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0 BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 575 (ano VIII) (31/03/2016) ISSN - - BRASÍLIA 2016 Boletim Conteúdo Jurídico - ISSN – 1984-0454

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BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 575

(ano VIII)

(31/03/2016)

 

ISSN- -  

 

 

 

 

 

 

 

 

BRASÍLIA ‐ 2016 

Boletim

Conteú

doJu

rídico-ISSN

–1984-0454

 

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Boletim Conteúdo Jurídico n. 575 de 31/03/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

ConselhoEditorial 

COORDENADOR GERAL (DF/GO/ESP) - VALDINEI CORDEIRO COIMBRA: Fundador do Conteúdo Jurídico. Mestre em Direito Penal Internacional Universidade Granda/Espanha.

Coordenador do Direito Internacional (AM/Montreal/Canadá): SERGIMAR MARTINS DE ARAÚJO - Advogado com mais de 10 anos de experiência. Especialista em Direito Processual Civil Internacional. Professor universitário

Coordenador de Dir. Administrativo: FRANCISCO DE SALLES ALMEIDA MAFRA FILHO (MT): Doutor em Direito Administrativo pela UFMG.

Coordenador de Direito Tributário e Financeiro - KIYOSHI HARADA (SP): Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP.

Coordenador de Direito Penal - RODRIGO LARIZZATTI (DF/Argentina): Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA.

País: Brasil. Cidade: Brasília – DF. Contato: [email protected] WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR

   

BoletimConteudoJurıdico

Publicação

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SUMÁRIO

COLUNISTA DO DIA

 

31/03/2016 Gisele Leite 

» Intervenção de Terceiros em face do CPC/2015

ARTIGOS 

31/03/2016 Bruno Araujo Paiva » A consolidação do Direito Administrativo Disciplinar Militar como disciplina autônoma no universo 

das ciências jurídicas 

31/03/2016 Wagner Salazar Pires 

» Gerenciamento de projetos na Administração Pública 

31/03/2016 Vinícius Borges Meschick da Silva 

» Lei 9.099/95 e o instituto da Transação Penal 

31/03/2016 Eliardo Soares Moraes 

» A responsabilidade civil do Estado no direito pátrio 

31/03/2016 Diego Santiago de Freitas 

» O direito à saúde sob a ótica jurisprudencial 

31/03/2016 Silvana Pereira Barbosa 

» O instituto da desapropriação na legislação brasileira 

31/03/2016 João Paulo Monteiro de Lima 

» A primazia da resolução do mérito no Novo CPC 

MONOGRAFIA 

31/03/2016 Najara Lima de Melo Silva » Litisconsórcio no direito processual civil 

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INTERVENÇÃO DE TERCEIROS EM FACE DO CPC/2015

GISELE  LEITE:  Professora  universitária,  pedagoga, bacharel em Direito UFRJ, mestre em Direito UFRJ, mestre em  Filosofia UFF, Doutora em Direito USP. Pesquisadora‐Chefe  do  Instituto  Nacional  de Pesquisas Jurídicas. 

Primeiramente cumpre tecer os justos e merecidos comentários em homenagem ao Professor Alexandre Martins Flexa que tem nos propiciado não só por sua lavra doutrinária, mas principalmente por suas aulas didáticas proferidas no aplicativo Periscope disseminando gratuitamente o conhecimento sobre o novo Código de Processo Civil brasileiro. Parabéns, colega!!! Você é um exemplo para todos nós.

Aliás, já se tem fim a polêmica quanto ao início da vigência do novo codex posto que será mesmo em 18 de março de 2016, videhttp://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/Not%C3%ADcias/Not%C3%ADcias/Pleno-do-STJ-define-que-o-novo-CPC-entra-em-vigor-no-dia-18-de-mar%C3%A7o

O processo é caracteristicamente intersubjetivo e tem entre os seus personagens os que integram a relação jurídica processual, seja o Estado-juiz, o demandante (autor) e o demandado (réu).

As partes[1] são os sujeitos parciais da relação jurídica processual, isto é, aqueles que pedem ou em face de quem se é pedida a providência jurisdicional, e que por essa razão, integram o contraditório e são atingidos pelos efeitos da coisa julgada.

Para que alguém participe e se torne sujeito em determinado processo, deverá propor a demanda, ou ainda, ser chamado ao juízo para ver-se processar ou intervir em processo já existente.

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Sabemos da geometria inicial da relação processual que é relacionada a uma concepção triangular que se revela em ser o esquema mínimo, que é completado com a citação válida e regular do demandado.

O terceiro que é estranho à relação processual estabelecida inicialmente entre o autor e réu. É conceito que se consegue por negação[2]. E tal característica distingue o instituto da intervenção de terceiro do litisconsórcio, uma vez que os litisconsortes são partes originárias do processo, ainda que por equívoco, não venham mencionados na petição inicial (litisconsórcio necessário).

O sentido de terceiro é alcançado devidamente em face da situação jurídica do ingressante na lide em relação aos litigantes originais. O terceiro uma vez admitido em demanda alheia, passa ocupar posição distinta da dos demais litigantes.

É importante também distinguir a intervenção de terceiro[3] da substituição da parte ou sucessão processual, uma vez que a situação jurídica do substituto ou sucessor é idêntica à do substituído (cedente e cessionário herdeiro e falecido).

Assim, o terceiro como sujeito pode ser participante no processo, seja no polo ativo ou polo passivo. Havendo ainda as hipóteses excepcionais e expressamente previstas em lei.

A pluralidade subjetiva no processo é possível tanto no litisconsórcio como na intervenção de terceiros.

O autor ou demandante é quem propõe a demanda em face da resistência do demandado ou do réu, contrapondo-se ao juiz que é sujeito imparcial. Apesar do autor é o réu serem os sujeitos processuais parciais é possível haver a cooperação e, ainda, a obediência ao princípio da boa-fé objetiva.

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Diz-se que existe a intervenção de terceiros no processo quando alguém dele participa sem ser parte da causa, com o fim de auxiliar ou excluir os litigantes, para defender algum direito ou interesse próprio que possa ser prejudicado pela sentença.

Apesar de que deve limitar-se a coisa julgada apenas às partes perante as quais é a sentença dada, seguidamente os efeitos da sentença se expandem podendo até mesmo indiretamente atingir a terceiros que estejam, por uma forma ou outra, ligados às partes, produzindo influências de vários tipos sobre alguma relação jurídica de que aqueles participem.

Em verdade há três posições que o terceiro interveniente pode assumir na demanda, a saber: para auxiliar a parte a que adere, para sustentar as razões que a esta competem; para se unir contra o adversário comum; que ingressa no processo em antagonismo contra ambas as partes, tentando a todas excluir, em defesa de algum direito inconciliável com o direito sustentado pelos ligantes.

A verdade que a intervenção de terceiro é excepcional posto que em geral não se admita que terceiro intervenha no processo, uma vez que a sentença normalmente só opera seus efeitos entre as partes, não atingindo a terceiros, vide o art. 506 do CPC/2015.

Salutar advertir que nem todo terceiro que pode intervir no processo poderá fazê-lo, sendo mesmo vedada a dita intervenção de quem não tenha interesse na demanda, ou que tenha somente mero interesse fático na solução do litígio.

Excepcionalmente, a sentença produz efeitos panprocessuais que pode atingir outras esferas jurídicas, que não apenas do autor e do réu. E, nesses casos, o terceiro resta autorizado a intervir no processo, respeitando-se o devido processo legal.

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A legitimidade de terceiro é mensurada exatamente pela eficácia da coisa julgada[4] bem como pelas peculiaridades do direito material discutido na causa.

No fundo tais causas se fundem e se imiscuem pois é justamente a natureza do direito substancial que conecta o terceiro a determinada parte, quando os limites objetivos e subjetivos da coisa julgada são finalmente definidos.

Há de o terceiro comprovar cabalmente a pertinência de sua intervenção no processo e, uma vez verificada a partir da afirmada relação com algumas das partes originárias do processo e da pretensão concretamente formulada na demanda.

Afinal, com a definição do interesse jurídico[5] é possível a intervenção de terceiro, desde que respeitadas também as reras da espécie interventiva.

Portanto não é suficiente que haja apenas a vontade do terceiro em intervir posto que seja indispensável haver o controle judicial sobre o seu ingresso no processo. Cabendo ao juiz aferir a legitimidade de terceiro para intervir e se encaixar nas hipóteses legais de cabimento,

O CPC/2015 prevê cinco modalidades de intervenção de terceiros: assistência, denunciação da lide, chamamento ao processo, incidente[6] de desconsideração da personalidade jurídica e amicus curiae.

Lembremos que no CPC/1973 a assistência não era tratada no capítulo das intervenções de terceiro, apesar de que no mesmo diploma legal em seu art. 280 reconhecesse que a assistência era espécie interventiva. Reconhece-se, portanto, que tal falha fora sanada como o

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CPC/2015, tendo sido incluída a assistência nos artigos 119[7] aos 124.

A intervenção de terceiros pode ser espontânea ou provocada. A intervenção provocada se materializa através de um requerimento formulado por uma das partes e pode dar azo à seguintes figuras: a nomeação à autoria; a denunciação da lide; o chamamento ao processo.

As intervenções voluntárias ou espontâneas decorrem de ato de vontade do interveniente, são os casos da assistência e o amicus curiae; e as intervenções forçadas ou provocadas são a denunciação da lide, o chamamento ao processo e a intervenção dos sócios ou da pessoa jurídica decorrente da desconsideração[8] de personalidade jurídica ou desconsideração inversa, que também é possível pelo novo codex.

No que se refere à natureza jurídica da intervenção de terceiro, trata-se de incidente processual, visto que o terceiro realiza uma série de atos dentro de um processo em andamento, visando modifica-lo, sem que se instaure uma nova relação processual.

Não se confunde, pois, com o processo incidente[9], onde há uma relação jurídica nova, relacionada a um processo pendente.

Será espontânea a intervenção quando a iniciativa é do terceiro (era o caso da oposição e assistência). Será por inserção quando terceiro intervém em relação jurídica já existente (assistência, nomeação à autoria e chamamento ao processo). Será, por sua vez, por meio de uma nova ação quando existe a formação de nova relação processual, embora o mesmo processo.

A assistência[10] é a primeira das espécies de intervenção de terceiros prevista no CPC/2015, onde terceiro está autorizado a intervir no processo a fim de auxiliar a uma das partes sempre que

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tiver interesse jurídico em que a sentença seja favorável à parte que pretende assistir.

Pode ocorrer a qualquer momento do processo, em qualquer grau de jurisdição, enquanto não transitada em julgado a decisão judicial. Uma vez admitido o assistente, este só poderá praticar os atos processuais ainda não preclusos, ou seja, não são devolvidos prazos ao assistente para que possa praticar os atos nas fases processuais já superadas Tal como ocorre com qualquer das modalidades de intervenção, a assistência é admitida porque a sentença a ser proferida no processo em que interveio poderá atingir a sua esfera jurídico-patrimonial.

É certo, porém que para ser admitido como assistente o terceiro deverá demonstrar ter efetivo interesse jurídico na solução da demanda. Embora não haja definição de interesse jurídico, o que cabe a doutrina fazê-lo. Deve-se entender que é a existência de relação jurídica que envolva o assistente e o assistido apenas, ora porque envolve o assistente, assistido e adversário do assistido.

Há, portanto, duas espécies de interesse jurídico[11], a primeira concentrada na relação assistente e assistido e, a segunda entre o assistente e o adversário do assistido.

Alexandre Flexa, com sua habitual dom didático, nos exemplifica: Na primeira hipótese temos a ação de despejo proposta pelo locador em face de locatário.

Há o sublocatário, mas este será terceiro, pois não é parte da demanda que possui interesse jurídico[12]para intervir como assistente.

Já na segunda hipótese, imagine-se a ação de cobrança proposta pelo credor em face apenas de um dos devedores solidários (réu), o outro devedor solidário será o terceiro em relação

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ao processo. E, terá relação jurídica tanto com o assistido como também com o adversário do assistindo (vez que é devedor do adversário do assistido).

Na primeira hipótese, observa-se a existência de interesse jurídico somente entre assistido e assistente, é quando se tem a chamada assistência simples ou adesiva[13]. Na segunda hipótese, tem-se o interesse jurídico que se desenvolve entre assistente, assistido e adversário do assistido, há a assistência qualificada ou litisconsorcial[14].

Na assistência[15] simples o ingresso do assistente no processo se dá para defesa de direito alheio (direito do assistido) porque ostenta uma relação subordinada à relação jurídica discutida na demanda. No exemplo dado referente à sublocação, o assistente é titular apenas de contrato acessório, pode praticar todos os atos processuais desde que não sejam contrários à vontade do assistido, mas jamais poderá praticar atos que impliquem em disposição do direito do assistido. Afinal, o assistente não é titular da res in iudicium deducta, conforme se pode perceber do art. 122 do CPC/2015.

Contudo, o assistente simples pode ter sua atuação diferenciada, porém se o assistido se tornar revel, ou ainda, de alguma forma for omisso ou desidioso no processo, poderá atuar como como substituto processual[16], vide art. 121, parágrafo único do CPC/2015, passando a praticar atos em nome próprio, defendendo o direito do assistido.

Havendo, contudo, duas limitações, a saber: a) os atos continuam sendo de defesa, nunca de disposição de direito do assistido; b) esses atos podem tornar-se ineficazes se o assistido comparecer e manifestar-se expressamente de modo contrário. O comparecimento do assistido, agora substituído, deve ocorrer somente através da assistência litisconsorcial, na forma do art. 18,

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parágrafo único do NCPC. Atesta-se desta forma uma autêntica subversão de papéis, onde o assistente vira assistido e vice-versa.

Alvissareira é a previsão do art. 121, parágrafo único do CPC/2015 que veio a diluir antiga discussão doutrinária e jurisprudencial. Se quando o assistido não é revel, mas recorre, poderia o assistente simples recorrer?

Existem julgados do STJ que respondem negativamente e inadmitem o recurso. Mas, com a nova redação do dispositivo, o assistido simples poderá atuar em qualquer omissão do assistido, devendo ser admitido seu recurso caso o assistido não recorra.

Lembremos que o assistente simples, como sujeito do processo que passa a ser, submete-se naturalmente à eficácia da decisão proferida no processo, não podendo discutir seus fundamentos em processo posterior (art. 123 do CPC/2015[17]).

Porém, como tem a atuação limitada no processo[18], se prevê pode discutir novamente a justiça da decisão no processo em que interveio se não pode manifestar-se, porque ingressou após o momento processual oportuno, se não pode produzir provas ou se desconhecia as alegações e/ou provas que o assistido não quis aduzir ao processo, seja por dolo ou culpa.

Acertadamente, o novo CPC trata a assistência simples em seção distinta daquela que regula a assistência litisconsorcial, o que se justifica pela grande diferença de tratamento. O dispositivo comentado na lavra de Hartmann que aponta haver ajuste redacional ao indicar a postura do assistente simples e seus poderes, mas inova corretamente, ao substituir a antiga expressão “gestor de negócios” por “substituto processual”, eis que o assistente realmente tem uma espécie de legitimação extraordinária para atuar em juízo pelo assistido, mas jamais para praticar

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qualquer ato relativo ao direito material, conforme sugeria a anterior redação.

A assistência qualificada ou litisconsorcial é cabível sempre que o terceiro for titular da relação jurídica discutida no processo. Tem esse nomen iuris, pois o assistente qualificado é tratado como se fosse litisconsorte. Mas, ser considerado litisconsorte não é o mesmo que ser litisconsorte. Este é parte, podendo e praticar qualquer ato processual como lhe aprouver.

Ressalve-se que o assistente litisconsorcial não assume a posição de parte da demanda, mas apenas de parte do processo, podendo praticar todos os atos que importem em defesa do direito do assistido, tal como ocorre com o assistente simples.

A diferença reside na vontade do assistido, pois o assistente qualificado pode praticar atos de defesa, mesmo contra a vontade do assistido. Há autores, no entanto, que defendem que o assistente litisconsorcial torna-se parte da demanda, formando litisconsórcio facultativo unitário e ulterior.

Oferecido o pedido de assistência pelo terceiro juridicamente interessado, este será deferido desde que as partes não apresentem impugnação. Caso uma das partes faça impugnação ao pedido de assistência, dentro do prazo legal de quinze dias, alegando que o terceiro não ostenta interesse jurídico para intervir como assistente, o juiz permitirá que as partes produzam provas, se necessário, a fim de julgar o pedido o incidente.

Vale recordar que o CPC/1973, o art. 51, II previa expressamente a produção de provas, o que não ocorre no CPC/2015. Trata-se de omissão que na opinião de Alexandre Flexa, não pode levar à conclusão de inadmissibilidade de fase probatória, sob pena de violar frontalmente a ampla defesa. Também poderá o juiz rejeitar liminarmente o pedido de assistência (art. 120,in fine).

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Da decisão no pedido de assistência, caberá agravo de instrumento conforme o art. 1.015, IX do CPC/2015.

O art. 124 do CPC/2015 definiu a assistência litisconsorcial[19] que deve ser considerado juntamente com Enunciado 11 do FPPC: “O litisconsorte unitário integrado ao processo a partir da fase instrutória, tem direito de especificar, pedir e produzir provas, sem prejuízo daquelas já produzidas, sobre as quais o interveniente tem o ônus se manifestar na primeira oportunidade em que falar no processo”.

A denunciação da lide[20] é prevista nos arts. 125 ao art. 129 do CPC/2015 e pode ser definida como uma ação regressiva in simultaneus processus, podendo ser proposta tanto pelo autor quanto pelo réu

O art. 125 do CPC/2015 disciplina as três hipóteses de denunciação da lide, sendo suprimido o termo “obrigatório” posto que não mais haverá a perda do direito de regresso que poderá ser pleiteado por meio de ação autônoma.

No Código Buzaid, a denunciação da lide não era propriamente uma intervenção de terceiro, mas uma ação de regresso, de caráter eventual, inserida no processo principal e dependente da demanda originária.

No novo codex ainda ostenta sua natureza de ação incidental, mas uma vez aceita a denunciação, assa a ser uma autêntica intervenção de terceira, pois o denunciado ingressa no processo como litisconsorte do denunciante (arts. 127 e 128 do CPC/2015), sofrendo os efeitos da decisão judicial no processo na qualidade de parte da demanda.

Naturalmente será competente para processar e julgar a denunciação da lide o mesmo juízo da ação primitiva. Portanto, não

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se cogita em incompetência relativa. Porém se a incompetência for absoluta em razão da matéria impede a denunciação da lide, porém, a doutrina e a jurisprudência pátrias entendem que a incompetência absoluta em razão da pessoa não impede a denunciação da lide.

Indiscutivelmente a natureza jurídica da denunciação da lide é de ação de conhecimento incidental. Sendo, portanto, vedada, a denunciação em sede ação executiva e cautelar (tutela provisória).

O ajuizamento da denunciação da lide é facultativo, podendo o litigante, se desejar, ajuizar a ação de regresso de forma autônoma. Mas, cabe ressaltar, que a denunciação é uma ação de regresso antecipada. Mas, se preferir a ação de regresso autônoma, deve estar ciente que somente poderá fazê-lo após o efetivo cumprimento da obrigação na ação principal.

As hipóteses de admissibilidade da denunciação da lide estão elencadas nos dois incisos do art. 125 do NCPC[21]. A primeira hipótese de cabimento é na qual aquele que sofreu evicção (autor ou réu numa demanda reivindicatória) poderá denunciar a existência da lide ao alienante imediato, a fim de que este arque com os eventuais prejuízos que o denunciante-evicto possa sofrer.

A denunciação só pode ser feita ao alienante imediato, eliminando-se a possibilidade de denunciação per saltum, visando a alcançar os alienantes anteriores.

Norma semelhante àquela contida no inciso I, do art. 125 é a do art. 456 do Código Civil brasileiro[22]que dispunha que para poder exercitar o direito que da evicção[23] lhe resulta, o adquirente notificará do litígio o alienante imediato, ou qualquer dos anteriores, quando e como lhe determinarem as leis do processo. Tal dispositivo foi revogado pelo art. 1.072, II do CPC/2015, sepultando qualquer possibilidade de admissão de denunciação da lide por salto[24].

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A outra hipótese de cabimento da denunciação da lide, prevista no inciso II do art. 125 do CPC/2015 permite a intervenção sempre que a parte vencida numa ação judicial puder buscar ressarcimento do seu prejuízo perante outrem, que seja seu garantidor. É o caso do causador de acidente automobilístico que é demandado judicialmente pela vítima e seus familiares e denuncia à lide à seguradora, que assumiu em contrato, o dever de indenizar o segurado, caso este perdesse na demanda.

Tal previsão legal dá oportunidade de avaliarmos duas correntes doutrinárias e jurisprudenciais, ambas voltadas ao debate sobre a possibilidade ou não de discussão de fato novo na denunciação da lide.

A primeira corrente, considerada ampliativa, admite a denunciação da lide em qualquer das hipóteses abrangidas pelo inciso II, que são genéricas, não permitindo distinção pelo intérprete. Tendo o denunciado fornecido garantia própria (aquela em que se deu transmissão do direito ao denunciado), tenha outorgado garantia imprópria (aquela em que o denunciado apenas responsabilizou-se pelo dano) seria possível a denunciação da lide, tornando cabível a discussão de fato novo decorrente da garantia imprópria.

Já a segunda corrente doutrinária é a restritiva e sustenta que somente será admitida a denunciação da lide quando se tratar de garantia própria, isto é, quando a derrota do denunciante acarretar automaticamente a derrota do denunciado, sem necessidade de debate de fatos novos ou de produção probatória na demanda incidental de regresso.

Tal corrente visa proteger a parte que enxergava sua lide demasiadamente prolongada pela parte contrária que, integrando uma demanda onde se debatia a responsabilidade objetiva,

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denunciava a lide ao seu garantidor, instaurando-se demanda incidental, onde se discutia a responsabilidade subjetiva.

A jurisprudência do STJ oscila entre essas duas correntes, mas a segunda corrente de caráter mais restritivo tem mais afinidade com a ideologia do CPC/2015 que visa enfatizar a celeridade processual harmonizada com a segurança jurídica.

Há a possibilidade de denunciação da lide pelo Estado ao servidor público nas ações de responsabilidade civil deste por ato de seus servidores. Para quem é adepto da corrente ampliativa, não há impedimento à denunciação da lide pelo Estado ao seu servidor. Mas, quem for adepto da corrente restritiva, não existe garantia própria, sendo, portanto, vedada a denunciação da lide.

E, nesse sentido há o pronunciamento do Desembargador Alexandre Freitas Câmara que se manifestou sobre o art. 70, III do CPC/1973 e vislumbrou ainda uma terceira corrente para a questão, discordando das duas correntes doutrinárias anteriormente aludidas, pois a proposição que nega a possível denunciação por ser somente possível em casos de garantia própria pareceu-lhe errônea, por criar distinção não prevista e nem decorrente da norma.

Já a compreensão extensiva também parece ser equivocada posto que a denunciação da lide é inadequada nos casos onde exista solidariedade entre demandado e terceiro. E, mesmo porque o Estado, que se torna civilmente responsável, tem direito de regresso em face de seu agente que tenha causado dano, mas tal fato, não exclui a responsabilidade deste perante o lesado, decorrente do art. 927 do C.C.

Assim, defende que nada impede haver um litisconsórcio facultativo obviamente, entre a pessoa jurídica de direito público e seu servidor que, aliás, já foi admitido pelo STF, relator Ministro Cunha Peixoto, RE 90.0701, j.18.8.1980, v.u., DJU 26.9.1980.

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Prevalecendo tal entendimento, é patente o reconhecimento da solidariedade entre a pessoa jurídica de direito público e seu agente, o que torna inadequada a denunciação da lide, revelando-se cabível, no caso, o chamamento ao processo.

Fredie Didier Jr.[25], assume postura conciliatória diante das duas correntes aludidas, afirmando que a adoção deve decorrer da análise do caso concreto pelo juiz.

Posto que a intervenção de terceiro referente a denunciação da lide visa dar maior celeridade e economia processual. De sorte que se vier a comprometer a efetividade do processo e/ou a duração razoável deste, deve-se inadmitir a denunciação, ressalvando-se a ação de regresso por via autônoma. Por esta razão, justifica o doutrinador baiano, que há entendimentos díspares no STJ.

Uma vez oferecida a denunciação da lide pelo autor que dar-se-á pela petição inicial, formando-se um litisconsórcio entre o denunciante e denunciada. Por essa razão, é salutar que entre o denunciante e denunciado haja interesses coincidentes.

O denunciante (autor na demanda principal) quer a condenação do réu, da mesma forma que o denunciado, pois, desta forma estaria livrando-se do dever de ressarcir o denunciante de eventuais prejuízos que possa vir a sofrer.

Devidamente citado em primeiro lugar, antes mesmo do réu na demanda principal (art. 127) o denunciado poderá tomar uma das seguintes posturas:

a) negar a qualidade de garantidor que lhe é imputada, prosseguindo-se a ação somente com o denunciante no polo passivo, mas não impedindo que o denunciado seja atingido pela sentença, caso o pedido do autor seja julgado improcedente;

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b) permanecer inerte, sendo decretada sua revelia na ação principal;

c) assumir posição de litisconsorte ativo juntamente com o denunciante podendo aditar a petição inicial com novos argumentos que colaborem na vitória processual do denunciante.

Somente após o pronunciamento da manifestação do denunciado é que se fará a citação do réu na demanda principal e o processo segue seu curso normal.

A denunciação da lide oferecida pelo réu deve ser feita no bojo da peça contestatória (art.126), devendo o denunciante providenciar a citação do denunciado no prazo de trinta dias, sob pena de indeferimento da denunciação (art. 131 c/c art.126, in fine).

Efetivada a citação do denunciado, este poderia assumir um dos seguintes comportamentos:

a) contestar o pedido autoral, hipótese em que se forma um litisconsórcio passivo entre denunciante e denunciado (art.128, I)

b) permanecer inerte, sendo decretada sua revelia. In casu, faculta-se ao denunciante (réu na ação principal) desistir de sua defesa e prosseguir apenas na ação de denunciação, onde sua vitória tornou-se bastante provável em razão da presunção de veracidade decorrente da revelia (art. 128, II);

c) confessar os fatos na ação principal, verificando-se a mesma consequência ocorrida no inciso II.

No CPC/1973 discutia-se sobre a possibilidade de a sentença condenar diretamente o denunciado na ação principal. E, Flexa indica como exemplo a demanda ajuizada pelo condômino do apartamento 401 em face do possuidor do apartamento do 501, em

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razão de vazamento que estava acarretando infiltrações na unidade do autor.

O possuidor do imóvel 501, um locatário, por exemplo, poderia denunciar a lide ao locador-proprietário, formando-se o litisconsórcio passivo entre denunciante e denunciado. Indagava-se se seria possível a sentença condenar diretamente o denunciado a ressarcir o autor da ação principal. A doutrina oscilava entre as duas possibilidades.

O CPC/2015 encerra essa discussão ao prever, no art. 128, parágrafo único, a possibilidade de o denunciado ser condenado diretamente a ressarcir o adversário do denunciante, desde que nos limites da garantia a que se obrigou o denunciado. Tal inovação merece elogios, pois proporcionará maior efetividade e celeridade ao provimento final.

O ônus da sucumbência faz-se mister ressaltar que existem duas ações no mesmo processo, quais sejam, a ação principal e a ação de regresso. Quando o denunciante sucumbe na ação principal e consagra-se vitorioso na denunciação, não há dúvidas que arcará com as custas pagas pela parte contrária e honorários advocatícios desta, enquanto o denunciado pagará ao denunciante as despesas com a denunciação além do que houver pago ao seu adversário na ação principal (incluindo os ônus sucumbenciais).

Assim, na mesma forma, quando o denunciante sucumbir em ambas as ações (a principal e de regresso) arcará com o pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, tanto do seu adversário na ação principal quanto do denunciado.

A maior divergência situa-se quando o denunciante sai vencedor na ação principal e, ipso facto, perdedor na denunciação. Neste caso, entende-se que o denunciante é ressarcido pelo sucumbente das suas custas processuais e honorários advocatícios

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e, arcará com as custas desembolsadas pelo denunciado (art. 129, parágrafo único).

O chamamento ao processo é espécie de intervenção de terceiros que tem por fim trazer à demanda, no polo passivo, o devedor principal (quando o responsável for acionado) ou os demais devedores corresponsáveis quando apenas um ou alguns demandados, aumentando a defesa do réu, que tratará à demanda como seus litisconsortes, outras pessoas para cumprirem consigo a eventual obrigação imposta pela sentença.

Caberá o chamamento ao processo sempre que houver solidariedade entre o réu (chamante) e o terceiro (chamado), devendo ser requerido no prazo da resposta.

Consagra-se aqui o famoso ditado popular que alude “dar com uma mão e tirar com a outra”, eis que o direito material autoriza o credor a demandar qualquer dos devedores solidários como melhor lhe aprouver, enquanto o direito processual permite ao devedor solidário demandado a trazer à relação processual os demais devedores que o credor não quis acionar.

Diferem-se chamamento ao processo e denunciação da lide na medida em que, nesta, o terceiro é trazido ao processo para ressarcir o prejuízo sofrido pela parte, enquanto naquela o terceiro suporta juntamente com a parte eventual condenação no processo.

As hipóteses de cabimento de chamamento ao processo estão previstas no art. 130, do CPC/2015, ressaltando que as três hipóteses ora elencada que partem do mesmo pressuposto da existência de solidariedade obrigacional entre chamante e chamado.

A primeira hipótese é prevista, por exemplo, em uma ação de cobrança ajuizada pelo credor em face do fiador, este poderá

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chamar ao processo o devedor principal. O chamado virá ao processo para tornar-se parte da demanda juntamente com o chamante, formando-se um litisconsórcio passivo.

A segunda hipótese de cabimento permite ao fiador de uma obrigação que for réu em uma ação, chamar ao processo os demais fiadores. Como há solidariedade ente fiadores, respeitou-se a premissa que vale para todas as hipóteses de chamamento ao processo. Também, nessa hipótese o chamado tornar-se-á litisconsorte do chamante no polo passivo da demanda.

Por fim, a terceira e última hipótese de cabimento, disposta no art. 77, III do CPC que autoriza o chamamento ao processo feito pelo devedor solidário que foi demandado aos demais devedores solidários.

Quanto a obrigação alimentar e as modalidades de intervenção de terceiro, podemos observar o posicionamento do processualista Cássio Scarpinella Bueno entende que a nova regra pode ser enquadrada como um típico caso de chamamento ao processo, na modalidade descrita no art. 77, inciso III, do Código de Processo Civil/1973, embora o autor reconheça que não existe solidariedade entre os devedores dos alimentos.

Sustenta sua posição na sistemática dos alimentos no plano do direito material, bem como no fato do chamamento ao processo ser destinado a dar maiores chances de que seja cumprido o encargo integralmente, sempre em benefício do autor da ação.

Já Fredie Didier Jr., comentando a nova regra do Código Civil[26], afirma que ela não prevê denunciação da lide nem chamamento ao processo, pelo simples motivo de que não existe direito de regresso nem solidariedade na obrigação alimentar entre parentes. Esse autor diz que é total a inovação introduzida pela

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nova regra e ela não encontra subsunção em nenhuma das outras espécies de intervenção de terceiros previstas na Lei Processual.

O art. 130 do CPC/2015 prevê o chamamento que é modalidade de intervenção de terceiro que é exclusivamente provocada pelo réu, de deverá efetuá-la na contestação. Sendo fixado o prazo de trinta dias úteis para o demandado forneça ao juízo todos os dados e elementos necessários para que a citação do chamado seja realizada, de modo evitar a indevida e injustificada paralisação do processo. E, ainda prevê prazo maior, de dois meses quando o chamado residir em comarca, seção ou subseção distinta daquela em que o processo tramita.

Uma vez efetivada a citação do chamado, este poderá ficar inerte, sendo decretada sua revelia, ou ainda, contestar o pedido do autor. Havendo revelia e não sendo presumidos os fatos alegados pelo autor na petição inicial, caso o chamante tenha contestado, dada a unitariedade do litisconsórcio instaurado.

Exarada a sentença, equivale a um título executivo judicial tanto para o autor, quanto para o devedor que pagou a dívida por inteiro e sub-rogou-se no crédito referente à quota-parte dos demais devedores (art. 132).

O chamamento ao processo no CDC é previsto no art. 101, II que disciplina outra forma de intervenção de terceiro, ao prever in litteris: “o réu que houver contratado seguro de responsabilidade poderá chamar ao processo o segurador, vedada a integração do contraditório pelo Instituto de Resseguros do Brasil. Nesta hipótese, a sentença que julgar procedente o pedido condenará o réu nos termos do art. 80 do CPC. Se o réu houver sido declarado falido, o síndico será intimado a informar a existência de seguro de responsabilidade, facultando-se, em caso afirmativo, o ajuizamento de ação de indenização diretamente contra o segurador, vedada a

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denunciação da lide ao Instituto de Resseguros do Brasil e dispensado o litisconsórcio obrigatório com este”.

Desta forma, o fornecedor demandado poderá incluir no processo o seu segurador, encerra, não obstante a denominação de “chamamento ao processo”, típica hipótese de denunciação da lide.

Visou o legislador ao utilizar do chamamento para ampliar a garantia do consumidor ao abranger a possibilidade de se incluir no polo passivo da demanda o segurador do fornecedor de produtos ou serviços, que responderá pela cobertura securitária independentemente de ação regressiva.

Porém, a utilização da denunciação da lide, pode viabilizar a inclusão do demandado no polo passivo da relação processual, também se presta a essa finalidade. Mas, não importa o nomen iuris do instituto e, sim, o reforço de garantia fornecido ao consumidor.

Há de se lembrar de que não é admitido o chamamento no processo de execução[27], posto que procedimento não admita a prolação de sentença conforme alude o art. 78 do CPC/1973. Também não se aplica aos coobrigados cambiários.

O instituto da desconsideração da personalidade jurídica

Cumpre primeiramente esclarecer que a personalidade jurídica é a aptidão genérica para possuir direitos e deveres do plano jurídico. E esta aptidão, refere-se à capacidade de fruir ou gozar direitos e suportar deveres, não implicando, necessariamente, capacidade de fato, ou seja, de exercício de direitos.

O início da personalidade das pessoas jurídicas, de outro passo, se dá pela previsão na lei ou pelo registro correspondente.

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Segundo Flávio Tartuce os direitos da personalidade se expressam por cinco grupos, a saber: intimidade e vida privada; nome, imagem, retrato e atributo; vida e integridade.

A tutela da personalidade jurídica se condensa basicamente nos direitos da personalidade, orientações normativas destinadas à proteção da pessoa humana.

Todos os direitos de personalidade que tem por principal fundamento o princípio da dignidade da pessoa humana são direitos fundamentais. Aliás, conforme o Enunciado 274 do CJF, os conflitos entre direitos da personalidade se aplicam também às pessoas jurídicas, sobretudo pela previsão do art. 52 do Código Civil.

E o enunciado 227 da Súmula do STJ dá ensejo à reparação de danos morais ocasionados à pessoa jurídica.

Para fins didáticos é possível apontar distintas espécies de direitos de personalidade, conforme o bem especificamente tutelado. Entre tantos direitos, temos: o direito à saúde, direito à imagem, seja como imagem-retrato (representação física do corpo de uma pessoa ou partes do corpo), imagem-atributo (representação da pessoa perante a coletividade); direito autoral, direito à privacidade e intimidade e ao segredo.

E neste plano se inserem as imposições ao sigilo profissional e ao sigilo industrial.

As pessoas jurídicas são categorias jurídicas dotadas de personalidade autônoma a partir da reunião de pessoas e bens. Também são chamadas de pessoas coletivas ou morais, as pessoas jurídicas sempre serão representadas ou como quer Pontes Miranda, presentadas, havendo, pois a plena capacidade das pessoas jurídicas.

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Sobre a discussão a respeito da existência da personalidade jurídica a doutrina se divide em dois grupos. Os defensores das teorias negativistas que negam a existência da personalidade jurídica das pessoas jurídicas e os defensores das teorias afirmativistas que insistem na existência da personalidade jurídica das pessoas jurídicas.

Dentre os afirmativistas se destacam as teorias da ficção legal, da realidade orgânica e da realidade técnica.

Consoante com a teoria da ficção legal que encontra em Savigny seu maior defensor, a personalidade das pessoas jurídicas resulta exclusivamente da lei. Por outro lado, a teoria da realidade orgânica ou objetiva que foi desenvolvida por Gierke e Zitelman, as pessoas jurídicas são organismos sociais vivos, dotados de existência material que, por sua vez lhe confere personalidade jurídica.

Por derradeiro, a teoria da realidade técnica ou jurídica criada por Maurice Hauriou que além de reconhecer a personalidade jurídica das pessoas jurídicas decorre da sua existência material também reconhece que a lei é o instrumento de atribuição dessa personalidade.

A teoria adotada pelo Código Civil brasileiro vigente é a teoria da realidade técnica que é produto das duas teorias anteriores e, tem causa não somente pela previsão em lei, mas sobretudo por sua expressão social.

Destaque-se que o art. 45 do C.C. estipula que a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado se inicia a partir da inscrição de seu ato constitutivo no registro respectivo, precedida, quando for o caso, de autorização de um dos poderes do Estado.

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Afora isso, para garantir a estabilidade da personalidade e a segurança jurídica prevê-se que em três anos decairá o direito de anular a constituição das pessoas jurídicas de direito privado, por defeito do ato respectivo, contado o prazo da publicação de sua inscrição no registro.

Curial lembrar que de acordo com a classificação adotada pelo Código Civil brasileiro as pessoas jurídicas são de direito público, interno ou externo, e de direito privado.

E, nos termos do art. 44 do C.C. são pessoas jurídicas de direito privado, as associações, as sociedades, as fundações, as organizações religiosas, os partidos políticos, as empresas individuais de responsabilidade limitada.

É relevante ponderar que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica seja utilizável para a desconsiderar, teoricamente, a personalidade jurídica de quaisquer pessoas jurídicas de direito privado, na maioria dos casos as discussões sobre a desconsideração recarão sobre as sociedades empresárias e sobre as empresas individuais de responsabilidade limitada – EIRELI[28].

Convém lembrar os tipos de sociedades existentes no ordenamento jurídico brasileiro, bem como das espécies de responsabilidade dos seus sócios. Pois além das sociedades em comum e em conta de participação, não personificadas (artigos 986 a 996 do Código Civil), o Código Civil disciplina as sociedades simples, não empresárias (arts. 997 e seguintes do C.C.) e as sociedades empresárias. Dentre as sociedades empresárias merecem destaque as seguintes: sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita simples[29], sociedade em comandita por ações, sociedade limitada e sociedade anônima.

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A EIRELI é disciplinada pelo artigo 980-A do Código Civil apesar de ser denominada de empresa, trata-se de empresa individual de responsabilidade limitada. É pessoa jurídica composta por um único sujeito. Se recorrermos à analogia pode-se afirmar que se aproxima da sociedade limitada com um único sócio. Em resumo, é sociedade limitada unipessoal, com algumas peculiaridades.

O sujeito que compõe a EIRELI é o titular de todo o capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a cem vezes o maior salário-mínimo vigente no país.

Apesar da EIRELI[30] não ser considerada propriamente como uma sociedade empresária, considerando a sua personalidade e autonomia em relação ao seu titular, nada impede que ela também seja submetida ao incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

Há de se destacar que há três características fundamentais das sociedades sejam empresárias e simples, a saber, a sua autonomia negocial, capacidade processual e autonomia patrimonial.

Por ter autonomia negocial, as sociedades empresárias realizam negócios jurídicos em nome próprio e no seu próprio interesse. Logo, responde, em nome próprio perante terceiros. Em todo caso, o sócio ou administrador sempre agirá em nome e no interesse da sociedade empresária.

Por assumir obrigações em nome próprio as sociedades também possuem capacidade para figurar nos polo ativo e passivo das relações processuais. Sua capacidade processual decorre logicamente de sua capacidade civil, vale dizer, de sua capacidade de contrair direitos, deveres e ter poder de exercê-los em nome próprio.

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Destaque-se que a sociedade empresária tem o seu próprio patrimônio, autônomo e distinto do patrimônio dos seus sócios. Nesse caso, é o patrimônio autônomo da sociedade que, e regra, responderá pelas obrigações assumidas com terceiros.

Ordinariamente, mesmo que se trate de modelo societário cujos sócios tenham responsabilidade ilimitada, a sociedade deverá ser responsabilizada primeiramente. Somente após o esgotamento do patrimônio da sociedade, em regra, poderá haver, subsidiariamente, a responsabilidade patrimonial do sócio. Dizemos, em regra, pois excepcionalmente o patrimônio do sócio poderá ser atingido antes do patrimônio da sociedade, como se passa nos casos de desconsideração.

São exatamente as autonomias negocial e patrimonial que tanto justificam a desconsideração da personalidade jurídica. Naturalmente só será adequado pretender a desconsideração quando houver uma personalidade jurídica autônoma considerada como tal no ordenamento jurídico.

Mas as sociedades empresárias se manifestam através de seus sócios e administradores[31]. Sem as pessoas naturais as sociedades não poderiam atuar no plano da realidade.

Prevê a legislação cível brasileira que a pessoa jurídica ficará obrigada pelos atos dos administradores exercidos nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo. E, no silêncio do estatuto ou contato social os administradores das sociedades poderão praticar todos os atos relacionados à sua gestão, com exceção da alienação de imóveis.

Neste caso, não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir. Como expressão, ainda que parcial, da teoria ultra vires[32], o parágrafo único do art. 1.015 do C.C. estipula que o excesso pelo

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menos uma das seguintes hipóteses: se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade; provando-se que era conhecida do terceiro; tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade.

Portanto, exceto nestes três casos a sociedade deverá responder perante terceiros em virtude dos atos praticados por seus administradores.

Ordinariamente, o alcance ao patrimônio dos sócios pela desconsideração da personalidade jurídica só ocorrerá quando houver condutas abusivas ou expressa previsão legal destinada à tutela de bens juridicamente relevantes.

O NCPC faz remissão genérica após os pressupostos previstos no ordenamento jurídico brasileiro para a desconsideração da personalidade jurídica. Assim o pedido terá que ser fundamentado nos pressupostos indicados em normas de direito material[33]. Também há previsão da desconsideração inversa da personalidade jurídica que também poderá ser manejada pelo incidente.

Inova o NCPC ao prever que é possível haver o incidente em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução de título executivo extrajudicial.

O requerimento deverá demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais para a desconsideração e sua instauração suspenderá o processo.

Com a firme preocupação com o contraditório, o legislador previu que, instaurado o referido incidente, o sócio ou a pessoa jurídica seja, citada para se manifestar e requerer as provas cabíveis em até quinze dias úteis (art. 135 do CPC/2015).

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Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória; se a decisão for proferida pelo relator, caberá agravo interno (art. 136 do CPC/2015).

E, acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou oneração de bens havida em fraude de execução[34], será ineficaz em relação ao requerente (art.137 do CPC/2015). O referido dispositivo positiva entendimento jurisprudencial dominante no sentido de que se acolhido o pedido da desconsideração, a eventual alienação anterior de bens será considerada como fraudulenta e, portanto será considerada ineficaz perante o requerente.

A desconsideração da personalidade jurídica pode ser operada segundo parâmetros objetivos ou subjetivos. Em algumas hipóteses a constatação de prática de conduta ilícita do sócio indispensável para que se possa desconsiderar a personalidade jurídica. Nestes casos, cogita-se na Teoria Maior da Desconsideração[35] referenciada no elemento subjetivo.

Em outras hipóteses a aferição da prática de ato ilícito é irrelevante para haver a desconsideração. Nestes casos, a despeito da ilicitude das condutas dos sócios, pela assunção da Teoria Menor[36], pode haver a desconsideração da personalidade jurídica sempre que for necessária à tutela de bens juridicamente mais relevantes.

Em síntese, de maneira geral, pode-se afirmar que enquanto os artigos 50 do C.C. e o art. 34 da Lei 12.529/11 adotam a Teoria Maior, os artigos 29 do CDC, 10 e 448 da CLT e ainda o art. 4º da Lei 9.605/08 adotam a teoria menor.

