçãodemaiorprodutormundialdecastanha

decaju(aumentandoasuaproduçãoem321%de1976a2000)30,continuariaasero

maiorprocessador e exportadorde amêndoade caju até200531, emanter‐se‐ia até

2007comoomaiorimportadordecastanhadecajuanívelmundial32.Apartirde1990

30Médiadeproduçãode278626toneladas/anode1976a2000.Em1976aÍndiaproduziu161536toneladas,eem2000atingiu

as520000toneladas.

31Em2005atingiuovalormaisaltodesempre,com124966toneladasdeamêndoadecastanhadecajuexportadas.

Page 59: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

59

e até 2000, a Nigéria e o Vietname, sobem com grande rapidez a sua produção de

castanha de caju, no entanto a Índia manter‐se‐ia como o maior produtor a nível

mundial(Figura7).

Figura7.Evoluçãodaprodução(emtoneladas)dasprincipaisregiõesprodutorasdecastanha

de cajuanívelmundial ‐ Índia,Vietname,Brasil,ÁfricaOcidental (Nigéria,CostadoMarfim,

Benim), e África de Leste (Moçambique, Tanzânia) ‐ no período 1985‐2000. Fonte: FAOStat

2010.

Comoconsequênciadaquebranaproduçãodacastanhadecajunoiníciodadécadade

80, a procura internacional aumenta e a produção indiana continuaria a não ser

suficienteparao abastecimentoda respectiva indústria deprocessamento. Também

devidoaoaumentodegrandenúmerodeunidadesdeprocessamentoadependência

da indústria indiana em relação à importação de castanha de caju do exterior

aumentaria especialmente a partir demeados dos anos 8033 (Eapen and Jeyaranjan

32Ummáximode591329toneladasdecastanhadecajuimportadasem2007.NãoestãodisponíveisdadosemFaoStatparao

períodode2008‐2009,masaÍndiamantém‐se,segundoaimprensaconsultada,omaiorimportadordecastanhadecaju(The

HinduBusinessLine2010).

33OnúmerodeunidadesdeprocessamentodecastanhadecajusubiurapidamentenasúltimasquatrodécadasdoséculoXX,de

170unidadesem1959para700unidadesem200.Nototalcorrespondemaumacapacidadedeprocessamentode8milhõesde

toneladasporano,edãoempregoamaisde500milpessoas(95%dasquaismulheres).O8ºPlanodeDesenvolvimentoNacional

daÍndiaobjectivavaatingiraproduçãodecastanhadecajunoano2000suficienteparasupriraprocuradaindústrianacionalde

Page 60: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

60

2003:15). Desta forma, a Índia foi levada a encontrar substitutos para os seus

tradicionais fornecedores de castanha de caju daÁfrica de Leste. AÁfricaOcidental

surgeentão,apartirdemeadosdosanos80,comooprincipalfornecedordecastanha

decajudaindústriaindiana(maisde50%dasimportações)(tabela7).

PaísescomoaGuiné‐Bissau,CostadoMarfim,Nigéria,BenimeSenegaltornam‐seos

importantesfornecedoresda indústria indianaao longodadécadade90.ATanzânia

mantinha o seu importante papel como abastecedora do mercado indiano de

castanha34, e alguns países do Sudeste Asiático (principalmente o Vietname e a

Indonésia)tambémcontribuíamfortementeparaasimportaçõesindianas.Apartirde

1995,Moçambiquevoltaaassumirumpapelimportantenasimportaçõesdecastanha

daÍndia,principalmentedevidoaocolapsodaindústriatransformadoramoçambicana

provocadapelarenovaçãodaautorizaçãodaexportaçãodecastanhadecajuimposta

peloBancoMundial35.Pelocontrário,eapartirdamesmadata,oVietnamereduza

sua posição nas importações indianas como consequência do aparecimento da

indústriatransformadoradecastanhadecajunestepaís(EapenandJeyaranjan2003:

15).

Tabela6.Paísesdeorigemdasimportaçõesindianasdecastanhadecaju(%)de1970a2007.

Fontes: Eapen e outros 2003: 16, (dados compilados de publicações do Cashew Export

Promotion of India, Cochim) e Red Rivers Food, Inc. 2008:7 (dados compilados da indústria

indianatransformadoradecastanhadecaju).

processamentoauto‐suficiente.Contudotalnãoaconteceueasimportaçõesindianasaumentaramde249319toneladasem2000

para519328toneladasem2007.

34Noiníciodosanos90aliberalizaçãodocomércio,emcombinaçãocompolíticasestataisdefomentodocajueiroresultamem

aumentosdeproduçãonaTanzânia.Em1993écriadooCashewNutBoardofTanzania,comoobjectivodepromoveraqualidade

dacastanhadecaju,edepromoveraexportaçãodeamêndoaecastanhadecaju.MaisinformaçãoemAzam‐Ali,S.H.,andE.

Judge.2001.Small‐scalecashewnutprocessing.ReinoUnido.

35PorrecomendaçãodoBancoMundial,arestriçãoàexportaçãodacastanhadecajufoibanidaem1991/1992.Assim,apolítica

queogovernomoçambicanoimplementaraparaprotegeraindústriadeprocessamentonacional,ésubstituídoporumataxae

quotadeexportação.Aquotadeexportaçãofoiprogressivamentesendoremovidaeataxabaixoude60%em1991/92para14%

em1998/1999.Em1995aCountryAssistanceStrategyapresentadapeloBancoMundialobrigavaMoçambiquealiberalizaro

sectordaexportaçãodecajuearecomendavaaprogressivaprivatizaçãodasunidadesdeprocessamento.Em2001,90%dos

trabalhadoresdaindústriadedescasquedecajumoçambicana(11000pessoas)estavamdesempregados.

Page 61: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

61

1971

1976

1981

1986

1992

1996

1997

2000

2001

2002

Guiné‐Bissau 26 16 14 7 12 23 19

Costa doMarfim 2 7 11 9 16 20 34Tanzânia 50 53 5 38 20 34 30 31 20 8Benim 2 4 5 9 11 9Moçambique 36 30 1 9 13 9 8 4Indonésia 6 12 7 3 8 4 9Nigéria 1 5 9 7 5 4 3Senegal 1 1 4 1 4 23 Vietname 2 27 6

Quénia 13 15 92 3 3 Gâmbia 4Gana 5

Seriaagrandeprocuradecastanhadecajupela indústria indianaaresponsávelpelo

crescimentodasproduçõesdecajudospaísesdaÁfricaOcidental.Assim,paísescomo

aGuiné‐BissaueaCostadoMarfim,queem1983produziam2000e2200toneladas

decaju,respectivamente,subiramasuaproduçãopara80mile280miltoneladasem

2007, grande maioria das quais dedicadas ao mercado indiano. A partir de 1993 a

Nigériatorna‐semesmoomaiorprodutorafricanodecastanhadecaju.

As importações indianasdecastanhadecajuatingemovalormaiselevadoem2007,

anoemque600miltoneladasdoprodutoembrutosãoimportadas.De2003a2007

as importações indianas crescem 37 %. Em 2007, aproximadamente 87% são

provenientes da África Ocidental (467mil toneladas), o que por um lado reflecte o

crescimentodaprocuraindianamastambémainexistênciadeprocessamentodecaju

nospaísesdaÁfricaOcidental(figura8).Porseuturno,asexportaçõesindonésiasde

castanhadecajuparaaÍndiacrescerambastantenosúltimosanos,eem2007aÍndia

importava57mil toneladasdestepaís, tornando‐se assimo4ºmaior fornecedorde

castanhadecajuàÍndia(RedRiverFoodsInc2008:7).

Page 62: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

62

Figura8.Importaçõesindianasdecastanhadecajuporregiãodeorigem.Fonte:RedRivers

Food,Inc.2008:7(compiladodedadosfornecidospelaindústriatransformadoradecaju).

Em geral, por cada tonelada de castanha de caju são processados entre 200 a 240

quilos de amêndoa de caju, o que depende do país de origem do produto. Para a

produçãoIndiana,porexemplo,cadatoneladadecastanhadecajuproduz230quilos

de amêndoa de caju (Red River Foods Inc 2008:7). A produção da África Ocidental

apresenta aqui vantagens competitivas, já que para países como o Benim, a Guiné‐

Bissau e o Togo, são extraídos 240 quilos de amêndoade caju de cada tonelada de

castanhadecaju(Tabela7).

Aexportaçãoindianadeamêndoadecajutemoseupicoem2004,anoemqueopaís

exporta 121 mil toneladas do produto processado. Contudo, as exportações de

amêndoa de caju para os EUA diminuem desde então, o que afecta o total da

exportaçãodoprodutoparaostrêsanosseguintes,queestabilizouemcercade112

miltoneladas.AsexportaçõesparaaU.E.ultrapassaramas38miltoneladasem2005e

2006,masdiminuírampara32miltoneladasem2007.OMédioOrienteeoNortede

África (incluindo a Turquia) têm vindo a ganhar importância como locais de

escoamento,sendoessemercadoquejustificaoaumentodasexportaçõesdeindianas

de amêndoa de castanha de caju. As exportações para esta região têm vindo a

aumentardesde2000eatingiramas22,3miltoneladasem2007.AosEmiratosÁrabes

Unidoscorrespondem10,9miltoneladasdestasoma,eaArábiaSauditarecebeu3,9

miltoneladasdaamêndoadecastanhadecajuexportadapelaÍndia(RedRiverFoods

Inc2008:7).

Page 63: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

63

As exportações para a Ásia aumentaram perto de 60% entre 2006 e 2007,

nomeadamentede6,1para9,6miltoneladas,principalmenteporqueaÍndiaexportou

paraoVietname3miltoneladasdeamêndoadecastanhadecajunesseano(RedRiver

FoodsInc2008:7).

Éem2002queoVietnameseimpõecomoomaiorprodutormundialdecastanhade

caju, produzindo em 2007 mais 587 600 toneladas do que a Índia (FAOStat 2010)

(Figura 10)36. De 2000 a 2007 a indústria de processamento vietnamita cresce

marcadamente, e em 2005 as exportações de amêndoa de caju do Vietname

ultrapassamasexportaçõesdaÍndia,omaiorexportadordeamêndoadecajudesdeo

póssegundaguerramundial.

AáreadecultivodecajunoVietnameatingeem2008os402milhectares (FAOStat

2010),eacapacidadedeprocessamentodaindústriatransformadoradecastanhade

caju vietnamita era, na mesma data, de 600 mil toneladas (Red River Foods Inc

2008:9).

Desde1999ogovernodoVietnametemvindoaimplementarumasériedelinhasde

investigação que têm permitido o surgir de novas variedades de cajueiros mais

produtivas.Emalgunscasosestasvariedadesatingemproduçõesnaordemdas2a3

toneladas por hectare, pelomenos 4 vezes a produçãomédia de um agricultor que

exploreumpomarcomvariedadestradicionais.Simultaneamenteváriosprojectosdo

Instituto de Ciência Agrícola do Sul do Vietname têm vindo a delinear desde 2001

novasestratégiasdemercadoparaexportaçãoeprocessamentodaamêndoadecaju,

comoobjectivodeconseguiratingirpreçosdeproduçãomaisbaixos,quepermitam

uma competiçãomais forte em termos internacionais (VietnamBusinessNews, sem

data). No entanto, apesar do extraordinário aumento de produção, o Vietname

abastecepartedasuaindústriacomcastanhadecajuimportada,easimportaçõestêm

vindoaaumentarnosúltimosanos.Em2007oVietnameimportou180miltoneladas,

36OsdadosfornecidosemFaoStat2010epelaindústriaRedRiversFood,Inc.(2008)nãocoincidemdeformaevidentequantoà

produçãodecastanhadecajuvietnamitaem2007.AFaoStatavançacomumvalorde1207,6miltoneladas,eaindústriacom350

miltoneladas,umadiferençadificilmenteexplicável.Optou‐sepelautilizaçãodosdadosdaFAO.

Page 64: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

64

em2008chegouàs200miltoneladasimportadas37.Osprincipaispaísesabastecedores

doVietnamesãooCambodja,asFilipinas,aIndonésia,aNigéria,aCostadoMarfim,a

TanzâniaeMoçambique.Em2007,oVietnameimportou93miltoneladasdecastanha

decajudeorigemafricana,masoincrementonaimportaçãovietnamitadeveu‐se,em

grande parte, ao grande aumento de produção de caju do Cambodja, de onde o

Vietname importou aproximadamente 50 mil toneladas em 2007. A Indonésia

contribuiuparaasimportaçõesvietnamitascom37miltoneladasem2007(RedRiver

FoodsInc2008:9).

Figura 9. Evolução da produção (em toneladas) dos três principais produtores mundiais de

castanhadecajunoperíodode2000a2007.Fonte:FAOStat2010.

37Arápidaexpansãodaindústriadeprocessamentovietnamitaedonúmerodetoneladasdecastanhadecajuimportadas,deve‐

setambém,emparte,aofactodegrandescomerciantesdecajuindianosseteremvindoadeslocalizarparaoVietnamedevido

aosconstrangimentosquetêmsurgidonaindústriadeprocessamentoindiana(faltademão‐de‐obra,principalmente)(RedRivers

Food,Inc.2008:6).

Page 65: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

65

Figura10.Evoluçãodasexportações(emtoneladas)deamêndoadecastanhadecajupelos

principaispaísesprocessadoresnoperíodode2000a2007.Fonte:FAOStat2010.

O total de exportações dos três principais países processadores de amêndoa de

castanha de caju – Índia, Vietname, e Brasil – atingiu 316 mil toneladas em 2007

(Figura 8). Os E.U.A. foram responsáveis por 121mil toneladas e a U.E. por 76mil

toneladasimportadas.Entre2006e2007asexportaçõesindianasparaaU.E.caíram6

miltoneladas,masasexportaçõesvietnamitasparaomesmodestinoaumentaram11

miltoneladas(RedRiversFood,Inc.2008:6)(Figura11).

Page 66: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

66

Figura11.Evoluçãodasimportaçõesdeamêndoadecastanhadecajuparaosprincipaispaíses

ou regiões importadoras (mais de 10mil toneladas importadas) – EUA, EU, EMA (Emiratos

ÁrabesUnidos),CanadáeAustrália‐entre1990‐2007.Fonte:FAOStat38.

Em1998aÍndiaeraresponsávelpor50a60%daimportaçãodeamêndoadecajudos

EUA. No entanto, em 2007, essa percentagem baixaria para 33%. O Brasil que em

tempos era responsável por 30 a 40%das importações americanas, viu a sua quota

reduzidanosúltimosanospara20a25%39.AsimportaçõesaoVietnamecresceramde

menosde100toneladasem1994(1%dototaldeimportaçõesnorteamericanas)para

45miltoneladasem2007(36%dototaldeimportações)(RedRiverFoodsInc2008:6).

De 2006 para 2007 as importações dos EUA ao Vietname e ao Brasil aumentaram

respectivamente, 19 e 17%em relação a 2006, enquanto as importações de origem

indiana sofreram um decréscimo pelo segundo ano consecutivo. Em 2007, pela

primeiravez,osEUAimportarammaisamêndoadecastanhadecajuaoVietname(45

miltoneladas)doqueàÍndia(42miltoneladas)(RedRiverFoodsInc2008:5).

O Vietname, nos últimos anos, tem vindo a entregar no mercado amêndoa de

castanhadecajudegrandequalidadee,simultaneamente,temconseguidoapresentar

ospreçosmaiscompetitivos.Em2007aamêndoavietnamitatinhaumvalorCIFmédio

de $4,49 (dólares americanos), enquanto a amêndoa proveniente da Índia tinha em

média um valor CIF de 4,80 dólares americanos, e a do Brasil de 4,56 dólares

americanos(RedRiverFoodsInc2008:6).

AntesdaentradadoVietnamenomercado internacionaldecaju,era frequenteque

diminuiçõesnaofertadecertoscalibresdeamêndoadecastanhadecajuprovocassem

38ÉdenotaradiscrepânciadeestimativasentreosdadosdaFAOedositeoficialdoMinistériodaAgriculturadoVietnam

(Agrivet)paraaimportaçãochinesadeamêndoadecastanhadecajupara2006e2007.AFAOindicaque2482toneladasem

2006e5971toneladasem2007foramimportadasparaaChina,enquantoaAgrivetinformaqueem2006aChinafoiresponsável

por22%dasimportaçõesdeamêndoadecastanhadecajuvietnamita,ocorrespondentea28160toneladas.

39OBrasilexportaumaaltapercentagemdeamêndoadecastanhadecajuquebrada(Brasil:47%;Índia:25%;Vietname:17%),

devidoàmaiormecanizaçãodasuaindústriadeprocessamento,oquetemreduzidoosretornosdaindústriadeprocessamento

brasileira(RedRiversFood,Inc.2008:4).

Page 67: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

67

subidasdepreço.Oaumentodeofertadeamêndoadecastanhadecajunosmercados

internacionais devido ao aumento de produção vietnamita tornou esta situação

bastanterara(RedRiverFoodsInc2008:4).

Page 68: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

68

CAPÍTULO5‐PolíticasAgrícolaseSegurançaAlimentarnaGuinéPortuguesaenaGuiné‐Bissau

AactualenormedependênciadaGuiné‐Bissaudeumúnicoprodutodeexportação–a

castanhadecaju–nãoéumasituaçãonova.Durantetodooperíodocolonial,aentão

Guiné Portuguesa, dependeu quase exclusivamente da exportação de amendoim e

amêndoadepalma.Pelosprimeirosanosdopós‐independênciaestasituaçãomanter‐

se‐ia.Abaixoanalisa‐seograuqueatingiuestadependência,equaisasconsequências

das políticas agrícolas implementadas pela administração colonial e pelos primeiros

governos da Guiné‐Bissau independente para a economia da Guiné e segurança

alimentardosguineenses.

5.1GuinéPortuguesa:Agricultura,SegurançaAlimentar,ComércioePolíticasAgrícolas

AcrescentedemandadeamendoimdaÁfricaOcidentalparaabastecimentodas

indústriaseuropeias,fezcomquenasegundametadedoséculodezanoveaGuiné

Portuguesasetornassegrandeprodutoradeamendoim.Em1881‐82asexportações

deamendoimatingiamas12miltoneladas,tornando‐senaprincipalexportação

guineenseem1881‐1882(tabela1).

Tabela1.ExportaçõesdaGuinéPortuguesaem1881‐1882(Toneladas).Fonte:(Duarte

1946:415).

Amendoim Amêndoadepalma Arrozcomcasca Couro(unidades) GomaCopal Borracha

12000 1400 1000 30000 10 20

Noentanto,devidoaumconjuntovariadodefactorescomoai)insegurançaeguerras

nointeriordacolónia,ii)concorrênciadaÍndiainglesaqueinundaomercadode

Page 69: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

69

sementesoleaginosas,iii)esgotamentodasterras,iv)impostosprediais

desencorajadoresapartirde1880ev)deumamaneirageralumafiscalidade

penalizante–asexportaçõesdeamendoimcomeçamadecrescer.De1890a1912,a

borracha40torna‐seoprincipalprodutodeexportaçãodaGuiné.Apartirde1896

tambémseverificaraumincrementonaprocuradeamêndoaeóleodepalma41

(Fonseca1910:25),eapartirde1906,devidoasubidasdepreçonomercadode

oleaginosasosagricultoresguineensesvoltamaaumentarassuasproduções

amendoim(Figura1).Em1920asexportaçõesdaGuinéPortuguesadependiamquase

exclusivamentedasoleaginosas(10219toneladasdeamêndoadepalmae12944

toneladasdeamendoim),eborracha,aceraeoscourosnãotinhammaisdoque

tonelagensevaloressimbólicos(Pélissier1989:205).Ospreçosmantêm‐se

compensatóriosparaosagricultoreseaproduçãoeexportaçãodeamendoim

continuamacresceraté1949,anoemqueseexportam44278toneladas.Apartirda

décadadequarentaomonopóliodocomérciodaGuinéfoientregueàCompanhiade

UniãoFabril(CUF)atravésdasuarepresentantelocal,aCasaGouveia,quepassaa

controlarpraticamentetodoocomérciodeamendoimeamêndoadepalmadaGuiné,

eapartirdofinaldaSegundaGuerraMundial,ospreçosimpostosporLisboaparaas

oleaginosasguineensestornam‐seinferioresaosdospaísesfrancófonosvizinhos,e

bastanteabaixodospreçosinternacionais,eosagricultoresrespondemaosbaixos

preçosdiminuindoaprodução,contrabandeandoamendoim,ouemúltimaanálise

emigrando(GallieJones1987:38)42.Tambémospreçosdaamêndoadepalmasofriam

domesmoproblema,easexportaçõesdesteprodutoteriamevoluçãosemelhanteà

doamendoim(Figura1).

40 A borracha na Guiné provia de trepadeiras do género Landolphia, muito abundantes nas florestas guineenses. Os camponeses recolhiam a borracha e vendiam aos exportadores de Bissau e da ilha de Bolama. 41 A amêndoa e o óleo de palma são produzidos a partir dos frutos da palmeira de óleo (Elaeis

guineensis), espécie espontânea da Guiné. A amêndoa de palma (na Guiné chamada coconote) corresponde aos caroços do fruto da palmeira. 42 Em 1940 o amendoim estava a 195 escudos/tonelada em Lisboa e a 405 escudos/tonelada no mercado internacional. Para o mesmo ano a amêndoa de palma era comprada em Lisboa a 240 escudos/tonelada contra 630 escudos/tonelada no mercado internacional. Mais informação em Ribas, L.P. 1950. Alguns aspectos da estrutura económica da Guiné Portuguesa (parte 2). Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, 19: 321-346. Em 1950 o amendoim atingia um preço FOB nos mercados internacionais de 5250 escudos/tonelada enquanto que o preço FOB em Lisboa era de 3400 escudos. Mais informação em Guerra, M.S.P. 1952. Amendoim e palmeira-do-azeite: Pilares económicos da Guiné Portuguesa. Boletim

Cultural da Guiné Portuguesa, 25: 9-83.

Page 70: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

70

Figura 1. Exportações de amendoim com casca daGuiné Portuguesa e Guiné‐Bissau entre

1910 e 2007 (em toneladas). Fontes: 1910‐1927: (Sá 1929:50); 1928‐ 1939: (Sá 1948:436);

1940‐1961:(ProvínciadaGuiné1964:7);1961‐1965:(PresidênciadoConselho1968:16);1966‐

1967:FAOStat2010;1968‐1970:(SíntesemonográficadaGuiné1972:61);1971‐2006:FAOStat

Figura 2. Exportação de amendoim descascado da Guiné Portuguesa e Guiné‐Bissau entre

1959 e 2007 (em toneladas). Fontes: 1959‐1965: (Presidência do Conselho 1968: 16); 1966‐

2007:FAOStat2010.

Page 71: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

71

Figura3.ExportaçõesdeamêndoadepalmadaGuinéPortuguesaeGuiné‐Bissauentre1910e

2007(emtoneladas).Fontes:1910‐1927:(Sá1929:50),1927‐1939:(Sá1948:436);1940‐1961:

(Província da Guiné 1964:7); 1961‐1965: (Presidência do Conselho 1968:16); 1966‐1967:

FAOStat2010;1968‐1970:(SíntesemonográficadaGuiné1972:61);1971‐2006:FAOStat2010.

5.1.1ProduçãodeCulturasdeRendimentoDuranteoPeríodoColonial–UmaResponsabilidadeExclusivadosPequenosProdutores

NaGuinéPortuguesa,eaocontráriodealgunsdospaísesvizinhos,nuncase

estabeleceuuma“economiadeplantação”,emqueplantadoreseuropeus

contratavammão‐de‐obraassalariada.Aproduçãoagrícola,emaisconcretamentea

produçãodoscãscorosemqueassentavaaeconomiacolonial,foisempre

responsabilidadeexclusivadosagricultores.

Quandoem1911ogovernadoremBissauperguntaaoadministradordopostode

Buba(representantedaadministraçãocolonialparaaregiãodeQuínara),se“seria

possívelformando‐seemqualquerpontoumacompanhiaagrícoladelargainiciativa

obterasuficientemão‐de‐obra?”Esteresponde:“Oindígenaindolentepornatureza

contenta‐secomonecessárioparaoseupassadioquotidiano,eassimsemmuito

Page 72: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

72

trabalho,aproveitandoariquezaqueosololheproporciona,trabalhandounicamente

onecessárioparaasuafracaalimentação,certamentenãoaceitaráotrabalho

assalariadovoluntariamente”(Fernandes1911:4).

Eestaparecetersidosempreacausadofracassodeuma“economiadeplantação”na

Guiné:afaltademão‐de‐obradisponívelparaseassalariar,porqueoagricultor

guineense“auferiadasuapróprialavouraedacolheitadeprodutosespontâneos

meiosquelhepermitiamsatisfazerassuasnecessidadeseobrigações” (Teixeirada

Mota1954:124).Nofundo,osistemadepropriedadeeorganizaçãosocialfavoreciao

acessodetodosàterraeàfloresta,easpessoasnãoviamvantagememseassalariar.

Enãoseráporacaso,queaetniaguineensequemaisbuscoutrabalhoforadassuas

terrasfoiamanjaca,comumasociedadeestruturada,comreisquecontrolavamos

camposdearrozeospalmeirais,compropriedadeindividual,ealtasdensidades

populacionaisquenãopermitiamaosmaisnovosoacessoàterra(TeixeiradaMota

1954:124).

Todasastentativasdeestabelecimentodeempresasparticularesdeagricultura

fracassaram(Gambiel,Farim,Pecixe,Cotonière),emesmoquandoserecorreua

métodosmaisviolentososresultadosnãosãosatisfatórios,veja‐seocasodacultura

doalgodão:

Em1928estabelece‐sea"CompagnieCotonièredelaGuinéPortugaise",um

“empreendimentodeimportância,representadoporvastasconcessõesobtidasepelo

investimentodeavultadosdecapitaisbelgaseportugueses”equeconseguiuo

monopóliodacompradoalgodãoemtodaacolónia.Montouduasfábricas,

tecnicamenteassistidaporbelgas,recrutounumerososempregados,e,comoapoio

dogovernocolonialdestruiupelofogotodasascultivaresdealgodoeiroquehá

séculoseramcultivadasnaGuiné.Introduziram‐senovascultivaresimportadasdo

México.Passadosdoisanosaempresaretira‐sedaGuiné:ascolheitasfracassavame

osagricultoresnãoproduziam(George1951:502).

Os“concessionáriosagrícolas”aquemogovernocolonialtinhacedidoterras(naGuiné

chamadosponteiros)queforambemsucedidossãojustamenteaquelesquese

dedicamaocomércio,enãoàagricultura,dedicando‐seapenasàcompradas

Page 73: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

73

produçõesdoscamponesesguineenses(TeixeiradaMota1954:124).Aprodução

agrícolaseriaduranteoperíodocolonialdaexclusivaresponsabilidadedosagricultores

guineenses,que,comassuastécnicas,assuassementes,nassuasterras,produziamas

matérias‐primasbasedaeconomiadacolónia.ComodiziaAmílcarCabral,aagricultura

doscamponesesguineensesapresentavaduasfaces:aproduçãoparaconsumo,ea

produçãodecashcropsparavenda,ambasassentesnastécnicaslocais:carácter

itineranteeaconquistadeterracultivávelcomrecursoàqueimada(Cabral1954:628).

Avontadedaadministraçãocolonialdeterumpapelactivonamelhoriadaagricultura

guineense,de“ensinaraosindígenasos«verdadeirosmétodosdeexploraçãoagro‐

pecuária»”,apesardeexpressarepetidamenteportodooperíodocolonialnunca

passouàprática,eaGuinémanteve‐seuma“colónia‐feitoria”,baseadanuma

“economiaderesgate”(TeixeiradaMota1954:124).

5.1.2AGuinéPortuguesaAuto‐SuficienteemArroz:UmMito

DuranteoperíodocolonialeracorrenteaopiniãodequeaGuinéeraumpaís

excedentárioemarroz,masapesardafama,jáem1916oGovernadordaProvínciada

GuinéPortuguesasequeixavadafaltadeproduçãodearrozedopesoexcessivodas

importaçõesdestecerealnodéficedacolónia(Vasconcelos1917emRibeiro1988a:8).

NosanosanterioresàPrimeiraGuerraMundialaGuinéimportavaumamédiaanualde

1100toneladasdearroz.Depoisdaguerra,em1921,1925,1927,foramimportadas

respectivamente,680,300,e562toneladasdearroz(Sá1929:47).Duranteasdécadas

detrintaequarentadoséculovinteaGuinéexportaarroz,masparadoxalmentea

colónianãoeraauto‐suficienteemarroz.

Defacto,apartirdefinaisdoséculodezanoveaproduçãodearrozdaGuiné

aumentou,devidoàgrandemigraçãodepessoasdaetniabalanta,tradicionais

cultivadoresdearroz,donorteparaosuldopaís,ondemuitaterraestavadisponível.

Ataquesdastropascoloniaisde1880emdiante,sujeiçãoatrabalhosforçados,

imposiçãoderégulosnomeadospelaadministraçãocolonial,asedimentaçãoe

Page 74: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

74

consecutivabaixadeproduçãodosseusarrozais,eumasériedemausanosagrícolas

foramascausasdamigraçãomassivadebalantasparaosul(Carreira1961a:283,

CorreiaeLança1890:18).QuínaraeTombali,asregiõesdosulparaondemigraramos

balantasestavampoucopovoadas(devidoaotráficodeescravos,àsguerras

interétnicasecomaadministraçãocolonial,eàdoençadosono),etinhamgrandes

áreasdemangaldisponíveis,fundamentalparaqueosbalantasconstruíssemosseus

camposdearroz.De1910a1950,eemapenasquatrodécadasosbalantastornaram‐

seapopulaçãomaioritáriadasregiõesdeQuínaraeTombali43.Foiestamigraçãoque

causouatransformaçãodaGuinédepaísimportadorparapaísexportadordearroz.A

produçãodearrozdaGuinésobede1000toneladasem1928para182251toneladas

em1963(Figura4)eosbalantaseramresponsáveispor90%doarrozqueentravano

comércio(ManuelMartinsBaptistacitadoemRibeiro1988a:235).

Figura4.ExportaçõesdearrozdaGuinéPortuguesaeGuiné‐Bissauentre1918e2008.Fontes:

1918‐1948:(Ribas1950e328);1949‐1958:(ProvínciadaGuiné1964:7);1959‐1964:

(PresidênciadoConselho1968:18);1965‐2007:FAOStat.

43 Em 1960, em Quinara, eram 14 752 pessoas num total de 30 630. Em Tombali, para o mesmo ano, eram 17 162 pessoas num total de 27 320. Mais informação em Carreira, A. (1961b) População autóctone segundo os recenseamentos para fins fiscais. Circunscrição de fulacunda. Boletim Cultural da Guiné

Portuguesa, 61(pp. 103-124; e em Carreira, A. (1962) População autóctone segundo os recenseamentos para fins fiscais. Pp. 221-280 in, Boletim cultural da guiné portuguesa (Lisboa, Portugal: Sociedade Industrial de Tipografia, Limitada).

Page 75: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

75

No entanto, e paradoxalmente, apesar de a Guiné ter conseguido exportar arroz

duranteasdécadasdetrinta,quarenta,ecinquentadoséculovinte,acolónianãoera

auto‐suficienteemarroz.QuandoPortugalnãoproduziaarrozsuficienteosprodutores

guineenseseramcompelidosavenderassuasproduçõesparaquefossemexportadas

paraametrópole,nosanosemquePortugalapresentavaexcedentesdearroz,aGuiné

Portuguesaimportavaarrozdametrópole.

Na região de Cacheu, região tradicionalmente produtora de arroz, o poder colonial

introduziraalteraçõesnosistemadeorganizaçãosocialdaetniamanjaca,quetinham

afectadoaproduçãoorizícola(TeixeiradaMota1951:673).Em1941,oadministrador

afirmavaquearegião importavasetentaporcentodoarrozconsumido, istoumano

apenasapós1940,anoemqueaGuinéatingiaoseumáximodeexportação(7304,8

toneladas)(ConferênciadosadministradosemRibeiro1988a:234).Oadministradordo

concelhodeBolama,queincluíaosectordeTite,incluídonaactualregiãodeQuínara,

falavadanecessidadedeaumentaraproduçãoem50%,paraqueoarrozproduzido

fossesuficienteparaconsumo(ConferênciadosadministradosemRibeiro1988a:236).

Talcomooamendoim,erasupostoqueosagricultoresvendessemassuasproduções

em centros comerciais controlados pelo governoou a comerciantes legalizados pela

administraçãocolonial.Umamissãoquenosanos cinquentaavaliao funcionamento

destas lojas denunciava que as taxas cobradas aos agricultores eram inconcebíveis

(Bigman 1993:36). E, tal como acontecera com o amendoim, os agricultores

respondiamaospreçosetaxasdesfavoráveisvendendooarrozclandestinamenteno

Senegal, na Gâmbia ou Guiné‐Conakri, onde os preços praticados eram mais altos

(Teixeira da Mota 1954:152), e como consequência registaram‐se baixas das

quantidades exportadas (Figura 4). Outro problema para a exportação de arroz

guineense era a instabilidade da procura: em anos de boa produção de arroz em

Portugal, a metrópole reduzia as quantidades importadas, e consequentemente os

orizicultores guineenses não encontravammercado para os seus excedentes, o que

desencorajava o aumento das áreas cultivadas pelos agricultores (Ferreira Rosa

1951:622). Uma política de preços pouco favoráveis, maus anos agrícolas com

precipitação insuficiente, e o impacto da guerra de libertação da Guiné, entretanto

Page 76: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

76

iniciadapeloPAIGC(em1963)tiveramcomoresultadoumadiminuiçãosignificativada

produção e exportação de arroz, e o aumento das quantidades importadas deste

cerealduranteadécadadesessenta44(Kohnert1988:4)(Figura5).

Figura5. ImportaçõesdearrozpelaGuinéPortuguesaeGuiné‐Bissau(emtoneladas).Fonte:

FAOStat2010.

A administração colonial, assustada com a diminuição da produção de arroz toma

medidasapartirde1946.Em1947inicia‐searecuperaçãodequatromilhectaresde

arrozais em Biombo, a norte de Bissau. No entanto, o governador responsável pelo

programa de recuperação de campos de arroz (Sarmento Rodrigues) abandona o

cargo,eos trabalhosnãosão terminados.Em1952,umanovaverba foidestinadaa

“enxugoerecuperaçãodeterrenos”,eelevadasquantiasforamgastasemBiomboe

Safim (Santareno 1957:360). Em 1955, depois de apresentado um relatório pelo

administrador de Fulacunda (região de Quínara) em que relatava a emigração de

pessoas da etnia balanta devido a destruições nos campos de arroz, é iniciado um

planoderecuperaçãodoscamposdearrozdaregião.Setemilequinhentoshectares

44 Hochet relata que em Ondame, uma aldeia da região de Biombo (zona tradicionalmente produtora de arroz) os agricultores antes de 1948 vendiam cerca de 60 toneladas anuais aos comerciantes locais e trocavam arroz por gado aos seus vizinhos da ilha de Pecixe. A partir de 1948 pararam de vender arroz, e a partir de 1956 começaram a comprar: um comerciante de Ondame comprava 5 toneladas de arroz importado por semana em Bissau que vendia na aldeia. Entre 1970 e 1973, a quantidade de arroz importado vendido semanalmente na aldeia sobe para 10 toneladas (Hochet 1980 citado em Kohnert 1988: 4).

Page 77: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

77

são recuperados (estimativa exagerada segundo o próprio autor), e previa‐se a

recuperaçãodemais4milhectaresnumasegundafase(Santareno1957:362).

Noentanto,eapesardosesforçosderecuperaçãodaproduçãodearroz,aprodução

baixariaemgrandepartedopaís,eáreadearrozaisdemangalcultivadosdecrescena

generalidade das regiões do país (Tabela 2), e apenas as regiões sul de Quínara e

Tombali são excepção, por um lado devido àsmedidas tomadas pela administração

colonial, por outro, por a partir de 1963 estas duas regiões produtoras de arroz

estaremsobcontrolodoPAIGCeapopulaçãoteraumentadooseuesforçodeformaa

tornarpossíveloabastecimentodoscombatentes.

Tabela2.Áreadearrozaiscultivadosem1953e1976(emhectares).Fonte:Schwartz,C.1982.

Estatística do arroz na Guiné‐Bissau, 1981.Bissau:MDR, ENTA '782/08 citado em Kohnert

(1988:21).

Região 1953 1976 Diferença(%)

Oio 40900 26000 ‐36,4

Tombali 11500 21000 82,6

Cacheu 28500 18000 ‐36,8

Quínara 7600 15000 97,4

Bafatá 14500 14600 0,5

Biombo 9000 7000 ‐22,2

Gabu 10100 5000 ‐50,5

Bolama 2600 400 ‐84,6

Total 124700 107000 ‐14,2

5.1.3DependênciadaMonoculturadoAmendoim:InsegurançaAlimentardosAgricultoreseoAgonizardaEconomiaColonialnaGuiné

A economia guineense durante o período colonial encontrava‐se fortemente

dependente de um único produto de exportação – o amendoim. Em 1964 as

exportaçõesdeamendoimrepresentavam76,3%dototaldeexportaçõesdacolónia,

oquecolocavaaeconomiadaGuinénuma“posiçãoaltamente instávelevulnerável

perante as condições climáticas e as flutuações dos preços e da procura externa"

(FerreiraMendes1969).Osplanoscoloniaisaolongodasdécadasdetrinta,quarentae

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78

cinquenta passavam pela promoção de uma “agricultura orientada quase

exclusivamente para o mercado externo”, e o progresso industrial não fora

impulsionado deixando à economia guineense o papel de simples fornecedora de

matérias‐primasàindústriaportuguesa(PicadoHortaeSardinha1966:142).

A produção de amendoim era assegurada pelo agricultor guineense sem boas

sementes, sem utilização de adubos ou estrume, e a colheita era armazenada em

péssimas condições. As produções eram fracas, e a “rigidez do aparelho de

comercialização do amendoim e as baixas cotações” (Picado Horta e Sardinha

1966:405) eram desencorajantes e apenas se mantinham “devido ao regime de

monocultura dominante, e à precariedade ou inexistência de outras fontes de

rendimento”(PicadoHortaeSardinha1966:406).AindústrianaGuinéPortuguesaera

quase inexistentee reduzia‐sepraticamentea algumaproveitamentodoamendoim,

dedescasquedearroz, e algum fabricodeóleodepalma. Em1962o contributoda

indústria transformadora para o Produto Interno Bruto da Guiné Portuguesa não

ultrapassavaos1,2%(PicadoHortaeSardinha1966:142).

A área cultivada total de amendoimestimada em400mil hectares em1950, desce

para 220 mil hectares em 1963 (Bigman 1993:35), e as exportações guineenses de

amendoim diminuem sem que haja compensação por aumentos de exportação de

qualqueroutroproduto.

As importações do país aumentam a partir da década de cinquenta. A balança

comercialqueemboranegativasemantinhaaumataxamaisoumenosestávelatéao

início da guerra de libertação em 1963, torna‐se crescentemente negativa a partir

destadata(Figura6).

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79

Figura6.ExportaçõeseimportaçõesdaGuinéPortuguesaentre1926e1975(emmilharesde

contos). Fonte:1926–1951: (TeixeiradaMota1954:197); 1952–1960: semdados;1961–

1975:GallieJones(1987:51)45.

Se a dependência quase total da economia guineense da exportação de amendoim

teveconsequênciasnegativasaoníveldodéficecomercialdacolónia,tambémoteve

aoníveldasegurançaalimentardosagricultoresguineenses.Aexpansãodaculturado

amendoim provocara diminuição do cultivo de géneros de subsistência como arroz,

milhos, sorgos, entre outros. As populações aumentavam os seus campos de

amendoim, comprando com o dinheiro conseguido na venda da oleaginosa os

alimentos necessários. Esta crescente dependência do amendoim fazia com que no

período anterior às primeiras colheitas, na altura emque as lavouras exigiammaior

esforçofísico,asprovisõesdecereaisdoanoanterior jáseencontrassemesgotadas.

Notava‐se,porexemplo,queo consumodearrozdescascado importadoaumentava

naregiãolestedacolónia,queapostarafortementenocultivodeamendoim(Carreira

1962:279). Era o período aproveitado pelo comércio e indústria arrozeira “para as

grandes especulações” (Teixeira da Mota 1954:54) fazendo com que muitas

populações fossem obrigadas a recorrer a outros produtos para suplantar o défice

alimentar,taiscomoofundo(Digitariaexilis),cerealcaracterísticodesolosesgotados,

eprodutosespontâneosdafloresta.

A cultura do amendoim em grande escala, com consequente encurtamento dos

pousioseaumentodasqueimadasparatransformaçãodeáreasdeflorestaesavana

em campos de amendoim, era também responsável pela degradação da floresta

guineense.Adestruiçãoda floresta constituía “umproblemaaflitivoaqueurgiadar

solução” e eram “extensíssimas as zonas em que a floresta fora destruída” (Castro

1951:381). As queimadas descontroladas, a diminuição da fertilidade dos solos, e o

agravamento dos processos erosivos tornaram‐se uma preocupação dos técnicos

coloniaisapartirdosanosquarenta.45 Comissariado de Estado do Desenvolvimento e Planificação. 1977. Anuário Estatístico. Bissau Página LIV. Comissariado de Estado do Desenvolvimento e Planificação, 1980, Página 3.

Page 80: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

80

Propunha‐se a tomada demedidas urgentes para “vencer amonocultura realizando

uma politica de diversificação agrícola”, tomando medidas para “conservação da

fertilidade dos solos, e de controlo da agricultura itinerante, do encurtamento dos

pousios e das derrubas e queimadas incontroladas” (Picado Horta e Sardinha

1966:257).Noentanto,naprática,poucoounada foi feitoparaqueadiversificação

agrícola e económica da Guiné fosse uma realidade. Com o rebentar da guerra de

libertaçãodaGuinéem1963,oPAIGCpassaacontrolarpartescadavezmaioresdo

territórioguineense.Osataquesebombardeamentoscausamdeslocaçõesdepessoas

dassuasterras,eestima‐sequeduranteaguerra150milpessoastenhamabandonado

assuasaldeias,90milprocuradorefúgionoSenegal,equecomoconsequênciaa70%

daáreacultivadadaGuinétenhasidoafectada (AndreinieLambertemGallieJones

1987:112).

5.2AGuerradeLibertação:Agricultura,SegurançaAlimentareComérciodeProdutosAgrícolas

5.2.1AsZonasLibertadaspeloPAIGC:DiversificaçãoAgrícolaeColectivização

AmílcarCabral,o líderdoPAIGC,engenheiroagrónomo,defendianosseustrabalhos

de investigação para a administração colonial a necessidade de uma política de

diversificação agrícola e falava dos perigos da dependência da monocultura de

amendoim46.Eseriaumapolíticadediversificaçãoagrícolaquetentaria levaracabo,

duranteaguerradelibertaçãodaGuiné,paraaszonasentretantolibertadasesobre

gestãodoPAIGC.

Odocumento"AsPalavrasdeOrdemGeraisdoPartido",de1965,deixavabemclaroa

estratégiaqueopartidodefendiaemtermosagrícolas:

46 Por exemplo: Cabral, A. 1959. A agricultura na Guiné. Algumas notas sobre as suas características e problemas fundamentais. Agros 42 (4): 335-350; Cabral, A. 1958. À propôs du cycle cultural arachide-mils en Guinée portugaise. Boletim Cultural da Guiné Portuguesa 13 (50): 149-156;

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81

“Naszonaslibertadastemosquedesenvolveraproduçãoagrícola,aumentandoaárea

de cultivo mas também o nosso trabalho. É necessário prestar mais atenção ao

trabalho agrícola, e diversificar as culturas. Temos que tomar especial atenção ao

objectivodecultivarmosparanosalimentarmos,parasermosauto‐suficientes–arroz,

milho,mandioca, batatas, feijão, bananas, castanhade caju, laranja e outras frutas”

(PalavrasdeOrdemGerais:Rudebeck1974:97).

Umaequipadecatorzepessoasfoiencarregadadepromoveradiversificaçãoagrícola

(GallieJones1987:68).Asprimeirasmedidasdoprogramaagrícoladopartidoforama

introduçãodenovasvariedadesdearroznasregiõesdosuldeCatióeCacine,eter‐se‐

ãomesmo conseguido aumentos de produção de 20% entre 1964 e 1966 (Zartman

1967:69emGallieJones1987:68)47.

Em1964oPAIGCcriaraumaredecomercialalternativa,osArmazénsdoPovo,como

objectivo de assegurar o escoamento das produções dos agricultores, de forma a

tornaroshabitantesdaszonaslibertadasesobcontrolodopartidoindependentesdos

portugueses,esimultaneamenteasseguraraalimentaçãodoscombatentesdobraço

armadodopartido(FARP).Onúmerodestaslojascrescedeseisem1965paraquinze

em1968(Dhada1993:90).Deformaaforçarumcorteentreaspopulaçõesdaszonas

libertadaseosportugueses,osArmazénsdoPovonãoaceitavamdinheiroportuguês.

Aoinvés,foiimpostoumsistemadetroca,emqueaprincipalmoedaeraoarrozeos

valoresdetrocaeramdecididoscentralmentepelopartido(Rudebeck1974:179).

MasoPAIGCnãodefendiaapenasanecessidadedediversificaraproduçãoagrícola,

defendia também um alterar da forma de produção – um sistema de produção

colectivo:“Camaradas,portodooladoanossaorganizaçãodeveajudaraspessoasa

organizar campos colectivos. Esta é uma grande experiência para o nosso futuro,

camaradas.Osqueaindanãoentenderamisto,nãoentenderamnadadanossa luta”

(Palavras deOrdemGerais: 21‐23 emRudebeck 1974:97).No entanto, e apesar dos

frequentes apelos para a colectivização, Rudebeck, investigador sueco que

acompanhou de perto a evolução das zonas libertadas dizia que pouco ou nada se

47 Fonte original: Zartman. 1967. Guinea: the quiet war goes on. Africa Report.12: 8.

Page 82: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

82

alterara em termos demodelo e de relações de produção, e que com excepção de

alguns campos experimentais, o sistema agrícola continuava a ser

“tradicional”(Rudebeck 1974:176). Também a política de diversificação agrícola

defendida pelo partido não atingia os resultados desejados, e Cabral, preocupado,

diziaem1971:“Emvezdecultivarmosapenasarroz,nósdevemoscultivartantoarroz

quantopudermos,mas também feijão, amendoim,batatas,mandioca, e vegetais. Já

fizemos um pouco disto, mas ainda não fizemos o suficiente” (Rudebeck 1974:177

retiradodeCabral1971)48.Noentanto,eemboranosuldopaís,naszonaslibertadas

se tenhamregistadoaumentosdeprodução49, a regiãonorte continuavacom fortes

problemasdeauto‐suficiência,devidoaanosdeseca,aosbombardeamentos,eàfalta

de mão‐de‐obra, consequência do êxodo massivo de agricultores para o Senegal50

(GallieJones1987:68).

TambémosArmazénsdoPovoenfrentavamproblemas.Oobjectivo inicialdoPAIGC

era manter os preços dos produtos vendidos nas suas lojas mais baixos do que os

preços dos produtos vendidos pelos comerciantes das zonas não libertadas e

controladaspelosportugueses.Noentanto,dificuldadesdetransporteeaconsecutiva

frequente falta de bens essenciais nas lojas do partido, juntamente com a política

seguida de Spínola de apresentar preços artificialmente baixos nas lojas controladas

pelos portugueses, levaram a que alguns agricultores não trocassem os seus

excedentes nas lojas do PAIGC. Como notava um responsável por uma destas lojas:

“quando o partido tem boas coisas para vender o arroz não falta” (Rudebeck

1974:180). A corrupção também alastrava, e os bens que saíam de Conacry com o

objectivo de abastecer a rede de lojas desapareciam muitas vezes pelo caminho.

Amílcar Cabral, no Conselho Superior do Partido de 1971, mostrava‐se seriamente

preocupado com o estado de funcionamento dos Armazéns do Povo (Galli e Jones

1987:69,Rudebeck1974:182). 48 Fonte original: Cabral A. 1971. Sobre alguns problemas práticos da nossa vida e da nossa luta, transcrição de gravação de encontro do Conselho Superior de Luta, 9 a 16 de Agosto de 1971 em Conakri, página 14. 49 De 1964 a 1965 a colheita de arroz de Tombali, região sul, terá crescido 15%. Mais informação em Dhada, M. (1993) Warriors at work - how guinea was really set free, (Colorado: University Press of Colorado), página 75. 50 Devido a bombardeamentos sucessivos, entre 1965 e 1967, 167 mil pessoas terão emigrado para o Senegal (Dhada 1993: 90, ver nota de rodapé anterior para referência completa).

