boletim de ciÊncias econÓmicas · 2015. 3. 2. · boletim de ciências económicas lvi (2013)...

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A navegação consulta e descarregamento dos títulos inseridos nas Bibliotecas Digitais UC Digitalis, UC Pombalina e UC Impactum, pressupõem a aceitação plena e sem reservas dos Termos e Condições de Uso destas Bibliotecas Digitais, disponíveis em https://digitalis.uc.pt/pt-pt/termos. Conforme exposto nos referidos Termos e Condições de Uso, o descarregamento de títulos de acesso restrito requer uma licença válida de autorização devendo o utilizador aceder ao(s) documento(s) a partir de um endereço de IP da instituição detentora da supramencionada licença. Ao utilizador é apenas permitido o descarregamento para uso pessoal, pelo que o emprego do(s) título(s) descarregado(s) para outro fim, designadamente comercial, carece de autorização do respetivo autor ou editor da obra. Na medida em que todas as obras da UC Digitalis se encontram protegidas pelo Código do Direito de Autor e Direitos Conexos e demais legislação aplicável, toda a cópia, parcial ou total, deste documento, nos casos em que é legalmente admitida, deverá conter ou fazer-se acompanhar por este aviso. A compensação monetária como sugestão de fortalecimento ao sistema de solução de controvérsias da OMC Autor(es): Gullo, Marcelly Fuzaro Publicado por: Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra URL persistente: URI:http://hdl.handle.net/10316.2/35530 DOI: DOI:http://dx.doi.org/10.14195/0870-4260_56_5 Accessed : 13-Jun-2021 18:48:50 digitalis.uc.pt impactum.uc.pt

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    documento, nos casos em que é legalmente admitida, deverá conter ou fazer-se acompanhar por

    este aviso.

    A compensação monetária como sugestão de fortalecimento ao sistema de soluçãode controvérsias da OMC

    Autor(es): Gullo, Marcelly Fuzaro

    Publicado por: Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

    URLpersistente: URI:http://hdl.handle.net/10316.2/35530

    DOI: DOI:http://dx.doi.org/10.14195/0870-4260_56_5

    Accessed : 13-Jun-2021 18:48:50

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  • COIMBRA

    UNIVERSIDADE DE COIMBRAFACULDADE DE DIREITO

    VOL. LVI

    COIMBRA

    2013

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    VOLUME LVI2 0 1 3

    BOLETIM DE CIÊNCIAS ECONÓMICAS

    Edição patrocinada por:

  • boletim de ciências económicas lvi (2013) 319-398

    A COMPENSAÇÃO MONETÁRIA COMO SUGESTÃO DE FORTALECIMENTO

    AO SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS DA OMC

    Introdução

    A criação da Organização Mundial do Comércio (OMC) como resultado da Rodada Uruguai trouxe aos paí-ses atuantes no comércio internacional a expectativa de que nascia um sistema comercial multilateral mais previsível e seguro juridicamente.

    Parte desta expectativa era justificada no estabelecimen-to de um acordo específico sobre resolução de litígios no âmbito da OMC, o qual ampliou e fortaleceu os dispositivos contidos no GATT 1947. Com estas providências, a OMC almejava garantir mecanismos capazes de obrigar todos os seus membros a cumprirem as regras estabelecidas em seus diversos acordos.

    Não há dúvidas de que o sistema de solução de contro-vérsias da OMC exerce hoje um importante papel no exer-cício da previsibilidade, no estabelecimento de maior segu-rança jurídica e no controle dos desvios e excessos cometidos por seus membros, por meio da análise de situações concre-tas que são levados à apreciação de seu Órgão de Solução de Controvérsias (OSC).

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    Contudo, a experiência acumulada demonstra que, em-bora o sistema de solução de controvérsias seja bastante uti-lizado para averiguação e identificação dos descumprimentos perpetrados por seus membros, as medidas corretivas coloca-das à disposição do OSC para forçar a retificação destas con-dutas nem sempre são efetivas ou podem apresentar riscos de conseqüências onerosas que desestimulam o membro vence-dor de uma disputa a fazer uso delas.

    Justifica-se, portanto, a necessidade de melhor com-preensão acerca do funcionamento das medidas corretivas atualmente oferecidas pelo Entendimento relativo às Normas e Procedimentos sobre Solução de Controvérsias (ESC)1 e, a partir de suas falhas, identificar alternativas capazes de for-talecer o objetivo do ESC de promover o cumprimento das regras e tornar o sistema acessível e efetivo a todos os mem-bros da OMC. Uma destas alternativas é a proposta da com-pensação monetária, objeto do presente estudo.

    1 Nota de esclarecimento: os textos em português dos artigos dos acordos da OMC citados neste trabalho foram consultados junto às versões traduzidas disponibilizadas no site do Ministério das Rela-ções Exteriores do Brasil, disponíveis em: . O “Anexo 2: Entendimento relativo às Normas e Procedimentos sobre Solução de Controvérsias”, está disponível em: . A versão em inglês, “Annex 2: Understanding on rules and procedures governing the settlement os disputes”, está disponível em: .

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    1. O Órgão de Solução de Controvérsias da Organi-zação Mundial do Comércio

    A pretensão ambiciosa de criação de uma organização internacional dotada de personalidade jurídica própria e responsável por administrar uma série de acordos comerciais multilaterais, muitos nascidos das disposições do GATT 1947 e outros formulados sobre os novos temas que foram incluí-dos em sua pauta de criação, fez nascer a Organização Mun-dial do Comércio (OMC). E junto com ela foi desenvolvido um arcabouço jurídico especializado, com regras voltadas à sua administração enquanto organização internacional, à ges-tão dos acordos comerciais e à resolução de litígios, inclusive com o estabelecimento de um Órgão de Solução de Con-trovérsias (OSC) próprio.2

    Aliás, exatamente no que se refere à solução de conflitos entre os seus países membros3, a criação do Órgão de Solu-ção de Controvérsias foi uma das grandes novidades resul-

    2 As primeiras rodadas de negociações ocorridas no âmbito do GATT de 1947 debateram tarifas alfandegárias. A Rodada Kennedy (1964-1967) incluiu a negociação sobre medidas anti-dumping e a Rodada Tóquio (1973-1979) abrangeu negociações sobre medidas não tarifárias e acordos de framework. A Rodada Uruguai (1986-1984) foi a mais ambiciosa até então realizada pois, além da inclusão de novos temas na pauta de negociações (serviços, normas jurídicas, propriedade intelec-tual, resolução de litígios, setor têxtil, agricultura, etc.) resultou na criação da OMC. A Rodada Doha, iniciada em 2001, tenta ampliar negociações sobre os temas já incorporados à agenda e busca a inclusão de novos te-mas, como o comércio eletrônico e questões relacionadas à promoção do comércio e desenvolvimento. WTO. “The GATT years: from Havana to Marrakesh”, em WTO. Understanding the WTO: Basics. Disponível em: .

    3 Até a conclusão do presente estudo, em julho de 2013, a OMC contava com 159 países membros. WTO. “Members and Observers”, em WTO. Understanding the WTO: The Organization. Disponível em: .

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    tantes da criação da OMC ao término da Rodada Uruguai, em abril de 1994. Pela primeira vez, o sistema multilateral de comércio passou a contar com um acordo específico para resolução de litígios, um conjunto de regras sistematizadas dispostas no Anexo 2 do Tratado de Marraqueche, o chama-do Entendimento relativo às Normas e Procedimentos sobre Solução de Controvérsias (ESC)4 ou Dispute Settlement Un-derstanding (DSU), composto por 27 artigos.

    Estas novas regras representaram um grande desenvol-vimento em relação ao sucinto tratamento que era dado à solução de litígios durante a vigência do sistema que antece-deu a OMC, o General Agreement on Trade and Tariffs (GATT 19475) e gerou grandes expectativas no sentido de que o novo sistema comercial multilateral teria maiores condições de fazer com que as decisões fossem, de fato, acatadas e im-plementadas por todos os membros. Como passou a ser dito entre os estudiosos da matéria, a OMC nasceu com “dentes” e poderia “morder” quem não se adequasse às suas regras.

    Antes da criação da OMC, o conteúdo referente à re-solução de litígios no comércio internacional estava disposto em apenas dois dispositivos do antigo acordo GATT 1947, nos artigos XXII e XXIII, os quais previam a realização de consultas, o estabelecimento de um Painel caso as consultas

    4 Artigo 2.1 do ESC: “Pelo presente Entendimento estabelece-se o Órgão de Solução de Controvérsias para aplicar as presentes normas e procedimentos e as disposições em matéria de consultas e solução de controvérsias dos acordos abrangidos, salvo disposição em contrário de um desses acordos. Consequentemente, o OSC tem competência para estabelecer grupos especiais, acatar relatórios dos grupos especiais e do Órgão de Apelação, supervisionar a aplicação das decisões e recomenda-ções e autorizar a suspensão de concessões e de outras obrigações deter-minadas pelos acordos abrangidos”.