Parte da doutrina defende que o Código Civil brasileiro adotou a teoria maior objetiva, a jurisprudência caminha em sentido de que a desconsideração da personalidade jurídica pode se fundamentar tanto na teoria maior objetiva quanto na teoria maior subjetiva.

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E, os expedientes fraudulentos em desfavor de terceiros praticados pelos sócios seriam causas legítimas para a desconsideração da personalidade jurídica. O redirecionamento de execução fiscal aos sócios da sociedade, nos termos do artigo 135 do CTN é um ilustrativo caso da aplicação da teoria maior subjetiva.

No NCPC passa a regrar o amicus curiae[37]. A proposta é que este terceiro vem a defender uma posição institucional e que não necessariamente coincida com a das partes, intervenha para apresentar dados proveitosos à apreciação da demanda.

O magistrado, considerando a relevância da matéria e da temática, objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de quinze dias da intimação (art. 138).

É verdade que o amicus curiae não era previsto no CPC/1973, mas já era previsto em leis específicas e utilizado no controle concentrado de constitucionalidade no STF e no julgamento de recursos repetitivos (hipótese expressamente mencionada no art. 138, §3º). Já o debate se deve ser admitido amicus curiae em causas individuais em primeiro grau. O CPC/2015 não veda expressamente a hipótese.

A existência da intervenção de terceiros vem a confirmar que todo processo possui uma dimensão de interesse público, não cabendo mais a vetusta noção de que seja mera coisa das partes ou dos litigantes.

Dada a constatação de que a complexidade social torna as relações jurídicas entre os sujeitos muitas vezes inter-relacionadas, sob diversas formas e graus, depreende-se que também sob muitas

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formas os efeitos produzidos pela sentença atingem aqueles que não foram partes em determinado processo.

Em todos os casos, as chamadas intervenções de terceiros ampliam os efeitos da sentença a ser proferida no processo, que atingirão também os sujeitos intervenientes.

Seja alargando o objeto do processo (pedido, pretensão nele deduzida), seja deixando-o intacto, a intervenção tem o efeito de fazer com que as novas partes fiquem diretamente sujeitas aos resultados do processo e, mais que isso, vinculadas à autoridade da coisa julgada nele produzida.

Afinal, é precisamente essa a utilidade das intervenções, quer coercitivas, quer voluntárias. Tendo o interveniente, na condição de parte, contribuído ativamente para a formação do provimento final, nenhuma razão constitucional há para negar-lhe a imposição da coisa julgada material.

Referências:

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FLEXA, Alexandre; MACEDO, Daniel; Fabrício Bastos. Novo Código de Processo Civil. O que é inédito. O que mudou. O que foi suprimido. Salvador:JusPodivm, 2015.

HARTMANN, Rodolfo Kronemberg. Novo Código de Processo Civil. Comparado e Anotado. Niterói: Editora Impetus, 2015.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 12ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2008.

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MELO, Nehemias Domingos de. (Coordenador) Novo CPC Anotado Comentado e Comparado. São Paulo: Editora Rumo Legal, 2015.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Ações Constitucionais. 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013.

SANTANNA, Alexandre Ávalo; NETO, José de Andrade (coordenadores). Novo CPC Análise Doutrinária sobre o novo direito processual brasileiro. In: FLEXA, Alexandre. M. Intervenção no NCPC 380-391p. Volume 1. 1ª ed., Campo Grande: Editora Contemplar, 2016.

SILVA, Ovídio A. Baptista. Curso de Processo Civil. Volume 1. Tomo I. 8ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

TESHEINER, José Maria Rosa. Partes no Processo Civil - Conceito e preconceito. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 10, nº 1069, 23 de dezembro de 2010. Disponível em:http://www.tex.pro.br/home/artigos/118-artigos-dez-2003/4587-partes-no-processo-civil-conceito-e-preconceito Acesso em 03.03.2016.

ZAVASCKI, Teori Albino. Comentários ao Código de Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2003.

NOTAS:

[1] O conceito clássico de partes, sem levar em conta a extensão subjetiva da sentença e da coisa julgada, é preciso e exato, mas de pouca utilidade, porque outros sujeitos podem ter iguais poderes e sofrer iguais efeitos. Em resumo, afirmar que alguém é ou não é parte pouco significa, para determinar seus poderes no processo e os efeitos que possa sofrer. A precisão e a dimensão desse conceito não têm impedido controvérsias a respeito da condição de parte do assistente, havendo afirmações no

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sentido de que não é parte em hipótese alguma; que é parte em qualquer caso; que é parte, se litisconsorcial a assistência.

[2] O conceito de terceiro é encontrado por negação, sendo o que não for parte do processo, seja porque nunca esteve nesta, seja porque foi parte, mas também o que deixou de sê-lo por qualquer motivo. Afirma Barbosa Moreira que é terceiro quem não seja parte, quer nunca o tenha sido, quer tenha deixado de sê-lo em momento posterior àquele que se profira a decisão judicial. Trata-se de conceito simples, mas decorrente da simples inatividade em relação ao processo.

[3] Além das duas novas inserções foram mantidas a assistência, a denunciação da lide e o chamamento ao processo.

[4] No caso da assistência, mais especificamente, a vinculação do interveniente ao resultado do processo se dá sob a forma do "efeito" ou da "eficácia da intervenção" (Interventionswirkung).

Da proibição, imposta pela lei, de que o assistente discuta a "justiça da decisão" proferida no processo em que interveio (CPC/1973, art. 55), extrai-se ficarem indiscutíveis e imutáveis, perante ele, não apenas o dispositivo, mas também os fundamentos jurídicos da sentença.

Se, por esse lado, a "eficácia da intervenção" assistencial é mais severa que a autoridade da coisa julgada, por outro é mais branda, haja vista que o assistente se subtrai dessa vinculação se demonstrar que não teve plenas condições de fazer valer suas razões no processo em função da conduta do assistido ou do estado em que recebera a causa.

[5] O conceito de interesse jurídico é o ponto mais tormentoso e controvertido no estudo da assistência, limitando-se o Código de Processo Civil de 1973, em seu artigo 50, a dispor que poderá intervir como assistente o terceiro que tiver interesse jurídico em que a sentença seja favorável a uma delas.

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Iniciaremos este esboço doutrinário pelos conceitos que se nos afiguram mais completos, que são os fornecidos por Thereza Alvim e Arruda Alvim.

Segundo Thereza Alvim, o interesse será jurídico “se a esfera jurídica do terceiro puder ser atingida de fato, isto é, pelos fundamentos de fato e de direito da sentença ou pela própria decisão, de forma indireta, tenha ele entrado ou não no processo”. Em trabalho mais recente, Thereza Alvim afirma que “só será jurídico o interesse do terceiro, se a decisão judicial da lide, ou seja, do pedido que não foi, nem por ele, nem contra ele, feito, puder vir a afetar relação jurídica sua com o assistido, puder ser atingido por atos executórios afetando sua esfera jurídica, ou, ainda, puder ser alcançada sua esfera jurídica, atual ou potencialmente”, acrescentando que o terceiro será atingido apenas pela eficácia natural da sentença.

Arruda Alvim afirma que a esfera jurídica do assistente simples poderá ser afetada de duas formas: 1) se a própria decisão do processo alcançar relação jurídica sua com quem deseja assistir, como uma prejudicial; 2) se a justiça da decisão operar efeitos de fato na esfera jurídica do assistente simples. Esclarece esse autor que, para o interesse do terceiro ser considerado jurídico, “deve, do processo entre outras pessoas, pode resultar influência benéfica ou contrária, prejudicial ou indireta, no conflito de interesses, atual ou potencial, que tem ele com a parte a quem deseja assistir”.

Em outra obra, Arruda Alvim destaca que o interesse jurídico como justificador do ingresso do assistente simples deve ser aferido em função de a sentença poder afetar ou não esse terceiro.

Em interessante parecer, Arruda Alvim sustenta que o “mero reflexo prático na posição do assistente é o bastante para justificar o seu ingresso; a isto se reduz o interesse jurídico do assistente”, esclarecendo mais adiante que “recebe, pela lei processual vigente, a qualificação de jurídico o interesse do terceiro se vislumbrado estiver, atual ou potencial, atingimento de fato na sua esfera jurídica” e concluindo que “a tradição do nosso Direito é a mais liberal possível, tangentemente à configuração do interesse do assistente”.

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Citando Rosenberg, bem demonstra que o conceito de interesse jurídico não pode ser delimitado de maneira formal, estando presente essa classe de interesse, segundo o processualista alemão, “sempre que o interveniente aderente esteja em relação jurídica tal com as partes ou o objeto do processo principal, que uma sentença desfavorável influiria de algum modo, juridicamente e em seu detrimento, em sua situação de Direito Privado ou Público”

[6] Incidente do processo é ato ou série de atos realizados no curso do processo. É um procedimento menor, inserido no procedimento desse processo, embora sem surgir nova relação jurídica processual. Temos como exemplo: as exceções instrumentais de suspeição, impedimento, incompetência relativa, o incidente de uniformização de jurisprudência, incidente de declaração de inconstitucionalidade.

Conclui-se que toda intervenção de terceiro é um incidente de processo, mas, jamais, um processo incidente, posto que terceiro ingresso em processo alheio, impondo-lhe alguma modificação.

[7] É o artigo inicial sobre a intervenção de terceiros. A assistência simples e a litisconsorcial ficavam situadas em local imediatamente anterior a este título. Com o CPC de 2015, a assistência tanto a simples como a litisconsorcial passou a ser expressamente considerada como modalidade de intervenção de terceiro, bem ao lado da denunciação da lide, do chamamento ao processo, da desconsideração da personalidade jurídica e do amicus curiae. A oposição, por sua vez, fora realocada e atualmente passou a ser tratada como um dos procedimentos especiais de jurisdição contenciosa (art. 682 ao art.686). A nomeação à autoria que tenciona a correção de ilegitimidade passiva, desaparece com este nomen iuris, embora possa ser realizada diretamente no bojo da peça contestatória. O parágrafo único do art. 119 do novo CPC vez que nem sempre o procedimento especial autoriza o ingresso do assistente, basta ver o art. 10 da Lei 9.099/95.

[8] Em primeira análise cabe informar que a origem deste importante instituto: a teoria da desconsideração da personalidade

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jurídica, foi desenvolvida pelos tribunais norte-americanos e anglo-saxões, sendo, posteriormente, importada para o ordenamento jurídico brasileiro.

O instituto nasceu em virtude de casos concretos, em que o sócio de determinada empresa, utiliza-se da “blindagem patrimonial” para lesar credores, desviando o sentido da norma para interesses escusos e odiosos. Entre esses casos, dois merecem destaque: 1) State vs. Standard Oil Co., julgado em 1982 pela Suprema Corte do Estado de Ohio, nos EUA, 2) Salomon vs. Salomon & Co., julgado pela Câmara de Londres, em 1897, na Inglaterra.

Visando controlar esse desvio de finalidade e proteger os institutos da boa-fé objetiva e da finalidade social das empresas, entenderam os tribunais que a autonomia patrimonial não poderia albergar fraudes. Assim, quando houvesse desvio de patrimônio da sociedade para o patrimônio pessoal, com o objetivo de fraudar credores, não haveria fundamento para proteger o patrimônio pessoal dos sócios.

[9] Na lição de Fredie Didier Jr., processo incidente é uma relação jurídica nova, assentada sobre um procedimento novo. Considera-se incidente esse processo porque instaurado sempre de modo relacionado com algum processo pendente e porque visa a um provimento jurisdicional que de algum modo influirá sobre este ou seu objeto. São exemplos comuns: os embargos do executado, os embargos de terceiro, a cautelar incidental, a reclamação constitucional e a oposição autônoma.

[10] Há ainda a assistência anômala prevista na Lei 9.469/97, art. 5º: A União poderá intervir nas causas em que figurarem, como autoras ou rés, autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas federais. Parágrafo único. As pessoas jurídicas de direito público poderão, nas causas cuja decisão possa ter reflexos, ainda que indiretos, de natureza econômica, intervir, independentemente da demonstração de interesse jurídico, para esclarecer questões de fato e de direito, podendo juntar documentos e memoriais reputados úteis ao exame

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da matéria e, se for o caso, recorrer, hipótese em que, para fins de deslocamento de competência, serão consideradas partes.

[11] Luiz Guilherme Marinoni também afirma que a existência de relação jurídica entre o terceiro e a parte não integra o conceito de interesse jurídico e, para confirmar seu raciocínio, invoca o clássico exemplo do tabelião que ingressa em processo em que se discute a existência de vício em escritura pública, em que se admite a assistência sem que haja relação jurídica.

[12] Em sua recente dissertação, João Luís Macedo dos Santos considera um importante parâmetro para a verificação da existência do interesse jurídico o entendimento retirado de julgamento do Supremo Tribunal Federal, segundo o qual deve partir-se da hipótese de vitória da parte contrária para indagar se dela adviria prejuízo juridicamente relevante.

Esse breve e exemplificativo panorama doutrinário é suficiente para demonstrarmos a fluidez conceitual de interesse jurídico. De todo modo, as posições doutrinárias fornecem relevantes subsídios para a identificação concreta do interesse jurídico.

[13] Quando o interesse do assistente for indireto, ou seja, não vinculado diretamente ao litígio, diz-se que a assistência é simples. A sublocação do exemplo não figura como objeto da lide. E, a admissibilidade de tal assistência decorre apenas do interesse jurídico indireto. E o assistente atuará como legitimado extraordinário subordinado, portanto, em nome próprio, auxiliará na defesa de direito alheio. A legitimação é subordinada, pois é imprescindível a presença do titular da relação jurídica controvertida. Trata-se o assistente simples de mero coadjuvante do assistente, tendo atuação complementar, não podendo ir de encontro à opção processual deste.

[14] Na assistência litisconsorcial por possuir interesse direto na demanda, o assistente é considerado litigante diverso do assistido, razão pela qual não fique sujeito á atuação deste. Poderá, portanto, praticar atos processuais sem subordinar-se aos atos praticados pelo assistido e gozará de poderes, como requerer o julgamento antecipado da lide, recorrer, impugnar ou executar sentença.

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[15] Há uma sutil modificação no CPC/2015: no rol das condutas dispositivas do assistido que vinculam o assistente simples se acrescenta a renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação (art. 122, NCPC). O CPC/1973, inexplicavelmente, não a mencionava no art. 53, certamente misturando desistência da ação, expressamente referida, com renúncia do direito sobre o que se funda a ação, conduta ignorada, nada obstante ainda mais gravosa ao assistido. Esse erro se repetia no inciso VIII do art. 485, hipótese de ação rescisória, que também não mencionava a renúncia, embora cuidasse da desistência. O curioso é que, tanto para o CPC/1973 como para o NCPC, são atos dispositivos bem diferentes, inconfundíveis: o primeiro leva a uma decisão sem resolução de mérito (art. 267, VIII, CPC/1973; art. 495, VIII, NCPC) e a segunda, a uma decisão com resolução de mérito (art. 267, II, CPC/1973). O NCPC corrige a omissão.

[16] Chama-se substituto processual aquela pessoa física ou jurídica a quem a lei, em excepcionais e expressas situações, confere legitimidade - chamada, portanto extraordinária, em contraposição à ordinária do art. 6º - para atuar em juízo em nome próprio -, mas no interesse de outro sujeito. O legitimado extraordinário figura, assim como parte no processo, apesar de não ser parte na relação jurídica material controvertida. Os efeitos da sentença projetam-se naturalmente sobre o substituído, titular que é dos interesses em jogo.

[17] O referido dispositivo trata do mero ajuste redacional, disciplinando o fenômeno chamado de exceptio male gesti processus que traduz a rara hipótese que autorizam o assistente simples a discutir, em futuro processo a ser discutido, os fundamentos da decisão em que tenha participado como terceiro.

[18] "Ao intervir, o terceiro adquire a qualidade de parte. Qualquer que seja a modalidade de assistência, ele terá faculdades, ônus, poderes e deveres inerentes à relação processual". (Cândido Rangel Dinamarco). A afirmação é discutível. O mesmo doutrinador paulista assevera: "Mesmo quando adjetivado de litisconsorcial, o assistente não é autor de demanda alguma nem em face dele foi proposta qualquer demanda; a procedência da inicial não lhe trará bem algum, nem retirará coisa alguma de seu patrimônio. Ele é

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sempre um auxiliar da parte principal”. Se é importante distinguir parte e auxiliar da parte, não se justifica a afirmação de que o assistente se torna parte.

Se parte é quem pede ou aquele contra quem é formulado o pedido, o assistente, mesmo litisconsorcial, parte não é.

Se definimos "parte" como aquele que é sujeito de direitos, poderes, ônus e deveres processuais, mesmo o assistente simples é parte. Mas, nesse caso, não se terá como distinguir a atuação do Ministério Público como fiscal da lei, de sua atuação como parte, porque em qualquer dos casos é sujeito de direitos e deveres processuais.

[19] Diz Athos Gusmão Carneiro: "O terceiro, ao intervir no processo na qualidade de assistente, não formula pedido algum em prol de direito seu. Torna-se sujeito do processo, mas não se torna parte (grifo meu). O assistente insere-se na relação processual com a finalidade ostensiva de coadjuvar a uma das partes, de ajudar ao assistido, pois o assistente tem interesse em que a sentença venha a ser favorável ao litigante a quem assiste".

[20] A originária denuntiatio litis do direito romano não passava de um expediente por meio do qual o denunciante dava notícia ao denunciado da pendência da lide, de que poderia nascer, com a sucumbência do garantido (denunciante), o dever para o denunciado de indenizar-lhe os prejuízos, de modo a colocá-lo, através dessa comunicação que se fazia ao terceiro, em condições de ingressar na demanda como assistente do denunciante e preservar, com tal expediente, seu direito de propor contra o denunciado uma futura ação de regresso. Esse tipo de denunciação da lide, que se resume na comunicação formal feita a um terceiro da existência da controvérsia, por uma das partes, dando-lhe ciência da demanda, de modo a assegurar o direito de regresso contra o denunciado, a ser exercido em demanda subsequente, portanto sem que a denunciação implique, desde logo, a propositura da causa de garantia entre o denunciante e o denunciado, é o modo seguido pelo moderno direito alemão.

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[21] Haverá limitação quanto ao número de denunciações da lide. É o que informa o art. 125, §2º do NCPC que permite a denunciação sucessiva. Então, são possíveis até quatro denunciações da lide no mesmo processo. Ou seja, uma regular e uma sucessiva por cada parte no processo.

[22] A revogação do art. 456 do C.C. por parte do art. 125, I do NCPC pelo qual só é possível a denunciação ao alienante imediato e a não reprodução da regra contida no art. 73 do CPC/1973 indicam que o princípio da relatividade dos efeitos se sobrepôs ao princípio da função social quanto à evicção. Porém, se analisarmos, mais detidamente, se a função social não é norma de ordem pública que não possa ser afastada pela vontade das partes? Responde José Fernando Simão, positivamente pois o princípio cede por força de lei para dar espaço ao tradicional res inter alios acta.

[23] Especificamente sobre o instituto da denunciação da lide, mister se faz destacar três importantes inovações do NCPC sobre o assunto, quais sejam: fim da obrigatoriedade da denunciação da lide, limitação da denunciação da lide sucessiva e proibição da denunciação da lide per saltum.

Por derradeiro, a denunciação da lide per saltum, ou seja, aquela feita não ao alienante imediato, mas a qualquer um dos alienantes anteriores, desaparece do sistema jurídico brasileiro, notadamente pela opção legislativa contida no artigo 1.072, inciso II, do NCPC, que revogou expressamente o artigo 456 do Código Civil Brasileiro vigente, suporte atual para o entendimento majoritário no sentido de que seria possível a referida forma de denunciação.

[24] Importante consignar que infelizmente alguns civilistas vinham conferindo ao art. 456 do C.C. uma equivocada interpretação. Principalmente por conta da afirmação que haveria o caso de aplicação da eficácia externa da função social do contrato. E, daí extraíam que haveria uma solidariedade entre todos os integrantes da cadeia dominial. Mas, tal entendimento é inaceitável, pois se houvesse a norma civil brasileira criado uma hipótese de solidariedade, não haveria sentido em se prever o cabimento da denunciação da lide e, sim, de chamamento ao processo. Portanto,

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tal interpretação se mostrava inconciliável com sistema processual vigente.

[25] Fredie Didier Júnior, com razão, assinala que toda a construção dogmática acerca dos institutos da intervenção de terceiros pauta-se por ideias criadas na época em que o processo tinha uma concepção puramente individualista, servindo como mecanismo de solução de conflitos individuais, destacando que o fenômeno interventivo diz respeito, sobretudo, ao problema da legitimidade, que sofre inúmeras derrogações com o aprimoramento da tutela coletiva.

[26] Inicialmente cumpre frisar que a obrigação dos avós é obrigação caracterizada pela excepcionalidade, somente sendo admitida diante de prova inequívoca da impossibilidade de os pais proverem os alimentos, sendo obrigação subsidiaria e complementar.

A natureza da obrigação alimentar de modo geral e também dos avós deriva do princípio da solidariedade. Nas palavras de Rizzardo (2007 p. 721), “funda-se o dever de prestar alimentos na solidariedade humana e econômica que deve imperar entre os membros da família ou os parentes. Há um dever legal de mútuo auxilio familiar, transformado em norma ou mandamento jurídico. ”

As discussões tornaram-se maiores e mais ousadas após a vigência do Código Civil de 2002, que com a nova redação dos artigos 1.694 e 1.695, pode levar o intérprete do Direito equivocadamente, concluir que o legislador objetivou que os avós, paguem alimentos a seus netos de forma imperativa e indiscriminada.

Art.1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.

Art. 1.695. São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, a

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própria mantença, e aquele que, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento.

[27] Com razão adverte Zavascki que a doutrina predominante, na esteira do pensamento de Liebman, considera o responsável secundário como terceiro, e não como parte, na relação processual. Já em sentido contrário, na doutrina brasileira, conforme Araken de Assis percebe que tal orientação tem fim prático importante que seja o de definir como sendo os embargos de terceiro e não os embargos do devedor, o instrumento de defesa cabível do responsável secundário, mas deve ser tomada com reservas. A rigor o art. 592 CPC/1973 evidencia que, a rigor, apenas existem duas hipóteses, do sócio e do cônjuge, que são típicas de responsabilidade executória secundária.

Porém, é diferente a situação do sócio e a do cônjuge cuja responsabilidade patrimonial tem, no fundo, natureza fiduciária, em face da posição de proveito que, real ou presumidamente, obtiveram em decorrência do débito assumido pela sociedade ou pelo outro cônjuge. (In: ZAVASCKI, Teori Albino. Comentários ao Código de Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2003).

[28] A Lei nº 12.441/2011 que instituiu a figura da Empresa Individual De Responsabilidade Limitada se baseou em modelos criados por países europeus, principalmente França, Alemanha e Portugal, para admitir no ordenamento nacional uma sociedade empresária unipessoal com responsabilidade limitada.

A legislação alemã, em 1980, e a Francesa, em 1985, passaram a admitir a constituição de sociedades limitadas unipessoais e pluripessoais.

[29] Na sociedade em comandita simples há dois tipos de sócios: os sócios os comanditados, e comanditários. Os primeiros são, necessariamente, pessoas físicas que respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, colaborando com capital; já os segundos, são obrigados apenas pelo valor de suas quotas. O contrato social deve prever especificamente quais são os sócios comanditados e comanditários. Nesse tipo societário o nome

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empresarial, conforme já dito, só pode firma ou razão individual/social.

[30] Analisando a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, e fazendo-se uma análise puramente positivista, chegaremos à conclusão de que, em havendo confusão patrimonial, poderá haver desconsideração da personalidade jurídica. Ocorre que, devido à natureza da atividade dos empreendedores que almejam este tipo de constituição societária, sendo em sua maioria empreendedores individuais, micro e pequeno produtores, artesãos, prestadores de serviço, empresários individuais, há uma confusão patrimonial natural, já que a atividade deste tipo de empreendedor é, em sua natureza, de subsistência, não de investimento, como nas demais sociedades empresárias. Senão vejam-se os dados sobre localização do empreendimento e outras fontes de renda dos empreendedores extraídos da pesquisa Perfil do microempreendedor brasileiro, realizada em 2012 pelo SEBRAE, que poderá esclarecer o quanto são confusas as interações dos patrimônios dos empreendedores e dos empreendimentos.

[31] Há os seguintes pontos básicos: poderes do administrador, responsabilidade do administrador, responsabilidade coletiva e individual do administrador nos casos de administração plúrima, administrador “laranja” e responsabilidade da sociedade (vinculação). Existem duas espécies: comuns e especiais. Poderes comuns ou intra vires (dentro das forças): Salvo restrição contratual, o administrador fica automaticamente investido. Decorrem do só fato de ser administrador.

Equivalem aos poderes do mandato em termos gerais (CC/1916, art. 1.295; CC/2002, 661) e aos da cláusula ad judicia para o advogado (CPC, art. 38, 1ª parte).

São os poderes de gestão ou para os atos normais de administração. Por exemplo, os atos relativos ao objeto social, admitir, demitir empregados, etc.

Poderes especiais ou ultra vires (além das forças): Há necessidade de outorga expressa. Isso não vigora apenas para o

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administrador de sociedade. Equivalem aos poderes especiais do mandato (CC/1916, art.

1.295, §§ 1º e 2º; CC/2002, art. 661, §§ 1º e 2º), o mesmo ocorrendo para o advogado (CPC, art. 38, 2ª parte). São os poderes para os atos que desbordam dos normais de gestão ou de administração;

[32] A Teoria Ultra Vires surgiu em meados do século XIX, por ação das cortes britânicas, com o objetivo de evitar desvios de finalidade na administração das sociedades por ações, e preservar os interesses dos investidores. Essa teoria afirmava que qualquer ato praticado em nome da pessoa jurídica, por seus sócios ou administradores, que extrapolasse o objeto social seria nulo.

Com o tempo percebeu-se a insegurança que sua aplicação gerava para terceiros de boa-fé que negociavam com tais sociedades e, assim, tanto na Inglaterra, como nos Estados Unidos, ao longo do século XX, os órgãos judiciais flexibilizaram o rigor inicial da Teoria Ultra Vires.

Os atos ultra vires, ou seja, aqueles praticados pelos sócios ou administradores fora dos limites do objeto social, com desvio de finalidade ou abuso de poder, passaram de nulos a não oponíveis à pessoa jurídica, mas oponíveis aos sócios ou administradores que os houvessem praticado.

Para confrontar a Teoria Ultra Vires surgiu a Teoria da Aparência que protege o terceiro de boa-fé que contrata com a sociedade. Por essa última teoria, o terceiro - que de modo justificável desconhecia as limitações do objeto social ou dos poderes do administrador ou do sócio que negociou - tem o direito de exigir que a própria sociedade cumpra o contrato. Posteriormente a sociedade pode regressar contra o administrador ou sócio que agiu de modo ultra vires.

[33] A partir da vigência da lei 12.846/133, que ficou conhecida por Lei Anticorrupção, mais um diploma contempla norma voltada à desconsideração da personalidade jurídica, utilizando-se da seguinte redação:

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Art. 14. A personalidade jurídica poderá ser desconsiderada sempre que utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática de atos ilícitos previstos nesta Lei ou para provocar confusão patrimonial, sendo estendidos todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de administração, observados o contraditório e a ampla defesa.

[34] A súmula 375 do STJ, de 18 de março de 2009, tem o seguinte conteúdo: "O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente". Anteontem, dia 21 de novembro, o site do STJ veiculou informação de que a 3ª turma reafirmava tal entendimento.

O Código de Processo Civil de 1973, no art. 593, não exige a prova da má-fé do adquirente para a caracterização da fraude de execução: "Art. 593. Considera-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens: I - quando sobre eles pender ação fundada em direito real; II - quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência; III - nos demais casos expressos em lei".

A situação mais comum de fraude é a prevista no inciso II. Pelo seu teor, se corre demanda contra o devedor, capaz de reduzi-lo à insolvência, eventual alienação (ou oneração) de bens por ele praticada, nessas circunstâncias, é fraudulenta.

Quando ocorre alienação de bens pelo devedor em estado de insolvência, há duas ordens de interesses em conflito: a primeira, do credor frustrado com a alienação e, a segunda, do terceiro adquirente. Não se pode conferir o mesmo bem jurídico a ambos. Ou a alienação é incólume e o terceiro não pode ser alcançado, ou a alienação é ineficaz em relação ao credor, para beneficiá-lo. Na segunda hipótese, resta ao adquirente apenas ação contra o devedor que, provavelmente, será inócua.

Doutrina e jurisprudência, ao longo das últimas décadas, sensibilizaram-se diante de inúmeros casos em que a pessoa adquiria um determinado bem, normalmente imóvel, muitas vezes

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com bastante suor e sacrifício, e depois sucumbia sumariamente, por causa da inesperada declaração de fraude de execução, mesmo tendo tomado todos os cuidados considerados normais para a aquisição.

[35] O STJ entende que a regra do sistema jurídico brasileiro é a Teoria Maior pois para haver a desconsideração, além do inadimplemento é necessário comprovar a fraude/abuso cometidos pelos sócios. Fora de fato adotada expressamente no art. 50 do C.C.

Segundo Carlos Roberto Gonçalves a característica fundamental das pessoas jurídicas: é ade que atuam na vida jurídica com personalidade diversa da dos indivíduos que a compõem (sócios).

A Teoria Menor da Desconsideração entende que a mera insolvência da PJ permite a desconsideração de sua personalidade. Tal teoria é aplicada de forma restrita, pois atinge somente o direito do consumidor e o direito ambiental.

[36] A teoria maior da desconsideração, regra geral no sistema jurídico brasileiro, não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração), ou a demonstração de confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração).

- A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial.

- Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba,

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isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica.

- A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de consumo está calcada na exegese autônoma do § 5º do art. 28, do CDC, porquanto a incidência desse dispositivo não se subordina à demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de causar, a mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

[37] Existem vários entendimentos a respeito da natureza jurídica do amicus curiae. Já mencionava Celso Mello, por ocasião do julgamento da ADI 2.130, referiu-se a uma intervenção processual. E, de acordo com o eminente doutrinador, é razoável afirmar que a natureza jurídica do amicus curiae é de modalidade sui generis de intervenção de terceiros, com as características próprias, aplicável ao processo objetivo de controle de constitucionalidade. Vide LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 12ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2008.

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A CONSOLIDAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR MILITAR COMO DISCIPLINA AUTÔNOMA NO UNIVERSO DAS CIÊNCIAS JURÍDICAS

BRUNO ARAUJO PAIVA: OFICIAL PM. Bacharel em ciências militares. Bacharel em Direito.

RESUMO: O Direito Administrativo Disciplinar Militar deve ser tratado como disciplina autônoma no universo das ciências jurídicas. É sob essa premissa que foi abordado no presente trabalho a visão que os doutrinadores Antunes e Assis possuem sobre a sociedade militar, com enfoque na complexidade de sua missão constitucional e a vida desse profissional na caserna. Foi verificado que a missão constitucional da sociedade militar é de magnitude reconhecida pela Constituição da República e em razão de sua atividade especializada é necessário um compêndio de leis também especial – o qual se destaca o Direito Administrativo Disciplinar Militar. Quanto à metodologia foram adotados: método de abordagem hipotético-dedutivo, método monográfico e técnica de pesquisa por documentação indireta e bibliográfica. Ainda, ficou demonstrado argumentos que podem ser usados para consolidar o Direito Administrativo Disciplinar Militar como disciplina autônoma no universo das ciências jurídicas.

Palavras chaves: Sociedade Militar. Direito Administrativo Disciplinar Militar. Constituição da República.

RESUMEN: Lo Derecho Administrativo Disciplinario Militar debe ser tratada como una disciplina autónoma en el universo de las ciencias jurídicas. Es bajoesta premissa que se ha tratado en este trabajo la idea de que los académicostienen Antunes y Assis en la sociedad militar se centra en la complejidad de sumisión constitucional y la vida de un comerciante en el cuartel. Se encontró que la misión constitucional de la sociedad militar de magnitud es reconocido por la Constitución y en virtud de su actividad especializada requiere un compendio deleyes también especiales – que destaca la Ley de Administración de DisciplinaMilitar. En cuanto

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a la metodologia se adoptaron: Enfoque método método hipotético-deductivo y la técnica de la investigación monográfica para la documentación indirecta y bibliografía. Sin embargo, demostró argumentos que se pueden utilizar para consolidar lo Derecho Administrativo Disciplinario Militar como disciplina autónoma en el universo de las ciencias jurídicas.

Palabras clave: Sociedad Militar. Derecho Administrativo Disciplinario Militar. Constitución.

1 INTRODUÇÃO

A Constituição da República adotou a divisão de poderes do Estado proposta pela teoria da tripartição pensada por Montesquieu. A partir dela entendemos que um Estado poderá se dividir em três poderes, sendo: o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, atuando de modo independente e harmônico, conforme art. 2º da Carta Constitucional Brasileira.

Para orientar as atividades desses poderes, aparece uma vertente do direito público interno batizado de Direito Administrativo, o qual segundo Meireles (2006) esse ramo do direito impõe as regras jurídicas de organização e funcionamento do complexo estatal; as técnicas de administração indicam os instrumentos e a conduta mais adequada ao pleno desempenho das atribuições da Administração.

Assim, torna-se imperioso considerar que em uma sociedade pluralista e organizada sob o regime político democrático necessita para seu bom funcionamento, de um rico ordenamento jurídico que consiga de forma completa conferir direitos e impor deveres a tal sociedade pluralista, e sucessivamente delinear com fins didáticos os respectivos ramos do direito para permitir um

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estudo específico e objetivo das ciências jurídicas, principalmente no que tange a Administração Pública.

Em sentido formal, segundo Meireles (2006), a Administração Pública pode ser entendida como um conjunto de órgãos devidamente instituídos para consecução dos objetivos do Governo, sendo que é o conjunto das funções necessárias aos serviços públicos em geral, já na esfera da execução, é o desempenho perene e sistemático, legal e técnico, dos serviços próprios do Estado ou por ele assumidos em beneficio da coletividade. De modo amplo, a Administração seria todo o aparelhamento de um Estado sendo direcionado à realização de seus serviços, visando à satisfação das necessidades coletivas. A Administração não pratica atos de governo, ela pratica apenas atos de execução, atendendo a competência do órgão e de seus agentes. São os chamados atos administrativos.

Inserido nesse contexto, a sociedade militar brasileira possui suas especificidades, visto sua forma particular de organização, suas missões constitucionais e ainda suas tradições da caserna. Ainda, a sociedade militar necessita de legislação tão especializada quanto sua atividade laborativa é. Existem diversos assuntos que causam controvérsias e que ainda não tem entendimento pacificado quando são traçados paralelos entre direito administrativo disciplinar militar e administrativo comum.

Por isso, o objetivo deste trabalho é expor motivos suficientes para corroborar para a consolidação do Direito Administrativo Disciplinar Militar como uma disciplina autônoma no universo das ciências jurídicas.

2 DESENVOLVIMENTO

No intuito de melhor possibilitar o entendimento sobre o assunto em tela, é necessário apresentar como a sociedade militar

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e as instituições militares estão inseridas no texto da Constituição da República, demonstrar como a Emenda Constitucional n. 45 abordou pontos relevantes no âmbito do direito administrativo militar e também a diferenciação entre crime militar e transgressão disciplinar, destacando a natureza educativa no ato administrativo disciplinar militar como uma ferramenta eficaz para o fortalecimento dos princípios da disciplina e hierarquia. A partir dessa exposição, ficará demonstrada a complexidade para o estudo e aplicação do Direito Administrativo Disciplinar Militar e, a partir desse ponto restará evidenciado que possui vasto conteúdo exploratório e notória importância para o funcionamento das Instituições militares e, consecutivamente, para a soberania do Estado e preservação do Estado Democrático de Direito.

Em relação à metodologia deste trabalho, adotou-se o método de abordagem hipotético-dedutivo para o desenvolvimento do trabalho. Ressalta-se ainda que foi usado o método monográfico para o desenvolvimento deste artigo. Já como técnica de pesquisa foi adotada a técnica de documentação indireta e bibliográfica. A técnica de pesquisa utilizada buscou dar ênfase em preceitos constitucionais e administrativos, bem como legislação castrense.

2.1 A sociedade militar brasileira e as instituições militares

A sociedade militar, bem como o militar federal e estadual, é citada no texto da Constituição da República. Nessa Carta Constitucional, há uma especificação notória que impõem uma série de diferenciações entre o militar brasileiro e os demais cidadãos.

Para Antunes (2011), algumas atividades específicas, como por exemplo: a defesa do Estado Brasileiro, segurança pública e atividades de defesa civil – a Administração Pública emprega seus agentes específicos para cada atividade, no caso dos exemplos citados, os militares.

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A sociedade militar brasileira é composta por duas categorias especificas de servidores públicos militares, sendo: o militar (membro das Forças Armadas) e o militar do Estado (membro das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares).

Deve ser destacado que pode ser verificado no texto da Emenda Constitucional n. 18/98, que foi a emenda que promoveu a subdivisão da supramencionada sociedade militar, apartando do conjunto os militares dos Estados dos militares federais.

Ainda conforme ensina Santos (2009), as Forças Armadas, as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros Militares formam uma sociedade peculiar que possuem um modo de vida próprio, razão pela qual necessitam de um conjunto legislativo para garantir sua estruturação.

No mesmo contexto, vale destacar o ensinamento do doutrinador Jorge César de Assis (2012), quando afirma que o militar possui modus vivendi próprio – sendo que tal peculiaridade exige sacrifícios extremos (própria vida), que é um risco muito diferenciado em relação às outras consideradas penosas ou insalubres. Ainda, Assis (2012) ressalta que para tal condição especial de trabalho, também lhe será o regime disciplinar, no intuito de conciliar tanto os interesses da instituição como os direitos dos que a ela se submetem.

Pela contextualização exposta, só resta acatar que a categoria especial de servidores públicos chamada de militares, em razão de seu estilo de vida próprio, de realizarem serviços essenciais à função administrativa do Estado, inclusive jurando pelo sacrifício da própria vida para o fiel cumprimento de suas atividades, necessita de um compêndio de leis próprio para a regulamentação de suas atividades.

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Para tanto, Cruz e Miguel (2008) ensinam que essa especialização se justifica na medida em que entendemos que a sociedade civil tem como base a liberdade, enquanto as instituições militares se fundamentam na disciplina e hierarquia, sendo considerados princípios basilares.

No Brasil, as instituições militares que existem são: Marinha, Exército, Aeronáutica, Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, sendo que cada uma delas com sua missão especificada no texto da Carta Constitucional.

Para elucidar, Leandro Antunes (2011) ensina que as Forças Armadas constituem corpo especial da Administração, destinando-se às atividades relacionadas à segurança externa do Estado. Ainda para o mesmo autor, as Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, também são corpos especiais da Administração, com sua destinação voltada para o policiamento ostensivo, a preservação da ordem pública e as atividades de defesa civil – restando claro que as Instituições Militares receberam da Constituição da República expressa referência e reconhecimento da magnitude de suas atribuições.

2.2 Garantia e fortalecimento dos princípios de hierarquia e disciplina

Vistos os delineamentos da sociedade militar e sua integração nas Forças Armadas e Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares orientadas pelos princípios de hierarquia e disciplina, tornou-se imperioso a obrigação de traçar como, basicamente, as Instituições Militares defendem tais princípios quando são feridos por seus servidores.

Nesse contexto, a Constituição da República considerou que as Instituições Militares são organizadas com base na hierarquia e disciplina, como princípios basilares conforme disposto

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no art. 42 e 142. Segundo Estatuto dos Militares, em seu art. 14, a “hierarquia é a ordenação da autoridade, em níveis diferentes dentro da estrutura das Forças Armadas. A ordenação se faz por postos e graduações.” Já a disciplina é conceituada pelo mesmo ordinatório como “a rigorosa observância e o acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições que fundamentam o organismo militar e coordenam seu funcionamento regular e harmônico, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos componentes desse organismo.”

Jorge Cesar de Assis (2012) ensina que “a observância da disciplina e da hierarquia é fundamental para o sucesso da missão constitucional das Forças Armadas e Forças Auxiliares; essa observância deve ser exercida em conjunto com as virtudes militares, tais como a camaradagem, o espírito de corpo, probidade, honra militar, respeito, caráter etc.”

Nota-se pelo contexto exposto que, inserido no compêndio de leis castrenses, o servidor militar deve reconhecer os princípios basilares de sua instituição em todas as suas ações profissionais, até mesmo em sua vida pessoal. Percebe-se também que suas ações podem divergir das normas em vigor, o que certamente contribui ao enfraquecimento da disciplina militar mediante o cometimento de infrações penais comuns, crimes militares e transgressões disciplinares.

2.2.1 Dos crimes militares e transgressões disciplinares

Os militares brasileiros podem atentar contra os princípios da hierarquia e disciplina quando cometem, na esfera militar, crimes militares e transgressões disciplinares.

Como já foi visto, as Instituições Militares devem protegem tais princípios tendo em vista que são eles os garantidores do cumprimento de suas missões constitucionais. Para tanto, deve-se

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entender como seria possível diferenciar a conduta do militar, no caso da configuração de crime militar ou transgressão disciplinar, ou o contrário, com vistas a possível responsabilização penal ou administrativa.

Nesse contexto, Jorge César de Assis (2008) citado por Antunes (2011) entende que crimes militares seriam condutas humanas que configuram em acentuadas violações aos deveres militares e aos valores das instituições militares. Ainda menciona que a diferença existente entre o crime militar e a transgressão disciplinar é somente a intensidade, sendo que a transgressão disciplinar tem um caráter preventivo, ou seja, pune-se a transgressão para prevenir o cometimento do crime militar. Também, ensina que a contravenção penal está para o crime comum, assim como a transgressão disciplinar está para o crime militar.

Pelo exposto, é possível entender que o caráter da sanção disciplinar resultante do cometimento da transgressão disciplinar é um ato preventivo que busca impedir que a conduta do militar torne-se mais grave e configure um crime militar, ou seja, uma violação mais grave aos deveres militares e princípios basilares das instituições. Segundo a Lei 14.310/02, conhecida por Código de Ética e Disciplina dos Militares de Minas Gerais, transgressão disciplinar é “toda ofensa concreta aos princípios de ética e deveres inerentes às atividades das Instituições Militares Estaduais, em sua manifestação elementar e simples, objetivamente especificada neste Código, distinguindo-se da infração penal, considerada violação dos bens jurídicos tutelados pelo Código Penal Militar ou comum”.

Por toda contextualização exposta nesse trabalho, nesse ponto fica demonstrado os motivos que uma Instituição Militar adentra na seara do Direito Administrativo em ocasião da obrigação de fiscalizar e realinhar as ações de seus servidores quando

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atentarem contra a ética militar e a garantia de seus princípios basilares.

Ainda, é possível verificar nos ensinamentos supracitados que todas as transgressões disciplinares que forem noticiadas à Administração Militar devem ser exaustivamente apuradas. Consecutivamente, ao final de uma apuração cujo objeto seja o cometimento de qualquer transgressão disciplinar - tendo sido observados o princípio do devido processo legal e garantia da ampla defesa e contraditório – poderá ser produzido um ato de sanção disciplinar, que é um ato administrativo e deverá estar alinhado à legislação administrativa em vigor.

Ainda, é pertinente dar destaque a Emenda Constitucional n. 45. Tal emenda prevê que a Justiça Militar Estadual, além de processar e julgar os crimes militares cometidos por Policiais Militares e Bombeiros Militares, passa também a julgar as ações judiciais contra atos disciplinares militares. Nesse caso, tal emenda possibilitou que o militar que se sentir injustiçado por ter sido sancionado por ato administrativo disciplinar militar poderá levar essa situação até a apreciação do Poder Judiciário, no caso para a Justiça Militar.

Ou seja, fica revelado que existe vasta complexidade nos trâmites legais para realização do ato administrativo de aplicação de sanção disciplinar. Até chegar nessa fase, a notícia de transgressão deverá percorrer toda uma trajetória na Administração Militar e passar por vários atos administrativos que não poderão conter vícios para que haja sua perfeita produção de efeitos.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Absolutamente, o objetivo principal deste artigo não foi estimular a finalização das reflexões sobre esse assunto e sim, contribuir para ampliar o rol de argumentação para que as próximas

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reflexões possam valer deste trabalho como um ponto de partida ou mesmo teria de base para o estudo com maior profundidade sobre o tema.

