boletim conteÚdo jurÍdico n. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ......

176
0 BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 (ano VIII) (02/02/2016) ISSN - 1984-0454 BRASÍLIA - 2015 Boletim Conteúdo Jurídico - ISSN – 1984-0454

Upload: duongque

Post on 06-Dec-2018

219 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

0

BOLETIM CONTEÚDO

JURÍDICO N. 531 (ano VIII)

(02/02/2016)

ISSN - 1984-0454

BRASÍLIA - 2015

Bo

letim

Co

nte

úd

o Ju

rídico

- ISS

N –

19

84

-04

54

Page 2: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

1 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

Conselho Editorial

COORDENADOR GERAL (DF/GO/ESP) - VALDINEI CORDEIRO COIMBRA: Fundador do Conteúdo Jurídico. Mestre em Direito Penal Internacional Universidade Granda/Espanha.

Coordenador do Direito Internacional (AM/Montreal/Canadá): SERGIMAR MARTINS DE ARAÚJO - Advogado com mais de 10 anos de experiência. Especialista em Direito Processual Civil Internacional. Professor universitário

Coordenador de Dir. Administrativo: FRANCISCO DE SALLES ALMEIDA MAFRA FILHO (MT): Doutor em Direito Administrativo pela UFMG.

Coordenador de Direito Tributário e Financeiro - KIYOSHI HARADA (SP): Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP.

Coordenador de Direito Penal - RODRIGO LARIZZATTI (DF/Argentina): Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA.

País: Brasil. Cidade: Brasília – DF. Contato: [email protected] WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR

Boletim Conteú do Júrí dico

P

ub

licaç

ão d

iári

a C

ircu

laçã

o:

Acesso

abe

rto

e g

ratu

ito

Page 3: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

2

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

SUMÁRIO

COLUNISTA DO DIA

02/02/2016 Kiyoshi Harada

» A inversão da seletividade do ICMS

ARTIGOS

02/02/2016 Catarina Coelho Velloso » A responsabilidade da Administração Pública tomadora de serviços terceirizados:

análise à luz das peculiaridades do tratamento jurídico dado ao Estado

02/02/2016 Darlon Costa Duarte

» A viabilidade do reconhecimento de efeitos trabalhistas na relação entre os

profissionais do sexo com as casas de prostituição

02/02/2016 Clarissa Pereira Borges

» O Neoconstitucionalismo e a propriedade como um direito fundamental limitado

02/02/2016 André Vieira Freire

» Natureza impositiva do orçamento público e EC 86/2015

02/02/2016 Laon Oliveira de Macedo Canuto dos Santos

» Movimentos sociais como fonte de emancipação de direitos e democracia

participativa

02/02/2016 Marcio Winicius Vieira de Moraes Maranhão

» Aspectos do desenho industrial e o mercado de instrumentos musicais: O caso da

Fender Stratocaster

Page 4: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

3 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

A INVERSÃO DA SELETIVIDADE DO ICMS

KIYOSHI HARADA: Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Membro do Conselho Superior de Estudos Jurídicos da Fiesp. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

O inciso III, do § 2º, do art. 155 da CF prescreve que o ICMS “poderá

ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços”.

Cumpre esclarecer, de início, que não se trata de imposto seletivo,

pois o imposto recai sobre todas as mercadorias e sobre os três tipos de

serviços cabentes ao Estado, especificados no inciso II, do art. 155 da CF.

Trata-se, pois, de um imposto de alíquotas seletivas.

Alguns estudiosos enxergam no citado inciso III, do § 2º, do art. 155

da CF uma norma de estrutura e não de conduta, pelo que entendem que a

seletividade do ICMS integraria o próprio processo legislativo, de sorte de

tornar obrigatória a fixação, pelo legislador ordinário, de alíquotas

seletivas.

A lapidar clareza do texto constitucional – poderá ser seletivo – não

deixa margem de dúvida quanto a faculdade de o legislador ordinário

estabelecer alíquotas seletivas em função da essencialidade das

mercadorias e serviços.

O preceito do inciso III sob análise configura uma norma de natureza

programática. Sobre norma de natureza programática afirmamos o

seguinte:

“Se, de um lado, o preceito programático não gera

direito subjetivo para o contribuinte que não poderá

Page 5: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

4

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

bater às portas do Judiciário pleiteando que

determinado imposto ajuste-se ao seu perfil econômico,

de outro, esse preceito produz efeito pelo seu aspecto

negativo, à medida que confere ao contribuinte a

faculdade de exigir que o poder tributante não pratique

atos que o contravenha”[1].

Segue-se que o legislador ordinário está proibido pela Constituição

Federal de instituir alíquotas mais elevadas do ICMS em relação a

mercadorias e serviços essenciais. Mas, os Estados resolveram tributar o

fornecimento de energia elétrica com uma alíquota exacerbada por ser uma

tributação rendosa de fácil arrecadação.

É verdade que não há definição legal do que sejam mercadorias e

serviços essenciais, mas é verdade, também, que a Constituição não

conferiu ao legislador ordinário margem de liberdade para adoção de

critério político destoante do conceito de essencial, de necessário e de

indispensável em termos de realidade social vivenciada em nosso país.

Basta imaginar um black-out por apenas 24:00 horas para que possamos ter

a idéia de quão essencial é a energia elétrica para a moderna sociedade em

que vivemos. A melhor forma de descobrir a violação do princípio da

seletividade é examinando a legislação e confrontando mercadorias e

serviços com as respectivas alíquotas.

No que se refere à venda de energia elétrica a legislação do Estado

de São Paulo prevê as seguintes alíquotas: a) 12% em relação ao consumo

residencial de até 200 kwh por mês; b) 25% em relação ao consumo

residencial acima de 200 kwh por mês; c) 12% em relação à energia

utilizada no transporte público; e d) 12% em relação à energia utilizada em

Page 6: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

5 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

propriedade rural onde haja exploração agrícola ou pastoril e inscrição no

cadastro de contribuintes do ICMS.

Salta aos olhos que a alíquota de 25%, prevista na letra b retro,

desatende à faculdade prevista no preceito constitucional sob análise,

porque a presumível capacidade contributiva do consumidor de energia

elétrica domiciliar é irrelevante para implementação da alíquota seletiva. O

que importa é apenas a sua seletividade em função da essencialidade da

mercadoria e do serviço. Como é possível sustentar que a energia elétrica é

essencial para quem apresenta baixo consumo e não o é para quem

apresenta um elevado consumo?

No estágio atual da civilização, a energia elétrica é sempre um bem

essencial. Sua ausência acarretaria a paralisação do processo produtivo e

nem haveria circulação de riquezas. A energia elétrica é a força motriz que

gera o desenvolvimento econômico-social.

A energia elétrica não comporta gravame maior em relação a outros

bens tributados pelo ICMS que são mercadorias e serviços conforme

mandamento constitucional, e não mercadorias ou serviços. Logo, impõe-

se o confronto do conjunto de mercadorias e serviços para eleger o critério

da seletividade em função da essencialidade desses bens.

Não pode o Estado em nome de uma política tributária assentada no

critério da arrecadação mais rendosa e a custo zero, insusceptível de

sonegação, sobrecarregar o consumo de energia elétrica e o serviço de

comunicação igualmente atingido pela esdrúxula carga tributária,

invertendo e pervertendo o princípio da seletividade do imposto em função

da essencialidade das mercadorias e dos serviços.

Page 7: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

6

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

Cabe ao Supremo Tribunal Federal decidir em definitivo quanto a

inconstitucionalidade lapidar dessa esdrúxula tributação que atenta contra

o princípio da razoabilidade, um limite imposto à ação do próprio

legislador. A Corte Suprema reconheceu a repercussão geral sobre o tema

constitucional em questão conforme ementa abaixo:

“EMENTA: IMPOSTO SOBRE A CIRCULAÇÃO

DE MERCADORIAS E SERVIÇOS – ENERGIA

ELÉTRICA – SERVIÇOS DE

TELECOMUNICAÇÃO – SELETIVIDADE –

ALÍQUOTA VARIÁVEL – ARTIGOS 150, INCISO

II, E 155, § 2º, INCISO III, DA CARTA FEDERAL –

ALCANCE – RECURSO EXTRAORDINÁRIO –

REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA. Possui

repercussão geral a controvérsia relativa à

constitucionalidade de norma estadual mediante a qual

foi prevista a alíquota de 25% alusiva ao Imposto sobre

a Circulação de Mercadorias e Serviços incidente no

fornecimento de energia elétrica e nos serviços de

telecomunicação, em patamar superior ao estabelecido

para as operações em geral – 17%. (RE 714139 RG,

Relator(a): Min. Marco Aurélio, DJe de 26-09-2014 ).

Enquanto a Alta Corte não decide o tema sob repercussão geral, os

consumidores continuam arcando com o repasse do encargo financeiro do

imposto pago pelas distribuidoras.

NOTA:

Page 8: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

7 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

[1] Cf. nosso Direito financeiro e tributário, 24 ed. São Paulo: Atlas,

2015, p.

Page 9: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

8

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

A RESPONSABILIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA TOMADORA

DE SERVIÇOS TERCEIRIZADOS: ANÁLISE À LUZ DAS

PECULIARIDADES DO TRATAMENTO JURÍDICO DADO AO ESTADO

CATARINA COELHO VELLOSO: Advogada. Graduado em Direito pela UFBA.

Resumo: No atual panorama jurídico, todas as pessoas, sejam elas

de direito público ou privado, devem se submeter ao quadro da

ordem jurídica, segundo a qual a lesão aos bens jurídicos de

terceiros ocasiona para o autor do dano a obrigação de repará-lo.

Em razão das peculiaridades do organismo estatal, no entanto, a

responsabilidade do ente público obedece a regras próprias. Assim,

no presente estudo será feita uma análise da responsabilidade da

Administração Pública contratante de serviços terceirizados, haja

vista as peculiaridades do tratamento jurídico dado ao Estado.

Palavras-chave: Terceirização. Súmula n. 331. Responsabilidade

Civil. Responsabilidade Objetiva do Estado.

Sumário: 1. Introdução; 2. Noções Gerais sobre a

Responsabilidade da Administração Pública; 3. O Suposto Conflito

entre a Súmula n. 331 do TST e o art. 71, § 1º, da Lei n. 8.666/93;

4. Argumentos Favoráveis à Responsabilização da Administração

Pública por Débitos Trabalhistas da Prestadora de Serviços ; 5.

Conclusões; 6. Referências Bibliográficas.

1 INTRODUÇÃO

Nos termos do ordenamento jurídico vigente, todas as pessoas,

de direito público ou privado, devem se submeter à máxima

segundo a qual a lesão aos bens jurídicos de terceiros ocasiona

para o autor do dano a obrigação de repará-lo.

Page 10: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

9 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

Em razão das peculiaridades do organismo estatal, no entanto,

a responsabilidade do ente público obedece a regras próprias,

sendo regida por princípios singulares, compatíveis com as

especificidades da sua posição jurídica, haja vista que as atuações

estatais podem causam danos mais intensos que os gerados por

particulares.

Nesse sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello explica que:

[...] seja porque os deveres públicos do Estado o

colocam permanentemente na posição de

obrigado a prestações multifárias das quais não

se pode furtar, pena de ofender o Direito ou

omitir-se em sua função própria, seja porque

dispõe do uso normal de força, seja porque seu

contato onímodo e constante com os

administrados lhe propicia acarretar prejuízos

em escala macroscópica, o certo é que a

responsabilidade estatal por danos há de possuir

fisionomia própria, que reflita a singularidade da

sua posição jurídica.[1]

No que tange à terceirização, a controvérsia a respeito da

responsabilidade civil do Estado reside na convivência

concomitante entre o art. 71, §1º, da Lei de Licitações e Contratos,

e a Súmula n. 331 do TST.

Com esteio na referida súmula, a condenação da Administração

Pública justifica-se em face da falha na escolha das empresas

prestadoras de serviços públicos ou na ausência de fiscalização, no

sentido de verificar se a empresa contratada está cumprindo as

suas obrigações contratuais, inclusive as trabalhistas.

Em que pese o posicionamento sumulado já se revele mais

benéfico para o trabalhador do que a tese da irresponsabilidade do

Page 11: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

10

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

ente público, não se revela ideal, pois atribuir o ônus de provar a

existência de conduta culposa por parte da Administração Pública

ao trabalhador apresenta-se, na maioria das vezes, como

empecilho à obtenção dos seus direitos, pois, em muitos casos,

todos os documentos relativos ao contrato administrativo são de

posse do ente estatal.

2 NOÇÕES GERAIS SOBRE A RESPONSABILIDADE DA

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Por um largo período do percurso histórico das sociedades

políticas estatais, na época dos estados absolutistas, recusava-se a

possibilidade de responsabilização do Estado, pois se entendia que

responsabilizá-lo significaria equipara-lo aos seus súditos, em total

desrespeito à sua soberania. Isto porque nesta época havia um

predomínio da teoria divina e soberana do Estado, não sendo

possível admitir que ele pudesse causar algum mal aos seus

administrados, conforme consagrado na máxima The king can do

no wrong (O Rei não faz nada errado).[2]

Imperava, portanto, a teoria da irresponsabilidade do poder

público, sendo certo que o Estado absolutista não admitia a

possibilidade de reparação por eventuais danos causados pela

Administração Pública, pois se acreditava na infalibilidade estatal.

Nesse sentido, ressalta-se que, na visão da sociedade da época, o

Estado era a expressão da lei e do Direito, sendo, assim, impossível

concebê-lo como um pretenso violador da ordem.

No Brasil, no entanto, a teoria da irresponsabilidade do Estado

não encontrou guarida, não tendo sido adotada pela doutrina pátria,

conforme nos ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, citando o

eminente Ministro Amaro Cavalcanti que, já em 1904, registrava que

“no Brasil nunca se ensinou ou prevaleceu a irresponsabilidade do

Estado pelos atos lesivos dos seus representantes.”[3]

Page 12: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

11 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

Ainda nos Estados aonde foi abarcada, a ideia da

irresponsabilidade, a partir do século XIX, com a decadência do

absolutismo, começou a ser rechaçada, e, sob a influência do

liberalismo, o Estado vai perdendo a sua divindade, cedendo

espaço à ascensão do postulado da responsabilidade estatal.

Quanto ao assunto, Antônio Lago Júnior ressalta que a

[...] jurisprudência foi responsável pela

transformação deste estado de coisas, ao

perceber que o Estado, nas suas diversas

formas de atuação, poderia ser percebido de

duas formas: ou a Administração atuava

exercendo seu “ius imperii” e, nesses casos,

procedia na qualidade de Estado no exercício do

seu poder soberano; ou, por outro lado, atuava

na gestão de seus negócios, exercendo atos

“iure gestionis”, pelo que se igualava ao

indivíduo comum. A partir dessa concepção

bipartida, admitia-se que, no primeiro caso, a

Administração pública era imune; no segundo,

atuando de igual sorte que o particular, sujeitava-

se à reparação dos danos que eventualmente

causasse a outrem. Era o início da

responsabilização civil da Administração.[4]

A partir desse momento, tem início na história o período em que

passou a ser admissível a responsabilização do Estado, que

inicialmente foi calcada na ideia civilística de culpa, aplicando-se,

portanto, a concepção de responsabilidade subjetiva. Assim, o

Estado só respondia quando comprovada a culpa individual do seu

agente, exigindo-se a presença do elemento anímico para a sua

caracterização.

A Teoria da Culpa Civilística estava calcada na ideia de que os

funcionários do ente público exerciam a condição de prepostos, de

Page 13: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

12

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

forma que o Estado, incidindo em culpa in vigilando ou in eligendo,

deveria ser obrigado a reparar os danos causados por seus

funcionários. A responsabilidade do Estado seria em razão da má

eleição ou ausência de vigilância dos seus agentes no desempenho

das funções públicas, pois, nas palavras de Ricardo Hoyos Duque,

“o Estado deve realizar, com respeito a seus funcionários, uma

cuidadosa eleição e permanente vigilância, se não quer ver

comprometida sua responsabilidade.”[5]

Essa teoria, no entanto, era insuficiente para abarcar todas as

situações de danos causados pelo ente estatal, em razão da

dificuldade do administrado comprovar a existência da conduta

culposa do agente público, motivo pelo qual foi paulatinamente

substituída pelas teorias publicistas da responsabilidade do Estado.

Surge, assim, a Teoria da Culpa Administrativa que procura

desvincular a responsabilidade do Estado da ideia da culpa

individual do agente, importada do direito privado. A noção

civiliística de responsabilidade é, então, ultrapassada pela ideia de

culpa do serviço, de origem na expressão francesa faute du service.

Assim, para que seja determinado o dever de reparação da

Administração Pública, não mais se faz necessária a comprovação

do elemento anímico, bastando a ocorrência de uma situação em

que o serviço, devendo funcionar, não funciona, funciona mal ou

atrasado.

Em todos esses casos, faz-se presente a culpa administrativa,

também conhecida como culpa do serviço ou culpa anônima, que

dispensa a identificação do causador do dano. Esta evolução

teórica justifica-se, pois, muitas vezes, ainda que se soubesse que

o prejuízo decorrera de atividade estatal, era difícil ou até mesmo

impossível apontar um agente como causador do dano, em razão

das dimensões da Administração Pública, bem como da

impessoalidade na prestação dos serviços, o que inviabilizava a

comprovação da culpa individual por parte do administrado lesado.

Page 14: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

13 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

Em decorrência da adoção dos princípios publicísticos na teoria

da responsabilidade do Estado, passou-se a exigir, para a

responsabilização do ente público, tão somente a prova de que a

lesão foi decorrente da atividade estatal, sem necessidade de

identificação do funcionário que a produziu.

Cumpre esclarecer que, em que pese não haja a necessidade

de comprovação da culpa individual do agente público, a Teoria da

Culpa Administrativa não é modalidade de responsabilidade

objetiva. Ao contrário, a responsabilidade por culpa do serviço,

como o próprio nome sugere, é baseada na culpa, sendo, portanto,

modalidade de responsabilidade subjetiva do Estado. A

peculiaridade aqui é que se trata de uma culpa anônima do serviço,

caracterizada pela ausência do serviço, mau funcionamento ou

funcionamento atrasado.

Com o intuito de ampliar a proteção dos administrados, avança-

se no sentido da publicização da responsabilidade, fazendo surgir a

ideia de responsabilidade objetiva do Estado, fundamentada no

risco que a atividade administrativa potencialmente causa aos

administrados, bem como na necessidade de repartição pela

sociedade dos encargos decorrentes da atuação estatal.

Na responsabilidade objetiva a ideia de culpa é substituída pelo

nexo de causalidade entre o comportamento estatal e o dano sofrido

pela vítima da ação lesiva, sem se cogitar da culpa do serviço ou da

culpa individual do agente público. Nesse sentido, Dirley da Cunha

Júnior esclarece que:

Aqui é indiferente indagar-se se o serviço funcionou, se

funciona bem ou mal, de forma rápida ou demorada. Não se exige,

portanto, o questionamento acerca da culpa ou dolo do agente, da

licitude ou da ilicitude do comportamento, do bom ou mau

funcionamento do serviço. Evidenciado o nexo de causalidade entre

o comportamento estatal e o dano a terceiro, o Estado responde.[6]

Page 15: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

14

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

Assim, observa-se que a ideia da responsabilidade objetiva

fundamenta-se na Teoria do Risco, pela qual, segundo Sílvio

Venosa,

[...] surge a obrigação de indenizar o dano, como

decorrência tão só do ato lesivo e injusto

causado à vítima pela Administração. Não se

exige falta do serviço, nem culpa dos agentes.

Na culpa administrativa exige-se a falta do

serviço, enquanto no risco administrativo é

suficiente o mero fato do serviço.[7]

Hely Lopes Meirelles[8] aponta a existência de duas

modalidades da Teoria do Risco, quais sejam, o Risco

Administrativo e o Risco Integral, que se distinguem apenas pelo

fato de que a primeira modalidade prevê a possibilidade de

incidência de causas excludentes de responsabilidade,

diferentemente da segunda, que leva a ideia de responsabilização

ao grau mais elevado. Discorrendo acerca desta última, Pablo

Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona afirmam que:

A sua aplicação levaria a reconhecer a

responsabilidade civil em qualquer situação,

desde que presentes os três elementos

essenciais, desprezando-se quaisquer

excludentes de responsabilidade, assumindo a

Administração Pública, assim, todo o risco de

dano proveniente de sua atuação.[9]

Em face do exposto, conclui-se que a responsabilidade objetiva

assenta-se no nexo de causalidade entre a atuação estatal e os

danos daí decorrentes, independente de comprovação de culpa,

seja ela individual do agente público ou na modalidade da culpa

administrativa, em razão da falta do serviço.

Page 16: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

15 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

Ainda que o Direito brasileiro não tenha adotado a teoria da

irresponsabilidade do Estado, a responsabilidade objetiva só veio a

ser consagrada no ordenamento jurídico pátrio a partir da

Constituição de 1946, que, em seu art. 194, dispunha que “As

pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente

responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa

qualidade, causem a terceiros.”[10]

O parágrafo primeiro, por sua vez, previa a possibilidade do

Estado propor ação de regresso em face do agente, caso

comprovado que sua conduta estava eivada de dolo ou culpa. Nos

termos do artigo: “Caber-lhes-á ação regressiva contra os

funcionários causadores do dano, quando tiver havido culpa

destes.”[11]

Atualmente, o assunto encontra-se disciplinado no art. 37, § 6º,

da Constituição Federal de 1988, que prevê a responsabilidade

objetiva da Administração Pública, com base na ideia da mais ampla

reparabilidade dos danos causados.

Não se está a afirmar, no entanto, que o sistema jurídico

brasileiro adotou a modalidade do Risco Integral, mas sim a do

Risco Administrativo, que admite a existência de causas

excludentes da responsabilidade, ao menos na maioria dos casos,

sendo excepcionadas apenas algumas situações, como nos casos

de dano ambiental e de dano nuclear, nas quais se admite a

responsabilidade irrestrita.

Por fim, impende salientar que alguns autores, a exemplo de

Dirley da Cunha Júnior[12], defendem que a responsabilidade do

Estado por suas omissões é de natureza subjetiva, calcada na culpa

administrativa. Para os defensores dessa ideia, a responsabilidade

objetiva se limitaria aos danos derivados das ações do Estado. No

entanto, no caso de omissões, o ente público não foi o causador

Page 17: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

16

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

direto do dano, embora tivesse o dever de evitá-lo, respondendo,

assim, tão somente de forma subjetiva.

Acontece que o art. 37, § 6º, da Constituição Federal em

momento algum estabelece distinção entre a forma de

responsabilização em razão de atos comissivos ou omissivos do

Estado, limitando-se a dispor que as pessoas jurídicas de direito

público, assim com as de direito privado prestadoras de serviços

públicos, responderão pelos atos que seus agentes, nessa

qualidade, causarem a terceiros, sendo dispensável a comprovação

do elemento anímico.

Assim, observa-se que o entendimento de que a Administração

Pública seria objetivamente responsável apenas por suas ações,

sendo, no caso de omissão, a responsabilidade do Estado de

natureza subjetiva, é de cunho meramente doutrinário, não tendo o

ordenamento jurídico brasileiro abarcado este posicionamento de

maneira expressa.

Ademais, no mesmo sentido, ressalta-se que, ainda que se

admita que, nesses casos, o Estado não seja o causador direto do

dano, ele propiciou uma situação que gerou um risco de dano,

tendo, assim, ensejado o evento lesivo, mesmo que de forma

indireta, dando azo a uma situação que ocasionou prejuízo a um

dos seus administrados, devendo, portanto, responder

objetivamente.

3 O SUPOSTO CONFLITO ENTRE A SÚMULA N. 331 DO TST

E O ART. 71, § 1º, DA LEI N. 8.666/93

No âmbito do direito privado, é pacífico o entendimento de que

o tomador dos serviços deve ser responsabilizado em caso de

inadimplemento das verbas trabalhistas pela empresa prestadora

dos serviços. A questão que atualmente vem causando acirrados

Page 18: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

17 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

debates no cenário jurídico, no entanto, refere-se à

responsabilidade da Administração Pública tomadora dos serviços.

A grande discussão diz respeito à controvérsia existente entre

o entendimento da jurisprudência trabalhista, consolidado na

Súmula n. 331 do TST, e o comando do art. 71, § 1º, da Lei de

Contratos e Licitações (Lei n. 8.666/93).

Nesse sentido, inicialmente insta pontuar que o art. 37, XXI[13],

da Constituição Federal condiciona a contratação de obras,

serviços, compras e alienações pelo poder público à realização de

processo de licitação pública. Regulamentando o dispositivo

referido, a Lei n. 8.666/93 foi editada a fim de normatizar o processo

licitatório, bem como traçar diretrizes que devem ser observadas na

celebração de contratos administrativos.

A Lei de Licitações, no entanto, em seu art. 71, § 1º, prevê

expressamente que não é possível a transferência à Administração

Pública dos encargos trabalhistas inadimplidos pela empresa

prestadora dos serviços, In verbis:

Art. 71. O contratado é responsável pelos

encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e

comerciais resultantes da execução do contrato.

§ 1º A inadimplência do contratado, com

referência aos encargos trabalhistas, fiscais e

comerciais não transfere à Administração

Pública a responsabilidade por seu pagamento,

nem poderá onerar o objeto do contrato ou

restringir a regularização e o uso das obras e

edificações, inclusive perante o Registro de

Imóveis. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de

1995).[14]

Page 19: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

18

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

A previsão se justifica na medida em que a norma geral

trabalhista atribui ao empregador a responsabilidade de arcar com

os encargos de seus empregados, em razão da posição de

supremacia ocupada na relação de trabalho. Nesse esteio, nas

terceirizações, o responsável pelo adimplemento dos haveres

trabalhistas seria o prestador de serviços, tendo em vista ser ele o

empregador (em uma visão restrita), não havendo razão para

atribuição da responsabilidade ao ente público contratante.

A interpretação literal do § 1º do art. 71, da Lei n. 8.666/93,

então, implicaria a submissão do trabalhador aos efeitos negativos

do inadimplemento trabalhista, não obstante a prestação do labor,

o que constitui uma afronta aos princípios basilares do Estado

Democrático de Direito.

Nesse diapasão, Márcio Túlio Delgado, Gabriela Neves e

Helder Amorim afirmam que:

A interpretação do § 1º do art. 71 da Lei n.

8.666/93 desafia sua leitura conjunta e

contextualizada com vários outros dispositivos

legais que imputam à Administração Pública, de

forma correlata e proporcional, o dever de

fiscalizar eficientemente a execução dos seus

contratos de terceirização, por imperativo de

legalidade e moralidade pública (Constituição,

art. 7º) cuja promoção e fiscalização incumbem

aprioristicamente ao Estado, como razão

essencial de sua existência.[15]

A fim de evitar fraudes no que diz respeito aos direitos

trabalhistas, bem como o prejuízo do empregado que executou

devidamente o seu trabalho, o TST editou a Súmula n. 331 fixando

a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços. Após

algumas revisões, em 2000, a mencionada súmula reafirmou o

Page 20: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

19 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

entendimento de que o inadimplemento das obrigações trabalhistas,

por parte do prestador dos serviços, implica a responsabilidade

subsidiária do tomador, ainda que seja ele ente integrante da

Administração Pública direta ou indireta.

Assim, o inciso IV da Súmula n. 331 do TST apresenta-se como

um mecanismo para efetivar o respeito ao direito do empregado de

receber uma contraprestação justa em razão do trabalho realizado.

Ressalta-se que a remuneração do obreiro possui caráter alimentar,

o que torna ainda mais evidente a necessidade de adoção de

medidas que coíbam o inadimplemento.

A controvérsia a respeito da responsabilidade civil do Estado

nas terceirizações reside na convivência concomitante entre dois

instrumentos normativos contraditórios entre si: de um lado, o art.

71, §1º, da Lei de Licitações e Contratos, e do outro, a previsão da

Súmula n. 331 do TST.

Ocorre que se trata de uma contradição apenas aparente, pois,

em verdade, não há incompatibilidades entre os dispositivos

apontados. Isto porque o art. 71 da Lei n. 8.666/93 não isentou a

Administração Pública do dever de acompanhar e fiscalizar a

atuação da empresa contratada quanto ao cumprimento de suas

obrigações, inclusive o adimplemento dos encargos trabalhistas.

Outrossim, seria, no mínimo, desarrazoado interpretar o art. 71,

§ 1º, da Lei n. 8.666/93 de forma a permitir a adoção de conduta

negligente por parte do ente público, que possibilitasse a violação

dos princípios norteadores do ordenamento jurídico, bem como

ocasionasse prejuízos aos trabalhadores.

Em face do exposto, acredita-se não existir controvérsia entre o

art. 71, § 1º, da Lei n. 8.666/93 e a Súmula n. 331 do TST que obste

à responsabilização da Administração Pública. Assim, entende-se

ser possível a responsabilização do ente público contratante por

Page 21: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

20

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

débitos trabalhistas da prestadora de serviços, sendo diversos os

argumentos que sustentam esta tese, e que serão detalhadamente

expostos a seguir.

4 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À RESPONSABILIZAÇÃO

DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA POR DÉBITOS TRABALHISTAS

DA PRESTADORA DE SERVIÇOS

Conforme explicitado, o presente trabalho coaduna-se com o

entendimento de que é possível atribuir responsabilidade civil à

Administração Pública em razão do inadimplemento das verbas

trabalhistas por parte da empresa interposta, no caso de

contratação de serviços. Muitos são os argumentos apontados pela

doutrina que legitimam a condenação subsidiária do ente público,

nos termos da Súmula n. 331 do TST. Passa-se, então, a análise

de cada um deles.

4.1 Direitos e Garantias Fundamentais e Princípio da

Proteção do Trabalhador

Os direitos e garantias fundamentais representam uma série de

prerrogativas asseguradas ao cidadão com o objetivo de protegê-lo

da discricionariedade estatal ou de atos temerários praticados por

outros indivíduos. Parte-se do pressuposto de que determinados

direitos são básicos e essenciais para qualquer ser humano,

compondo, portanto, um núcleo intangível, que deve ser protegido

pela ordem jurídica.

Especificamente no Brasil, a dignidade da pessoa humana e os

valores sociais do trabalho foram elencados pelos incisos III e IV,

do art. 1º, da CF/88[16]como fundamentos da República Federativa

do Brasil, revelando a sua notória importância no cenário jurídico

brasileiro, assumindo status de direitos fundamentais.

Page 22: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

21 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

Acerca dos direitos fundamentais, e mais precisamente a

dignidade da pessoa humana como valor fundamental no Estado

Democrático de Direito, Paulo Bonavides afirma que:

O admirável Estado de Direito construído por um

constitucionalismo que protege e consagra na raiz de todos os seus

princípios a dignidade da pessoa humana, sem a qual a liberdade é

abstração - constitucionalismo de valores, por conseguinte -, cobra,

para sua sobrevivência, no cotidiano exercício de suas funções,

uma justificativa final, um título de legitimidade, cuja carência há de

conduzir, como já advertimos, ao governo de juízes, à ditadura

constitucional da toga, o que seria um desastre e uma fatalidade

para a democracia.[17]

Arion Sayão Romita, por sua vez, ressalta a importância

específica dos direitos sociais, no contexto dos direitos e garantias

fundamentais:

[...] por ter a Constituição de 1988 elevado a

dignidade da pessoa humana à categoria de

valor supremo e fundante de todo o

ordenamento brasileiro, fácil é atribuir aos

direitos sociais a característica de manifestações

dos direitos fundamentais de liberdade e

igualdade material porque, encarados em sua

vertente prestacional [...], tais direitos têm por

objetivo assegurar ao trabalhador proteção

contra necessidades de ordem material, além de

uma existência digna.[18]

Verifica-se, assim, que a CF/88 adotou uma visão coletiva dos

direitos individuais, incluindo-se aqui os direitos sociotrabalhistas,

reconhecendo a sua importância. Essa nova perspectiva tem como

base os conceitos e orientações consagradas no Direito do

Page 23: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

22

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

Trabalho, em especial a noção de ser coletivo, em contraponto à

clássica noção de ser individual.[19]

O Direito do Trabalho baseia em uma série de princípios

específicos, dentre os quais merece destaque o princípio da

proteção do trabalhador, que sintetiza a ontologia juslaboral, pois

esse ramo do Direito, nas lições de Pinho Pedreira

[...] nasceu da necessidade de se transformar a

liberdade e igualdade formais nas relações de

trabalho entre empregados e empregadores em

liberdade e igualdade reais, o que se tornou

possível mediante a técnica de contrabalançar a

debilidade econômica dos trabalhadores com

privilégios jurídicos, em outras palavras, com

proteção legal.[20]

Assim, o Direito do Trabalho, observando o desequilíbrio

econômico existente na relação de emprego, busca, através de um

aparato de normas e princípios, promover a atenuação da situação

de subordinação econômica, hierárquica e, por vezes, intelectual,

em que se encontra o trabalhador, sujeito hipossuficiente da relação

juslaboral.

Ocorre que o fenômeno da terceirização apresenta-se como

mecanismo de precarização das relações de trabalho,

compreendendo uma flexibilização das normas trabalhistas, o que

representa uma afronta ao caráter protetivo desse ramo do Direito.

Isso porque, com a delegação do desempenho das atividades

secundárias, as empresas pretendem diminuir gastos com folhas de

salários, já que seriam beneficiadas pelo labor dos empregados da

prestadora de serviços sem ter que arcar com parcelas decorrentes

de uma relação de emprego.

Page 24: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

23 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

As empresas contratadas, por sua vez, em razão da

competitividade do mercado, buscam oferecer seus serviços a

preços cada vez mais reduzidos. No entanto, para que não tenha a

sua lucratividade afetada, a empresa prestadora de serviços diminui

os gastos com a mão de obra, operando a redução da remuneração

dos trabalhadores ou até mesmo deixando de adimplir as suas

obrigações trabalhistas, o que representa uma grave afronta ao

princípio da proteção do trabalhador.

Insta salientar que a remuneração paga ao trabalhador como

contraprestação pelos serviços prestados é essencial para que lhe

seja garantido o usufruto dos seus direitos. As obrigações

trabalhistas do empregador são, antes de qualquer coisa, direitos

fundamentais sociais constitucionalmente consagrados e que

desempenham a função de assegurar a vida e a subsistência dignas

dos seus empregados e suas famílias, motivo pelo qual possuem

caráter alimentar, conforme assevera a própria Constituição

Federal, em seu art. 100, §1º-A[21].

Nesse esteio, observa-se então que o piso protetivo assegurado

pela CF/88 indubitavelmente abrange o direito à remuneração,

previsto em seu art. 7º, incisos IV, V, VI, VII e X[22], compreendendo

não só a contrapartida devida aos obreiros por quem se vale de seu

labor, como também a prestação essencial à subsistência dos

trabalhadores enquanto seres humanos dotados de necessidades

vitais.