    5 WTO. General Agreement on Trade and Tariffs 1947. Disponível em: .

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    restassem infrutíferas e a autorização para suspensão de con-cessões e obrigações. 6 O ESC inspirou-se nestas disposições

    6 Artigo XXII do GATT 1947: Consultation. “1. Each contracting party shall accord sympathetic consideration to, and shall afford adequate oppor-tunity for consultation regarding, such representations as may be made by another contracting party with respect to any matter affecting the operation of this Agree-ment. 2. The CONTRACTING PARTIES may, at the request of a contracting party, consult with any contracting party or parties in respect of any matter for which it has not been possible to find a satisfactory solution through consultation under paragraph 1.”. Artigo XXIII do GATT 1947: Nullification or Impair-ment. “1. If any contracting party should consider that any benefit accruing to it directly or indirectly under this Agreement is being nullified or impaired or that the attainment of any objective of the Agreement is being impeded as the result of: (a) the failure of another contracting party to carry out its obligations under this Agreement, or (b) the application by another contracting party of any measure, whether or not it conflicts with the provisions of this Agreement, or (c) the exis-tence of any other situation, the contracting party may, with a view to the satisfac-tory adjustment of the matter, make written representations or proposals to the other contracting party or parties which it considers to be concerned. Any contract-ing party thus approached shall give sympathetic consideration to the representa-tions or proposals made to it. 2.If no satisfactory adjustment is effected between the contracting parties concerned within a reasonable time, or if the difficulty is of the type described in paragraph 1 (c) of this Article, the matter may be referred to the CONTRACTING PARTIES. The CONTRACTING PARTIES shall promptly investigate any matter so referred to them and shall make appropriate recommendations to the contracting parties which they consider to be concerned, or give a ruling on the matter, as appropriate. The CONTRACTING PARTIES may consult with contracting parties, with the Economic and Social Council of the United Nations and with any appropriate inter-governmental organization in cases where they consider such consultation necessary. If the CONTRACTING PARTIES consider that the circumstances are serious enough to justify such ac-tion, they may authorize a contracting party or parties to suspend the application to any other contracting party or parties of such concessions or other obligations under this Agreement as they determine to be appropriate in the circumstances. If the application to any contracting party of any concession or other obligation is in fact suspended, that contracting party shall then be free, not later than sixty days after such action is taken, to give written notice to the Executive Secretary to the Contracting Parties of its intention to withdraw from this Agreement and such

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    iniciais do GATT 1947, incorporou-as7 com adaptações e estabeleceu um conjunto de regras para um foro legal es-pecializado, o Órgão de Solução de Controvérsias (OSC), que passou a ser competente para intermediar e resolver disputas por meio do acompanhamento de consultas e esta-belecimento de grupos especiais, adotar relatórios emanantes destes grupos especiais e do Órgão de Apelação, fiscalizar a implementação de decisões e conceder autorização para suspensão de concessões e obrigações, tudo no intuito de ga-rantir o cumprimento das regras da OMC por todos os seus membros.

    Durante a vigência do GATT 1947 cabia ao Con-selho, que era composto por todas as Partes Contratantes, decidir por consenso sobre a adoção das recomendações e conclusões do Painel e sobre autorização para suspensão de concessões. Todavia, a tomada de decisões por consenso era realizada na modalidade “positiva”, ou seja, uma decisão só era acatada se todos os membros manifestassem-se a favor. Isto comprometia totalmente o funcionamento da resolu-ção de litígios do sistema GATT 1947, já que o membro demandado, por meio de seu exercício de voto no Conse-lho do GATT, podia bloquear o alcance do consenso em decisões que lhe fossem contrárias. Desta forma, os litígios no antigo GATT eram resolvidos mais de forma unilateral ou por negociações diplomáticas do que por força de regras multilaterais.

    withdrawal shall take effect upon the sixtieth day following the day on which such notice is received by him.”.

    7 Por força do artigo 3.1 do ESC: “Os Membros afi rmam sua ade-Por força do artigo 3.1 do ESC: “Os Membros afirmam sua ade-são aos princípios de solução de controvérsias aplicados até o momento com base nos Artigos 22 e 23 do GATT 1947 e ao procedimento elabo-rado e modificado pelo presente instrumento”.

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    O ESC manteve a tomada de decisões pela via do con-senso como regra geral,8 mas incrementou o sistema. Con-forme a nota explicativa nº 1 contida em seu texto, conside-ra-se que o Órgão de Solução de Controvérsias decide uma matéria por consenso quando nenhum membro presente à reunião do OSC opõe-se formalmente à decisão adotada.9 Além disso, para situações específicas, o ESC estabeleceu a regra do consenso “negativo” ou “inverso”, por meio da qual as decisões referentes ao estabelecimento de grupo especial, à adoção de relatório de grupo especial ou do Órgão de Ape-lação e à autorização para suspender concessões ou outras obrigações são consideradas automaticamente aceitas, salvo se todos os membros presentes manifestarem-se contra.10 11

    Desta forma, ficou muito mais difícil para o membro demandado conseguir bloquear uma decisão que não lhe seja favorável, pois dependeria de manifestação semelhante por parte dos demais membros e do próprio membro de-mandante. Ademais, a regra do consenso negativo também contribui para inibir o membro demandado de manifestar--se contrário à cooperação com os procedimentos de ESC, sob pena de indispor-se diplomaticamente com os demais membros.

    Além da adoção da regra do consenso negativo em ocasiões pré-definidas, o OSC também cuidou de delimitar

    8 Artigo 2.4 do ESC: “Nos casos em que as normas e procedimen-Artigo 2.4 do ESC: “Nos casos em que as normas e procedimen-tos do presente Entendimento estabeleçam que o OSC deve tomar uma decisão tal procedimento será por consenso”.

    9 A nota explicativa nº 1 do ESC, ao explicar o termo “consenso”, esclarece: “Considerar-se-á que os OSC decidiu por consenso matéria submetida a sua consideração quando nenhum Membro presente à reu-nião do OSC na qual a decisão foi adotada a ela se opuser formalmente”.

    10 O consenso negativo está previsto nas situações descritas nos ar-O consenso negativo está previsto nas situações descritas nos ar-tigos 6.1, 16.4, 17.14, 22.6 e 22.7 do ESC.

    11 Até a data da finalização do presente trabalho, em julho de 2013, não havia registro de nenhum consenso negativo ocorrido na OMC.

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    prazos específicos para o cumprimento de cada etapa dos procedimentos e inovou ao criar o Órgão de Apelação, pos-sibilitando a interposição de recurso contra uma decisão des-favorável proferida pelo grupo especial.12

    Diante destas perspectivas, verifica-se que a criação de um Órgão de Solução de Controvérsias trouxe aos parti-cipantes do comércio internacional um conjunto de regras mais amplo e detalhado acerca dos procedimentos para re-solução de litígios, bem como mecanismos legais destinados a permitir que a OMC pudesse exercer maior poder de co-ação (“enforcement”) sobre seus membros para que as regras do comércio internacional fossem seguidas. Desta forma, objetivava-se que eventuais transgressões de regras e com-promissos seriam repreendidas por força de norma – e não por poder político ou econômico, ficando a mercê de nego-ciações diplomáticas.

    Com efeito, o texto do ESC, no artigo 23, dispõe sobre sua pretensão de fortalecimento (“strengthening”) do sistema multilateral e estabelecimento de um corpo comum de re-gras ao ressaltar que os membros devem recorrer às normas e procedimentos dispostos em seu texto quando pretenderem reparar “o não cumprimento de obrigações ou outro tipo de anu-lação ou prejuízo de benefícios resultantes de acordos abrangidos ou de um impedimento à obtenção de quaisquer dos objetivos de um acordo abrangido” 13 ao invés de aplicarem medidas unilaterais como resposta.

    12 Boossche, Peter Van Den. “Dispute Settlement – World Trade Organization: Module 3.1 Overview”, em UNCTAD. Course on Dispute Settlement. United Nations, 2003. Disponível em: .

    13 Artigo 23.1 do ESC: “Ao procurar reparar o não-cumprimento de obrigações ou outro tipo de anulação ou prejuízo de benefícios re-sultantes de acordos abrangidos ou um impedimento à obtenção de

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    E ao obrigar os membros a recorrerem a um foro espe-cializado para resolverem suas controvérsias, tendo em vista que o OSC encontra-se em plena atividade desde o início da vigência da OMC em 1.º de janeiro de 1995, já existe um grande histórico de jurisprudências formado, cujos casos práticos contribuíram para o levantamento de uma série de questões referentes às possibilidades de melhoria do sistema, 14 muitas das quais estão sendo estudadas durante a atual Ro-dada de Doha de negociações.

    Dentre outros aspectos, as experiências práticas colhidas ao longo destes anos questionam qual a real capacidade e efetividade das medidas disponibilizadas pelo Órgão de So-lução de Controvérsias ao membro vencedor de uma disputa para forçar a parte contrária a adequar suas condutas impró-prias aos textos dos acordos. Questionam também quais os ônus experimentados pelos membros demandantes e deman-dados com a utilização destas medidas. Por conseqüência, estes questionamentos obrigam à reflexão sobre alternativas de melhoria do sistema diante de suas falhas, dentre as quais inclui-se a sugestão da utilização pelo OSC da compensação na forma monetária.

    quaisquer dos objetivos de um acordo abrangido, os Membros deverão recorrer e acatar as normas e procedimentos do presente Entendimento”.

    14 Conforme dados estatísticos colhidos junto ao site da OMC, desde janeiro de 1995 até a conclusão do presente estudo, em julho de 2013, o Órgão de Solução de Controvérsias contava com um histórico de 461 demandas, dentre litígios encerrados e em andamento. WTO. “Chronological list of dispute cases”, em WTO. Trade topics: Dispute Settlement: The disputes. Disponível em: .

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    2. Do processo à implementação e execução das decisões proferidas pelo Órgão de Solução de Controvérsias

    Para uma melhor compreensão dos êxitos e falhas exis-tentes nas atuais medidas disponibilizadas pelo ESC para for-çar o cumprimento de uma determinação de adequação de condutas aprovada pelo OSC, convém que seja demonstrado, de forma sucinta, o percurso de uma demanda no âmbito da OMC. Conforme a evolução do conflito entre as partes, as etapas do mecanismo de solução de controvérsias na OMC podem ser as seguintes: a) consultas, b) estabelecimento de grupo especial (painel), c) recurso ao Órgão de Apelação, d) aprovação da recomendação pelo OSC, e) implementação da recomendação pelo membro demandado, f) acompanha-mento pelo OSC sobre a implementação da recomendação, g) negociação de medidas de compensação ou aplicação de contramedidas por meio da suspensão de concessões ou outras obrigações em caso de não implementação, h) arbi-tragem sobre a adequação de contramedida. Ainda, a qual-quer momento, podem as partes optar pelos procedimentos alternativos dos bons ofícios, conciliação e mediação ou arbitragem.15

    15 Nos termos do artigo 3.7 do ESC: “Antes de apresentar uma reclamação, os Membros avaliarão a utilidade de atuar com base nos presentes procedimentos. O objetivo do mecanismo de solução de con-trovérsias é garantir uma solução positiva para as controvérsias. Deverá ser sempre dada preferência à solução mutuamente aceitável para as partes em controvérsia e que esteja em conformidade com os acordos abrangidos. Na impossibilidade de uma solução mutuamente acordada, o primeiro objetivo do mecanismo de solução de controvérsias será ge-ralmente o de conseguir a supressão das medidas de que se trata, caso se verifique que estas são incompatíveis com as disposições de qualquer dos acordos abrangidos. Não se deverá recorrer à compensação a não ser nos casos em que não seja factível a supressão imediata das medidas incompa-

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    O pedido de consultas pode ser solicitado por um membro ao outro diante de uma situação de suspeitas para fins de averiguação de eventuais descumprimentos de obri-gações e anulações ou prejuízos causados (artigo 4 do ESC). O pedido de consultas deve ser formal, por escrito e funda-mentado, mediante notificação ao OSC, Conselhos e Comi-tês pertinentes.