No transcorrer deste artigo foi ressaltado o posicionamento doutrinário sobre a sociedade militar e sua importância dela e das Instituições Militares para nosso Estado Democrático de Direito.

Tamanha importância que a Constituição da República revelou a magnitude da missão dessa sociedade em seu texto e que dela podemos abstrair que a atividade de defesa externa do Estado, segurança pública e defesa civil são atividades essenciais e especiais e para tanto a sociedade militar necessita que sua legislação administrativa militar seja consolidada como disciplina autônoma nas ciências jurídicas – pois é especializada para cuidar de atividades especiais – para que didaticamente permita estudo mais aprofundado e tenha sua aplicação cada vez mais alinhada aos preceitos constitucionais buscando sempre a garantia dos princípios basilares e a qualidade de vida da sociedade militar.

Vale ainda destacar que para promover o desfecho, Antunes (2011) ensina que existem três questões que fundamentam a autonomia de um ramo de estudo nas ciências jurídicas, sendo elas: autonomia didática, legislativa e científica.

Portanto, ficou demonstrado que o Direito Administrativo Disciplinar Militar possui os três requisitos propostos por Antunes. Ainda, sua notória importância e reconhecimento de sua complexidade contribuem para sua consolidação como disciplina autônoma no universo das ciências jurídicas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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________, Constituição (1988). Emenda Constitucional n. 45, de 30 de dezembro de 2004. Altera dispositivos dos arts. 5º, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114, 115, 125, 126, 127, 128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal, e acrescenta os arts. 103-A, 103B, 111-A e 130-A, e dá outras providências. Disponível em <https://www.presidencia.gov.br>. Acessado em: 24 Jun 2013.

________, Estatuto dos Militares. Brasília. 1980. Disponível em <https://www.presidencia.gov.br/legislacao/constituicao>. Acessado em: 21 Jun 2013.

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MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

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SANTOS, Fábio Marinho dos. Aplicação do príncipio da Insignificância como excludente da responsabilidade administrativa nos processos disciplinares da Polícia Militar de Minas Gerais. Monografia (Especialização) – Academia da Polícia Militar, Polícia Militar do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2010.

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GERENCIAMENTO DE PROJETOS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

WAGNER SALAZAR PIRES: mestre em Ciência da Computação pela UFMG e Analista do Ministério Público de Minas Gerais. Suas áreas de interessem incluem Gerenciamento de Projetos, Direito Constitucional, Administrativo, Tributário e Contabilidade.

RESUMO: No desenvolvimento de software há uma forte tendência para o desenvolvimento ágil de aplicações devido a um ritmo acelerado de mudanças. Este contexto tem causado crescentes frustrações nas organizações devido aos planos, especificações e documentações pesados, muitas vezes impostos por critérios de conformidade dos modelos de maturidade. Organizações que vinham adotando métodos clássicos, como o modelo em cascata (waterfall) estão cada vez mais interessadas na possibilidade de adoção de métodos ágeis. Este trabalho apresenta uma abordagem ágil para o Ministério Público de Minas Gerais baseada nos métodos de Programação Extrema, Scrum e Kanban. Palavras-chave: Gerência de Projetos, Programação Extrema, Scrum e Kanban.

INTRODUÇÃO: A tecnologia da informação evidencia-se pela contínua

expansão e por uma forte concorrência entre empresas ligadas a esse setor. Em virtude disso, para que essas entidades possam permanecer nesse meio, elas precisam desenvolver produtos e serviços que, de algum modo, se destaquem e conquistem a credibilidade de seus clientes [1]. Um item fundamental para atingir esse objetivo, independentemente do tipo do produto a ser produzido, denomina-se qualidade. A qualidade de um software está diretamente relacionada com os níveis de qualidade dos processos envolvidos no desenvolvimento [2].

A engenharia de software é uma área da tecnologia da informação responsável por esses processos de construção de software, abrangendo as técnicas empregadas na especificação,

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projeto, desenvolvimento e testes, tendo como objetivo um produto de qualidade, ou seja, que atenda as expectativas para as quais está sendo desenvolvido de forma organizada, produtiva e mais econômica possível [3]. Desta forma, para que esses processos possam atingir a qualidade desejada, torna-se imprescindível o uso de técnicas e metodologias de gerência de projetos para o planejamento e posterior controle desses processos.

De acordo com Martins, em [4], na engenharia de software existe dois tipos de processos ou métodos para controlar o desenvolvimento de um projeto de software: os métodos clássicos (ou definidos) e os métodos ágeis (ou empíricos).

Os métodos clássicos determinam o que deve ser feito, quando e como. O contexto do projeto, as atividades necessárias para execução deste e o prazo de entrega são definidos no início do projeto. Como exemplo de método clássico, tem-se o modelo em cascata (waterfall) com fases distintas de especificação de requisitos, projeto e desenvolvimento, todas agrupadas em níveis. A maior dificuldade desse modelo é acomodar mudanças com o projeto já em andamento, pois um nível depende do outro, sendo assim, caso um nível qualquer precise ser alterado, o nível anterior deverá ser refeito. Já os métodos ágeis têm representado alternativas às modalidades tradicionais de desenvolvimento e gestão de projetos de softwares [5], suportando projetos com requisitos instáveis, e se fundamentam em 4 super-valores:

a) Indivíduos e Interações mais importantes que processos e ferramentas.

b) Software Funcional mais importante que documentação elucidativa.

c) Presença do cliente mais importante que negociação de contrato.

d) Respostas às mudanças mais importantes que seguimento de plano.

O presente artigo realiza um estudo da viabilidade de utilizar a combinação de alguns métodos ágeis - Programação Extrema,

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Scrum e Kanban -, no gerenciamento de projetos de software do Ministério Público de Minas Gerais. O Ministério Público é uma instituição permanente, essencial à função jurisdicional do estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

MÉTODOS ÁGEIS PARA GERENCIAMENTO DE PROJETOS: Um dos aspectos mais interessantes dos métodos ágeis é sua

estruturação conceitual. Oficialmente são quatro declarações de valor que nos inspiram um pequeno conjunto de princípios que nos guiam e uma grande quantidade de métodos que nos ajudam a estabelecer “como” as coisas devem ser feitas. Cada método estabelece seu próprio conjunto de pressupostos e práticas. E são comuns equipes de projeto adotarem práticas de diferentes métodos enquanto os adaptam às suas realidades.

A Programação Extrema [6], ou simplesmente XP, é uma metodologia leve, eficiente, de baixo risco, flexível, preditiva, científica e “divertida” de se desenvolver software. XP é adequada para ser utilizada por equipes de desenvolvimento pequenas ou médias em projetos com requisitos mal definidos ou que sofrem mudanças continuamente.

As equipes que utilizam XP devem ter entre 2 e 10 desenvolvedores e seus membros devem ser capazes de executar testes no sistema diariamente. Um dos criadores do método XP, Kent Beck, argumenta que o XP é “extremo” (extreme) dando grande ênfase a atividades reconhecidamente boas pela comunidade. Dentre as principais atividades do XP pode-se destacar:

a) Revisão de código: Código é revisado a todo momento, ainda enquanto está sendo escrito.

b) Testes de unidade e aceitação: todos os envolvidos no produto deverão testar o produto o tempo todo. Desenvolvedores (testes de unidade), Clientes (testes funcionais)

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c) Simplicidade no projeto: o projeto do software é o mais simples possível para suportar as funcionalidades do software em um determinado momento.

d) Testes de integração: São feitas várias integrações durante um mesmo dia. Para cada pequena parte de componente que é desenvolvida, há uma integração desse componente ao produto.

e) Iterações curtas: Ciclos de desenvolvimento curtos são bons por que permitem descobrir com antecedência problemas no projeto e agregar valor ao negócio do cliente com maior rapidez. No XP, as iterações são muito curtas, podendo ser de apenas alguns dias.

O Scrum é um arcabouço para desenvolvimento de produtos complexos fundamentado na teoria empírica de controle de processos, que é suportada pelo tripé formado por transparência, inspeção e adaptação. A transparência garante que todos os elementos do processo devem ser visíveis e compreendidos pelos envolvidos no processo. Já a inspeção defende que os elementos do processo devem ser monitorados com frequência suficiente para que variações inesperadas sejam detectadas e as intervenções devidas sejam realizadas. Por fim, a adaptação consiste em ajustar o processo sempre que ocorram variações indevidas. A adaptação deve ser rápida para diminuir o impacto negativo das variações na qualidade e também para que novos desvios sejam evitados.

Scrum é um método ágil similar ao XP, porém com foco maior em gerência. XP tem foco em engenharia, embora possua algumas práticas relacionadas à gerência [7]. O processo de gestão descrito pelo Scrum é bastante simples, bem como suas práticas, artefatos e regras. O Scrum não é prescritivo e, portanto não descreve o que deve ser feito em todas as circunstâncias. Mesmo assim, é aplicável em projetos complexos e o seu conjunto simples de práticas ajudam à manter todo o projeto bastante visível, o que permite que os praticantes saibam exatamente o que está ocorrendo e façam

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ajustes pontuais para que o projeto continue caminhando em direção ao alcance dos objetivos traçados.

Por fim, o Kanban [8] é uma expressão japonesa com origem nos cartões utilizados nas empresas japonesas para solicitar componentes a outras equipes da mesma linha de produção. Kanban designa um método de fabricação em série, desenvolvido pela Toyota Motor Company, aplicado aos processos de aprovisionamentos, produção e distribuição, seguindo os princípios do just-in-time (JIT).

A tradução literal da palavra kanban é anotação visível ou sinal. De modo geral, vem-se empregando na literatura esta palavra com o significado de cartão, pois o Sistema Kanban é conhecido por empregar determinados cartões para informar a necessidade de entregar e/ou produzir certa quantidade de peças ou matérias-primas. Em muitos trabalhos, nota-se a utilização indiscriminada da palavra kanban - significando tanto “cartão”, como se referindo ao “sistema” propriamente dito. Nesta seção, e no decorrer do presente trabalho, utiliza-se a seguinte distinção de termos: os cartões ou sinais empregados são tratados por “sinalizadores”, reservando-se, consequentemente, a palavra kanban ao sistema como um todo.

Na utilização do Kanban pressupõe-se que exista determinada quantidade de peças nos armazéns (estoques) entre as estações de trabalho. Em outras palavras, é assegurada a disponibilidade de peças suficientes para a formação dos produtos num dado período de trabalho. O processo subsequente, visto como um “cliente” deve ir ao processo precedente, o “fornecedor”, para adquirir as peças necessárias já prontas. O processo precedente, por sua vez, produz a exata quantidade retirada, reabastecendo o armazém, entendido como um “supermercado”. Segundo [9], existe um considerável número de possibilidades no uso deste esquema, visto que se podem combinar diferentes tipos e quantidades de sinalizadores, formas de retirada, pontos de programação, tipos de armazéns ou estoques, etc.

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GERENCIAMENTO DE PROJETOS NO MINISTÉRIO PÚBLICO DE MINAS GERAIS

Antigamente, cada servidor era responsável, praticamente, por um sistema. Este desenvolvedor (servidor), junto ao cliente, realizava o levantamento de requisitos, fazia as anotações que achava necessária e programava todo o sistema. Isso trazia diversos problemas para o MPMG. O conhecimento do sistema fica restrito apenas a uma pessoa, e caso esse saísse de férias, por exemplo, não existia ninguém capaz de manter o sistema.

Atualmente, o desenvolvimento de software no MPMG vem sofrendo grandes modificações. Foram criadas equipes por projetos, sendo cada equipe composta por certa de cinco desenvolvedores. Logo, resolveu-se o problema de disseminação de conhecimento dos sistemas desenvolvidos. No entanto, como existem mais pessoas envolvidas, contribuindo no desenvolvimento do mesmo sistema, tornou-se necessário gerenciar e organizar as tarefas realizadas, objetivando uma maior produtividade.

Com o objetivo de melhorar o gerenciamento de projetos do MPMG, realizou-se um levantamento de alguns métodos ágeis, a saber Programação Extrema, Scrum e Kanban. Como no MPMG têm-se softwares complexos onde nem todos os requisitos estão claros a partir do seu início e não se tem um plano bem definido do que será implementado, optou-se pela utilização dos métodos ágeis.

Para testar as melhorias da aplicação de um método ágil, escolheu-se o Sistema de Registro Único, conhecido entre os servidores e membros pela sigla SRU. Este sistema encontra-se em desenvolvimento aproximadamente quatro anos. Desta forma, já existem diversas funcionalidades implementadas.

Mas como este sistema encontra-se em constantes evoluções, espera-se que, com a aplicação desses métodos ágeis, ter-se-á uma melhora do projeto como um todo, podendo-se estimar melhor os prazos para liberação de novas funcionalidades para o usuário, dentre outros benefícios.

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Inicialmente este sistema foi concebido por apenas uma pessoa, mas, nos dias atuais, a equipe consta de seis desenvolvedores, sendo quatro servidores e dois estagiários. Além dos desenvolvedores existe uma pessoa responsável pelo levantamento dos requisitos e iterações com o usuário. Desta forma, a equipe deste projeto contém sete pessoas. Assim, a primeiro passo já havia sido tomado, o sistema possui uma equipe pequena, multifuncional e auto-organizada.

O segundo passo foi dividir todos os requisitos a serem implementados em uma lista de pequenas funcionalidades entregáveis e classificá-las por prioridade. Além disto, foi atribuído um grau de complexidade e esforço para cada tarefa. Cada tarefa, com suas respectivas informações de custo, foram, então, escritas em cartões e coladas na parede. Utilizaram-se colunas nomeadas para ilustrar onde cada item está no fluxo de trabalho.

Após a lista de funcionalidades, dividiu-se o tempo em curtas iterações de duração fixa (sprint de três semanas). O objetivo é ter entregas de funcionais do sistema de três em três semanas, para que o usuário possa visualizar o que está sendo feito. Além disto, definiu-se um limite do trabalho em andamento. O trabalho foi limitado a quatro funcionalidades. Assim, sempre existirá uma programação em par na equipe, com o objetivo de ajudar disseminar o conhecimento dos integrantes mais experientes.

CONCLUSÃO: A Programação Extrema é bastante prescritiva comparada ao

Scrum. Ela inclui quase tudo do Scrum mais algumas boas práticas de engenharia de software bem específicas como desenvolvimento orientado a testes e programação em par. Scrum é menos prescritivo que XP, uma vez que ele não prevê nenhuma prática específica de engenharia. Porém, Scrum é mais prescritivo que Kanban, uma vez que prescreve coisas como iterações e equipes multifuncionais.

Uma das principais diferenças entre Scrum e RUP (Rational Unified Process – Método Clássico) é que no RUP você recebe

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coisas demais, e você supostamente remove o material que não precisa. No Scrum você recebe muito pouco, e supostamente adiciona o material que lhe falta.

Já Kanban deixa quase tudo em aberto. As únicas restrições são: Visualize seu fluxo de trabalho e limite suas atividades em andamento. Apenas a alguns centímetros de faça qualquer coisa, mas ainda assim surpreendentemente poderoso.

Ainda é muito cedo para avaliar os resultados alcançados pela aplicação dos conceitos dos métodos ágeis no MPMG. No entanto, nos primeiros meses da implantação, percebeu-se a importância do acompanhamento do tempo de execução das tarefas (tempo médio para completar uma funcionalidade, algumas vezes denominado lean time). Aperfeiçoar o processo para tornar o tempo de execução o menor e mais previsível possível é ainda um desafio. Prever o tempo gasto em todo o fluxo nos permite uma maior fidelidade aos ANS - Acordos de Nível de Serviço (ou do inglês SLAs - Service-Level Agreements) e fazer planos de entrega mais realistas.

Tanto XP quanto Scrum e Kanban são empíricos no sentido que se espera que se experimente o processo e personalize ao seu ambiente. Na verdade, tem-se que experimentar. Nenhum método ágil fornece todas as respostas - eles apenas fornecem um conjunto básico de restrições para conduzir o seu próprio processo de melhoria.

Assim, a aplicação das práticas ágeis no MPMG está em uma fase embrionária, mas os primeiros resultados foram muito positivos. Como trabalhos futuros, pretendem-se organizar melhor as equipes, verificar se o período de três semanas é satisfatório para o tamanho do Sprint e testar outros limites para a quantidade de trabalho em andamento.

REFERÊNCIAS: [1] - Torreão, P. G. B. C. Ambiente de Aprendizado para

Educação em Gerenciamento de Projetos. Dissertação (Mestrado) — Universidade Federal de Pernambuco, 2005.

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[2] - Cavalcanti, A. P. C.; Bandeira, L. R. P.; Donegan, P. M. Um modelo de gerência de projetos baseado no rup com aplicações de pmbok. Simpósio Internacional de Melhoria de Processos de Software, 2004.

[3] - Pressman, R. S. Software Engineering: A Practitioner’s Approach. 6. Ed. McGraw-Hill, 2005.

[4] - Martins, J. C. C. Técnicas para Gerenciamento de Projetos de Software. Brasport, 2007.

[5] - [Coram e Bohner 2005]Coram, M.; Bohner, S. The impact of agile methods on software project management. In: Proceedings of the 12th IEEE International Conference and Workshops on Engineering of Computer-Based Systems. Washington, DC, USA: IEEE Computer Society, 2005. p. 363–370. ISBN 0-7695-2308-0.

[6] - Beck, K. Extreme programming explained: embrace change. [S.l.]: Addison-Wesley, 2000. (The XP series). ISBN 9780201616415.

[7] - SCHWABER, K. Agile Project Management with Scrum. [S.l.]: Microsoft Press, 2004.

[8] - Anderson, D. J. Kanban: Successful Evolutionary Change for Your Technology Business. 1nd. ed. [S.l.]: Blue Hole Press, 2010.

[9] - JUNIOR, M. G. F. M. L. Adaptações ao sistema kanban: revisão, classificação, análise e avaliação. Revista Gestão e Produção - UNIPAC, v. 15, p. 173–188, 2008.

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LEI 9.099/95 E O INSTITUTO DA TRANSAÇÃO PENAL

VINÍCIUS BORGES MESCHICK DA SILVA: Graduando em Direito pelo Instituto de Ensino Superior Presidente Tancredo de Almeida Neves.

RESUMO: A transação penal tem como fim evitar a instauração do processo penal através de um acordo entre o Ministério Público e o autor do fato, acordo esse, que tem o objetivo a aplicação antecipada de uma pena restritiva de direitos. Entretanto, a referida lei não cuidou de disciplinar qual seria a atitude a ser tomada quando do descumprimento desse acordo, o que causa grande discussão entre os doutrinadores. Esta pesquisa é resultado de uma experiência empírica. Por diversas vezes nos deparamos com operadores do direito discutindo sobre a conversão da pena restritiva de direito em privativa de liberdade, que seria uma das soluções apontadas para a solução desse empasse. É relevante o tema tratado, porque além de esclarecer alguns pontos controvertidos em relação ao instituto da transação penal, tem como objetivo principal chamar a atenção dos operadores do direito para a ilegalidade da prisão em decorrência do descumprimento desse acordo. Para tanto, a metodologia utilizada no presente trabalho é empírico-analítica, utilizando-se da revisão bibliográfica e documental. Conclui-se com a instituição da Lei 9.099/95 um direito penal com caráter despenalizador, concedendo ao agressor uma nova oportunidade para que ele se arrependa de seus atos, proporcionando-lhe a chance de não ter contra si uma sentença condenatória, o que certamente prejudicaria sua vida ou até mesmo sua carreia profissional.

PALAVRAS-CHAVE: Transação Penal; Ministério Público; Lei 9.099/95

INTRODUÇÃO

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Há muitos anos vêm se falando na morosidade do Poder Judiciário, morosidade esta advinda de vários fatores cumulados, que vêm desde a necessidade de reforma do Código de Processo Penal, que está em vigor há mais de 70 anos, até a deficiência na formação de operadores do Direito.

Em virtude da lentidão dos atos processuais, diversos eram os processos extintos em decorrência da prescrição em relação aos crimes com penas inferiores a 1 ano, fato esse, que causava a sensação de impunidade dos infratores.

Com o escopo de evitar essa impunidade, o Poder Constituinte Originário instituiu na Constituição da República de 1988, o disposto no Art. 98, I, que determinou a criação dos Juizados Especiais.

Assim, em 26 de setembro foi instituída a Lei 9.099/95, que regulamentou o dispositivo constitucional acima mencionado e instituiu a transação penal, enfoque desta pesquisa.

A transação penal tem como fim evitar a instauração do processo penal através de um acordo entre o Ministério Público e o autor do fato, acordo esse, que tem o objetivo a aplicação antecipada de uma pena restritiva de direitos. Entretanto, a referida lei não cuidou de disciplinar qual seria a atitude a ser tomada quando do descumprimento desse acordo, o que causa grande discussão entre os doutrinadores.

Esta pesquisa é resultado de uma experiência empírica. Por diversas vezes nos deparamos com operadores do direito discutindo sobre a conversão da pena restritiva de direito em privativa de liberdade, que seria uma das soluções apontadas para a solução desse empasse.

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É relevante o tema tratado, porque além de esclarecer alguns pontos controvertidos em relação ao instituto da transação penal, tem como objetivo principal chamar a atenção dos operadores do direito para a ilegalidade da prisão em decorrência do descumprimento desse acordo.

Além de demonstrar essa ilegalidade, iremos conceituar o instituto da transação penal e mostrar sua finalidade sobre o ponto de vista do Estado e do indivíduo. Pretendemos também, discutir seus requisitos e pressupostos de cabimento. Iremos discorrer sobre temas polêmicos, como a questão do princípio da indisponibilidade da ação penal frente ao instituto, se é ou não admissível o acordo quando se tratar de ação penal privada e ainda, se a transação penal é um poder ou dever do Ministério Público. Vamos discutir também, quais são as penas restritivas de direito que podem ser propostas ao autor do fato e principalmente compreender a natureza jurídica da decisão que homologa a transação e avaliar se essa homologação pode ser condicionada ao cumprimento do acordo.

A metodologia a ser utilizada na presente pesquisa consiste na análise de doutrinas e jurisprudências a respeito da matéria.

No primeiro capítulo vamos fazer uma viagem ao passado, porque além de ser necessário, é inquestionável um conhecimento histórico sobre o direito penal para adentrarmos no assunto proposto.

No segundo capítulo, iremos estudar a origem histórica do Direito Penal no Brasil para que possamos compreender como era absoluta a intervenção do Estado na vida do indivíduo até a instituição da Lei 9.099/95, que revelou um direito penal que se preocupa com uma solução rápida para dos litígios, através de uma intervenção mínima, característica do Direito Penal contemporâneo.

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No terceiro capítulo adentraremos no assunto propriamente dito. Iremos estudar uma lei que foi criada com o objetivo e dar uma solução rápida para os conflitos, não mais se preocupando com uma decisão de mérito, além de tratar de assuntos polêmicos em relação ao tema.

No quarto capítulo pretendemos demonstrar a natureza jurídica da transação penal e adentrar no foco principal deste trabalho científico que é a conversão da pena restritiva de direitos em privativa de liberdade.

1. O PANORAMA HISTÓRICO SOBRE A EVOLUÇÃO DA APLICAÇÃO DA PENA

1.1. Disposições Preliminares

O direito está intrinsecamente ligado à sociedade. Nas palavras de Paulo José da Costa Jr. (2000, p. 3) Ubi societas ibi jus (Não há sociedade sem direito e nem direito sem sociedade). Como pode ser visto, direito e sociedade nasceram juntos e, segundo os doutrinadores, o primeiro ramo do direito que surgiu foi o penal, direito esse que tem como objetivo defender a sociedade da agressividade humana (TELES, 2004, 54).

O homem é o único ser dotado de razão e ao longo dos tempos, este ser vem evoluindo, mas, contudo, sem abolir seu instinto animal, que se revela na agressividade. As formas de manifestação da agressividade humana também evoluíram, assim como a aplicação da pena e sua finalidade.

Neste capítulo pretendemos mostrar os principais instrumentos de aplicação da pena, assim como sua finalidade, através de enfoque evolutivo até a instituição da Lei 9.099/95.

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A doutrina delimita essa evolução em 3 fases de desenvolvimento: Vingança Divina, Vingança Privada e Vingança Pública, entretanto, como salienta Bittencourt (2006, p. 35) não se trata de uma progressão sistemática, com princípios, períodos e épocas caracterizadoras de cada um de seus estágios.

1.1.1. A vingança Divina

A religião teve uma grande influência na vida dos povos antigos. Consoante Cézar Roberto Bittencourt (2006, p. 35), as três fases de desenvolvimento de aplicação da pena foram marcadas por um profundo sentimento religioso e espiritual. O princípio basilar nesta fase era “a repressão é a satisfação da divindade ofendida pelo crime.” Assim, a coerção do criminoso era vista como um castigo divino e, além disso, deveria desagravar a sociedade, porque para ela, os fenômenos naturais maléficos eram vistos como a ira dos deuses revoltados com o crime (BITTENCOURT, 2006, 36).

Era o Direito Penal teocrático, religioso e sacerdotal, que tinha como finalidade a purificação da alma e a intimidação do criminoso por meio da pena. As penas aplicadas eram cruéis, severas e desumanas, decorrente do caráter religioso, além disso, o castigo deveria ter relação com o deus ofendido.

As penas eram aplicadas pelos sacerdotes que exercia o poder em nome de Deus e cometia inúmeras arbitrariedades (TELES, 2004, p. 55).

Nesta época, religião e direito se confundiam, sendo que as leis eram baseadas na religião ou na moral. Eram ditadas em nome de Deus e o legislador pedia-lhe inspiração para redigi-las (TELES, 2004, p. 55).

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Legislações com estas características foram encontradas no Egito (5 Livros), na China (Livro das Cinco Penas), na Pérsia (Avesta), em Israel (Pentateuco) e na Babilônia. (BITTENCOURT, 2006, p. 36).

1.1.2. A Vingança Privada

A pena passou a existir no início da civilização como resposta do homem ao próprio homem. Nesta fase, denominada de vingança privada, a justiça penal se revela de uma forma embrionária, em que o ser humano reagia contra toda ação que o ameaçava ou punha em risco sua condição individual ou de seu grupo. Nessa época não existia um Estado, havia apenas famílias, tribos e clãs (TELES, 2004, p. 55).

Quando a agressão era feita por alguém estranho ao grupo, a punição era a “vingança de sangue,” verdadeira guerra grupal que muitas dizimavam completamente as tribos. Por outro lado, quando a ofensa era feita a alguém da própria tribo, o agressor era punido com a expulsão e tinha que viver isolado. Muitas vezes ele morria, seja por não conseguir viver sozinho ou porque era atacado por tribos rivais (BITTENCOURT, 2006, p. 36/37).

Chamada de “olho por olho, dente por dente”, a vingança privada constituiu a mais freqüente forma de punição dotada pelos povos primitivos.

A esse respeito leciona Ney Moura Teles (2004, p. 55):

Além de fazer justiça pelas próprias mãos, as penas não guardavam a devida proporção com o delito que visavam responder. Verdadeira vingança de sangue tratava-se da lei do mais forte, cujo interesse individual colocava-se acima de tudo.

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Segundo Cézar Roberto Bittencourt (2006, p. 37), nessa época não existia um poder público. Podemos perceber uma pequena evolução, talvez o surgimento de um Estado, ainda muito primitivo, quando percebemos a aplicação de um direito penal em função do interesse coletivo, distinto do individual. Isso aconteceu com o surgimento do talião. O talião não era considerado uma pena, mas um instrumento moderador de punição. Ele foi criado naquela época para evitar a eliminação das tribos. Foi adotado por vários Códigos e consistia em aplicar ao delinqüente o mal que ele causou à vítima, na mesma proporção.

Foi adotado pelo Código de Hamurabi no século XVIII a.C.:

Art. 196. Se alguém tirar um olho a outro, perderá o próprio olho.

Art. 197. Se alguém quebrar um osso a outrem, parta-se-lhe um osso também.

Art. 209. Se alguém bate numa mulher livre e faz abortar, deverá pagar dez ciclos pelo feto.

Art. 210. Se essa mulher morre, então deverá matar o filho dele.

Pela lei das XII tábuas: “Se alguém fere a outrem, que sofra a pena de talião, salvo se houver acordo.”

E pela Bíblia Sagrada (Levídico, 24, 17): “Todo aquele que fere mortalmente um homem será morto.”

O talião foi um grande avanço na história do Direito Penal porque limitava a abrangência da ação punitiva.

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Após o talião, surgiu a composição, que era o meio através do qual o agressor comprava sua liberdade com dinheiro ou bens pelo dano causado.

Como exemplo, podemos citar a Lei Mosaica que assim estabelecia: “Se um homem furtar um boi ou um carneiro e o matar ou vender, pagará cinco bois pelo boi e quatro carneiros pelo carneiro”.

A composição foi adotada por vários códigos e deu origem as penas de multa e indenizações cíveis (BITTENCOURT, 2006, 37).

1.1.3. A Vingança Pública

Com o passar do tempo a sociedade foi se desenvolvendo e afastando a vingança privada, surgindo, assim, o poder político na figura do soberano. A pena passou então a ser imposta por uma autoridade pública que representava os interesses de uma comunidade. Sua autoridade era exercida em nome de Deus, cometendo inúmeras arbitrariedades (BITTENCOURT, 2006, p. 37).

A primeira finalidade da pena reconhecida nessa fase era a garantia da segurança do soberano ou monarca através da sanção penal (BITTENCOURT, 2006, p. 37).

A pena de morte era muito utilizada e aplicada por motivos banais. O condenado era mutilado, seus bens eram confiscados e a pena estendia até sua família.

Apesar da insegurança jurídica que existia nesta época, o grande avanço é que a pena passou a ser aplicada pelo Estado.

1.2. O Direito Romano

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Roma apresentou um ciclo jurídico completo. Passou pelas fases da vingança divina e privada, mas com o passar dos tempos, eles começaram a separar o direito da religião e a pena passou a ter o caráter público. Eles passaram a entender que o crime atentava contra uma ordem estabelecida e que a pena era uma resposta do Estado (TELES, 2004, p. 56).

No primeiro período de organização, chamado de realeza, o direito era consuetudinário, rígido, formalista e solene. O primeiro Código a ser escrito foi a lei das XII Tábuas (Séc. V a.C.), resultante da luta entre patrícios e plebeus (PRADO, 2002, p. 48). A principal pena pública era a de morte, chamada de supplicium. Era aplicada aos crimes contra a nação, contra os que matavam cidadãos livres, quem cometia falso testemunho, suborno de magistrado, crime de incêndio e de sátira injuriosa. A palavra crimen referia-se aos crimes de natureza pública, punidos pelo Estado, que era representado pelo magistrado que exercia o poder de imperium. A palavra delictum se referia aos de natureza privada, que eram executados pelo pater familias, através do talião ou da composição, havendo interferência do Estado apenas para regular seu exercício (TELES, 2004, p. 56). O pater famílias tinha poderes ilimitados sobre seus dependentes, mulheres e escravos, inclusive direito de vida e morte –jus vitae at necis – (COSTA JR., 2000, p. 10).

Com a república (510 a.C. até 27 a.C.), surgiram ações consideradas lesivas ao Estado, mas não havia previsões legais. Os crimes privados foram desaparecendo e aos poucos, o Estados assumindo a jurisdição. A pena de crucificação foi sendo substituída pela fogueira e pela forca. Estavam presentes também as penas de trabalho forçado (PRADO, 2002, p. 49).

Com o império (27 a.C. até 284 d.C.) passou a ser analisado o caso concreto, que resultou na aplicação de uma pena individualizada. Isso fez com que surgisse várias teorias, que foram

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previstas no Corpus Júris Civilis de Justiniano, como da imputabilidade, culpabilidade e seus excludentes, do dolo, culpa, tentativa, dentre outras (COSTA JR., 2000, p. 11).

1.3. O Direito Germânico

Antes da invasão romana, o direito germânico era basicamente consuetudinário. O talião foi utilizado mais tarde por influência dos direitos romano e canônico (BITTENCOURT, 2006, p. 42).

A pena era tida como “inspiração religiosa.” O direito era entendido como ordem de paz e sua transgressão como perda da paz (COSTA JR., 2000, p. 11).

Os crimes podiam ser públicos ou privados. Quando privado o ofendido podia se utilizar da vingança ou da composição.

As tarifas de pagamento estabelecidas na composição eram de acordo com a raça, sexo, idade, local e espécie de ofensa. Quem não podia pagar era punido com penas corporais (COSTA JR., 2000, p. 11). Quando os crimes eram públicos, a pessoa era declarada fora da lei e qualquer pessoa podia lhe tirar a vida. As penas cominadas eram de morte, corporais, mutilação e exílio (TELES, 2004, p. 57).

A principal característica do direto germânico é que ele não considerava a intenção do agente. O que era levado em consideração era o resultado causado pelo crime. Nas palavras de Luiz Régis Prado (2002, p. 53):

Assim, há uma apreciação meramente objetiva do comportamento humano e uma confusão no que diz respeito à ilicitude. Despreza-se o aspecto subjetivo, não sendo

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punida a tentativa... Daí a máxima: o fato julga o homem. Importa, tão somente, o efeito danoso da ação, e a pena não sofre nenhuma oscilação se o resultado se produz voluntariamente ou não, ou por caso fortuito.

1.4. O Direito Grego

No direito grego havia também a distinção entre os crimes públicos e privados. O primeiro era punido coletivamente e era aplicado também aos sucessores do criminoso, enquanto, no segundo, a responsabilidade era individual (TELES, 2004, p. 56).

Sua principal característica é a responsabilidade individual, o que se assemelha ao Direito Penal Moderno.

1.5. O Direito Canônico

O Direito Canônico é um conjunto de normas da Igreja Católica Apostólica Romana, resultante do conjunto de vários decretos emitidos pelos pontífices romanos, sendo que o último Código foi promulgado pelo Papa João Paulo II em 1983 (PRADO, 2002, p. 53). Ele surgiu no século IX com o Corpus Juris Canocini, resultante da luta do papado para impor leis ao Estado em nome de Deus (COSTA JR., 2000, p. 11).

A denominação “canônico” é derivado da palavra grega “Kanon”, que significa norma. Na Idade Média todas as regras da Igreja eram denominadas cânones e confrontava com as leis de origem laica (PRADO, 2002, p. 54).

No início, o Direito Penal Canônico tinha caráter disciplinar interno, mas com o enfraquecimento do Poder Estatal começou a abranger religiosos e leigos (PRADO, 2002, p. 54).

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Tinha duas vertentes, chamadas de ratione personal e ratione materiae. A primeira era em razão da pessoa: o religioso era sempre julgado pelo Tribunal da Igreja, qualquer que fosse o delito cometido. A segunda dispunha que a competência seria eclesiástica, ainda que o crime fosse praticado por um leigo (PRADO, 2002, p. 54).

Os delitos eram classificados em:eclesiástica: quando a ofensa atingia o direito divino, a competência era dos tribunais eclesiásticos que puniam os ofensores com penitência ou excomunhão; mere secularia: ofendia somente o ordenamento jurídico laico e eram julgados pelo Estado e punidos com penas de morte, física, patrimonial, etc.; mixta: quando violavam as duas ordens. O ofensor era punido pelo tribunal que primeiro tivesse conhecimento do fato (PRADO, 2002, p. 54/ 55).

O Direito Penal Canônico tinha como finalidade o arrependimento e a correção do criminoso. Os tribunais católicos não aplicavam a pena de morte, mas quando a pena era cabível, o ofensor era entregue ao tribunal laico, porém, em reação aos delitos de usura e heresia que eram punidos com pena de morte, os agressores eram julgados de acordo com as normas da Igreja (PRADO, 2002, p. 55).

A partir do ano de 1215 foi instituído o Tribunal do Santo Ofício (Inquisição), por Inocêncio III, com a utilização do procedimento inquisitório, que foi uma prática amplamente difundida. Consistia na perseguição, julgamento e punição dos acusados de heresia (doutrinas ou práticas contrárias às definições da Igreja). As punições variavam desde a obrigação de fazer uma retratação pública até o confisco de bens e a prisão em cadeias. A pena mais severa era a de prisão perpétua, convertida pelas autoridades civis em execuções na fogueira ou na forca em praça pública. Para que uma pessoa fosse condenada bastava o testemunho de duas pessoas (PRADO, 2002, p. 55).

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Foi o Direito Canônico que deu origem à pena de prisão. Os monges ficavam presos em mosteiros quando infringiam as normas, rezando para se redimirem de seus pecados.

O Direito Canônico foi de grande valia para a humanização do direito penal porque privilegiava o perdão ao ódio, suavizando, assim, o caráter de castigo, bem como o arrependimento e a ressocialização. Fortaleceu a natureza pública da pena, à medida que não punia os crimes que ofendiam ao Estado. Firmou o princípio da igualdade de todos perante Deus. Acentuou a distinção entre dolo e culpa, porque levava em consideração a vontade e não o acontecimento (COSTA JR., 2000, p. 11/12).

1.6. O Período Humanitário

Os séculos XVII e XVIII foram marcados pela crescente importância da burguesia que impulsionava o desenvolvimento do capitalismo. Essa época foi marcada por intensos conflitos de interesses entre os burgueses e a nobreza. Então surgiu um conjunto de idéias que deu origem ao liberalismo burguês. Esse pensamento ganhou destaque e ficou conhecido como Filosofia das Luzes ou Iluminismo.

A partir de então a pena passou a ser vista sob uma nova ótica. Na concepção do filósofo Rousseau, em sua obra “O Contrato Social,” a pena se desvinculava da ética e da religião e encontrava sua razão “no contrato social violado” e deveria ser utilizada como medida puramente preventiva.

As velhas concepções arbitrárias foram aos poucos sendo dissolvidas pelos pensamentos filosóficos, que começaram a censurar a legislação penal, defendendo as liberdades individuais e a dignidade humana (BITTENCOURT, 2006, p. 47).

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Assim, os ideais iluministas foram aos poucos transformando o Direito Penal, visando, acima de tudo, à humanização da pena.

Um importante destaque desta época, influenciado pelo Iluminismo, foi o Marquês de Beccaria. Em 1764 ele escreveu uma grande obra intitulada “Dos Delitos e Das Penas.” Esta obra mostrou um panorama de desumanidade do Direito Penal da época e denunciou abusos de um poder estatal ilimitado (BECCARIA, 2003, p.16). Ele desenvolveu várias teorias, dentre elas, que as penas deveriam ser proporcionais aos delitos. Defendia o fim da pena de morte, da tortura, dos tormentos e ainda, os princípios que hoje chamamos de legalidade, da presunção da inocência e que a pena deveria intimidar o cidadão e recuperar o criminoso. Sobre os estabelecimentos prisionais de seu tempo, dizia que “era a horrível mansão do desespero e da fome”, faltando dentro delas piedade e humanidade.

Os princípios básicos do Direito Penal esculpidos por Beccaria serviram como alicerce para o Direito Penal Moderno, sendo adotado por vários Códigos, inclusive pela Declaração dos Direitos Humanos em 1789.

Outra importante figura que não pode deixar de ser mencionada, é o inglês Jonh Howard. Consoante Cézar Roberto Bittencourt (2006, p. 51) sua principal preocupação foi com os problemas penitenciários. Ele inspirou uma corrente penitencialista que se preocupava em construir estabelecimentos prisionais adequados para o cumprimento da pena privativa de liberdade. Ele se conscientizou de que as prisões deveriam proporcionar ao apenado higiene, alimentação, enfim, assistências básicas para cobrirem as necessidades elementares do ser humano.

1.7. O Período Científico

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Por volta de meados do século XIX, teve início o período científico, denominado também de criminológico. Neste período, foram trilhados outros caminhos para o estudo do direito penal a partir dos ideais iluministas. Estes estudos consistiam em buscar os motivos que levavam o ser humano a delinqüir.

Por não ser objeto deste trabalho explanar sobre as Escolas penais que se destacaram nestas pesquisas, serão citadas algumas a título de ilustração: Escola Clássica, Escola Positivista, Escola Moderna Alemã, Escola Crítica, Escola Penal Humanista, Escola Técnico- Jurídica, Escola Correcionalista etc.

Como pôde ser observado, o processo evolutivo de aplicação da pena foi lento e doloroso. Somente a partir do Iluminismo é que novos rumos foram traçados para o Direito Penal.

Durante todos esses séculos, não foi somente a aplicação da pena que evoluiu, mas também sua finalidade.

Nos primórdios da humanidade a pena tinha como finalidade a satisfação dos deuses, depois da vítima e com o passar dos tempos da sociedade. Mesmo com essa evolução, as penas continuavam a ser cruéis, como nas primeiras manifestações do homem contra o homem.

Para adentrarmos no foco principal desta pesquisa, que é a instituição da transação penal pela Lei 9.099/95, faz-se necessário reportarmos à história do Direito Penal no Brasil, desde a Colonização até a edição da Lei em questão.

2. A EVOLUÇÃO DA APLICAÇÃO DA PENA NO BRASIL

2.1. Considerações Iniciais

Antes da colonização portuguesa podemos dizer que imperava no Brasil o talião (TELES, 2004, p. 61), porém, os

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costumes dos antigos habitantes deste país não influenciaram na formação do Direito Penal Brasileiro que foi importado de Portugal.

Ao falarmos do Direito Penal no Brasil é preciso primeiramente fazermos breves considerações a respeito do Direito Português, que predominou neste país durante longos anos e algumas reformas legislativas, para somente depois falarmos da instituição da Lei 9.099/95 e a transação penal, objeto desta pesquisa científica.

A doutrina divide o Direito Brasileiro em três fases distintas: período colonial, imperial e republicano, sendo que a primeira fase se subdivide em outras três.

2.2. Período Colonial

A história do Direito Brasileiro se confundiu durante muitos anos com o Direito Português. A partir do descobrimento, as leis portuguesas passaram a imperar neste país.

2.2.1. Ordenações Afonsinas

Quando o Brasil foi descoberto, em Portugal vigorava as Ordenações Afonsinas, promulgadas em 1.446 por D. Afonso V, além de estarem presentes naquele ordenamento jurídico normas de Direito Romano, Canônico e consuetudinário. As ordenações Afonsinas foram consideradas o primeiro Código europeu completo, onde no livro V traziam as normas de Direito Penal (TELES, 2004, p. 61).

Consoante Ney Moura Teles (2003, p. 62), as penas estabelecidas neste Código eram cruéis, arbitrárias e desigualmente fixadas pelo julgador. Para ele, felizmente essas Ordenações quase não tiveram aplicabilidade em nosso país

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porque sua vigência foi até 1.514 e até 1.530 o nosso país foi regido pelas bulas pontifícias, alvarás e cartas régias.

2.2.2. Ordenações Manuelinas

As Ordenações Manuelinas foram promulgadas em 1.514 por Dom Manuel e vigorou até 1.603.

Segundo Ney Moura Teles (2004, p. 62), o novo Código não trouxe mudanças significativas, principalmente no que dizia respeito aos crimes públicos.

A pena de prisão não se tratava de uma condenação criminal, mas sim de uma medida cautelar para manter o preso sob custódia até a execução da pena, que era de morte, castigos corporais, aflição ou suplício. Existia também a pena de servidão, que era utilizada para punir o judeu que se passasse por cristão (TELES, 2004, p. 62).

As Ordenações Manuelinas foram aplicadas neste país pelos donatários das capitanias hereditárias como “senhores, juízes e verdadeiros reis que interpretavam, diziam e executavam o Direito Penal como se fossem deuses” (PRADO, 2002. p. 95).

2.2.3. Ordenações Filipinas

Foi promulgada em 1.603 por Felipe II, da Espanha, que na época reinava também em Portugal como Felipe I. Em 1.643 foi ratificada por D. João IV e em 1.823 por D. Pedro I.

A lei vigorou por mais de dois séculos e como não havia os princípios da legalidade e do contraditório, as penas ficavam ao livre arbítrio dos juízes que aplicavam as penas de formas desiguais, conforme o “status do apenado”. As penas cominadas eram de: ferro em brasa, corte de membros, multas, transmissão da

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infâmia aos descendentes dos criminosos, fogo em vida, dentre outras (TELES, 2004, p. 62).

Esta lei foi amplamente aplicada no Brasil, vindo a punir em 1.792 o mártir da Inconfidência, José da Silva Xavier, vulgo Tiradentes.