Dessa forma, não se admite que a Administração Pública,

beneficiária direta da força de trabalho terceirizada, possa

permanecer inerte diante do inadimplemento da empresa

contratada, pois isso significaria uma flagrante violação aos direitos

constitucionalmente consagrados como fundamentais,

principalmente à dignidade da pessoa humana, bem como ao

princípio trabalhista da proteção do trabalhador. Estar-se-ia, assim,

consentindo com o comportamento omisso do Estado, que não

Page 25: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

24

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

logrou êxito em assegurar aos trabalhadores o gozo dos direitos

fundamentais, em contrariedade com os ditames constitucionais.

Os princípios da proteção à dignidade da pessoa humana, da

valorização social do trabalho e da proteção ao trabalhador

dispõem, portanto, de força normativa suficientemente hábil a

obstar condutas que visem à supressão integral de direitos sociais

assegurados aos trabalhadores, seja ela oriunda de um ente

privado ou da Administração Pública.

Por esses motivos, entende-se que o posicionamento adotado

por parte do TST, no sentido de admitir a responsabilização

subsidiária dos entes da administração direta ou indireta pelo

adimplemento das obrigações trabalhistas, em casos de

terceirização, encontra-se em perfeita consonância com os

princípios orientadores da ordem jurídica, notadamente em razão

da necessidade de se assegurar aos trabalhadores o gozo dos

direitos e garantias fundamentais, bem como a proteção aos abusos

dos empregadores.

Ressalta-se que a aplicação do Direito deve ser feita em estrita

observância aos princípios consagrados, haja vista que, na CF/88,

eles estão axiologicamente em posição superior, seja pelo valor

intrínseco que possuem, ou pelo simples fato de constituírem a

própria fundamentação do ordenamento. Nessa linha de pensar,

Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior afirmam que

“podemos falar na existência de uma hierarquia interna valorativa

dentro das normas constitucionais, ficando os princípios em um

plano superior, exatamente pelo caráter de regra estrutural que

apresentam.”[23]

A obediência aos princípios justifica-se, de igual forma, pois eles

refletem os valores consagrados em uma sociedade, como bem

ensina Ivo Dantas:

Page 26: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

25 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

PRINCÍPIOS são categoria lógica e, tanto quanto

possível, universal, muito embora não possamos

esquecer que, antes de tudo, quando

incorporados a um sistema jurídico-

constitucional-positivo, refletem a própria

estrutura ideológica do Estado, como tal,

representativa dos valores consagrados por uma

determinada sociedade.[24]

Tendo em vista que os princípios da proteção à dignidade da

pessoa humana, da valorização social do trabalho e da proteção ao

trabalhador ocupam posição de destaque no Direito Brasileiro,

deve-se buscar a sua estrita observância, sob o risco de incorrer em

grave afronta à ordem jurídica. Nesse contexto, a responsabilização

da Administração Pública não só é plausível, como também é

recomendável, pois se apresenta como uma solução jurídica para a

problemática da responsabilidade no âmbito da terceirização que

atende aos princípios norteadores do Direito, cuja observância faz-

se necessária como forma de assegurar aos trabalhadores o gozo

dos direitos fundamentais.

4.2 A Responsabilidade Subjetiva e Noções de Culpa in

eligendo e Culpa in vigilando

O art. 37, XXI, da CF/88, conforme já visto, estabeleceu a

obrigatoriedade das contratações públicas serem precedidas de

regular processo licitatório. Buscou, assim, a carta constitucional,

garantir a observância do princípio da isonomia, concedendo a

qualquer empresa interessada, desde que preencha os requisitos

legais, a oportunidade de participar do processo de seleção

realizado pelo ente público. Além disso, possibilitou-se à

Administração Pública a prerrogativa de selecionar, entre os

interessados em contratar com ela, aquele que apresentasse a

melhor proposta, que lhe fosse mais vantajosa.

Page 27: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

26

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

Segundo Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo:

A doutrina conceitua licitação como um

procedimento administrativo, de observância

obrigatória pelas entidades governamentais, em

que, observada a igualdade entre os

participantes, deve ser selecionada a melhor

proposta dentre as apresentadas pelos

interessados em com elas travar determinadas

relações de conteúdo patrimonial, uma vez

preenchidos os requisitos mínimos necessários

ao bom cumprimento das obrigações a que eles

se propõem.[25]

No plano infraconstitucional, a Lei n. 8.666/93 contém regras

que disciplinam o procedimento de licitação, merecendo destaque o

art. 27, que arrola os documentos exigíveis das empresas que

desejam se habilitar no certame. Isto porque estes documentos

funcionam como instrumentos objetivos para que o ente público

escolha a melhor entre as empresas participantes.

Segundo o art. 29 da lei supracitada, na fase de habilitação,

incumbe à Administração Pública cobrar das empresas licitantes a

comprovação de regularidade para com os encargos fiscais e

trabalhistas, devendo a empresa, inclusive, fazer prova de

regularidade quanto à Seguridade Social e ao FGTS.

Nesse diapasão, presume-se que a empresa contratada pelo

poder público possui subsídios para arcar com o cumprimento das

suas obrigações, inclusive as trabalhistas, já que cabe a empresa

demonstrar sua situação regular no cumprimento dos encargos

sociais, conforme determinação legal.

A Administração Pública, por sua vez, no momento do

julgamento das propostas, deve verificar a idoneidade das

Page 28: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

27 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

empresas licitantes através da conferência da documentação

apresentada. No mesmo sentido, incumbe a ela também observar

as propostas das candidatas, analisando se os preços

apresentados são compatíveis com os custos dos encargos sociais

trabalhistas, sob pena de desclassificação da proposta inexequível.

Evidente, portanto, que o ente público dispõe de todo um

aparato para assegurar que o contrato de prestação de serviços

seja celebrado com uma empresa que possa ser considerada

detentora de idoneidade econômica. Desse modo, se a

Administração Pública comete a falha de eleger uma empresa que

não costuma adimplir com suas obrigações legais, está

concorrendo com culpa in eligendo no que diz respeito ao dano

causado ao empregado em razão do inadimplemento da contratada.

Com efeito, a Administração Pública contratante dos serviços

terceirizados deve selecionar criteriosamente a empresa com quem

irá contratar, presumindo-se, caso haja uma falha na escolha, que

não agiu com cautela na análise dos documentos de habilitação das

candidatas.

Sobre a responsabilidade do ente público, em razão da sua

ação culposa, na modalidade de culpa in eligendo, Alice Monteiro

de Barros afirma que:

A reformulação da teoria da responsabilidade civil encaixa-se

como uma luva na hipótese da terceirização. O tomador dos

serviços responderá na falta de previsão legal ou contratual,

subsidiariamente, pelo inadimplemento das obrigações sociais a

cargo da empresa prestadora de serviço. Trata-se de uma

responsabilidade indireta, fundada na ideia de culpa presumida (in

eligendo), ou seja, na má escolha do fornecedor da mão-de-obra e

também no risco (art. 927, parágrafo único, do Código Civil de

2002), já que o evento, isto é, a inadimplência da prestadora de

Page 29: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

28

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

serviços decorreu do exercício de uma atividade que se reverteu em

proveito do tomador.[26]

Entende-se que é indispensável que o ente público tenha

conhecimento da estrutura da prestadora, de seu porte e de sua

fidedignidade, até porque possui meios de prever a eventual

inadimplência da empresa terceirizada quanto aos seus encargos,

inclusive os trabalhistas. Assim, a Administração Pública assume o

risco de responder pela eleição descurada, já que indubitavelmente

concorreu para a contratação de uma empresa inidônea, incorrendo

em culpa in eligendo. Dessa forma, nada mais lógico que responda

subsidiariamente pelo inadimplemento das verbas trabalhistas, pois

não é justo, nem legal, que os riscos da terceirização sejam

suportados pelo trabalhador, até porque, de acordo com o art. 2º,

da CLT, é o empregador quem assume os riscos da atividade.

A atuação da Administração Pública nas contratações dos

serviços públicos, no entanto, não se restringe à seleção da

empresa contratante. Há que se considerar ainda que o Estado tem

o dever de fiscalizar eficientemente a execução de seus contratos

de terceirização, por imperativo de legalidade e moralidade pública,

inclusive em relação ao cumprimento das obrigações da empresa

contratada para com os seus empregados.

Isto porque os arts. 54, § 1º, 55, XIII, e 66, da Lei n. 8.666/93,

estabelecem que a empresa contratada esteja estritamente

vinculada ao cumprimento das obrigações por ela assumidas,

inclusive as trabalhistas. Salienta-se que a tal posicionamento

justifica-se na medida em que, no curso do certame, a empresa

apresentou proposta, na qual deve (ou ao menos deveria)

obrigatoriamente constar o preço relativo aos direitos trabalhistas

de seus empregados.

O art. 67 da mencionada lei, por sua vez, atribui à Administração

Pública o dever de fiscalizar a execução do contrato por meio de um

Page 30: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

29 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

representante especialmente designado, que deverá pontuar todas

as irregularidades e determinar o que for necessário para ajustar a

situação.

Como se não bastassem os preceitos da Lei de Licitação e

Contratos, o dever do ente público de fiscalizar a execução dos

ajustes firmados encontra-se regulamentado também na Instrução

Normativa (IN) n. 2/08, alterada pela Instrução Normativa n. 3/09,

ambas do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão

(MPOG), que tratam da matéria no âmbito da Administração Pública

Federal, servindo ao menos de baliza interpretativa para os demais

entes da administração, embora não possa figurar como solução

impositiva.

Em linhas gerais, tais diplomas legais impõem à Administração

Pública contratante o dever de fiscalizar o adimplemento das

obrigações trabalhistas pelas empresas contratadas, desde a

seleção no processo licitatório até os momentos finais do contrato.

Nesta oportunidade, inclusive, o ente público tem o dever de adotar

medidas voltadas a preservar o pagamento das verbas rescisórias

dos trabalhadores.

A respeito do acompanhamento e fiscalização da execução dos

contratos, o art. 34 da IN n. 02/08, regulamentando o art. 67 da Lei

n. 8.666/93, assim dispõe:

Art. 34. A execução dos contratos deverá ser

acompanhada e fiscalizada por meio de

instrumentos de controle, que compreendam a

mensuração dos seguintes aspectos, quando for

o caso:

I - os resultados alcançados em relação ao

contratado, com a verificação dos prazos de

execução e da qualidade demandada;

Page 31: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

30

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

II - os recursos humanos empregados, em

função da quantidade e da formação profissional

exigidas;

III - a qualidade e quantidade dos recursos

materiais utilizados;

IV - a adequação dos serviços prestados à rotina

de execução estabelecida;

V - o cumprimento das demais obrigações

decorrentes do contrato; e

VI - a satisfação do público usuário.[27]

Nesse contexto, fica evidente que a Administração Pública

dispõe de vários instrumentos para fiscalizar a execução do

contrato, inclusive no sentido de verificar se a empresa contratada

está efetuando o regular adimplemento das verbas trabalhistas.

Cumpre observar que os direitos dos trabalhadores são direitos

fundamentais, cuja garantia a CF/88 atribuiu, principalmente, ao

Estado. Daí porque se afirma que o Estado tem o dever de fiscalizar

o fiel cumprimento do contrato.

Assim, a ausência de fiscalização por parte do ente público

desponta como outro fundamento para a responsabilização da

Administração Pública nas terceirizações, em razão da

configuração da culpa in vigilando. Essa modalidade de culpa diz

respeito ao dever que a o poder público possui de fiscalizar se a

empresa contratada está cumprindo com suas obrigações

trabalhistas durante todo o período de duração do contrato de

prestação de serviços.

Em razão dos fundamentos expostos, defende-se que a

responsabilidade subsidiária da Administração Pública surge

Page 32: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

31 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

justamente em face da falha na escolha das empresas prestadoras

de serviços públicos (culpain eligendo) e na ausência de

fiscalização, no sentido de verificar se a empresa contratada está

cumprindo as suas obrigações contratuais, inclusive as trabalhistas

(culpa in vigilando). Nesse sentido, Vaneska Donato de Araújo

considera que:

A culpa in eligendo se caracterizava pela má escolha dos

empregados ou propostos, por parte do patrão ou comitente; a

culpa in vigilando se referia à falta de atenção e cuidado para com

o comportamento das pessoas que estavam sob a guarda ou

responsabilidade do agente.[28]

Anteriormente à última alteração da Súmula n. 331 do TST,

aqueles que coadunavam com os argumentos revelados entendiam

que haveria uma presunção de que a Administração Pública

concorreu com culpa in vigilando ou in eligendo quando constatado

que, de fato, a empresa prestadora de serviços não cumpriu com

suas obrigações juslaborais em relação aos trabalhadores

terceirizados.

No entanto, atualmente o entendimento consagrado pelo TST é

o de que a simples sonegação das verbas trabalhistas pela empresa

prestadora dos serviços não implica no automático reconhecimento

de culpa por parte do ente estatal. De acordo com o inciso V do

citado enunciado, os entes da administração direta e indireta só

respondem pelas obrigações relativas aos encargos trabalhistas

não adimplidos por parte do contratado se comprovada a sua culpa

na produção do resultado danoso, seja ela na modalidade culpa in

eligendo ou culpa in vigilando.

Disto se conclui que a Suprema Corte Trabalhista entende que

a responsabilidade do Estado, em caso de terceirização, é de

natureza subjetiva, em face da necessidade de comprovação do

elemento volitivo. Tal posicionamento, em que pese já se revele

Page 33: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

32

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

mais benéfico para o trabalhador do que a tese da

irresponsabilidade do ente público, não se revela ideal, pois atribuir

o ônus de provar a existência de conduta culposa por parte da

Administração Pública ao trabalhador apresenta-se, na maioria das

vezes, como empecilho à obtenção dos seus direitos.

O que acontece é que, na maioria das vezes, o empregado da

prestadora de serviços não possui meios para fazer a produção da

referida prova, pois todos os documentos relativos ao contrato

administrativo são de posse do ente público. Assim, a prova de que

a Administração Pública incorreu em culpa in eligendo ou in

vigilando configura-se como verdadeira prova diabólica, que é

aquela cuja produção é excessivamente difícil, ou até mesmo

impossível.

Não se poderia também cogitar de aplicação da regra de

inversão do ônus da prova, para comprovação de que o órgão

público agiu culposamente, pois o Processo do Trabalho determina

o ônus da prova de determinada alegação incumbe a quem a fizer,

conforme previsão do art. 818 da CLT[29].

Por essas razões, acredita-se que a melhor solução para os

casos em que a empresa contratada pela Administração Pública

deixa de efetuar devidamente o pagamento dos encargos

trabalhistas seria atribuir-lhe a responsabilidade pelo adimplemento

dessas parcelas independentemente da necessidade de

comprovação do elemento subjetivo. Passa-se, portanto, a analisar

os argumentos que embasam este posicionamento.

4.3 A Responsabilidade Objetiva da Administração Pública

Contratante

O art. 927 do Código Civil, em seu parágrafo único, prevê a

responsabilidade objetiva, ao dispor que: “Haverá obrigação de

reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos

Page 34: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

33 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

especificados em lei, ou quando a atividade normalmente

desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco

para os direitos de outrem”[30].

A responsabilidade objetiva fundamenta-se na teoria do risco e

se justifica diante da dificuldade por parte da vítima de provar a

culpa do agente, o que impossibilitava a reparação.

Especificamente acerca da responsabilidade do Estado, a CF/88

adotou expressamente a teoria da responsabilidade objetiva, sob a

modalidade risco administrativo.

Em idêntico sentido, o art. 43[31] do novo Código Civil, que

praticamente repete o teor do artigo da Constituição mencionado,

trouxe à legislação civil a ideia do risco administrativo para embasar

a responsabilidade civil do Estado, tendo, portanto, de igual forma,

adotado a teoria da responsabilidade objetiva.

Constata-se, portanto, que não se permite que o Estado se

exima do seu dever de reparar o dano causado à terceiro por uma

conduta que lhe seja imputável, seja ela um ato unilateral, lícito ou

ilícito, comissivo ou omissivo, material ou jurídico[32]. Ademais, em

razão da adoção da teoria objetiva, a vítima está dispensada do

ônus probante quanto à culpabilidade direta ou indireta da

Administração, desde que presentes todos os elementos da

responsabilidade[33], quais sejam: conduta atribuível ao Estado;

dano a terceiro e nexo causal.

Por força do que dispõe o art. 37, § 6º, da CF/88, não pode, o

ente público, se escusar de ressarcir o trabalhador pelos danos que

lhe foram causados em razão da desvirtuação da relação de

emprego ocasionada pela terceirização dos serviços. Daí porque,

ainda que não seja possível a formação de vínculo de emprego

entre o ente estatal e o empregado da empresa contratada, em

obediência ao art. 37, II, da CF/88, o Estado deve arcar com o

Page 35: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

34

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

pagamento das verbas trabalhistas devidas ao trabalhador,

seguindo a orientação do inciso IV da Súmula n. 331 do TST.

Ademais, aplica-se, ao caso da Administração Pública

contratante de serviços terceirizados, o regramento do Código Civil.

Isso porque, quando se fala em responsabilidade do tomador dos

serviços, nada mais se estar a dizer senão sobre a responsabilidade

por ato de terceiro, matéria regulada pelo diploma civil, de aplicação

analógica no Direito do Trabalho. Em seu art. 932[34], o referido

diploma legislativo determina que o comitente, no caso, o tomador

dos serviços, é responsável pela reparação dos danos ocasionados

por atos de seus prepostos (prestador de serviços), no exercício do

trabalho que lhes competir, ou em razão dele.

O art. 933[35], por sua vez, prevê que as pessoas elencadas no

artigo anterior, entre as quais está o comitente, deverão responder

pelos atos praticados pelos terceiros referidos ainda que não haja

culpa de sua parte. E mais, mais adiante, o parágrafo único do art.

942[36] estabelece a responsabilidade das pessoas designadas no

art. 932 é de caráter solidário.

Destarte, a solução adotada para a questão do inadimplemento

das verbas trabalhistas nos contratos de terceirização não poderia

ser outra que não a atribuição de responsabilidade solidária e

objetiva ao Estado, pois não seria justo que o trabalhador ficasse

em total desamparo, tendo que arcar com os riscos da atividade

terceirizada. Conforme salientado anteriormente, os empregados da

empresa contratada não dispõem de meios suficientes para fazer

prova da culpa do agente público, o que muitas vezes inviabiliza a

obtenção da reparação em decorrência do dano sofrido. Por essa

razão, a adoção da teoria da responsabilidade subjetiva, nesses

casos, não se revela a melhor forma de solucionar o problema.

Impende destacar, contudo, que se reconhece os danos que a

atribuição de responsabilidade solidária ao ente público, nesses

Page 36: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

35 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

casos, pode ocasionar à sociedade. Assim, defende-se a aplicação

da ideia desenvolvida pelo Ministro Herman Benjamin , do Superior

Tribunal de Justiça, de responsabilidade solidária de execução

subsidiária. Julgando questão afeta ao Direito Ambiental,

notadamente a responsabilidade da Administração Pública nos

casos de omissão no seu dever de fiscalizar as empresas

causadoras de degradação ambiental, o ilustre Ministro, relator do

processo, defendeu que o poder público deveria ser

responsabilizado de forma solidária, uma vez que agiu com

descaso, omitindo-se no seu dever de controle e fiscalização[37].

Contudo, ressalvou o ministro que, ao buscar a tutela dos direitos

ambientais, responsabilizando o poder público pelos danos

causados pela empresa poluidora, não se poderia penalizar

duplamente a sociedade, uma vez que, em última análise seria esta

quem sofreria as consequências da responsabilização. Assim,

entendeu que, em que pese a responsabilidade da Administração

Pública seja solidária, nesses casos, sua execução comporta ordem

de preferência, ou seja, é subsidiária. Nesse sentido, vejamos

trecho esclarecedor do voto do relator:

A responsabilidade solidária e de execução

subsidiária significa que o Estado integra o título

executivo sob a condição de, como devedor-

reserva, só ser convocado a quitar a dívida se o

degradador original, direto ou material (=

devedor principal) não o fizer, seja por total ou

parcial exaurimento patrimonial ou insolvência,

seja por impossibilidade ou incapacidade,

inclusive técnica, de cumprimento da prestação

judicialmente imposta, assegurado, sempre, o

direito de regresso (art. 934 do Código Civil),

com a desconsideração da personalidade

jurídica (art. 50 do Código Civil).[38]

Page 37: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

36

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

Ressalta-se ainda que a tendência atual é de alargar o conceito

da expressão “agente”, constante do art. 37, § 6º, da CF/88, para

abarcar os particulares em colaboração com o Estado, entre os

quais estão incluídas as empresas prestadoras de serviços

terceirizados. Isto porque o Estado é uma pessoa jurídica e, por

isso, manifesta sua vontade através das pessoas físicas, que

praticam atos. Assim, os atos administrativos correspondem à

conduta humana praticada em nome da Administração Pública,

estando sujeito a controle por parte do Estado.

Evidente que as empresas prestadoras de serviços são

contratadas pela Administração para desempenhar atividades de

seu interesse, em seu nome, atividades estas que originariamente

competiam ao ente público, conforme determinação do art. 175 da

CF/88[39]. Assim, não há dúvidas que tais empresas praticam atos

administrativos. Ademais, não há dúvidas de que o poder público

tem a prerrogativa de fiscalizar a execução do contrato, ou seja, dos

atos praticados pelas empresas contratadas.

Dessa forma, justifica-se a tendência de interpretar a expressão

“agente” de forma a englobar os particulares em colaboração com o

Estado, pois, uma vez que estes estão agindo em nome da

Administração Pública, compete a ela arcar com os riscos da

atividade, até porque, conforme a Constituição, é o ente estatal

quem tem o dever de executar as atividades de interesse público,

tendo escolhido delegá-las a um terceiro.

Nesse esteio, nada mais lógico que atribuir responsabilidade

objetiva e solidária, de execução subsidiária, ao Estado nos casos

de terceirização. Ainda que o dano não houvesse sido ocasionado

em razão da atuação direta do Estado, o seu comportamento ativo

criou a situação que ensejou o dano, de forma que o ente público

não pode se eximir de toda e qualquer responsabilidade. Segundo

Celso Antônio Bandeira de Mello, “Nestas hipóteses pode-se dizer

que não há causação direta e imediata do dano por parte do Estado,

Page 38: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

37 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

mas seu comportamento ativo entra, de modo mediato, porém

decisivo, na linha de causação”[40].

O autor segue ainda explicando que a contratação de

trabalhadores por empresa prestadora de serviços decorre de uma

ação do Estado, que é a celebração de contrato de prestação de

serviços. Assim, quando a empresa contratada deixa de satisfazer

direitos trabalhistas dos empregados que aliciou para o

cumprimento do ajuste celebrado com o poder público está

causando um dano a esses trabalhadores, em cuja causação

participou o Estado. Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de

Mello:

Em última instância, estas hipóteses de danos ora cogitadas

não se distanciam muito dos casos em que o prejuízo é causado

diretamente pelo Estado. É que a lesão deriva de uma situação

criada pelo próprio Estado. É o próprio Poder Público que, embora

sem ser o autor do dano, compõe, por ato seu, situação propícia à

eventualidade de um dano.[41]

Trata-se da aplicação da Teoria do Risco Administrativo. Ao

terceirizar serviços que, em regra, teria o dever de prestar, a

Administração Pública propicia, ainda que indiretamente, o

surgimento de situação jurídica causadora de danos a terceiros, no

caso, o exercício de labor sem a devida contraprestação. Dessa

forma, fica evidente que o Estado assume, mesmo que tacitamente,

o risco de ter que arcar com o adimplemento das verbas trabalhistas

dos empregados da empresa contratada.

Nesse sentido, transcreve-se o voto condutor do julgamento do

Incidente de Uniformização de Jurisprudência n. 297751 do TST:

INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE

JURISPRUDÊNCIA - ENUNCIADO Nº 331, IV,

DO TST - RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA

Page 39: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

38

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

- ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - ARTIGO 71 DA

LEI Nº 8.666/93. Embora o artigo 71 da Lei nº

8.666/93 contemple a ausência de

responsabilidade da Administração Pública pelo

pagamento dos encargos trabalhistas,

previdenciários, fiscais e comerciais resultantes

da execução do contrato, é de se consignar que

a aplicação do referido dispositivo somente se

verifica na hipótese em que o contratado agiu

dentro de regras e procedimentos normais de

desenvolvimento de suas atividades, assim

como de que o próprio órgão da administração

que o contratou pautou-se nos estritos limites e

padrões da normatividade pertinente. Com

efeito, evidenciado, posteriormente, o

descumprimento de obrigações, por parte do

contratado, entre elas as relativas aos encargos

trabalhistas, deve ser imposta à contratante a

responsabilidade subsidiária. Realmente, nessa

hipótese, não se pode deixar de lhe imputar, em

decorrência desse seu comportamento omisso

ou irregular, ao não fiscalizar o cumprimento das

obrigações contratuais assumidas pelo

contratado, em típica culpa in vigilando, a

responsabilidade subsidiária e,

conseqüentemente, seu dever de responder,

igualmente, pelas conseqüências do

inadimplemento do contrato. Admitir-se o

contrário, seria menosprezar todo um arcabouço

jurídico de proteção ao empregado e, mais do

que isso, olvidar que a Administração Pública

deve pautar seus atos não apenas atenta aos

princípios da legalidade, da impessoalidade,

mas sobretudo, pelo da moralidade pública, que

Page 40: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

39 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

não aceita e não pode aceitar, num contexto de

evidente ação omissiva ou comissiva, geradora

de prejuízos a terceiro, que possa estar ao largo

de qualquer co-responsabilidade do ato

administrativo que pratica. Registre-se, por outro

lado, que o art. 37, § 6º, da Constituição Federal

consagra a responsabilidade objetiva da

Administração, sob a modalidade de risco

administrativo, estabelecendo, portanto, sua

obrigação de indenizar sempre que cause danos

a terceiro. Pouco importa que esse dano se

origine diretamente da Administração, ou,

indiretamente, de terceiro que com ela contratou

e executou a obra ou serviço, por força ou

decorrência de ato administrativo. (destaques

não constam no original).[42]

Outro argumento apontado para sustentar a tese da

responsabilidade objetiva do Estado em caso de terceirização é a

ideia de risco proveito, segundo a qual aquele que se aproveita de

atividade que propicia riscos a terceiros deverá responder,

independentemente de culpa, pelos danos ocasionados.

Parafraseando Maria Helena Diniz, Alice Monteiro de Barros,

leciona que a noção de risco proveito “Baseia-se no princípio do ubi

emolumentum,ibis ius (ou ibis ônus), isto é, a pessoa que se

aproveitar dos riscos ocasionados deverá arcar com suas

consequências”.[43]

Por fim, ainda que não se entenda que o dano causado aos

trabalhadores decorreu, ainda que indiretamente, de conduta

comissiva do Estado, consistente na contratação de empresa para

prestação de serviços, mas sim que se originou da postura omissa

do ente público quanto à fiscalização do contrato, justifica-se a

adoção da tese da responsabilidade objetiva.

Page 41: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

40

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

Ora, o art. 37, § 6º, da CF/88, não estabeleceu qualquer

distinção entre a atuação comissiva e a atuação omissiva do

Estado. O referido dispositivo apenas menciona que o ente público

responderá pelos danos que seus agentes, nessa qualidade,

causarem a terceiros, ou seja, basta à ocorrência do dano, não

sendo relevante se ele foi ocasionado por conduta ativa ou omissiva

do agente.

Constata-se, assim, que a tese da responsabilidade subjetiva

do Estado por suas omissões é construção meramente doutrinária

e não encontra qualquer respaldo na legislação vigente. Ressalta,

inclusive, Carlos Roberto Gonçalves que a jurisprudência do

Supremo Tribunal Federal já decidiu que a atividade administrativa

a que alude o art. 37, § 6º, da CF/88, abrange tanto a conduta

comissiva quanto a omissiva, desde que a omissão seja causa

direta do dano, o que, sem dúvidas, ocorre no caso em análise.[44]

No mesmo sentido, para demonstrar que a Suprema Corte tem

adotado posicionamento no sentido de admitir a responsabilidade

objetiva do Estado por omissão, transcreve-se trecho de decisão

proferida pelo STF, de relatoria do Ministro Celso Antônio:

O Tribunal, por maioria, deu provimento a agravo regimental

interposto em suspensão de tutela antecipada para manter decisão

interlocutória proferida por desembargador do Tribunal de Justiça

do estado de Pernambuco, que concedera parcialmente pedido

formulado em ação de indenização por perdas e danos morais e

materiais para determinar que o mencionado Estado-membro

pagasse todas as despesas necessárias à realização de cirurgia de

implante de Marcapasso Diafragmático Muscular – MDM no

agravante, com o profissional por este requerido. Na espécie, o

agravante, que teria ficado tetraplégico, em decorrência de assalto

ocorrido em via pública, ajuizara ação indenizatória, em que objetiva

a responsabilização do Estado de Pernambuco pelo custo

decorrente da referida cirurgia, ‘que devolverá ao autor a condição

Page 42: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

41 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

de respirar sem a dependência do respirador mecânico’. Entendeu-

se que restaria configurada uma grave omissão, permanente e

reiterada, por parte do Estado de Pernambuco, por intermédio de

suas corporações militares, notadamente por parte da polícia militar,

em prestar o adequado serviço de policiamento ostensivo, nos

locais notoriamente passíveis de práticas criminosas violentas, o

que também ocorreria em diversos outros Estados da Federação.

Em razão disso, o cidadão teria o direito de exigir do estado, o qual

não poderia se demitir das consequências que resultariam do

cumprimento do seu dever constitucional de prover segurança

pública, a contraprestação da falta desses serviços. Ressaltou-se

que situações configuradoras de falta de serviço podem acarretar a

responsabilidade civil objetiva do Poder Público, considerado o

dever de prestação pelo estado, a necessária existência de causa e

efeito, ou seja, a omissão administrativa e o dano sofrido pela

vítima, e que, no caso, estariam presentes todos os elementos que

compõe a estrutura dessa responsabilidade. [...].[45]

Esclarecem ainda Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo que nas

situações:

Em que o estado está na posição de garante,

quando tem dever legal de assegurar a

integridade de pessoas ou coisas sob sua

custódia, guarda ou proteção direta, responderá

ele com base na teoria do risco administrativo,

terá responsabilidade extracontratual objetiva

pelo dano ocasionado pela sua omissão às

pessoas ou coisas que estavam sob sua

custódia ou sob sua guarda.[46]

Não há dúvidas de que a Administração Pública tem o deve agir

em defesa do interesse público, inclusive os direitos trabalhistas,

estando, portanto, em posição de garante, de acordo com os

ensinamentos acima transcritos. Dessa forma, ao omitir-se em

Page 43: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

42

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

proceder à fiscalização, como preceituam a Lei n. 8.666/93 e a

Instrução Normativa (IN) n. 2/08, alterada pela Instrução Normativa

n. 3/09, ambas do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão

(MPOG), o poder público está violando não apenas as referidas

normas legais, mas também frustrando as expectativas legítimas

dos trabalhadores e cidadãos em geral quanto ao papel do Estado.

Nesse caso, a responsabilidade do Estado pelos encargos

trabalhistas inadimplidos por parte da empresa contratada deve ser

objetiva, com base no art. 37, §6º, da CF/88, tendo em vista que o

representante da Administração, especialmente designado para

acompanhar a execução contratual, se omitiu de verificar o

adimplemento das referidas verbas, ocasionando dano direto aos

empregados da prestadora de serviços.

Em face do exposto, verifica-se que são de extrema pertinência

os argumentos que embasam a aplicação da tese da

responsabilidade objetiva da Administração Pública em casos de

terceirização de serviços.

6 CONCLUSÕES

Diante de todo o exposto no decorrer deste esforço acadêmico,

conclui-se que:

1) especificamente quanto á responsabilidade do Estado, o

art. 37, § 6º, da Constituição Federal de 1988 prevê a

responsabilidade objetiva da Administração Pública, com

base na ideia da mais ampla reparabilidade dos danos

causados, admitindo-se, no entanto, a existência de causa

excludente de responsabilidade. Em que pese muitos

estudiosos defendam que o referido dispositivo apenas se

aplica aos casos de condutas comissivas do ente público, o

texto constitucional em momento algum estabelece

distinção entre a forma de responsabilização em razão de

atos comissivos ou omissivos do Estado;

Page 44: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

43 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

2) a controvérsia a respeito da responsabilidade civil do

Estado nas terceirizações, no entanto, reside na

convivência concomitante entre o art. 71, §1º, da Lei de

Licitações e Contratos, e a Súmula n. 331 do TST. Trata- se

de uma contradição apenas aparente, pois, em verdade,

não há incompatibilidades entre os dispositivos apontados,

sendo, portanto, plenamente possível a responsabilização

do ente público contratante de serviços terceirizados;

3) de igual forma, tendo em vista que os princípios da

proteção à dignidade da pessoa humana, da valorização

social do trabalho e da proteção ao trabalhador ocupam

posição de destaque no Direito Brasileiro, deve-se buscar a

sua estrita observância, sob o risco de incorrer em grave

afronta à ordem jurídica. Assim, a responsabilização da

Administração Pública não só é plausível, como também é

recomendável, pois se apresenta como uma solução

jurídica para a problemática da responsabilidade no âmbito

da terceirização que atende aos princípios norteadores do

Direito, cuja observância faz-se necessária como forma de

assegurar aos trabalhadores o gozo dos direitos

fundamentais;

4) com esteio na Súmula n. 331 do TST, a condenação da

Administração Pública justifica-se também em face da falha

na escolha das empresas prestadoras de serviços públicos

(culpa in eligendo) ou na ausência de fiscalização, no

sentido de verificar se a empresa contratada está cumprindo

as suas obrigações contratuais, inclusive as trabalhistas

(culpa in vigilando);

5) em que pese o posicionamento sumulado já se revele

mais benéfico para o trabalhador do que a tese da

irresponsabilidade do ente público, não se revela ideal, pois

atribuir o ônus de provar a existência de conduta culposa

por parte da Administração Pública ao trabalhador

apresenta-se, na maioria das vezes, como empecilho à

Page 45: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

44

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

obtenção dos seus direitos, pois em muitos casos, todos os

documentos relativos ao contrato administrativo são de

posse do ente estatal. A responsabilidade objetiva

fundamenta-se, assim, na Teoria do Risco e se justifica

diante da dificuldade por parte da vítima de provar a culpa

do agente;

6) de igual sorte, da análise do art. 37, § 6º, da CF/88, bem

como em decorrência do regramento estabelecido no

Código Civil, notadamente nos arts. 932, 933 e 942, conclui-

se que a solução adotada para a questão do

inadimplemento das verbas trabalhistas nos contratos de

terceirização não poderia ser outra que não a atribuição de

responsabilidade objetiva ao Estado, pois não seria justo

que o trabalhador ficasse em total desamparo, tendo que

arcar com os riscos da atividade terceirizada;

7) outro argumento apontado para sustentar a aplicação da

tese da responsabilidade objetiva do Estado em caso de

terceirização é a ideia de risco- proveito, segundo a qual

aquele que se aproveita de atividade que propicia riscos a

terceiros deverá responder, independentemente de culpa,

pelos danos ocasionados. E ainda, tendo a Administração o

deve agir em defesa do interesse público, inclusive os

direitos trabalhistas, estando, portanto, em posição de

garante, ao omitir-se em proceder à fiscalização está

também frustrando as expectativas legítimas dos

trabalhadores e cidadãos em geral quanto ao papel do

Estado, devendo-lhe, portanto, ser imputada a

responsabilidade objetiva pelos danos decorrentes do

inadimplemento;

8) por fim, sob pena de onerar sobremaneira o Estado, em

que pese defenda-se a atribuição de responsabilidade

objetiva e solidária, entende-se pela aplicação da doutrina

do Ministro Herman Benjamin, de forma que, apesar de

solidária, a reponsabilidade da Administração Pública nos

Page 46: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

45 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

caso de inadimplemento das verbas trabalhistas por parte

da empresa contratada, a execução do ente público deve

ocorrer de forma subsidiária.