    Se uma solução satisfatória não for encontrada no pra-zo de 60 dias, o membro reclamante poderá dar início a um processo formal, solicitando ao OSC o estabelecimento de um grupo especial (artigos 6 a 16 do ESC), composto por 3 a 5 árbitros qualificados para analisar e decidir sobre a matéria em questão, mediante apresentação de documentos e argumentos escritos pelos membros litigantes. Quando as partes envolvidas na controvérsia não conseguem atingir uma solução mutuamente satisfatória, o grupo especial é res-ponsável por analisar a compatibilidade da conduta apontada como imprópria com o os acordos da OMC pertinentes e formular relatórios com conclusões e recomendações. Estes relatórios são encaminhados ao OSC para exame e adoção.

    Mas antes da análise do OSC, os membros envolvidos na controvérsia podem examiná-los e, se não concordarem com as conclusões dos relatórios, podem apelar ao Órgão de Apelação. Nesta fase, as alegações das partes são limitadas ao questionamento de questões de direito e interpretações jurídicas formuladas pelo grupo especial (artigos 17 e 18 do ESC), sem rediscussão de fatos. Uma vez analisadas as matérias

    tíveis com o acordo abrangido e como solução provisória até a supressão dessas medidas. O último recurso previsto no presente Entendimento para o Membro que invoque os procedimentos de solução de controvér-sias é a possibilidade de suspender, de maneira discriminatória contra o outro Membro, a aplicação de concessões ou o cumprimento de outras obrigações no âmbito dos acordos abrangidos, caso o OSC autorize a adoção de tais medidas”.

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    questionadas, os relatórios concluídos pelo Órgão de Apela-ção são finalmente encaminhados ao OSC, que decidirá pela sua adoção ou não.

    Uma vez adotados os relatórios pelo OSC, as partes demandantes ficam vinculadas ao seu cumprimento e inicia--se o momento mais aguardado pelo membro demandante: o da implementação das recomendações e decisões, com a adequação imediata das condutas irregulares praticadas pelo demandando.16 Caso seja impraticável o pronto cumprimen-to – o que na maioria das vezes é argumentado e deve ser atestado mediante justificativas plausíveis –, é prevista ao de-mandado a possibilidade de gozar de um “período de tempo razoável”, a ser definido levando em consideração o menor tempo possível para que as medidas necessárias ao cumpri-mento das decisões sejam providenciadas. Cabe ao OSC, com o auxílio do membro interessado, acompanhar o cum-primento das decisões (artigo 21.6 do ESC).

    Importa salientar que, nos termos do artigo 21.3 do ESC, este “período razoável de tempo” ou “reasonable period of time” pode ser estabelecido da seguinte forma: a) propo-sição pelo membro interessado, desde que aprovado pelo OSC, b) prazo mutuamente acordado pelas partes no prazo de 45 dias a partir da adoção das recomendações, ou c) me-diante arbitragem compulsória no prazo de 90 dias após a data de adoção das recomendações e decisões. Conforme alí-nea “c”, o período razoável de tempo não poderia exceder a 15 meses. Contudo, a mesma alínea prevê que este prazo po-derá ser maior ou menor, conforme singularidades do caso concreto, como, por exemplo, a flexibilidade dos procedi-mentos legislativos do membro demandado. Ainda, quando o

    16 Artigo 21.1 do ESC: “O pronto cumprimento das recomenda-Artigo 21.1 do ESC: “O pronto cumprimento das recomenda-ções e decisões do OSC é fundamental para assegurar a efetiva solução das controvérsias, em benefício de todos os Membros”.

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    membro demandado for um país em desenvolvimento, suas particularidades e os impactos que uma nova medida terá em sua economia devem receber especial atenção, como prevê o artigo 21.2.

    No entanto, de acordo com o atual texto em vigor, o que acontece se o membro demandado não implementar as decisões e recomendações dentro do “período de tempo ra-zoável”? Para esta indesejável hipótese o ESC prevê, ao lon-go do artigo 22, duas respostas que podem ser temporaria-mente utilizadas até que as decisões e recomendações sejam implementadas: a negociação de medidas de compensação entre demandante e demandado e a suspensão de concessões ou outras obrigações por parte do demandante contra o de-mandado (também chamada, usualmente, de “retaliação” 17). Como dito, são medidas para vigência temporária, pois “nem a compensação nem a suspensão de concessões ou de outras obriga-ções é preferível à total implementação de uma recomendação com o objetivo de adaptar uma medida a um acordo abrangido” 18, mas que são utilizadas como forma de induzir e forçar o membro demandado a seguir as regras estabelecidas para o comércio

    17 O termo “retaliação” não se encontra oficialmente expresso nos textos da OMC, assim como também não era empregado no texto do GATT 1947. Contudo, é constantemente utilizado no vocabulário do sistema de solução de controvérsias por traduzir a autorização concedida pelo OSC a um membro demandante para reagir contra o membro de-mandado que não corrige suas condutas, fazendo uso de uma ação seme-lhante àquela que lhe causou prejuízos.

    18 Artigo 22.1 do ESC: “A compensação e a suspensão de con-Artigo 22.1 do ESC: “A compensação e a suspensão de con-cessões ou de outras obrigações são medidas temporárias disponíveis no caso de as recomendações e decisões não serem implementadas dentro de prazo razoável. No entanto, nem a compensação nem a suspensão de concessões ou de outras obrigações é preferível à total implementação de uma recomendação com o objetivo de adaptar uma medida a um acordo abrangido. A compensação é voluntária e, se concedida, deverá ser com-patível com os acordos abrangidos”.

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    internacional, pressionando seu governo a retificar a conduta repreendida pelo OSC.

    Portanto, verifica-se que o ESC, com o intuito de ga-rantir uma solução positiva para as controvérsias, conta atual-mente com três medidas de correção (“remedies”) que devem servir como resposta à constatação de condutas violadoras do comércio internacional, estabelecidas no artigo 3.719. São elas: i) supressão de medidas inadequadas (“withdrawal of WTO inconsistent measures”) com a implementação das reco-mendações, ii) medidas de compensação (“compensation”) e iii) suspensão de concessões ou outras obrigações (“suspen-sion of concessions or other obligations”).20

    As recomendações, como visto, devem ser prontamente implementadas ou, sendo autorizado pelo OSC, poderá o membro demandado gozar um prazo razoável para fazê-lo. Caso contrário, são cabíveis outras duas medidas, de caráter temporário que objetivam forçar a parte contrária a cumprir as recomendações: a compensação ou a suspensão de conces-sões ou outras obrigações. 21 A escolha de utilização de uma

    19 Artigo 3.7 do ESC: vide nota de rodapé nº 15.20 Adebukola A. Eleso explica que estas medidas corretivas (reme-

    dies) são de duas espécies: i) as medidas de correção comerciais (trade remedies), tratadas no acordo do GATT 1994, as quais incluem as obri-gações antidumping (artigo VI), medidas compensatórias (artigo XVI) e medidas de salvaguardas (artigo XIX), e ii) as medidas de correção do Entendimento de Solução de Controvérsias (Dispute Settlement remedies), as quais estão apontadas no artigo 3.7 do ESC: recomendações, medidas de compensação e suspensão de concessões ou outras obrigações. Eleso, Adebukola A. “WTO Dispute Settlement Remedies: monetary compen-sations as an alternative for developing countries”. American University, 2006. Disponível em: . p. 6-11.

    21 Artigo 22.8 do ESC: “A suspensão de concessões ou outras obri-Artigo 22.8 do ESC: “A suspensão de concessões ou outras obri-gações deverá ser temporária e vigorar até que a medida considerada in-compatível com um acordo abrangido tenha sido suprimida, ou até que o Membro que deva implementar as recomendações e decisões forneça

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    ou de outra depende do interesse das partes no caso con-creto em negociarem juntas uma medida compensatória até que a implementação da decisão seja totalmente concluída ou, na ausência de acordo entre as partes, dependerá da von-tade e, sobretudo, da possibilidade do membro demandante em tentar forçar o demandado a realizar a implementação das adequações necessárias.

    2.1. As recomendações

    Nos termos do artigo 3.7 do ESC, na ausência de uma solução alcançada de forma mutuamente aceita entre as par-tes e em consonância com os acordos, o objetivo primordial do mecanismo de solução de controvérsias é fazer com que o membro demandado promova a “supressão das medidas” (“the withdrawal of the measures”) incompatíveis com as dispo-sições dos acordos da OMC.

    Para atendimento desta previsão do artigo 3.7, dispõe o artigo 19 do ESC22 que quando um grupo especial ou o

    uma solução para a anulação ou prejuízo dos benefícios, ou até que uma solução mutuamente satisfatória seja encontrada. De acordo com o esta-belecido no parágrafo 6 do Artigo 21, o OSC deverá manter sob super-visão a implementação das recomendações e decisões adotadas, incluindo os casos nos quais compensações foram efetuadas ou concessões ou ou-tras obrigações tenham sido suspensas mas não tenham sido aplicadas as recomendações de adaptar uma medida aos acordos abrangidos”.

