boletim conteÚdo jurÍdico n. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ......
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BOLETIM CONTEÚDO
JURÍDICO N. 531 (ano VIII)
(02/02/2016)
ISSN - 1984-0454
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Conselho Editorial
COORDENADOR GERAL (DF/GO/ESP) - VALDINEI CORDEIRO COIMBRA: Fundador do Conteúdo Jurídico. Mestre em Direito Penal Internacional Universidade Granda/Espanha.
Coordenador do Direito Internacional (AM/Montreal/Canadá): SERGIMAR MARTINS DE ARAÚJO - Advogado com mais de 10 anos de experiência. Especialista em Direito Processual Civil Internacional. Professor universitário
Coordenador de Dir. Administrativo: FRANCISCO DE SALLES ALMEIDA MAFRA FILHO (MT): Doutor em Direito Administrativo pela UFMG.
Coordenador de Direito Tributário e Financeiro - KIYOSHI HARADA (SP): Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP.
Coordenador de Direito Penal - RODRIGO LARIZZATTI (DF/Argentina): Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA.
País: Brasil. Cidade: Brasília – DF. Contato: [email protected] WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR
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SUMÁRIO
COLUNISTA DO DIA
02/02/2016 Kiyoshi Harada
» A inversão da seletividade do ICMS
ARTIGOS
02/02/2016 Catarina Coelho Velloso » A responsabilidade da Administração Pública tomadora de serviços terceirizados:
análise à luz das peculiaridades do tratamento jurídico dado ao Estado
02/02/2016 Darlon Costa Duarte
» A viabilidade do reconhecimento de efeitos trabalhistas na relação entre os
profissionais do sexo com as casas de prostituição
02/02/2016 Clarissa Pereira Borges
» O Neoconstitucionalismo e a propriedade como um direito fundamental limitado
02/02/2016 André Vieira Freire
» Natureza impositiva do orçamento público e EC 86/2015
02/02/2016 Laon Oliveira de Macedo Canuto dos Santos
» Movimentos sociais como fonte de emancipação de direitos e democracia
participativa
02/02/2016 Marcio Winicius Vieira de Moraes Maranhão
» Aspectos do desenho industrial e o mercado de instrumentos musicais: O caso da
Fender Stratocaster
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A INVERSÃO DA SELETIVIDADE DO ICMS
KIYOSHI HARADA: Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Membro do Conselho Superior de Estudos Jurídicos da Fiesp. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
O inciso III, do § 2º, do art. 155 da CF prescreve que o ICMS “poderá
ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços”.
Cumpre esclarecer, de início, que não se trata de imposto seletivo,
pois o imposto recai sobre todas as mercadorias e sobre os três tipos de
serviços cabentes ao Estado, especificados no inciso II, do art. 155 da CF.
Trata-se, pois, de um imposto de alíquotas seletivas.
Alguns estudiosos enxergam no citado inciso III, do § 2º, do art. 155
da CF uma norma de estrutura e não de conduta, pelo que entendem que a
seletividade do ICMS integraria o próprio processo legislativo, de sorte de
tornar obrigatória a fixação, pelo legislador ordinário, de alíquotas
seletivas.
A lapidar clareza do texto constitucional – poderá ser seletivo – não
deixa margem de dúvida quanto a faculdade de o legislador ordinário
estabelecer alíquotas seletivas em função da essencialidade das
mercadorias e serviços.
O preceito do inciso III sob análise configura uma norma de natureza
programática. Sobre norma de natureza programática afirmamos o
seguinte:
“Se, de um lado, o preceito programático não gera
direito subjetivo para o contribuinte que não poderá
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bater às portas do Judiciário pleiteando que
determinado imposto ajuste-se ao seu perfil econômico,
de outro, esse preceito produz efeito pelo seu aspecto
negativo, à medida que confere ao contribuinte a
faculdade de exigir que o poder tributante não pratique
atos que o contravenha”[1].
Segue-se que o legislador ordinário está proibido pela Constituição
Federal de instituir alíquotas mais elevadas do ICMS em relação a
mercadorias e serviços essenciais. Mas, os Estados resolveram tributar o
fornecimento de energia elétrica com uma alíquota exacerbada por ser uma
tributação rendosa de fácil arrecadação.
É verdade que não há definição legal do que sejam mercadorias e
serviços essenciais, mas é verdade, também, que a Constituição não
conferiu ao legislador ordinário margem de liberdade para adoção de
critério político destoante do conceito de essencial, de necessário e de
indispensável em termos de realidade social vivenciada em nosso país.
Basta imaginar um black-out por apenas 24:00 horas para que possamos ter
a idéia de quão essencial é a energia elétrica para a moderna sociedade em
que vivemos. A melhor forma de descobrir a violação do princípio da
seletividade é examinando a legislação e confrontando mercadorias e
serviços com as respectivas alíquotas.
No que se refere à venda de energia elétrica a legislação do Estado
de São Paulo prevê as seguintes alíquotas: a) 12% em relação ao consumo
residencial de até 200 kwh por mês; b) 25% em relação ao consumo
residencial acima de 200 kwh por mês; c) 12% em relação à energia
utilizada no transporte público; e d) 12% em relação à energia utilizada em
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propriedade rural onde haja exploração agrícola ou pastoril e inscrição no
cadastro de contribuintes do ICMS.
Salta aos olhos que a alíquota de 25%, prevista na letra b retro,
desatende à faculdade prevista no preceito constitucional sob análise,
porque a presumível capacidade contributiva do consumidor de energia
elétrica domiciliar é irrelevante para implementação da alíquota seletiva. O
que importa é apenas a sua seletividade em função da essencialidade da
mercadoria e do serviço. Como é possível sustentar que a energia elétrica é
essencial para quem apresenta baixo consumo e não o é para quem
apresenta um elevado consumo?
No estágio atual da civilização, a energia elétrica é sempre um bem
essencial. Sua ausência acarretaria a paralisação do processo produtivo e
nem haveria circulação de riquezas. A energia elétrica é a força motriz que
gera o desenvolvimento econômico-social.
A energia elétrica não comporta gravame maior em relação a outros
bens tributados pelo ICMS que são mercadorias e serviços conforme
mandamento constitucional, e não mercadorias ou serviços. Logo, impõe-
se o confronto do conjunto de mercadorias e serviços para eleger o critério
da seletividade em função da essencialidade desses bens.
Não pode o Estado em nome de uma política tributária assentada no
critério da arrecadação mais rendosa e a custo zero, insusceptível de
sonegação, sobrecarregar o consumo de energia elétrica e o serviço de
comunicação igualmente atingido pela esdrúxula carga tributária,
invertendo e pervertendo o princípio da seletividade do imposto em função
da essencialidade das mercadorias e dos serviços.
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Cabe ao Supremo Tribunal Federal decidir em definitivo quanto a
inconstitucionalidade lapidar dessa esdrúxula tributação que atenta contra
o princípio da razoabilidade, um limite imposto à ação do próprio
legislador. A Corte Suprema reconheceu a repercussão geral sobre o tema
constitucional em questão conforme ementa abaixo:
“EMENTA: IMPOSTO SOBRE A CIRCULAÇÃO
DE MERCADORIAS E SERVIÇOS – ENERGIA
ELÉTRICA – SERVIÇOS DE
TELECOMUNICAÇÃO – SELETIVIDADE –
ALÍQUOTA VARIÁVEL – ARTIGOS 150, INCISO
II, E 155, § 2º, INCISO III, DA CARTA FEDERAL –
ALCANCE – RECURSO EXTRAORDINÁRIO –
REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA. Possui
repercussão geral a controvérsia relativa à
constitucionalidade de norma estadual mediante a qual
foi prevista a alíquota de 25% alusiva ao Imposto sobre
a Circulação de Mercadorias e Serviços incidente no
fornecimento de energia elétrica e nos serviços de
telecomunicação, em patamar superior ao estabelecido
para as operações em geral – 17%. (RE 714139 RG,
Relator(a): Min. Marco Aurélio, DJe de 26-09-2014 ).
Enquanto a Alta Corte não decide o tema sob repercussão geral, os
consumidores continuam arcando com o repasse do encargo financeiro do
imposto pago pelas distribuidoras.
NOTA:
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[1] Cf. nosso Direito financeiro e tributário, 24 ed. São Paulo: Atlas,
2015, p.
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A RESPONSABILIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA TOMADORA
DE SERVIÇOS TERCEIRIZADOS: ANÁLISE À LUZ DAS
PECULIARIDADES DO TRATAMENTO JURÍDICO DADO AO ESTADO
CATARINA COELHO VELLOSO: Advogada. Graduado em Direito pela UFBA.
Resumo: No atual panorama jurídico, todas as pessoas, sejam elas
de direito público ou privado, devem se submeter ao quadro da
ordem jurídica, segundo a qual a lesão aos bens jurídicos de
terceiros ocasiona para o autor do dano a obrigação de repará-lo.
Em razão das peculiaridades do organismo estatal, no entanto, a
responsabilidade do ente público obedece a regras próprias. Assim,
no presente estudo será feita uma análise da responsabilidade da
Administração Pública contratante de serviços terceirizados, haja
vista as peculiaridades do tratamento jurídico dado ao Estado.
Palavras-chave: Terceirização. Súmula n. 331. Responsabilidade
Civil. Responsabilidade Objetiva do Estado.
Sumário: 1. Introdução; 2. Noções Gerais sobre a
Responsabilidade da Administração Pública; 3. O Suposto Conflito
entre a Súmula n. 331 do TST e o art. 71, § 1º, da Lei n. 8.666/93;
4. Argumentos Favoráveis à Responsabilização da Administração
Pública por Débitos Trabalhistas da Prestadora de Serviços ; 5.
Conclusões; 6. Referências Bibliográficas.
1 INTRODUÇÃO
Nos termos do ordenamento jurídico vigente, todas as pessoas,
de direito público ou privado, devem se submeter à máxima
segundo a qual a lesão aos bens jurídicos de terceiros ocasiona
para o autor do dano a obrigação de repará-lo.
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Em razão das peculiaridades do organismo estatal, no entanto,
a responsabilidade do ente público obedece a regras próprias,
sendo regida por princípios singulares, compatíveis com as
especificidades da sua posição jurídica, haja vista que as atuações
estatais podem causam danos mais intensos que os gerados por
particulares.
Nesse sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello explica que:
[...] seja porque os deveres públicos do Estado o
colocam permanentemente na posição de
obrigado a prestações multifárias das quais não
se pode furtar, pena de ofender o Direito ou
omitir-se em sua função própria, seja porque
dispõe do uso normal de força, seja porque seu
contato onímodo e constante com os
administrados lhe propicia acarretar prejuízos
em escala macroscópica, o certo é que a
responsabilidade estatal por danos há de possuir
fisionomia própria, que reflita a singularidade da
sua posição jurídica.[1]
No que tange à terceirização, a controvérsia a respeito da
responsabilidade civil do Estado reside na convivência
concomitante entre o art. 71, §1º, da Lei de Licitações e Contratos,
e a Súmula n. 331 do TST.
Com esteio na referida súmula, a condenação da Administração
Pública justifica-se em face da falha na escolha das empresas
prestadoras de serviços públicos ou na ausência de fiscalização, no
sentido de verificar se a empresa contratada está cumprindo as
suas obrigações contratuais, inclusive as trabalhistas.
Em que pese o posicionamento sumulado já se revele mais
benéfico para o trabalhador do que a tese da irresponsabilidade do
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ente público, não se revela ideal, pois atribuir o ônus de provar a
existência de conduta culposa por parte da Administração Pública
ao trabalhador apresenta-se, na maioria das vezes, como
empecilho à obtenção dos seus direitos, pois, em muitos casos,
todos os documentos relativos ao contrato administrativo são de
posse do ente estatal.
2 NOÇÕES GERAIS SOBRE A RESPONSABILIDADE DA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Por um largo período do percurso histórico das sociedades
políticas estatais, na época dos estados absolutistas, recusava-se a
possibilidade de responsabilização do Estado, pois se entendia que
responsabilizá-lo significaria equipara-lo aos seus súditos, em total
desrespeito à sua soberania. Isto porque nesta época havia um
predomínio da teoria divina e soberana do Estado, não sendo
possível admitir que ele pudesse causar algum mal aos seus
administrados, conforme consagrado na máxima The king can do
no wrong (O Rei não faz nada errado).[2]
Imperava, portanto, a teoria da irresponsabilidade do poder
público, sendo certo que o Estado absolutista não admitia a
possibilidade de reparação por eventuais danos causados pela
Administração Pública, pois se acreditava na infalibilidade estatal.
Nesse sentido, ressalta-se que, na visão da sociedade da época, o
Estado era a expressão da lei e do Direito, sendo, assim, impossível
concebê-lo como um pretenso violador da ordem.
No Brasil, no entanto, a teoria da irresponsabilidade do Estado
não encontrou guarida, não tendo sido adotada pela doutrina pátria,
conforme nos ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, citando o
eminente Ministro Amaro Cavalcanti que, já em 1904, registrava que
“no Brasil nunca se ensinou ou prevaleceu a irresponsabilidade do
Estado pelos atos lesivos dos seus representantes.”[3]
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Ainda nos Estados aonde foi abarcada, a ideia da
irresponsabilidade, a partir do século XIX, com a decadência do
absolutismo, começou a ser rechaçada, e, sob a influência do
liberalismo, o Estado vai perdendo a sua divindade, cedendo
espaço à ascensão do postulado da responsabilidade estatal.
Quanto ao assunto, Antônio Lago Júnior ressalta que a
[...] jurisprudência foi responsável pela
transformação deste estado de coisas, ao
perceber que o Estado, nas suas diversas
formas de atuação, poderia ser percebido de
duas formas: ou a Administração atuava
exercendo seu “ius imperii” e, nesses casos,
procedia na qualidade de Estado no exercício do
seu poder soberano; ou, por outro lado, atuava
na gestão de seus negócios, exercendo atos
“iure gestionis”, pelo que se igualava ao
indivíduo comum. A partir dessa concepção
bipartida, admitia-se que, no primeiro caso, a
Administração pública era imune; no segundo,
atuando de igual sorte que o particular, sujeitava-
se à reparação dos danos que eventualmente
causasse a outrem. Era o início da
responsabilização civil da Administração.[4]
A partir desse momento, tem início na história o período em que
passou a ser admissível a responsabilização do Estado, que
inicialmente foi calcada na ideia civilística de culpa, aplicando-se,
portanto, a concepção de responsabilidade subjetiva. Assim, o
Estado só respondia quando comprovada a culpa individual do seu
agente, exigindo-se a presença do elemento anímico para a sua
caracterização.
A Teoria da Culpa Civilística estava calcada na ideia de que os
funcionários do ente público exerciam a condição de prepostos, de
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forma que o Estado, incidindo em culpa in vigilando ou in eligendo,
deveria ser obrigado a reparar os danos causados por seus
funcionários. A responsabilidade do Estado seria em razão da má
eleição ou ausência de vigilância dos seus agentes no desempenho
das funções públicas, pois, nas palavras de Ricardo Hoyos Duque,
“o Estado deve realizar, com respeito a seus funcionários, uma
cuidadosa eleição e permanente vigilância, se não quer ver
comprometida sua responsabilidade.”[5]
Essa teoria, no entanto, era insuficiente para abarcar todas as
situações de danos causados pelo ente estatal, em razão da
dificuldade do administrado comprovar a existência da conduta
culposa do agente público, motivo pelo qual foi paulatinamente
substituída pelas teorias publicistas da responsabilidade do Estado.
Surge, assim, a Teoria da Culpa Administrativa que procura
desvincular a responsabilidade do Estado da ideia da culpa
individual do agente, importada do direito privado. A noção
civiliística de responsabilidade é, então, ultrapassada pela ideia de
culpa do serviço, de origem na expressão francesa faute du service.
Assim, para que seja determinado o dever de reparação da
Administração Pública, não mais se faz necessária a comprovação
do elemento anímico, bastando a ocorrência de uma situação em
que o serviço, devendo funcionar, não funciona, funciona mal ou
atrasado.
Em todos esses casos, faz-se presente a culpa administrativa,
também conhecida como culpa do serviço ou culpa anônima, que
dispensa a identificação do causador do dano. Esta evolução
teórica justifica-se, pois, muitas vezes, ainda que se soubesse que
o prejuízo decorrera de atividade estatal, era difícil ou até mesmo
impossível apontar um agente como causador do dano, em razão
das dimensões da Administração Pública, bem como da
impessoalidade na prestação dos serviços, o que inviabilizava a
comprovação da culpa individual por parte do administrado lesado.
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Em decorrência da adoção dos princípios publicísticos na teoria
da responsabilidade do Estado, passou-se a exigir, para a
responsabilização do ente público, tão somente a prova de que a
lesão foi decorrente da atividade estatal, sem necessidade de
identificação do funcionário que a produziu.
Cumpre esclarecer que, em que pese não haja a necessidade
de comprovação da culpa individual do agente público, a Teoria da
Culpa Administrativa não é modalidade de responsabilidade
objetiva. Ao contrário, a responsabilidade por culpa do serviço,
como o próprio nome sugere, é baseada na culpa, sendo, portanto,
modalidade de responsabilidade subjetiva do Estado. A
peculiaridade aqui é que se trata de uma culpa anônima do serviço,
caracterizada pela ausência do serviço, mau funcionamento ou
funcionamento atrasado.
Com o intuito de ampliar a proteção dos administrados, avança-
se no sentido da publicização da responsabilidade, fazendo surgir a
ideia de responsabilidade objetiva do Estado, fundamentada no
risco que a atividade administrativa potencialmente causa aos
administrados, bem como na necessidade de repartição pela
sociedade dos encargos decorrentes da atuação estatal.
Na responsabilidade objetiva a ideia de culpa é substituída pelo
nexo de causalidade entre o comportamento estatal e o dano sofrido
pela vítima da ação lesiva, sem se cogitar da culpa do serviço ou da
culpa individual do agente público. Nesse sentido, Dirley da Cunha
Júnior esclarece que:
Aqui é indiferente indagar-se se o serviço funcionou, se
funciona bem ou mal, de forma rápida ou demorada. Não se exige,
portanto, o questionamento acerca da culpa ou dolo do agente, da
licitude ou da ilicitude do comportamento, do bom ou mau
funcionamento do serviço. Evidenciado o nexo de causalidade entre
o comportamento estatal e o dano a terceiro, o Estado responde.[6]
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Assim, observa-se que a ideia da responsabilidade objetiva
fundamenta-se na Teoria do Risco, pela qual, segundo Sílvio
Venosa,
[...] surge a obrigação de indenizar o dano, como
decorrência tão só do ato lesivo e injusto
causado à vítima pela Administração. Não se
exige falta do serviço, nem culpa dos agentes.
Na culpa administrativa exige-se a falta do
serviço, enquanto no risco administrativo é
suficiente o mero fato do serviço.[7]
Hely Lopes Meirelles[8] aponta a existência de duas
modalidades da Teoria do Risco, quais sejam, o Risco
Administrativo e o Risco Integral, que se distinguem apenas pelo
fato de que a primeira modalidade prevê a possibilidade de
incidência de causas excludentes de responsabilidade,
diferentemente da segunda, que leva a ideia de responsabilização
ao grau mais elevado. Discorrendo acerca desta última, Pablo
Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona afirmam que:
A sua aplicação levaria a reconhecer a
responsabilidade civil em qualquer situação,
desde que presentes os três elementos
essenciais, desprezando-se quaisquer
excludentes de responsabilidade, assumindo a
Administração Pública, assim, todo o risco de
dano proveniente de sua atuação.[9]
Em face do exposto, conclui-se que a responsabilidade objetiva
assenta-se no nexo de causalidade entre a atuação estatal e os
danos daí decorrentes, independente de comprovação de culpa,
seja ela individual do agente público ou na modalidade da culpa
administrativa, em razão da falta do serviço.
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Ainda que o Direito brasileiro não tenha adotado a teoria da
irresponsabilidade do Estado, a responsabilidade objetiva só veio a
ser consagrada no ordenamento jurídico pátrio a partir da
Constituição de 1946, que, em seu art. 194, dispunha que “As
pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente
responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa
qualidade, causem a terceiros.”[10]
O parágrafo primeiro, por sua vez, previa a possibilidade do
Estado propor ação de regresso em face do agente, caso
comprovado que sua conduta estava eivada de dolo ou culpa. Nos
termos do artigo: “Caber-lhes-á ação regressiva contra os
funcionários causadores do dano, quando tiver havido culpa
destes.”[11]
Atualmente, o assunto encontra-se disciplinado no art. 37, § 6º,
da Constituição Federal de 1988, que prevê a responsabilidade
objetiva da Administração Pública, com base na ideia da mais ampla
reparabilidade dos danos causados.
Não se está a afirmar, no entanto, que o sistema jurídico
brasileiro adotou a modalidade do Risco Integral, mas sim a do
Risco Administrativo, que admite a existência de causas
excludentes da responsabilidade, ao menos na maioria dos casos,
sendo excepcionadas apenas algumas situações, como nos casos
de dano ambiental e de dano nuclear, nas quais se admite a
responsabilidade irrestrita.
Por fim, impende salientar que alguns autores, a exemplo de
Dirley da Cunha Júnior[12], defendem que a responsabilidade do
Estado por suas omissões é de natureza subjetiva, calcada na culpa
administrativa. Para os defensores dessa ideia, a responsabilidade
objetiva se limitaria aos danos derivados das ações do Estado. No
entanto, no caso de omissões, o ente público não foi o causador
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direto do dano, embora tivesse o dever de evitá-lo, respondendo,
assim, tão somente de forma subjetiva.
Acontece que o art. 37, § 6º, da Constituição Federal em
momento algum estabelece distinção entre a forma de
responsabilização em razão de atos comissivos ou omissivos do
Estado, limitando-se a dispor que as pessoas jurídicas de direito
público, assim com as de direito privado prestadoras de serviços
públicos, responderão pelos atos que seus agentes, nessa
qualidade, causarem a terceiros, sendo dispensável a comprovação
do elemento anímico.
Assim, observa-se que o entendimento de que a Administração
Pública seria objetivamente responsável apenas por suas ações,
sendo, no caso de omissão, a responsabilidade do Estado de
natureza subjetiva, é de cunho meramente doutrinário, não tendo o
ordenamento jurídico brasileiro abarcado este posicionamento de
maneira expressa.
Ademais, no mesmo sentido, ressalta-se que, ainda que se
admita que, nesses casos, o Estado não seja o causador direto do
dano, ele propiciou uma situação que gerou um risco de dano,
tendo, assim, ensejado o evento lesivo, mesmo que de forma
indireta, dando azo a uma situação que ocasionou prejuízo a um
dos seus administrados, devendo, portanto, responder
objetivamente.
3 O SUPOSTO CONFLITO ENTRE A SÚMULA N. 331 DO TST
E O ART. 71, § 1º, DA LEI N. 8.666/93
No âmbito do direito privado, é pacífico o entendimento de que
o tomador dos serviços deve ser responsabilizado em caso de
inadimplemento das verbas trabalhistas pela empresa prestadora
dos serviços. A questão que atualmente vem causando acirrados
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debates no cenário jurídico, no entanto, refere-se à
responsabilidade da Administração Pública tomadora dos serviços.
A grande discussão diz respeito à controvérsia existente entre
o entendimento da jurisprudência trabalhista, consolidado na
Súmula n. 331 do TST, e o comando do art. 71, § 1º, da Lei de
Contratos e Licitações (Lei n. 8.666/93).
Nesse sentido, inicialmente insta pontuar que o art. 37, XXI[13],
da Constituição Federal condiciona a contratação de obras,
serviços, compras e alienações pelo poder público à realização de
processo de licitação pública. Regulamentando o dispositivo
referido, a Lei n. 8.666/93 foi editada a fim de normatizar o processo
licitatório, bem como traçar diretrizes que devem ser observadas na
celebração de contratos administrativos.
A Lei de Licitações, no entanto, em seu art. 71, § 1º, prevê
expressamente que não é possível a transferência à Administração
Pública dos encargos trabalhistas inadimplidos pela empresa
prestadora dos serviços, In verbis:
Art. 71. O contratado é responsável pelos
encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e
comerciais resultantes da execução do contrato.
§ 1º A inadimplência do contratado, com
referência aos encargos trabalhistas, fiscais e
comerciais não transfere à Administração
Pública a responsabilidade por seu pagamento,
nem poderá onerar o objeto do contrato ou
restringir a regularização e o uso das obras e
edificações, inclusive perante o Registro de
Imóveis. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de
1995).[14]
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A previsão se justifica na medida em que a norma geral
trabalhista atribui ao empregador a responsabilidade de arcar com
os encargos de seus empregados, em razão da posição de
supremacia ocupada na relação de trabalho. Nesse esteio, nas
terceirizações, o responsável pelo adimplemento dos haveres
trabalhistas seria o prestador de serviços, tendo em vista ser ele o
empregador (em uma visão restrita), não havendo razão para
atribuição da responsabilidade ao ente público contratante.
A interpretação literal do § 1º do art. 71, da Lei n. 8.666/93,
então, implicaria a submissão do trabalhador aos efeitos negativos
do inadimplemento trabalhista, não obstante a prestação do labor,
o que constitui uma afronta aos princípios basilares do Estado
Democrático de Direito.
Nesse diapasão, Márcio Túlio Delgado, Gabriela Neves e
Helder Amorim afirmam que:
A interpretação do § 1º do art. 71 da Lei n.
8.666/93 desafia sua leitura conjunta e
contextualizada com vários outros dispositivos
legais que imputam à Administração Pública, de
forma correlata e proporcional, o dever de
fiscalizar eficientemente a execução dos seus
contratos de terceirização, por imperativo de
legalidade e moralidade pública (Constituição,
art. 7º) cuja promoção e fiscalização incumbem
aprioristicamente ao Estado, como razão
essencial de sua existência.[15]
A fim de evitar fraudes no que diz respeito aos direitos
trabalhistas, bem como o prejuízo do empregado que executou
devidamente o seu trabalho, o TST editou a Súmula n. 331 fixando
a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços. Após
algumas revisões, em 2000, a mencionada súmula reafirmou o
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entendimento de que o inadimplemento das obrigações trabalhistas,
por parte do prestador dos serviços, implica a responsabilidade
subsidiária do tomador, ainda que seja ele ente integrante da
Administração Pública direta ou indireta.
Assim, o inciso IV da Súmula n. 331 do TST apresenta-se como
um mecanismo para efetivar o respeito ao direito do empregado de
receber uma contraprestação justa em razão do trabalho realizado.
Ressalta-se que a remuneração do obreiro possui caráter alimentar,
o que torna ainda mais evidente a necessidade de adoção de
medidas que coíbam o inadimplemento.
A controvérsia a respeito da responsabilidade civil do Estado
nas terceirizações reside na convivência concomitante entre dois
instrumentos normativos contraditórios entre si: de um lado, o art.
71, §1º, da Lei de Licitações e Contratos, e do outro, a previsão da
Súmula n. 331 do TST.
Ocorre que se trata de uma contradição apenas aparente, pois,
em verdade, não há incompatibilidades entre os dispositivos
apontados. Isto porque o art. 71 da Lei n. 8.666/93 não isentou a
Administração Pública do dever de acompanhar e fiscalizar a
atuação da empresa contratada quanto ao cumprimento de suas
obrigações, inclusive o adimplemento dos encargos trabalhistas.
Outrossim, seria, no mínimo, desarrazoado interpretar o art. 71,
§ 1º, da Lei n. 8.666/93 de forma a permitir a adoção de conduta
negligente por parte do ente público, que possibilitasse a violação
dos princípios norteadores do ordenamento jurídico, bem como
ocasionasse prejuízos aos trabalhadores.
Em face do exposto, acredita-se não existir controvérsia entre o
art. 71, § 1º, da Lei n. 8.666/93 e a Súmula n. 331 do TST que obste
à responsabilização da Administração Pública. Assim, entende-se
ser possível a responsabilização do ente público contratante por
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débitos trabalhistas da prestadora de serviços, sendo diversos os
argumentos que sustentam esta tese, e que serão detalhadamente
expostos a seguir.
4 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À RESPONSABILIZAÇÃO
DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA POR DÉBITOS TRABALHISTAS
DA PRESTADORA DE SERVIÇOS
Conforme explicitado, o presente trabalho coaduna-se com o
entendimento de que é possível atribuir responsabilidade civil à
Administração Pública em razão do inadimplemento das verbas
trabalhistas por parte da empresa interposta, no caso de
contratação de serviços. Muitos são os argumentos apontados pela
doutrina que legitimam a condenação subsidiária do ente público,
nos termos da Súmula n. 331 do TST. Passa-se, então, a análise
de cada um deles.
4.1 Direitos e Garantias Fundamentais e Princípio da
Proteção do Trabalhador
Os direitos e garantias fundamentais representam uma série de
prerrogativas asseguradas ao cidadão com o objetivo de protegê-lo
da discricionariedade estatal ou de atos temerários praticados por
outros indivíduos. Parte-se do pressuposto de que determinados
direitos são básicos e essenciais para qualquer ser humano,
compondo, portanto, um núcleo intangível, que deve ser protegido
pela ordem jurídica.
Especificamente no Brasil, a dignidade da pessoa humana e os
valores sociais do trabalho foram elencados pelos incisos III e IV,
do art. 1º, da CF/88[16]como fundamentos da República Federativa
do Brasil, revelando a sua notória importância no cenário jurídico
brasileiro, assumindo status de direitos fundamentais.
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Acerca dos direitos fundamentais, e mais precisamente a
dignidade da pessoa humana como valor fundamental no Estado
Democrático de Direito, Paulo Bonavides afirma que:
O admirável Estado de Direito construído por um
constitucionalismo que protege e consagra na raiz de todos os seus
princípios a dignidade da pessoa humana, sem a qual a liberdade é
abstração - constitucionalismo de valores, por conseguinte -, cobra,
para sua sobrevivência, no cotidiano exercício de suas funções,
uma justificativa final, um título de legitimidade, cuja carência há de
conduzir, como já advertimos, ao governo de juízes, à ditadura
constitucional da toga, o que seria um desastre e uma fatalidade
para a democracia.[17]
Arion Sayão Romita, por sua vez, ressalta a importância
específica dos direitos sociais, no contexto dos direitos e garantias
fundamentais:
[...] por ter a Constituição de 1988 elevado a
dignidade da pessoa humana à categoria de
valor supremo e fundante de todo o
ordenamento brasileiro, fácil é atribuir aos
direitos sociais a característica de manifestações
dos direitos fundamentais de liberdade e
igualdade material porque, encarados em sua
vertente prestacional [...], tais direitos têm por
objetivo assegurar ao trabalhador proteção
contra necessidades de ordem material, além de
uma existência digna.[18]
Verifica-se, assim, que a CF/88 adotou uma visão coletiva dos
direitos individuais, incluindo-se aqui os direitos sociotrabalhistas,
reconhecendo a sua importância. Essa nova perspectiva tem como
base os conceitos e orientações consagradas no Direito do
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Trabalho, em especial a noção de ser coletivo, em contraponto à
clássica noção de ser individual.[19]
O Direito do Trabalho baseia em uma série de princípios
específicos, dentre os quais merece destaque o princípio da
proteção do trabalhador, que sintetiza a ontologia juslaboral, pois
esse ramo do Direito, nas lições de Pinho Pedreira
[...] nasceu da necessidade de se transformar a
liberdade e igualdade formais nas relações de
trabalho entre empregados e empregadores em
liberdade e igualdade reais, o que se tornou
possível mediante a técnica de contrabalançar a
debilidade econômica dos trabalhadores com
privilégios jurídicos, em outras palavras, com
proteção legal.[20]
Assim, o Direito do Trabalho, observando o desequilíbrio
econômico existente na relação de emprego, busca, através de um
aparato de normas e princípios, promover a atenuação da situação
de subordinação econômica, hierárquica e, por vezes, intelectual,
em que se encontra o trabalhador, sujeito hipossuficiente da relação
juslaboral.