A lei sofreu várias críticas porque em nada distinguiam dos Códigos anteriores, pelo contrário, era ainda pior, segundo Luiz Regis Prado (2002, p. 95).

2.3. Período Imperial

Pouco antes da Independência, algumas penas cruéis foram abolidas, como a de tortura, infamante, a proibição da pena ultrapassar aos familiares do condenado, dentre outras (TELES, 2004, p. 63).

Com a Independência, foi promulgada em 1.824 a primeira Constituição do Império, com a adoção de alguns princípios como: a lei não terá efeito retroativo, a igualdade de todos perante a lei, nenhuma pena passará da pessoa do condenado e ainda aboliu os açoites, as torturas, as marcas de ferro em brasa, cruéis, além de outras. Acolheu 179 princípios sobre direitos e liberdades individuais, alterando parte do sistema penal em vigor (TELES, 2004, p. 63).

Em 1.830 surge o primeiro Código Criminal do Império e também o primeiro Código autônomo da América Latina (BITENCOURT, 2006, p. 58). Era composto de 313 artigos dividido em 4 partes: I. dos crimes e das penas; II. dos crimes públicos; III. dos crimes particulares; IV. dos crimes policiais. Adotou alguns princípios, como o da responsabilidade moral e do livre arbítrio, segundo o qual não há criminoso sem má

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fé, sem conhecimento do mal e sem a intenção de praticá-lo (PRADO, 2002, p. 97).

As penas previstas eram: morte na forca (para os crimes de insurreição de escravos, homicídio agravado e roubo com morte), trabalhos forçados, prisão simples e com trabalhos, banimento, degredo, desterro, multas e suspensão de direitos. Dispunha também sobre a imprescritibilidade das penas, o perdão concedido pelo ofendido e pelo imperador (TELES, 2004, p. 63).

Os avanços foram enormes, apesar da terrível pena de morte, que mais tarde foi revogada tacitamente por D. João II que passou a conceder o direito de clemência a todos os condenados à forca, tornando-se, assim, uma prática reiterada.

2.4. Período Republicano

Com a república e a abolição da escravatura, imperou-se a necessidade de elaborar um novo Código em virtude das amplas modificações na legislação penal. Foi assim que durante o Governo provisório de Deodoro, o Ministro da justiça Campos Sales encarregou o professor João Baptista Pereira de elaborar um novo Código, que foi apresentado em três meses (PRADO, 2002, p. 99).

Antes da entrada em vigor do novo Código, o decreto 774 de 20 de setembro de 1.890 aboliu as penas de galés, fixou em trinta anos o limite máximo da pena privativa de liberdade, que antes podia ser perpétua e estabeleceu a prescrição das penas (TELES 2004, p.64).

As penas previstas novo Código de 1890 eram: prisão celular, reclusão, prisão com trabalho obrigatório, prisão disciplinar, interdição, suspensão e perda do emprego público, multa, banimento, dentre outras (TELES 2004, p.64).

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Entretanto, não se sabe se pelo curto espaço de tempo em que foi elaborado, o Código de 1890 foi veemente criticado por apresentar, segundo Cézar Roberto Bittencourt (2006, p. 59) alguns erros. Então, para corrigi-lo, várias leis extravagantes foram editadas, ficando, assim, muito difícil seu manuseio o que gerou a incerteza na sua aplicação.

Destarte, foi confiado ao Desembargador Vicente Piragibe a tarefa de consolidar as leis extravagantes, que foi feita através do Decreto 22.213 de 14 de dezembro de 1932, que vigorou até 1940 (BITTENCOURT, 2006, p. 59).

Em 1.940 foi promulgado o novo Código Penal Brasileiro que teve sua vigência a partir de 01 de janeiro de 1.942 e está em vigor até os dias atuais com algumas modificações.

2.5. Algumas Reformas na Legislação Penal

2.5.1. O Código Penal de 1969

Foi elaborado por Nélson Hungria, apresentado ao governo e publicado através do decreto 1.490 de 8 de dezembro de 1.962 para que pudesse receber sugestões. O projeto mantinha a mesma estrutura do Código Penal de 1940, excluídos os defeitos considerados mais graves. Propunha, dentre outras mudanças, a elevação da pena de reclusão para 40 anos, limitava o poder discricionário do juiz quando da aplicação da pena e a redução da imputabilidade penal para 16 anos (PIERANGELI, 2001, p. 85).

O projeto recebeu várias sugestões apresentadas por Faculdades de Direito e pelos Conselhos da OAB.

Como todos os Códigos, recebeu críticas e elogios.

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Foi submetido a várias revisões e muitos decretos foram editados para sua entrada em vigor, até que em 11 de outubro de 1978, foi revogado pela lei 6.578.

2.5.2. O Código Penal de 1984

A Lei 7.209/84 foi editada e reformulou amplamente a parte geral do Código Penal de 1940, humanizando as sanções penais. Adotou as penas alternativas à prisão, além de reintroduzir o sistema de dias multa (BITTENCOURT, 2006, p. 59/60).

Segundo José Henrique Pierangeli (2001, p. 86):

Elaborou-se um rol de penas que vão desde a multa e a simples restrição de certos direitos até a privação da liberdade em regime fechado. Estabeleceu-se a escala de aplicação dessas penas, reservando-se as não privativas de liberdade para as infrações de menor importância, as privativas de liberdade para os crimes mais graves e para os delinqüentes perigosos ou que não se adaptarem, por rebeldia, às outras modalidades de pena. Dentre as penas não privativas de liberdade, acolheram-se as seguintes: multa, prestação de serviços à comunidade, interdição temporária de direitos, limitação de fim de semana.

Foi adotado também o princípio da culpabilidade, diversificou o tratamento dos partícipes no concurso de agentes, admitiu-se a escusabilidade da falta de consciência de ilicitude, ficou estabelecido que a dosimetria da pena não pode ultrapassar o grau de culpabilidade do agente, dentre outras mudanças (PIERANGELI, 2001, p. 86).

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2.5.3. A Lei 9.099/95

Em 26 de setembro de 1995, entrou em vigor a Lei 9.099/95 que dispõe sobre os Juizados Especiais Criminais. Foi um marco na reformulação do Direito Penal pátrio, inspirado na política de despenalização para os crimes de menor potencial ofensivo.

Com o advento da Lei 9.099/95, o processo tornou-se mais célere, buscando assegurar as decisões judiciais, evitando-se, assim, a impunibilidade dos ilícitos penais e ao mesmo tempo, para desafogar a Justiça Criminal.

A partir de agora, iremos ater-nos somente à Lei 9.099/95 com o instituto da transação penal.

3. A TRANSAÇÃO PENAL COMO PARADIGMA PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS

3.1. Disposições Preliminares

A Constituição de 1988 determinou em seu art. 98, I, a criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Em 26 de setembro de 1995 foi instituída a Lei 9.099/95 que regulamentou o dispositivo constitucional que trata dos Juizados Especiais, abrangendo os crimes considerados de menor potencial ofensivo, cuja pena máxima cominada, inicialmente, era de 1 ano. Em 2001, com a entrada em vigor da Lei 10.259, que criou os Juizados Especiais Criminais Federais, o conceito de menor potencial ofensivo foi ampliado para 2 anos. Recentemente, a Lei 11.313/06 alterou o art. 61 da Lei 9.099/95, para abarcar os crimes com pena igual ou inferior a 2 anos, cumulada ou não com multa.

Os critérios norteadores dos Juizados Especiais Criminais são: a busca da reparação do dano à vítima, a conciliação, a não aplicação da pena privativa de liberdade e os princípios da

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oralidade, da informalidade, da economia processual e da celeridade dos atos processuais (Lei 9.099/95).

Conforme dito anteriormente, a Lei 9.099/95 inovou a legislação criminal, criando novos institutos, como a composição civil do dano à vítima, a transação penal e a suspensão condicional do processo. A transação penal, objeto desta pesquisa é um novo modelo de justiça criminal que busca a solução dos conflitos e não mais uma solução de mérito, como no processo criminal comum. Mesmo estando em vigor há mais de dez anos, ela ainda traz grandes desafios e muitas polêmicas entre os operadores do direito.

3.2. Conceito

Assim dispõe o Art. 76 da Lei 9.099/95:

Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo o caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa, a ser especificada na proposta.

Com fundamento no dispositivo legal mencionado, a Escola Paulista do Ministério Público, apud Mirabete (2000, p. 117), conceituou o instituto da transação penal nos seguintes termos:

A transação penal é um instituto jurídico novo, que atribui ao Ministério Público, titular exclusivo da ação penal pública, a faculdade dela dispor, desde que atendidas as condições previstas na Lei, propondo ao autor da infração de menor potencial ofensivo a aplicação, sem denúncia e instauração de processo, de pena não privativa de liberdade.

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Em outras palavras, a transação penal pode ser definida como um acordo entre o autor do fato e Ministério Público, através do qual este último se submete ao cumprimento de determinada medida, sem admissão de culpa, para evitar a instauração de um processo.

3.3. Finalidade

A finalidade da transação penal pode ser vista sob dois aspectos: um sob o ponto de vista do Estado e o outro sob o ponto de vista do beneficiado:

O primeiro, diz respeito à finalidade do instituto em si, que é promover a pacificação social de uma forma mais célere e menos burocrática a fim de evitar a impunidade dos ilícitos penais.

O segundo aspecto é evitar, em princípio, a instauração da ação penal que certamente traz conseqüências mais danosas para o ofensor.

A esse respeito leciona Guilherme de Souza Nucci (2006,

p. 76): [...] a transação envolve um acordo entre o

órgão acusatório, na hipótese enunciada no art. 76 da Lei 9.099/95, e o autor do fato, visando à imposição de pena de multa ou restritiva de direitos, imediatamente, sem a necessidade do devido processo legal, evitando-se, pois, a discussão acerca da culpa e os males trazidos, por conseqüência, pelo litígio na esfera criminal...

3.4. A Proposta de Transação Penal

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De acordo com o disposto nos artigos 69 e 77§ 1 da Lei 9.099/95, quando da prática de um delito considerado de menor potencial ofensivo, será lavrado um Temo Circunstanciado de Ocorrência que substitui, nesse caso, o inquérito policial. Esse termo será lavrado pela autoridade competente que descreverá sucintamente os fatos, indicando a vítima, o autor da infração e as testemunhas, que serão limitadas em três. O Termo Circunstanciado poderá ainda, ser seguido, conforme o caso, de um boletim médico ou prova equivalente para comprovar a materialidade do delito. Lavrado o termo, esse será encaminhado ao Juizado Criminal. É importante ressaltar que não haverá prisão em flagrante quando o autor do fato assumir o compromisso de comparecer ao Juizado, ficando, assim, proibido a lavratura do auto.

No Juizado Especial Criminal o TCO será encaminhado ao Ministério Público para que seja analisado se é ou não o caso de arquivamento. Como a Lei 9.099/95 não trata dos requisitos para o pedido de arquivamento, deve ser utilizado subsidiariamente o art. 28 do CPP, que para Ada Pellegini (2005, p. 151) se aplicam totalmente as infrações consideradas de menor potencial ofensivo. Somente após essa análise é que será designada audiência preliminar.

Nas palavras de Ada Pellegrini Grinover (2005, p. 151), “a proposta de transação penal não é alternativa ao pedido de arquivamento, mas algo que possa ocorrer somente nas hipóteses em que o Ministério Público entenda que deva o processo penal ser instaurado.”

Assim, o momento oportuno para apresentação da proposta de transação é na audiência preliminar. A proposta ocorrerá quando o Ministério Público entender que deva o processo penal ser instaurado, ou seja, nos casos de ação penal pública incondicionada ou condicionada (caso haja representação da

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vítima) e, nesse último caso, logo após infrutífera tentativa de conciliação entre as partes.

Havendo composição civil do dano antes da audiência preliminar ou durante sua realização, a transação penal está impedida (art. 74, Lei 9.099/95). Por outro lado, se a ação penal for incondicionada, pouco importa se houve ou não acordo entre as partes, pois, este ato não será considerado como causa para extinção da punibilidade (CAPEZ, 2006, p. 556).

A audiência preliminar é obrigatória.

Nesse sentido:

Em sede de Juizado Especial Criminal, é nulo o processo no qual a pena de multa aplicada em transação é cobrada sem que a audiência preliminar tivesse sido realizada, pois restam suprimidas fases que a Lei 9.099/95 estabelece como integrantes do sistema por ela adotado, inclusive por não ter havido ensejo a que fosse o acusado advertido das conseqüências do descumprimento da obrigação assumida e devidamente homologada (RJDTACRIM 37/249).

3.5. É admissível ou não a Transação Penal na Ação Privada?

A Lei não deixa dúvidas em relação à titularidade da proposta de transação penal (art. 76 da Lei 9.099/95): “havendo representação, ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada (...) o Ministério Público poderá propor aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa, a ser especificada na proposta (...)”.

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Como pode ser visto, em hipótese alguma foi permitido que a vítima proponha uma sanção penal ao ofensor. Se essa hipótese fosse admitida, estaríamos sem sombra de dúvidas, voltando à fase da vingança privada. A Lei 9.099/95 prevê a reparação do dano através da composição civil. Caso não haja acordo, a vítima poderá ajuizar uma ação de indenização, mas a submissão à proposta de transação como forma de punição deve, acima de tudo, ficar a cargo do Estado.

Na lição de Ada Pellegrini (2005, p. 149):

A lei só cuida da proposta de aplicação de pena com relação à ação penal pública, condicionada ou não. Exclui-se das primeiras linhas do art. 76 a previsão de transação penal proposta pelo titular da queixa crime. E certamente, numa visão mais tradicional do papel da vítima no processo penal, poder-se-ia afirmar não ter ela interesse na pena. De modo que, frustrada a tentativa de reparação dos danos, somente abrem-lhe duas alternativas: apresentar queixa, para o exercício da ação penal, como substituto processual, ou quedar-se inerte, não dando margem a persecução penal.

E continua:

Poderia parecer estranho permitir à vítima transacionar sobre aplicação de sanção penal. Tal ato de disponibilidade (parcial) se coadunaria com os poderes do substituto processual, que em nome próprio defende o interesse público à persecução penal.

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Para ela, esses foram os motivos que levaram o legislador a restringir a transação penal aos casos de ação penal pública.

Júlio Fabbrini Mirabete (2000, p. 129) se pronunciou de acordo com a conclusão do I Congresso Brasileiro de Direito Processual e Juizados Especiais:

Não prevê a lei a possibilidade de transação na ação penal de iniciativa privada. Isto porque, na espécie, o ofendido não é representante do titular do jus puniendi, mas somente do jus persequendi in juditio. Não se entendeu possível que pudesse, assim, a aplicação de pena na hipótese de infração penal de menor potencial ofensivo, permitindo à vítima transacionar sobre uma ação penal. Ademais, numa visão tradicional, o interesse da vítima é o de ver reparados os danos causados pelo crime, o que lhe é possibilitado no instituto da composição, ou com a execução da sentença condenatória penal. Na ação penal de iniciativa privada, prevalecem os princípios da oportunidade e disponibilidade e, no caso afeto aos Juizados, a composição pelos danos sofridos pela vítima, tornando desnecessária e desaconselhável a previsão de oferecimento de proposta para transação.

Este também é o posicionamento de Fernando Capez (2006, p. 556):

Se a ação for privada, entendemos que não cabe transação, pois, como vigora o princípio da disponibilidade, a todo tempo o ofendido poderá,

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por outros meios (perdão e perempção), desistir do processo; entretanto, não tem autoridade para oferecer nenhuma pena, limitando-se a legitimidade que recebeu do Estado à mera propositura da ação.

Há, porém, opiniões em sentido contrário, como é o caso de Fernando da Costa Tourinho Neto (2005, p. 536), que afirma que o fato de a Lei dos Juizados referir-se ao Ministério Público como legitimado para propor a transação penal não quer dizer que o querelante não tenha legitimidade. Para ele, a Lei não previu a possibilidade porque entendeu ser óbvio, considerando o princípio da oportunidade que rege a ação penal privada. Ele entende ainda, que preenchidos os requisitos que possibilitem a transação penal e o querelante não a fizer, pode o Juiz fazê-la.

No entanto, Ada Pellegrini faz a seguinte ressalva (2005, p. 150):

A vítima, que viu frustrado o acordo civil do art. 74, quase certamente oferecerá a queixa, se nenhuma outra alternativa lhe for oferecida. Mas, se pode o mais, porque não poderia o menos? Talvez sua satisfação, no âmbito penal se reduza a imposição imediata de uma pena restritiva de direitos ou multa, e não se vêem razões válidas para obstar-se-lhe a via da transação que, se aceita pelo autuado, será mais benéfica também para este.

Nesse sentido, já decidiu o STJ:

A Lei 9.099/95 aplica-se aos crimes de procedimentos especiais, desde que obedecidos os requisitos autorizadores, permitindo a

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transação e a suspensão condicional do processo inclusive nas ações penais de iniciativa exclusivamente privada. (RHC 8.480-SP, 5 Turma, rel. Gilson Dipp, DJU 22.11. 1999)

3.6. A Transação Penal é um Poder ou Dever do Ministério Público?

Conforme salienta Ada Pellegrini (2005, p. 153), a primeira leitura do art. 76 da Lei 9.099/95, em uma interpretação meramente literal, sugere que se trata de simples faculdade do Ministério Público, que pode optar por transacionar, ainda que presentes as condições legais. Para a jurista, o “poderá” não indica faculdade, mas um poder dever a ser exercido pelo órgão acusador todas as vezes que não se configurem as hipóteses do § 2, in verbis:

§ 2. Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:

I. ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;

II. ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de 5 (cinco) anos, pela aplicação de pena restritiva de direitos ou multa, nos termos deste artigo;

III. não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente para a adoção da medida.

Assim, o poder dever da acusação corresponderia a um direito público subjetivo do autor do fato, ou seja, preenchidos os pressupostos autorizadores do benefício, a transação penal seria

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um direito do autuado e somente ele poderia ter a faculdade de dispor ou não desse benefício.

A propósito:

A aplicação antecipada da pena, prevista no art. 76 da Lei 9.099/95, é direito do réu, quando preenchidos os requisitos legais e havendo a sua concordância, fazendo com que se beneficie com a limitação dos efeitos da sentença, ainda que o Ministério Público oponha-se a tal solução favorável, pois, apesar de haver recebido do Estado o direito de ação penal, não pode submeter o infrator a tratamento mais rigoroso do que o previsto em lei.(RJDTACRIM 31/199).

Cézar Roberto Bittencourt (2006, p. 62) entende que como o direito subjetivo do autor está sendo violado, deve se impetrado habeas corpus.

Para Damásio E de Jesus (2006, p. 88), neste caso, o Juiz pode fazer a proposta. Esse é o entendimento da Comissão Nacional de Interpretação da Lei 9.099/95, sob a coordenação da Escola Nacional de Magistratura. A Comissão chegou a conclusão de que “se o Ministério Público não oferecer a proposta de transação penal, poderá o juiz fazê-la (apudTOURINHO NETO, 2005, p. 532).

Sobre essa posição, a jurisprudência já se manifestou nos seguintes termos:

Transação processual: ante a desarrazoada recusa, ou mesmo recusa erroneamente motivada por parte do Ministério Público tem o Juiz o dever de suprir ou não aceitar tal motivação que causa inegável lesão aos direitos do infrator. (RJDTACRIM 40/44)

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Nesse sentido é a conclusão seguinte:

Décima terceira conclusão: Se o Ministério Público não oferecer proposta de transação penal e suspensão do processo nos termos dos artigos 79 e 89, poderá o juiz fazê-lo.

Mas o oferecimento da proposta pelo magistrado é polêmica, visto que tal solução afronta a autonomia da vontade do órgão acusador. A esse respeito se posicionou Mirabete (2000, p. 122):

A proposta de ofício com a conseqüente homologação em caso de aceitação equivaleria ao exercício da jurisdição sem ação. O princípio da discricionariedade limitada, portanto permite ao Ministério Público e, só a ele, optar pela representação da proposta ou oferecer a denúncia desde logo, segundo a conveniência e necessidade de repressão ao crime com maior ou menor intensidade, diante da política criminal que estabelecer. Não há nem implicitamente a transferência do direito de ação do Ministério Público para o magistrado, o que, aliás padeceria do vício da inconstitucionalidade. Cabe somente ao Ministério Público a parcela de soberania do Estado de promover a persecução criminal, verificando se existem as condições necessárias para o início do devido processo legal, vedando-se ao poder judiciário, fora dos limites legais, discutir o mérito do ato discricionário do Parquet, violando o princípio do devido processo legal (art. 5, LIII, da Constituição Federal).

Segundo Fernando Capez (2006, p. 557), o juiz não pode modificar o conteúdo da decisão. Se o Ministério Público não oferecer a proposta ou se o juiz discordar de seu conteúdo,

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deverá, por analogia o art. 28 de CPP, remeter os autos ao Procurador Geral de Justiça para designação de outro Promotor para formulação da proposta, fazer alteração de seu conteúdo ou ratificá-la, caso em que o Juiz está obrigado a homologar o acordo. Esta também é a posição de Ada Pellegrini.

A esse respeito:

[...] Entendendo o Magistrado que incorreta a discricionariedade do Promotor de Justiça ao não propor algumas das mercês estabelecidas da Lei 9.099/95, nada obsta, antes de tudo aconselha-se que, por analogia ao art. 28 do diploma processual vigente, remeta os autos ao Chefe do Parquet a fim de que se examine o caso e aplique a discricionariedade regrada (RT 739/618-619).

Esse entendimento consolidou-se no Supremo Tribunal Federal, com a edição da Súmula 696:

Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo, mas se recusando o Promotor de Justiça a propô-la, o Juiz, dissentindo remeterá a questão ao Procurador Geral, aplicando-se por analogia o art. 28 do Código de Processo Penal.

Outro ponto importante que não pode deixar de ser lembrado é que se o autor do fato preencher os requisitos estabelecidos na lei, tendo o direito de ser beneficiado com a transação penal, a vontade da vítima em nada influenciará na concessão do benefício.

3.7. A Transação Penal e o Princípio da Indisponibilidade da Ação Penal

Uma das questões polêmica que sobreveio com o instituto da transação penal é a discussão acerca de uma possível ofensa ao

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princípio da indisponibilidade da ação penal, conferido ao Ministério Público no art. 28 do CPP:

Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará obrigado o juiz a atender.

Ao transacionar com o ofensor, estaria o Estado abdicando do direito e sobretudo do dever de punir?

Sim. Sem sombra de dúvidas, a transação penal ofende ao princípio da indisponibilidade da ação penal pública, adotado pelo art. 28 do Código de Processo Penal, entretanto, tal instituto foi criado pela Constituição Federal, destarte, a transação penal prevalece, uma vez que a Lei maior deve ser respeitada.

A respeito do princípio da indisponibilidade da ação penal, o XVI Congresso do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro chegou a seguinte conclusão:

O princípio da obrigatoriedade convive harmonicamente com o procedimento do Juizado Especial e com o instituto da suspensão do processo; já o princípio da indisponibilidade não é respeitado na face preliminar e no procedimento sumaríssimo (se ocorrer a conciliação). Na suspensão o referido princípio é atendido.

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Após analisarmos os aspectos gerais do instituto, iremos avaliar outros pontos controvertidos sobre o assunto e, finalmente, o ponto mais polêmico sobre a matéria que é a conversão da pena restritiva de direitos em privativa de liberdade.

4. DA TRANSAÇÃO PENAL

4.1. Pressupostos de Cabimento

Frustrada a composição civil do dano ou não sendo o caso de conciliação, o processo seguirá com a possibilidade de um acordo entre o autor do fato e o Ministério Público.

Os requisitos para celebração desse acordo são: formulação da proposta pelo Ministério Público; tratar-se de contravenção penal ou de crime cuja pena máxima cominada não seja superior a 2 anos; tratar-se de crime de ação penal pública incondicionada ou condicionada a representação do ofendido (caso em que ela deverá ser oferecida); não ser o caso de arquivamento do Termo Circunstanciado de Ocorrência; e a aceitação da proposta pelo autor da infração e seu defensor;

Além de todos esses requisitos, preceitua o Art. 76, § 2, da Lei 9.099/95 que a proposta só será feita se ficar comprovado: não ter sido o autor da infração condenado pela prática de crime, a pena privativa de liberdade por sentença definitiva; não ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de 5 (cinco) anos pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos da lei; ser indicada para o caso, considerando os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida.

Ausente qualquer desses pressupostos, estabelece o art. 77, do mesmo diploma legal, que o Ministério Público oferecerá imediatamente denúncia oral.

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Se a proposta for aceita, ela será imediatamente levada a apreciação do Juiz para homologação (art. 76, p. 3), ocasião em que será aplicada pena restritiva de direitos ou multa (art. 76, p. 4).

4.2. Penalidades Aplicáveis quando da Proposta de Transação Penal

As penas restritivas de direitos foram criadas com o objetivo de substituir as penas privativas de liberdade (art. 43 do CP). No caso da transação penal, as penas restritivas de direitos são autônomas e não substituem a pena privativa de liberdade.

Dispõe o art. 76 da Lei 9.099/95: (...) “o Ministério Público poderá propor aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.”

Assim, as penas compatíveis com a transação penal são as restritivas de direitos ou multa, excluídas as privativas de liberdade.

Na transação penal o Ministério Público propõe a aplicação da pena restritiva de direitos e se o autor do fato aceitar, ela será aplicada.

Conforme salienta Tourinho Neto (2005, p. 76), o tempo de duração da pena restritiva de direitos não pode exceder o mínimo da pena cominada ao crime.

As penas restritivas de direito, de acordo com o art. 43 do Código Penal, são: prestação pecuniária; perda de bens e valores; prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas; interdição temporária de direitos e limitação de final de semana.

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Para Tourinho Neto, esse rol é taxativo e não pode o Juiz fixar pena diversa das previstas no art. 43 do diploma legal.

A prestação pecuniária tem caráter indenizatório e consiste no pagamento de dinheiro à vítima, seus dependentes ou entidades públicas ou privadas com destinação social, de 1 a 360 salários mínimos, de acordo com o art. 43, § 1, do CP. Esse valor será deduzido de eventual reparação civil, no caso de pagamento à vítima. Para Nucci, (2006, p. 387) se houve a composição civil do dano, sendo o crime de ação penal pública incondicionada e a transação penal aplicada for consistente em prestação pecuniária o benefício não pode ser destinado à vítima, pois, esta não pode lucrar com o crime. Ele enfatiza ainda que o montante em dinheiro deve ser razoável e não pode simular uma pena consistindo no pagamento de quantias ínfimas.

A perda de bens e valores visa a impedir que o réu obtenha qualquer benefício em razão da prática do crime. A perda de bens incidirá sobre o montante do prejuízo causado e o provento obtido pelo agente ou por terceiro pela prática do crime. Nucci (2006, p. 388), esclarece que o autuado poderia perder qualquer valor, desde que não ultrapasse o prejuízo causado pela infração.

A prestação de serviços à comunidade consiste na atribuição de tarefas gratuitas do condenado a entidades assistenciais, hospitais, escolas, de acordo com suas aptidões. A prestação de serviços a comunidade deve ser cumprida à razão de uma hora de trabalho por cada dia de condenação, ou seja, se o indivíduo foi condenado a noventa dias de prisão, deverá cumprir noventa horas de trabalho gratuito. Guilherme de Souza Nucci (2006, p. 388), entende que a prestação de serviços seria a melhor medida, pois, “confere um significado ético à punição, implicando no dever de colaboração e, ainda na instigação à solidariedade.”

A interdição temporária de direitos consiste em: a)Proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo. Para que isso ocorra não precisa o crime ser

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contra a administração pública, basta ter havido violação dos deveres inerentes do cargo, função ou atividade pública. Esta pena restritiva não se confunde com a perda do cargo em virtude da condenação (art. 92, I). A pena consiste na proibição de exercer o cargo, a função, a atividade ou mandato pelo prazo da condenação, o condenado não perde o cargo nem tampouco o mandato eletivo; b)suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículos: Esta medida é aplicada somente para os crimes culposos de trânsito quando, à época do crime, o condenado era habilitado ou autorizado a dirigir veículos, salvo nos casos em que a suspensão não for a pena principal; c) proibição de freqüentar determinados lugares: esta modalidade de pena é uma importante medida alternativa, no sentido de evitar a presença do condenado em ambientes favoráveis à reincidência, daí porque os lugares proibidos devem guardar relação com o crime praticado; d) proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício: esta proibição consiste nas atividades ou ofícios que dependam de habilitação especial de licença ou autorização do poder público, como médicos, engenheiros, advogados etc. A pena é decorrente da prática de violação de deveres de profissão atividade ou ofício. Abrange somente a profissão que ocorreu o abuso, não envolvendo outras profissões que o agente possa exercer.

A limitação de final de semana consiste na obrigação de permanecer, aos finais de semana por cinco horas diárias, em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado, no qual serão ministrados cursos e tarefas educativas. No entendimento de Tourinho Neto (2005, p. 545), a pena de final de semana não pode ser aplicada porque restringe a liberdade do autuado o que contraria a filosofia do Juizado Especial.

Uma pena que é muito utilizada é a entrega de cestas básicas a entidades assistenciais, porém essa medida é muito polêmica. Tourinho Neto (2005, p. 546) entende que a entrega de uma cesta

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básica a um orfanato, por exemplo, constitui uma prestação alternativa e, por esse motivo pode ser aplicada. Nucci, (2006, p. 388) entende que essa medida não pode ser aplicada porque não há previsão legal.

Na lição de Bittencourt, (2006, p. 388):

O entusiasmo com que se tem divulgado a aplicação aqui e acolá da indigita “cesta básica” como pena alternativa tem cegado um grande segmento de aplicadores o direito, que provavelmente, não se deram conta da ilegalidade de tal modalidade de pena. Hoje se viola o princípio secular da reserva legal por um motivo nobre, amanhã talvez por um motivo não tão nobre assim, depois, bem, depois quem sabe, quem sabe, pode-se começar a defender que o princípio da reserva legal não é tão absoluto assim, que os fins justificam os meios, etc, etc.

Para Ada Pellegrini (2005, p. 144):

Ao incluir entre as penas restritivas de direitos a prestação pecuniária, a Lei 9. 714/1998 deixou superada a questão relativa á possibilidade de ser objeto da transação penal a chamada prestação social alternativa (como, por exemplo, a entrega de cestas básicas, vestuários ou remédios à coletividade carente ou à instituições assistenciais).

A pena de multa é uma sanção pecuniária de natureza penal, que consiste no pagamento de uma determinada quantia ao fundo penitenciário. Ela não se confunde com a

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prestação pecuniária, pois, esta é destinada à vítima ou entidades assistenciais.

Como a pena de multa deve obedecer ao princípio da legalidade, ela deve obedecer aos critérios gerais fixado pelo Código Penal, variando entre 10 e 360 dias-multa, calculando cada dia em valores de 1/30 a 5 vezes o salário mínimo, levando em consideração a situação econômica do autuado. Para se fazer esse cálculo, deve-se levar em consideração as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP e a gravidade maior ou menor do delito, alem das atenuantes, agravantes, causas de aumento e diminuição.

A lei estabelece ainda, que sendo a pena de multa a única aplicável, essa poderá ser reduzida pelo juiz pela metade (art. 76, § 1).

4.3. Homologação da Transação Penal

Aceita a proposta pelo autor do fato e seu defensor, ela deverá ser encaminhada ao Juiz para apreciação, ou seja, para que seja feito o chamado controle “jurisdicional.” Esse controle visa a avaliar se a proposta está dentro dos parâmetros legais. Verificando se a proposta é cabível ao caso, ela será homologada. Segundo Júlio Fabbrini Mirabete (2000, p. 140),

não cabe ao Juiz avaliar se a proposta foi vantajosa para o Estado ou para o infrator, ele irá apenas verificar a legalidade da medida proposta. Segundo ele, se o juiz interferir na transação, ele estará ofendendo o princípio do devido processo legal e da imparcialidade, além das funções do Ministério Público e do Poder Judiciário.

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A opinião de Mirabete é muito coerente, pois o Ministério Público é o titular exclusivo para fazer qualquer tipo de proposta ao autuado. Pensar de outra forma seria uma ilegalidade. Não faria sentido o Representante do Ministério Público fazer uma proposta para que ela fosse recusada ou modificada pelo Juiz. Além disso, analisar se ela é vantajosa ou demasiadamente prejudicial ao autor da infração é uma tarefa do defensor e não do juiz.

É importante ressaltar que contra decisão que homologa a transação, cabe apelação (art, 76, § 5 da Lei 9.099/95), para uma turma composta por três juízes em exercício no primeiro grau de jurisdição, reunidos na sede do Juizado, denominada Turma Recursal (art. 82 da Lei 9.099/95).

4.4. Natureza Jurídica da Sentença Homologatória de Transação Penal

Conforme estabelece o § 5 do art. 76, a homologação da transação penal é uma sentença que põe fim ao procedimento ainda em fase preliminar, mas qual é a natureza jurídica dessa sentença? A natureza jurídica da homologação de transação penal causa grande discussão entre os doutrinadores:

Para Fernando Capez (2006, p. 558), a natureza jurídica da transação penal é condenatória, porque faz coisa julgada formal e material. Para ele, mesmo que a aceitação da proposta não implique em admissão de culpa, a decisão de aceita-la é tomada com base em critérios de pura conveniência pessoal.

A 5ª e a 6ª turma do STJ têm decidido nesse sentido: a homologação da transação penal tem natureza condenatória, gerando eficácia de coisa julgada formal e material, portanto, se descumprido o acordo homologado, não pode haver oferecimento de denúncia contra o autor do fato.

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Esse é também o entendimento de Tourinho Neto (2006, p. 513). Para ele há um título executivo penal que empede uma nova análise do caso.

No entanto, Ada Pellegrini (2005, p. 167) esclarece que a natureza jurídica da sentença não pode ser considerada condenatória, uma vez que não houve acusação e a aceitação da imposição da pena não tem conseqüências no campo criminal, salvo para impedir novo benefício no prazo de 5 (cinco) anos. Ela acrescenta ainda, que quando da aplicação da medida alternativa não há qualquer prejuízo condenatório porque não foram analisados os elementos de infração penal, como a prova da ilicitude ou da culpabilidade. Para ela a natureza jurídica da sentença não pode ser absolutória porque é aplicada uma sanção de natureza penal. Por todos esses motivos, diz a doutrinadora ser a natureza jurídica da sentença simplesmente homologatória de transação.

Nucci tem o mesmo entendimento (2006, p. 393). Para ele trata-se de apenas uma decisão homologatória. Não é condenatória porque não houve o devido processo legal. Não é absolutória porque não foi discutida a culpa, tendo a mesma finalidade apontada por Ada.

Cézar Roberto Bitencourt entende que se trata de sentença declaratória constitutiva, pois a própria sentença exclui qualquer caráter condenatório, afastando a reincidência, antecedentes criminais e a constituição de título executivo civil.

Somos desse mesmo entendimento. Como a homologação da transação faz coisa julgada formal e material, acreditamos que a natureza jurídica da transação penal é constitutiva porque irá constituir um título executivo, não na esfera penal, mais na cível, a ser executada pelo Ministério Público. Ela jamais poderia ser condenatória porque não houve o devido

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processo legal, garantido pela Constituição Federal e acima de tudo sem a análise do art. 59 do CP para dosar a medida.

4.5. Sentença Condicionada ao Cumprimento do Acordo

Considerando as discussões a respeito da natureza jurídica da transação penal e o fato de muitos acordos não serem cumpridos, o FONAJE (Fórum Nacional dos Juizados Especiais) editou o enunciado de número 14, que foi substituído pelo 79, que assim estabelece:

É incabível o oferecimento da denúncia após sentença homologatória de transação penal em que não haja cláusula resolutiva expressa, podendo constar da proposta que sua homologação fica condicionada ao prévio cumprimento do avençado. O descumprimento, no caso de não homologação, poderá ensejar o prosseguimento do feito (Aprovado no XIX Encontro – Aracajú/SE).

Sob esta ótica, a transação é homologada após o cumprimento do acordo e, ao mesmo tempo, é declarada extinta a punibilidade do autuado.

Esse enunciado tem o objetivo de impedir que a sentença faça coisa julgada formal e material, podendo assim o processo ser retomado com a denúncia pelo órgão acusatório.

Nesse sentido se manifestou o STJ:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. TRANSAÇÃO PENAL. LEI N.º 9.099/95. ACORDO NÃO HOMOLOGADO. DESCUMPRIMENTO.

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OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. APLICAÇÃO DO ART. 66, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 9.099/95.1. Admite-se o oferecimento de denúncia contra o autor do fato, quando não existir, na hipótese, sentença homologatória da transação penal. 2. Nos termos do art. 66, parágrafo único, da Lei n.º 9.099/95, os autos devem ser encaminhados para a Justiça Comum, caso não se encontre o acusado para ser citado. 3. Recurso especial conhecido e provido.

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 147, DO CÓDIGO PENAL. TRANSAÇÃO PENAL. LEI Nº 9.099/95. DESCUMPRIMENTO DE ACORDO NÃO HOMOLOGADO. OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. POSSIBILIDADE. Não tendo havido a homologação da transação penal, é cabível oferecimento da denúncia em desfavor do autor do fato. (Precedentes). Ordem denegada.

Porém, essa não é a solução mais adequada para o problema. Entendemos que, se não há homologação, o acordo não tem caráter jurisdicional, ficando o autuado desobrigado de cumprir a medida.

Além disso, deve ser ressaltado, que o enunciado não tem força de lei e por isso ninguém está obrigado a cumpri-lo.

Para Nucci (2006, p. 390), esse procedimento é abusivo e pode ser sanado por habeas corpus.

4.6. Efeitos da Homologação da Transação

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A transação penal produz somente um efeito: impedir novo benefício no prazo de 5 anos. Quanto aos demais, vemos que: não gera reincidência; não gera efeitos civis, não podendo servir como título executivo no juízo cível; não gera maus antecedentes, nem constará da certidão criminal; esgota o poder jurisdicional do magistrado, não podendo mais este decidir sobre o mérito, a não ser em embargos declaratórios, ressalvadas as hipóteses de descumprimento posterior da prestação pactuada, quando será instaurado o processo, devolvendo ao magistrado o poder jurisdicional sobre aquele fato; os efeitos retroagem a data do fato; na hipótese de concurso de agentes, a transação efetuada com um dos co-autores não se estendem nem se comunicam aos demais (CAPEZ, 2006, p. 559).

4.7. O Descumprimento da Transação Penal

O descumprimento da Transação Penal é um grave problema que vem sendo debatido pelos operadores do direito há muito tempo e até hoje não foi encontrado nenhuma solução plausível. Vejamos o entendimento de alguns doutrinadores:

Guilherme de Souza Nucci (2006, p. 389), salienta que se o autor do fato não cumprir o acordo, não há muito o que se fazer, a não ser executar o que for possível. Para ele, se for estabelecido pena de multa e esta não for paga, cabe ao Ministério Público promover sua execução, nos termos do art. 164 da LEP, sem qualquer possibilidade de conversão em prisão, conforme estabelece o art. 51 do CP.

Essa é a posição do STJ:

CRIMINAL. HC. NULIDADE. LEI 9.099/95.DESCUMPRIMENTO DE ACORDO FIRMADO E HOMOLOGADO EM TRANSAÇÃO PENAL. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA.

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IMPOSSIBILIDADE. SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA. COISA JULGADA MATERIAL E FORMAL. EXECUÇÃO DA MULTA PELAS VIAS PRÓPRIAS. RECURSO PROVIDO. I - A sentença homologatória da transação penal, prevista no art. 76 da Lei nº 9.099/95, tem natureza condenatória e gera eficácia de coisa julgada material e formal, obstando a instauração de ação penal contra o autor do fato, se descumprido o acordo homologado. II - No caso de descumprimento da pena de multa, conjuga-se o art. 85 da Lei nº 9.099/95 e o 51 do CP, com a nova redação dada pela Lei nº 9.286/96, com a inscrição da pena não paga em dívida ativa da União para ser executada.III - Ordem concedida para determinar o trancamento da ação penal.

Ainda segundo Nucci (2006. p. 389), o não cumprimento de qualquer das penas restritivas de direitos é ainda pior porque não há o que se possa fazer, considerando que a transação homologada pelo Juiz faz cessar o procedimento ainda na fase preliminar, que depois de transitado em julgado não há como ser revista, além de não permitir o oferecimento da denúncia para dar prosseguimento ao feito. Outra alternativa ainda pior, diz o jurista, seria converter a pena restritiva de direitos em privativa de liberdade, pois esta seria uma punição muito severa, aplicada sem o devido processo legal.

Já Damásio E. de Jesus (2002, p. 211) considera a conversão da pena restritiva de direitos em privativa de liberdade a melhor alternativa.

Mirabete (2000, p. 152), tem esse mesmo entendimento. Ele fundamenta sua posição no art. 181, caput, e

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parágrafos da Lei de Execução Penal, além do art. 86 da Lei 9.099/95, in verbis:

Art. 181 - A pena restritiva de direitos será convertida em privativa de liberdade nas hipóteses e na forma do Art. 45 e seus incisos do Código Penal.

§ 1º - A pena de prestação de serviços à comunidade será convertida quando o condenado:

a) não for encontrado por estar em lugar incerto e não sabido, ou desatender a intimação por edital;

b) não comparecer, injustificadamente, à entidade ou programa em que deva prestar serviço;

c) recusar-se, injustificadamente, a prestar o serviço que lhe foi imposto;

d) praticar falta grave; e) sofrer condenação por outro crime à pena

privativa de liberdade, cuja execução não tenha sido suspensa.

§ 2º - A pena de limitação de fim de semana será convertida quando o condenado não comparecer ao estabelecimento designado para o cumprimento da pena, recusar-se a exercer a atividade determinada pelo juiz ou se ocorrer qualquer das hipóteses das letras a, d e do parágrafo anterior.

§ 3º - A pena de interdição temporária de direitos será convertida quando o condenado exercer, injustificadamente, o direito interditado ou se ocorrer qualquer das hipóteses das letras a e e do § 1º deste artigo.

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Art. 86. A execução das penas privativas de liberdade e restritivas de direitos, ou de multa cumulada com estas, será processada perante o órgão competente, nos termos da lei.

No seu entendimento, não é admissível o oferecimento de denúncia visto que a decisão que homologa a transação é definitiva, tornando-se o ato jurídico perfeito e acabado.

Na concepção de Fernando Capez (2006, p. 559), em caso de descumprimento da pena restritiva de direitos em virtude de transação, não se pode falar em conversão em privativa de liberdade, já que se assim ocorrer haveria ofensa ao princípio de que ninguém será privado de sua liberdade sem o devido processo legal. Assim, dever-se-ia abrir vista dos autos ao Ministério Público para oferecimento de denuncia.

A esse respeito se posicionou o STF:

A transformação automática da pena restritiva de direitos em privativa de liberdade discrepa a garantia constitucional de devido processo legal. Impõe-se, uma fez descumprido o termo de transação, a declaração de insuficiência deste último, retornando-se ao estado anterior, dando-se oportunidade ao Ministério Público de vir a requerer a instauração do inquérito policial ou ofertar denúncia (STF, HC 79.572/GO, Rel. Min. Marco Aurélio).

EMENTA: HABEAS CORPUS. PACIENTE ACUSADO DOS CRIMES DOS ARTS. 129 E 147 DO CÓDIGO PENAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL QUE CONSISTIRIA NA CONVERSÃO, EM PRISÃO,

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DA PENA DE DOAR CERTA QUANTIDADE DE ALIMENTO À "CASA DA CRIANÇA", RESULTANTE DE TRANSAÇÃO, QUE NÃO FOI CUMPRIDA. ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. Conversão que, se mantida, valeria pela possibilidade de privar-se da liberdade de locomoção quem não foi condenado, em processo regular, sob as garantias do contraditório e da ampla defesa, como exigido nos incs. LIV, LV e LVII do art. 5º da Constituição Federal. Habeas corpus deferido (STF REsp 268.319/PR, Min. Ilmar Galvão).

No entanto, esse entendimento não é compartilhado pelo STJ:

A sentença homologatória de transação penal, por sua natureza, gera eficácia de coisa julgada formal e material, impedindo, mesmo ante o descumprimento do avençado pelo paciente, a instauração de ação penal. A decisão que determina o prosseguimento da ação penal e considera insubsistente a transação homologada configura constrangimento ilegal (STJ HC 30.212/MG, Min. Jorge Scartezzini).