    22 Artigo 19 do ESC: “Recomendações dos Grupos Especiais e do Órgão de Apelação. 1. Quando um grupo especial ou o órgão de Apela-ção concluir que uma medida é incompatível com um acordo abrangido, deverá recomendar que o Membro interessado torne a medida com-patível com o acordo. Além de suas recomendações, o grupo especial ou o órgão de Apelação poderá sugerir a maneira pela qual o Membro interessado poderá implementar as recomendações. 2. De acordo com o parágrafo 2 do Artigo 3, as conclusões e recomendações do grupo especial

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    Órgão de Apelação (no caso de recurso) concluir que houve violação das regras dos acordos da OMC, devem recomendar ao membro demandado que torne sua conduta compatível com os acordos. Para tanto, devem indicar a maneira pela qual o membro demandado poderá implementar as decisões, seja interrompendo a prática de condutas abusivas ou por meio de mudanças na legislação doméstica que esteja in-compatível com os acordos, por exemplo, desde que estas in-dicações não ampliem ou diminuam os direitos e obrigações já existentes nos acordos abrangidos.

    A aprovação do OSC a estas recomendações produz o efeito de vincular o membro demandado ao cumprimen-to imediato da decisão proferida, o qual deverá indicar suas intenções com relação à implementação das decisões e reco-mendações que lhe forem feitas (artigo 21.3 do ESC), escla-recendo se realizará o pronto cumprimento ou se precisará de um tempo razoável.

    2.2. A utilização de medidas de compensação

    Se dentro do prazo estipulado como “razoável” o mem-bro demandado não corrigir as medidas apontadas como in-compatíveis pelo OSC, sendo de seu interesse, poderá entrar em negociações com o membro demandante, ainda antes da expiração do prazo, para oferecer-lhe compensações. A ini-ciativa da proposta de compensação pode partir do deman-dado ou do demandante, mas sua negociação é voluntária e depende do consenso entre as partes envolvidas, para que seja mutuamente satisfatória.

    e do órgão de Apelação não poderão ampliar ou diminuir os direitos e obrigações derivados dos acordos abrangidos”.

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    O texto do ESC não explicita qual deve ser o objeto das compensações, tendo-se limitado a apontá-las como me-didas voluntárias, aplicáveis temporariamente em situações cuja implementação imediata das decisões do OSC não seja possível. Seus requisitos são: mútua satisfação entre os litigan-tes e compatibilidade com os acordos abrangidos. Quanto aos meios utilizáveis para sua efetivação, a OMC, em seu site, aponta que a compensação não significa “pagamento mone-tário”, mas um benefício comercial a ser oferecido.23

    Assim, as compensações parecem ter sido previstas no ESC como possibilidade de concessão de vantagens co-merciais ao demandante, tais como maior abertura em um determinado setor de seu mercado ou redução de alíquotas para suas exportações, de forma proporcional às anulações ou prejuízos sofridos pelo demandante. Entretanto, ressalte-se que, na forma como está literalmente redigido, o texto do ESC não exclui a aplicabilidade de uma compensação pela via monetária,24 conforme será retomado adiante.

    23 Conforme explicação contida no site da OMC: “This compen-sation does not mean monetary payment; rather, the respondent is supposed to offer a benefit, for example a tariff reduction, which is equivalent to the benefit which the respondent has nullified or impaired by applying its measure”. WTO. “Compensation”, em WTO. Trade topics: Disputes: Dispute Settlement System Training Module: Chapter 6. The process – Stages in a typical WTO dispute settlement case. Disponível em: .

    24 Neste sentido: “The DSU neither provides for nor prohibits mon-etary compensation”. South Centre. The WTO dispute settlement system: issues to consider in the DSU negotiations. SC/TADP/TA/DS/1. Octo-SC/TADP/TA/DS/1. Octo-ber, 2005. Disponível em: . p. 17. “The term “compensa-tion” under Article 22 has been referred to trade compensation although the possibility of the monetary payment is not literally excluded”. Yang, Pei-kan. “Some thoughts on a feasible operation of monetary compensation as an alternative to current remedies in the WTO dispute settlement”, em

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    Ocorre que, na prática, as compensações na forma de benefícios comerciais podem não parecer muito atraentes aos demandantes pois, quando negociadas, devem observar as regras dos acordos da OMC (artigo 22.1 do ESC)25, dentre as quais inclui-se a regra da cláusula da nação mais favore-cida26. Ou seja, os benefícios concedidos pelo demandado ao demandante devem ser estendidos também aos demais membros da OMC. Desta forma, eventuais favorecimentos

    Asian Journal of WTO & International Health Law and Policy. Vol. 3, nº2, Se-tembro-2008, p. 423-464. Disponível em: . p. 433. “Despite the fact that the text of the DSU does not explicitly prohibit this compensation from being monetary, the term compensation as used in the DSU has not been taken to mean monetary payment or other remuneration, instead, it has simply meant that the offending member will provide additional trade benefits often in the form of tariff rate reduction or greater market Access to the complaining party”. KilemBe, Felisah Rose. Monetary com-pensation as a remedy in the WTO dispute settlement system. Saarbrücken: Lap Lambert Academic Publishing GmbH & Co. KG, 2012. p. 17.

    25 Artigo 22.1: “[...] A compensação é voluntária e, se concedida, deverá ser compatível com os acordos abrangidos”.

    26 Conforme explicação contida no site da OMC acerca do prin-Conforme explicação contida no site da OMC acerca do prin-cípio da “Nação mais favorecida” ou “Most favoured nation (MFN)”: “Un-der the WTO agreements, countries cannot normally discriminate between their trading partners. Grant someone a special favour (such as a lower customs duty rate for one of their products) and you have to do the same for all other WTO members”. WTO. “Principles of the trading system”, em WTO. The WTO: What is the WTO: Understanding the WTO. Disponível em: . O artigo 1 do GATT 1994 assim define o princípio da “Nação mais favorecida”: “With respect to customs duties and charges of any kind imposed on or in con-nection with importation or exportation or imposed on the international transfer of payments for imports or exports, and with respect to the method of levying such duties and charges, and with respect to all rules and formalities in connection with importation and exportation, and with respect to all matters referred to in paragraphs 2 and 4 of Article III, any advantage, favour, privilege or immunity granted by any contracting party to any product originating in or destined for any other country shall be accorded immediately and unconditionally to the like prod-uct originating in or destined for the territories of all other contracting parties”.

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    comerciais concedidos pelo demandado favorecerão todos os membros OMC.27

    Decorrem, então, as seguintes hipóteses práticas: se o país demandante não for o principal exportador para o mer-cado do demandado, ou se não detiver parcela significativa do mercado em que a compensação for ofertada, poderá não se interessar em aceitar medidas de compensação de abertu-ra comercial ou redução de alíquotas, visto que os maiores beneficiários poderão ser outros membros da OMC que tenham maiores participações naquele mercado, ao invés do próprio demandante.

    Portanto, a conveniência da medida de compensação merece avaliação conforme o caso concreto, ou poderá não ser interessante ao demandante, que preferirá fazer uso da outra medida corretiva disponibilizada pelo ESC, a suspensão de concessões ou outras obrigações (retaliação).

    2.3. A utilização de medidas de suspensão de con-cessões ou outras obrigações

    Se logo após a expiração do prazo razoável28 as partes não tiverem acordado nenhuma medida de compensação

    27 A OMC, ao explicar a necessidade da conformidade da medida de compensação com os seus demais acordos (artigo 22.1 do ESC) salienta: “Conformity with the covered agreements implies, notably, consistency with the most--favoured-nation obligations”. WTO. “Compensation”. op. cit. Neste mesmo sentido: “Moreover, since it has to conform to the requirements of the Most Favored Nation (MFN) clause, a violating member may effectively have to provide compensa-tion to all its trading partners”. Lee, Kil Won. Improving remedies in the WTO dis-pute settlement system. 203f. Tese (Doutorado em Direito). Graduate College of the University of Illinois at Urbana-Champaign. 2011. Disponível em: . ps. 30-31.

    28 Quanto ao momento em que as partes podem solicitar ao OSC a autorização para aplicação de medidas de retaliação, embora não seja

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    tema específico do presente estudo, importa deixar consignado que a doutrina e a jurisprudência da OMC tiveram que se posicionar quanto ao “problema do sequenciamento”, em razão de o texto do ESC ter apresentado lacunas no que se refere à seqüência correta a ser seguida entre os artigos 21.5, 22.2 e 22.6. Com efeito, o artigo 22.2 ora referi-do fixa que o pedido de autorização ao OSC para retaliar deve ocorrer em até 20 dias após a expiração do prazo razoável, nos seguintes termos: “[...]. Se dentro dos 20 dias seguintes à data de expiração do prazo razo-ável não se houver acordado uma compensação satisfatória, quaisquer das partes que hajam recorrido ao procedimento de solução de controvérsias poderá solicitar autorização do OSC para suspender a aplicação de con-cessões ou de outras obrigações decorrentes dos acordos abrangidos ao Membro interessado”. A seguir, o artigo 22.6 disciplina que: “Quando ocorrer a situação descrita no parágrafo 2, o OSC, a pedido, poderá con-ceder autorização para suspender concessões ou outras obrigações dentro de 30 dias seguintes à expiração do prazo razoável, salvo se o OSC deci-dir por consenso rejeitar o pedido. [...]”. Entretanto, o artigo 21.5 apre-senta uma outra opção às partes litigantes antes do pedido de solicitação de autorização para retaliar, que diz respeito à possibilidade de abertura de um Painel de Implementação para verificação da compatibilidade entre os acordos abrangidos e eventuais medidas adotadas pelo mem-bro demandado para cumprir as determinações do OSC: “Em caso de desacordo quanto à existência de medidas destinadas a cumprir as reco-mendações e decisões ou quanto à compatibilidade de tais medidas com um acordo abrangido, tal desacordo se resolverá conforme os presentes procedimentos de solução de controvérsias, com intervenção, sempre que possível, do grupo especial que tenha atuado inicialmente na questão. [...]”. O problema ocorre na medida em que, ao pleitear a abertura de um ou mais Painéis de Implementação com fundamento no art. 21.5, as partes podem perder os prazos previstos nos artigos 22.2 e 22.6. Diante disso, nos casos concretos os membros têm convencionado duas práticas. Ou as partes fazem a solicitação simultânea de um Painel de Implemen-tação e de autorização para suspensão de concessões, sendo que o proces-so de retaliação permanece suspenso até a conclusão do Painel de Imple-mentação. Ou, as partes deixam convencionado que recorrerão primeiro ao Painel de Implementação e, posteriormente, caso seja constatado que as decisões do OSC não foram implementadas, o membro demandante poderá solicitar autorização para retaliação sem que o demandado possa alegar a decorrência dos prazos dos artigos 22.2 e 22.6.