Page 83: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

83

5.3Guiné‐Bissau:Agricultura,SegurançaAlimentar,ComércioePolíticasAgrícolas

5.3.1O“Estado‐Partido”:PolíticasdeDiversificaçãoAgrícolaedeComércio.

Em 1977, já após a independência e a criação da República da Guiné‐Bissau, no 3º

Congresso do PAIGC é elaborada uma Estratégia de Desenvolvimento Equilibrada

Global que definia um conjunto de linhas orientadoras para a “criação de um

excedente alimentar, tanto para consumo interno como para exportação,

conjuntamente com a criação de uma capacidade de processamento das colheitas”

(Havik 1990:43). Simultaneamente faziam‐se planos para a criação de centros de

extensãoruralquedariaminstruçãoaoscamponesessobrenovastécnicasdecultivo,

prestaçãodeassistênciatécnicanomeiorural,selecçãodesementes,entreoutros–

projectosqueviriamaser iniciadosem1977/78.Tambémumasériedeprojectosde

grande escala para o sector agrícola entram em funcionamento com o apoio de

empréstimos estrangeiros (Havik 1990:44). A agricultura era anunciada como a

prioridadedopartido.VascoCabral,ComissáriodeEstadodoPlanoeDesenvolvimento

Económico, declarava numa entrevista em 1977: “Nós definimos uma estratégia de

desenvolvimentoque seenquadra comanossa realidadeeconómica, eque começa

com a agricultura como mais alta prioridade, já que 86% da população são

trabalhadoresagrícolas”(Cabral1977:50emLopes1987:99)51.

Asprimeirasmedidastomadaspelosnovosgovernos–nacionalizaçãodaterra,alguns

benefíciossociaisparaaspopulaçõesrurais,participaçãodaspopulaçõesnasdecisões

locais–juntamentecomoentusiasmodaindependênciaganharecentemente,tiveram

como resultado uma subida da produção agrícola nos primeiros anos após a

independência(Lopes1987:103).

51 Fonte original: Vasco Cabral. 1977 “A nova via de desenvolvimento da Guiné-Bissau”, entrevista por Mário Arruda, Economia e Socialismo, 21 (Dezembro). Ver páginas 49-58.

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Após a independência, a Casa Gouveia e a Sociedade Nacional Ultramarina, que

detinhampraticamenteomonopóliodocomércioeexportaçãoguineensesduranteo

período colonial, são nacionalizadas. Os Armazéns do Povo e a SOCOMIN (uma

parceria de capitais públicos e privados), passaram a formar uma rede de 230 lojas

ondeosagricultoresdeveriamvenderassuasproduçõesecomprarbensimportados.

Tambémcercade270comerciantesprivadostrabalhavamnointeriordopaísservindo

deintermediáriosentreosagricultoreseaslojasoficiais(FAO1983:26emGallieJones

1987:113). No entanto, os preços oficiais oferecidos aos agricultores pelos seus

excedentes mantinham‐se baixos, e as lojas enfrentavam também constantes

problemas de abastecimento em bens importados52, e os agricultores, tal como já

haviam feito por todo o período colonial responderam diminuindo a produção, ou

vendendo ilegalmenteosseusprodutos (Lopes1987:101).De1978a1982regista‐se

um declínio dos produtos entregues pelos agricultores nas lojas oficiais. De uma

produçãonacionaldearrozestimadaem80miltoneladasem1981sãoentreguesao

estado apenas 1547 toneladas, e para o mesmo ano, das 30 mil toneladas que se

estimava terem sido produzidas as lojas oficiais receberam 6475 toneladas. A

quantidade global de produtos vendidos pelos agricultores aos Armazéns do Povo

reduz‐se de 41 132 toneladas em 1979 para 18 651 toneladas em 1980. De 1977 a

1980aproduçãodearrozbaixade85miltoneladaspara75,8miltoneladas,eados

restantes cereais (sorgo, milho, milheto etc.) de 62 mil toneladas para 39 mil

toneladas. A produção de amendoim, principal produto de exportação durante o

período colonial, reduz‐se de 41 mil toneladas para 22, 5 mil toneladas (Handem

1988:56).

Como consequência o estado guineense aumenta as importações de cereais para

responder à falta de alimentos (Galli e Jones 1987:114) (Figura 5). Comerciantes

itinerantes (djilas) competiam com as lojas estatais pagando aos agricultores preços

mais altos que os oficiais53, e apesar de supostos aumentos de preços pagos aos

agricultoresde1976a1983,ainflaçãoeraaltíssima,eestesconseguiamcomprarcada

52 O volume de bens de consumo transportados para o interior do país ter-se-á reduzido 23% entre 1977 e 1981 (FAO 1983: 26 ci. In Galli e Jones 1988: 113) 53 Por exemplo em Maio de 1984 estes comerciantes pagavam, na região de Cacheu, três vezes o preço governamental pelo óleo de palma vendido pelos agricultores.

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85

vezmenos coisas com os seus ganhos (1978, 1980 em Galli e Jones 1987:115). Em

1983 a Secretaria de Estado do Plano da Guiné‐Bissau afirmava que “um valor da

produçãoquaseigualaoqueéexportadooficialmenteéexportadoilegalmentepelos

agricultores”(Galli1988:109citaRepublicadaGuiné‐Bissau,1983b,p.4).

Apesardoconstantereafirmardaimportânciadadaaosectoragrícolapelogoverno,a

estratégiadopós‐independênciaguineensebaseou‐senatentativadeindustrializaro

país. O dinheiro da ajuda externa seria investido numa série de empreendimentos

industriais.DosrecursosrecebidosdoexteriorpelaGuiné‐Bissauapenascercade5a

6%terãosidodestinadosàagricultura.De1977a1982,osectorprimário,apesarde

contribuir com 48,5% do PIB, de assegurar a auto‐suficiência de grande parte da

populaçãoemalimentos,edeempregarmaisde87%dapopulaçãoactiva,beneficiou

apenasde12,8%demédiaanualdosinvestimentospúblicosrealizados,edemenosde

6%doorçamentodeestado.Aindústria,pelocontrário,absorveem1979e1980mais

de 25% dos investimentos públicos (Handem 1988:56, Havik 1990:44). No entanto,

estes investimentos industriais onde mais de 43 milhões de dólares americanos

haviam sido investidos em menos de quatro anos não ofereciam garantia de

rentabilidade, e encontravam‐se fortemente dependentes de matérias‐primas

importadas do exterior. Em 1983 as setenta unidades industriais empregavam5mil

pessoas, e estavam a trabalhar em 70% da sua capacidade produtiva (Galli e Jones

1987:119).

Em 1980 o governo é deposto, e o programa do novo governo provisório volta a

afirmar“umrenovadoesforçoparadinamizaraagricultura” (Havik1990:45).Onovo

ministro da agricultura, Mário Cabral, afirma que a grande prioridade dada ao

desenvolvimento da agricultura pelo anterior governo “não passara de uma mera

consideração teórica” (Mário Cabral 1981. Prioridade apenas em teoria: 6 anos de

politicaagrícola.NôPintcha13/01,p.4‐5emLopeseHandem1987:105).Noentantoa

situaçãoemnadasealteraria.

Page 86: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

86

5.3.2OsProgramasdeAjustamentoEstrutural:aApostanaAgriculturaeaLiberalizaçãodoComércio

No início dos anos oitenta a economia guineense encontrava‐se profundamente

desequilibrada.O consumopúblico e privado era excessivo, a produção agrícola era

insuficiente,asdespesasdogovernoemfuncionárioseserviçoseraminsustentáveis,e

a posição externa do país era altamente vulnerável devido a uma taxa de câmbio

sobrevalorizada‐queimpediatambémafixaçãodepreçosrazoáveisaosagricultorese

aumaconcentraçãoexcessivadasexportaçõesemtornodeumnúmeroreduzidode

produtos – amendoim e amêndoa de palma (GEBNGB 1986:8, Lopes e Handem

1987:29). No início dos anos oitenta sucedem‐se maus anos agrícolas, com

precipitações escassas e irregulares, e simultaneamente as cotações nos mercados

internacionais dos principais produtos de exportação da Guiné – amendoim e

amêndoadepalma–baixam(GEBNGB1986:8).

Em1980oorçamentodeestadorepresentavaumdéficede53%,comasreceitasdo

governo servindo apenas para pagar 90% dos salários da função pública. As

exportações representavam apenas 16,5% das importações, e em 1981 a produção

nacional não cobriamais do que 85 a 95% das necessidades de consumo (Handem

1988:57,LopeseHandem1987:39).

Devidoaosgravesproblemaseconómicosdopaísogovernoelaboraem1982,como

Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional, um Plano de Estabilidade e

Crescimento (PEC), que entraria em vigor em 1984 e duraria até 1987. O plano

centrava os seus esforços no sector agrícola, para o qual destinava 30% do

investimento público, enquanto a indústria seria destino de apenas 6,1% (Handem

1988:59). O plano visava também eliminar os desequilíbrios orçamentais entre

produção e consumo, reorganizar os circuitos comerciais,melhorar a capacidade de

gestão e controlo económico dos serviços públicos. Como forma de atingir estes

objectivos decide‐se desvalorizar amoeda nacional, liberalizar os preços (mantendo

apenas preços base para alguns bens essenciais), congelar os salários da função

pública,aumentarimpostos,eprivatizarainiciativaeconómica(Handem1988:59).

Page 87: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

87

Em finais de 1983 dá‐se a desvalorização do peso guineense em 100%, que se

mantivera estável desde 1978, e durante os anos de 1984 e 1985mantém‐se uma

políticadeajustamentossemanaisnataxadecâmbio54.

Apesar da desvalorização damoeda nacional ter permitido um aumento relativo de

preçosdosprodutosagrícolas,oqueteriaumreflexopositivonasexportaçõesde1984

(Lopes e Handem 1987:29), as dificuldades de abastecimento de bens importados

necessários aos produtores agrícolas manter‐se‐iam, e teria como consequência

continuasbaixasnasexportações.De1981a1985asimportaçõesmantiveram‐seem

cercade59,9milhõesdeUSD(FOB),ousejaumamédiaanualdevalordeimportação

poranoporhabitantede75dólarescontraapenas13dólaresdeexportação(Handem

1988:32). Como consequência o défice aumentava (GEBNGB 1986:12). Em 1986 o

défice e o endividamento externo cresciam, e o país encontrava‐se fortemente

dependente da ajuda alimentar externa (Sanhá 1988:37). Se a desvalorização da

moeda nacional significou numa primeira fase aumento dos preços dos produtos

agrícolasnacionais,significoutambémaumentodospreçospagospelosconsumidores,

que teriamcomoresultadoumaperdasignificativadopoderdecompradas famílias

urbanas(principalmentedosassalariados,quehaviamvistooseusaláriocongelado).

Em1987oMinistériodoPlano reconhecia a “deterioraçãodopoderde compradas

populações urbanas” (Handem 1988:66), que se calculava que em Bissau tivesse

decrescidoemmaisde70%entre1983e198655.EmBissauonúmerodecasosdemá

nutriçãoaumentava(Handem1988:67).

Tambémosagricultores,apesardenãotãoafectadospelaaltainflação,poistambémo

preço pago pelas suas produções subia, perdiam poder de compra. Em 1985 um

camponês teria que vender 60 kg de arroz para comprar dois metros de tecido de

segunda qualidade, em 1986 esse valor decrescia apenas para 57 kg de arroz, isto

54 Em Novembro de 1983, 1 dólar americano valia 42, 01 pesos guineenses. Em Dezembro de 1983, 1 dólar americano valia 84, 48 pesos guineenses. Em Dezembro de 1985, 1 dólar americano valia 176, 61 pesos guineenses, e em Junho de 1986, 1 dólar americano valia 205, 76 pesos guineenses (GEBNGB 1986: 20). Mais informação em GEBNGB (1986) Balanço do sector externo – 1985 - gabinete de estudos do banco nacional da guiné-bissau. Boletim de Informação Sócio-Económica, 4(pp. 7-23 55 A liberalização económica provocou grande especulação sobre o preço dos bens alimentares. Entre 1984 e 1986, o óleo alimentar subiu de preço 275%, os ovos 200%, o peixe 265%, o arroz 67%, e o açúcar 29% (Handem 1988: 67).

Page 88: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

88

apesar de o preço do arroz ter aumentado em 50% no mesmo período (Handem

1988:67).

Devido aos maus resultados, em 1986 é preparado um Programa de Ajustamento

Estrutural (PAE), também com a assistência do Banco Mundial e Fundo Monetário

Internacional56. O novo plano reconhece que não é suficiente aumentar os

rendimentosdosagricultores(quenãotinhamnapráticaaumentadocomoPEC,mas

tambémaumentaraofertadebensdeconsumonosmercadosrurais.Alegadamente

porestemotivo,oPAEincluíaentreassuasmedidasaliberalizaçãoeprivatizaçãodas

estruturas do mercado interno e dos preços, que visava estimular os comerciantes

privadosaimportaredistribuiressesprodutos(AlvessoneZéjan1991:84).

Osobjectivoschavedoprogramaeram:reduzirodéfice;conseguirumasituaçãoviável

dabalançadepagamentos;estimularocrescimentodossectoresprodutivos; reduzir

progressivamente a taxa de inflação; conseguir a estabilidade relativa dos preços.O

novoPAEdefiniaaagriculturacomo“sectorfundamentaleprioritáriodaeconomia”,e

defendiaumaumentodaproduçãoagrícolademodoaatingir “níveisadequadosde

segurança alimentar das populações” mas também a “gerar recursos no exterior

indispensáveis ao processo de desenvolvimento e a satisfação de compromissos

decorrentes da divida externa” (Sanhá 1988:38). Propunha‐se portanto a aposta na

auto‐suficiência alimentar da populaçãomas também o incentivo em produções de

exportaçãocomvantagenscomparativasecommaiorvalordemercadointernacional

comoacastanhadecaju(BISE1987:32).

Eseria justamenteesteproduto–acastanhadecaju–queapartirdosanosoitenta

viriarevolucionarossistemasagrícolaseaeconomiaguineense.

No capítulo 6 são analisados em maior detalhe as causas da grande expansão do

cultivodecajueiros,eosfactoresqueexplicamaquebranaproduçãodealimentosa

partirdosanos80.

Page 89: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

89

5.4Síntese

Aactualdependênciaguineensedeumúnicoprodutodeexportação–acastanhade

caju – não é um fenómenonovo. A situação presente parece antes a repetição dos

acontecimentosdosúltimoscemanos.Durantetodooperíodocolonialasexportações

guineenses mantiveram‐se fortemente dependentes da exportação de amendoim e

amêndoadepalma,eforamsempreosagricultoresqueasseguraramaproduçãodos

cashcropsemcujaexportaçãoaeconomiacolonialassentou,comassuastécnicas,nas

suasterras,comasuamão‐de‐obraeexclusivamentecomosseusmeios.Opapeldo

estadoparece ter ficadopelodemerocompradorevendedordematérias‐primas.E

emboraadependênciadamonoculturaassustassealgunsesepedisseepropusessea

diversificação agrícola, as políticas e medidas nunca reflectiram as considerações

teóricas.Afaltadeinvestimentonosectoragrícolaemedidaspolíticasderegulaçãode

mercado que não favoreceram os agricultores parecem ter sido uma constante

durante o período colonial. Também no período pós‐independência, e apesar do

constanteconstardaagriculturacomoprioridadedosváriosgovernos,osectorparece

ter ficado entregue aos agricultores, quenovamente comas suas técnicas, nas suas

terras, com a sua mão‐de‐obra, e exclusivamente com os seus meios foram

encarregues de assegurar a alimentação e as exportações do país. As políticas de

preços tomadas voltaram a não ser favoráveis aos agricultores, os projectos de

modernização do sector agrícola falharam, e a agravar a situação o amendoim e a

amêndoa de palma perderam preço nomercado internacional. A crescente falta de

mão‐de‐obradisponívelparatrabalhosruraisdevidoaoêxodoruraldopósguerrade

independência,eoaumentodadependênciadealimentos importados foramoutros

dosfactoresimportantesduranteesteperíodo.

Page 90: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

90

CAPÍTULO6‐ACastanhadeCajunaGuiné‐Bissau:Produção,CircuitosdeComercializaçãoeImplicaçõesparaaSegurançaAlimentar

6.1ASubstituiçãodeumaMonoculturaporOutra–DoAmendoimaoCaju

AsexportaçõesdecastanhadecajunaGuiné‐Bissaucresceramde400toneladasem

1979 para 135 708 toneladas em 2009 (figura 1). As causas de um tão fulgurante

aumentodaexportaçãodecastanhadecajusãovárias,masasubidadepreçosdeste

produtoapartirdoiníciodadécadadeoitentaétalvezaprincipalrazãoquelevouos

agricultores a apostarem na cultura do cajueiro em detrimento da plantação de

amendoim(tabelas1e2).

Figura1.Evoluçãodaexportaçãodecastanhadecaju(emtoneladas).Fonte:FAOStateCNC

2009.

Durante os anos oitenta, devido à expansão das plantações de soja nos EUA e às

medidasproteccionistasàagricultura implementadaspelaEuropacomunitária,dá‐se

umadramáticaquedadascotaçõesnomercadointernacionaldosprincipaisprodutos

deexportaçãodaGuiné‐Bissau‐oamendoimeaamêndoadepalma(Dias1992:20).O

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91

preçodaamêndoadepalma,porexemplo,quenormalmenterondavaos409dólares

americanos,reduzia‐separa150‐160dólaresamericanosem1985.

O preço da castanha de caju, pelo contrário, evoluía favoravelmente. Em 1984 a

castanhadecajujárepresentava41%dovalortotaldasexportaçõesguineenses,eos

seuspreçosnomercadointernacionalcontinuavamaaumentar(GEBNGB1986:11).

Tabela 1. Evolução dos preços oficiais ao produtor da castanha de caju e do amendoim

(PG/kg.) entre 1983 e 1992. Fonte: Dias 1992: 27, baseado em dados do Ministério do

ComérciodaGuiné‐Bissau.

1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992

Castanhadecaju 9,5 17,5 28,5 38,5 125 230 350 450 550 1000

Amendoim 9,2 15,5 25 32,5 40 80 140 225 275 500

Em1989, a questão já não era como resolver o problemada baixa de produção de

amendoim e amêndoa de palma, mas sim “de eliminar essas culturas

progressivamentedoquadrodasexportações, tendoemcontaoproblemadaperda

de rendimentos dos seus produtores, há muito orientados para essas culturas”

(Fonseca 1989: 7). A castanha de caju foi a solução encontrada. O programa de

ajustamento estrutural, seguido pelo governo a partir demeados da década de 80,

veioreforçaraimportânciadadaàcastanhadecaju:“tendoemcontaodesequilíbrio

da balança de pagamentos e as vantagens comparativas existentes em algumas

produçõesdeexportação,deveserincentivadaaproduçãodeprodutosexportáveise

commaiorvalornomercadointernacionalcomoacastanhadecaju”(BISE1987:32).E

apartirdestadataasexportaçõesdecastanhadecajunãomaisdeixariamdecrescer.

Tabela2.Evoluçãodasexportaçõesdecastanhadecaju,amendoimeamêndoadepalma(em

toneladas) de 1983 a 1991. Fonte: Dias 1992: 25, baseado em dados do Banco Central da

Guiné‐Bissau.

Page 92: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

92

1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991

Castanhadecaju 2000 8000 6800 8000 10470 10500 9410 16410 15670

Amendoim 8300 8100 4300 2400 3300 3900 2000 2000 1100

Amêndoadepalma 5300 6900 2500 7600 5900 6500 5100 1600

Abaixo descreve‐se as primeiras tentativas de introdução da castanha de caju na

Guiné‐Bissauaindaduranteotempocolonial,ascausasdosucessodestaculturaentre

oscamponesesguineensesapartirdosanosoitenta,ofuncionamentodomercadode

compradacastanhadecajunaGuiné‐Bissau,aevoluçãodospreços recebidospelos

agricultores, e a importância das exportações de caju na economia guineense.

Reflectiu‐se também sobre a forma como o estado guineense tem lidado com o

mercado de compra de castanha de caju, a evolução de preços recebidos pelos

agricultores,aeventualapostadopaísnoprocessamentoetransformaçãodacastanha

de caju, e ainda sobre as implicações da plantação de cajueiros para a segurança

alimentardosagricultoresguineenses.

6.2PrimeirasTentativasdeFomentodoCultivodeCaju

No séculodezanove, e talvezbastante antes, o cajueiro jáhavia sido introduzidona

Guiné57. Em 1911 algumas administrações distritais, como por exemplo Quínara, já

haviamsemeadocajueirosnosseushortosexperimentaiscomoobjectivodeestimular

aproduçãoentreosagricultores(Fernandes1911:4).Duranteosanostrintaocajueiro

estavadisseminadopelaGuiné,formandosebesemtornodasestradas.Acastanhade

caju era utilizada pelos agricultores como complemento alimentar, e o fruto era

espremidoparafabricodevinho,consumidopelosnãomuçulmanos.Serianoentanto,

apenasem1946‐48,queaadministraçãocolonialtomariamedidasparaexpansãodo

cultivo do cajueiro, quando o governo da província determina que todos os postos

administrativos semeiem anualmente 1 hectare de cajueiros, e que seja distribuída57 Em são Tomé, por exemplo, já havia cajueiros no século XVI. Para a Guiné, contudo, não existem fontes que mostrem uma introdução tão antiga, no entanto, é provável que o cajueiro já existisse na Guiné antes do século XIX.

Page 93: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

93

sementeira pelos agricultores (Areal 1954:745). Durante os anos cinquenta são

realizados uma série de estudos que mostram que a Guiné tem “condições agro‐

climáticas favoráveis ao cultivo do cajueiro”. A castanha começava a ter “muito

interessenosmercadosnorte‐americanoscomoartigoalimentar”,ondeestava“muito

emvoga”(Areal1954:745).Em1953sãoenviadasdeMoçambique58paraaGuiné10

toneladasdecastanhadecaju,eogovernodaprovínciadaGuinéPortuguesadistribui

aremessapelascircunscriçõesparaquefossedistribuídasementeirapelosagricultores

(Areal1954:745).Em1954aproduçãodecastanhadecajuestariaentreas300a400

toneladasanuais,eacasacomercialAntónioSilvaGouveiapediaautorizaçãoeapoio

do governo para instalação de uma fábrica de descasque de caju (Areal 1954:745,

PicadoHorta&Sardinha1966:408).

Nofinaldosanos50erajálugar‐comumentretécnicosefuncionárioscoloniaisqueo

cajupoderiaviraassumir“umpapeldeprimeiroplanonodesenvolvimentoagrícolae

industrialdaGuiné”(PicadoHorta1965:333).Em1959ocajueiro,devidoàsuagrande

rusticidade,éincluídonoPlanodeRegeneraçãodoCobertoVegetaldaGuiné.Contudo

apenas em 1964 se iniciaria um estudo sobre a expansão do cultivo do cajueiro na

Guiné pela Brigada de Estudos Agronómicos (Picado Horta 1965:333). Em 1965 o

“Plano de desenvolvimento da cultura do cajueiro na Guiné Portuguesa” propõe a

plantaçãodecajueiroscomoformaderecuperaçãodossolosdegradadospelacultura

doamendoim(LainseSilva1965).Assim,em1966era“decisivamenterecomendadoo

cultivodocajueiro”comoformade,diversificaraproduçãoagrícoladaGuiné,retirar

pesoàmonoculturaamendoimnasexportações,eporoutrodecontrolarosprocessos

de degradação ambiental devidos à cultura do amendoim (Albuquerque Sardinha&

PicadoHorta1966:157).

Noentanto,dasmedidaseplanospropostospoucaspassariamàprática,eemborao

PlanoIntercalardeFomentoestabelecessecomoobjectivoparaotriénio1965‐1967a

plantaçãode10mil hectaresdepomaresde cajueiros, alguns autoresdescreviamo

planocomo“objectivoinviável”(PicadoHorta1965:409).AprópriaBrigadadeEstudos

Agronómicos afirmava que “com o material mecânico disponível não seria possível

Page 94: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

94

alcançar ritmos de plantaçãomuito além dos 100 a 200 hectares por ano” (Picado

Horta1965:409).Propunham‐semedidasparaconseguiresteobjectivo,taiscomo:(i)

"continuaçãodeestudossobreacaracterizaçãovarietaldocajueiro";(ii)plantaçãonas

comunidades rurais de Gabu e Bafatá de 2400 hectares de cajuais até 1973”; (iii)

“plantaçãonailhadeBissaude200hectaresdecajuais,correspondentesaumafaixa

paracadaladodasestradasaté1973;(iv)plantaçãode200hectaresdecajuaisnaIlha

das Galinhas (Albuquerque Sardinha & Picado Horta 1966:263). Mas de facto, em

1964,plantaram‐seapenas77hectaresdecajueiros,contraos500hectaresprevistos

porano.Em1965aBrigadadeEstudosAgronómicosconstruíaumviveiroemTeixeira

Pinto(actualCanchungo),eplantavaemPelundo60hectaresdecajueiros.Nailhade

Bolama era instalado um viveiro com capacidade para 17 mil plantas de caju, e

plantou‐se um pomar com 129,9 hectares. Em Bijemita plantaram‐se 20 hectares

(apenas 33%doprevisto) e no Pessubé, emBissau, plantaram‐se apenas 9 hectares

(PicadoHorta1965:409).

O mesmo plano de fomento definia como objectivo “o lançamento de indústrias

ligadasàagricultura”paraoquedestinavaumaverbade7500contos,praticamente

destinados ao financiamento de um único empreendimento ‐ a montagem de uma

unidadededescasquedecastanhadecaju.Defacto,desde1954,afirmaAntónioSilva

Gouveiamostravaintençõesdeavançarcomaconstruçãodeumcomplexoindustrial

paradescasque,preparaçãodecastanhaeextracçãodolíquidodacascadacastanha

de caju, e a empresaCAJUCA também sepropunha àmontagemdeuma fábricade

descasquedecastanhadecaju(PicadoHorta1965:408).Porém,apesardacotaçãodo

cajunosmercadosinternacionaisserfavorável,adificuldadeemobtermatéria‐prima

regularmenteeemquantidade,condiçõesessenciaisparaprocederaodescasqueda

castanha de caju em escala industrial, parecia tornar estes objectivos difíceis de

alcançar(PicadoHorta&Sardinha1966:142).

6.3OCultivodoCajunaGuiné‐Bissau–UmaProduçãodePequenosAgricultores

Page 95: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

95

NaGuiné‐Bissauaáreacultivadacomcajueiroscresceunumperíododeapenas30

anos,de10milhectaresem1974para212milhectaresem2008(Figura1).Embora

nãohajadadosestatísticosfiáveisparaopaís,aANAG(AssociaçãoNacionalde

AgricultoresGuineenses),calculavaem2004que4,84%dasuperfíciedopaísestaria

cobertacompomaresdecajueiros,umnúmeroquetornaaGuiné‐Bissauopaísanível

mundialcommaiorpercentagemdoseuterritórioocupadaporcajueiros(Lynne

Jaeger2004:3).Édeesperarqueactualmenteaáreacultivadacomcajueirosseja

bastantesuperior,dadooforteincrementonaproduçãoquesedeunosúltimosanos.

Figura2.Evoluçãodaáreaemhectaresocupadaporpomaresdecajude1961a2008.Fonte:

FAOStat2010.

AproduçãodecastanhadecajunaGuiné‐Bissauéasseguradaessencialmentepor

pequenosagricultores,nãoexistindopraticamentegrandesproprietáriosdepomares

decaju.SegundoumestudodaSNV(CooperaçãoHolandesa),realizadoem387aldeias

dopaís,juntode3938produtoresdecastanhadecaju,67,7%dosprodutorespossuem

pomaresdecajueiroscomáreasentre1e2hectares,e32,3%pomarescomáreas

entre3e10hectares.Osgrandesproprietários,compomaresdemaisde10hectares,

sãoquaseinexistentes(Camará2007:13).

Amaiorpartedaproduçãoévendidapordinheiro(61%)outrocadaporarroz(25%),e

apenasumapequenaquantidade(13%)éconsumidaouutilizadaparaoutrosfins

(Camará2007:17).Édacastanhadecajuqueseretiragrandepartedorendimentode

Page 96: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

96

umpomar(90,1%),enquantoovinhodecaju,fabricadoatravésdesumoespremidodo

fruto,eaaguardentedecaju,obtidapordestilaçãodovinho,apenasrepresentam

rendimentossimbólicos(7,4%e1,7%respectivamente)(Camará2007:30).

AgrandeexpansãodocultivodecajueirosnaGuiné‐Bissaudeu‐secertamentedevido

aobompreçoqueacastanhadecajuapresentounomercadonacionalapartirdefinal

dosanossetenta,eàquedadepreço,nomesmoperíodo,dostradicionaiscultivosde

rendimentodosagricultoresguineenses–oamendoimeamêndoadepalma.No

entanto,outrosfactoresexplicamoporquêdeumatãorápidaexpansãoeinserçãodo

cajueironossistemasagrícolasdoscamponesesguineenses.

Ocultivoemanutençãodeumpomardecajueirossãorelativamentesimplesepodem

serexecutadosporidosos,mulheresecrianças,oqueconstituidefinitivamenteuma

vantagemparaassociedadescamponesasguineenses,comforteslimitaçõesdemão‐

de‐obraapartirdadécadadesetenta.

Otrabalhoexigidoporumpomardecajupassapelasuasementeira,quesepode

realizarnamaioriadosterrenosdisponíveisdopaís,emsavanaoufloresta.Após

quatroanososcajueiroscomeçamadarosprimeirosfrutos,epartirdosnoveadez

anosatingemoseuníveldeproduçãoóptimo.Apartirdos20anos,asárvoresbaixam

oseurendimento(França1994).EmMarço,inicia‐seacolheitadacastanhadecajuna

Guiné‐Bissau,queduranormalmenteatéfinaldeJunho.Acolheitaconsiste

basicamentenaapanhadosfrutosquecaemnochão,enaseparaçãodofrutoda

castanhadecaju.

Tambémanualmenteénecessárioprocederatrabalhosdelimpezadavegetaçãoque

crescenospomares(sobpenadeavegetaçãocrescerdetalformaquesetorne

impossívelacolheitadacastanhadocajuedeaprodutividadedoscajueirosdecrescer

devidoàcompetiçãocomasoutrasespécies).Ostrabalhossãonormalmentefeitos

comautilizaçãodecatanasduranteosmesesqueprecedemacolheita(Outubroa

Março).DeJaneiroaMarço,eantesqueseinicieoperíododasgrandesqueimadase

dosfogosdescontrolados,constroem‐seaceirosemtornodospomaresdecaju.Para

tal,corta‐seumatiradevegetação,ouqueima‐secomrecursoafogocontroladoo

Page 97: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

97

terrenoemvoltadospomares.Ostrabalhosanuaisdelimpezaedeconstruçãode

aceiros,constituem,àexcepçãodacolheita,amaiorpartedotrabalhoaserrealizado

numpomardecaju.

Umoutrofactorquedecisivamentecontribuiuparaarápidadifusãodocultivodo

cajueironaGuiné‐Bissauéasuarusticidadeeafacilidadecomqueseadaptaàmaioria

doshabitatsdisponíveisnopaís.Umpomardecajueirospodesersemeadoem

terrenosdesavanaeemterrenosdefloresta,dandoboasproduçõesnumenoutro

habitat,implicandoestaescolha,contudo,algumasdiferenças.

Umagricultorquedecidasemearoseupomaremterrenosdesavananãotemque

procederaocortedegrandesárvores,trabalhonecessárioseainstalaçãodopomar

forrealizadaemterrenosdefloresta,oquedefinitivamenteconstituiumavantagem

quandoasúnicasferramentasdisponíveissãocatanasemachetes.Noentanto,é

bastantemaisprovávelqueumpomardecajueirosinstaladonumterrenodesavana

venhaaqueimarduranteoperíododasgrandesqueimadasdescontroladasantesdas

chuvas(AbrileMaio).

Apósasementeiradocajuéprecisoevitarqueograndecrescimentodeherbáceas,

maispronunciadonasformaçõesdesavana,venhaapôremcausaocrescimentodos

jovenscajueiros,particularmentesensíveisduranteostrêsanosapósasementeira.

Paratal,osagricultorescultivamoamendoimemsimultâneocomocaju.Aplantado

amendoim,comduraçãodetrêsanos,evitaqueduranteoperíodomaiscríticoparaa

plantadocajuasherbáceassedesenvolvam,esimultaneamentepermiteaobtenção

debonsrendimentosenquantooscajueirosnãoentramemprodução.

Parainstalaçãodeumpomardecajueirosemterrenosdefloresta,otrabalhoinicialé

bastantemaisexigente,jáqueénecessárioprocederaoderrubedetodasasárvorese

arbustosdaparcelaondesedesejaprocederàsementeiradocaju.Noentanto,por

todaaGuiné‐Bissau,pratica‐seumsistemadeagriculturaitinerante,eosagricultores

guineensesintroduziramocultivodecajueirosnosseustradicionaissistemasde

cultivo.

Page 98: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

98

Osistemaagrícolaitinerantebaseia‐senocortedeparcelasdefloresta,nasecageme

queimadostroncosematerialvegetalcortado(queirãoservirdefertilizante)antesda

épocadaschuvas.Umagricultordesmataacadaano,umaoumaisparcelasde

floresta59.Noprimeiroanosãosemeadasasculturasmaisexigentes,querequerem

solosmaisricos,principalmenteoarroz,enosanossubsequentesosagricultores

cultivamomilho,omilheto,osorgo,oamendoim,eofeijão,porperíodosque

normalmentenãoultrapassamoscincoanos.Apósesteperíodoemqueaparcelade

florestafoicultivada,oterrenoédeixadoempousioporperíodosquevariamentreos

cincoeosvinteanos,paraqueaflorestacresçadenovo,epossavirasernovamente

derrubada,queimada,ecultivada60.

Foinestesistemadecultivoqueosagricultoresintroduziramocultivodecajueiros.

Quandonoprimeiroanoosagricultoressemeiamarroz,cultivam‐nojuntamentecom

caju.Oarrozécolhido,enosegundoanocultiva‐seamendoim,queproduzirá

enquantooscajueirossedesenvolvem,evitando,talcomoemsavana,ocrescimento

deherbáceasqueimpediriamocrescimentodocaju.Noquartoano,oscajueiros

iniciamasuaprodução,eoterrenoaoinvésdeserdeixadoempousioparamaistarde

virasercortado,seráumpomardecajueiros.

Aocupaçãodeterrenosdefloresta,quesãopartedosistemadeagriculturaitinerante,

porpomaresdecajueiros,poderáterconsequênciaspesadas.Aparceladefloresta

desmatada,aoinvésdeapósoseucultivoporalgunsanosserdeixadaempousiopara

queaflorestavolteacrescer,eassimpossasernovamentederrubadaecultivada,fica

ocupadaporumpomardecajueiros.Emregiõesondeaflorestadisponívelépouca,a

59 O sistema de agricultura itinerante poderá ser individual ou colectivo. Em Quinara, por exemplo, e em aldeias onde há uma gestão colectiva do território, há aldeias que em conjunto desmatam uma grande parcela de floresta, que será dividida em parcelas, onde cada família fará os seus cultivos. Em outras aldeias, a derruba de floresta é feita de forma independente por cada família. Também na mesma região há famílias que exploram individualmente um pedaço de terreno, por este lhes ter sido cedido ou vendido, não havendo qualquer forma de gestão colectiva do território (são os chamados ponteiros). 60 Existe enorme variedade de sistemas de agricultura itinerante na Guiné-Bissau. Conforme a disponibilidade de floresta, o tipo de floresta, o tipo de solos, e a disponibilidade de mão-de-obra, varia a forma como se corta a floresta, o tempo de duração do pousio, o número de anos que um mesmo terreno é cultivado, etc.

Page 99: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

99

consequênciapoderáserareduçãodasáreasdisponíveisparaproduçãode

alimentos61.

OspomaresdecajunaGuinéapresentamnormalmentegrandesdensidadesde

plantação,comasárvoresacresceremmuitopróximasumasdasoutras.Grandes

densidadesdeplantaçãodecajueirostêmcomoconsequênciaummenorcrescimento

devegetaçãoespontâneadentrodospomares,oquesignificaparaosagricultores

menostrabalhosdelimpezaarealizaranualmente.Duranteanos,ofactodos

agricultoresguineensesplantaremosseuscajueirosmuitopróximosedeforma

desregrada,foitidocomocausadebaixasproduções,ealgunsprojectosde

desenvolvimentodesenvolverammesmoformaçõesaosagricultorescomoobjectivo

deensinodeboaspráticasdeplantaçãoemanutençãodospomaresdecajueiros.Uma

dessaspráticasseriaoaumentodoespaçamentoentreárvores.Noentanto,um

estudorealizadoem1994noâmbitodoprojectoTIPS62(França1994),mostrou‐se

comoaprodutividadedepomarescomaltasebaixasdensidadesdeplantaçãopoderia

sersemelhante.TambémosdadosdaAgri‐Bissau,umadasúnicasgrandesplantações

dopaíscomcajueirosbemespaçadoseordenados,reforçamestaideia:enquantonos

pomaresdaAgri‐Bissausetêmconseguidoproduçõesde378quilogramasdecastanha

decajuporhectare,aproduçãodospomaresdoscamponesesguineensesestá

estimadaentre600a1000quilogramasporhectare63(JaegereLynn2004:4).

Aadaptaçãodocajueiroàmaioriadossolosdopaís,agranderusticidadedaplanta,a

possibilidadedamão‐de‐obranecessáriaàmanutençãodeumpomardecajueà

colheitadacastanhapoderserasseguradapormulheres,velhosecrianças,eanão

necessidadedeutilizaçãoquaisquerinputs(comosementes,adubos,fertilizantes,

pesticidas),pareceexplicar,juntamentecomospreçosrazoáveisqueacastanhade

61 No entanto, novos dados têm surgido: ao contrário do que seria de esperar, e do que é correntemente afirmado na literatura, a regeneração de espécies florestais no interior dos pomares de cajueiros é bastante significativa (Joana Sousa, em publicação), e já são frequentes os casos em que pomares de cajueiros antigos e com baixas produções, abandonados por alguns anos, foram derrubados e queimados para que naqueles terrenos fosse cultivado arroz ou milho, com resultados bastante favoráveis (Manuel Bivar Abrantes, comunicação pessoal). 62 O projecto Trade and Investment Promotion Support (TIPS) - Guinea-Bissau, foi financiado pela USAID (United States Agency for International Development). 63 As grandes plantações de cajueiros da Guiné-Bissau, com necessidade de contratação de mão-de-obra no período da colheita, queixam-se das grandes reduções na produção (que chegam a atingir os 150 quilogramas por hectare) devido às grandes quantidades de castanha de caju desviada pelos apanhadores.

Page 100: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

100

cajutemapresentado,agrandeerápidaaceitaçãodocultivodocajueirojuntodos

pequenosagricultores.OgrandecrescimentodaculturadocajunaGuiné‐Bissautem

sidoaliás,daexclusivaresponsabilidadedospequenosagricultoresguineenses,num

paísemqueaspolíticasagrícolassãoinexistenteshápelomenosduasdécadas.Masse

atéagoraasplantaçõesdecajuguineensesetêmmantidopraticamentelivresde

pragasedoençasasituaçãopoder‐se‐áalterar,efungoscomoaGlomerellacingulata

eColletotrichumgleosporioidesedoençascomooOidiumanacardii,poderãocausar

estragosimensos.

6.4CastanhadeCaju,ProduçãoAgrícolaeSegurançaAlimentarnaGuiné‐Bissau

Amaiorpartedosdocumentosqueanalisamaproblemáticadasegurançaalimentar

naGuiné‐Bissausãounânimes:orápidoaumentodeproduçãodecastanhadecaju

tevecomoconsequênciaumadiminuiçãodaapostadosagricultoresnoscultivosde

subsistênciaeumagravardasituaçãodeinsegurançaalimentardopaís:

“Theproductionofricehassignificantlydecreasedinfavorofcashewfarming.This

situationrepresentsathreattofoodsecurity(…)Riceproductionstalledfollowingthe

cashewboomofthe1990s,duemainlytoincreasedreallocationofagriculturalland

andlaborforcetocashews.Thestrategyofreplacingasubsistencecropwithacash

cropinvolvesamajorfoodsecurityrisk…”(Boubacar‐Sid2007:84).

“Lecajouapartiellementsubstituélaproductionrizicole,etdoncengendréuneperte

d’auto‐suffisance(enmoyenne30pourcentdesbesoinsencéréalessontsatisfaitspar

desimportations).D’unautrecôté,lesrevenusdelafilièrecajouontpermisune

augmentationdel’importationderizparlebiaisdesdevisesgénéréespar

l’exportationdecajouetuneaugmentationdupouvoird’achatdesménages”

(MADR/FAO/PAM2007:7).

Page 101: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

101

RicehaslongbeenthestaplefoodofGuinea‐Bissau,buthasinrecentyearsbeen

displacedtosomeextentbycashewcultivation,withthecashcropbeingusedin

exchangeforriceaswellasforcash.Withthedecliningshareofnationalgrainneeds

beingsatisfiedbydomesticproduction,importshavefilledthegap(BancoMundial

2010:86).

Conclusõesdestasdecorremdaanálisedaevoluçãodaproduçãodecastanhadecajue

daproduçãodearroz,vistoesteserocerealmaisconsumidonaGuiné‐Bissau(37%da

alimentação,40%dascaloriasconsumidas,eumconsumoanualporpessoade87,3kg

(BancoMundial2010:89)).Para2008,assumindoqueapopulaçãodopaíserade1,6

milhõesdehabitantes,estimava‐sequeoconsumototaldearrozfossede139680

toneladas,ocorrespondentea235000toneladasdearrozcomcasca(BancoMundial

2010:89).Estandoaproduçãodearrozdopaísem2008estimadaem148757

toneladasdearrozcomcasca(FAO2010),calculava‐sequeodéficeemarrozdopaís

fossede86243toneladas.

Noentanto,afirmarqueopaísnãoéauto‐suficienteemarroz,édiferentedeafirmar

queoaumentodaproduçãodecastanhadecajutenhaprovocadodiminuiçãoda

produçãodealimentos,umassuntotambémdiscutidonocapítulo7.

Estabelecerumarelaçãodecausa‐efeitoentreumaeoutrasituaçãonãoparecefácil,

nemevidente.Analisandoporexemploaevoluçãodaproduçãodasprincipaisculturas

desubsistênciadopaísreunidas(arroz,milhosemandioca),nota‐sequeototalde

produçãodealimentosmaisdoqueduplicadosanossessentaaosanosoitenta(figura

4).

Abaixotenta‐semostrarcomonãoéfácilconcluirqueoaumentodaproduçãode

castanhadecajuéacausadadiminuiçãodaproduçãoorizícoladopaís,eemcomoos

agricultores,semqualquertipodeapoio(oucomapoiosquenãotiveramresultados

positivos),respondendoaosnovosdesafioseconstrangimentosdasúltimasdécadas,

nãosótransformaramaGuiné‐Bissaunumdosprincipaisprodutoresmundiaisdecaju,

assegurandoaquasetotalidadedasexportaçõesdopaís,comoaindatransformaram

Page 102: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

102

osseussistemasagrícolas,assegurandoumaumentodaproduçãodealimentosdo

país.

6.4.1CausasdaDiminuiçãodaProduçãoOrizícolanosAnos1980e1990

Antesda independência,aadministraçãocolonialhaviaapostadona recuperaçãode

arrozaisdemangalpor todoopaís (ver capítulo5).Noentanto,duranteaguerra,a

produçãodearrozvoltaadiminuiremuitosdosarrozaissãoabandonados(figura3).

No período pós‐independência, durante a segunda metade dos anos setenta e na

décadadeoitenta,oMinistériodaAgriculturadaGuiné‐Bissau,providodefundosde

dadores internacionais,tevecomoprincipalprioridadearecuperaçãodosarrozaisde

mangal do sul do país. A maior parte dos projectos de recuperação passaram pela

construção de barragens de betão, um método de recuperação e construção de

arrozais diferente daquele praticado tradicionalmente pelos agricultores64. A

preferência foi por projectos de grande escala, com avultados investimentos e com

objectivosderecuperaçãodeváriosmilharesdehectaresdearrozaisabandonados.No

entanto, os resultados não foram positivos, “e em vez de melhorar a situação

causarammuitosproblemas,ehaviacasosemqueosagricultorespediamadestruição

dasobrasfeitas”(VanSlobbe1987:1.eCruz1986:44),easzonasondesecontinuava

a produzir arroz eram as zonas já hámuito recuperadas antes dos novos projectos

(Cruz1986:45).

64 Os arrozais de mangal (bolanha salgada) são antigos terrenos de mangal conquistados às marés através da construção de diques ou barragens. Nas bolanhas tradicionais são construídos diques sem recurso a máquinas, com lama e estacas, mas em algumas intervenções mais recentes foram construídas barragens de betão com a ajuda de máquinas. Nas bolanhas tradicionais o escoamento da água de dentro do arrozal é feito através de bombas construídas na maior parte dos casos com troncos de Elaeis guineensis ou Borassus aethiopum. Nas bolanhas em que foram construídas barragens o escoamento da água é feito através de comportas. Para uma descrição detalhada das diferenças de bolanhas tradicionais e bolanhas onde foram construídas barragens ver: Ribeiro, Rui. 1987. Barragens de água salgada. Soronda – Revista

de Estudos Guineenses 4: 38-57.

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103

Figura3.Evoluçãodaproduçãototaldearroz(emtoneladas)de1961a2008.Fonte:FAO

2010.

A generalidade dos autores mostra como a maioria destes projectos não foram

precedidos por uma pesquisa de terreno adequada, e em como as missões de

consultoriadestinadasaavaliaroandamentodosprojectossebasearamemdadose

relatóriospoucofiáveis(Havik1990:44).

No sul, nas regiões de Tombali e Quínara, onde amaior parte dos projectos foram

realizados, os resultados foram catastróficos. O caso particular das aldeias de Bila,

Louvado, Crato e Gã Malam, em Quínara, é analisado no capítulo 7 (caixa 3). O

ProjectodeDesenvolvimentodaCostaSul, iniciadoem1983, com financiamentoda

USAID de 9,2 milhões de dólares americanos, é encerrado em 1990, e “existia um

consensosobreos fracos resultadosatingidos”,enenhumadasbarragensplaneadas

fora construída (Gomes 1996: 60). O Projecto de Recuperação das Bolanhas de

Tombali/Quínara, iniciado em 1985, com um financiamento do Koweit Fund de 4,5

milhões de dólares americanos, com o objectivo de recuperar 9300 hectares de

arrozais, encerrou com apenas 1200 hectares recuperados, que, no entanto, eram

“inutilizáveisdevidoaproblemasdegestãodaágua”(Gomes1996:60).

Aagravarasituação,de1978a1984opreçodoarrozécongelado,ehouveperdado

poderdecompradosagricultoresquesededicavamaocultivodearroz(Ribeiro1988:

8).Umestudode1985sobreospreçosdoarrozpagosaosagricultoresestimavaqueo

retornoliquidodeumprodutordearrozdemangal(bolanhasalgada)erade92pesos

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104

guineensespordia,enquantoparaocultivodemandioca,umaproduçãocujopreço

nãoestavacontroladopelogoverno,erade353pesosguineenses(Konhert1988:9),o

queexplicaacrescenteapostadosagricultoresnocultivodestetubérculo(Figura2).

Figura4.Evoluçãodaproduçãodearroz,milhosemandiocade1961a2008(emtoneladas).

Fonte:FAO2010.

De1986a1989,contudo,falava‐sedeumarevitalizaçãodaproduçãoorizícola,devida,

na opinião de alguns à liberalização do comércio e subidas de preços pagos aos

agricultores, para outros a anos de chuva favorável, e ainda a um aumentar dos

ganhos com a venda de castanha de caju que permitiria um investimento na

recuperaçãodoscamposdearroz(Ribeiro1988:9).Noentanto,emboraosaumentos

deproduçãosejamvisíveisnasestatísticasoficiais (figuras3e7),algunsautoresque

realizaram trabalhos de investigação junto das populações produtoras de arroz de

mangal levantavamdúvidasquantoaestesaumentose falavammesmoemredução

dasáreasemprodução(Imbali1992:13).