Ocorre que o fenômeno da terceirização apresenta-se como
mecanismo de precarização das relações de trabalho,
compreendendo uma flexibilização das normas trabalhistas, o que
representa uma afronta ao caráter protetivo desse ramo do Direito.
Isso porque, com a delegação do desempenho das atividades
secundárias, as empresas pretendem diminuir gastos com folhas de
salários, já que seriam beneficiadas pelo labor dos empregados da
prestadora de serviços sem ter que arcar com parcelas decorrentes
de uma relação de emprego.
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As empresas contratadas, por sua vez, em razão da
competitividade do mercado, buscam oferecer seus serviços a
preços cada vez mais reduzidos. No entanto, para que não tenha a
sua lucratividade afetada, a empresa prestadora de serviços diminui
os gastos com a mão de obra, operando a redução da remuneração
dos trabalhadores ou até mesmo deixando de adimplir as suas
obrigações trabalhistas, o que representa uma grave afronta ao
princípio da proteção do trabalhador.
Insta salientar que a remuneração paga ao trabalhador como
contraprestação pelos serviços prestados é essencial para que lhe
seja garantido o usufruto dos seus direitos. As obrigações
trabalhistas do empregador são, antes de qualquer coisa, direitos
fundamentais sociais constitucionalmente consagrados e que
desempenham a função de assegurar a vida e a subsistência dignas
dos seus empregados e suas famílias, motivo pelo qual possuem
caráter alimentar, conforme assevera a própria Constituição
Federal, em seu art. 100, §1º-A[21].
Nesse esteio, observa-se então que o piso protetivo assegurado
pela CF/88 indubitavelmente abrange o direito à remuneração,
previsto em seu art. 7º, incisos IV, V, VI, VII e X[22], compreendendo
não só a contrapartida devida aos obreiros por quem se vale de seu
labor, como também a prestação essencial à subsistência dos
trabalhadores enquanto seres humanos dotados de necessidades
vitais.
Dessa forma, não se admite que a Administração Pública,
beneficiária direta da força de trabalho terceirizada, possa
permanecer inerte diante do inadimplemento da empresa
contratada, pois isso significaria uma flagrante violação aos direitos
constitucionalmente consagrados como fundamentais,
principalmente à dignidade da pessoa humana, bem como ao
princípio trabalhista da proteção do trabalhador. Estar-se-ia, assim,
consentindo com o comportamento omisso do Estado, que não
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logrou êxito em assegurar aos trabalhadores o gozo dos direitos
fundamentais, em contrariedade com os ditames constitucionais.
Os princípios da proteção à dignidade da pessoa humana, da
valorização social do trabalho e da proteção ao trabalhador
dispõem, portanto, de força normativa suficientemente hábil a
obstar condutas que visem à supressão integral de direitos sociais
assegurados aos trabalhadores, seja ela oriunda de um ente
privado ou da Administração Pública.
Por esses motivos, entende-se que o posicionamento adotado
por parte do TST, no sentido de admitir a responsabilização
subsidiária dos entes da administração direta ou indireta pelo
adimplemento das obrigações trabalhistas, em casos de
terceirização, encontra-se em perfeita consonância com os
princípios orientadores da ordem jurídica, notadamente em razão
da necessidade de se assegurar aos trabalhadores o gozo dos
direitos e garantias fundamentais, bem como a proteção aos abusos
dos empregadores.
Ressalta-se que a aplicação do Direito deve ser feita em estrita
observância aos princípios consagrados, haja vista que, na CF/88,
eles estão axiologicamente em posição superior, seja pelo valor
intrínseco que possuem, ou pelo simples fato de constituírem a
própria fundamentação do ordenamento. Nessa linha de pensar,
Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior afirmam que
“podemos falar na existência de uma hierarquia interna valorativa
dentro das normas constitucionais, ficando os princípios em um
plano superior, exatamente pelo caráter de regra estrutural que
apresentam.”[23]
A obediência aos princípios justifica-se, de igual forma, pois eles
refletem os valores consagrados em uma sociedade, como bem
ensina Ivo Dantas:
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PRINCÍPIOS são categoria lógica e, tanto quanto
possível, universal, muito embora não possamos
esquecer que, antes de tudo, quando
incorporados a um sistema jurídico-
constitucional-positivo, refletem a própria
estrutura ideológica do Estado, como tal,
representativa dos valores consagrados por uma
determinada sociedade.[24]
Tendo em vista que os princípios da proteção à dignidade da
pessoa humana, da valorização social do trabalho e da proteção ao
trabalhador ocupam posição de destaque no Direito Brasileiro,
deve-se buscar a sua estrita observância, sob o risco de incorrer em
grave afronta à ordem jurídica. Nesse contexto, a responsabilização
da Administração Pública não só é plausível, como também é
recomendável, pois se apresenta como uma solução jurídica para a
problemática da responsabilidade no âmbito da terceirização que
atende aos princípios norteadores do Direito, cuja observância faz-
se necessária como forma de assegurar aos trabalhadores o gozo
dos direitos fundamentais.
4.2 A Responsabilidade Subjetiva e Noções de Culpa in
eligendo e Culpa in vigilando
O art. 37, XXI, da CF/88, conforme já visto, estabeleceu a
obrigatoriedade das contratações públicas serem precedidas de
regular processo licitatório. Buscou, assim, a carta constitucional,
garantir a observância do princípio da isonomia, concedendo a
qualquer empresa interessada, desde que preencha os requisitos
legais, a oportunidade de participar do processo de seleção
realizado pelo ente público. Além disso, possibilitou-se à
Administração Pública a prerrogativa de selecionar, entre os
interessados em contratar com ela, aquele que apresentasse a
melhor proposta, que lhe fosse mais vantajosa.
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Segundo Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo:
A doutrina conceitua licitação como um
procedimento administrativo, de observância
obrigatória pelas entidades governamentais, em
que, observada a igualdade entre os
participantes, deve ser selecionada a melhor
proposta dentre as apresentadas pelos
interessados em com elas travar determinadas
relações de conteúdo patrimonial, uma vez
preenchidos os requisitos mínimos necessários
ao bom cumprimento das obrigações a que eles
se propõem.[25]
No plano infraconstitucional, a Lei n. 8.666/93 contém regras
que disciplinam o procedimento de licitação, merecendo destaque o
art. 27, que arrola os documentos exigíveis das empresas que
desejam se habilitar no certame. Isto porque estes documentos
funcionam como instrumentos objetivos para que o ente público
escolha a melhor entre as empresas participantes.
Segundo o art. 29 da lei supracitada, na fase de habilitação,
incumbe à Administração Pública cobrar das empresas licitantes a
comprovação de regularidade para com os encargos fiscais e
trabalhistas, devendo a empresa, inclusive, fazer prova de
regularidade quanto à Seguridade Social e ao FGTS.
Nesse diapasão, presume-se que a empresa contratada pelo
poder público possui subsídios para arcar com o cumprimento das
suas obrigações, inclusive as trabalhistas, já que cabe a empresa
demonstrar sua situação regular no cumprimento dos encargos
sociais, conforme determinação legal.
A Administração Pública, por sua vez, no momento do
julgamento das propostas, deve verificar a idoneidade das
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empresas licitantes através da conferência da documentação
apresentada. No mesmo sentido, incumbe a ela também observar
as propostas das candidatas, analisando se os preços
apresentados são compatíveis com os custos dos encargos sociais
trabalhistas, sob pena de desclassificação da proposta inexequível.
Evidente, portanto, que o ente público dispõe de todo um
aparato para assegurar que o contrato de prestação de serviços
seja celebrado com uma empresa que possa ser considerada
detentora de idoneidade econômica. Desse modo, se a
Administração Pública comete a falha de eleger uma empresa que
não costuma adimplir com suas obrigações legais, está
concorrendo com culpa in eligendo no que diz respeito ao dano
causado ao empregado em razão do inadimplemento da contratada.
Com efeito, a Administração Pública contratante dos serviços
terceirizados deve selecionar criteriosamente a empresa com quem
irá contratar, presumindo-se, caso haja uma falha na escolha, que
não agiu com cautela na análise dos documentos de habilitação das
candidatas.
Sobre a responsabilidade do ente público, em razão da sua
ação culposa, na modalidade de culpa in eligendo, Alice Monteiro
de Barros afirma que:
A reformulação da teoria da responsabilidade civil encaixa-se
como uma luva na hipótese da terceirização. O tomador dos
serviços responderá na falta de previsão legal ou contratual,
subsidiariamente, pelo inadimplemento das obrigações sociais a
cargo da empresa prestadora de serviço. Trata-se de uma
responsabilidade indireta, fundada na ideia de culpa presumida (in
eligendo), ou seja, na má escolha do fornecedor da mão-de-obra e
também no risco (art. 927, parágrafo único, do Código Civil de
2002), já que o evento, isto é, a inadimplência da prestadora de
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serviços decorreu do exercício de uma atividade que se reverteu em
proveito do tomador.[26]
Entende-se que é indispensável que o ente público tenha
conhecimento da estrutura da prestadora, de seu porte e de sua
fidedignidade, até porque possui meios de prever a eventual
inadimplência da empresa terceirizada quanto aos seus encargos,
inclusive os trabalhistas. Assim, a Administração Pública assume o
risco de responder pela eleição descurada, já que indubitavelmente
concorreu para a contratação de uma empresa inidônea, incorrendo
em culpa in eligendo. Dessa forma, nada mais lógico que responda
subsidiariamente pelo inadimplemento das verbas trabalhistas, pois
não é justo, nem legal, que os riscos da terceirização sejam
suportados pelo trabalhador, até porque, de acordo com o art. 2º,
da CLT, é o empregador quem assume os riscos da atividade.
A atuação da Administração Pública nas contratações dos
serviços públicos, no entanto, não se restringe à seleção da
empresa contratante. Há que se considerar ainda que o Estado tem
o dever de fiscalizar eficientemente a execução de seus contratos
de terceirização, por imperativo de legalidade e moralidade pública,
inclusive em relação ao cumprimento das obrigações da empresa
contratada para com os seus empregados.
Isto porque os arts. 54, § 1º, 55, XIII, e 66, da Lei n. 8.666/93,
estabelecem que a empresa contratada esteja estritamente
vinculada ao cumprimento das obrigações por ela assumidas,
inclusive as trabalhistas. Salienta-se que a tal posicionamento
justifica-se na medida em que, no curso do certame, a empresa
apresentou proposta, na qual deve (ou ao menos deveria)
obrigatoriamente constar o preço relativo aos direitos trabalhistas
de seus empregados.
O art. 67 da mencionada lei, por sua vez, atribui à Administração
Pública o dever de fiscalizar a execução do contrato por meio de um
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representante especialmente designado, que deverá pontuar todas
as irregularidades e determinar o que for necessário para ajustar a
situação.
Como se não bastassem os preceitos da Lei de Licitação e
Contratos, o dever do ente público de fiscalizar a execução dos
ajustes firmados encontra-se regulamentado também na Instrução
Normativa (IN) n. 2/08, alterada pela Instrução Normativa n. 3/09,
ambas do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
(MPOG), que tratam da matéria no âmbito da Administração Pública
Federal, servindo ao menos de baliza interpretativa para os demais
entes da administração, embora não possa figurar como solução
impositiva.
Em linhas gerais, tais diplomas legais impõem à Administração
Pública contratante o dever de fiscalizar o adimplemento das
obrigações trabalhistas pelas empresas contratadas, desde a
seleção no processo licitatório até os momentos finais do contrato.
Nesta oportunidade, inclusive, o ente público tem o dever de adotar
medidas voltadas a preservar o pagamento das verbas rescisórias
dos trabalhadores.
A respeito do acompanhamento e fiscalização da execução dos
contratos, o art. 34 da IN n. 02/08, regulamentando o art. 67 da Lei
n. 8.666/93, assim dispõe:
Art. 34. A execução dos contratos deverá ser
acompanhada e fiscalizada por meio de
instrumentos de controle, que compreendam a
mensuração dos seguintes aspectos, quando for
o caso:
I - os resultados alcançados em relação ao
contratado, com a verificação dos prazos de
execução e da qualidade demandada;
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II - os recursos humanos empregados, em
função da quantidade e da formação profissional
exigidas;
III - a qualidade e quantidade dos recursos
materiais utilizados;
IV - a adequação dos serviços prestados à rotina
de execução estabelecida;
V - o cumprimento das demais obrigações
decorrentes do contrato; e
VI - a satisfação do público usuário.[27]
Nesse contexto, fica evidente que a Administração Pública
dispõe de vários instrumentos para fiscalizar a execução do
contrato, inclusive no sentido de verificar se a empresa contratada
está efetuando o regular adimplemento das verbas trabalhistas.
Cumpre observar que os direitos dos trabalhadores são direitos
fundamentais, cuja garantia a CF/88 atribuiu, principalmente, ao
Estado. Daí porque se afirma que o Estado tem o dever de fiscalizar
o fiel cumprimento do contrato.
Assim, a ausência de fiscalização por parte do ente público
desponta como outro fundamento para a responsabilização da
Administração Pública nas terceirizações, em razão da
configuração da culpa in vigilando. Essa modalidade de culpa diz
respeito ao dever que a o poder público possui de fiscalizar se a
empresa contratada está cumprindo com suas obrigações
trabalhistas durante todo o período de duração do contrato de
prestação de serviços.
Em razão dos fundamentos expostos, defende-se que a
responsabilidade subsidiária da Administração Pública surge
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justamente em face da falha na escolha das empresas prestadoras
de serviços públicos (culpain eligendo) e na ausência de
fiscalização, no sentido de verificar se a empresa contratada está
cumprindo as suas obrigações contratuais, inclusive as trabalhistas
(culpa in vigilando). Nesse sentido, Vaneska Donato de Araújo
considera que:
A culpa in eligendo se caracterizava pela má escolha dos
empregados ou propostos, por parte do patrão ou comitente; a
culpa in vigilando se referia à falta de atenção e cuidado para com
o comportamento das pessoas que estavam sob a guarda ou
responsabilidade do agente.[28]
Anteriormente à última alteração da Súmula n. 331 do TST,
aqueles que coadunavam com os argumentos revelados entendiam
que haveria uma presunção de que a Administração Pública
concorreu com culpa in vigilando ou in eligendo quando constatado
que, de fato, a empresa prestadora de serviços não cumpriu com
suas obrigações juslaborais em relação aos trabalhadores
terceirizados.
No entanto, atualmente o entendimento consagrado pelo TST é
o de que a simples sonegação das verbas trabalhistas pela empresa
prestadora dos serviços não implica no automático reconhecimento
de culpa por parte do ente estatal. De acordo com o inciso V do
citado enunciado, os entes da administração direta e indireta só
respondem pelas obrigações relativas aos encargos trabalhistas
não adimplidos por parte do contratado se comprovada a sua culpa
na produção do resultado danoso, seja ela na modalidade culpa in
eligendo ou culpa in vigilando.
Disto se conclui que a Suprema Corte Trabalhista entende que
a responsabilidade do Estado, em caso de terceirização, é de
natureza subjetiva, em face da necessidade de comprovação do
elemento volitivo. Tal posicionamento, em que pese já se revele
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mais benéfico para o trabalhador do que a tese da
irresponsabilidade do ente público, não se revela ideal, pois atribuir
o ônus de provar a existência de conduta culposa por parte da
Administração Pública ao trabalhador apresenta-se, na maioria das
vezes, como empecilho à obtenção dos seus direitos.
O que acontece é que, na maioria das vezes, o empregado da
prestadora de serviços não possui meios para fazer a produção da
referida prova, pois todos os documentos relativos ao contrato
administrativo são de posse do ente público. Assim, a prova de que
a Administração Pública incorreu em culpa in eligendo ou in
vigilando configura-se como verdadeira prova diabólica, que é
aquela cuja produção é excessivamente difícil, ou até mesmo
impossível.
Não se poderia também cogitar de aplicação da regra de
inversão do ônus da prova, para comprovação de que o órgão
público agiu culposamente, pois o Processo do Trabalho determina
o ônus da prova de determinada alegação incumbe a quem a fizer,
conforme previsão do art. 818 da CLT[29].
Por essas razões, acredita-se que a melhor solução para os
casos em que a empresa contratada pela Administração Pública
deixa de efetuar devidamente o pagamento dos encargos
trabalhistas seria atribuir-lhe a responsabilidade pelo adimplemento
dessas parcelas independentemente da necessidade de
comprovação do elemento subjetivo. Passa-se, portanto, a analisar
os argumentos que embasam este posicionamento.
4.3 A Responsabilidade Objetiva da Administração Pública
Contratante
O art. 927 do Código Civil, em seu parágrafo único, prevê a
responsabilidade objetiva, ao dispor que: “Haverá obrigação de
reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos
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especificados em lei, ou quando a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco
para os direitos de outrem”[30].
A responsabilidade objetiva fundamenta-se na teoria do risco e
se justifica diante da dificuldade por parte da vítima de provar a
culpa do agente, o que impossibilitava a reparação.
Especificamente acerca da responsabilidade do Estado, a CF/88
adotou expressamente a teoria da responsabilidade objetiva, sob a
modalidade risco administrativo.
Em idêntico sentido, o art. 43[31] do novo Código Civil, que
praticamente repete o teor do artigo da Constituição mencionado,
trouxe à legislação civil a ideia do risco administrativo para embasar
a responsabilidade civil do Estado, tendo, portanto, de igual forma,
adotado a teoria da responsabilidade objetiva.
Constata-se, portanto, que não se permite que o Estado se
exima do seu dever de reparar o dano causado à terceiro por uma
conduta que lhe seja imputável, seja ela um ato unilateral, lícito ou
ilícito, comissivo ou omissivo, material ou jurídico[32]. Ademais, em
razão da adoção da teoria objetiva, a vítima está dispensada do
ônus probante quanto à culpabilidade direta ou indireta da
Administração, desde que presentes todos os elementos da
responsabilidade[33], quais sejam: conduta atribuível ao Estado;
dano a terceiro e nexo causal.
Por força do que dispõe o art. 37, § 6º, da CF/88, não pode, o
ente público, se escusar de ressarcir o trabalhador pelos danos que
lhe foram causados em razão da desvirtuação da relação de
emprego ocasionada pela terceirização dos serviços. Daí porque,
ainda que não seja possível a formação de vínculo de emprego
entre o ente estatal e o empregado da empresa contratada, em
obediência ao art. 37, II, da CF/88, o Estado deve arcar com o
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pagamento das verbas trabalhistas devidas ao trabalhador,
seguindo a orientação do inciso IV da Súmula n. 331 do TST.
Ademais, aplica-se, ao caso da Administração Pública
contratante de serviços terceirizados, o regramento do Código Civil.
Isso porque, quando se fala em responsabilidade do tomador dos
serviços, nada mais se estar a dizer senão sobre a responsabilidade
por ato de terceiro, matéria regulada pelo diploma civil, de aplicação
analógica no Direito do Trabalho. Em seu art. 932[34], o referido
diploma legislativo determina que o comitente, no caso, o tomador
dos serviços, é responsável pela reparação dos danos ocasionados
por atos de seus prepostos (prestador de serviços), no exercício do
trabalho que lhes competir, ou em razão dele.
O art. 933[35], por sua vez, prevê que as pessoas elencadas no
artigo anterior, entre as quais está o comitente, deverão responder
pelos atos praticados pelos terceiros referidos ainda que não haja
culpa de sua parte. E mais, mais adiante, o parágrafo único do art.
942[36] estabelece a responsabilidade das pessoas designadas no
art. 932 é de caráter solidário.
Destarte, a solução adotada para a questão do inadimplemento
das verbas trabalhistas nos contratos de terceirização não poderia
ser outra que não a atribuição de responsabilidade solidária e
objetiva ao Estado, pois não seria justo que o trabalhador ficasse
em total desamparo, tendo que arcar com os riscos da atividade
terceirizada. Conforme salientado anteriormente, os empregados da
empresa contratada não dispõem de meios suficientes para fazer
prova da culpa do agente público, o que muitas vezes inviabiliza a
obtenção da reparação em decorrência do dano sofrido. Por essa
razão, a adoção da teoria da responsabilidade subjetiva, nesses
casos, não se revela a melhor forma de solucionar o problema.
Impende destacar, contudo, que se reconhece os danos que a
atribuição de responsabilidade solidária ao ente público, nesses
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casos, pode ocasionar à sociedade. Assim, defende-se a aplicação
da ideia desenvolvida pelo Ministro Herman Benjamin , do Superior
Tribunal de Justiça, de responsabilidade solidária de execução
subsidiária. Julgando questão afeta ao Direito Ambiental,
notadamente a responsabilidade da Administração Pública nos
casos de omissão no seu dever de fiscalizar as empresas
causadoras de degradação ambiental, o ilustre Ministro, relator do
processo, defendeu que o poder público deveria ser
responsabilizado de forma solidária, uma vez que agiu com
descaso, omitindo-se no seu dever de controle e fiscalização[37].
Contudo, ressalvou o ministro que, ao buscar a tutela dos direitos
ambientais, responsabilizando o poder público pelos danos
causados pela empresa poluidora, não se poderia penalizar
duplamente a sociedade, uma vez que, em última análise seria esta
quem sofreria as consequências da responsabilização. Assim,
entendeu que, em que pese a responsabilidade da Administração
Pública seja solidária, nesses casos, sua execução comporta ordem
de preferência, ou seja, é subsidiária. Nesse sentido, vejamos
trecho esclarecedor do voto do relator:
A responsabilidade solidária e de execução
subsidiária significa que o Estado integra o título
executivo sob a condição de, como devedor-
reserva, só ser convocado a quitar a dívida se o
degradador original, direto ou material (=
devedor principal) não o fizer, seja por total ou
parcial exaurimento patrimonial ou insolvência,
seja por impossibilidade ou incapacidade,
inclusive técnica, de cumprimento da prestação
judicialmente imposta, assegurado, sempre, o
direito de regresso (art. 934 do Código Civil),
com a desconsideração da personalidade
jurídica (art. 50 do Código Civil).[38]
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Ressalta-se ainda que a tendência atual é de alargar o conceito
da expressão “agente”, constante do art. 37, § 6º, da CF/88, para
abarcar os particulares em colaboração com o Estado, entre os
quais estão incluídas as empresas prestadoras de serviços
terceirizados. Isto porque o Estado é uma pessoa jurídica e, por
isso, manifesta sua vontade através das pessoas físicas, que
praticam atos. Assim, os atos administrativos correspondem à
conduta humana praticada em nome da Administração Pública,
estando sujeito a controle por parte do Estado.
Evidente que as empresas prestadoras de serviços são
contratadas pela Administração para desempenhar atividades de
seu interesse, em seu nome, atividades estas que originariamente
competiam ao ente público, conforme determinação do art. 175 da
CF/88[39]. Assim, não há dúvidas que tais empresas praticam atos
administrativos. Ademais, não há dúvidas de que o poder público
tem a prerrogativa de fiscalizar a execução do contrato, ou seja, dos
atos praticados pelas empresas contratadas.
Dessa forma, justifica-se a tendência de interpretar a expressão
“agente” de forma a englobar os particulares em colaboração com o
Estado, pois, uma vez que estes estão agindo em nome da
Administração Pública, compete a ela arcar com os riscos da
atividade, até porque, conforme a Constituição, é o ente estatal
quem tem o dever de executar as atividades de interesse público,
tendo escolhido delegá-las a um terceiro.
Nesse esteio, nada mais lógico que atribuir responsabilidade
objetiva e solidária, de execução subsidiária, ao Estado nos casos
de terceirização. Ainda que o dano não houvesse sido ocasionado
em razão da atuação direta do Estado, o seu comportamento ativo
criou a situação que ensejou o dano, de forma que o ente público
não pode se eximir de toda e qualquer responsabilidade. Segundo
Celso Antônio Bandeira de Mello, “Nestas hipóteses pode-se dizer
que não há causação direta e imediata do dano por parte do Estado,
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mas seu comportamento ativo entra, de modo mediato, porém
decisivo, na linha de causação”[40].
O autor segue ainda explicando que a contratação de
trabalhadores por empresa prestadora de serviços decorre de uma
ação do Estado, que é a celebração de contrato de prestação de
serviços. Assim, quando a empresa contratada deixa de satisfazer
direitos trabalhistas dos empregados que aliciou para o
cumprimento do ajuste celebrado com o poder público está
causando um dano a esses trabalhadores, em cuja causação
participou o Estado. Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de
Mello:
Em última instância, estas hipóteses de danos ora cogitadas
não se distanciam muito dos casos em que o prejuízo é causado
diretamente pelo Estado. É que a lesão deriva de uma situação
criada pelo próprio Estado. É o próprio Poder Público que, embora
sem ser o autor do dano, compõe, por ato seu, situação propícia à
eventualidade de um dano.[41]
Trata-se da aplicação da Teoria do Risco Administrativo. Ao
terceirizar serviços que, em regra, teria o dever de prestar, a
Administração Pública propicia, ainda que indiretamente, o
surgimento de situação jurídica causadora de danos a terceiros, no
caso, o exercício de labor sem a devida contraprestação. Dessa
forma, fica evidente que o Estado assume, mesmo que tacitamente,
o risco de ter que arcar com o adimplemento das verbas trabalhistas
dos empregados da empresa contratada.
Nesse sentido, transcreve-se o voto condutor do julgamento do
Incidente de Uniformização de Jurisprudência n. 297751 do TST:
INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE
JURISPRUDÊNCIA - ENUNCIADO Nº 331, IV,
DO TST - RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA
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- ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - ARTIGO 71 DA
LEI Nº 8.666/93. Embora o artigo 71 da Lei nº
8.666/93 contemple a ausência de
responsabilidade da Administração Pública pelo
pagamento dos encargos trabalhistas,
previdenciários, fiscais e comerciais resultantes
da execução do contrato, é de se consignar que
a aplicação do referido dispositivo somente se
verifica na hipótese em que o contratado agiu
dentro de regras e procedimentos normais de
desenvolvimento de suas atividades, assim
como de que o próprio órgão da administração
que o contratou pautou-se nos estritos limites e
padrões da normatividade pertinente. Com
efeito, evidenciado, posteriormente, o
descumprimento de obrigações, por parte do
contratado, entre elas as relativas aos encargos
trabalhistas, deve ser imposta à contratante a
responsabilidade subsidiária. Realmente, nessa
hipótese, não se pode deixar de lhe imputar, em
decorrência desse seu comportamento omisso
ou irregular, ao não fiscalizar o cumprimento das
obrigações contratuais assumidas pelo
contratado, em típica culpa in vigilando, a
responsabilidade subsidiária e,
conseqüentemente, seu dever de responder,
igualmente, pelas conseqüências do
inadimplemento do contrato. Admitir-se o
contrário, seria menosprezar todo um arcabouço
jurídico de proteção ao empregado e, mais do
que isso, olvidar que a Administração Pública
deve pautar seus atos não apenas atenta aos
princípios da legalidade, da impessoalidade,
mas sobretudo, pelo da moralidade pública, que
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não aceita e não pode aceitar, num contexto de
evidente ação omissiva ou comissiva, geradora
de prejuízos a terceiro, que possa estar ao largo
de qualquer co-responsabilidade do ato
administrativo que pratica. Registre-se, por outro
lado, que o art. 37, § 6º, da Constituição Federal
consagra a responsabilidade objetiva da
Administração, sob a modalidade de risco
administrativo, estabelecendo, portanto, sua
obrigação de indenizar sempre que cause danos
a terceiro. Pouco importa que esse dano se
origine diretamente da Administração, ou,
indiretamente, de terceiro que com ela contratou
e executou a obra ou serviço, por força ou
decorrência de ato administrativo. (destaques
não constam no original).[42]
Outro argumento apontado para sustentar a tese da
responsabilidade objetiva do Estado em caso de terceirização é a
ideia de risco proveito, segundo a qual aquele que se aproveita de
atividade que propicia riscos a terceiros deverá responder,
independentemente de culpa, pelos danos ocasionados.
Parafraseando Maria Helena Diniz, Alice Monteiro de Barros,
leciona que a noção de risco proveito “Baseia-se no princípio do ubi
emolumentum,ibis ius (ou ibis ônus), isto é, a pessoa que se
aproveitar dos riscos ocasionados deverá arcar com suas
consequências”.[43]
Por fim, ainda que não se entenda que o dano causado aos
trabalhadores decorreu, ainda que indiretamente, de conduta
comissiva do Estado, consistente na contratação de empresa para
prestação de serviços, mas sim que se originou da postura omissa
do ente público quanto à fiscalização do contrato, justifica-se a
adoção da tese da responsabilidade objetiva.
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Ora, o art. 37, § 6º, da CF/88, não estabeleceu qualquer
distinção entre a atuação comissiva e a atuação omissiva do
Estado. O referido dispositivo apenas menciona que o ente público
responderá pelos danos que seus agentes, nessa qualidade,
causarem a terceiros, ou seja, basta à ocorrência do dano, não
sendo relevante se ele foi ocasionado por conduta ativa ou omissiva
do agente.
Constata-se, assim, que a tese da responsabilidade subjetiva
do Estado por suas omissões é construção meramente doutrinária
e não encontra qualquer respaldo na legislação vigente. Ressalta,
inclusive, Carlos Roberto Gonçalves que a jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal já decidiu que a atividade administrativa
a que alude o art. 37, § 6º, da CF/88, abrange tanto a conduta
comissiva quanto a omissiva, desde que a omissão seja causa
direta do dano, o que, sem dúvidas, ocorre no caso em análise.[44]
No mesmo sentido, para demonstrar que a Suprema Corte tem
adotado posicionamento no sentido de admitir a responsabilidade
objetiva do Estado por omissão, transcreve-se trecho de decisão
proferida pelo STF, de relatoria do Ministro Celso Antônio:
O Tribunal, por maioria, deu provimento a agravo regimental
interposto em suspensão de tutela antecipada para manter decisão
interlocutória proferida por desembargador do Tribunal de Justiça
do estado de Pernambuco, que concedera parcialmente pedido
formulado em ação de indenização por perdas e danos morais e
materiais para determinar que o mencionado Estado-membro
pagasse todas as despesas necessárias à realização de cirurgia de
implante de Marcapasso Diafragmático Muscular – MDM no
agravante, com o profissional por este requerido. Na espécie, o
agravante, que teria ficado tetraplégico, em decorrência de assalto
ocorrido em via pública, ajuizara ação indenizatória, em que objetiva
a responsabilização do Estado de Pernambuco pelo custo
decorrente da referida cirurgia, ‘que devolverá ao autor a condição
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de respirar sem a dependência do respirador mecânico’. Entendeu-
se que restaria configurada uma grave omissão, permanente e
reiterada, por parte do Estado de Pernambuco, por intermédio de
suas corporações militares, notadamente por parte da polícia militar,
em prestar o adequado serviço de policiamento ostensivo, nos
locais notoriamente passíveis de práticas criminosas violentas, o
que também ocorreria em diversos outros Estados da Federação.
Em razão disso, o cidadão teria o direito de exigir do estado, o qual
não poderia se demitir das consequências que resultariam do
cumprimento do seu dever constitucional de prover segurança
pública, a contraprestação da falta desses serviços. Ressaltou-se
que situações configuradoras de falta de serviço podem acarretar a
responsabilidade civil objetiva do Poder Público, considerado o
dever de prestação pelo estado, a necessária existência de causa e
efeito, ou seja, a omissão administrativa e o dano sofrido pela
vítima, e que, no caso, estariam presentes todos os elementos que
compõe a estrutura dessa responsabilidade. [...].[45]
Esclarecem ainda Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo que nas
situações:
Em que o estado está na posição de garante,
quando tem dever legal de assegurar a
integridade de pessoas ou coisas sob sua
custódia, guarda ou proteção direta, responderá
ele com base na teoria do risco administrativo,
terá responsabilidade extracontratual objetiva
pelo dano ocasionado pela sua omissão às
pessoas ou coisas que estavam sob sua
custódia ou sob sua guarda.[46]
Não há dúvidas de que a Administração Pública tem o deve agir
em defesa do interesse público, inclusive os direitos trabalhistas,
estando, portanto, em posição de garante, de acordo com os
ensinamentos acima transcritos. Dessa forma, ao omitir-se em
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proceder à fiscalização, como preceituam a Lei n. 8.666/93 e a
Instrução Normativa (IN) n. 2/08, alterada pela Instrução Normativa
n. 3/09, ambas do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
(MPOG), o poder público está violando não apenas as referidas
normas legais, mas também frustrando as expectativas legítimas
dos trabalhadores e cidadãos em geral quanto ao papel do Estado.