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALEXANDRINO, Marcelo; VINCENTINO, Paulo.Direito

administrativo descomplicado. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense; São

Paulo: Método, 2012.

AMORIM, Helder Santos. Terceirização no serviço público: uma

análise à luz da nova hermenêutica constitucional. São Paulo: LTr,

2009.

ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de direito administrativo. São

Paulo: Saraiva, 2005.

ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal

Serrano. Curso de direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Saraiva,

2005.

ARAÚJO, Vaneska Donato de. Responsabilidade civil. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

BAHIA, Saulo Casali. Responsabilidade civil do estado. Rio de

Janeiro: Forense, 1995.

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 2 ed.

São Paulo: LTr, 2006.

BRASIL. Constituição (1946). Constituição dos Estados Unidos

do Brasil. Rio de Janeiro, 18 set. 1946. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A

7ao46.htm>. Acesso em: 21 fev. 2013.

Page 47: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

46

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

______. Constituição (1988). Constituição da República

Federativa do Brasil. Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A

7ao.htm>. Acesso em: 05 dez. 2012.

______. Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967. Dispõe

sobre a organização da Administração Federal, estabelece

diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras

providências. Diário Oficial [dos] Estados Unidos do Brasil, Brasília,

DF, 27 fev. 1967. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0200.htm>.

Acesso em: 05 dez. 2012.

______. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a

Consolidação das Leis do Trabalho.Diário Oficial [dos] Estados

Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, 01 maio 1943. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>.

Acesso em: 07 dez. 2012.

______. Decreto nº 2.271, de 7 de julho de 1997. Dispõe sobre

a contratação de serviços pela Administração Pública Federal

direta, autárquica e fundacional e dá outras providências. Diário

Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 8 jul. 1997.

Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d2271.htm>. Acesso

em: 22 dez. 2012.

______. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o

Código Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,

Brasília, DF, 11 jan. 2002a. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2002/L10406.htm>. Acesso

em: 16 dez. 2012.

______. Lei nº 12.440, de 7 de julho de 2011. Acrescenta Título

VII-A à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo

Page 48: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

47 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, para instituir a

Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas, e altera a Lei no 8.666,

de 21 de junho de 1993. Diário Oficial [da] República Federativa do

Brasil, Brasília, DF, 08 jul. 2011a. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-

2014/2011/Lei/L12440.htm>. Acesso em: 22 dez. 2012.

______. Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código

Civil. Diário Oficial [da] República dos Estados Unidos do Brasil, Rio

de Janeiro, 5 jan. 1916. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L3071.htm>. Acesso em: 15

dez. 2012.

______. Lei nº 5.645, de 10 de dezembro de 1970. Estabelece

diretrizes para a classificação de cargos do Serviço Civil da União e

das autarquias federais, e dá outras providências. Diário Oficial [da]

República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 dez. 1970.

Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5645.htm>. Acesso em:

07 dez. 2012.

______. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o

art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para

licitações e contratos da Administração Pública e dá outras

providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,

Brasília, DF, 22 jun. 1993. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm>. Acesso

em: 02 jan. 2013.

______. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.

Instrução Normativa nº 2, de 30 de abril de 2008. Dispõe sobre

regras e diretrizes para a contratação de serviços, continuados ou

não. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF,

23 maio 2008a. Disponível em:

Page 49: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

48

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

<http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/38/MPOG/2008/2.h

tm>. Acesso em: 05 jan. 2013.

______. Senado Federal. Projeto de Lei do Senado nº 77, de

2002. Brasília, DF, 2002b. Disponível em:

<http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_

mate=49868>. Acesso em: 21 jan. 2013.

______. Senado Federal. Regimento Interno do Senado

Federal. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília,

DF, 01 fev. 2011b. Disponível em:

<http://www.senado.gov.br/legislacao/regsf/>. Acesso em: 21 jan.

2013.

______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial

2008/0146043-5 REsp 1071741 / SP. Relator: Min. Herman

Benjamin. 2ª Turma. Brasília, 24 mar. 2009. Diário da Justiça

Eletrônico, 16 dez. 2010. Disponível em:

<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=20080146

0435&dt_publicacao=16/12/2010>. Acesso em: 27 jan. 2016.

______. Tribunal Regional Trabalho da 6ª Região. Recurso

Ordinário nº. 0139000-15.2006.5.06.0001. Relator: Pedro Paulo

Pereira Nóbrega. 3ª Turma. Recife, 09 jun. 2009. Diário Eletrônico

da Justiça do Trabalho, 07 ago. 2009a. Disponível em:

<http://www.trt6.gov.br/consultaProcessual/procedural2ndInstance

Detail.seam?proceduralCode=RO++0169809&numberStick=1&fro

mResultInstances=true&cid=62293&conversationPropagation=join

>. Acesso em: 05 mar. 2013.

______. Tribunal Superior do Trabalho. Agravo de Instrumento

em Recurso de Revista nº. AIRR–78740-67.2008.5.14.0004.

Relator: Min. Walmir Oliveira da Costa. 1ª Turma. Brasília, 26 ago.

2009. Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho, 04 set. 2009b.

Disponível em:

Page 50: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

49 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

<https://aplicacao5.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumU

nica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&numeroTst=78740&digitoT

st=67&anoTst=2008&orgaoTst=5&tribunalTst=14&varaTst=0004>.

Acesso em: 05 mar. 2013.

______. Tribunal Superior do Trabalho. Incidente de

Uniformização de Jurisprudência em Recurso de Revista n. TST-

IUJ-RR-297.751/96.2. Relator: Min. Milton de Moura França. Quarta

Turma. Brasília, 11 set. 2000. Diário da Justiça, 20 out. 2000a.

Disponível em:

<http://ext02.tst.jus.br/pls/ap01/ap_red100.resumo?num_int=83959

&ano_int=1996&qtd_acesso=1281533&novoportal=>. Acesso em:

08 jan. 2013.

______. Tribunal Superior do Trabalho. Orientação

Jurisprudencial da Seção de Dissídios Individuais I - SDI 1 n° 321.

Brasília, DF, 2003. Disponível em:

<http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/OJ_SDI_1/n_s1_321.htm#TE

MA321>. Acesso em: 07 dez. 2012.

______. Tribunal Superior do Trabalho. Orientação

Jurisprudencial da Seção de Dissídios Individuais I - SDI 1 nº 383.

Brasília, DF, 2011c. Disponível em:

<http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/OJ_SDI_1/n_s1_381.html#T

EMA383>. Acesso em: 20 fev. 2013.

______. Tribunal Superior do Trabalho. Resolução

Administrativa nº. 1470, de 24 agosto de 2011d. Diário Eletrônico da

Justiça do Trabalho, Brasília, DF, n. 803, 29 ago. 2011. Disponível

em: <http://aplicacao.tst.jus.br/dspace/handle/1939/15476>.

Acesso em: 27 jan. 2013.

______. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula nº 256 do TST.

Brasília, DF, 1986. Disponível em:

Page 51: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

50

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

<http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumula

s_Ind_251_300.html#SUM-256>. Acesso em: 07 dez. 2012.

______. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula nº 331 do TST.

Brasília, DF, 1994. Disponível em:

<http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumula

s_Ind_301_350.html#SUM-331>. Acesso em: 05 dez. 2012.

______. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula nº 363 do TST.

Brasília, DF, 2000b. Disponível em:

<http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumula

s_Ind_351_400.html#SUM-363>. Acesso em: 21 jan. 2013.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Terceirização no setor

público: encontros e desencontros. In: FORTINI, Cristiana

(Coord.).Terceirização na administração: estudos em homenagem

ao Professor Pedro Paulo de Almeida Dutra. 2. ed. rev. atual. e

ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2012.

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil.

5. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito administrativo. 8.

ed. Salvador: JusPODIVM, 2009.

DANTAS, Ivo. Princípios constitucionais e interpretação

constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1995.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 8.

ed. São Paulo: LTr, 2009.

FANTONI, Natália. A responsabilidade da administração

pública pelo pagamento das verbas trabalhistas inadimplidas pela

empresa prestadora em casos de terceirização de serviços. 2011.

77 f. Monografia (Graduação em Direito) - Universidade Federal do

Rio Grande do Sul, Faculdade de Direito, Porto Alegre, 2011.

Page 52: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

51 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

FORTINI, Cristiana; PIEVE, Flávia Cristina Mendonça Faria da.

As terceirizações e as contratações temporárias realizadas pela

administração pública: distinções entre as duas figuras e o impacto

na LRF. In: ______. (Coord.). Terceirização na administração:

estudos em homenagem ao Professor Pedro Paulo de Almeida

Dutra. 2. ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2012.

______; VIEIRA, Virgínia Kirchmeyer. A terceirização pela

administração pública no direito administrativo: considerações

sobre o Decreto n. 2.271/97, a Instrução Normativa n. 2/08 e suas

alterações, a ADC n. 16 e a nova Súmula n. 331 do TST. In: ______.

(Coord.). Terceirização na administração: estudos em homenagem

ao Professor Pedro Paulo de Almeida Dutra. 2. ed. rev. atual. e

ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2012.

FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. 4. ed.

São Paulo: Malheiros, 2004.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo

curso de direito civil. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 2.

______. ______. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. v. 3.

GEMIGNANI, Tereza Aparecida Asta. Artigo 71 da Lei n.

8.666/93 e Súmula 331 do TST: poderia ser diferente? Revista do

Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo, v. 77, n. 1, p. 32-53,

jan./mar. 2011.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 2. ed. São

Paulo: Saraiva, 2002. v. 6. t. 2.

______. Responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva,

2008.

HAAS, Juliana. Reflexões sobre a responsabilidade da

Administração Pública pelo inadimplemento das obrigações

Page 53: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

52

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

trabalhistas da contratada à luz do entendimento do Supremo

Tribunal Federal. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, São

Paulo, v. 7, n. 1, jan./mar. 2011. Disponível em

<http://aplicacao.tst.jus.br/dspace/handle/1939/22196>. Acesso

em: 21 fev. 2013.

HENRIQUE, Carlos Augusto Junqueira; DELGADO, Gabriela

Neves. Terceirização no direito do trabalho. Belo Horizonte:

Mandamentos, 2004.

LAGO JÚNIOR, Antônio. A responsabilidade civil decorrente do

acidente de trabalho. In: LEÃO, Adroaldo; PAMPLONA FILHO,

Rodolfo Mário Veiga (Coord.). Responsabilidade civil. Rio de

Janeiro: Forense, 2001.

LIMA, Rusinete Dantas de. Aspectos teóricos e práticos da

terceirização do trabalho rural. São Paulo: LTr, 1999.

LORA, Ilse Marcelina Bernardi. Direitos fundamentais e

responsabilidade da administração pública na terceirização de

serviços: inconstitucionalidade do § 1º do art. 71 da Lei

8.666/93.Trabalho em Revista: Encarte, Curitiba, n. 137, p. 4530-

4547, jul. 2008.

LORENZETTI, Ari Pedro. A responsabilidade pelos créditos

trabalhistas. São Paulo: LTr, 2003.

MAIOR, Jorge Luiz Souto. A responsabilidade civil objetiva do

empregador com relação a danos pessoais e sociais no âmbito das

relações de trabalho. Revista Trabalhista: Direito e Processo, Rio

de Janeiro, v. 12, p. 97-112, out./dez. 2004.

MARINELA, Fernanda. Direito administrativo. 6. ed. Rio de

Janeiro: Impetus, 2012.

Page 54: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

53 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Manual de direito e

processo do trabalho. 19. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010.

MARTINS, Sérgio Pinto. A terceirização e o direito do trabalho.

9. ed. São Paulo: Atlas, 2009.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 27.

ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito

administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Administração pública

no estado contemporâneo. Revista de Informação Legislativa,

Brasília, ano 30, n. 117, p. 23-56, jan./mar. 1993.

NARDES, Carlos Juliano Ribeiro. A terceirização no serviço

público: entendimentos distintos. Conteúdo Jurídico, Brasília, 24

set. 2010. Disponível em:

<http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.29081>.

Acesso em: 07 dez. 2012.

PIMENTA, José Roberto Freire. A responsabilidade da

administração pública nas terceirizações, a decisão do Supremo

Tribunal Federal na ADC n. 16 e a nova redação dos itens IV e V da

Súmula n. 331 do Tribunal Superior do Trabalho. Revista LTr:

Legislação do Trabalho, São Paulo, ano 75, n. 7, jul. 2011.

PINTO, Raymundo Antônio Carneiro. Súmulas do TST

comentadas. 12. ed. São Paulo: LTr, 2011.

RAMOS, Dora Maria de Oliveira. Terceirização na

administração pública. São Paulo: LTr, 2001.

RODRIGUES JÚNIOR, Otavio Luiz; MAMEDE, Gladston

Mamede; ROCHA, Maria Vital. Responsabilidade civil

Page 55: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

54

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

contemporânea: em homenagem a Sílvio de Salvo Venosa. São

Paulo: Atlas, 2011.

ROLIM, Luciano Sampaio Gomes. Colisão de direitos

fundamentais e princípio da proporcionalidade. Jus Navigandi,

Teresina, ano 7, n. 56, 1 abr. 2002. Disponível em:

<http://jus.com.br/revista/texto/2855>. Acesso em: 22 fev. 2013.

ROMITA, Arion Sayão. Direitos fundamentais nas relações de

trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2007.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo.

23. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. O estado atual dos principios

do direito do trabalho. Revista do Programa de Pós-Graduação em

Direito da UFBA, Salvador, n. 11, p. 91-100, jan./dez. 2004.

SILVA, Patrícia Pinheiro. Terceirização nos serviços

públicos. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo, v.

77, n. 1, p. 95-130, jan./mar. 2011.

SILVEIRA, Almir Goulart da; VARGAS, Luis Alberto de. A

terceirização e o enunciado 331 do TST: breves considerações. In:

VARGAS, Luiz Alberto (Coord.). Democracia e o direito do trabalho.

São Paulo: LTr, 1995.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Responsabilidade civil

objetiva derivada de execução de medida cautelar ou medida de

antecipação de tutela. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 56, 1 abr.

2002. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/2905>. Acesso

em: 15 dez. 2012.

TOURINHO, Rita. A responsabilidade subsidiária da

administração pública por débitos trabalhistas do contratado: a

legalidade frente ao ideal de justiça. In: FORTINI, Cristiana

Page 56: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

55 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

(Coord.). Terceirização na administração: estudos em homenagem

ao Professor Pedro Paulo de Almeida Dutra. 2. ed. rev. atual. e

ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2012.

VIANA, Márcio Túlio; DELGADO, Gabriela Neves; AMORIM,

Helder Santos. Terceirização: aspectos gerais – a última decisão do

STF e a Súmula n. 331 do TST – novos enfoques. Revista do

Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 54-84,

jan./mar. 2011.

NOTAS:

[1] MELLO, 2010, p. 997.

[2] Cf. CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito administrativo. 8. ed. Salvador: JusPODIVM, 2009, p. 360.

[3] MELLO, 2010, p. 1025.

[4] LAGO JÚNIOR, Antônio. A responsabilidade civil decorrente do acidente de trabalho. In: LEÃO, Adroaldo; PAMPLONA FILHO, Rodolfo Mário Veiga (Coord.). Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 71-72.

[5] HOYOS DUQUE, Ricardo. La Responsabilidad Patrimonial de La Administración Pública, p. 9 apud BAHIA, Saulo Casali. Responsabilidade civil do estado. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 22.

[6] CUNHA JÚNIOR, 2009, p. 361-362.

[7] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2001. v. 1, p. 275-276.

[8] Cf. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 619-620.

[9] GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2011, p. 239.

Page 57: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

56

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

[10] BRASIL. Constituição (1946). Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, 18 set. 1946. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao46.htm>. Acesso em: 21 fev. 2013.

[11] Ibid.

[12] Cf. CUNHA JÚNIOR, 2009, p. 367.

[13] “XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.”

[14] BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 22 jun. 1993. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm>. Acesso em: 02 jan. 2013.

[15] VIANA, Márcio Túlio; DELGADO, Gabriela Neves; AMORIM, Helder Santos. Terceirização: aspectos gerais – a última decisão do STF e a Súmula n. 331 do TST – novos enfoques. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 54-84, jan./mar. 2011.

[16] “Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político.”

Page 58: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

57 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

[17] BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 631.

[18] ROMITA, Arion Sayão. Direitos fundamentais nas relações de trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2007, p. 268-269.

[19] Cf. LORA, Ilse Marcelina Bernardi. Direitos fundamentais e responsabilidade da administração pública na terceirização de serviços: inconstitucionalidade do § 1º do art. 71 da Lei 8.666/93.Trabalho em Revista: Encarte, Curitiba, n. 137, p. 4530-4547, jul. 2008.

[20] SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. O estado atual dos principios do direito do trabalho. Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFBA, Salvador, n. 11, p. 91-100, jan./dez. 2004, p. 94.

[21] “Art. 100. [...] § 1º-A Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado.”

[22] “Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; V - piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho; VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo; VII- garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável; [...] X - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;”

Page 59: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

58

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

[23] ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 67.

[24] DANTAS, Ivo. Princípios constitucionais e interpretação constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1995, p. 59.

[25] ALEXANDRINO, Marcelo; VINCENTINO, Paulo. Direito administrativo descomplicado. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012, p. 576.

[26] Cf. BARROS, 2006, p. 430.

[27] BRASIL, 2008a.

[28] ARAÚJO, Vaneska Donato de.Responsabilidade civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 40.

[29] “Art. 818. A prova das alegações incumbe à parte que as fizer.”

[30] BRASIL, 2002.

[31] “Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.”

[32] Cf. MELLO, 2010, p. 993

[33] Cf. ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 715.

[34] “Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e

Page 60: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

59 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos; V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.”

[35] “Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.”

[36] “Art. 942. [...] Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as pessoas designadas no art. 932.”

[37] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 2008/0146043-5 REsp 1071741 / SP. Relator: Min. Herman Benjamin. 2ª Turma. Brasília, 24 mar. 2009. Diário da Justiça Eletrônico, 16 dez. 2010. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200801460435&dt_publicacao=16/12/2010>. Acesso em: 27 jan. 2016.

[38] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 2008/0146043-5 REsp 1071741 / SP. Relator: Min. Herman Benjamin. 2ª Turma. Brasília, 24 mar. 2009. Diário da Justiça Eletrônico, 16 dez. 2010. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200801460435&dt_publicacao=16/12/2010>. Acesso em: 27 jan. 2016.

[39] “Art. 175 - Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único - A lei disporá sobre: I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; II - os direitos dos usuários;

Page 61: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

60

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

III - política tarifária; IV - a obrigação de manter serviço adequado.”

[40] Cf. MELLO, 2010, p. 1010.

[41] Ibid., p. 1019.

[42] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Incidente de Uniformização de Jurisprudência em Recurso de Revista n. TST-IUJ-RR-297.751/96.2. Relator: Min. Milton de Moura França. Quarta Turma. Brasília, 11 set. 2000. Diário da Justiça, 20 out. 2000a. Disponível em: <http://ext02.tst.jus.br/pls/ap01/ap_red100.resumo?num_int=83959&ano_int=1996&qtd_acesso=1281533&novoportal=>. Acesso em: 08 jan. 2013.

[43] BARROS, 2006, p. 430

[44] Cf. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 6. t. 2, p. 39.

[45] BRASIL. Supremo Tribunal Federal.Informativo STF. Brasília, n. 502, 14-18 abr. 2008b. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo502.htm>. Acesso em: 02 jan. 2013.

[46] ALEXANDRINO; VINCENTINO, 2012, p. 785-786.

Page 62: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

61 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

A VIABILIDADE DO RECONHECIMENTO DE EFEITOS TRABALHISTAS NA RELAÇÃO ENTRE OS PROFISSIONAIS DO SEXO COM AS CASAS DE PROSTITUIÇÃO

DARLON COSTA DUARTE: Analista Judiciário - Área Judiciária do Supremo Tribunal Federal. Graduado em Direito pela Faculdade Baiana de Direito e Gestão. Graduando em Direito Administrativo pela Universidade Anhanguera.

1. INTRODUÇÃO

A possibilidade de reconhecimento do vínculo empregatício

dos prostitutos com as casas de prostituição é um tema pouco

explorado pela doutrina trabalhista, não obstante a sua

abrangência, considerando o número dos possíveis beneficiários.

O presente artigo se debruça sobre esse ponto, objeto de

déficit doutrinário, ciente, desde já, das dificuldades que envolvem

o tema, uma vez que os debates ao seu respeito, como não poderia

deixar de ser, sempre acabam por externar concepções pessoais

dos debatedores sobre o assunto, de forma que estabelecer um

consenso é difícil, senão impossível.

Será analisado o entendimento atual dos tribunais trabalhistas

a respeito da possibilidade jurídica de se reconhecer vínculo

empregatício dos prostitutos com as casas de prostituição.

Ato contínuo, tentar-se-á demonstrar que muitas dessas

posições são, data vênia, desacertadas, e que são dotadas de

contradições insuperáveis.

Como premissa, contudo, vale esclarecer que sempre que se

fala da prostituição como atividade profissional, parte-se do

pressuposto de que ela é exercida de forma voluntária por pessoas

maiores e capazes.

Page 63: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

62

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

2. A VIABILIDADE JURÍDICA DO RECONHECIMENTO DO

VÍNCULO EMPREGATÍCIO

Inicialmente, cumpre rememorar que o exercício individual da

prostituição não é considerado crime no Brasil (não obstante haja

projetos de lei nesse sentido, a exemplo do PL 377/2011 de autoria

do Deputado Federal João Campos). De fato, apenas o seu

agenciamento é considerado crime, tipificado no art. 229 do Código

Penal. Mas seria tal circunstância suficiente para obstar eventual

reconhecimento de vínculo empregatício dos profissionais do sexo

com as casas em que a prostituição é exercida?

Muitos julgados negam veementemente esta possibilidade.

Os principais argumentos da corrente recalcitrante são,

basicamente, os seguintes: (1) a atividade dos prostitutos concorre,

na condição de atividade-fim, para o tipo penal previsto no art. 229

do Código Penal, de forma que não há que se falar em relação de

emprego, uma vez que tal atividade consiste em espécie de trabalho

ilícito; (2) a atividade dos prostitutos viola a moral e os bons

costumes, inquinando de nulidade a possível relação empregatícia.

Sem embargos, parece que tais posicionamentos devem ser

revistos.

Na tentativa de enfrentar o tema, faz-se necessário,

primeiramente, analisar os requisitos de um contrato de emprego (e,

para tanto, é indispensável a análise do seu gênero, o contrato de

trabalho).

Em seguida, cumpre definir qual a natureza jurídica das

diversas formas de prostituição, para verificar qual delas

eventualmente se enquadra no conceito de relação de

trabalho/emprego.

Finalmente, é preciso enfrentar se, de fato, essa eventual

relação de trabalho/emprego poderia se enquadrar no conceito de

“trabalho ilícito”, de forma a inquinar de nulidade o negócio jurídico

Page 64: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

63 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

(o que pressupõe a análise da teoria das nulidades do contrato de

trabalho, ocasião em que serão feitas breves considerações sobre

as distinções entre a teoria trabalhista e a teoria civilista das

nulidades), ou se os direitos sociais oriundos dessa possível relação

empregatícia podem ser garantidos (e eventualmente tutelados pelo

Judiciário).

2.1. RELAÇÃO DE TRABALHO VERSUSRELAÇÃO DE

EMPREGO A doutrina define a relação de trabalho como qualquer

obrigação de fazer que se refira ao labor humano, sendo um

verdadeiro gênero que abrange diversas espécies.

Nesse sentido, segundo Martinez (2013, p. 138), “do mesmo

tronco comum surgem diversas ramificações com suas

particularidades, não obstante todas elas tenham o idêntico

propósito de garantir a sobrevivência humana”.

Com efeito, do gênero relação de trabalho surgem a (a) relação

de trabalho autônomo, (b) relação de trabalho eventual, (c) relação

de trabalho avulso, (d) relação de trabalho voluntário e, finalmente,

(e) a relação de emprego[1].

A distinção que permeia as diversas espécies de relações de

trabalho gira em torno, em regra, na ausência de um ou alguns dos

requisitos que caracterizam a relação de emprego.

2.1.1. Partes da relação de emprego

A relação de emprego compõe-se, basicamente, de dois polos:

o empregado e o empregador.

Nos termos do art. 3º da Consolidação das Leis do Trabalho –

CLT “considera-se empregado toda pessoa física que presta

serviços de natureza não eventual a empregador, sob a

dependência deste e mediante salário”.

Page 65: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

64

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

Segundo Martinez (2013, p. 185), “no contexto do contrato de

emprego, o empregado aparece com sujeito prestador do trabalho,

vale dizer, aquele que pessoalmente, sem auxílio de terceiros,

despende, em caráter não eventual e sob direção alheia, sua

energia laboral, em troca de salário; aquele que, por não exercer

atividade por conta própria, não assume riscos da atividade na qual

está incurso”.

Por outro lado, considera-se empregador, ainda no escólio do

supracitado autor, “a pessoa física, jurídica ou ente

despersonalizado (este excepcionalmente autorizado a contratar)

concedente da oportunidade de trabalho, que, assumindo os riscos

da atividade (econômica ou não econômica) desenvolvida, admite,

assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços de outro sujeito,

o empregado” (MARTINEZ, 2013, p. 223).

Já a CLT conceitua o empregador como sendo “a empresa,

individual e coletiva, que, assumindo os riscos da atividade

econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de

serviços” (art. 2º).

2.1.2. Requisitos para a caracterização de uma relação de emprego

Como dito, a relação de emprego se distingue e se torna

peculiar em relação às demais espécies de relações de trabalho

pela presença cumulativa de uma série de requisitos. Diante da falta

de algum deles, será possível a existência de uma das demais

espécies de relação de trabalho, mas não de uma relação de

emprego.

A maior parte desses requisitos, inclusive, está presente no

conceito de empregado trazido pela CLT (art. 3º). São eles: (a) ser

o trabalho exercido por uma pessoa física, (b) haver pessoalidade

na prestação dos serviços, (c) ser o trabalho não-eventual, (d) ser o

trabalho oneroso e (e) haver subordinação.

Page 66: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

65 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

O requisito de ser o empregado pessoa física demonstra que a

pessoa jurídica não pode, jamais, figurar como empregada na

relação jurídico-laboral. Apenas ao empregador é dado ser pessoa

jurídica, jamais ao empregado.

Ademais, o requisito da pessoalidade demonstra, de acordo

com Maurício Godinho Delgado (2013, p.285) que, em regra, é

necessária a nota da infungibilidade na prestação dos serviços

empregatícios. Ou seja, a relação jurídica empregatícia deve ser,

em relação ao empregado, intuitu personae, de forma que ao

prestador de serviços não é dado fazer-se substituir por outro

trabalhador no desempenho das suas obrigações.

Por outro lado, a não-eventualidade requer que a relação

empregatícia tenha um caráter de permanência, mesmo que essa

permanência se dê por um período de tempo determinado. Sendo

assim, não se caracteriza como emprego aquele trabalho realizado

de maneira esporádica (DELGADO, 2013, p.286).

A onerosidade, ao seu turno, demonstra que a relação

empregatícia tem um caráter essencialmente econômico. Nesse

sentido, enquanto “o empregado tem o dever de prestar serviços

(...) o empregador, em contrapartida, deve pagar salários pelos

serviços prestados” (MARTINS, 2013, p. 107). Todavia, Maurício

Godinho Delgado (2013, p. 291) alerta que a onerosidade deve ser

analisada estritamente sob a ótica do prestador de serviços, uma

vez que todo trabalho seria passível de mensuração econômica ao

tomador dos serviços.

Ademais, a análise da onerosidade deve se pautar não só pelo

aspecto objetivo (relacionado ao efetivo pagamento de uma

contraprestação ao prestador de serviços), mas também por uma

análise de cunho subjetivo, que se manifesta pela “intenção

contraprestativa” (animus contrahendi) existente entre as partes, em

especial pelo prestador dos serviços.

Page 67: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

66

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

Finalmente, para que se possa falar em relação de emprego,

deve haver subordinação, que, classicamente, consiste no

acolhimento, pelo empregado, do poder diretivo do empregador

diretamente exercido em relação àquele; ou seja, tal subordinação,

classicamente, seria manifestada pela “intensidade de ordens do

tomador de serviços sobre o respectivo trabalhador” (DELGADO,

2013, p. 297).

2.2. NATUREZA JURÍDICA DA ATIVIDADE DOS

PROFISSIONAIS DO SEXO Vistos os requisitos para a caracterização da relação de

emprego, cumpre perquirir em quais hipóteses os serviços sexuais

desempenhados pelos prostitutos poderiam ser enquadrados como

uma relação de trabalho lato sensu, como uma relação de

trabalho strictu sensu (ou relação empregatícia) ou mesmo se é

possível enquadrá-los como uma relação de consumo.

2.2.1. A prestação de serviços sexuais como relação de consumo

O melhor enquadramento jurídico a ser dado à atividade dos

prostitutos, em termos contratuais, na relação prostituto-cliente,

parece ser o de verdadeira prestação de serviços nos moldes do

art. 594 do Código Civil, segundo o qual “toda a espécie de serviço

ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser contratada

mediante retribuição”.

A questão é saber se tal pacto consubstanciaria uma relação

de trabalho ou, simplesmente, uma relação de consumo, nos

moldes do Código de Defesa do Consumidor – questão relevante

para, inclusive, fixar a competência da justiça do trabalho ou da

justiça comum no caso de eventuais litígios judiciais.

De acordo com o art. 2º do CDC, consumidor é toda pessoa

física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como

destinatário final.

Page 68: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

67 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

Já fornecedor, nos moldes do art. 3º do mesmo diploma, é toda

pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou

estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que

desenvolvem atividade de produção, montagem, criação,

construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou

comercialização de produtos ou prestação de serviços.

Finalmente, serviços, sob a ótica do relevante § 2º do art. 3º do

CDC, é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo,

mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária,

financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das

relações de caráter trabalhista.

No caso de uma relação de emprego (espécie do gênero

relação de trabalho), dúvidas não existem quanto à competência da

justiça do trabalho para julgar o litígio.

Todavia, nem toda relação de consumo é, também, uma

relação de emprego, embora alguns defendam a possibilidade de

ser, concomitantemente, uma relação de trabalho. Cite-se, por

exemplo, o caso de um jardineiro que oferece seu serviço uma única

vez. Nesse sentido:

O Código de Defesa do Consumidor incide sobre algumas

relações de trabalho individual, caso de um jardineiro, de um

dentista, de um advogado, de um médico, de um empreiteiro, todos

prestando serviços eventuais. Em casos tais, é bem possível

estarmos diante de uma relação de consumo que também é uma

relação de trabalho, e não necessariamente uma relação de

emprego, diga-se de passagem. (...) Quem merecerá proteção

nessa hipótese? Qual a justiça competente para apreciar eventual

dilema contratual entre as partes: a Justiça do Trabalho ou a Justiça

Comum Estadual? (TARTUCE; NEVES. 2013, p. 100).

A questão ganha contornos ainda mais tormentosos se forem

analisadas as mudanças na competência da Justiça do Trabalho

Page 69: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

68

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

efetuadas pela EC 45/2004, que, conforme o art. 114, I da

Constituição Federal, passou a ser competente para processar e

julgar “as ações oriundas da relação de trabalho” – competência

esta que, antes, era restrita às relações de emprego.

Contudo, é de se observar que o consumidor é definido, pelo

art. 3º do CDC, como “destinatário final” do produto ou serviço.

Algumas teorias surgem para explicar o que se deve entender por

“destinatário final”, sendo a teoria finalista aquela que tem maior

aceitação na doutrina e no STJ[2]. Para essa teoria, destinatário

final seria aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço,

seja ele pessoa jurídica ou física. Logo, segundo essa interpretação

teleológica, não basta ser destinatário fático do produto, retirá-lo da

cadeia de produção, levá-lo para o escritório ou residência – é

necessário ser destinatário econômico do bem, não adquiri-lo para

revenda, não adquiri-lo para uso profissional, pois o bem seria

novamente um instrumento de produção, cujo preço será incluído

no preço final do profissional para adquiri-lo. Nesse caso, não

haveria exigida ‘destinação final’ do produto ou serviço, ou, como

afirma o STJ, haveria consumo intermediário, ainda dentro das

cadeias de produção e distribuição. Essa interpretação restringe a

figura do consumidor àquele que adquire (utiliza) um produto para

uso próprio e de sua família, consumidor seria o não profissional,

pois o fim do CDC é tutelar de maneira especial um grupo da

sociedade que é mais vulnerável. (MARQUES; BENJAMIN; BESSA.

2010, p. 85).

A questão não é pacífica, mas parece que o traço que distingue

uma relação de consumo de uma relação de trabalho é que, no

primeiro caso, a energia laboral é utilizada na condição de atividade-

fim, ao passo que, no caso de uma relação de trabalho, a energia

laboral será utilizada como um acréscimo na cadeia produtiva[3].

Partindo desta premissa, agora numa abordagem que envolva

os atores sociais estudados neste artigo, é possível afirmar que a

Page 70: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

69 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

prestação de serviços sexuais pelos profissionais do sexo aos seus

clientes consubstancia verdadeira relação de consumo, uma vez

que estes desfrutarão dos serviços sexuais na condição de

consumidor final.

Imaginando, por outro quadro, que um prostituto fosse

contratado para prestar serviços sexuais, só que num set de

filmagem de uma empresa especializada na venda e comércio de

material pornográfico: nesse caso, o serviço será utilizado na

condição de atividade-meio, que integrará a cadeia produtiva da

venda do material, atraindo, por conseguinte, as regras do direito do

trabalho, com a consequente competência da Justiça Laboral para

julgar a questão (ainda que não reste configurada uma relação de

emprego, notadamente pela eventualidade).

Com base nessas ideias, pode-se afirmar que os prostitutos

que oferecem seus serviços diretamente aos seus clientes

(consumidores finais) praticam verdadeira relação de consumo, de

competência da Justiça Estadual, nos termos do art. 93 do CDC.

Também o enunciado 363 da súmula do STJ aponta no sentido

de que “compete à Justiça estadual processar e julgar a ação de

cobrança ajuizada por profissional liberal contra cliente”.