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    satisfatória, o demandante tem a opção de solicitar ao OSC autorização para “retaliar” o demandado, ou seja, suspender a aplicação de concessões ou de outras obrigações decorrentes dos acordos abrangidos.

    Este sistema de suspensão de concessões ou outras obri-gações, também comumente referido como “retaliação”, é um dos grandes trunfos do ESC, considerado os mencio-nados “dentes” da OMC. Afinal, trata-se de uma ferramenta disponibilizada ao membro demandante que não depende de concordância do demandado, mas da autorização do OSC. Uma vez autorizada, resta ao membro demandado apenas questionar o grau de suspensão ou questionar o alvo das retaliações.29

    Desta forma, o demandante usufrui de um mecanismo legal para pressionar o governo e a economia do deman-dado a adequarem-se às regras da OMC. Por seu caráter “sancionatório”30, é a medida corretiva mais almejada pelos

    29 Artigo 22.6 do ESC: “Quando ocorrer a situação descrita no pa-Artigo 22.6 do ESC: “Quando ocorrer a situação descrita no pa-rágrafo 2, o OSC, a pedido, poderá conceder autorização para suspender concessões ou outras obrigações dentro de 30 dias seguintes à expiração do prazo razoável, salvo se o OSC decidir por consenso rejeitar o pedido. No entanto, se o Membro afetado impugnar o grau da suspensão propos-to, ou sustentar que não foram observados os princípios e procedimentos estabelecidos no parágrafo 3, no caso de uma parte reclamante haver solicitado autorização para suspender concessões ou outras obrigações com base no disposto nos parágrafos 3.b ou 3.c, a questão será submetida a arbitragem. A arbitragem deverá ser efetuada pelo grupo especial que inicialmente tratou do assunto, se os membros estiverem disponíveis, ou por um árbitro designado pelo Diretor-Geral, e deverá ser completada dentro de 60 dias após a data de expiração do prazo razoável. As conces-sões e outras obrigações não deverão ser suspensas durante o curso da arbitragem”.

    30 Para Steve Charnovitz, a possibilidade de retaliação equivale a uma sanção autorizada pelo OSC. Pondera que embora os acordos da OMC não utilizem a palavra “sanção”, o propósito da OMC é induzir o cumprimento de regras (“to induce compliance”) e, dadas as suas caracte-

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    membros demandantes insatisfeitos com a inércia dos mem-bros demandados.31 Ainda que um membro demandante não execute efetivamente a retaliação, a simples obtenção de autorização do OSC para executá-la e a divulgação de listas dos possíveis setores que sofreriam a retaliação, já pode fun-cionar como forma de pressionar e induzir o demandado a agilizar o processo de adequação de suas condutas.

    Dada a sua grande importância e poder de interferência na economia alheia, a possibilidade de retaliação é prevista como último recurso a ser utilizado pelas partes e depende, repita-se, de autorização do OSC para ser implementada. Para que seja autorizada, há uma série de requisitos que de-vem ser observados pelo membro demandante na formaliza-ção do pedido, tais como a necessidade da medida, a propor-ção com relação aos danos e prejuízos sofridos, os aspectos econômicos envolvidos relativos à importância do comércio prejudicado e às conseqüências gerais que podem decorrer da efetivação da retaliação.

    As diretrizes para determinação de quais concessões ou obrigações são passíveis de suspensão pelo membro deman-dante estão dispostas no artigo 22.332 do ESC. Conforme

    rísticas, aponta que o conteúdo do artigo 22 é justamente o de aplicação de sanção. Charnovitz, Steve. Rethinking WTO trade sanctions. Janeiro 1, 2001. Disponível em: . p. 2.

    31 Em um artigo publicado em 2009, Joost Pauwelyn aponta que no período de 13 anos em funcionamento desde a sua criação, a OMC já havia autorizado dezessete pedidos de retaliação. Pauwelyn, Joost. The law, economics and politics of retaliation in WTO dispute settlement. 2009. Disponível em: .

    32 Artigo 22.3 do ESC: “Ao considerar quais concessões ou ou-Artigo 22.3 do ESC: “Ao considerar quais concessões ou ou-tras obrigações serão suspensas, a parte reclamante aplicará os seguintes princípios e procedimentos: (a) o princípio geral é o de que a parte re-clamante deverá procurar primeiramente suspender concessões ou outras obrigações relativas ao(s) mesmo(s) setor(es) em que o grupo especial ou

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    Órgão de Apelação haja constatado uma infração ou outra anulação ou prejuízo; (b) se a parte considera impraticável ou ineficaz a suspensão de concessões ou outras obrigações relativas ao(s) mesmo(s) setor(es), poderá procurar suspender concessões ou outras obrigações em outros setores abarcados pelo mesmo acordo abrangido; (c) se a parte considera que é impraticável ou ineficaz suspender concessões ou outras obrigações relativas a outros setores abarcados pelo mesmo acordo abrangido, e que as circunstâncias são suficientemente graves, poderá procurar suspender concessões ou outras obrigações abarcadas por outro acordo abrangido; (d) ao aplicar os princípios acima, a parte deverá levar em consideração: (i) o comércio no setor ou regido pelo acordo em que o grupo especial ou Órgão de Apelação tenha constatado uma violação ou outra anulação ou prejuízo de benefícios, e a importância que tal comércio tenha para a parte; (ii) os elementos econômicos mais gerais relacionados com a anulação ou prejuízo e as conseqüências econômicas mais gerais da sus-pensão de concessões ou outras obrigações; (e) se a parte decidir solicitar autorização para suspender concessões ou outras obrigações em virtude do disposto nos subparágrafos (b) ou (c), deverá indicar em seu pedido as razões que a fundamentam. O pedido deverá ser enviado simultane-amente ao OSC e aos Conselhos correspondentes e também aos órgãos setoriais correspondentes, em caso de pedido baseado no subparágrafo (b). (f) para efeito do presente parágrafo, entende-se por “setor”: (i) no que se refere a bens, todos os bens; (ii) no que se refere a serviços, um setor principal dentre os que figuram na versão atual da “Lista de Classi-ficação Setorial dos Serviços” que identifica tais setores; (iii) no que con-cerne a direitos de propriedade intelectual relacionados com o comércio, quaisquer das categorias de direito de propriedade intelectual com-preendidas nas secções 1, 2, 3, 4, 5, 6 ou 7 da Parte II, ou as obrigações da Parte III ou da Parte IV do Acordo sobre TRIPS; (g) para efeito do presente parágrafo, entende-se por “acordo”:(i) no que se refere a bens, os acordos enumerados no anexo 1A do Acordo Constitutivo da OMC, tomados em conjunto, bem como os Acordos Comerciais Plurilaterais na medida em que as partes em controvérsia sejam partes nesses acordos;(ii) no que concerne a serviços, o GATS; (iii) no que concerne a direitos de propriedade intelectual, o Acordo sobre TRIPS”. A mencionada “Lista de Classificação Setorial dos Serviços” no parágrafo (f), subparágrafo (ii), está disponível no link: . WTO. MTN/GNS/W/120. Services Sectoral Classification List. July 10, 1991.

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    escala estabelecida, o ESC determina que, preferencialmente, a retaliação deverá ocorrer no mesmo setor em que o Es-tado infrator aplicou medidas inconsistentes com as regras da OMC. Se não for possível no mesmo setor, permite-se a realização de suspensões em outro setor, mas dentro do mes-mo acordo. Apenas na impossibilidade de execução dentre as duas primeiras opções será permitido ao membro deman-dante realizar suspensões em acordo diverso do qual ocorreu a violação, prática essa chamada de “retaliação cruzada”.

    Uma vez autorizada e iniciada, a retaliação funciona como uma medida temporária e não como a solução final ao litígio, uma vez que o seu fim último não é a retaliação em si, mas promover a indução da total implementação das recomendações e decisões por parte do membro demandado. Assim, a retaliação pode vigorar até que o membro deman-dado suprima ou corrija a medida considerada incompatível com os acordos da OMC, ou até que uma solução final seja encontrada (art. 22.8 do ESC).

    Diante destas características, as medidas de retaliação são mais utilizadas do que as medidas de compensação.33 A sua simples previsão no ESC possui um certo efeito dissuasivo, pois incentiva os membros a respeitarem as regras da OMC já que nenhum deles gostaria de sofrer alguma retaliação que pudesse prejudicar seu comércio internacional.

    Em uma análise superficial, a possibilidade de “retalia-ção” pode ser considerada uma poderosa arma do ESC co-

    33 Conforme dados levantados por Kil Won Lee, até o ano de 2011, a utilização de medidas de compensação teria ocorrido apenas em quarto disputas: i) Japan – Taxes on Alcoholic Beverages (DS8, DS10, DS11), ii) Turkey – Restrictions on Imports of Textile and Clothing Products (DS 34), iii) United States Definitive Safeguard Measures on Imports of Circular Welded Carbon Quality Line Pipe from Korea (DS202), e iv) United States – Sec-tion 110 (5) of the US Copyright Act (DS 160). Nos três primeiros casos a compensação ocorreu de forma comercial e, no último caso, de forma monetária. Lee, Kil Won. op. cit. ps. 31-32.