Nesse caso, a responsabilidade do Estado pelos encargos
trabalhistas inadimplidos por parte da empresa contratada deve ser
objetiva, com base no art. 37, §6º, da CF/88, tendo em vista que o
representante da Administração, especialmente designado para
acompanhar a execução contratual, se omitiu de verificar o
adimplemento das referidas verbas, ocasionando dano direto aos
empregados da prestadora de serviços.
Em face do exposto, verifica-se que são de extrema pertinência
os argumentos que embasam a aplicação da tese da
responsabilidade objetiva da Administração Pública em casos de
terceirização de serviços.
6 CONCLUSÕES
Diante de todo o exposto no decorrer deste esforço acadêmico,
conclui-se que:
1) especificamente quanto á responsabilidade do Estado, o
art. 37, § 6º, da Constituição Federal de 1988 prevê a
responsabilidade objetiva da Administração Pública, com
base na ideia da mais ampla reparabilidade dos danos
causados, admitindo-se, no entanto, a existência de causa
excludente de responsabilidade. Em que pese muitos
estudiosos defendam que o referido dispositivo apenas se
aplica aos casos de condutas comissivas do ente público, o
texto constitucional em momento algum estabelece
distinção entre a forma de responsabilização em razão de
atos comissivos ou omissivos do Estado;
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2) a controvérsia a respeito da responsabilidade civil do
Estado nas terceirizações, no entanto, reside na
convivência concomitante entre o art. 71, §1º, da Lei de
Licitações e Contratos, e a Súmula n. 331 do TST. Trata- se
de uma contradição apenas aparente, pois, em verdade,
não há incompatibilidades entre os dispositivos apontados,
sendo, portanto, plenamente possível a responsabilização
do ente público contratante de serviços terceirizados;
3) de igual forma, tendo em vista que os princípios da
proteção à dignidade da pessoa humana, da valorização
social do trabalho e da proteção ao trabalhador ocupam
posição de destaque no Direito Brasileiro, deve-se buscar a
sua estrita observância, sob o risco de incorrer em grave
afronta à ordem jurídica. Assim, a responsabilização da
Administração Pública não só é plausível, como também é
recomendável, pois se apresenta como uma solução
jurídica para a problemática da responsabilidade no âmbito
da terceirização que atende aos princípios norteadores do
Direito, cuja observância faz-se necessária como forma de
assegurar aos trabalhadores o gozo dos direitos
fundamentais;
4) com esteio na Súmula n. 331 do TST, a condenação da
Administração Pública justifica-se também em face da falha
na escolha das empresas prestadoras de serviços públicos
(culpa in eligendo) ou na ausência de fiscalização, no
sentido de verificar se a empresa contratada está cumprindo
as suas obrigações contratuais, inclusive as trabalhistas
(culpa in vigilando);
5) em que pese o posicionamento sumulado já se revele
mais benéfico para o trabalhador do que a tese da
irresponsabilidade do ente público, não se revela ideal, pois
atribuir o ônus de provar a existência de conduta culposa
por parte da Administração Pública ao trabalhador
apresenta-se, na maioria das vezes, como empecilho à
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obtenção dos seus direitos, pois em muitos casos, todos os
documentos relativos ao contrato administrativo são de
posse do ente estatal. A responsabilidade objetiva
fundamenta-se, assim, na Teoria do Risco e se justifica
diante da dificuldade por parte da vítima de provar a culpa
do agente;
6) de igual sorte, da análise do art. 37, § 6º, da CF/88, bem
como em decorrência do regramento estabelecido no
Código Civil, notadamente nos arts. 932, 933 e 942, conclui-
se que a solução adotada para a questão do
inadimplemento das verbas trabalhistas nos contratos de
terceirização não poderia ser outra que não a atribuição de
responsabilidade objetiva ao Estado, pois não seria justo
que o trabalhador ficasse em total desamparo, tendo que
arcar com os riscos da atividade terceirizada;
7) outro argumento apontado para sustentar a aplicação da
tese da responsabilidade objetiva do Estado em caso de
terceirização é a ideia de risco- proveito, segundo a qual
aquele que se aproveita de atividade que propicia riscos a
terceiros deverá responder, independentemente de culpa,
pelos danos ocasionados. E ainda, tendo a Administração o
deve agir em defesa do interesse público, inclusive os
direitos trabalhistas, estando, portanto, em posição de
garante, ao omitir-se em proceder à fiscalização está
também frustrando as expectativas legítimas dos
trabalhadores e cidadãos em geral quanto ao papel do
Estado, devendo-lhe, portanto, ser imputada a
responsabilidade objetiva pelos danos decorrentes do
inadimplemento;
8) por fim, sob pena de onerar sobremaneira o Estado, em
que pese defenda-se a atribuição de responsabilidade
objetiva e solidária, entende-se pela aplicação da doutrina
do Ministro Herman Benjamin, de forma que, apesar de
solidária, a reponsabilidade da Administração Pública nos
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[1] MELLO, 2010, p. 997.
[2] Cf. CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito administrativo. 8. ed. Salvador: JusPODIVM, 2009, p. 360.
[3] MELLO, 2010, p. 1025.
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[6] CUNHA JÚNIOR, 2009, p. 361-362.
[7] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2001. v. 1, p. 275-276.
[8] Cf. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 619-620.
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[10] BRASIL. Constituição (1946). Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, 18 set. 1946. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao46.htm>. Acesso em: 21 fev. 2013.
[11] Ibid.
[12] Cf. CUNHA JÚNIOR, 2009, p. 367.
[13] “XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.”
[14] BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 22 jun. 1993. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm>. Acesso em: 02 jan. 2013.
[15] VIANA, Márcio Túlio; DELGADO, Gabriela Neves; AMORIM, Helder Santos. Terceirização: aspectos gerais – a última decisão do STF e a Súmula n. 331 do TST – novos enfoques. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 54-84, jan./mar. 2011.
[16] “Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político.”
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[17] BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 631.
[18] ROMITA, Arion Sayão. Direitos fundamentais nas relações de trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2007, p. 268-269.
[19] Cf. LORA, Ilse Marcelina Bernardi. Direitos fundamentais e responsabilidade da administração pública na terceirização de serviços: inconstitucionalidade do § 1º do art. 71 da Lei 8.666/93.Trabalho em Revista: Encarte, Curitiba, n. 137, p. 4530-4547, jul. 2008.
[20] SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. O estado atual dos principios do direito do trabalho. Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFBA, Salvador, n. 11, p. 91-100, jan./dez. 2004, p. 94.
[21] “Art. 100. [...] § 1º-A Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado.”
[22] “Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; V - piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho; VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo; VII- garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável; [...] X - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;”
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[23] ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 67.
[24] DANTAS, Ivo. Princípios constitucionais e interpretação constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1995, p. 59.
[25] ALEXANDRINO, Marcelo; VINCENTINO, Paulo. Direito administrativo descomplicado. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012, p. 576.
[26] Cf. BARROS, 2006, p. 430.
[27] BRASIL, 2008a.
[28] ARAÚJO, Vaneska Donato de.Responsabilidade civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 40.
[29] “Art. 818. A prova das alegações incumbe à parte que as fizer.”
[30] BRASIL, 2002.
[31] “Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.”
[32] Cf. MELLO, 2010, p. 993
[33] Cf. ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 715.
[34] “Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e
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prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos; V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.”
[35] “Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.”
[36] “Art. 942. [...] Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as pessoas designadas no art. 932.”
[37] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 2008/0146043-5 REsp 1071741 / SP. Relator: Min. Herman Benjamin. 2ª Turma. Brasília, 24 mar. 2009. Diário da Justiça Eletrônico, 16 dez. 2010. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200801460435&dt_publicacao=16/12/2010>. Acesso em: 27 jan. 2016.
[38] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 2008/0146043-5 REsp 1071741 / SP. Relator: Min. Herman Benjamin. 2ª Turma. Brasília, 24 mar. 2009. Diário da Justiça Eletrônico, 16 dez. 2010. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200801460435&dt_publicacao=16/12/2010>. Acesso em: 27 jan. 2016.
[39] “Art. 175 - Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único - A lei disporá sobre: I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; II - os direitos dos usuários;
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III - política tarifária; IV - a obrigação de manter serviço adequado.”
[40] Cf. MELLO, 2010, p. 1010.
[41] Ibid., p. 1019.
[42] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Incidente de Uniformização de Jurisprudência em Recurso de Revista n. TST-IUJ-RR-297.751/96.2. Relator: Min. Milton de Moura França. Quarta Turma. Brasília, 11 set. 2000. Diário da Justiça, 20 out. 2000a. Disponível em: <http://ext02.tst.jus.br/pls/ap01/ap_red100.resumo?num_int=83959&ano_int=1996&qtd_acesso=1281533&novoportal=>. Acesso em: 08 jan. 2013.
[43] BARROS, 2006, p. 430
[44] Cf. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 6. t. 2, p. 39.
[45] BRASIL. Supremo Tribunal Federal.Informativo STF. Brasília, n. 502, 14-18 abr. 2008b. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo502.htm>. Acesso em: 02 jan. 2013.
[46] ALEXANDRINO; VINCENTINO, 2012, p. 785-786.
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A VIABILIDADE DO RECONHECIMENTO DE EFEITOS TRABALHISTAS NA RELAÇÃO ENTRE OS PROFISSIONAIS DO SEXO COM AS CASAS DE PROSTITUIÇÃO
DARLON COSTA DUARTE: Analista Judiciário - Área Judiciária do Supremo Tribunal Federal. Graduado em Direito pela Faculdade Baiana de Direito e Gestão. Graduando em Direito Administrativo pela Universidade Anhanguera.
1. INTRODUÇÃO
A possibilidade de reconhecimento do vínculo empregatício
dos prostitutos com as casas de prostituição é um tema pouco
explorado pela doutrina trabalhista, não obstante a sua
abrangência, considerando o número dos possíveis beneficiários.
O presente artigo se debruça sobre esse ponto, objeto de
déficit doutrinário, ciente, desde já, das dificuldades que envolvem
o tema, uma vez que os debates ao seu respeito, como não poderia
deixar de ser, sempre acabam por externar concepções pessoais
dos debatedores sobre o assunto, de forma que estabelecer um
consenso é difícil, senão impossível.
Será analisado o entendimento atual dos tribunais trabalhistas
a respeito da possibilidade jurídica de se reconhecer vínculo
empregatício dos prostitutos com as casas de prostituição.
Ato contínuo, tentar-se-á demonstrar que muitas dessas
posições são, data vênia, desacertadas, e que são dotadas de
contradições insuperáveis.
Como premissa, contudo, vale esclarecer que sempre que se
fala da prostituição como atividade profissional, parte-se do
pressuposto de que ela é exercida de forma voluntária por pessoas
maiores e capazes.
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2. A VIABILIDADE JURÍDICA DO RECONHECIMENTO DO
VÍNCULO EMPREGATÍCIO
Inicialmente, cumpre rememorar que o exercício individual da
prostituição não é considerado crime no Brasil (não obstante haja
projetos de lei nesse sentido, a exemplo do PL 377/2011 de autoria
do Deputado Federal João Campos). De fato, apenas o seu
agenciamento é considerado crime, tipificado no art. 229 do Código
Penal. Mas seria tal circunstância suficiente para obstar eventual
reconhecimento de vínculo empregatício dos profissionais do sexo
com as casas em que a prostituição é exercida?
Muitos julgados negam veementemente esta possibilidade.
Os principais argumentos da corrente recalcitrante são,
basicamente, os seguintes: (1) a atividade dos prostitutos concorre,
na condição de atividade-fim, para o tipo penal previsto no art. 229
do Código Penal, de forma que não há que se falar em relação de
emprego, uma vez que tal atividade consiste em espécie de trabalho
ilícito; (2) a atividade dos prostitutos viola a moral e os bons
costumes, inquinando de nulidade a possível relação empregatícia.
Sem embargos, parece que tais posicionamentos devem ser
revistos.
Na tentativa de enfrentar o tema, faz-se necessário,
primeiramente, analisar os requisitos de um contrato de emprego (e,
para tanto, é indispensável a análise do seu gênero, o contrato de
trabalho).
Em seguida, cumpre definir qual a natureza jurídica das
diversas formas de prostituição, para verificar qual delas
eventualmente se enquadra no conceito de relação de
trabalho/emprego.
Finalmente, é preciso enfrentar se, de fato, essa eventual
relação de trabalho/emprego poderia se enquadrar no conceito de
“trabalho ilícito”, de forma a inquinar de nulidade o negócio jurídico
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(o que pressupõe a análise da teoria das nulidades do contrato de
trabalho, ocasião em que serão feitas breves considerações sobre
as distinções entre a teoria trabalhista e a teoria civilista das
nulidades), ou se os direitos sociais oriundos dessa possível relação
empregatícia podem ser garantidos (e eventualmente tutelados pelo
Judiciário).
2.1. RELAÇÃO DE TRABALHO VERSUSRELAÇÃO DE
EMPREGO A doutrina define a relação de trabalho como qualquer
obrigação de fazer que se refira ao labor humano, sendo um
verdadeiro gênero que abrange diversas espécies.
Nesse sentido, segundo Martinez (2013, p. 138), “do mesmo
tronco comum surgem diversas ramificações com suas
particularidades, não obstante todas elas tenham o idêntico
propósito de garantir a sobrevivência humana”.
Com efeito, do gênero relação de trabalho surgem a (a) relação
de trabalho autônomo, (b) relação de trabalho eventual, (c) relação
de trabalho avulso, (d) relação de trabalho voluntário e, finalmente,
(e) a relação de emprego[1].
A distinção que permeia as diversas espécies de relações de
trabalho gira em torno, em regra, na ausência de um ou alguns dos
requisitos que caracterizam a relação de emprego.
2.1.1. Partes da relação de emprego
A relação de emprego compõe-se, basicamente, de dois polos:
o empregado e o empregador.
Nos termos do art. 3º da Consolidação das Leis do Trabalho –
CLT “considera-se empregado toda pessoa física que presta
serviços de natureza não eventual a empregador, sob a
dependência deste e mediante salário”.
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Segundo Martinez (2013, p. 185), “no contexto do contrato de
emprego, o empregado aparece com sujeito prestador do trabalho,
vale dizer, aquele que pessoalmente, sem auxílio de terceiros,
despende, em caráter não eventual e sob direção alheia, sua
energia laboral, em troca de salário; aquele que, por não exercer
atividade por conta própria, não assume riscos da atividade na qual
está incurso”.
Por outro lado, considera-se empregador, ainda no escólio do
supracitado autor, “a pessoa física, jurídica ou ente
despersonalizado (este excepcionalmente autorizado a contratar)
concedente da oportunidade de trabalho, que, assumindo os riscos
da atividade (econômica ou não econômica) desenvolvida, admite,
assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços de outro sujeito,
o empregado” (MARTINEZ, 2013, p. 223).
Já a CLT conceitua o empregador como sendo “a empresa,
individual e coletiva, que, assumindo os riscos da atividade
econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de
serviços” (art. 2º).
2.1.2. Requisitos para a caracterização de uma relação de emprego
Como dito, a relação de emprego se distingue e se torna
peculiar em relação às demais espécies de relações de trabalho
pela presença cumulativa de uma série de requisitos. Diante da falta
de algum deles, será possível a existência de uma das demais
espécies de relação de trabalho, mas não de uma relação de
emprego.
A maior parte desses requisitos, inclusive, está presente no
conceito de empregado trazido pela CLT (art. 3º). São eles: (a) ser
o trabalho exercido por uma pessoa física, (b) haver pessoalidade
na prestação dos serviços, (c) ser o trabalho não-eventual, (d) ser o
trabalho oneroso e (e) haver subordinação.
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O requisito de ser o empregado pessoa física demonstra que a
pessoa jurídica não pode, jamais, figurar como empregada na
relação jurídico-laboral. Apenas ao empregador é dado ser pessoa
jurídica, jamais ao empregado.
Ademais, o requisito da pessoalidade demonstra, de acordo
com Maurício Godinho Delgado (2013, p.285) que, em regra, é
necessária a nota da infungibilidade na prestação dos serviços
empregatícios. Ou seja, a relação jurídica empregatícia deve ser,
em relação ao empregado, intuitu personae, de forma que ao
prestador de serviços não é dado fazer-se substituir por outro
trabalhador no desempenho das suas obrigações.
Por outro lado, a não-eventualidade requer que a relação
empregatícia tenha um caráter de permanência, mesmo que essa
permanência se dê por um período de tempo determinado. Sendo
assim, não se caracteriza como emprego aquele trabalho realizado
de maneira esporádica (DELGADO, 2013, p.286).
A onerosidade, ao seu turno, demonstra que a relação
empregatícia tem um caráter essencialmente econômico. Nesse
sentido, enquanto “o empregado tem o dever de prestar serviços
(...) o empregador, em contrapartida, deve pagar salários pelos
serviços prestados” (MARTINS, 2013, p. 107). Todavia, Maurício
Godinho Delgado (2013, p. 291) alerta que a onerosidade deve ser
analisada estritamente sob a ótica do prestador de serviços, uma
vez que todo trabalho seria passível de mensuração econômica ao
tomador dos serviços.
Ademais, a análise da onerosidade deve se pautar não só pelo
aspecto objetivo (relacionado ao efetivo pagamento de uma
contraprestação ao prestador de serviços), mas também por uma
análise de cunho subjetivo, que se manifesta pela “intenção
contraprestativa” (animus contrahendi) existente entre as partes, em
especial pelo prestador dos serviços.
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Finalmente, para que se possa falar em relação de emprego,
deve haver subordinação, que, classicamente, consiste no
acolhimento, pelo empregado, do poder diretivo do empregador
diretamente exercido em relação àquele; ou seja, tal subordinação,
classicamente, seria manifestada pela “intensidade de ordens do
tomador de serviços sobre o respectivo trabalhador” (DELGADO,
2013, p. 297).
2.2. NATUREZA JURÍDICA DA ATIVIDADE DOS
PROFISSIONAIS DO SEXO Vistos os requisitos para a caracterização da relação de
emprego, cumpre perquirir em quais hipóteses os serviços sexuais
desempenhados pelos prostitutos poderiam ser enquadrados como
uma relação de trabalho lato sensu, como uma relação de
trabalho strictu sensu (ou relação empregatícia) ou mesmo se é
possível enquadrá-los como uma relação de consumo.
2.2.1. A prestação de serviços sexuais como relação de consumo
O melhor enquadramento jurídico a ser dado à atividade dos
prostitutos, em termos contratuais, na relação prostituto-cliente,
parece ser o de verdadeira prestação de serviços nos moldes do
art. 594 do Código Civil, segundo o qual “toda a espécie de serviço
ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser contratada
mediante retribuição”.
A questão é saber se tal pacto consubstanciaria uma relação
de trabalho ou, simplesmente, uma relação de consumo, nos
moldes do Código de Defesa do Consumidor – questão relevante
para, inclusive, fixar a competência da justiça do trabalho ou da
justiça comum no caso de eventuais litígios judiciais.
De acordo com o art. 2º do CDC, consumidor é toda pessoa
física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como
destinatário final.
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Já fornecedor, nos moldes do art. 3º do mesmo diploma, é toda
pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou
estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que
desenvolvem atividade de produção, montagem, criação,
construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou
comercialização de produtos ou prestação de serviços.
Finalmente, serviços, sob a ótica do relevante § 2º do art. 3º do
CDC, é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo,
mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária,
financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das
relações de caráter trabalhista.
No caso de uma relação de emprego (espécie do gênero
relação de trabalho), dúvidas não existem quanto à competência da
justiça do trabalho para julgar o litígio.
Todavia, nem toda relação de consumo é, também, uma
relação de emprego, embora alguns defendam a possibilidade de
ser, concomitantemente, uma relação de trabalho. Cite-se, por
exemplo, o caso de um jardineiro que oferece seu serviço uma única
vez. Nesse sentido:
O Código de Defesa do Consumidor incide sobre algumas
relações de trabalho individual, caso de um jardineiro, de um
dentista, de um advogado, de um médico, de um empreiteiro, todos
prestando serviços eventuais. Em casos tais, é bem possível
estarmos diante de uma relação de consumo que também é uma
relação de trabalho, e não necessariamente uma relação de
emprego, diga-se de passagem. (...) Quem merecerá proteção
nessa hipótese? Qual a justiça competente para apreciar eventual
dilema contratual entre as partes: a Justiça do Trabalho ou a Justiça
Comum Estadual? (TARTUCE; NEVES. 2013, p. 100).
A questão ganha contornos ainda mais tormentosos se forem
analisadas as mudanças na competência da Justiça do Trabalho
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efetuadas pela EC 45/2004, que, conforme o art. 114, I da
Constituição Federal, passou a ser competente para processar e
julgar “as ações oriundas da relação de trabalho” – competência
esta que, antes, era restrita às relações de emprego.
Contudo, é de se observar que o consumidor é definido, pelo
art. 3º do CDC, como “destinatário final” do produto ou serviço.
Algumas teorias surgem para explicar o que se deve entender por
“destinatário final”, sendo a teoria finalista aquela que tem maior
aceitação na doutrina e no STJ[2]. Para essa teoria, destinatário
final seria aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço,
seja ele pessoa jurídica ou física. Logo, segundo essa interpretação
teleológica, não basta ser destinatário fático do produto, retirá-lo da
cadeia de produção, levá-lo para o escritório ou residência – é
necessário ser destinatário econômico do bem, não adquiri-lo para
revenda, não adquiri-lo para uso profissional, pois o bem seria
novamente um instrumento de produção, cujo preço será incluído
no preço final do profissional para adquiri-lo. Nesse caso, não
haveria exigida ‘destinação final’ do produto ou serviço, ou, como
afirma o STJ, haveria consumo intermediário, ainda dentro das
cadeias de produção e distribuição. Essa interpretação restringe a
figura do consumidor àquele que adquire (utiliza) um produto para
uso próprio e de sua família, consumidor seria o não profissional,
pois o fim do CDC é tutelar de maneira especial um grupo da
sociedade que é mais vulnerável. (MARQUES; BENJAMIN; BESSA.
2010, p. 85).
A questão não é pacífica, mas parece que o traço que distingue
uma relação de consumo de uma relação de trabalho é que, no
primeiro caso, a energia laboral é utilizada na condição de atividade-
fim, ao passo que, no caso de uma relação de trabalho, a energia
laboral será utilizada como um acréscimo na cadeia produtiva[3].
Partindo desta premissa, agora numa abordagem que envolva
os atores sociais estudados neste artigo, é possível afirmar que a
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prestação de serviços sexuais pelos profissionais do sexo aos seus
clientes consubstancia verdadeira relação de consumo, uma vez
que estes desfrutarão dos serviços sexuais na condição de
consumidor final.
Imaginando, por outro quadro, que um prostituto fosse
contratado para prestar serviços sexuais, só que num set de
filmagem de uma empresa especializada na venda e comércio de
material pornográfico: nesse caso, o serviço será utilizado na
condição de atividade-meio, que integrará a cadeia produtiva da
venda do material, atraindo, por conseguinte, as regras do direito do
trabalho, com a consequente competência da Justiça Laboral para
julgar a questão (ainda que não reste configurada uma relação de
emprego, notadamente pela eventualidade).
Com base nessas ideias, pode-se afirmar que os prostitutos
que oferecem seus serviços diretamente aos seus clientes
(consumidores finais) praticam verdadeira relação de consumo, de
competência da Justiça Estadual, nos termos do art. 93 do CDC.
Também o enunciado 363 da súmula do STJ aponta no sentido
de que “compete à Justiça estadual processar e julgar a ação de
cobrança ajuizada por profissional liberal contra cliente”.
Alguns críticos dos modelos que admitem a prestação de
serviços sexuais exercidas de forma livre indagam:
Si se sostiene que este es um trabajo de
prestación de servicios personales como
cualquier otro, si se considera que prestar el
propio cuerpo para que los hombres satisfagan
sus caprichos sexuales no es diferente a prestar
los brazos para realizar otras tareas manuales
(por ejemplo, cortar el pelo o servir bebidas), ¿por
qué, entonces, se considera em este caso que
algunos gustos sexuales de los demandantes
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pueden suponer un atentado contra la dignidad
de estas trabajadoras? ¿No habíamos quedado
en que las prácticas sexuales no se enjuician? O
la utilización del cuerpo de unas personas como
instrumento de placer de otras es uma indignidad,
o no lo es. Si es una indignidad, cualquier servicio
prestado en el marco de esta utilización debe
considerarse como tal. Pero si se defiende que no
es ninguna indignidad, que no es más que una
prestación de servicios como otra cualquiera,
entonces no viene al caso hablar de servicios
deseados onodeseados nihay por qué excluir
ninguno de los servicios solicitados por los
consumidores de sexo. Pretender que algunas
prácticas demandadas por los consumidores de
servicios sexuales pueden configurar el contenido
de uma actividad laboral para las mujeres que se
prestan a realizarlas, y considerar al mismo
tiempo que otras prácticas también demandadas
por estos mismos consumidores dan lugar a una
explotación que atenta contra la dignidad de
estas trabajadoras, utilizando además como
criterio de distinción entre unas prácticas y
otras los deseos de las propias trabajadoras,
pone de manifiesto la inconsistencia teórica del
planteamiento reglamentarista, que por un lado
reivindica tratar la prostitución como un trabajo
cualquiera y por otro demanda que esa
reglamentación tenga en cuenta aspectos
subjetivos (los deseos de las trabajadoras) que
son ajenos a um trabajo cualquiera (VIGIL;
VICENTE, 2006, p. 03).
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É certo que a prática sexual pode envolver situações das mais
diversas naturezas, sendo também certo que os gostos pessoais
devem ser respeitados, em virtude da liberdade sexual de cada um.
Contudo, defender que os prostitutos não podem cindir o que
consideram moral ou imoral, digno ou indigno em termos sexuais
externa flagrante resquício de preconceito perante a atividade
desempenhada por estes trabalhadores.
De fato, cabe, sim, aos prostitutos definirem os limites dos atos
que estarão dispostos a praticar no desempenho dos seus serviços
(o que é conveniente seja feito na fase pré-contratual). Afinal, como
bem aponta Gey Espinheira (2008), “a prostituição é uma dessas
situações limites em que as possibilidades de ação dos indivíduos
são mais amplas que aquelas contempladas pelas regras
institucionalizadas”.
Afinal, os prazeres que estão sendo vendidos não são
ilimitados, e as concepções do que seja digno ou indigno são
subjetivas, não cabendo, aqui, uma regra universal (como
pretendem as autoras), o que, todavia, não serve de argumento
para descaracterizar a profissionalização desta atividade.
2.2.2. A prostituição como relação de emprego
Nem todos prostitutos preferem se aventurar a exercer as suas
atividades sujeitos aos infortúnios da noite. Muitos se fixam em um
determinado estabelecimento, em prol de maior segurança, e se
subordinam diretamente ao dono do estabelecimento (este,
criminoso, sob a ótica dos nossos legisladores, nos termos do art.
229 do Código Penal).
Segundo o art. 5º, XIII, da Constituição Federal, “é livre o
exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as
qualificações profissionais que a lei estabelecer”. Por se tratar de
um direito fundamental, possui aplicabilidade imediata (CF, art, 5º,
§ 1º), de forma que, ainda que não exista regulamentação acerca
de determinada profissão (como é o caso da prostituição), a sua
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atividade, só por isso, não pode ser obstada[4]. Tem tutela
constitucional, portanto, o trabalho da prostituição.
E é certo que, em muitos destes trabalhos, se fazem presentes
todos os elementos da relação de emprego.
Haverá um trabalho exercido (obviamente) por pessoa física, e
com pessoalidade.
Também se verifica a onerosidade nesta relação, vez que os
serviços sexuais são prestados com intuito de lucro (há animus
contrahendi).
A não-eventualidade também pode estar presente nesta forma
de trabalho, pois há muitos casos em que os prostitutos
efetivamente se vinculam ao estabelecimento onde oferecem os
seus serviços.
Finalmente, a subordinação jurídica (aqui, sob o viés clássico)
também se faz presente em muitos casos, pois os prostitutos
recebem ordens do empregador, que fixa a jornada de trabalho, a
forma como eles devem se portar, as normas do estabelecimento
onde ocorre a prestação de serviços sexuais, etc.
Outros prostitutos, por outro lado, preferem exercer as suas
atividades de maneira autônoma, independente, sem subordinação
a nenhum agenciador (ou “lenão”, conforme os termos do Código
Penal). Exemplos desses casos são os profissionais que oferecem
seus serviços nas ruas e avenidas, celebrando o pacto de prestação
de serviços verbalmente e diretamente com os clientes.
Todavia, a subordinação jurídica num contrato de caráter
prostitucional, no tocante ao efetivo desempenho do sexo, deve ser
vista cum grano salis, pois caberá aos prostitutos, e somente a
estes, definirem como a prestação dos serviços será exercida, sem
ingerência do empregador nesta seara. É que o poder diretivo do
empregador cede diante de princípios maiores, como o da
autodeterminação sexual.
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Em suma, em muitos casos, os elementos da relação de
emprego se fazem presentes na relação prostituto-casa de
prostituição.
Resta definir, agora, se eventual ilicitude na atividade do
empregador (CP, art. 229) é capaz de inquinar de nulidade contratos
desta natureza, de forma a impossibilitar o reconhecimento de
direitos sociais aos prostitutos.
2.3. SOBRE A TEORIA DAS NULIDADES DO DIREITO CIVIL
E DO DIREITO DO TRABALHO É preciso tecer algumas considerações sobre os defeitos dos
negócios jurídicos (do qual o contrato de emprego é espécie) para,
posteriormente, serem analisadas as peculiaridades da teoria das
nulidades do contrato de trabalho (em contraposição à clássica
teoria civil das nulidades).
Todavia, a análise do defeito dos negócios jurídicos pressupõe
uma breve revisão sobre os planos do negócio jurídico, conforme a
clássica teorização de Pontes de Miranda.
2.3.1. Dos planos dos negócios jurídicos
Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona (2011, p. 359), definem o
negócio jurídico “como sendo ‘a manifestação de vontade destinada
a produzir efeitos jurídicos’, ‘o ato de vontade dirigido a fins práticos
tutelados pelo ordenamento jurídico’, ou ‘uma declaração de
vontade, pela qual o agente pretende atingir determinados efeitos
jurídicos admitidos por lei’”.
Por sua vez, Miguel Reale (2001, p. 209) o conceitua como “ato
jurídico pelo qual uma ou mais pessoas, em virtude de declaração
de vontade instauram uma relação jurídica, cujos efeitos, quanto a
elas e às demais, se subordina à vontade declarada, nos limites
consentidos pela lei”.
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A doutrina civilista classifica em três as espécies de planos do
negócio jurídico, quais sejam, (a) plano de existência, (b) plano de
validade e (c) plano da eficácia.
Segundo Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona (2011, p.
342), analisando o plano da existência, é intuitivo que “um negócio
jurídico não surge do nada, exigindo-se, para que seja considerado
como tal, o atendimento a certos requisitos mínimos”.
Por outro lado, “o fato de um negócio jurídico ser considerado
existente não quer dizer que ele seja considerado perfeito, ou seja,
com aptidão legal para produzir efeitos” (GAGLIANO; PAMPLONA,
2011, p. 342); tem-se, aí, o plano da validade do negócio jurídico.