Alguns críticos dos modelos que admitem a prestação de

serviços sexuais exercidas de forma livre indagam:

Si se sostiene que este es um trabajo de

prestación de servicios personales como

cualquier otro, si se considera que prestar el

propio cuerpo para que los hombres satisfagan

sus caprichos sexuales no es diferente a prestar

los brazos para realizar otras tareas manuales

(por ejemplo, cortar el pelo o servir bebidas), ¿por

qué, entonces, se considera em este caso que

algunos gustos sexuales de los demandantes

Page 71: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

70

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

pueden suponer un atentado contra la dignidad

de estas trabajadoras? ¿No habíamos quedado

en que las prácticas sexuales no se enjuician? O

la utilización del cuerpo de unas personas como

instrumento de placer de otras es uma indignidad,

o no lo es. Si es una indignidad, cualquier servicio

prestado en el marco de esta utilización debe

considerarse como tal. Pero si se defiende que no

es ninguna indignidad, que no es más que una

prestación de servicios como otra cualquiera,

entonces no viene al caso hablar de servicios

deseados onodeseados nihay por qué excluir

ninguno de los servicios solicitados por los

consumidores de sexo. Pretender que algunas

prácticas demandadas por los consumidores de

servicios sexuales pueden configurar el contenido

de uma actividad laboral para las mujeres que se

prestan a realizarlas, y considerar al mismo

tiempo que otras prácticas también demandadas

por estos mismos consumidores dan lugar a una

explotación que atenta contra la dignidad de

estas trabajadoras, utilizando además como

criterio de distinción entre unas prácticas y

otras los deseos de las propias trabajadoras,

pone de manifiesto la inconsistencia teórica del

planteamiento reglamentarista, que por un lado

reivindica tratar la prostitución como un trabajo

cualquiera y por otro demanda que esa

reglamentación tenga en cuenta aspectos

subjetivos (los deseos de las trabajadoras) que

son ajenos a um trabajo cualquiera (VIGIL;

VICENTE, 2006, p. 03).

Page 72: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

71 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

É certo que a prática sexual pode envolver situações das mais

diversas naturezas, sendo também certo que os gostos pessoais

devem ser respeitados, em virtude da liberdade sexual de cada um.

Contudo, defender que os prostitutos não podem cindir o que

consideram moral ou imoral, digno ou indigno em termos sexuais

externa flagrante resquício de preconceito perante a atividade

desempenhada por estes trabalhadores.

De fato, cabe, sim, aos prostitutos definirem os limites dos atos

que estarão dispostos a praticar no desempenho dos seus serviços

(o que é conveniente seja feito na fase pré-contratual). Afinal, como

bem aponta Gey Espinheira (2008), “a prostituição é uma dessas

situações limites em que as possibilidades de ação dos indivíduos

são mais amplas que aquelas contempladas pelas regras

institucionalizadas”.

Afinal, os prazeres que estão sendo vendidos não são

ilimitados, e as concepções do que seja digno ou indigno são

subjetivas, não cabendo, aqui, uma regra universal (como

pretendem as autoras), o que, todavia, não serve de argumento

para descaracterizar a profissionalização desta atividade.

2.2.2. A prostituição como relação de emprego

Nem todos prostitutos preferem se aventurar a exercer as suas

atividades sujeitos aos infortúnios da noite. Muitos se fixam em um

determinado estabelecimento, em prol de maior segurança, e se

subordinam diretamente ao dono do estabelecimento (este,

criminoso, sob a ótica dos nossos legisladores, nos termos do art.

229 do Código Penal).

Segundo o art. 5º, XIII, da Constituição Federal, “é livre o

exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as

qualificações profissionais que a lei estabelecer”. Por se tratar de

um direito fundamental, possui aplicabilidade imediata (CF, art, 5º,

§ 1º), de forma que, ainda que não exista regulamentação acerca

de determinada profissão (como é o caso da prostituição), a sua

Page 73: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

72

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

atividade, só por isso, não pode ser obstada[4]. Tem tutela

constitucional, portanto, o trabalho da prostituição.

E é certo que, em muitos destes trabalhos, se fazem presentes

todos os elementos da relação de emprego.

Haverá um trabalho exercido (obviamente) por pessoa física, e

com pessoalidade.

Também se verifica a onerosidade nesta relação, vez que os

serviços sexuais são prestados com intuito de lucro (há animus

contrahendi).

A não-eventualidade também pode estar presente nesta forma

de trabalho, pois há muitos casos em que os prostitutos

efetivamente se vinculam ao estabelecimento onde oferecem os

seus serviços.

Finalmente, a subordinação jurídica (aqui, sob o viés clássico)

também se faz presente em muitos casos, pois os prostitutos

recebem ordens do empregador, que fixa a jornada de trabalho, a

forma como eles devem se portar, as normas do estabelecimento

onde ocorre a prestação de serviços sexuais, etc.

Outros prostitutos, por outro lado, preferem exercer as suas

atividades de maneira autônoma, independente, sem subordinação

a nenhum agenciador (ou “lenão”, conforme os termos do Código

Penal). Exemplos desses casos são os profissionais que oferecem

seus serviços nas ruas e avenidas, celebrando o pacto de prestação

de serviços verbalmente e diretamente com os clientes.

Todavia, a subordinação jurídica num contrato de caráter

prostitucional, no tocante ao efetivo desempenho do sexo, deve ser

vista cum grano salis, pois caberá aos prostitutos, e somente a

estes, definirem como a prestação dos serviços será exercida, sem

ingerência do empregador nesta seara. É que o poder diretivo do

empregador cede diante de princípios maiores, como o da

autodeterminação sexual.

Page 74: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

73 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

Em suma, em muitos casos, os elementos da relação de

emprego se fazem presentes na relação prostituto-casa de

prostituição.

Resta definir, agora, se eventual ilicitude na atividade do

empregador (CP, art. 229) é capaz de inquinar de nulidade contratos

desta natureza, de forma a impossibilitar o reconhecimento de

direitos sociais aos prostitutos.

2.3. SOBRE A TEORIA DAS NULIDADES DO DIREITO CIVIL

E DO DIREITO DO TRABALHO É preciso tecer algumas considerações sobre os defeitos dos

negócios jurídicos (do qual o contrato de emprego é espécie) para,

posteriormente, serem analisadas as peculiaridades da teoria das

nulidades do contrato de trabalho (em contraposição à clássica

teoria civil das nulidades).

Todavia, a análise do defeito dos negócios jurídicos pressupõe

uma breve revisão sobre os planos do negócio jurídico, conforme a

clássica teorização de Pontes de Miranda.

2.3.1. Dos planos dos negócios jurídicos

Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona (2011, p. 359), definem o

negócio jurídico “como sendo ‘a manifestação de vontade destinada

a produzir efeitos jurídicos’, ‘o ato de vontade dirigido a fins práticos

tutelados pelo ordenamento jurídico’, ou ‘uma declaração de

vontade, pela qual o agente pretende atingir determinados efeitos

jurídicos admitidos por lei’”.

Por sua vez, Miguel Reale (2001, p. 209) o conceitua como “ato

jurídico pelo qual uma ou mais pessoas, em virtude de declaração

de vontade instauram uma relação jurídica, cujos efeitos, quanto a

elas e às demais, se subordina à vontade declarada, nos limites

consentidos pela lei”.

Page 75: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

74

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

A doutrina civilista classifica em três as espécies de planos do

negócio jurídico, quais sejam, (a) plano de existência, (b) plano de

validade e (c) plano da eficácia.

Segundo Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona (2011, p.

342), analisando o plano da existência, é intuitivo que “um negócio

jurídico não surge do nada, exigindo-se, para que seja considerado

como tal, o atendimento a certos requisitos mínimos”.

Por outro lado, “o fato de um negócio jurídico ser considerado

existente não quer dizer que ele seja considerado perfeito, ou seja,

com aptidão legal para produzir efeitos” (GAGLIANO; PAMPLONA,

2011, p. 342); tem-se, aí, o plano da validade do negócio jurídico.

Finalmente, “ainda que um negócio jurídico existente seja

considerado válido, ou seja, perfeito para o sistema que o concebeu,

isto não importa em produção imediata de efeitos, pois estes podem

estar limitados por elementos acidentais da declaração”

(GAGLIANO; PAMPLONA, 2011, p. 342). É o plano da eficácia do

negócio jurídico, que prevê a possibilidade de modulação da

eficácia do negócio a eventos futuros e certos (termos), a eventos

futuros e incertos (condições), ou a determinados encargos a serem

adimplidos.

2.3.1.1. Do plano da existência

O plano da existência do negócio jurídico é composto pelos

seguintes elementos constitutivos: (a) manifestação de vontade; (b)

agente emissor da vontade; (c) objeto; e (d) forma (STOLZE;

PAMPLONA, 2011, p. 360).

Diante da falta de um desses requisitos, diz-se que o negócio

celebrado sequer existe para o mundo jurídico, ou seja, diz-se que

o negócio é inexistente[5]. Com efeito, aponta Marcos Bernardes de

Mello (2012, p. 134):

Neste plano, que é o plano do ser, entram todos

os fatos jurídicos, lícitos ou ilícitos. No plano da

Page 76: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

75 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

existência não se cogita de invalidade ou eficácia

do fato jurídico, importa, apenas, a realidade da

existência. Tudo, aqui, fica circunscrito a saber

se o suporte fático suficiente se compôs, dando

ensejo à incidência. Naturalmente, se há falta no

suporte fático, de elemento nuclear, mesmo

completante do núcleo, o fato não tem entrada

no plano da existência, donde não haver fato

jurídico.

Quanto ao contrato de trabalho prostitucional, é evidente que

ele existirá para o mundo jurídico, mesmo para aqueles que

consideram tal trabalho como ilícito. Haverá manifestação de

vontade, emitida pelos agentes (prostitutos e casas de prostituição)

no sentido de celebrarem um vínculo de emprego, sob determinada

forma (que não é pré-determinada, podendo ser verbal e, até

mesmo, tácita), cujo objeto se destina ao oferecimento de serviços

sexuais, mediante remuneração. Com efeito, para a caracterização

de um vínculo de emprego, basta a presença dos elementos

analisados alhures.

A questão é saber se há, ou não validade neste negócio

jurídico.

2.3.1.2. Do plano da validade

Os componentes do plano de validade do negócio jurídico

giram em torno dos mesmos componentes do plano da existência,

só que – como a doutrina didaticamente leciona -, “adjetivados”.

Com efeito, segundo o art. 104 do Código Civil, “a validade do

negócio jurídico requer: I – agente capaz; II – objeto lícito, possível,

determinado ou determinável; III – forma prescrita ou não defesa em

lei”[6].

À luz da doutrina civilista, o desrespeito a um desses requisitos

gerará, a depender da gravidade do vício, uma nulidade ou uma

anulabilidade do negócio jurídico.

Page 77: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

76

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

A anulabilidade ocorre nos casos de vícios decorrentes de

interesses meramente privados, razão pela qual não podem ser

decretados de ofício, submetendo-se, assim, à necessidade de

provocação das partes, aplicando-se as máximas do nemo judex

sine actore, ne procedat judex ex officio. São hipóteses de

anulabilidade do negócio jurídico (a) a celebração do negócio com

agente relativamente incapaz; e (b) vício resultante de dolo, coação,

estado de perigo, lesão ou fraude contra credores (CC, art. 171).

Ademais (diferentemente do que ocorre com os casos de

nulidade, conforme se verá), a decretação de anulabilidade, por

girar em torno, repita-se, de interesses meramente privados,

submete-se a um prazo específico. Com efeito, nos termos do art.

178 do Código Civil, é de 4 anos o prazo de decadência da ação

anulatória de negócio jurídico, que tem natureza desconstitutiva ou

constitutiva negativa.

Já a nulidade do negócio jurídico se relaciona a interesses de

ordem pública, razão pela qual, diferentemente dos casos de

anulabilidade, pode ser declarada ex officio pelo magistrado, e

arguida por qualquer interessado ou pelo Ministério Público (CC, art.

168). Suas hipóteses estão previstas no art. 166 e 167 do Código

Civil:

Diferentemente do que ocorre com a anulabilidade, os vícios

de nulidade do negócio jurídico não são suscetíveis de confirmação,

nem convalescem com o decurso do tempo (CC, art. 169). Por isso

se diz que a ação para declaração de nulidade do negócio jurídico

é imprescritível.

Parte da doutrina sustenta que um negócio jurídico nulo não

tem o condão de gerar quaisquer efeitos no mundo jurídico. Com

efeito, segundo Orlando Gomes, “a teoria clássica das nulidades

assenta o princípio geral de que o ato nulo não produz qualquer

efeito: quod nullum est, nullum producit effectum. A nulidade de

pleno direito privaria o ato de toda eficácia” (2009, p. 425). No

Page 78: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

77 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

mesmo sentido, apontam Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald que

“em virtude da gravidade do vício infringido, violado, considera o

ordenamento jurídico que o ato ou negócio nulo não produza

qualquer efeito” (2011, p. 604).

Tal posicionamento, todavia, não é indene de críticas. Com

efeito, salienta Maria Helena Diniz (2005, p. 512):

Mesmo sendo nulo ou anulável o negócio

jurídico, é imprescindível manifestação do

Judiciário a esse respeito, porque a nulidade não

opera ipso iure. A nulidade absoluta ou relativa

só repercute se for decretada judicialmente, caso

contrário, surtirá efeitos aparentemente queridos

pelas partes; assim, o ato negocial praticado por

um incapaz terá, muitas vezes, efeitos até que o

órgão judicante declare sua invalidade.

Seja como for, é relevante notar que a nulidade do negócio

jurídico, na seara civilista, opera efeitos ex tunc, ou seja, retroage

para que as partes retornem aostatus quo ante.

Pois bem.

O art. 7º, XXXIII, da Constituição Federal estabelece que a

proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de

dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo

na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos. Contudo,

eventual contrato de trabalho prostitucional celebrado com menores

de dezoito anos se releva uma prática odiosa e inconcebível, esta

sim devendo ser reprimida incisivamente pelas autoridades

administrativas com todo o rigor da máquina penal. Configura crime

nos termos do art. 218-B, do Código Penal, submeter, induzir ou

atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém

menor de dezoito anos ou que, por enfermidade ou deficiência

mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato,

Page 79: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

78

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone. Eventual supressão

desse óbice, de lege ferenda, é inconcebível e inaceitável.

Já em relação à prostituição agenciada exercida por pessoas

capazes e maiores de dezoito anos, é de se reconhecer que o art.

104, II, do Código Civil, especificamente ao exigir que o objeto do

negócio jurídico seja lícito, inquina de nulidade o contrato de

trabalho prostitucional, no atual estado da arte. É que, de fato, há

uma ilicitude no objeto, ao menos por parte do seu “empregador”.

Ou seja, conquanto o contrato de trabalho prostitucional

preencha os requisitos do plano da existência do negócio jurídico

(leia-se, o contrato existe para o Direito), tal contrato, sob a atual

conjuntura legislativa, é inquinado de nulidade pelo fato de haver

tipos penais específicos que penalizam o favorecimento à

prostituição (CP, art. 228) e a manutenção das casas de prostituição

(CP, art. 229).

Mas, aqui – e tal observação é de fundamental importância -,

não há que se dar efeitos ex tunc(retroativos) à declaração de

nulidade.

É que, em se tratando de um contrato de trabalho, há de se

aplicar a doutrina trabalhista das nulidades, que é dotada de

algumas peculiaridades em relação à doutrina civil.

Trata-se de uma particularidade da seara trabalhista que deve

ser aplicada, por questões de justiça, a todo contrato de trabalho

prostitucional, vez que a ilicitude deriva única e exclusivamente da

figura do empregador, de modo que tal circunstância não pode

prejudicar o empregado, sob pena de favorecimento da própria

torpeza e de inconcebível prejuízo à parte mais frágil da relação

contratual.

Page 80: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

79 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

2.3.2. Doutrina trabalhista das nulidades e o contrato de trabalho

prostitucional

Ante as peculiaridades que circundam este ramo do Direito, as

nulidades, nesta seara, sofrem certas modulações inconcebíveis na

seara civilista.

Nesse sentido, segundo Maurício Godinho Delgado (2013, p.

519):

Vigora, pois, no tronco jurídico geral do Direito Comum a regra

da retroação da decretação da nulidade, o critério do efeito ex

tunc da decretação judicial da nulidade percebida.

O direito do trabalho é distinto, nesse aspecto. Aqui, vigora, em

contrapartida, como regra geral, o critério da irretroação da nulidade

decretada, a regra do efeito ex nuncda decretação judicial da

nulidade percebida. Verificada a nulidade comprometedora do

conjunto do contrato, este, apenas a partir de então, é que deverá

ser suprimido do mundo sociojurídico; respeita-se, portanto, a

situação fático-jurídica já vivenciada. Segundo a diretriz trabalhista,

o contrato tido como nulo ensejará todos os efeitos jurídicos até o

instante de decretação da nulidade – que terá, desse modo, o

condão apenas de inviabilizar a produção de novas repercussões

jurídicas, em face da anulação do pacto viciado.

O fundamento da diferença entre um e outro ramo reside no

fato de que é inviável, uma vez efetivada a prestação de serviços,

retornar as partes ao status quo ante, pois o trabalho já terá sido

prestado e seu valor transferido, com apropriação completa pelo

tomador de serviço.

Outra distinção relevante é o fato de a transferência e

apropriação do trabalho em benefício do tomador criar uma situação

econômica consumada de franco desequilíbrio entre as partes, que

apenas pode ser corrigida – mesmo que parcialmente – com o

Page 81: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

80

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

reconhecimento dos direitos trabalhistas do prestador (DELGADO,

2013, p. 519).

Todavia, a teoria trabalhista das nulidades é aplicada em maior

ou menor grau, a depender de se lidar com um trabalho proibido ou

com um trabalho ilícito.

O trabalho proibido/irregular é aquele realizado em desrespeito

a alguma norma imperativa vedatória do labor em certas

circunstâncias (ex. trabalho noturno efetuado por menor de 18 anos,

o que é vedado, nos termos do art. 404 da CLT) ou envolvente de

certos tipos de empregados (como o menor de 16 anos que não

esteja na condição de aprendiz, sendo que, neste caso,

necessariamente a partir dos 14 anos, nos termos do art. 7º, XXXIII,

da Constituição Federal).

Por outro lado, considera-se trabalho ilícito aquele que compõe

um tipo penal ou contribui diretamente para a sua prática. Exemplo

clássico é a atividade desempenhada por aquele que concorre para

a prática do jogo do bicho, atividade vedada nos termos do art. 58

do Decreto-Lei 3.688 de 1941 (Lei das Contravenções Penais). É o

entendimento cristalizado pelo enunciado 199 da Orientação

Jurisprudencial da SDBI-I do TST, segundo o qual “é nulo o contrato

de trabalho celebrado para o desempenho de atividade inerente à

prática do jogo do bicho, ante a ilicitude de seu objeto, o que subtrai

o requisito de validade para a formação do ato jurídico”.

A depender de a situação constituir um trabalho proibido ou um

trabalho ilícito, fala-se na (a) aplicação plena da teoria trabalhista

das nulidades; na (b) aplicação restrita da teoria trabalhista das

nulidades; e (c) na inaplicabilidade da teoria trabalhista das

nulidades.

No caso da aplicação plena da teoria trabalhista das nulidades,

os efeitos da nulidade se afastam por completo das situações

vivenciadas no Direito Civil.

Page 82: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

81 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

A situação mais comum ocorre quando se verifica um defeito

no tocante à capacidade do prestador de serviços (CC, art. 166, I e

CC, art. 171, II), em que se tem hipótese de trabalho proibido

exercido, por exemplo, por menor de 16 anos que não esteja na

condição de aprendiz (desde que a partir dos 14 anos). Nessas

hipóteses, é de se reconhecer ao menor “todos os efeitos

justrabalhistas ao contrato irregularmente celebrado” (DELGADO,

2013, p. 520). O mesmo ocorre nos casos dos “defeitos

concernentes à forma (como, por exemplo, a falta de lavratura de

instrumento escrito em contrato de atleta profissional empregado)”

(DELGADO, 2013, p. 520), a despeito de restar configurada ofensa

ao art.166, IV do Código Civil.

Por outro lado, a aplicação restrita da teoria trabalhista das

nulidades gera gradações nos efeitos advindos do negócio jurídico

inquinado pela nulidade em virtude do tipo de defeito emergente do

ato jurídico e o bem jurídico afrontado (DELGADO, 2013, p. 520).

Nesse sentido, “à medida que os bens tutelados aproximam-se do

interesse público (confrontando o valor trabalho a outro valor

também de inquestionável interesse público), tende-se a restringir,

proporcionalmente, a aplicação da teoria justrabalhista especial”

(DELGADO, 2013, p. 520).

Hipótese clássica da aplicação restrita da teoria trabalhista das

nulidades ocorre nos casos de contratação para serviço público sem

concurso público, o que consubstancia afronta à norma do art. 37,

II e § 2º da Constituição Federal, caracterizando outro caso de

trabalho irregular/proibido. Nesses casos, todavia, o TST só confere

parcela de direitos sociais aos trabalhadores contratados

irregularmente no serviço público, aos quais se negam o direito a

verbas rescisórias próprias à dispensa injusta (aviso-prévio, multa

do FGTS e seguro desemprego) visto que o pacto é nulo. Nesse

sentido é o enunciado nº 363 da Súmula do TST, segundo o qual:

Page 83: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

82

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

a contratação de servidor público, após a

CF/1988, sem prévia aprovação em concurso

público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e

§ 2º, somente lhe conferindo direito ao

pagamento da contraprestação pactuada, em

relação ao número de horas trabalhadas,

respeitado o valor da hora do salário mínimo, e

dos valores referentes aos depósitos do FGTS.

Finalmente, há as hipóteses de inaplicabilidade da teoria

trabalhista das nulidades, prevalecendo, assim, o regramento da

teoria clássica das nulidades do direito civil com seu característico

efeito retroativo (ex tunc). É o que se passa com os casos de

trabalhos ilícitos.

É justamente com base neste argumento, ou seja, pelo fato de

o trabalho dos prostitutos supostamente consubstanciar atividade

ilícita, por concorrer diretamente ao tipo penal previsto no art. 229

do Código Penal, que os tribunais trabalhistas vêm negando direitos

sociais a estes sujeitos.

Por ser considerado ilícito, não vem sendo reconhecido

nenhum direito trabalhista a estes profissionais, pois os tribunais

não têm aplicado a teoria trabalhista das nulidades nestes casos, o

que culmina na aplicação de efeitos retroativos (ex tunc) à

declaração de nulidade.

Nesse sentido, vale conferir o seguinte trecho do voto do Des.

Lauremi Camaroski do TRT da 9ª Região proferido nos autos do

Recurso Ordinário nº 7.393 do longínquo ano de 1993 que, apesar

de antigo, se mostra bastante atual no entendimento dos nossos

julgadores:

Em sendo a liceidade do objeto elemento essencial à validade

da relação empregatícia, impossível o seu reconhecimento, quando

ausente tal requisito. Se existe alguma alegação de hipocrisia, esta

Page 84: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

83 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

deve ser dirigida não a Justiça do Trabalho, mas sim ao legislador,

que relaciona como figura penal típica (art. 229 do Código Penal) a

manutenção de casa de prostituição, por conta própria ou de

terceiro, não importando a finalidade lucrativa ou a mediação do

proprietário ou de gerente. Ademais, a doutrina e a jurisprudência

trilham sábio caminho ao reconhecer a impossibilidade de vínculo

empregatício em casos que tais, eis que jamais poderá ser aceita a

hipótese de prestação de trabalho subordinado em atividades de

prostituição. O empregador, utilizando-se da mão-de-obra, seria

sempre um rufião, auferindo lucros diretos pelo exercício do

comércio carnal, o que criaria situações absolutamente insólitas,

agravando em muito as condições já deprimentes às quais muitas

mulheres se sujeitam, não raro por falta de opções no mercado de

trabalho, (sic) nem se diga que deveria haver proteção somente

para as "empregadas", eis que, para todo direito, há uma obrigação

correspondente, não sendo possível imputar um dever

simultaneamente legal e ilícito à parte adversa, ou seja, tal relação

de trabalho estaria inexoravelmente validada pela Justiça Obreira.

Em algumas hipóteses, os tribunais do trabalho chegam a

reconhecer um tipo de vínculo empregatício, só que não em relação

à atividade da prostituição em si, mas apenas quanto às outras

atividades ditas “honestas” e “lícitas” (ex. dançarinas[7], garçonete,

copeira[8] e caixas do estabelecimento[9]).

Todavia, parece que tais posicionamentos e essa recalcitrância

devem ser superados.

Nesse sentido, aponta Manoel Jorge (PAMPLONA;

PEDROSA. Coord. 2010, p. 147):

o trabalho da prostituta, por não se constituir em

ilícito penal, ou, mais ainda, em ilícito de

qualquer espécie, ingressa nos domínios do que

se pode denominar amplamente como atividade,

Page 85: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

84

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

ocupação ou trabalho. E, nesse passo, sendo

trabalho, impõem-se os desdobramentos

resultantes de atividade humana lícita, ou seja, a

proteção a ser conferida pelo Estado como

natural decorrência do respeito à cláusula da

cidadania em sentido amplo

Noutra passagem, o Membro do Parquet salienta que

reconhecer o trabalho da prostituta e proteger a

sua atividade é viabilizar a elevação de

qualidade de vida das pessoas que executam

essa espécie de trabalho, tornando

concretamente respeitado o objetivo

fundamental referente à garantia do

desenvolvimento nacional.

De fato, os maiores prejudicados com tais posicionamentos da

justiça obreira (proferidos a título de protegê-los) são os próprios

prostitutos que, além de martirizados pela sociedade, e além de

serem deixados no limbo pelo Estado (que não se preocupa nem

em regulamentar, nem em fiscalizar as suas atividades), veem seus

direitos sociais negados pelas cortes que têm por missão

constitucional a proteção dos trabalhadores, ficando relegados a

situações que violam os mais comezinhos valores de um estado

democrático, e que tem como fundamentos a dignidade da pessoa

humana (CF, art. 1º, III) e os valores sociais do trabalho (CF, art. 1º,

IV).

Ora, ao contrário do que foi dito no voto supramencionado, não

parece difícil acreditar que abrir as portas do judiciário trabalhista e

reconhecer direitos sociais aos prostitutos, longe de desfavorecê-

los ou de agravar “em muito as condições já deprimentes às quais

muitas mulheres se sujeitam”, farão com que as suas atividades

sejam desempenhadas com mais dignidade.

Page 86: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

85 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

O próprio Poder Executivo vem dando reconhecimento a esta

atividade, ao enquadrar a atividade da prostituta na Classificação

Brasileira de Ocupações sob a rubrica de nº 5198[10]). Não poderia

a Justiça do Trabalho andar na contramão deste entendimento.

Manoel Jorge chega a defender que,

de fato, o Poder Público reconhece a atividade

das prostitutas sob o signo de ocupação; não há,

todavia, na Constituição de 1988, atividade

humana lícita que possa ser reconduzida à ideia

de ocupação, pois o termo não é conceito

constitucionalmente elaborado. Portanto, ao

reconhecer a atividade de prostituta como

ocupação, o que fez o Ministério do Trabalho, foi,

em verdade, reconhecê-la como trabalho, ao

qual devem ser atribuídos todos os efeitos

jurídicos (FILHO; PEDROSA. Coord. 2010, p.

153).

Ademais, da simples leitura do art. 229 do Código Penal, que

embasa tais posicionamentos, denota-se que, se há alguma ilicitude

nesta relação, parte ela, tão somente, da atividade desenvolvida

pelo “empregador” dos prostitutos, notadamente pelo fato de a

atividade exercida por estes ser perfeitamente lícita.

Ora, penalizar os profissionais do sexo por um tipo penal que

tem outrem como sujeito ativo consubstancia uma interpretação

extensiva que não se coaduna com os mais comezinhos ditames do

Direito Penal, do Direito Laboral e da Hermenêutica.

Tome-se, como exemplo, o empregado dos bicheiros –

exemplo típico de trabalho ilícito (conforme enunciado 199 da

Orientação Jurisprudencial da SBDI-I do TST). O art. 58 da Lei de

Contravenções Penais afirma que é crime “explorar ou realizar a

loteria denominada jogo do bicho, ou praticar qualquer ato relativo

Page 87: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

86

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

à sua realização ou exploração”. Note-se que a disposição final do

tipo penal é expressa em abarcar, além do explorador do jogo do

bicho, aquele que pratica “qualquer ato” destinado à sua realização,

o que abrange, também, os subalternos dos bicheiros que se

empreendem nesta atividade criminosa[11]. Nestes casos, é

possível, sim, se falar na inaplicabilidade da teoria trabalhista das

nulidades (sem embargos das discussões acerca da adequação

social deste tipo de atividade), pois a tipicidade abarca

perfeitamente estes “empregados”.

Tal situação, contudo, não se verifica em relação aos

prostitutos, não se podendo inferir, da interpretação dos tipos penais

usados como argumentos para o não reconhecimento do seu

vínculo, qualquer relação com as atividades por eles desenvolvidas.

O crime é o de “manter casa de prostituição”, e não o de prostituir-

se.

Ademais, é relevante mencionar que os prostitutos figuram,

para a maioria da doutrina penal, justamente como sujeitos passivos

do delito em questão[12]. Ora, sujeitos passivos do delito são, nas

lições de Zaffaroni (2009, p. 419), os titulares do bem jurídico

tutelado pelo tipo penal. Extrapola as bailas da coerência imaginar

ser possível penalizar o alvo da proteção de um determinado delito

argumentando justamente com base nele, negando aos prostitutos

os seus direitos trabalhistas e, por tabela, favorecendo os únicos

criminosos da relação, uma vez que não se veem obrigados a arcar

com nenhum dos direitos sociais das suas “vítimas” (como férias

acrescidas do terço constitucional, gratificação natalina, adicional

noturno, horas extras, descanso semanal remunerado, etc.).

Aliás, como bem aponta Gabriela Leite (2008, p. 61),

os artigos referentes à prostituição foram feitos

para proteger a puta. No entanto, infelizmente,

ele teve o efeito contrário ao desejado. A

prostituta acabou no meio da total marginalidade

Page 88: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

87 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

porque aqueles que a cercam são considerados

criminosos e, de alguma forma, transferem essa

condição a ela.

Pela análise dos julgados que enfrentaram a questão, percebe-

se que, em algumas vezes, a prostituição é justamente o argumento

utilizado pelos “exploradores sexuais” para afastar o vínculo e,

assim, se eximirem de suas obrigações, na clara tentativa de se

favorecerem da própria torpeza. Enriquecem através dos serviços

dos prostitutos para, em seguida, quererem se eximir de suas

obrigações por conta de uma nulidade a que deram causa.

Se forem analisadas as consequências dadas pelos tribunais

trabalhistas às outras hipóteses de trabalhos ilícitos, as

contradições tornam-se ainda mais evidentes.

Tome-se como exemplo a hipótese de desempenho de

atividades em condições análogas à de escravo, tipo penal previsto

no art. 149 do Código Penal, segundo o qual é crime “reduzir alguém

a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos

forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições

degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua

locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou

preposto”.

Nestes casos, a pessoa submetida a condições análogas à de

escravo é o sujeito passivo da norma penal, alvo da proteção

estatal. Haverá nulidade no contrato de trabalho (CC, art. 166, II),

mas a constatação de atividades desempenhadas nestas condições

implicará, além da responsabilidade civil e penal do criminoso, a

garantia de todos os direitos trabalhistas à vítima do delito,

aplicando-se plenamente a teoria trabalhista das nulidades.

Ora, a situação é a mesma do que ocorre com relação aos

prostitutos. Com efeito, o único criminoso das situações verificadas

no art. 229 do Código Penal é o mantenedor da casa de prostituição.

Page 89: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

88

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

Todavia, os tribunais trabalhistas dão, em relação aos prostitutos,

tratamento diametralmente oposto à primeira hipótese

conjecturada, a despeito de se enquadrarem em situações

similares, o que viola o próprio critério uniforme e constante da ideia

de justiça de que trata Hart, consistente em “tratar da mesma

maneira os casos semelhantes” (2001, p. 174).

Por outro lado, se existe forte resistência dos tribunais

trabalhistas em reconhecer o vínculo dos prostitutos com o

agenciador do sexo, a mesma resistência, como já mencionado,

não se verifica em relação aos demais empregados desses recintos.

Mas, afinal, baseado em qual fundamento estes empregados

se distinguem do prostituto, cuja atividade, tal qual a daqueles, é

perfeitamente lícita?

Percebe-se que os Tribunais vêm realizando distinções entre

trabalhadores ao arrepio de qualquer previsão legal que as

embasem, fulminando de morte o princípio da isonomia.

A única justificativa plausível para essas indagações é a

constatação de que ainda vige, na mentalidade dos julgadores, uma

grande resistência imposta por preconceitos de ordem moral em

relação às atividades desenvolvidas pelos prostitutos, tal qual se

percebe da seguinte decisão proferida pelo TRT da 4ª Região no

Recurso Ordinário nº 01279371/97-8:

(...) no exame da licitude da causa, deve-se

atentar para um aspecto bem pouco estudado.

Se o fim econômico da fonte de trabalho

(empregador, empresa ou estabelecimento) não

for proibido de maneira essencial, isto é, se

embora sendo imoral, não for vedada a sua

atividade pelos poderes públicos, serão válidos

os contratos de trabalho realizados com seus

servidores? Imaginemos uma pensão de

Page 90: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

89 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

meretrício. A nosso ver, é indispensável que os

servidores de tal estabelecimento sejam

agrupados em duas correntes perfeitamente

definidas: a primeira, a dos que exercem funções

intrinsicamente imorais, como as prostitutas que

geralmente têm subordinação para com uma ou

um principal, e a segunda, a dos que exercem

funções intrinsicamente honestas como, por

exemplo, os cozinheiros, os copeiros, as

camareiras, etc. É evidente que os contratos de

trabalho dos trabalhadores da segunda

categoria são válidos, o que não ocorrerá,

entretanto, com relação aos da primeira. É que,

segundo este critério, é necessário que se

distinga entre a causa próxima ou imediata e a

causa remota ou mediata. Segundo o mesmo,

‘só serão válidos os contratos imorais ou ilícitos

proximamente, podendo sê-lo aqueles que,

embora remotamente ilícitos, têm sua prática

cercada de moralidade, inclusa na esfera ética

do direito

(Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. RO

nº 01279371/97-8, TRT da 4ª Região, Relatora

Maria Helena Mallmann, Julgado em

06.07.2000).