As grandes quantidades de arroz importado a baixo preço que chegavam ao país, e

tambémoarrozprovenientedeajudaalimentar(figuras3e4),entregueaogoverno

paraservendidonomercadoeparaqueoslucrosfossemutilizadosemprojectosde

desenvolvimento, tornavamaconcorrênciacomoarrozproduzidopelosagricultores

difícil. No início dos anos noventa, os comerciantes não compravam o arroz de

Page 105: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

105

produção nacional (Atchengen 1992: 73)65, e em várias aldeias do sul, grandes

quantidadesdearrozficarammesmosemcomprador(Imbali1992:13).

Figura5. Evoluçãodas importaçõesde arroz (em toneladas) entre1970e2007.Fonte: FAO

2010.

Figura6.Evoluçãodaajudaalimentaremarrozefarinhadetrigo(emtoneladas)dototalde

dadoresentre1974e2007.Fonte:FAO2010.

65 O autor recolheu as informações em Abril de 1991 junto de um representante da empresa Stenaks, que tinha como objectivo a compra de arroz no sul do país para venda em Bissau, e também junto da representante de um projecto de desenvolvimento para a promoção da produção orizícola dos pequenos agricultores.

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106

Noiníciodosanosnoventa,os jovenscontinuavamaemigrarparaBissau,amão‐de‐

obra no campo a tornava‐se cada vez mais escassa, o arroz produzido pelos

agricultores tinha problemas de escoamento, os preços que apesar de subirem não

significaram melhorias de qualidade de vida. Das produções dos agricultores

guineenses, a castanha de caju era a única que mostrava realmente subidas

consideráveisdepreço(Imbali1992:13).

Numestudorealizadoemaldeiasdosuldopaís,naregiãodeCatió,talvezaprincipal

zonaprodutoradearrozdopaís,AlvessoneZéjan,notavamqueentre1986e1989as

receitas provenientes do caju (castanha e vinho) subiam de 6% para 9% dos

rendimentostotaisdosagricultoreseacastanhadecajuerajá“umbomcomplemento

do arroz”. Era provável, segundo os autores, que “a produção de castanha de caju

tivesse desestimulado outras actividades características dos períodos entre uma e

outraestaçãodearroz,comoporexemploaconfecçãodecestos,quediminuíamem

quantidades vendidas entre 1986 e 1989”, no entanto, visto que “a colheita não

coincidiacomaestaçãodearroz”oarrozcontinuavaacontribuirparaamaiorparte

dasreceitasdosagricultoresbalantas(50%dototal)(AlvessoneZejan1991:86e87).

TambémRuiRibeiro,eminvestigaçãorealizadaem1988entreosprodutoresdearroz

dosectordeTite,regiãodeQuínara,reflectiasobreascausasdorecenteaumentode

produção de arroz anunciado pelo governo, uma suposta consequência da

liberalização do comércio e subidas de preços pagos aos agricultores, perguntando

senãoseriaoaumentardosganhoscomavendadecastanhadecaju,quepermitindo

um investimento em mão‐de‐obra, o principal constrangimento à manutenção dos

arrozais,significavaarecuperaçãodoscamposdearrozdemangal.Ribeiro,nomesmo

trabalho,levantavaaquestão:“Qualviráaserafuturarelaçãoentreaenormeprocura

de castanha e a própria produção de arroz? Será que virá a confirmar a autonomia

balanta (os principais produtores de arroz de mangal), ao garantir‐lhe ummeio de

troca viável e não prejudicando a produção de arroz, ou virá a pôr em causa essa

produção,tendoemcontaafacilidadecomquesepassaráaencontrararroz?(Ribeiro

1988:9).

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107

A emigração dos jovens do sexo masculino para Bissau, o falhanço dos projectos

governamentaisderecuperaçãodosarrozaisdemangal,eafaltadeescoamentodas

produçõesdearroz,nãodeixaramaosagricultoresoutraalternativaquenão fossea

aposta em cultivos menos exigentes emmão‐de‐obra: castanha de caju, mandioca,

milhos,earrozdeplanalto66,queviramassuasproduçõesaumentarnosanosnoventa

(figuras4e7).

Figura7.Evoluçãodaproduçãodearrozdebolanhasalgada,bolanhadoceepampam(em

toneladas).Fonte:Medina2008:16,dadosdoMinistériodaAgriculturaeDesenvolvimento

Ruralde2007.

Adiminuiçãodemão‐de‐obra,parecetersido,apartirdosanosoitenta,ogrande

constrangimentodaspopulaçõesruraisguineenses.Umasériedeautoresrelatam

comonasaldeiasguineenses,nosanosnoventaeprimeiradécadade2000,onúmero

dehomensjovenssehaviareduzido,ecomoastarefasagrícolaseramcadavezmais

dependentesdotrabalhodemulheres,velhosecrianças(Gable1997,Temudoe

Abrantes2009).OgrandeaumentodepopulaçãonaGuiné‐Bissauaolongodasúltimas

trêsdécadas(766739habitantesem1979e1548159habitantesem2009)não

66 O arroz de planalto (arroz de pampam em crioulo guineense) é um sistema de produção de arroz itinerante. A cada ano uma parcela de floresta é cortada, seca e queimada, e aquando as chuvas o arroz é semeado. Este tipo de produção de arroz não exige a manutenção de infra-estruturas permanentes, como os diques, fortemente exigentes em mão-de-obra, e essenciais na produção de arroz de mangal. Assim, a cada ano, e conforme as suas disponibilidades de floresta e mão-de-obra os agricultores podem determinar a área de arroz que irão cultivar.

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108

significouumaumentodamão‐de‐obradisponívelnointeriordopaís(tabela3).

EnquantoapopulaçãodacidadedeBissaucresceu352,5%de1979a2009,as

restantesregiõesdopaíscresceram176,9%67.

Tabela3.EvoluçãodapopulaçãodaGuiné‐BissauedacidadedeBissau.Fonte:INEC1991INEC

2009(emhttp://www.stat‐guinebissau.com/rgph_index.htm,consultadoa7deJunhode

2010).

1979 1991 2009PopulaçãototaldaGuiné‐Bissau 766739 979203 1548159

PopulaçãodeBissau 109214 195389 384960

PopulaçãodaGuiné‐BissausemBissau 657525 783814 1163199

Osagricultoresguineenses“nãoqueremdiversificar”

“Butdespitethepotentialbenefitsofmovingbeyondcashews,aidgroupsencounter

reluctanceamongsomefarmerstochangethecropstheygrow–oreat,International

CommitteeoftheRedCross’seconomicsecurityadviserIldaPinatoldIRIN.“Allthey

haveknownisriceandcashews…Tochangepeople’shabitsareverydifficult;wehave

tomoveveryslowly.SomeethnicgroupsinGuinea‐Bissaudonoteattomatoesor

greenbeans”,shesaid.“Itisnotintheirtradition”68.

Nosúltimosanosogovernoguineenseeumasériedeorganizaçõesinternacionaistêm

vindoaapelaràdiversificaçãoagrícola,eaalertarosagricultoresparaoperigoda

dependênciaexcessivadeumúnicoproduto–acastanhadecaju.Naaberturada

campanhaoficialdacastanhadecaju,umcerimónianormalmentepresididapelo

Primeiro‐MinistroeMinistrosdaAgriculturaeComércio,equenormalmentedecorre

aMarçodecadaano,éjáumaconstantequefaçampartedosdiscursosfrasescomo

67 Optou-se por não considerar a população das pequenas cidades do interior da Guiné-Bissau como população urbana, por em muitos casos esta população ter um papel activo na agricultura. Também fica de fora desta análise simplista a avaliação da situação de mão-de-obra temporária: no tempo das chuvas muitos jovens residentes em Bissau deslocam-se ao interior para ajudar nas tarefas agrícolas. Não existem contudo dados sobre estas dinâmicas. 68 IRIN, 22 de Outubro de 2009, em http://www.irinnews.org/Report.aspx?ReportId=86697, consultado a 14 de Agosto de 2010.

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109

“nãodeixemqueocajusetorneumperigoeporissodevemdiversificaraprodução,e

assimteremosmenosproblemasdeconcorrênciaefixaçãodepreços”69,ou“opaís

nãopodecontinuarobcecadocomaproduçãoeexportaçãodecastanhadecaju,

sobretudodeformabruta,queremosapelaràdiversificaçãodaagriculturanacional”70.

Em2007,apósmarchadeprotestodaAssociaçãodeAgricultoresGuineenses(ANAG)

contraosbaixospreçosdecompradacastanhadecaju,oprimeiro‐ministroreage

respondendo:“osagricultoresestãoavenderoseucajuabaixopreçoporquenão

produzemoutrosprodutosdesubsistência,equemnãotemcomidaéobrigadoa

venderabaixopreço,eéporessemotivoquegovernovemapelandoparaa

diversificaçãodeculturasdesubsistência”71.

Os apelos do governo à diversificação parecem no entanto, não passar mesmo de apelos.

O país não possui actualmente qualquer tipo de política de extensão rural, o Instituto

Nacional de Pesquisa Agrária (INPA), que no passado foi em parte financiado por

dadores internacionais, encontra-se praticamente ao abandono, e não existe investigação

sobre melhoramentos agrícolas, combate a pragas e doenças, novas variedades

agrícolas, etc. (Banco Mundial 2010: 73). Na prática, a produção agrícola do país é

assegurada pelos agricultores, sem qualquer tipo de apoio estatal. O que parece ser, de

resto, um prolongar da situação colonial.

6.4.2ACriseMundialdosAlimentosde2007–2008–PossíveisConsequênciasparaaProduçãoAgrícolaLocal

Ataxadeinflaçãode12mesessubiade3,2%emfinalde2006para9,3%emfinalde

2007devido,sobretudo,aumasubidade14%nopreçodosalimentos.Ainflação

manteve‐seelevadaem2008,enofinaldeMaioatingiaos9,1%.Davam‐sesubidas

dospreçosnosalimentosdecercade15,5%.Oquilogramadearroz,empoucosmeses,

passouacustar430CFAaoinvésde250CFA,umasubidade72%(BancoMundial

69 Diário de Bissau de 23 de Abril de 2008. 70 Nô Pintcha de 2 de Abril de 2009. 71 Diário de Bissau de 22 de Maio de 2009.

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110

2010:100)(paraevoluçãodopreçodoarrozver6.7),easimportaçõesdearroz

diminuem(figura6).

Paraomesmoperíodoasestatísticasmostramsubidasdeproduçãodosprincipais

cultivosalimentaresdopaís(figuras3e7).Ocultivodearrozdeplanalto,que

normalmenteconstitui10%daproduçãonacionaldearrozsubiapara46%(Banco

Mundial2010:90).Osagricultores,comdificuldadesnacompradearrozdevidoà

subidadepreços,aumentavamasuaproduçãodearrozdeplanalto,maisfácilde

aumentarrapidamente.

Nosul,emQuínara,TemudoeAbrantesnotavamem2008e2009esforçosrecentes

narecuperaçãodosarrozaisdemangalentretantoabandonadosporfaltade

manutenção,eoaparecimentodeestratégiasquepermitiamarecuperaçãodos

camposdearrozapesardosconstrangimentosemmão‐de‐obra72(TemudoeAbrantes

2010).Voltavaavalerapenacultivararroz,enumespaçodetrêsanos,osagricultores,

semquaisquerapoios,aumentaramasuaproduçãodestecereal,ultrapassando

mesmoasproduçõesatingidasduranteosanosoitenta73.

Estapoderáserumaanálisesimplistasobreasdinâmicasdaproduçãodealimentosea

suarelaçãocomoaumentardaproduçãodecastanhadecajunaGuiné‐Bissau.

Simplistaebaseadaemdadospoucofiáveiscomoosãoasestatísticasguineenses

sobreaproduçãodealimentos.Noentanto,pretende‐semostrarqueosdados

disponíveisnãopermitemconcluirqueoaumentodaproduçãodecastanhadecaju

tenhasignificadoadiminuiçãodaapostadosagricultoresnoscultivosdesubsistência.

Osdadosdisponíveis,mostramsim,queumapopulaçãoruralcomfaltamão‐de‐obra,

esemqualquerapoioestatal,maisdoqueduplicouaproduçãototaldealimentos,e

72 Por exemplo, famílias que possuem grandes arrozais de mangal, e que deixaram de conseguir assegurar mão-de-obra suficiente ou recursos para a manutenção e levantamento dos diques que protegem os arrozais da água do mar, iniciaram processos de distribuição da sua propriedade, conseguindo assim mais mão-de-obra para manutenção dos diques. Também várias famílias iniciaram plantação e recuperação de pequenas parcelas de arroz nas áreas mais distantes do mar, onde é mais fácil proteger os arrozais da água salgada. 73 Os dados oficiais sobre produção de arroz levantam algumas dúvidas. No trabalho de campo realizado em Quinara, embora se notassem tentativas de recuperação de campos de arroz abandonados, grande parte dos arrozais de mangal, e que haviam sido produtivos durante os anos oitenta, continuavam destruídos.

Page 111: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

111

simultaneamenteasseguraaquasetotalidadedasexportaçõesdaGuiné‐Bissau,e

partedasreceitasdoestadoguineense.

6.5ExportaçãodeCastanhadeCaju–AImportânciaparaaEconomiaeReceitasdoEstadoGuineense

Opesodasexportaçõesdecastanhadecajunototaldeexportaçõestemrondadonos

últimosanosos99%(tabela4)oquetornaaGuiné‐Bissauopaísafricanomais

dependentedeumúnicoprodutodeexportação.Nemmesmopaísesexportadoresde

petróleocomoAngola,NigériaouaGuinéEquatorialatingemtalníveldedependência

(BancoMundial2010:17).

Tabela4.Percentagemdosvaloresdeexportaçãodacastanhadecajunovalortotalde

exportações.Fonte:BancoMundial2010:17,dadosdoBCEAO(BancoCentraldosEstadosda

ÁfricaOcidental)edoFMI.

Ano 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007%dovalordeexportaçãodacastanhadecajunototaldeexportações

96,3 94,3 88,4 89,5 86,7 94,9 99,3 98,6

Noentanto,exportaçõescomooamendoim,asmangas,amandioca,oóleodepalma,

epeixefumadoeseco,queapresentamumaimportânciasignificativanos

rendimentosdosagricultores(vercapítulo7)nãosãopraticamentecontabilizadosnas

estatísticasoficiais,poissãonasuamaioriacomercializadosinformalmenteatravésdas

fronteirasterrestres.AmercadoscomoodeDjaobéemCasamança,noSenegal,

chegamacadasemanagrandesquantidadesdeamendoimepeixefumado

provenientesdaGuiné‐Bissau.Poroutrolado,tambémpartedaexportaçãoguineense

decastanhadecajunãoécontabilizadanasestatísticasoficiais,poiséfeita

ilegalmenteporviaterrestre,comdestinoaosportosdeDakareBanjul.Háquemfale

devaloresdecastanhadecajucontrabandeadaqueatingemos30%dototalde

castanhadecajuexportadaoficialmente(BancoMundial2010:22).Énoentantodifícil

Page 112: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

112

realizarestimativas,porqueasquantidadesquesaemopaísporestaviavariammuito

deanoparaano.Geralmente,ofactodosportosdeDakareBanjulteremcustosde

embarquebastanteinferioresaoportodeBissau,levaaqueopreçodacastanhade

cajusejasuperiornestespaíses,eaquehajaestímuloaocontrabandodecastanha,no

entanto,nosanosemqueopreçodacastanhadecajuéfavorável,como2008,os

agricultoresvendemassuasproduçõesdentrodaGuiné‐Bissau74.Tambémvolumes

significativosdepescadoquetodososanossãoexportados,nãoestãopresentesnas

estatísticasoficiaissobreasexportações,poissãocontabilizadoscomoexportaçãodos

paísesaquepertencemosbarcosdepesca(BancoMundial2010:17).

Noentanto,éindiscutíveloenormegraudedependênciaqueaGuiné‐Bissau

apresentaemrelaçãoàsexportaçõesdecastanhadecaju.Afigura8mostracomoo

PIBguineenseseencontrafortementedependentedaexportaçãodecastanhadecaju.

Anosemqueaexportaçãodecajusobe,oPIBsobe,anosemqueaexportaçãodesce,

oPIBdesce.Aexcepçãode2008e2009,emquesedáumataxadeevoluçãodoPIB

negativa(de3,3%para2,9%)deve‐seemparteaofactodeainstabilidadepolíticater

provocadoatrasosnosdesembolsosdaajudapúblicaaodesenvolvimento,eaofacto

denamediçãode2009nãotersidoaindaconsideradaaexcepcionalquantidadede

castanhadecajuexportada75.

74 Tem sido uma preocupação do governo guineense o controlo das exportações ilegais por via terrestre, principalmente porque representam a perda da taxa de exportação de caju para os cofres do governo. A Guiné-Bissau, faz parte da ECOWAS (Economic Community of West African States), que permite importações entre os seus membros sem que sejam cobradas taxas, no entanto as taxas de exportação não são permitidas entre os membros da comunidade (Banco Mundial 2010: 17). 75 Dados do BCEAO, em http://www.africaneconomicoutlook.org/po/countries/west-africa/guinea-bissau/

Page 113: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

113

Figura8.TaxadecrescimentodoPIBguineenseemvaloresreaiseevoluçãodaexportaçãode

castanhadecaju(emdezenasdemilharesdetoneladas).Fontes:OCDE2010eCNC2009:13.

Aevoluçãodastransacçõesdebenseserviçosguineenses(tabela5)mostracomonos

últimosanos,ovalordasimportaçõestemexcedidoconsideravelmenteovalordas

exportações,contribuindoparaaltosdéficescomerciais.Osalimentosecombustível

representamrespectivamenteumamédiade38,6e21,2%dototaldemercadorias

importadasnoperíodode2003‐2007.Osvaloresdeimportaçãodosalimentosedos

combustíveissofremgrandesvariações,poisosseuspreçosinternacionaisapresentam

grandesflutuações(principalmenteoscombustíveiseoscereais).Deentreos

alimentosimportadosoarroztemamaiorpercentagem(12%),enquantoafarinha,

açúcar,eóleorepresentam2%.Aparteasimportaçõesdealimentosecombustíveis,as

principaisimportaçõessãoveículos,cimento,emaquinariadeconstruçãodeestradas

(BancoMundial2010:18).Denotar,queapesardagrandesubidanopreçodos

alimentosem2006e2007,houvedescidasnasuapercentagemdovalortotalde

importações,ficandoadúvidaseestadescidasedeveaaumentosnaprodução

nacionaldealimentosouaoaumentodasimportaçõesinformais(asestatísticassobre

aproduçãodealimentoslevamacrerquetenhahavidonestesúltimosanosum

aumentodaproduçãodealimentosnaGuiné‐Bissau‐ver6.3.).Noentanto,em2008,a

percentagemdovalordosalimentosnototaldeimportaçõesvoltaaaumentar,

consequênciadasgrandessubidasdepreçoqueestessofreramnomercado

internacional(principalmenteoscereais).

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114

Tabela5.TransacçõesdebenseserviçosdaGuiné‐Bissauentre2000e2007(embiliõesde

francosCFA).Fonte:BancoMundial2010:16,baseadoemdadosdoBCEAOedoFMI.

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007BenseServiços ‐42,7 ‐50,0 ‐30,4 ‐19,4 ‐17,0 ‐22,2 ‐46,5 ‐30,4

Bens ‐8,9 ‐20,7 ‐11,8 ‐5,0 2,3 ‐2,9 ‐27,6 ‐13,7

Exportações,f.o.b. 62,1 36,6 37,2 36,1 44,3 47,1 29,2 35,1

dasquaiscastanhadecaju 59,8 34,5 32,9 32,3 38,4 44,7 29,0 34,6

Importações,f.o.b. 71,0 57,4 49,1 41,1 42,0 50,0 56,8 48,8dosquaisalimentos 19,8 16,9 17,9 21,0 15,5

dosquaisderivadosdepetróleo 6,7 8,4 11,3 14,0 11,0

dosquaisoutros 14,5 16,7 20,8 21,7 22,3

Serviços(líquido) ‐33,7 ‐29,3 ‐18,5 ‐14,4 ‐19,3 ‐19,3 ‐18,9 ‐16,7Crédito 6,4 5,4 5,1 5,0 4,1 2,7 1,8 16,0

Débito 40,1 34,6 23,6 19,4 23,4 22,0 20,7 32,7

PIBnominalapreçosdemercado 153,4 145,9 141,9 137,1 150,6 159,2 165,8 182,8

Déficecomercialcomo%doPIB 27,8% 34,3% 21,4% 14,1% 11,3% 13,9% 28,0% 16,6%

Emboraasrápidassubidasdasquantidadesdecastanhadecajuexportadastenham

contribuídoparaareduçãododéficecomercialguineensenosúltimosanos,aGuiné‐

Bissautemmantidoumdéficecrónicoaolongodasúltimasdécadas(BancoMundial

2010:16).

6.5.1AImportânciadaExportaçãodeCastanhadeCajunosRendimentosdoEstadoGuineense

Comoseconstatanatabela6,aprincipalfontedereceitadasfinançaspúblicas

guineensessãoasreceitasalfandegárias.Asalfândegascontribuíramcom35a40%

dosimpostostotaisnoperíodode2005a2007.Ataxaaplicadasobreasexportações

decastanhadecajuatingiu1,9biliõesdefrancosCFAem2007eéumimportante

contributoparaasreceitasestatais.Noentanto,osdireitosdepescapagospelaUnião

Europeia,quetêmgrandepesonasreceitasestatais,sãodifíceisdecontabilizarpois

sãoempartepagosatravésdeajudaaodesenvolvimento(BancoMundial2010:17).

Tabela6.ReceitasfiscaisdaGuiné‐Bissauentre2005e2007(emmilhõesdefrancosCFA).

Fonte:BancoMundial2010:5,baseadoemdadosdoMinistériodasFinançasdaGuiné‐Bissau

eestimativasdosfuncionáriosdoFMI.

2005 2006 2007TotaldeReceitas 27978,0 32106,3 26618,3

Receitasfiscais 18333,7 18473,6 18793,0

Page 115: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

115

Impostosdirectos 4113,4 4621,7 4710,4

Impostosindirectos 14220,2 13851,8 14082,6

Impostossobretransacçõesinternacionais 6426,0 6807,1 7027,5

Tarifas(DI) 3754,4 4479,3 4207,4

Combustíveis 858,6

Arroz 678,4 Outrasimportações 2217,4

Taxasdeexportação 0,0

Taxadeexportaçãodecaju 2009,8 1606,2 1897,9

Outras 661,8 2327,8 922,2

Ataxadeexportaçãodecastanhadecajuincidesobreumabasetributáriadefinida

pelogovernoenãosobreorealvalorf.o.b.dacastanhadecaju.Em2002,devidoàs

dificuldadesfinanceirasqueoscompradoresdecastanhadecajuenfrentavamapósa

guerracivilde1998eaofechodosdoisbancosnacionaisqueoperavameforneciam

créditoaosexportadores,ogovernodecidebaixarabasetributáriapara600dólares

americanos(tabela7),ediminuirataxadeexportaçãodacastanhadecajude10%

para6%(aqueseacresceumataxade2%decontribuiçãopredialrústicaede0,6%de

taxadeempresaindustrial).Ataxadeexportaçãodacastanhadecajusofreuassim

umareduçãodeumtotalde12,6%para8,6%,valorquesemanteriaatéàactualidade.

Adiminuiçãodabasetributáriaeadescidadataxadeexportaçãotiveramcomo

consequênciaumadiminuiçãorealdataxadeexportaçãoem53%,eumadiminuição

dasreceitasarrecadadaspelogovernocomaexportaçãodecastanhadecajude2

biliõesdeFCFAem2002(1,5%doPIB)(FMI2005:16)(tabela8).Astaxasmanter‐se‐

iaminalteradasatéàactualidade,noentantoabasetributáriatemvindoasofrer

variações,queemalgunsanosnãoparecemteracompanhadoosreaisvaloresf.o.b.de

exportação.Em2008,porexemplo,abasetributáriafoifixadaem600dólares

americanosportonelada,noentanto,opreçodeexportaçãodatoneladadecajuterá

atingidoos1050dólaresamericanos.Ataxadeexportaçãode8,6%queseaplicavaem

2008,representavaassimnarealidade,apenas4,9%dorealpreçodeexportação

(BancoMundial2010:79).

Tabela7.Evoluçãodabasetributária(preçoatribuídopelogovernoàtoneladadecastanhade

cajuparaaplicaçãodataxadeexportação)emdólaresamericanos.Fonte:CNC2009:9.

Ano 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

Basetributária 700 800 750 600 650 650 650 750 600 600 600

Page 116: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

116

Tabela8.Evoluçãodasreceitasprovenientesdataxadeexportaçãodecastanhadecajude

1999a2009(valoresemmilhõesdedólaresamericanos).

Ano 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009ReceitasdeExportação 5,22 6,89 7,02 3,76 4,19 5,21 5,37 5.95 4,96 5,66 7,00

6.6AIntervençãoEstatalnoMercadodeCastanhadeCajuGuineense

Desde2008queacampanhadecomercializaçãodecastanhadecajunaGuiné‐Bissau

decorresemgrandeintervençãoestatal,poisogovernooptouapartirdestadatapor

nãoinfluenciar,outentarinfluenciar,opreçoaqueacastanhadecajuécompradaaos

agricultores.

Noentanto,nemsemprefoiassim.Duranteosúltimosvinteanosogovernodecretou

preçosmínimosobrigatóriosaserempagosaoagricultor,preçosdereferência,

aumentouereduziutaxasdeexportação,etentoupordiversasvezesimpedirque

comerciantesestrangeirosoperassemnomercadoguineensedecastanhadecaju.

Seriaapenasapósaterrívelexperiênciade2006,anoemqueosagricultores

guineensesreceberampelassuasproduçõesdecastanhadecajuovalormaisbaixode

sempre,queogovernoguineensedecidiuliberalizarnatotalidadeomercadode

compraevendadecastanhadecaju.

AsucessivainstabilidadepolíticaqueaGuiné‐Bissautematravessadoaolongodas

últimasdécadasnãotemcontribuídoparaaexistênciadeumaestratégiacoerentede

acçãogovernamentalnomercadodecastanhadecaju,enãotemfavorecidoa

estabilidadedequadrossuficientementequalificadosnosdepartamentosministeriais

comcapacidadeparalidarcomquestõestãocomplexascomoaevoluçãodopreço

internacionaldacastanhadecaju.

Atarefadogovernoguineensenãotemsidofácil.Pressionadoporagricultoresque

desejamomelhorpreçopossível,negociantesinternacionaisquedesejamospreçoso

Page 117: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

117

maisbaixopossível,exportadoresecomerciantesnacionaisquenãoquerem

concorrência,eorganizaçõesinternacionaisquequeremtotalelivreconcorrência.

6.6.1UmaBreveCronologiadaIntervençãoEstatalnoComérciodeCastanhadeCaju

Em1986,comaimplementaçãodosprogramasdeajustamentoestruturalnegociados

comoFMIeoBancoMundial,aGuiné‐Bissauiniciaumprocessodeliberalização

económica.Em1995,opaísadereàOMC.Contudo,ogovernomanteveapolíticade

fixarumpreçomínimoobrigatórioaserpagoaoagricultorpelosprincipaisprodutos

agrícolas,edurantealgunsanosopreçodacastanhadecajumanter‐se‐iafavorável

aosagricultoresesignificativamentemaisaltoqueopreçopagopeloarroz.Acompra

eaexportaçãodecastanhadecajunãosofreriamumatotalliberalização.Em1986,em

plenoprocessodeliberalizaçãoeconómica,oMinistrodoComércioexplicavacomo

funcionariaaexportaçãodecastanhadecaju:“Nóstemosonossoserviçodecotações

internacionaiseverificamosqueopreçoestáàvoltade850dólaresamericanospor

tonelada.Semechegaumcomercianteprivadoaquererexportarcastanhadecajupor

820dólaresamericanosportoneladaeunãodoulicença.Portantoaslicençasde

exportaçãoeimportação,asautorizaçõeseasassinaturasdosboletinsserão

condicionadasàrealidadedospreçosrecebidosemcotaçõesdeorganismos

internacionais(…)Eaquiloquenóspretendemosdefactoéinstaurarnestepaísuma

politicadepreçosreais,portantoaexportaçãoseráabertaaoprivado,emtodosos

produtos,semexcepçãonenhuma,desdequeelesapresentemasquantidades

mínimasquevamosdefinir(Santos1986:49e51).

Em1998ogovernoprivatizaaempresaestatalqueatéhádataseencarregarada

compradasproduçõesdosagricultores,osArmazénsdoPovo,eocomércioecompra

decajupassamaestarabertosatodososquenelequeiramparticipar,nacionaisou

estrangeiros(estesúltimosapenastinhamquefazerprovaemcomotinham

instalaçõesalugadasnopaís76).Ogoverno,emborativessedeixadodeanunciarpreços

76 Nô Pintcha de 16 de Maio de 2000.

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118

mínimosobrigatóriosaserempagosaosagricultores,passaadecretaracadaanoum

preçomínimodereferênciadiscutidopelosváriosintervenientesnosector77,e

anunciadoviarádioportodoopaísnadatadeinauguraçãodoperíodode

comercializaçãodecastanhadecaju(tabela9).Emboraopreçomínimodereferência

nãofosseumpreçoobrigatório,mastãosomenteumareferênciaeum

aconselhamento,osagricultoreseramincentivadosanãoaceitarpreçosinferiorespela

suacastanhadecaju.

Tabela9.Evoluçãodopreçodereferênciaaoprodutoranunciadopelogovernode1999a2009(emfrancosCFA/kg).Fonte:CNC2009:15.

Ano 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009Preço 300 300 300 250 250 250 250 350 200

Opapeldogoverno,contudo,nãoviriaacingir‐seaodeanunciaredivulgarumpreço

dereferência,eduranteaúltimadécadaseguiram‐setentativasderegulamentaçãodo

mercadomaisoumenosevidentes.

Em2000,numaclaratentativadeafastarosintervenientesestrangeirosaoperarno

mercadodecastanhadecajuguineense,éaprovadooDecreto‐Leinº2de2000,que

determinaqueosinvestidoresestrangeirosquepretendamparticiparnacampanhade

comercializaçãodecajunopaísdevempagarumacauçãode2,5biliõesdeFCFA,ou

emalternativafazerprovadeinvestimentorealizadonopaíssuperiora1,8biliõesde

FCFA.Ovalorcorrespondentea30%dacastanhadecajucomercializadadeveriaainda

serentregueaogovernosobaformadecaução.Amedidagovernamentalnãoagrada

aoscomerciantesmauritanos,queconstituíamgrandepartedoscompradoresde

castanhanointeriordopaís,edecidemfecharosseusestabelecimentos.Avisavam

aindaogovernoqueasuasaídadomercadoprovocariadificuldadesnavendada

castanhadecajudosprodutoresmaisisolados,queficariamsimplesmentesem

compradores78.A25deMaiodomesmoano,apósaspressõeseameaçasdos

77 Estes intervenientes normalmente são: ANAG (Associação Nacional de Agricultores Guineenses), AGEX (Associação Guineense de Exportadores), CCIA (Câmara de Comércio, Indústria e Agricultura), CNC (Comissão Nacional de Caju), e Ministério do Comércio. 78 Diário de Bissau de 25 de Maio de 2000.

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119

comerciantesestrangeiros,oDecreto‐Leinº2de2000éalterado,eovalordacauçãoa

aplicaraosexportadoresestrangeirosreduz‐separa0,5biliõesdeFCFA79.EmOutubro

ogovernoanunciaadecisãode“decisivamenteanularasdescriminaçõesentre

nacionaiseestrangeiros”80.AAGEX,noentanto,manifesta‐secontra,emantémasua

concordânciacomoDecreto‐Leinº2de200081.

Em2001,ogovernoaprovanovodecreto‐leiquenãodiscriminaoscomerciantese

exportadoresestrangeirosdesdequeprovemtermaisdeumanodepermanênciano

país.Osexportadoresnacionais,atravésdasassociaçõesqueosrepresentam(AGEXe

CCIA)manifestam‐setotalmentecontraonovodecretopor“abrirmercadona

totalidade”,eafirmamestardescapitalizadosdevidoàguerracivilde1998‐1999,não

teracessoacrédito,eporissonãoestaremcondiçõesdefazerconcorrênciacomos

operadoresestrangeiros82.OentãoMinistrodaAgricultura,AlamaraNhassé,responde

àscríticasdaAGEXedaCCIAafirmandoqueos“operadoreseconómicosnomercado

decajusópensamemlucros,lucros,emaislucros!”83.

Em2002,oSecretáriodeEstadodoComércioedaIndústriaencarregaaComissão

NacionaldeCajudefazerlevantamentoeprospecçãodenovosmercadosparaa

castanhadecajunacionalederealizarviagensdeestudoaoutrospaísesafricanoscom

tradiçãonacomercializaçãoeexportaçãodecastanhadecaju,afirmaterquese

“encontrarnovosparceirosparafazerfaceàÍndia,poissóassimseconseguirão

melhorespreços”84.

Em2003ogovernooptapornovaestratégia,numatentativadeassegurarmelhores

preçosaosagricultores(acastanhadecajuestavaasercomprada100FCFA/kgem

algumaszonasdopaís85),efazcontratocomosArmazénsdoPovo,entretanto

79 Diário de Bissau de 25 de Maio de 2000. 80 Diário de Bissau de 11 de Outubro de 2000. 81 Diário de Bissau de 10 de Dezembro de 2000. 82 Diário de Bissau de 19 de Abril de 2001. 83 Diário de Bissau de 19 de Janeiro de 2001. 84 Correio da Guiné-Bissau de 28 de Março de 2002. 85 Correio da Guiné-Bissau de 18 de Julho de 2003.

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120

privatizados,paraquecomprem30miltoneladasdecastanhadecajuaumpreçode

250FCFAporquilograma.

Ogovernojustificaaintervençãoafirmandoque“existemosquequeremalteraro

preçodacastanhadecaju,ecomonóstemosnoçãoqueaspessoasestãoafazer

montagemnosentidodeprovocarquedadopreçodecidimosmanifestaranossa

presençacomoautoridadeadministrativa.Ésimplesmenteporestarazãoque

tentamosencontrarmercadodecompradorparaosnossosprodutosecomerciantes,

noentantoasoluçãocabeaosprivados”86.Ogovernoéacusadode,apesarda

liberalizaçãoeconómica,tervoltadoarecorrerapráticasdecontrolodirectodo

mercado.OpresidentedaAssociaçãoComercialdaGuiné‐Bissauculpaogovernopelos

mausresultadosdacampanhadecastanhadecajuem2003,devidoaoelevadopreço

cobradopelaemissãodealvarásdecomercialização(600milFCFA),edizquegoverno

deveriacolocardinheirodisponívelparaempréstimosàclasseempresarialaoinvésde

compraracastanhadecajudirectamenteaosagricultores,atitudequeconsidera“um

retrocessoaosistemadecomérciolivreemvigorhámaisde16anos”.AACGB,assim

comoaAGEX,defendemleiqueexcluaosestrangeirosdocomérciodecaju87.O

DirectorGeraldoComércio,MalanDaura,respondeaopedidodizendoque“há

liberalizaçãocomercialenãopodemosvoltaratrás,aactividadecomercialfoientregue

aosectorprivado”88.

Em2004,umestudorealizadoporconsultoresinternacionaissobreomercadodecaju

guineense,afirmavaqueesteestavarelativamenteliberalizado.Havia300

comercianteslicenciadosquecompravamcastanhadecajunointeriordopaísequea

vendiamemBissau,e40exportadoresqueexportavamdirectamenteparaaÍndiaou

quevendiamacastanhaaoscompradoresindianosquesedeslocavamaBissau(Banco

Mundial2010:76).

86 Correio da Guiné-Bissau de 25 de Junho de 2003. 87 Correio da Guiné-Bissau de Agosto de 23 de Agosto de 2003. 88 Correio da Guiné-Bissau de 9 de Julho de 2003.

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121

Em2005éaprovadanovodecretodeleiqueregulamentaacomercializaçãodecaju

(DLnº03de2005de16deAbril),quereafirmaqueacampanhadecomercializaçãode

cajuseráfeitaem“regimedelivreconcorrência”,noentanto,oMinistrodoComércio,

reuniacomoscompradoresindianosdecastanhadecaju,aquemanunciavaque“não

poderãocomercializarforadobordodosseusnavios”eaindaque“nãoqueremosver

nenhumindianoaescoltarcamiõesparaembarcarcastanha”89.OpresidentedaAGEX,

BraimaCamará,voltaadefenderaideiadequeosexportadoresnacionaisestão

descapitalizadosdevidoàguerracivilde1998,edequeenfrentamenormes

dificuldadesnaobtençãodefinanciamento,situaçãoqueosobrigaarecorrerao

financiamentodoscompradoresindianosqueassimditamassuasregras.Como

soluçãosugeriamaogovernoadisponibilizaçãode20milhõesdedólaresamericanos

disponívelparaempréstimoaosexportadores90.

Oanode2006seriatalvezoanomaisproblemáticodahistóriadacomercializaçãoda

castanhadecajunaGuiné‐Bissau.Em2006,ogovernoanunciaopreçomínimode

referênciamaisaltodesempre:350FCFAporquilograma91(tabela9).Ajustificaçãodo

governoparatalaumentodepreçosugeridoprendia‐secomamelhoriadafacilidade

deobtençãodecréditodevidoaoaumentodonúmerodebancosaoperarnopaís92.

Noentanto,aproximidadedeeleiçõeseavontadedeagradaràmaiorpartedos

eleitoresdopaís–osagricultores–nãoterásidoumfactoralheioàdecisão.Os

exportadoresdecastanhadecajunãoconcordavamcomogovernoeafirmavamser

impossívelpagarpreçossuperioresa100FCFAporquilograma,devidoaalegadas

descidasdopreçointernacionaldacastanhadecaju.Osexportadoresnacionaiseos

negociantesinternacionaisrecusam‐seemblocoacomprarcastanhadecajuaopreço

anunciadopelogoverno.Ogoverno,noentanto,emMaio,voltaaafirmarconsideraro

preçoanunciadoacessíveleapelaaosprodutoresparaque“guardemasuacastanha

porquemelhoresdiashaverãodechegar”93.Agravandoasituação,nodecorrerda

campanhadecomercialização,sãoaprovadasleisfiscaisnãofavoráveisaos

89 Diário de Bissau de 15 de Dezembro de 2005. 90 Diário de Bissau de 15 de Dezembro de 2005. 91 Diário de Bissau de 13 de Abril de 2006. 92 Diário de Bissau de 13 de Abril de 2006. 93 Diário de Bissau de 19 de Maio de 2006.

Page 122: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

122

negociantesinternacionais.AOlam,amaiorcompradoraàdatadecastanhadecajuna

Guiné‐Bissau,apósverpartedacastanhaquearrecadavanosseusarmazéns(6mil

toneladas)serconfiscadapelogovernoporalegadonãopagamentodetaxasnovalor

de2,4milhõesdedólares(etambémporestardescontentecomasmedidas

aprovadaspelogovernoqueimpediamosnegociantesestrangeirosdecomprar

castanhadecajudirectamenteaosprodutores),decideabandonaropaís.

Masnãoseriamapenasosapelosgovernamentaisaosagricultoresparaquenão

baixassemopreçodevendadacastanhadecaju,nemasleisdesfavoráveisaos

compradoresindianoseaprovadasemplenacampanha,osfactoresresponsáveispela

másituaçãode2006.

NazaréPinaVieira,mulherdojáfalecidoex‐chefedeestadoJoãoBernardoVieira,

anunciaem2006quecomprará30miltoneladasdecastanhadecaju(cercadeum

terçodosvolumesatéentãoexportadospelopaís)aopreçode350FCFApor

quilograma94.EmSetembro,contudo,osseusarmazénsdeBissauestavamencerrados,

eacastanhadecajuqueprometeracomprarencontrava‐seaindanamãodos

agricultoresounãoforapaga95.

A12deMaio,dataemquenormalmentepartedacastanhadecajudopaísjáfoi

vendidapelosagricultoreseembarcada,haviamsidocompradasapenas1500

toneladas(cercade1%dacolheitaestimadaem2006).EmJulhode2006,aFAO

anunciavaqueamaioriadapopulaçãoenfrentavainsegurançaalimentarcrónica,ea7

deAgostoaschuvasdequedependiaaproduçãoagrícolaestavamatrasadas.

Osagricultores,cujosstocksdearrozhaviamterminadodesesperados,tentamvender

asuacastanhadecajuapreçosinferiores,eoquilogramadecastanhadecajuatinge

valoresde50FCFA.Ogoverno,atravésdaempresaMarketing&Gestão,dedica‐sea

comprarcastanhadecajuabaixopreço,situaçãoqueviriaaserconsideradapelo

BancoMundialcomoum“entorseàsregrasdemercado”96.Nofinaldacampanhade

94 Diário de Bissau de 22 de Junho de 2006. 95 Diário de Bissau de 21 de Setembro de 2006. 96 Diário de Bissau de 5 de Setembro de 2007.

Page 123: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

123

comercializaçãoogovernoreconhecequedas120miltoneladasdecastanhadecaju

produzidasem2006,apenas60milhaviamsidoexportadas97.

Em2007,apósaquedadoanteriorgoverno,ogovernorecebeavisossucessivosdo

FMI,BancoMundialedaFAO,nosentidodeque"ogovernoassegurequeoquadrode

políticassejapercebidopelosectorprivadocomosendoplenamentepositivo.Oque

requereráaimplementaçãotransparentedepoliticasclaramenteanunciadaseda

aplicaçãodeformaconsistentede"regrasdojogo"previamenteacordadas.Éporisso

importantequegovernoemitasinalclaroemcomonãotemintençãodeintervir

novamentenosarranjosdomercadodecaju”98.Ogoverno,apesardas

recomendações,voltaaanunciarumpreçomínimodereferência,noentanto

significativamentemaisbaixo(200XOFporquilograma)99.

Aatitudegovernamentalsofreracontudoumareviravolta:quandoem2007aANAG

organizaumamarchadeprotestocontraosbaixospreçospraticadosnacomprada

castanhadecaju(75a100FCFAporquilograma)emfrenteàsededoexecutivo,o

primeiro‐ministrorespondeaosagricultoresque“nãocabeaogovernofixarpreçosde

nenhumprodutoeaANAGnãodeveriaprotestaremfrenteàsededogovernomas

simemfrenteàCCIA,porseresteoorganismoquerepresentaoscompradoresde

castanhadecaju”100.

Em2008,pelaprimeiravez,ogovernodecidenãoanunciarpreçodereferênciaparaa

castanhadecaju,eapósosresultadospositivosdacampanhadecomercializaçãode

2008,JaimantinoCó,Secretário‐geraldoComércio,atribuíaosbonsresultadosao

factodogovernonãoanunciarpreçodereferênciaeàcriaçãodeumcomité

interministerialpararespostarápidaàsqueixasdosoperadoresdosectordocaju101.

97 Diário de Bissau de 26 de Abril de 2007. 98 Diário de Bissau de 16 de Março de 2006 e Diário de Bissau de 22 de Maio de 2007. 99 Diário de Bissau de 26 de Abril de 2007. 100 Diário de Bissau de 22 de Maio de 2007. 101 Diário de Bissau de 21 de Maio de 2008.

Page 124: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

124

Em2009,oMinistrodoComércio,BotcheCandé,afirmavaqueo“comércioemercado

estãolivres,equenãovamosestipularnenhumpreçoemuitomenosobrigaralguéma

comprarcastanhaaumdeterminadopreço.Oscomercianteséquesabema

quantidadeeaquantoirãocomprarcadaquilogramadecastanha,eosagricultoresa

quantovenderãoassuascastanhas”102.Noentanto,oMinistériodoComérciorealiza

umamissãoconjuntacomaANAGaDakarcomoobjectivodeencontrarcompradores

dacastanhadecajuguineense,eafirmamterestabelecidoparceriacomempresa

senegalesaquecomprarácastanhadecajuportodoopaísabompreço103.

6.7OProcessamentodeCajunaGuiné‐Bissau

AcapacidadedeprocessamentodecastanhadecajunaGuiné‐Bissaucorrespondiaem

2009a3%daproduçãonacionaldecaju(CNC2009:18).

AindústriadeprocessamentodecajunaGuinétemtidoumaevoluçãolenta.A

primeirafábricadedescasquemontadanopaís,aGETA,foiinauguradaem1994,asua

montagemcustou3milhõesdedólaresamericanos,masapenasfuncionouporum

curtoperíododetempo(afábricaGETAutilizavatecnologiadedescasqueOltramare,

hojenãoconsideradaviávelporterbaixorendimento).Apósaguerracivilde1998e

consequentesdestruiçõesafábricanãovoltariaatrabalhar.

Em2004existiamtrêsunidadesdeprocessamentodecastanhadecajudegrande

dimensão.Duasdelascomcapacidadedeproduçãode16toneladasdeamêndoade

cajupormês(AGRIBISSAUeSICAJU).Aterceira,B&BCaju,tinha24máquinas

descascadoras,eumacapacidadedeproduçãode8,6toneladasdeamêndoapormês.

Desde2001quehaviamsidoimplementadas21pequenasunidadesde

processamento.NovedestasunidadesbeneficiaramdeapoiodoprojectoTIPSdurante

osanosnoventa,easrestantesforamestabelecidascomoapoiodaEnterpriseWorks

102 Nô Pintcha de 2 de Abril de 2009. 103 Nô Pintcha de 21 de Maio de 2009

Page 125: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

125

apartirde2001104(LynneJaeger2004:15).Estimava‐seem2004,queseaspequenas

unidadesprocessadorestrabalhassememplenacapacidade,asuaproduçãopudesse

atingircercade32toneladasdeamêndoadecajupormês,noentantonãoproduziam

maisde20toneladasporano(LynneJaeger2004:16).Ascausasdabaixaprodução

seriamsobretudoafaltadecapitalparaaquisiçãodecastanhadecajuparacriaçãode

stocks,easdificuldadesdecomercialização.Oúnicofornecedordecréditoem2004

eraaFundei(FundaçãoGuineenseparaoDesenvolvimentoEmpresarialIndustrial).No

entanto,segundoalguns,ocréditodadopelaFundeitinhatrazidoproblemaseem

muitoscasosodinheiroemprestadonãoeraaplicadonacompradecastanhadecaju,

massimnacompradecarroseedifícios.Aformacomoosempréstimosforam

atribuídoslevantavatambémalgumasdúvidas:umempréstimoparaaberturadeuma

novaunidadedeprocessamentoimplicavaqueoequipamentodedescasquefosse

compradoàFundei,equipamentoessevendidotrêsvezesmaiscaroqueo

equipamentodisponívellocalmente(LynneJaeger2004:14).

Em2004,aOlamInternational,amaiormultinacionalaoperarnosectordocajua

nívelmundial,eumdosmaiorescompradoresdecastanhadecajuguineenseplaneava

aconstruçãodeumaunidadedeprocessamentoemBissaucomcapacidadede

processamentode10miltoneladasanuaisaserconstruídaem2005ou2006.AOlam

jáhaviaabertoduasunidadesdeprocessamentoemÁfrica,naTanzâniaem2003ena

CostadoMarfimem2004.ComaconstruçãodaunidadedeprocessamentoemBissau

pretendia‐secriar5milpostosdetrabalho,eprocessar10a15%daproduçãonacional

decastanhadecaju,impondodeimediatoopaísnomercadodeamêndoadecaju.No

entantooplanodaOlamestavadependentedaobtençãodecertascondiçõesjuntodo

governo(aOlamestavapreocupadacomosimpedimentosqueogovernoimpunhaà

compradacastanhadirectamenteaosprodutores,epelairregularidadedo

abastecimentodeenergianopaís)(LynneJaeger2004:12).Em2006,aOlam

abandonadefinitivamenteaGuiné‐Bissaudevidoàspolíticasgovernamentaisque

104 A Enterprise Works é uma organização sem fins lucrativos com sede em Washington e que tem apoiado a criação de pequenas unidades de processamento de caju na África Ocidental. O projecto TIPS (TradeandInvestmentPromotionSupport) desenvolveu várias iniciativas em torno do sector de caju guineense e foi financiado pela USAID (United States Agency for International Development).

Page 126: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

126

provocaramdescontentamentonoscompradoresestrangeirosdecastanhadecajua

operarnopaís105.