4.8. Nossa Posição

Em que pese o respeito pelas grandes teses doutrinárias a respeito da conversão da pena restritiva de direitos em privativa de liberdade, entendemos ser a conversão uma medida totalmente descabida e acima de tudo arbitrária. Senão vejamos:

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A conversão do benefício em pena privativa de liberdade afronta totalmente o princípio constitucional previsto no art. 5, LIV, da Constituição da República, que assim estabelece: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.”.

A transação penal é um procedimento administrativo, não existe processo e muito menos a formação de culpa. Assim, como um juiz poderia decretar uma prisão sem estar convicto de que aquela pessoa é realmente culpada? Decretar a prisão simplesmente para obrigar o beneficiado a cumprir a medida é um ato de arbitrariedade e de desrespeito aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, estabelecidos no art. 5, LV: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”

Além disso, não foi discutida a culpa e conseqüentemente não foram apresentadas provas, afrontando, assim, o princípio da presunção de inocência, esculpido no art. 5, LVII, da Constituição Federal: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Entender que com a instituição da transação penal pela Constituição Federal estaria o legislador permitindo a aplicação da pena privativa de liberdade no caso de descumprimento do acordo é uma concepção totalmente inadequada, que vai de encontro à sistemática penal contemporânea de intervenção mínima do Estado na vida do indivíduo e a própria essência da Lei 9.099/95 que tem como alicerce a aplicação da pena não privativa de liberdade (art. 62).

A conversão da pena restritiva de direitos em privativa de liberdade não pode ser embasada no art. 44, § 4 do CP porque há uma diferença muito grande: no caso da transação, pena

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restritiva de direitos é autônoma, ou seja, ela não está substituindo a pena privativa de liberdade ao contrário do art. 44 do CP, que prevê a pena restritiva de direitos como medida substitutiva à prisão, aplicada com o devido processo legal e com observância ao artigo 59 do mesmo diploma legal.

Partindo-se do pressuposto que com a homologação do acordo operou-se a coisa julgada formal e material, é incabível o oferecimento da denúncia.

Assim, comungamos do pensamento de Guilherme de Souza Nucci, que ensina que no caso de descumprimento deve-se executar o que for possível.

Inobstante, quando da homologação do acordo entre as partes, deve ficar estabelecido qual a atitude a ser tomada quando do descumprimento do acordo. No nosso modesto entender, acreditamos que o melhor caminho a ser seguido seria a estipulação de uma multa diária, tendo como base na situação econômica do beneficiado, mas se mesmo assim o acordo não for cumprido, deve o Ministério Público prosseguir com a execução na esfera cível, pedindo a expropriação de bens do executado.

Por outro lado, se quando da proposta não ficar estabelecido a cláusula penal, não há o que ser feito, a não ser o registro do descumprimento para evitar novo benefício.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através de uma rápida viagem à história do Direito Penal, percebemos que nos primórdios da civilização, a pena tinha, inicialmente, o caráter religioso e era vista como um castigo divino, tendo a finalidade de purificar a alma do agressor. Com o passar dos tempos, a pena passou a ter um caráter de vingança, proporcionando ao criminoso o mesmo mal que ele causou à vítima.

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Só então, a partir de uma pequena evolução, é que percebemos um direito penal voltado para a sociedade, mas com penas tão cruéis quanto antes, tendo esta, a finalidade de punir o ofensor.

Durante todo esse período, percebemos que a pena era sinônimo de crueldade e somente com o Iluminismo é que o ser humano começou a se preocupar com seu semelhante e perceber que a pena deveria tratar o infrator com mais de dignidade.

Com a instituição da Lei 9.099/95 vimos pela primeira vez um direito penal com caráter despenalizador, com o fim de evitar a aplicação de pena não privativa de liberdade.

Como foi demonstrado, mesmo após 12 anos de vigência, a Lei 9.099/95 apresenta ainda vários pontos controvertidos e que devem, acima de tudo, ser discutidos para se chegar a um ponto comum e evitar que a Lei traga a sensação de impunidade ou de arbitrariedade.

Dentre esses pontos controvertidos, o mais preocupante é a conversão da pena restritiva de direitos em privativa de liberdade. Essa conversão viola totalmente as garantias constitucionais do devido processo legal e da presunção de inocência. Isso evidencia que o Estado quer demonstrar seu poder coercitivo de forma arbitrária, sem nenhum respaldo legal. Além disso, deve ser ressaltado, que esse poder arbitrário está distorcendo a finalidade de uma Lei tem caráter despenalizador.

Por isso, é que defendemos a tese de que o Ministério Público deve promover a execução do acordo na esfera cível, caso o beneficiado descumpra a transação penal. Isso fará com que ele sofra as conseqüências de seus atos, mas de forma menos agressiva, evitando, assim, a impunidade e garantindo a eficácia da Lei.

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Inobstante, o Estado não pode suprir suas deficiências, seja em matéria processual ou na a formação de Juízes e advogados, conforme foi dito no início, desrespeitando o direito à liberdade do indivíduo.

Mas em que pese todas as discussões acerca do instituto da transação penal, ele inovou a Justiça penal concedendo ao agressor uma nova oportunidade para que ele se arrependa de seus atos, proporcionando-lhe a chance de não ter contra si uma sentença condenatória, o que certamente prejudicaria sua vida ou até mesmo sua carreia profissional.

REFERÊNCIAS

BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. São Paulo: Martin Claret, 2003.

BITTENCOURT, Cézar Roberto. Tratado de Direito Penal. Vol. 01. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Legislação Penal Especial. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

COSTA JR. Paulo José. Direito Penal. Curso Completo. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Vol. 1. Niterói: Imputrus, 2006.

GRINOVER, Ada Pellegrini. e outros. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei 9.099/95. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

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NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Parte Geral. Vol. 01. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

PIERANGELI, José Henrique. Códigos Penais do Brasil. Evolução Histórica. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

SILVA, Eduardo Araújo. Ação Penal Pública. Princípio da Oportunidade Regrada. Aplicação nos juizados Especiais Criminais. Doutrina e Jurisprudência. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2000.

TELES, Ney Moura. Direito Penal. Parte Geral. Vol. 1. São Paulo: Atlas, 2004.

TOURINHO NETO, Fernando da Costa; FIGUEIRA JR., Joel Dias. Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Comentários à Lei 9.099/95. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

TURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

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A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NO DIREITO PÁTRIO

ELIARDO SOARES MORAES: Advogado.

RESUMO: Das inumeráveis atividades exercidas pelo o Estado, quando estas acarretam danos a terceiros, surge o dever de indenizar. Será o tema específico deste artigo, a Responsabilidade do Estado à luz do ordenamento jurídico nacional.

Palavras-chave: Responsabilidade Civil do Estado Brasileiro.

1 INTRODUÇÃO

Neste artigo iremos traçamos as regras e os aspectos gerais da teoria da responsabilidade civil do Estado Brasileiro, bem como seus elementos de configuração à luz da Constituição Federal, doutrina e da jurisprudência.

2. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NO DIREITO PÁTRIO

As teorias que justificam a reparação dos danos causados pelo Estado, evoluiu da irresponsabilidade para a teoria da Responsabilidade Civil do Estado.

Não há dúvida de que a responsabilidade objetiva resultou de acentuado processo evolutivo, passando a conferir maior benefício ao lesado, por estar dispensado de provar alguns elementos que dificultam o surgimento do direito à reparação dos prejuízos, como, pro exemplo, a identificação do agente; a culpa deste na

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conduta administrativa, a falta do serviço e etc. (CARVALHO FILHO, 2005, p. 441)

Fundamentada pela teoria do risco administrativo, em suma, a objetividade desta teoria visa ao restabelecimento do equilíbrio que fora causado pelo dano na relação entre o lesado e o Estado. Assim o ente estatal responde civilmente pelos danos que seus agentes causarem aos particulares independentemente da existência de culpa, no exercício de funções públicas, pois são legitimados a expressar e manifestar as ações em nome do Estado e quando agem o fazem em nome dele. Em razão disso, a Administração deverá indenizar ou ressarcir os possíveis danos.

Portanto a Constituição Federativa do Brasil de 1988 traz como regra no seu artigo 37, § 6° a Responsabilidade Objetiva do Estado:

As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (BRASIL, C.F.1988, Art.37)

Assim, pela atual Constituição, quando os agentes do Estado causarem danos a terceiros no exercício de suas funções, o Estado responderá de forma objetiva, assegurado o direito de regresso contra o agente causador do dano. Assim o agente responderá de forma subjetiva perante o próprio Estado.

É importante lembrarmos que o Estado não pode causar danos a ninguém, pois é uma pessoa jurídica. Portanto sua atuação é exercida pelos seus agentes, que no exercício de suas funções poderão causar danos a terceiros.

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Outro ponto que podemos destacar sobre o referido artigo, é que o mesmo atribuiu à responsabilidade civil objetiva as pessoas privadas prestadoras de serviços públicos, ou seja, as concessionárias são equiparadas às pessoas jurídicas de direito público.

Segundo Gasparini (2005, p.915), em relação as concessionárias, o Estado só responderá de forma subsidiária, quando aquelas pessoas causarem danos a terceiros.

Existe na doutrina o entendimento que a responsabilidade objetiva das pessoas privada prestadora de serviços públicos só poderá ser aplicada se o dano ocorrer exclusivamente contra os usuários do serviço prestado, pois estes são os titulares do direito à adequada prestação do serviço.

Manifesta-se contrariamente a este entendimento Carvalho Filho (2005), afirmando que tal posicionamento é incorreto, pois a atual Constituição não faz menor distinção entre as pessoas de direito público e pessoas de direito privado quanto à responsabilidade das pessoas privadas prestadora de serviços públicos, assim não poderia o interprete inovar no campo legislativo. Ainda afirma o autor, que se tais pessoas prestam serviço público, as mesmas estariam em equiparação ao próprio Estado, não cabendo a restrição da responsabilidade objetiva apenas aos usuários do serviço prestado.

Compartilhamos com entendimento acima explanado, pois o artigo 37 da Constituição Federal não fez menor distinção na aplicação da responsabilidade objetiva das pessoas privadas prestadora de serviços públicos, além disso, existe uma equiparação lógica daquelas pessoas com o próprio Estado.

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Da mesma forma este é o novo entendimento do STF informativo Nº 458:

O Tribunal iniciou julgamento de recurso extraordinário interposto contra acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco que, com base no princípio da responsabilidade objetiva (CF, art. 37, § 6º), condenara a recorrente, empresa privada concessionária de serviço público de transporte, ao pagamento de indenização por dano moral a terceiro não-usuário, atropelado por veículo da empresa. O Min. Joaquim Barbosa, relator, negou provimento ao recurso por entender que a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva também relativamente aos terceiros não-usuários do serviço. Asseverou que, em razão de a Constituição brasileira ter adotado um sistema de responsabilidade objetiva fundado na teoria do risco, mais favorável às vítimas do que às pessoas públicas ou privadas concessionárias de serviço público, toda a sociedade deveria arcar com os prejuízos decorrentes dos riscos inerentes à atividade administrativa, tendo em conta o princípio da isonomia de todos perante os encargos públicos. Ademais, reputou ser indevido indagar sobre a qualidade intrínseca da vítima, a fim de se verificar se, no caso concreto, configura-se, ou não, a hipótese de responsabilidade objetiva, haja vista que esta decorre da natureza da atividade administrativa, a qual não é modificada pela mera transferência da prestação dos

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serviços públicos a empresas particulares concessionárias do serviço. Após os votos dos Ministros Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Carlos Britto que acompanhavam o voto do relator, pediu vista dos autos o Min. Eros Grau. RE 459749/PE, rel. Min. Joaquim Barbosa, 8.3.2007. (STF,RE-459749)

No ordenamento pátrio, encontramos na legislação várias alusões à referida teoria da responsabilidade objetiva.

Novo Código Civil, lei No 10.406, de 10 de Janeiro de 2002.:

Artigo 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agente que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte deste, culpa ou dolo. (BRASIL. CÓDIGO CIVIL (Lei nº 3.071), 01 de janeiro de 1916)

Código de Defesa do Consumidor

Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua

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utilização e riscos. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, JURISPRUDENCIA)

Portando, a regra mencionada no Art. 37, § 6º da Carta Magna e nos demais dispositivos mencionados, é da teoria da responsabilidade objetiva, entendimento este majoritário na doutrina e na jurisprudência pátria.

A teoria subjetiva será aplicada se houver, por parte do Estado, omissão de serviço tipicamente público, imposto por lei, e nestes casos ou o serviço não funciona, ou funciona mal ou funciona tardiamente. Nestas hipóteses, será necessário analisar se no caso concreto o agente agiu imbuído de dolo ou culpa.

2.2 Pressupostos da Responsabilidade Civil Objetiva do Estado

Para a configuração da responsabilidade civil objetiva do Estado, são necessários três requisitos ou pressupostos fundamentais, em que o lesado deverá comprovar a efetiva concretização do dano versos ressarcimento. Observa-se que o fator culpa fica desconsiderado como pressuposto da responsabilidade objetiva.

2.2.1 Fato administrativo

Compreende qualquer forma de conduta, comissiva ou omissiva, legítima ou ilegítima, singular ou coletiva atribuída ao Poder Público. O art. 37, § 6º da Constituição Federal de 1988 determina que a responsabilidade objetiva do Estado resulte de ato administrativo, comissivo ou omissivo, praticado por agente público no exercício de suas atribuições. Portanto, se o agente público, no exercício de suas atribuições, causar danos aos particulares, tanto em relação aos atos comissivos quanto aos omissivos, lícitos ou ilícitos, o Estado sempre deverá reparar os dano sofridos pelas

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vítimas. De qualquer forma a Administração Pública estará obrigada a indenizar, salvo se estiver protegido pelas causas de excludentes de responsabilidade.

Carvalho Filho ( 2005, p. 448) acrescenta que mesmo que o agente estatal atue fora de suas funções, mas a pretexto de exercê-las, o fato é tido como administrativo, pela a má escolha do agente ou pela má fiscalização de sua conduta.

2.2.2 O dano

O dano é o prejuízo causado a alguém em virtude de uma ação ou omissão praticado por um agente em confronto com a norma de direito, que pode surgir em virtude de lei, de contrato ou de decisão judicial. Ele pode ser patrimonial ou meramente moral.

Este é um pressuposto exigido constitucionalmente, pois, sem ele, não seria necessário em se falar de responsabilização do Estado por uma questão lógica, se não houver dano, não há prejuízo para parte. Dessa forma, se o Estado fosse obrigado a ressarcir a vítima com a ausência do dano, estaríamos falando em uma forma de enriquecimento ilícito.

2.2.3 Nexo causal

Venosa (2004, p. 45) “podemos conceituar o nexo causal como sendo o liame que une a conduta do agente ao dano”. É por meio do exame da relação causal que concluímos quem foi o causador do dano. Trata-se de elemento indispensável. A responsabilidade objetiva dispensa a culpa, mas nunca dispensará o nexo causal.

A comprovação do nexo de causalidade é essencial para estabelecer a relação entre o ato ou fato do agente e o dano sofrido pela vítima. Portanto, se o administrado experimentar um dano,

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mas não consegue provar que este dano resultou da ação ou omissão da administração, o requerimento de indenização será provavelmente julgado improcedente, pois dessa forma não pode o lesado comprovar que o dano ocorreu daquele fato.

2.3 Causas Excludentes ou Atenuantes da Responsabilidade Civil do Estado

Alguns fatores permitem a isenção ou a minimização da reparação dos danos causados pelos agentes do Estado no exercício de suas funções. Estes fatores não são praticados pelos agentes estatais e não podem ser previstos e nem evitados por estes, e por isso o Estado não pode ser responsabilizado, uma vez que o atual ordenamento pátrio não adotou a teoria do risco integral, como vimos anteriormente.

Considerando-se a não adoção da Teoria do Risco Integral, não se admitirá a responsabilidade estatal absoluta, sendo certo a existência de situações tais, que propiciem a atenuação da responsabilidade do Estado, até mesmo a exclusão plena da mesma.

Alguns fatores sem dúvida permitem a isenção ou minimização da reparação, quando o evento danoso tiver decorrido de culpa exclusiva da própria vítima, de ato praticado por terceiro, desde que não seja qualquer pessoa vinculada à administração, de caso fortuito ou força maior. (CAMARGO, 2007, p.66-67)

Assim o STF manifestou-se no mesmo sentido no julgado a seguir:

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[ ... ]O princípio da responsabilidade objetiva não se reveste de caráter absoluto, eis que admite o abrandamento e, até mesmo, a exclusão da própria responsabilidade civil do Estado, nas hipóteses excepcionais configuradoras de situações liberatórias - como o caso fortuito e a força maior - ou evidenciadoras de ocorrência de culpa atribuível à própria vítima (RDA 137/233 - RTJ 55/50). RESPONSABILIDADE CIVIL DO PODER PÚBLICO POR DANOS CAUSADOS A ALUNOS NO RECINTO DE ESTABELECIMENTO OFICIAL DE ENSINO. - O Poder Público, ao receber o estudante em qualquer dos estabelecimentos da rede oficial de ensino, assume o grave compromisso de velar pela preservação de sua integridade física, devendo empregar todos os meios necessários ao integral desempenho desse encargo jurídico, sob pena de incidir em responsabilidade civil pelos eventos lesivos ocasionados ao aluno. - A obrigação governamental de preservar a intangibilidade física dos alunos, enquanto estes se encontrarem no recinto do estabelecimento escolar, constitui encargo indissociável do dever que incumbe ao Estado de dispensar proteção efetiva a todos os estudantes que se acharem sob a guarda imediata do Poder Público nos estabelecimentos oficiais de ensino. Descumprida essa obrigação, e vulnerada a integridade corporal do aluno, emerge a responsabilidade civil do Poder Público pelos danos causados a quem, no momento do fato lesivo, se achava sob a guarda, vigilância e

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proteção das autoridades e dos funcionários escolares, ressalvadas as situações que descaracterizam o nexo de causalidade material entre o evento danoso e a atividade estatal imputável aos agentes públicos. ( RIO DE JANEIRO - TJRJ - RE 109615 - Primeira Turma - Relator(a): Min. CELSO DEMELLO - Julgamento: 28/05/1996- Publicação DJ 02-08-1996 PP-25785)

Em primeiro lugar, temos os “Fatos imprevisíveis: Caso Fortuito ou Força Maior.” São estes fatos imprevisíveis admitidos pelo legislador pátrio, como justificativa para isenção da responsabilidade estatal. Tal distinção entre os dois institutos nem sempre foi unânime na doutrina.

A distinção dos entre as duas excludentes decorre:

... caso fortuito é o acontecimento natural, derivado da força da natureza, ou fato das coisas, como o raio, a inundação, o terremoto, o temporal. Na força maior, há um elemento humano, a ação das autoridades, como ainda a revolução, o furto ou roubo, o assalto ou, noutro gênero, a desapropriação.

Temos, pois, que o caso fortuito decorrerá de forças ininteligentes, organismos que conspiram contra o agente teoricamente obrigado (devedor da obrigação) , impondo-lhe condições que não podiam ser previstas ou evitadas; força maior, por seu turno, reside em frutos de acontecimentos externos, fato de terceiros, na criação de um obstáculo que não se pode vencer. (CAMARGO, 1999, P.29)

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Porém, na doutrina, existe uma interpretação inversa entre os dois institutos, sendo acertada a posição em não distinguir estas excludentes, agrupando-as, ambas (caso fortuito e força maior), como espécies de Fatos Imprevisíveis.

São fatos imprevisíveis aqueles eventos que constituem o que a doutrina tem denominado de força maior e de caso fortuito. Não distinguiremos, porém, essas categorias, visto que há grande divergência doutrinária na caracterização dos eventos... Pensamos que o melhor é agrupar a força maior e o caso fortuito como fatos imprevisíveis, também chamados de acaso, porque são idênticos seus efeitos. (CARVALHO FILHO, 2005)

Nesse entendimento, o Supremo Tribunal Federal em alguns julgados utilizou os dois eventos no sentido de ambos produzirem os mesmos efeitos:

EMENTA: - Responsabilidade civil de Município. Responsabilidade objetiva. - Inexistência de ofensa ao artigo 37, § 6º, da Constituição, uma vez que o acórdão recorrido, embora aludindo à responsabilidade objetiva do Estado nos moldes da teoria do risco integral, em verdade se orientou pela teoria do risco administrativo, sustentando a inexistência de culpa exclusiva da vítima, e sendo certo que, no caso, não havia caso fortuito ou de força maior. E até foi além, afirmando, em face da prova, a culpabilidade concorrente do Município. Recurso extraordinário não conhecido. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, JURISPRUDENCIA)

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Corroborando deste modo:

EMENTA: DECRETO QUE DECLAROU DE INTERESSE SOCIAL, PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA, O IMÓVEL RURAL DENOMINADO "FAZENDA INGÁ", NO MUNICÍPIO DE ALVORADA DO SUL, PARANÁ. Procedência da alegação de que a ocupação do imóvel pelos chamados "sem-terra" em 1991, ano em que os impetrantes se haviam investido na sua posse, constituindo fato suficiente para justificar o descumprimento do dever de tê-lo tornado produtivo e tendo-se revelado insuscetível de ser removido por sua própria iniciativa, configura hipótese de caso fortuito e força maior previsto no art. 6º, § 7º, da Lei nº 8.629/93, a impedir a classificação do imóvel como não produtivo, inviabilizando, por conseqüência, a desapropriação. Mandado de segurança deferido.(STF - MS N° 22328 - Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO - Julgamento: 27/06/1996 - Órgão Julgador: Tribunal Pleno - Publicação DJ 22-08-1997 PP- 45583.)

Em segundo lugar, temos a Culpa de Terceiros. Ocorre este evento, quando um sujeito alheio ao Estado e a vítima, ocasiona o dano a esta. Neste caso, exclui-se o Estado do evento danoso, atribuindo a reparação do dano ao terceiro que o ocasionou.

Para a exclusão do Estado a responsabilização, é necessário que o terceiro seja estranho ao agente público e ao administrado, ou seja, qualquer pessoa que não tenha vínculo

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jurídico entre ambos e que termina por influenciar esta relação, causando dano à vítima.

No que se refere ao ato de terceiro, evidentemente, não poderá o mesmo decorrer de ato omissivo ou comissivo, de qualquer pessoa ligada à administração pública agindo nessa qualidade, ou mesmo em desvio de poder, mas sim, de efetivo terceiro, estranho à administração, que não mantenha com a mesma qualquer elo. Assim, sendo o causador do dano um terceiro, alheio a administração, o dever de indenizar fica excluído. (CAMARGO, 2007, p. 67)

A jurisprudência já se manifestou no mesmo sentido:

INDENIZAÇÃO MATERIAL E MORAL. VAZAMENTO DE GÁS CLORO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. ATO DE TERCEIRO. I - O evento danoso ocorreu em virtude de fato de terceiro que, inadvertidamente, levou para seu quintal, guardou indevidamente cilindro de gás cloro e depois o violou, deixando escapar o gás que ocasionou todos os danos narrados. II - A responsabilidade civil do Estado quanto à fiscalização de fabricação, comercialização, transporte e uso de substâncias que comportem risco de vida ou qualidade de vida e do meio ambiente é objetiva. III - Essa responsabilidade, como todas, depende da prova do nexo de causalidade, o qual foi afastado diante ato exclusivo de terceiro que provocou o evento danoso. IV - Apelação improvida. (RIO GRANDE DO SUL - TJRS – Apelação cível nº 20000110662648 – 4ª Câmara

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Cível – Relator: Vera Andrigui – Julgamento: 16/06/2006 – Publicação no DJ 10/09/2003, p. 53.)

E por último, temos o Fato Exclusivo da Vítima. Ocorre quando o próprio lesado tenha sido o único causador do dano, ou tenha em parte concorrido para o evento danoso.

Cavalieri Filho (1999, p.55) lembra que "a boa técnica recomenda falar em fato exclusivo da vítima, em lugar de culpa exclusiva", vez que, "o problema, como se viu, desloca-se para o terreno do nexo causal, e não da culpa".

Em relação a fato exclusivo da vítima, quando a mesma foi a única a causadora do dano, o Estado não possui qualquer responsabilidade civil, pois neste caso falta dois dos pressupostos para a responsabilização estatal: o fato administrativo e o nexo de casualidade, como foram vistos anteriormente. Neste sentido temos:

Responsabilidade objetiva do Estado. Ocorrência de culpa exclusiva da vítima. - Esta Corte tem admitido que a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica de direito público seja reduzida ou excluída conforme haja culpa concorrente do particular ou tenha sido este o exclusivo culpado (Ag. 113.722-3 - Ag Rg e RE 113.587). - No caso, tendo o acórdão recorrido, com base na analise dos elementos probatórios cujo reexame não e admissível em recurso extraordinário, decidido que ocorreu culpa exclusiva da vítima, inexistente a responsabilidade civil da pessoa jurídica de direito público, pois foi a vítima que deu causa ao infortúnio, o que afasta, sem duvida, o nexo de

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causalidade entre a ação e a omissão e o dano, no tocante ao ora recorrido. Recurso extraordinário não conhecido.(STF - RE 120924 – Relator (a): Min. MOREIRA ALVES - Julgamento: 25/05/1993 - Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA - Publicação DJ 27-08-1993 PP-17023)

Porém, em outra situação, poderia ter o lesado em concorrência com a conduta estatal, produzir o dano. Neste caso, de acordo com o julgado acima, será reconhecido um sistema de compensação de culpas onde a pessoa jurídica de direito público terá sua responsabilidade reduzida de acordo com a conduta do lesado. Completando tal entendimento:

Se, ao contrário, o lesado, juntamente com a conduta estatal, participou do resultado danoso, não seria justo que o Poder Público arcasse sozinho com a reparação dos prejuízos. Nesse cão, a indenização devida pelo Estado deverá sofrer redução proporcional à extensão da conduta do lesado. Desse modo, se Estado e lesado contribuíram por metade por metade para a ocorrência do dano, a indenização devida por aquele deve atingir apenas a metade dos prejuízos sofridos, arcando o lesado com a outra metade. É a aplicação do sistema de compensação de culpas no direito privado. (CARVALHO FILHO, 2005, p.450)

Deste modo, a jurisprudência manifestou-se em relação à culpa concorrente, no acórdão transcrito abaixo:

ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. ATENUAÇÃO. CULPA CONCORRENTE DA VÍTIMA. NEXO CAUSAL ENTRE A ATUAÇÃO DO AGENTE E O

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EVENTO LESIVO. PENSÃO MENSAL VITALÍCIA DEVIDA AO MOTORISTA, BALEADO POR POLICIAIS MILITARES EM "BLITZ" PARA AVERIGUAÇÃO DE DOCUMENTOS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO DO AUTOR. I - A atitude do autor, ao dirigir veículo automotor, sem observância dos sinais de parada efetuados por policiais militares - em "blitz", para averiguação de documentos de veículo e condutor -, foi inconsequente, mas jamais poderia ser considerada como motivo suficiente para que os policiais dirigissem disparos em direção ao condutor do veículo, até porque não havia sido registrada nenhuma ocorrência de roubo de veículo ou fuga de criminosos. II - Em virtude de um dos disparos efetuados, que atingiu a carroceria do veiculo e veio a se alojar no corpo da vítima, o autor sofreu paraplegia traumática irreversível, com perda das funções orgânicas dos membros localizados abaixo do umbigo, o que, inegavelmente, foi derivada da atuação dos agentes do Estado, que dispunham de outros meios para deter o motorista infrator das normas de trânsito, sem se socorrer de meios violentos e extremos como é o manejo de arma de fogo. III - É princípio basilar do direito administrativo e constitucional brasileiro que o Estado responde pela conduta comissiva de seus agentes, ao causarem danos ao particular, em desproporção a tutela exigida e em detrimento de um bem jurídico maior que é o direito à integridade física. IV - Não exime a

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responsabilidade objetiva do Estado a contribuição da vítima para consecução do resultado danoso, sequer se perquire a intenção dos agentes administrativos, que só podem figurar no pólo passivo de ação regressiva ajuizada pelo ente público, porque, na ação originária, de conhecimento, não se discute a responsabilidade pessoal dos agentes causadores do evento danoso, mas a pretensão indenizatória da parte em face do Poder Público. V - Comprovado o nexo causal entre a conduta dos agentes, o dano, e a culpa parcial da vítima, atenua-se a responsabilidade do Estado, para que se proceda ao pagamento de pensão mensal vitalícia ao autor, no patamar de 50% (cinqüenta por cento) da renda que auferia quando habilitado para o trabalho, cuja base de cálculo é a remuneração real ou presumida da vítima. Fixação da pensão vitalícia devida em 2 (dois) salários –mínimos mensais. ( RIO GRANDE DO SUL - TJRS – Apelação cível nº 3893596 – 2ª Turma Cível – Relator: Ribeiro de Souza – Julgamento: 23/06/1997. Publicação no DJ 22/10/1997, p. 25.385.)

3 CONCLUSÃO

As teorias que justificam a reparação dos danos causados pelo Estado, evoluiu da irresponsabilidade para a teoria da Responsabilidade Civil do Estado.

Fundamentada pela teoria do risco administrativo, em suma, a objetividade desta teoria visa ao restabelecimento do equilíbrio que fora causado pelo dano na relação entre o lesado e o Estado. Assim o ente estatal responde civilmente pelos danos que seus

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agentes causarem aos particulares independentemente da existência de culpa, no exercício de funções públicas, pois são legitimados a expressar e manifestar as ações em nome do Estado e quando agem o fazem em nome dele. Em razão disso, a Administração deverá indenizar ou ressarcir os possíveis danos.

Assim, pela atual Constituição, quando os agentes do Estado causarem danos a terceiros no exercício de suas funções, o Estado responderá de forma objetiva, assegurado o direito de regresso contra o agente causador do dano. Assim o agente responderá de forma subjetiva perante o próprio Estado.

Para a configuração da responsabilidade civil objetiva do Estado, são necessários três requisitos ou pressupostos fundamentais, em que o lesado deverá comprovar a efetiva concretização do dano versos ressarcimento: fato administrativo, nexo de causalidade e dano. Observa-se que o fator culpa fica desconsiderado como pressuposto da responsabilidade objetiva.

Alguns fatores permitem a isenção ou a minimização da reparação dos danos causados pelos agentes do Estado no exercício de suas funções. Estes fatores não são praticados pelos agentes estatais e não podem ser previstos e nem evitados por estes, e por isso o Estado não pode ser responsabilizado, uma vez que o atual ordenamento pátrio não adotou a teoria do risco integral, como vimos anteriormente.

Portanto, à luz da doutrina, jurisprudência e da Magna Carta. Traçamos os principais aspectos da Responsabilidade Civil do Estado Brasileiro, trazendo os seus requisitos para a sua incidência e, bem como, as causas legais que justificam a sua exclusão.

REFERENCIAS

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O DIREITO À SAÚDE SOB A ÓTICA JURISPRUDENCIAL

DIEGO SANTIAGO DE FREITAS: Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Especialista em Direito Administrativo pela Universidade Anhanguera-Uniderp.

RESUMO: Hodiernamente, o governo é obrigado judicialmente a arcar com os mais caros tratamentos para os usuários da saúde pública, pois o ofertado pelo SUS, na maioria das vezes, não atende às demandas requisitadas pela sociedade. Demandas estas que, por vezes, versam sobre moléstias de alta complexidade as quais exigem tratamentos de alto custo. Diante deste panorama, o presente estudo pretende expor o papel do judiciário na efetivação do constitucional direito à saúde, abordando o posicionamento da jurisprudência pátria, a qual tem se manifestado reiteradamente sobre o tema.

Palavras-chave: Direito à saúde. Sistema Único de Saúde. Judicialização. Tratamento de saúde. Artigo 196 da CF/88. Jurisprudência.

1. Prelúdio à análise jurisprudencial da proteção do direito à saúde no ordenamento jurídico brasileiro

A litigiosidade presente na prestação do direito à saúde tem como combustível, em grande parte, a má prestação dos serviços públicos e a ineficiência (ou inexistência) de políticas pública apropriadas. Porém, nem sempre esta afirmação se subsume à realidade, considerando que, de forma reiterada, o poder público tem sido obrigado a despender grandes somas de verba pública no cumprimento de decisões judiciais teratológicas. Destarte, verifica-se que a razão está ora com o jurisdicionado, ora com a Administração Pública, a depender do caso concreto.

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Neste contexto, não é possível, em regra, dar azo às afirmações de que o Poder Judiciário faz as vezes de Poder Legislativo, mitigando a discricionariedade que este possui na elaboração da legislação. De outra parte, também não é possível defender que o único poder competente para a busca da concretização do ideal de Justiça seja o Judiciário. De fato, é inequívoco que a função legislativa, bem como, a atuação do Poder Executivo, também constituem meios possíveis para concretizar a Justiça, demonstrando ser mais razoável a integração destes poderes estatais, cada um com suas particularidades.

Ocorre que, em alguns casos, o Poder Judiciário acaba por extrapolar sua função constitucional. Isto ocorre, por exemplo, nas situações em que o poder público é obrigado a custear tratamento puramente experimental no exterior sem que haja qualquer reconhecimento de sua eficácia pelos órgãos nacionais competentes. Assim, as decisões judiciais, que versem neste sentido, deixam de visar a efetivação dos direitos sociais para implementar pretensos direitos individuais custeados com o erário.

Destarte, tem-se que tal panorama chega a causar certo receio posto que, ao atribuir a certo indivíduo um direito individual custeado pelo dinheiro público, o erário passa a ser sobrecarregado, considerando que ocorrerão verdadeiras redistribuições de verbas as quais continham destinações diversas determinadas pelo Legislativo e a serem realizadas pelo Executivo.

E é de se levar em linha de conta que tais incongruências, apesar de bastante gravosas, ocorrem com uma repetibilidade espantosa, nas quais se chega ao absurdo de custear com dinheiro público os tratamentos mais avançados e custosos que a ciência moderna pôde alcançar, ratificando, como dito anteriormente, o erro de implementar questionáveis direitos individuais em detrimento dos direitos sociais. Ressalte-se ainda, que tais incongruências têm se

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repetido na mesma proporção em que se verifica um aumento da litigiosidade e, por via de consequência, da judicialização.

Com efeito, não podemos olvidar que a conjuntura socioeconômica colaborou para um crescimento vertiginoso das demandas ligadas ao direito à saúde, bem como, o presente quadro de variados incentivos para a litigação e para a interposição de recursos que só se apresentam para reforçar a morosidade e o congestionamento do sistema judicial, em um círculo vicioso e em uma conjuntura em que o requerimento realizado pela via administrativa ainda encontra pouca efetividade para contemplar os anseios da sociedade.

Quanto à este aspecto que consubstancia crucial fator para a morosidade judicial, faz-se necessária uma série de medidas, como, por exemplo, a cooperação interinstitucional com órgãos da Administração Pública ligados às prestações dos serviços de saúde e a elaboração de políticas de redução das demandas judiciais, através da atribuição de efetividade aos processos administrativos ligados à referida área. Em última instância, faz-se salutar o incentivo de que as pessoas passem a recorrer ao Sistema Único de Saúde (SUS) através do meio ordinário, sem que se recorra ao Poder Judiciário, de cujas decisões, mesmo com as mais nobres das intenções, acaba por gerar vistosas discrepâncias.

Corroborando o exposto acima, no que concerne à judicialização do direito à saúde no Brasil, Antônio Maués corrobora com o entendimento exposto. De acordo com este autor:

O modo como se desenvolveu a judicialização do direito à saúde no Brasil permite a determinados indivíduos - muitas vezes das classes mais abastadas - ter acesso a prestações que não são oferecidas para toda a população, prejudicando a equidade e a

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eficiência do sistema público. Na raiz dessas dificuldades, encontra-se uma compreensão imperfeita dos princípios que regem as políticas de saúde no Brasil, o que faz com que as demandas nessa área sejam tratadas como problemas de justiça comutativa e não de justiça distributiva.[1]

O autor supracitado critica a aplicação da justiça sob sua forma comutativa em detrimento da maneira distributiva, considerando a questão da prestação do direito à saúde. Neste aspecto, conforme defende o doutrinador, há de ser adotada a ideia de igualdade material, que mais se aproxima do conceito de justiça distributiva, cuja finalidade consiste em possibilitar que os indivíduos participem do bem comum através de uma distribuição equitativa, afastando, portanto, a aplicação da justiça sob sua forma comutativa, a qual se relaciona com a igualdade meramente formal.

Reverter este raciocínio implicaria em deturpar o direito à saúde garantido constitucionalmente mediante a previsão do artigo 196, da Constituição Federal de 1988, de cujo teor se infere que tal direito será efetivado por intermédio de políticas sociais e econômicas. Com efeito, seguir tal entendimento contrário ao ora defendido, comprometeria o interesse social resguardado por este multicitado direito, enaltecendo a ideia de um direito à saúde individual que poderia ser usufruído diretamente por cada indivíduo, sem que houvesse a implementação de uma política pública.

Ocorre que tal interpretação deve ser extirpada do meio jurídico, posto que, como é sabido, o judiciário não cria recursos financeiros para a efetivação de determinada decisão judicial ligada ao direito à saúde, este poder simplesmente modifica a destinação de verbas, já limitadas, para a efetivação de tal decisão, apresentando, assim, verdadeiros "planos de saúde" custeados através deste "rapto" de recursos públicos.

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Em que se pese o exposto, não se pode confundir as situações em que o judiciário é utilizado como ferramenta para obtenção de tratamentos experimentais de alto custo com as situações em que a política pública é insuficiente ou, até mesmo, inexistente. Demonstra-se, assim, que o magistrado deve decidir com parcimônia, verificando o caso concreto para aferir se o pleito se subsume às situações elencadas anteriormente ou se o ente federado realmente foi desidioso em assegurar o efetivo cumprimento do direito constitucional à saúde.

Isto posto, faz-se mister a análise do entendimento adotado pelo tribunais superiores, concentrando o foco, inicialmente, no Superior Tribunal de Justiça, cuja função uniformizadora da jurisprudência infraconstitucional atribuiu-lhe, por diversas vezes, a tarefa de decidir acerca de casos que versem sobre o direito à saúde.

2. O entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ)

De início, colaciona-se julgado da 1ª Turma do STJ, a qual adotou o entendimento da integral responsabilidade dos entes federados no custeamento de tratamento medicamentoso de alto custo, in verbis:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL. TRATAMENTO MÉDICO NO EXTERIOR. ARTIGO 196 DA CF/88. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. DEVER DA UNIÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA.

1. O Sistema Único de Saúde-SUS visa a integralidade da assistência à saúde, seja individual ou coletiva, devendo atender aos que

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dela necessitem em qualquer grau de complexidade, de modo que, restando comprovado o acometimento do indivíduo ou de um grupo por determinada moléstia, necessitando de determinado medicamento para debelá-la, este deve ser fornecido, de modo a atender ao princípio maior, que é a garantia à vida digna.

2. Ação objetivando a condenação da entidade pública ao fornecimento gratuito dos medicamentos necessários ao tratamento de doença grave.

3. O direito à saúde é assegurado a todos e dever do Estado, por isso que legítima a pretensão quando configurada a necessidade do recorrido.

4. A União, o Estado, o Distrito Federal e o Município são partes legítimas para figurar no pólo passivo nas demandas cuja pretensão é o fornecimento de medicamentos imprescindíveis à saúde de pessoa carente, podendo a ação ser proposta em face de quaisquer deles.

Precedentes: REsp 878080 / SC; Segunda Turma; DJ 20.11.2006 p. 296; REsp 772264 / RJ; Segunda Turma; DJ 09.05.2006 p. 207; REsp 656979 / RS, DJ 07.03.2005.

5. Agravo Regimental desprovido.[2]

Como é possível depreender da ementa supratranscrita, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu haver a responsabilidade estatal na prestação do direito à saúde, visualizando o fornecimento de medicamentos, ainda que destinado

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para indivíduo específico, como uma forma de implementação de tal direito. Ressalte-se que, no caso em tela, os doutos Ministros chegaram a tal ilação apesar de tratar-se de doença considerada de caráter individual que requer tratamento longo com o uso de medicamentos de custos elevados.

A questão assume ainda maior relevo, quando se toma em linha de conta o entendimento adotado pela Primeira Turma do STJ, no julgamento do Recurso em Mandado de Segurança nº 24.197-PR, ementado do seguinte modo:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. HEPATITE C. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À SAÚDE, À VIDA E À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. LAUDO EMITIDO POR MÉDICO NÃO CREDENCIADO PELO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS). EXAMES REALIZADOS EM HOSPITAL ESTADUAL. PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE.

1. A ordem constitucional vigente, em seu art. 196, consagra o direito à saúde como dever do Estado, que deverá, por meio de políticas sociais e econômicas, propiciar aos necessitados não "qualquer tratamento", mas o tratamento mais adequado e eficaz, capaz de ofertar ao enfermo maior dignidade e menor sofrimento.

2. Sobreleva notar, ainda, que hoje é patente a idéia de que a Constituição não é ornamental, não se resume a um museu de princípios, não é

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meramente um ideário; reclama efetividade real de suas normas. Destarte, na aplicação das normas constitucionais, a exegese deve partir dos princípios fundamentais, para os princípios setoriais. E, sob esse ângulo, merece destaque o princípio fundante da República que destina especial proteção a dignidade da pessoa humana.

[...]

8. Recurso Ordinário provido, para conceder a segurança pleiteada na inicial, prejudicado o pedido de efeito suspensivo ao presente recurso (fls. 261/262), em razão do julgamento do mérito recursal e respectivo provimento (fls. 368/372).[3]

Data maxima venia, os termos do julgado exposto vai de encontro ao defendido anteriormente, senão vejamos. Inicialmente, verifica-se que os insignes ministros lastrearam a decisão em comento através de laudo médico emitido por profissional não pertencente aos quadros do Sistema Único de Saúde, fator este o qual, ainda que considerado isoladamente, denotaria certa impossibilidade de ser concedido tratamento medicamentoso custeado pela Administração Pública ao referido paciente impetrante.

Ocorre que vincular o fornecimento gratuito de certos medicamentos à prescrição de médicos não integrantes do Sistema Único de Saúde, poderá prejudicar sobremaneira a organização deste sistema único, uma vez que há um natural desconhecimento dos profissionais particulares quanto às regulamentações SUS, favorecendo, assim, aqueles que possuam a capacidade financeira de recorrer aos médicos particulares, em detrimento daqueles que

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somente podem se consultar com os profissionais da rede pública. Deste modo, seria justo que àqueles mais desafortunados incidissem todas as regras de organização do SUS, enquanto os mais abastados poderiam contornar tais regras, posto que os profissionais particulares que lhes atendessem não estariam vinculados ao cumprimento de tais regras?

No caso em lume não ocorreu de forma diversa, o enfermo impetrou, originalmente, mandado de segurança com pedido de liminar, visando o fornecimento de medicamentos (Interferon Peguilado eRibavirina) para o tratamento da doença hepatite crônica do tipo C da qual estava acometido, sendo denegada a segurança, entre outras razões, por ser portador do vírus com genótipo 3a, enquanto a Portaria nº 863/2002 do Ministério da Saúde delimita o fornecimento do medicamento somente para portadores do vírus com genótipos 1. Entretanto, como visto, invocando o tão importante quanto abrangente, argumento da proteção da dignidade da pessoa humana, os ministros daquele egrégio tribunal decidiram por contrariar a portaria em comento, enaltecendo o laudo médico particular em face das normas de organização do SUS.

Ora, o próprio Estado, através do Ministério da Saúde, edita portarias com o intento de estabelecer quais os medicamentos que estão disponíveis para os tratamento das mais variadas moléstias. Deste modo, a Administração Pública deveria atender somente aos tratamentos constantes das referidas portarias, uma vez que ir de encontro a tais normas significa desestabilizar a política de saúde pública a ser implementada, ainda que tal desestabilização se dê minimamente, considerando tratar-se de um único indivíduo. Com efeito, quando o Poder Judiciário vai de encontro ao estabelecido nessas portarias, gera-se certo desequilíbrio na prestação dos serviços de saúde, uma vez que entes que não são originariamente responsáveis pelo fornecimento de certos medicamentos são

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determinados a fornecê-los. O deslocamento forçado e repetitivo do orçamento do ente público causa, então, deficiência em suas responsabilidades originárias, podendo, inclusive, gerar a carência de medicamentos direcionados à Atenção Básica, por exemplo.