Alguns dos mais renomados doutrinadores trabalhistas

coadunam com esse entendimento. Nesse sentido, afirma Alice

Monteiro de Barros (2012, p. 415):

Já a atividade exercida pela meretriz em prostíbulo é ilícita, por

ser contrária aos bons costumes, logo não produz qualquer efeito,

e nem sequer a retribuição lhe será devida. O conceito de

comportamento contrário aos bons costumes se deduz quanto ‘a

Page 91: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

90

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

consciência social o repugna e considera indigno de amparo jurídico

o resultado prático do negócio. Se, contudo, a função executada no

prostíbulo ou em outro local do mesmo gênero for lícita[13], a

idoneidade do objeto estará presente e, se aliada aos pressupostos

fáticos do art. 3º da CLT, a relação de emprego configurar-se-á, não

obstante a ilicitude da atividade do empregador. Todos os créditos

trabalhistas lhe serão garantidos

Todavia, nada parece mais equivocado do que penalizar os

possíveis empregados (os prostitutos) com a falta de

reconhecimento do seu vínculo empregatício baseado em

pontuações de índole subjetiva, metajurídicas e, portanto, de

questionável idoneidade argumentativa. Ao arrepio de critérios

objetivos, além de gerar grande insegurança jurídica, tais

posicionamentos deixam os prostitutos à mercê das concepções de

“moral e bons costumes” que o juiz do seu processo possui,

restando a eles a sorte de serem julgados por um magistrado

"vanguardista".

Na verdade, o fundamento da “moral e dos bons costumes” não

deixa de externar e preconceitos no que tange à atividade dos

prostitutos, que sempre foi estigmatizada ao longo dos milênios. E

não é raro perceber argumentos desta jaez sendo utilizados para o

combate de outras situações rechaçadas pelo moralismo

equivocado de parte da população. É o que se verifica em relação

às uniões homoafetivas, na mentalidade (atrasada) de muitos.

Ademais, o que define, afinal, algo como imoral e violador dos

bons costumes? Veicular comerciais com nítido apelo sexual a fim

de angariar consumidores, televisionando-os nas mais diversas

mídias, ou transmitir para todo país a imagem de mulheres

praticamente desnudas desfilando nos carnavais de Rio de

Janeiro/São Paulo, viola a moral e os bons costumes? Seria o fumo

ou o consumo de bebidas alcoólicas algo imoral[14]?

Page 92: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

91 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

Ainda, conforme Beatriz Espejo (apud NUCCI, 2014, p. 63),

muitas das mesmas mulheres que consideram uma agressão e um

exercício de poder machista que um homem pague para ter

relações sexuais com uma mulher, veem com bons olhos (ou com

indiferença) as relações entre belíssimas e elegantíssimas jovens

unidas a endinheirados e pouco agraciados varões, pois a isto

ninguém chama prostituição. Trata-se apenas de jovens seduzidas

pelo “erotismo do poder”, eufemismo utilizado para justificar dita

situação. No mesmo sentido, aponta Guilherme de Souza Nucci

(2014, p. 64):

Há casamentos e outras relações amorosas cultivados em cima

de uma troca nítida e, por vezes, assumida: juventude por dinheiro.

Senhores com seus 60 e tantos anos casam-se com jovens de 20 e

poucos anos para lhes dar conforto material em troca de sexo

jovem. Essa permuta, que tem caráter habitual, é considerada moral

– somente por conta do casamento ou da união estável – e

assimilada pela sociedade. As feministas se calam diante dessas

relações, em que há nítida relação de poder do homem rico em

relação à moça mais pobre que ele, mas não fazem o mesmo em

face da prostituição. Vender sexo é somente uma questão de

perspectiva; a denominação que se lhe confere, na prática, é

indiferente; se considerada tal venda do ponto de vista da

moralidade ou da ética, ingressa a hipocrisia: depende do ambiente

e das circunstâncias é moralmente aceitável; do contrário,

imoral.[15]

Aliás, conforme afirma Simone de Beauvoir (apudNUCCI,

2014, p. 66), a diferença entre os que se vendem pela prostituição

e os que se vendem pelo casamento localiza-se apenas no preço e

na duração do contrato. Há quem prefira ter vários clientes durante

cinco minutos do que o mesmo homem, que se comporta como um

cliente, durante toda a vida.

Page 93: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

92

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

Nesse sentido, pode-se falar na existência de dois tipos de

prostituição: uma direta, rechaçada socialmente; outra indireta,

aceita no meio social, uma vez que é desempenhada de maneira

camuflada, subreptícia, imbricada no seio de supostos

relacionamentos amorosos e duradouros, onde a prática do sexo é

desempenhada com intenção de obter segurança financeira ou

bens materiais. Tal prática, conforme Guilherme Nucci (2014, p. 68),

“não deixa de ser um formato de prostituição, embora em alto estilo.

Nada contra, nem a favor. Cuida-se de um fato ocorrido entre

adultos, no cenário da vida privada, em relação ao qual a sociedade

e muito menos o Estado deve intrometer-se. Entretanto, por uma

questão de coerência, há de se cultivar a igualdade, conferindo o

mesmo status à prostituição direta: sem intromissão social ou

estatal”[16].

Não se pode negar, todavia, que a grande maioria da

sociedade não vê mais a prostituição (direta) como tamanha afronta

a estes ideários de índole subjetiva. A sexualidade, nos tempos

atuais, tem cada vez mais se desligado de dogmas morais e

religiosos, que a confinavam à intimidade do marido e da mulher.

As casas de prostituição desempenham suas atividades em

todo lugar da cidade, sem que entidades fiscalizadoras batam às

suas portas para pugnar pelo respeito à moral e bons costumes.

Muito pelo contrário: cobram tributos destes estabelecimentos, que

recebem até mesmo alvará de funcionamento. É uma hipocrisia

penalizar o lado mais frágil desta relação por taxá-la de imoral. A

contemporânea Justiça do Trabalho tem especial importância na

superação destes vetustos posicionamentos.

Seja qual posição ideológica se adote em relação à legalização

da prostituição, uma coisa é certa: salvo no caso dos modelos

proibicionistas (que repugnam a prostituição sob todas as suas

vertentes, a exemplo do que ocorre nos EUA), os demais

movimentos veem nos prostitutos vítimas que merecem ser

protegidas, seja da “exploração sexual” da qual se devem ser

Page 94: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

93 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

afastadas (abolicionistas), seja da hipocrisia reinante na sociedade

que aceita a sua atividade mas a relega à clandestinidade

(legalistas). É como diz Beatriz Gímeno (2008, p.01), feminista

antiprostituição:

Casi nadie discute que cuando hablamos de

prostitución hablamos, en gran parte de pobreza,

de injusticia, de desigualdad. Intentar por todos

los medios buscar soluciones para conceder los

derechos básicos de ciudadanía a las personas

que se dedican a la prostitución, en eso, creo

que todas estamos de acuerdo.

Dessa forma, se crê que o reconhecimento judicial dos vínculos

empregatícios dos prostitutos com as casas nas quais trabalham

(com fundamento na teoria trabalhista das nulidades) agradaria

qualquer das citadas vertentes, pois conferia, sem dúvidas, maior

proteção aos trabalhadores do sexo[17].

Ademais, tal reconhecimento externaria nada mais do que uma

coerência dentro do sistema normativo laboral, além de representar

a concretização da justiça para estes obreiros, que já são

suficientemente estigmatizados pela sociedade para, além disso,

também o serem pelos tribunais do trabalho (por argumentos – data

vênia - inconsistente e/ou metajurídicos).

Por todo o analisado, não obstante a nulidade do contrato de

trabalho (já que a atividade do empregador é ilícita, à luz do art.

229), crê-se plenamente possível reconhecer, na atual conjuntura

normativa, o vínculo empregatício dos prostitutos com as casas de

prostituição, através da aplicação plena da teoria trabalhista das

nulidades, garantindo, com isso, os direitos sociais destes

trabalhadores que, arduamente, trabalham dignamente (sim!) em

prol da sua subsistência.

Page 95: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

94

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

4. CONCLUSÃO Defender o direito dos prostitutos, tal qual o reconhecimento do

vínculo empregatício de que se tratou neste trabalho, é “nadar

contra a maré”, pois qualquer forma de “fomento” a essas atividades

(ditas imorais) deve, para muitos, ser evitada.

Mas tal circunstância nem de longe reduz a importância do

debate. Pelo contrário: a estimula.

O Direito, instrumento de efetivação da justiça, não pode fechar

os olhos à realidade das minorias. Seus operadores, tampouco. Pôr

o tema em tela e suscitar inquietações a seu respeito, de certa

forma, já colabora para a evolução deste quadro. Se o debate lograr

ser feito à míngua de preconceitos, tanto melhor.

O reconhecimento, pelos magistrados trabalhistas, do vínculo

empregatício dos prostitutos com as casas de prostituição trará

direitos sociais a estes agentes, que se esforçam diariamente tanto,

quanto qualquer outro trabalhador, na busca pela subsistência.

Gerará isonomia e findará com um quadro de privilégios que vem

sendo conferido aos agenciadores do sexo (já que não têm que

arcar com obrigações como qualquer outro empregador). Ainda,

chamará a atenção das autoridades para tal questão social. E é bom

que se diga: tal reconhecimento não implica em agir contra ou

mesmo praeter lege.

Onde os demais Poderes falham (notadamente, no caso, o

Legislativo), o Judiciário não pode se quedar inerte.

Seja como for, e a despeito de todas as controvérsias que

circundam o assunto, cremos que uma coisa é certa: o profissional

do sexo que tem coragem suficiente debater às portas do Judiciário

Trabalhista em busca da efetivação dos seus direitos sociais não

pode ser privado destes em decorrência de premissas falhas e

contraditórias ou de argumentos metajurídicos de índole subjetiva

como “moral e bons costumes”.

Page 96: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

95 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

Cabe aos magistrados trabalhistas, cumprindo a sua missão

constitucional de concretizar a justiça social àqueles que a

procuram, e superando antigos preconceitos, reconhecer que não

há óbices jurídicos ao reconhecimento de efeitos trabalhistas neste

tipo de atividade, mesmo diante da nulidade do contrato de trabalho

(em decorrência do art. 229, cujo sujeito ativo é o possível

empregador), à luz da teoria trabalhista das nulidades (que deve ser

aplicada de forma plena).

4. REFERÊNCIAS

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 8ª

ed. São Paulo : LTr, 2012.

BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, 4 :

parte especial : dos crimes contra a dignidade sexual até dos

crimes contra a fé pública – 6. ed. Ver. E ampl. – São Paulo :

Saraiva, 2012.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – Volume 3. São

Paulo : Editora Saraiva, 2013.

DA CUNHA, Dirley. Curso de Direito Constitucional. Salvador

: Editora JusPodivm, 2010.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do

trabalho. São Paulo: LTr, 2013.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 1 :

teoria geral do direito civil. 22ª ed. rev e atual. de acordo com o

Novo Código Civil (Lei n. 10406, de 10-1-2002) e o Projeto de Lei

n 6.960/2002. São Paulo : Saraiva, 2005.

ESPINHEIRA, Gey. Prostituição e sociedade. Disponível em:

[http://www.oblatas.org.br/artigos_detalhes.asp?codigo=14&catego

ria=3&subcategoria=2]. Acesso em 20 de janeiro de 2016.

Page 97: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

96

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA, Rodolfo.Novo curso

de direito civil, volume I : parte geral. 13ª ed. São Paulo : Saraiva,

2011.

GÍMENO, Beatriz. La prostitución: aportaciones para um

debate abierto. Disponível em:

[http://www.ciudaddemujeres.com/articulos/La-prostitucion-

aportaciones-para]. Acesso em 20 de janeiro de 2016.

GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 19ª ed. Rio de

Janeiro : Editora Forense, 2009.

HART, Herbert L. A. O conceito de direito. 3ª Ed. Fundação

Calouste Gulbenkian, 2001.

LEITE, Gabriela. Filha, mãe, avó e puta. A história de uma

mulher que decidiu ser prostituta. Rio de Janeiro : Objetiva, 2008.

MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman;

BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor. 3º

Ed. São Paulo : RT, 2010.

MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho : relações

individuais, sindicais e coletivas de trabalho. 4ª ed. São Paulo :

Saraiva, 2013.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 29ª ed.. São

Paulo : Atlas, 2013.

MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico : plano

da existência. 18ª ed. São Paulo : Saraiva, 2012.

NUCCI, Guilherme de Souza. Prostituição, lenocínio e tráfico

de pessoas. Aspectos Constitucionais e Penais. São Paulo :

Editora Revista dos Tribunais, 2014.

PAMPLONA, Rodolfo; PEDROSA, Laurício Alves Carvalho,

coordenadores. Novas figuras contratuais : homenagem ao

professor Washington Luiz da Trindade. São Paulo: LTr, 2010.

Page 98: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

97 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro,

volume 2 : parte especial, arts. 121 a 249– 10. ed. rev. atual.e

ampl. – São Paulo Editora Revista dos Tribunais, 2011.

REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. 25ª Ed. São

Paulo : Saraiva, 2001.

TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim

Assumpção. Manual de direito do consumidor: direito material e

processual. 2º Ed. São Paulo : Método, 2013.

VIGIL, Carmen; VICENTE, Maria Luisa.Prostitución,

liberalismo sexual y patriarcado. 2006. Disponível em:

[http://webs.uvigo.es/pmayobre/textos/varios/liberalismo.pdf].

Acesso em 20 de janeiro de 2016.

ZAFFARONI, Eugênio Raul. Manual de direito penal

brasileiro, volume 1 : parte geral – 8ª ed, rev. e atual. – São Paulo

: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

NOTAS:

[1] Não se incluiu o contrato de estágio na presente classificação pelo fato de haver divergência na doutrina sobre se tal pacto efetivamente consubstancia ou não um contrato de trabalho. Nesse sentido, defendendo a existência de disparidades entre um e outro, aponta Sérgio Pinto Martins (2013, p. 180) que “a diferença entre o estágio e o contrato de trabalho é que no primeiro o objetivo é a formação profissional do estagiário, tendo, portanto, finalidade pedagógica, embora haja pessoalidade, subordinação, continuidade e uma forma de contraprestação”.

[2] Vide, por exemplo, o CC 92.519/SP, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça em 16.02.2009

[3] Outra corrente prefere definir a competência da justiça do trabalho em todas hipóteses em que existe prestação de serviços por pessoas físicas, considerando que a competência da justiça do trabalho abarca toda relação de trabalho, e esta pode ser entendida como qualquer atividade humana que gere alguma utilidade.

Page 99: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

98

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

A vingar essa tese, todavia, parece que haveria um abarrotamento da Justiça do Trabalho, com o inviável deslocamento de milhões de processos da Justiça Comum para aquela Justiça Especializada.

[4] O preceito previsto no art. 5º, XIII é tido como uma norma de eficácia contida, assim entendida como “normas que incidem imediatamente, independentemente de ulterior integração legislativa. Contudo, preveem meios ou conceitos que permitem manter sua eficácia contida em certos limites. Quer dizer, embora não necessitem de lei integrativa para incidir, esta pode ser editada, porque assim prevista, para lhes reduzir a eficácia” (DA CUNHA, 2010, p. 168). Daí se diz que ela são normas de aplicabilidade direta, imediata, mas possivelmente não integral.

[5] Marcos Bernardes de Mello (2013, p. 102) afirma ser um erro considerar o ato inexistente como “uma categoria jurídica, quando se trata, na realidade, de mera situação fática, exatamente porque o ato não chegou a entrar no mundo do direito por não se haver realizado, suficientemente, o seu suporte fático; inexistência é conceito próprio do mundo dos fatos, jamais do mundo jurídico”.

[6] A doutrina acrescenta ainda, além dos requisitos enumerados pelo Código Civil, a necessidade de uma manifestação de vontade livre e de boa-fé.

[7] DANÇARINA DE CASA DE PROSTITUIÇÃO – POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO. Restando provado que a autora laborava no estabelecimento patronal como dançarina, sendo revelados os elementos fático-jurídicos da relação de emprego, em tal função, não se tem possível afastar os efeitos jurídicos de tal contratação empregatícia, conforme pretende o reclamado, em decorrência de ter a reclamante também exercido a prostituição, atividade esta que de forma alguma se confunde com aquela, e, pelo que restou provado, era exercida em momentos distintos. Entendimento diverso implicaria favorecimento ao enriquecimento ilícito do reclamado, além de afronta ao princípio consubstanciado no aforismo utile per inutile vitiari non debet. Importa ressaltar a observação ministerial de que a exploração de prostituição, pelo reclamado, agrava-se pelo fato de que "restou comprovado o desrespeito a direitos individuais

Page 100: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

99 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

indisponíveis assegurados constitucionalmente (contratação de dançarinas, menores de 18 anos), o que atrai a atuação deste ministério público do trabalho, através da coordenadoria de defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis – Codin".

(TRT 3 - Tribunal Regional do Trabalho 3ª Região – MG - Relator: Relª Juíza Rosemary de Oliveira Pires Data de Publicação: 18/11/2000 - Referência: RO 1.125/00 – 5ª T. – DJMG 18.11.2000)

[8]RELAÇÃO DE EMPREGO – Garçonete e copeira. Bar e boate. Reconhecido pelas testemunhas do próprio reclamado os serviços de garçonete e copeira, com habitualidade e subordinação jurídica, a atividade de prostituição imputada à autora, mesmo que fique demonstrada, não é fato impeditivo de que se reconheça relação de emprego pelo exercício concomitante de outra atividade. Vínculo empregatício reconhecido. Remessa à origem. Apelo provido

(TRT 4 - Tribunal Regional do Trabalho 4ª Região. Relator: Armando C - Data de Publicação: 06/10/1999 - Referência: Ac. 01279.371/97-8 RO – 1ª T. – Macedônia Franco – DOERS 06.10.1999)

[9]VÍNCULO EMPREGATÍCIO. RECONHECIMENTO.A ilicitude da atividade de prostituição desenvolvida no bar da reclamada não deve ser óbice ao reconhecimento do vínculo empregatício da laborista que atuava como caixa do estabelecimento, na cobrança dos produtos lícitos ali vendidos, quando relevados os elementos fático-jurídicos da relação de emprego, em tal função, sob pena de se favorecer o enriquecimento ilícito da ré e negar-se o valor social do trabalho (inc. IV, art. 1º, CR/88) licitamente desenvolvido pela obreira.

(TRT 3 – Tribunal Regional do Trabalho 3ª Região.8ª Turma. Relatora: Adriana G. de Sena Orsini – Data de Publicação: 18/08/2007 – RO 01344.2006.103.03.00-0)

[10] Na classificação da CBO, disponível no site do Ministério do Trabalho e Emprego [http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/pesquisas/ResultadoOcupacaoMovimentacao.jsf], a rubrica atribuída às prostitutas é a de

Page 101: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

100

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

“profissionais do sexo”, que envolve os seguintes títulos: “Garota de programa, Garoto de programa, Meretriz, Messalina, Michê, Mulher da vida, Prostituta, Trabalhador do sexo”. Como descrição sumária, as profissionais do sexo “Buscam programas sexuais; atendem e acompanham clientes; participam em ações educativas no campo da sexualidade. As atividades são exercidas seguindo normas e procedimentos que minimizam a vulnerabilidades da profissão”.

Denota-se que o Poder Executivo encontra-se passos a frente do Poder Legislativo (cujos membros mantêm posicionamentos sempre antiquados, raramente se propondo a adotar posições mais vanguardistas a fim de não se indisporem com seus futuros (re)eleitores) e, curiosamente, do próprio Poder Judiciário no que tange à proteção dos prostitutos.

Com efeito, reconhecendo a prostituição como ocupação regular, os prostitutos podem ser contribuintes da Previdência Social, nos termos da Lei n° 8.212/1991, assegurando-lhes código próprio de contribuição, sob o numero 1007, fazendo jus a alguns direitos próprios deste regime contributivo, como o salário-maternidade e auxílio-doença, bem como à aposentadoria, todos, em regra, mediante contribuição de 20% sobre o salário de contribuição.

[11] Inclusive, segundo entendimento do STJ constante no enunciado 51 da sua Súmula, “a punição do intermediador, no jogo do bicho, independe da identificação do ‘apostador’ ou do ‘banqueiro”.

[12] Nesse sentido, afirma Cezar Roberto Bittencourt (2012, p. 166) que “sujeito passivo [do delito do art. 229 do Código Penal] será sempre a pessoa prostituída, homem ou mulher, que permanece no local (bordel, casa de prostituição ou estabelecimento de exploração sexual), ou a ele se dirige para fim libidonoso”. Assim também é o posicionamento de Luiz Regis Prado (2011, p. 872) e Fernando Capez (2013, p. 146)

[13] Como se a atividade dos prostitutos não o fosse...

[14] Consumo este, aliás, muito mais lesivo do que a prática da prostituição - vide o número cada vez crescente de motoristas

Page 102: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

101 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

embriagados que são cabo à própria vida, ou pior, ceifam a vida alheia. Nem por isso o consumo de bebida alcoólico é proibido, como querem fazer com a prostituição.

[15] Merece transcrição, ainda, a perfeita observação do referido autor: “há comércio sexual em vários planos: (a) mulheres/homens que se casam por dinheiro, em nítida troca de sexo jovem por bens materiais; (b) mulheres/homens solteiros que vendem sexo por dinheiro, de maneira rápida e variada; (c) mulheres/homens solteiros que se vendem a pessoas casadas em busca do sexo jovem, em troca de bens materiais, sem maiores vínculos; (d) mulheres/homens jovens que se vendem por proteção, fascinados pelo poder de homens/mulheres mais velhas e ricas. Geralmente, resta ao conceito de prostituição apenas a relação descrita na alínea ‘b’ e, mesmo assim, quando a(o) prostituta(o) é pobre. O elitismo domina até mesmo a definição de prostituição. Sabe-se, no entanto, haver mulheres prostituídas, casadas e com filhos, levando vida mais digna e fiel do que outras, mulheres casadas, que para atingir o matrimônio, venderam-se e continuam traindo seus maridos, com outros homens, sempre em busca de ganho material – quanto mais, melhor. Qual dessas mulheres é moralmente mais elevada? A prostituta pobre de vida familiar digna ou a mulher rica, prostituída pela vida que leva? Nunca é demais refletir, antes de lançarmos críticas à prostituição” (NUCCI, 2014, p. 64-65)

[16] Obviamente, não se defende que todos os casamentos entre jovens e pessoas mais velhas sejam movidos por interesse material, embora seja ingenuidade crer que tais situações não existam.

[17] A própria Beatriz Gímeno (2008, p. 05) entende: “es posible darles derechos básicos sin necesidad de legalizar la prostitución”. É o que se ocorreria, a vingar o que ora se defende.

Page 103: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

102

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

O NEOCONSTITUCIONALISMO E A PROPRIEDADE COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL LIMITADO

CLARISSA PEREIRA BORGES: Graduada em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco em 2013.2; Pós Graduada em Direito Público pela Faculdade de Direito Professor Damásio de Jesus; Pós Graduada em Direito Administrativo pelo Instituto Elpídio Donizetti.

1. Introdução: o Neconstitucionalismo e a importância dos

direitos fundamentais

O Constitucionalismo surge contemporaneamente ao

nascimento do Estado Moderno, com o liberalismo clássico, diante

de um movimento racionalista do Século XVIII. Foi um instrumento

utilizado pela classe burguesa, em ascensão, para garantir o seu

poder político, social e econômico. A argumentação da burguesia

baseou-se na Constituição, de forma totalmente contrária ao

argumento dos Reis, que se pautava no poder dado pela divindade,

argumento intensivamente teocrático.[1]

Destarte, o Constitucionalismo Clássico marcou o apogeu da

burguesia e o declínio da nobreza, através da supremacia da lei e

de um Estado de Direito em contrapartida ao Estado anterior,

justificado por argumentos teocráticos, no qual o Rei, através do

governo despótico, não possuía limites. O Estado Moderno foi

marcado pelo modelo “Hobessiano”: considerava o soberano como

o amparo da ordem, e a grande população, os denominados

súditos, com o dever de obedecer todas as decisões do soberano,

com o escopo de garantir a paz. É o chamado contrato social, ou

o pactum subiectionis. [2]

A Magna Charta Libertatum e os pactos medievais não

podem ser considerados como Constituições, com a conceituação

que se concebe hodiernamente. A Magna Charta Libertatum teve a

Page 104: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

103 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

importância de estabelecer o principio de que o Rei não estava

acima da Lei. Nelson Saldanha esclarece que:

No presente estudo, o ponto de vista dominante

é o de que o pensamento constitucional só se

estrutura plenamente, por seu conteúdo e sua

forma, dentro da experiência do Ocidente

contemporâneo. Mas nada impede que sejam

mencionadas as experiências anteriores,

mesmo porque - e isso é muito importante – sem

elas, sem a compreensão destes e de sua

conexão com o mundo dito moderno e

contemporâneo, o entendimento do que foi

tomado como “plenamente” e como

“propriamente dito” ficará sempre insuficiente.[3]

Outros textos como a Mayflower Pact e o Agreement of

People surgiram no século XVII, mas não possuíam como escopo a

estruturação de forma ampla da vida política do Estado. [4]

Com o surgimento da Constituição, com a conceituação

concebida atualmente, as condutas sociais foram determinadas por

normas que deveriam ser seguidas por todos. As primeiras

constituições foram consideradas liberais, burguesas e continham

direitos civis e políticos. Os direitos só atingiam a burguesia, única

classe social que foi beneficiada com as constituições liberais.

Destacam-se os seguintes valores marcados pela concepção de um

constitucionalismo liberal: individualismo, absenteísmo estatal,

propriedade privada e proteção ao indivíduo.

A Lex Mater burguesa serviu como um freio aos arbítrios dos

reis, que concentravam todos os poderes e não possuíam limites.

Construiu uma nova ordem, pautada na tripartição dos poderes e

com a proteção jurídica dos direitos fundamentais. Podemos

Page 105: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

104

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

classificar o surgimento das constituições liberais como o

movimento do constitucionalismo clássico.[5]

O modelo de liberal satisfez os interesses da burguesia

capitalista, permitindo o desenvolvimento da atividade econômica.

Politicamente o Estado liberal foi concebido como uma estrutura de

poder absenteísta na qual não existe espaço par qualquer

intervenção do poder público na atividade econômica.

A concepção liberal gerou concentração de renda e exclusão

social o que, por conseguinte, ensejou o constitucionalismo social,

momento em que o Estado é chamado para evitar abusos e limitar

o poder econômico concentrado.[6] Nesse contexto que se inserem

os direitos fundamentais de segunda dimensão: sociais, culturais e

econômicos.

Hodiernamente, as Constituições são concebidas por sua

finalidade de concretização dos direitos fundamentais. Tal caráter

finalístico deriva do movimento do neoconstitucionalismo, também

chamado de Constitucionalismo dos Direitos, Constitucionalismo

Avançado ou Paradigma Argumentativo, que surgiu no âmbito

mundial com o cenário pós Segunda Grande Guerra, momento de

redemocratização.

O prefixo "neo" que aparece na palavra

"neoconstitucionalismo" já indica ser esse movimento uma feição

nova de algo que ocorreu anteriormente, a saber: o

constitucionalismo. Designa, portanto, o constitucionalismo

contemporâneo, cujo marco histórico foi, no Brasil, a Constituição

de 1988, em um momento de reconstitucionalização do país, que

superava o regime autoritário e alcançava um Estado democrático

de direito. [7]

O caráter ideológico do Neoconstitucionalismo é de

concretizar os direitos fundamentais, e a Constituição ganha força

Page 106: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

105 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

normativa, tendo um caráter de eficácia direta e imediata. Solidifica-

se, assim, a consolidação das normas constitucionais que ganham

caráter vinculativo.

Nesse diapasão, de uma forma ampla, uma das formas de se

conceituar o Neoconstitucionalismo é como uma reanálise da Lex

Mater com o escopo de aumentar a sua eficácia e consolidar os

direitos fundamentais. A Constituição ganha supremacia e sua

proteção cabe ao Poder Judiciário. Ocorre a expansão para

inúmeros países da jurisdição constitucional, de modo que os

países da Europa vieram a adotar modelos diferentes de controle

de constitucionalidade e de criação de tribunais constitucionais.

Segundo os ensinamentos de Walber Agra:

o caráter ideológico do Neoconstitucionalismo é

o de concretizar os direitos fundamentais.

Cumpre a todos os poderes estabelecidos

efetivar os postulados agasalhados na Lex

Mater, consolidando seu papel de pacto vivencial

da sociedade.[8]

Fica clara, assim, a diferença no tocante ao caráter ideológico

do movimento do neoconstitucionalismo e do constitucionalismo

clássico. A Constituição deixa de ser concebida apenas como uma

“folha de papel”, para ser um texto de eficácia concretiva plena.[9] A

supremacia das normas constitucionais é de suma importância para

garantir a fundamentação de uma jurisdição constitucional, através

da submissão de todos os poderes estatais ao conteúdo estipulado

pela Lex Mater.

Os direitos fundamentais não podem ser considerados apenas

programas, o que traria o risco de terem seu caráter normativo

desconsiderado. A força normativa da Lei Maior traz como

decorrência a sua tutela mais ampla, de modo que, os direitos

fundamentais gozam de maior aplicabilidade. A eficácia dos direitos

Page 107: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

106

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

possui dois sentidos: a eficácia social que se refere a circunstância

de que a norma é obedecida e aplicada na realidade fática, sendo

justamente a efetividade da norma e a eficácia jurídica como a

capacidade de alcançar os objetivos estabelecidos pela norma.

Como ensina Jose Afonso da Silva:

Tratando-se de normas jurídicas, a eficácia

consiste na capacidade de atingir os objetivos

nelas traduzidos, que vem a ser, em ultima

análise, realizar os ditames jurídicos objetivados

pelo legislador. Por isso é que se diz que a

eficácia jurídica da norma designa a qualidade

de produzir, em maior ou menor grau, efeitos

jurídicos, ao regular, desde logo, as situações,

relações e comportamentos de que cogita; nesse

sentindo, a eficácia diz respeito à aplicabilidade,

exigibilidade ou executoriedade da norma, como

possibilidade de sua aplicação jurídica. O

alcance dos objetivos da norma constitui a

efetividade. Esta é, portanto, a medida da

extensão em que o objetivo é alcançado,

relacionando-se ao produto final.[10]

Os direitos fundamentais não são absolutos, mas limitados

pelas demais normas da Constituição, assim como pelas

infraconstitucionais que delimitam o seu sentido. Ocorre que, do

ponto de vista jurídico dogmático, os direitos fundamentais tornam-

se relevantes quando ocorre uma intervenção no seu livre exercício.

Estudar os direitos fundamentais significa principalmente estudar as

suas limitações. Tais direitos consagram, sobretudo, valores.

No contexto do Neoconstitucionalismo, que tem como caráter

ideológico a concretização dos direitos fundamentais, torna-se

importante o estudo das intervenções no livre exercício desses

Page 108: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

107 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

direitos. Um dos principais vetores dos direitos fundamentais é o

interesse público, pautado no princípio do bem comum.

Dentre os direitos fundamentais assegurados

constitucionalmente, destaca-se o direito de propriedade que, como

todos os direitos, passou por uma evolução história de acordo com

o contexto social. Assim como os demais direitos fundamentais, não

se trata de um direito absoluto, mas é passível de limitações.

O direito de propriedade no âmbito do constitucionalismo

liberal recebeu tratamento diferenciado do contexto do

constitucionalismo social. Diante de uma perspectiva do

Neoconstitucionalismo, tal direito passa a ser analisado sob uma

ótica de concretização, devendo, contudo, ser compatibilizado com

a limitação imposta pela própria Constituição Federal, a função

social da propriedade, bem como pelo princípio do interesse público

sobre o privado.

2. Evolução histórica do direito fundamental de propriedade

A evolução histórica da propriedade é de extrema importância

para analisar o contexto atual que a propriedade se insere e suas

limitações. A história da propriedade encontra-se intimamente

relacionada com a organização política das sociedades. Existe uma

nítida influência do regime político sobre o modelamento da

tipicidade dominial. Por conseguinte, a propriedade individual é vista

como padrão de direito subjetivo nos regimes capitalistas, e

contrapondo-se a ela existe a propriedade coletiva,

predominantemente vigente em regimes socialistas.

A Revolução Francesa trouxe à baila o ideal romano de

domínio individual e absoluto da res. A expressão romana dominium

ex iuri quiritium designavaadesão à propriedade de forma plena e

exclusiva, sendo uma prerrogativa de forma absoluta e ilimitada[11].

Com o surgimento do capitalismo e o início das revoluções

Page 109: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

108

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

industriais, a concepção individualista da propriedade chega ao seu

auge.

O capitalismo se sustentava em dois pilares: o da propriedade

e o da liberdade. Uma nova ideologia surgira: o liberalismo, baseado

na igualdade formal daspessoas perante a lei, e pautado num

Estado não intervencionista.[12] Importava apenas a aquisição de

bens por parte do particular, sem contar com a participação da

coletividade, sendo justificada pela intensificação da produtividade

e lucros, com respaldo na exacerbada autonomia privada.

Politicamente, o Estado Liberal foi concebido como uma

estrutura de poder absenteísta na qual não existe espaço par

qualquer intervenção do poder público na atividade econômica, ou

seja, a existência de um estado mínimo cuja função principal é

assistir de longe o desenvolvimento da dinâmica social. Do ponto

de vista econômico, o modelo liberal clássico consagra as regras de

auto regulação do mercado compreendida a partir da metáfora da

mão invisível.

Com a crise do Estado Liberal surgiu o denominado Estado

Providência. Surge a necessidade de um Estado Social, com

prestações positivas por parte do Estado, capaz de amparar e

proporcionar melhorias para os hipossuficientes, privados de

acesso a bens mínimos de sobrevivência. Vem à tona o Estado

Social, também conhecido como Estado Providência ouo Welfare

State, o Estado do bem-estar social. A realização dos direitos

depende, assim, de uma superação do absenteísmo liberal e a

consagração de uma forte intervenção na atividade econômica. É

nesse contexto que se insere o Constitucionalismo Social.

A partir desse momento, a propriedade deixa de ser ilimitada

e passa a ser compatibilizada com o interesse social, ou seja, da

coletividade, tendo o Estado o papel de garantidor. O individualismo

Page 110: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

109 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

exacerbado, portanto, perde a sua força e surge o sentido social da

propriedade.

Inicialmente, trata-se o direito de propriedade como um direito

individual, sendo assegurado ao seu titular diversos poderes de

natureza privada, dentre os quais se podem destacar: usar, usufruir,

dispor, gozar e reaver um bem de maneira absoluta, exclusiva e

perpétua. O direito de propriedade caracteriza-se como o direito

mais amplo e complexo dentre os direitos subjetivos, por ser um

feixe de poderes nas mãos do titular.

Trata-se de uma relação jurídica complexa formada entre o

titular do bem, o proprietário, e a coletividade. O artigo 5º, caput, da

Constituição Federal de 1988 afirma ser a propriedade um direito

fundamental, ao lado da vida, liberdade, igualdade e a segurança.

A propriedade como um direito fundamental existe como função à

proteção pessoal do titular, já que existe uma garantia da autonomia

privada em caráter erga omnes, ou seja, a satisfação da

propriedade exercida pelo seu titular exige um comportamento

abstencionista por parte da coletividade.

A propriedade dos bens imóveis surge a partir do registro que

leva a publicidade e, por conseguinte, o direito geral de abstenção

passa a ser exigível perante todos os indivíduos da sociedade.

Aqueles que não são proprietários devem respeitar o exercício de

propriedade do titular que possui o livre exercício sobre a coisa,

visto que exerce uma posição de vantagem sobre esta.