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    locada à disposição do membro demandante para fazer com que o membro demandado corrija suas condutas violadoras do livre comércio internacional. Entretanto, na prática, nem sempre os membros demandantes conseguem implemen-tar uma medida de retaliação. Assim como, nem sempre as consequências da execução desta medida se mostram favo-ráveis ao demandante. São diversos os fatores políticos, eco-nômicos e técnicos que influenciam na tomada de decisão de aplicação de uma medida de retaliação e que precisam ser ponderados pelo membro demandante que pretender implementá-la.

    3. Os problemas de utilização das medidas previstas no artigo 22 do ESC

    Como visto, caso o membro demandado não imple-mente prontamente ou dentro do “prazo razoável” conce-dido as decisões e recomendações que lhe foram feitas para adequação de suas condutas perante os acordos da OMC, restam às partes a possibilidade de utilização temporária das medidas previstas no artigo 22 do ESC.

    Entretanto, é necessário que as partes, especialmente o membro demandante que já estará acumulando prejuízos desde o início das práticas ilegais pelo demandando, equacio-nem quais serão suas vantagens e desvantagens antes de to-mar qualquer decisão. É nesse momento que o membro de-mandante precisa considerar se os possíveis prejuízos que sua economia poderá sofrer ao fazer uso do artigo 22 não serão maiores do que os prejuízos já acumulados. Diante deste ce-nário, torna-se imperioso analisar as principais desvantagens da aplicação das medidas previstas no artigo 22,34 principal-

    34 O presente estudo não objetiva esgotar os aspectos desvantajosos da implementação das decisões, mas analisar algumas das críticas mais

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    mente no que se refere às medidas de “retaliação”, que são as mais utilizadas no sistema.

    Um primeiro aspecto relevante do atual sistema diz res-peito às possíveis conseqüências reversas desastrosas de uma retaliação, cuja intensidade depende do potencial econômi-co do país demandante. Com efeito, quando um membro demandante decide retaliar o demandado, ao analisar quais produtos ou serviços serão acometidos pelas medidas reta-liatórias, o demandante tende a optar por aqueles capazes de causar maior impacto e perdas ao demandado, com o intuito de pressioná-lo a implementar as decisões do OSC o quanto antes. Assim, o demandante tende a buscar restringir a im-portação ou elevar as alíquotas dos itens que o seu mercado nacional mais importar do demandado.

    Ocorre que, quando se trata de um país em desenvol-vimento litigando contra um país desenvolvido, os produtos ou serviços mais exportados pelo demandado ao demandan-te podem ser justamente aqueles de que os consumidores do demandante mais precisem ou com relação aos quais sejam muito dependentes, como componentes para a indústria ou produtos básicos, por exemplo. Portanto, elevar as alíquotas ou restringir a importação de produtos ou serviços do mem-bro demandado pode acabar por encarecê-los em demasia e impor altos custos aos seus consumidores domésticos que deles dependam, aumentando ainda mais os prejuízos já so-fridos por sua própria economia.

    Por conseguinte, afere-se que a retaliação é capaz de impor prejuízos ao demandado, mas também, indesejavel-mente, ao próprio demandante, o que significa dizer, nas pa-lavras de Charnovitz, que “os dentes mordem de volta”35.

    comuns ao sistema e cujos efeitos poderiam ser reduzidos com a adoção oficial da “compensação monetária” como uma das medidas corretivas do ESC, conforme análises realizadas no item 4, a seguir.

    35 Após o surgimento da OMC e da criação de seu órgão de so-Após o surgimento da OMC e da criação de seu órgão de so-lução de controvérsias, passou-se a dizer que o sistema multilateral co-

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    Fica claro, então, que o sistema de solução de contro-vérsias da OMC acaba por favorecer países desenvolvidos. Não apenas porque as maiores economias possuem maior condição financeira e conhecimentos técnicos para fazer uso do sistema, mas porque, ainda que um país menos favorecido economicamente consiga financiar o desenvolvimento de uma resolução de controvérsia perante o OSC, caso saia vi-torioso e vislumbre como necessário implementar uma me-dida de retaliação, terá dificuldades em executá-la sem pre-judicar a si próprio. Será difícil ao país em desenvolvimento ou menos desenvolvido, com grande dependência de bens e serviços importados, elaborar uma lista dos produtos retali-áveis. E, possivelmente, as medidas de retaliação implemen-tadas por países mais pobres poderão não significar grandes prejuízos ao demandado, especialmente se o demandado for uma grande economia e o demandante representar-lhe um mercado pequeno. Conseqüentemente, a medida de retalia-ção em um caso deste não causará impacto suficiente para induzir o membro demando a corrigir suas condutas.36

    mercial tinha “dentes” e poderia “morder”. Steve Charnovitz, ao analisar as desvantagens do sistema de retaliações, faz uso destas expressões ao concordar com a existência dos “dentes” da OMC ressalvando, contudo, que as retaliações podem afetar mais o próprio país impositor das retalia-ções do que o país retaliado, situações estas em que “The teeth bite back”. Charnovitz, Steve. op. cit. p. 19.

    36 Um exemplo de um caso que tramitou perante o OSC e que envolve dois países de diferentes níveis econômicos é o DS285 (United States – Measures Affecting the Cross-Border Supply of Gambling and Betting Services), cujas partes envolvidas são os Estados Unidos como membro demandado e Antigua e Barbuda como membro demandante. Alegan-do violação das obrigações contidas no acordo sobre serviços (GATS--General Agreement on Trade in Services), o pequeno país caribenho acionou a OMC em 2003 após os Estados Unidos terem criado leis federais, estaduais e locais que proibiam a utilização pelos cidadãos estadunidenses dos serviços de jogos e apostas online transfronteiriças oferecidos pelas empresas antiguanas. Embora o Grupo Especial e o Órgão de Apelação

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    tenham concordado que algumas medidas eram necessárias para proteção da moral pública (artigo XVI do GATS), outros aspectos da legislação estadunidense foram considerados discriminatórios, notadamente a proi-bição dos serviços de apostas em corridas de cavalos, os quais, todavia, eram permitidos à empresas domésticas estadunidenses. Mesmo assim, os Estados Unidos se recusavam a cumprir as recomendações de modifica-ção legislativa. Assim, a Antigua requereu ao OSC uma autorização para aplicação de medidas de retaliação cruzada contra os Estados Unidos, no acordo TRIPS-Trade Related aspects of Intelectual Property Rights, no valor de US$3.443 bilhões anuais. Após recurso dos EUA ao conteúdo do artigo 22.6 do ESC, a autorização solicitada por Antigua foi concedida em janeiro de 2013, mediante redução do valor pleiteado para US$ 21 milhões anuais. Apesar da redução do valor arbitrado, há de se reco-nhecer que houve uma vitória de Antigua, especialmente por tratar-se de uma demanda contra uma grande economia, como a estadunidense. Questiona-se, contudo, se Antigua, cuja indústria doméstica é pouco desenvolvida, sendo sua economia dependente do turismo e atividades de jogos de azar, conseguirá implementar a suspensão de concessões em US$ 21 milhões anuais e se essa retaliação será suficiente para pressionar os Estados Unidos a ponto de obrigá-los a adequar suas leis rapidamente. A expectativa de Antigua é que o fato de a retaliação ter sido concedida sobre o acordo do TRIPS faça com que a suspensão do pagamento de royalties funcione como uma ferramenta econômica e política para pres-sionar os Estados Unidos. Para maiores informações, consultar: WTO. “Dispute DS285. United States – Measures affecting the cross-border supply of gambling and betting services”, em WTO. Trade Topics. Dispute Settlement. The disputes. DS285. Disponível em: . Em razão de circuns-tâncias como a exemplificada nesta nota, diversos autores defendem que a retaliação cruzada sobre os acordos do TRIPS seria a forma mais eficaz dos países menos desenvolvidos ou em desenvolvimento pressionarem os países desenvolvidos para implementação das decisões e recomendações, tal como ocorreu no caso DS285 (United States – Measures Affecting the Cross-Border Supply of Gambling and Betting Services). Na análise de Joost Pauwelin:“Cross-retaliation is often referred to as another way for smaller de-veloping countries to more effectively use WTO retaliation as a tool to induce compliance by larger WTO members. Whereas sanctions in the form of trade restrictions may harm one’s own economy (especially where sanctions are imposed on inputs), not paying royalties to foreign patent holders or otherwise suspending

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    Mas além das dificuldades e conseqüências reversas que podem resultar para o país demandante com menor poten-cial econômico em relação ao demandado, há que se ressaltar uma segunda questão controversa referente às conseqüências de uma retaliação. Como visto, embora a OMC seja com-posta por Estados soberanos, os quais são responsáveis por compatibilizar suas regras internas com as regras da OMC, o comércio internacional é movimentando, sobretudo, por operadores domésticos (pessoas jurídicas e físicas), que são quem experimenta as conseqüências práticas de uma retalia-ção. E essa realidade é a mesma, tanto para membros deman-dantes, como membros demandados.

    No caso do membro demandado, as medidas eventual-mente consideradas inadequadas pelo OSC em uma disputa são, geralmente, de origem estatal e criadas por meio de leis e políticas governamentais destinadas ao favorecimento de um determinado setor econômico nacional.37 Mas diante da implementação de uma compensação comercial ou de uma retaliação, estas medidas corretivas são suportadas não apenas pelo poder estatal do membro demandado autor da violação, mas também pelos operadores diretos do mercado, no caso, as indústrias e empresas prestadoras de serviços, que expor-tarão menos.38 Em razão disso, o sistema acaba por favore-

    intellectual property rights of nationals in the violating country may both increase welfare in the sanctioning economy (at least in the short term) and exert greater political pressure in the violating country”. Pauwelyn, Joost. op. cit.

    37 Bryan Mercurio ressalva que apenas nos casos de dumping é pos-sível que uma medida incompatível com os acordos da OMC seja prati-cada diretamente por indústrias ao invés de ser pelo Estado. Mercurio, Bryan. “Why compensation cannot replace trade retaliation in the WTO Dispute Settlement Understanding”. p. 315-338, em World Trade Review. Vol. 8, abril-2009, nº 2. p. 329.