Em igual passo, a falta de vinculação dos médicos privados às diretrizes estabelecidas pelo SUS, associada ao pronto atendimento dos tribunais às prescrições de tais profissionais, vinculando a política de dispensação gratuita de medicamentos, transporta o problema para uma questão ainda maior, qual seja: o crescimento do erário não acompanha os custos oriundos do avanço da ciência médica. Razão pela qual, resta de todo impossibilitada a hipótese de contornar as portarias do Ministério da Saúde, concedendo-se judicialmente aos enfermos, medicamentos não previstos pela política de saúde adotada, considerando a finitude dos recursos públicos e a necessidade de investimento na proteção de outros bens essenciais à sociedade.

Contudo, há de ser destacada no julgamento em comento, a posição divergente e, diga-se de passagem, isolada, do Ministro Teori Zavascki, o qual preleciona não haver, na Constituição Federal de 1988, direito subjetivo individual de acesso incondicional, universal, gratuito e a qualquer custo a todo e qualquer meio de proteção à saúde. Com propriedade, indica o referido ministro que "à luz dos princípios democrático, da isonomia e da reserva do possível, não há dever do Estado de atender a uma prestação individual se não for viável o seu atendimento em condições de igualdade para todos os demais indivíduos na mesma situação".

Em seu supracitado voto dissidente, o Ministro Teori Zavascki argumenta que o direito à saúde pode se traduzir de diversas formas, não se limitando às medidas que intentam recuperar a saúde já comprometida, concorrendo em importância as medidas preventivas de resguardo da saúde. Deste modo, o direito

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constitucional em comento não denota a configuração simplista e linear que por vezes lhe atribuem, devendo, portanto o direito à saúde ser observado como um direito a um sistema adequado de proteção à saúde, ao invés de ser visto como um direito a estar saudável o tempo todo.

Ocorre que, historicamente, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça tem entendido pela implementação do direito à saúde mesmo quando o caso se trata de um único indivíduo. Ante tal panorama, por via de consequência, o entendimento da Primeira Seção do multicitado tribunal coincide com o defendido em ambas as Turmas, posto que tal Seção representa exatamente a reunião das duas Turmas.

De fato, este é o posicionamento mais atual da referida Corte, a qual também entende que a obrigação de fornecimento de medicamentos é solidária entre os entes federados, os quais poderão ser submetidos ao sequestro de verbas públicas em caso de descumprimento.

Nas ações para fornecimento de medicamentos, apesar de a obrigação ser solidária entre Municípios, Estados e União, caso o autor tenha proposto a ação apenas contra o Estado-membro, não cabe o chamamento ao processo da União, medida que apenas iria protelar a solução da causa.[4]

Em ação para fornecimento de medicamentos, o juiz pode determinar o bloqueio e sequestro de verbas públicas em caso de descumprimento da decisão.

Tratando-se de fornecimento de medicamentos, cabe ao Juiz adotar medidas

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eficazes à efetivação de suas decisões, podendo, se necessário, determinar, até mesmo, o sequestro de valores do devedor (bloqueio), segundo o seu prudente arbítrio, e sempre com adequada fundamentação.[5]

A jurisprudência dessa Corte já chegou a se manifestar, reiteradamente, no sentido de que a competência para julgar as ações de fornecimento de medicamentos, com valor menor que 60 (sessenta) salários mínimos, ante a Lei 10.259/2001, é do Juízo Federal do Juizado Especial, conforme previsão do art. 3º da mencionada lei (Precedentes: AgRg no CC nº 1.01.126/SC, Rel. Min. Castro Meira, DJe 27/02/09; AgRg no CC nº 96.687/SC, Rel. Min. Denise Arruda, DJe 16/02/09; AgRg no CC nº 95.004/SC, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 24/11/08 e AgRg no CC nº 97.279/SC, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 03/11/08).

Deste modo, houve uma patente facilitação para que a discussão do direito à saúde na seara judicial se distancie ainda mais dos Tribunais Superiores, posto que foram deslocados, para os Juizados Especiais, os processos decisórios sobre o fornecimento de medicamentos custeados com recursos públicos, tornando-se, portanto, prescindível a devida análise probatória. Em suma, excluindo as hipóteses em que haja afronta aos pressupostos constitucionais, os litígios que versem sobre esta matéria tendem a findar em única instância, incrementando potencialmente as possibilidades de má interpretação do direito insculpido no artigo 196 de nossa Lei Maior.

3. O entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF)

O estudo da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal deve ser efetuado adotando-se como divisor de águas a Audiência Pública, ocorrida em meados de 2009, onde os Ministros se debruçaram sobre a questão objeto deste trabalho, qual seja, a

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judicialização do direito à saúde. De fato, anteriormente a essa Audiência Pública, a Corte Maior não havia ainda se pronunciado de forma definitiva e amplamente embasada sobre o assunto, não tendo abordado por completo os inúmeros pontos do debate referente ao direito à saúde.

Diante de tal contexto, dentre as vezes que o STF se manifestou a respeito do tema, adota certo relevo a expressão desta Corte no AgRg em Pet 1246-1-SC. Em que se pese o deslinde da questão ter se fundamentado em aspecto processual, não se pode ignorar a posição adotada pelo Ministro Celso de Mello em seu despacho monocrático, que chegou a ser reproduzida em outros julgados do STF, ainda anteriores à mencionada audiência, senão vejamos:

E M E N T A: PACIENTES COM ESQUIZOFRENIA PARANÓIDE E DOENÇA MANÍACO-DEPRESSIVA CRÔNICA, COM EPISÓDIOS DE TENTATIVA DE SUICÍDIO - PESSOAS DESTITUÍDAS DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - NECESSIDADE IMPERIOSA DE SE PRESERVAR, POR RAZÕES DE CARÁTER ÉTICO-JURÍDICO, A INTEGRIDADE DESSE DIREITO ESSENCIAL - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS INDISPENSÁVEIS EM FAVOR DE PESSOAS CARENTES - DEVER CONSTITUCIONAL DO ESTADO (CF, ARTS. 5º, "CAPUT", E 196) - PRECEDENTES (STF) - ABUSO DO DIREITO DE RECORRER - IMPOSIÇÃO DE MULTA - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. - O

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direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela

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coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA, A PESSOAS CARENTES, DE MEDICAMENTOS ESSENCIAIS À PRESERVAÇÃO DE SUA VIDA E/OU DE SUA SAÚDE: UM DEVER CONSTITUCIONAL QUE O ESTADO NÃO PODE DEIXAR DE CUMPRIR. - O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, "caput", e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF. MULTA E EXERCÍCIO ABUSIVO DO DIREITO DE RECORRER. - O abuso do direito de recorrer - por qualificar-se como prática incompatível com o postulado ético-jurídico da lealdade processual - constitui ato de litigância maliciosa repelido pelo ordenamento positivo, especialmente nos casos em que a parte interpõe recurso com intuito evidentemente protelatório, hipótese em que se legitima a imposição de multa. A multa a que se refere o art. 557, § 2º, do CPC possui função inibitória, pois visa a impedir o exercício abusivo do direito de recorrer e a obstar a indevida utilização do processo como

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instrumento de retardamento da solução jurisdicional do conflito de interesses. Precedentes.[6](grifou-se)

O entendimento adotado pelo Ministro Celso de Mello, relator deste Recurso Extraordinário cuja ementa fora colacionada acima, ratifica a manifestação deste jurista apontada em seu despacho monocrático inerente ao AgRg em Pet 1246-1-SC. Em tal ocasião, o eminente magistrado defendeu que inviolabilidade do direito à vida constitui direito subjetivo inalienável e constitucionalmente garantido, tornando-se impossibilitada a hipótese de prevalência dos interesses financeiros do Estado ante a magnitude do direito à vida/saúde. Importante destacar que, Celso de Mello chegou inclusive a classificar o interesse financeiro estatal como de natureza secundária.

Dentre os julgados do STF ocorridos anteriormente à Audiência Pública sobre a judicialização do direito à saúde, é possível perceber certa similitude no que concerne às justificativas apresentadas pelos Ministros. As fundamentações tornam-se repetitórias, principalmente, nos trechos em que se ressalta a hipossuficiência econômica da parte autora, fator este que demonstra certo caráter paternalista das referidas decisões.

Ocorre que o direito à saúde, o qual deverá ser implementado através de políticas públicas, tem de ser efetivado de forma a atender a todos os membros da sociedade sem que haja privilégios àqueles que ingressem judicialmente. Com efeito, as decisões judiciais, por vezes, sob o pretexto de concretizar a justiça, acabam por concretizar injustiças, concedendo, por exemplo, mudanças de posições em filas de transplante, fornecimento de tratamentos medicamentosos e de exames avançados não acessíveis aos demais cidadãos, desrespeitando o princípio da igualdade material.

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Nos dias 27, 28 e 29 de abril e 4, 6 e 7 de maio de 2009, concretizou-se o "divisor de águas" para a matéria em estudo consubstanciado em Audiência Pública. Precisamente com o intuito de tentar ponderar sobre o tema, e inspirado no modelo, estudado por Peter Häberle, de sociedade aberta dos intérpretes da Constituição, o Ministro Gilmar Ferreira Mendes, então Presidente do Supremo Tribunal Federal, à vista dos inúmeros pedidos de suspensão de liminar, suspensão de tutela antecipada e suspensão de segurança, convocou a Audiência Pública, nos termos do artigo 13, inciso XVII, do Regimento Interno daquele Tribunal, para perceber os pareceres de indivíduos com expertiseem matéria de Sistema Único de Saúde, vislumbrando o esclarecimento de questões técnicas, científicas, administrativas, políticas, econômicas e jurídicas relativas às ações de prestação de saúde.

Na Audiência Pública foram abordados diversos pontos imprescindíveis para a compreensão do tema, quais sejam:

a) Responsabilidade dos entes da federação em matéria de direito à saúde;

b) Obrigação do Estado de fornecer prestação de saúde prescrita por médico não pertencente ao quadro do SUS ou sem que o pedido tenha sido feito previamente à Administração Pública;

c) Obrigação do Estado de custear prestações de saúde não abrangidas pelas políticas públicas existentes;

d) Obrigação do Estado de disponibilizar medicamentos ou tratamentos experimentais não registrados na ANVISA ou não aconselhados pelos Protocolos Clínicos do SUS;

e) Obrigação do Estado de fornecer medicamento não licitado e não previsto nas listas do SUS;

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f) Fraudes ao Sistema Único de Saúde.

Dentre os inúmeros pontos[7] abordados, alguns pontos merecem maior destaque, posto se coadunarem com o entendimento adotado no presente estudo monográfico. Com o reconhecimento, pela maioria dos que abordaram o tema, do papel do Poder Judiciário na efetivação do direito à saúde, muito se discutiu a respeito da abordagem propícia que o Judiciário deverá executar ao decidir sobre tal matéria.

Neste quadro, a totalidade daqueles que examinaram a questão das ações judiciais baseadas em laudo de médico estranho aos quadros do sistema público afirmaram sua ilegitimidade, salvo situações excepcionais. De outra parte, discutiu-se, sem, contudo, chegar a um consenso, sobre o dever da Administração Pública de custear prestações de serviços saúde não albergadas pelas políticas públicas já adotadas; a possibilidade de fundamentação do princípio da reserva do possível como escusa para o cumprimento de questões relacionadas à saúde; o tema do congelamento judicial de verbas estatais; e o estabelecimento de condição para o acesso ao Poder Judiciário, consubstanciada na exigência de apresentação prévia do paciente à instância administrativa. Além disso, ocorreram abordagens sobre as controvérsias do fornecimento de remédios sem registro no Brasil, dos serviços médicos experimentais e do aperfeiçoamento das políticas públicas do setor.

De todo o exposto acerca da Audiência Pública sobre o direito à Saúde, não se pode negar que esta AP representou um marco fundamental para o, nem tão recente, fenômeno da judicialização presente no Brasil. Ademais, a multicitada Audiência Pública teve a aptidão de demonstrar os conflitos que são inerentes à sociedade brasileira: várias compreensões da ideia de saúde em discussão. Certo é que está patente o avanço que isto trouxe para a própria sociedade brasileira, tanto no que diz respeito aos seus reflexos na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto aos efeitos

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concretos que a audiência trouxe para a saúde, sendo o mais evidente de tais efeitos, a garantia da possibilidade do direito à saúde ser demandado judicialmente.

Efetivamente, com o fim da Audiência Pública sobre saúde de 2009, o STF criou as referências jurisprudenciais para decidir sobre pedidos de prestação à saúde, tendo figurado como valoroso precedente a decisão acerca do AgRg da STA 175-CE, a qual será estudada, a seguir, a partir da análise do voto do Relator Ministro Gilmar Mendes, levando em linha de conta a propriedade e relevância jurídica dos argumentos expendidos no referido voto. Entretanto, para que haja uma maior compreensão do litígio em comento contido nestes autos, faz-se necessária a explanação de alguns dados fáticos que devem ser salientados.

Tratava-se de jovem, de 21 anos, acometida pela doença de Niemann-Pick Tipo C, doença neurodegenerativa rara, a qual vinha sido tratada sintomaticamente sem a utilização de um fármaco que combatesse a citada moléstia. Considerando a condição socioeconômica da enferma e de seus familiares, restou impossibilitada a hipótese da mesma adquirir por meios próprios o medicamento Zavesca (Miglustat), posto que tal tratamento medicamentoso custaria, mensalmente, R$ 52.000,00 (cinquenta e dois mil reais), montante este incompatível com a renda familiar da jovem, razão pela qual a mesma recorreu ao Judiciário para ver o remédio em tela custeado pela União, Estado do Ceará ou Município de Fortaleza.

Todavia, em que se pese os laudos médicos apontarem o Zavesca (Miglustat) como o fármaco mais indicado para o tratamento da jovem, tal remédio, na época da propositura da ação, não estava registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), tampouco estava contemplado pela Política Farmacêutica da rede pública, não existindo Protocolo Clínico para seu uso perante o Sistema Único de Saúde.

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Não obstante, o processo judicial sob análise ainda perpassou por diversos tópicos amplamente recorrentes em litígios desta natureza, senão vejamos:

a) a hipótese de controle jurisdicional das política públicas;

b) a inexistência de responsabilidade solidária entre os entes federados;

c) o desrespeito à separação de poderes;

d) a desconsideração dos regulamentos e normas próprias do SUS;

e) as consequências do efeito multiplicador;

f) as consequências da modificação da destinação de verbas, que dantes deveriam ser aplicadas na política de saúde a ser implementada, entretanto, há mudança no destino de parte dessa verba para o cumprimento de decisão judicial.

Para a análise de todos esses pontos, o Ministro Gilmar Mendes, relator do processo, optou por destrinchar todo o texto do artigo 196 da Constituição Federal de 1988, explicitando o significado das expressões inclusas no referido dispositivo constitucional, quais sejam: 1) "direito de todos", 2) "dever do Estado", 3) "garantido mediante políticas sociais e econômicas", 4) "visem à redução do risco de doenças e outros agravos", 5) "acesso universal e igualitário", 6) "ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação".

No que concerne à primeira expressão, explica o Ministro Relator que há no texto constitucional a previsão de um direito público subjetivo à implementação de políticas públicas recuperadoras e protetoras da saúde, não existindo no referido permissivo constitucional um direito absoluto a todo e qualquer

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procedimento de promoção, proteção e recuperação da saúde que prescinda de uma política pública concretizadora. Deste modo, para que seja assegurada um prestação de saúde individualizada, faz-se indispensável a existência de um contexto fático no qual não esteja sendo respeitada a política pública de saúde existente.

Ao esmiuçar o conceito de "dever do Estado" o Relator discorreu sucintamente a respeito da responsabilidade existente entre os entes federados sobre o direito à saúde. Para tanto, leva-se à lume o disposto no artigo 23, II, da Constituição, o qual estabelece a competência para a proteção da saúde, in verbis:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

[...]

II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;[8] (grifou-se)

Na visão do supracitado pretor, o artigo em destaque estabelece, entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, uma responsabilidade solidária pela promoção do direito à saúde, figurando como legitimados passivos nos litígios que envolvam tal direito. A descentralização na prestação dos serviços inerentes ao Sistema Único de Saúde, bem como, a existência de uma rede regionalizada e hierarquizada, segundo o critério da subsidiariedade, só vem a reforçar a teoria de que há uma obrigação solidária entre os entes federados, segundo a ótica do Ministro.

Já no que concerne ao ponto 3 do rol de conceitos esmiuçados no voto do relator, tem-se que tal conceito atribui ao direito à saúde um certo viés programático, na proporção em que a evolução da ciência médica acaba por trazer novas medidas mais

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efetivas para a proteção da saúde. E o acompanhamento de tais avanços científicos deverá vir previsto e exercido por políticas econômicas e sociais, as quais indicarão as providências a serem adotadas, considerando a limitação dos recursos, para que se possa alcançar a maior efetividade na proteção do direito à saúde.

Pari passu, ratificando o exposto no ponto 3, o conceito contido no item 4, "visem a redução do risco de outras doenças e outros agravos", vem ratificar a posição de que as políticas públicas a serem adotadas não podem olvidar das medida preventivas de proteção à saúde, lembrando o Ministro Gilmar Mendes que a própria Carta Magna, em seu artigo 198, II, estabelece o caráter prioritário das ações preventivas na campo da saúde.

A quinta parte do dissecado artigo 196 da Constituição Federal destaca a universalidade do Sistema Único de Saúde, de modo que as ações deste sistema alcancem a sociedade como um todo, sem que se façam presentes privilégios ou preconceitos, ou seja, visando a proteção da saúde de todos e em igual medida. De fato, a própria Lei nº 8.080/90, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, preconiza em seu artigo 7º, incisos I e IV, estabelece como duas das treze diretrizes do SUS a universalidade e a igualdade, reproduzindo na legislação infraconstitucional os princípios contidos na Carta Magna atinentes ao direito à saúde.

Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:

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I - universalidade de acessoaos serviços de saúde em todos os níveis de assistência;

[...]

IV - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie;[9] (grifou-se)

Quanto ao sexto e último tópico da dissecação, do artigo 196, contida no voto do Ministro Relator Gilmar Ferreira Mendes, verifica-se que o referido jurista deteve-se de forma mais prolongada na abordagem deste tópico. É realizado um apanhado geral das ações que subiram ao Supremo Tribunal Federal, as quais versem sobre o direito à saúde, explicitando toda a conjuntura antecedente que culminou na necessidade e realização da afamada Audiência Pública da saúde.

Após a realização desta digressão, aduz o magistrado que a problemática da judicialização do direito à saúde, origina-se, na maioria dos casos, devido à má implementação de determinada política pública já existente, ou seja, toda a legislação pertinente já existe, porém a mesma não é cumprida ou o é de forma inapropriada, prejudicando toda a sociedade.

Nestes casos, não há que se falar em impossibilidade do Judiciário se imiscuir em atribuição de outro Poder, posto que o Judiciário não estaria assumindo função política, posto que não está criando uma política de saúde pública, mas tão somente determinando o cumprimento de política já definida, a qual não esteja sendo efetivamente executada. Isto posto, a partir desta linha raciocínio é possível a elaboração de parâmetro que norteiem a atividade jurisdicional ante qualquer ação que possua como objeto a prestação do serviço público de saúde.

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Desta feita, diante de litígio judicial com tal objeto, caso a prestação do serviço de saúde requerida não estiver entre as políticas do Sistema Único de Saúde, faz-se mister discernir a razão para tanto, observando se esta é consequência de uma omissão legal ou executiva, de uma proibição legal ou de uma deliberação expressa da Administração Pública. Isto porque, são abundantes as demandas judiciais cujo pedido vislumbra o fornecimento de medicamento não registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

Demandas estas que devem ser julgadas improcedentes, uma vez que, a partir da Audiência Pública da saúde, fixou-se o entendimento de que ao Judiciário não é permitido decidir pelo fornecimento de determinado fármaco pleiteado sem que este seja registrado. Ademais, caso o magistrado entenda de forma diversa, estaria a infringir o disposto na Lei nº 6.360/76, que dispõe, em seu artigo 12, a proibição de venda ou entrega de insumos farmacêuticos, medicamentos e correlatos sem que seja precedida de registro junto ao Ministério da Saúde, considerando o respectivo registro figura em última análise como medida de garantia à saúde pública.

De outra parte, também se revela considerável o número de ações judiciais nas quais se pleiteia uma prestação de saúde a qual deliberadamente o SUS optou por não fornecer, uma vez que não reconhece cientificamente as benesses de determinado tratamento. Esse eventual posicionamento negatório adotado geralmente se fundamenta em uma das seguinte hipóteses: a) o SUS adota outro tratamento inadequado a certo paciente; b) o SUS não prevê tratamento específico para certa moléstia.

Considerando a primeira situação, haverão de ser valorizadas as prestações dos serviços de saúde elencados nos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas - PCDT para os tratamentos das moléstias a serem combatidas no SUS, em detrimento dos

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tratamentos requestados judicialmente os quais não haja previsão junto aos protocolos e diretrizes. Isto porque é através dos PCDT que são estabelecidos os critérios de diagnóstico de cada doença, o algoritmo de tratamento das doenças com as respectivas doses adequadas e os mecanismos para o monitoramento clínico em relação à efetividade do tratamento e a supervisão de possíveis efeitos adversos, fixando, assim, os parâmetros necessários para o Componente Especializado da Assistência Farmacêutica - CEAF, aprovado por meio da Portaria GM/MS nº 2.981, de 26 de novembro de 2009, o qual constitui, por sua vez, uma estratégia de acesso a medicamentos no âmbito do Sistema Único de Saúde.

Ademais, tais critérios e estratégias têm de ser observados uma vez que não é possível, como dito anteriormente, acompanhar todos os avanços da medicina experimental, bem como, dada a finitude dos recursos públicos, deverá ser adotada a estratégia mais eficaz na distribuição de tais verbas de forma a abranger o maior número de pessoas. Nas palavras do próprio Ministro Gilmar Mendes, em seu referido voto, defendeu-se o seguinte:

Ademais, não se pode esquecer de que a gestão do Sistema Único de Saúde, obrigado a observar o princípio constitucional do acesso universal e igualitário às ações e prestações de saúde, só torna-se viável mediante a elaboração de políticas públicas que repartam os recursos (naturalmente escassos) da forma mais eficiente possível. Obrigar a rede pública a financiar toda e qualquer ação e prestação de saúde existente geraria grave lesão à ordem administrativa e levaria o comprometimento do SUS, de modo a prejudicar ainda mais o atendimento médico da parcela da população mais necessitada. Dessa forma,podemos concluir que, em geral, deverá ser privilegiado o tratamento

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fornecido pelo SUS em detrimento de opção diversa escolhida pelo paciente, sempre que não for comprovada a ineficácia ou impropriedade da política de saúde existente.

Essa conclusão não afasta, contudo, a possibilidade de o Poder Judiciário, ou de a própria Administração, decidir que medida diferente da custeada pelo SUS deve ser fornecida a determinada pessoa que, por razões específicas do seu organismo, comprove que o tratamento fornecido não é eficaz no seu caso. Inclusive, como ressaltado pelo próprio Ministro da Saúde na Audiência Pública, há necessidade de revisão periódica dos protocolos existentes e de elaboração de novos protocolos. Assim, não se pode afirmar que os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas do SUS são inquestionáveis, o que permite sua contestação judicial.[10] (grifo constante no original)

De fato, o pleito do paciente pode até representar o seu melhor interesse, mas não leva em linha de conta os interesses da sociedade como um todo, assim como, por vezes, desconsidera a competência atribuída ao Sistema Único de Saúde para gerenciar as ações de saúde e os parâmetros para o diagnóstico e tratamento das diversas moléstias. Razão pela qual impõe-se ao magistrado decidir pelo indeferimento do pleito de fornecimento de tratamento não elencado nos PCDT, sempre que haver tratamento alternativo sendo fornecido pelo Sistema Único de Saúde e não fica comprovada a sua ineficiência.

De forma diversa, tem-se a segundo situação, na qual inexiste tratamento previsto pelo SUS para o tratamento de certa moléstia.

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Para tais situações, entendeu o Ministro Gilmar Mendes, na decisão do referido AgRg da STA 175-CE, ser necessária a distinção entre os tratamentos puramente experimentais dos tratamentos ainda não analisados pelo SUS.

Para o jurista, o Estado não pode ser condenado a fornecer tratamentos essencialmente experimentais, mas no caso da mera falta de análise pelo SUS, desde que efetivada toda a produção de provas pertinentes, deverá o Estado ser compelido, seja em ações individuais ou coletiva, a fornecer o tratamento requerido, argumentando o referido Ministro que o direito à saúde não pode ficar refém das burocracias estatais. Defende ainda a necessidade de valorização das instruções nas demandas, sob o risco de estandardizar todos os litígios que versem sobre o direito à saúde, motivo pelo qual o Relator opinou por afastar o argumento de ocorrência de efeito multiplicador dada a necessidade de se olhar as especificidades de cada caso.

Em suma, as posições adotadas pelo Supremo Tribunal Federal no AgRg da STA 175-CE eivaram-se de natureza paradigmática, norteadora da jurisprudência sobre o tema. Em ilustrada síntese, Fernando Facury Scaff aponta as posições escolhidas por nossa Corte Maior, senão vejamos:

1) Quando a ação de saúde pretendida for prevista nos textos normativos e não estiver sendo prestada: O Poder Judiciário deve intervir a fim de fazer cumprir a norma.

2) Quando a ação de saúde pleiteada não estiver entre as políticas do SUS, é imprescindível distinguir se ela decorre:

a) de uma omissão legislativa ou administrativa: Deverá ser privilegiado o tratamento estabelecido pelo SUS, e serem

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feitas revisões periódicas dos protocolos de saúde, sendo permitido ao Poder Judiciário intervir caso um indivíduo comprove que o tratamento fornecido não é adequado para atender o seu caso.

b) de uma decisão administrativa de não fornecê-la em virtude de:

i) o SUS fornece tratamento alternativo: Igualmente deverá ser privilegiado o tratamento disponibilizado pelo SUS, sempre que não for comprovada a eficácia ou a impropriedade da política existente.

ii) o SUS não possui tratamento para esta patologia:

(1) Por ser um tratamento meramente experimental: Neste caso caracteriza-se como pesquisa médica e não é possível o Poder Judiciário deferir os pleitos efetuados.

(2) Por ser um novo tratamento ainda não testado pelo SUS, mas disponível na rede privada: O Poder Judiciário poderá intervir, em ações individuais ou coletivas, para que o SUS dispense aos seus pacientes o mesmo tratamento disponível na rede privada, mas desde que haja instrução processual probatória, o que inviabiliza o uso de liminares.

b) de uma vedação legal à sua dispensação: Esta hipótese, a despeito de elencada pelo acórdão, não foi tratada em seu texto.[11]

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O excerto colacionado, sintetizador da decisão acerca do AgRg da STA 175-CE, indica o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal a respeito dos principais pontos a serem considerados nas ações judiciais de saúde, denotando importância fundamental para os futuros julgados.

Hodiernamente, verifica-se que o STF consolidou seu entendimento sintetizado no excerto supracitado. Porém, a Suprema Corte foi além entendendo inclusive que, em certos casos, faz-se necessário não só obrigar certo ente federado a disponibilizar o medicamento necessário, mas também determinar que seja mantido estoque mínimo de referida substância.

A Administração Pública pode ser obrigada, por decisão do Poder Judiciário, a manter estoque mínimo de determinado medicamento utilizado no combate a certa doença grave, de modo a evitar novas interrupções no tratamento.

Não há violação ao princípio da separação dos poderes no caso. Isso porque com essa decisão o Poder Judiciário não está determinando metas nem prioridades do Estado, nem tampouco interferindo na gestão de suas verbas. O que se está fazendo é controlar os atos e serviços da Administração Pública que, neste caso, se mostraram ilegais ou abusivos já que, mesmo o Poder Público se comprometendo a adquirir os medicamentos, há falta em seu estoque, ocasionando graves prejuízos aos pacientes.

Assim, não tendo a Administração adquirido o medicamento em tempo hábil a dar continuidade ao tratamento dos pacientes, atuou de forma ilegítima, violando o direito à saúde

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daqueles pacientes, o que autoriza a ingerência do Poder Judiciário.[12]

4. Conclusão

O direito à saúde figura como direito fundamental de todos e dever do Estado, razão pela qual é defendida tão debatida nos tribunais pátrios. De fato, não obstante sua destacada importância, os avanços científicos na seara da medicina acabaram por elevar, sobremaneira, os custos dos tratamentos médicos e farmacêuticos, onerando ainda mais as reservas estatais, fator este que incentivou os membros da federação a adotarem uma posição excessivamente defensiva (ainda que em casos onde a responsabilidade do ente era patente) quando das solicitações administrativas ou até mesmo das querelas judiciais que versem sobre o fornecimento de tratamentos.

Estas verdadeiras desestabilizações das verbas públicas destinadas à saúde têm sido agravadas pelas reiteradas decisões judiciais que, apesar da melhor intenção, deferem todo e qualquer pleito concernente à saúde, ignorando os parâmetros estipulados pelo Supremo Tribunal Federal na AgRg da STA 175-CE, bem como, do apresentado na Audiência Pública da Saúde.

Não se pretende, de forma alguma, alegar a impossibilidade do Judiciário intervir em alguns aspectos desta seara, tampouco procura-se defender a influência do Judiciário de forma a substituir os Poderes Legislativo e Executivo em suas funções. Ocorre que, ao Judiciário é permitida a intervenção desde que o direito fundamental à saúde não esteja sendo implementado em grau satisfatório, ou mesmo nos casos em que inexista política pública de saúde, ou até mesmo em casos em que, apesar de existir, a mesma seja ineficaz.

Esta intervenção do Judiciário chega a representar, ultima ratio, verdadeiro instrumento de participação democrática da

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população, considerando que o discurso jurídico deverá estar pautado pela fundamentação e a razoabilidade. Com efeito, dado o princípio da inércia jurisdicional, somente através da provocação das partes é que o Judiciário estaria autorizado a fazer o sopesamento entre a reserva do possível e a consecução do mínimo existencial, tudo desde que presentes as condições expostas no parágrafo anterior, bem como, respeitando a discricionariedade de meios atinentes ao demais poderes.

Desta feita, apesar de apresentar facetas de direito individual no caso concreto de inexistência de uma política pública de saúde por exemplo, o direito à saúde figura como direito subjetivo público, tendo as ações coletivas como forma preferencial para sua discussão.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 21 de março de 2016.

___________. Lei nº 8.080/90, de 19 de setembro de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8080.htm>. Acesso em: 21.03.2016.

NUNES, António José Avelãs; SCAFF, Fernando Facury. Os Tribunais e o Direito à Saúde, Livraria do Advogado Editora, Porto Alegre, 2011.

SCAFF, Fernando Facury; REVENGA Miguel; ROMBOLI, Roberto. Problemas da Judicialização do Direito à Saúde no Brasil, In: A Eficácia dos Direitos Sociais - I Jornada Internacional de Direito Constitucional Brasil/Espanha/Itália, SP, Quartier Latin, 2010. p. 265-266.

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NOTAS:

[1] SCAFF, Fernando Facury; REVENGA Miguel; ROMBOLI, Roberto. Problemas da Judicialização do Direito à Saúde no Brasil, In: A Eficácia dos Direitos Sociais - I Jornada Internacional de Direito Constitucional Brasil/Espanha/Itália, SP, Quartier Latin, 2010. p. 265-266.

[2] STJ. AgRg no REsp 1028835/DF, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 02/12/2008, DJe 15/12/2008.

[3] STJ. RMS nº 24.197 - PR (2007/0112500-5), Relator Ministro Luiz Fux, 04/05/2010.

[4] STJ. 1ª Seção. REsp 1.203.244-SC, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 9/4/2014 (recurso repetitivo).

[5] STJ. 1ª Seção. REsp 1.069.810-RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 23/10/2013 (recurso repetitivo).

[6] STF. RE 393175 AgR, Relator(a): Min. Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em 12/12/2006, DJ 02-02-2007 PP-00140 Ement Vol-02262-08 PP-01524.

[7] Para um aprofundamento maior nas matérias abordadas pela Audiência Pública em questão, interessante realizar o estudo do material contido no sítio eletrônico do Supremo Tribunal Federal, disponível: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=processoAudienciaPublicaSaude&pagina=Cronograma>

[8] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 21 de março de 2016.

[9] BRASIL. Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Disponível em:

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<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8080.htm >. Acesso em: 21 de março de 2016.

[10] STF. AgRg na STA 175-CE, Relator Ministro Gilmar Mendes, DJe 30/4/2010.

[11] NUNES, António José Avelãs; SCAFF, Fernando Facury. Os Tribunais e o Direito à Saúde, Livraria do Advogado Editora, Porto Alegre, 2011, p. 126.

[12] STF. 1ª Turma. RE 429903/RJ, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 25/6/2014 (Info 752).

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O INSTITUTO DA DESAPROPRIAÇÃO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

SILVANA PEREIRA BARBOSA

RESUMO: O presente trabalho destina-se a analisar brevemente o instituto da desapropriação na legislação brasileira, suas minucias, conceitos e requisitos

Palavras crave: propriedade, desapropriação, justa indenização.

INTRODUÇÃO.

O direito à propriedade é constitucionalmente garantido no artigo 5º, inciso XXII da Constituição Federal de 1988. O proprietário, assegurado pela mencionada garantia, reúne em sua esfera de disponibilidade o direito de usar, gozar e fruir do seu imóvel da forma que melhor lhe aprouver.

Contudo, na conjetura atual, o direito de propriedade não pode mais ser exercido em caráter absoluto, exclusivo e perpétuo consoante se permitia em tempos remotos. A propriedade é “um direito individual, mas um direito individual condicionado ao bem estar da comunidade. É uma projeção da personalidade humana, mas nem por isso a propriedade privada é irretocável[1]”

A limitação ao direito de propriedade, portanto, decorre do poder de polícia do Estado e poderá ocorrer mediante desapropriação; requisição; limitações e servidões administrativas ou ocupações temporárias. A desapropriação é o objeto de análise desse trabalho.

1. Fundamento normativo constitucional da desapropriação da propriedade privada

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O artigo 5º, inciso XXIV preconiza que a lei estabelecerá o procedimento para a desapropriação[2]por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro.

O supramencionado dispositivo ressalva, entretanto, hipóteses nas quais a indenização por ocasião da desapropriação ocorrerá mediante títulos da dívida pública. Esta situação acontecerá quando da desapropriação para fins de reforma agrária do imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social (artigo 184, caput) e de imóvel urbano na mesma situação (artigo 182, §4º, inciso III) [3].

Estas últimas hipóteses coadunam, em verdade, o que se chama de desapropriação-sanção. Com efeito, a Constituição de 1988 prevê três possibilidades de desapropriação com caráter sancionatório. Os artigos 184 e 182, § 4º são as duas primeiras situações e decorrem, como dito, do descumprimento da função social[4].

A terceira hipótese é aquela disciplinada no artigo 243 da Constituição Federal e corresponde à expropriação de glebas destinadas ao cultivo de plantas psicotrópicas. Não se olvide que, neste caso, em razão do ilícito praticado, nenhuma indenização é devida ao expropriado.

Diante das considerações tecidas, conclui-se que a desapropriação ou expropriação é o ato por meio do qual o Estado toma para si, ou transfere a outra pessoa, bens de um particular, ainda que contra a sua vontade.

Com efeito, a desapropriação “é a mais drástica das formas de manifestação do poder de império, ou seja, da Soberania interna do Estado no exercício de seu domínio eminente sobre todos os bens existentes no território nacional[5]”. Nestas circunstâncias, Helly Lopes Meirelles[6] define a desapropriação da seguinte forma:

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Desapropriação ou expropriação é a transferência compulsória da propriedade particular (ou pública de entidade de grau inferior para a superior) para o Poder Público ou seus delegados, por utilidade pública ou, ainda, por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro (CF, art. 5º, XXIV), salvo as exceções constitucionais de pagamento em títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, no caso de área urbana (CF, art. 182, § 4º, III), e de pagamento em títulos da dívida agrária, no caso da Reforma Agrária, por interesse social.

Como se vê, trata-se de “um sacrifício de direito imposto ao desapropriado[7]”, que se opera mediante um procedimento no qual o Poder Público adquire normalmente para si, em caráter originário, um bem certo por necessidade pública, utilidade pública ou interesse social.

Importa salientar que a desapropriação poderá recair sobre bens públicos. Neste caso, uma hierarquia entre os entes públicos deverá ser respeitada, de modo que a União poderá desapropriar bens dos Estados-membros, Municípios e Territórios; os Estados-membros, por sua vez, poderão desapropriar bens dos Municípios e estes não poderão desapropriar bens públicos dos demais Entes federativos. Há, ainda, a necessidade de autorização legislativa[8].

Diante da possibilidade de desapropriação cuja indenização se dê por títulos da dívida pública ou da dívida agrária, Celso Antônio Bandeira de Mello[9]destaca a existência de dois tipos de desapropriação em nosso ordenamento: a primeira, que se concretizará por meio de uma indenização justa e prévia em dinheiro e a segunda, cuja indenização, também justa, não será prévia, uma vez que o pagamento ocorrerá mediante títulos

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especiais da dívida pública resgatáveis em parcelas anuais e sucessivas.

No que tange à desapropriação urbana, cuja indenização operar-se-á mediante títulos da dívida pública, sua ocorrência se dará quando o proprietário inutilizar ou subutilizar o solo urbano em dissonância com as disposições estabelecidas no plano diretor.

A supramencionada desapropriação é de competência do Município. Trata-se de medida extrema tomada pelo Poder Público diante da desídia do proprietário, uma vez que a Lei federal 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) institui uma ordem cronológica de imposições ao titular do direito antes da efetivação da sanção maior – a desapropriação[10].

2. Desapropriação por interesse público, por necessidade pública e por interesse social

As considerações traçadas ao longo do tópico anterior permitem concluir que a desapropriação é o procedimento por meio do qual o Poder Público, com a finalidade de concretizar um interesse público, retira de alguém a propriedade, em regra, mediante prévia indenização.

É, portanto, o moderno e eficaz instrumento por meio do qual o Estado remove obstáculos à execução de obras e serviços públicos, procede à implantação de planos de urbanização, concretiza a preservação do meio ambiente contra devastações e poluições e realiza a justiça social, quando promove a redistribuição dos recursos inutilizados ou subtilizados pela iniciativa privada[11].

As desapropriações por necessidade pública ou por utilidade pública ocorrem quando o interesse que as motiva é do próprio Poder Público, que deseja afetar um determinado bem particular ao interesse público.

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Observa-se haver necessidade pública quando a Administração “defronta situações de emergência, que, para serem resolvidas satisfatoriamente, exigem a transferência urgente de bens de terceiros para o seu domínio e uso imediato[12]”.

Segundo José Cretella Júnior, a expressãonecessidade pública surgiu, inicialmente, na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789[13]. Ocorrerá quando a Administração se defronta com um problema inadiável e premente. O problema, neste caso, não pode ser adiado nem procrastinado e sua solução depende, exclusivamente, da incorporação do bem particular ao Estado.

Há utilidade pública, por sua vez, quando há conveniência na transferência do bem particular ao domínio público, mas não há urgência, imprescindibilidade[14].

Tem-se que a diferença entre necessidade pública e utilidade pública é quantitativa, ao passo que a diferença entre estas e a utilidade social, como se verá, é qualitativa. Entre o útil e o necessário “há uma diferença de grau, de quantidade não de índole, não de caráter. O necessário é mais urgente (pelo menos em teoria) do que útil[15]”

Por fim, a desapropriação por interesse socialocorrerá quando o objetivo da Administração é promover uma distribuição justa da propriedade, ou quando o que se quer é o condicionamento de seu uso ao bem estar social. Esta definição encontra-se positivada no artigo 1º da Lei n. 4.132, de 10 de setembro de 1962[16]. Fábio Konder Comparato[17]assim descreve o instituto:

Instrumento clássico para a realização da política de redistribuição de propriedades é a desapropriação por interesse social. Ora, essa espécie de expropriação não representa o

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sacrifício de um direito individual às exigências de necessidade ou utilidade pública patrimonial. Ela constitui, na verdade, a imposição administrativa de uma sanção, pelo descumprimento do dever, que incumbe a todo proprietário, de dar a certos e determinados bens uma destinação social.

A expressão interesse social passou a ser empregada como forma de desapropriação apenas depois da Segunda Guerra Mundial. No Brasil, surgiu como fundamento do instituto expropriatório apenas em 1946, sendo adotada pelas Constituições posteriores, de 1967, 1969 e 1988[18].

Importante esclarecer que interesse social não é interesse da Administração, mas sim o interesse da coletividade. Esta constatação explica o fato de, na maioria das situações em que a desapropriação se dá por interesse social, o bem é afetado com vistas à sua transferência para outro(s) indivíduo(s), que lhe dê melhor aproveitamento[19].

A sobredita forma de desapropriação é gênero do qual a Desapropriação para Reforma Agrária é espécie. Esta, por sua vez, é de competência exclusiva da União[20]. Estados-membros, Municípios, o Distrito Federal e Territórios poderão promover a desapropriação por interesse social desde que não o façam para aquela destinação.

A Desapropriação para a Reforma Agrária, repita-se, é de competência exclusiva da União. Realizar-se-á pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) conforme as determinações presentes nos artigos 184 a 186 da Constituição de 1988.

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Retornando ao gênero – desapropriação por interesse social - O artigo 186[21] da Constituição Federal determina que a propriedade rural que não estiver obedecendo a sua função social, tornar-se-á passível de desapropriação por interesse social.

Não se olvide, ainda, que o artigo 18 do Estatuto da Terra estabelece as hipóteses ensejadoras da desapropriação por interesse social. Veja-se:

Art. 18. À desapropriação por interesse social tem por fim:

a) condicionar o uso da terra à sua função social;

b) promover a justa e adequada distribuição da propriedade;

c) obrigar a exploração racional da terra;

d) permitir a recuperação social e econômica de regiões;

e)estimular pesquisas pioneiras, experimentação, demonstração e assistência técnica;

f) efetuar obras de renovação, melhoria e valorização dos recursos naturais;

g) incrementar a eletrificação e a industrialização no meio rural;

h) facultar a criação de áreas de proteção à fauna, à flora ou a outros recursos naturais, a fim de preservá-los de atividades predatórias.

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Conforme dito antes, é plenamente possível a desapropriação de bens públicos, desde que seja obedecida hierarquia entre os Entes da Federação e haja autorização legislativa para tanto.

Em desapropriações ocorridas para fins de reforma agrária, observa-se que na maioria das vezes o bem expropriado é uma propriedade privada, logo, muito raramente, a União desapropria bem de um Estado-membro. Isso ocorre porque “as terras disponíveis seriam aquelas componentes do patrimônio devoluto, ocupadas por posses de terceiros e aí caberiam [...] a ação discriminatória e subsequentes processos de regularização e legitimação de posse[22]”

A Constituição estabelece também hipóteses nas quais a propriedade rural estará insusceptível à desapropriação. A matéria encontra-se aposta em seu artigo 185 e abrange: i) a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra e ii) a propriedade produtiva.

Em síntese: são desapropriáveis para fins de reforma agrária mediante pagamento em títulos apenas os latifúndios improdutivos e propriedades improdutivas, mesmo que não configurem latifúndios, quando seu proprietário possuir mais de uma. Suas benfeitorias úteis e necessárias, entretanto, serão pagas em dinheiro.[23]

Ressalte-se que o inciso II do artigo 185 não pode ser interpretado em sua literalidade. A produtividade, unicamente no sentido econômico, não é óbice à desapropriação, que se concretizará na propriedade que é produtiva, mas que não cumpre sua função social[24].

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Discute-se, ainda, a possibilidade de se atribuir indenização integral pela perda da propriedade quando desapropriada por interesse social.

Fábio Konder Comparato[25] ensina que, pelo fato de a desapropriação ocorrer em decorrência do não atendimento à função social da propriedade, é antijurídico atribuir ao expropriado uma indenização completa, na qual estejam contemplados o valor correspondente ao valor venal do bem mais juros compensatórios, como se não tivesse havido abuso do direito de propriedade.