Em2009astrêsgrandesunidadesprocessadorasmantinham‐seemfuncionamento.A

AGRIBISSAUeaSICAJUcomcapacidadedeproduçãodeum16toneladasdeamêndoa

pormêseaB&BCajucomcapacidadede8,6toneladaspormês,exportandoparao

mercadoeuropeuenorte‐americano.As21pequenasunidadesdeprocessamentoque

haviamsidocriadascomoapoiodoTIPSedaEnterpriseWorksexistiamainda,no

entanto,estavaminoperacionaisalegadamentedevidoàfaltaderecursosfinanceiros

paraadquirirstockseparapagaraostrabalhadores,eàausênciadegarantiaspara

acessoaocréditojuntodasinstituiçõesfinanceirasdopaís(CNC2009:21).AComissão

NacionaldeCajupensavaresolveroproblemaobtendogarantiasdecréditoparaos

processadoresjuntodogoverno,criandoumfundodegarantia,mobilizandorecursos

juntodosparceirosdedesenvolvimento,esensibilizandoosprocessadorespara

criaçãodeumasociedadeexportadoradeamêndoadecajuquepermitisseasseguraro

mínimodeexportaçãoparaexportarparaoestrangeiro(CNC2009:21).

EmAbrilde2008aempresalíbiaLaaico‐Bissauanunciaoinvestimentode4milhõesde

eurosnaconstruçãodetrêsunidadesdeprocessamentoemNhacra,Quinhamele

Bula,comacriaçãoprevistade600postosdetrabalho106.Tambéminvestidores

brasileirosestavamemprocessodemontagemdeumafábricadedescasqueem

Quinhamel,aempresaSICAJU,aoperarnailhadeBolama,mostravainteresseem

expandironegócioparaBinta(regiãoLestedopaís),enovosinvestidoresadquiriam

unidadesdescascadoraspropriedadedaAGRIBISSAUqueestavamdesactivadas(Banco

Mundial2010:80).OCentrodePromoçãodoCaju,financiadopelaFundei,mantinha

emfuncionamentoumaunidadededescasquedecastanhaedefabricodesumode

caju,ondenovastecnologiasestavamaserintroduzidascomapoiosbrasileiros107.

105 Diário de Bissau de 26 de Abril de 2007 e IRIN (Bissau, 13 de Março de 2007 em http://www.irinnews.org/Report.aspx?ReportId=70672). 106 Diário de Bissau de 21 de Maio de 2008. 107 Entrevista a directora do Centro de Promoção de Caju realizada a 12 de Janeiro de 2010.

Page 127: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

127

Em2010estavaemcursoaconstruçãodetrêsgrandesfábricasdedescasquede

castanhadecajucomcapacidadeestimadade7500toneladasano,etambémemfase

delançamentoaconstruçãodeduasfábricas:umaemCanchungocomcapacidade

totalde6000toneladas/anoeoutracomcapacidadede8760toneladas/ano.Coma

entradaemfuncionamentodestasunidadesprevia‐sequeacapacidadede

processamentosubissepara18%daproduçãonacionaldecastanhadecaju(CNC

2009:21).

6.7.1AlgunsProblemasdoProcessamentodeCajunaGuiné‐Bissau

AlgunsdosproblemasapontadospelosprocessadoresdecastanhadecajunaGuiné‐

Bissausão:

i)Adificuldadedeassegurarstocks(operíododevendadacastanhadecajudurana

Guiné‐Bissauapenas4a5meses)paraquesejapossívelofuncionamentodasfábricas

evendadeamêndoadecajudurantetodooano.Estima‐sequeumaunidadede

processamentolocalcomcapacidadedeprocessar1200toneladas/anoprecisade

assegurarumstockde700toneladasdecastanhadecajudepoisdasuaépocade

colheitademodoapodertrabalhardurantetodooano.Estenãoéocasodos

processadoresdecajuindianos,queimportamcastanhadecajudevárias

proveniênciasemváriasépocasdoano(BancoMundial2010:79).

ii)Dificuldadedecompetircomospreçosdacastanhadecajuexportadaembruto.Por

exemploem2008,anoemqueopreçodacastanhadecajuguineenseaoprodutor

atingiuos430FCFA/kg,ostransformadoresnacionaisnãoconseguiramcomprar

castanhadecaju,pornãosercompetitivaaproduçãodeamêndoadecajucomtal

preçodamatéria‐prima108.

108 Diário de Bissau de 28 de Maio de 2008.

Page 128: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

128

iii)Amaiorpartedasunidadesdeprocessamento,porseremdereduzidasdimensões,

nãoconsegueassegurarumaproduçãomensalsuficienteparaencherumcontentorde

16toneladaspormês,quantidademínimanecessáriaparaexportação(muitasdestas

unidadestêmvendidoasuaproduçãoàempresaB&BCaju,paraquesejapossível

atingirummínimodeumcontentorpormês)(BancoMundial2010:78).

iv)OsaltoscustosdeinstalaçãodeumaunidadedeprocessamentonaGuiné‐Bissau.

Enquantoamontagemdeumaunidadedeprocessamentocomcapacidadede

produçãode1200toneladas/anoemMoçambiquetemumcustoemtornodos250mil

dólaresamericanos,naGuiné‐Bissaucalcula‐sequeatinjaos800mildólares.Estes

altoscustospodemseratribuídosaaltoscustosdeconstrução,aoelevadocustodo

equipamento(importadodoBrasiloudePortugal,emboranãohajarazãoaparente

paraquenãosejaimportadodosmesmoslocaisdeondeMoçambiqueimporta),taxas

deimportaçãode5%,eaindaelevadastaxassobreomaterialimportado(Banco

Mundial2010:78).

v)Inexistênciadeummercadonacionalparaconsumodeamêndoadecaju(háde

factovendaeconsumodeamêndoadecajunomercadonacional,masquase

exclusivamenteaoníveldosectorinformaledeprocessamentomanual).Omercado

nacionalformaldeamêndoadecajuéincipienteeestáestimadoem20toneladas

anuais(BancoMundial2010:79).

vi)Dificuldadesdeacessoaocréditoatravésdasinstituiçõesbancáriaaoperarnopaís.

6.7.2VantagenseDesvantagensdaApostadaGuiné‐BissaunaTransformaçãodeCastanhadeCaju

Page 129: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

129

“ThemorefundamentalissueisthatGuinea‐Bissauessentiallyproducesandexports

rawcashews,whilethesectorwouldgeneratemuchmorevalueaddedifcashewnuts

wereprocessedandconditionedbeforebeingexported”(Boubacar‐Sid2008:80).

Odiscursoeaconclusãopresentenamaiorpartedosrelatóriosquepretendem

encontrarsoluçõesparaosectordecajuguineensesãounânimes:aGuiné‐Bissau

precisadeapostarnoprocessamentodecastanhadecaju,edeixardeserummero

exportadordematéria‐prima.(p.e.LynneJaeger2004,Camará2007,Boubacar‐Sid

2008,Bock2008,BancoMundial2010).

Osargumentosapresentadospassamnormalmentepelasseguintesideias:i)o

processamentodecastanhadecajutrarávaloracrescentadoaopaísii)ainstabilidade

depreçosseráreduzidapoisaamêndoadecajutemapresentadopreçosbastante

maisestáveisnomercadomundialquandocomparadoscomocomportamentodos

preçosdacastanhadecajuiii)criar‐se‐iamdepostosdetrabalhoeaindústrianacional

teriagrandedesenvolvimentoiv)poder‐se‐iavalorizaras900miltoneladasestimadas

depolpadecajuactualmentedesaproveitadas,fazendosumos,pães,bolos,bifesde

caju,etc.v)aproveitamentodopodercaloríficodacascadacastanhadecajupara

produçãodeenergiavi)asmedidastomadaspelaÍndiaeVietnamenosentidodese

tornaremauto‐suficientesemcastanhadecajuacurtoprazosignificarãoqueaGuiné‐

Bissaudeixarádetermercadodeexportaçãoparaasuaproduçãodecastanhadecaju,

eseriaporissoessencialapostarnaproduçãodeamêndoadecajunaGuiné‐Bissau.

AcapacidadedeumafuturaindústriadedescasquedecastanhadecajunaGuiné‐

Bissauconseguircompetircomaindústriaindianadeprocessamentolevantano

entantoalgumasdúvidas.Em2008,anoemqueoquilogramadecastanhadecaju

chegouasercompradoaosagricultorespor430FCFA,osprocessadoresnacionaisde

castanhadecajuafirmavamquecomtalpreçoparaamatéria‐primanãoseriarentável

procederàtransformaçãodacastanhadecaju.AlpoimCalvão,proprietáriodafábrica

SICAJUdeBolama,umadastrêsprincipaisunidadesdetransformaçãodaGuiné‐

Bissau,diziaem2008ementrevistaaoDiáriodeBissauquevendiaumcontentorde

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130

amêndoadecaju(cercade16toneladas)entre45e55mileuros,quedessemontante

teriaquetirar1000eurosgastosemdespesasalfandegárias,equenãopodiacomprar

oquilogramadecastanhadecajuacimados200FCFA/kg,porquenãoseria

rentável109.

Umadasmedidaspropostasparaoestímulodaindústrianacionaldeprocessamento

seriaoaumentodastaxasdeexportaçãodacastanhadecaju.Moçambique,por

exemplo,comoobjectivodereabilitarosectordetransformaçãodecajuquehavia

sidodestruídodevidoàsreformaslevadascomoapoiodoBancoMundial(vercapítulo

4)tomourecentementeestetipodemedidas,subindoataxadeexportaçãode

castanhadecajupara18%comoobjectivodeevitaraexportaçãodecastanhae

estimularoprocessamentonopaís(BancoMundial2010:79).

NaGuiné‐Bissau,em2000,medidasirreflectidasforamtomadascomoobjectivode

estimularaindústriadeprocessamentonacional.Odecreto‐leinº118de20deAbril

de2000,lançadoemplenacampanhadecomercializaçãodacastanhadecaju

anunciavaqueaindanesseano30%dacastanhadecajucomercializadadeveriaser

transformadanopaís,eobrigavaosexportadoresaefectuarumacauçãoemdinheiro

juntodotesouropúblicocomumvalorcorrespondentea30%dacastanhadecajuque

pretendessemexportarnesseano,cauçãoqueapenasseriadevolvidamediante

comprovativodaimplantaçãodeumaunidadedetransformaçãoeda“efectiva

beneficiaçãodacastanhaparaexportação”.Apósameaçadegrandepartedacastanha

decajunãoserexportadaporosexportadorespretenderemabandonaropaís,a

medidagovernamentalfoianuladaaindanessamesmacampanhade

comercialização110.

AsubidadataxadeexportaçãonaGuiné‐Bissaueatomadadeoutrasmedidas

proteccionistasdestinadasaestimularaindústriadedescasquenacionalcontinuana

ordemdodia.SegundorelatóriodoBancoMundialde2010osprocessadoresdecaju

naGuiné‐Bissaunãotêmgrandeprotecçãocomaactualtaxadeexportaçãode

109 Diário de Bissau de 28 de Maio de 2008. 110 Diário de Bissau de 16 de Março de 2007.

Page 131: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

131

castanhadecajude8,6%,quenarealidadeémaisbaixa111.Estataxa,emboramaisalta

queadeoutrospaísesdaÁfricaOcidental,étambémmaisbaixadoquenosoutros

paísesquedesenvolveramumaindústriadeprocessamentocomsucesso(Brasil,Índia,

VietnameeMoçambique).Noentanto,omesmorelatórioadverte:aimposiçãode

umataxadeexportaçãomaiselevada,significará,atéqueaGuiné‐Bissautenha

capacidadedeprocessartodaasuaproduçãodecastanhadecaju,areduçãode

rendimentosdosmaisde100milprodutoresdecastanhadecajudopaís(Banco

Mundial2010:80)embenefíciodealgunsprocessadoresealgunsmilhares(namelhor

dashipóteses)deoperários.Eestapareceseraquestão.

Numpaísemconstanteatribulaçãopolíticaaolongodosúltimostrintaanos,comuma

sucessãodegolpesdeestado,deposiçõesdegoverno,pseudo‐ditadurasmilitares,a

evoluçãodaexportaçãodecastanhadecajutemtidoumcomportamento

relativamentepositivodadasascircunstâncias.Eseosucessodaexportaçãode

castanhadecajutemsidosucessivamenteprejudicadopelainstabilidadepolíticado

país,nãoofoitantoquantoseesperaria.Em1999,imediatamenteapósofinaldeuma

guerracivilquedestruiuopaísopreçodoquilogramadecastanhadecajuatingeos

300FCFA,eaexportaçãosobre7%emrelaçãoa2007,atingindoas62224toneladas,

omaiorvalordeexportaçãoatéàdata(CNC2009:13e15).Acampanhade2004,que

sedeuapósperíododegrandeagitaçãoprovocadapelogolpedeestadoque

derrubaraopresidenteKumbaYalaem14deSetembrode2003decorredeforma

relativamentenormalemaisumavezosvaloresexportadosatingemvaloresrecordes,

comapassagemde75miltoneladasem2003a93,2miltoneladasem2004.Os

assassinatosdopresidentedarepúblicaNinoVieiraedochefedeestado‐maiordas

forçasarmadasTagmaNauaie(a1e2deMarçode2009),teriamconsequências

negativas(baixadepreçopagoaoprodutordevidoàaoclimadeinsegurançanopaíse

consecutivadiminuiçãodaconcorrência),mastambémpositivas(aproximidadede

eleiçõesantecipadaseinstabilidadeesperadatevecomoresultadoumacelerarda

111 Na Guiné-Bissau a taxa actual de exportação é de 8,6% por tonelada aplicados sobre o valor da base tributária anunciada pelo governo em cada ano. A base tributária tem estado frequentemente bastante abaixo do real valor de exportação da castanha de caju, significando por isso, que os 8,6% de taxa de exportação são na prática inferiores. Por exemplo a base tributária em 2008 era de 600 dólares americanos e calcula-se que o valor médio de exportação por tonelada para esse ano foi de 1050 dólares americanos, significando uma taxa de exportação real de 4,9% em vez de 8,6% (Banco Mundial 2010: 80).

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132

exportaçãodecastanhadecaju)nacampanhade2009,queapesardetudocorreude

formasatisfatória,emaisumavezaexportaçãoatingiuvaloresnuncaantesatingidos

(135,7miltoneladas)(CNC2009:17).

OsucessodaexportaçãodecastanhadecajunaGuiné‐Bissauemmomentosde

instabilidadeparecedever‐seaobaixoriscoqueapresentaparaosexportadorese

negociantesinternacionaispornãoseremnecessáriosgrandesinvestimentosantesdo

períododecomercializaçãodacastanhadecaju.

AsdúvidasqueficamemrelaçãoaoapostardoprocessamentodecajunaGuiné‐

Bissauparecemser:

Aimposiçãodemedidasproteccionistasterácomoconsequênciaumadiminuiçãodo

preçopagoaosprodutoresdecaju(amaiorpartedapopulaçãodopaís)embenefício

dealgunsprocessadoresealgunsmilharesdeoperários112.

ExistemsériasdúvidasqueaGuiné‐Bissau,naeventualidadedeviraprocessarasua

produçãodecastanhadecaju,consigacompetircomaÍndiaemtermosdepreçosde

amêndoadecastanhadecaju.

Eseráqueumafuturaindústriadeprocessamentodecajuserátãoresistenteà

constanteinstabilidadepolíticaqueaGuiné‐Bissautematravessadoquantootemsido

aexportaçãodecastanhadecaju?

6.8CastanhadeCaju:CadeiaeCustosdeComercialização,PreçosRecebidoseEvoluçãodoPoderdeCompradosProdutoresGuineenses

EmmeadosdeMarço,apartirdadataemqueéoficialmenteiniciadooperíodode

compradacastanhadecaju,achamada“campanha”,gruposdemulheres,idosose

112 Os salários pagos aos trabalhadores das unidades de descasque existentes não são favoráveis. Um operário ganhava em início de 2010, 150 FCFA por quilograma de castanha de caju descascada. Por dia, normalmente, o máximo que um trabalhador consegue atingir não ultrapassa os 5 quilogramas, o que perfaz um total de 750 FCFA por dia, ou seja um salário mensal de 15 mil FCFA (aproximadamente 23 euros).

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133

crianças,mastambémalgunshomens,dirigem‐seaospomaresdecajuparainiciara

colheita.Acastanhacolhidaélevadaparaasaldeiasesecaaosolemfrentedascasas.

EmMarço,jáseacabaramparaamaiorpartedosagricultoresasreservasdearrozde

produçãoprópria(seéquetêmarrozdeproduçãoprópria,vercapítulo7)ehájá

algunsmesesqueserecorreàcompradearroznoscomerciantesdealdeia,muitas

vezesrecorrendoaempréstimoscomcondiçõesespecialmentedesfavoráveis(ver

capítulo7).

Énoinícioda“campanha”,quandoasfamíliasdesesperadamenteprecisamdearroz,

quesecomeçamatrocarpequenasquantidadesdecastanha.Cinco,dez,vinte

quilogramasdecastanhaquesevãotrocandoporpequenasquantidadesdearroz.

Maistarde,eparaasmaioresquantidadesdecastanhaacumuladavai‐seesperando

queopreçosuba.Aincertezacontudoémuita,edecidiromomentodavendaétalvez

adecisãomaisimportanteatomarduranteoactualcalendárioagrícolaguineense.A

incertezaémuitaporqueavariaçãodopreçodacastanhadecajunãotempadrão.Se

háanosemqueopreçocomeçabaixoesobecontinuamenteatéaofinalda

“campanha”,háoutrosanosemqueopreçosobeedescedeformaimprevisível,ou

outrosaindaemqueopreçonãopáradebaixardoinícioaofimda“campanha”.

Opapeldarádioéactualmentefundamental,eéfrequenteverasfamíliasaouvir

rádiopeloserãotentandoperceberdequeformavaievoluiropreçodacastanha,ou

quepreçosseestãoapraticaremoutrasregiõesdopaís.

Ospreçospraticadosemdiferentesregiõessãotambémdiferentes.Em2009,por

exemplo,naaldeiadeNhacra,pertodeBissau,juntoàestradaalcatroada,opreçoda

castanhadecajumanteve‐sesempreacimados250XOF,atingindomuitasvezesos

300XOF,enquantonasaldeiasdeQuínara,regiãoservidaporpéssimasestradasa

grandedistânciadacapital,ospreçosatingiammuitasvezesos100XOF.

Tambémdentrodamesmaregiãoospreçossofremvariaçõesfortes.Maisumavezo

factorisolamentoeestradasãofundamentais,emuitasvezesaldeiasmaisdistantes,

ondeumcarrodificilmentepodechegar,vendemasuacastanhadecajuapiorpreço.

Page 134: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

134

Tambémnoinícioda“campanha”étrocadagrandequantidadedecastanhadecaju

queasmulheresecriançasdafamíliadonadopomardesviamsempermissãodochefe

defamília(éobviamentedifícilcalcularasquantidadesdesviadas,masmuitos

entrevistadosapontaramvaloresentreumquartoeumterçodaproduçãototaldos

pomaresdafamília).Acastanhadecajuassimdesviadaénormalmentetrocadapor

produtosquenormalmenteduranteoanonãoestãodisponíveis(panosparafazer

roupa,bugigangas,etc.).

6.8.1Aorganizaçãodacadeiadecompradacastanhadecaju–databancaaoportodeBissau(ocasodeQuínara).

Emgrandepartedasaldeiasguineenses,duranteoperíododa“campanha”,existem

pontosdecompradecastanhadecaju.Algunstemporáriosequeapenasabremde

MarçoaJulho,ealgumaspequenaslojasquesemantêmabertasduranteoanomas

queduranteestaépocasededicamprincipalmenteàcompradecastanhadecaju.

Grandemaioriadestescomerciantesquecompramcastanhadecajunasaldeias

trabalhamparacomerciantesinstaladosnassedesdesector113.Noiníciodacampanha

oscomerciantesdesectorfornecemdinheiroe/oumercadoriasearrozparaquepossa

sercompradaoutrocadaacastanhadecaju.Asaldeiasmaispopulosasoucommaior

produçãodecajupodemchegaraterduranteoperíododecampanha7postosde

compra,contudoamaioriadasaldeiastêmde1a4postosdecompra.Asquantidades

decastanhacompradaporestescomerciantesdealdeiavariamemQuínaraentre30e

100toneladas,eovalorqueganhaménormalmentede10XOFporquilogramade

castanhadecajucomprada.Osimpostoseoutrasdespesasqueénecessáriopagar

paramanutençãodestespostosdevendasãoasseguradospeloscomerciantesde

sectorparaquemoscomerciantesdealdeiatrabalham.

113 O sector é uma unidade administrativa que aproximadamente corresponde ao concelho português. Em Quinara são Tite, Fulacunda, Buba e Empada.

Page 135: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

135

Algunsdestescomerciantesdealdeiasãohabitantesdaprópriaaldeia,outros,etalvez

amaioria,sãoestrangeiros(namaioriamauritanos,guineenses(daGuiné‐Conacry),

malianos,senegaleses,gambianos,etc.)quetrabalhamnormalmenteemrede.Um

mauritanoinstaladonumaaldeiatrabalhaemconjuntocomummauritanoque

compracastanhadecajunavilamaispróximaqueporsuavezvendeacastanhaou

trabalhaparaumcomerciantemauritanoinstaladoemBissau,formandodesta

maneiraumaredecujoselementossão,namaioriadoscasos,cidadãoscomamesma

origem.

Acastanhadecajuqueéacumuladanospostosdevendacolocadosnasaldeiasé

depoisencaminhadaparaassedesdesectorparaosarmazénselojasdealguns

comerciantesdemaiordimensão.Estescomerciantesinstaladosnassedesdesector114

daregiãotrabalhamnormalmenteparagrandescomerciantescomsedeemBissau.No

iníciodecada“campanha”decompradecastanhadecajuosgrandescomerciantesde

Bissaufornecemdinheiroegéneros,amaiorpartedasvezesarroz,paraqueos

comerciantesdesectorosdistribuampelosváriospostosdevendaquemantêm.A

quantidadedecastanhadecajucompradapeloscomerciantesdesectorvariouem

Quínara,em2009,entre500e2000toneladas.

Nestacadeiadecompraexistecontudograndenúmerodevariaçõesnastipologiasde

comerciantesenaformacomoestesorganizamseusnegócios.Enquantoalgunsdos

grandescomerciantesdesectorsãotrabalhadoresassalariadosdosgrandes

comerciantesdeBissau,outrostêmbastanteindependêncianoprocessodecomprae

nãotêmcompradorfixoparaacastanhadecajuemBissau.Amaioriadestes

comerciantes,noentanto,trabalhamcomalgumaindependênciamasestabelecem

fortesparceriascomumgrandecompradordecastanhadecajudeBissauquefornece

dinheiroearroznoinícioda”campanha”,eaquemficamobrigadosavendera

castanhacomprada.Normalmente,estabelecem‐secontratosparacompradeum

determinadonúmerodetoneladasadeterminadopreço,quecontudopodemser

alteradosrapidamente.Seopreçodecompradacastanhadecajudescersubitamente

114 Excepção para algumas aldeias onde a produção de castanha de caju atinge valores excepcionais, como por exemplo Brandão, Nova Sintra, Madina, Batambali, e onde também se acumulam grandes quantidades de castanha de caju que poderá ser embarcada directamente para Bissau.

Page 136: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

136

emBissauoscomerciantesdeBissaucontactamimediatamenteoscomerciantes

instaladosnasvilasdaregiãoparaqueestesbaixemospreçosdecompradacastanha

decajunointerior.AmaiorpartedoscomerciantesinstaladosemQuínaraprefere

estabelecerestetipodeparceriasecontratosporteremumconsiderávelmenorrisco

àsvariaçõesdepreço.Muitosreferem,queaotrabalhardeformaindependente,

comprandocastanhadecajuporsuacontaeriscoecomfundospróprios,dadoa

rapidezcomquesealteramospreçosdacastanhadecajuemBissau,podedar‐seo

casodeaochegaraBissauparavenderacastanhaadeterminadopreço,queomesmo

jánãosejapraticado.Noentanto,emQuínara,hácomerciantesqueassimoperam,

mantendo‐se,contudo,diaadiaemesmohoraahoraactualizadosdopreçoqueestá

aserpraticadoemBissauparaquepossamactualizaropreçodecompranasaldeias.

Parafazercompradecastanhadeformaindependentereferemtambémcomo

fundamentaloestabelecerdefortescontactosemBissaujuntodeumcertonúmero

decomerciantesemquemconfiam,comquemmantêmcontactosregulareseaquem

podemfacilmentevenderacastanhadecajuacumulada.Sãonoentantoconstantesos

lamentosdealgunsdoscomerciantesqueoperamdestaforma,pelasperdasde

dinheiroresultantesdecompraremcastanhadecajunointeriorapreçossuperiores

aospreçospraticadosemBissau.

Amargemdelucrodoscomerciantesinstaladosnassedesdesector,quemantêm

algumnúmerodepostosdevendanasaldeias,variabastante,porfactorescomo:o

transportedacastanhadecajuparaBissauouosimpostosaserempagosao

MinistériodoComércioeàsFinanças,seremasseguradospeloscomerciantesde

sectoroupelosgrandescomerciantesdeBissau.Asmargensdelucropodemassim

variarentreos10XOF(paraquemnãoasseguratransporteouimpostos)até50XOF

(paraqueméresponsávelportodooprocessodecompraeentregaacastanhadecaju

emBissau).

AcastanhadecajuarrecadadanosarmazénsdeTite,Fulacunda,Buba,Empada,as

sedesdesector,édepoiscarregadapelosinúmeroscamiõesqueatravessamas

estradasdeQuínaraeentreguenosarmazénsdeBissau.Oestadodedestruiçãoda

maiorpartedasestradasdeQuínara(sãonaverdadepicadas),easconstantes

Page 137: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

137

paragenslegaisouilegaisfeitasporpolíciaefiscaisdoministériodocomércioondeé

exigidograndenúmerodesubornoscontribuem,segundoaopiniãodemuitos

comerciantes,paraosaltoscustosdotransporteparaBissau,econsequentemente

paraomenorpreçopagopelacastanhadecajuemQuínaraquandocomparadocom

outrasregiõesdopaíscommelhoresacessos.

ParaaperspectivadacomercializaçãodacastanhadecajuemQuínarasegundoo

produtor,consultarocapítulo7(7.3).

6.8.2ONegóciodaCastanhadeCajuemBissau:GrandesComerciantes,ExportadoreseNegociantesIndianos

Amaiorpartedacastanhadecajuproduzidanopaíséexportadaapartirdoportode

Bissau(cercade70%pelomenos,jáquealgumasestimativasapontamparaquecerca

da30%dacastanhadecajuproduzidanopaíssejacontrabandeadaatravésdas

fronteirasterrestres,ver6.5.).

Oscomerciantesqueoperamnointeriordopaísequetrabalhamemparceriacomos

grandescomerciantes/exportadoresdeBissau,osempregadosdestesquecompram

directamentenasaldeiasdetodoopaís,ouaindacomerciantesqueoperamno

interiorequetrabalhamdeformaindependente,encaminhamparaBissau,paraos

armazénsdosgrandescomerciantesoudoscomerciantes/exportadoresamaiorparte

dacastanhadecajuproduzidanopaís.

Em2009havia40grandescomerciantes/exportadorescomlicençadeexportação

emitidapeloMinistériodoComércio(vertabela9)queasseguravamacomprada

castanhadecajuarrecadadapeloscercade300comerciantesregistadosaoperarno

interiordopaís(énoentantodeesperarqueonúmerosejabastantesuperiorjáque

bastantescomerciantesoperamilegalmente).

Acastanhadecajuarmazenadanosarmazénsdosgrandescomerciantes/exportadores

deBissauédepoisencaminhadaparaoportodeBissauevendidaanegociantes,na

grandemaioriaindianos,independentes,ourepresentantesdaindústriade

Page 138: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

138

transformaçãodaquelepaís.Tambémalgunsgrandescomerciantes/exportadores

exportamacastanhadirectamenteparaaindústriaprocessadoraindiana,contudo,

sãoumaminoria.

6.8.2.1Aconcorrêncianosectordeexportaçãodecastanhadecaju

Em2010acompradecastanhadecajunointeriordopaíseasuaexportação

processavam‐sedeformarelativamenteliberalizada.Aleiqueregulavaasactividades

decomercianteseexportadoresterásidorelativamentemodificadaparaeliminar

barreirasaosestrangeiros(ver6.6.).Comoresultado,segundooBancoMundial,a

competiçãoteráaumentadoeasmargensdacomercializaçãoparecemterdescido

(BancoMundial2010:76).

Comparandoasempresasquerealizaramexportaçãodecastanhadecajuem2003e

em2009,nota‐sesobretudoocrescimentodosvaloresexportadosporempresas

nacionais(porexemploGomes&Gomes,Malaika,vertabela9).Noentanto,partedas

pequenasempresasexportadoresqueoperavamem2003parecemterdesaparecido,

eapesardeaquantidadedecastanhadecajuexportadaterquaseduplicadoentre

2003e2009,onúmerodeexportadoresaoperarmanteve‐sepraticamenteinalterado

(vertabela9).

Assim,casoscomoodesaparecimentodaAMEF,Bacassama,Cante&Cante,Carlos

Gomes,Emmco,Socinvest,SonecTrading,entreoutros,empresasqueexportavam

menosde500toneladaspor“campanha”,contrastamcoma“sobrevivência”de

grandesexportadorescomoaGomes&Gomes,Coguegui,entreoutros.Onúmerode

empresasqueexportavamenosde500toneladas/anodesceude10em2003para4

em2009,oquepareceindicarasuadificuldadeemcompetircomasempresasque

exportamemmaioresquantidades.

Opesodosexportadoresqueexportavammaisdoque500toneladas/anonototalde

exportadoressubiude70%em2003para88%em2009,oquepõeemevidênciauma

possívelexclusãodaspequenasempresasnosector.

Page 139: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

139

Tabela9.EmpresascomlicençadeexportaçãoregistadasnoMinistériodoComércioem2003

e2009.Fontes:2003:JaegereLynn2004:75;2009:CNC2009:11

Exportadoresem2003 Quantidadeexportada(ton. Quantidadeexportadaem2009AbbyFamily 0 2205,24

AbdulaiC.Bangura 0 588,82

ArmazénsdoPovo 1717 0

AgriCommerical 1701 0

Aguicon 0 737,16AlphaA.Balde 0 1945,32

AlpinaCaju 0 202,31

AMEF 202 0

AncoraGuiné 1850 0AnsuLopes 0 375,82

ArmazénsBandim 4059 1989,76

ATEBissau 0 3340,45

Atlantico 3015 0Bacassama 94 0

BraimaCante 4293 5195,23

BraimaS.Djaló 0 582,89

Cante&Cante 101 0

CarlosGomes 443 0CarSilva 0 9932,54

Car‐Tur 2363 0

ChetaBissau 1008 12559,34

Coguegui 5261 11811,17ConstruçõesLda. 0 5886,51

CRTrading 0 2463,84

Djabi&Djabi 0 3717,90

Dja&Dja 0 2669,09

Emmco 152 0EmpresaCom.Cuba 142 0

FallouBadiane 2901 0

GHImpexComércio 946 0

GalvaTrading 3007 0GeneralTrading 1092 4249,88

GetaSA 0 2515,17

Gomes&Gomes 10891 10853,82

GuiNab 768 0Guiespam 0 425,58

IsconAgro 0 4882,64

Kabesco 0 2361,85

LamaranaDjaló 0 505,48

Malaika 0 9266,29MoctarMohamed 0 1594,97

NadiaJawadBicha 2474 2294,17

OrgGuitrading 7958 0

Roni 5109 0Rumo 2231 0

SanyeSany 0 413,61

SICAP 4379 4826,59

Sidec 387 0

SKBissau 0 4924,18Socinvest 257 0

Socobis 2094 9822,14

Socoquina 3256 0

SonecTrading 155 0SYB 455 4110,39

YuviTrading 0 2189,73

UCCLda. 0 4267,61

Total 75586 135707,49

Page 140: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

140

6.8.2.2Asdificuldadesdeacessoaocrédito

Apósaguerracivilde1998/1999oacessoaocréditopelosgrandes

comerciantes/exportadorestornou‐sedifíciljáqueamaiorpartedasinstituições

bancáriasdopaíshaviamencerradoportas.Em2004,naGuiné‐Bissau,apenasum

bancocomercial(oBancodaÁfricaOcidental)operavaeforneciacréditoaos

exportadoresdecastanhadecaju(BancoMundial2010:84).Eramfrequentesas

queixasdossóciosdaAGEXquantoàdificuldadedeobtençãodecrédito,eos

lamentosdadependênciaemrelaçãoaosnegociantesindianos,osfornecedoresde

grandepartedodinheiroutilizadoparacompradecastanhadopaís(umaexcepção

seriamoscomerciantesmauritanosqueoperavamempartecomcréditopróprio).Em

2004,emboranãohouvessequalquerproblemadeliquideznacadeiadecomprade

castanhadecaju(LynneJaeger2004:11),adependênciaaocréditofornecidopelos

compradoresindianosfaziacomque,segundoosexportadores,fossefácilaos

compradoresindianosformarcartéiseditarpreçosdevenda,poisumcomerciante

querecebessecréditoparacompradedeterminadonúmerodetoneladasficava

obrigadoavenderasmesmastoneladasaumpreçopreviamenteestabelecido115.

Recentemente,asituaçãopareceter‐sealterado,poisforamabertosnovosbancosno

país,edoisdelesoperammesmoaoníveldasub‐região(oEcobankeoBRS),não

apresentandoproblemasdeliquidezemantendocapacidadedefornecercréditoaos

exportadoresdecastanhadecaju,quedeixaramdeserobrigadosacombinarpreços

devendaaprioricomosnegociantesindianos116.

115 Declarações de Braima Camará, à data presidente da AGEX, ao Diários de Bissau de 15 de Dezembro de 2005, e entrevista a dos maiores exportadores de castanha de caju de Bissau realizada a 7 de Janeiro de 2010. 116 Entrevista a um dos principais exportadores de castanha de caju do país, Bissau, Janeiro de 2009.

Page 141: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

141

6.8.2.3OsAltosCustosdaComercializaçãodaCastanhadeCajuna

Guiné‐Bissau

Atabela10mostraarelaçãoentreopreçopagoaosagricultoreseasmargensdelucro

decomercianteseexportadores,eainda,opreçodecustodotransporteedastaxasa

pagarpelacompraeexportaçãode1toneladadecastanhadecaju,doprodutorao

navioatracadoemBissauondeseráexportadaparaaÍndia(cercade75128FCFA,28%

dopreçodeexportação).

Emboraastaxasrepresentemomaiorpesonocustofinal,tambémosaltoscustosde

transportedacastanhadecajudoagricultoraosprocessadoresindianoscontribuipara

adiferençaentrepreçopagoaoprodutorepreçodeexportação.Oscustosde

transporteprendem‐secomaquaseausênciadeumaredeviária,eàexistênciade

barreirasdeestradadirigidasporpolícias,fiscaisdoMinistériodoComércioe

militares,nasuamaioriailegais,ondesãoexigidossubornos(BancoMundial2010:77).

Actualmente,algunsesforçostêmsidofeitospelogovernoparadiminuirestasituação

quetantoencareciaotransportedacastanhadecajudointeriorparaBissau.

Tambémoscustosportuáriosguineensessãobastanteelevados.Asobrasde

recuperaçãodoportodeBissau,planeadasdesde1997aindanãoserealizaram,ehá

váriasdezenasdeanosquenãosãorealizadasdragagensnoporto,oquelimita

drasticamenteocalibredasembarcaçõesquealipodematracar.Astaxasportuárias

cobradasemBissausãoaltas,eatingemos40dólaresamericanosportonelada,

enquantonospaísesvizinhosnãoultrapassamos10dólaresamericanos.Porestes

motivos,embarcarmercadoriaparaexportaçãonoportodeBissaué

significativamentemaiscaroquandocomparadocomoutrospaísesdaÁfricaOcidental

(porexemplo,estima‐sequeocustodeembarquede1toneladaemAbidjansejade

40dólaresamericanosenquantoemBissauatingeos90dólaresamericanospor

tonelada).

Tabela10.Estruturadecustosdacomercializaçãode1toneladadecastanhadecajunaGuiné‐Bissau(emfrancosCFA)duranteacampanhadecomercializaçãode2007.Fonte:BancoMundial2010:71,dadosdaComissãoNacionaldeCaju,CadernodeExportação,2008.

Page 142: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

142

Preçodecompradocomerciante 200000

Margemdelucrodocomerciante 25000

CustodetransportedointeriorparaBissau 14000

PreçodevendaemBissau 239400

Preçodecompradoexportador 239400

Taxadealfândega(6%dovalorf.o.b.emBissau) 17280CPR/DGCI(2%dovalorf.o.b.emBissau) 5760

ACI/DGCI(27FCFA/5kg) 6750

Transportedoarmazémparaoporto 3158

Carregamentoedescarregamento 2500

Pesagemantesdoembarque 259

Custosbancários 12384

Sacos 6250Certificadodeorigem 1500

Certificadofitossanitário 53

Taxadodespachante 413

SGS(taxadecertificação) 1500

Aluguerdearmazém 1500

Sub‐Total 303357

Custosadministrativos 25Danoseperdas 1296

Contingências 500

Margemdelucrodoexportador 25000

Sub‐Total 26821

Preçodeexportação 330178

Osúltimosestudosrealizadossobreomercadodecastanhadecajuguineense

afirmamqueopreçopagoaosagricultorespelacastanhadecajuvarianormalmente

entre50a70%dopreçof.o.b.,umapercentagemconsideradarazoável,dadoosaltos

custosdacomercializaçãodecajunaGuiné‐Bissau(JaegereLynn2004,Boubacar‐Sid

2008,BancoMundial2010).Combasenosmesmosdadososautoresconcluemque

nãoexistemindíciosclarosdedistorçãodemercadoporpartedeexportadorese

negociantesindianos.Noentanto,éextremamentedifícilconseguirsabercom

precisãoqualovalorpagoacadaanoaosagricultorespelasuacastanhadecaju,pois

duranteoperíododecomercializaçãoospreçosapresentamgrandesvariações,por

vezesaolongodomesmodia.Paraalémdisto,ospreçosoficiaispoderãonão

corresponderaospreçosreaispraticadosefoiditoporfonteslocais117queospreços

reaisdeexportação,combinadossecretamenteentreexportadoreseimportadores

indianos,sãonarealidademaisaltosdoqueosdeclarados,demodoafugiraos

impostosestatais.

117 Conversas informais e entrevistas com comerciantes locais, empresários e fontes governamentais em Janeiro de 2010.

Page 143: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

143

Paracalcularapercentagemdopreçof.o.b.recebidapelosagricultorestem‐se

normalmenteutilizadoopreçomédiopagoaoagricultorpublicadoemfontes

governamentais(tabela11).Noentanto,eaté2008,opreçomédioanunciadopela

ComissãoNacionaldeCaju,parecefrequentementeinflacionado,enãocoincidecom

asinformaçõesdeagricultoresepublicadasnaimprensaduranteascampanhasde

comercializaçãodecastanhadecaju118.

Atabela12,construídaapartirdegrandenúmerodefontes(imprensaescritados

últimosdezanos,eentrevistaaagricultoresdosuldaGuiné‐Bissau)mostrauma

realidadebastantediferente.Opreçodoquilogramadacastanhadecajupagoao

agricultorguineensede1999a2009,parecenarealidadetersidoconstantemente

bastanteinferioraopreçopublicadoemfontesgovernamentais.Estadiferença

permiteconcluirqueaoinvésdoquetemsidoreferido,opreçopagoaoagricultor

guineensepelasuacastanhadecajutemsidoconstantementeinferiora60%dopreço

f.o.b.,tendomesmoatingidovalorestãobaixoscomo18%dopreçof.o.b.(tabela13).

Tabela11.Médiadospreçospagosaoprodutorpelocomprador(emfrancosCFA/kg)de1999a2009–dadosoficiais.Fonte:CNC2009:15

Ano 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

Preço 300 300 250 250 250 250 100 150 300 186

Tabela12.a)DiáriodeBissaude27deDezembrode1998b)CNC2009:15c)DiáriodeBissau

de19deAbrilde2001d)CorreiodaGuiné‐Bissaude18deJulhode2003e)DiáriodeBissau

de29deJunhode2006f)DiáriodeBissaude19deMaiode2006g)DiáriodeBissaude22de

Junhode2006h)DiáriodeBissaude16deMarçode2007i)DiáriodeBissaude2deMaiode

2007f)DiáriodeBissaude10deAgostode2008x)DiáriodeBissaude21deMaiode2008y)

NôPintchade2deAbrilde2009z)NôPintchade30deAbrilde2009u)NôPintcha21de

Maiode2009z)DiáriodeBissaude23deMarçode2001k)Entrevistasacomerciantese

exportadoresdecastanhadecajurecolhidasentreOutubroeDezembrode2009.

Ano 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

118 Os anos de 2008 e 2009 são uma excepção, e os relatórios apresentados pela Comissão Nacional de Caju nestes anos apresentam a evolução de preços pagos aos agricultores durante a campanha de comercialização de castanha de caju de forma bastante detalhada e realista.

Page 144: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

144

Preçomédiopagoaosagricultoresporkgdecastanhadecaju(dadosoficiais)b)

300 300 250 250 250 250 100 150 300 186

Preçospagosaosagricultoresporkgdecastanhadecaju(outrasfontes)–máximosemínimos.

250‐300a)250‐350k)

100‐150k)

100‐200k)

100‐150c)200z)

100‐200k)

100‐250d)

100‐200k)

100‐200k)

75‐150f)100g)50h)

75‐100i)135‐150f)

250‐300x)400y)

75‐150z)250‐300u)

Tabela13.Percentagemdopreçof.o.b.pagoaoagricultor.Fontes:Preçof.o.b.datoneladadecastanhadecajuemBissau:CNC2009eBancoMundial2010.Preçopagoaoagricultor:vertabela3.Nota:ataxadecâmbiodofrancoCFAfoiestabelecidaapartirde1999em1euro=655,957FCFA.Paraconverteropreçof.o.b.emBissaudedólaresaCFAutilizou‐seataxadecâmbiododólar–eurode1deAbrildecadaumdosanosde1999a2008(dadosdoFederalBankofSaintLouisemhttp://research.stlouisfed.org).

Ano Preçof.o.b.datonelada

decastanhadecajuemBissau(emdólaresamericanos)

Preçopagoaoagricultor(máximoemínimo)emCFA/kg

%dopreçof.o.b.recebidapelosagricultores(máximaemínima)

1999 714 100‐150 57,1‐68,552000 595 100‐200 24,2‐48,4

2001 600 100‐200 22,7‐45,4

2002 380 100‐200 35,5‐71,1

2003 545 100‐250 30,4‐60,82004 550 100‐200 33,2‐66,5

2005 523 100‐200 37,7‐75,4

2006 505 50‐150 18,5‐55,6

2007 470 75‐150 32,9‐65,72008 821 250‐400 73,1‐117,0

6.8.2.4SobreaPossibilidadedeDistorçãoProvocadapelaExistênciade

OligopóliosnoMercadodeCastanhadeCajuGuineense

Afirmarseexistemounãoindíciosdedistorção,oudeformaçãodeoligopóliose

cartéisnomercadodecastanhadecajuguineenseédifícildevidoàquaseinexistência

defontes,dedadosedeestatísticasoficiais.Noentanto,ahistóriadascampanhasde

compradecastanhadecajudosúltimos10anoséabundanteemtrocasdeacusações.

Amaiorpartedascríticas,inclusivevindasdemembrosdogoverno,acusamos

compradoresindianosdeespecularedesfavorecerfortementeosprodutoresde

castanhadecaju.Foitambémditoporváriasfonteslocaisqueemperíodosdemaior

instabilidadepolíticanaGuiné‐Bissau,osimportadoresindianosaumentamapressão

Page 145: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

145

demodoapodercomprarocajuapreçosmaisbaixoseaestabelecercontractosmais

favoráveisparasi,sobaameaçadeserecusaremaimportarocajudevidoaomaior

riscoassociado.

Abaixo,peranteaimpossibilidadedeobtençãodedadosquepermitamconcluirsobre

aexistênciadedistorçõesnomercadodecastanhadecajuguineense,éapresentadoo

teordeacusaçõespatenteporexemplonosdiárioslocais.

Em2001,ogovernoanunciaumpreçodereferênciade300XOF/kg,noentantoa

castanhadecajueracompradaaosagricultorespor100XOF/kg.Peranteestasituação

opresidentedaANAGfalavaem“campanhaorquestradaparaquedadepreço”119,eo

MinistrodaAgriculturadiziaqueos“operadoreseconómicosdomercadodecajusó

pensamemlucros,lucrosemaislucros”120.Em2002,ereferindo‐seaosbaixospreços

praticadosnacompradecastanhadecajuem2001,oMinistrodaEconomiaedas

Finanças,anunciavaqueogovernoguineenseiria“processarcriminalmenteos

mentoresdoanúnciodareduçãodaquedadepreçoem2001”121,eoSecretáriode

EstadodoComércioeIndústriaerabemclaroediziaque“osprodutoresforam

sujeitosagrandesprejuízosem2001”,reconheciaquehaveria“baixorendimentopara

milharesdeprodutoresdevidoàquedadesteprodutonomercadoexterno”eque

“indianosformaramumcartelcomoobjectivodedefenderosseusinteresses”equea

partir“destacoligaçãocomeçaramaditarpreços”eaindaque“hápoucaparticipação

dosnacionaisnasoperaçõesdecomercializaçãodevidoaestaremcomdificuldades

financeiraseporostradicionaisfinanciadoresnãolhesdaremcrédito”122.

Em2003,ogoverno,emborareconhecendoque“asoluçãoparaoproblemados

baixospreçospraticadosnacompradacastanhadecajucabeaosprivados”,decide

intervirnoprocessodecompraporque“existemosquequeremalteraropreçoda

castanhadecaju,ecomotemosnoçãoqueaspessoasestãoafazermontagemn

119 Diário de Bissau de 28 de Abril de 2001. 120 Diário de Bissau de 23 de Março de 2001. 121Diário de Bissau de 8 de Maio de 2001. 122 Diário de Bissau de 8 de Maio de 2002.

Page 146: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

146

sentidodeprovocaraquedadepreço,decidimosmanifestaranossapresençacomo

autoridadeadministrativa”123.

Em2005,eraoprópriopresidentedaAGEX,BraimaCamará,quediziahaverem‐se

“descobertoasbatotasquesefaziamnosectordocajuequeforamascausasdabaixa

depreçoaoprodutor”,eemboradesejasseque“opreçoaoprodutorfossesuperiora

250XOF/kg”,consideravaessepreçoimpraticávelpor“atéagoratermossido

financiadospelosindianosqueditavamassuasregras”124.

Em2006eratambémopresidentedaAGEXachamara“atençãodogovernoparao

reduzidonúmerodecompradores,eaoriscodepoderemcontrolaromercadoe

prejudicaropaís,nummercadoondenosúltimosanostêmacontecidocoisas

extremamenteestranhas”125.JáopresidentedaANAG,MamaSambaEmbaló,advertia

parao“hábitodedistorceropreçodacastanhaameiodacampanha”,edizianão

querervoltaraouvir“asinventadashistóriasdequeacastanhafoidesvalorizadano

mercadointernacional,jogadasquevisavamprejudicarosprodutores”126.

Jáoscomerciantesindianosalegavamqueopreçodereferênciaestabelecidopelo

governoerademasiadoaltoequenãolhesdavamargemdelucronomercado

internacional127.AIRIN,agêncianoticiosadasNaçõesUnidas,referindo‐seaobaixo

preçopagoaosagricultoresem2006diziaque“osexportadoresindianos,vistoterem

monopólio,podemditaropreço”128.

Em2007asacusaçõescontinuavam,eoscomerciantes/intermediáriostambémse

encontravamdescontenteseexplicavamascausasdasuamásituação:“nãotemos

dinheiroenãoháquemfinancieacampanhacomosefaziahánoveanos.Antesda

guerrade1998,quandoosindianoschegavamjáoarmazémestavacheioeerasó

negociaropreço.Agoracomoestamosdescapitalizadoselesimpõemasualeietiram

omáximodebenefícios”129.OpresidentedaCâmaradeComércioeIndústriatambém

123 Correio da Guiné-Bissau de 25 de Junho de 2003. 124 Diário de Bissau de 15 de Dezembro de 2005. 125 Diário de Bissau de 13 de Abril de 2006. 126 Diário de Bissau de 22 de Junho de 2006. 127 Diário de Bissau de 26 de Abril de 2007. 128 IRIN, a 15 de Junho de 2006, em http://www.irinnews.org/Report.aspx?ReportId=61571. 129 Diário de Bissau de 5 de Setembro de 2007.

Page 147: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

147

reconheciaqueaconjunturaera“desfavorávelaosprodutores,devidoàperdade

cotaçãointernacionaldocaju,devidoàreduçãodaprocuranosEUA”.Consideravano

entantoqueoproblemadavendadocajusedeviaàs“manobrasdosindianos,mas

tambémaoserrosdapolíticadogovernonosectordocaju130.