Finalmente, “ainda que um negócio jurídico existente seja
considerado válido, ou seja, perfeito para o sistema que o concebeu,
isto não importa em produção imediata de efeitos, pois estes podem
estar limitados por elementos acidentais da declaração”
(GAGLIANO; PAMPLONA, 2011, p. 342). É o plano da eficácia do
negócio jurídico, que prevê a possibilidade de modulação da
eficácia do negócio a eventos futuros e certos (termos), a eventos
futuros e incertos (condições), ou a determinados encargos a serem
adimplidos.
2.3.1.1. Do plano da existência
O plano da existência do negócio jurídico é composto pelos
seguintes elementos constitutivos: (a) manifestação de vontade; (b)
agente emissor da vontade; (c) objeto; e (d) forma (STOLZE;
PAMPLONA, 2011, p. 360).
Diante da falta de um desses requisitos, diz-se que o negócio
celebrado sequer existe para o mundo jurídico, ou seja, diz-se que
o negócio é inexistente[5]. Com efeito, aponta Marcos Bernardes de
Mello (2012, p. 134):
Neste plano, que é o plano do ser, entram todos
os fatos jurídicos, lícitos ou ilícitos. No plano da
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existência não se cogita de invalidade ou eficácia
do fato jurídico, importa, apenas, a realidade da
existência. Tudo, aqui, fica circunscrito a saber
se o suporte fático suficiente se compôs, dando
ensejo à incidência. Naturalmente, se há falta no
suporte fático, de elemento nuclear, mesmo
completante do núcleo, o fato não tem entrada
no plano da existência, donde não haver fato
jurídico.
Quanto ao contrato de trabalho prostitucional, é evidente que
ele existirá para o mundo jurídico, mesmo para aqueles que
consideram tal trabalho como ilícito. Haverá manifestação de
vontade, emitida pelos agentes (prostitutos e casas de prostituição)
no sentido de celebrarem um vínculo de emprego, sob determinada
forma (que não é pré-determinada, podendo ser verbal e, até
mesmo, tácita), cujo objeto se destina ao oferecimento de serviços
sexuais, mediante remuneração. Com efeito, para a caracterização
de um vínculo de emprego, basta a presença dos elementos
analisados alhures.
A questão é saber se há, ou não validade neste negócio
jurídico.
2.3.1.2. Do plano da validade
Os componentes do plano de validade do negócio jurídico
giram em torno dos mesmos componentes do plano da existência,
só que – como a doutrina didaticamente leciona -, “adjetivados”.
Com efeito, segundo o art. 104 do Código Civil, “a validade do
negócio jurídico requer: I – agente capaz; II – objeto lícito, possível,
determinado ou determinável; III – forma prescrita ou não defesa em
lei”[6].
À luz da doutrina civilista, o desrespeito a um desses requisitos
gerará, a depender da gravidade do vício, uma nulidade ou uma
anulabilidade do negócio jurídico.
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A anulabilidade ocorre nos casos de vícios decorrentes de
interesses meramente privados, razão pela qual não podem ser
decretados de ofício, submetendo-se, assim, à necessidade de
provocação das partes, aplicando-se as máximas do nemo judex
sine actore, ne procedat judex ex officio. São hipóteses de
anulabilidade do negócio jurídico (a) a celebração do negócio com
agente relativamente incapaz; e (b) vício resultante de dolo, coação,
estado de perigo, lesão ou fraude contra credores (CC, art. 171).
Ademais (diferentemente do que ocorre com os casos de
nulidade, conforme se verá), a decretação de anulabilidade, por
girar em torno, repita-se, de interesses meramente privados,
submete-se a um prazo específico. Com efeito, nos termos do art.
178 do Código Civil, é de 4 anos o prazo de decadência da ação
anulatória de negócio jurídico, que tem natureza desconstitutiva ou
constitutiva negativa.
Já a nulidade do negócio jurídico se relaciona a interesses de
ordem pública, razão pela qual, diferentemente dos casos de
anulabilidade, pode ser declarada ex officio pelo magistrado, e
arguida por qualquer interessado ou pelo Ministério Público (CC, art.
168). Suas hipóteses estão previstas no art. 166 e 167 do Código
Civil:
Diferentemente do que ocorre com a anulabilidade, os vícios
de nulidade do negócio jurídico não são suscetíveis de confirmação,
nem convalescem com o decurso do tempo (CC, art. 169). Por isso
se diz que a ação para declaração de nulidade do negócio jurídico
é imprescritível.
Parte da doutrina sustenta que um negócio jurídico nulo não
tem o condão de gerar quaisquer efeitos no mundo jurídico. Com
efeito, segundo Orlando Gomes, “a teoria clássica das nulidades
assenta o princípio geral de que o ato nulo não produz qualquer
efeito: quod nullum est, nullum producit effectum. A nulidade de
pleno direito privaria o ato de toda eficácia” (2009, p. 425). No
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mesmo sentido, apontam Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald que
“em virtude da gravidade do vício infringido, violado, considera o
ordenamento jurídico que o ato ou negócio nulo não produza
qualquer efeito” (2011, p. 604).
Tal posicionamento, todavia, não é indene de críticas. Com
efeito, salienta Maria Helena Diniz (2005, p. 512):
Mesmo sendo nulo ou anulável o negócio
jurídico, é imprescindível manifestação do
Judiciário a esse respeito, porque a nulidade não
opera ipso iure. A nulidade absoluta ou relativa
só repercute se for decretada judicialmente, caso
contrário, surtirá efeitos aparentemente queridos
pelas partes; assim, o ato negocial praticado por
um incapaz terá, muitas vezes, efeitos até que o
órgão judicante declare sua invalidade.
Seja como for, é relevante notar que a nulidade do negócio
jurídico, na seara civilista, opera efeitos ex tunc, ou seja, retroage
para que as partes retornem aostatus quo ante.
Pois bem.
O art. 7º, XXXIII, da Constituição Federal estabelece que a
proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de
dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo
na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos. Contudo,
eventual contrato de trabalho prostitucional celebrado com menores
de dezoito anos se releva uma prática odiosa e inconcebível, esta
sim devendo ser reprimida incisivamente pelas autoridades
administrativas com todo o rigor da máquina penal. Configura crime
nos termos do art. 218-B, do Código Penal, submeter, induzir ou
atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém
menor de dezoito anos ou que, por enfermidade ou deficiência
mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato,
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facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone. Eventual supressão
desse óbice, de lege ferenda, é inconcebível e inaceitável.
Já em relação à prostituição agenciada exercida por pessoas
capazes e maiores de dezoito anos, é de se reconhecer que o art.
104, II, do Código Civil, especificamente ao exigir que o objeto do
negócio jurídico seja lícito, inquina de nulidade o contrato de
trabalho prostitucional, no atual estado da arte. É que, de fato, há
uma ilicitude no objeto, ao menos por parte do seu “empregador”.
Ou seja, conquanto o contrato de trabalho prostitucional
preencha os requisitos do plano da existência do negócio jurídico
(leia-se, o contrato existe para o Direito), tal contrato, sob a atual
conjuntura legislativa, é inquinado de nulidade pelo fato de haver
tipos penais específicos que penalizam o favorecimento à
prostituição (CP, art. 228) e a manutenção das casas de prostituição
(CP, art. 229).
Mas, aqui – e tal observação é de fundamental importância -,
não há que se dar efeitos ex tunc(retroativos) à declaração de
nulidade.
É que, em se tratando de um contrato de trabalho, há de se
aplicar a doutrina trabalhista das nulidades, que é dotada de
algumas peculiaridades em relação à doutrina civil.
Trata-se de uma particularidade da seara trabalhista que deve
ser aplicada, por questões de justiça, a todo contrato de trabalho
prostitucional, vez que a ilicitude deriva única e exclusivamente da
figura do empregador, de modo que tal circunstância não pode
prejudicar o empregado, sob pena de favorecimento da própria
torpeza e de inconcebível prejuízo à parte mais frágil da relação
contratual.
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2.3.2. Doutrina trabalhista das nulidades e o contrato de trabalho
prostitucional
Ante as peculiaridades que circundam este ramo do Direito, as
nulidades, nesta seara, sofrem certas modulações inconcebíveis na
seara civilista.
Nesse sentido, segundo Maurício Godinho Delgado (2013, p.
519):
Vigora, pois, no tronco jurídico geral do Direito Comum a regra
da retroação da decretação da nulidade, o critério do efeito ex
tunc da decretação judicial da nulidade percebida.
O direito do trabalho é distinto, nesse aspecto. Aqui, vigora, em
contrapartida, como regra geral, o critério da irretroação da nulidade
decretada, a regra do efeito ex nuncda decretação judicial da
nulidade percebida. Verificada a nulidade comprometedora do
conjunto do contrato, este, apenas a partir de então, é que deverá
ser suprimido do mundo sociojurídico; respeita-se, portanto, a
situação fático-jurídica já vivenciada. Segundo a diretriz trabalhista,
o contrato tido como nulo ensejará todos os efeitos jurídicos até o
instante de decretação da nulidade – que terá, desse modo, o
condão apenas de inviabilizar a produção de novas repercussões
jurídicas, em face da anulação do pacto viciado.
O fundamento da diferença entre um e outro ramo reside no
fato de que é inviável, uma vez efetivada a prestação de serviços,
retornar as partes ao status quo ante, pois o trabalho já terá sido
prestado e seu valor transferido, com apropriação completa pelo
tomador de serviço.
Outra distinção relevante é o fato de a transferência e
apropriação do trabalho em benefício do tomador criar uma situação
econômica consumada de franco desequilíbrio entre as partes, que
apenas pode ser corrigida – mesmo que parcialmente – com o
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reconhecimento dos direitos trabalhistas do prestador (DELGADO,
2013, p. 519).
Todavia, a teoria trabalhista das nulidades é aplicada em maior
ou menor grau, a depender de se lidar com um trabalho proibido ou
com um trabalho ilícito.
O trabalho proibido/irregular é aquele realizado em desrespeito
a alguma norma imperativa vedatória do labor em certas
circunstâncias (ex. trabalho noturno efetuado por menor de 18 anos,
o que é vedado, nos termos do art. 404 da CLT) ou envolvente de
certos tipos de empregados (como o menor de 16 anos que não
esteja na condição de aprendiz, sendo que, neste caso,
necessariamente a partir dos 14 anos, nos termos do art. 7º, XXXIII,
da Constituição Federal).
Por outro lado, considera-se trabalho ilícito aquele que compõe
um tipo penal ou contribui diretamente para a sua prática. Exemplo
clássico é a atividade desempenhada por aquele que concorre para
a prática do jogo do bicho, atividade vedada nos termos do art. 58
do Decreto-Lei 3.688 de 1941 (Lei das Contravenções Penais). É o
entendimento cristalizado pelo enunciado 199 da Orientação
Jurisprudencial da SDBI-I do TST, segundo o qual “é nulo o contrato
de trabalho celebrado para o desempenho de atividade inerente à
prática do jogo do bicho, ante a ilicitude de seu objeto, o que subtrai
o requisito de validade para a formação do ato jurídico”.
A depender de a situação constituir um trabalho proibido ou um
trabalho ilícito, fala-se na (a) aplicação plena da teoria trabalhista
das nulidades; na (b) aplicação restrita da teoria trabalhista das
nulidades; e (c) na inaplicabilidade da teoria trabalhista das
nulidades.
No caso da aplicação plena da teoria trabalhista das nulidades,
os efeitos da nulidade se afastam por completo das situações
vivenciadas no Direito Civil.
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A situação mais comum ocorre quando se verifica um defeito
no tocante à capacidade do prestador de serviços (CC, art. 166, I e
CC, art. 171, II), em que se tem hipótese de trabalho proibido
exercido, por exemplo, por menor de 16 anos que não esteja na
condição de aprendiz (desde que a partir dos 14 anos). Nessas
hipóteses, é de se reconhecer ao menor “todos os efeitos
justrabalhistas ao contrato irregularmente celebrado” (DELGADO,
2013, p. 520). O mesmo ocorre nos casos dos “defeitos
concernentes à forma (como, por exemplo, a falta de lavratura de
instrumento escrito em contrato de atleta profissional empregado)”
(DELGADO, 2013, p. 520), a despeito de restar configurada ofensa
ao art.166, IV do Código Civil.
Por outro lado, a aplicação restrita da teoria trabalhista das
nulidades gera gradações nos efeitos advindos do negócio jurídico
inquinado pela nulidade em virtude do tipo de defeito emergente do
ato jurídico e o bem jurídico afrontado (DELGADO, 2013, p. 520).
Nesse sentido, “à medida que os bens tutelados aproximam-se do
interesse público (confrontando o valor trabalho a outro valor
também de inquestionável interesse público), tende-se a restringir,
proporcionalmente, a aplicação da teoria justrabalhista especial”
(DELGADO, 2013, p. 520).
Hipótese clássica da aplicação restrita da teoria trabalhista das
nulidades ocorre nos casos de contratação para serviço público sem
concurso público, o que consubstancia afronta à norma do art. 37,
II e § 2º da Constituição Federal, caracterizando outro caso de
trabalho irregular/proibido. Nesses casos, todavia, o TST só confere
parcela de direitos sociais aos trabalhadores contratados
irregularmente no serviço público, aos quais se negam o direito a
verbas rescisórias próprias à dispensa injusta (aviso-prévio, multa
do FGTS e seguro desemprego) visto que o pacto é nulo. Nesse
sentido é o enunciado nº 363 da Súmula do TST, segundo o qual:
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a contratação de servidor público, após a
CF/1988, sem prévia aprovação em concurso
público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e
§ 2º, somente lhe conferindo direito ao
pagamento da contraprestação pactuada, em
relação ao número de horas trabalhadas,
respeitado o valor da hora do salário mínimo, e
dos valores referentes aos depósitos do FGTS.
Finalmente, há as hipóteses de inaplicabilidade da teoria
trabalhista das nulidades, prevalecendo, assim, o regramento da
teoria clássica das nulidades do direito civil com seu característico
efeito retroativo (ex tunc). É o que se passa com os casos de
trabalhos ilícitos.
É justamente com base neste argumento, ou seja, pelo fato de
o trabalho dos prostitutos supostamente consubstanciar atividade
ilícita, por concorrer diretamente ao tipo penal previsto no art. 229
do Código Penal, que os tribunais trabalhistas vêm negando direitos
sociais a estes sujeitos.
Por ser considerado ilícito, não vem sendo reconhecido
nenhum direito trabalhista a estes profissionais, pois os tribunais
não têm aplicado a teoria trabalhista das nulidades nestes casos, o
que culmina na aplicação de efeitos retroativos (ex tunc) à
declaração de nulidade.
Nesse sentido, vale conferir o seguinte trecho do voto do Des.
Lauremi Camaroski do TRT da 9ª Região proferido nos autos do
Recurso Ordinário nº 7.393 do longínquo ano de 1993 que, apesar
de antigo, se mostra bastante atual no entendimento dos nossos
julgadores:
Em sendo a liceidade do objeto elemento essencial à validade
da relação empregatícia, impossível o seu reconhecimento, quando
ausente tal requisito. Se existe alguma alegação de hipocrisia, esta
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deve ser dirigida não a Justiça do Trabalho, mas sim ao legislador,
que relaciona como figura penal típica (art. 229 do Código Penal) a
manutenção de casa de prostituição, por conta própria ou de
terceiro, não importando a finalidade lucrativa ou a mediação do
proprietário ou de gerente. Ademais, a doutrina e a jurisprudência
trilham sábio caminho ao reconhecer a impossibilidade de vínculo
empregatício em casos que tais, eis que jamais poderá ser aceita a
hipótese de prestação de trabalho subordinado em atividades de
prostituição. O empregador, utilizando-se da mão-de-obra, seria
sempre um rufião, auferindo lucros diretos pelo exercício do
comércio carnal, o que criaria situações absolutamente insólitas,
agravando em muito as condições já deprimentes às quais muitas
mulheres se sujeitam, não raro por falta de opções no mercado de
trabalho, (sic) nem se diga que deveria haver proteção somente
para as "empregadas", eis que, para todo direito, há uma obrigação
correspondente, não sendo possível imputar um dever
simultaneamente legal e ilícito à parte adversa, ou seja, tal relação
de trabalho estaria inexoravelmente validada pela Justiça Obreira.
Em algumas hipóteses, os tribunais do trabalho chegam a
reconhecer um tipo de vínculo empregatício, só que não em relação
à atividade da prostituição em si, mas apenas quanto às outras
atividades ditas “honestas” e “lícitas” (ex. dançarinas[7], garçonete,
copeira[8] e caixas do estabelecimento[9]).
Todavia, parece que tais posicionamentos e essa recalcitrância
devem ser superados.
Nesse sentido, aponta Manoel Jorge (PAMPLONA;
PEDROSA. Coord. 2010, p. 147):
o trabalho da prostituta, por não se constituir em
ilícito penal, ou, mais ainda, em ilícito de
qualquer espécie, ingressa nos domínios do que
se pode denominar amplamente como atividade,
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ocupação ou trabalho. E, nesse passo, sendo
trabalho, impõem-se os desdobramentos
resultantes de atividade humana lícita, ou seja, a
proteção a ser conferida pelo Estado como
natural decorrência do respeito à cláusula da
cidadania em sentido amplo
Noutra passagem, o Membro do Parquet salienta que
reconhecer o trabalho da prostituta e proteger a
sua atividade é viabilizar a elevação de
qualidade de vida das pessoas que executam
essa espécie de trabalho, tornando
concretamente respeitado o objetivo
fundamental referente à garantia do
desenvolvimento nacional.
De fato, os maiores prejudicados com tais posicionamentos da
justiça obreira (proferidos a título de protegê-los) são os próprios
prostitutos que, além de martirizados pela sociedade, e além de
serem deixados no limbo pelo Estado (que não se preocupa nem
em regulamentar, nem em fiscalizar as suas atividades), veem seus
direitos sociais negados pelas cortes que têm por missão
constitucional a proteção dos trabalhadores, ficando relegados a
situações que violam os mais comezinhos valores de um estado
democrático, e que tem como fundamentos a dignidade da pessoa
humana (CF, art. 1º, III) e os valores sociais do trabalho (CF, art. 1º,
IV).
Ora, ao contrário do que foi dito no voto supramencionado, não
parece difícil acreditar que abrir as portas do judiciário trabalhista e
reconhecer direitos sociais aos prostitutos, longe de desfavorecê-
los ou de agravar “em muito as condições já deprimentes às quais
muitas mulheres se sujeitam”, farão com que as suas atividades
sejam desempenhadas com mais dignidade.
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O próprio Poder Executivo vem dando reconhecimento a esta
atividade, ao enquadrar a atividade da prostituta na Classificação
Brasileira de Ocupações sob a rubrica de nº 5198[10]). Não poderia
a Justiça do Trabalho andar na contramão deste entendimento.
Manoel Jorge chega a defender que,
de fato, o Poder Público reconhece a atividade
das prostitutas sob o signo de ocupação; não há,
todavia, na Constituição de 1988, atividade
humana lícita que possa ser reconduzida à ideia
de ocupação, pois o termo não é conceito
constitucionalmente elaborado. Portanto, ao
reconhecer a atividade de prostituta como
ocupação, o que fez o Ministério do Trabalho, foi,
em verdade, reconhecê-la como trabalho, ao
qual devem ser atribuídos todos os efeitos
jurídicos (FILHO; PEDROSA. Coord. 2010, p.
153).
Ademais, da simples leitura do art. 229 do Código Penal, que
embasa tais posicionamentos, denota-se que, se há alguma ilicitude
nesta relação, parte ela, tão somente, da atividade desenvolvida
pelo “empregador” dos prostitutos, notadamente pelo fato de a
atividade exercida por estes ser perfeitamente lícita.
Ora, penalizar os profissionais do sexo por um tipo penal que
tem outrem como sujeito ativo consubstancia uma interpretação
extensiva que não se coaduna com os mais comezinhos ditames do
Direito Penal, do Direito Laboral e da Hermenêutica.
Tome-se, como exemplo, o empregado dos bicheiros –
exemplo típico de trabalho ilícito (conforme enunciado 199 da
Orientação Jurisprudencial da SBDI-I do TST). O art. 58 da Lei de
Contravenções Penais afirma que é crime “explorar ou realizar a
loteria denominada jogo do bicho, ou praticar qualquer ato relativo
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à sua realização ou exploração”. Note-se que a disposição final do
tipo penal é expressa em abarcar, além do explorador do jogo do
bicho, aquele que pratica “qualquer ato” destinado à sua realização,
o que abrange, também, os subalternos dos bicheiros que se
empreendem nesta atividade criminosa[11]. Nestes casos, é
possível, sim, se falar na inaplicabilidade da teoria trabalhista das
nulidades (sem embargos das discussões acerca da adequação
social deste tipo de atividade), pois a tipicidade abarca
perfeitamente estes “empregados”.
Tal situação, contudo, não se verifica em relação aos
prostitutos, não se podendo inferir, da interpretação dos tipos penais
usados como argumentos para o não reconhecimento do seu
vínculo, qualquer relação com as atividades por eles desenvolvidas.
O crime é o de “manter casa de prostituição”, e não o de prostituir-
se.
Ademais, é relevante mencionar que os prostitutos figuram,
para a maioria da doutrina penal, justamente como sujeitos passivos
do delito em questão[12]. Ora, sujeitos passivos do delito são, nas
lições de Zaffaroni (2009, p. 419), os titulares do bem jurídico
tutelado pelo tipo penal. Extrapola as bailas da coerência imaginar
ser possível penalizar o alvo da proteção de um determinado delito
argumentando justamente com base nele, negando aos prostitutos
os seus direitos trabalhistas e, por tabela, favorecendo os únicos
criminosos da relação, uma vez que não se veem obrigados a arcar
com nenhum dos direitos sociais das suas “vítimas” (como férias
acrescidas do terço constitucional, gratificação natalina, adicional
noturno, horas extras, descanso semanal remunerado, etc.).
Aliás, como bem aponta Gabriela Leite (2008, p. 61),
os artigos referentes à prostituição foram feitos
para proteger a puta. No entanto, infelizmente,
ele teve o efeito contrário ao desejado. A
prostituta acabou no meio da total marginalidade
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porque aqueles que a cercam são considerados
criminosos e, de alguma forma, transferem essa
condição a ela.
Pela análise dos julgados que enfrentaram a questão, percebe-
se que, em algumas vezes, a prostituição é justamente o argumento
utilizado pelos “exploradores sexuais” para afastar o vínculo e,
assim, se eximirem de suas obrigações, na clara tentativa de se
favorecerem da própria torpeza. Enriquecem através dos serviços
dos prostitutos para, em seguida, quererem se eximir de suas
obrigações por conta de uma nulidade a que deram causa.
Se forem analisadas as consequências dadas pelos tribunais
trabalhistas às outras hipóteses de trabalhos ilícitos, as
contradições tornam-se ainda mais evidentes.
Tome-se como exemplo a hipótese de desempenho de
atividades em condições análogas à de escravo, tipo penal previsto
no art. 149 do Código Penal, segundo o qual é crime “reduzir alguém
a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos
forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições
degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua
locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou
preposto”.
Nestes casos, a pessoa submetida a condições análogas à de
escravo é o sujeito passivo da norma penal, alvo da proteção
estatal. Haverá nulidade no contrato de trabalho (CC, art. 166, II),
mas a constatação de atividades desempenhadas nestas condições
implicará, além da responsabilidade civil e penal do criminoso, a
garantia de todos os direitos trabalhistas à vítima do delito,
aplicando-se plenamente a teoria trabalhista das nulidades.
Ora, a situação é a mesma do que ocorre com relação aos
prostitutos. Com efeito, o único criminoso das situações verificadas
no art. 229 do Código Penal é o mantenedor da casa de prostituição.
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Todavia, os tribunais trabalhistas dão, em relação aos prostitutos,
tratamento diametralmente oposto à primeira hipótese
conjecturada, a despeito de se enquadrarem em situações
similares, o que viola o próprio critério uniforme e constante da ideia
de justiça de que trata Hart, consistente em “tratar da mesma
maneira os casos semelhantes” (2001, p. 174).
Por outro lado, se existe forte resistência dos tribunais
trabalhistas em reconhecer o vínculo dos prostitutos com o
agenciador do sexo, a mesma resistência, como já mencionado,
não se verifica em relação aos demais empregados desses recintos.
Mas, afinal, baseado em qual fundamento estes empregados
se distinguem do prostituto, cuja atividade, tal qual a daqueles, é
perfeitamente lícita?
Percebe-se que os Tribunais vêm realizando distinções entre
trabalhadores ao arrepio de qualquer previsão legal que as
embasem, fulminando de morte o princípio da isonomia.
A única justificativa plausível para essas indagações é a
constatação de que ainda vige, na mentalidade dos julgadores, uma
grande resistência imposta por preconceitos de ordem moral em
relação às atividades desenvolvidas pelos prostitutos, tal qual se
percebe da seguinte decisão proferida pelo TRT da 4ª Região no
Recurso Ordinário nº 01279371/97-8:
(...) no exame da licitude da causa, deve-se
atentar para um aspecto bem pouco estudado.
Se o fim econômico da fonte de trabalho
(empregador, empresa ou estabelecimento) não
for proibido de maneira essencial, isto é, se
embora sendo imoral, não for vedada a sua
atividade pelos poderes públicos, serão válidos
os contratos de trabalho realizados com seus
servidores? Imaginemos uma pensão de
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meretrício. A nosso ver, é indispensável que os
servidores de tal estabelecimento sejam
agrupados em duas correntes perfeitamente
definidas: a primeira, a dos que exercem funções
intrinsicamente imorais, como as prostitutas que
geralmente têm subordinação para com uma ou
um principal, e a segunda, a dos que exercem
funções intrinsicamente honestas como, por
exemplo, os cozinheiros, os copeiros, as
camareiras, etc. É evidente que os contratos de
trabalho dos trabalhadores da segunda
categoria são válidos, o que não ocorrerá,
entretanto, com relação aos da primeira. É que,
segundo este critério, é necessário que se
distinga entre a causa próxima ou imediata e a
causa remota ou mediata. Segundo o mesmo,
‘só serão válidos os contratos imorais ou ilícitos
proximamente, podendo sê-lo aqueles que,
embora remotamente ilícitos, têm sua prática
cercada de moralidade, inclusa na esfera ética
do direito
(Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. RO
nº 01279371/97-8, TRT da 4ª Região, Relatora
Maria Helena Mallmann, Julgado em
06.07.2000).
Alguns dos mais renomados doutrinadores trabalhistas
coadunam com esse entendimento. Nesse sentido, afirma Alice
Monteiro de Barros (2012, p. 415):
Já a atividade exercida pela meretriz em prostíbulo é ilícita, por
ser contrária aos bons costumes, logo não produz qualquer efeito,
e nem sequer a retribuição lhe será devida. O conceito de
comportamento contrário aos bons costumes se deduz quanto ‘a
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consciência social o repugna e considera indigno de amparo jurídico
o resultado prático do negócio. Se, contudo, a função executada no
prostíbulo ou em outro local do mesmo gênero for lícita[13], a
idoneidade do objeto estará presente e, se aliada aos pressupostos
fáticos do art. 3º da CLT, a relação de emprego configurar-se-á, não
obstante a ilicitude da atividade do empregador. Todos os créditos
trabalhistas lhe serão garantidos
Todavia, nada parece mais equivocado do que penalizar os
possíveis empregados (os prostitutos) com a falta de
reconhecimento do seu vínculo empregatício baseado em
pontuações de índole subjetiva, metajurídicas e, portanto, de
questionável idoneidade argumentativa. Ao arrepio de critérios
objetivos, além de gerar grande insegurança jurídica, tais
posicionamentos deixam os prostitutos à mercê das concepções de
“moral e bons costumes” que o juiz do seu processo possui,
restando a eles a sorte de serem julgados por um magistrado
"vanguardista".
Na verdade, o fundamento da “moral e dos bons costumes” não
deixa de externar e preconceitos no que tange à atividade dos
prostitutos, que sempre foi estigmatizada ao longo dos milênios. E
não é raro perceber argumentos desta jaez sendo utilizados para o
combate de outras situações rechaçadas pelo moralismo
equivocado de parte da população. É o que se verifica em relação
às uniões homoafetivas, na mentalidade (atrasada) de muitos.
Ademais, o que define, afinal, algo como imoral e violador dos
bons costumes? Veicular comerciais com nítido apelo sexual a fim
de angariar consumidores, televisionando-os nas mais diversas
mídias, ou transmitir para todo país a imagem de mulheres
praticamente desnudas desfilando nos carnavais de Rio de
Janeiro/São Paulo, viola a moral e os bons costumes? Seria o fumo
ou o consumo de bebidas alcoólicas algo imoral[14]?
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Ainda, conforme Beatriz Espejo (apud NUCCI, 2014, p. 63),
muitas das mesmas mulheres que consideram uma agressão e um
exercício de poder machista que um homem pague para ter
relações sexuais com uma mulher, veem com bons olhos (ou com
indiferença) as relações entre belíssimas e elegantíssimas jovens
unidas a endinheirados e pouco agraciados varões, pois a isto
ninguém chama prostituição. Trata-se apenas de jovens seduzidas
pelo “erotismo do poder”, eufemismo utilizado para justificar dita
situação. No mesmo sentido, aponta Guilherme de Souza Nucci
(2014, p. 64):
Há casamentos e outras relações amorosas cultivados em cima
de uma troca nítida e, por vezes, assumida: juventude por dinheiro.
Senhores com seus 60 e tantos anos casam-se com jovens de 20 e
poucos anos para lhes dar conforto material em troca de sexo
jovem. Essa permuta, que tem caráter habitual, é considerada moral
– somente por conta do casamento ou da união estável – e
assimilada pela sociedade. As feministas se calam diante dessas
relações, em que há nítida relação de poder do homem rico em
relação à moça mais pobre que ele, mas não fazem o mesmo em
face da prostituição. Vender sexo é somente uma questão de
perspectiva; a denominação que se lhe confere, na prática, é
indiferente; se considerada tal venda do ponto de vista da
moralidade ou da ética, ingressa a hipocrisia: depende do ambiente
e das circunstâncias é moralmente aceitável; do contrário,
imoral.[15]
Aliás, conforme afirma Simone de Beauvoir (apudNUCCI,
2014, p. 66), a diferença entre os que se vendem pela prostituição
e os que se vendem pelo casamento localiza-se apenas no preço e
na duração do contrato. Há quem prefira ter vários clientes durante
cinco minutos do que o mesmo homem, que se comporta como um
cliente, durante toda a vida.
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Nesse sentido, pode-se falar na existência de dois tipos de
prostituição: uma direta, rechaçada socialmente; outra indireta,
aceita no meio social, uma vez que é desempenhada de maneira
camuflada, subreptícia, imbricada no seio de supostos
relacionamentos amorosos e duradouros, onde a prática do sexo é
desempenhada com intenção de obter segurança financeira ou
bens materiais. Tal prática, conforme Guilherme Nucci (2014, p. 68),
“não deixa de ser um formato de prostituição, embora em alto estilo.
Nada contra, nem a favor. Cuida-se de um fato ocorrido entre
adultos, no cenário da vida privada, em relação ao qual a sociedade
e muito menos o Estado deve intrometer-se. Entretanto, por uma
questão de coerência, há de se cultivar a igualdade, conferindo o
mesmo status à prostituição direta: sem intromissão social ou
estatal”[16].
Não se pode negar, todavia, que a grande maioria da
sociedade não vê mais a prostituição (direta) como tamanha afronta
a estes ideários de índole subjetiva. A sexualidade, nos tempos
atuais, tem cada vez mais se desligado de dogmas morais e
religiosos, que a confinavam à intimidade do marido e da mulher.
As casas de prostituição desempenham suas atividades em
todo lugar da cidade, sem que entidades fiscalizadoras batam às
suas portas para pugnar pelo respeito à moral e bons costumes.