Para o mesmo jurista, a justiça indenizatória é uma regra de proporcionalidade, ou seja, “adaptação da decisão jurídica às circunstâncias de cada caso. Ressarcir integralmente aquele que descumpre o seu dever fundamental de proprietário é proceder com manifesta injustiça, premiando o abuso”.

3. Características do instituto

A desapropriação apresenta as seguintes características[26]: i) é forma originária de aquisição de propriedade; ii) é procedimento administrativo que se realiza em duas fases; iii) incide sobre todos os bens e direitos patrimoniais; iv) em regra, o destinatário do bem expropriado é o Poder Público.

Com efeito, diz-se originária a aquisição da propriedade por meio de desapropriação na medida em que esta não advém de nenhum outro título de aquisição[27]. Desta forma, os ônus reais incidentes sobre o bem se extinguem e possíveis credores sub-rogam-se no preço pago a título de indenização.

Assim é que o ato de desapropriar, por si mesmo instaura a propriedade do Poder Público. Este adquire o bem desconsiderando qualquer vinculação com o título jurídico do antigo proprietário[28]. Apenas a vontade do Poder Público e a indenização por este paga

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ao proprietário são suficientes à constituição da propriedade daquele sobre o bem expropriado[29].

A desapropriação é, ainda, um procedimento administrativo, o que pressupõe a sucessão de atos preordenados na Legislação. Neste procedimento, “o Poder Público ou seus delegados, mediante prévia declaração de necessidade pública, interesse público ou interesse social, impõe ao proprietário a perda de um bem, substituindo-o em seu patrimônio por justa indenização[30]”.

O procedimento expropriatório realiza-se em duas fases: a primeira corresponde à declaração que indica a necessidade ou a utilidade pública, sendo por isso denominada declaratória. A segunda fase – executória – compreende a “estimativa da justa indenização e a transferência do bem expropriado para o domínio do expropriante[31]”.

Importante salientar que a fase executória poderá ser extrajudicial ou judicial[32]. Será extrajudicial quando as partes (poder expropriante e expropriado) acordarem os parâmetros do ato e o preço da indenização sem a intervenção do Poder Judiciário. De outro modo, será judicial quando há a proposição de uma ação expropriatória por parte do poder expropriante. A manifestação judicial neste caso será homologatória – quando o expropriado aceita a indenização proposta sem questioná-la – ou contenciosa – quando houver litígio no que tange ao preço ofertado.

Segundo Helly Lopes Meirelles[33], qualquer desapropriação “deve ser precedida de uma declaração expropriatória regular, na qual se indique o bem a ser desapropriado e se especifique sua destinação pública ou de interesse social.”

Nestas circunstâncias, percebe-se a impossibilidade de ocorrência da chamada desapropriação indireta[34]. Conforme dito

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antes, todo ato expropriatório deve advir de um procedimento devidamente instaurado pelo Poder Público do qual resulte um decreto expropriatório.

A desapropriação indireta não passa de esbulho da propriedade particular e, como tal, não encontra apoio em lei. É situação de fato que se vai generalizado em nossos dias, mas que a ela pode opor-se o proprietário até mesmo com os interditos possessórios. Consumado o apossamento dos bens e integrados no domínio público, tornam-se, daí por diante, insuscetíveis de reintegração e reivindicação, restando ao particular espoliado haver a indenização correspondente, da maneira mais completa possível, inclusive correção monetária, juros moratórios, compensatórios a contar do esbulho e honorários de advogado, por se tratar de ato caracteristicamente ilícito da Administração[35].

Tem-se, portanto, que a desapropriação indireta é o “abusivo e irregular apossamento do imóvel particular pelo Poder Público, com sua consequente interação ao patrimônio público, sem obediência às formalidades e cautelas do procedimento expropriatório[36]”.

Como outra especificidade ínsita à desapropriação, temos que esta incide sobre quaisquer bens patrimoniais, sejam estes móveis ou imóveis, materiais ou imateriais (cotas de uma sociedade, por exemplo). A exceção permeia os direitos personalíssimos, os quais não podem ser separados dos indivíduos. “Também não se desapropria a moeda corrente do País, porque ela constitui o próprio meio de pagamento da indenização[37]”.

Bens públicos podem ser desapropriados. Para tanto, o Decreto-Lei n. 3.365, de 21 de junho de 1941[38]estabelece uma

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ordem hierárquica para essa finalidade, qual seja: a União pode desapropriar bens dos Estados, Municípios e Territórios; os Estados, por sua vez, poderão expropriar bens do Município. Em nenhum caso, a recíproca é verdadeira (da mesma forma, não é possível o Município desapropriar uma autarquia federal ou estatal) e em qualquer hipótese permitida há a necessidade de autorização legislativa do poder expropriante para o procedimento[39].

Por fim, cabe ressaltar que o destinatário do bem expropriado é, em regra, o Poder Público. Esta característica explica-se pelo fato de ser ele o legítimo guardador do interesse público em espeque, que originou o procedimento expropriatório.

Casos há, entretanto, em que os bens expropriados serão endereçados a particulares[40], porque esta fora a finalidade do ato. Helly Lopes Meirelles[41] insere nesta situação a desapropriação por zona, a desapropriação para urbanização e a desapropriação por interesse social “em que se visa à distribuição da propriedade com o adequado condicionamento para melhor desempenho da função social [...][42]”.

4 Conceitos importantes ao entendimento da desapropriação

4.1 Declaração de utilidade pública

É o ato através do qual o Poder Público externaliza sua pretensão de adquirir compulsoriamente um bem determinado, sujeitando-o à sua força expropriatória[43].

Consoante estabelecido nos artigos 6º e 8º do Decreto-Lei n. 3.365[44], a declaração de utilidade pública poderá ser expedida pelos Poderes Executivo (através de decreto expedido pelo Presidente, Governador ou Prefeito) e Legislativo. Em ambos os casos tratar-se-á de ato administrativo[45].

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Neste contexto, a atribuição de competência ao Legislativo para emitir a declaração expropriatória constitui uma situação peculiar na qual àquele é conferido o poder de desapropriar, que é ato característico de administração[46].

Portanto, válido ressaltar que a lei que declara a utilidade pública é individual e específica e equipara-se a um ato administrativo. A lei emanada pelo Poder Legislativo não está, assim, revestida de seu caráter normativo, disciplinador de condutas[47].

Analisando a questão, José Cretella Júnior[48]afirma que “cabe ao Poder Executivo só e só, no Brasil, a iniciativa de declarar a desapropriação de imóveis. [...] A iniciativa de declarar a desapropriação de bens privados pelo Poder Legislativo, embora prevista em lei, é letra morta em nosso direito[49]”.

Na declaração de utilidade pública devem estar presentes as seguintes informações[50]: “a) manifestação pública da vontade de submeter o bem à força expropriatória; b) fundamento legal em que se embasa o poder expropriante; c) destinação específica a ser dada ao bem; d) identificação do bem a ser desapropriado”.

Cumpre ressaltar que a declaração de utilidade produz efeitos. Portanto, esta declaração i) submete o bem à força expropriatória do Poder Público; ii) fixa o estado do bem a ser desapropriado, indicando a maneira em que se encontra, a existência de melhorias, dentre outras particularidades importantes à fixação do preço; iii) concede ao Estado a prerrogativa de adentrar no bem sempre que houver necessidade, dentro dos parâmetros de razoabilidade, para efetuar verificações e medições; iv) constitui o termo inicial para a contagem do prazo de caducidade[51].

Não devem ser confundidos os efeitos da declaração ora em exame e os efeitos advindos da própria desapropriação[52]. “A

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declaração de necessidade ou utilidade pública ou de interesse social é apenas o ato-condição que precede a efetivação da transferência do bem para o domínio do expropriante[53]”.

Importante sobrelevar que não obstante a declaração de utilidade pública estabeleça algumas prerrogativas à Administração, o que, de certa forma, limita o direito do proprietário, este não perde o seu direito de usar, gozar e fruir da coisa a ser expropriada.

Dessa constatação, tem-se que na ocasião de o imóvel ser objeto de declaração de utilidade pública, não pode a Administração negar Alvará de licença para edificação caso o pretendente preencha todos os requisitos para tanto. Este, aliás, é o entendimento do Supremo Tribunal Federal externado através da Súmula 23[54]. Destaque-se, entretanto, que o valor da obra não será considerado para efeito de aumento da indenização fixada.

Ademais, ocorrendo a realização de benfeitorias necessárias na coisa após a declaração de utilidade, estas serão sempre indenizáveis. De outro modo, as benfeitorias voluptuárias jamais serão passíveis de indenização e as benfeitorias úteis serão indenizadas quando previamente autorizadas pelo poder expropriante[55].

Por fim, ressalte-se que a declaração de utilidade pública fixa o marco inicial à contagem do prazo de caducidade para a mesma. “Caducidade da declaração de utilidade pública é a perda de validade dela pelo decurso do tempo sem que o Poder Público promova os atos concretos destinados a efetivá-la[56]”.

Com efeito, o direito do expropriante caducará em cinco anos contados da declaração de utilidade pública quando a desapropriação se der por interesse ou utilidade pública[57]. O prazo diminuirá para dois anos quando a desapropriação ocorrer por interesse social[58].

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Cumpre esclarecer, entrementes, que a caducidade não extingue por completo o direito da Administração em promover nova declaração de utilidade pública sobre o mesmo bem. Neste aspecto, o artigo 10, segunda parte, do Decreto-Lei n. 3.365 estabelece a possibilidade de uma nova declaração desde que já se tenha decorrido um ano da caducidade da antiga declaração.

No que tange à prescrição do direito da Administração em promover a ação de desapropriação, segue-se o quanto disposto no artigo 219, § 1º do Código de Processo Civil, que estabelece in verbis: a interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação. É o que leciona Celso Antônio Bandeira de Mello[59]:

Sendo a caducidade da declaração de utilidade pública um “prazo extintivo”, há de se concluir que não se consuma a caducidade da declaração se a Administração, até o último dia dos cinco anos ou dos dois anos (conforme o caso), propuser a ação de desapropriação, promovendo a citação conforme o disposto no art. 219 e seus parágrafos do Código de Processo Civil, com a redação dada pela citada Lei 8.952/94.

4.2 Imissão provisória na posse

Havendo urgência na efetivação da expropriação, o Poder Público pode, mediante depósito prévio fixado em lei em favor do proprietário, adquirir autorização judicial para imitir-se na posse da coisa desde o início da demanda.

Neste diapasão, cabe salientar a importância de o poder expropriante comprovar através de argumentos objetivos[60] a urgência da medida. Ao magistrado, cabe a tarefa de analisá-los à luz do caso concreto acatando-os ou não.

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O Decreto-Lei n. 3.365, de 21 de junho de 1941 estabelece no § 1º do seu artigo 15, que a imissão provisória poderá ser feita, independentemente da citação do réu, mediante depósito. Ocorre que, com o advento da Constituição de 1988, o Superior Tribunal de Justiça consolidou o posicionamento de que este dispositivo não fora recepcionado. Este Tribunal entendeu que na maioria das vezes o valor depositado não correspondia à indenização justa e prévia devida, fato que não autorizava a imissão na posse.

Em pensamento diametralmente oposto, o Supremo Tribunal Federal declarou não haver inconstitucionalidade no supracitado dispositivo por entender que o montante depositado guarda correspondência com ato ali realizado – a imissão na posse[61]. A justa e prévia indenização apenas incide quando da efetiva desapropriação, o que torna o § 1º do artigo 15 do Decreto-Lei n. 3.365 livre de qualquer vício de inconstitucionalidade. Helly Lopes Meirelles[62]descreve muito bem a cizânia:

[...] Após a Constituição de 1988, contudo, o STJ passou a entender que tal dispositivo não foi recepcionado pela nova Carta, uma vez que os ínfimos depósitos realizados pelo expropriante não atendiam à prévia e justa indenização em dinheiro estabelecida como garantia individual contra a desapropriação (CF, art. 5º, XXIV). Segundo tal entendimento, a posse significa, em última instância, a suspensão de quase todos os poderes inerentes ao domínio e, por isso, a imissão initio litis só pode ser autorizada com o depósito do valor apurado em avaliação prévia [...] Essa interpretação pacificou-se naquela corte, mas o STF (inclusive pelo seu plenário) modificou-a, por entender que a garantia de indenização justa prevista na Constituição atual

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não difere das Constituições anteriores, prevalecendo o entendimento tradicional de que só a perda da propriedade, ao final da ação de desapropriação – e não a imissão provisória na posse do imóvel – está compreendida na justa e prévia indenização.

Ainda discutindo sobre a mesma questão, Gilmar Mendes, Inocêncio Coelho e Paulo Gustavo Branco[63]concluem que havendo autorização para imissão prévia na posse, o Poder Público não é obrigado a proceder ao depósito do valor integral estimado a título de indenização.

Segundo os aludidos autores, não se pode confundir o depósito cuja finalidade é a imissão na posse em decorrência de urgência com o pagamento definitivo e justo devido apenas com a efetiva desapropriação. Corroboram, portanto, a tese do Supremo Tribunal Federal para considerarem legítima a possibilidade de autorização para imissão na posse tendo o expropriante depositado a metade do valor arbitrado.

Cumpre salientar, ainda, que consoante estabelecido no § 2º do artigo 15 do Decreto-Lei 3.365, de 21 de junho de 1941, “a alegação de urgência, que não poderá ser renovada, obrigará o expropriante a requerer a imissão provisória dentro do prazo improrrogável de 120 (cento e vinte) dias”.

Ademais, o § 3º deste mesmo artigo corrobora a rigidez do prazo estabelecido ao determinar que “excedido o prazo fixado no parágrafo anterior não será concedida a imissão provisória”.

4.3 A justa indenização

A Constituição de 1988 expressamente prelecionou em seu artigo 5º, inciso XXIV, que a lei deverá estabelecer o procedimento

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para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos em que o processo expropriatório se dê em razão do descumprimento da função social da propriedade[64]. Neste último caso, a indenização ocorrerá mediante títulos da dívida agrária ou pública conforme seja a função social da propriedade agrária ou urbana desrespeitada respectivamente.

Indenização é a soma de dinheiro paga pelo Poder Público com a finalidade de compensar o dano sofrido pelo particular, que é a perda do bem que possuía. José Cretella Júnior destaca que “a indenização deve corresponder à reposição do patrimônio do expropriado no valor dos bens de que foi privado por meio do pagamento de seu justo preço em dinheiro[65].

Será, portanto, justa a indenização que “corresponde real e efetivamente ao valor do bem expropriado, ou seja, aquela cuja importância deixe o expropriado absolutamente indene, sem prejuízo algum ao seu patrimônio[66]”.

Logo, a indenização deve ser composta, além do valor do bem apurado, dos juros moratórios e compensatórios, correção monetária, honorários advocatícios e demais despesas ocorridas no decorrer do procedimento da desapropriação.

Com efeito, os juros moratórios são aqueles devidos ao expropriado pelo expropriante em decorrência da demora no pagamento da indenização[67]. Consoante a redação da Súmula 70 do Superior Tribunal de Justiça, “os juros moratórios, na desapropriação direta ou indireta, contam-se desde o trânsito em julgado da sentença.”

Em que pese o entendimento deste Tribunal Superior, a Medida Provisória 2.183-56, de 28 de agosto de 2001, introduziu o artigo 15-B no Decreto-Lei n. 3.365, de 21 de junho de 1941. O artigo 15-

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B estabeleceu que os juros moratórios somente serão devidos à razão de até 6% (seis por cento) ao ano, a partir de 1o de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito, nos termos do artigo 100 da Constituição.

Esta inovação trazida pela sobredita Medida Provisória padece, para alguns, de inconteste vício de inconstitucionalidade, pelo que a sua aplicação deve ser afastada em casos concretos. É o que leciona Celso Antônio Bandeira de Mello:

A disposição em causa é inconstitucional. Possivelmente assim será considerada pelos Tribunais. É que, de fora parte provir de medida provisória não relevante nem urgente e, ademais, reiterada, o que é inadmissível (razões, estas, que o Judiciário por certo ignorará), ofende o princípio da justa indenização, razão que – esta sim – o Judiciário muito provavelmente considerará merecedora de acolhimento.

De outro modo, os juros compensatórios são aqueles devidos ao expropriado nos casos em que tenha sofrido a perda antecipada da posse. O Supremo Tribunal Federal estabelecera, por meio da Súmula 618[68], serem devidos juros compensatórios à ordem de 12% (doze por cento) ao ano.

Ainda tratando da questão, importa ressaltar que a Medida Provisória 2.183-56, de 24 de agosto de 2001, acrescentou ao Decreto-Lei n. 3.365, de 21 de junho de 1941 o artigo 15-A, que informa ipsis litteris:

No caso de imissão prévia na posse, na desapropriação por necessidade ou utilidade pública e interesse social, inclusive para fins de

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reforma agrária, havendo divergência entre o preço ofertado em juízo e o valor do bem, fixado na sentença, expressos em termos reais, incidirão juros compensatórios de até seis por cento ao ano sobre o valor da diferença eventualmente apurada, a contar da imissão na posse, vedado o cálculo de juros compostos.

Cumpre ressaltar que o Supremo Tribunal Federal, em liminar concedida na ADI 2.322-2-DF, entendeu pela inconstitucionalidade da disposição presente nesta Medida Provisória e suprimiu a expressão “de até seis por cento ao ano” contida em seu texto. Naquela situação, decidiu-se que a interpretação conforme a Constituição obriga a entender a parte final do artigo 15-A da seguinte forma: a base de cálculo dos juros compensatórios deve ser a diferença entre 80% (oitenta por cento) do preço ofertado em juízo e o valor do bem fixado na sentença[69].

Ressalte-se, por derradeiro, que o supramencionado provimento liminar também suspendeu a eficácia dos §§ 1º, 2º e 4º constantes do mesmo artigo 15-A[70]. Estes dispositivos dispõem, respectivamente, que: “os juros compensatórios destinam-se, apenas, a compensar a perda de renda comprovadamente sofrida pelo proprietário”; “não serão devidos juros compensatórios quando o imóvel possuir graus de utilização da terra e de eficiência na exploração iguais a zero” e “nas ações referidas no § 3º, não será o Poder Público onerado por juros compensatórios relativos a período anterior à aquisição da propriedade ou posse titulada pelo autor da ação”.

A justa indenização também pressupõe a correção monetária deste valor. Ocorrerá a correção monetária quando ocorrido o disposto no § 2º do artigo 26 do Decreto-Lei n. 3.365, de 21 de junho de 1941[71], ou seja, quando decorrer prazo superior a um ano

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contado do laudo de avaliação do bem sem que tenha havido decisão final no processo.

Ademais, a Súmula 561 do Supremo Tribunal Federal estabelece que “em desapropriação, é devida a correção monetária até a data do efetivo pagamento da indenização, devendo proceder-se à atualização do cálculo, ainda que por mais de uma vez”,

Quanto às despesas advindas ao expropriado no decorrer do procedimento, devem ser estas integralmente ressarcidas. Logo, o valor da indenização deve abranger quantias módicas necessárias ao desmonte e transporte de maquinismos instalados e em funcionamento[72]; custas processuais; despesas com a sub-rogação do vínculo incidente sobre o imóvel e honorários advocatícios.

No que tange aos honorários advocatícios devidos, estabeleceu-se que a sentença que fixar o valor da indenização quando este for superior ao preço oferecido condenará o desapropriante a pagar honorários do advogado, que serão fixados entre 0,5% e 5% entre o preço ofertado e a condenação[73]. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 2.322-2-DF, suprimiu da redação original do texto a expressão “não podendo os honorários ultrapassar R$ 151.000,00 (cento e cinquenta e um mil reais)”.

4.4 A Retrocessão

A desapropriação representa a consequência jurídica da atribuição de uma finalidade pública a um determinado bem de um particular, o que possibilita ao Poder Público tomar-lhe a titularidade por meio de indenização justa e prévia.

Caso a Administração não cuide de efetivar a finalidade pública inicialmente prevista e, portanto, ensejadora do ato, ocorre a

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chamada tredestinação. A tredestinação poderá consubstanciar-se em um ato lícito, quando o desvio de finalidade se dá para a consecução de outro interesse público, ou ainda em um ato ilícito, quando a há destinação do bem desapropriado para um terceiro, que se beneficia com a situação.

A retrocessão cabe exatamente quando o Poder Público não confere ao imóvel “a utilização para a qual se fez a desapropriação, estando pacífica na jurisprudência a tese de que o expropriado não pode fazer valer seu direito quando o expropriante dê ao imóvel uma destinação pública diversa daquela mencionada no ato expropriatório[74]”.

Sendo o bem desapropriado destinado a finalidade que nada tem a ver com o interesse público que deu causa ao ato, surge para o expropriado o direito de uma “satisfação jurídica pelo fato[75]”. Esta satisfação é, portanto, o que se chama retrocessão.

Há doutrina que entende a retrocessão como “um direito real do ex-proprietário de reaver o bem expropriado, mas não preposto a finalidade pública[76]”. Dessa forma, quando não atribuída a finalidade pública ensejadora do ato à coisa expropriada, o proprietário apenas pode pleitear a restituição desta.

Celso Antônio Bandeira de Mello[77] pontua que o principal argumento destes doutrinadores reside no artigo 5º, inciso XXIV[78] da Constituição Federal de 1988. Sendo a propriedade direito cuja intangibilidade cede apenas diante de uma declaração de finalidade pública, uma vez cessada essa finalidade publica, deve o bem voltar obrigatoriamente à esfera de propriedade do seu antigo dono[79].

Há quem entenda a retrocessão, entretanto, como direito pessoal. Consoante a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello[80], essa nova visão fundamenta-se na redação do artigo 519 do novel

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código[81] - que repete o texto do artigo 1.150 do Código Civil de 1916 – conferindo, expressamente, ao proprietário o direito de preeempção ou preferência, que tem caráter eminentemente pessoal.

A principal consequência deste novo entendimento permeia a esfera da reparabilidade em situações nas quais não é atendido esse direito do expropriado. Aliás, não tardou o legislador de reconhecer, também de modo expresso, essa prerrogativa. Assim o fez no artigo 518[82] do Código Civil de 2002 – mais uma vez repetido do Diploma de 1916.

Ademais, o Decreto-Lei 3.365, de 21 de junho de 1941, prevê a reparação em seu artigo 35, o qual assim dispõe: “Os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reivindicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos.”

Maria Sylvia Zanella di Pietro[83] vê na retrocessão, entretanto, um direito de natureza mista. Para a jurista, cabe ao expropriado a ação de preempção ou preferência, que tem natureza real. Da mesma forma, o expropriado pode, se preferir, exigir perdas e danos.

O presente trabalho filia-se a esta última corrente. Permite-se ao proprietário exigir perdas e danos quando violado o seu direito de preferência, pode o expropriado também optar pela indenização em detrimento do direito de reaver o bem.

Cumpre ressaltar, por fim, que a Lei n. 4.132, de 10 de setembro de 1962, diploma que regulamenta a desapropriação por interesse social, prevê em seu artigo 3º, que “o expropriante tem o prazo de 2 (dois) anos, a partir da decretação da desapropriação por interesse social, para efetivar a aludida desapropriação e iniciar as

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providências de aproveitamento do bem expropriado”. Desse modo, passados os dois anos previstos na lei, começa a correr o prazo prescricional para a retrocessão.

Ademais, sendo a desapropriação para fins de reforma agrária, o artigo 16 da Lei n. 8.629, de 25 de fevereiro de 1993 (que dispõe acerca desta modalidade de desapropriação), traz a seguinte disposição:

Efetuada a desapropriação, o órgão expropriante, dentro do prazo de 3 (três) anos, contados da data de registro do título translativo de domínio, destinará a respectiva área aos beneficiários da reforma agrária, admitindo-se, para tanto, formas de exploração individual, condominial, cooperativa, associativa ou mista.

O dispositivo em espeque significa que, ultrapassados os sobreditos três anos, inicia-se também a contagem do prazo de prescrição para a retrocessão.

REFERENCIAS

ALMEIDA, Paulo Guilherme de. Aspectos Jurídicos da Reforma Agrária. São Paulo: 1990

CRETELLA JR, José. Comentários à Lei de Desapropriação. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2011

COMPARATO, Fábio Konder. Direitos de deveres fundamentais em matéria de propriedade. A questão agrária e a justiça. São Paulo: RT, 2000. Disponível em:http://ns1.dhnet.org.br/direitos/militantes/comparato/comparato

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MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 37 ed. São Paulo: Malheiros, 2011

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2011

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2008

TAVARES. André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 2. ed. São Paulo: Método, 2006

NOTAS:

[1] MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 37 ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 646.

[2] Há doutrina que apenas emprega o vocábulo “expropriação” para a situação prevista no artigo 243 da Constituição de 1988, ou seja, para o caso em que o motivo ensejador da perda da propriedade seja o cultivo de plantas psicotrópicas, fato que, por sua ilicitude, retira do proprietário o direito a qualquer indenização. Para quem compartilha desse pensamento, tal distinção se opera em razão de a Constituição, apenas neste dispositivo, utilizar-se do termo “expropriação”, não o repetindo em nenhuma outra norma na qual se discuta os caracteres da desapropriação. É o caso de André Ramos Tavares, para quem “a expropriação é a espoliação do bem particular pelo Estado, sem a contraprestação pecuniária”. TAVARES. André Ramos.Direito Constitucional Econômico. 2. ed. São Paulo: Método, 2006. p. 170. O presente trabalho, seguindo a linha de Helly Lopes Meirelles, de Paulo Guilherme de Almeida e outros doutrinadores, opta por considerar as palavras “expropriação” e “desapropriação” como expressões sinônimas. Considera-se, portanto, que a disposição do artigo 243 da

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Constituição apenas consigna, em razão do ilícito praticado, uma exceção à regra geral, a qual determina o dever de o Poder Público indenizar o particular sempre que este perde sua propriedade.

[3] Nesse sentido, Gilmar Mendes, Inocêncio Coelho e Paulo Gustavo Branco: “Tem-se, pois, a transferência compulsória do bem particular para o patrimônio público mediante o pagamento de justa e prévia indenização (art. 5º, XXIV), ou em títulos especiais da dívida ativa (no caso de observância do Plano Diretor do Município – art. 182, § 4º, III) ou da dívida agrária (no caso de desapropriação para fins de reforma agrária)”. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.Curso de Direito Constitucional. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 446.

[4] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 161-162.

[5] Op. cit., p. 649.

[6] Ibid., p. 650.

[7] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 872.

[8] ALMEIDA, Paulo Guilherme de. Aspectos Jurídicos da Reforma Agrária. São Paulo: 1990. p. 49.

[9] Op. cit., p. 873.

[10] Art.5º da Lei Federal 10.257/2001: “Lei municipal específica para área incluída no plano diretor poderá determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, devendo fixar as condições e os prazos para implementação da referida obrigação”.

[11] MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 37. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 650.

[12] Ibid., p. 657.

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[13] CRETELLA JR, José. Comentários à Lei de Desapropriação. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991. p. 37.

[14] Op. cit., p. 657-658.

[15] CRETELLA JR, José. Comentários à Lei de Desapropriação. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991. p. 38.

[16] Art. 1º da Lei n. 4.132, de 10 de setembro de 1962: “A desapropriação por interesse social será decretada para promover a justa distribuição da propriedade ou condicionar o seu uso ao bem estar social, na forma do art. 147 da Constituição Federal.”

[17] COMPARATO, Fábio Konder. Direitos de deveres fundamentais em matéria de propriedade. A questão agrária e a justiça. São Paulo: RT, 2000. Disponível em:http://ns1.dhnet.org.br/direitos/militantes/comparato/comparato_direitos_deveres_fundamentais_materia_propriedade.pdf. p. 7. Acesso em: 06 maio 2011.

[18] Op. cit., p. 40.

[19] MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 37 ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p.656.

[20] Art. 184 da Constituição Federal de 1988: “Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei”.

[21] Art. 186 da Constituição Federal de 1988: “A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I - aproveitamento racional e adequado; II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III - observância das disposições

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que regulam as relações de trabalho; IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores”.

[22] ALMEIDA, Paulo Guilherme de. Aspectos Jurídicos da Reforma Agrária. São Paulo: 1990. p. 49.

[23] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 874-875.

[24] Vide o item 2.5.2 deste trabalho.

[25] COMPARATO, Fábio Konder. Direitos e deveres fundamentais em matéria de propriedade. A questão agrária e a justiça. São Paulo: RT, 2000. Disponível em: <http://ns1.dhnet.org.br/direitos/militantes/comparato/comparato_direitos_deveres_fundamentais_materia_propriedade.pdf>. p. 7. Acesso em: 06 maio 2011.

[26] MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 37 ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p.650- 653.

[27] Maria Sylvia Zanella Di Pietro destaca algumas consequências desta característica, são elas: 1. “A ação judicial de desapropriação pode prosseguir independentemente de saber a administração quem seja o proprietário ou onde possa ser encontrado [...]; 2. Se a indenização for paga a terceiro, que não o proprietário, não se invalida a desapropriação, pois o artigo 35 do Decreto-lei nº 3.365/41 determina que ‘os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reivindicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos’ [...]; 3. Todos os ônus ou direitos que recaiam sobre o bem expropriado extinguem-se e ficam sub-rogados no preço (art. 31 do Decreto-lei nº 3.365/41); 4. A transcrição da desapropriação no registro de imóveis independe da verificação da continuidade em relação às transcrições anteriores, não cabendo qualquer impugnação por parte do Oficial de Registros de Imóveis; não há possibilidade de eventuais prejudicados reivindicarem o bem, que não fica sujeito à evicção”. DI PIETRO, Maria Sylvia

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Zanella. Direito Administrativo. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2011., p. 180.

[28] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 28 ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 878.

[29] Ibid., loc. cit.

[30] Op. cit., p. 161.

[31] MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 37 ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 650.

[32] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 28 ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 885.

[33] Op. cit., p.650.

[34] Consoante as lições de Gilmar Mendes, Inocêncio Coelho e Paulo Gustavo Branco, “jurisprudência e doutrina tratam a apropriação de bens de particulares por parte do Poder Público sem o devido processo legal expropriatório sob a epígrafe de desapropriação indireta, reconhecendo-se ao proprietário o direito a plena e cabal indenização”. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 449.

[35] MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 37 ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 651.

[36] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 28 ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 897.

[37] Op. cit., p. 651.

[38] Art. 2º, §2º do Decreto-Lei n. 3.365, de 21 de junho de 1941: “Os bens do domínio dos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios poderão ser desapropriados pela União, e os dos Municípios pelos Estados, mas, em qualquer caso, ao ato deverá preceder autorização legislativa”.

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[39] Op. cit., p. 883.

[40] Em posicionamento análogo, Celso Antônio Bandeira de Melo destaca: “Em princípio, as desapropriações se fazem em favor das pessoas de Direito Público, ou às pessoas de Direito Privado delegadas ou concessionárias de serviço público. Cabe, ainda, em caráter excepcional, desapropriar em favor de pessoa de Direito Privado que não reúna tais caracteres, mas que desempenhe atividade considerada de interesse público.” MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 28 ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 884.

[41] MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 37 ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 653.

[42] Ibid., loc. cit.

[43] Op. cit., p. 885.

[44] Art. 6º do Decreto-Lei n. 3.365, de 21 de junho de 1941: “A declaração de utilidade pública far-se-á por decreto do Presidente da República, Governador, Interventor ou Prefeito. Art. 8º: O Poder Legislativo poderá tomar a iniciativa da desapropriação, cumprindo, neste caso, ao Executivo, praticar os atos necessários à sua efetivação”.

[45] Op. cit., p. 886.

[46] Op. cit. p. 660.

[47] Ibid., loc. cit.

[48] CRETELLA JR, José. Comentários à Lei de Desapropriação. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991. p. 230.

[49] Segundo José Cretella Júnior, “a lei é bem clara ao empregar a expressão ‘poderá tomar a iniciativa da desapropriação’, o que demonstra que esta não é a regra, mas exceção. Se o Poder Executivo for inerte e não declarar a utilidade pública do imóvel, o Poder Legislativo poderá substituí-lo,

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avocando-se a declaração expropriatória, mediante decreto legislativo, que é ato administrativo e não lei. Ou mediante lei, que também não é lei, não é lei formal, é lei material, porque enquadra situação específica, faltando-lhe, pois o caráter de generalidade, impessoalidade, que caracteriza a lei.” CRETELLA JR, José. Comentários à Lei de Desapropriação. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991. p. 231.

[50] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 28 ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 886.

[51] Ibid., p. 886-887.

[52] José Cretella Júnior destaca que a “efetivação expropriatória ou promoção expropriatória é a concretização de todas as medidas necessárias para separar o proprietário do bem expropriado a favor da pessoa jurídica pública competente”. Op. cit., p. 235.

[53] MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 37 ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 661.

[54] BRASIL. Supremo Tribunal Federal Súmula n. 23. Verificados os pressupostos legais para o licenciamento da obra, não o impede a declaração de utilidade pública para desapropriação do imóvel, mas o valor da obra não se incluirá na indenização, quando a desapropriação for efetivada. Disponível em: < http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 27 out. 2011.

[55] Art. 26, § 1º do Decreto-Lei 3.365 de 21 de junho de 1941: “Serão atendidas as benfeitorias necessárias feitas após a desapropriação; as úteis, quando feitas com autorização do expropriante”.

[56] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 28 ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 888.

[57] Art. 10 do Decreto-Lei n. 3.365 de 21 de junho de 1941: “A desapropriação deverá efetivar-se mediante acordo ou intentar-se

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judicialmente, dentro de cinco anos, contados da data da expedição do respectivo decreto e findos os quais este caducará”.

[58] Art. 3º da Lei n. 4.132 de 10 de setembro de 1962: “O expropriante tem o prazo de 2 (dois) anos, a partir da decretação da desapropriação por interesse social, para efetivar a aludida desapropriação e iniciar as providências de aproveitamento do bem expropriado”.

[59] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 28 ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 888-889.

[60] Ibid., p. 889.

[61] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula n. 652. Não contraria a Constituição Federal o art. 15, § 1º, do Decreto-Lei nº 3.365/1941 (Lei da Desapropriação por utilidade pública). Disponível em: < http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 27 out. 2011.

[62] MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 37 ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 663.

[63] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.Curso de Direito Constitucional. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 447.

[64] Art. 5º, inciso XXIV, da Constituição Federal de 1988: “A lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição”.

[65] CRETELLA JR, José. Comentários à Lei de Desapropriação. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991.p. 41.

[66] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 28 ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 891.

[67] Válida é a lembrança de que no que tange aos juros moratórios devidos aplica-se o quanto disposto no art. 406 do

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Código Civil Brasileiro, o qual preleciona, in verbis: “Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.”

[68] BRASIL. Supremo Tribunal Federal Súmula n.618. Na desapropriação, direta ou indireta, a taxa dos juros compensatórios é de 12% (doze por cento) ao ano. Disponível em: < http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 27 out. 2011.

[69] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 28 ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 893.

[70] Ibid., p. 893.

[71] Art. 26, § 2º do Decreto-Lei 3.365 de 21 de junho de 1941: “Decorrido prazo superior a um ano a partir da avaliação, o Juiz ou Tribunal, antes da decisão final, determinará a correção monetária do valor apurado, conforme índice que será fixado, trimestralmente, pela Secretaria de Planejamento da Presidência da República”.

[72] Art. 25, parágrafo único do Decreto-Lei 3.365 de 21 de junho de 1941: “O juiz poderá arbitrar quantia módica para desmonte e transporte de maquinismos instalados e em funcionamento”.

[73] MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 37 ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 663.

[74] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 190.

[75] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 28 ed. São Paulo: Malheiros, 2011.p. 899.

[76] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 28 ed. São Paulo: Malheiros, 2011.p. 899.

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[77] Pontua o Autor que “[...] vindo a falecer tal fundamento [a finalidade pública], por desistência de aplicação do bem ao destino que justificaria a expropriação, esvai-se o presumido pressuposto jurídico para o sacrifício do direito de quem o perdeu. Via de consequência, cabe o retorno do bem ao ex-proprietário, ante a insubsistência, ulteriormente patenteada, do arrimo constitucional que a servia.” Ibid., p. 902.

[78] Artigo 5º, inciso XXIV da Constituição Federal de 1988: “A lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição”.

[79] No mesmo sentido, ensina Maria Sylvia Zanella di Pietro, “essa corrente, com algumas variantes na argumentação, baseia-se no preceito constitucional que assegura o direito de propriedade e que só autoriza a desapropriação como alienação forçada que é, quando a medida seja adotada em benefício do interesse coletivo; se o bem não for utilizado para qualquer fim público (necessidade pública, utilidade pública ou interesse social), desaparece a justificativa para a alienação forçada, cabendo ao ex-proprietário o direito de reaver o bem pelo mesmo preço que foi expropriado”. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 189.

[80] Op. cit., p. 900.

[81] Art. 519 do Código Civil de 2002: “Se a coisa expropriada para fins de necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, não tiver o destino para que se desapropriou, ou não for utilizada em obras ou serviços públicos, caberá ao expropriado direito de preferência, pelo preço atual da coisa”.

[82] Art. 518 do Código Civil de 2002: “Responderá por perdas e danos o comprador, se alienar a coisa sem ter dado ao vendedor ciência do preço e das vantagens que por ela lhe oferecem. Responderá solidariamente o adquirente, se tiver procedido de má-fé”.

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[83] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 191.

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A PRIMAZIA DA RESOLUÇÃO DO MÉRITO NO NOVO CPC

JOÃO PAULO MONTEIRO DE LIMA: Especialista em direito processual civil pela Universidade Anhanguera-Uniderp e advogado.

RESUMO: O artigo aborda as principais novidades do Novo Código de Processo Civil em relação à primazia da resolução do mérito do processo, apontando os dispositivos legais em que se amparou o estudo.

Palavras-chave: Processo – civil – primazia - mérito.

1 A PRIMAZIA DA RESOLUÇÃO DO MÉRITO NO NOVO CPC:

A solução integral do mérito revela-se como o principal objetivo do processo civil atual, de acordo com o Novo CPC. É visível, no novo texto, diversos dispositivos que objetivam afastar o formalismo exacerbado inerente ao processo, a bem do direito material. A lei 13.105/2015 consagra, portanto, o modelo constitucional do processo civil.

O Código de 2015 inicia dispondo que as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa (art. 4º), além de ordenar a cooperação dos sujeitos do processo em busca de uma decisão de mérito justa e efetiva (art. 6º).

Como corolário do princípio da primazia da resolução do mérito, o NCPC positivou o dever de consulta, impedindo que uma decisão seja proferida contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida, conforme estabelece o art. 9º do Código. Também fica vedado ao juiz decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício (art. 10º). Logo, o juiz não está impedido de reconhecer matérias de ofício, mas deverá, sempre, conceder o direito de manifestação à parte antes de decidir.

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O professor Elpidio Donizetti, a respeito do dever de consulta encampado no artigo 10 do Novo CPC, defende que embora o parágrafo único do art. 10 do projeto do CPC intente ser taxativo, deve ser encarado como exemplificativo, uma vez que a prevalência do interesse público e a ausência de prejuízos substanciais permitem o conhecimento de matéria de ordem pública evidente mesmo sem a prévia oitiva das partes[1]. Com toda venia ao entendimento do autor, acreditamos que o dever de consulta deve ser amplamente observado, ainda que se trate de sentença sem julgamento de mérito, uma vez que o novo modelo processual objetiva, com razão, que o processo alcance seu fim maior, qual seja a solução integral do mérito.

Tanto é assim que, amparado no art. 317 do CPC/2015, antes de proferir decisão sem resolução de mérito deve-se oportunizar o direito de correção de vício com a finalidade de se evitar a sentença extintiva.

No âmbito recursal, em diversos dispositivos percebe-se com clareza a preocupação do Novo Código acerca da decisão do mérito do conflito, valendo destacá-los:

a) Incumbe ao relator, antes de considerar inadmissível o recurso, conceder o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada documentação exigível (art. 932, parágrafo único).

b) Constatada a ocorrência de vício sanável, inclusive aquele que possa ser conhecido de ofício, o relator determinará a realização ou a renovação do ato processual, no próprio tribunal ou em primeiro grau de jurisdição, intimadas as partes (art. 938, §1º).

c) em que pese ao preparo recursal, o equívoco no preenchimento da guia de custas não implica a aplicação da pena de deserção, cabendo ao relator, na hipótese de dúvida quanto ao recolhimento, intimar o recorrente para sanar o vício no prazo de 5 (cinco) dias.

d) O Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça poderá desconsiderar vício formal de recurso tempestivo ou

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determinar sua correção, desde que não o repute grave (art. 1.029, §3º).

Em verdade, é inegável que o processo civil moderno deve ser conduzido sob uma ótica constitucional, até porque seu artigo inicial expressa que o processo será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil (art. 1º, NCPC).

Nesse contexto, a prevalência do julgamento do mérito, idéia central do Novo CPC, proporciona efetividade ao direito constitucional de acesso à justiça (art. 5º, inciso XXXIV, CF), já que os entraves processuais não mais permitem, a rigor, que o processo seja extinto sem resolução de seu mérito, garantindo-se, ademais, a observância irrestrita do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, CF), sempre que uma decisão possa causar prejuízo a qualquer das partes.

Nota:

[1] Princípio da cooperação (ou da colaboração) – arts. 5º e 10 do projeto do novo CPC. Disponível em

http://elpidiodonizetti.jusbrasil.com.br/artigos/121940196/principio-da-cooperacao-ou-da-colaboracao-arts-5-e-10-do-projeto-do-novo-cpc. Acesso em 04 mar. 2016.

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UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL

CURSO DE DIREITO

NAJARA LIMA DE MELO SILVA

LITISCONSÓRCIO NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL

SÃO PAULO

2013

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NAJARA LIMA DE MELO SILVA

LITISCONSÓRCIO NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Cruzeiro do Sul, como requisito parcial para obtenção do título de bacharel em Direito, sob orientação do Prof. Deneval Lizardo.

SÃO PAULO

2013

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NAJARA LIMA DE MELO SILVA

LITISCONSÓRCIO NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Cruzeiro do Sul, como requisito parcial para obtenção do título de bacharel em Direito.

Aprovado em _______ de _________________ de __________.

Banca Examinadora:

____________________________________________

Prof. Deneval Lizardo (Professor-orientador)

Universidade Cruzeiro do Sul

_____________________________________________

Professor (a)

Universidade Cruzeiro do Sul

_____________________________________________

Professor (a)

Universidade Cruzeiro do Sul

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Dedico este trabalho primeiramente a Deus, o único digno de toda honra, de toda glória e de todo louvor, pois sem Ele não conseguiria alcançar esta conquista. Dedico também à minha família, em especial ao meu esposo que desde o inicio esteve ao meu lado nos momentos felizes e nos tristes, me encorajando com palavras sábias e com atitudes ainda mais sábias, e que sempre acreditou que esta vitória seria possível. Sendo assim, dedico esta conquista a você Ronaldo. À minha mãe Marilene que me concebeu a vida, pelo amor manifesto ao longo dos anos e que me incentiva a estudar desde pequena. À minha irmã Nayara que em todos os momentos me ajudou e me ajuda, sempre me encorajando a seguir em frente. Dedico também ao meu pai Pedro, que apesar do pouco tempo de convivência, tem se mostrado pronto a me ajudar no que for preciso.

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“Não pervertam a justiça nem mostrem

parcialidade. Não aceitem suborno, pois o

suborno cega até os sábios e prejudica a causa

dos justos.”

(Deuteronômio 16:19)

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente ao professor Deneval Lizardo, responsável por me

orientar na elaboração deste trabalho, compartilhando seu conhecimento jurídico.

A todos os professores do curso de direito da Universidade Cruzeiro do Sul

que fazem parte da minha aprovação na Ordem dos Advogados do Brasil. Que

sempre estiveram prontos a nos ensinar com carinho, paciência e amor à profissão

que exercem.

À minhas colegas Jéssica Santos e Rosemary Casseano que sempre

estiveram ao meu lado ao longo deste curso, que nossa amizade possa ultrapassar

as paredes da sala de aula.

A todos os meus demais colegas de sala de aula. Em especial a nossa

representante de sala Aparecida Ruziska por toda atenção e carinho durante esses

cinco anos.

E a todos os meus parentes e amigos que com atitudes e carinho

contribuíram para a realização deste trabalho e para conclusão deste curso.