    38 A esse respeito, Bryan Mercurio também ressalva que, em muitos casos, as condutas violadoras resultantes de leis e políticas que contrariam os acordos da OMC são, de fato, criadas pelo Estado, porém com grande

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    cer algumas injustiças, principalmente quando a retaliação ocorre de forma cruzada, em que a suspensão de concessões e obrigações atinge atores econômicos que nada usufruíram ou em nada contribuíram para as práticas das condutas ilegais pelo governo do membro demandado.

    Com o intuito de amenização e prevenção destas situa-ções foi que ESC determinou, em seu artigo 22.339, a ordem de preferência de escolha com relação aos setores que po-dem ser alvos da retaliação. Sua lógica estabelece que o de-mandante deve buscar retaliar o demandado no mesmo setor em que a conduta considerada incompatível pelo deman-dante tenha sido praticada, a fim de que os efeitos da reta-liação sejam sentidos no membro demandado pelos mesmos setores que se beneficiaram das condutas inadequadas. É o que parece mais sensato, tendo em vista que terão usufruído vantagens e, em muitos casos, terão contribuído para a cria-ção por seu governo da medida repreendida perante a OMC.

    Entretanto, considerando as diferenças de grau de de-senvolvimento e de amplitudes de pautas comerciais exis-tentes entre as diversas economias dos membros da OMC, o mesmo artigo 22.3 considera que, sendo impraticável ou ineficaz ao demandante retaliar no mesmo setor, o campo de possibilidades de aplicação das medidas de retaliação pode ser estendido para outro setor do mesmo acordo ou em outro acordo (retaliação cruzada). Nestes casos, serão estes outros setores de produção ou serviços, que não se beneficiaram das medidas condenadas pelo OSC e que nada tiveram a ver com os prejuízos sofridos pelo demandante, que terão que arcar com prejuízos diante das restrições de importação de seus produtos. Não terão outra opção senão pressionar poli-

    atuação indireta de lobby e influência de grandes empresários e entidades representativas dos interesses do setor. Ibidem. Nota nº 53. p. 329.

    39 Artigo 22.3 do ESC. Vide nota de rodapé n.º 32.

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    ticamente o governo de seu país para que a decisão do OSC seja logo implementada.

    O Tribunal de Justiça Europeu, inclusive, já teve a opor-tunidade de se posicionar no sentido de que os particulares inocentes que sofrerem prejuízos decorrentes de retaliação autorizada pelo OSC não possuem o direito de regresso contra as instituições responsáveis que não promoverem a implementação das alterações necessárias dentro do prazo razoável. Ao menos foi essa a conclusão decorrente do jul-gamento de duas apelações, em 9 de setembro de 2008, em que os grupos italianos FIAMM e Fedon recorriam da de-cisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância que lhes negou a concessão de indenização por prejuízos causados às suas exportações resultantes de medidas de retaliação impos-tas pelos Estados Unidos contra a Comunidade Européia no litígio da “Guerra das Bananas”, resolvido perante a OMC. As ações haviam sido ajuizadas contra o Conselho da União Européia e contra a Comissão das Comunidades Européias por terem deixado de cumprir as decisões do OSC dentro do prazo considerado razoável, o que fez com que indústrias de setores que nada tinham a ver com importação de bana-nas sofressem prejuízos com as medidas de retaliação imple-mentadas pelos EUA.40

    40 Após demanda instaurada pelos EUA contra a Comunidade Européia na OMC, em 1997 o OSC reconheceu que regime de impor-tação de bananas praticado pela CE feria os acordos comerciais de não discriminação e concedeu-lhe um prazo razoável para adequar o seu regime de importação de bananas às regras da OMC. Como as mudanças realizadas pela Comunidade Européia em sua legislação não atenderam de forma satisfatória às exigências do OSC, foi autorizado aos EUA, no ano de 1999, fazer uso de medidas de retaliação do art. 22 para suspensão de concessões e obrigações tarifárias em um montante anual de 191,4 milhões de dólares. Assim, os EUA aplicaram alíquotas ad valorem na taxa de 100% sobre bens europeus de setores diversos, como baterias, roupas de cama, caixas e estojos em geral, produtos de banheiro, dentre outros. Diante dos prejuízos e diminuição de exportações que foram sentidos

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    nos países europeus, seis empresas, (a saber, FIAMM, Giorgio Fedon & Figli, Laboratoire du Bain, Groupe Fremaux AS, CD Cartondruck AG, Beamglow Ltd.) ajuizaram ações contra o Conselho da União Euro-péia e a Comissão das Comunidades Européias, perante o Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Européias, pleiteando indenização por danos causados pelo aumento das taxas de exportação para os EUA. Alegavam, em suma, responsabilidade extracontratual da Comunidade por atuação ilícita de suas instituições por não terem se adequado ao re-gime de exportação de bananas no prazo razoável concedido pelo OSC (com fundamento nos artigos 235º e 288º, Tratado sobre funcionamento da UE). Em julgamento conjunto de 14 de dezembro de 2005, a Corte julgou improcedentes os pedidos. Nos acórdãos da FIAMM e da Fedon o Tribunal de Primeira Instância considerou que: “Há [...] que observar que a eventualidade de uma suspensão das concessões tarifárias, medida prevista pelos acordos OMC e com aplicação no caso em apreço, é uma das vicissitudes inerentes ao sistema actual do comércio internacional. Assim, essa vicissitude é obrigatoriamente suportada por todo o ope-rador que decida comercializar a sua produção no mercado de um dos membros da OMC”. Considerou, ainda que “Além disso, resulta do artigo 22.°, n.° 3, alíneas b) e c), do MRD, instrumento internacional que foi objecto da publicidade própria a assegurar o seu conhecimento pelos operadores comunitários, que o membro queixoso da OMC pode pretender suspender concessões ou outras obrigações noutros sectores diferentes daquele em que o painel ou o Órgão de Recurso tenham verificado a existência de uma violação pelo membro em causa, seja a título do mesmo acordo ou de outro acordo OMC.” Inconformadas com a decisão e alegando erro de direito por parte do Tribunal de Primeira Instância, duas empresas italianas, a FIAMM, produtora de baterias, e a Fedon, produtora de estojos para óculos, apelaram para o Tribunal de Justiça Europeu (Recursos C-120/06 P e C-121/06 P, respectivamente, julgados em conjunto). Na análise dos fundamentos das apelações e das contra-razões de apelações, o Tribunal de Justiça reconheceu o erro de direito cometido pelo Tribunal de Primeira Instância, porém manteve a exclusão de qualquer direito indenizatório baseado em responsabilida-de extracontratual das instituições européias pelo não cumprimento de recomendações do OSC no prazo concedido. De acordo com as funda-mentações do Tribunal: “183. Tratando-se mais em particular do direito de propriedade e do livre exercício das actividades profissionais, o Tribunal de Justiça já reconheceu há muito tempo o seu carácter de princípios

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    gerais do direito comunitário, assinalando, contudo, que não constituem prerrogativas absolutas, devendo ser tomados em consideração por refe-rência à sua função na sociedade. Por conseguinte, considerou que po-dem ser aplicadas restrições ao exercício do direito de propriedade e ao livre exercício de uma actividade profissional, designadamente no quadro de uma organização comum de mercado, na condição de essas restrições corresponderem efectivamente a objectivos de interesse geral prosse-guidos pela Comunidade e não constituírem, atento o objectivo prosse-guido, uma intervenção desmedida e intolerável que ponha em causa a própria substância dos direitos assim garantidos (v., designadamente, acór-dãos de 11 de Julho de 1989, Schräder HS Kraftfutter, 265/87, Colect., p. 2237, n.° 15; Alemanha/Conselho, já referido, n.° 78; e de 30 de Junho de 2005, Alessandrini e o./Comissão, C-295/03 P, Colect., p. I-5673, n.° 86)”. [...] “186. Assim, um operador cuja actividade consista designa-damente na exportação para os mercados dos Estados terceiros deve ter consciência de que a posição comercial de que dispõe num determinado momento pode ser afectada e modificada por diversas circunstâncias, entre as quais se conta a eventualidade, de resto expressamente prevista e regulamentada no artigo 22.° do MRL, de que um Estado terceiro adop-te medidas de suspensão de concessões em reacção à atitude adoptada pelos seus parceiros comerciais no âmbito da OMC e escolha livremente, nessa perspectiva e como resulta do artigo 22.°, n.° 3, alíneas a) e f), do MRL, mercadorias sobre as quais as referidas medidas vão incidir”. “187. Ainda que resulte dos n.os 176 e 179 do presente acórdão que o Tribu-nal de Primeira Instância cometeu um erro de direito, importa recordar que decorre de jurisprudência constante que, se os fundamentos de um acórdão do Tribunal de Primeira Instância revelarem uma violação do direito comunitário, mas a sua parte decisória se mostrar fundada por ou-tros fundamentos jurídicos, deve ser negado provimento ao recurso dele interposto (v., designadamente, acórdãos de 15 de Dezembro de 1994, Finsider/Comissão, C-320/92 P, Colect., p. I-5697, n.° 37; de 16 de De-zembro de 1999, CES/E, C-150/98 P, Colect., p. I-8877, n.° 17; e de 13 de Julho de 2000, Salzgitter/Comissão, C-210/98 P, Colect., p. I-5843, n.° 58)”. (Para maiores detalhes, recomenda-se a leitura integral do Acór-dão do Tribunal de Justiça (Grande Secção), proferido em 9 de setembro de 2008, nos processos apensos C-120/06P e C-121/06P. Disponível em: ).