Em2008,oGrupodeAgroIndustriaisReunidos(AGIRE)entregavaummanifestoao

governocomsoluçõesparaoproblemadacastanhadecajuemquelançavaasuspeita:

“nopaísopreçodacastanhadesvalorizou‐seenquantoopreçodaamêndoacontinua

aaumentarnomercadointernacional…”131.

6.9Arroz,CastanhadeCaju,eSegurançaAlimentarnaGuiné‐Bissau

Para2008,assumindoqueapopulaçãodopaíserade1,6milhõesdehabitantes,

estimava‐sequeoconsumototaldearrozfossede139680toneladas,o

correspondentea235000toneladasdearrozcomcasca(BancoMundial2010:89).

Estandoaproduçãodearrozdopaísem2008estimadaem148757toneladasdearroz

comcasca(FAO2010),calculava‐sequeodéficeemarrozdopaísfossede86243

toneladas,apesarde,comosemostrouanteriormente(ver6.4.),aproduçãoagrícola

dopaísteraumentadoeaproduçãoorizícolatermostradoumatendênciapositivade

1991àactualidade(figura9).Oêxodorural,acrescenteperdademão‐de‐obra

disponívelparatrabalhosagrícolas,eograndecrescimentoqueacidadedeBissau

tevenosúltimosanossãoascausasmaisfacilmenteidentificáveisparaodéfice

cerealíferodopaís.

ÉnecessáriodizerqueoarrozéoquaseúnicocerealconsumidonaGuiné‐Bissau.A

quantidadearrozconsumidapelapopulaçãoguineensetemvindoaaumentar(figura

10),nãoapenasporqueonúmerodehabitantescresceu,mastambémporquetem

vindoaserabandonadooconsumodeoutrosalimentoscomoosmilhosealguns

tubérculos(mandioca,inhames,etc.).Oconsumodearrozanualestimadopor

130 Diário de Bissau de 5 de Setembro de 2007. 131 Diário de Bissau de 23 de Abril de 2008.

Page 148: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

148

habitanteéde100kg(PAM2007:6)132,oquedeixapoucoespaçoparaoconsumode

outroscereais.NoLestedopaísoconsumodemilhosemilhetosapresentaalguma

importância,masnocontextogeraldopaísésegurodizerquepoucoseconsomeese

comedeoutroscereaisparaalémdearroz.100Kgdearrozconsumidosanualmente

porhabitanteéumvalorconsideradoextremamenteelevado,mesmonocontextoda

ÁfricaOcidental(oSenegalapresentaumconsumoestimadode93kganuaispor

habitante,enquantooGanaeaNigériaapresentamvaloresderespectivamente25kg

e29kg)(Lançon2007:4).

Atendênciaparaoconsumoquaseexclusivodearroznãoérecenteetemvindoa

aumentar.Deresto,jánosanoscinquentaeranotórioquenoLestedopaís,regiões

ondeosmilhosesorgostinhamtradicionalmentealgumaimportância,queos

agricultoresprogressivamenteabandonavamestasculturas,dedicando‐sequase

exclusivamenteàculturadeamendoimeàcompradearrozimportadodaszonas

litoraisoudoestrangeiro(Carreira1960:272).

Se,comojáfoianteriormentedemonstrado(ver5,e6.4.),algumasregiõesdopaís

apresentaramdesdeoiníciodoperíodocolonialdéficescrónicosdearroz,étambém

verdadequeapartirdadécadade90odéficedearrozdopaísdispara.Acrescente

taxadeurbanizaçãoedeconcentraçãodepopulaçõesemzonasurbanas,os

programasdeajustamentoestruturalqueapostaramnodesenvolvimentodeculturas

derenda,eaentradadegrandesquantidadesdearrozdoadoapósaindependência,

contribuíramparaqueaapostadosagricultoresnaproduçãoorizícoladiminuísse,e

queodéficedearrozaumentasse.Estefenómeno,contudo,nãoéexclusivoàGuiné‐

Bissau.TambémnoSenegal,apartirdoiníciodosanos70disparamasimportaçõesde

arrozcomoconsequênciadealteraçõesnocomportamentodosconsumidores(uma

populaçãourbanaquepreferiaalimentosfacilmenteerapidamentecozinháveiscomo

oarroz,emdetrimentodemilhos,sorgosetubérculos,compreparaçõesmaismorosas

ecomplexas)(Diaganaetal.,1999).

132 Documento em PDF consultado em http://home.wfp.org/stellent/groups/public/documents/manual_guide_proced/wfp187906.pdf, a 14 de Novembro de 2010.

Page 149: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

149

Astentativasderecuperaçãodaproduçãodearrozquesederamduranteosanos

oitenta,seguindométodoseideiassemelhantesàda“RevoluçãoVerde”asiática,e

quenocasodaGuiné‐Bissaupassarampelaintroduçãodevariedadesmelhoradasnão

autóctoneseobrasderecuperaçãodecamposdearrozdegrandeenvergadura,

tiveramfracosounulosresultados(TemudoeAbrantes2010)eodéficedearrozdo

paíscontinuouacrescer.Aliberalizaçãodocomérciopreconizadapelosprogramasde

ajustamentoestruturaldadécadadeoitentafacilitouaentradadearrozimportadoa

baixopreçonopaís.DeixavadeservantajosoproduzirarrozparavendanaGuiné‐

Bissau.

Osagricultoresguineenseseosconsumidoresurbanospassaramassimadepender

quaseexclusivamentedodinheiroobtidocomavendadacastanhadecaju,quese

tornaraaprincipalfontederendimentodopaís,paracompradearroz.

Numcontextoemqueamaioriadosagricultoresguineensesnãoéauto‐suficienteem

arroz(vercasoparticulardaamostradeQuínaranocapítulo7)edepende,pelomenos

emparte,davendadacastanhadecajuparacompradearroz.Etambémnum

contextoemquepartedapopulaçãourbanaédesempregada,nãotemactividadefixa,

evivedosrendimentosdosseuspomaresdecaju,oudospomaresdassuasfamílias

queficaramnointerior,entenderdequeformaevoluíramospreçoseostermosde

trocadacastanhadocajuedoarroztorna‐seessencialparaentenderdequeforma

evoluiuasegurançaalimentarepoderdecompradosguineenses.

Page 150: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

150

Figura9.Produçãonacionaldearrozdescascadoemtoneladas.Fonte:FAOStatNota:

Considerou‐seque1toneladadearrozcomcascacorrespondea0,495toneladasde

arrozdescascado.

Figura10.Consumoestimadodearrozdescascadodapopulaçãoguineenseem

toneladas.Fontes:INEC1991eINEC2009(emhttp://www.stat‐

guinebissau.com/rgph_index.htm,consultadoa7deJunhode2010).Nota:

Considerou‐seumconsumoanualporhabitantede100kg.

Figura11.Déficeestimadodealimentosde1979a2009.Fonte:FAOStat2010.

Page 151: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

151

Deseguidafala‐sedarecentecrisemundialdosalimentosedassuaspossíveis

consequênciasnasubidadopreçodoarroznaÁfricaOcidental.Analisa‐semais

detalhadamenteparaocasoguineensedequeformatêmvindoaevoluirospreçosdo

arroz,dandoespecialatençãoàspermanentesacusaçõesedenúnciasdeespeculação

nomercadoguineensedeimportaçãodearroz,efinalmenteconclui‐sepercebendode

queformasedeuaevoluçãodostermosdetrocaentreacastanhadecajueoarroz.

6.9.1ACriseMundialdeAlimentos:SubidasnoPreçodoArroznosMercadosMundiaisesuasConsequênciasparaaÁfricaOcidental

Durantedécadasopreçodoarrozmanteve‐serelativamenteinalterado,oupelo

menossemgrandesoscilações.Contudo,apartirdefinalde2006,aspequenas

subidasnopreçoquejáseverificavamapós2004,tornam‐seavassaladoras.Em2008a

situaçãoeraconsideradapreocupante,eopreçodoarrozmaisdoquetriplicaraem

relaçãoa2003(tabela15).

Tabela 15. Evolução dos preços internacionais f.o.b. da tonelada de arroz em dólares americanos (médias das variedades White Rice, Thai 100% B second grade e White Broken Rice, Thai A1 Super - médias anuais em Bangkok). Fonte: FAO (http://www.fao.org/es/esc/prices/CIWPQueryServlet), dados de Jackson Son&Co. Ltd.)

Ano 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Média de preço do arroz 174,8 176,4 174,0 176,1 225,9 254,5 263,9 303,7 602,6 455,8 442,1

Ascausasapontadasparatãograndesubidanopreçomundialdoarroztêmsido

várias.SecasnaAustráliaem2006,aoaumentodoconsumodearroznaÍndiaeChina

(grandesprodutoresqueem2007impõemrestriçõesnasexportaçõescomoformade

salvaguardaraauto‐suficiência),apercentagemcrescentedecereaisutilizadospara

fabricodebiocombustíveis(emboraoarroznãosejautilizadoparafabricode

biocombustíveis,pensa‐sequeasubidadepreçodeoutroscereaiscomoomilhopossa

tertidoefeitosnopreçodoarroz),eaindaforteespeculaçãonomercadomundialde

Page 152: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

152

alimentos,sãoosmotivosmaiscorrentementeapontadosparaasubidadopreçodo

arroz(Wright,Speculators,StorageandthePriceofRice,BrianWrighteMitchell2008

anoteonrisingfoodprices).

OsefeitosdasubidadopreçodosalimentosforamparticularmentesentidosemÁfrica,

onde,comolembravaPapaSeck,directordoAfricaRiceCenter,30%dapopulação

viviaemsituaçãodeinsegurançaalimentaroumesmomalnutrida(IRIN2008133).

OsagricultoresdaÁfricaOcidentalparecemterrespondidoàssubidasdopreçodo

arrozaumentandoaprodução.DeacordocomoObservatóriodoArrozdaFAO,a

produçãodearrozdaÁfricaOcidentalterácrescido18%entre2007e2008.No

Burkina‐Faso,porexemplo,observavam‐seaumentosde241%,eapartedoSael

pertencenteàÁfricaOcidentalregistavaaumentosde44%.Paraaépocadecolheita

de2009‐2010aFAOcontinuavaapreverafortesaumentosdeprodução(FAO2010).

Em2009e2010,apesardospreçosdoarrozteremsofridoumabaixa,continuavam

significativamentemaisaltosqueosvalorespré‐crise(tabela15),econtinuava‐sea

preverapossibilidadedesubidasdepreçosemelhantesàsde2008(devidoadanos

causadosnaproduçãodearrozdegrandespaísesprodutoresdearrozcomoa

TailândiaeasFilipinascausadospeloElNiño)(entrevistaaPapaSeck,2010134).

6.9.2OMercadoGuineensedeImportaçãodeArroz:SerãoosAltosPreçosPraticadosApenasConsequênciadasSubidasnoPreçoMundial?

Apartirde1997,andoemqueaGuiné‐BissauadereaofrancoCFA,dão‐seaumentos

generalizadosdepreçosdosalimentosnomercadoguineense.Oarroznãoera

excepção,evistoovalordereferênciadacotaçãointernacionaldoarrozserem

133 IRIN, 9 de Dezembro de 2008, em http://www.irinnews.org/Report.aspx?ReportId=81892, consultado a 19 de Novembro de 2010. 134

Consultadoemhttp://africarice.blogspot.com/,a19deNovembrode2010.

Page 153: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

153

dólares,eofrancofrancêsestaràdataemdesvalorizaçãofaceaodólaramericano,os

aumentosdepreçotornavam‐semaispronunciados135.Noentanto,até2004,os

preçosdoarrozmanter‐se‐iamrelativamenteestáveisaté2004,dataapartirdaqual,a

subidadepreçodoarroznosmercadosdeBissauéconstante.Em2008,emplenacrise

mundialdosalimentos,atinge‐seovalorde1000XOF/kg(tabela16),eaFAO

consideravaque,apesardosaumentosdeproduçãoconseguidospelosagricultores,as

famíliasguineensesestavam“aindamaisvulneráveiseemsérioriscofaceafuturos

aumentosdepreços”136.

ApesardospreçosdoarrozemBissauacompanharematendênciainternacional,

restamdúvidasseasituaçãointernacionalnãoterásidoaproveitadapelosoperadores

nacionaisparaespecular.Asacusaçõessãoconstantes,mastalcomonocasoda

possibilidadedaexistênciadeoligopóliosentreoscompradoresdecastanhadecaju,

nãoexistemdadosouestatísticasquepossamcomprovarsemelhantesacusações.No

entanto,maisumavez,deixa‐seabaixooteordessasacusaçõesquenosúltimosanos

têmsidofrequentes.

Tabela16.EvoluçãodopreçoaoconsumidordoquilogramadearroznomercadodeBissau.

Fontes:a)DiáriodeBissaude27deDezembrode1998b)DiáriodeBissaude5deNovembro

de2008;c)CorreiodaGuiné‐Bissaude4deJulhode2003d)IRIN,Bissau,12/07/2004

(http://www.irinnews.org/Report.aspx?ReportId=50610)e)DiáriodeBissaude11deJaneiro

de2005;f)DiáriodeBissaude12deAgostode2006;DiáriodeBissaude20deAbrilde2006;

IRIN,24/08/2006(emhttp://www.irinnews.org/report.aspx?reportid=60455);g)Diáriode

Bissaude8deAgostode2007;DiáriodeBissaude28deNovembrode2007;h)INEC,Índice

HarmonizadodePreçosaoConsumidorde10deJunhode2008,nº6;i)DiáriodeBissaude7

deMaiode2008;j)DiáriodeBissaude20deAgostode2008;k)DiáriodeBissaude5de

Novembrode2008;l)INEC(ÍndiceHarmonizadodePreçosaoConsumidorde10deJunho

2008,nº6;m)INEC(ÍndiceHarmonizadodePreçosaoConsumidorde10deJunho2009).

Ano 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

PreçoaoconsumidordoarroznomercadodeBissau

140b)

150b)

160b)

250c)

250–320d)

300e)

250–340f)

270–340f)

330–1000i)j)k)l)

306–453m)

135 Diário de Bissau de 7 de Maio de 1997. 136 Em http://www.fao.org/isfp/country‐information/guinea‐bissau/en/, consultado a 12 de Novembro de 2010.

Page 154: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

154

6.9.3UmaHistóriaRecentedoMercadodeArroznaGuiné‐Bissau:AcusaçõesConstantesdeEspeculaçãoeDistorçãonoMercadodeImportaçãodeArroz.

Em2000,aSecretariadeEstadodoComérciodaGuiné‐Bissaufalavadaexistênciade

especulaçãonomercadodeimportaçãodearroz,edesencadeavaumacampanhade

fiscalizaçãocomoobjectivodefazercumprirodecretogovernamentalnº3/2000de4

deAgostode2000,quedecretavaquenãohaveriaaumentosdepreçosnosprodutos

deprimeiranecessidadeatéfinaldoanode2000.Aclasseempresarialrespondiaao

governoafirmandoquehouverasubidadepreçosdecombustíveisequeseria

fundamentalumarevisãodospreçosdosprodutosdeprimeiranecessidade137.

Em2001,oMinistrodaAgriculturadeixavabemclaroqualasuaopiniãosobreo

mercadoimportadordearrozguineenseequaisassoluçõesparaoproblema:

“Estamosnaeconomiademercadoenãopodemospreveroutraformademercado.

MasoEstadotemquecriarastaxasparacadaproduto.NósnaGuiné‐Bissaupodíamos

perfeitamentefixarastaxas,recorreraestedireitodoEstadoedogoverno.Vou‐lhe

dizerumacoisa:alguémganhamuitocomaimportaçãodearrozparaaGuiné‐Bissau.

Issoéumnegóciodeumgrupinhodepessoasqueestãoaenriquecermuito

rapidamenteemdetrimentodopovo.Todaagentesabequemsãoosimportadoresde

arrozdopaís.Essaspessoasnuncaquiseramqueoarrozsejaproduzidointernamente

porqueosseusnegóciosestarãoemcausa.Alémdissooarrozimportadoparaopaísé

dapiorqualidade,algumédestinadoaalimentaçãodeaves.Aminhaposiçãosempre

foimuitoclara:1ºnãopossoproibirpessoasdeimportararrozporquenãotenhoarroz

paradaràpopulação,nãoéjusto,portantogovernotemdemedardinheiropara

produzirarroz”138.

Em2004,edadaagravidadedasituação,ogovernoguineensedecideimportar5mil

toneladasdearrozdoSenegal,umplanodeemergênciarealizadoemparceriacom

importadoresnacionais.Opreçodeumsacode50kgarroz,quenormalmenteseriade

137 Diário de Bissau de 31 de Agosto de 2000. 138 Diário de Bissau de 19 de Julho de 2001.

Page 155: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

155

12500XOF,subiapara15000a16000XOF.Devidoàsituação,oMinistrodo

Comércioanunciavaqueastaxasdeimportaçãoparaoarrozimportadoseriam

reduzidas,eanunciavaaindaoplanodogovernodeimportar27000toneladasde

arrozdoMédioOrienteparaqueospreçosvoltassemaonormal139.

Noiníciode2005,ogovernoguineensedecidefixaropreçodoarrozem10500XOF,

poisreceberaumadoaçãodearrozdaRepúblicaPopulardaChina,eoMinistrodo

Comércioanunciava:“doravantenãohaverámaisespeculaçãodearroz,eas5mil

toneladasdoadasajudarãoogovernoacombatercarências.Oarrozdoadotem

objectivodeestabilizaropreçodemercadoeajudarnocombateàpobrezaeas

receitasdoarrozserãodestinadasàcriaçãodefundosparapromoçãode

investimento140.Noentanto,nofinaldoanode2005opreçodosacodearrozem

Bissauatingiaos15000XOF141

Em2006asituaçãodedescontrolonopreçodearrozmantinha‐se,eemAgosto,o

MinistrodoComércio,PascoalBaticã,convocaencontrodeemergênciaparadiscutira

questãodasubidadopreçodoarroz,efaziam‐seacusaçõesdequeopreçodecretado

esseanopelogoverno(10500XOF/50kgparaarrozdegrãolongoe11500XOF/50kg

paraaqualidade“nhélemperfumado”)nãoestarasercumpridoedehaverarroz

escondidonosarmazénscomoformadeespeculação.OMinistroameaçavaaplicar

medidascontraoscomerciantesdesobedientesquenãocumprissemospreços

estabelecidos,jáqueastarifasalfandegáriasparaosprodutosessenciaisjáhaviam

sidoreduzidas.Osretalhistasrespondiamaogovernodizendoqueaaltadepreçose

deviaaumafaltadearrozdisponívelnomercadomasoMinistronegavadizendoqueo

arroz“haviaarrozescondidonosarmazéns”.Como“medidapontualdecombateà

especulação”ogovernodecidecolocarcamiõesnaruaavenderarroza11500XOF/50

kg,eaInspecçãoGeraldeComérciodecideapreendereconfiscaroarrozealvarásde

139 IRIN, 12 de Julho de 2004, consultado em http://www.irinnews.org/Report.aspx?ReportId=50610, a 19 de Novembro de 2010. 140 Diário de Bissau de 11 de Janeiro de 2005. 141 Diário de Bissau de 15 de Dezembro de 2005.

Page 156: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

156

todososcomerciantesqueàdatavendiamarrozentreos15000e17000XOF/

50kg142.

Em2007atrocadeacusaçõescontinuava.OarrozatingiaemSetembrooaltíssimo

valorde17000XOF/50kg,eoInspector‐geraldoComérciodiziaquenãohavia

“razõesparasubidadepreçodoarroznomercadonacionalpoisaindaexistiamstocks

razoáveisnosdiferentesarmazénsdacapital”edeixavaclaroqueosaumentosde

preçosedeviam“aoaçambarcamentoporpartedealgunscomerciantes”143.

Em2008,emplenacrisemundialdosalimentos,asituaçãoagrava‐seeopreçodo

arrozsobeparaníveisnuncaantesatingidos.Umsacodearrozatingenacapitalo

preçode37500XOF.ODirectorGeraldoComérciocomentaasituaçãodizendoque

“hojenãoexistecomidabaratanomundo,eaproduçãocerealíferaestámuito

complicada”eacusatambémosimportadoresnacionaisde“tentativasdeperturbação

edefazeremdesapareceroarrozparaespecular”.Asprincipaisempresas

importadoras,AgênciaBijagós/SICAP,aGomes&GomeseaCOSEGUL,nãoentravam

emconsensocomogovernosobreospreçosapraticarerecusavam‐seavenderarroz.

OMinistériodoComércioentraemcontactocomempresáriosindianosetailandeses

numatentativadeadquirirarrozamelhorespreços.Noentanto,ospreços

continuaramasubir144.

Em2009ogovernoacordacomosimportadoresdearrozGomes&Gomes,Zaidan,e

outros,apropostadevenderemoarrozentre19000e21000XOF/50kg,eanunciava

queseria“muitorigorosoevigilanteparatomarmedidascontraquemquerque

procedaàespeculaçãodearroz.Prometeutambémqueogovernoimportariaarroz

semprequenecessário,eorepresentantedaAssociaçãodeConsumidores,Bens,e

Serviços(ACOBES)congratulava‐secomadecisãogovernamentaledenunciavaa

existênciade“umarededecomerciantesqueentramemconivênciacomalguns

governantesparaespecularopreçodoarroz”equeem2008,emreuniãonaCâmara

142 Diário de Bissau de 12 de Agosto de 2006; Diário de Bissau de 26 de Outubro de 2006; IRIN de 24 de Agosto de 2006, em http://www.irinnews.org/report.aspx?reportid=60455, consultado a 8 de Agosto de 2009. 143 Diário de Bissau de 8 de Setembro de 2007; Diário de Bissau de 8 de Novembro de 2007. 144 Diário de Bissau de 7 de Maio de 2008; Diário de Bissau de 4 de Junho de 2006; Diário de Bissau de 5 de Dezembro de 2008.

Page 157: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

157

doComércioeIndústria,osassociadoschegaramàconclusãoquenãohaviarazões

paraqueopreçodoarrozestivesseacimados15000XOF/sacode50kg145.

EmSetembro,ogovernodecideimportararrozebaixaropreçoemcercade40%(14

500XOF/50kg).Osimportadoresguineensescondenamamedidaconsiderando‐a

prejudicialparaaeconomiadopaís.OMinistroBotcheCandédefendiaque“nãofazia

sentidoqueopreçodoarrozcontinuassealtonaGuiné‐Bissauquandoaonível

internacionaloprodutoeracomercializadoapreçosacessíveis”,evoltavaaafirmar:

“Quemforapanhadoavendermaisdoqueopreçoestipuladoteráproblemascomo

Governo.Osnossosfiscaisestarãoportodaaparte".ODirectorGeraldoComércio,

JaimantinoCó,reforçava:“Quemtentarespecularopreçoouacumularocerealpara

maistardeespecularvaiterchaticescomoGoverno"146.

6.9.4EvoluçãodosPreçosdoArrozedaCastanhadeCaju

De1982a1992acastanhadecajumantémumpreçosuperioraoarroz(tabela16),o

queterásidoemgrandeparteacausadacrescenteapostadosagricultoresnocultivo

decajueiros.De1992a1998,atrocade1kgdearrozdescascadopor1kgdecastanha

decajueracorrente147.Acomparaçãodastabelas16e17mostrabemdequeforma

os dependentes da venda de castanha de caju para compra de arroz têm vindo a

perderpoderdecompra.

Tabela 16. Evolução dos preços oficiais pagos ao produtor (em pesos da Guiné‐Bissau por

quilograma).Fontes:Galli1988:116(retiradodeFAO,1983,tabela23)eDias1992:27,dados

doMinistériodoComérciodaGuiné‐Bissau.Nota:Osgrandesaumentosdepreçoquesedãoa

partirde1987devem‐seàpolíticadedesvalorizaçãodopesoguineense impostaaquandoa

implementação do plano de ajustamento estrutural apoiado pelo Banco Mundial e Fundo

MonetárioInternacional.

145 No Pintcha de 5 de Fevereiro de 2009. 146 Notícias Lusófonas de 4 de Setembro de 2009, em http://www.noticiaslusofonas.com, consultado a 21 de Agosto de 2009. 147 Entrevista a comerciantes de Bissau (1/1/2010), Empada (20/11/2009) e Buba (22/12/2009).

Page 158: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

158

Ano 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992

Castanhadecaju 3 5 6 6 10,3 10,5 17,5 28,5 28,5 125 230 350 450 550 1000

Arroz 5,1 7,5 8,5 8,5 9,5 8,8 14,5 24 37,5 50 350 180 225 400 650

Tabela17.EvoluçãodopreçoaoconsumidordoquilogramadearroznomercadodeBissau

(XOF),eevoluçãodospreçosmáximosemínimospagosaoagricultorpeloquilogramade

castanhadecaju(XOF).Fontes:a)DiáriodeBissaude27deDezembrode1998b)Diáriode

Bissaude5deNovembrode2008;c)CorreiodaGuiné‐Bissaude4deJulhode2003d)IRIN,

Bissau,12/07/2004(http://www.irinnews.org/Report.aspx?ReportId=50610)e)Diáriode

Bissaude11deJaneirode2005;f)DiáriodeBissaude12deAgostode2006;DiáriodeBissau

de20deAbrilde2006;IRIN,24/08/2006(em

http://www.irinnews.org/report.aspx?reportid=60455);g)DiáriodeBissaude8deAgostode

2007;DiáriodeBissaude28deNovembrode2007;h)INEC,ÍndiceHarmonizadodePreçosao

Consumidorde10deJunhode2008,nº6;i)DiáriodeBissaude7deMaiode2008;j)Diáriode

Bissaude20deAgostode2008;k)DiáriodeBissaude5deNovembrode2008;l)INEC(Índice

HarmonizadodePreçosaoConsumidorde10deJunho2008,nº6;m)INEC(Índice

HarmonizadodePreçosaoConsumidorde10deJunho2009).Nota:parafontesdepreços

máximosemínimosdacastanhadecajuvertabela12).

Ano 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

PreçodoarrozaoconsumidornomercadodeBissau

140b) 150b) 160b) 250c) 250–320d)

300e) 250–340f)

270–340f)

330–1000i)j)k)l)

306–453m)

Preçopagoaoprodutorpelacastanhadecaju(máximoemínimo)

100‐150

100‐200

100‐200

100‐250

100‐200

100‐200

50‐250

75‐150

250–400

75–250

6.9.5EvoluçãodosTermosdeTrocadaCastanhadeCajuedoArroz

Aanálisedostermosdetroca(ToT),orácioentredoisprodutos,éconsiderada

especialmenteútilparaavaliaropoderdecompradasfamíliasedosindivíduos

quandoestesdependemdavendadeumprodutoparacompraralimentos.

Ocasoguineense,ondeemmaiorgraudoqueemqualqueroutropaísafricano,a

populaçãovivequaseexclusivamentedavendadeumúnicoprodutodeexportação(a

castanhadecaju)econsomequaseexclusivamenteumúnicocereal(oarroz),a

ferramentaToTtorna‐seespecialmenteútil.Deresto,umdocumentodoPrograma

AlimentarMundialdasNaçõesUnidas(PAM)sobreaaplicaçãodaferramentaToT,

Page 159: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

159

davaarelaçãodepreçoscastanhadecaju–arroznaGuiné‐Bissaucomooexemplo

perfeitodeaplicaçãodestaferramenta(PAM2007)148.

Afigura12,mostracomoospreçosdoarrozedacastanhadecajueramequivalentes

em2000/2001,ecomoseafastaramvertiginosamenteapartirde2002.Acausa,em

grandemedida,deve‐seaosaumentosdopreçodoarroz,mastambémàsconstantes

subidasedescidasdopreçodacastanhadecajupagoaosagricultores.Em2006,

quandoospreçosdacastanhadecajuatingemníveisextraordinariamentebaixos,o

arroziniciaagrandesubidaqueculminariaem2008,umanoemqueacastanhade

cajufoicompradaabompreço,masquenaprática,nãosignificouqualquermelhoria

dopoderdecompradosagricultoresguineenses.

Afigura13,quemostracomotêmevoluídoosToTdacastanhadecajuedoarroz,

deixabemclaroqueestestêmvindoabaixarapartirde2000,atingindooseumínimo

em2008,erecuperandoligeiramenteem2009.MenorvalorToTsignificamenorpoder

decompraparaasfamílias,enumpaíscomoaGuiné‐Bissau,sobretudo,forte

insegurançaalimentar.

Figura12.Evoluçãodopreçomédiopagoaoagricultordoquilogramadecastanhadecajuedo

preçomédioaoconsumidordoquilogramadearroznosmercadosdeBissau(osvalores

médiosforamcalculadosatravésdosmáximosemínimosrecolhidosemdiversasfontes–

148 Obra citada.

Page 160: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

160

tabelas12e16.Nãoépossívelsermaisexactodevidoàsgrandevariaçõesdospreçosdoarroz

ecastanhadecajueàfaltadedadosestatísticos).

Figura13.Evoluçãodostermosdetroca(ToT)dacastanhadecajuedoarroz(preçodacastanhadecaju/preçodoarroz).

6.10Síntese

As tentativas de introdução e expansão do plantio do cajueiro entre os agricultores

guineensessãoantigas,masseriaapenasnasegundametadedadécadadeoitentado

séculovintequeestaculturateriagrandedifusão.Numcurtíssimoespaçodetempoos

agricultoresguineensessubstituíramumamonoculturaporoutra–oamendoimpelo

caju.EnumcurtíssimoespaçodetempoaGuiné‐Bissautornou‐seopaísafricanocom

maior grau de dependência de um único produto de exportação, batendo inclusive

países exportadores de petróleo como aNigéria, Angola ou aGuiné Equatorial, que

nãochegamasertãodependentesdaexportaçãodepetróleocomoaGuiné‐Bissauo

é da castanha de caju. A transição de uma monocultura para outra foi de facto

surpreendente, sobretudona rapidez comqueos camponesesguineensesalteraram

os seus sistemas agrícolas para neles inserirem o caju. Alguns factores explicam o

porquê de tal rapidez de adaptação a uma nova cultura, e também o porquê de a

produçãodecajunaGuiné‐Bissautersidosempre,acimadetudo,umaproduçãode

pequenos agricultores. Em primeiro lugar a queda das cotações do amendoim nos

Page 161: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

161

mercados internacionais, em segundo, os preços favoráveis da castanha de caju

durante a décadadeoitenta, e em terceiro, a excepcional adaptaçãodo cajueiro às

condições ecológicas e habitats do país, a reduzida mão‐de‐obra necessária à sua

manutenção,eanãonecessidadedequalquertipodeinputsparaoseucultivo(sejam

eles sementes, adubos, fertilizantes,pesticidas).Osdoisúltimos factores, a reduzida

mão‐de‐obraexigida,eanãonecessidadedeutilizaçãodeinputs,foramfundamentais

paraumapopulaçãoruralquedesdecedosofreucomaemigraçãodosjovensparaas

cidades (ou para Bissau), e num país onde praticamente não existiu, nem existe,

extensãorural,ouqualqueroutrotipodeapoioaosagricultores.

OsúltimosestudosrealizadossobreomercadodecajunaGuiné‐Bissauafirmamque

duranteosúltimosanososagricultoresguineenses têmrecebidoentre60a70%do

preço f.o.b.aqueacastanhadecajuécompradaemBissau,umapercentagemque

consideramrazoáveldevidoaosaltospreçosdacomercializaçãodacastanhadecaju

naGuiné‐Bissau(altastaxasportuárias,másestradas,burocracia).Edefactoseriauma

percentagemrazoável.Noentanto,taiscálculosforamrealizadosutilizandoosdados

oficiais de preços pagos aos agricultores, consideravelmente inflacionados até 2008.

Os valores pagos pela castanha de caju aos agricultores publicados na imprensa, ou

recolhidos junto dos exportadores e agricultores, mostram uma realidade bem

distinta, umapercentagemdopreço f.o.b. realmentepaga aos agricultores que tem

sidonosúltimosdezanosconsideravelmenteinferiora60%etematingidovalorestão

baixoscomoos18%.

Mas talvez mais importante que analisar as percentagens f.o.b. recebidas pelos

agricultores, é perceber de que forma tem evoluído o real poder de compra dos

produtoresdecastanhadecaju.Acomparaçãodasevoluçõesdepreçosdacastanha

de caju e do arroz – o quase único cereal comprado pela população guineense –

mostramclaramentecomoapartirde2002,assubidasconstantesdopreçodoarroz,

significaramparaosagricultores,menosarrozcompradocomamesmaquantidadede

castanhadecajuvendida.Eseécertoqueéumatendênciainternacionaladassubidas

dopreçodoarroz,aconstanteespeculaçãoaqueomercadodeimportaçãodearroz

naGuiné‐Bissautemestadosujeito,nãocontribuiuparamelhorarasituação.

Page 162: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

162

DiversosrelatóriossobresegurançaalimentarnaGuiné‐Bissautêmresponsabilizadoa

expansão do cultivo de cajueiros pelo abandono dos agricultores das culturas de

subsistência.Aafirmaçãoparecebasear‐sefrequentementenumapremissaerrada–a

de que agricultores de subsistência se têm vindo a transformar em agricultores

profundamenteintegradosnomercado,noentantoaintegraçãonomercadoéantiga,

e a dependência do cultivo de amendoimera tambémenorme. E se a produção de

arrozdopaíspareceduranteanoster‐sereduzido,étambémverdadequeaprodução

totaldealimentosdopaísmaisdoqueduplicou,oque levaauma interpretaçãoda

situaçãobemdiferente:adequeumapopulação rural comreduzidadisponibilidade

demão‐de‐obraparaalémdeasseguraraquasetotalidadedasexportaçõesdopaís,

temvindoaapostarnoutrasculturas,menostrabalhosasecommenorriscoassociado.

O processamento da castanha de caju tem sido a solução mais sugerida para o

problema da dependência do país da exportação de castanha de caju. Transformar

castanhadecajunopaís,investirnumsectorindustrial,eassimconseguirmaiorvalor

acrescentado.Aapostanoprocessamento,contudo,merececautelaereflexão:

A exportação de castanha de caju temmostrado na Guiné‐Bissau forte resiliência à

constante atribulação porque o país tem atravessado. Uma resiliência que parece

dever‐seaofactode,paraexportarcastanhadecaju,ouparainvestirnaexportaçãode

castanha de caju, não serem necessários investimentos permanentes no país. E a

questãodorisco,quandoa instabilidadeéeminente,éfactorfundamental.Seráque

um sector industrial será tão resiliente quantoo tem sido a exportaçãodematéria‐

prima?

Omercadodecompraeexportaçãodecastanhadecajueomercadodeimportação

de arroz na Guiné‐Bissau não se podem considerar transparentes. As estatísticas

disponíveis,portanto,nãopermitemafirmaçõesperemptórias.Contudo,analisandoos

discursos, entrevistas, e trocas de acusações, publicados na imprensa guineense ao

longo da última década, fica bem claro a tensão existente entre os vários

intervenientes nestes mercados. Os compradores indianos são permanentemente

acusados pelos exportadores e pelo governo de formarem um oligopólio com o

objectivo de pagar baixos preços pela castanha de caju, e os importadores de arroz

Page 163: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

163

(muitas vezes osmesmosque exportam castanhade caju) têm vindo tambéma ser

permanentemente acusados pelos consumidores e por alguns governantes de

especularnopreçodoarrozimportado.

Opapeldogovernoguineenseemtodooprocessodeexpansãodocultivodocajueiro

limitou‐se ao controlo e regulação dos processos de compra e de exportação da

castanhadecaju.Apolíticagovernamentalnosectorcajueironãotemsidomarcada

pela estabilidade.Ao longodasúltimas trêsdécadasquestões comoa imposiçãoou

liberalização dos preços pagos aos agricultores, a abertura ou fecho domercado de

comprada castanhade caju anãonacionais e adimensãodas taxasdeexportação,

têmsidoconstantementediscutidasealteradas.

Eseainstabilidadepolíticaemilitarqueopaístematravessado,comumsucederde

guerras, golpes de estado, deposições de governo, etc., não tem favorecido uma

política coerente para o sector nem a permanência de quadros no governo com

conhecimentospara lidarcomquestõestãocomplexascomoaanálisedosmercados

internacionais de castanhade caju, é tambémverdadequeopapel do governonão

tem sido facilitado pelas constantes pressões de numerosos grupos de interesse:

compradores indianos de castanha de caju que constantemente especulam e se

associam para fazer baixar os preços, exportadores e comerciantes nacionais que a

cadaanoexigemofechodomercadoaestrangeiros,epressõesdeorganismoscomoo

BancoMundialeoFMIqueexigema total liberalizaçãodomercadodecastanhade

cajunaGuiné‐Bissau.Eaacçãogovernamental,temvariadoentreaintromissãototale

a total desresponsabilização, o que decididamente não tem contribuído para bons

preçospagosaosagricultores.

Page 164: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

164

CAPÍTULO7‐OsprodutoresdeQuínara–AnálisedoEstudodeCaso

7.1ÁreadeEstudoeMetodologia

7.1.1ÁreadeEstudo

QuínaraéumadasnoveregiõesdaGuiné‐Bissaueencontra‐sedelimitadapelaregião

deTombaliasul,deBafatáaeste,pelosriosCorubaleGebaanorte,eoceano

Atlânticoaoeste(Figura7.1).

Figura7.1MapadaGuiné‐BissaucomaregiãodeQuínaraemevidência.

Aregiãoocupa3.138,4km2,ou8,7%dos36.125km2dasuperfíciedaGuiné‐Bissau,

emboracontenhaapenas54.516dos1.389.497habitantesdopaís,ou3,9%dototal

(INEC2007149).Quínaraencontra‐sepoliticamentedivididaemquatrosectores,ode

TiteeodeFulacunda,ambosnapenínsulanortedaregião,odeEmpadanapenínsula

sul(tambémconhecidaporCubisseco)eosectordeBuba,aeste.

149 Instituto Nacional de Estatística e Censos: www.stat-guinebissau.com

Page 165: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

165

Quínaratemumclimasubtropicalsemi‐húmido,comduasestaçõesdistintasem

termosdeprecipitação,umasecanoInvernoeumahúmidanoverão.Aépocahúmida

estende‐sedeMaioaNovembro,comtemperaturasentre20ºCe38ºCevaloresde

precipitaçãoligeiramentemaioresemcomparaçãocomaszonasnorteeestedopaís.

Aépocaseca,porseuturno,vaideDezembroafinaldeAbrileregistatemperaturas

entre15ºCe33ºC(Pélissier2004:10).Ascaracterísticasclimáticasemconjuntocoma

intervençãohumanaconferemàpaisagemdeQuínaraummosaicodesavana,floresta

sub‐húmidaemdiferentesgrausdesucessãoecológicaeváriostiposdeáreas

agrícolas.Aszonascosteirasestãopraticamentesempreocupadaspormangal,queem

muitaspartesfoiconvertidoemzonasdeproduçãodearrozde“bolanha”oude

mangal.

Grandepartedaagriculturaébaseadanaproduçãoorizícola,querdemangal,querde

sequeiro,enocultivodamonoculturadecaju,cujaáreatemcrescido

significativamentenasúltimastrêsdécadas.Outrasculturasagrícolascomunse

importantesparaasegurançaalimentardapopulaçãosãooamendoim,omilho(Zea

mays),osorgo(Sorghumbicolor),omilheto(Pennisetumglaucum),abanana,a

laranja,alima,amandioca,abatata‐doce,oinhame,entreoutros.Aabundância

relativadepalmeira(Ellaeisguineensis)favoreceaactividadedeextracçãodeóleode

palmaemalgumaszonasdaregião.Outrasactividadescomunssãoapescaartesanal,

ocomércio,acarpintaria,entreoutrosserviços.

Emtermosetno‐culturais,QuínaraéhistoricamenteconsideradaterritórioBiafada.No

entanto,asimigraçõesdebalantasapartirdofinaldoséculoXIXderegiõesmaisa

nortetransformaramacomposiçãoétnicadapopulação,enasegundametadedo

séculoXXosúltimosrepresentavamjáamaiorpartedapopulação.Aregiãoeranesta

altura,apardeTombali,consideradaumadaszonasdeproduçãoorizícolamais

importantesdopaís(vercapítulo5).Outrasetniasfrequentementeencontradassãoa

Manjaco,Mandinga,Mancanhe,Fula,Bijagó,Papel,Djacanca,entreoutrasmenos

comuns.Emboraaregiãocomoumtodotenharegistadoumaumentodapopulaçãoe

passadode49.857habitantesem2001para54.516em2007,estedeu‐sesobretudo

nosmaioresaglomeradospopulacionais,comoBuba,egrandepartedasaldeiasde

Page 166: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

166

Quínaraviuoseunúmeroderesidentesdecrescer,particularmenteentreasaldeias

balanta,cujosnúmerosbaixaramdrasticamente(INEC1960,1991)devidoaoêxodo

ruralquesetemverificado.

7.1.2EstudodeCasoeMetodologia

Apardorestodopaís,aregiãoadministrativadeQuínaratemvindoaassistirauma

grandeexpansãodaáreaocupadaporplantaçõesdecaju,produçãoqueassegura

actualmenteorendimentodagrandemaioriadasfamíliasdeagricultoreslocais

(INEP/INEC:2006;Bívar2008:37).Ossistemasdegestãoderecursosnaturaise

distribuiçãodaterradaregiãomantiveram‐seatéhápoucorelativamenteinalterados.

Noentanto,aproliferaçãodamonoculturadecajuintroduziudinâmicasquevieram

alteraremgrandeparteaestruturadaeconomialocalealógicadegestãodos

sistemasagrícolastradicionais150.

Poroutrolado,ariquezaqueQuínaraapresentaemtermosdeambientesecológicose

sociaisconfereumespecialinteresseàregião,devidoàpotencialdiversidadede

situaçõesqueascomunidadeslocaisencontramnoquerespeitaàsuasegurança

alimentar.Asuadimensão,de3.138,4km2,ésuficientementegrandeparaconteresta

diversidadeambientalesocial,eapresentaaomesmotempoumaextensãorazoável

paraserpercorridanotempodisponívelparaotrabalhodecampo.

Porestesmotivos,Quínaratorna‐seumlocaladequadoparaentenderdequeformaa

transformaçãodesistemasdesustentoemsistemasderendimentoalterouadinâmica

desegurançaalimentardaregião.

Foramrealizadas125entrevistassemi‐estruturadasaagricultoresnaregiãode

Quínara,numtotalde48aldeias,demaneiraaobterumaamostradistribuídapelo

respectivoterritório.Aselecçãodosentrevistadosfoialeatória,demodoaminimizaro

enviesamentodosresultados,aopassoqueaescolhadasaldeiasvisitadasteveem

150 Bívar M. 2009, Comunicação Pessoal.

Page 167: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

167

contaafacilidadededeslocação,semnoentantocomprometeradiversidadede

ambientesabordados.Assim,foitidoematençãoquenenhumcontextofosse

excluído,queremtermosétnicos,queremtermosecológicos,tendosidovisitadas

aldeiaslocalizadastantonazonacosteiracomonointerior,emzonasdeflorestaede

savana,edemodoacontactartodasasprincipaisetniaslocais.

Procurou‐sesempregerarinformaçãosobreestratégiasdesubsistência;produção

orizícola;produçãodecaju;diversificaçãoagrícola;estratégiasdeminimizaçãoderisco

deinsegurançaalimentar;motivaçãodeadesãoaocultivodecaju;variaçãodospreços

decaju;estruturadacomercializaçãodocaju;evoluçãodousodesolo;evoluçãoda

demografialocal;entreoutrasquestões.

Asquestõesforamaprofundadasdependendodaparticipaçãodoinformanteedo

conteúdodainformação,daísedefiniroprocedimentoderecolhadedadoscomo

entrevistassemi‐estruturadas.Durantearecolhadedadosfoinecessáriodispensar

determinadasrespostas,noscasosemqueoentrevistadosemostravapoucoseguro

sobreasestimativasdeproduçãodecaju,anodeinstalaçãodopomar,entreoutras,

demodoagarantiramáximaqualidadedosdadoseminimizaroenviesamentodos

dados.

ComoafirmamLynneJaeger(2004),osprodutoresnãoconhecememgeralotamanho

dosseusterrenos,pelomenosnosistemamétricoqueseutilizainternacionalmente.

Osautoresestimamaindaqueafiabilidadedasrespostasdosagricultoressobrea

produçãotenhaumamargemdeerroentre0.5e1tonelada,sendoportanto

necessárioteremcausaadificuldadedeobtençãodedadosfiáveisemcampo.

Certasaldeiasforamseleccionadascomocasos‐tipo,descritosapartirdainformação

recolhidaatravésdaobservaçãoparticipativa,entrevistassemi‐estruturadase

conversasinformais,demodoaaprofundarcasosconcretosqueilustremadiversidade

desituaçõesrelativasàsegurançaalimentarquesepodeobservaremQuínara.Os

casos‐tipoforamescolhidostendoemcontaarelevânciadessasaldeiasparailustrara

diversidadeeheterogeneidadedarealidadelocal.

Page 168: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

168

AetniaBiafadaétradicionalmenteresponsávelpelagestãodoterritórioedosrecursos

deQuínara,sendoosseusmembrosreconhecidospelasoutrasetniascomoos“donos

dochão”,emboraestetermoimpliquemaisoconceitode“gestão”doque“posse

legal”(verpágina205).Estegrupoéomaisrepresentadoentreosentrevistados,com

42,4%dosinquiridospertencentesàquelaetnia.OsBalantas,queimigraramnoinício

doséculoXXparaosuldaGuiné,tornaram‐seimportantesprodutoresdearroze

comotalparticipantesfulcraisnarededetrocasdeprodutos,entreosquaisoarroz.É

aestegrupoquepertencem28%dosentrevistados.Outrosgruposminoritáriosque

estãopresentesnaáreadeestudocorrespondemaprocessosdemigração

secundários.Entreosentrevistadoscontam‐seosPapel,aquepertencem12,8%dos

inquiridos,ManjacoeBijagócom4,8%,Mancanhecom3,2%,Mandinga(1,6%)eFula

(0,8%).Para1,6%dosentrevistadosnãofoipossíveldeterminarogrupoétnico(Figura

7.1).

Figura7.1Origemétnicadototaldeentrevistados(N=125)

Adistribuiçãodosentrevistadosporetniapareceserrepresentativadacomposição

étnicadeQuínaraparaosdoisgruposdominantes,osbiafadaeosbalanta.Contudo,

estasuposiçãonãopodeserconfirmadajáqueosúltimoscensosqueincluírama

distribuiçãoporetniadatamde1979.Noentantosabemosqueatendênciageralem

Quínaratemsidoparaumafortediminuiçãodapopulaçãobalantaeumaumentodo

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169

pesodosbiafadanototaldapopulaçãoregional,poisseem1950osbalantaerama

maioria(Carreira1961:106),resultadodasmigraçõesinternasnesseperíodo(ver

capítulo5),em1979osseusnúmerosjáseaproximavamdototaldebiafadas.Apartir

de1979,aúnicamaneiradeavaliarastendênciasdacomposiçãoétnicapassaasera

monitorizaçãodademografiadecadaaldeia,sabendoquecadaetniaseagrupa

preferencialmenteemaldeiasseparadas.Assim,comparandoasestatísticasde1950e

de2007,datadosúltimoscensosqueconsideraramapopulaçãodecadaaldeia,é

possívelverqueonúmerodehabitantesdasaldeiasbalantatemdecrescido,aopasso

quemuitasaldeiasbiafadaverificaramatendênciainversa(Carreira1961:106;INEC

2007).

7.2EstratégiasdeSubsistênciaparaaPopulaçãoEstudadaeRespectivosConstrangimentos:ProduçãoCerealífera,MonoculturadeCajueDiversificaçãodeActividadesCapazesdeGerarRendimento

7.2.1EstratégiasdeProduçãoeSegurançaAlimentaremQuínara:PerspectivasIniciaisdaInvestigação

Asestratégiasdesubsistênciadecadaagregadofamiliarnãoestãoalienadasdo

contextosocialeecológicoemqueseinsereacomunidadeàqualasfamílias

pertencem.Pelocontrário,factorescomoapresençaounãodefloresta,distribuição

deespéciesvegetaiseanimaisúteisàsubsistência,proximidadeàzonacosteirae

diversidadedastradiçõesagrícolasconsoanteaorigemétnicasãoalgumasdas

característicasinerentesàscomunidadesqueformamopadrãocomplexodarealidade

emquesubsisteapopulaçãolocal.