Muito pelo contrário: cobram tributos destes estabelecimentos, que
recebem até mesmo alvará de funcionamento. É uma hipocrisia
penalizar o lado mais frágil desta relação por taxá-la de imoral. A
contemporânea Justiça do Trabalho tem especial importância na
superação destes vetustos posicionamentos.
Seja qual posição ideológica se adote em relação à legalização
da prostituição, uma coisa é certa: salvo no caso dos modelos
proibicionistas (que repugnam a prostituição sob todas as suas
vertentes, a exemplo do que ocorre nos EUA), os demais
movimentos veem nos prostitutos vítimas que merecem ser
protegidas, seja da “exploração sexual” da qual se devem ser
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afastadas (abolicionistas), seja da hipocrisia reinante na sociedade
que aceita a sua atividade mas a relega à clandestinidade
(legalistas). É como diz Beatriz Gímeno (2008, p.01), feminista
antiprostituição:
Casi nadie discute que cuando hablamos de
prostitución hablamos, en gran parte de pobreza,
de injusticia, de desigualdad. Intentar por todos
los medios buscar soluciones para conceder los
derechos básicos de ciudadanía a las personas
que se dedican a la prostitución, en eso, creo
que todas estamos de acuerdo.
Dessa forma, se crê que o reconhecimento judicial dos vínculos
empregatícios dos prostitutos com as casas nas quais trabalham
(com fundamento na teoria trabalhista das nulidades) agradaria
qualquer das citadas vertentes, pois conferia, sem dúvidas, maior
proteção aos trabalhadores do sexo[17].
Ademais, tal reconhecimento externaria nada mais do que uma
coerência dentro do sistema normativo laboral, além de representar
a concretização da justiça para estes obreiros, que já são
suficientemente estigmatizados pela sociedade para, além disso,
também o serem pelos tribunais do trabalho (por argumentos – data
vênia - inconsistente e/ou metajurídicos).
Por todo o analisado, não obstante a nulidade do contrato de
trabalho (já que a atividade do empregador é ilícita, à luz do art.
229), crê-se plenamente possível reconhecer, na atual conjuntura
normativa, o vínculo empregatício dos prostitutos com as casas de
prostituição, através da aplicação plena da teoria trabalhista das
nulidades, garantindo, com isso, os direitos sociais destes
trabalhadores que, arduamente, trabalham dignamente (sim!) em
prol da sua subsistência.
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4. CONCLUSÃO Defender o direito dos prostitutos, tal qual o reconhecimento do
vínculo empregatício de que se tratou neste trabalho, é “nadar
contra a maré”, pois qualquer forma de “fomento” a essas atividades
(ditas imorais) deve, para muitos, ser evitada.
Mas tal circunstância nem de longe reduz a importância do
debate. Pelo contrário: a estimula.
O Direito, instrumento de efetivação da justiça, não pode fechar
os olhos à realidade das minorias. Seus operadores, tampouco. Pôr
o tema em tela e suscitar inquietações a seu respeito, de certa
forma, já colabora para a evolução deste quadro. Se o debate lograr
ser feito à míngua de preconceitos, tanto melhor.
O reconhecimento, pelos magistrados trabalhistas, do vínculo
empregatício dos prostitutos com as casas de prostituição trará
direitos sociais a estes agentes, que se esforçam diariamente tanto,
quanto qualquer outro trabalhador, na busca pela subsistência.
Gerará isonomia e findará com um quadro de privilégios que vem
sendo conferido aos agenciadores do sexo (já que não têm que
arcar com obrigações como qualquer outro empregador). Ainda,
chamará a atenção das autoridades para tal questão social. E é bom
que se diga: tal reconhecimento não implica em agir contra ou
mesmo praeter lege.
Onde os demais Poderes falham (notadamente, no caso, o
Legislativo), o Judiciário não pode se quedar inerte.
Seja como for, e a despeito de todas as controvérsias que
circundam o assunto, cremos que uma coisa é certa: o profissional
do sexo que tem coragem suficiente debater às portas do Judiciário
Trabalhista em busca da efetivação dos seus direitos sociais não
pode ser privado destes em decorrência de premissas falhas e
contraditórias ou de argumentos metajurídicos de índole subjetiva
como “moral e bons costumes”.
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Cabe aos magistrados trabalhistas, cumprindo a sua missão
constitucional de concretizar a justiça social àqueles que a
procuram, e superando antigos preconceitos, reconhecer que não
há óbices jurídicos ao reconhecimento de efeitos trabalhistas neste
tipo de atividade, mesmo diante da nulidade do contrato de trabalho
(em decorrência do art. 229, cujo sujeito ativo é o possível
empregador), à luz da teoria trabalhista das nulidades (que deve ser
aplicada de forma plena).
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NOTAS:
[1] Não se incluiu o contrato de estágio na presente classificação pelo fato de haver divergência na doutrina sobre se tal pacto efetivamente consubstancia ou não um contrato de trabalho. Nesse sentido, defendendo a existência de disparidades entre um e outro, aponta Sérgio Pinto Martins (2013, p. 180) que “a diferença entre o estágio e o contrato de trabalho é que no primeiro o objetivo é a formação profissional do estagiário, tendo, portanto, finalidade pedagógica, embora haja pessoalidade, subordinação, continuidade e uma forma de contraprestação”.
[2] Vide, por exemplo, o CC 92.519/SP, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça em 16.02.2009
[3] Outra corrente prefere definir a competência da justiça do trabalho em todas hipóteses em que existe prestação de serviços por pessoas físicas, considerando que a competência da justiça do trabalho abarca toda relação de trabalho, e esta pode ser entendida como qualquer atividade humana que gere alguma utilidade.
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A vingar essa tese, todavia, parece que haveria um abarrotamento da Justiça do Trabalho, com o inviável deslocamento de milhões de processos da Justiça Comum para aquela Justiça Especializada.
[4] O preceito previsto no art. 5º, XIII é tido como uma norma de eficácia contida, assim entendida como “normas que incidem imediatamente, independentemente de ulterior integração legislativa. Contudo, preveem meios ou conceitos que permitem manter sua eficácia contida em certos limites. Quer dizer, embora não necessitem de lei integrativa para incidir, esta pode ser editada, porque assim prevista, para lhes reduzir a eficácia” (DA CUNHA, 2010, p. 168). Daí se diz que ela são normas de aplicabilidade direta, imediata, mas possivelmente não integral.
[5] Marcos Bernardes de Mello (2013, p. 102) afirma ser um erro considerar o ato inexistente como “uma categoria jurídica, quando se trata, na realidade, de mera situação fática, exatamente porque o ato não chegou a entrar no mundo do direito por não se haver realizado, suficientemente, o seu suporte fático; inexistência é conceito próprio do mundo dos fatos, jamais do mundo jurídico”.
[6] A doutrina acrescenta ainda, além dos requisitos enumerados pelo Código Civil, a necessidade de uma manifestação de vontade livre e de boa-fé.
[7] DANÇARINA DE CASA DE PROSTITUIÇÃO – POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO. Restando provado que a autora laborava no estabelecimento patronal como dançarina, sendo revelados os elementos fático-jurídicos da relação de emprego, em tal função, não se tem possível afastar os efeitos jurídicos de tal contratação empregatícia, conforme pretende o reclamado, em decorrência de ter a reclamante também exercido a prostituição, atividade esta que de forma alguma se confunde com aquela, e, pelo que restou provado, era exercida em momentos distintos. Entendimento diverso implicaria favorecimento ao enriquecimento ilícito do reclamado, além de afronta ao princípio consubstanciado no aforismo utile per inutile vitiari non debet. Importa ressaltar a observação ministerial de que a exploração de prostituição, pelo reclamado, agrava-se pelo fato de que "restou comprovado o desrespeito a direitos individuais
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indisponíveis assegurados constitucionalmente (contratação de dançarinas, menores de 18 anos), o que atrai a atuação deste ministério público do trabalho, através da coordenadoria de defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis – Codin".
(TRT 3 - Tribunal Regional do Trabalho 3ª Região – MG - Relator: Relª Juíza Rosemary de Oliveira Pires Data de Publicação: 18/11/2000 - Referência: RO 1.125/00 – 5ª T. – DJMG 18.11.2000)
[8]RELAÇÃO DE EMPREGO – Garçonete e copeira. Bar e boate. Reconhecido pelas testemunhas do próprio reclamado os serviços de garçonete e copeira, com habitualidade e subordinação jurídica, a atividade de prostituição imputada à autora, mesmo que fique demonstrada, não é fato impeditivo de que se reconheça relação de emprego pelo exercício concomitante de outra atividade. Vínculo empregatício reconhecido. Remessa à origem. Apelo provido
(TRT 4 - Tribunal Regional do Trabalho 4ª Região. Relator: Armando C - Data de Publicação: 06/10/1999 - Referência: Ac. 01279.371/97-8 RO – 1ª T. – Macedônia Franco – DOERS 06.10.1999)
[9]VÍNCULO EMPREGATÍCIO. RECONHECIMENTO.A ilicitude da atividade de prostituição desenvolvida no bar da reclamada não deve ser óbice ao reconhecimento do vínculo empregatício da laborista que atuava como caixa do estabelecimento, na cobrança dos produtos lícitos ali vendidos, quando relevados os elementos fático-jurídicos da relação de emprego, em tal função, sob pena de se favorecer o enriquecimento ilícito da ré e negar-se o valor social do trabalho (inc. IV, art. 1º, CR/88) licitamente desenvolvido pela obreira.
(TRT 3 – Tribunal Regional do Trabalho 3ª Região.8ª Turma. Relatora: Adriana G. de Sena Orsini – Data de Publicação: 18/08/2007 – RO 01344.2006.103.03.00-0)
[10] Na classificação da CBO, disponível no site do Ministério do Trabalho e Emprego [http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/pesquisas/ResultadoOcupacaoMovimentacao.jsf], a rubrica atribuída às prostitutas é a de
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“profissionais do sexo”, que envolve os seguintes títulos: “Garota de programa, Garoto de programa, Meretriz, Messalina, Michê, Mulher da vida, Prostituta, Trabalhador do sexo”. Como descrição sumária, as profissionais do sexo “Buscam programas sexuais; atendem e acompanham clientes; participam em ações educativas no campo da sexualidade. As atividades são exercidas seguindo normas e procedimentos que minimizam a vulnerabilidades da profissão”.
Denota-se que o Poder Executivo encontra-se passos a frente do Poder Legislativo (cujos membros mantêm posicionamentos sempre antiquados, raramente se propondo a adotar posições mais vanguardistas a fim de não se indisporem com seus futuros (re)eleitores) e, curiosamente, do próprio Poder Judiciário no que tange à proteção dos prostitutos.
Com efeito, reconhecendo a prostituição como ocupação regular, os prostitutos podem ser contribuintes da Previdência Social, nos termos da Lei n° 8.212/1991, assegurando-lhes código próprio de contribuição, sob o numero 1007, fazendo jus a alguns direitos próprios deste regime contributivo, como o salário-maternidade e auxílio-doença, bem como à aposentadoria, todos, em regra, mediante contribuição de 20% sobre o salário de contribuição.
[11] Inclusive, segundo entendimento do STJ constante no enunciado 51 da sua Súmula, “a punição do intermediador, no jogo do bicho, independe da identificação do ‘apostador’ ou do ‘banqueiro”.
[12] Nesse sentido, afirma Cezar Roberto Bittencourt (2012, p. 166) que “sujeito passivo [do delito do art. 229 do Código Penal] será sempre a pessoa prostituída, homem ou mulher, que permanece no local (bordel, casa de prostituição ou estabelecimento de exploração sexual), ou a ele se dirige para fim libidonoso”. Assim também é o posicionamento de Luiz Regis Prado (2011, p. 872) e Fernando Capez (2013, p. 146)
[13] Como se a atividade dos prostitutos não o fosse...
[14] Consumo este, aliás, muito mais lesivo do que a prática da prostituição - vide o número cada vez crescente de motoristas
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embriagados que são cabo à própria vida, ou pior, ceifam a vida alheia. Nem por isso o consumo de bebida alcoólico é proibido, como querem fazer com a prostituição.
[15] Merece transcrição, ainda, a perfeita observação do referido autor: “há comércio sexual em vários planos: (a) mulheres/homens que se casam por dinheiro, em nítida troca de sexo jovem por bens materiais; (b) mulheres/homens solteiros que vendem sexo por dinheiro, de maneira rápida e variada; (c) mulheres/homens solteiros que se vendem a pessoas casadas em busca do sexo jovem, em troca de bens materiais, sem maiores vínculos; (d) mulheres/homens jovens que se vendem por proteção, fascinados pelo poder de homens/mulheres mais velhas e ricas. Geralmente, resta ao conceito de prostituição apenas a relação descrita na alínea ‘b’ e, mesmo assim, quando a(o) prostituta(o) é pobre. O elitismo domina até mesmo a definição de prostituição. Sabe-se, no entanto, haver mulheres prostituídas, casadas e com filhos, levando vida mais digna e fiel do que outras, mulheres casadas, que para atingir o matrimônio, venderam-se e continuam traindo seus maridos, com outros homens, sempre em busca de ganho material – quanto mais, melhor. Qual dessas mulheres é moralmente mais elevada? A prostituta pobre de vida familiar digna ou a mulher rica, prostituída pela vida que leva? Nunca é demais refletir, antes de lançarmos críticas à prostituição” (NUCCI, 2014, p. 64-65)
[16] Obviamente, não se defende que todos os casamentos entre jovens e pessoas mais velhas sejam movidos por interesse material, embora seja ingenuidade crer que tais situações não existam.
[17] A própria Beatriz Gímeno (2008, p. 05) entende: “es posible darles derechos básicos sin necesidad de legalizar la prostitución”. É o que se ocorreria, a vingar o que ora se defende.
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O NEOCONSTITUCIONALISMO E A PROPRIEDADE COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL LIMITADO
CLARISSA PEREIRA BORGES: Graduada em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco em 2013.2; Pós Graduada em Direito Público pela Faculdade de Direito Professor Damásio de Jesus; Pós Graduada em Direito Administrativo pelo Instituto Elpídio Donizetti.
1. Introdução: o Neconstitucionalismo e a importância dos
direitos fundamentais
O Constitucionalismo surge contemporaneamente ao
nascimento do Estado Moderno, com o liberalismo clássico, diante
de um movimento racionalista do Século XVIII. Foi um instrumento
utilizado pela classe burguesa, em ascensão, para garantir o seu
poder político, social e econômico. A argumentação da burguesia
baseou-se na Constituição, de forma totalmente contrária ao
argumento dos Reis, que se pautava no poder dado pela divindade,
argumento intensivamente teocrático.[1]
Destarte, o Constitucionalismo Clássico marcou o apogeu da
burguesia e o declínio da nobreza, através da supremacia da lei e
de um Estado de Direito em contrapartida ao Estado anterior,
justificado por argumentos teocráticos, no qual o Rei, através do
governo despótico, não possuía limites. O Estado Moderno foi
marcado pelo modelo “Hobessiano”: considerava o soberano como
o amparo da ordem, e a grande população, os denominados
súditos, com o dever de obedecer todas as decisões do soberano,
com o escopo de garantir a paz. É o chamado contrato social, ou
o pactum subiectionis. [2]
A Magna Charta Libertatum e os pactos medievais não
podem ser considerados como Constituições, com a conceituação
que se concebe hodiernamente. A Magna Charta Libertatum teve a
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importância de estabelecer o principio de que o Rei não estava
acima da Lei. Nelson Saldanha esclarece que:
No presente estudo, o ponto de vista dominante
é o de que o pensamento constitucional só se
estrutura plenamente, por seu conteúdo e sua
forma, dentro da experiência do Ocidente
contemporâneo. Mas nada impede que sejam
mencionadas as experiências anteriores,
mesmo porque - e isso é muito importante – sem
elas, sem a compreensão destes e de sua
conexão com o mundo dito moderno e
contemporâneo, o entendimento do que foi
tomado como “plenamente” e como
“propriamente dito” ficará sempre insuficiente.[3]
Outros textos como a Mayflower Pact e o Agreement of
People surgiram no século XVII, mas não possuíam como escopo a
estruturação de forma ampla da vida política do Estado. [4]
Com o surgimento da Constituição, com a conceituação
concebida atualmente, as condutas sociais foram determinadas por
normas que deveriam ser seguidas por todos. As primeiras
constituições foram consideradas liberais, burguesas e continham
direitos civis e políticos. Os direitos só atingiam a burguesia, única
classe social que foi beneficiada com as constituições liberais.
Destacam-se os seguintes valores marcados pela concepção de um
constitucionalismo liberal: individualismo, absenteísmo estatal,
propriedade privada e proteção ao indivíduo.
A Lex Mater burguesa serviu como um freio aos arbítrios dos
reis, que concentravam todos os poderes e não possuíam limites.
Construiu uma nova ordem, pautada na tripartição dos poderes e
com a proteção jurídica dos direitos fundamentais. Podemos
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classificar o surgimento das constituições liberais como o
movimento do constitucionalismo clássico.[5]
O modelo de liberal satisfez os interesses da burguesia
capitalista, permitindo o desenvolvimento da atividade econômica.
Politicamente o Estado liberal foi concebido como uma estrutura de
poder absenteísta na qual não existe espaço par qualquer
intervenção do poder público na atividade econômica.
A concepção liberal gerou concentração de renda e exclusão
social o que, por conseguinte, ensejou o constitucionalismo social,
momento em que o Estado é chamado para evitar abusos e limitar
o poder econômico concentrado.[6] Nesse contexto que se inserem
os direitos fundamentais de segunda dimensão: sociais, culturais e
econômicos.
Hodiernamente, as Constituições são concebidas por sua
finalidade de concretização dos direitos fundamentais. Tal caráter
finalístico deriva do movimento do neoconstitucionalismo, também
chamado de Constitucionalismo dos Direitos, Constitucionalismo
Avançado ou Paradigma Argumentativo, que surgiu no âmbito
mundial com o cenário pós Segunda Grande Guerra, momento de
redemocratização.
O prefixo "neo" que aparece na palavra
"neoconstitucionalismo" já indica ser esse movimento uma feição
nova de algo que ocorreu anteriormente, a saber: o
constitucionalismo. Designa, portanto, o constitucionalismo
contemporâneo, cujo marco histórico foi, no Brasil, a Constituição
de 1988, em um momento de reconstitucionalização do país, que
superava o regime autoritário e alcançava um Estado democrático
de direito. [7]
O caráter ideológico do Neoconstitucionalismo é de
concretizar os direitos fundamentais, e a Constituição ganha força
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normativa, tendo um caráter de eficácia direta e imediata. Solidifica-
se, assim, a consolidação das normas constitucionais que ganham
caráter vinculativo.
Nesse diapasão, de uma forma ampla, uma das formas de se
conceituar o Neoconstitucionalismo é como uma reanálise da Lex
Mater com o escopo de aumentar a sua eficácia e consolidar os
direitos fundamentais. A Constituição ganha supremacia e sua
proteção cabe ao Poder Judiciário. Ocorre a expansão para
inúmeros países da jurisdição constitucional, de modo que os
países da Europa vieram a adotar modelos diferentes de controle
de constitucionalidade e de criação de tribunais constitucionais.
Segundo os ensinamentos de Walber Agra:
o caráter ideológico do Neoconstitucionalismo é
o de concretizar os direitos fundamentais.
Cumpre a todos os poderes estabelecidos
efetivar os postulados agasalhados na Lex
Mater, consolidando seu papel de pacto vivencial
da sociedade.[8]
Fica clara, assim, a diferença no tocante ao caráter ideológico
do movimento do neoconstitucionalismo e do constitucionalismo
clássico. A Constituição deixa de ser concebida apenas como uma
“folha de papel”, para ser um texto de eficácia concretiva plena.[9] A
supremacia das normas constitucionais é de suma importância para
garantir a fundamentação de uma jurisdição constitucional, através
da submissão de todos os poderes estatais ao conteúdo estipulado
pela Lex Mater.
Os direitos fundamentais não podem ser considerados apenas
programas, o que traria o risco de terem seu caráter normativo
desconsiderado. A força normativa da Lei Maior traz como
decorrência a sua tutela mais ampla, de modo que, os direitos
fundamentais gozam de maior aplicabilidade. A eficácia dos direitos
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possui dois sentidos: a eficácia social que se refere a circunstância
de que a norma é obedecida e aplicada na realidade fática, sendo
justamente a efetividade da norma e a eficácia jurídica como a
capacidade de alcançar os objetivos estabelecidos pela norma.
Como ensina Jose Afonso da Silva:
Tratando-se de normas jurídicas, a eficácia
consiste na capacidade de atingir os objetivos
nelas traduzidos, que vem a ser, em ultima
análise, realizar os ditames jurídicos objetivados
pelo legislador. Por isso é que se diz que a
eficácia jurídica da norma designa a qualidade
de produzir, em maior ou menor grau, efeitos
jurídicos, ao regular, desde logo, as situações,
relações e comportamentos de que cogita; nesse
sentindo, a eficácia diz respeito à aplicabilidade,
exigibilidade ou executoriedade da norma, como
possibilidade de sua aplicação jurídica. O
alcance dos objetivos da norma constitui a
efetividade. Esta é, portanto, a medida da
extensão em que o objetivo é alcançado,
relacionando-se ao produto final.[10]
Os direitos fundamentais não são absolutos, mas limitados
pelas demais normas da Constituição, assim como pelas
infraconstitucionais que delimitam o seu sentido. Ocorre que, do
ponto de vista jurídico dogmático, os direitos fundamentais tornam-
se relevantes quando ocorre uma intervenção no seu livre exercício.
Estudar os direitos fundamentais significa principalmente estudar as
suas limitações. Tais direitos consagram, sobretudo, valores.
No contexto do Neoconstitucionalismo, que tem como caráter
ideológico a concretização dos direitos fundamentais, torna-se
importante o estudo das intervenções no livre exercício desses
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direitos. Um dos principais vetores dos direitos fundamentais é o
interesse público, pautado no princípio do bem comum.
Dentre os direitos fundamentais assegurados
constitucionalmente, destaca-se o direito de propriedade que, como
todos os direitos, passou por uma evolução história de acordo com
o contexto social. Assim como os demais direitos fundamentais, não
se trata de um direito absoluto, mas é passível de limitações.
O direito de propriedade no âmbito do constitucionalismo
liberal recebeu tratamento diferenciado do contexto do
constitucionalismo social. Diante de uma perspectiva do
Neoconstitucionalismo, tal direito passa a ser analisado sob uma
ótica de concretização, devendo, contudo, ser compatibilizado com
a limitação imposta pela própria Constituição Federal, a função
social da propriedade, bem como pelo princípio do interesse público
sobre o privado.
2. Evolução histórica do direito fundamental de propriedade
A evolução histórica da propriedade é de extrema importância
para analisar o contexto atual que a propriedade se insere e suas
limitações. A história da propriedade encontra-se intimamente
relacionada com a organização política das sociedades. Existe uma
nítida influência do regime político sobre o modelamento da
tipicidade dominial. Por conseguinte, a propriedade individual é vista
como padrão de direito subjetivo nos regimes capitalistas, e
contrapondo-se a ela existe a propriedade coletiva,
predominantemente vigente em regimes socialistas.
A Revolução Francesa trouxe à baila o ideal romano de
domínio individual e absoluto da res. A expressão romana dominium
ex iuri quiritium designavaadesão à propriedade de forma plena e
exclusiva, sendo uma prerrogativa de forma absoluta e ilimitada[11].
Com o surgimento do capitalismo e o início das revoluções
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industriais, a concepção individualista da propriedade chega ao seu
auge.
O capitalismo se sustentava em dois pilares: o da propriedade
e o da liberdade. Uma nova ideologia surgira: o liberalismo, baseado
na igualdade formal daspessoas perante a lei, e pautado num
Estado não intervencionista.[12] Importava apenas a aquisição de
bens por parte do particular, sem contar com a participação da
coletividade, sendo justificada pela intensificação da produtividade
e lucros, com respaldo na exacerbada autonomia privada.
Politicamente, o Estado Liberal foi concebido como uma
estrutura de poder absenteísta na qual não existe espaço par
qualquer intervenção do poder público na atividade econômica, ou
seja, a existência de um estado mínimo cuja função principal é
assistir de longe o desenvolvimento da dinâmica social. Do ponto
de vista econômico, o modelo liberal clássico consagra as regras de
auto regulação do mercado compreendida a partir da metáfora da
mão invisível.
Com a crise do Estado Liberal surgiu o denominado Estado
Providência. Surge a necessidade de um Estado Social, com
prestações positivas por parte do Estado, capaz de amparar e
proporcionar melhorias para os hipossuficientes, privados de
acesso a bens mínimos de sobrevivência. Vem à tona o Estado
Social, também conhecido como Estado Providência ouo Welfare
State, o Estado do bem-estar social. A realização dos direitos
depende, assim, de uma superação do absenteísmo liberal e a
consagração de uma forte intervenção na atividade econômica. É
nesse contexto que se insere o Constitucionalismo Social.
A partir desse momento, a propriedade deixa de ser ilimitada
e passa a ser compatibilizada com o interesse social, ou seja, da
coletividade, tendo o Estado o papel de garantidor. O individualismo
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exacerbado, portanto, perde a sua força e surge o sentido social da
propriedade.
Inicialmente, trata-se o direito de propriedade como um direito
individual, sendo assegurado ao seu titular diversos poderes de
natureza privada, dentre os quais se podem destacar: usar, usufruir,
dispor, gozar e reaver um bem de maneira absoluta, exclusiva e
perpétua. O direito de propriedade caracteriza-se como o direito
mais amplo e complexo dentre os direitos subjetivos, por ser um
feixe de poderes nas mãos do titular.
Trata-se de uma relação jurídica complexa formada entre o
titular do bem, o proprietário, e a coletividade. O artigo 5º, caput, da
Constituição Federal de 1988 afirma ser a propriedade um direito
fundamental, ao lado da vida, liberdade, igualdade e a segurança.
A propriedade como um direito fundamental existe como função à
proteção pessoal do titular, já que existe uma garantia da autonomia
privada em caráter erga omnes, ou seja, a satisfação da
propriedade exercida pelo seu titular exige um comportamento
abstencionista por parte da coletividade.
A propriedade dos bens imóveis surge a partir do registro que
leva a publicidade e, por conseguinte, o direito geral de abstenção
passa a ser exigível perante todos os indivíduos da sociedade.
Aqueles que não são proprietários devem respeitar o exercício de
propriedade do titular que possui o livre exercício sobre a coisa,
visto que exerce uma posição de vantagem sobre esta.
Intromissões e ofensas sem amparo legal no direito de propriedade
representam violações à liberdade e a privacidade que o titular
detém sobre o bem jurídico tutelado.
Clóvis Beviláqua conceitua a propriedade como sendo o
poder assegurado pelo grupo social à utilização dos bens da vida
física e moral.[13]
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O caráter absoluto da propriedade garante ao proprietário o
direito de dispor da coisa como ele bem entender. O absolutismo do
direito de propriedade não é integral, visto que, até mesmo os
direitos que integram, tradicionalmente, o rol de absolutos vem se
tornando mais relativos. Deste modo, o direito de propriedade está
sujeito à algumas limitações impostas pelo direito público, bem
como pelo direito de propriedade das outras pessoas. [14]
É também de caráter exclusivo, uma vez que é exercido de
forma individual, não podendo pertencer com exclusividade por
mais de uma pessoa. O direito de propriedade proíbe que terceiros,
não proprietários, exerçam o direito de senhoria sobre o bem. No
mesmo lapso temporal, duas ou mais pessoas não podem exercer
com exclusividade o direito de propriedade sobre a coisa, tendo o
proprietário direito de ação reivindicatória caso haja interferência na
sua propriedade. O direito de propriedade existe
independentemente do seu exercício, enquanto não houver causas
que o modifique ou extinga, sendo transmitida por direito
hereditário. [15]
Por isso, a doutrina tradicional classifica-o como um direito
perpétuo. Neste sentido, o direito de propriedade apenas se
extingue pela vontade do dono, ou por disposição expressa legal,
nos casos de perecimento da coisa, desapropriação ou usucapião.
3. Da estrutura do direito de propriedade
Os direitos subjetivos possuem em seu conteúdo faculdade
jurídicas (facultas agendi), em oposição ànorma agendi. O direito
subjetivo é um poder concedido pelo ordenamento à pessoa na
busca da satisfação de interesses próprios, facultas
agendi,concretizando o comando previsto na norma legal
abstrata, norma agendi.[16]
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O direito de propriedade, tratado como um direito subjetivo,
consiste em prerrogativas dos indivíduos asseguradas pelo direito
objetivo. O artigo 1.228 do Código Civil elenca as faculdades do
direito de propriedade, assim dispondo: “O proprietário tem a
faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la
do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”.
A faculdade de usar a coisa, ius utendi, significa que o
proprietário pode se servir do bem, sem alterar-lhe a
substância.[17] Utiliza-se o bem de acordo com a sua destinação
econômica para todas as finalidades para as quais ele proporciona:
utilização pessoal ou em prol de terceiro. O direito de uso confere
ao proprietário a percepção dos frutos naturais para utilização
pessoal ou em prol de terceiro. Poderá também o proprietário do
bem deixá-lo em poder de outra pessoa sob as suas ordens. Ocorre
que, em determinadas situações, caso o proprietário desidioso não
cumpra com a sua faculdade de usar, poderá ocorrer a arrecadação
pelo Poder Público do bem ou a desapropriação por interesse
social, deixando de ser uma faculdade de usar para se tornar um
dever jurídico. Neste sentindo, afirma Roberta Mauro:
A destinação que deverá ser dada ao bem não é
mais uma escolha absolutamente livre, eis que a
Constituição oferece uma guia à conduta do
titular. Assim, o não uso deixa de ser uma opção
de seu titular, tendo em vista que se antes os
direitos sobre o mesmo se mantinham intactos,
não obstante a falta de exercício, até que
constituísse uma situação em proveito de
terceiro, a legislação em vigor apresenta hoje
uma seria de mecanismos capazes de coibir
qualquer destinação que se mostre contraria a
função social e ao desempenho econômico do
bem, em beneficio da coletividade.[18]
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A faculdade de gozar, o ius fruendi, diz respeito ao direito de
perceber todos os frutos e rendimentos que ultrapassem do
recolhimento dos frutos naturais. A percepção dos frutos naturais é
característica da faculdade de usar o bem. Já os frutos industriais,
aqueles que resultam da transformação do homem sobre a
natureza, bem como os frutos civis, as rendas resultantes da
utilização da coisa por outra pessoa, serão colhidos através da
faculdade de gozar.[19] Está inserido também nessa faculdade o
direito às pertenças, que se destinam, de acordo com o artigo 93 do
Código Civil, ao uso, serviço ou aformoseamento do bem de modo
duradouro.
Já faculdade de dispor o bem é albergada pelo direito do
proprietário de alterar a substância da coisa, realizando o que
desejar sobre o bem, conferindo destinação econômica a este.
Pode, assim, alienar, gravar, desmembrar, dividir, consumir,
transferir a coisa, etc.[20]
Por fim, a faculdade de reivindicar o bem é um elemento
externo da propriedade, uma vez que garante ao proprietário o
direito de excluir terceiros não proprietários da relação jurídica com
a coisa. É uma consequência da lesão ao direito subjetivo de
propriedade, consubstanciado no dever jurídico de abstenção.[21]
4. Limites à propriedade privada: entre o cumprimento da
função social e a supremacia do interesse público sobre o
privado
O direito de propriedade tem garantia constitucional, conforme
dicção do artigo 5º, XXII da Constituição Federal. Entretanto, a
própria Carta Maior, inserida no contexto do Neoconstitucionalismo,
exige, em contraponto, que a propriedade atenda a função social,
como estabelece o inciso XXIII do artigo 5º. O atual contexto da
propriedade, portanto, se insere em um direito fundamental
condicionado, limitado pela própria Constituição que o garante,
devendo cumprir com a sua função social.