Intromissões e ofensas sem amparo legal no direito de propriedade

representam violações à liberdade e a privacidade que o titular

detém sobre o bem jurídico tutelado.

Clóvis Beviláqua conceitua a propriedade como sendo o

poder assegurado pelo grupo social à utilização dos bens da vida

física e moral.[13]

Page 111: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

110

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

O caráter absoluto da propriedade garante ao proprietário o

direito de dispor da coisa como ele bem entender. O absolutismo do

direito de propriedade não é integral, visto que, até mesmo os

direitos que integram, tradicionalmente, o rol de absolutos vem se

tornando mais relativos. Deste modo, o direito de propriedade está

sujeito à algumas limitações impostas pelo direito público, bem

como pelo direito de propriedade das outras pessoas. [14]

É também de caráter exclusivo, uma vez que é exercido de

forma individual, não podendo pertencer com exclusividade por

mais de uma pessoa. O direito de propriedade proíbe que terceiros,

não proprietários, exerçam o direito de senhoria sobre o bem. No

mesmo lapso temporal, duas ou mais pessoas não podem exercer

com exclusividade o direito de propriedade sobre a coisa, tendo o

proprietário direito de ação reivindicatória caso haja interferência na

sua propriedade. O direito de propriedade existe

independentemente do seu exercício, enquanto não houver causas

que o modifique ou extinga, sendo transmitida por direito

hereditário. [15]

Por isso, a doutrina tradicional classifica-o como um direito

perpétuo. Neste sentido, o direito de propriedade apenas se

extingue pela vontade do dono, ou por disposição expressa legal,

nos casos de perecimento da coisa, desapropriação ou usucapião.

3. Da estrutura do direito de propriedade

Os direitos subjetivos possuem em seu conteúdo faculdade

jurídicas (facultas agendi), em oposição ànorma agendi. O direito

subjetivo é um poder concedido pelo ordenamento à pessoa na

busca da satisfação de interesses próprios, facultas

agendi,concretizando o comando previsto na norma legal

abstrata, norma agendi.[16]

Page 112: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

111 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

O direito de propriedade, tratado como um direito subjetivo,

consiste em prerrogativas dos indivíduos asseguradas pelo direito

objetivo. O artigo 1.228 do Código Civil elenca as faculdades do

direito de propriedade, assim dispondo: “O proprietário tem a

faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la

do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”.

A faculdade de usar a coisa, ius utendi, significa que o

proprietário pode se servir do bem, sem alterar-lhe a

substância.[17] Utiliza-se o bem de acordo com a sua destinação

econômica para todas as finalidades para as quais ele proporciona:

utilização pessoal ou em prol de terceiro. O direito de uso confere

ao proprietário a percepção dos frutos naturais para utilização

pessoal ou em prol de terceiro. Poderá também o proprietário do

bem deixá-lo em poder de outra pessoa sob as suas ordens. Ocorre

que, em determinadas situações, caso o proprietário desidioso não

cumpra com a sua faculdade de usar, poderá ocorrer a arrecadação

pelo Poder Público do bem ou a desapropriação por interesse

social, deixando de ser uma faculdade de usar para se tornar um

dever jurídico. Neste sentindo, afirma Roberta Mauro:

A destinação que deverá ser dada ao bem não é

mais uma escolha absolutamente livre, eis que a

Constituição oferece uma guia à conduta do

titular. Assim, o não uso deixa de ser uma opção

de seu titular, tendo em vista que se antes os

direitos sobre o mesmo se mantinham intactos,

não obstante a falta de exercício, até que

constituísse uma situação em proveito de

terceiro, a legislação em vigor apresenta hoje

uma seria de mecanismos capazes de coibir

qualquer destinação que se mostre contraria a

função social e ao desempenho econômico do

bem, em beneficio da coletividade.[18]

Page 113: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

112

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

A faculdade de gozar, o ius fruendi, diz respeito ao direito de

perceber todos os frutos e rendimentos que ultrapassem do

recolhimento dos frutos naturais. A percepção dos frutos naturais é

característica da faculdade de usar o bem. Já os frutos industriais,

aqueles que resultam da transformação do homem sobre a

natureza, bem como os frutos civis, as rendas resultantes da

utilização da coisa por outra pessoa, serão colhidos através da

faculdade de gozar.[19] Está inserido também nessa faculdade o

direito às pertenças, que se destinam, de acordo com o artigo 93 do

Código Civil, ao uso, serviço ou aformoseamento do bem de modo

duradouro.

Já faculdade de dispor o bem é albergada pelo direito do

proprietário de alterar a substância da coisa, realizando o que

desejar sobre o bem, conferindo destinação econômica a este.

Pode, assim, alienar, gravar, desmembrar, dividir, consumir,

transferir a coisa, etc.[20]

Por fim, a faculdade de reivindicar o bem é um elemento

externo da propriedade, uma vez que garante ao proprietário o

direito de excluir terceiros não proprietários da relação jurídica com

a coisa. É uma consequência da lesão ao direito subjetivo de

propriedade, consubstanciado no dever jurídico de abstenção.[21]

4. Limites à propriedade privada: entre o cumprimento da

função social e a supremacia do interesse público sobre o

privado

O direito de propriedade tem garantia constitucional, conforme

dicção do artigo 5º, XXII da Constituição Federal. Entretanto, a

própria Carta Maior, inserida no contexto do Neoconstitucionalismo,

exige, em contraponto, que a propriedade atenda a função social,

como estabelece o inciso XXIII do artigo 5º. O atual contexto da

propriedade, portanto, se insere em um direito fundamental

condicionado, limitado pela própria Constituição que o garante,

devendo cumprir com a sua função social.

Page 114: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

113 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

Destarte, depreende-se que o direito de propriedade não pode

ser visto, hodiernamente, como um direito absoluto. Impende

destacar que nenhum direito fundamental é absoluto, embora o

ilustre filósofo Noberto Bobbio afirme que o qualificativo de absoluto

cabe a pouquíssimos direitos, como a vedação à escravidão e à

tortura. [22] Os direitos fundamentais são limitados pelos demais

direitos presentes na Constituição e também pelas normas

infraconstitucionais que limitam o seu sentido.

Dentro da perspectiva de limitação a direitos fundamentais,

principalmente no que tange à propriedade, destaca-se o principal

vetor para a sua restrição: o princípio da supremacia do interesse

público sobre o privado. Segundo Celso Antonio Bandeira de

Mello[23], o Direito Administrativo se delineia em função da

consagração de dois princípios: o da supremacia do interesse

público sobre o privado, e o da indisponibilidade, pela administração

dos bens públicos. O primeiro se refere à superioridade do interesse

da coletividade, firmando a prevalência dele sobre o do particular,

como pressuposto de uma ordem social estável, em que todos e

cada um possam sentir-se garantidos e resguardados nos seus

direitos e bens. O segundo parte do pressuposto de que a

Administração possui poderes-deveres, ou seja, lhe são concedidos

determinados poderes como meios para o alcance de uma

finalidade previamente estabelecida, que é defesa do interesse

público, e não da entidade governamental em mesma consideradas.

Dirley da Cunha Jr. destaca que:

Na doutrina italiana é corrente a distinção entre

interesses públicos primários, que são os

interesses da coletividade como um todo e

interesse públicos secundários, que são os

interesses do estado como sujeito de direitos,

independentemente de sua qualidade se

servidor de interesses de terceiros. [24]

Page 115: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

114

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

Ocorre que o princípio ora referido, da supremacia do

interesse público sobre o privado, somente se aplica aos públicos

primários, uma vez que são os únicos que podem ser tratados como

verdadeiros interesses públicos. Estes correspondem ao conjunto

dos interesses que os indivíduos pessoalmente possuem quando

considerados em sua qualidade como membros da sociedade.

Na lição de Celso Antonio Bandeira de Melo “os interesses

públicos correspondem à dimensão pública dos interesses

individuais, ou seja, que consistem no plexo dos interesses dos

indivíduos enquanto partícipes da sociedade”. [25]

Deste modo, os interesses públicos secundários apenas

serão compreendidos como interesse público quando

corresponderem aos interesses primários.

O direito de propriedade sempre foi contemplado em todas as

Constituições do Brasil. A Constituição do Império foi inspirada na

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, garantia o direito

de propriedade em toda a sua plenitude, trazendo um caráter

eminentemente individualista. Apenas em 1967, apareceu

textualmente a função social, como princípio de ordem econômica.

Assim afirma Carlos Roberto Gonçalves:

O princípio da função social tem controvertida

origem. Teria sido, segundo alguns, formulado

por Augusto Comte e postulado por Léon Duguit,

no começo do século. Em virtude da influência

que a sua obra exerceu nos autores latinos,

Duguit é considerado o precursor da ideia de que

os direitos só se justificam pela missão social

para o qual devem contribuir e, portanto, que o

proprietário deve comportar-se e ser

considerado, quanto á gestão dos seus bens,

como um funcionário.[26]

Page 116: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

115 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

A expressão função social deriva do latim functioque significa

cumprir algo ou desempenhar um dever ou uma atividade. O direito

à propriedade, portanto, encontra-se condicionado ao cumprimento

da sua função social, que surgiu com as mudanças ocorridas no

conceito de propriedade, deixando de ser um direito absoluto,

inviolável, para atender às necessidades coletivas[27]. Sobre o

tema, são as palavras de Orlando Gomes:

Estabelecidas essas premissas, pode-se

concluir que pela necessidade de abandonar a

concepção romana da propriedade, para

compatibiliza-la com as finalidades sociais da

sociedade contemporânea, adotando-se, como

preconiza Andre Piettre, uma concepção

finalista, a cuja luz se definam as funções sociais

desse direito. No mundo moderno, o direito

individual sobre as coisas impõe deveres em

proveito da sociedade e ate mesmo no interesse

de não proprietário. Quanto tem por objeto bens

de produção, sua finalidade social determina a

modificação conceitual do próprio direito, que

não se confunde com a política de limitações

específicas ao seu uso. A despeito, porém, de

ser um conceito geral, sua utilização varia

conforme a vocação social do bem no qual recai

o direito – conforme a intensidade do interesse

geral que o delimita e conforme a sua natureza

na principal rerum devido tradicional. A

propriedade deve ser entendida como função

social tanto em relação aos bens imóveis como

em relação aos bens móveis. [28]

É mister salientar que a função social diz respeito à própria

estrutura da propriedade, não sendo apenas um limite ao direito do

Page 117: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

116

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

proprietário. O particular não deixa de ter o direito ao seu bem, haja

vista a própria Carta Magna o garantir. Contudo, pelo princípio da

predominância do interesse público sobre o interesse privado, deve

o particular utilizar a propriedade de maneira racional em prol do

bem-estar da sociedade.

Nesse sentido, José Afonso da Silva afirma que:

O princípio da função social traduz um novo

regime jurídico à propriedade, pois incide no

próprio conteúdo deste direito como elemento

que determina a aquisição, o gozo e utilização;

logo, ela só é considerada legítima enquanto

considerada propriedade função. [29]

Caso o proprietário não venha a proceder de forma a cumprir

com a função social, compete ao Poder Público exercer a tutela dos

interesses públicos maiores envolvidos, ainda que em prejuízo do

interesse individual do particular[30]. Destarte, pode vir o

proprietário a perder a sua propriedade, através da intervenção do

Estado.

5. Conclusão:

Estudou-se o contexto histórico no qual a supremacia dos

direitos fundamentais da Constituição Federal de 1988 fora

alcançada, através do Neconstitucionalismo, em detrimento do

Constitucionalismo Clássico, movimento racionalista, que tinha por

finalidade a limitação dos poderes concentrados nas mãos dos Reis

e a conquista de direitos fundamentais, contudo que não passavam

de letras mortas de eficácia retórica. Verificou-se que, com o

Neconstitucionalismo, a Constituição passou a ser uma norma

jurídica dotada de imperatividade, e os direitos fundamentais

passaram a gozar de maior aplicabilidade.

Page 118: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

117 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

Por fim, foi analisado o contexto histórico do direito de

propriedade, bem como dos movimentos constitucionalistas, e suas

características principais. A partir de então, observou-se que se

trata de um direito fundamental limitado ao cumprimento da função

social, não se tratando de um direito absoluto, mas condicionado à

supremacia do interesse público sobre o privado.

6. Referências:

AGRA, Walber de Moura. A reconstrução da legitimidade do

Supremo Tribunal Federal. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

AGRA, Walber de Moura. Neoconstitucionalismo e superação

do positivismo. In: DIMOULIS, Dimitri; DUARTE, Écio Oto. (org.).

Teoria do direito neoconstitucional: superação ou reconstrução

do positivismo jurídico? São Paulo: Método, 2008.

BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e

constitucionalização do direito (O Triunfo Tardio do Direito

Constitucional no Brasil). In: A constitucionalização do direito.

Fundamentos teóricos e aplicações específicas. São Paulo:

Lúmen Juris, 2007.

BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das coisas. Coleção história do

direito brasileiro. Brasília: Senado Federal, 2003.

BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos. Trad. Carlos Nelson

Coutinho. 16. Tir. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da

Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003.

CATAINIA, Alfonso. Lo Stato Moderno. Sovranità e giuridicità.

Torino: Giappicheli, 1997.

Page 119: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

118

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

CHAVES, Cristiano; ROSENVALD, Nelson.Direitos reais. 7.

ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Direito

das Coisas. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, v. IV.

DIRLEY JÚNIOR, da Cunha. Curso de direito administrativo.

10. ed. Salvador: Jus Podivm, 2011.

GOMES, Orlando. Direitos reais. 19. ed. Atualizador: Luiz

Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil

brasileiro. Volume V: Direito das Coisas. 3 ed. São Paulo: Saraiva,

2008.

LASSALLE, Ferdinand. A essência da Constituição. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 1998.

MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao direito de

propriedade. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

MARUO, Roberta. A propriedade na Constituição de 1988 e o

problema do acesso aos bens. TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luis

Edson (orgs). Diálogos sobre direito civil, vol. II. Rio de Janeiro:

Renovar, 2008, p 47/8, In: FARIAS, Cristiano Chaves.

ROSENVALD, Nelson. Direitos reais. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen

Juris, 2011.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martires;

BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional.

5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

MELLO, Celso Antonio Bandeira. Curso de direito

administrativo. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

Page 120: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

119 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

MORAES, José Diniz de. A função social da propriedade e a

Constituição Federal de 1988. São Paulo: Malheiros, 1999.

PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil,

Vol. IV. 21. ed. Rio de janeiro: Forense, 2012

SALDANHA, Nelson. Formação da teoria constitucional. 2

ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000

SILVA, Jose Afonso. Aplicabilidade das normas

constitucionais. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2012

VENOSA, Silvio de Salvo. Direitos reais. 11. ed. São Paulo:

Atlas, 2011

NOTAS:

[1] AGRA, Walber de Moura. A reconstrução da legitimidade do Supremo Tribunal Federal. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 2.

[2] CATAINIA, Alfonso. Lo Stato Moderno. Sovranità e giuridicità. Torino: Giappicheli, 1997, p. 19, APUD, AGRA, Walber de Moura. A reconstrução da legitimidade do Supremo Tribunal Federal. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 3.

[3] SALDANHA, Nelson. Formação da teoria constitucional. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p.14.

[4] AGRA, Walber de Moura. A reconstrução da legitimidade do Supremo Tribunal Federal. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 1.

[5] “As constituições liberais costumam ser consideradas como código individualistas exaltantes dos direitos individuais do homem. A noção de indivíduo, elevado à posição de sujeito unificador de uma nova sociedade, manifesta-se fundamentalmente de suas maneiras: (1) a primeira acentua o desenvolvimento do sujeito moral e intelectual livre; (2) a segunda parte do desenvolvimento do sujeito

Page 121: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

120

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

econômico livre no meio da livre concorrência”. (CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 110).

[6] “O descaso para com os problemas sociais, que veio a caracterizar o État Gendarme, associados às pressões decorrentes da industrialização em marcha, o impacto do crescimento demográfico e o agravamento das disparidades no interior da sociedade, tudo isso gerou novas reivindicações, impondo ao Estado um papel ativo na realização da justiça social”. (MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 309).

[7]BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito (O Triunfo Tardio do Direito Constitucional no Brasil). In: A constitucionalização do direito. Fundamentos teóricos e aplicações específicas. São Paulo: Lúmen Juris, 2007, p. 207.

[8]AGRA, Walber de Moura. Neoconstitucionalismo e superação do positivismo. In: DIMOULIS, Dimitri;DUARTE, Écio Oto. (org.). Teoria do direito neoconstitucional: superação ou reconstrução do positivismo jurídico? São Paulo: Método, 2008. p. 436.

[9] LASSALLE, Ferdinand. A essência da Constituição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998, p. 41.

[10] SILVA, Jose Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 66.

[11] “Embora substancialmente os Romanos vissem na proprietas um direito ilimitado, em que se incorporava a liberdade de fazer o dominus o que quisesse, os romanistas ressalvam que tal faculdade podia encontrar limitações provindas de princípios especiais. E efetivamente as limitações existiam. No campo dos conflitos de vizinhança, na instituição de servidões, ou em termo gerais, levantadas aquelas sob a inspiração de um interesse público ou de conveniências particulares”. PEREIRA, Caio

Page 122: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

121 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

Mario da Silva. Instituições de direito civil, Vol. IV. 21. ed. Rio de janeiro: Forense, 2012, p. 85,86.

[12] “O termo liberalismo engloba o liberalismo político, ao qual estão associadas as doutrinas dos direitos humanos e da divisão dos poderes, e o liberalismo econômico, centrado sobre uma economia de mercado livre (capitalista). Se a sociedade burguesa fornecia o substrato sociológico ao estado constitucional, este, por sua vez, criava condições políticas favoráveis ao desenvolvimento do liberalismo econômico”. (CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 109).

[13] BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das coisas. Coleção história do direito brasileiro. Brasília: Senado Federal, 2003, v.1, p 127.

[14] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Direito das Coisas. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, . v. IV, p. 116.

[15] Idem, Ibidem.

[16] MORAES, José Diniz de. A função social da propriedade e a Constituição Federal de 1988. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 112.

[17] VENOSA, Silvio de Salvo. Direitos reais. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 176.

[18]MARUO, Roberta. A propriedade na Constituição de 1988 e o problema do acesso aos bens. TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luis Edson (orgs). Diálogos sobre direito civil, vol. II. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p 47/8, In: FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Direitos reais. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 222.

[19] CHAVES, Cristiano; ROSENVALD, Nelson.Direitos reais. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011,p. 223

[20] VENOSA, Silvio de Salvo. Direitos reais. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p.178.

Page 123: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

122

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

[21] CHAVES, Cristiano; ROSENVALD, Nelson.Direitos reais. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011,p. 225.

[22] “Entendo por valor absoluto o estatuto que cabe a pouquíssimos direitos do homem, válidos em todas as situações e para todos os homens sem distinção. Trata-se de um estatuto privilegiado, que depende de uma situação na qual existem direitos fundamentais que não estão em concorrência com outros direitos igualmente fundamentais. É preciso partir da afirmação obvia de que se pode instituir um direito de outras categorias de pessoas. O direito a não ser escravizado implica a eliminação do direito de possuir escravos, assim como do direito de torturar. Esses dois direitos podem ser considerados absolutos, já que a ação que é considerada de sua instituição e proteção é universalmente condenada.” (BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. 16. Tir. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 42).

[23] MELLO, Celso Antonio Bandeira. Curso de direito administrativo. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 47.

[24] DIRLEY JÚNIOR, da Cunha. Curso de direito administrativo. 10. ed. Salvador: Jus Podivm, 2011, p. 37.

[25] MELLO, Celso Antonio Bandeira. Curso de direito administrativo. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p 55.

[26] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. Volume V: Direito das Coisas. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 222.

[27] “(...) a função social da propriedade não é senão o concreto modo de funcionar a propriedade, seja como exercício, direta ou indiretamente, por meio de imposição de obrigações, encargos, limitações, restrições, estímulos ou ameaças, para a satisfação de uma necessidade social, temporal e especialmente considerada”. (MORAES, José Diniz de. A função social da propriedade e a Constituição Federal de 1988. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 111).

Page 124: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

123 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

[28] GOMES, Orlando. Direitos reais. 19. ed. Atualizador: Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 129.

[29] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 249.

[30] “Portanto, ao mesmo tempo em que a propriedade é regulamentada como direito individual fundamental, revela-se o interesse público de sua utilização e de seu aproveitamento adequados aos anseios sociais”. (MALUF, Carlos Alberto Dabus.Limitações ao direito de propriedade. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 96).

Page 125: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

124

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

NATUREZA IMPOSITIVA DO ORÇAMENTO PÚBLICO E EC

86/2015

ANDRÉ VIEIRA FREIRE: Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Sergipe. Especialista em Direito Público.

RESUMO: Diante das inovações constitucionais trazidas pela

Emenda Constitucional nº 86/2015, a natureza jurídica do

orçamento público no Brasil, bem como o seu papel constitucional,

ganhou novas matizes, fomentando o debate na doutrina sobre o

novel caráter impositivo do orçamento e sobre a participação

parlamentar nas leis orçamentárias através das emendas

legislativas individuais. Tal temática será abordada para além do

enfoque jurídico, analisando-se, também, os efeitos da mudança na

economia do país, na forma como a receita pública é aplicada e no

resultado efetivo da despesa pública na melhoria do bem estar da

sociedade civil.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Financeiro. Orçamento Público. Leis

Orçamentárias. Emendas Parlamentares Individuais.

Impositividade. EC 86/15. Despesa Pública.

01. INTRODUÇÃO

É cediço que o orçamento público é o

instrumento de controle e avaliação dos gastos públicos,

consubstanciando importante meio de planejamento e execução

das políticas públicas, essencial ao atendimento das finalidades

estatais. Nessa esteira, tendo em conta que o orçamento é

veiculado através de lei formal, de inciativa exclusiva do chefe do

Poder Executivo, apreciada e votada pela respectiva casa

legislativa, indaga-se até que ponto há vinculação do gestor ao

Page 126: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

125 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

orçamento aprovado, em sentido impositivo, ou se, de fato, é esse

ato meramente autorizativo da despesa pública, consistindo em

condição para a sua realização, mas sem obrigar o gestor a tal, em

sentido autorizativo.

Compulsando o ordenamento constitucional,

dessume-se a preponderância do caráter autorizativo, a qual não

exclui, na via de exceção, notas de impositividade de certos gastos

públicos, a exemplo da vinculação de receitas a despesas de saúde

e de educação, exigida pela Carta Maior, ou das transferências

obrigatórias aos entes menores da Federação. Tal impositividade,

contudo, vem extrapolando o grau de exceção para aproximar-se

da suplantação da regra, uma vez que promulgada a EC 86/2015,

passou o Poder Executivo a estar obrigado a cumprir as despesas

orçamentárias decorrentes de alteração legislativa à Lei

Orçamentária Anual pela via das emendas parlamentares

individuais, desde que observados certos requisitos e limitações

estabelecidos na Constituição Federal.

Destarte, fato é que, agora, o Poder Legislativo

assumiu papel mais ativo na execução das finanças públicas, pois

poderá participar da Lei Orçamentária Anual em caráter vinculante,

mitigando o protagonismo do Executivo no Direito Financeiro.

Apesar de diversas críticas, que abrangem desde a falta de técnica

legislativa na redação da emenda à pretensa invasão indevida de

competência clássica do Poder Executivo, perpassando por

pretensos interesses eleitoreiros, é possível avaliar positivamente a

alteração constitucional, nela enxergando uma tendência à

democratização do orçamento com o aumento da participação

popular – através de seus representantes eleitos – na elaboração e

na gestão das contas públicas, coibindo, inclusive, eventuais

abusos do Poder Executivo.

02. CONCEITO DE ORÇAMENTO PÚBLICO E LEIS

ORÇAMENTÁRIAS

Page 127: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

126

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

2.1. ORIGEM, CONCEITOS E CARACTERÍSTICAS DO

ORÇAMENTO PÚBLICO

No regime estatal absolutista, era o monarca

considerado soberano e detentor do patrimônio originário da

coletividade, sendo livre para despender o dinheiro público como

melhor lhe aprouvesse, sem qualquer tipo de limitação ou

responsabilidade, afinal o soberano encarnava, na sua pessoa, o

próprio sentido de Estado e sua vontade pessoal confundia-se com

a suposta vontade da coletividade. Com o avanço da democracia,

do império das leis e, mais atualmente, das constituições, ganhou

protagonismo o controle legal da atuação estatal, sendo os

orçamentos públicos uma forma de legitimar, pela vontade do povo,

os gastos dos gestores públicos. A ideia é que nenhuma despesa

estatal seja realizada sem anterior previsão orçamentária, de modo

que a população não seja surpreendida por gastos inesperados dos

gestores. Relacionando o surgimento do orçamento público ao

próprio surgimento do Estado moderno, Ricardo Lobo Torres traça

o seguinte histórico:

“A Constituição Orçamentária “constitui” o

Estado Orçamentário, que é a particular

dimensão do Estado de Direito apoiada nas

receitas, especialmente a tributária, como

instrumento de realização das despesas. O

Estado Orçamentário surge com o próprio

Estado Moderno. Já na época da derrocada do

feudalismo e na fase do Estado Patrimonial e

Absolutista aparece a necessidade da periódica

autorização para lançar tributos e efetuar gastos,

primeiro na Inglaterra (Magna Carta de 1215) e

logo na França, Espanha e Portugal. Com o

advento do liberalismo e das grandes revoluções

é que se constitui plenamente o Estado

Orçamentário, pelo aumento das receitas e

Page 128: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

127 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

despesas públicas e pela constitucionalização

do orçamento na França, nos Estados Unidos e

no Brasil (art. 172 da Constituição de 1824)”.[1]

Em seu conceito clássico, o orçamento

representa documento estritamente contábil e financeiro, devendo

contemplar a previsão de receitas e a fixação de despesas para

determinado período. Nas palavras do autor Valdecir Pascoal:

“Documento eminentemente contábil e

financeiro, pois não se preocupava com o

planejamento governamental nem com as

efetivas necessidades da população. Era um

orçamento estático. Tratava-se de um mero

inventário dos ‘meios’ com os quais a

Administração realizaria suas tarefas, daí a

denominação ‘lei de meios’ para o orçamento

tradicional”.[2]

Diante da insuficiência do já defasado conceito

clássico para expressar a real importância e finalidade do instituto

do orçamento público, ganha destaque na doutrina o conceito

moderno, que, para além de enxergar a mera previsão de receitas

e despesas na lei orçamentária, aponta a função de programar a

vida econômica e financeira do Estado por certo período de tempo.

Novamente na lição de Valdecir Pascoal, orçamento no conceito

moderno é:

“ato pelo qual o Poder Legislativo autoriza o

Poder Executivo, por um certo período e, em

pormenor, às despesas destinadas ao

funcionamento dos serviços públicos e outros

fins adotadas pela política econômica do País,

assim como a arrecadação das receitas criadas

em lei. O moderno orçamento caracteriza-se,

Page 129: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

128

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

pois, por ser um instrumento de planejamento. É

um instrumento dinâmico, que leva em conta

aspectos do passado, a realidade presente e as

projeções para o futuro”.[3]

Delimitado o conceito de orçamento, convém

destacar suas principais características. Primeiro, é um documento

político, afinal o Poder Legislativo, que alberga os representantes

do povo, autoriza a despesa público no momento em que aprecia e

vota a lei orçamentária de acordo com as necessidades coletivas.

Ademais, é um documento econômico, que possibilita uma

intervenção direta e eficaz do Estado na economia nacional, através

de instrumentos como o endividamento público e o aumento ou

diminuição da carga tributária. Em terceiro, é um documento

regulador, capaz de realizar a justiça distributiva ao financiar

serviços públicos para a população mais carente às custas,

sobretudo, das receitas extraídas daqueles com maior renda. Por

último, é um documento técnico, obediente à rigorosa técnica

orçamentária, máxima no que atine à classificação clara, metódica

e racional da despesa/receita.

2.2. AS LEIS ORÇAMENTÁRIAS

A Magna Carta, em seu art. 165, estabelece três

leis orçamentárias no ordenamento pátrio, todas de iniciativa

privativa do chefe do Poder Executivo; são elas: o Plano Plurianual

(PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei

Orçamentária Anual (LOA). Na descrição de Tathiane Piscitelli:

“De um ponto de vista geral, é possível dizer que

o PPA é a lei orçamentária mais abstrata de

todas, já que trata dos grandes objetivos da

Administração pelo prazo de quatro anos,

enquanto a LOA é a mais concreta, pois tem a

função de estabelecer, detalhadamente, as

Page 130: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

129 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

receitas e despesas públicas de um dado

exercício”.[4]

Não obstante a inciativa, sempre privativa, para

todas as leis orçamentárias incumba ao Poder Executivo, vale

ressalvar que, em homenagem à autonomia administrativa e

financeira do Poder Judiciário, competir-lhe-á encaminhar proposta

orçamentária relativa a seus gastos e interesses, a qual será

apreciada pelo Congresso Nacional após ser incorporada à

proposta do Poder Executivo. O mesmo mecanismo é aplicado ao

Ministério Público. Consolidada a proposta e submetida ela ao crivo

do Congresso Nacional, indaga-se em que situações o projeto de

lei poderia sofrer alterações.

De um lado, o próprio chefe do Poder Executivo

pode alterar o projeto de lei orçamentária através de mensagem

encaminhada ao Congresso Nacional, desde que ainda não tenha

sido iniciada a votação, pela Comissão Mista Permanente, da parte

cuja alteração é proposta, nos termos do art. 166, §5º, CF/88. Já por

outro lado, no âmbito da iniciativa parlamentar, também são

possíveis alterações por emendas, porém não de forma

indiscriminada. No caso da LOA, verbi gratia, tais emendas

parlamentares deverão obedecer ao §3º do art. 166 da CF/88, que

reza:

CF/88, Art. 166 – “Os projetos de lei relativos ao

plano plurianual, às diretrizes orçamentárias, ao

orçamento anual e aos créditos adicionais serão

apreciados pelas duas Casas do Congresso

Nacional, na forma do regimento comum. (...)

§ 3º As emendas ao projeto de lei do orçamento

anual ou aos projetos que o modifiquem somente

podem ser aprovadas caso:

Page 131: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

130

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

I - sejam compatíveis com o plano plurianual e

com a lei de diretrizes orçamentárias;

II - indiquem os recursos necessários, admitidos

apenas os provenientes de anulação de

despesa, excluídas as que incidam sobre:

a) dotações para pessoal e seus encargos;

b) serviço da dívida;

c) transferências tributárias constitucionais para

Estados, Municípios e Distrito Federal; ou

III - sejam relacionadas:

a) com a correção de erros ou omissões; ou

b) com os dispositivos do texto do projeto de lei”.

Mesmo com essas limitações constitucionais ao

poder de emenda parlamentar, no âmbito das leis orçamentárias,

levantou-se controvérsia sobre a constitucionalidade dessa

ingerência do Poder Legislativo na competência privativa do Poder

Executivo, A questão foi levada ao Supremo Tribunal Federal no

âmbito da ADI n. 1.050 MC/SC, relatada pelo Ministro Celso de

Mello, cujo julgamento sedimentou a jurisprudência do pretório

excelso no sentido de que a proposta de emenda orçamentária

oferecida pelo Poder Legislativo não viola a competência do Poder

Executivo para iniciar projetos de leis orçamentárias. Confira-se, a

seguir, a íntegra da ementa desse importante julgado:

E M E N T A: TRIBUNAL DE JUSTIÇA -

INSTAURAÇÃO DE PROCESSO LEGISLATIVO

VERSANDO A ORGANIZAÇÃO E A DIVISÃO

JUDICIÁRIAS DO ESTADO - INICIATIVA DO

RESPECTIVO PROJETO DE LEI SUJEITA À

CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DE RESERVA

(CF, ART. 125, § 1º, "IN FINE") -

Page 132: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

131 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

OFERECIMENTO E APROVAÇÃO, NO CURSO

DO PROCESSO LEGISLATIVO, DE EMENDAS

PARLAMENTARES - AUMENTO DA DESPESA

ORIGINALMENTE PREVISTA E AUSÊNCIA DE

PERTINÊNCIA - DESCARACTERIZAÇÃO DA

PROPOSIÇÃO LEGISLATIVA ORIGINAL,

MOTIVADA PELA AMPLIAÇÃO DO NÚMERO

DE COMARCAS, VARAS E CARGOS

CONSTANTES DO PROJETO INICIAL -

CONFIGURAÇÃO, NA ESPÉCIE, DOS

REQUISITOS PERTINENTES À

PLAUSIBILIDADE JURÍDICA E AO

"PERICULUM IN MORA" - MEDIDA CAUTELAR

DEFERIDA.

O poder de emendar projetos de lei - que se

reveste de natureza eminentemente

constitucional - qualifica-se como prerrogativa de

ordem político-jurídica inerente ao exercício da

atividade legislativa. Essa prerrogativa

institucional, precisamente por não traduzir

corolário do poder de iniciar o processo de

formação das leis (RTJ 36/382, 385 - RTJ

37/113 - RDA 102/261), pode ser legitimamente

exercida pelos membros do Legislativo,

ainda que se cuide de proposições

constitucionalmente sujeitas à cláusula de

reserva de iniciativa (ADI 865/MA, Rel. Min.

CELSO DE MELLO), desde que - respeitadas

as limitações estabelecidas na Constituição

da República- as emendas parlamentares (a)

não importem em aumento da despesa prevista

no projeto de lei, (b) guardem afinidade lógica

(relação de pertinência) com a proposição

Page 133: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

132

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

original e (c) tratando-se de projetos

orçamentários (CF, art. 165, I, II e III), observem

as restrições fixadas no art. 166, §§ 3º e 4º da

Carta Política. Doutrina. Jurisprudência. -

Inobservância, no caso, pelos Deputados

Estaduais, quando do oferecimento das

emendas parlamentares, de tais restrições.

Precedentes do Supremo Tribunal Federal.