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    Todavia, o Tribunal interpretou que os alegados prejuí-zos são contingências às quais estão sujeitos os operadores do comércio internacional, tendo considerado, ainda, com rela-ção à fundamentação legal comunitária invocada, que “o di-reito comunitário não prevê um regime de responsabilidade que per-mita responsabilizar a Comunidade por um acto normativo numa situação em que a eventual desconformidade desse acto com os acor-dos OMC não possa ser invocada perante o juiz comunitário”41. Este acórdão é um exemplo de confirmação nítida dos pre-juízos que são experimentados por particulares “inocentes” do membro demandado em retaliações. 42

    41 Parágrafo 188 do Acórdão do Tribunal de Justiça, proferido nos processos C-120/06P e C-121/06P: “É o que ocorre no caso em apreço. Com efeito, o Tribunal de Justiça declarou que, no seu estado actual, o direito comunitário não prevê um regime de responsabilida-de que permita responsabilizar a Comunidade por um acto normativo numa situação em que a eventual desconformidade desse acto com os acordos OMC não possa ser invocada perante o juiz comunitário. Ora, os pedidos de indemnização das recorrentes visavam precisamente a res-ponsabilização da Comunidade em razão de um acto desse tipo. Nestas condições, o Tribunal de Primeira Instância não podia deixar de julgar improcedentes estes pedidos, independentemente dos argumentos invo-cados pelas recorrentes para os fundamentar (v., por analogia, acórdão Salzgitter/Comissão, já referido, n.° 59). Por conseguinte, o Tribunal de Primeira Instância seria obrigado a julgar improcedentes os pedidos das recorrentes nessa base, se não tivesse cometido o erro de direito que o levou a julgá-los improcedentes com base noutros motivos (v., por analo-gia, acórdãos, já referidos, Finsider/Comissão, n.° 38, e CES/E, n.° 18)”. Ibidem.

    42 Ao analisar as fundamentações dos acórdãos que acabaram por negar indenização às empresas, Alberto Alemanno lamenta que o caso FIAMM/Fedon pareça ter fechado as portas para atribuição de respon-sabilidade às instituições européias pelo não cumprimento de decisões da OMC, notadamente diante de situação em que as conseqüências de uma retaliação são impostas a setores diversos daqueles que usufruíram de benefícios com a utilização de medidas contrárias aos acordos do co-mércio multilateral. alemanno, Albert. “European Court rejects damages

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    Em complemento às desvantagens até aqui argüidas, também deve ser salientada uma terceira controvérsia do atual sistema. Assim como há a possibilidade de que setores “inocentes” sejam atingidos no membro demandado, por outro lado, há também a possibilidade de que os operadores de setores prejudicados em suas exportações no membro demandante não sejam compensados pelo membro deman-dado, mesmo com a utilização de uma medida corretiva. Isto porque, não há nenhum dispositivo no ESC que viabilize ou obrigue o membro demandante a amparar os seus atores domésticos direcionando-lhes, de alguma forma, as compen-sações usufruídas para que possam experimentar algum tipo de reparação. Ou seja, eventuais vantagens advindas ao mem-bro demandante via um acordo de compensação comercial ou oriundas de uma medida de retaliação, principalmente no caso de uma retaliação cruzada, não são obrigatoriamente direcionadas ao setor doméstico de produção ou de serviços originalmente afetado.

    Ademais, ainda que uma retaliação seja realizada no mesmo setor do membro demandado em que o demandante tenha sido prejudicado, depois de tantos meses sofrendo pre-juízos, não há nenhuma certeza de que as empresas e indús-trias originalmente prejudicadas conseguirão se recuperar. E se a retaliação for cruzada, as chances de as empresas afetadas conseguirem colher alguma vantagem são ainda mais remo-tas, já que os setores nacionais concorrentes dos setores reta-

    claim from innocent bystanders in the EU-US ‘Banana War’”, em ASIL Insights. Disponível em: . p.4. Steve Charnovitz, ao comentar sobre as ações ajuizadas pelas empresas que se sentiram prejudicadas com as medidas de retaliação impostas pelos EUA durante a “Guerra das Bananas”, havia previsto, em 2001, que os proces-sos provavelmente não seriam procedentes, mas ao menos serviriam para “mostrar ao público quem estava sendo atingido”. Charnovitz, Steve. op. cit. p. 21.

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    liados no membro demandado é que terão a oportunidade de usufruir alguma vantagem.

    Apontadas as questões mais sensíveis referentes à decisão de implementação das medidas do artigo 22, principalmente no que diz respeito à “retaliação”, há ainda um quarto ponto controverso que merece ser levantado, referente ao cálculo dos prejuízos para verificação dos valores que serão compen-sados ou retaliados.

    Conforme artigo 22.4 do ESC, “o grau da suspensão de concessões ou outras obrigações autorizado pelo OSC deverá ser equivalente ao grau de anulação ou prejuízo”.43 A necessidade de que o grau da medida de retaliação seja equivalente ao grau de anulação ou prejuízo (“nullification or impairment”) é refor-çada pelo artigo 22.7 do ESC, o qual estabelece que no caso de o membro demandado solicitar a realização de arbitra-gem prevista no artigo 22.644 para revisão do valor pleiteado

    43 Como bem observa Holger Spamann, o termo “impairment” ou “anulação” (restrição) utilizado no artigo 22.4 refere-se ao termo “bene-fits” ou “benefícios” no artigo 3.3 do ESC, o qual dispõe que “é essencial para o funcionamento eficaz da OMC e para a manutenção de equilí-brio adequado entre os direitos e as obrigações dos Membros a pronta solução das situações em que um Membro considere que quaisquer benefícios resultantes, direta ou indiretamente, dos acordos abrangidos tenham sofrido restrições por medidas adotadas por outro Membro”. Spamann, Holger. The myth of ‘rebalancing’ retaliation in WTO dispute settlement practice. Disponível em: . p. 5.

    44 Artigo 22.6 do ESC: “Quando ocorrer a situação descrita no pa-Artigo 22.6 do ESC: “Quando ocorrer a situação descrita no pa-rágrafo 2, o OSC, a pedido, poderá conceder autorização para suspender concessões ou outras obrigações dentro de 30 dias seguintes à expiração do prazo razoável, salvo se o OSC decidir por consenso rejeitar o pedido. No entanto, se o Membro afetado impugnar o grau da suspensão propos-to, ou sustentar que não foram observados os princípios e procedimentos estabelecidos no parágrafo 3, no caso de uma parte reclamante haver so-licitado autorização para suspender concessões ou outras obrigações com base no disposto nos parágrafos 3 (b) ou 3 (c), a questão será submetida

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    pelo membro demandante, esta arbitragem “deverá determinar se o grau de tal suspensão é equivalente ao grau de anulação ou prejuízo”45.

    Ocorre que, na prática, os cálculos não equivalem ao verdadeiro grau de anulação ou prejuízo porque não in-cluem períodos retroativos, ou seja, não consideram a data de início da prática das condutas inadequadas. Compreendem, tão-somente, o período iniciado após o término do prazo razoável.46 Significa dizer que as medidas de retaliação não

    a arbitragem. A arbitragem deverá ser efetuada pelo grupo especial que inicialmente tratou do assunto, se os membros estiverem disponíveis, ou por um árbitro designado pelo Diretor-Geral, e deverá ser completada dentro de 60 dias após a data de expiração do prazo razoável. As conces-sões e outras obrigações não deverão ser suspensas durante o curso da arbitragem”.

    45 Artigo 22.7 do ESC: “O árbitro que atuar conforme o parágrafo 6 não deverá examinar a natureza das concessões ou das outras obriga-ções a serem suspensas, mas deverá determinar se o grau de tal suspensão é equivalente ao grau de anulação ou prejuízo. O árbitro poderá ainda determinar se a proposta de suspensão de concessões ou outras obriga-ções é autorizada pelo acordo abrangido. No entanto, se a questão sub-metida à arbitragem inclui a reclamação de que não foram observados os princípios e procedimentos definidos pelo parágrafo 3, o árbitro deverá examinar a reclamação. No caso de o árbitro determinar que aqueles princípios e procedimentos não foram observados, a parte reclamante os aplicará conforme o disposto no parágrafo 3. As partes deverão aceitar a decisão do árbitro como definitiva e as partes envolvidas não deve-rão procurar uma segunda arbitragem. O OSC deverá ser prontamente informado da decisão do árbitro e deverá, se solicitado, outorgar auto-rização para a suspensão de concessões ou outras obrigações quando a solicitação estiver conforme à decisão do árbitro, salvo se o OSC decidir por consenso rejeitar a solicitação”.

    46 Para maiores detalhes sobre as análises realizadas pelos árbitros para estabelecimento dos limites de uma medida de retaliação, recomen-da-se a leitura do artigo de autoria de Chad P. Bown e Michele Ruta. Bown, Chad P.; Ruta, Michele. The economics of permissible WTO retalia-tion. Economic Research and Statistics Division. World Trade Organiza-tion. Staff working paper ERSD-2008-04. September 2008. Disponível

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    afetam o membro demandado na mesma proporção dos prejuízos causados ao demandante, pois não são exatamente equivalentes aos prejuízos e nulidades sofridas. 47

    Portanto, ainda que membro demandante consiga im-plementar a medida de retaliação autorizada pelo OSC após o término do período considerado como prazo razoável, o valor que poderá retaliar não será equivalente ao prejuízo efetivamente sofrido desde o início da prática da conduta ilegal pelo demandado, mas apenas a uma parcela destes pre-juízos. Tal situação contribui para que o membro demandado sinta-se menos motivado para agilizar a adequação de suas condutas durante a vigência do prazo razoável, pois sabe que permanecerá livre de responder por prejuízos e anulações causadas durante este período.

    Assim, uma mudança na forma como os cálculos são re-alizados, com a inclusão do período retroativo desde o início da prática das medidas ilegais, inibiria membros violadores de prosseguir com suas medidas inadequadas por longos perío-dos e ajudaria a tornar o sistema de solução de controvérsias mais forte e mais dissuasivo.

    em: . Sobre a interpretação dos artigos 22.4 e 22.6, recomenda-se a leitura do artigo de Holger Spamann. Spamann, Holger. op. cit.

    47 Especificamente, o Acordo Antidumping, em seu artigo 10, e o Acordo sobre Subsídios e Medidas de Compensação, em seu artigo 20, contemplam a análise da retroatividade.

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