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Destarte, depreende-se que o direito de propriedade não pode
ser visto, hodiernamente, como um direito absoluto. Impende
destacar que nenhum direito fundamental é absoluto, embora o
ilustre filósofo Noberto Bobbio afirme que o qualificativo de absoluto
cabe a pouquíssimos direitos, como a vedação à escravidão e à
tortura. [22] Os direitos fundamentais são limitados pelos demais
direitos presentes na Constituição e também pelas normas
infraconstitucionais que limitam o seu sentido.
Dentro da perspectiva de limitação a direitos fundamentais,
principalmente no que tange à propriedade, destaca-se o principal
vetor para a sua restrição: o princípio da supremacia do interesse
público sobre o privado. Segundo Celso Antonio Bandeira de
Mello[23], o Direito Administrativo se delineia em função da
consagração de dois princípios: o da supremacia do interesse
público sobre o privado, e o da indisponibilidade, pela administração
dos bens públicos. O primeiro se refere à superioridade do interesse
da coletividade, firmando a prevalência dele sobre o do particular,
como pressuposto de uma ordem social estável, em que todos e
cada um possam sentir-se garantidos e resguardados nos seus
direitos e bens. O segundo parte do pressuposto de que a
Administração possui poderes-deveres, ou seja, lhe são concedidos
determinados poderes como meios para o alcance de uma
finalidade previamente estabelecida, que é defesa do interesse
público, e não da entidade governamental em mesma consideradas.
Dirley da Cunha Jr. destaca que:
Na doutrina italiana é corrente a distinção entre
interesses públicos primários, que são os
interesses da coletividade como um todo e
interesse públicos secundários, que são os
interesses do estado como sujeito de direitos,
independentemente de sua qualidade se
servidor de interesses de terceiros. [24]
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Ocorre que o princípio ora referido, da supremacia do
interesse público sobre o privado, somente se aplica aos públicos
primários, uma vez que são os únicos que podem ser tratados como
verdadeiros interesses públicos. Estes correspondem ao conjunto
dos interesses que os indivíduos pessoalmente possuem quando
considerados em sua qualidade como membros da sociedade.
Na lição de Celso Antonio Bandeira de Melo “os interesses
públicos correspondem à dimensão pública dos interesses
individuais, ou seja, que consistem no plexo dos interesses dos
indivíduos enquanto partícipes da sociedade”. [25]
Deste modo, os interesses públicos secundários apenas
serão compreendidos como interesse público quando
corresponderem aos interesses primários.
O direito de propriedade sempre foi contemplado em todas as
Constituições do Brasil. A Constituição do Império foi inspirada na
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, garantia o direito
de propriedade em toda a sua plenitude, trazendo um caráter
eminentemente individualista. Apenas em 1967, apareceu
textualmente a função social, como princípio de ordem econômica.
Assim afirma Carlos Roberto Gonçalves:
O princípio da função social tem controvertida
origem. Teria sido, segundo alguns, formulado
por Augusto Comte e postulado por Léon Duguit,
no começo do século. Em virtude da influência
que a sua obra exerceu nos autores latinos,
Duguit é considerado o precursor da ideia de que
os direitos só se justificam pela missão social
para o qual devem contribuir e, portanto, que o
proprietário deve comportar-se e ser
considerado, quanto á gestão dos seus bens,
como um funcionário.[26]
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A expressão função social deriva do latim functioque significa
cumprir algo ou desempenhar um dever ou uma atividade. O direito
à propriedade, portanto, encontra-se condicionado ao cumprimento
da sua função social, que surgiu com as mudanças ocorridas no
conceito de propriedade, deixando de ser um direito absoluto,
inviolável, para atender às necessidades coletivas[27]. Sobre o
tema, são as palavras de Orlando Gomes:
Estabelecidas essas premissas, pode-se
concluir que pela necessidade de abandonar a
concepção romana da propriedade, para
compatibiliza-la com as finalidades sociais da
sociedade contemporânea, adotando-se, como
preconiza Andre Piettre, uma concepção
finalista, a cuja luz se definam as funções sociais
desse direito. No mundo moderno, o direito
individual sobre as coisas impõe deveres em
proveito da sociedade e ate mesmo no interesse
de não proprietário. Quanto tem por objeto bens
de produção, sua finalidade social determina a
modificação conceitual do próprio direito, que
não se confunde com a política de limitações
específicas ao seu uso. A despeito, porém, de
ser um conceito geral, sua utilização varia
conforme a vocação social do bem no qual recai
o direito – conforme a intensidade do interesse
geral que o delimita e conforme a sua natureza
na principal rerum devido tradicional. A
propriedade deve ser entendida como função
social tanto em relação aos bens imóveis como
em relação aos bens móveis. [28]
É mister salientar que a função social diz respeito à própria
estrutura da propriedade, não sendo apenas um limite ao direito do
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proprietário. O particular não deixa de ter o direito ao seu bem, haja
vista a própria Carta Magna o garantir. Contudo, pelo princípio da
predominância do interesse público sobre o interesse privado, deve
o particular utilizar a propriedade de maneira racional em prol do
bem-estar da sociedade.
Nesse sentido, José Afonso da Silva afirma que:
O princípio da função social traduz um novo
regime jurídico à propriedade, pois incide no
próprio conteúdo deste direito como elemento
que determina a aquisição, o gozo e utilização;
logo, ela só é considerada legítima enquanto
considerada propriedade função. [29]
Caso o proprietário não venha a proceder de forma a cumprir
com a função social, compete ao Poder Público exercer a tutela dos
interesses públicos maiores envolvidos, ainda que em prejuízo do
interesse individual do particular[30]. Destarte, pode vir o
proprietário a perder a sua propriedade, através da intervenção do
Estado.
5. Conclusão:
Estudou-se o contexto histórico no qual a supremacia dos
direitos fundamentais da Constituição Federal de 1988 fora
alcançada, através do Neconstitucionalismo, em detrimento do
Constitucionalismo Clássico, movimento racionalista, que tinha por
finalidade a limitação dos poderes concentrados nas mãos dos Reis
e a conquista de direitos fundamentais, contudo que não passavam
de letras mortas de eficácia retórica. Verificou-se que, com o
Neconstitucionalismo, a Constituição passou a ser uma norma
jurídica dotada de imperatividade, e os direitos fundamentais
passaram a gozar de maior aplicabilidade.
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Por fim, foi analisado o contexto histórico do direito de
propriedade, bem como dos movimentos constitucionalistas, e suas
características principais. A partir de então, observou-se que se
trata de um direito fundamental limitado ao cumprimento da função
social, não se tratando de um direito absoluto, mas condicionado à
supremacia do interesse público sobre o privado.
6. Referências:
AGRA, Walber de Moura. A reconstrução da legitimidade do
Supremo Tribunal Federal. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
AGRA, Walber de Moura. Neoconstitucionalismo e superação
do positivismo. In: DIMOULIS, Dimitri; DUARTE, Écio Oto. (org.).
Teoria do direito neoconstitucional: superação ou reconstrução
do positivismo jurídico? São Paulo: Método, 2008.
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direito brasileiro. Brasília: Senado Federal, 2003.
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DIRLEY JÚNIOR, da Cunha. Curso de direito administrativo.
10. ed. Salvador: Jus Podivm, 2011.
GOMES, Orlando. Direitos reais. 19. ed. Atualizador: Luiz
Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil
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2008.
LASSALLE, Ferdinand. A essência da Constituição. Rio de
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MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao direito de
propriedade. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
MARUO, Roberta. A propriedade na Constituição de 1988 e o
problema do acesso aos bens. TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luis
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5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
MELLO, Celso Antonio Bandeira. Curso de direito
administrativo. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
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SALDANHA, Nelson. Formação da teoria constitucional. 2
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constitucionais. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2012
VENOSA, Silvio de Salvo. Direitos reais. 11. ed. São Paulo:
Atlas, 2011
NOTAS:
[1] AGRA, Walber de Moura. A reconstrução da legitimidade do Supremo Tribunal Federal. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 2.
[2] CATAINIA, Alfonso. Lo Stato Moderno. Sovranità e giuridicità. Torino: Giappicheli, 1997, p. 19, APUD, AGRA, Walber de Moura. A reconstrução da legitimidade do Supremo Tribunal Federal. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 3.
[3] SALDANHA, Nelson. Formação da teoria constitucional. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p.14.
[4] AGRA, Walber de Moura. A reconstrução da legitimidade do Supremo Tribunal Federal. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 1.
[5] “As constituições liberais costumam ser consideradas como código individualistas exaltantes dos direitos individuais do homem. A noção de indivíduo, elevado à posição de sujeito unificador de uma nova sociedade, manifesta-se fundamentalmente de suas maneiras: (1) a primeira acentua o desenvolvimento do sujeito moral e intelectual livre; (2) a segunda parte do desenvolvimento do sujeito
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econômico livre no meio da livre concorrência”. (CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 110).
[6] “O descaso para com os problemas sociais, que veio a caracterizar o État Gendarme, associados às pressões decorrentes da industrialização em marcha, o impacto do crescimento demográfico e o agravamento das disparidades no interior da sociedade, tudo isso gerou novas reivindicações, impondo ao Estado um papel ativo na realização da justiça social”. (MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 309).
[7]BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito (O Triunfo Tardio do Direito Constitucional no Brasil). In: A constitucionalização do direito. Fundamentos teóricos e aplicações específicas. São Paulo: Lúmen Juris, 2007, p. 207.
[8]AGRA, Walber de Moura. Neoconstitucionalismo e superação do positivismo. In: DIMOULIS, Dimitri;DUARTE, Écio Oto. (org.). Teoria do direito neoconstitucional: superação ou reconstrução do positivismo jurídico? São Paulo: Método, 2008. p. 436.
[9] LASSALLE, Ferdinand. A essência da Constituição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998, p. 41.
[10] SILVA, Jose Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 66.
[11] “Embora substancialmente os Romanos vissem na proprietas um direito ilimitado, em que se incorporava a liberdade de fazer o dominus o que quisesse, os romanistas ressalvam que tal faculdade podia encontrar limitações provindas de princípios especiais. E efetivamente as limitações existiam. No campo dos conflitos de vizinhança, na instituição de servidões, ou em termo gerais, levantadas aquelas sob a inspiração de um interesse público ou de conveniências particulares”. PEREIRA, Caio
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Mario da Silva. Instituições de direito civil, Vol. IV. 21. ed. Rio de janeiro: Forense, 2012, p. 85,86.
[12] “O termo liberalismo engloba o liberalismo político, ao qual estão associadas as doutrinas dos direitos humanos e da divisão dos poderes, e o liberalismo econômico, centrado sobre uma economia de mercado livre (capitalista). Se a sociedade burguesa fornecia o substrato sociológico ao estado constitucional, este, por sua vez, criava condições políticas favoráveis ao desenvolvimento do liberalismo econômico”. (CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 109).
[13] BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das coisas. Coleção história do direito brasileiro. Brasília: Senado Federal, 2003, v.1, p 127.
[14] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Direito das Coisas. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, . v. IV, p. 116.
[15] Idem, Ibidem.
[16] MORAES, José Diniz de. A função social da propriedade e a Constituição Federal de 1988. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 112.
[17] VENOSA, Silvio de Salvo. Direitos reais. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 176.
[18]MARUO, Roberta. A propriedade na Constituição de 1988 e o problema do acesso aos bens. TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luis Edson (orgs). Diálogos sobre direito civil, vol. II. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p 47/8, In: FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Direitos reais. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 222.
[19] CHAVES, Cristiano; ROSENVALD, Nelson.Direitos reais. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011,p. 223
[20] VENOSA, Silvio de Salvo. Direitos reais. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p.178.
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[21] CHAVES, Cristiano; ROSENVALD, Nelson.Direitos reais. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011,p. 225.
[22] “Entendo por valor absoluto o estatuto que cabe a pouquíssimos direitos do homem, válidos em todas as situações e para todos os homens sem distinção. Trata-se de um estatuto privilegiado, que depende de uma situação na qual existem direitos fundamentais que não estão em concorrência com outros direitos igualmente fundamentais. É preciso partir da afirmação obvia de que se pode instituir um direito de outras categorias de pessoas. O direito a não ser escravizado implica a eliminação do direito de possuir escravos, assim como do direito de torturar. Esses dois direitos podem ser considerados absolutos, já que a ação que é considerada de sua instituição e proteção é universalmente condenada.” (BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. 16. Tir. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 42).
[23] MELLO, Celso Antonio Bandeira. Curso de direito administrativo. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 47.
[24] DIRLEY JÚNIOR, da Cunha. Curso de direito administrativo. 10. ed. Salvador: Jus Podivm, 2011, p. 37.
[25] MELLO, Celso Antonio Bandeira. Curso de direito administrativo. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p 55.
[26] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. Volume V: Direito das Coisas. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 222.
[27] “(...) a função social da propriedade não é senão o concreto modo de funcionar a propriedade, seja como exercício, direta ou indiretamente, por meio de imposição de obrigações, encargos, limitações, restrições, estímulos ou ameaças, para a satisfação de uma necessidade social, temporal e especialmente considerada”. (MORAES, José Diniz de. A função social da propriedade e a Constituição Federal de 1988. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 111).
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[28] GOMES, Orlando. Direitos reais. 19. ed. Atualizador: Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 129.
[29] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 249.
[30] “Portanto, ao mesmo tempo em que a propriedade é regulamentada como direito individual fundamental, revela-se o interesse público de sua utilização e de seu aproveitamento adequados aos anseios sociais”. (MALUF, Carlos Alberto Dabus.Limitações ao direito de propriedade. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 96).
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NATUREZA IMPOSITIVA DO ORÇAMENTO PÚBLICO E EC
86/2015
ANDRÉ VIEIRA FREIRE: Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Sergipe. Especialista em Direito Público.
RESUMO: Diante das inovações constitucionais trazidas pela
Emenda Constitucional nº 86/2015, a natureza jurídica do
orçamento público no Brasil, bem como o seu papel constitucional,
ganhou novas matizes, fomentando o debate na doutrina sobre o
novel caráter impositivo do orçamento e sobre a participação
parlamentar nas leis orçamentárias através das emendas
legislativas individuais. Tal temática será abordada para além do
enfoque jurídico, analisando-se, também, os efeitos da mudança na
economia do país, na forma como a receita pública é aplicada e no
resultado efetivo da despesa pública na melhoria do bem estar da
sociedade civil.
PALAVRAS-CHAVE: Direito Financeiro. Orçamento Público. Leis
Orçamentárias. Emendas Parlamentares Individuais.
Impositividade. EC 86/15. Despesa Pública.
01. INTRODUÇÃO
É cediço que o orçamento público é o
instrumento de controle e avaliação dos gastos públicos,
consubstanciando importante meio de planejamento e execução
das políticas públicas, essencial ao atendimento das finalidades
estatais. Nessa esteira, tendo em conta que o orçamento é
veiculado através de lei formal, de inciativa exclusiva do chefe do
Poder Executivo, apreciada e votada pela respectiva casa
legislativa, indaga-se até que ponto há vinculação do gestor ao
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orçamento aprovado, em sentido impositivo, ou se, de fato, é esse
ato meramente autorizativo da despesa pública, consistindo em
condição para a sua realização, mas sem obrigar o gestor a tal, em
sentido autorizativo.
Compulsando o ordenamento constitucional,
dessume-se a preponderância do caráter autorizativo, a qual não
exclui, na via de exceção, notas de impositividade de certos gastos
públicos, a exemplo da vinculação de receitas a despesas de saúde
e de educação, exigida pela Carta Maior, ou das transferências
obrigatórias aos entes menores da Federação. Tal impositividade,
contudo, vem extrapolando o grau de exceção para aproximar-se
da suplantação da regra, uma vez que promulgada a EC 86/2015,
passou o Poder Executivo a estar obrigado a cumprir as despesas
orçamentárias decorrentes de alteração legislativa à Lei
Orçamentária Anual pela via das emendas parlamentares
individuais, desde que observados certos requisitos e limitações
estabelecidos na Constituição Federal.
Destarte, fato é que, agora, o Poder Legislativo
assumiu papel mais ativo na execução das finanças públicas, pois
poderá participar da Lei Orçamentária Anual em caráter vinculante,
mitigando o protagonismo do Executivo no Direito Financeiro.
Apesar de diversas críticas, que abrangem desde a falta de técnica
legislativa na redação da emenda à pretensa invasão indevida de
competência clássica do Poder Executivo, perpassando por
pretensos interesses eleitoreiros, é possível avaliar positivamente a
alteração constitucional, nela enxergando uma tendência à
democratização do orçamento com o aumento da participação
popular – através de seus representantes eleitos – na elaboração e
na gestão das contas públicas, coibindo, inclusive, eventuais
abusos do Poder Executivo.
02. CONCEITO DE ORÇAMENTO PÚBLICO E LEIS
ORÇAMENTÁRIAS
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2.1. ORIGEM, CONCEITOS E CARACTERÍSTICAS DO
ORÇAMENTO PÚBLICO
No regime estatal absolutista, era o monarca
considerado soberano e detentor do patrimônio originário da
coletividade, sendo livre para despender o dinheiro público como
melhor lhe aprouvesse, sem qualquer tipo de limitação ou
responsabilidade, afinal o soberano encarnava, na sua pessoa, o
próprio sentido de Estado e sua vontade pessoal confundia-se com
a suposta vontade da coletividade. Com o avanço da democracia,
do império das leis e, mais atualmente, das constituições, ganhou
protagonismo o controle legal da atuação estatal, sendo os
orçamentos públicos uma forma de legitimar, pela vontade do povo,
os gastos dos gestores públicos. A ideia é que nenhuma despesa
estatal seja realizada sem anterior previsão orçamentária, de modo
que a população não seja surpreendida por gastos inesperados dos
gestores. Relacionando o surgimento do orçamento público ao
próprio surgimento do Estado moderno, Ricardo Lobo Torres traça
o seguinte histórico:
“A Constituição Orçamentária “constitui” o
Estado Orçamentário, que é a particular
dimensão do Estado de Direito apoiada nas
receitas, especialmente a tributária, como
instrumento de realização das despesas. O
Estado Orçamentário surge com o próprio
Estado Moderno. Já na época da derrocada do
feudalismo e na fase do Estado Patrimonial e
Absolutista aparece a necessidade da periódica
autorização para lançar tributos e efetuar gastos,
primeiro na Inglaterra (Magna Carta de 1215) e
logo na França, Espanha e Portugal. Com o
advento do liberalismo e das grandes revoluções
é que se constitui plenamente o Estado
Orçamentário, pelo aumento das receitas e
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despesas públicas e pela constitucionalização
do orçamento na França, nos Estados Unidos e
no Brasil (art. 172 da Constituição de 1824)”.[1]
Em seu conceito clássico, o orçamento
representa documento estritamente contábil e financeiro, devendo
contemplar a previsão de receitas e a fixação de despesas para
determinado período. Nas palavras do autor Valdecir Pascoal:
“Documento eminentemente contábil e
financeiro, pois não se preocupava com o
planejamento governamental nem com as
efetivas necessidades da população. Era um
orçamento estático. Tratava-se de um mero
inventário dos ‘meios’ com os quais a
Administração realizaria suas tarefas, daí a
denominação ‘lei de meios’ para o orçamento
tradicional”.[2]
Diante da insuficiência do já defasado conceito
clássico para expressar a real importância e finalidade do instituto
do orçamento público, ganha destaque na doutrina o conceito
moderno, que, para além de enxergar a mera previsão de receitas
e despesas na lei orçamentária, aponta a função de programar a
vida econômica e financeira do Estado por certo período de tempo.
Novamente na lição de Valdecir Pascoal, orçamento no conceito
moderno é:
“ato pelo qual o Poder Legislativo autoriza o
Poder Executivo, por um certo período e, em
pormenor, às despesas destinadas ao
funcionamento dos serviços públicos e outros
fins adotadas pela política econômica do País,
assim como a arrecadação das receitas criadas
em lei. O moderno orçamento caracteriza-se,
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pois, por ser um instrumento de planejamento. É
um instrumento dinâmico, que leva em conta
aspectos do passado, a realidade presente e as
projeções para o futuro”.[3]
Delimitado o conceito de orçamento, convém
destacar suas principais características. Primeiro, é um documento
político, afinal o Poder Legislativo, que alberga os representantes
do povo, autoriza a despesa público no momento em que aprecia e
vota a lei orçamentária de acordo com as necessidades coletivas.
Ademais, é um documento econômico, que possibilita uma
intervenção direta e eficaz do Estado na economia nacional, através
de instrumentos como o endividamento público e o aumento ou
diminuição da carga tributária. Em terceiro, é um documento
regulador, capaz de realizar a justiça distributiva ao financiar
serviços públicos para a população mais carente às custas,
sobretudo, das receitas extraídas daqueles com maior renda. Por
último, é um documento técnico, obediente à rigorosa técnica
orçamentária, máxima no que atine à classificação clara, metódica
e racional da despesa/receita.
2.2. AS LEIS ORÇAMENTÁRIAS
A Magna Carta, em seu art. 165, estabelece três
leis orçamentárias no ordenamento pátrio, todas de iniciativa
privativa do chefe do Poder Executivo; são elas: o Plano Plurianual
(PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei
Orçamentária Anual (LOA). Na descrição de Tathiane Piscitelli:
“De um ponto de vista geral, é possível dizer que
o PPA é a lei orçamentária mais abstrata de
todas, já que trata dos grandes objetivos da
Administração pelo prazo de quatro anos,
enquanto a LOA é a mais concreta, pois tem a
função de estabelecer, detalhadamente, as
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receitas e despesas públicas de um dado
exercício”.[4]
Não obstante a inciativa, sempre privativa, para
todas as leis orçamentárias incumba ao Poder Executivo, vale
ressalvar que, em homenagem à autonomia administrativa e
financeira do Poder Judiciário, competir-lhe-á encaminhar proposta
orçamentária relativa a seus gastos e interesses, a qual será
apreciada pelo Congresso Nacional após ser incorporada à
proposta do Poder Executivo. O mesmo mecanismo é aplicado ao
Ministério Público. Consolidada a proposta e submetida ela ao crivo
do Congresso Nacional, indaga-se em que situações o projeto de
lei poderia sofrer alterações.
De um lado, o próprio chefe do Poder Executivo
pode alterar o projeto de lei orçamentária através de mensagem
encaminhada ao Congresso Nacional, desde que ainda não tenha
sido iniciada a votação, pela Comissão Mista Permanente, da parte
cuja alteração é proposta, nos termos do art. 166, §5º, CF/88. Já por
outro lado, no âmbito da iniciativa parlamentar, também são
possíveis alterações por emendas, porém não de forma
indiscriminada. No caso da LOA, verbi gratia, tais emendas
parlamentares deverão obedecer ao §3º do art. 166 da CF/88, que
reza:
CF/88, Art. 166 – “Os projetos de lei relativos ao
plano plurianual, às diretrizes orçamentárias, ao
orçamento anual e aos créditos adicionais serão
apreciados pelas duas Casas do Congresso
Nacional, na forma do regimento comum. (...)
§ 3º As emendas ao projeto de lei do orçamento
anual ou aos projetos que o modifiquem somente
podem ser aprovadas caso:
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I - sejam compatíveis com o plano plurianual e
com a lei de diretrizes orçamentárias;
II - indiquem os recursos necessários, admitidos
apenas os provenientes de anulação de
despesa, excluídas as que incidam sobre:
a) dotações para pessoal e seus encargos;
b) serviço da dívida;
c) transferências tributárias constitucionais para
Estados, Municípios e Distrito Federal; ou
III - sejam relacionadas:
a) com a correção de erros ou omissões; ou
b) com os dispositivos do texto do projeto de lei”.
Mesmo com essas limitações constitucionais ao
poder de emenda parlamentar, no âmbito das leis orçamentárias,
levantou-se controvérsia sobre a constitucionalidade dessa
ingerência do Poder Legislativo na competência privativa do Poder
Executivo, A questão foi levada ao Supremo Tribunal Federal no
âmbito da ADI n. 1.050 MC/SC, relatada pelo Ministro Celso de
Mello, cujo julgamento sedimentou a jurisprudência do pretório
excelso no sentido de que a proposta de emenda orçamentária
oferecida pelo Poder Legislativo não viola a competência do Poder
Executivo para iniciar projetos de leis orçamentárias. Confira-se, a
seguir, a íntegra da ementa desse importante julgado:
E M E N T A: TRIBUNAL DE JUSTIÇA -
INSTAURAÇÃO DE PROCESSO LEGISLATIVO
VERSANDO A ORGANIZAÇÃO E A DIVISÃO
JUDICIÁRIAS DO ESTADO - INICIATIVA DO
RESPECTIVO PROJETO DE LEI SUJEITA À
CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DE RESERVA
(CF, ART. 125, § 1º, "IN FINE") -
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OFERECIMENTO E APROVAÇÃO, NO CURSO
DO PROCESSO LEGISLATIVO, DE EMENDAS
PARLAMENTARES - AUMENTO DA DESPESA
ORIGINALMENTE PREVISTA E AUSÊNCIA DE
PERTINÊNCIA - DESCARACTERIZAÇÃO DA
PROPOSIÇÃO LEGISLATIVA ORIGINAL,
MOTIVADA PELA AMPLIAÇÃO DO NÚMERO
DE COMARCAS, VARAS E CARGOS
CONSTANTES DO PROJETO INICIAL -
CONFIGURAÇÃO, NA ESPÉCIE, DOS
REQUISITOS PERTINENTES À
PLAUSIBILIDADE JURÍDICA E AO
"PERICULUM IN MORA" - MEDIDA CAUTELAR
DEFERIDA.
O poder de emendar projetos de lei - que se
reveste de natureza eminentemente
constitucional - qualifica-se como prerrogativa de
ordem político-jurídica inerente ao exercício da
atividade legislativa. Essa prerrogativa
institucional, precisamente por não traduzir
corolário do poder de iniciar o processo de
formação das leis (RTJ 36/382, 385 - RTJ
37/113 - RDA 102/261), pode ser legitimamente
exercida pelos membros do Legislativo,
ainda que se cuide de proposições
constitucionalmente sujeitas à cláusula de
reserva de iniciativa (ADI 865/MA, Rel. Min.
CELSO DE MELLO), desde que - respeitadas
as limitações estabelecidas na Constituição
da República- as emendas parlamentares (a)
não importem em aumento da despesa prevista
no projeto de lei, (b) guardem afinidade lógica
(relação de pertinência) com a proposição
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original e (c) tratando-se de projetos
orçamentários (CF, art. 165, I, II e III), observem
as restrições fixadas no art. 166, §§ 3º e 4º da
Carta Política. Doutrina. Jurisprudência. -
Inobservância, no caso, pelos Deputados
Estaduais, quando do oferecimento das
emendas parlamentares, de tais restrições.
Precedentes do Supremo Tribunal Federal.
Suspensão cautelar da eficácia do diploma
legislativo estadual impugnado nesta sede de
fiscalização normativa abstrata.[5]
03. NATUREZA JURÍDICA DO ORÇAMENTO PÚBLICO
Em definição clássica, no âmbito da escola do
serviço público do Direito Administrativo, León Duguit tratava o
orçamento, em relação às despesas, como mero ato administrativo
e, quando em referência à arrecadação de tributos, como lei em
sentido material. Já a doutrina mais moderna considera o
orçamento, substancialmente, um ato administrativo, na espécie de
ato-condição, uma vez que os tributos seriam criados por leis
próprias, atos-regra, enquanto que as despesas derivam de outros
normativos legais (atos-regra), sendo o orçamento, na verdade, o
implemento de uma condição (ato-condição) necessária para a
realização da cobrança e do gasto. Por fim, destaque-se a terceira
corrente que considera o orçamento como lei, encabeçada pelo
alemão Hoennel, na medida em que se origina de um órgão
legiferante. Em meio a tantas teorias, lúcido é o ensinamento de
Valdecir Pascoal, que logra sintetizar o tema, concluindo:
“A posição que nos parece mais adequada ao
atual ordenamento jurídico brasileiro, em que a
arrecadação de receitas e a realização de
despesas, no mais das vezes, decorrem de atos-
regra (leis, contratos, convênios etc.) – sendo o
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orçamento um pré-requisito para a realização da
despesa –, é a de Ricardo Lobo Torres. Para ele
‘a teoria de que o orçamento é lei formal, que
apenas prevê as receitas públicas e autoriza os
gastos, sem criar direitos subjetivos e sem
modificar as leis tributárias e financeiras, é, a
nosso ver, a que melhor se adapta ao direito
constitucional brasileiro’. Sendo assim, pode-se
afirmar que, no Brasil, o orçamento é apenas
AUTORIZATIVO”.[6]
No mesmo sentido, complementa Kioshi
Harada, denunciando o caráter material e administrativo da lei
orçamentária quando analisada no aspecto material, em seu
conteúdo, porém reconhecendo seu caráter formal quando
encarada no aspecto formal. Trata-se, pois, de lei de efeitos
concretos, senão vejamos:
“a lei orçamentária difere das demais leis,
caracterizadas por serem genéricas, abstratas e
constantes ou permanentes. Ela é, na verdade,
uma lei de efeito concreto para vigorar por um
prazo determinado de um ano, fato que, do ponto
de vista material, retira-lhe o caráter de lei.
Exatamente, essa peculiaridade levou parte dos
estudiosos a sustentar a tese do orçamento
como ato-condição. Sob o enfoque formal, no
entanto, não há como negar a qualificação de lei.
Portanto, entre nós, o orçamento é uma lei ânua,
de efeito concreto, estimando as receitas e
fixando as despesas, necessárias à execução da
política governamental”.[7]
Sendo autorizativo o orçamento, portanto, os
gestores públicos só podem realizar as despesas devidamente
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previstas no respectivo orçamento, contudo a efetivação dessas
mesmas despesas não é obrigatória ao gestor pelo simples fato de
estarem projetadas no orçamento. Esse é, inclusive, o
posicionamento do Supremo Tribunal Federal, que assim já decidiu:
CONCEITO DE LEI ORCAMENTARIA. O
SIMPLES FATO DE SER INCLUIDA UMA
VERBA DE AUXILIO, NO ORCAMENTO, QUE
DEPENDE DE APRECIAÇÃO DO GOVERNO,
NÃO CRIA DIREITO A SEU RECEBIMENTO.[8]
ORÇAMENTO. A PREVISÃO DE DESPESA,
EM LEI ORÇAMENTÁRIA, NÃO GERA
DIREITO SUBJETIVO A SER ASSEGURADO
POR VIA JUDICIAL. CARÊNCIA DE AÇÃO.
RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.[9]
Destaque-se, outrossim, a lição da doutrinadora
Tathiane Piscitelli, que reforça as conclusões anteriores no sentido
da natureza autorizativa do orçamento como regra geral.
Transcreva-se:
“no Brasil, o orçamento é, via de regra,
autorizativo e não impositivo. Desse modo, o que
se tem é mera previsão de gastos, que serão
realizados de acordo com a disponibilidade das
receitas arrecadadas no exercício. A previsão de
uma dada despesa não necessariamente implica
sua realização, já que o Poder Executivo tem a
discricionariedade de ajustar os gastos públicos
diante das necessidades que se realizam ao
longo do exercício”.[10]
Por fim, cumpre observar que, mesmo que o
orçamento não seja, em geral, impositivo, grande parte das receitas
estatais tem destinação própria e específica, a exemplo daquelas
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constitucionalmente vinculadas a determinadas finalidades. Nesse
particular, portanto, o orçamento pode ser encarado como
impositivo, como no caso das contribuições para o financiamento da
seguridade social, cuja arrecadação é afetada às despesas com
saúde, previdência e assistência social. Nada obstante, têm-se
observado manobras legislativas com o fito de desvincular parte das
receitas constitucionalmente afetadas e, com isso, possibilitar ao
gestor público flexibilidade no trato com o erário. É o caso da
Desvinculação das Receitas da União (DRU), cujo início se deu em
2000 com a EC 27, mantendo desvinculados de órgão, fundo ou
despesa 20% (vinte por cento) da arrecadação da União de
impostos, contribuições sociais e de intervenção no domínio
econômico.