Suspensão cautelar da eficácia do diploma

legislativo estadual impugnado nesta sede de

fiscalização normativa abstrata.[5]

03. NATUREZA JURÍDICA DO ORÇAMENTO PÚBLICO

Em definição clássica, no âmbito da escola do

serviço público do Direito Administrativo, León Duguit tratava o

orçamento, em relação às despesas, como mero ato administrativo

e, quando em referência à arrecadação de tributos, como lei em

sentido material. Já a doutrina mais moderna considera o

orçamento, substancialmente, um ato administrativo, na espécie de

ato-condição, uma vez que os tributos seriam criados por leis

próprias, atos-regra, enquanto que as despesas derivam de outros

normativos legais (atos-regra), sendo o orçamento, na verdade, o

implemento de uma condição (ato-condição) necessária para a

realização da cobrança e do gasto. Por fim, destaque-se a terceira

corrente que considera o orçamento como lei, encabeçada pelo

alemão Hoennel, na medida em que se origina de um órgão

legiferante. Em meio a tantas teorias, lúcido é o ensinamento de

Valdecir Pascoal, que logra sintetizar o tema, concluindo:

“A posição que nos parece mais adequada ao

atual ordenamento jurídico brasileiro, em que a

arrecadação de receitas e a realização de

despesas, no mais das vezes, decorrem de atos-

regra (leis, contratos, convênios etc.) – sendo o

Page 134: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

133 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

orçamento um pré-requisito para a realização da

despesa –, é a de Ricardo Lobo Torres. Para ele

‘a teoria de que o orçamento é lei formal, que

apenas prevê as receitas públicas e autoriza os

gastos, sem criar direitos subjetivos e sem

modificar as leis tributárias e financeiras, é, a

nosso ver, a que melhor se adapta ao direito

constitucional brasileiro’. Sendo assim, pode-se

afirmar que, no Brasil, o orçamento é apenas

AUTORIZATIVO”.[6]

No mesmo sentido, complementa Kioshi

Harada, denunciando o caráter material e administrativo da lei

orçamentária quando analisada no aspecto material, em seu

conteúdo, porém reconhecendo seu caráter formal quando

encarada no aspecto formal. Trata-se, pois, de lei de efeitos

concretos, senão vejamos:

“a lei orçamentária difere das demais leis,

caracterizadas por serem genéricas, abstratas e

constantes ou permanentes. Ela é, na verdade,

uma lei de efeito concreto para vigorar por um

prazo determinado de um ano, fato que, do ponto

de vista material, retira-lhe o caráter de lei.

Exatamente, essa peculiaridade levou parte dos

estudiosos a sustentar a tese do orçamento

como ato-condição. Sob o enfoque formal, no

entanto, não há como negar a qualificação de lei.

Portanto, entre nós, o orçamento é uma lei ânua,

de efeito concreto, estimando as receitas e

fixando as despesas, necessárias à execução da

política governamental”.[7]

Sendo autorizativo o orçamento, portanto, os

gestores públicos só podem realizar as despesas devidamente

Page 135: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

134

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

previstas no respectivo orçamento, contudo a efetivação dessas

mesmas despesas não é obrigatória ao gestor pelo simples fato de

estarem projetadas no orçamento. Esse é, inclusive, o

posicionamento do Supremo Tribunal Federal, que assim já decidiu:

CONCEITO DE LEI ORCAMENTARIA. O

SIMPLES FATO DE SER INCLUIDA UMA

VERBA DE AUXILIO, NO ORCAMENTO, QUE

DEPENDE DE APRECIAÇÃO DO GOVERNO,

NÃO CRIA DIREITO A SEU RECEBIMENTO.[8]

ORÇAMENTO. A PREVISÃO DE DESPESA,

EM LEI ORÇAMENTÁRIA, NÃO GERA

DIREITO SUBJETIVO A SER ASSEGURADO

POR VIA JUDICIAL. CARÊNCIA DE AÇÃO.

RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.[9]

Destaque-se, outrossim, a lição da doutrinadora

Tathiane Piscitelli, que reforça as conclusões anteriores no sentido

da natureza autorizativa do orçamento como regra geral.

Transcreva-se:

“no Brasil, o orçamento é, via de regra,

autorizativo e não impositivo. Desse modo, o que

se tem é mera previsão de gastos, que serão

realizados de acordo com a disponibilidade das

receitas arrecadadas no exercício. A previsão de

uma dada despesa não necessariamente implica

sua realização, já que o Poder Executivo tem a

discricionariedade de ajustar os gastos públicos

diante das necessidades que se realizam ao

longo do exercício”.[10]

Por fim, cumpre observar que, mesmo que o

orçamento não seja, em geral, impositivo, grande parte das receitas

estatais tem destinação própria e específica, a exemplo daquelas

Page 136: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

135 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

constitucionalmente vinculadas a determinadas finalidades. Nesse

particular, portanto, o orçamento pode ser encarado como

impositivo, como no caso das contribuições para o financiamento da

seguridade social, cuja arrecadação é afetada às despesas com

saúde, previdência e assistência social. Nada obstante, têm-se

observado manobras legislativas com o fito de desvincular parte das

receitas constitucionalmente afetadas e, com isso, possibilitar ao

gestor público flexibilidade no trato com o erário. É o caso da

Desvinculação das Receitas da União (DRU), cujo início se deu em

2000 com a EC 27, mantendo desvinculados de órgão, fundo ou

despesa 20% (vinte por cento) da arrecadação da União de

impostos, contribuições sociais e de intervenção no domínio

econômico.

04. ORÇAMENTO IMPOSITIVO E EC 86/2015

Conforme exposto no item anterior, a natureza

jurídica do orçamento no Brasil sempre foi – e permanece –

autorizativa, como regra geral. Contudo, embora não tenha o

condão de alterar essa natureza geral, a Emenda Constitucional nº

86 de 2015 inaugurou certa mudança de paradigma ao instituir certa

impositividade de parcelas de despesas fixadas no orçamento. Em

outras palavras, conquanto a regra ainda seja a autorizatividade, já

se pode falar, desde a EC 86/2015, em Orçamento Impositivo no

Brasil, no âmbito de suas disposições. Não é recente a intenção do

Congresso Nacional de transformar o modelo orçamentário

brasileiro para fixar a impositividade como regra, isto é, todas as

despesas, a princípio, seriam de execução obrigatória pelo Poder

Executivo, excepcionado o seu cumprimento, apenas, em caso de

impossibilidade superveniente. Nesse contexto, a EC 86/2015

apresenta-se como o primeiro passo dessa futura e eventual

transformação. Passemos à análise de suas principais inovações.

A principal mudança promovida pela EC 86/2015

foi a reserva do percentual de 1,2% da Receita Corrente Líquida

Page 137: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

136

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

(RCL), dentro da proposta orçamentária apresentada pelo Poder

Executivo, como limite destinado às emendas individuais

parlamentares à Lei Orçamentária Anual. Em outras palavras, o

chefe do Executivo, ao planejar o orçamento, deverá contar com a

provável alteração, pela via da iniciativa parlamentar por emenda

legislativa, de despesas que correspondam a até 1,2% da Receita

Corrente Líquida dessa mesma proposta. No entanto, o poder de

emendar não é livre, curvando-se a certos requisitos

constitucionais. Conforme § 9º do art. 166 da CF/88, metade do

percentual referido será destinado a despesas com ações e

serviços públicos de saúde, em reforço à já existente vinculação

constitucional de receitas para a área da saúde, caracterizando

mais uma exceção ao princípio da não afetação da receita pública.

Ainda assim, essa verba destinada à saúde será computada no

cálculo do limite constitucional de despesas com ações e serviços

públicos de saúde, a teor do art. 198 da CF/88, porém o § 10º do

art. 166 veda, taxativamente, o financiamento por emendas de

despesas com pessoal e encargos.

Nessa perspectiva, é OBRIGATÓRIA, ao Poder

Executivo, a realização das programações orçamentárias oriundas

de emendas parlamentares de 1,2% da RCL projetada no exercício

anterior, conforme critérios de execução equitativa da programação

definidos em lei complementar. É permitidos que valores de restos

a pagar sejam computados, para fins de cálculo do 1,2%, até o limite

de 0,6% da RCL do exercício anterior. Essa obrigatoriedade da

execução orçamentária das emendas parlamentares só poderá ser

afastada nos casos de impedimentos de ordem técnica e legal

previstos em lei complementar. Passa a ser obrigatório, outrossim,

a transferência de verbas derivadas de emendas parlamentares

individuais a Estados, Distrito Federal e Municípios, sendo defeso o

seu bloqueio em razão da inadimplência do ente federativo

beneficiado e, não bastasse, excluídos seus valores do conceito de

RCL, para fins do cálculo dos limites da despesa com pessoal dos

Page 138: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

137 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

referidos entes. Por outro lado, é permitida a redução da verba

destinada às emendas na mesma proporção da reestimativa da

receita ou despesa que possa vir a comprometer os resultados

fiscais almejados pela LDO. Havendo impedimento de ordem

técnica no empenho da despesa, os §§ 14º e 15º do art. 166 da

CF/88 propugnam a seguinte solução:

§ 14. No caso de impedimento de ordem técnica,

no empenho de despesa que integre a

programação, na forma do § 11 deste artigo,

serão adotadas as seguintes medidas:

I - até 120 (cento e vinte) dias após a publicação

da lei orçamentária, o Poder Executivo, o Poder

Legislativo, o Poder Judiciário, o Ministério

Público e a Defensoria Pública enviarão ao

Poder Legislativo as justificativas do

impedimento;

II - até 30 (trinta) dias após o término do prazo

previsto no inciso I, o Poder Legislativo indicará

ao Poder Executivo o remanejamento da

programação cujo impedimento seja

insuperável;

III - até 30 de setembro ou até 30 (trinta) dias

após o prazo previsto no inciso II, o Poder

Executivo encaminhará projeto de lei sobre o

remanejamento da programação cujo

impedimento seja insuperável;

IV - se, até 20 de novembro ou até 30 (trinta) dias

após o término do prazo previsto no inciso III, o

Congresso Nacional não deliberar sobre o

projeto, o remanejamento será implementado

por ato do Poder Executivo, nos termos previstos

na lei orçamentária.

Page 139: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

138

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

§ 15. Após o prazo previsto no inciso IV do § 14,

as programações orçamentárias previstas no §

11 não serão de execução obrigatória nos casos

dos impedimentos justificados na notificação

prevista no inciso I do § 14.

Expostas as principais inovações trazidas pela

EC 86/2015, convém analisá-las sob ponto de vista crítico,

perscrutando as imbricações projetadas não só no ordenamento

jurídico, mas também na economia do país, na forma como a receita

pública é aplicada e no resultado efetivo da despesa pública na

melhoria do bem estar da sociedade civil. Infelizmente, muitos são

os vícios e problemas apontados na alteração constitucional,

destacando-se a opinião de Valdecir Pascoal, que critica:

“Além do excessivo detalhamento no texto

constitucional e das imperfeições de redação, a

principal crítica que se faz à EC nº 86 é o fato de

ela não haver estendido a impositividade do

orçamento para todas as despesas aprovadas,

limitando-se às programações orçamentárias

decorrentes de emendas individuais dos

parlamentares. Ao tempo em que detalha em

excesso muitos pontos, remete muitas questões

para regulação em lei complementar, o que

poderá dificultar sua compreensão e

efetividade”.[11]

Essa ingerência parlamentar também pode

resvalar para a execução das políticas públicas, prejudicando-as na

medida em que podem restringir-lhes receitas. De fato, em nosso

modelo de estado e de governo incumbe ao Poder Executivo a

tarefa de planejamento e execução de políticas públicas, sendo que

a divisão desse mister com o Poder Legislativo pode acabar por

enfraquecer o poder de ação do primeiro, com prejuízo para a

Page 140: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

139 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

própria sociedade. Nos casos em que o Executivo não se

desincumbe a contendo desse importante ônus de planejar e gerir

a vida social, cabe à própria sociedade rever seus governantes no

momento das eleições. Por outro lado, procurar atalhar esse

caminho através de uma mudança institucional pode, em vez de

solucionar uma deficiência de certo governo, ocasionar uma

limitação permanente ao próprio Poder Executivo, que não mais

poderá livremente planejar e implantar programas e projetos de

melhoria social por dever obediência às emendas parlamentares

individuais. Tal representa, outrossim, certo desvio do foco do Poder

Legislativo, que deixará de investir tempo nas tarefas

constitucionais de fiscalização do Poder Executivo e de edição de

atos normativos primários, para fazer as vezes de gestor público e

coercitivamente impor despesas públicas através das emendas

individuais. Sobre o tema, professor Fernando Facury Scaff

acrescenta à crítica:

“o Congresso aprovou a Emenda Constitucional

86, que criou a curiosa figura do Orçamento

impositivo à brasileira, pois ao invés de aprovar

uma norma que realmente obrigasse o Poder

Executivo a cumprir as leis orçamentárias, foi

aprovada uma emenda constitucional que obriga

o Poder executivo a cumprir as emendas

parlamentares, que se caracterizam como uma

pequena parte do orçamento, e vinculada a

interesses eleitorais dos próprios parlamentares.

A bem da verdade, em face de tantos limites

impostos aos parlamentares para dispor de

matéria orçamentária eles tinham duas

alternativas: ou propunham uma verdadeira

reforma constitucional orçamentária,

estabelecendo poderes para que pudessem

efetivamente gerir os recursos públicos, ou

Page 141: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

140

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

criavam uma meia sola apenas para cuidar de

seus interesses eleitorais — o que acabou

prevalecendo. Uma pena. Para usar uma

expressão popular, vê-se que a montanha pariu

um rato. Poderiam ter ousado mais”.[12]

Inobstante essas ressalvas, o renomado

professor consegue enxergar pontos positivos na EC sob comento,

apontando como vantagem a redução do poder de barganha do

chefe do Poder Executivo sobre os parlamentares, traduzido na

utilização da liberação de recursos públicos como moeda de troca

por votações legislativas. Nas palavras do autor:

“De toda forma, mesmo estas tímidas normas

aprovadas já tem o poder de causar muitas

modificações nas relações político-partidárias

existentes, pois a liberação de emendas

parlamentares deixará de ser uma espécie de

moeda de troca nas relações entre o Congresso

e o Planalto. Nem falo apenas do atual governo,

mas de todos os governos do período

democrático, em todos os níveis federativos,

durante os quais se usou a liberação de

emendas parlamentares para aprovar as

matérias de interesse do Executivo junto ao

Legislativo. Se o deputado votasse de acordo

com o Planalto, as emendas seriam liberadas

(mesmo que a conta-gotas); se votasse contra,

não haveria liberação de recursos. Nos estados

e municípios brasileiros esta mesma dinâmica

existe e, tal como na União, é indiferente quais

sejam os partidos na situação ou na oposição. A

Emenda 86, embora tímida e circunstancial, se

propõe a liberar o Legislativo do jugo do

Executivo, o que é positivo. Repito: a ousadia

Page 142: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

141 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

poderia ter sido maior e colocado o Legislativo

no efetivo comando dos destinos dos recursos

que são arrecadados de todos em nosso país.

Claro que muitos erros poderiam ocorrer, mas

desta forma, ao longo de algumas eleições,

conseguiríamos melhorar a qualidade da

composição de nossos Parlamentos e instaurar

um sistema de representação parlamentar

estável e mais representativo em nosso

país”.[13]

05. CONCLUSÃO

É possível concluir, diante do exposto, que o

traçado do Direito Financeiro na Constituição Federal contempla o

instituto do orçamento, via de regra, como mero ato condicional à

realização da despesa pública, prevalecendo a discricionariedade

do gestor público na efetiva alocação das dotações orçamentárias.

A lei de orçamento, portanto, assume o caráter legal apenas sob a

ótica formal, pois materialmente consiste em ato administrativo,

produzindo efeitos apenas pelo período de um ano (lei de efeitos

concretos).

Conquanto seja mesmo regra a autorizatividade,

sempre se observou notas de impositividade do orçamento nas

normas constitucionais, a exemplo da vinculação das receitas

públicas a despesas de saúde e educação, bem como das

transferências constitucionais obrigatórias, que restringem o poder

de disposição do Poder Executivo sobre o erário. Com a

promulgação da Emenda Constitucional 86/2015, ganhou força

essa impositividade, visto que agora o Poder Executivo também é

vinculado às alterações legislativas na Lei Orçamentária Anual,

aprovadas por emendas parlamentares individuais até o limite de

1,2% da Receita Corrente Líquida estimada no projeto. Com isso, a

doutrina dividiu-se na avaliação da mudança: embora se tenha

Page 143: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

criticado a ingerência pelo Poder Legislativo nas competências do

Executivo, além da possível intenção de uso das emendas para

finalidades pessoais e eleitoreiras dos parlamentares, elogiou-se a

mitigação do poder de barganha do Executivo nos atos de liberação

de recursos para os demais poderes. Em todo o caso, deve-se

reconhecer na EC 86/15 um primeiro passo para a maior

democratização do orçamento, no sentido de aumentar a

participação popular, através dos representantes parlamentares, na

elaboração e gestão das contas públicas, coibindo, inclusive, os

abusos do Poder Executivo quando no controle absoluto das

receitas/despesas públicas.

06. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário.19ª Ed. São

Paulo: Atlas, 2010

PASCOAL, Valdecir Fernandes. Direito financeiro e controle

externo. 9ª Ed. São Paulo: Método, 2015.

PISCITELLI, Tathiane. Direito financeiro esquematizado. 4ª

Ed. São Paulo: Método, 2014.

SCAFF, Facury Fernando. Surge o orçamento impositivo à

brasileira pela Emenda Constitucional 86. Disponível em:

http://www.conjur.com.br/2015-mar-24/contas-vista-surge-

orcamento-impositivo-brasileira-ec-86. Acessado em: 29 de janeiro

de 2016.

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e

tributário. 17ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010

NOTAS:

[1] TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 17ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, pág. 171.

Page 144: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

143 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

[2] PASCOAL, Valdecir Fernandes. Direito financeiro e controle externo. 9ª Ed. São Paulo: Método, 2015, pág. 18.

[3] Idem.

[4] PISCITELLI, Tathiane. Direito financeiro esquematizado. 4ª Ed. São Paulo: Método, 2014, pág. 47.

[5] STF; ADI 1050 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 21/09/1994, DJ 23-04-2004 PP-00006 EMENT VOL-02148-02 PP-00235 RTJ VOL-00191-02 PP-00412.

[6] PASCOAL, Valdecir Fernandes. Direito financeiro e controle externo. 9ª Ed. São Paulo: Método, 2015, pág. 19.

[7] HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. 19ª Ed. São Paulo: Atlas, 2010, pág. 60.

[8] STF, RE 34581, Relator(a): Min. CÂNDIDO MOTTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 10/10/1957, DJ 05-12-1957 PP-***** EMENT VOL-00325-01 PP-00246.

[9] STF, RE 75908, Relator(a): Min. OSWALDO TRIGUEIRO, Primeira Turma, julgado em 08/06/1973, DJ 10-08-1973 PP-05613 EMENT VOL-00916-02 PP-00547.

[10] PISCITELLI, Tathiane. Direito financeiro esquematizado. 4ª Ed. São Paulo: Método, 2014, pág. 58.

[11] PASCOAL, Valdecir Fernandes. Direito financeiro e controle externo. 9ª Ed. São Paulo: Método, 2015, pág. 22.

[12] SCAFF, Facury Fernando. Surge o orçamento impositivo à brasileira pela Emenda Constitucional 86. Disponível em:http://www.conjur.com.br/2015-mar-24/contas-vista-surge-orcamento-impositivo-brasileira-ec-86. Acessado em: 29 de janeiro de 2016.

[13] Idem.

Page 145: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

144

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

MOVIMENTOS SOCIAIS COMO FONTE DE EMANCIPAÇÃO DE

DIREITOS E DEMOCRACIA PARTICIPATIVA

LAON OLIVEIRA DE MACEDO CANUTO DOS SANTOS: Formando em Direito pela Faculdade AGES.

RESUMO: Este artigo vem por elaborar uma breve evolução

histórica dos movimentos sociais, com foco principal nas influencias

desses no cenário nacional brasileiro, não deixando de ressaltar a

Revolução Francesa, que posteriormente trouxe princípios que hoje

são bases de nosso ordenamento, e por fim trazemos as discussão

das influencias dos movimentos sociais ocorridos no passado, como

o movimento trabalhista, e a proteção dos sindicatos para os

mesmos, e as conquistas alcançadas diante da Consolidação das

Leis Trabalhistas em 1º de maio de 1993. Defende-se aqui uma

democracia voltada à participação cada vez mais efetiva da

sociedade frente a discussão de direitos referentes a mesma.

Palavras-chave: movimentos sociais; sindicatos; ideologia;

participação; sociedade; conquista de direitos; politica.

INTRODUÇÃO

O presente artigo foi elaborado em várias etapas, embasado

em livros, recorrendo também a sítios da internet acessados, onde

se encontrou artigos científicos que contribuíram para a realização

desta presente obra.

Com a Declaração dos direitos do homem e do cidadão em

1789, podemos nos certificar de que claramente, a finalidade da

mesma, era proteger os direitos do homem contra as ações do

Governo, limitar o legislador e o executivo em suas funções, que

deveriam a partir de agora respeitar e não transgredir a Declaração.

Page 146: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

145 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

Esses acontecimentos na Europa impulsionaram no Brasil,

em 1888, os movimentos em detrimento da escravidão no país, que

teve sua declaração assinada pela princesa Isabel, no mesmo ano,

a chamada Lei Áurea.

Deu-se então, o primeiro “pontapé” da instauração dos

direitos fundamentais no Brasil, com a abolição da escravatura, veio

os direitos chamados de primeira geração, os de Liberdades,

posteriormente, com as necessidades sociais, vieram os de

segunda geração e seguintes.

O conceito de movimento social refere-se à mobilização

organizada por pessoas da sociedade, que buscam provocar

alterações, mudanças no cenário social, que em um contexto

específico de uma sociedade específica, precisa sofrer mudanças,

estas que serão travadas em forma de embate político, seria a luta,

propriamente dita, em face a uma forma de governo considerado

pela sociedade que oferece prejuízos à mesma.

Dar-se ainda a nomenclatura de movimentos sociais, por

conta de se tratar de uma mobilização realizada por aglomerado de

pessoas distintas, reunidas e organizadas para a resolução de

problemas que têm em comum, relacionadas à direitos, procurando

fazer mudanças, ou se impor a uma.

No Brasil, com o advento da Ditadura Militar, principalmente

no que tange ao Golpe de 64, e nas décadas de 70 e 80, os

movimentos sociais começaram a transbordar com maior ênfase na

sociedade brasileira, com enfoque no que diz respeito às

arbitrariedades do autoritarismo existente nesta época, a luta por

uma democracia, liberdade de locomoção, expressão e demais,

foram principais fatores impulsores para os mais marcantes

movimentos sociais da história do Brasil.

Page 147: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

146

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

Nos livros de História do Brasil, ver-se muito o que aqui se

fala, e inclusive são elencados várias formas e tipos de movimentos

sociais, tais como o movimento feminista que oscilaram

principalmente entre as décadas de 30 à 60, o movimento

estudantil, que apesar de haver registro desde 1710, só tomou

destaque na década de 30, dentre outros tipos de movimentos.

Em toda as histórias dos movimentos sociais, não só no

Brasil, como também no mundo, o embate político é a

personificação de cada um deles, uma vez que trava-se este através

lutas por direitos, sejam individuais de uma coletividade ou coletivos

propriamente ditos, como o direito dos trabalhadores.

Na época do militarismo no Brasil, não se discutia, por

advento do Regime Ditatorial, a emancipação de direitos sociais,

mas naquele cenário observava-se a supressão dos direitos

coletivos, hoje existentes, frente a um poder soberano esmagador

às diversas classes sociais, principalmente a classe pobre da

sociedade.

O período de trevas do regime militar foi marcado ainda por

normas e decretos chamados de Atos Institucionais, que davam

legitimidade e legalidade para os militares usarem da truculência, e

supressão de direitos para com a sociedade, dando-os legalidade

para o domínio militar, estando inclusive acima do que estava

disposto na Constituição da época. Eram Atos elaborados pelos

militares, com aval do Conselho de Segurança Nacional do país.

Desde essa época existiam os entraves e embates políticos

que deram forças e marcaram os movimentos sócias no Brasil, que

abraçados por uma ideologia e participação popular, tinham forças

para resistir às adversidades da obscuridade do militarismo

opressor da sociedade, que se encontrava fragilizada naquele

cenário.

Page 148: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

147 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

A década de 90, por sua vez, ficou marcada como período da

“privataria”, representada no governo de Fernando Henrique

Cardoso, que deram privilégio às elites e capital privado

internacional, tornando falido o sistema estatal, causando então o

desfavorecimento da classe trabalhadora do país, ocasionada pela

ausência de diálogos juntos aos movimentos sociais.

Os movimentos sociais são as formas mais eficazes de

legitimar um desejo social e promover mudanças, ou agindo contra

uma, em prol do beneficio da sociedade, que observando às

adversidades se mobilizam em coletividade organizada.

MOVIMENTOS SOCIAIS NA ÉGIDE DE MELUCCI E GOHN

Tem-se movimentos sociais vistos como a ações coletivas,

sejam de caráter político, social e cultural, na qual a sociedade, de

forma organizada, expressa seus pensamentos, vontades e

reinvindicações distintas. O que se nota na atualidade é o fato de

eles ocorrerem principalmente por meios de aparatos tecnológicos,

tais como as redes sociais, que os proporciona interação com

diversas camadas sociais não só do Brasil, mas também do mundo,

através da internet.

Lüchmann (2006) aponta que para Melucci, os movimentos

sociais são capazes de profetizar acerca do presente, deixa

transparecer possibilidade de mudança em um cenário de tempo

presente, pois é este tempo que se discute em um movimento

social, sua essência está na inconformidade com ele. Diz ainda que

“obrigam o poder a tornar-se visível e lhe dão, assim, forma de rosto.

Falam uma língua que parece unicamente deles, mas dizem alguma

coisa que os transcende e, deste modo, falam para todos”.

(LÜCHMANN apud MELLUCCI, 2006, p. 400).

Os movimentos sociais vão trazer propostas inovadoras, pois

com base na observância da realidade que se encontra a

Page 149: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

148

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

sociedade, aponta os problemas, e são capazes de apresentar

soluções. Gohn (2011) coloca que estes movimentos lutam

principalmente pela inclusão social e dão conotações a atores da

sociedade civil organizada para a atuação em rede.

Tanto para Melucci (1989) e Gohn (2011), os movimentos

sociais da década de 80 e os atuais, construíram e constroem

representação simbólica para grupos que desprovidos de

organização e forma dispersa, criam uma identidade, que irão lutar

contra o opositor, fundamentando-se na apresentação de um

projeto social ideal à realidade.

Os conflitos sociais saem do tradicional sistema

econômico industrial para as áreas culturais:

eles afetam a identidade pessoal, o tempo e o

espaço na vida cotidiana, a motivação e os

padrões culturais da ação individual. Os conflitos

revelam uma mudança maior na estrutura dos

sistemas complexos e novas contradições

aparecem, afetando sua lógica fundamental. Por

um lado, sistemas altamente diferenciados

produzem cada vez mais e distribuem recursos

pela individualização, pela auto-realização, por

uma construção autônoma das identidades

pessoais e coletivas. [...]

Por outro lado, estes sistemas precisam cada

vez mais de integração, eles têm de estender

seu controle sobre os mesmos recursos

fundamentais que permitem seu funcionamento,

se quiserem sobreviver. (MELUCCI, 1989, p.

58.)

A atividade coletiva é apontada por Melucci como a

combinação das diversas orientações e ideais, que envolvem uma

Page 150: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

149 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

multiplicidade de atores que dão oportunidades e vínculos

possibilitando as suas relações.

os movimentos sociais, nas sociedades

complexas, são redes de ações que desenham

uma estrutura submersa, um mosaico formado

por indivíduos e grupos que, em estado de

latência, gestionam, no cotidiano, as lutas,

reflexões e os questionamentos acerca da

realidade social. A visibilidade ocorre nas

ocasiões de mobilizações coletivas que trazem à

esfera pública, a partir de manifestações,

protestos, encontros, eventos, a condensação,

socialização, os conflitos e recriações deste

mundo latente. (LÜCHMANN, 2006, p. 401)

Para o autor, se configura em movimento social as ações de

caráter coletivo na qual seu direcionamento de ideal é colocado no

rol da solidariedade, com capacidade para se manifestar acerca de

determinados conflitos e romper a realidade observada a qual traz

inconformismo e se direciona.

Dar-se conotação de conflito de posicionamentos por se tratar

de movimentos sócias que estão diretamente ligados à politica, a

partir do momento que um sistema politico, uma realidade e

condição social adotada em determinadas sociedades se encontra

em detrimento dos princípios de liberdade, dignidade e igualdade,

que são ainda princípios universais, advindos da Revolução

Francesa, a mobilidade social será fator de insurgência contra a

adversidade, com capacidade de quebrar e promover alterações no

âmbito social.

Para Gohn o cenário contemporâneo apresenta um ideal em

almeja cada vez mais o desenvolvimento e construção da real

democracia social, em suas palavras:

Page 151: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

150

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

suas ações são pela sustentabilidade, e não

apenas autodesenvolvimento. Lutam contra a

exclusão, por novas culturas políticas de

inclusão. Lutam pelo reconhecimento da

diversidade cultural. Questões como a diferença

e a multiculturalidade têm sido incorporadas para

a construção da própria identidade dos

movimentos. Há neles uma ressignificação dos

ideais clássicos de igualdade, fraternidade e

liberdade. A igualdade é ressignificada com a

tematização da justiça social; a fraternidade se

retraduz em solidariedade; a liberdade associa-

se ao princípio da autonomia – da constituição

do sujeito, não individual, mas autonomia de

inserção na sociedade, de inclusão social, de

autodeterminação com soberania. Finalmente,

os movimentos sociais tematizam e redefinem a

esfera pública, realizam parcerias com outras

entidades da sociedade civil e política, têm

grande poder de controle social e constroem

modelos de inovações sociais. (GOHN, 2011, p.

337)

Os movimentos sociais da contemporaneidade não se

prendem a fatores ocorridos no passado, “a vida só pode ser

compreendida se olharmos para trás, mas deve ser vivida para

frente”. Baggini, apud Soren Kierkegaard, Diários (2008, p. 29), mas

se fortalecem a cada momento, pois são realizados em

oportunidades diferentes, de uma adversa realidade, que tomaram

força sim com o passar dos anos, suas maiores conotações

principalmente nos anos de 1970 e 1980, mas que decorre cada um

das ocasiões diversas na sociedade.

Page 152: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

151 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

Se observarmos a história dos movimentos sociais no Brasil

e compararmos com a obra de Thomas More, Utopia, veremos que

mesmo se tratando de uma sociedade que defende a paz acima de

tudo, os utopianos são extremamente indiferentes às guerras. Para

eles a guerra só se justifica quando se trata da defesa de interesses

coletivos, o bem da humanidade e não por motivos quaisquer.

Apesar de não defenderem a prática de guerras, seus cidadãos,

tanto homens quanto mulheres são obrigados a ter uma disciplina

militar e utilizá-la quando se fizer necessário.

Os utopianos abominam a guerra como uma

coisa puramente animal e que o homem, no

entanto, pratica mais freqüentemente do que

qualquer espécie de animal feroz.

Contrariamente aos costumes de quase todas as

nações, nada existe de tão vergonhoso na

Utopia como procurar a glória nos campos de

batalha. (MORE,2000, p. 160)

Mas os utopianos não fazem a guerra sem

graves motivos. Só a empreendem para

defender suas fronteiras ou repelir uma invasão

inimiga nas terras de seus aliados, ou ainda para

libertar da escravidão e do jugo de um tirano um

povo oprimido. Neste caso, não consultam os

seus interesses; vêm apenas o bem da

humanidade. (MORE, 2000, p. 160)

Utopia, no entanto, apresenta características de um mundo

socialista. É o lugar dos sonhos, onde não há propriedade privada,

não há discriminação, todos são considerados iguais, não havendo

inclusive diferenças entre as línguas e cultura, diferentemente do

que se fora encontrado em todo o cenário histórico e

contemporâneo brasileiro.

Page 153: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

152

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

MOVIMENTO SOCIAL COMO FUNDAMENTO DA

DEMOCRACIA PARTICIPATIVA

Como dito em momentos anteriores, os movimentos sociais

tomaram maior destaque e conotação no cenário nacional nas

décadas de 70 e 80, quando esses começaram a influenciar e incidir

diretamente no meio politico e na conquista do devido

reconhecimento da sociedade, passando a ter maior participação

na esfera publica, com intuito de tornar a própria sociedade capaz

de discutir os problemas sociais, não somente àqueles que

detinham o poder de cima para baixo (classes elitizadas e

representantes políticos). A partir de então ocorreu que os

movimentos sociais quebraram o paradigma e ideia de que somente

a potencia do poder politico e da classe dominante brasileira podiam

influenciar em possíveis mudanças sociais, pois estes movimentos,

por se debruçarem em defesa das classes mais desfevorecidas,

principalmente pelas condições econômicas, e que se encontravam

suprimidas frente aos interesses da elite social, movidos juntos por

uma ideologia, tomam intensa conotação, e representação frente ao

poder público. Para Marilena Chauí , observando as ideias de Marx,

Ideologia não é um processo subjetivo

consciente, mas um fenômeno objetivo e

subjetivo involuntário produzido pelas condições

objetivas da existência social dos indivíduos.

Ora, a partir do momento em que a relação do

indivíduo com sua classe é a da submissão a

condições de vidas de trabalho prefixadas, essa

submissão faz com que cada indivíduo não

possa reconhecer como fazedor de sua própria

classe. Ou seja, os indivíduos não podem

perceber que a realidade da classe decorre da

atividade de seus membros (CHAUÍ, 2012, p.

86).

Page 154: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

153 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

A mudança deve ocorrer primeiramente nas classes sociais

que são prejudicadas com a realidade em que vive, pois todo

movimento decorre de uma inercia dentro de si próprio decorre do

princípio filosófico do questionamento, observação da realidade e

indaga-la, como se pode observar no trecho da obra A essência da

Constituição, do autor Lassalle (2008), ao demonstrar um dos

segmentos das essências das constituições no tempo por meio do

movimento da burguesia: Então a população burguesa grita: Não

posso continuar a ser uma massa submetida e governada sem

contarem com a minha vontade; quero governar também e que o

príncipe reine limitando-se a seguir a minha vontade e regendo

meus assuntos e interesses.

Há de se entender que o meio, a esfera publica é a área de

atuação da sociedade, dos cidadãos em si, independente de cor,

raça, credo, e sem distinção de classes, pois são deles que deriva

toda a esfera pública. Os movimentos sociais tornam os cidadãos

capazes de discutir os problemas e necessidades sociais com maior

eficácia e observância pelo poder publico, pois com a participação

os movimentos sócias tomam maior notoriedade, neste sentido

coloca Bordenave que a participação é algo intrínseco do ser

humano, constituindo direito das pessoas, em suas palavras:

O ser humano possui certas necessidades

óbvias, como o alimento, o sono e a saúde. Mas

também possui necessidades não óbvias como

o pensamento reflexivo, a autovaloração,

autoexpressão e a participação que compreende

as anteriores. Privar o homem de satisfazerem

essas necessidades é equivalente a mutilar o

desenvolvimento harmônico de sua

personalidade integral. (BORDENAVE, 1994, p.

76)

Page 155: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

154

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

A participação esta na ordem do dia devido ao

descontentamento geral com a marginalização

do povo dos assuntos que interessam a todos e

que são dedicados por poucos. O entusiasmo

pela participação vem das contribuições

positivas que ela oferece. (BORDENAVE, 1994,

p. 12)

A autonomia dos cidadãos é alcançada por meio da

participação destes na política, neste ponto tem-se possibilidade de

tornar cada vez mais evoluída e emancipada a sociedade, neste

sentido leciona Maria Glória Gohn (2003) que a coletividade, por

meio da participação, desenvolve no cidadão o pensamento crítico

para o cenário político, capaz de dar nova conotação a este, pois a

participação da respaldo a um movimento social ora necessário,

caracterizando ainda uma democracia onde as classes sociais que

estavam à margem desta, possa vir participar da mesma, deixando

de lado a ideia de que somente as classes elitizadas participavam

da democracia, e os cidadãos agora passam a ser também

responsáveis pela construção democrática.