Foramnoiníciodainvestigaçãoidentificadosalgunsfactoresdeconstrangimentodos

modosdesubsistênciaesegurançaalimentarlocaisquesecrêquesejamtransversais

àgeneralidadedapopulaçãodaregiãodeQuínara.Aolongodocapítulosãoanalisados

ediscutidososprincipaisconstrangimentosàsestratégiasdeproduçãoesegurança

Page 170: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

170

alimentardetectadosemQuínara,qualoseupesoecomoserelacionamentresi.

Apesardesentidosumpoucoportodaaregião,opesoeinfluênciadecadafactorde

constrangimentonasubsistênciaeadopçãodeestratégiasdeproduçãodependedas

característicasdecadacomunidade,comoserádemonstrado.Damesmamaneira,

tambémasestratégiasdeminimizaçãoderiscodeinsegurançaalimentarestão

relacionadascomosambientessociaiseecológicosemqueseinsereumdeterminado

agregadofamiliar,cujaacçãoélimitadapelosfactoresdeconstrangimento.Osúltimos

podemserdivididosemtrêscategorias:i)factoresdemográficos(perdademão‐de‐

obrarural,estruturaetáriadapopulação),ii)factoreseconómicos(ausênciade

investimentosestataiseminfra‐estruturas,inexistênciadeapoiosaosagricultores,

capacidadedegerarrendimento,fracacompetitividadedaproduçãoorizícolalocal)e

iii)factoresnaturais(deterioraçãodediquesdoarrozdemangal,fenómenosclimáticos

adversos,pragasnaturais,geografiaegeologiadasterras).

Algunsdestesfactoressãoprovavelmentecomunsamuitasoutrascomunidades

estudadasaoníveldasegurançaalimentar,particularmentenoâmbitoafricano.No

entanto,aformacomoserelacionamecomocondicionamasegurançaalimentarlocal

dependedocontextoemcausa.Osfactoresdeconstrangimentoàsegurança

alimentareasestratégiasdeminimizaçãoderiscoemQuínaraserãodevidamente

desenvolvidosecontextualizadosaolongodestecapítulo.

Osfenómenosdemográficossãopoucoconhecidosedocumentadosparaocontexto

local,emborasesaibaqueemmuitasaldeiasapopulaçãodiminuiunosúltimos50

anos.Aemigração,principalmenteentreosjovens,constituiaprincipalcausada

diminuiçãodapopulaçãoetemcomoefeitoadiminuiçãodamão‐de‐obradisponível

paraastarefasmaisárduas,nomeadamentenaproduçãoorizícolademangal

(construçãoemanutençãomanualdediques)enaagriculturaitinerante(cortee

queimadefloresta).Ainfluênciadestefactordeconstrangimentonasegurança

alimentarlocalserádiscutidaaolongodocapítulo.

Adeterioraçãodediquespodedependerdascondiçõesfísicasegeológicasaqueestão

expostososarrozais,oquevariadealdeiaparaaldeia.Assim,umarrozalsituadonuma

zonamaisexpostaaassoreamentoiránecessitardeumamaiormanutençãoacurtoe

Page 171: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

171

médioprazoemcomparaçãocomoutrosarrozais.Ascondiçõesatmosféricasesubida

daságuasdomarpodemtambémserresponsáveispordanosconsideráveisnos

diques,comofoirelatadopelosentrevistadosaolongodainvestigação.Este

constrangimentorelaciona‐sedirectamentecomoprimeiro,aperdademão‐de‐obra,

poisemboraoníveldedeterioraçãopossaserdistintoemdiferenteszonas,a

recuperaçãodosdiquesvaidependersempredaexistênciademão‐de‐obra.

Entreosfenómenosclimáticosadversosmaisreferidoscontam‐seaescassezda

precipitação,necessáriaparaadessalinizaçãodasáreasdecultivoeproporcionaro

crescimentodasplantasdearrozdemangal.Poroutrolado,asubidadoníveldaágua

domarfoireferidaporalgunsentrevistadoscomoumadascausasdadeterioraçãodos

diquesqueprotegemoarrozdemangal.Édesuporqueasalteraçõesclimáticasea

consequentesubidadoníveldaáguapossamviraterumefeitonefastoparaa

produçãoorizícolademangaldaGuiné‐Bissau,vistotratar‐sedeumusodesolos

situadospraticamenteaoníveldomar.Osdanoscausadosporanimaisoudoenças

constituemtambémumdosfactoresmaisreferidosaolongodainvestigação(ver

página179),podendoinclusivamenterelacionar‐secomasalteraçõesdasdinâmicas

degestãodasterrasinduzidaspelaprópriaplantaçãodepomaresdecaju,como

sugeremváriosagricultoresparaocasodoaumentodaratazana‐do‐capim

(Thryonomysswinderianus),oufarfanaemcrioulo(verpágina216).

Ainexistênciadepolíticasestataisdeapoioaosagricultoreseaausênciade

investimentoseminfra‐estruturasadequadasaotransporte,armazenamento,

comercializaçãoeproduçãodearroz,quandonecessárias,implicamqueasestratégias

deminimizaçãoderiscodeinsegurançaalimentarporpartedosagricultoresficam

exclusivamenteaseucargo.Apesardegeraramaiorpartedosrendimentosde

exportaçãodopaís,osagricultoresdeQuínaranãovêemnenhumretornoemforma

dequalquerapoioàssuasactividades,comovoltaráaserdiscutidonestedocumento.

Acapacidadedegerarrendimentoparaoagregadofamiliaréumaquestãoimportante

naanálisedoriscodeinsegurançaalimentar.EmQuínara,noentanto,pode‐sedizer

quenãoháumadiferenciaçãoevidenteentreoestatutoeconómicodamaioriados

agricultores,oqueresultanumacertahomogeneidadedapopulaçãolocalemtermos

Page 172: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

172

declassessociais.Àexcepçãoderaroscasos,comoosfuncionáriospúblicos

(professoreseagentesdaautoridadelocal151)ecertoscomercianteseartíficeslocais,a

grandemaioriadapopulaçãolocaltemacessodeummodogeralàsmesmascondições

desubsistência,tornando‐seportantoofactormaisdecisivoparaacapacidadede

gerarrendimentoadisponibilidadeounãodemão‐de‐obranoseiodoagregado

familiareadiversificaçãodasactividadescapazesdegerarrendimentos,como

abordadonapágina197.Porestemotivodecidiu‐sequenãofariasentidoanalisaras

questõesdacapacidadedegerarrendimentoedadisponibilidadedemão‐de‐obraem

separado.

Porfim,aincapacidadedosprodutoreslocaisdearrozconcorreremcomospreçosdo

cerealimportadoevendidolocalmenteportodoopaísafectanegativamentea

produçãoorizícola.Oarrozimportadoémantidoapreçosartificialmentebaixos,

resultadodepolíticasdeimportaçãoquefavorecemoscomerciantesenquanto

prejudicaaproduçãonacionaldearroz,umtipodeproduçãoparticularmente

importanteparaosagricultoresdeQuínara,historicamenteumadasregiõeschave

paraaproduçãoorizícolanacional(vercapítulo5).

7.2.2OPapeldaProduçãoCerealíferaparaaSegurançaAlimentarLocal

Tendoemcontaaproduçãodecereaiscomoprincipalfontealimentarlocal152ea

monoculturadecajucomoprincipalfonteactualderendimentoagrícola,os

agricultoresdeQuínaraapresentamactualmentediversasestratégiasdesubsistência,

podendodividir‐seentre(i)osqueapresentamumaestratégiaprodutivamista,com

produçãodecereaisecaju,equecorrespondemàmaioriadapopulação;(ii)osde

estratégiaprodutivaespecializada,queapostaramfortementenocultivo,oude

151 Convém referir no entanto que os poucos funcionários públicos contactados durante o tempo de investigação na Guiné-Bissau afirmavam não receber ordenados de forma regular, e alguns diziam mesmo não receber sequer há já alguns meses. 152 Sobretudo arroz (Oryza sativa e Oryza glaberrima), mas também milho (Zea mays), sorgo (Sorghum

bicolor) e milheto (Pennisetum glaucum).

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173

cereais,oudamonoculturadecajue(iii)osdeestratégianãoagrícola,nasuamaioria

comerciantes,caçadoreseartíficeslocais153.

Paracadacaso,noentanto,osdiferentestiposdesistemaadoptadosvariamnograu

dedependênciadaestratégiaprivilegiada,consoanteaapostaindividualdecada

agricultornumadeterminadaactividadeagrícola.Assim,osistemadeproduçãodeum

agricultorquetenhainvestidofortementenaproduçãodecajuétipicamentediferente

dodeumagricultorquenãotenharealizadoomesmocultivocomtantaintensidade.

Emboraambospossamterprivilegiadoocajucomoprincipalcultivoemdetrimentode

outrasculturas,oprimeiroficarámaisdependentedasuavendaemrelaçãoao

segundo,econsequentementemaisexpostoàvariaçãodepreçosdoproduto,oque

podeconstituirumaameaçaàsuasegurançaalimentarnumcenáriodereduçãodos

preçosdecompraaoprodutor.

Aadopçãodeumadeterminadaestratégianãoélevadaacabodemaneiraigualpela

generalidadedosagricultoresedependedasuaexposiçãoaosfactoresde

constrangimentodasestratégiasdeproduçãoeaoseucontextosocialeecológico.

Noentanto,independentementedaestratégiautilizada,estaéquasesemprecentrada

naobtençãodoalimentobasedagrandemaioriadapopulaçãodaáreaestudada:o

arroz.Opapeldestecerealnaalimentaçãolocalédeextremaimportânciaeforam

váriasvezesobservadasduranteotrabalhodecamporefeiçõescompostasapenasde

arrozeumpoucodeóleodepalmanotopo.Muitoshabitanteslocaisreferiramainda

seroarrozoúnicocerealqueverdadeiramentesatisfaz,emoposiçãoaostradicionais

sorgoemilheto,ecomfrequênciafoiditoqueéomelhoralimentoparaevitarafome.

Dototalde125agricultoresentrevistadosnaregiãodeQuínara,87,2%(N=109)

investemhabitualmentenaproduçãodearroz.Devidoaoseudestaquenapreferência

alimentar,ocultivodearrozassume‐secomoumaprioridadeparaageneralidadedas

famíliasenvolvidasnoestudoecasoestejamreunidasascondiçõesnecessárias

153 Entre os artifícios mais frequentemente observados durante o trabalho de campo encontram-se as ocupações de alfaiate, carpinteiro, ferreiro, artesão e actividades ligadas ao mágico-religioso, cujos praticantes são vulgarmente conhecidos por “djambacuss” ou “moro” em crioulo (equivalente a curandeiro ou bruxo em português).

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174

realizam‐sequasesempreoscultivosdearrozitinerante,demangaloudeambos.No

entanto,ainteracçãodosfactoresdeconstrangimentopreviamentereferidosem7.2.1

limitaacapacidadedeproduçãoprópria,oqueprovocaemgrandepartedoscasos

umaperdadaautonomiaalimentar.

Aorigemdodearrozconsumidofoiconsideradacomoumindicadordecisivoparaa

análisedasituaçãodasegurançaalimentarlocal,dadaaextremaimportânciaque,

comojáreferido,ocerealtemparaapopulaçãodocontextoestudado.Emboraquase

todososagricultoresdependamemcertamedidadomercadoparaobterpartedo

totaldearrozconsumidoanualmente,opesodestadependênciavariaentrediferentes

famílias,dependendodasuacapacidadedeproduçãoprópriadearroz.Ograudeauto‐

suficiêncianaproduçãodearrozestádirectamenteassociadoàvulnerabilidadedos

membrosdoagregadofamiliarrelativamenteàsuainsegurançaalimentar.Quanto

menoracapacidadedeproduçãodearrozqueumagricultorapresenta,maiora

necessidadequeterádegerarrendimentosquelhepermitamacederaocerealno

mercado.

Paraasfamíliasenvolvidasnoestudofoianalisadaaproveniênciadoarrozconsumido

anualmentepelosentrevistados,demaneiraainferirsobreasuacapacidadede

produçãoedependênciadomercado.Assim,foiconsideradoonúmerodemesespara

osquaisexistearrozprovenientedaproduçãoprópriaparaconsumofamiliar,eo

númerodemesesemqueafamíliaéobrigadaarecorreràcompradearrozno

mercado.

Paraefeitosdecomparaçãoforamidentificadoscinconíveisdedependênciado

mercadoparaobtençãodearroz:Muitobaixo,baixo,intermédio‐baixo,intermédio‐

altoealto.Aonívelmuitobaixopertencemasfamíliasqueproduzemarrozsuficiente

paraos12mesesdoano.Nonívelbaixosituam‐seaquelesquedizemproduzirarroz

suficienteparaentre8e11meses,adquirindoorestantenomercado.Aonível

intermédio‐baixopertencemosqueproduzemarrozparaentre6e8meses.Aonível

intermédio‐altopertencemosqueproduzemarrozparaentre0e6mesesenonível

altoforamincluídososquenãoproduzemarroz,equedependemdomercadoparaa

compradetodooarrozqueconsomem(Figura7.2).

Page 175: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

175

Figura7.2Níveldedependênciadomercadoparaobtençãodoarrozconsumidoanualmente,

entreosentrevistados(N=125)

Dototaldeinquiridos,24,8%(N=31)apresentaumníveldedependênciadomercado

entreomuitobaixoeointermédio‐baixo,enquantoagrandemaioria,ou75,2%

(N=94),apresentaumnívelintermédio‐altooualtodedependênciadomercadopara

obtençãodoarroz.

Onívelmuitobaixoconsistenaindependênciatotaldomercadoeéraroparaototal

dosinquiridos,comapenas3,2%(N=4)areferirconseguirproduzirarrozsuficiente

paraabastecerafamíliaduranteos12mesesdoano.Estareduzidafatiadototalde

entrevistadosconstituiapartedapopulaçãoamostradamenosexpostaàflutuação

dospreçosdemercadotantodocajucomodoarroz.Naáreadeestudo,estetipode

situaçãoobserva‐seapenasemalgumasaldeias,comoJábadaPorto(vercaixa1),onde

aproduçãodearrozéaindasuficientementeelevadaparaquesecontementreos

seushabitantescasosdemaiorindependênciadomercadoemenorriscode

insegurançaalimentar.

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176

Aonívelbaixopertencem5,6%(N=7)dototaldeentrevistados,queasseguramaauto‐

suficiênciadocerealparaentre8e11mesesdoano.Segue‐seonívelintermédio‐

baixo,ondesecontamosquenãoconseguemproduzirarrozparamaisde8mesespor

anoeobtêmorestantenomercado.Onívelintermédio‐altoédelongeaqueleemque

sesituammaisinquiridos,com62,4%(N=78)aafirmarproduzirarrozsuficientepara

satisfazerasnecessidadesalimentaresparaentre0e6mesesdoano.Porfim,dototal

dosinquiridos,12,8%(N=16)nãoproduzemarrozdetodoedependem

exclusivamentedasuacompraparaasubsistência,representandoaparteda

populaçãoentrevistadamaisvulnerávelàflutuaçãodospreçosinternacionaisdo

cereal.Osrepresentantesdestaúltimafatiadapopulaçãoadoptamdiferentes

estratégiasparaaobtençãodosrendimentosnecessárioseenquantounsrecorremà

vendadeprodutosagrícolas,maioritariamentecaju,outrosgeramosseus

rendimentosapartirdaprestaçãodeserviços,assuntoqueserádesenvolvidomais

adiante.

Caixa1

Caso‐tipodeJábadaPorto‐Quandoaproduçãodearrozésuficienteenãosedependedocaju

ApopulaçãodeJábadaPorto,umaaldeiabalanta

degrandesdimensõesnasmargensdoRioGeba,

dedica‐sequaseexclusivamenteaocultivodo

arrozdemangal.Actualmente,estacomunidade

destaca‐sepelarelativaindependênciadosseus

habitantesemtermosalimentares,jáqueao

contráriodemuitasoutrasconseguiuconservar

umaboapartedasuaproduçãodearrozaolongodosúltimosanos.Duranteaépocacolonial,a

produçãoorizícolaaumentoumuito,eaaldeiaproduziaumagrandequantidadedocereal.Para

alémdaproduçãodearroz,muitasfamíliasdedicavam‐seàcriaçãodegadobovinoeaocultivode

mandiocaeamendoim.

Emboraaproduçãodearrozdemangaltenhasofridoumaquebrageneralizadanasaldeiasbalanta

daregiãodeQuínaradesdeadécadade1970,estafoimenosacentuadaemJábadaPorto.O

cultivodearrozdemangaldaaldeiaconseguiumanter‐seprodutivo,eamaiorpartedasfamílias

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177

deJábadaPortonãosóéhojeauto‐suficienteemarroz,comochegaavenderosseusexcedentes

aoshabitantesdasaldeiasvizinhas,demaioriabiafada.Aocontráriodemuitasoutrasaldeias

balantadeQuínara,apopulaçãodeJábadaPortonãoabandonouocultivodoarrozdemangal,já

queosseuscampossemantiveramembomestadodeconservação,inclusivamentenão

necessitandodeobrasderecuperação.Noentanto,apopulaçãodiminuiude1491habitantesem

1960,para1141em2007,eaáreadecultivodearrozdemangaltemvindoadecrescer.

TalcomoemmuitasaldeiasbalantaemQuínara,amaiorpartedoshabitantesnãopossuiterrenos

deflorestaousavanaondeplantarpomaresdecaju,ficandoimpedidosdeapostarnestaculturade

rendimento.Noentanto,apopulaçãotemencontradooutrasformasdecompensaradiminuição

derendimentosprovenientesdaproduçãodearroz,epráticastradicionalmenteinaceitáveisparaa

culturabalanta,comoavendadevacas,temvindoatornar‐secomumparaaobtençãode

rendimentos.

Osconstrangimentosrelativosàsestratégiasdeproduçãoesegurançaalimentar

identificadosnestainvestigaçãoeexpostosem7.2.1nãopodem,comojásedisse,ser

alienadosdocontextoecológicoesocialdecadacomunidade.Essesfactoresdevem

porissoseranalisadosàluzdeumadasquestõessubjacentesàdiversidadede

padrõesdeproduçãoalimentarnaregião:ossistemasagrícolastradicionais,que

variamconsoanteaorigemétnica.Defacto,agrandediversidadeétnicadaGuiné‐

BissauemgeraledaregiãodeQuínaraemparticularreflecte‐senumricomosaicode

tradiçõesdeorganizaçãosocioculturaiseeconómicas,quedãoorigemavariadas

estratégiasesistemasdeproduçãoalimentar.Quantoàauto‐suficiênciadearroz,por

exemplo,asdiferentesetniaspresentesnoestudorevelamcomportamentos

aparentementedistintosemrelaçãoàsuaprodução,evidênciadasdiferentestécnicas

epráticasaqueosseusantepassadosderampreferência(Tabela7.1).

Tradicionalmente,aetniaBalantaéconhecidapelodomíniodocultivodearrozde

mangal,capazdegerarumexcedentecomercializávelsignificativo,sendoogrupo

étnicomaisbemsucedidoemtermosdeauto‐suficiênciadearroz(Ribeiro1989:235).

Defacto,dasduasetniasmaisnumerosasnaregiãoenaamostradopresenteestudo,

aetniaBalantaapresentamaiorauto‐suficiênciadearrozentreosseus

representantes,com34,3%destesproduzindopelomenosmetadedoarrozque

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178

consomemanualmente(Figura7.2).Emboraaauto‐suficiênciadearrozeaexistência

deexcedentescomercializáveisdocerealentreosBalantastenhasidoreferida

inúmerasvezespelosentrevistadoseemconversasinformaisnaregiãocomotendo

decrescidosignificativamentenosúltimosanos,aetniacontinuaaseraúnica

representadaentreosqueconseguemproduzirarrozparatodososmesesdoano

(3,2%;N=4paraototaldeentrevistados),emboraaamostrapossanãoser

representativadarealidadelocalporsetratardeumnúmerodiminuto.Entreos

membrosdaetniaBiafada,poroutrolado,apercentagemdosqueproduzempelo

menosmetadedoarrozconsumidoanualmentedecrescepara18,9%,sendoos

restantes81,1%maisdependentesdomercadoparaaobtençãodearroz(Figura

7.2.2).Paraasrestantesetniasrepresentadasnoestudonãosefizeramconsiderações

sobreaorigemdoarrozconsumidoanualmente,devidoaoseunúmeroreduzido.

Tabela7.1Númerodeindivíduosconsoanteaorigemétnicaporcadaníveldedependênciado

mercadoparaobtençãodamaiorpartedoarrozconsumidoanualmente(N=125).

Etnia Produção Própria Compra Produção Própria/compra

Balanta 12 20 3

Biafada 10 41 2

Bijagó 2 2 2

Mancanhe 0 3 1

Mandinga 1 1 0

Manjaco 0 6 0

Fula 1 0 0

Papel 4 9 3

Indeterminada 1 1 0

Total 31 83 11

% 24,8 66,4 8,8

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179

Figura7.3Níveldedependênciadomercadoparaobtençãodearrozparaasduasetniasmais

numerosasentreosentrevistados:EtniaBiafada(N=53)àesquerdaeBalanta(N=35)àdireita.

Noentanto,emboraaorigemétnicasejaútilparaentenderdequeformauma

determinadacomunidadesecomportaemtermosdeestratégiasdeprodução,a

maioriadosfenómenosqueafectamaproduçãoorizícolasão,comojádiscutido,

transversaisatodasascomunidades.Entresestesfenómenos,osqueprovavelmente

dependemmenosdocontextoespecíficodecadaaldeiasãoosfenómenosclimáticos

adversos,asalteraçõesclimáticaseosdanoscausadosporanimaisedoenças.A

escassezdeprecipitaçãoeoseuefeitonegativonaproduçãoorizícolaéumdos

fenómenosreferidocomotendoaumentadodefrequênciaaolongodasúltimas

décadas,prejudicandoobomcrescimentodasplantasdearrozecustandoaos

produtorescentenasdequilosdearrozemanosdeseca.Nestainvestigaçãonãofoi

possívelnoentantogerardadosquepermitamconstruircenáriosfiáveissobreas

tendênciasdosfenómenosclimáticoseoseuimpactonaproduçãoorizícola,tendo

apenascomobaseosdepoimentosdosagricultores.Jáosdanoscausadosporanimais

edoençassãobemvisíveisereportados,commaioroumenorgravidade,por

praticamentetodososagricultores.Osanimaismaisreferidospelosagricultores

entrevistadoscomoconstituindoasprincipaisameaçasàssuasculturasforamas

ratazanas‐do‐Capimoufarfanaemcrioulo(Thryonomysswinderianus);váriostiposde

passeriforme;primatas(entreelesomacaco‐mona,Cercopithecuscampbelli,eo

chimpanzé,Pantroglodytesverus);Porco‐Espinho(Hystrixcristata);Porco‐do‐mato

(PotamocherusporcusePhacochoerusafricanus);assimcomováriostiposde

“bitchos”,expressãoemcriouloqueabrangeinsectosedoençascausadasporfungos,

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180

bactériasevírus.Naalturadoamadurecimentodoarroz,avigilânciadoscampos

cultivadosécrucialparaaobtençãodeboascolheitas,umtrabalhoquetambémtem

sidoprejudicadopelacrescenteescassezdemão‐de‐obra.Aspragasvistascomoas

maisprejudiciaissãoprovavelmenteosfarfanas,tendoinclusivamentealguns

agricultoresdasaldeiasdePobreza,GandjimbaeFarancundaafirmadonãotencionar

repetirocultivoitinerantedearroznoanoseguintedevidoaoaumentodonúmero

daquelesanimais(verpágina216).

Apesardestesedeoutrosconstrangimentosjáenumerados,váriasfamíliasmostraram

vontadedereconstruiroudeaumentarasáreasdearrozdemangalquepossuem,

tendoalgunsindivíduosmesmoafirmadoquejáforaminiciadostrabalhosde

recuperaçãodediquesemalgumasáreas.Estetipodeafirmaçõesparecemnamaior

partedoscasosconsistirnumarespostaàinconstânciadospreçosdemercadodo

arroz,porumlado,edocaju,poroutro,nocasodosagricultoresquedependemdo

últimoparaaobtençãodosrendimentoscomquedepoisadquiremosseusalimentos.

Emboraaproduçãoorizícoladagrandemaioriadosagricultoresabordadossofresse

pelomenosumadascausasdereduçãoapontadasacima,apercepçãodequeasua

segurançaalimentardependeemgrandepartedosresultadosdaproduçãoleva‐osa

referirasuarecuperaçãocomoaestratégiamaisseguraaseguir.Contudo,apesarda

necessidadedeinvestimentonocultivodearroz,muitosdestesindivíduosmostraram‐

secautelososemrelaçãoàsexpectativasdeproduçãonofuturo,algunsdeles

sugerindoqueatendênciadeagravamentodasdificuldadesenunciadassedeverá

manter.

7.2.3AProliferaçãodaMonoculturadeCajueasuaRelaçãocomaProduçãoCerealífera

Depoisdesubstituiroamendoimcomoprincipalculturadeexportaçãonaregião

desdeaépocacolonial,amonoculturadecajuganhounasúltimasdécadasumaforte

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181

presençanaáreaestudada,e97,6%(N=122)dos125agricultoresaleatoriamente

entrevistadospossuíampomaresdecajunaalturadotrabalhodecampo154.

Esteacentuadoaumentodocultivodocajuéfrequentementeassociadoaodeclínioda

produçãodearrozemuitosautoressugeremqueapotencialsubstituiçãodaprodução

orizícolaporpomaresdecajuteráconduzidoaumaperdadeauto‐suficiência

alimentarparagrandepartedapopulação,partindodopressupostoqueaocupação

deterraseesforçocomocultivodecajuentraemcompetiçãocomasproduçõesde

subsistênciaeparticularmentedearroz(Boubacar2007:84;MADR/FAO/PAM155

2007:6;BancoMundial2010:86).Emboraestasduastendênciastenhamcoexistidonas

últimasdécadas,aafirmaçãodequeaprimeiraécausadasegundaéuma

generalizaçãosimplista,e,comoseráanalisadoaolongodopresentecapítulo,não

aplicávelàtotalidadedocontextoabordadonesteestudo.

Regrageral,asituaçãoparaosagricultoresdeQuínaraédequenãoexistefaltade

terraparacultivo,tendoamaiorpartedasaldeiasacessoaterritóriossuficientemente

grandesparaevitaracompetiçãoporespaçoentreospomaresdecajueoutros

cultivos.Poroutrolado,tambémaquestãodacompetiçãoporesforçonãosecoloca,

jáqueaépocaoanoqueocajuexigemanutenção(paralimpezadospomares,oupara

colheitadocaju)nãocoincidecomaépocadetrabalhosrelacionadoscomaculturade

arroz.

Noentanto,aexcepçãoétambémobservadanaregião.Arelaçãodecausalidade

directaentreaexpansãodamonoculturadecajueodecrescimentodaproduçãode

cereaispodeserobservadaemalgumasaldeiasvisitadasduranteotrabalhodecampo,

comoBuduco,MissiráeMadinadiRiba,cujoshabitantessequeixamdafaltadeterra

disponívelpararealizarocultivoitinerantedearrozdevidoàocupaçãodamaiorparte

dosterrenosdaaldeiaporpomaresdecaju(vercaixa2).Contudo,comojádito,este

constrangimentonãorepresentaarealidadedamaioriadapopulaçãoemQuínarae

154 Os únicos entrevistados que não investiram na monocultura de caju são dois membros da etnia Balanta e um da etnia Biafada, todos residentes na aldeia de Jábada Porto (ver caixa 1) 155 Relatório desenvolvido em 2007 pelo Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural (MADR) da Guiné-Bissau, em parceria com a FAO e o PAM

Page 182: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

182

estáantesrelacionadocomopequenotamanhodoterritóriodaquelasaldeias,quese

situamemzonasparticularmenteestreitasdapenínsuladeCubisseco,nosuldaregião.

Paraalémdageografia,ostamanhosdosterritóriosdisponíveisrelacionam‐setambém

comosistematradicionaldepossedeterra.Osistematradicionaldepossedeterra

emQuínaraédominadopelaetniabiafada.Osbiafadasãoconsideradososprimeiros

habitantesdeQuínara.Comotal,sãoostradicionais“donosdochão”daregião,tendo

porissodireitosprivilegiadossobreaterra.Assim,grandepartedasflorestasde

Quínarapertenceabiafadas,apesarde,naalturadoúltimorecenseamentoque

considerouaorigemétnicadecadacidadão,em1979,estesnãoconstituíremamaior

partedapopulação.Aexpressão“donosdochão”nãoimplicanoentantoaposselegal

daterra,edizantesrespeitoaoconceitodegestão,queaquiécolectiva.Oconceitode

propriedadeprivadanãoseaplicanestecontextoeédadaprioridadeaousoprodutivo

dasterras,emoposiçãoaousoespeculativo.Atransacçãodeterraspareceserum

tabuentreamaiorpartedapopulaçãoetrocaraterraqueseherdoupordinheiroou

outrosmateriaiséextremamentemalvistoentreoshabitanteslocais,comopôdeser

constatadoaolongodainvestigação.Seocultivodecajutraráounãomodificações

paraosistematradicionaldeterras,éprovavelmenteaindacedoparaoentender,e

poderáconstituirotemadefuturosestudos.

Assim,paraocontextogeraldeQuínara,ondeadisponibilidadedeterraparacultivoé

ocenáriomaiscomum,aproliferaçãodospomaresdecajunãoexplicaporsisóa

reduçãodaproduçãodearroz.Paraentenderadiminuiçãodaproduçãoorizícolaé

igualmentenecessárioteremcontaasdinâmicasaqueomundoruraltemsido

expostoaolongodasúltimasdécadasequeestãosubjacentesaquaisquerdecisões

tomadaspelosagricultores.Entreestasquestõescontam‐senaturalmenteos

constrangimentosdasestratégiasdeproduçãolocaldescritosem7.2.1,queterão

postoemcausaaproduçãoorizícola.Poroutrolado,asdificuldadesdosprodutoresde

arroznacionaisnaconcorrênciacomoarrozimportado,oaumentodosrendimentos

obtidoscomavendadecajunasdécadasde1980e1990,eoefeitodademonstração

desucessoatingidoporalgunsprodutorescomocajuchamaramaatençãodeainda

maisagricultoresparaocultivodecaju.

Page 183: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

183

Noentanto,paraarelaçãoentreadiminuiçãodeproduçãoorizícolaeproliferaçãode

cajuháqueanalisarcuidadosamenteasdinâmicasdemográficaslocais.Durantea

investigaçãotornou‐seevidentequeascomunidadeslocaissãodeumamaneirageral

afectadaspelacrescentefaltadedisponibilidadedemão‐de‐obra,comoéclarono

casodoabandonodevastasáreasdearrozalnasaldeiasbalantasdePobreza,

GandjimbaeCanchungozinho.Nestaseoutrasaldeiasosseushabitantesreferiram

nãoterdúvidadequeoprincipalmotivoparaaquebradeproduçãodearrozéa

emigraçãoeconsequentediminuiçãodasuapopulação.

Emboragrandepartedasfamíliasdaáreadeestudotenhaelementosemigrados,

particularmenteemBissaueoutroscentrosurbanos,aquelasnãobeneficiamde

remessasdosseusmembrosausentes,enamaiorpartedoscasossãoasfamílias

ruraisqueenviamarrozdasuaproduçãoepartedosrendimentosobtidoscomocaju

paraosfamiliaresquevivemnascidades.Estarelaçãoentrefamíliasruraisemembros

emigradosemmeiosurbanosprende‐secomadificuldadequemuitosindivíduostêm

emobterrendimentosdeformaregularnascidadeseaindacomofactodequemuitos

dosquesedeslocamfazem‐noparateracessoaeducaçãoeformação,eportantonão

obtêmrendimentos.Aexcepçãoéocasodeduasfamíliasdaáreadeestudo,com

membrosemigradosemEspanhaedosquaisrecebemremessasperiodicamente.Em

muitoscasos,osmembrosemigradosregressamnotempodemaiorestrabalhos

agrícolas,emboraestamigraçãosazonalsejaumfenómenoimprevisíveledifícilde

avaliar.

Emborageneralizado,ofenómenodaemigraçãoeêxodoruralpareceatingircom

particulargravidademuitasdasaldeiasbalanta,comodemonstraacomparaçãoentre

asestatísticasde1960e2007paraapopulaçãodePobreza,quepassoude195

habitantespara136,oudeCatchobar,de174para105.JánaaldeiadeBila,onúmero

dehabitantespassoude240em1960para133em2007;emLouvadode238em1960

para179em2007eemGãMalamde317habitantesem1960para22em2007

(DSEEG1961;INEP2007).Areduçãodepopulaçãomaisfortenasaldeiasbalanta

permitelançarahipótesedequeosbalanta,tradicionalmentemaisdependentesda

produçãodearrozesemgrandesterritóriosparacultivosderendimentocomoode

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184

caju,terãotidoumamotivaçãoaindamaiorparaemigrarquandoseviramsem

alternativasdepoisdaquebradeproduçãoorizícola,comodescritoparaocaso‐tipo

dasaldeiasdeBila,Louvado,CratoeGãMalam(vercaixa3).Noscasosdasaldeiasde

Bila,Louvado,CratoeGãMalam,aausênciadeterritóriosdeflorestaedesavanapara

plantaçãodecultivosderendimentosprende‐secomapreferênciadosbalantapor

áreascosteiras,paraproduçãodearrozdemangal.Ousodeterrasparaoutrosfins

estáinacessívelparaestascomunidades,jáqueasaldeiasvizinhas,habitadaspelos

biafada,controlamasuagestão,oquepodeterreforçadoanecessidadede

emigração.Poroutrolado,énecessárioconsiderarquemuitasvezesaemigração

promovemaisemigração,devidoaoefeitode“contágio”edealgunsexemplosde

sucesso,assimcomoàprogressivadeterioraçãodascondiçõeslocaispelafaltade

mão‐de‐obradisponível.

Outrofactorimportanteéaausênciadeinvestimentoseminfra‐estruturasadequadas

àproduçãodearrozdemangal,quandonecessárias.Ainexistênciadeinfra‐estruturas

públicasdetransporteaarmazenamentodificultamumaeficientecomercializaçãodo

produto.Poroutrolado,fenómenosfísicosegeológicoscomooassoreamentodos

cursosdeáguaquedrenamaáguadoceacumuladadaépocadaschuvasepermitiam

aentradadaáguasalgada,importanteparaaqualidadedosarrozaisdemangal,

puseramemcausavastasáreasdearrozal.Estesficaramassimdependentesde

intervençõesdegrandeescala,impossíveisouextremamentedifíceisdeserlevadasa

cabopelascomunidadeslocais,semrecursoamáquinas.Estefoiocasodasaldeiasde

Bila,Louvado,CratoeGãMalam,nasquaisumaintervenção,aindanaépocacolonial,

nosentidodemelhorarasituaçãoteveprecisamenteoresultadooposto(vercaixa3).

Aindahojeascomunidadeslocaisdaquelasaldeiasesperamumainiciativaadequada

quepermitaaregeneraçãodascondiçõesapropriadasaocultivodearroz.

Todososfactoresmencionadosterãoatraídoaatençãodamaiorpartedos

agricultoreslocaisparaasvantagensdocultivodecaju,querequerumesforço

consideravelmentemenoremtermosdeinvestimentoemão‐de‐obrarelativamente

aoarroz

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185

Poroutrolado,aocontráriodoquejáfoialegadoemalgunsestudo,acompetiçãopor

esforçoentrecajuearroznãosecoloca,jáqueaalturadoanoemquesetrabalhao

últimonãosesobrepõenecessariamentecomasépocasdelimpezadospomaresou

dacolheitadacastanhadecaju,nãoimpossibilitandoassimacoexistênciadosdois

cultivos.Faceàperdademão‐de‐obranecessáriaàstarefasárduasdocultivodearroz

verificadaemQuínaraaolongodasúltimastrêsdécadas,asoluçãoparamuitas

famíliaspoderátersidoaplantaçãodecajueiros,demaneiraaobterrendimentosque

permitissemacompradearroznomercado,amaiorpartedoqualprovémdepaíses

asiáticos.

Estaperspectivaécontráriaàdamaioriadosestudosrealizadossobrearelaçãoentre

amonoculturadecajueproduçãodearroz,esugere‐seaquiqueparaamaioriados

casosastendênciasdeaumentodoinvestimentonaprimeiraedodesinvestimentona

segundanãoconsistiramnumatransiçãovoluntáriamassimnumatentativade

sobrevivência.

Caixa2

Casos‐tipodeBuduco,MissiráeMadinadiRiba–Aldeiascompequenosdeterritórios,quase

totalmenteocupadosporpomaresdecaju

AsaldeiasdeBuduco,MissiráeMadinadiRiba

encontram‐senapenínsuladoCubisseco,no

suldaregiãodeQuínara(vermapax).Situadas

numazonarelativamenteestreitada

península,oterritórioaqueapopulaçãode

cadaaldeiatemdireitosegundoasnormas

locaisdeacessoàterraéporissoconstrangido

edetamanhorelativamenteinferioraodemuitasoutrasaldeiascomumnúmeroderesidentes

equivalente.Oshabitantesdastrêsaldeiasiniciaramaplantaçãodecajueirosnaalturada

independência,emmeadosdadécadade1970.Comaposterioradesãoemmassadapopulação

localaocultivodocaju,aszonasdeflorestaesavana,onderealizavamcultivosdearroz,milho,

amendoimentreoutrasculturas,começaramaescassear.Aforteapostanocajucorrespondiaàs

expectativasdequeoseupreçodemercadosubisseaindamaisoupelomenossemantivesse

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186

estável,noentanto,aquelevirianãosóatornar‐seinstávelcomoadiminuir.Comolembram

muitoshabitanteslocais,umsacodearrozchegouaequivalerprecisamenteaumsacodecaju.Em

2009,orácioeradeumsacodearrozparadoisemeio,oumesmotrês,decaju.

Tendoperdidograndepartedaáreadearrozdemangalcultivadodevidoàdeterioraçãodosdiques

queprotegiamoscamposdasmarés,osagricultoresviram‐setambémcompoucoespaço

disponívelparaocultivodearrozdesequeiro,realizadoemzonasflorestais.“Agorajáquasenão

temosmato”,comoconstataumhabitantedeBuducoentrevistado‐“oquetínhamoscortámos

parapôrcaju,quedeixoudesertãorentável[...]Secortarmosospomaresparacultivararrozou

outrosalimentosdesubsistência,ficamossemosrendimentosdocaju[...]Seriaacrise”.

ÀsemelhançademuitasoutrasaldeiasdeQuínara,estastrêsaldeiassofremtambémdeêxodo

rural,diminuindoapresençademão‐de‐obradisponíveledificultandoarecuperaçãodosdiques

queprotegemoscamposdearrozdemangal.Noscultivosdearrozdemangaledesequeiroque

algumasfamíliasaindaconseguemrealizar,aproduçãoémuitobaixa,comascausasmais

enunciadassendoopequenotamanhodasáreasdecultivo,pragasdeanimais,doençaseafaltade

chuva.Adeterioraçãodosdiquesdoscultivosdearrozdemangaleafaltadeespaçodisponível,no

entanto,merecemespecialatenção,comorelataumresidentedeBuduco‐“Antestínhamos

bolanhas[arrozdemangal].Agoraqueomarasinvadiuenãotemosmão‐de‐obrasuficientepara

recuperá‐las,tambémnãotemosmatoparacultivar,porqueestáocupadocomcajuquenem

sequernosdárendimentosuficiente”.Adiversificaçãodaagriculturaéaindareconhecidapelo

mesmohabitantecomoumaestratégiamaisseguradoqueaconcentraçãonumasócultura‐“Se

soubéssemosqueseriaassimnãotínhamossemeadotantocajuecontinuávamosausaromato

paraocultivodemilhoearroz,talcomoosnossosantepassados”.

Emboradeterminadosrelatóriosoficiaissugiramqueavendadacastanhadecaju

comonovafontederendimentotivessedadomaispoderdecompraàpopulaçãolocal

(MADR2007:6),poroutroladotambémseacentuaramasdisparidadesentreos

ganhosprovenientesdocajueospreçosdemercadodoarroz,que,comorelataa

maioriadosindivíduosabordados,nãotêmparadodeaumentar.Comoconsequência,

aproliferaçãodospomaresdecajueodeclíniodaproduçãoprópriadearroztornaram

asegurançaalimentardeváriasfamíliasmaisvulnerávelàflutuaçãodospreços

internacionaistantodocajucomodoarrozimportado.

Page 187: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

187

Independentementedastransformaçõesnossistemasagrícolaslocaisedodeclínioda

produçãoorizícolaemQuínara,asactividadesagro‐alimentarescontinuamaserde

longeaprincipalfontederendimentoparaapopulaçãoestudada.Dototaldos

entrevistados,84,8%obtêmamaiorpartedoseudinheiroapartirdeactividades

agrícolas,eosrestantes15,2%têmcomoprincipalfontederendimentouma

actividadenãoagrícola(tabela7.2).Dosúltimos,noentanto,todosafirmampossuir

umpomardecajuedesenvolveroutrotipodeactividadesagro‐alimentarespara

subsistênciaouvenda.

Dosagricultorescujosrendimentosdependemsobretudodeactividadesagrícolas,76%

(N=95)disseramtercomoprincipalfontederendimentoavendadecaju156(tabela

7.2),semdiferençasaparentesentregruposétnicos.

Tabela7.2Principaisfontesderendimentofamiliar,agrícolaenãoagrícola,paraototalde

entrevistados(N=125)

Agrícola Não Agrícola

Caju Arroz

Óleo de

Palma Caju/Outro Outros Pesca Remessas Comércio

Outros

Serviços

N 95 3 2 4 2 5 2 4 8

% 76 2,4 1,6 3,2 1,6 4 1,6 3,2 6,4

N 106 19

% 84,8 15,2

Paraalémdocaju,asoutrasfontesderendimentodeorigemagrícolaconsideradas

significativaspelosinquiridosforamoarroz(2,4%)eoóleodepalma(1,6%).Na

categoria“Caju/Outro”encontram‐seoscasosemqueoagricultorconsiderava

equivalenteorendimentoobtidoapartirdavendadocajueumoutro,

nomeadamentevendadeamendoim(doiscasos),trabalhosdeelectricista(umcaso)e

vendademanga(umcaso).Porfim,nacategoria“Outros”foramincluídosoinhame

(Dioscoreasp.),queconsistenumtubérculocomestível;eacola(Colanitida),umanoz

156 É aqui incluída a troca de caju por géneros, nomeadamente por arroz de mercado.

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188

amargatradicionalmenteusadacomoestimulantenodia‐a‐diaeemcerimónias,cada

umrepresentando0,8%dototal.Doladodosrendimentosnãoagrícolasdestacam‐se

apescaartesanal(4%)eocomércio(3,2%).Seguem‐seasremessasdeemigrantes,

querepresentamaprincipalfontededinheiropara1,6%,edizemrespeitoaduas

famíliascommembrosemigradosemEspanha.Nacategoria“OutrosServiços”foram

incluídasasactividadesdecaçador,guiadecaça,alfaiate,madeireiro,carpinteiro,

produçãodecarvão,projectordefilmese“djambacuss”,oucurandeiro.

Paraosquedizemserocajuaprincipalfontederendimentofamiliar,esteassume

diferentesgrausdeimportâncianoorçamentoanual,quedepende,entreoutros

factores,dapossibilidadedediversificaçãodassuasactividades.

7.2.4AApostanaDiversificaçãodaProduçãoAgrícolaeaAdopçãodeEstratégiasdeMinimizaçãodoRiscodeInsegurançaAlimentar

Apercepçãodequeadiversificaçãoagrícolaépreferívelàespecializaçãonumsó

produtoparecegeneralizadaparaamaiorpartedosindivíduospresentesnoestudoe

emváriasconversasinformaisaolongodotrabalhodecampofoisugeridopelos

agricultoresqueadiversidadenaproduçãoagrícolaconfereresiliênciaàseconomias

familiares.EmBuduco,porexemplo(vercaixa2),ondeaconcentraçãodoesforçona

monoculturadecajutrouxeoproblemadeumadependênciaexageradadoproduto,

umdoshabitantesdiziaementrevistareconheceradiversificaçãodotipodecultivos

comoaestratégiamaisacertada.Defacto,apenas4%dosagricultoresinquiridos

decidiuespecializar‐senumasócultura,enquanto96%desenvolvemaisdoqueuma

actividadeagro‐alimentarcomopossívelfontederendimento.Dosagricultoresque

apostaramapenasnumacultura,trêsinvestiramnoarrozedoisnocaju,emboraos

últimosdesenvolvessemparalelamenteactividadesnãoagrícolascomofontede

rendimento:umcomoassalariadodecaçadoreseoutrocomocomerciante.Dototal

dosagricultores,79,8%investeemtrêsoumaisculturasparafontederendimentoea

percentagemdosqueinvestemempelomenosquatroculturaséde54%.Paraa

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189

amostraemgeral,amédiadeactividadesagro‐alimentaresédecercade3,72porcada

famíliaabordada,enquantoamodaéde4(27,4%dosinquiridos,N=34).Onúmerode

actividadesagro‐alimentaresresgistadasporfamíliaoscilaentreumaeoito(Figura

7.4).

Figura7.4Númerodeactividadesagro‐alimentaresdesenvolvidasporfamília(N=125).

Paraestaquantificaçãodoníveldediversificaçãoforamincluídasasactividadesmais

vezesreferidaspelosagricultorescomocapazesdegerarrendimento:Oscultivosde

arroz,caju,feijão,lima,laranja,banana,mandioca,cola,amendoim,milho,aprodução

deóleodepalmaeadestilaçãodevinhodecaju.Dosprodutosatrásmencionados,o

cajuéoqueémenosutilizadoparaconsumopróprio,epraticamentetodaaprodução

évendidapoucoapósacolheita.Ocultivodearroz,emborapraticadopor87,2%da

população,ésobretudousadoparaconsumopróprioeapenasumaminoriavende

partedasuaprodução.Todososrestantesprodutosfazempartedadietaehábitos

locaisecomfrequênciasãovendidos,normalmenteempequenasquantidades,

localmenteouparaoexteriordaregião.Contudo,opesodamaiorpartedestas

actividadesnoorçamentofamiliarébastanteinferioraodavendadecaju,eapenas7

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190

agricultoresdizemgeraramaiorpartedoseurendimentoapartirdeactividadesagro‐

alimentaresquenãoocaju(tabela7.2).

Excluindoaproduçãodearrozedecaju,praticadapelamaiorpartedaamostra,as

actividadesmaisimportantesparaosagricultoresentrevistadosemtermosde

rendimentosãoa(i)apanhadofrutodepalmeiraeaproduçãodeóleodepalma,

praticadaporcercade40%dasfamíliasenvolvidasnoestudo;(ii)produçãode

amendoim,porcercade40%dosentrevistados;(iii)cultivodelimaeaproduçãodo

seusumo157,porcercade23%;iv)destilaçãodevinhodecaju,por16%;v)produção

delaranja,por12%dosagricultores;vi)cultivodefeijão,por15%;vii)cultivode

mandiocaecola,ambospor8%dosagricultores;viii)demilho,por4,8%eix)banana,

cultivadaevendidapor2,4%(Figura7.2).Tambémfrequentemascommenorpeso

paraaseconomiasdageneralidadedosentrevistadoséocultivodabatata‐doce,

sorgo,tomate,abóbora,inhame,pepino,malagueta,cebola,manga,eaactividadede

pesca,entreoutrosdemenorexpressão.

Figura7.5Asdezactividadesagro‐alimentaresmaisusadascomofontesderendimentoparaa

populaçãoestudada(N=125).

Comojáreferido,diferentesactividadesagro‐alimentarespodemserdesenvolvidas

apenasparaconsumopróprioouparagerarexcedentesparatrocaouvenda,

157 Este é bastante importante na confecção dos alimentos a nível local, tendo sido observado na quase totalidade das famílias abordadas o seu uso, principalmente na confecção de peixe.