04. ORÇAMENTO IMPOSITIVO E EC 86/2015
Conforme exposto no item anterior, a natureza
jurídica do orçamento no Brasil sempre foi – e permanece –
autorizativa, como regra geral. Contudo, embora não tenha o
condão de alterar essa natureza geral, a Emenda Constitucional nº
86 de 2015 inaugurou certa mudança de paradigma ao instituir certa
impositividade de parcelas de despesas fixadas no orçamento. Em
outras palavras, conquanto a regra ainda seja a autorizatividade, já
se pode falar, desde a EC 86/2015, em Orçamento Impositivo no
Brasil, no âmbito de suas disposições. Não é recente a intenção do
Congresso Nacional de transformar o modelo orçamentário
brasileiro para fixar a impositividade como regra, isto é, todas as
despesas, a princípio, seriam de execução obrigatória pelo Poder
Executivo, excepcionado o seu cumprimento, apenas, em caso de
impossibilidade superveniente. Nesse contexto, a EC 86/2015
apresenta-se como o primeiro passo dessa futura e eventual
transformação. Passemos à análise de suas principais inovações.
A principal mudança promovida pela EC 86/2015
foi a reserva do percentual de 1,2% da Receita Corrente Líquida
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(RCL), dentro da proposta orçamentária apresentada pelo Poder
Executivo, como limite destinado às emendas individuais
parlamentares à Lei Orçamentária Anual. Em outras palavras, o
chefe do Executivo, ao planejar o orçamento, deverá contar com a
provável alteração, pela via da iniciativa parlamentar por emenda
legislativa, de despesas que correspondam a até 1,2% da Receita
Corrente Líquida dessa mesma proposta. No entanto, o poder de
emendar não é livre, curvando-se a certos requisitos
constitucionais. Conforme § 9º do art. 166 da CF/88, metade do
percentual referido será destinado a despesas com ações e
serviços públicos de saúde, em reforço à já existente vinculação
constitucional de receitas para a área da saúde, caracterizando
mais uma exceção ao princípio da não afetação da receita pública.
Ainda assim, essa verba destinada à saúde será computada no
cálculo do limite constitucional de despesas com ações e serviços
públicos de saúde, a teor do art. 198 da CF/88, porém o § 10º do
art. 166 veda, taxativamente, o financiamento por emendas de
despesas com pessoal e encargos.
Nessa perspectiva, é OBRIGATÓRIA, ao Poder
Executivo, a realização das programações orçamentárias oriundas
de emendas parlamentares de 1,2% da RCL projetada no exercício
anterior, conforme critérios de execução equitativa da programação
definidos em lei complementar. É permitidos que valores de restos
a pagar sejam computados, para fins de cálculo do 1,2%, até o limite
de 0,6% da RCL do exercício anterior. Essa obrigatoriedade da
execução orçamentária das emendas parlamentares só poderá ser
afastada nos casos de impedimentos de ordem técnica e legal
previstos em lei complementar. Passa a ser obrigatório, outrossim,
a transferência de verbas derivadas de emendas parlamentares
individuais a Estados, Distrito Federal e Municípios, sendo defeso o
seu bloqueio em razão da inadimplência do ente federativo
beneficiado e, não bastasse, excluídos seus valores do conceito de
RCL, para fins do cálculo dos limites da despesa com pessoal dos
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referidos entes. Por outro lado, é permitida a redução da verba
destinada às emendas na mesma proporção da reestimativa da
receita ou despesa que possa vir a comprometer os resultados
fiscais almejados pela LDO. Havendo impedimento de ordem
técnica no empenho da despesa, os §§ 14º e 15º do art. 166 da
CF/88 propugnam a seguinte solução:
§ 14. No caso de impedimento de ordem técnica,
no empenho de despesa que integre a
programação, na forma do § 11 deste artigo,
serão adotadas as seguintes medidas:
I - até 120 (cento e vinte) dias após a publicação
da lei orçamentária, o Poder Executivo, o Poder
Legislativo, o Poder Judiciário, o Ministério
Público e a Defensoria Pública enviarão ao
Poder Legislativo as justificativas do
impedimento;
II - até 30 (trinta) dias após o término do prazo
previsto no inciso I, o Poder Legislativo indicará
ao Poder Executivo o remanejamento da
programação cujo impedimento seja
insuperável;
III - até 30 de setembro ou até 30 (trinta) dias
após o prazo previsto no inciso II, o Poder
Executivo encaminhará projeto de lei sobre o
remanejamento da programação cujo
impedimento seja insuperável;
IV - se, até 20 de novembro ou até 30 (trinta) dias
após o término do prazo previsto no inciso III, o
Congresso Nacional não deliberar sobre o
projeto, o remanejamento será implementado
por ato do Poder Executivo, nos termos previstos
na lei orçamentária.
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§ 15. Após o prazo previsto no inciso IV do § 14,
as programações orçamentárias previstas no §
11 não serão de execução obrigatória nos casos
dos impedimentos justificados na notificação
prevista no inciso I do § 14.
Expostas as principais inovações trazidas pela
EC 86/2015, convém analisá-las sob ponto de vista crítico,
perscrutando as imbricações projetadas não só no ordenamento
jurídico, mas também na economia do país, na forma como a receita
pública é aplicada e no resultado efetivo da despesa pública na
melhoria do bem estar da sociedade civil. Infelizmente, muitos são
os vícios e problemas apontados na alteração constitucional,
destacando-se a opinião de Valdecir Pascoal, que critica:
“Além do excessivo detalhamento no texto
constitucional e das imperfeições de redação, a
principal crítica que se faz à EC nº 86 é o fato de
ela não haver estendido a impositividade do
orçamento para todas as despesas aprovadas,
limitando-se às programações orçamentárias
decorrentes de emendas individuais dos
parlamentares. Ao tempo em que detalha em
excesso muitos pontos, remete muitas questões
para regulação em lei complementar, o que
poderá dificultar sua compreensão e
efetividade”.[11]
Essa ingerência parlamentar também pode
resvalar para a execução das políticas públicas, prejudicando-as na
medida em que podem restringir-lhes receitas. De fato, em nosso
modelo de estado e de governo incumbe ao Poder Executivo a
tarefa de planejamento e execução de políticas públicas, sendo que
a divisão desse mister com o Poder Legislativo pode acabar por
enfraquecer o poder de ação do primeiro, com prejuízo para a
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própria sociedade. Nos casos em que o Executivo não se
desincumbe a contendo desse importante ônus de planejar e gerir
a vida social, cabe à própria sociedade rever seus governantes no
momento das eleições. Por outro lado, procurar atalhar esse
caminho através de uma mudança institucional pode, em vez de
solucionar uma deficiência de certo governo, ocasionar uma
limitação permanente ao próprio Poder Executivo, que não mais
poderá livremente planejar e implantar programas e projetos de
melhoria social por dever obediência às emendas parlamentares
individuais. Tal representa, outrossim, certo desvio do foco do Poder
Legislativo, que deixará de investir tempo nas tarefas
constitucionais de fiscalização do Poder Executivo e de edição de
atos normativos primários, para fazer as vezes de gestor público e
coercitivamente impor despesas públicas através das emendas
individuais. Sobre o tema, professor Fernando Facury Scaff
acrescenta à crítica:
“o Congresso aprovou a Emenda Constitucional
86, que criou a curiosa figura do Orçamento
impositivo à brasileira, pois ao invés de aprovar
uma norma que realmente obrigasse o Poder
Executivo a cumprir as leis orçamentárias, foi
aprovada uma emenda constitucional que obriga
o Poder executivo a cumprir as emendas
parlamentares, que se caracterizam como uma
pequena parte do orçamento, e vinculada a
interesses eleitorais dos próprios parlamentares.
A bem da verdade, em face de tantos limites
impostos aos parlamentares para dispor de
matéria orçamentária eles tinham duas
alternativas: ou propunham uma verdadeira
reforma constitucional orçamentária,
estabelecendo poderes para que pudessem
efetivamente gerir os recursos públicos, ou
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criavam uma meia sola apenas para cuidar de
seus interesses eleitorais — o que acabou
prevalecendo. Uma pena. Para usar uma
expressão popular, vê-se que a montanha pariu
um rato. Poderiam ter ousado mais”.[12]
Inobstante essas ressalvas, o renomado
professor consegue enxergar pontos positivos na EC sob comento,
apontando como vantagem a redução do poder de barganha do
chefe do Poder Executivo sobre os parlamentares, traduzido na
utilização da liberação de recursos públicos como moeda de troca
por votações legislativas. Nas palavras do autor:
“De toda forma, mesmo estas tímidas normas
aprovadas já tem o poder de causar muitas
modificações nas relações político-partidárias
existentes, pois a liberação de emendas
parlamentares deixará de ser uma espécie de
moeda de troca nas relações entre o Congresso
e o Planalto. Nem falo apenas do atual governo,
mas de todos os governos do período
democrático, em todos os níveis federativos,
durante os quais se usou a liberação de
emendas parlamentares para aprovar as
matérias de interesse do Executivo junto ao
Legislativo. Se o deputado votasse de acordo
com o Planalto, as emendas seriam liberadas
(mesmo que a conta-gotas); se votasse contra,
não haveria liberação de recursos. Nos estados
e municípios brasileiros esta mesma dinâmica
existe e, tal como na União, é indiferente quais
sejam os partidos na situação ou na oposição. A
Emenda 86, embora tímida e circunstancial, se
propõe a liberar o Legislativo do jugo do
Executivo, o que é positivo. Repito: a ousadia
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poderia ter sido maior e colocado o Legislativo
no efetivo comando dos destinos dos recursos
que são arrecadados de todos em nosso país.
Claro que muitos erros poderiam ocorrer, mas
desta forma, ao longo de algumas eleições,
conseguiríamos melhorar a qualidade da
composição de nossos Parlamentos e instaurar
um sistema de representação parlamentar
estável e mais representativo em nosso
país”.[13]
05. CONCLUSÃO
É possível concluir, diante do exposto, que o
traçado do Direito Financeiro na Constituição Federal contempla o
instituto do orçamento, via de regra, como mero ato condicional à
realização da despesa pública, prevalecendo a discricionariedade
do gestor público na efetiva alocação das dotações orçamentárias.
A lei de orçamento, portanto, assume o caráter legal apenas sob a
ótica formal, pois materialmente consiste em ato administrativo,
produzindo efeitos apenas pelo período de um ano (lei de efeitos
concretos).
Conquanto seja mesmo regra a autorizatividade,
sempre se observou notas de impositividade do orçamento nas
normas constitucionais, a exemplo da vinculação das receitas
públicas a despesas de saúde e educação, bem como das
transferências constitucionais obrigatórias, que restringem o poder
de disposição do Poder Executivo sobre o erário. Com a
promulgação da Emenda Constitucional 86/2015, ganhou força
essa impositividade, visto que agora o Poder Executivo também é
vinculado às alterações legislativas na Lei Orçamentária Anual,
aprovadas por emendas parlamentares individuais até o limite de
1,2% da Receita Corrente Líquida estimada no projeto. Com isso, a
doutrina dividiu-se na avaliação da mudança: embora se tenha
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criticado a ingerência pelo Poder Legislativo nas competências do
Executivo, além da possível intenção de uso das emendas para
finalidades pessoais e eleitoreiras dos parlamentares, elogiou-se a
mitigação do poder de barganha do Executivo nos atos de liberação
de recursos para os demais poderes. Em todo o caso, deve-se
reconhecer na EC 86/15 um primeiro passo para a maior
democratização do orçamento, no sentido de aumentar a
participação popular, através dos representantes parlamentares, na
elaboração e gestão das contas públicas, coibindo, inclusive, os
abusos do Poder Executivo quando no controle absoluto das
receitas/despesas públicas.
06. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário.19ª Ed. São
Paulo: Atlas, 2010
PASCOAL, Valdecir Fernandes. Direito financeiro e controle
externo. 9ª Ed. São Paulo: Método, 2015.
PISCITELLI, Tathiane. Direito financeiro esquematizado. 4ª
Ed. São Paulo: Método, 2014.
SCAFF, Facury Fernando. Surge o orçamento impositivo à
brasileira pela Emenda Constitucional 86. Disponível em:
http://www.conjur.com.br/2015-mar-24/contas-vista-surge-
orcamento-impositivo-brasileira-ec-86. Acessado em: 29 de janeiro
de 2016.
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e
tributário. 17ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010
NOTAS:
[1] TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 17ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, pág. 171.
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[2] PASCOAL, Valdecir Fernandes. Direito financeiro e controle externo. 9ª Ed. São Paulo: Método, 2015, pág. 18.
[3] Idem.
[4] PISCITELLI, Tathiane. Direito financeiro esquematizado. 4ª Ed. São Paulo: Método, 2014, pág. 47.
[5] STF; ADI 1050 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 21/09/1994, DJ 23-04-2004 PP-00006 EMENT VOL-02148-02 PP-00235 RTJ VOL-00191-02 PP-00412.
[6] PASCOAL, Valdecir Fernandes. Direito financeiro e controle externo. 9ª Ed. São Paulo: Método, 2015, pág. 19.
[7] HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. 19ª Ed. São Paulo: Atlas, 2010, pág. 60.
[8] STF, RE 34581, Relator(a): Min. CÂNDIDO MOTTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 10/10/1957, DJ 05-12-1957 PP-***** EMENT VOL-00325-01 PP-00246.
[9] STF, RE 75908, Relator(a): Min. OSWALDO TRIGUEIRO, Primeira Turma, julgado em 08/06/1973, DJ 10-08-1973 PP-05613 EMENT VOL-00916-02 PP-00547.
[10] PISCITELLI, Tathiane. Direito financeiro esquematizado. 4ª Ed. São Paulo: Método, 2014, pág. 58.
[11] PASCOAL, Valdecir Fernandes. Direito financeiro e controle externo. 9ª Ed. São Paulo: Método, 2015, pág. 22.
[12] SCAFF, Facury Fernando. Surge o orçamento impositivo à brasileira pela Emenda Constitucional 86. Disponível em:http://www.conjur.com.br/2015-mar-24/contas-vista-surge-orcamento-impositivo-brasileira-ec-86. Acessado em: 29 de janeiro de 2016.
[13] Idem.
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MOVIMENTOS SOCIAIS COMO FONTE DE EMANCIPAÇÃO DE
DIREITOS E DEMOCRACIA PARTICIPATIVA
LAON OLIVEIRA DE MACEDO CANUTO DOS SANTOS: Formando em Direito pela Faculdade AGES.
RESUMO: Este artigo vem por elaborar uma breve evolução
histórica dos movimentos sociais, com foco principal nas influencias
desses no cenário nacional brasileiro, não deixando de ressaltar a
Revolução Francesa, que posteriormente trouxe princípios que hoje
são bases de nosso ordenamento, e por fim trazemos as discussão
das influencias dos movimentos sociais ocorridos no passado, como
o movimento trabalhista, e a proteção dos sindicatos para os
mesmos, e as conquistas alcançadas diante da Consolidação das
Leis Trabalhistas em 1º de maio de 1993. Defende-se aqui uma
democracia voltada à participação cada vez mais efetiva da
sociedade frente a discussão de direitos referentes a mesma.
Palavras-chave: movimentos sociais; sindicatos; ideologia;
participação; sociedade; conquista de direitos; politica.
INTRODUÇÃO
O presente artigo foi elaborado em várias etapas, embasado
em livros, recorrendo também a sítios da internet acessados, onde
se encontrou artigos científicos que contribuíram para a realização
desta presente obra.
Com a Declaração dos direitos do homem e do cidadão em
1789, podemos nos certificar de que claramente, a finalidade da
mesma, era proteger os direitos do homem contra as ações do
Governo, limitar o legislador e o executivo em suas funções, que
deveriam a partir de agora respeitar e não transgredir a Declaração.
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Esses acontecimentos na Europa impulsionaram no Brasil,
em 1888, os movimentos em detrimento da escravidão no país, que
teve sua declaração assinada pela princesa Isabel, no mesmo ano,
a chamada Lei Áurea.
Deu-se então, o primeiro “pontapé” da instauração dos
direitos fundamentais no Brasil, com a abolição da escravatura, veio
os direitos chamados de primeira geração, os de Liberdades,
posteriormente, com as necessidades sociais, vieram os de
segunda geração e seguintes.
O conceito de movimento social refere-se à mobilização
organizada por pessoas da sociedade, que buscam provocar
alterações, mudanças no cenário social, que em um contexto
específico de uma sociedade específica, precisa sofrer mudanças,
estas que serão travadas em forma de embate político, seria a luta,
propriamente dita, em face a uma forma de governo considerado
pela sociedade que oferece prejuízos à mesma.
Dar-se ainda a nomenclatura de movimentos sociais, por
conta de se tratar de uma mobilização realizada por aglomerado de
pessoas distintas, reunidas e organizadas para a resolução de
problemas que têm em comum, relacionadas à direitos, procurando
fazer mudanças, ou se impor a uma.
No Brasil, com o advento da Ditadura Militar, principalmente
no que tange ao Golpe de 64, e nas décadas de 70 e 80, os
movimentos sociais começaram a transbordar com maior ênfase na
sociedade brasileira, com enfoque no que diz respeito às
arbitrariedades do autoritarismo existente nesta época, a luta por
uma democracia, liberdade de locomoção, expressão e demais,
foram principais fatores impulsores para os mais marcantes
movimentos sociais da história do Brasil.
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Nos livros de História do Brasil, ver-se muito o que aqui se
fala, e inclusive são elencados várias formas e tipos de movimentos
sociais, tais como o movimento feminista que oscilaram
principalmente entre as décadas de 30 à 60, o movimento
estudantil, que apesar de haver registro desde 1710, só tomou
destaque na década de 30, dentre outros tipos de movimentos.
Em toda as histórias dos movimentos sociais, não só no
Brasil, como também no mundo, o embate político é a
personificação de cada um deles, uma vez que trava-se este através
lutas por direitos, sejam individuais de uma coletividade ou coletivos
propriamente ditos, como o direito dos trabalhadores.
Na época do militarismo no Brasil, não se discutia, por
advento do Regime Ditatorial, a emancipação de direitos sociais,
mas naquele cenário observava-se a supressão dos direitos
coletivos, hoje existentes, frente a um poder soberano esmagador
às diversas classes sociais, principalmente a classe pobre da
sociedade.
O período de trevas do regime militar foi marcado ainda por
normas e decretos chamados de Atos Institucionais, que davam
legitimidade e legalidade para os militares usarem da truculência, e
supressão de direitos para com a sociedade, dando-os legalidade
para o domínio militar, estando inclusive acima do que estava
disposto na Constituição da época. Eram Atos elaborados pelos
militares, com aval do Conselho de Segurança Nacional do país.
Desde essa época existiam os entraves e embates políticos
que deram forças e marcaram os movimentos sócias no Brasil, que
abraçados por uma ideologia e participação popular, tinham forças
para resistir às adversidades da obscuridade do militarismo
opressor da sociedade, que se encontrava fragilizada naquele
cenário.
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A década de 90, por sua vez, ficou marcada como período da
“privataria”, representada no governo de Fernando Henrique
Cardoso, que deram privilégio às elites e capital privado
internacional, tornando falido o sistema estatal, causando então o
desfavorecimento da classe trabalhadora do país, ocasionada pela
ausência de diálogos juntos aos movimentos sociais.
Os movimentos sociais são as formas mais eficazes de
legitimar um desejo social e promover mudanças, ou agindo contra
uma, em prol do beneficio da sociedade, que observando às
adversidades se mobilizam em coletividade organizada.
MOVIMENTOS SOCIAIS NA ÉGIDE DE MELUCCI E GOHN
Tem-se movimentos sociais vistos como a ações coletivas,
sejam de caráter político, social e cultural, na qual a sociedade, de
forma organizada, expressa seus pensamentos, vontades e
reinvindicações distintas. O que se nota na atualidade é o fato de
eles ocorrerem principalmente por meios de aparatos tecnológicos,
tais como as redes sociais, que os proporciona interação com
diversas camadas sociais não só do Brasil, mas também do mundo,
através da internet.
Lüchmann (2006) aponta que para Melucci, os movimentos
sociais são capazes de profetizar acerca do presente, deixa
transparecer possibilidade de mudança em um cenário de tempo
presente, pois é este tempo que se discute em um movimento
social, sua essência está na inconformidade com ele. Diz ainda que
“obrigam o poder a tornar-se visível e lhe dão, assim, forma de rosto.
Falam uma língua que parece unicamente deles, mas dizem alguma
coisa que os transcende e, deste modo, falam para todos”.
(LÜCHMANN apud MELLUCCI, 2006, p. 400).
Os movimentos sociais vão trazer propostas inovadoras, pois
com base na observância da realidade que se encontra a
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sociedade, aponta os problemas, e são capazes de apresentar
soluções. Gohn (2011) coloca que estes movimentos lutam
principalmente pela inclusão social e dão conotações a atores da
sociedade civil organizada para a atuação em rede.
Tanto para Melucci (1989) e Gohn (2011), os movimentos
sociais da década de 80 e os atuais, construíram e constroem
representação simbólica para grupos que desprovidos de
organização e forma dispersa, criam uma identidade, que irão lutar
contra o opositor, fundamentando-se na apresentação de um
projeto social ideal à realidade.
Os conflitos sociais saem do tradicional sistema
econômico industrial para as áreas culturais:
eles afetam a identidade pessoal, o tempo e o
espaço na vida cotidiana, a motivação e os
padrões culturais da ação individual. Os conflitos
revelam uma mudança maior na estrutura dos
sistemas complexos e novas contradições
aparecem, afetando sua lógica fundamental. Por
um lado, sistemas altamente diferenciados
produzem cada vez mais e distribuem recursos
pela individualização, pela auto-realização, por
uma construção autônoma das identidades
pessoais e coletivas. [...]
Por outro lado, estes sistemas precisam cada
vez mais de integração, eles têm de estender
seu controle sobre os mesmos recursos
fundamentais que permitem seu funcionamento,
se quiserem sobreviver. (MELUCCI, 1989, p.
58.)
A atividade coletiva é apontada por Melucci como a
combinação das diversas orientações e ideais, que envolvem uma
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multiplicidade de atores que dão oportunidades e vínculos
possibilitando as suas relações.
os movimentos sociais, nas sociedades
complexas, são redes de ações que desenham
uma estrutura submersa, um mosaico formado
por indivíduos e grupos que, em estado de
latência, gestionam, no cotidiano, as lutas,
reflexões e os questionamentos acerca da
realidade social. A visibilidade ocorre nas
ocasiões de mobilizações coletivas que trazem à
esfera pública, a partir de manifestações,
protestos, encontros, eventos, a condensação,
socialização, os conflitos e recriações deste
mundo latente. (LÜCHMANN, 2006, p. 401)
Para o autor, se configura em movimento social as ações de
caráter coletivo na qual seu direcionamento de ideal é colocado no
rol da solidariedade, com capacidade para se manifestar acerca de
determinados conflitos e romper a realidade observada a qual traz
inconformismo e se direciona.
Dar-se conotação de conflito de posicionamentos por se tratar
de movimentos sócias que estão diretamente ligados à politica, a
partir do momento que um sistema politico, uma realidade e
condição social adotada em determinadas sociedades se encontra
em detrimento dos princípios de liberdade, dignidade e igualdade,
que são ainda princípios universais, advindos da Revolução
Francesa, a mobilidade social será fator de insurgência contra a
adversidade, com capacidade de quebrar e promover alterações no
âmbito social.
Para Gohn o cenário contemporâneo apresenta um ideal em
almeja cada vez mais o desenvolvimento e construção da real
democracia social, em suas palavras:
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suas ações são pela sustentabilidade, e não
apenas autodesenvolvimento. Lutam contra a
exclusão, por novas culturas políticas de
inclusão. Lutam pelo reconhecimento da
diversidade cultural. Questões como a diferença
e a multiculturalidade têm sido incorporadas para
a construção da própria identidade dos
movimentos. Há neles uma ressignificação dos
ideais clássicos de igualdade, fraternidade e
liberdade. A igualdade é ressignificada com a
tematização da justiça social; a fraternidade se
retraduz em solidariedade; a liberdade associa-
se ao princípio da autonomia – da constituição
do sujeito, não individual, mas autonomia de
inserção na sociedade, de inclusão social, de
autodeterminação com soberania. Finalmente,
os movimentos sociais tematizam e redefinem a
esfera pública, realizam parcerias com outras
entidades da sociedade civil e política, têm
grande poder de controle social e constroem
modelos de inovações sociais. (GOHN, 2011, p.
337)
Os movimentos sociais da contemporaneidade não se
prendem a fatores ocorridos no passado, “a vida só pode ser
compreendida se olharmos para trás, mas deve ser vivida para
frente”. Baggini, apud Soren Kierkegaard, Diários (2008, p. 29), mas
se fortalecem a cada momento, pois são realizados em
oportunidades diferentes, de uma adversa realidade, que tomaram
força sim com o passar dos anos, suas maiores conotações
principalmente nos anos de 1970 e 1980, mas que decorre cada um
das ocasiões diversas na sociedade.
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Se observarmos a história dos movimentos sociais no Brasil
e compararmos com a obra de Thomas More, Utopia, veremos que
mesmo se tratando de uma sociedade que defende a paz acima de
tudo, os utopianos são extremamente indiferentes às guerras. Para
eles a guerra só se justifica quando se trata da defesa de interesses
coletivos, o bem da humanidade e não por motivos quaisquer.
Apesar de não defenderem a prática de guerras, seus cidadãos,
tanto homens quanto mulheres são obrigados a ter uma disciplina
militar e utilizá-la quando se fizer necessário.
Os utopianos abominam a guerra como uma
coisa puramente animal e que o homem, no
entanto, pratica mais freqüentemente do que
qualquer espécie de animal feroz.
Contrariamente aos costumes de quase todas as
nações, nada existe de tão vergonhoso na
Utopia como procurar a glória nos campos de
batalha. (MORE,2000, p. 160)
Mas os utopianos não fazem a guerra sem
graves motivos. Só a empreendem para
defender suas fronteiras ou repelir uma invasão
inimiga nas terras de seus aliados, ou ainda para
libertar da escravidão e do jugo de um tirano um
povo oprimido. Neste caso, não consultam os
seus interesses; vêm apenas o bem da
humanidade. (MORE, 2000, p. 160)
Utopia, no entanto, apresenta características de um mundo
socialista. É o lugar dos sonhos, onde não há propriedade privada,
não há discriminação, todos são considerados iguais, não havendo
inclusive diferenças entre as línguas e cultura, diferentemente do
que se fora encontrado em todo o cenário histórico e
contemporâneo brasileiro.
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MOVIMENTO SOCIAL COMO FUNDAMENTO DA
DEMOCRACIA PARTICIPATIVA
Como dito em momentos anteriores, os movimentos sociais
tomaram maior destaque e conotação no cenário nacional nas
décadas de 70 e 80, quando esses começaram a influenciar e incidir
diretamente no meio politico e na conquista do devido
reconhecimento da sociedade, passando a ter maior participação
na esfera publica, com intuito de tornar a própria sociedade capaz
de discutir os problemas sociais, não somente àqueles que
detinham o poder de cima para baixo (classes elitizadas e
representantes políticos). A partir de então ocorreu que os
movimentos sociais quebraram o paradigma e ideia de que somente
a potencia do poder politico e da classe dominante brasileira podiam
influenciar em possíveis mudanças sociais, pois estes movimentos,
por se debruçarem em defesa das classes mais desfevorecidas,
principalmente pelas condições econômicas, e que se encontravam
suprimidas frente aos interesses da elite social, movidos juntos por
uma ideologia, tomam intensa conotação, e representação frente ao
poder público. Para Marilena Chauí , observando as ideias de Marx,
Ideologia não é um processo subjetivo
consciente, mas um fenômeno objetivo e
subjetivo involuntário produzido pelas condições
objetivas da existência social dos indivíduos.
Ora, a partir do momento em que a relação do
indivíduo com sua classe é a da submissão a
condições de vidas de trabalho prefixadas, essa
submissão faz com que cada indivíduo não
possa reconhecer como fazedor de sua própria
classe. Ou seja, os indivíduos não podem
perceber que a realidade da classe decorre da
atividade de seus membros (CHAUÍ, 2012, p.
86).
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A mudança deve ocorrer primeiramente nas classes sociais
que são prejudicadas com a realidade em que vive, pois todo
movimento decorre de uma inercia dentro de si próprio decorre do
princípio filosófico do questionamento, observação da realidade e
indaga-la, como se pode observar no trecho da obra A essência da
Constituição, do autor Lassalle (2008), ao demonstrar um dos
segmentos das essências das constituições no tempo por meio do
movimento da burguesia: Então a população burguesa grita: Não
posso continuar a ser uma massa submetida e governada sem
contarem com a minha vontade; quero governar também e que o
príncipe reine limitando-se a seguir a minha vontade e regendo
meus assuntos e interesses.
Há de se entender que o meio, a esfera publica é a área de
atuação da sociedade, dos cidadãos em si, independente de cor,
raça, credo, e sem distinção de classes, pois são deles que deriva
toda a esfera pública. Os movimentos sociais tornam os cidadãos
capazes de discutir os problemas e necessidades sociais com maior
eficácia e observância pelo poder publico, pois com a participação
os movimentos sócias tomam maior notoriedade, neste sentido
coloca Bordenave que a participação é algo intrínseco do ser
humano, constituindo direito das pessoas, em suas palavras:
O ser humano possui certas necessidades
óbvias, como o alimento, o sono e a saúde. Mas
também possui necessidades não óbvias como
o pensamento reflexivo, a autovaloração,
autoexpressão e a participação que compreende
as anteriores. Privar o homem de satisfazerem
essas necessidades é equivalente a mutilar o
desenvolvimento harmônico de sua
personalidade integral. (BORDENAVE, 1994, p.
76)
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A participação esta na ordem do dia devido ao
descontentamento geral com a marginalização
do povo dos assuntos que interessam a todos e
que são dedicados por poucos. O entusiasmo
pela participação vem das contribuições
positivas que ela oferece. (BORDENAVE, 1994,
p. 12)
A autonomia dos cidadãos é alcançada por meio da
participação destes na política, neste ponto tem-se possibilidade de
tornar cada vez mais evoluída e emancipada a sociedade, neste
sentido leciona Maria Glória Gohn (2003) que a coletividade, por
meio da participação, desenvolve no cidadão o pensamento crítico
para o cenário político, capaz de dar nova conotação a este, pois a
participação da respaldo a um movimento social ora necessário,
caracterizando ainda uma democracia onde as classes sociais que
estavam à margem desta, possa vir participar da mesma, deixando
de lado a ideia de que somente as classes elitizadas participavam
da democracia, e os cidadãos agora passam a ser também
responsáveis pela construção democrática.
O MOVIMENTO TRABALHISTA E O SINDICALISMO NO
BRASIL
O que impulsionou o sindicalismo no Brasil foram as
transformações econômicas decorrentes da agro exportação
cafeeira nos derradeiros anos do século XIX. Em meados de 1858,
no Rio de Janeiro acontece a primeira greve, reivindicando
melhorias à classe que se via passar por injustiças. A partir dos
adventos das greves, deu-se início a um estudo mais aprofundado
e mais notório a favor das organizações das classes trabalhadoras
da época. A partir de então, a busca e conquista de direitos que os
trabalhadores entendiam serem legítimos, e tidos como
fundamentais no trabalho, fez surgir os primeiros sindicatos, com
intuito de unificar forças em prol da coletividade laboral.
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Em 1943, depois de vários movimentos em todo mundo,
realizado pela classe trabalhadora, onde buscava-se garantir aos
trabalhadores o reconhecimento de seus direitos é então
sancionada pelo Presidente Getúlio Vargas, o Decreto Lei Nº 5.452,
de 1 de maio de 1943. A Consolidação das Leis do Trabalho tem
como finalidade a unificação de toda a legislação trabalhista
existente no Brasil. Aqui já se verifica a organização da classe
trabalhadora, criando seus sindicatos ou mesmo associações, que
em outrora eram tidos como perturbadores e marginais. Pois bem,
com a organização da categoria os patrões passaram a ter que se
enquadrar aos ditames da legislação.