O MOVIMENTO TRABALHISTA E O SINDICALISMO NO

BRASIL

O que impulsionou o sindicalismo no Brasil foram as

transformações econômicas decorrentes da agro exportação

cafeeira nos derradeiros anos do século XIX. Em meados de 1858,

no Rio de Janeiro acontece a primeira greve, reivindicando

melhorias à classe que se via passar por injustiças. A partir dos

adventos das greves, deu-se início a um estudo mais aprofundado

e mais notório a favor das organizações das classes trabalhadoras

da época. A partir de então, a busca e conquista de direitos que os

trabalhadores entendiam serem legítimos, e tidos como

fundamentais no trabalho, fez surgir os primeiros sindicatos, com

intuito de unificar forças em prol da coletividade laboral.

Page 156: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

155 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

Em 1943, depois de vários movimentos em todo mundo,

realizado pela classe trabalhadora, onde buscava-se garantir aos

trabalhadores o reconhecimento de seus direitos é então

sancionada pelo Presidente Getúlio Vargas, o Decreto Lei Nº 5.452,

de 1 de maio de 1943. A Consolidação das Leis do Trabalho tem

como finalidade a unificação de toda a legislação trabalhista

existente no Brasil. Aqui já se verifica a organização da classe

trabalhadora, criando seus sindicatos ou mesmo associações, que

em outrora eram tidos como perturbadores e marginais. Pois bem,

com a organização da categoria os patrões passaram a ter que se

enquadrar aos ditames da legislação.

Diante do Decreto Lei 5.452/43, a classe operaria ganha força

e consegue manter-se organizada para a busca de novas garantias.

Entendendo que no sindicato estava a solução para a maioria dos

problemas, pois era nele que a categoria se organizava e deixavam

de ser apenas trabalhadores, saindo do individualismo e passando

para a unidade, ganharam força, pois passavam então a serem

formadores também de opiniões e responsáveis direto pelo rumo do

país, ganhando assim ainda mais força.

Como esclarece o ilustre Altamiro Borges (2005), em sua obra

Encruzilhadas do Sindicalismo, as lutas sindicais já existentes no

Brasil, em sua história, nos mostra que a união dos trabalhadores,

em sua organização e estrutura, direciona os debates relativos ao

sindicalismo no Brasil desde os primórdios. Desde o início do século

XX, quando surgiu as primeiras entidades sindicais, cada vez mais

os trabalhadores são conscientes de que a classe que o representa,

desde que detenha de autonomia e organizações próprias, é de

fundamental relevância para resistir à dominação do capital e ao

depotismo.

Diante de todas as batalhas travadas entre empregado e

empregador, destaca-se hoje o reflexo da organização sindical, pois

os trabalhadores encontram-se representado nas três esferas,

Page 157: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

156

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

sendo municípios, estados e união, respectivamente representados

pelos sindicatos de base em seus municípios ou empresas,

federações em estados, e confederações em nível de País.

Superada a fase de organização e reconhecimento da categoria,

busca-se a efetividade de igualdade conforme preceitua o art. 7°,

inc. IV da CF/88 vejamos:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e

rurais, além de outros que visem à melhoria de

sua condição social:IV - salário mínimo, fixado

em lei, nacionalmente unificado, capaz de

atender a suas necessidades vitais básicas e

às de sua família com moradia, alimentação,

educação, saúde, lazer, vestuário, higiene,

transporte e previdência social, com

reajustes periódicos que lhe preservem o

poder aquisitivo, sendo vedada sua

vinculação para qualquer fim.

O texto constitucional é mesmo muito rico, ao se tratar de

teoria, para tanto na prática não se verifica isso, afinal existem em

vários lugares trabalhadores sendo ainda humilhados e ganhando

até mesmo menos que um salário mínimo. Daí surge em muitas das

vezes a busca na justiça pelo reconhecimento e garantias de alguns

direitos. Para tanto, mesmo com todas as determinações

constitucionais e Leis que regulamentam a nossa convivência,

verifica-se que o poder aquisitivo é um diferencial neste

emaranhado de normas. Coloca Cristovam Buarque (2012) que não

se deve ficar então parados diante das adversidades encontradas

na realidade, deve-se observa-la e tomar uma atitude com relação

ao que se fora pensado, que deve-se reagir toda vez que se fora

apresentada uma estrutura social que condena os seres humanos

à miséria do desemprego capaz de deixa-los desprovidos dos bens

mais essenciais, tais como alimentos e vestes, coloca também

como miséria, o excesso de trabalho para financiar consumos

Page 158: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

157 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

desnecessários, reagir ainda contra a escravidão, que em pleno

século XXI paira na realidade social, de forma camuflada, as

chamadas algemas modernas.

Não se pode admitir, que em um Estado democrático de

direito propriamente dito, ainda existam mazelas que possam

colocar a divisão de classes como fator determinante para a

conquista de direitos e emancipação social. Neste sentido, as

instituições de movimentos sociais, sejam elas relacionadas ao

movimento feminista, estudantil, antimanicomial, trabalhista, dentre

outros, procuram resguardar àqueles que por motivos culturais

históricos e econômicos, estão inseridos na seara das classes que

estão de certa forma, prejudicadas frente a outras, como por

exemplo, a condição de hipossuficiência do empregado frente ao

empregador.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando se fala de conquistas de direitos, não dá para fugir

das ideias revolucionárias que aconteceram em todo o mundo,

principalmente no que diz respeito a Revolução Francesa, pelos

ideais de Liberdade, Igualdade, e Fraternidade, que hoje são

princípios da Constituição da Republica Federativa do Brasil de

1988, todas as emancipações de direito, principalmente no que

tange os direitos sociais, derivam de grandes batalhas e

movimentos realizados no mundo, e no Brasil, dependendo cada

um da especificidade de cada sociedade.

É inconteste que as lutas dos movimentos sociais atribuíram

evolução significativa perante toda a sociedade, ainda que o

caminho tenha sido, e é trilhado a passos curtos, uma conquista por

vez, por cada entrave encontrado no caminho da luta por ideais e

melhorias coletivas e individuais, pois a coletividade atinge

diretamente a individualidade.

Page 159: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

158

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

Sabe-se ainda que um movimento social não se prende

somente a visão robótica de mobilização urbana, mas também,

como apontado neste trabalho, por meio da rede de internet, e esta

é uma realidade mais visível no Brasil, que também não deixou de

lado a mobilidade urbana, como se pode observar no período da

Copa do Mundo no Brasil no ano de 2014, na qual manifestantes

saíram às ruas para protestar contra o evento.

Percebe-se que cada vez mais, a sociedade como um todo,

diante de uma adversidade sofrida, e o sentimento de insegurança

diante das propostas apresentadas, se mobiliza, seja por quaisquer

meio, a respeito dos assuntos, e isso nunca pode deixar se perder

no tempo, muito pelo contrario, seu aprimoramento deve ser cada

vez mais trabalhado.

Portanto, é de grande relevância e importância que a

democracia tenha caráter participativo, os cidadãos como

componentes e formadores de uma sociedade devem sim apontar

programas de melhorias, mudanças ou contrapor a uma que possa

trazer algum tipo de desfavorecimentos por meio da divisão de

classes, não existe mudanças e melhorias sem que haja uma

inercia, e essa deve partir da própria sociedade que esta na linha

de frente dos efeitos de quaisquer decisão tomada por seus

representantes, não existe conquista sem lutas, e nem lutas sem

um ideal que as impulsionem.

REFERÊNCIAS

BAGGINI, Julian. Pra que serve tudo isso? A filosofia e o

sentido da vida, de Platão a Monty Python. Trad. Cristiano

Botafogo. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

BORDENAVE, Juan E. Díaz. O que é participação. São Paulo:

Editora Brasiliense, 1994.

Page 160: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

159 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

BORGES, Altamiro. Encruzilhadas do Sindicalismo. São

Paulo: Anita Garibaldi, 2005.

BUARQUE, Cristovam. Reaja. Rio de Janeiro: Garamond,

2012.

CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. São Paulo: Editora

Brasiliense, 2012.

GOHN, Maria Gloria. Movimentos sociais no inicio do século

XXI: antigos e novos atores sociais. Rio de Janeiro: Vozes, 2003.

GOHN, Maria da Glória. Movimentos sociais na

contemporaneidade. Revista Brasileira de Educação v. 16 n. 47

maio-ago. 2011, disponível em:

<http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v16n47/v16n47a05.pdf>acesso em

25/05/2015.

LASSALE, Ferdinand. A essência da constituição. 8ª ed. Rio

de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

LÜCHMANN, Lígia Helena Hahn. RODRIGUES, Jefferson. O

movimento antimanicomial no Brasil,04/07/2006, disponível em

<http://www.scielo.br/pdf/csc/v12n2/a16v12n2> acesso em

25/05/2015.

MELUCCI, Alberto. Um objetivo para os movimentos

sociais? São Paulo, 1989. Disponível em

<http://www.scielo.br/pdf/ln/n17/a04n17.pdf> acesso em

26/05/2015.

MORE, Thomas. A Utopia de Optimo Publicae Statu Deque

Nova Insula Utopia . 2° Ed. São Paulo: Martins Claret, 2000.

Page 161: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

160

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

ASPECTOS DO DESENHO INDUSTRIAL E O MERCADO DE INSTRUMENTOS

MUSICAIS: O CASO DA FENDER STRATOCASTER

MARCIO WINICIUS VIEIRA DE MORAES

MARANHÃO: Bacharel em Direito pela UFPE/ Faculdade

de Direito do Recife. Pós-Graduado em Direito

Constitucional pela Universidade Anhanguera-Uniderp.

Técnico Judiciário e Assessor de Magistrado no Tribunal de

Justiça de Pernambuco

Resumo: O presente trabalho tem por intuito (i) realizar uma abordagem do

desenho industrial (design) à luz da doutrina tradicional em matéria de

propriedade intelectual e da disciplina legal no ordenamento pátrio (Lei n°

9.279/96 – Lei de Propriedade Industrial) e (ii) ilustrar a temática com um caso

real ocorrido no mercado nacional de instrumentos musicais, cuja análise

proporcionará (iii) uma verificação, na prática, da existência (ou não) dos

requisitos para a registrabilidade do desenho industrial, notadamente a novidade

e a originalidade, e do alcance dos direitos sobre um design já muito reproduzido

(design vulgarizado).

Palavras-chave: Desenho industrial, design, propriedade industrial, Lei n°

9.279/96, registrabilidade, novidade, originalidade, design vulgarizado.

1. Introdução: o desenho industrial

O desenho industrial (ou design) é um dos quatro bens da propriedade

industrial, ao lado das invenções, modelos de utilidade e marcas. O direito

industrial é o ramo do direito da propriedade intelectual que disciplina e protege

o interesse dos inventores, designers e empresários na exploração comercial

desses bens. A outra espécie de propriedade intelectual é formada pelos direitos

autorais, que protegem o interesse dos criadores de escritos (trabalhos científicos,

textos literários, letras de músicas); pinturas, esculturas e músicas (obras de arte,

em geral); projetos arquitetônicos e programas de computador (softwares); em

relação aos direitos morais e econômicos decorrentes da sua criação.

Page 162: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

161 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

O desenho industrial pode ser definido como uma alteração aplicada à

forma dos objetos1. A Lei de Propriedade Industrial vigente (LPI - Lei n°

9.279/96) o define, no art. 95, como a forma plástica ornamental de um objeto ou

o conjunto ornamental de linhas e cores que possa ser aplicado a um produto,

proporcionando resultado visual novo e original na sua configuração externa e

que possa servir de tipo de fabricação industrial.

Da definição legal podemos identificar os principais aspectos do desenho

industrial.

O primeiro deles é o aspecto plástico (estético ou ornamental) da

alteração implementada no objeto, em sua configuração externa. Assim, a

aplicação ou alteração do design em determinado objeto não altera ou aumenta

as suas utilidades. Desta feita, é clara a diferenciação do desenho industrial para

com a invenção ou o modelo de utilidade. A característica daquele é, portanto, a

futilidade (ante a ausência de utilidade)2.

O segundo aspecto é a aproximação do design com a obra de arte.

Com efeito, ambos se configuram numa criação meramente estética. Como bem

pontua Fábio Ulhoa Coelho, “tanto o designer como o artista não contribuem para

o aumento das utilidades que um homem pode esperar dos objetos”, dai o

chamado “traço comum de futilidade”3. A diferença, entretanto, está na função

principal que os objetos em que são aplicados os desenhos industriais têm. Uma

cadeira, um instrumento musical, um aparelho celular ou um automóvel podem

ser objeto da aplicação de um design, que não alterará as suas funcionalidades.

Entretanto, tais produtos ainda preservam uma utilidade funcional própria

(utilidade principal), diferentemente da obra de arte, que detém apenas a utilidade

1 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito Comercial, volume 1, direito de empresa. 13.

ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 138.

2 Idem.

3 Ibidem, p. 147.

Page 163: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

162

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

estética. Não sem razão, a Lei de Propriedade Industrial, no art. 95, acima

reproduzido, define o desenho industrial como “o conjunto ornamental de linhas

e cores que possa ser aplicado a um produto [...] e que possa servir de tipo

de fabricação industrial”. Assim, o design deve (i) ser aplicável a um produto e

(ii) servir para a fabricação industrial. Dessa forma, a mesma lei, no art. 98, dispõe:

“Não se considera desenho industrial qualquer obra de caráter puramente

artístico”, excluindo da proteção obtida com o registro de desenho industrial as

obras de arte, que normalmente são únicas, não sendo reproduzidas em escala

industrial4.

O terceiro aspecto a ser analisado são os requisitos para o registro do

desenho industrial. No Brasil, este registro é feito pelo Instituto Nacional da

Propriedade Industrial – INPI (LPI, art. 94), e tem natureza constitutiva. A partir

da expedição do certificado de registro, o ato administrativo de concessão do

direito de propriedade industrial, é que o titular do design terá exclusividade para

explorá-lo. Não é titular de qualquer direito aquele que prove haver desenvolvido

o desenho industrial, mas que não tenha efetuado ao menos o pedido de registro.

Dai resulta a eficácia constitutiva deste5.

2. Desenvolvimento

2.1. Requisitos para o registro do desenho industrial

O referido art. 95 da Lei de Propriedade Industrial (LPI - Lei n° 9.279/96),

ao definir o desenho industrial, já traz os dois principais requisitos para o registro

deste, ao dispor que o design deve proporcionar “resultado visual novo e original”

à configuração externa de um produto. Trata-se, portanto, dos requisitos da

novidade e da originalidade.

4 IDS – Instituto Dannemann Siemsen de Estudos de Propriedade Intelectual. Comentários

à lei de propriedade industrial. Edição revista e atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2005,

p. 173.

5 COELHO, ob. cit. p. 144.

Page 164: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

163 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

Novo é o desenho industrial não compreendido do estado da técnica

(LPI, art. 96). Este pode ser definida como o conjunto de conhecimentos,

resultante das observações e estudos6, existente até dado momento. Assim, a

LPI, art. 96, § 1°, dispõe que o estado da técnica é constituído por tudo aquilo

tornado acessível ao público antes da data de depósito do pedido, no Brasil ou no

exterior, por uso ou qualquer outro meio. O desenho industrial compreendido em

pedido de registro depositado e ainda não concedido ou publicado também integra

o estado da técnica para fins de aferição da novidade (LPI, art. 96, § 2°).

Dessa forma, se o desenho apresentar diferenças dos outros, até então

compreendidos no estado da técnica, será considerado novo7. Há, no entanto, de

se verificar se também tem originalidade.

Original é o desenho que apresente configuração visual distintiva em

relação aos objetos anteriores (LPI, art. 97). Assim, além de diferente (novo), o

desenho industrial deve possuir características peculiares8 que o proporcione

não ser confundido com objetos já conhecidos9 quando comparados

visualmente. O design também pode ser resultado da combinação de elementos

já conhecidos (LPI, art. 97, parágrafo único), desde que possua aquela

configuração visual suficientemente distintiva.

Há ainda um terceiro requisito para o registro do desenho industrial no

Brasil, chamado de desimpedimento, pois o design que se pretende registrar

não pode incidir em três proibições que constam da Lei de Propriedade Industrial:

1. Não ter o desenho caráter puramente artístico (LPI, art 98);

6 Ibidem. p. 157.

7 IDS – Instituto Dannemann Siemsen de Estudos de Propriedade Intelectual. Ob.

cit. p. 175.

8 COELHO, ob. cit. p. 157.

9 IDS – Instituto Dannemann Siemsen de Estudos de Propriedade Intelectual. Ob.

cit. p. 176.

Page 165: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

164

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

2. Não ser contrário à moral e aos bons costumes ou ofender a honra ou

imagem de pessoas, ou atentar contra liberdade de consciência, crença,

culto religioso ou ideia e sentimentos dignos de respeito e veneração (LPI,

art. 100, I);

3. Não ter a forma necessária comum ou vulgar do objeto ou, ainda, aquela

determinada essencialmente por considerações técnicas ou funcionais

(LPI, art. 100, II).

A primeira dessas proibições já foi analisada anteriormente. A segunda

pode ser definida como uma cláusula geral de adequação social do desenho

industrial que se pretenda registrar. A terceira, em consonância com os requisitos

da novidade e originalidade, requer do designer uma atividade criativa, pois se o

objeto tem uma aparência vulgar ou determinada pelas configurações técnicas

daquele tipo de produto, significa dizer que não lhe foi aplicado nenhum desenho,

ou que este não é original.

Como exposto, a concessão do registro pelo INPI constitui para o titular

do desenho industrial os direitos exclusivos para a sua exploração

econômica. Quem se utilizar do design sem a licença de seu titular estará sujeito

a responder civil e criminalmente, visto que a LPI, nos arts. 187 e 188, define os

crimes contra os desenhos industriais, punidos com penas de detenção que

vão de três meses a três anos, ou multa.

A proteção máxima concedida pelo registro de desenho industrial é de 25

(vinte e cinco) anos (prazo inicial de dez anos, prorrogável por até mais três

períodos sucessivos de cinco anos cada, segundo a LPI, art. 108, caput).

Após a exposição desses aspectos introdutórios do desenho industrial,

passamos a tratar de um caso prático, oportunidade em que será possível verificar

a influência daqueles requisitos para a registrabilidade do desenho original.

2.2. O caso da Fender Stratocaster

Figura 1 – Guitarras Fender modelo Stratocaster

Page 166: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

165 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

Fonte: site www.fender.com.br10

A Stratocaster (figura acima) é um modelo que guitarra criado em 1954

por Leo Fender, fundador da Fender Musical Instruments Corporation

(popularmente conhecida como “Fender”), empresa norte-americana fabricante

de instrumentos musicais e uma das líderes deste mercado em todo o mundo.

Tal modelo de guitarra popularizou-se de tal forma, logo nas primeiras

décadas após sua introdução no mercado, que passou a ser produzido por outros

fabricantes de instrumentos musicais em todo o mundo, sem a licença da Fender.

Figura 2 – Guitarra Giannini modelo Stratosonic

10 Disponível em: <www.fender.com.br> Acesso em mai. 2013.

Page 167: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

166

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

Fonte: Blog guitarrasdeumstrateiro.blogspot.com.br11

No Brasil, pelo menos desde a década de 1970, são produzidas e

comercializadas pelas empresas nacionais guitarras idênticas à Fender

Stratocaster. No ano de 1973 já estava disponível nos catálogos da Giannini, o

modelo “Stratosonic” (Figura 2).

Figura 3 – Guitarra Shelter modelo SX SST-62

11 Disponível em <http://guitarrasdeumstrateiro.blogspot.com.br/2015/07/giannini-

stratosonic-ae08-made-in.html> Acesso em jan. 2016.

Page 168: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

167 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

Fonte: site www.mundobends.com.br12

Nas décadas de 1990 e 2000, respectivamente, popularizaram-se os

modelos T 635 da Tagima e SX SST-62 da Shelter (Figura 3). Esta última,

inclusive, não só reproduzia fielmente o design da Stratocaster como prometia ser

uma réplica da Fender de 1962, guitarra clássica da fabricante norte-americana.

No ano de 2003 a Fender contatou diversas empresas fabricantes de

instrumentos musicais do Brasil e do exterior, manifestando a opinião de que

estas estariam infringindo seus direitos de propriedade intelectual ao produzir

guitarras e contrabaixos visualmente idênticos aos tradicionais modelos da

fabricante norte-americana. Assim, a Fender solicitou que tais empresas

procedessem a uma revisão dos designs de seus instrumentos. Em entrevista ao

jornal Áudio, Instrumentos & Mercado, no início do ano de 2004, Mark Molnau,

vice-presidente de vendas e marketing internacional da Fender afirmou que, até

então, todas as empresas nacionais fabricantes e/ou importadoras de

instrumentos musicais estavam cooperando com as solicitações da norte-

americana, não havendo sido necessário, portanto, o acionamento de nenhuma

daquelas na instância judcial13.

De fato, a partir de 2003, as guitarras comercializadas e distribuídas no

mercado brasileiro passaram a ostentar pequenas modificações nos seus

desenhos, notadamente os modelos que reproduziam a Fender Stratocaster,

conforme se vê das imagens a seguir.

Figura 4 – Guitarra Giannini modelo Stratosonic pós-2003

12 Disponível em < http://www.mundobends.com.br/wp-

content/uploads/2013/06/sx-sst62.jpg> Acesso em jan. 2016.

13 “FENDER PROTEGE A SUA MARCA”. Jornal ÁUDIO, INSTRUMENTOS &

MERCADO. Ed n° 10, Janeiro/Fevereiro de 2004. Disponível em

<http://forum.cifraclub.com.br/forum/2/41724/> Acesso em abr. 2013.

Page 169: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

168

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

Fonte: site http://freetura.com/14

O modelo Stratosonic da Giannini (Figura 4) foi modificado, apresentando

diminuição da área ocupada pelo escudo plástico na parte anterior do corpo da

guitarra.

Figura 5 – Guitarra Tagima modelo T 735

14 Disponível em <http://freetura.com/produto/giannini-stratosonic/#prettyPhoto>

Acesso em jan. 2016.

Page 170: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

169 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

Fonte: site www.tagima.com.br15

O modelo da Tagima (Figura 5) foi rebatizado de T 735, apresentando

uma reentrância mais acentuada no headstock16 do instrumento (à direita da

imagem), dando-lhe um formato de gancho, popularmente chamado pelos

guitarristas de “bico de papagaio”. Modificação semelhante foi implementada na

SX SST-62 e em muitas outras guitarras produzidas no brasil e na Ásia

(especialmente na China, Coréia do Sul e Indonésia).

As mudanças implementadas por tais fabricantes em seus instrumentos

são, evidentemente, muito sutis. Mas, ao que parece, foram suficientes para

atender aos pedidos da Fender no sentido da revisão dos desenhos.

Com a exposição deste caso prático é possível analisar mais detidamente

dois aspectos relativos ao desenho industrial.

2.3. A novidade e a originalidade dos modelos nacionais inspirados na

Fender Stratocaster

É possível dizer que os modelos acima expostos possuem desenhos

tecnicamente novos. Provavelmente não existiam, até o ano de 2003, no estado

da técnica, modelos de guitarras similares à Stratocaster, porém, com as descritas

secções e reentrâncias acentuadas. As mudanças identificadas são suficientes

para se dizer que não se trata do desenho tradicional da Stratocaster, conforme

concebido por Leo Fender em 1954.

Entretanto, tais diferenças não são suficientes para que não se possa

identificar tais modelos como imitações da Fender Stratocaster. Não há uma

configuração visual suficientemente distintiva naqueles desenhos que os

possibilite chamá-los de originais. Não há característica peculiar que distinga tais

designs do outro.

15 Disponível em < http://www.tagima.com.br/produtos/guitarra/T-735.php>

16 Parte mais externa do braço do instrumento, onde as cordas são presas às tarraxas. Em

português esta parte é chamada de “mão” do instrumento. Em geral, ostenta também a

marca do fabricante.

Page 171: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

170

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

O requisito da originalidade é exigido em vários sistemas de proteção à

propriedade industrial, estando previsto no Acordo TRIPs (em inglês: Agreement

on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights, em português: Acordo

sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao

Comércio), art. 25, 1, que dispõe: “[...] Os Membros poderão estabelecer que os

desenhos não serão novos ou originais se estes não diferirem significativamente

de desenhos conhecidos ou combinações de características de desenhos

conhecidos.[...]”

Com efeito, “a mera disparidade configura a novidade, mas é o

determinado grau de contribuição que se busca com a noção de originalidade”17.

Nesse sentido, vê-se o posicionamento da Segunda Turma Especializada do

Tribunal Regional Federal da 2ª Região:

DIREITO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL E PROCESSUAL

CIVIL. AGRAVO INTERPOSTO DE DECISÃO QUE

DETERMINOU A SUSPENSÃO DOS EFEITOS DE REGISTROS

DE DESENHO INDUSTRIAL REFERENTES A

"CONFIGURAÇÃO APLICADA A CABEÇA DE BONECO". I – O

equívoco na indicação do número do registro de desenho

industrial cuja suspensão foi determinada na decisão impugnada

em agravo não torna prejudicadas as suas razões, se, dos termos

da minuta desse recurso e do próprio pronunciamento judicial

agravado, pode-se depreender claramente qual o registro que é

verdadeiro objeto da discussão. II – Para que o desenho

industrial seja passível de registro, não é suficiente que a

formatação ornamental dada ao objeto se restrinja à mera

17 BARBOSA, Denis Borges Barbosa. Do requisito de originalidade nos desenhos

industriais: a perspectiva brasileira. P. 2. Disponível em

<http://www.denisbarbosa.addr.com/arquivos/novidades/do_requisito_ originalidade.pdf

> Acesso em abr. 2013.

Page 172: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

171 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

disparidade das dimensões lhe sejam comuns ou se limite a

alterações superficiais da configuração encontrada no

mercado, devendo para tanto ser dotada de um determinado

grau de inventividade estética capaz de resultar na efetiva

distinguibilidade da nova forma plástica se comparada a

produtos similares. III – Agravo desprovido.18

A aferição do requisito da originalidade do desenho industrial estaria,

então (a exemplo das outras modalidades de propriedade intelectual), permeada

pelo princípio do contributo mínimo. Segundo este, o titular do desenho

industrial, para merecer a concessão, por parte do Estado, da exclusividade na

exploração daquele design, deve prestar uma contribuição mínima à sociedade

e ao conhecimento comum: um mínimo de “densidade do novo”19. É na

originalidade que se reflete esse elemento mínimo de criação.

A originalidade do desenho industrial é examinada ante à aparência

global do objeto ou “impressão geral” que se tem dele, que deve destaca-lo

significativamente dos anteriores20. Assim, é possível falar num critério objetivo

para a aferição da originalidade: a um, porque embasado numa análise técnica

(objetiva), de um “analista hipotético” ao qual se atribui uma visão qualificada,

diferenciada em relação à do consumidor comum21. A dois, porque tal análise

18 Tribunal Regional Federal da 2ª Região. 2ª Turma Especializada. Agravo de

Instrumento n° 200702010094042. Rel. Des. Federal André Fontes. Julgado em

30/09/2008. Publicação DJU 10/10/2008, p. 239. Disponível em

<http://jurisprudencia.trf2.jus.br/v1/search?q=cache:xAa5UhDI9xYJ:www.trf2.com.br/id

x/trf2/ementas/%3Fprocesso%3D200702010094042%26CodDoc%3D193596+determina

do+grau+de+inventividade+est%C3%A9tica+capaz+&client=jurisprudencia&output=xm

l_no_dtd&proxystylesheet=jurisprudencia&lr=lang_pt&ie=UTF-

8&site=ementas&access=p&oe=UTF-8> Acesso em abr.2013 (Grifos nossos).

19 BARBOSA, Denis Borges Barbosa. Ob. cit. p. 1-3.

20 Ibidem, p. 45-46.

21 Idem.

Page 173: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

172

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

recai sobre o objeto em que é aplicado o design, e não sobre o seu autor, a sua

atividade ou qualquer outro aspecto subjetivo do processo de criação: a

originalidade deve ser apreciada em razão do resultado final, qual seja, o desenho

industrial aplicável a produto industrializado (ou industrializável).

De todas as considerações tecidas, conclui-se pela falta de originalidade

dos desenhos aplicados aos modelos nacionais e asiáticos de guitarras

“Stratocaster” analisados.

2.4. A Fender Stratocaster e o “design vulgarizado”

Como segundo aspecto do desenho industrial a ser analisado a partir do

caso prático abordado, temos a questão da originalidade do design da própria

Fender Stratocaster, nos dias atuais, ante o que se chama de “design

vulgarizado”.

Tem-se a vulgarização como forma (muito comum) de se perder a plena

exclusividade sobre um desenho, por fatos alheios à vontade do seu titular22.

Segundo Marcelo Goyanez, designs “muito explorados por diversos

fabricantes concorrentes, ao longo de anos, podem sofrer os efeitos da

vulgarização e perder a originalidade que tinham quando foram lançados. Essa

diluição da originalidade enfraquece o direito de exclusividade[...]”23

Tal parece ser a situação atual da Fender Stratocaster, que durante

décadas teve o seu desenho reproduzido por inúmeras fabricantes de

instrumentos musicais em todo o mundo.

Tanto que o órgão norte-americano (o United States Patent and

Trademark Office) competente para a concessão dos direitos sobre os bens da

propriedade industrial negou, em 2009, pedido da Fender, que desejava registrar

22 GOYANES, Marcelo. Tópicos em propriedade intelectual: marcas, direitos autorais,

designs e pirataria. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 309.

23 Ibidem, p. 310-311.

Page 174: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

173 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

as formas dos corpos de seus instrumentos musicais, dentre eles, a guitarra

Stratocaster24.

Na lide, a Fender arrolava as fabricantes norte-americanas que jugava

estarem infringindo os seus direitos sobre os desenhos industriais das guitarras

Stratocaster, Telecaster e do contrabaixo Precision Bass.

O órgão julgador (o Trademark Trial and Appeal Board) chegou às

seguintes conclusões:

1. Que a requerente (a Fender) não conseguiu estabelecer precisamente as

diferenças entre as linhas dos corpos das guitarras, e que estas não

serviam, por si só, para indicar a origem do instrumento. Que se

evidenciava, em verdade, o quão comum eram aquelas configurações na

indústria de instrumentos musicais, o que tornava impossível identificar

naquelas a fabricante da guitarra25;

2. Que não aparentava que as fabricantes interpeladas pretendiam copiar as

formas da Fender a fim de confundir os consumidores e dar a impressão

que os designs daquela eram, na verdade, seus26;

24 UNITED STATES PATENT AND TRADEMARK OFFICE. Trademark Trial and

Appeal Board. Opposition Number 91161403. Disponível em <

http://ttabvue.uspto.gov/ttabvue/v?pno=91161403&pty=OPP&eno=246 >. Acesso em

abr. 2013.

25 “The applicant has not established acquired distinctiveness such that these two-

dimensional outlines of guitar bodies, standing alone, serve to indicate source. The

evidence overwhelmingly demonstrates that these configurations are so common in the

industry that they cannot identify source.” Idem.

26 "[..] it does not appear that … third parties intended to copy applicant's guitar shapes

for the purpose of confusing consumers and passing off applicant's guitar shapes as their

own.” Idem.

Page 175: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

174

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

3. Que especialmente no caso do corpo da Stratocaster, aquelas formas

eram tão comuns que podiam ser definidas como o formato genérico

da guitarra elétrica27.

Com a decisão do órgão norte-americano, decreta-se a ausência de

direitos da Fender sobre os desenhos industriais de seus instrumentos musicais

à luz daquele ordenamento jurídico.

3. Conclusões

Ante a pesquisa realizada, acredita-se haver tido com acerto o órgão

norte-americano ao negar as pretensões da Fender pela exclusividade na

exploração daqueles desenhos industriais após mais de cinquenta anos da sua

introdução no mercado.

Inegavelmente há uma vulgarização, ou “degradação”, do desenho

industrial após décadas de utilização, não só em razão das cópias realizadas

pelos outros fabricantes, mas também da exaustiva exploração daquele modelo

pelo próprio idealizador.

Hoje, o desenho da Fender Stratocaster é vulgar não só pela sua

reprodução ou pelo conhecimento que o público (inclusive o leigo) tem dele, mas

também pela simplicidade que guarda, em comparação com o atual estado da

técnica em matéria de guitarras elétricas.

A excelência do produto da Fender fez com que o conhecimento e a

técnica na produção de guitarras elétricas fossem desenvolvidas a partir da

Stratocaster, o que fez com que este fosse (corretamente) identificado com o

modelo “básico” ou genérico de guitarra elétrica.

Por fim, a limitação temporal à concessão de exclusividade em matéria

de invenções, modelos de utilidade e desenhos industriais estimula o contínuo

desenvolvimento de novos materiais, tecnologias, técnicas e conceitos estéticos,

a fim de responder às crescentes demandas da sociedade e do mercado.

27 "In fact, in the case of the [Stratocaster] body outline, this configuration is so common

that it is depicted as a generic electric guitar in a dictionary." Idem.

Page 176: BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 531 · fornecimento de energia elétrica com uma alíquota ... propriedade rural onde haja exploração agrícola ou ... administrados lhe propicia

5

175 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55142

Bo

leti

m C

on

teú

do

Ju

ríd

ico

n. 5

31 d

e 0

2/0

2/2

016

(an

o V

III)

ISSN

- 1

98

4-0

45

4

Coaduna-se tal limitação com o princípio do contributo mínimo: premia-

se a atividade inventiva ou criativa do inventor, designer (ou titular do direito,

de forma geral), ao mesmo tempo em que se estimula a concepção de novas

ideias, que possam, novamente, contribuir com a sociedade.

4. Referências:

BARBOSA, Denis Borges Barbosa. Do requisito de originalidade nos desenhos

industriais: a perspectiva brasileira. P. 2. Disponível em

<http://www.denisbarbosa.addr.com/arquivos/novidades/do_requisito_

originalidade.pdf> Acesso em abr. 2013.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito Comercial, volume 1, direito de empresa.

13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009

GOYANES, Marcelo. Tópicos em propriedade intelectual: marcas, direitos

autorais, designs e pirataria. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.

IDS – Instituto Dannemann Siemsen de Estudos de Propriedade Intelectual.

Comentários à lei de propriedade industrial. Edição revista e atualizada. Rio de

Janeiro: Renovar, 2005.

UNITED STATES PATENT AND TRADEMARK OFFICE. Trademark Trial and

Appeal Board. Opposition Number 91161403. Disponível em <

http://ttabvue.uspto.gov/ttabvue/v?pno=91161403&pty=OPP&eno=246 > Acesso

em abr. 2013.

“Fender Protege a sua Marca”. Jornal ÁUDIO, INSTRUMENTOS & MERCADO.

Ed n° 10, Janeiro/Fevereiro de 2004. Disponível em

<http://forum.cifraclub.com.br/forum/2/41724/> Acesso em abr. 2013.