Óleo de PalmaAmendoim

LimãoVinho de caju

FeijãoLaranja

MandiocaCola

MilhoBanana

0

10

20

30

40

50

60

de

ag

ricu

ltore

s

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191

representandonoúltimocasodiferentesníveisdeimportânciaparaosagricultores

consoantequantidadesproduzidaseospreçosdosprodutos.Adiversificaçãodestas

actividadesminimizaoriscodeinsegurançaalimentardasfamíliaslocais,

particularmenteemperíodosdeinstabilidadedospreçosdecompradacastanhade

caju.Noentanto,avendadestacontinuaadeterumpapeldominanteparaamaior

partedasfamíliasenvolvidasnoestudo,emboracomdiferentespesosnaseconomias

familiarescomoilustramosexemplosqueseseguem.NumafamíliadaaldeiaBiafada

deKaur,porexemplo,comumnúmerodeactividadesagro‐alimentaresacimada

médiaeemqueváriosmembrossededicamàpesca,avendadecajutemaindaassim

umpesode53,5%noseuorçamentoanual,seguindo‐seapesca(14,4%),abatata‐

doce(9,4%),oamendoim(9%),oóleodepalma(8,9%%)eofeijão(4,8%)158.Nocaso

deumafamíliadeDarsalam,queapresentaonúmeromáximodeactividadesagro‐

alimentarescapazesdegerarrendimento,avendadacastanhadecajucontinuaaser

aprincipalfontederendimentoparaafamília,emboracomumpesomenordoque

paraamaioriadosentrevistados,com35,5%dototal.Paraestafamília,asegunda

fontederendimentoéavendadesumodelima(23,7%),seguidadadestilaçãode

vinhodecajueaguardente(9,5%),óleodepalma(9,2%),vinhodecaju(8,5%),

amendoim(5,9%),laranjaefeijão(3,6%).Setivermosemcontaossubprodutosdo

caju(vinhodecajueaguardente),noentanto,opesototaldocultivodecajusobepara

53,5%naeconomiadestafamília.

ParaumafamíliadeMadinadiRibacomumnúmerodeactividadesagro‐alimentares

inferioràmédiaeváriosmembrosemigrados,avendadecastanhadecajurepresenta

85%doseuorçamentoanual,seguidadoamendoim(12%)edofeijão(3%).Neste

caso,apequenaproduçãodeóleodepalma,laranjaesumodelimanãoorigina

excedentesparavendaoutroca,servindoapenasparaconsumo.JáemMissirá,por

exemplo,umadasaldeiasondeoshabitantessequeixamdafaltadeespaçopara

cultivodevidoàsobrelotaçãodosterrenoscompomaresdecaju,duasfamílias

afirmamdependerdavendadecastanhadecajuempertode100%doseuorçamento,

158 Os orçamentos familiares são baseados nas estimativas de rendimento que os agricultores afirmam obter para cada actividade referida. Quando os números oscilavam entre dois números foi utilizada a respectiva média.

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192

tentandonosmesesmaisdifíceisobterrendimentoapartirdarevendadevegetaise

tubérculoscomoamandioca,suficientesparacomprarpequenasquantidadesdearroz

maspoucosignificativosnoorçamentoanualtotal.

Entreosqueseespecializaramemactividadesnãoagrícolascomofontede

rendimento,ocajucontribuiaindaassimparaoseuorçamentoanual,comoparaum

carpinteirodaaldeiadeBedja,queemboraobtenha82%doseudinheiroda

carpintaria,recebeosrestantes18%apartirdavendadecaju.

Apossibilidadedediversificaçãodasactividadesagro‐alimentaresdeumafamíliaé

fundamentalparaaminimizaçãodoriscodeinsegurançaalimentarerelaciona‐secom

questõescomoadisponibilidadedemão‐de‐obra,acapacidadeinvestimento

individual,oacessoàterraediferençasbiogeográficasentreregiões159.Assim,uma

famílianumerosae/oucommenosmembrosmigrantesterávantagemsobreasque

verifiquematendênciainversa,podendocontarcomhomensejovenspara,por

exemplo,cortedofrutodapalmeira(Ellaeisguineensis)paraposteriorproduçãode

óleodePalma160;mulheresparafabricodesabão,pescacomrede,entreoutrotipode

actividades;criançasejovensparaavigilânciaeprotecçãodiáriadascolheitasem

amadurecimento,nomeadamentedepássarosemamíferos;ehomensparaos

trabalhosdequeimaecortedefloresta,nocasodasculturasitineranteseexpansãoe

manutençãodospomares,enocasodocultivodearrozdemangalparalevantamento,

reconstruçãoemanutençãodediques.Oacessoàterraétambémelefundamental

paraadiversificaçãodaapostadosagricultores,aumentandoadisponibilidadede

terrenoparaaapostanadiversidadehortícolaefrutícola(vercaixas1,2e3).

159 As diferenças de distribuição e abundância de espécies numa determinada área condicionam o seu uso como potencial fonte de rendimento. Por exemplo, uma área com grande abundância de palmeiras como é a zona Oeste da península do Cubisseco torna mais favorável aos seus habitantes a produção de óleo de palma, em contraste com regiões onde aquela é menos abundante, como na zona de Batambali, a Este. 160 Trabalho normalmente reservado às mulheres, e que consiste em pilar o fruto para extracção do suco e posterior cozedura para separação do óleo de palma. O óleo resultante pode ser consumido pela família, vendido localmente ou a pequenos comerciantes, que levam para venda nos centros urbanos, nomeadamente para Bissau

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193

Caixa3

Caso‐tipodasaldeiasdeBila,Louvado,CratoeGãMalam–Quandoosarrozaissedeterioramea

terradisponívelnãoésuficiente

Bila,Louvado,CratoeGãMalamsãoaldeiashabitadas

essencialmentepormembrosdaetniabalantaque

paraalisedeslocaramnoiníciodoséculoXX.Aose

estabelecerememQuínara,muitosimigrantesbalanta

fundaramaldeiasjuntoàsplaníciesaluviais,sujeitasà

influênciadasmarés,eondeomangaléoecossistema

dominante.Estetipodeambienteeralargamente

ignoradopelostradicionais“donosdochão”,osbiafada,cujaspráticasagrícolasnãoincluiamoseu

uso.Nessaszonas,osbalantainiciaramaconstruçãodediquesqueviriamaprotegervastos

arrozaisdasmarés,tornandoaregiãoumdosprincipaiscentrosdeproduçãoorizícoladaGuiné‐

Bissau.Noentanto,aindaduranteoperíodocolonial,assistiu‐seaoassoreamentodevárioscursos

deáguaquedrenavamaáguadoceacumuladadaépocadaschuvasepermitiamaentradadeágua

salgada,importantesparaamanutençãodaqualidadedossolosdosarrozais.Comoconsequência,

aproduçãodearrozcomeçouadecrescer.

Preocupadacomaquebranaprodução,aadministraçãocolonial,eposteriormenteogoverno

guineense,intervémnumasériedeintervençõesnatentativaderecuperaraprodutividade.No

entanto,estasintervençõestiveramoresultadoopostoaopretendido,epioraramasituaçãodo

escoamentodaáguadoceacumuladanaépocadaschuvas.OsarrozaisdeBila,Louvado,CratoeGã

Malamforam‐setornandomenosprodutivosdeanoparaano.Apopulaçãobalanta,largamente

dependentedocultivodoarrozdemangalcomofontedealimentoparatodooano,assimcomo

paraobtençãodeexcedentesqueeramtrocadosporoutrosbens,foiforçadaaencontraroutras

estratégiasdesubsistência.Naactualidade,oarrozqueumafamíliadestasaldeiascolheem

DezembroeJaneiro,asseguraaalimentaçãoapenasatéaoiníciodaépocadevendadocaju,em

Março,daqualpassaramadependeremparteparaacompradearroznomercado.

Estatransiçãodarealidadeeconómicadasquatroaldeiasiniciou‐seapartirdomomentoemqueo

cajuatingiaumbompreçoanívelinternacional(entrefinaldadécadade1980eprincípiodosanos

90),alturaemqueamaioriadestasfamíliasiniciouocultivodecajueiros.Hoje,todasasfamílias

possuemumpomardecaju.Asáreasdepomarnãosãonoentantodegrandesdimensões,devido

aopequenotamanhodoterritórioaquetêmdireitoequeosimpededeaumentarasáreas

cultivadascomaquelaespécie.Quandoosemigrantesbalantaseestabeleceramnaregiãode

Page 194: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

194

Quínara,aszonasinterioreseramjáutilizadaspelosbiafada,ficandoosprimeiros,salvoraras

excepçõescomoaaldeiadePobreza,apenascompequenasáreasdeflorestacedidaspelos

segundos.Comoresultado,amaiorpartedasfamíliasdeBila,Louvado,CratoeGãMalamnão

colhemaisdecercadeumatoneladadecajuporano,umaproduçãomuitoaquémdadosseus

vizinhosbiafada,possuidoresdepomaresmaisextensoseantigos.

Algunsbalantacontraemempréstimosdeterrenoscomvizinhosbiafada,quepossuemflorestaem

abundância.Acompradeumterrenoérarajáqueéumtabuparaosvaloreslocais.Noentanto,

noscasosemqueaconteceestepodeatingiros150milFCFA,ouatrocaporumavaca.

Outraestratégiaéalimpezadepomaresouterrenosdebiafadasparaquefiquemprontosparao

cultivodearroz,sorgooumilheto.Outraactividadecomuméaextracçãodeóleodepalma,que

vendemdepoisemBissau.Maisrecentemente,muitasfamíliasinvestiramemplantaçõesde

limoeiros,cujosumotemumpreçorelativamenteestávelnosmercadosguineenses.

Paramuitoshabitantes,noentanto,aescolhaacabaporseraemigração,contribuindoparaa

perdaacentuadadepopulaçãoqueseverificanestasaldeiasentre1960e2007.EmBila,onúmero

dehabitantespassoude240em1960para133em2007;emLouvadode238em1960para179

em2007eemGãMalamde317habitantesem1960para22em2007.

Emboraamonoculturadecajutenhasidoaprincipalapostaparaageneralidadedos

agricultoresentrevistados,diversosoutroscultivossãovistoscomoumaoportunidade

paramitigaradependênciadoprimeironaobtençãoderendimentos.Aolongodo

trabalhodecampo,váriosagricultoresmanifestaramvontadedeintroduzirou

aumentarosseuscultivosdelaranja,lima,manga,bananaecolacomocomplemento

oualternativaaocajudevidoàinstabilidadedospreçosdoúltimo.Algunsdestes

agricultorestinhamjánaalturadaentrevistaviveirosdasespéciesreferidas,osquais

desenvolveramapartirdesementescompradasouobtidasemtrocadetrabalho,ou

aindaguardadasdecolheitasanteriores.Convémfrisarque,comojáreferidoe

discutidonocapítulo6,osagricultoresdaáreadeestudonãosãoalvodequaisquer

apoiosporpartedasautoridades,apesardasúltimasinsistirememavisose

recomendaçõesreferentesàdiversificaçãodasactividadesagro‐alimentares

desenvolvidaspelosprimeiros.Assim,asestratégiasdesubsistênciaadoptadaspelos

agricultoressãoexclusivamenteasseguradasporestes,que,apesardeseremos

Page 195: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

195

responsáveispelaproduçãodaexportaçãoquemaiscontribuiparaoorçamentodo

estado,nãoobtêmdestenenhumretornoemformademedidasdeapoioaos

agricultoresouàproduçãoagrícolaemgeral.

Outraspossíveisfontesderendimentoquecontribuemparaasegurançaalimentardas

famíliassãoostrabalhosesporádicosquemuitoshabitantesrealizamnaregião,em

trocadedinheiroouarroz.Estestrabalhosestãonormalmenteligadosàsactividades

agrícolasmaisimportantes,comoaproduçãoorizícolaeamonoculturadecaju,e

consistemporexemplonoi)levantamentoemanutençãodediquesparaproduçãode

arrozdemangal;ii)nocorteequeimadeflorestaparaproduçãodearrozde

“pampam”,oudesequeiro;iii)nalimpezadospomaresdecaju,realizadatodosos

anosdevidoaorápidocrescimentodavegetaçãoeiv)colheitadacastanhadecaju.No

casodosdoisúltimos,osparticipantesrecebemmuitasvezesdodonodopomaruma

porçãodacastanhadecajuqueajudaramaapanhar,quedepoisvendemoutrocam

porarroz.Paraalémdostrabalhosagrícolas,outrasactividadesesporádicasque

podemconstituirumafontederendimentodizemrespeitoàconstruçãoe

manutençãodasresidências,comoofabricoartesanaldetijolosdebarro,aedificação

daresidência,asubstituiçãodostelhadosdepalhaacadatrêsanoseaindaa

substituiçãodepalhaporchapasdezinco.Estetipodetrabalhos,juntamentecoma

possibilidadedeofazersazonalmenteforadaregião,comoocasodemuitosjovens

quevãoparaBissau,constituemumaestratégiadeobtençãoderendimentos

normalmentereservadaaoshomens.Nocasodasmulheresémaiscomumofabricoe

vendadesabão,óleodepalma,vinhodecaju,sumodelima,pescacomredenos

mangais,entreoutrasactividades,cujosrendimentossãoparaafamíliaouparaelas

próprias.

OcasoespecíficodecontextoscomoodasaldeiasbalantadeBila,Louvado,CratoeGã

Malam,podeserespecialmentedifícil,devidoàindisponibilidadedeterras.Estas

aldeiasviramaproduçãodearrozcair,e,dadaasuaespecializaçãonaproduçãode

arrozdemangal(eportantonacosta)nãodispunhamdeterrassuficientesparaoutros

cultivos.Estasituaçãoforçaaquemuitosdosseushabitantesrecorramàs

comunidadesvizinhas,maioritariamentebiafada,demodoaimprovisarestratégiasde

Page 196: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

196

sustentoesubsistência.Umadasestratégiasusadaspelosbalantaparaultrapassar

estafaltadeterrenodisponíveléoempréstimodeterrenospelosvizinhosbiafada,

quepossuemflorestaemabundância.Aduraçãodousodoterrenoemprestadoé

geralmentetrêsanos,servindooprimeiroparaocortedeflorestaeocultivodearroz

juntamentecomsementesdecaju.Nosegundoenoterceiroano,quandoossolosjá

nãoservemparaocultivodearroz,ésemeadoamendoimentreospequenoscajueiros

enoquartoano,emqueojovempomarjáseencontramaisdesenvolvido,oterrenoé

devolvidoaodono,quevêassimaumentadaasuaáreadepomar.Acompradeum

terrenoérarajáqueéumtabuparaosvaloreslocais.Noentanto,noscasosemque

aconteceestepodeatingiros150milFCFA,ouatrocaporumavaca.

Umaestratégiadeobtençãoderendimentosnormalmenteprotagonizadaporgrupos

dejovensbalanta,éalimpezadepomaresouterrenosdebiafadasparaquefiquem

prontosparaocultivodearroz,sorgooumilheto,emtrocadaqualrecebemcercade

50milFCFAadistribuirpelosmembrosdogrupo.Outraactividadecomuméa

extracçãodeóleodepalma,quevendemdepoisemBissau.Maisrecentemente,

muitasfamíliasinvestiramemplantaçõesdelima,cujosumotemumpreço

relativamenteestávelnosmercadosguineenses.

Nasequênciadeumadiminuiçãodospreçosdecompradacastanhadecajuao

produtor,osmembrosdeumafamíliavêm‐seobrigadosaaumentarafrequênciae

quantidadedetodasasactividadesatrásreferidas,demaneiraapoderemcompensar

aquantiadedinheiroeessencialmentedearrozquenãopuderamobternaépocade

comercializaçãodacastanhadecaju.Outraactividadeconsideradamuitoimportante

pelamaiorpartedoshomensinquiridosé,comojáreferido,aapanhadofrutoda

palmeira(Ellaeisguineensis)paraposteriorproduçãodeóleodepalma.Paravárias

famíliasestaparecemesmoserafontederendimentomaisseguranocasodebaixos

preçosdacastanhadecajuoudemáscolheitasdearroz.Apardaexploraçãodeóleo

depalma,outrosrecursosflorestaisreferidoscomopotencialmenteimportantesem

casoderiscodasegurançaalimentarsãoaextracçãodemadeira,acaçaeaobtenção

deplantasmedicinaisou“mesinhosdeterra”emcrioulo.Ocorteevendademadeira

daespécieBorassusaethiopum,umapalmeiraconhecidapor“cibe”emcrioulo,

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197

constituiumaparteimportantedoorçamentoanualdepelomenosdoisindivíduos

entrevistados,quevendiamasuamadeiranaregiãoeparaBissau,ondeasuaprocura

paraconstruçãodecasaségrande.Osprodutosdecaçaealgumasplantasmedicinais

sãotambémvendidasparafora,comdestinoaBissaueoutroscentrosurbanos,alguns

noSenegaleGuiné‐Conacry.Ousodasespéciesflorestaisfoiváriasvezesreferido

peloslocaiscomoessencialnasalturasdemaioresdificuldadesepermiteconfirmara

importânciaestratégicadosserviçosconferidospelosecossistemasflorestaisparaa

subsistênciadapopulaçãodaáreadeestudoemsituaçõesdeflutuabilidadedepreço

decaju.

Naturalmente,qualquerdestasactividadesimportantesparaasegurançaalimentar

familiarpressupõeaexistênciademão‐de‐obrasuficienteentreosmembrosda

família,epodeseratribuídaemparteaocrescenteêxodoruraladificuldadeque

muitasfamíliassentemnapossibilidadedediversificaçãonãosódasactividadesagro‐

alimentaresdesenvolvidasmastambémdeoutrotipodeestratégiasdeobtençãode

rendimentosearroz.

Arelaçãoentreadisponibilidadedemão‐de‐obraeacapacidadedediversificara

produçãoagrícolaegerarrendimentoséumtemaimportantenoestudodasegurança

alimentardequalquerpopulação,edeveporissoserabordadodeformacuidadosa.

Duranteafasedetrabalhodecampo,diversasquestõespuseramemcausaou

dificultaramarecolhadedadosrelativosàquantificaçãodamão‐de‐obradisponível

paracadafamília,algumasdasquaisdetectadasapenasapósoiníciodoestudo.Destas

questões,asmaisimportantesserãoi)aconfusãoderivadadoconceitode“agregado

familiar”usadoporcadaentrevistado,umasvezesconsideradonosentidoestrito,o

“fogon”,eoutrasnumsentidomaislato,a“moransa”161;ii)avariabilidadedecritérios

deinclusão/exclusãodedeterminadosmembrosdafamílianacategoriade“mão‐de‐

161 As expressões em crioulo de fogon e moransa podem ambas ser consideradas sinónimo do conceito de agregado familiar. Enquanto fogon diz respeito à unidade familiar mais directa, literalmente “os que comem do mesmo fogão”, moransa diz respeito a uma unidade familiar num sentido mais alargado, que inclui vários fogon relacionados entre si por relações de parentesco próximas, por exemplo todos os netos de um determinado indivíduo podem estar divididos em vários fogon, mas constituir juntos uma moransa. A dificuldade durante o trabalho de campo prendeu-se com a dificuldade em distinguir quando é que um dos conceitos era privilegiado em relação ao outro, para além de que em alguns casos a mão-de-obra disponível para trabalhos agrícolas provinha principalmente do fogon e noutros casos a cooperação entre os membros da moransa era mais importante.

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198

obradisponível”conformeastarefasqueosentrevistadostiveramemcontano

momentodaentrevista162;iii)aperspectivadequeonúmerodeindivíduos

consideradoscomomão‐de‐obranãodeveservistodemaneiraisoladadaquantidade

deelementosdafamília,ouseja,donúmerodepessoasquedelesdependepara

alimento,difícildecalculartendoemcontaograndenúmerodecriançase

adolescentes,assimcomoapresençairregulardehóspedes;iv)aexistênciade

membrosemigradosnoutrasregiõeseemBissau,algunsdosquaisregressamapenas

naépocadostrabalhosagrícolasmaisintensivos,emborademaneirairregulare

imprevisível;v)aimportânciadaentreajudaesolidariedadeentreunidadesfamiliares,

queédifícildequantificarepodedependerdaestruturasocialdeumadeterminada

comunidade,queparecediferirentrelocalidadesdistintas;efinalmentevi)a

possibilidadedecontratartrabalhadoresassalariados,quedependedaexistênciade

rendimentosoudeprodutosparatrocanumdadoano163.

Asquestõesacimaenumeradascomplicamaaplicaçãodeumconceitoestritode

“mão‐de‐obradisponível”noprocessodequantificaçãodamesma,eparaultrapassar

aslimitaçõessentidasaolongodotrabalhodecamposeriaprovavelmentenecessário

umperíododepermanênciamaislongojuntodecadafamília,demodoamelhor

entenderasparticularidadesdarelaçãoentremão‐de‐obradisponívelesegurança

alimentar.

Nogeral,noentanto,osdepoimentosepercepçõesdegrandepartedosinquiridos

indicamqueaáreadeestudoestásujeitaaumacrescenteescassezdemão‐de‐obra,

queafectanegativamenteadiversificaçãodaproduçãoagrícolaeaauto‐suficiência

emarroz,abasealimentardapopulaçãolocal.Emboraosdadosrecolhidosnão

permitamanalisarestarelaçãoparticulardeummodomaisquantitativo,emcertos

162

Oscritériosreferidosdizemrespeitoadiferençasetáriasedegéneroentreosmembrosfamiliares.Seporexemploasmulheresecriançassãoincluídoscomomão‐de‐obraparamuitastarefasimportantescomoavigiadoscamposagrícola,jánãoosãoparaastarefasmaisárduascomoocorteequeimadeflorestaeaelaboraçãodediquesparaaculturadearrozdemangal.

163 Embora por um lado a existência de rendimentos se relacione também ela própria com a disponibilidade de mão-de-obra, há situações em que uma fonte de rendimento que exija pouco trabalho, como um pomar de caju, pode assegurar a possibilidade de contratar trabalhadores para outras tarefas. É o caso de uma idosa que vive sozinha em Gandjimba, por exemplo, a qual troca parte da produção do seu pomar pelo trabalho de limpeza do próprio e pela produção do arroz que necessita.

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199

casosfoipossívelumcontactomaisprolongadocomalgumasfamílias,permitindouma

compreensãomaisampladassuasdinâmicassocioeconómicasediminuindooriscode

enviesamentodainformação.Seguidamenteapresentam‐seosexemplosdealgumas

destasfamílias,paraasquaisaobservaçãodirectaeparticipativafoidecisivana

recolhadedadosmaiscredíveissobrearelaçãoentremão‐de‐obraesegurança

alimentar.

Umafamíliacom40membrosdeGanáfa,porexemplo,possuidozehomenscom

capacidadeparadesenvolvertarefasqueexigemgrandeesforçofísicoenenhumdos

seusmembrosseencontraemigrado,oquenãoédetodocomumnaáreadeestudo.

Estafamíliadesenvolveseisactividadesagro‐alimentarescapazesdegerar

rendimento,entreelasocultivodecaju,laranja,limaecola,easactividadesdefabrico

deóleodepalmaepesca.Porhavermão‐de‐obrasuficiente,sãoanualmente

realizadososcultivostantodemangalcomoitinerantedearroz,semnecessidadede

contratarassalariadosoudedependerdeajudaalheia.

Outrafamília,com12membroseresidenteemGantchuma,contaapenascomtrês

homenstrabalhadoresecercadesetemembrosemigrados.Estafamíliamantémos

cultivosdecaju,laranjaefeijãoeasactividadesdefabricodeóleodepalmaecortede

madeiraparaconstrução.Contudo,foramforçadosadesistirdocultivodearrozde

mangal,pois“nãotêmforçadetrabalhosuficiente”paraumaculturaqueexija

tamanhoesforço.Segundoochefedefamília,desdequeabandonaramocultivode

arroztêmsentidodificuldadeemassegurartodooalimentonecessáriojáque“os

rendimentosdavendadocaju,aprincipalfontederendimento,sógarantemarroz

paracincomesesdoano[…]equandoopreçodocajudesce,vemafome”.

UmafamíliadeKaurdiRibacomseteelementos,dosquaisapenasdoissãocapazesde

trabalhosexigentes,dependedosrendimentosdocajuedaactividadedecarpintaria

levadaacabopelochefedefamília.Osdiquesqueprotegiamoseuarrozdemangal

deterioraram‐sehácercadeseisanos.Semcapacidadedeosrecuperareretomara

produçãoorizícola,estafamíliadependeagorainteiramentedavendadecajueda

carpintaria.

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200

EmNema,umaaldeiaondeocajuéextensivamentecultivadodesdeadécadade

1970,oshabitantestêmvistoaproduçãodearrozdiminuir,oqueatribuemàfaltade

mão‐de‐obra,pragas,climaeassoreamentodealgunslocaisdeproduçãoorizícolade

mangal.Umafamíliacom18membros,4dosquais“têmidadeparatrabalhar”,tem

sentidodificuldadeemassegurarumaquantidadesuficientedearrozaolongodoano.

Paraalémdocaju,écultivadaalimaefeitaaextracçãodeóleodepalma.Emboraseja

realizadaaculturadearrozitinerante,estanãotemsidosuficientepoisé“menos

produtivaqueademangaletemsidomuitoatacadapelaspragasanimais”.Ochefe

destafamíliadeNemachegamesmoaafirmarque,nãotendocapacidadede

recuperaraproduçãodearrozdemangalesemmeiosparasedefenderdaspragas‐

“asoluçãoterádepassarpeloaumentodospomaresdecaju,semosquais

morreríamosdefome”164.

NaaldeiadePobreza,porseuturno,aproduçãoorizícolademangalfoisemprede

extremaimportância,eosexcedentesdeproduçãoeramvendidosemváriasaldeias

daregião.Contudo,apopulaçãodiminuiudeformasignificativa,levandoaprodução

dearrozacairdrasticamente.ComorelataumidosodePobreza,comváriosfilhosa

residiremBissau:“notempoantesdocajulavrávamosmuitoarrozevendíamosmuito

também,agorajánãorestaforçadetrabalhoeporvezesmalchegaparacomer”165.

7.2.5CréditoInformal–AÚltimaEstratégia

Quandoasegurançaalimentarépostaemcausadevidoàfaltademão‐de‐obra,baixos

preçosdacastanhadecajuoumáscolheitasagrícolaseasolidariedadelocalnãoé

suficienteparagarantiralimentoparatodaafamília,muitoshabitanteslocaisvêem

comoaúltimaestratégiapossívelocréditoinformalsobaformadecontracçãode

dívidasdesacosdearrozparacomoscomercianteslocais.Nãoexistemnopaís

instituiçõesqueproporcionemoacessogeneralizadoaocréditoformaleasegurospor

164 Entrevista realizada em Nema, a 28 de Novembro de 2009 165 Entrevista realizada em Pobreza, a 12 de Novembro de 2009

Page 201: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

201

partedeprodutoresouatécomerciantes.Comoéocasodemuitasoutrasregiõesde

paísesemdesenvolvimento,emQuínarasãoospequenoscredores(normalmente

comercianteslocais)queproporcionamcréditosinformaisparacompradearrozem

situaçõesdeinsegurançaalimentar.Estaéumapráticareportadaporvários

entrevistados,naqualoscomerciantespedemumvalormaisaltoporquilogramade

arrozqueédepoiscobradoemdinheiroouemcastanhadecajunasuaépocade

venda.Ocréditoéproporcionadoacimadetudopeloscomercianteslocais,quegeram

rendimentosatravésdassuaspequenaslojas.Noentanto,muitoscomerciantes

recebemporsuavezcréditodeimportadoreseexportadoresdecaju,paraquena

épocadevendaopossamcompraraonívellocal,formandomuitasvezesumacadeia

desdeoimportadoratéaopequenocomerciante.Estecréditoémuitasvezes

fornecidoemformadearroz,paraserdepoistrocadoporcajucomoprodutor.O

créditoinformaléregrageralatribuídonabasedoconhecimentopessoal,ondese

estabeleceumarelaçãocontínuanotempoentreoprodutoreocomerciante(Ray

1998:540).Éaindadereferirointeressedocomerciantelocalnaatribuiçãodecrédito

sobaformadearrozqueédepoiscobradoemcaju,jáqueacompradoúltimoéuma

actividadeemqueestãoenvolvidospraticamentetodososcomercianteslocais.A

diferençaentreosjurosatribuídosconsoanteocredorpodeserdevidaafactores

comoomonopóliolocaldeumdeterminadocredoreoriscoelevadodocréditoque

faculta(impossibilidadededevoluçãoporpartedoprodutordevidoamáscolheitasde

caju,porexemplo)(Ray1998:544).Emboraorecursoacréditopossaresolver

problemasgravesdeinsegurançaalimentaracurtoprazo,adependênciadocredore

dassuascondiçõespodeoriginarcondiçõesdetransacçãoadversasalongoprazo.

Devidoàpráticadesregradadaatribuiçãodecréditoinformal,osprodutoreslocais

ficamámercêdascondiçõesdosseuscredoresepodemseralvodeabusosporparte

doscomerciantescomquemcontraemcrédito.

ComorelataumamulherdeMissirá,porexemplo,asuafamíliacomeçouapedirarroz

emprestadoemDezembroaumcomerciantedeEmpada,devidoaosmausresultados

dascolheitasdearrozeàfaltadeoutrasalternativasparaobtençãoderendimentos,já

queamaiorpartedafamíliaemigrouparafora.Osseissacosde50kgquepediu

emprestadosforamdepoiscobradospelocomerciantelocalemcastanhadecaju,na

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202

proporçãode1:5quandoorácionormalsesituaentre1:2a1:3.Assim,parapagaros

300kgdearrozemprestados,afamíliatevedeceder1500kgdasuaproduçãode

castanhadecaju,trêsquartosdototaldeduastoneladas.UmhomemdeMadinadi

Riba,porseuturno,contraiutambémdívidasquesaldoucomcastanhadecaju,desta

veznaproporçãode1:4,5kg.Estafoitambémaproporçãoimpostaaumhomemde

Bedja,quedevidoaosaltosjurosdiznãoconseguirpedirmaisdoqueumsacode50kg

dearrozemprestado,oqueimplicaracionarasquantidadesdiáriasatéàépocade

vendadecaju.Omesmoacontececommuitosoutrosagricultoresdaáreadeestudo,

emboraalgumasvezescomjurosmenosaltos,oqueparecedependerdocomerciante

comoqualaquelessãonegociadoseovolumedasdívidasacumuladas.Emboraa

contracçãodedívidassejaumaestratégiadeemergência,estaéaparentemente

comumnaáreadeestudo,particularmenteentrefamíliascomumabaixa

disponibilidadedemão‐de‐obraeumaproduçãoorizícolaedecajuinferioresàmédia,

oquepõeemevidênciaoelevadoriscodeinsegurançaalimentaraquegrandeparte

dapopulaçãolocalestaráexposta.

Noseiodestainteracçãodequestõesquecondicionamasegurançaalimentardas

famílias,asuacapacidadederespostaencontra‐sefortementedependentede

factorescomoaquantidadedemão‐de‐obradisponíveleaconsequentepossibilidade

dediversificaçãoagrícolaeeconómica.Énestecontextoqueamonoculturadecaju

surgenasúltimasdécadascomoumapotencialestratégiadesubsistênciaparaosque

viramasuacapacidadederespostalimitadaperanteaameaçadeinsegurança

alimentar,comoseveráaseguir.

7.3AImplementaçãodaMonoculturadeCajuemQuínara:TendênciasEntreosAgricultoresInquiridoseasuaInserçãonosCircuitosdeComercialização

7.3.1EvoluçãodaAdesãoàMonoculturadeCajueiros

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203

DeacordocomoBancoMundial(2010:70),85%dapopulaçãoguineenseestá

envolvidanaproduçãodecaju.ParaaamostradeQuínara,amesmapercentagemé

de97,6%(N=125).Estaesmagadoraadesãoaocultivodamonoculturadecajuna

regiãointensificou‐seapartirdadécadade1970,impulsionadapelasubidadepreços

decompraaoprodutor.Deformagradual,aquasetotalidadedosagricultoresda

amostraadoptouocultivodecaju,emboraocomportamentodasdiferentesetnias

relativamenteàadesãoàmonoculturafossedistinto(Figura7.7).

Figura7.7Númerodeagricultoresporetniaepordécadadeadesãoaocultivodecaju

(N=117).

Seconsiderarmosaamostracomoumtodo,atendênciadeadopçãodocultivodocaju

écrescenteentreadécadade1970(N=26)e1980(N=36),atingeopiconosanos1990

(N=38),edecrescedepoisparaoseumínimonadécadade2000(N=17).Paraaetnia

Biafada,adécadaemquemaisfamíliasiniciamaplantaçãodecajuéade1970

(33,3%),eobserva‐seumatendênciadecrescenteatéaomínimo,nosanos2000

(7,8%).Porseuturno,aetniaBalantasócomeçouaaderircommaiorexpressividade

nosanos1990,alturaemqueaplantaçãodenovospomaresatingeoseupico,com

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204

48,4%plantadosnessadécada.Aetniachegaaosanos2000comomaiornúmerode

adesõesentreosrestantesgruposétnicos,e29%dospomaresdeagricultoresBalanta

foramplantadosnessaépoca.Nacategoria“Outros”estãorepresentadasasetnias

Mandinga,Papel,Mancanhe,Manjaco,BijagóeFula,cujosnúmerossãoinsuficientes

parainferirasrespectivastendênciasdecomportamento.

Odeclíniogeraldatendênciadeaparecimentodenovospomaresnaúltimadécada

podeseratribuídoaofactodequepraticamentetodososagricultoresjápossuemum.

Dospomarescujaplantaçãoérecente,algunspertencemafamíliasBalantaqueviram

asuaproduçãodearrozreduzidanosúltimosdezavinteanos,comonaaldeiade

Pobreza,enquantooutrossãodehomensjovensemulheres166detodasasetniasque

iniciamagoraasuaprimeirahorta.

Umadasquestõesqueestaránaraizdadiferençaderapideznaadesãoaocultivode

cajuentreetniaséosistematradicionaldegestãodeterra,quedifereentreosgrupos

étnicos.Defacto,sãoessencialmenteasdiferençasentreossistemasdeproduçãodas

duasprincipaisetnias,biafadaebalanta,nomeadamenteemtermosdeprodução

orizícolaepossedeáreasflorestais,quevãodeterminarasrespectivasdisparidadesde

tendênciadeadesãoaocultivodecajuqueseobservamnafigura7.7.Osbiafada,por

seremconsideradososprimeiroshabitantesdeQuínara,sãosegundoahistóriae

tradiçõeslocaisos“donosdochão”(vercaixa4),oquelhesconfereapossetradicional

daterra,emboraestanãoimpliqueoconceitodepropriedadeemtermoslegais.Os

biafadafixaram‐sesobretudonaszonasinterioresdeQuínaraeobtêmhojeporisso

umacessoprivilegiadoamaioresáreasdefloresta,oqueoslevouaserosprincipais

pioneirosnaintroduçãodocultivodamonoculturadecajunaregião.Aetniabalanta

chegouposteriormente,einteressavam‐seacimadetudopelaszonascosteiras,onde

podiamrealizarocultivodearrozdemangal,ummétododeproduçãodoqualainda

hojesãoosprincipaisdetentores.Comconsentimentodosbiafada,osbalantafixaram‐

166 Várias mulheres que ficaram sozinhas na aldeia começam a plantar pomares em zonas de savana, quando existente, onde o esforço de cultivo é consideravelmente menor relativamente ao corte e queima de floresta para o mesmo propósito. Vários agricultores disseram ainda que é mais comum agora as mulheres possuírem um pomar de caju, o que provavelmente pode constituir uma tendência de abertura para uma maior liberdade de economia individual para as mulheres, normalmente dependentes dos homens.

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205

senascostasdaregião,dispondodevastaszonasdemangal,embora,emgrande

partedoscasos,comacessolimitadoàszonasflorestaisedesavana.Devidoàelevada

produçãodosmétodosdecultivodearrozemmangal,osbalantastornaram‐seassim

nosprincipaisprodutoresdearrozemQuínara,eaindahojesãoogrupoqueconsegue

maiorauto‐suficiêncianaproduçãodocereal.Emresultadodeumamaiorauto‐

suficiênciadearrozeumamenordisponibilidadedezonasflorestais,osbalantasnão

terãotidonemamesmanecessidadenemasmesmascondiçõesqueosbiafadana

adesãoaocultivodecaju.Noentanto,tambémosbalanta,quedependiamda

produçãoorizícolaparaobtençãodealimentoerendimento,viramasuaactividade

ameaçadapelaforteemigraçãodemão‐de‐obraentreoutrasquestõesjáreferidas,

podendoentãotervistoaplantaçãodepomaresdecajucomoamelhoremaissegura

estratégiaparaasuasubsistência.Naactualidadesãorarasasfamíliasbalantaquenão

possuemumpomardecaju.Emboraemgeraldetentoresdemenoresáreasdeterra

paracultivo,adiversidadedesituaçõeséamplaentreapopulaçãobalanta,eenquanto

naaldeiadePobrezaadisponibilidadedeterraégrande,noutrasaldeiascomoBila,

Louvado,CratoeGãMalamestaédiminuta,oquelevamuitosagricultoresarecorrer

aempréstimosdeterraaosbiafadaentreoutrasestratégias,descritasanteriormente

nacaixa3.

Caixa4

Aproduçãodecajudosbiafada–Avantagememseseros“donosdochão”

Comojáreferido,osbiafadasãoostradicionais“donosdochão”daregião,tendoporissodireitos

privilegiadossobreaterra.Comoresultado,grandepartedasflorestasdeQuínarapertencea

biafadas,emboraosúltimosnãoconstituíssemamaiorpartedapopulaçãonaalturadosúltimos

censos,em1979.

Semfaltadeterrenoparaexpandirassuasáreasdecultivo,éemaldeiasdemaioriabiafadacomo

BuducodiRiba,Bodjol,MadinaeBrandãoqueseencontramosmaiorespomaresdecajudaregião.

Agrandedisponibilidadedeterrasincentivouaadopçãodocultivodecaju.Acolheitadecajupor

umafamíliadeumadestasaldeiaspodechegaravinteoutrintatoneladasporépoca,muitoacima

dos valores verificadospara aldeias comumamaioria nãobiafadaouonde a implementaçãode

Page 206: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

206

pomares tenha sido mais tardia ou constrangida por falta de terrenos disponíveis. Foi também

nestapartedeQuínaraqueosprimeirospomaresdecajucomeçaramasersemeados.Aexpansão

dospomaresdecajuemalgumasaldeiasbiafadadeu‐seaindaantesqueesteapresentassepreços

demercadovantajosos,nomeadamentedevidoàproduçãode“vinhodecaju”apartirdapolpado

fruto,queosbiafadasutilizavamparatrocarpeloarrozproduzidopelosbalantas.

Namaiorpartedoscasos,apopulaçãodasaldeiasbiafadanãosededicaaocultivodearrozde

mangal.Oshomensdedicam‐sesobretudoàculturaitinerantedearroz,sorgoemilheto.No

entanto,eapesardaproduçãodearrozocupartradicionalmenteumlugarcentralnossistemasde

produçãoagrícoladosbiafada,sãorarososcasosemqueoarrozcolhidoasseguramaisdequatro

mesesdaalimentaçãofamiliar,obtendoorestomaioritariamentecomosrendimentosdavenda

docaju.Numesforçodediversificaçãodassuasactividades,algumasfamíliasinvestiramtambém

naproduçãodemanga,laranja,lima,entreoutrasfrutas,emboracomganhospoucosignificativos

paraoseuorçamentoanual.

Osproblemascomunsaorestodapopulação

Pioneirosnaadesãoàmonoculturadecajuedispondodevastasáreasdefloresta,muitasaldeias

biafadapuderamcultivarosmaiorespomaresdeQuínara,ecolhemhojeumvolumedecastanha

decajuporfamíliasuperioràmédiadamaiorpartedaregião(tabela7.3).Noentanto,oproblema

socioeconómicomaisreferidocontinuaaseromesmoparaamaiorpartedasaldeiasdeQuínara:a

faltademão‐de‐obra.Aemigraçãodosjovensparaacidadeeaidadascriançasparaaescola,força

aqueactividadestradicionalmenteexecutadasporjovens,comoavigiadoscamposagrícolas,seja

agoralevadaacaboporpessoasmaisvelhas,muitasvezesidosos.Actualmente,asaldeiasde

territóriomaisreduzidovêemosterrenosaescassear,impedindoosmaisjovensdeinstalarnovos

pomares.Aomesmotempo,florestasqueseriamdeixadasempousiopararecuperaraqualidade

dossolosantesdeumnovocultivodearroz,sãoocupadasporcajueiros,normalmentesemeados

aomesmotempoqueocerealequeroubamassimespaçoimportanteparaociclotradicionalde

agriculturaitinerante.Nestasaldeiaspode‐seouvirafrase“quandoacabaraflorestadedicamo‐nos

aocultivodeamendoim,mandiocaebatata‐doce”,cultivosqueaocontráriodoarroznãose

desenvolvempreferencialmenteemsolodeflorestaconvertidaepodemserrealizadosemsavana.

7.3.2AEstruturadaProduçãoLocaleaComercializaçãodaCastanhadeCajunaPerspectivadoAgricultor

Page 207: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

207

Umaconsequênciaaparentedavariaçãonarapidezdeadesãoaocultivodocaju

consoanteogrupoétnicoéopadrãodeproduçãodasdiferentesetnias,

nomeadamentenasquantidadesdecastanhadecajuproduzidaporfamília(Tabela

7.3).Paraestaquantificaçãoforamapenasutilizadososdadosdosagricultoresque

souberamquantificaremsacosouemtoneladas(N=103)aproduçãodecastanhade

cajudasuaúltimacolheita,noanode2009,sendoexcluídosaquelesquenãosabiam

dizerotamanhodasuacolheitaeaindaosquetinhamumpomarjovemqueaindanão

produzia.Natabelanãoforamapresentadososcálculosdamédia,desvio‐padrão,

máximoemínimoparaasetniasMancanhe,MandingaeFula,porapresentarem

númerosmuitoreduzidosdeindivíduos.Devetambémserfrisadoquearepresentação

dasetniasPapel(N=13),Bijagó(N=6)eManjaco(N=6)édemasiadopequenaparase

tiraremilaçõesrepresentativassobreospadrõesdeproduçãodecastanhadecaju

paraestesgruposétnicos.

Tabela7.3Padrãodeproduçãodecastanhadecajuconsoanteogrupoétnico,emtoneladas

porprodutor(N=103).

Total

(N=103)

Balanta

(N=24)

Biafada

(N=49)

Papel

(N=13)

Bijagó

(N=6)Manjaco(N=6)

Média 2,16 0,98 2,89 1,22 1,15 3,46

DP 2,42 0,8 3,01 0,77 0,98 2,7

Máximo 20 3,6 20 3 3 8

Mínimo 0,15 0,25 0,3 0,15 0,4 1,25

Paraototaldaamostraconsiderada(N=103),amédiaéde2,16toneladaspor

produtor,comumdesvio‐padrãode2,42.OsagricultoresBiafadatêmamédiade

produçãodecastanhadecajuemtoneladasporprodutormaiselevadadaamostra

(Média=2,89toneladas),emboraapresentemtambémomaiordesvio‐padrão

Page 208: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

208

(DP=3,01),oquemostraagrandevariedadedetamanhodaproduçãoentreos“donos

dochão”.Estavariaçãopodedever‐seadiferençasnasdatasdeimplementaçãodo

pomar,sendoqueosquepraticamocultivodecajuhámaistempopuderamaumentá‐

logradualmente,oqueconstituiomododeprocedermaiscomumjáquesetornaum

investimentodifícilaplantaçãodepomaresdegrandesdimensõesdeumasóvez.

OutraquestãoéadequealgumasaldeiasBiafadapossuemterritórios

substancialmentemaioresqueoutras,muitasvezesdevidoaconstrangimentos

geográficos,etambémdiferençasaoníveldaquantidadedeáreapropíciaaocultivo

decajudisponível.OsagricultoresBalanta,porseuturno,possuemumaprodução

relativamenteinferior(Média=0,98toneladas),eodesvio‐padrãomaispequeno

depoisdosPapel(DP=0,8),oquepodeestarrelacionadocomofactodequea

desigualdadenasdatasdeimplementaçãodenovospomaresnãoétãograndeea

maioriadosseuspomareséaindajovem.

Amaioriadosinquiridosassociaavendadacastanhadecajuàsuaprópriasegurança

alimentareodestinodasuaproduçãoéemgrandeparteatrocadirectaporarrozcom

oscomerciantes(Tabela7.4).

Tabela7.4Destinodaproduçãodecastanhadecaju:Trocadirectaporarrozoudinheiro

(N=125).

Trocadecajuporarroz(%)

<50% >50% 100%

Apenaspor

dinheiro Semresposta

N 18 44 36 6 21

% 14,4 35,2 28,8 4,8 16,8

Comoexpostonafigura7.4,apenasumaminoriadosagricultoresinquiridos(4,8%;

N=6)escolhetrocaratotalidadedasuaproduçãodecastanhadecajupordinheiro,ea

Page 209: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

209

maioria(78,4%;N=98)trocapelomenospartedelaporarrozcomoscomerciantesque

sedeslocamàsaldeiasduranteaépocadevendadocaju.Oarrozpeloqualaprodução

decajuétrocadaépraticamentesempredeorigemestrangeira167etrazidapor

comerciantes,jáqueoarrozproduzidoanívellocalénasuagrandemaioria

consumidopelosrespectivosprodutores,numaépocaemquepoucosdestes

conseguemgerarexcedentescomercializáveisdearroz.

Daamostra,35,2%(N=44)dosprodutoresdissetrocarentre50%e99%dasua

produçãodecajuporarrozenquanto28,8%(N=36)dosinquiridosafirmoufazê‐locom

todaasuaprodução,oqueperfazumtotalde64%(N=80)deprodutoresquetroca

pelomenosmetadedasuaproduçãodecastanhadecajuporarroz.Osdadosobtidos

parecemcontrariaraafirmaçãodeCamará(2007:17)dequeparaQuínaraonúmero

deagricultoresqueescolhetrocarasuaproduçãodecastanhadecajupordinheiroé

maiselevadadoqueaquelesqueofazemporbensdeprimeiranecessidade,que

segundooautorsesituaapenasnos15,6%.Estesnúmerospodemconstituirum

indicadordecomoatrocadacastanhadecajuporarrozsetornouumaactividadede

extremaimportânciaparaasegurançaalimentarlocal.

Oarrozusadoparatrocaétrazidopeloscomerciantesduranteosmesesdevendado

caju,aproveitandoofactodequeaobtençãodearrozéaprincipalpreocupaçãopara

agrandemaioriadasfamíliasdeagricultores.Deacordocomalgunsinquiridose

informaçãorecolhidadeváriasconversasinformaisaagricultores,comerciantese

outraspersonalidadestantoemQuínaracomoemBissau,atrocadecastanhadecaju

porarrozéextremamentevantajosaparaoscomerciantes.Segundotestemunhosea

imprensalocal,osimportadoresdearroz,quenasuamaioriaéimportadodaÁsiaou

atéprovenientedaajudainternacional,sãoporvezesosprópriosexportadoresde

caju,outrabalhamcomestesemestreitacooperação,responsáveismuitasvezespela

elevadaespeculaçãodocerealnavendaanívellocal168.Oarroz,adquiridoemgrandes

quantidades,écompradoapreçosrelativamentebaixosemcomparaçãoaospreços

praticadoslocalmente,econstituiumnegóciomuitolucrativoparaumgruporestrito

167 Do arroz disponível no mercado, apenas uma pequena porção é de produção nacional, sendo o restante importado de países como a Tailândia, Vietname ou China. 168 Diário de Bissau, 12 de Agosto, 2006; Nô Pintcha, 5 de Fevereiro, 2009

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210

depessoas,comoafirmaopróprioministrodaagricultura(em2001)numaentrevista

aoDiáriodeBissau169.Oministrochegaaindaaafirmarduranteaentrevistaque

“estesgrandescomerciantes,muitasvezespolíticosouex‐políticos,nãoquiseramdar

incentivosàproduçãolocaldearroz,demaneiraanãocolocaremcausaosseus

negócios”.Depoisdeimportado,ocerealétransmitidoaospequenoscomerciantes

distribuídosportodaaGuiné‐Bissau,quetrabalhamdirectaouindirectamenteparaos

grandescomercianteseexportadoresdopaís,paraqueosprimeirospossamvender

localmenteoutrocaroarrozporcastanhadecajucomospequenosprodutores.De

acordocomaperspectivadosagricultoreslocais,acomercializaçãodacastanhade

cajujáfoibastantemaisvantajosadoquenopresente.Segundoosinquiridos,os

preçosdecompradacastanhapraticadospeloscomerciantestêmdescidoaolongo

dosúltimosanos.Atrocadearrozporcastanhadecajuchegouasernaproporção170

de1:1,porexemploem2002,hojeonúmeroéde1:2,1:2,5oude1:3,eemalguns

casosaindamenor.Nocasodaexistênciadedívidasparacomocomerciante,comojá

seviu,oprodutorchegaaindaarealizaratrocanaproporçãode1:4,5ou1:5.