Diante do Decreto Lei 5.452/43, a classe operaria ganha força
e consegue manter-se organizada para a busca de novas garantias.
Entendendo que no sindicato estava a solução para a maioria dos
problemas, pois era nele que a categoria se organizava e deixavam
de ser apenas trabalhadores, saindo do individualismo e passando
para a unidade, ganharam força, pois passavam então a serem
formadores também de opiniões e responsáveis direto pelo rumo do
país, ganhando assim ainda mais força.
Como esclarece o ilustre Altamiro Borges (2005), em sua obra
Encruzilhadas do Sindicalismo, as lutas sindicais já existentes no
Brasil, em sua história, nos mostra que a união dos trabalhadores,
em sua organização e estrutura, direciona os debates relativos ao
sindicalismo no Brasil desde os primórdios. Desde o início do século
XX, quando surgiu as primeiras entidades sindicais, cada vez mais
os trabalhadores são conscientes de que a classe que o representa,
desde que detenha de autonomia e organizações próprias, é de
fundamental relevância para resistir à dominação do capital e ao
depotismo.
Diante de todas as batalhas travadas entre empregado e
empregador, destaca-se hoje o reflexo da organização sindical, pois
os trabalhadores encontram-se representado nas três esferas,
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sendo municípios, estados e união, respectivamente representados
pelos sindicatos de base em seus municípios ou empresas,
federações em estados, e confederações em nível de País.
Superada a fase de organização e reconhecimento da categoria,
busca-se a efetividade de igualdade conforme preceitua o art. 7°,
inc. IV da CF/88 vejamos:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e
rurais, além de outros que visem à melhoria de
sua condição social:IV - salário mínimo, fixado
em lei, nacionalmente unificado, capaz de
atender a suas necessidades vitais básicas e
às de sua família com moradia, alimentação,
educação, saúde, lazer, vestuário, higiene,
transporte e previdência social, com
reajustes periódicos que lhe preservem o
poder aquisitivo, sendo vedada sua
vinculação para qualquer fim.
O texto constitucional é mesmo muito rico, ao se tratar de
teoria, para tanto na prática não se verifica isso, afinal existem em
vários lugares trabalhadores sendo ainda humilhados e ganhando
até mesmo menos que um salário mínimo. Daí surge em muitas das
vezes a busca na justiça pelo reconhecimento e garantias de alguns
direitos. Para tanto, mesmo com todas as determinações
constitucionais e Leis que regulamentam a nossa convivência,
verifica-se que o poder aquisitivo é um diferencial neste
emaranhado de normas. Coloca Cristovam Buarque (2012) que não
se deve ficar então parados diante das adversidades encontradas
na realidade, deve-se observa-la e tomar uma atitude com relação
ao que se fora pensado, que deve-se reagir toda vez que se fora
apresentada uma estrutura social que condena os seres humanos
à miséria do desemprego capaz de deixa-los desprovidos dos bens
mais essenciais, tais como alimentos e vestes, coloca também
como miséria, o excesso de trabalho para financiar consumos
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desnecessários, reagir ainda contra a escravidão, que em pleno
século XXI paira na realidade social, de forma camuflada, as
chamadas algemas modernas.
Não se pode admitir, que em um Estado democrático de
direito propriamente dito, ainda existam mazelas que possam
colocar a divisão de classes como fator determinante para a
conquista de direitos e emancipação social. Neste sentido, as
instituições de movimentos sociais, sejam elas relacionadas ao
movimento feminista, estudantil, antimanicomial, trabalhista, dentre
outros, procuram resguardar àqueles que por motivos culturais
históricos e econômicos, estão inseridos na seara das classes que
estão de certa forma, prejudicadas frente a outras, como por
exemplo, a condição de hipossuficiência do empregado frente ao
empregador.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando se fala de conquistas de direitos, não dá para fugir
das ideias revolucionárias que aconteceram em todo o mundo,
principalmente no que diz respeito a Revolução Francesa, pelos
ideais de Liberdade, Igualdade, e Fraternidade, que hoje são
princípios da Constituição da Republica Federativa do Brasil de
1988, todas as emancipações de direito, principalmente no que
tange os direitos sociais, derivam de grandes batalhas e
movimentos realizados no mundo, e no Brasil, dependendo cada
um da especificidade de cada sociedade.
É inconteste que as lutas dos movimentos sociais atribuíram
evolução significativa perante toda a sociedade, ainda que o
caminho tenha sido, e é trilhado a passos curtos, uma conquista por
vez, por cada entrave encontrado no caminho da luta por ideais e
melhorias coletivas e individuais, pois a coletividade atinge
diretamente a individualidade.
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Sabe-se ainda que um movimento social não se prende
somente a visão robótica de mobilização urbana, mas também,
como apontado neste trabalho, por meio da rede de internet, e esta
é uma realidade mais visível no Brasil, que também não deixou de
lado a mobilidade urbana, como se pode observar no período da
Copa do Mundo no Brasil no ano de 2014, na qual manifestantes
saíram às ruas para protestar contra o evento.
Percebe-se que cada vez mais, a sociedade como um todo,
diante de uma adversidade sofrida, e o sentimento de insegurança
diante das propostas apresentadas, se mobiliza, seja por quaisquer
meio, a respeito dos assuntos, e isso nunca pode deixar se perder
no tempo, muito pelo contrario, seu aprimoramento deve ser cada
vez mais trabalhado.
Portanto, é de grande relevância e importância que a
democracia tenha caráter participativo, os cidadãos como
componentes e formadores de uma sociedade devem sim apontar
programas de melhorias, mudanças ou contrapor a uma que possa
trazer algum tipo de desfavorecimentos por meio da divisão de
classes, não existe mudanças e melhorias sem que haja uma
inercia, e essa deve partir da própria sociedade que esta na linha
de frente dos efeitos de quaisquer decisão tomada por seus
representantes, não existe conquista sem lutas, e nem lutas sem
um ideal que as impulsionem.
REFERÊNCIAS
BAGGINI, Julian. Pra que serve tudo isso? A filosofia e o
sentido da vida, de Platão a Monty Python. Trad. Cristiano
Botafogo. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
BORDENAVE, Juan E. Díaz. O que é participação. São Paulo:
Editora Brasiliense, 1994.
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BORGES, Altamiro. Encruzilhadas do Sindicalismo. São
Paulo: Anita Garibaldi, 2005.
BUARQUE, Cristovam. Reaja. Rio de Janeiro: Garamond,
2012.
CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. São Paulo: Editora
Brasiliense, 2012.
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ASPECTOS DO DESENHO INDUSTRIAL E O MERCADO DE INSTRUMENTOS
MUSICAIS: O CASO DA FENDER STRATOCASTER
MARCIO WINICIUS VIEIRA DE MORAES
MARANHÃO: Bacharel em Direito pela UFPE/ Faculdade
de Direito do Recife. Pós-Graduado em Direito
Constitucional pela Universidade Anhanguera-Uniderp.
Técnico Judiciário e Assessor de Magistrado no Tribunal de
Justiça de Pernambuco
Resumo: O presente trabalho tem por intuito (i) realizar uma abordagem do
desenho industrial (design) à luz da doutrina tradicional em matéria de
propriedade intelectual e da disciplina legal no ordenamento pátrio (Lei n°
9.279/96 – Lei de Propriedade Industrial) e (ii) ilustrar a temática com um caso
real ocorrido no mercado nacional de instrumentos musicais, cuja análise
proporcionará (iii) uma verificação, na prática, da existência (ou não) dos
requisitos para a registrabilidade do desenho industrial, notadamente a novidade
e a originalidade, e do alcance dos direitos sobre um design já muito reproduzido
(design vulgarizado).
Palavras-chave: Desenho industrial, design, propriedade industrial, Lei n°
9.279/96, registrabilidade, novidade, originalidade, design vulgarizado.
1. Introdução: o desenho industrial
O desenho industrial (ou design) é um dos quatro bens da propriedade
industrial, ao lado das invenções, modelos de utilidade e marcas. O direito
industrial é o ramo do direito da propriedade intelectual que disciplina e protege
o interesse dos inventores, designers e empresários na exploração comercial
desses bens. A outra espécie de propriedade intelectual é formada pelos direitos
autorais, que protegem o interesse dos criadores de escritos (trabalhos científicos,
textos literários, letras de músicas); pinturas, esculturas e músicas (obras de arte,
em geral); projetos arquitetônicos e programas de computador (softwares); em
relação aos direitos morais e econômicos decorrentes da sua criação.
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O desenho industrial pode ser definido como uma alteração aplicada à
forma dos objetos1. A Lei de Propriedade Industrial vigente (LPI - Lei n°
9.279/96) o define, no art. 95, como a forma plástica ornamental de um objeto ou
o conjunto ornamental de linhas e cores que possa ser aplicado a um produto,
proporcionando resultado visual novo e original na sua configuração externa e
que possa servir de tipo de fabricação industrial.
Da definição legal podemos identificar os principais aspectos do desenho
industrial.
O primeiro deles é o aspecto plástico (estético ou ornamental) da
alteração implementada no objeto, em sua configuração externa. Assim, a
aplicação ou alteração do design em determinado objeto não altera ou aumenta
as suas utilidades. Desta feita, é clara a diferenciação do desenho industrial para
com a invenção ou o modelo de utilidade. A característica daquele é, portanto, a
futilidade (ante a ausência de utilidade)2.
O segundo aspecto é a aproximação do design com a obra de arte.
Com efeito, ambos se configuram numa criação meramente estética. Como bem
pontua Fábio Ulhoa Coelho, “tanto o designer como o artista não contribuem para
o aumento das utilidades que um homem pode esperar dos objetos”, dai o
chamado “traço comum de futilidade”3. A diferença, entretanto, está na função
principal que os objetos em que são aplicados os desenhos industriais têm. Uma
cadeira, um instrumento musical, um aparelho celular ou um automóvel podem
ser objeto da aplicação de um design, que não alterará as suas funcionalidades.
Entretanto, tais produtos ainda preservam uma utilidade funcional própria
(utilidade principal), diferentemente da obra de arte, que detém apenas a utilidade
1 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito Comercial, volume 1, direito de empresa. 13.
ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 138.
2 Idem.
3 Ibidem, p. 147.
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estética. Não sem razão, a Lei de Propriedade Industrial, no art. 95, acima
reproduzido, define o desenho industrial como “o conjunto ornamental de linhas
e cores que possa ser aplicado a um produto [...] e que possa servir de tipo
de fabricação industrial”. Assim, o design deve (i) ser aplicável a um produto e
(ii) servir para a fabricação industrial. Dessa forma, a mesma lei, no art. 98, dispõe:
“Não se considera desenho industrial qualquer obra de caráter puramente
artístico”, excluindo da proteção obtida com o registro de desenho industrial as
obras de arte, que normalmente são únicas, não sendo reproduzidas em escala
industrial4.
O terceiro aspecto a ser analisado são os requisitos para o registro do
desenho industrial. No Brasil, este registro é feito pelo Instituto Nacional da
Propriedade Industrial – INPI (LPI, art. 94), e tem natureza constitutiva. A partir
da expedição do certificado de registro, o ato administrativo de concessão do
direito de propriedade industrial, é que o titular do design terá exclusividade para
explorá-lo. Não é titular de qualquer direito aquele que prove haver desenvolvido
o desenho industrial, mas que não tenha efetuado ao menos o pedido de registro.
Dai resulta a eficácia constitutiva deste5.
2. Desenvolvimento
2.1. Requisitos para o registro do desenho industrial
O referido art. 95 da Lei de Propriedade Industrial (LPI - Lei n° 9.279/96),
ao definir o desenho industrial, já traz os dois principais requisitos para o registro
deste, ao dispor que o design deve proporcionar “resultado visual novo e original”
à configuração externa de um produto. Trata-se, portanto, dos requisitos da
novidade e da originalidade.
4 IDS – Instituto Dannemann Siemsen de Estudos de Propriedade Intelectual. Comentários
à lei de propriedade industrial. Edição revista e atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2005,
p. 173.
5 COELHO, ob. cit. p. 144.
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Novo é o desenho industrial não compreendido do estado da técnica
(LPI, art. 96). Este pode ser definida como o conjunto de conhecimentos,
resultante das observações e estudos6, existente até dado momento. Assim, a
LPI, art. 96, § 1°, dispõe que o estado da técnica é constituído por tudo aquilo
tornado acessível ao público antes da data de depósito do pedido, no Brasil ou no
exterior, por uso ou qualquer outro meio. O desenho industrial compreendido em
pedido de registro depositado e ainda não concedido ou publicado também integra
o estado da técnica para fins de aferição da novidade (LPI, art. 96, § 2°).
Dessa forma, se o desenho apresentar diferenças dos outros, até então
compreendidos no estado da técnica, será considerado novo7. Há, no entanto, de
se verificar se também tem originalidade.
Original é o desenho que apresente configuração visual distintiva em
relação aos objetos anteriores (LPI, art. 97). Assim, além de diferente (novo), o
desenho industrial deve possuir características peculiares8 que o proporcione
não ser confundido com objetos já conhecidos9 quando comparados
visualmente. O design também pode ser resultado da combinação de elementos
já conhecidos (LPI, art. 97, parágrafo único), desde que possua aquela
configuração visual suficientemente distintiva.
Há ainda um terceiro requisito para o registro do desenho industrial no
Brasil, chamado de desimpedimento, pois o design que se pretende registrar
não pode incidir em três proibições que constam da Lei de Propriedade Industrial:
1. Não ter o desenho caráter puramente artístico (LPI, art 98);
6 Ibidem. p. 157.
7 IDS – Instituto Dannemann Siemsen de Estudos de Propriedade Intelectual. Ob.
cit. p. 175.
8 COELHO, ob. cit. p. 157.
9 IDS – Instituto Dannemann Siemsen de Estudos de Propriedade Intelectual. Ob.
cit. p. 176.
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2. Não ser contrário à moral e aos bons costumes ou ofender a honra ou
imagem de pessoas, ou atentar contra liberdade de consciência, crença,
culto religioso ou ideia e sentimentos dignos de respeito e veneração (LPI,
art. 100, I);
3. Não ter a forma necessária comum ou vulgar do objeto ou, ainda, aquela
determinada essencialmente por considerações técnicas ou funcionais
(LPI, art. 100, II).
A primeira dessas proibições já foi analisada anteriormente. A segunda
pode ser definida como uma cláusula geral de adequação social do desenho
industrial que se pretenda registrar. A terceira, em consonância com os requisitos
da novidade e originalidade, requer do designer uma atividade criativa, pois se o
objeto tem uma aparência vulgar ou determinada pelas configurações técnicas
daquele tipo de produto, significa dizer que não lhe foi aplicado nenhum desenho,
ou que este não é original.
Como exposto, a concessão do registro pelo INPI constitui para o titular
do desenho industrial os direitos exclusivos para a sua exploração
econômica. Quem se utilizar do design sem a licença de seu titular estará sujeito
a responder civil e criminalmente, visto que a LPI, nos arts. 187 e 188, define os
crimes contra os desenhos industriais, punidos com penas de detenção que
vão de três meses a três anos, ou multa.
A proteção máxima concedida pelo registro de desenho industrial é de 25
(vinte e cinco) anos (prazo inicial de dez anos, prorrogável por até mais três
períodos sucessivos de cinco anos cada, segundo a LPI, art. 108, caput).
Após a exposição desses aspectos introdutórios do desenho industrial,
passamos a tratar de um caso prático, oportunidade em que será possível verificar
a influência daqueles requisitos para a registrabilidade do desenho original.
2.2. O caso da Fender Stratocaster
Figura 1 – Guitarras Fender modelo Stratocaster
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Fonte: site www.fender.com.br10
A Stratocaster (figura acima) é um modelo que guitarra criado em 1954
por Leo Fender, fundador da Fender Musical Instruments Corporation
(popularmente conhecida como “Fender”), empresa norte-americana fabricante
de instrumentos musicais e uma das líderes deste mercado em todo o mundo.
Tal modelo de guitarra popularizou-se de tal forma, logo nas primeiras
décadas após sua introdução no mercado, que passou a ser produzido por outros
fabricantes de instrumentos musicais em todo o mundo, sem a licença da Fender.
Figura 2 – Guitarra Giannini modelo Stratosonic
10 Disponível em: <www.fender.com.br> Acesso em mai. 2013.
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Fonte: Blog guitarrasdeumstrateiro.blogspot.com.br11
No Brasil, pelo menos desde a década de 1970, são produzidas e
comercializadas pelas empresas nacionais guitarras idênticas à Fender
Stratocaster. No ano de 1973 já estava disponível nos catálogos da Giannini, o
modelo “Stratosonic” (Figura 2).
Figura 3 – Guitarra Shelter modelo SX SST-62
11 Disponível em <http://guitarrasdeumstrateiro.blogspot.com.br/2015/07/giannini-
stratosonic-ae08-made-in.html> Acesso em jan. 2016.
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167 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142
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Fonte: site www.mundobends.com.br12
Nas décadas de 1990 e 2000, respectivamente, popularizaram-se os
modelos T 635 da Tagima e SX SST-62 da Shelter (Figura 3). Esta última,
inclusive, não só reproduzia fielmente o design da Stratocaster como prometia ser
uma réplica da Fender de 1962, guitarra clássica da fabricante norte-americana.
No ano de 2003 a Fender contatou diversas empresas fabricantes de
instrumentos musicais do Brasil e do exterior, manifestando a opinião de que
estas estariam infringindo seus direitos de propriedade intelectual ao produzir
guitarras e contrabaixos visualmente idênticos aos tradicionais modelos da
fabricante norte-americana. Assim, a Fender solicitou que tais empresas
procedessem a uma revisão dos designs de seus instrumentos. Em entrevista ao
jornal Áudio, Instrumentos & Mercado, no início do ano de 2004, Mark Molnau,
vice-presidente de vendas e marketing internacional da Fender afirmou que, até
então, todas as empresas nacionais fabricantes e/ou importadoras de
instrumentos musicais estavam cooperando com as solicitações da norte-
americana, não havendo sido necessário, portanto, o acionamento de nenhuma
daquelas na instância judcial13.
De fato, a partir de 2003, as guitarras comercializadas e distribuídas no
mercado brasileiro passaram a ostentar pequenas modificações nos seus
desenhos, notadamente os modelos que reproduziam a Fender Stratocaster,
conforme se vê das imagens a seguir.
Figura 4 – Guitarra Giannini modelo Stratosonic pós-2003
12 Disponível em < http://www.mundobends.com.br/wp-
content/uploads/2013/06/sx-sst62.jpg> Acesso em jan. 2016.
13 “FENDER PROTEGE A SUA MARCA”. Jornal ÁUDIO, INSTRUMENTOS &
MERCADO. Ed n° 10, Janeiro/Fevereiro de 2004. Disponível em
<http://forum.cifraclub.com.br/forum/2/41724/> Acesso em abr. 2013.
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Fonte: site http://freetura.com/14
O modelo Stratosonic da Giannini (Figura 4) foi modificado, apresentando
diminuição da área ocupada pelo escudo plástico na parte anterior do corpo da
guitarra.
Figura 5 – Guitarra Tagima modelo T 735
14 Disponível em <http://freetura.com/produto/giannini-stratosonic/#prettyPhoto>
Acesso em jan. 2016.
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Fonte: site www.tagima.com.br15
O modelo da Tagima (Figura 5) foi rebatizado de T 735, apresentando
uma reentrância mais acentuada no headstock16 do instrumento (à direita da
imagem), dando-lhe um formato de gancho, popularmente chamado pelos
guitarristas de “bico de papagaio”. Modificação semelhante foi implementada na
SX SST-62 e em muitas outras guitarras produzidas no brasil e na Ásia
(especialmente na China, Coréia do Sul e Indonésia).
As mudanças implementadas por tais fabricantes em seus instrumentos
são, evidentemente, muito sutis. Mas, ao que parece, foram suficientes para
atender aos pedidos da Fender no sentido da revisão dos desenhos.
Com a exposição deste caso prático é possível analisar mais detidamente
dois aspectos relativos ao desenho industrial.
2.3. A novidade e a originalidade dos modelos nacionais inspirados na
Fender Stratocaster
É possível dizer que os modelos acima expostos possuem desenhos
tecnicamente novos. Provavelmente não existiam, até o ano de 2003, no estado
da técnica, modelos de guitarras similares à Stratocaster, porém, com as descritas
secções e reentrâncias acentuadas. As mudanças identificadas são suficientes
para se dizer que não se trata do desenho tradicional da Stratocaster, conforme
concebido por Leo Fender em 1954.
Entretanto, tais diferenças não são suficientes para que não se possa
identificar tais modelos como imitações da Fender Stratocaster. Não há uma
configuração visual suficientemente distintiva naqueles desenhos que os
possibilite chamá-los de originais. Não há característica peculiar que distinga tais
designs do outro.
15 Disponível em < http://www.tagima.com.br/produtos/guitarra/T-735.php>
16 Parte mais externa do braço do instrumento, onde as cordas são presas às tarraxas. Em
português esta parte é chamada de “mão” do instrumento. Em geral, ostenta também a
marca do fabricante.
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O requisito da originalidade é exigido em vários sistemas de proteção à
propriedade industrial, estando previsto no Acordo TRIPs (em inglês: Agreement
on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights, em português: Acordo
sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao
Comércio), art. 25, 1, que dispõe: “[...] Os Membros poderão estabelecer que os
desenhos não serão novos ou originais se estes não diferirem significativamente
de desenhos conhecidos ou combinações de características de desenhos
conhecidos.[...]”
Com efeito, “a mera disparidade configura a novidade, mas é o
determinado grau de contribuição que se busca com a noção de originalidade”17.
Nesse sentido, vê-se o posicionamento da Segunda Turma Especializada do
Tribunal Regional Federal da 2ª Região:
DIREITO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL E PROCESSUAL
CIVIL. AGRAVO INTERPOSTO DE DECISÃO QUE
DETERMINOU A SUSPENSÃO DOS EFEITOS DE REGISTROS
DE DESENHO INDUSTRIAL REFERENTES A
"CONFIGURAÇÃO APLICADA A CABEÇA DE BONECO". I – O
equívoco na indicação do número do registro de desenho
industrial cuja suspensão foi determinada na decisão impugnada
em agravo não torna prejudicadas as suas razões, se, dos termos
da minuta desse recurso e do próprio pronunciamento judicial
agravado, pode-se depreender claramente qual o registro que é
verdadeiro objeto da discussão. II – Para que o desenho
industrial seja passível de registro, não é suficiente que a
formatação ornamental dada ao objeto se restrinja à mera
17 BARBOSA, Denis Borges Barbosa. Do requisito de originalidade nos desenhos
industriais: a perspectiva brasileira. P. 2. Disponível em
<http://www.denisbarbosa.addr.com/arquivos/novidades/do_requisito_ originalidade.pdf
> Acesso em abr. 2013.
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disparidade das dimensões lhe sejam comuns ou se limite a
alterações superficiais da configuração encontrada no
mercado, devendo para tanto ser dotada de um determinado
grau de inventividade estética capaz de resultar na efetiva
distinguibilidade da nova forma plástica se comparada a
produtos similares. III – Agravo desprovido.18
A aferição do requisito da originalidade do desenho industrial estaria,
então (a exemplo das outras modalidades de propriedade intelectual), permeada
pelo princípio do contributo mínimo. Segundo este, o titular do desenho
industrial, para merecer a concessão, por parte do Estado, da exclusividade na
exploração daquele design, deve prestar uma contribuição mínima à sociedade
e ao conhecimento comum: um mínimo de “densidade do novo”19. É na
originalidade que se reflete esse elemento mínimo de criação.
A originalidade do desenho industrial é examinada ante à aparência
global do objeto ou “impressão geral” que se tem dele, que deve destaca-lo
significativamente dos anteriores20. Assim, é possível falar num critério objetivo
para a aferição da originalidade: a um, porque embasado numa análise técnica
(objetiva), de um “analista hipotético” ao qual se atribui uma visão qualificada,
diferenciada em relação à do consumidor comum21. A dois, porque tal análise
18 Tribunal Regional Federal da 2ª Região. 2ª Turma Especializada. Agravo de
Instrumento n° 200702010094042. Rel. Des. Federal André Fontes. Julgado em
30/09/2008. Publicação DJU 10/10/2008, p. 239. Disponível em
<http://jurisprudencia.trf2.jus.br/v1/search?q=cache:xAa5UhDI9xYJ:www.trf2.com.br/id
x/trf2/ementas/%3Fprocesso%3D200702010094042%26CodDoc%3D193596+determina
do+grau+de+inventividade+est%C3%A9tica+capaz+&client=jurisprudencia&output=xm
l_no_dtd&proxystylesheet=jurisprudencia&lr=lang_pt&ie=UTF-
8&site=ementas&access=p&oe=UTF-8> Acesso em abr.2013 (Grifos nossos).
19 BARBOSA, Denis Borges Barbosa. Ob. cit. p. 1-3.
20 Ibidem, p. 45-46.
21 Idem.
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recai sobre o objeto em que é aplicado o design, e não sobre o seu autor, a sua
atividade ou qualquer outro aspecto subjetivo do processo de criação: a
originalidade deve ser apreciada em razão do resultado final, qual seja, o desenho
industrial aplicável a produto industrializado (ou industrializável).
De todas as considerações tecidas, conclui-se pela falta de originalidade
dos desenhos aplicados aos modelos nacionais e asiáticos de guitarras
“Stratocaster” analisados.
2.4. A Fender Stratocaster e o “design vulgarizado”
Como segundo aspecto do desenho industrial a ser analisado a partir do
caso prático abordado, temos a questão da originalidade do design da própria
Fender Stratocaster, nos dias atuais, ante o que se chama de “design
vulgarizado”.
Tem-se a vulgarização como forma (muito comum) de se perder a plena
exclusividade sobre um desenho, por fatos alheios à vontade do seu titular22.
Segundo Marcelo Goyanez, designs “muito explorados por diversos
fabricantes concorrentes, ao longo de anos, podem sofrer os efeitos da
vulgarização e perder a originalidade que tinham quando foram lançados. Essa
diluição da originalidade enfraquece o direito de exclusividade[...]”23
Tal parece ser a situação atual da Fender Stratocaster, que durante
décadas teve o seu desenho reproduzido por inúmeras fabricantes de
instrumentos musicais em todo o mundo.
Tanto que o órgão norte-americano (o United States Patent and
Trademark Office) competente para a concessão dos direitos sobre os bens da
propriedade industrial negou, em 2009, pedido da Fender, que desejava registrar
22 GOYANES, Marcelo. Tópicos em propriedade intelectual: marcas, direitos autorais,
designs e pirataria. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 309.
23 Ibidem, p. 310-311.
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as formas dos corpos de seus instrumentos musicais, dentre eles, a guitarra
Stratocaster24.
Na lide, a Fender arrolava as fabricantes norte-americanas que jugava
estarem infringindo os seus direitos sobre os desenhos industriais das guitarras
Stratocaster, Telecaster e do contrabaixo Precision Bass.
O órgão julgador (o Trademark Trial and Appeal Board) chegou às
seguintes conclusões:
1. Que a requerente (a Fender) não conseguiu estabelecer precisamente as
diferenças entre as linhas dos corpos das guitarras, e que estas não
serviam, por si só, para indicar a origem do instrumento. Que se
evidenciava, em verdade, o quão comum eram aquelas configurações na
indústria de instrumentos musicais, o que tornava impossível identificar
naquelas a fabricante da guitarra25;
2. Que não aparentava que as fabricantes interpeladas pretendiam copiar as
formas da Fender a fim de confundir os consumidores e dar a impressão
que os designs daquela eram, na verdade, seus26;
24 UNITED STATES PATENT AND TRADEMARK OFFICE. Trademark Trial and
Appeal Board. Opposition Number 91161403. Disponível em <
http://ttabvue.uspto.gov/ttabvue/v?pno=91161403&pty=OPP&eno=246 >. Acesso em
abr. 2013.
25 “The applicant has not established acquired distinctiveness such that these two-
dimensional outlines of guitar bodies, standing alone, serve to indicate source. The
evidence overwhelmingly demonstrates that these configurations are so common in the
industry that they cannot identify source.” Idem.
26 "[..] it does not appear that … third parties intended to copy applicant's guitar shapes
for the purpose of confusing consumers and passing off applicant's guitar shapes as their
own.” Idem.
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3. Que especialmente no caso do corpo da Stratocaster, aquelas formas
eram tão comuns que podiam ser definidas como o formato genérico
da guitarra elétrica27.
Com a decisão do órgão norte-americano, decreta-se a ausência de
direitos da Fender sobre os desenhos industriais de seus instrumentos musicais
à luz daquele ordenamento jurídico.
3. Conclusões
Ante a pesquisa realizada, acredita-se haver tido com acerto o órgão
norte-americano ao negar as pretensões da Fender pela exclusividade na
exploração daqueles desenhos industriais após mais de cinquenta anos da sua
introdução no mercado.
Inegavelmente há uma vulgarização, ou “degradação”, do desenho
industrial após décadas de utilização, não só em razão das cópias realizadas
pelos outros fabricantes, mas também da exaustiva exploração daquele modelo
pelo próprio idealizador.
Hoje, o desenho da Fender Stratocaster é vulgar não só pela sua
reprodução ou pelo conhecimento que o público (inclusive o leigo) tem dele, mas
também pela simplicidade que guarda, em comparação com o atual estado da
técnica em matéria de guitarras elétricas.
A excelência do produto da Fender fez com que o conhecimento e a
técnica na produção de guitarras elétricas fossem desenvolvidas a partir da
Stratocaster, o que fez com que este fosse (corretamente) identificado com o
modelo “básico” ou genérico de guitarra elétrica.
Por fim, a limitação temporal à concessão de exclusividade em matéria
de invenções, modelos de utilidade e desenhos industriais estimula o contínuo
desenvolvimento de novos materiais, tecnologias, técnicas e conceitos estéticos,
a fim de responder às crescentes demandas da sociedade e do mercado.
27 "In fact, in the case of the [Stratocaster] body outline, this configuration is so common
that it is depicted as a generic electric guitar in a dictionary." Idem.
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Coaduna-se tal limitação com o princípio do contributo mínimo: premia-
se a atividade inventiva ou criativa do inventor, designer (ou titular do direito,
de forma geral), ao mesmo tempo em que se estimula a concepção de novas
ideias, que possam, novamente, contribuir com a sociedade.
4. Referências:
BARBOSA, Denis Borges Barbosa. Do requisito de originalidade nos desenhos
industriais: a perspectiva brasileira. P. 2. Disponível em
<http://www.denisbarbosa.addr.com/arquivos/novidades/do_requisito_
originalidade.pdf> Acesso em abr. 2013.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito Comercial, volume 1, direito de empresa.
13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009
GOYANES, Marcelo. Tópicos em propriedade intelectual: marcas, direitos
autorais, designs e pirataria. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.
IDS – Instituto Dannemann Siemsen de Estudos de Propriedade Intelectual.
Comentários à lei de propriedade industrial. Edição revista e atualizada. Rio de
Janeiro: Renovar, 2005.
UNITED STATES PATENT AND TRADEMARK OFFICE. Trademark Trial and
Appeal Board. Opposition Number 91161403. Disponível em <
http://ttabvue.uspto.gov/ttabvue/v?pno=91161403&pty=OPP&eno=246 > Acesso
em abr. 2013.
“Fender Protege a sua Marca”. Jornal ÁUDIO, INSTRUMENTOS & MERCADO.
Ed n° 10, Janeiro/Fevereiro de 2004. Disponível em
<http://forum.cifraclub.com.br/forum/2/41724/> Acesso em abr. 2013.