Apesardetudo,aépocadevendadocajucontinuaaservistapelosprodutorese

populaçãolocalemgeralcomodeextremaimportânciaparaaeconomialocal.De

facto,otempoda“campanha”,comoélocalmentereferidooperíodode

comercializaçãodecajuequenormalmenteseestendedofimdeMarçoatéJunho,é

quandoháumapercepçãodemaiorabundânciaderendimentosealimentospela

populaçãoedaspoucaspartesdoanoemqueoconsumodiáriodearroznãoé

racionado.Acomercializaçãodacastanhadecajuépraticamentetodafeitanoperíodo

de“campanha”,poisascondiçõesdearmazenamentolocaisnãopermitemasua

acumulaçãodepoisdoiníciodaépocadaschuvas,entreofimdeMaioeoprincípiode

Junho,quemarcaofimdaépocadevenda.Paramuitosinquiridosénestaalturaquea

suasegurançaalimentarestámaisgarantidaequeconseguemobterarrozeoutros

alimentoscomopeixe,carne,óleodepalma,cebolaentreoutros,emmaior

quantidadequenorestodoano.Écomumouviraexpressão“arrozdecampanha”

169 Diário de Bissau de 19 de Julho de 2001, nº 377, p. 6-8 170 As proporções referem-se às quantidades trocadas, uma vezes relatadas pelos agricultores em sacos e outras em quilogramas.

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211

quandosefaladostiposdearrozqueumagricultorobtém,apardo“arrozde

pampam”,referenteaoarrozdeagriculturaitineranteedo“arrozdebolanha”,

quandoestevemdaproduçãodearrozdemangal,oquepareceindicarqueavenda

decajujáseenraizouentreapopulaçãolocalcomoumdosmétodosmaiseficientes

deobtençãodearroz.

Aolongoda“campanha”,ospreçosdecompraaoprodutorvariamdemaneira

imprevisívelacadadia,sendodecretadosedifundidosdiariamentepelarádioapartir

deBissau.Amaioriadosentrevistadosreferiuterrecebidoentre100e150XOFporkg

decastanhadecajunoperíododecomercializaçãode2009,emboraemalgunsdias

tenhachegadoaos200eaté250XOF.Noentanto,apesardospreçosoficiais

divulgados,muitosagricultoresqueixam‐sedequealgunscomerciantesseaproveitam

dasuavulnerabilidadeelhesoferecempreçosmaisbaixossobreosquaisnãotêm

poderdereivindicação.Devidoaomauestadodasestradaseàdistânciarelativamente

aBissau,sãopoucososcomerciantesquesedeslocamatéàsaldeiasmaisisoladasde

Quínaraecomorelatamalgunsprodutores:“Senãolhesvendermosnãovendemosa

ninguém,estamosnasmãosdeles”.

Foramaindarelatadoscasosemqueocomerciantecontraiudívidasparacomo

agricultor,prometendopagardepoisadevidaquantiasemnoentantoregressarà

mesmaaldeia.Estetipodeabusosfoirelatadodiversasvezes,esegundooslocais

eramnormalmentecometidosporcomerciantesestrangeirosprovenientesda

Mauritânia,Guiné‐ConacryeSenegal.

Apercepçãodemuitosinquiridosédequeocircuitodecomercializaçãodocajué

injustoedequeoscomerciantesobtêmlucrosàcustadosmauspreçospraticados

juntodosagricultores.Normalmenteaculpaéatribuídaaogovernoefoiváriasvezes

repetidaafrase“oestadonãotemmãonoscomerciantes”,numaalusãoàfaltade

regulamentaçãoeautoridadedogovernosobreocomérciointernodacastanhade

caju.

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212

7.3.3AMonoculturadeCajucomooPrincipalCultivodeRendimentoparaaPopulaçãodeQuínara:QueFuturo?

Apesardainstabilidadedospreçosdecompradacastanhadecaju,amaioriados

agricultoresnãoparecequererdesistirdoseucultivo.Comefeito,aintençãoda

maioriadosagricultoresentrevistadoscontinuaaseradeaumentarosseuspomares,

com77,6%(N=97)aafirmarquereraumentaraáreacultivada,enquanto12,8%(N=16)

dizemnãoquererounãopodereosrestantes9,6%(N=12)semdarresposta(Figura

7.2.3).Dos12,8%deagricultoresquedizemnãoquererounãopoderaumentarasua

horta,cincodizemserporfaltademão‐de‐obra171,cincoalegamafaltadeespaço

disponíveleoutroscincoafirmamserpelafaltadeconfiançanaestabilidadedos

preçosdocaju.Apenasumapessoareferiunãoprecisardeaumentarasuahorta.

Figura7.6Respostaàpergunta“Queraumentaroseupomardecaju?”(N=125)

Amotivaçãoparaaumentarocultivodocajupodeprender‐se,entreoutrosfactores,

comobaixoriscoquerepresenta,jáqueéumcultivocombaixoníveldeesforço

quandocomparado,porexemplo,comocultivodearroz.Comefeito,sãomuitosos

casosemqueocultivodocajuérealizadonoscamposdeixadosvagospeloregimede

171 No caso do cultivo de caju, a falta de mão-de-obra refere-se à limpeza anual dos pomares e trabalhos de corte e queima para aumento dos mesmos.

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213

agriculturaitinerante,nãosendoporissonecessárionamaiorpartedasvezeso

esforçopropositadodeconversãodeflorestaempomardecaju.Oriscodeapostana

plantaçãodepomaresémenoraindaparamuitasdasaldeiasqueaindapossuem

grandesáreasdeflorestanoseuterritório,jáquenãosecolocaoperigodediminuição

dadisponibilidadedeterraparaocultivoitinerantedearrozeoutrasvariedades

agrícolas.Paraalémdisto,atendênciareportadaporváriosindivíduoseobservada

duranteotrabalhodecampoéadequeaemigraçãodoshomensjovenspara

aglomeradosurbanos,nomeadamenteparaBissau,éparasemanter.Istosignificaque

muitosagregadosfamiliaressãodeixadoscompoucaousemmão‐de‐obrajovempara

asculturasdesubsistência,eprincipalmentedearroz.Algumasdasfamílias

contactadasconsistiamemidosos,criançaseasrespectivasmães,eemalgunscasos

osfamiliaresqueresidemnoutroslocaisregressavamapenasnotempoda

comercializaçãodocaju,demodoparticipardasuacolheitaevenda.Destemodo,o

cultivodecajuconfereumasoluçãoderendimentoparaquemjánãopossuia

capacidadedeapostaemdeterminadoscultivostradicionaisdesubsistência,que

quasesempreexigemummaiorinvestimentoemtermosdetempo,esforçofísicoe

emalgunscasosfinanceiro.

Outraquestãoenvolvidaéafacilidadedeescoamentodocaju.Paraalémdesero

únicoprodutovendidoemgrandesquantidadespelamaioriadosprodutores,existejá

umaestruturamontadadecomercializaçãoetransportedocajudesdeaaldeiaatéao

exportador,oquefacilitaasuavendapelosagricultoresnaépocadecomercialização

doproduto.Estaquestãoganhaimportânciasetivermosemcontaamáqualidadedas

viasdeacessoedosmeiosdetransportedisponíveis,oquedificultaoescoamentode

outrosprodutosemgrandequantidadeduranteorestodoano.

Osprodutoresbeneficiamaindadeoutrasvantagensempossuirumpomardecaju,

comoapresençadelenhaparacozinhapertodahabitaçãoeaproduçãodesumoe

vinhodecajuapartirdasuapolpa,esteapenasproduzidoeconsumidopela

populaçãonãomuçulmana172.Ovinhodecajuconstituiatéumaparteimportanteda

172 Para os grupos étnicos da área de estudo representados entre os entrevistados, os Balanta, Papel, Bijagó, Manjaco e Mancanhe apresentam uma maioria não muçulmana, assumindo-se a maior parte como

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214

economiadoscristãoseanimistas,dosquaisquasetodosreferemoseuusocomo

pagamentoaoutrosagricultoresparaváriostiposdetrabalhosagrícolas,comoa

culturadearrozdemangalealimpezadospomaresdecajunofimdaépocade

monção.Paraalémdeservircomomoedadetrocaparaobtertrabalhadoresnas

actividadesagrícolas,muitosreferiramtambémvenderpartedaproduçãodevinhode

caju,oqueparaalgumasfamíliasrepresentaumimportantepesonoorçamento.Dos

muçulmanosqueparticiparamnoestudo,nenhumreferiuproduzirvinhodecajuoua

vendadasuapolpaaagricultoresnãomuçulmanos,algomalvistoentreosvalores

muçulmanoslocais.AcedênciadapolpaaagricultoresBalantaeManjacofoicontudo

referidaváriasvezespormuçulmanos.

Édenotarapossibilidadedequeamonoculturadecajupossainfluenciarasdinâmicas

deestatutodegénero,introduzindomudançasnasassimetriassociaisque

praticamentesempreprivilegiamosexomasculino.Aolongodotrabalhodecampo

foramobservadassituaçõesemquemulheresapostavamanívelindividualna

plantaçãodepomaresdecajuemterrenosdesavana,umtipodecultivodiferentedo

queépraticadoemzonasdefloresta,queexigeumesforçoconsideravelmentemaior

devidoànecessidadedecorteequeimadasárvores.Sendoocultivodecajuem

savanamaisacessívelaoesforçodasmulheresemcomparaçãocomoscultivos

tradicionaisprincipaiscomooarrozeoamendoim,normalmenterealizadospor

homens,aquelepodeconstituirumaferramentanaautonomiaeconómicadamulher,

quepodeagoracomercializardeformaindependenteacastanhadecaju,assimcomo

oseusumoevinho.Emboraosdadosrecolhidosnãopermitamavaliarestas

mudanças,édesuporquepoderãoterrepercussõesnofuturodoestatutodamulhera

nívellocal,cabendonoentantoafuturosestudosinferirsobreestetema.

Mesmotendoemcontatodasasvantagensdocultivodecaju,algumasaldeias

ressentem‐sejádacrescenteescassezdeterraquenãoestejaocupadaporcajueirose

deumadependênciademasiadograndedavendadecastanhadecaju.Algumas

aldeiastêmadoptadomedidasparaocontroledaexpansãodamonoculturadecaju,

cristãos ou animistas. Das restantes etnias, Biafada, Mandinga e Fula, todos se assumiram como muçulmanos.

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215

reservandomanchasdeflorestaparaoutrotipodeculturastradicionais.Emboraestas

aldeiassejamaindaumaminoria,éprovávelqueestetipodemedidasaumentetendo

emcontaaintençãodeexpansãodospomaresdamaiorpartedosinquiridos.Anível

individual,osagricultoresdebatem‐seaindacomoproblemadospomaresmais

antigosqueperdemprodutividade,eobserva‐seemalgumasaldeiasoabatedas

árvoresdecajuparaaplantaçãodearroz,sorgooumilheto,juntamentecomnovas

sementesdecaju,paraquedepoiscresçaaliumnovopomar.

Aactualforteimplementaçãodamonoculturadecajupodeaindateroutrotipode

efeitosindirectos,comoéocasodafrequênciaanualdeincêndiosregistadosna

região.Amaioriadosinquiridosrefereumadiminuiçãodonúmerodeincêndios

verificados,atribuindoestareduçãoaomaiorcuidadoquesetememevitarqueas

queimadasusadasparaaagriculturaitineranteafectemospomaresdecaju.Estetipo

deagriculturaimplicaocorteequeimadeflorestaparaaplantaçãodeamendoim,

arroz,milho,entreoutrasculturas.Atransiçãodossistemasagrícolaslocaisdeumtipo

deculturaderendimentobaseadonoamendoim,umaleguminosaanual,paraoutro

baseadoempomarespermanentes,poderátercontribuídodeformasignificativapara

areduçãodonúmerodeincêndiosqueseregistaanualmente(vercaixa5).

Caixa5

Ocajueoregimedeincêndios

EntreMarçoeprincípiodeJunho,quandocomeçaa

épocadaschuvas,éotempodasqueimadasnaGuiné.

Nosanosde1940,50e60doséculoXX,adimensão

daquelasassustavaostécnicoscoloniais,comorelata

Quintino(1967:26):“fogoquetranspunhaquilómetros

deextensão,saltavadeumabermaàoutradas

estradas,ameaçavapovoados,epunhaagenteem

alvoroço”.NaregiãodeQuínaranãoerainvulgarquealdeiasinteirasardessemduranteaépoca

dasqueimadas,jáqueofogosetornavaincontrolávelaoalastrarrapidamentepelassavanase

florestas.

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216

Actualmente,arealidadeéoutra.Éraroouvirfalardepovoadosquetenhamardidonaregião,o

quesedevemuitoprovavelmenteàtransformaçãodossistemasagrícolasdeQuínaranasúltimas

décadas.Desdeaalturadaindependência,iniciou‐seatransiçãodeumtipodeculturade

rendimentobaseadonocultivodeamendoim,umaleguminosaqueamaiorpartedosagricultores

deQuínaracultivavamemvastasextensões,paraumsistemaassentenafruticultura,

nomeadamentenocultivodecaju.Devidoaocarácterpermanentedopomardecaju,emcontraste

comaduraçãodetrêsanosdocultivodeamendoim,estatransformaçãonaspráticasagrícolas

causoualteraçõessignificativasnagestãodoregimedefogos.Seantesaúnicacoisaquenãopodia

ardereramasaldeias,agoraocupamoterritóriovastasáreasdepomaresdecaju,queconstituem

aprincipalfontedesustentodapopulação.

Ospomaresestendem‐seemvoltadasaldeiaseaolongodoscaminhosqueasligam,formando

umacinturacompactadecajueiros.Estalocalizaçãoéconvenientenaépocadecolheitadocaju,

porfacilitarotransportedossacosdoprodutoparaoslocaisondesãopesadosevendidos,ao

mesmotempoqueconfereàaldeiaumamaiorprotecçãodefogosdescontrolados.

Todososanos,osagricultoresfazemaceirosquerodeiamosseuspomaresdecajunosmesesque

antecedemoperíododosfogos,emJaneiroeFevereiro.Cortamumatiradevegetaçãoemtorno

dopomar,eprovocampequenasqueimadascontroladasnaparteexterior,aproveitandoofactode

queduranteosmesesdeJaneiroeFevereirooterrenoaindanãoestásuficientementesecopara

queasqueimadassedescontrolemfacilmente.Assim,osagricultoresformamumaextensãode

terrenoemvoltadasplantaçõesdecajudespidadematerialvegetalseco,oquepermitetravaro

fogonaépocaemquesãomaisproblemáticos.Comoresultado,quandoosfogospercorremas

savanasdeQuínaraemMarço,AbrileMaio,aprincipalfontederendimentodapopulação–os

cajueiros‐estãoprotegidosdofogo.

Outroefeitoindirecto,etalvezmenosprevisível,éopossívelaumentodapopulação

daratazana‐do‐capim(Thryonomysswinderianus),ou“farfana”nosúltimosanos.

Diversosinquiridosrelatamoaumentodonúmerodestesgrandesroedoresque

chegamapesar8,6kgeaosquaisoshabitanteslocaisatribuemgrandesestragosnas

colheitasdearroz,amendoim,mandioca,entreoutros.Antesdaproliferaçãode

pomaresdecajueramrealizadasgrandescaçadascomunitáriasdestesroedores

duranteaépocaseca,queconsistiamemqueimadascontroladascomoobjectivode

dirigirosanimaisassustadosparaolocalondevárioscaçadoresosesperavamcom

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217

cãesearmas.Acontecianoentantoquealgumasqueimadasalastravam,originando

incêndiosdegrandesproporções.Actualmente,devidoaomedodepegarfogoaos

pomares,estetipodecaçadastornou‐seraro.Areduçãodascaçadassazonaisde

“farfanas”levouaumaparenteaumentodeestragosnascolheitasagrícolascausado

porestesanimais.Semoutrosmeiosparadefenderassuasculturas,alguns

agricultoreschegammesmoaafirmarquenãorealizaramculturasdearrozde

sequeironoúltimoanodevidoaosestragoscausadospelosroedoresnosanos

anteriores.Estesagricultoresalegamqueoenormeesforçoqueaagricultura

itineranteimplicanãoécompensadopelasfracascolheitas,culpandoos“farfanas”por

partedasuaperda.Seaausênciademedidaseficientesdecontrolodestaedeoutras

pragassemantiver,nãopodeserexcluídaahipótesedequeestetipodesituaçõesse

venhaaagravarnofuturo,jáqueatendênciadamonoculturadecajuéparase

intensificar.

7.4Conclusões

Osdadosrecolhidosaolongodestainvestigaçãopermitemidentificarseteprincipais

factoresdeconstrangimentoàsestratégiaslocaisdeproduçãoesegurançaalimentar:

i)perdademão‐de‐obrarural;ii)deterioraçãodosdiques;iii)fenómenosclimáticos

adversosepragasanimais;iv)ausênciadeinvestimentosestataiseminfra‐estruturas;

v)inexistênciadequalquertipodeapoioaosprodutores;vi)capacidadedegerar

rendimentosevii)produçãoorizícolalocalpoucocompetitivanomercado(figura7.7).

Estesfactorestêminfluenciadoprofundamenteasescolhasdosagricultoreslocais,que

seinseremnumpadrãocomplexodeambientessociaiseecológicos,àluzdosquais

deveserinterpretadaacapacidadeeotipoderespostadadaporcadaagregado

familiarnaadopçãodeestratégiasdeproduçãoalimentareminimizaçãodoriscode

insegurançaalimentar.

Page 218: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

218

Figura7.7Principaisfactoresdeconstrangimentoidentificados

Cadafactordeconstrangimentotemumpesodiferentenamaneiracomoinfluenciaa

segurançaalimentardapopulação,eentreelespodeserdestacadaaperdademão‐

de‐obraruralcomotendoummaiorpesolimitantenossistemasdeproduçãoe

segurançaalimentarlocais.Todososfactoresidentificados,tantoeconómicoscomo

naturais,vãopotenciaraperdademão‐de‐obraatravésdeumamaioremigraçãoe

êxodorural.Poroutrolado,aperdademão‐de‐obracolocaumapressãoadicional

acimadetudosobretrêsfactoresdeconstrangimento,estratégicosparaasegurança

alimentarlocal:acapacidadedegerarrendimento,acompetitividadedaprodução

orizícolalocal(factoreseconómicos),eadeterioraçãodosdiquesdoarrozdemangal

(factornatural),querequeremesforçofísicodosmembrosdoagregadofamiliar.A

faltadeterraparacultivonãopodeserconsideradoumfactordeconstrangimentoao

níveldaregião,jáqueemQuínaraocenáriomaiscomuméadisponibilidadedeterra.

Noentanto,nocasoespecíficodealgumasaldeiasesteéumfactorlimitanteà

diversificaçãodaprodução,devidoaospequenosterritóriosdisponíveis.

Page 219: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

219

Devemosteremcontaqueperanteosmesmosfactoresdeconstrangimento,

diferençasentrecomunidadescomoaenvolvênciaambiental,adisponibilidadede

espéciesúteis,aorigemétnicaealocalizaçãogeográfica,vãomoldaracapacidadede

respostadasfamíliasqueascompõem.

Osdadosrevelamque75,2%daamostradependedomercadoparaobterpelomenos

metadedoconsumoanualdearroz,oprincipalcerealconsumido,numaregião

reconhecidacomoumadasregiões‐chaveparaaproduçãoorizícolanacional.Por

outrolado,amonoculturadecajué,delonge,aprincipalfontederendimentolocal,e

asuavendarepresentaamaiorpartedoorçamentoanualde76%daamostra

recolhida.Aaplicaçãoprioritáriadosrendimentosobtidoséparaatotalidadedos

inquiridosacompradearroznomercado.Istomostraaelevadaexposiçãodos

habitanteslocaisaospreçosdemercadotantodearrozcomodecaju,equesubidas

repentinasdospreçosdoprimeiroedescidasdospreçosdoúltimopoderãoprovocar

gravessurtosdeinsegurançaalimentar.Narealidade,oaumentogradualdospreços

dearroznosúltimosanoseainstabilidadedospreçosdecajupraticadostêmvindoa

exporapopulaçãolocalaumcrescenteriscodeinsegurançaalimentar.

Relativamenteàsestratégiasderesposta,regrageral,oriscodeinsegurançaalimentar

éminimizadosobretudoaoníveldaapostanasestratégiasdeproduçãopara

subsistênciaevenda.Aolongodainvestigaçãotornou‐seclaroqueasestratégias

privilegiadassãoaproduçãoprópriadearroz;adiversificaçãodaproduçãoagrícola,

tantoparaconsumocomoparavenda;eadiversificaçãodasactividadesnãoagrícolas

capazesdegerarderendimento.Aolongodainvestigação,aexploraçãoderecursos

florestaiscomomadeira,frutaecaça,foramconsideradoscomoessenciaisemalturas

demaioresdificuldades.Istopermiteconfirmaraimportânciaestratégicaqueos

serviçosconferidospelosecossistemasflorestaisconstituemparaasubsistênciada

populaçãodaáreadeestudoemsituaçõesdeflutuabilidadedepreçodecaju,asua

maiorfontederendimento.

Asubidadospreçosdearrozeumaevoluçãonegativadostermosdetrocadecajupor

arrozpodemotivaratécertamedidaumretornodaculturadearroz,sendoquevárias

famíliasmanifestaramessavontade.Paraalémdaplantaçãodecajuearroz,osoutros

Page 220: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

220

produtosmaisimportantesparaosagricultoreslocaissãooóleodepalma,o

amendoim,alima,ofeijão,alaranjaeamandioca.Asestratégiasdeprodução

deparam‐senoentantocomasdificuldadescausadaspelosconstrangimentos

identificadosduranteainvestigação,eogrupodepessoasqueparecesermais

vulnerávelsãoosquepertencemaagregadosfamiliarescomfaltademão‐de‐obra

disponívelparaaconcretizaçãodasestratégiasdesubsistência.

Aocontráriodoqueseriadeesperar,aemigraçãoparaascidadesnãotrouxe

benefíciosparaascomunidadeslocais,enamaiorpartedoscasossãoasfamílias

ruraisqueenviamarrozdasuaproduçãoepartedosrendimentosobtidoscomocaju

paraosfamiliaresquevivemnascidades.Estarelaçãoentrefamíliasruraisemembros

emigradosemmeiosurbanosprende‐secomadificuldadequemuitosindivíduostêm

emobterrendimentosdeformaregularnascidadeseaindacomofactodequemuitos

dosquesedeslocamfazem‐noparateracessoaeducaçãoeformação,eportantonão

obtêmrendimentos.Emmuitoscasos,osmembrosemigradosregressamnotempode

maiorestrabalhosagrícolas,emboraestamigraçãosazonalsejaumfenómeno

imprevisíveledifícildeavaliar.

Faceàperdademão‐de‐obranecessáriaàstarefasárduasdocultivodearroz,a

soluçãoparamuitasfamíliaspoderátersidoaplantaçãodecajueiros,decultivoe

manutençãomaisfáceis,demaneiraaobterrendimentosquepermitissemacompra

dearroznomercado.Comodiscutidoaolongodocapítulo,estaperspectivacontradiz

amaioriadosestudosrealizadossobrearelaçãoentreamonoculturadecajue

produçãodearroznaGuiné‐Bissau,queafirmamperemptoriamentequea

proliferaçãodamonoculturadecajuprovocouumadiminuiçãonoesforçoeapostana

produçãoorizícola.Aquirealça‐sequenemexistefaltadeterraparaproduçãodearroz

paraageneralidadedeQuínara,nemcompetiçãoentreasduasculturasporesforço

físico,dadoqueosintervalosdetempoemquesetrabalhamocajueoarroznãose

sobrepõem.Sugere‐seportantoqueparaamaioriadoscasosastendênciasde

aumentodoinvestimentonocajuedodesinvestimentonoarroznãoconsistiram

numatransiçãovoluntáriamassimnumatentativadesobrevivência.

Page 221: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

221

Emboraaquantificaçãodarelaçãoentremão‐de‐obradisponívelecapacidadede

diversificaçãodaprodução,querparaconsumo,querparavenda,nãotenhasido

possíveldadasaslimitaçõesencontradasaolongodotrabalhodecampo,foiem

algunscasospossívelumcontactomaisprolongadocomalgumasfamíliasque

permitiraminferirumacorrelaçãoentredisponibilidadedemão‐de‐obraecapacidade

dediversificaçãodeproduçãoeversatilidadenaadopçãodeestratégiasde

subsistência.Assim,quantomaioradisponibilidadedemão‐de‐obra,menora

vulnerabilidadedeumagregadofamiliar.Estacorrelaçãoestádeacordocoma

percepçãodageneralidadedosindivíduosdequeumdosmaioresproblemasqueas

comunidadeslocaisenfrentamactualmenteéaperdademão‐de‐obrarural.

Nocasodaimpossibilidadededesenvolvimentodeestratégiasdesubsistência

compatíveiscomasegurançaalimentardetodososmembrosdoagregadofamiliar,os

mesmosvêem‐seobrigadosarecorreràestratégiadeúltimoderecursoparaobter

alimento:oendividamentoecréditoinformaljuntodecomerciantes,queé

desregradoepermiteabusosporpartedosúltimos.Emboraorecursoacréditopossa

resolverproblemasgravesdeinsegurançaalimentaracurtoprazo,adependênciado

credoredassuascondiçõespodeoriginarcondiçõesdetransacçãoadversasalongo

prazo.Estaestratégiafoiutilizadapordezenasdefamíliasdaáreadeestudonos

últimosanos,esegundoapercepçãodemuitoslocaistemcrescido,oqueapontapara

umpossívelaumentodainsegurançaalimentarnaregião.

Acomplexidadedaregiãonoseutecidosocialeecológicolevouaqueoestudo

abrangessediferentescomunidadesqueapresentamdiferentesambientese

circunstâncias.Foiassimpossívelentenderqueastradiçõesrelativasaossistemas

agrícolasconsoanteaorigemétnicaajudamacompreenderacapacidadeeotipode

respostaquedeterminadoagregadofamiliartemperanteoriscodeinsegurança

alimentar.Asduasprincipaisetnias,balantaebiafada,demonstramumnívelde

dependênciadomercadoparaobtençãodearrozdiferenteentresi.Osbalanta,que

tradicionalmentedominamatécnicadecultivodearrozdemangal,maisprodutiva,

têmumníveldedependênciadomercadomenorrelativamenteaosbiafada,que

investemsobretudonoarrozdesequeiro.Tambémasdinâmicasdeadopçãoà

Page 222: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

222

monoculturadecajudiferiramentreasetnias.Osbiafada,quegeremvastasáreasde

florestas,aderirammaiscedoaocaju,enquantoosbalanta,tradicionalmentemais

dedicadosaoarrozdemangaleemgeraldispondodemenoresáreasdeflorestas,

aderirammaistarde.

Destamaneira,estainvestigaçãodemonstraavantagemeanecessidadedeseestudar

ospadrõesdecomplexidadelocaisdemaneiraaentendercomodeterminada

comunidadepoderáresponderperanteumdeterminadoestímulo,esugere‐seque

estetipodeavaliaçãodeveserlevadaacabosemprequeseprocurerealizaralgum

tipodeintervençãoouapoioaonívellocal.Talníveldeconhecimentodarealidade

localpodeajudaraidentificarasorigensdosconstrangimentosdequeascomunidades

locaissãoalvo,assimcomoosgruposmaisvulneráveis,permitindoportantoodelinear

demelhoresemaiseficientesestratégiasdeminimizaçãodoriscodeinsegurança

alimentar.

Page 223: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

223

CAPÍTULO8‐ConsideraçõesFinais

Numaépocadeintensificaçãodastrocascomerciaisaonívelglobaledeumacrescente

deterioraçãodasegurançaalimentaremváriaspartesdomundo,tornam‐se

necessáriosestudosquecontribuamparaentenderdequeformaésentidooimpacto

dasdinâmicasdocomérciointernacionalaonívellocal.

NaGuiné‐Bissau,ocomérciointernacionaltemdesempenhadodesdecedoumpapel

deextremaimportânciaparaasegurançaalimentareeconomiadopaís.Emrespostaà

diminuiçãodospreçosdemercadodeamendoimeamêndoadepalma,osprincipais

produtosdeexportaçãodaGuiné‐Bissauatéhácercadetrêsdécadas,osagricultores

guineensestêmdesdeentãovindoasubstituirestasculturasderendimentopela

monoculturadecaju(Dias1992:20;GEBNGB1986:11).Hoje,opaísapresenta‐seao

nívelglobalcomoumadaseconomiasmaisdependentesdocomérciointernacional,

comumaúnicamonoculturadeexportação–ocaju–queenvolveagrandemaioriada

populaçãoruraleéresponsávelporcercade98%dasreceitasdeexportação,maisdo

quequalquerpaísdaOPEC(Boubacar‐Sidetal.2007:79;BancoMundial2010:70).Por

outrolado,opaísdependedasimportaçõesalimentares,emparticulardocerealque

constituiabasealimentardapopulação–oarroz(MADR/FAO/PAM2007:6).Estima‐se

queem2008oconsumototaldearrozerade139680toneladas,ocorrespondentea

235000toneladasdearrozcomcasca(BancoMundial2010:89).Estandoaprodução

dearrozdopaísem2008estimadaem148757toneladasdearrozcomcasca(FAOStat

2010),calcula‐sequeodéficeemarrozdopaísnesseanofossede86243toneladas.

Estaelevadadependênciadetrocascomerciaiscomoexteriorlevaaqueaspolíticase

dinâmicasrespectivasàcomercializaçãodecajueàimportaçãodearrozocupemum

lugardedestaqueentreosfactoresquedeterminamasituaçãodasegurança

alimentaraonívellocal.OestudodecasodaregiãodeQuínaraevidenciaa

importânciaqueamonoculturadecajutemparaaobtençãodoarrozentreos

agricultoreslocais:osdadosmostramquemaisdetrêsquartosdosagricultoresestão

dependentesdomercadoparaacompradamaiorpartedoarrozconsumido

anualmenteequeosrendimentosutilizadosparaasuacompraprovêm,paracercade

Page 224: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

224

76%dosagregadosfamiliaresenvolvidosnoestudo,davendadecaju.Dototalde

agricultores,78,4%realizamatrocadirectaentreosdoisprodutoscomos

comerciantes,oqueimplicaqueumcenáriofavoráveldostermosdetrocaentreestes

produtosévitalparaoacessoagrandepartedasuaalimentaçãoanual.

Nasequênciadoquefoiafirmadoporváriosautores,umadasexpectativasiniciaisdo

estudoeraadequeamonoculturadecajutemconstituídoumincentivodirectoao

abandonodocultivodearroznasúltimasdécadas.Sugere‐seagora,noentanto,que

estaéumarelaçãosimplista,equeodeclíniodaculturadearrozseprendemaiscom

umconjuntodeconstrangimentosdemográficos,económicosenaturaisdetectadosao

longodoestudodecasoeaqueosagricultoreslocaisestãoexpostos.Dos

constrangimentosdetectados,osdadosrecolhidosapontamparaquesejaaperdade

mão‐de‐obraruraldevidoàemigraçãoumdosquetemmaispesonaperdade

capacidadedeproduçãodearroz.Assim,amonoculturadecajupoderáterconstituído

nãoumdesincentivoàproduçãolocaldearrozmassimumaalternativaforçadapara

obtençãodealimento,jáqueexigeumamenordisponibilidadedemão‐de‐obrado

queocerealeadapta‐seperfeitamenteàscondiçõeslocais.Faceaodeclínioda

produçãodearrozeàrápidaproliferaçãodamonoculturadecaju,asfamíliasrurais

tornaram‐sedependentesdamonoculturaderendimentoparaaobtençãode

alimento.Aspopulaçõeslocaisviram‐seassimprogressivamentemaisexpostasàs

circunstânciasdocomérciointernacionaldocajuedoarroz.Assim,paraavaliara

relaçãoentreamonoculturadecajueasegurançaalimentartorna‐seimprescindível

analisarostermosdetrocaentreocajueoarroz.

Aanálisedostermosdetrocaentreocajueoarrozmostraqueaquantidadedearroz

recebidapordadaquantidadedecaju,em2009,eracercadetrêsvezesmenordoque

noiníciodadécada.Issopermiteconcluirqueosagricultoreslocaistêmperdidopoder

decompraeficaramsujeitosaumaumentodoriscodeinsegurançaalimentar.

Aevoluçãonegativadostermosdetrocaentreocajueoarrozeaocorrênciadecrises

alimentarescomoade2008têmtidoumimpactonegativoeestatendênciacontribui

paraummaiorriscodeinsegurançaalimentaraonívellocal.Emresposta,os

agricultoreslocaistentamaumentaraproduçãodearrozedeoutrasculturas,tantode

Page 225: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

225

rendimento(p.e.amendoimeóleodepalma)comoalimentares(p.e.sorgoemilho),

emboramuitosacabemporrecorreraocréditoinformaloumesmoporemigrar.

Paraentenderestatendêncianegativadostermosdetrocaentrecastanhadecajue

arrozénecessárioconsiderarporumladoastendênciasglobaisdospreçosparaos

doisprodutos,eporoutroaspolíticasedinâmicasdosseuscircuitosde

comercializaçãoaonívellocal.

Aonívelglobal,aevoluçãodospreçosinternacionaisdacastanhadecajutemsofrido

altosebaixosemboramantenhaumatendêncianegativa,especialmentedesde2008,

oquesedeveemparteaograndeaumentodaproduçãodecajuverificadoempaíses

comooBrasil,oVietnameeaÍndia.Comoagravante,osplanosdomaiorimportador

mundialdecastanhadecaju,aÍndia,parasetornarauto‐suficientenasuaprodução,

poderãoprovocarnofuturoumacentuadodecréscimonospreçosinternacionaisda

castanhadecaju,afectandoprincipalmenteospaísesprodutoresondeo

processamentoéinexistenteoupoucoexpressivo,comoaGuiné‐Bissau,ondeapenas

3%daproduçãoéprocessadanacionalmente(CNC2009:18).

Poroutrolado,ospreçosinternacionaisdoarroz,relativamenteestáveisdurante

décadas,começaramasubirabruptamentenofinalde2006eem2008eramjámais

dotriplodosde2003,impulsionadosemgrandepartepelaespeculaçãointernacional

dealimentosepeloaumentodoconsumoempaísescomoaÍndiaeaChina.

Aonívelnacional,acomercializaçãodacastanhadecajudepara‐secomumdosseus

maioresproblemas:adependênciadeumúnicomercadodeexportação,aÍndia.

Emboraasestatísticasoficiaisdisponíveisnãopermitamcaracterizarestadependência

deumsómercadoporfaltadedadostransparentes,aanálisedaimprensalocal,

comunicadosdecertosgovernanteseentrevistasainterlocutoreschavesãounânimes

naafirmaçãodequeoscompradoresindianosformamumoligopóliocomoobjectivo

depagarbaixospreçospelacastanhadecajuefugiraosimpostosdeexportação,

provocandoumadiminuiçãodospreçosdecompraaoprodutoreareduçãodas

receitasfiscaisdoEstado.

Page 226: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

226

Omauestadodasinfra‐estruturasdetransporteeaexistênciadetaxasinformais

cobradaspordeterminadosagentesdaautoridadeaolongodasviasdetransporte

contribuemtambémparaaumentarapressãosobreospreçosdecompraaoprodutor.

Ainstabilidadepolíticadopaíséoutroimpedimentoimportanteaumclimafavorável

decomérciocomoexterior,eemperíodosmaisconturbadososimportadoresde

castanhadecajupressionamogovernoeexportadoresguineensesparabaixaros

preçosdasuavenda,sobaameaçadeboicotedasexportaçõesdevidoaomaiorrisco

donegócio.Algunscomercianteseexportadoresapontamaindaparaadificuldadede

recursoaocréditoparacompradecastanhadecaju,emuitosrecorremacrédito

concedidopelosimportadoresindianos,oqueaumentaopoderdestesdeexercer

pressãoeinfluênciasobreospreçospraticados.

Entreosexportadoresguineensespareceexistirumacrescenteconcentraçãodo

negóciodeexportaçãodecajunasmaioresempresas,eopesodasqueexportavam

maisdoque500toneladas/anoentreototaldeempresasexportadorassubiude70%

em2003para88%em2009,oquepõeemevidênciaasaídadomercadodevárias

pequenasempresasnosectoreaconsequentereduçãodaconcorrêncianomercado

interno.

Algumasdasmaioresempresasdeexportaçãodecastanhadecajusãotambémas

responsáveispelaimportaçãodearroz.Oarrozimportadoédepoisdisseminadopelos

comercianteslocaiseosquesedeslocamàszonasruraisdopaísnaépocadevendado

caju,paraqueserealizeatrocadirectadearrozporcaju.Estima‐sequeentre50%a

70%doarrozimportadosejamusadosnatrocadirectaporcastanhadecajucomos

pequenosprodutores(BancoMundial2010:104).Anãoutilizaçãodedinheirona

compradecastanhadecajuaoprodutorpoderásignificarqueestenãoestáaobtero

máximobenefíciodasuavenda,equeoarroz,compradoapreçosmuitobaixospelos

importadores,étrocadonumaproporçãodesfavorávelaosagricultoreslocais,sendoa

mais‐valiacapturadapeloscomerciantes.Sobressaitambémdaanálisedaimprensa

localedeentrevistasrealizadasaváriosinterlocutoreschaveéaacusaçãodequeos

importadoresdearrozcontribuemparaadeterioraçãodacapacidadedeproduçãode

arrozlocalaopressionarogovernoparareduzirastaxasdeimportaçãodocereal,

Page 227: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

227

colocandoospreçosaníveismaisbaixosdoqueospraticadoslocalmente,oque

impossibilitaaconcorrênciadosprodutoreslocais.

Asacusaçõesdoscomerciantes,agricultoreseoutrosactoresdasociedadecivilvão

maislonge,afirmandoquemuitasdessasempresassãogeridasporpessoasquetêm

oujátiverampodersuficienteparaintencionalmenteimpediroapoioàproduçãode

arroznacional,demodoanãoafectaroseulucrativonegóciodeimportaçãodocereal.

Sãoestespequenosmasimportantesgruposdeinteressequedominamoscircuitosde

comercializaçãotantodaimportaçãodearrozcomodeexportaçãodecaju,ecaptam

asmais‐valiasoriginadaspelocomérciodosreferidosprodutos.Estaactuaçãodos

gruposdeinteresseinstaladoslevaaconcluirqueacorrupçãogeneralizadaéum

impedimentoadicionalaumambientedecomérciofavorávelaosprodutorese

consumidores,egeraentravesàadopçãodemedidasdeapoioàproduçãodearroz

nacional.

Oprocessamentodacastanhadecajutemsidoasoluçãomaissugeridaparao

problemadadependênciadopaísdaexportaçãodecastanhadecaju.Políticos,ONG’s

eváriasagênciasinternacionaistêmrepetidoosapelosaoinvestimentona

transformaçãodacastanhadecajunopaísdemodoaconseguirummaiorvalor

acrescentadoeacessoaummercadodepreçosinternacionaismaisestáveis.Merecea

pena,noentanto,reflectirsobrearesiliênciadediferentesprodutosdeexportação

peranteumambientepolíticoinstável.Aexportaçãodecastanhadecajutem

mostradonaGuiné‐Bissauforteresiliênciaàsconstantesatribulaçõespolíticas

atravessadaspelopaís.Umaresiliênciaqueparecedever‐seaofactode,paraexportar

castanhadecaju,ouparainvestirnaexportaçãodecastanhadecaju,nãoserem

necessáriosinvestimentospermanentesnopaís.Podeportantosercolocadaa

seguintequestão:seráumsectorindustrial,queimplicainvestimentosalongoprazo,

tãoresilientequantotemsidoodaexportaçãodematéria‐primaperanteumcenário

deinstabilidadeinterna?

Page 228: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

228

Emsuma,asegurançaalimentardosguineensesestádirectamenteexpostaafactores

externoseinternos,queinteragemdeformacomplexaparacriarascircunstâncias

vividaspelaspopulaçõeslocais.

EntreosfactoresexternosaqueaGuiné‐Bissauestáexpostadestacam‐sea1)

evoluçãonegativadospreçosinternacionaisdocaju,2)criseseconómicase

alimentaresqueaumentamospreçosdosalimentoseemparticulardoarroz,como

em2008,a3)oligopolizaçãointrínsecadomercadomundialdeprodutosagrícolase

emparticulardocaju,ea4)inexistênciaderegulamentaçãointernacionalqueevite

abusosporpartedasempresas;enquantoquedoladodosfactoresinternososmais

importantessãoa1)oligopolizaçãointernadoscircuitosdecomercialização,a2)

dependênciadeumsómercadodeexportação,a3)corrupçãogeneralizada,a4)falta

deinvestimentonaproduçãodearrozeinfra‐estruturasdeapoioaosectoragrícolaea

5)escassezdemão‐de‐obradevidoaoêxodorural.

Éainteracçãonegativadestesfactoresexternoseinternosquedeterminaatendência

dedeterioraçãodasegurançaalimentareadificuldadesentidanasrespostasdadas

pelapopulaçãoaonívellocal.

Osrecursoseconómicosdaspopulaçõeslocais,determinantesparaoseupoderde

respostaperanteumasituaçãodeinsegurançaalimentar,sãoreduzidosnumcontexto

dediminuiçãodospreçosinternacionaisdocajueaindapelapressãoadicionalsentida

nocircuitodecomercializaçãointernoeexterno,resultadodirectodaactuaçãode

gruposdeinteressenummercadomarcadamenteoligopolizado.Estaoligopolizaçãoé

reforçadapeladependênciadasempresasdeexportaçãodocréditoinformalqueas

empresasindianasatribuem,pelonúmeroreduzidodeopçõesdisponíveisparavenda

docaju,epelafracacapacidadedeintervençãodoestadoguineensenosentidode

regulamentaraactuaçãodasempresasexternasdevidoaosacordosdeliberalização

docomércionoâmbitodaOMCedadependênciadonegóciodocajucomomaior

fontedereceitasestatais.Estetipodehierarquiaeoligopóliocomercialérecorrente

nomercadoglobaldeprodutosagrícolas,easituaçãoverificadanaGuiné‐Bissaué

umaconsequênciadirectadaoligopolizaçãosentidanomercadointernacionaldecaju.

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229

Aonívellocal,afaltadecapacidadederespostadosprodutoresdecajuperanteum

cenáriodepreçosbaixoséampliadapeloreduzidopodernegocialdequedispõem,

consequênciadirectadainexistênciadeplataformasdeorganizaçãodeprodutores

ondesepossamuniremelhordefenderosseusinteresses.

Opoderderespostadascomunidadeslocaisvê‐setambémconstrangidopela

alteraçãodaestruturademográficadaspopulaçõesruraisdevidoàemigraçãodemão‐

de‐obra,emparticulardehomensjovens,atraídosporumanoçãode“vidamelhor”,

tambémelaemgrandeparteresultadodeumatendênciaglobaldeprocurade

oportunidadesdeaumentodosrendimentos,regrageralmaisdisponíveisnosmeios

urbanos.Aemigraçãoeafaltadecompetitividadedaproduçãoagrícolalocalsãoainda

reforçadospordécadasdedesinvestimentocróniconosectoragrícolanacional,queno

fundoéumreflexodopanoramaglobaldodesinvestimentonaagriculturadesdea

décadade1970.Estesfactoresemconjuntoreduzemacapacidadedeprodução

familiardearroz,umdostradicionaispilaresdasegurançaalimentarlocal,expondo

aindamaisasfamíliasàdependênciadosrendimentosqueobtêmdavendadecaju.

Aherançadeummodeloeconómicocolonialassentenaexportaçãodeamendoime

amêndoadepalma,conjuntamentecomdécadasdepolíticaseconómicasglobaisde

incentivoamonoculturasdeexportaçãoporpartedeagênciasdecrédito

internacionaiscomooBancoMundialeoFMIeumaumentoglobaldaprocuradecaju

aolongodasúltimasdécadassãoosfactoresquemelhorexplicamagrande

proliferaçãodocajunopaís.Osdoisúltimosfactores,fenómenosglobais,incentivaram

igualmenteoaumentodeproduçãodecajuemváriosoutrospaísesafricanos,Brasil,

ÍndiaeVietname,entreoutros,contribuindoparaumaumentodaofertaea

consequentetendênciadediminuiçãodospreçosinternacionais.

Aspossíveissoluçõesparaosdesafiosquesecolocamafiguram‐secomplexaseterão

deserequacionadasemváriosníveisdeintervenção:desdemedidasglobais,como

umamelhorregulaçãodosmercadosinternacionaisdeprodutosagrícolas,até

respostaslocais,comoosurgimentodepolíticasdeapoioàproduçãolocalede

Page 230: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

230

cooperativasagrícolasqueconfiramummaiorpoderdenegociaçãoaosprodutores

locais.Aidentificaçãodeváriosconstrangimentosaossistemasagrícolaslocaisé

essencialparaestabelecermedidasfuturasdeapoioàagriculturabaseadasnumavisão

holísticadosproblemasqueafectamascomunidadesruraislocais.

Recomendações

Nocombateàpobrezaeinsegurançaalimentardevemseraplicadasmedidasque

contribuamparaumambientecomercialfavorávelaospequenosprodutores,

particularmenteempaísesondeasmedidasdeapoioaosectoragrícolasãopouco

expressivasouinexistentes,comoéocasodaGuiné‐Bissau.Donívelglobalaolocal,as

principaisrecomendaçõessão:

1. Aonívelglobal,devemserdadospassosnosentidodeumamelhorregulação

dosmercados,quepermitamummaiorcontrolodosmonopólioseoligopólios

nosectoragro‐alimentar,demodoatornaromercadoglobalmaisjustoea

promoveroigualacessoatodososparticipantes.

2. Asintervençõesaonívellocalpodemserseparadasemduascategorias:

intervençõesdetopoedebase.Naprimeiracategoriaenquadram‐seas

políticascomerciaisdoestadoeasmedidasgovernamentaisdeapoioaosector

agrícola.Nasegundaestãoincluídasacriaçãodeassociaçõesdebaseporparte

dosagricultores,comocooperativaslocais,easintervençõeslocaisdeONG’s

deâmbitonacionalouinternacional.Asestruturasquerecaiamnasegunda

categoriapodemaindadesempenharumpapelimportantenareivindicaçãode

políticasedemedidasdeapoioprovenientesdasestruturasdetopo.

3. Relativamenteàspolíticascomerciais,seriamrelevantesaadopçãodeuma

atitudepolíticafirmeperanteoscomercianteseacriaçãodeumsistemade

créditonacionalquecoloqueaodispordoscomerciantesnacionaisumalinha

decréditointerno,demodoaqueestesnãodependamdocréditoinformaldos

importadoresIndianos.Ocontrolodastaxasinformaiscobradasnasviasde

Page 231: Bolsa de Investigação 2009 - Relatório Final

231

transporte,quecontribuemparaumapressãoadicionalparaospreçosde

compraaoprodutoréoutraexigência.

4. Entreasmedidasdeapoioaosagricultores,érecomendávelacriaçãode

bancosdesementesaonívelnacionaleregional,queasseguremumfácil

acessoavariedadesagrícolaslocaisparatodososagricultores.O

melhoramentodasinfra‐estruturasdetransporteseriatambémdeterminante

paraumacomercializaçãodecastanhadecajumaiseficienteemaisjustana

perspectivadoprodutor.

5. Aconstruçãodeunidadesdearmazenamentodecastanhadecaju,quesirvam

porexemploumconjuntodealdeias,poderiaproporcionarmaisliberdadeaos

agricultoresnoplaneamentodeestratégiasdecomercialização,emvezde

estesseveremobrigadosavendertodooprodutoantesdoiníciodaépocadas

chuvas,dadooriscodeperdadascolheitasdevidoàfaltadecondiçõesde

armazenamento.

6. Noquerespeitaàproduçãodearroz,poderiamserfornecidasbombasdeágua

manuaisdemateriaissintéticos,maiseficientesedemaiorduraçãodoqueas

bombasdeáguaartesanaisutilizadaslocalmente.

7. Relativamenteàsiniciativasdebase,poderãopassarporapoiossemelhantes

aosdescritosacima,emboraproporcionadosporONG’slocaisou

internacionais.Assume‐seaindaqueaorganizaçãodeagricultoreslocaisem

cooperativasouassociaçõessemelhantespossaconferirummaiorpoder

negocialsobreospreçosdecompraaoprodutorpraticadospelos

comerciantes,assimcomoconstituirumaplataformadediscussãoparaa

adopçãodemedidasdeinteressecomum.Taisiniciativaspoderiamcontribuir

paratornaracomercializaçãodecastanhadecajumaisjustanaperspectivado

agricultor,potencialmenteajudandoareduzironíveldepobrezaeoriscode

insegurançaalimentarqueseverificaemgrandepartedasfamíliasruraisda

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