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RESUMO

Este trabalho teve por base o estudo do instituto do litisconsórcio através de

levantamentos bibliográficos em livros, artigos científicos, legislações e etc., bem

como, através de julgados e jurisprudências firmadas pelos Tribunais brasileiros. É

abordado de forma equilibrada tal instituto no direito processual civil brasileiro, não

desmerecendo os demais processos, que também se utiliza de tal instituto, mas,

reconhecendo que já há conteúdo suficiente para tratar deste tema no direito

processual civil, haja vista ser bem vasto. Ademais, o trabalho focou na análise do

instituto do litisconsórcio, bem como, sua aplicação nos casos concretos. Traçando

ainda, suas classificações e conceito, refletindo na aplicação deste instituto nos dias

atuais, identificando sua importância, já que tal instituto não é uma mera

formalidade, mas sim, um efetivo instrumento processual. Concluindo-se que, o

instituto do litisconsórcio é de grande valia para o processo civil brasileiro, ajudando,

e muito, na solução dos conflitos existentes, tendo por base a efetivação dos

princípios da harmonização dos julgados e da economia processual, proporcionando

assim segurança jurídica às partes.

Palavras-chave: Litisconsórcio. Processo. Princípios.

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Sumário INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 9

1- ASPECTOS PROCESSUAIS GERAIS ................................................................. 11

1.1– Processo e relação jurídica ............................................................................ 11

1.2- Partes no processo e capacidade das partes ................................................. 12

2- BREVE HISTÓRICO DO FENÔMENO LITISCONSORCIAL NO BRASIL ............ 14

2.1-Ordenações Filipinas ao Código de Processo Civil de 1939 ........................... 14

2.2-Código de Processo Civil de 1939 ................................................................... 15

2.3-O Código de Processo Civil vigente ................................................................ 16

3 – LITISCONSÓRCIO .............................................................................................. 18

3.1 – Conceito de litisconsórcio ............................................................................. 18

3.2 - Objetivos do litisconsórcio ............................................................................. 19

3.3 – Fonte do litisconsórcio .................................................................................. 20

3.4 – Distinções relevantes .................................................................................... 21

3.4.1 – Diferença entre cumulação objetiva e cumulação subjetiva ................... 21

3.4.2 – Distinção entre litisconsórcio alternativo e sucessivo ............................. 24

3.4.3 – Distinção entre partes e terceiros ........................................................... 25

3.4.4 – Distinção entre intervenção de terceiro e litisconsórcio .......................... 26

3.4.4 – Assistência simples e assistência litisconsorcial .................................... 30

3.5 – A unidade do processo mesmo com a pluralidade de partes ....................... 32

4- TIPOS DE LITISCONSÓRCIO E SUAS CLASSIFICAÇÕES ................................ 33

4.1 – Classificação do litisconsórcio quanto à cumulação de sujeitos: ativo, passivo e misto ................................................................................................................... 33

4.2 – Classificação do litisconsórcio quanto ao tempo de sua formação: inicial ou ulterior .................................................................................................................... 33

4.3 – Classificação do litisconsórcio quanto à obrigatoriedade: facultativo ou necessário ............................................................................................................. 34

4.4 – Classificação do litisconsórcio quanto ao alcance de seus efeitos: simples ou unitário ................................................................................................................... 36

5 – SISTEMA LITISCONSORCIAL NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ................ 40

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5.1 – Do litisconsórcio facultativo no Código de Processo Civil – Hipóteses de cabimento (art. 46 do CPC) ................................................................................... 40

5.1.1 – Litisconsórcio fundado na comunhão de direitos e obrigações (inc. I do art. 46) ................................................................................................................ 41

5.1.2 – Litisconsórcio facultativo baseado na identidade de fundamento de fato e de direito (inc. II do art. 46) ................................................................................ 43

5.1.3 – Litisconsórcio facultativo baseado na conexão de causas (inc. III do art. 46) ...................................................................................................................... 44

5.1.4 – Litisconsórcio facultativo baseado na afinidade de questões (inc. IV do art. 46) ................................................................................................................ 46

5.1.5 – Litisconsórcio multitudinário (parágrafo único do art. 46) ....................... 48

5.2 - Litisconsórcio necessário (art. 47 do CPC) .................................................... 50

5.2.1 – Vício gerado pela ausência do litisconsórcio necessário ....................... 52

5.2.2 – Problema do litisconsórcio necessário ativo ........................................... 53

5.3 – A relativa autonomia dos litisconsortes (art. 48 do CPC) .............................. 55

5.4 – Impulso processual (art. 49 do CPC) ............................................................ 56

5.5 – Extinção ou redução do litisconsórcio ........................................................... 57

5.6 – A dinâmica do processo litisconsorcial ......................................................... 58

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 62

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 65

ANEXO – LITISCONSÓRCIO, POESIA DE CLÍVIA FILGUEIRAS ........................... 67

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9

INTRODUÇÃO

Em regra um processo possui um esquema mínimo, consistente na relação

jurídica entre o juiz, representando o próprio Estado em seu exercício da jurisdição;

o autor, exercendo seu direito de ação, o qual busca no processo o exercício da

jurisdição, já que o Estado é inerte, sendo tal exercício pertencente somente ao

Estado/juiz; e o réu, o qual se volta contra si o direito pleiteado pelo autor da

demanda, porém, lhe sendo garantido constitucionalmente o direito de defesa.

Observa-se que a regra é conforme o exposto acima, mas há um dito popular

que diz: “para toda regra há uma exceção”. E não é diferente em nossa relação

jurídica processual. Visando a economia processual, harmonização de julgados e

maior segurança jurídica nas relações processuais, pode-se admitir que vários

autores ou vários réus estejam conjuntamente em uma mesma relação jurídica

processual, ou seja, em um mesmo processo.

Tal fenômeno de pluralidade de partes intitula-se como litisconsórcio, sendo

este um instituto presente em nossos dias, mas pouco notado e estudado nos

bancos acadêmicos, que por muitas vezes passa imperceptível.

Ocorre que há conflitos existentes na sociedade em que envolvem a

participação de mais de duas pessoas no mesmo processo, unindo-se duas ou mais

pessoas em um mesmo polo da relação jurídica ou em ambos, seja porque estão

ligadas por um interesse comum, seja porque se faz necessária sua presença

naquele processo.

Em suma, verifica-se que a formação do litisconsórcio não é livre, tendo em

vista ser imprescindível que os sujeitos estejam envolvidos na mesma relação

jurídica e que a lei autorize sua formação, ou ainda quando a lei obrigue a sua

formação, prevendo seus pressupostos. Podendo citar neste último caso o

litisconsórcio necessário.

Por fim, cabe salientar que, o instituto do litisconsórcio não é peculiar do

direito processual civil, mas há a existência de tal instituto em vários outros

processos, como no trabalhista, no administrativo e no penal, cada um em seus

limites. Mas, neste trabalho abordarei tal instituto somente na esfera processual civil

que já é bem vasta. Sendo certo que abordarei suas peculiaridades de forma

equilibrada.

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10

Por fim, verifica-se que com o passar dos anos o Código de 1973 passou a

não suprir as expectativas da sociedade em relação à sua efetividade, motivo pelo

qual hoje se encontra em tramitação projeto de um novo Código de Processo Civil

(PL 8.046/2010) que está em votação, para devida aprovação. No entanto, não cabe

discutir sobre tal instituto no projeto em questão, tendo em vista que ainda está

sendo discutido para aprovação. Por isso tratarei do instituto do litisconsórcio no

Código de Processo Civil vigente.

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11

1- ASPECTOS PROCESSUAIS GERAIS

1.1– Processo e relação jurídica

Pelo processo as partes buscam a solução de um conflito, sendo ele um

instrumento pelo qual a jurisdição atua, através de atos ordenados, mediante a

relação jurídica existente entre o juiz e as partes (autor e réu).

Desta forma, percebe-se que ao lado das funções legislativas e executivas do

Estado, se tem a jurisdicional, que tem como finalidade essencial o exercício

pacificador dos conflitos no meio social, decidindo e impondo imperativamente suas

decisões.1

No processo o autor buscará a satisfação de seu interesse e o réu estará

preocupado com sua defesa, já o juiz aparece para o exercício da jurisdição,

formando uma relação jurídica.

Sendo assim, o processo é o meio para a solução do conflito suscitado pelo

autor em face do réu, no qual o juiz exercerá sua jurisdição. Buscando solucionar a

lide com justiça, na medida em que sejam respeitados os direitos de todas as partes

envolvidas.

Desta forma, percebe-se que em uma relação jurídica há a existência de três

sujeitos, sendo o Estado/juiz, o autor e o réu. Esta é a estrutura mínima,

prevalecendo o entendimento de que as partes formam entre si um triângulo, onde o

juiz fica no topo representando o Estado e o autor e réu logo abaixo nas duas pontas

do triângulo.

Contudo, esta estrutura é mínima, sendo possível desde que autorizado por

lei a presença de mais de um sujeito em um dos polos da relação jurídica ou em

ambos os polos. Tal pluralidade de partes é chamada de litisconsórcio.

1 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo et al. Teoria Geral do Processo. 21ª ed. rev. e atual., de acordo com a EC 45, de 8.12.2004. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 26.

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12 1.2- Partes no processo e capacidade das partes

As partes são os titulares da relação jurídica perante o Estado/juiz, não sendo

este parte, porque não é destinatário do provimento jurisdicional, mas é sujeito da

relação jurídica, ou seja, as partes são as pessoas interessadas na resolução de um

conflito existente, tendo em vista que um deseja se sobrepor ao interesse do outro, a

fim de que o juiz, que também faz parte da relação jurídica, mas não tem interesse

algum sobre o objeto em litígio, exerça sua jurisdição, aplicando a lei ao caso

concreto, a fim de resolver o litígio.

A qualidade de parte pode ser adquirida pela demanda, ou seja, quando o

autor dá inicio ao processo; pela citação, quando o réu é citado para que apresente

defesa; pela intervenção de terceiro no processo, seja de forma voluntária ou

compulsória; e pela sucessão, passando o sucessor a ocupar o lugar do sucedido

como parte originária.

No entanto, há que se observar que em alguns casos o sujeito passará a ter a

qualidade de parte porque o juiz determinou a sua citação e inclusão em um dos

polos da relação, por ser necessária a sua presença ou por iniciativa do próprio

sujeito por ter interesse na demanda, desde que autorizado por lei.

Tais partes devem para tanto serem capazes, tendo em vista ser a

capacidade pressuposto processual.

Ademais, segundo Dinamarco a capacidade das partes é indispensável para

se requerer a tutela jurisdicional:

Daí a tríplice exigência da lei processual, de que as partes do processo sejam dotadas da capacidade de ser parte (personalidade jurídica), da capacidade de estar em juízo (capacidade de exercício de direitos) e capacidade postulatória (habilitação para realizar os atos de postulação processual). Essas três capacidades constituem requisitos sem os quais a tutela jurisdicional é inadmissível (DINAMARCO, 2003, p. 281).2

Dentre as definições doutrinárias de capacidade, a que nos interessa para o

estudo do instituto do litisconsórcio é a capacidade processual prevista no artigo 7º

2 DINAMARCO, Cândido Rangel, Instituições de direito processual civil, 3ª ed.. São Paulo: Malheiros, 2003, p.281.

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13 do Código de Processo Civil, o qual dispõe: “Toda pessoa que se acha no exercício

dos seus direitos tem capacidade para estar em juízo”.

Desta forma, verifica-se que dentre as pessoas físicas, não são todas que

possuem capacidade processual, ou seja, podem estar em juízo pessoalmente. O

art. 7º do CPC acima citado deixa claro a necessariedade da capacidade de fato, ou

seja, somente as pessoas físicas, maiores e que possuem capacidade de fato

podem estar em juízo.

Sendo assim, quando a pessoa não está dotada de tal capacidade deve ser

representada ou assistida em juízo, conforme dispõe a lei civil.

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14 2- BREVE HISTÓRICO DO FENÔMENO LITISCONSORCIAL NO BRASIL

2.1-Ordenações Filipinas ao Código de Processo Civil de 1939

O instituto do litisconsórcio surgiu muito antes do Código de Processo Civil

atual, tendo em vista a sua importância para efetivação do processo, diante da

economia processual e harmonia dos julgados que ele proporciona.

O processo civil, como todos os ramos do direito brasileiro, se origina do

direito de Portugal, sendo assim, o litisconsórcio teve como marco inicial as

ordenações.

De forma geral, verifica-se que as Ordenações foram de grande importância,

tendo em vista que serviram para aperfeiçoar e fortalecer nosso atual ordenamento

jurídico.

Na colonização do Brasil, Portugal ainda encontrava-se no império das

Ordenações Afonsinas, passando assim, a fazer parte da nossa legislação,

vigorando estas até 1521. Logo após, o poder absolutista do rei foi fortalecido,

surgindo assim, as Ordenações Manuelinas, que vigoraram entre 1521 e 1603,

seguindo a grande maioria dos preceitos das Ordenações Afonsinas. Já no ano de

1603 entraram em vigor as Ordenações Filipinas.

As Ordenações Filipinas foram promulgadas por D. Felipe III, na qual o

instituto do litisconsórcio era utilizado, desde que autor e réu estivessem vinculados

ao mesmo direito ou a mesma obrigação, se assim não o fosse poderia se requerer

a anulação do processo.

Em 1922 houve a Proclamação da Independência, momento em que as

Ordenações Filipinas foram adotadas em nosso pelo Decreto Imperial de 20 de

outubro de 1823. Logo após surgiu o Código de Processo Comercial, o qual tratava

do instituto do litisconsórcio em seu artigo 61, e trazia a possibilidade de formação

litisconsorcial no polo passivo da demanda se dois ou mais réus fossem

simultaneamente obrigados, podendo o autor ainda demandar em qualquer dos

domicílios dos réus, se estes fossem diferentes (SILVA, 2009, p. 36).3

3 SILVA, Michel Ferro e, Litisconsórcio Multitudinário. Curitiba: Juruá, 2009, p. 36.

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Ademais, as Ordenações Filipinas que entrou em vigor no ano de 1603,

destacava a importância subjetiva que tinha o instituto litisconsorcial na fase

recursal, já que o recurso de apelação interposto por só um dos réus aproveitava

aos demais. Não podendo esquecer-se que era de suma importância que os

litisconsortes estivessem ligados à mesma obrigação, pois se não o fossem o

processo poderia sofrer anulação.

Após a proclamação da república a Constituição de 1891 encarregou aos

Estados competência de legislar sobre normas processuais civis, sendo o primeiro

sistema processual elaborado e publicado no Pará em 1905. Mas, foi o Estado da

Bahia que efetivamente tratou do instituto litisconsorcial.

Diante das várias legislações esparsas que surgiram tratando de direito

processual civil, a Constituição de 1934 determinava a elaboração de um Código de

Processo Civil único, como o nosso atual, mas não foi possível a elaboração como

determinado, tendo em vista o golpe de Estado ocorrido em 1937.

No período do Estado Novo, foi publicado um novo Código de Processo Civil,

em 1939, sendo revogado apenas em 1973 pela Lei 5.869, momento em que surgiu

o nosso atual Código de Processo Civil.

2.2-Código de Processo Civil de 1939

Em síntese, o Código de Processo Civil de 1939 tratou sobre o instituto do

litisconsórcio no Capítulo II, em seus artigos. 88 a 94, Título VIII (Das partes e dos

procuradores), do Livro I (Disposições gerais).

Os artigos 88 a 94 do referido código, permitiam a formação do litisconsórcio

caso houvesse comunhão de interesses, conexão de causas e afinidade de

questões. Sendo a primeira, hipótese de litisconsórcio necessário (se houvesse

comunhão de interesses não poderia se impedir a formação de litisconsórcio). A

segunda, hipótese de litisconsórcio facultativo irrecusável (se houvesse conexão de

causas, não era permitido recusar a formação do litisconsórcio depois de instituído).

E a terceira, hipótese de litisconsórcio facultativo recusável (se houvesse afinidade

de questões, as partes poderiam se opor a formação do litisconsórcio).

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O que se observa no estudo dos artigos 88 a 94 do Código de Processo Civil

de 1939 é a semelhança entre seus preceitos e os contidos no nosso atual Código

de Processo Civil de 1973, com algumas alterações, como veremos a seguir.

2.3-O Código de Processo Civil vigente

A Lei 5.869 de 1973 trata do nosso sistema processual civil em vigência. Em

1973, foi elaborado um novo Código de Processo Civil (Lei 5.869/73), passando a

vigorar em 1º de janeiro de 1974 e que está em vigor até a presente data. Tal

Código é tido como o “Código de Buzaid”, pois teve o seu anteprojeto elaborado pelo

mestre Alfredo Buzaid.

A intenção na elaboração deste era de incorporar o Código de Processo Civil

de 1973 à legislação nacional, porém, o Código foi tão bem elaborado, de forma tão

criteriosa e técnica, que se incorporou ao ordenamento jurídico nacional, não como

uma reforma do Código de 1939, mas como um novo código.

Uma das dissemelhança do Código de Processo Civil vigente e do de 1939 é

a ausência do litisconsórcio facultativo recusável, uma vez que litisconsórcio

baseado na afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito (art.

46, IV, CPC), não admite a recusa de formação pela.

Outra dissemelhança é com relação ao litisconsórcio unitário, pois em nosso

código vigente o legislador o confundiu com o litisconsórcio necessário, sendo que

não são idênticos, como estudaremos mais adiante.

Mas existem algumas semelhanças no tratamento do instituto do litisconsórcio

pelos dois códigos, estando um deles previsto no art. 89 do antigo diploma legal e

também no art. 48 e 49 do vigente, os quais zelam pelo princípio da autonomia dos

litisconsortes, que embora relativa, é respeitada em muitos casos.

No Código de 1973 o instituto do litisconsórcio é tratado no Livro I – Do

Processo de Conhecimento, Título II - Das partes e dos procuradores, Capítulo V,

Seção I, nos artigos 46 a 49.

Contudo, com o passar dos anos o Código de 1973 passou a não suprir as

expectativas da sociedade em relação à sua efetividade, motivo pelo qual hoje se

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17 encontra em tramitação projeto de um novo Código de Processo Civil (PL

8.046/2010) que está em votação, para devida aprovação.

O novo CPC visa à efetivação da justiça, passando a tratar do instituto do

litisconsórcio a partir do artigo 101. Porém, como dito anteriormente, não cabe

discutir sobre tal instituto no projeto em questão, tendo em vista que ainda está

sendo discutido para aprovação, por isso tratarei do instituto do litisconsórcio no

código vigente.

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18 3 – LITISCONSÓRCIO

3.1 – Conceito de litisconsórcio

Primeiramente cabe dizer que litisconsórcio vem do sentido literal das

palavras latinas que compõem o vocábulo (litis, cum, sors), obtendo-se assim: lis,

litis – processo, pleito; cum, preposição que exprime ideia de junção; sors, sortis,

quinhão, resultado, sorte.4

Tendo em vista que a regra em nosso Código de Processo Civil é a

singularidade de partes, o litisconsórcio deve ser interpretado como exceção. Diante

do mínimo de sujeitos existentes em uma relação jurídica, há a possibilidade de

existir vários sujeitos em um único processo, tanto no polo ativo, como no passivo,

ou em ambos, rompendo-se assim a regra de singularidade.

Desta forma, o litisconsórcio pode ser conceituado como consórcio de

pessoas, ou seja, pluralidade de partes (sujeitos), podendo ser no polo ativo ou no

polo passivo de um mesmo processo, ou também pode haver a pluralidade de

partes em ambos os polos do processo.

Conforme a posição ocupada pelos litisconsortes no processo, diz-se que ele

é ativo, passivo ou misto (bilateral). Sendo que o litisconsórcio ativo ocorre com a

pluralidade de autores. Já o litisconsórcio passivo ocorre com a pluralidade de réus.

E o litisconsórcio misto ou também chamado de bilateral ocorre com a pluralidade de

autores e réus concomitantemente.

A característica principal do litisconsórcio é a presença concomitante de duas

ou mais pessoas no mesmo polo ou em ambos, uma vez que há um único processo,

adquirindo assim a qualidade de autores ou réus, tendo por base a defesa de

interesses, que se mostram comuns, conexos ou afins.

Deve-se ressaltar ainda, que o litisconsórcio não é concurso de ações, mas

sim, concurso e cumulação de autores ou de réus, ou de ambos, conforme o caso.

4 Vocabulário jurídico. 28ª ed. atualizada por Nagib Salib Filho e Geraldo Magela Alves. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p.855.

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Portanto, o fenômeno litisconsorcial é aplicável com grande frequência no

direito processual civil, mas não é instituto privativo deste, tendo em vista que

também é aplicável aos demais processos do nosso sistema jurídico nacional.

3.2 - Objetivos do litisconsórcio

Segundo Marcus Vinicius Rios, os dois fundamentos para que a lei autorize a

formação do litisconsórcio é a economia processual e a harmonização dos julgados.5

Porém, cabe destacar o princípio da celeridade previsto nas demais doutrinas, tendo

em vista ser de suma importância.

Sendo assim, os principais objetivos para formação do litisconsórcio são:

a) Harmonia dos julgados, por este tem-se que basta a ligação jurídica entre

os sujeitos, ou seja, basta que eles estejam ligados por uma situação parecida, para

que seja necessária decisão única. Contudo se os sujeitos propusessem demandas

individuais, tendo em vista que os julgadores poderiam ser diferentes, não teria

como garantir decisões idênticas;

b) Economia processual, já que um só processo é mais vantajoso

economicamente para o Estado em si, e não somente ao judiciário, uma vez que

com a formação do litisconsórcio haverá uma só fase instrutória, bem como uma só

sentença, a qual resolverá a lide que envolve vários sujeitos, inexistindo assim

vários processos. Lembrando-se que a economia pode abranger também os

litisconsortes, já que podem dividir as custas processuais;

c) Celeridade, esta também decorre da economia processual, tendo em vista

que apenas um processo existirá com a formação do litisconsórcio, excluindo-se

assim vários processos que poderiam existir se várias pessoas acionassem o

judiciário apartadas, a fim de efetivar a justiça.

5 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios, Direito processual civil esquematizado, 2º ed.. São Paulo: Saraiva, 2012, p.193.

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Desta forma, todos os objetivos acima discorridos têm por base a segurança

jurídica, a efetividade do processo e, consequentemente a prestação da tutela

jurisdicional efetiva.

3.3 – Fonte do litisconsórcio

Só é possível a formação de litisconsórcio quando a lei o autorize, sendo

assim, a fonte do litisconsórcio é a própria lei. Estando nesta, previsto todas as

fontes (pressupostos), do litisconsórcio.6

Verifica-se assim que a formação do litisconsórcio não é livre, sendo

necessário que os sujeitos estejam ligados entre si por uma relação de direito

material.

As fontes do litisconsórcio estão previstas no artigo 46 do Código de Processo

Civil, dispondo que: “Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em

conjunto, ativa ou passivamente, quando: I - entre elas houver comunhão de direitos

ou de obrigações relativamente à lide; II - os direitos ou as obrigações derivarem do

mesmo fundamento de fato ou de direito; III - entre as causas houver conexão pelo

objeto ou pela causa de pedir; IV - ocorrer afinidade de questões por um ponto

comum de fato ou de direito”.

Tem-se que a expressão “podem litigar” tem como intenção admitir a

formação do litisconsórcio, mas não de denotar o litisconsórcio facultativo que é

apenas uma espécie, haja vista que o artigo 47 do CPC exige a formação do

litisconsórcio, tornando ele obrigatório, ou seja, necessário.

Desta forma conclui-se, que a fonte do litisconsórcio é a própria lei, que

permite a sua formação ou a exige, conforme os seus pressupostos lá descritos.

6 Santos, Moacyr Amaral, Primeiras linhas de direito processual civil, 26º ed.. São Paulo: Saraiva, 2010, p.28.

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21 3.4 – Distinções relevantes

3.4.1 – Diferença entre cumulação objetiva e cumulação subjetiva

Em algumas hipóteses há possibilidade de uma demanda envolver mais de

duas pessoas (mínimo exigido), ou que o demandante apresente ao juiz mais de

uma linha de fundamento para seu pedido ou mais de uma pretensão. Tal

cumulação pode ser intitulada como objetiva ou subjetiva, conforme conceituada a

seguir.

Primeiramente tratarei da cumulação objetiva, tendo em vista que a subjetiva

é a que mais nos interessa para o estudo do litisconsórcio, conforme abaixo exposto.

Cabe lembrar que o pedido é identificado como um dos elementos da ação,

assim como as partes e causa de pedir.

A cumulação objetiva se subdivide em cumulação de pedidos e cumulação de

causas. Ocorre que somente há previsão legal para cumulação de pedido, motivo

pelo qual a doutrina traçou regras para cumulação de causas em analogia à

cumulação de pedidos.

A cumulação objetiva de pedidos é regulada pelo art. 292 do Código de

Processo Civil, o qual autoriza ao autor cumular, na mesma ação, mais de um

pedido perante o mesmo réu.7

A doutrina prevê três modalidades de cumulação objetiva (cumulação de

pedidos), sendo:

1- Própria (sentido estrito): ocorre quando o autor formula vários pedidos,

esperando que todos sejam acolhidos. A cumulação objetiva própria pode ser

simples ou sucessiva:

7 Art. 292. É permitida a cumulação, num único processo, contra o mesmo réu, de vários pedidos, ainda que entre eles não haja conexão. 1o São requisitos de admissibilidade da cumulação: I - que os pedidos sejam compatíveis entre si; II - que seja competente para conhecer deles o mesmo juízo; III - que seja adequado para todos os pedidos o tipo de procedimento. § 2o Quando, para cada pedido, corresponder tipo diverso de procedimento, admitir-se-á a cumulação, se o autor empregar o procedimento ordinário.

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22 a) Cumulação simples: ocorre quando cada pedido é autônomo em relação aos

demais, não estando eles interrelacionados, mas todos os pedidos são compatíveis

entre si. Tais pedidos até poderiam ser objetos de ações distintas, mas sua

cumulação objetiva economia processual. Um exemplo de cumulação simples é o de

cumulação de danos morais e materiais. Sendo que se acolhidos todos os dois

pedidos cumulados, o autor será vencedor e o réu sucumbente, mas, se rejeitado os

dois, a situação se reverterá, e se acolhido um e rejeitado o outro, cada um dos

litigantes será parcialmente vencedor e sucumbente.8

b) Cumulação sucessiva: ocorre quando os pedidos cumulados são vinculados, ou

seja, a análise e acolhimento de um segundo pedido dependem do primeiro, tendo

em vista que o primeiro influenciará de certa forma no segundo pedido, sendo assim,

eles serão vinculados. Ex.: ação de investigação de paternidade cumulada com

pedido de alimentos. Se não for reconhecida a filiação, não poderá acolher o pedido

de alimentos, sendo assim, os dois são cumulados.

2 - Imprópria (sentido lato): ocorre quando o pleito inicial com a cumulação de

pedidos, não tem por objetivo o acolhimento de todos. A cumulação objetiva

imprópria pode ser alternativa ou eventual:

a) Cumulação alternativa: ocorre quando há em um mesmo processo pedidos

alternativos, ou seja, ao autor interessa o acolhimento de qualquer um deles, não

tendo ordem de preferência, desde que obtenha êxito em um deles. Desta forma, o

julgador acolherá somente um dos pedidos, conforme sua preferência. Um exemplo

claro de cumulação alternativa acontece quando o autor requer que o réu seja

condenado a entregar o bem que foi objeto do contrato de compra e venda, ou a

devolver o preço recebido.

Deve-se observar que pedido alternativo e cumulação alternativa de pedidos são

diferentes, uma vez que o primeiro está previsto no art. 288 e o segundo no art. 252

do CPC, cabendo no primeiro caso a escolha do pedido a parte e não ao juiz. Já no

segundo, o autor formula vários pedidos, mas para ele não interessa qual pedido

8 DINAMARCO, Cândido Rangel, Instituições de direito processual civil, 3ª ed.. São Paulo: Malheiros, 2003, p.165.

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23 será acolhido, não tendo assim preferência. Sendo assim, no pedido alternativo a

escolha, por força de lei ou contrato, pode caber ao réu. Nesse caso, mesmo que o

autor, na inicial, escolha um dos pedidos, o juiz assegurará ao réu o direito de

cumprir a prestação de um ou outro modo (CPC, art. 288, parágrafo único).

b) Cumulação eventual: ocorre quando o autor formula um único pedido, porém, com

várias causas de pedir, ou seja, vários fundamentos. Motivo pelo qual se tem a

cumulação de fundamentos. Ex.: quando o autor requer a anulação de um contrato

por coação e alega fatos acontecidos separadamente, cada um capaz de

caracterizar tal vício de consentimento.

Neste caso, o julgador poderá escolher o pedido com fundamento em qualquer um,

ou em todos os fundamentos arguidos. Sendo que o autor faz o pedido com vários

argumentos no intuito de prevenir eventual improcedência do pedido pelo primeiro

fundamento.

Desta forma, a sentença pode estar fundada em um só dos fundamentos, desde que

acolha o pedido, não sendo necessário o exame de todos os fundamentos. Porém

se o julgador não acolher o pedido em si, deve justificar o motivo do desacolhimento

de cada fundamento, a fim de afastá-los.

A cumulação subjetiva é a que mais nos interessa para o estudo deste

trabalho, tendo em vista que conforme o próprio nome já diz, está atrelada aos

sujeitos do processo, consistente na cumulação de sujeitos, ou seja, na pluralidade

de partes em um mesmo processo.

No entanto, a cumulação subjetiva vai além do instituto do litisconsórcio,

podendo-se dizer que também abrange as demais intervenções de terceiro

(oposição, a assistência, a nomeação, a autoria, denunciação da lide e chamamento

ao processo).

Como exemplo de cumulação subjetiva tem-se o litisconsórcio unitário

(cúmulo puramente subjetivo); momento em que o réu chama ao processo um

terceiro, ou denuncia-lhe a lide; quando um terceiro se utiliza do instituto da

oposição; ou pela intervenção litisconsorcial voluntária.

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Portanto, tem-se que o instituto do litisconsórcio faz parte da cumulação

subjetiva e forma-se com o cúmulo de sujeitos em um mesmo polo da relação

jurídica ou em ambos, conforme se demonstrará mais adiante.

3.4.2 – Distinção entre litisconsórcio alternativo e sucessivo

O litisconsórcio alternativo não se confunde com o sucessivo, uma vez que o

primeiro diz respeito à possibilidade do autor demandar contra duas ou mais

pessoas, quando este tem dúvida em relação qual delas possui legitimidade para

estar no polo passivo da relação jurídica. Mas há também a possibilidade de

litisconsórcio alternativo ativo, quando houver dúvida de quem é o titular do direito a

ser demandado. Portanto, no litisconsórcio alternativo pouco importa a quem o

pedido vai atingir desde que seja a parte legítima.

O segundo, ou seja, litisconsórcio sucessivo ou eventual, diz respeito a

pedidos dirigidos a pessoas distintas, mas que possuem vínculo de litisconsortes,

tendo em vista que a ação de um deles poderá prejudicar a ação do outro

litisconsorte.

Tal litisconsórcio se formaria com fundamento no artigo 289 do Código de

Processo Civil que dispõe: “É lícito formular mais de um pedido em ordem sucessiva,

a fim de que o juiz conheça do posterior, em não podendo acolher o anterior”.

Ocorre que o juiz analisará o primeiro pedido, o qual sendo acolhido não se

passará a análise do segundo. Porém, se o primeiro na for acolhido o juiz passará a

analisar o segundo pedido em face da parte “sucessora”, passando assim a analisar

o pedido em relação a sujeito diverso do sujeito antecessor.

Portanto, diz-se litisconsórcio sucessivo porque somente após a análise

subjetiva do primeiro sujeito, sendo este o principal, é que se passará a analisar o

pedido em face do sujeito sucessivo, e secundário, alcançando assim seu patrimônio

jurídico. Ou seja, o litisconsórcio sucessivo tem por base pedidos que são feitos em

face de dois ou mais sujeitos, sendo que o primeiro é o sujeito principal e os demais

são os sucessivos, sendo assim, o pedido somente será analisado em face do

litisconsorte sucessivo se não for acolhido em face do primeiro litisconsorte.

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Tem-se por exemplo de litisconsórcio sucessivo o artigo 1.698 do CPC, o qual

preceitua que o alimentando deve recorrer ao parente mais próximo, neste caso o

seu genitor ou genitora, a fim de obter pensão alimentícia, mas pode propor

simultaneamente ação também em face do avô ou da avó. Este é um caso clássico

de litisconsórcio facultativo sucessivo, pois haverá a formação de litisconsórcio

passivo entre o genitor (a) e o avô (ó), mas o pedido deverá ser analisado

primeiramente em face do genitor, e se não for acolhido em face deste, se passará a

analisar o pedido em relação a seu avô (ó), mas sempre de forma subsidiária,

dependendo da reprovação do pedido em face do litisconsorte principal.

3.4.3 – Distinção entre partes e terceiros

Primeiramente, para diferenciar o instituto do litisconsórcio da intervenção de

terceiros se faz necessário relembrar a definição de partes e de terceiros.

Partes como já visto anteriormente são os titulares da relação jurídica perante

o Estado/juiz, ou seja, as partes são as pessoas interessadas na resolução do

conflito, tendo em vista que um deseja sobrepor se interesse ao do outro, a fim de

que o juiz, que também faz parte da relação jurídica, mas não tem interesse algum

sobre o objeto em litigio, exerça sua jurisdição, aplicando a lei ao caso concreto, a

fim de resolver o litigio.

A melhor definição de terceiros é dada por Greco Filho, que afasta o critério

cronológico, por não definir com exatidão terceiro, já que partes não são somente os

que ingressam na relação jurídica no momento da propositura da ação ou de sua

citação. Definindo-se terceiro por tal critério como o que ingressa no processo fora

destes momentos.

Segundo Greco Filho a qualificação de terceiros decorre da não vinculação da

sentença sobre eles, ou seja, ainda que participem da relação processual, os efeitos

da sentença não os alcançam diretamente, enquanto que as partes, ainda que não

figurem na relação processual serão alcançadas pelo efeito da sentença (1986, p.

23).9 9 GRECO FILHO, Vicente. Da intervenção de terceiros. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1986, p.23.

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Neste sentido Alvim diz que o objetivo é o fim a ser atingido pela ação, tendo

em vista que o efeito da sentença será diferente em razão da qualidade jurídica de

quem figura na relação processual, identificando quem é parte ou terceiros (Alvim,

1997, p.413).10

Desta forma, percebe-se que a distinção de parte e terceiro está intimamente

ligada aos efeitos da sentença, sendo que, se os efeitos desta atingir a pessoa que

faz parte da relação jurídica será parte, já se a pessoa que interviu não for atingida

diretamente pelos efeitos da sentença, mas somente de forma indireta, será apenas

um terceiro.

3.4.4 – Distinção entre intervenção de terceiro e litisconsórcio

A distinção entre intervenção de terceiros e litisconsórcio está intimamente

ligada ao conceito de parte e de terceiro.

Tanto a intervenção de terceiros quanto o litisconsórcio tem por base a

pluralidade de partes, porém a primeira não se confunde com a segunda, tendo em

vista que são fenômenos distintos.

Com o intuito de afastar os efeitos de uma sentença sobre terceiros alheios

ao processo onde foi proferida, o ordenamento jurídico faculta a intervenção de

quem não foi parte para atuar em favor de seus direitos, vinculando-se à sentença

que vier a ser proferida.

A intervenção de terceiro segundo Wambier (2000, p. 263) ocorre quando há

a intromissão de um terceiro no processo, voluntária ou coativamente, havendo de

existir interesse jurídico que justifique essa intervenção.11

Desta forma, há um aumento subjetivo da relação jurídica processual, indo

além dos sujeitos mínimos, pois passa a ter outros além do autor e réu.

Em sentido literal, “Intervenção vem do latim interventio, de intervenire

(assistir, intrometer-se, ingerir-se), em acepção comum é tido o vocábulo como

10 ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil: processo de conhecimento. 6ª ed. São Paulo: RT, 1997, p. 413. 11 WAMBIER, Luiz Rodrigues, Curso avançado de processo civil ,3ª ed.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.263.

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27 intromissão ou ingerência de uma pessoa em negócios de outrem, sob qualquer

aspecto”.12

O instituto da intervenção de terceiros, bem como o do litisconsórcio

possuem regras e características próprias, embora possuam pontos em comum que

possam causar certa confusão.

A intervenção de terceiros está disciplinada nos artigos 56 à 80 do Código de

Processo Civil, na modalidade de assistência, oposição, nomeação à autoria,

denunciação da lide e chamamento ao processo, e o litisconsórcio nos artigos 46 à

49 do mesmo diploma legal. Sendo esta uma distinção já plausível, tendo em vista

que o próprio código os separa, já que são institutos distintos em sua natureza.

Embora a assistência esteja disciplinada no capitulo do litisconsórcio, a

doutrina é pacifica no entendimento de que ela faz parte da intervenção de terceiro.

Vale lembrar que além das modalidades acima citadas, há ainda, a intervenção de

credores na execução e os embargos de terceiros, que também não se encontram

no capítulo da intervenção de terceiros, mas faz parte deste instituto.

A intervenção de terceiros pode ser espontânea (assistência, oposição,

intervenção de credores na execução, embargos de terceiros e recursos de terceiro

prejudicado) ou provocada (nomeação à autoria, denunciação da lide e chamamento

ao processo). Ocorrendo de forma espontânea quando o terceiro manifesta seu

interesse em fazer parte da relação jurídica. Ocorrendo a provocada quando a

própria parte que já figura na relação jurídica tem interesse que um terceiro também

faça parte do processo.13

Em regra quando um terceiro intervém no processo consequentemente há a

formação de litisconsórcio, já que passará a ser parte, defendo interesses próprios.

Porém há exceção, uma vez que a entrada de um terceiro na relação jurídica poderá

provocar a saída de uma das partes, como no caso da nomeação à autoria, pois se

o autor aceitar o nomeado e o nomeado não recusar a nomeação, o réu será

excluído da relação jurídica.

12 Vocabulário jurídico. 28ª ed. atualizada por Nagib Salib Filho e Geraldo Magela Alves. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p.768. 13 COSTA, Williams Coelho, Intervenção de terceiro: causas ensejadoras de formação do litisconsórcio. Disponível em: http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1647> Acesso em: 31 Agosto de 2008.

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Sendo assim, às vezes um fato que gera a intervenção de terceiro pode se

caracterizar em uma situação jurídica de litisconsórcio. Dinamarco14 cita como

exemplo de tal situação o momento em que o réu chama ao processo o coobrigado

solidário (art. 77 do CPC-instituto do chamamento ao processo), passando-se o

chamado a ser corréu em face do autor, gerando-se desta forma, um litisconsórcio

passivo ulterior.

Para o Código de Processo Civil o terceiro interveniente pode tornar-se parte

ou continuar a ser terceiro, dependendo se o efeito da sentença irá o atingir, pois se

não o atingir continuará sendo terceiro, mas se os efeitos da sentença o atingir

diretamente será porque no momento da intervenção este terceiro passou a ser

parte.

As modalidades de intervenção de terceiros em que há a formação de

litisconsórcio, segundo o Código de Processo Civil são:

a) Assistência: nesta intervenção há formação de litisconsórcio facultativo, uma vez

que esta é espontânea. O assistente seja simples ou litisconsorcial, passará a

auxiliar a parte que lhe interessa, distinguindo-se um do outro somente em

relação aos efeitos da sentença, pois na simples a sentença não alcançará o

assistente, já na litisconsorcial, os efeitos da sentença o atingirá.

b) Oposição: nesta intervenção há formação de litisconsórcio necessário no polo

passivo, haja vista que as partes (autor e réu) que figuravam no processo

passarão a ser réus (litisconsórcio) e o opoente (terceiro interveniente) passará a

figurar no polo ativo da relação jurídica processual. Neste caso o opoente

passará a ser parte, tendo em vista que os efeitos da sentença lhe atingirá de

forma direta, uma vez que ele pedi em nome próprio direito de sua titularidade.

c) Denunciação da lide: nesta intervenção provocada há formação de litisconsórcio

necessário, podendo ser tanto no polo ativo como no passivo. Nesta o

denunciado sofre diretamente os efeitos da sentença, uma vez que o assumirá a

posição de litisconsorte do denunciante, em face à parte contrária.

d) Chamamento ao processo: nesta modalidade de intervenção há formação de

litisconsórcio facultativo passivo, uma vez que o réu, e apenas o réu, poderá

14 DINAMARCO, Cândido Rangel, Litisconsórcio, 5ª ed.. São Paulo: Malheiros, 1997, p.32.

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chamar ao processo um terceiro que passará a ser seu litisconsorte, sofrendo

também os efeitos da sentença, como parte que é.

e) Nomeação à autoria: alguns doutrinadores entendem que na nomeação à autoria

há a formação de litisconsórcio, uma vez que o nomeante poderá prosseguir no

processo juntamente com o nomeado, formando-se assim litisconsórcio passivo.

Outros doutrinadores dizem que o nomeante neste caso passará a ser mero

assistente, não lhe alcançando neste caso os efeitos da sentença, conforme já

citado anteriormente, nesta intervenção também há formação de litisconsórcio,

porque um terceiro é provocado a integrar a relação jurídica sob o argumento de

que é a parte legítima para atuar como ré. Nestes casos, há formação de

litisconsórcio facultativo, mas os efeitos da sentença não atingirá o nomeante,

figurando este como terceiro.

Com efeito, se verifica que na nomeação à autoria há exclusão do nomeante do

polo passivo da demanda, e sendo excluído este, não há que se falar em

formação de litisconsórcio, pois o opoente será incluído como parte legitima da

relação jurídica, defendo seus próprios interesses.

f) Embargos de terceiros: nesta modalidade de intervenção não há formação de

litisconsórcio, uma vez que os próprios embargos gera uma ação principal.

Sendo assim, os embargos correrão somente entre o embargante (que foi

prejudicado por uma sentença proferida em outro processo) e o embargado. Não

havendo pluralidade de partes. Neste caso o terceiro não é afetado diretamente

pelos efeitos da sentença, devendo mover ação própria (embargos de terceiros)

para defender seus interesses.

g) Intervenção de credores na execução: nesta modalidade de intervenção de

terceiros há formação de litisconsórcio facultativo ativo em um processo de

execução. Ocorre quando em um processo de execução na fase da declaração

de insolvência do devedor, os credores são chamados para integrarem o polo

ativo da ação de execução, a fim de validarem seus créditos, figurando no polo

ativo os credores exequentes (litisconsórcio ativo) e do outro lado o devedor

executado.

h) Recurso de terceiro prejudicado: nesta modalidade de intervenção de terceiros

também não há formação de litisconsórcio. Tendo em vista que, o terceiro que

sofrer prejuízo jurídico em face de seus bens ou direitos por não ter participado

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da relação jurídica processual, tenta afastar os efeitos da sentença que lhe é

prejudicial, através de recurso.

Portanto, conclui-se que tanto o litisconsórcio quanto a intervenção de

terceiros estão relacionados à pluralidade de sujeitos em um dos polos da relação

jurídica ou em ambos, a diferença entre um e o outro está relacionada ao alcance

dos efeitos da sentença proferida no processo em que são demandantes ou

demandados. Assim sendo, se com a intervenção do terceiro, este sofrer

diretamente os efeitos da sentença, no momento da intervenção passará a integrar a

relação jurídica como parte e se não sofrer diretamente os efeitos da sentença será

somente um terceiro.

Assim, ainda que o terceiro não tenha integrado a relação jurídica desde o

início, é possível considerá-lo parte, pois os efeitos da sentença pode lhe alcançar

diretamente, de forma favorável ou prejudicial, passando assim o terceiro a integrar

a relação jurídica como parte e litisconsorte.

A doutrina tem rejeitado o critério cronológico (que considera terceiro todo o

que adentra ao processo posteriormente a propositura da ação ou a da citação),

critério este utilizado pelo legislador do Código de Processo Civil, a fim de procurar

novos critérios, para distinguir intervenção de terceiro e litisconsórcio. Contudo, peço

licença para transcrever uma frase de Dinamarco (1997, p. 33) que traduz e conclui

a realidade:

Talvez não seja o caso de buscar uma distinção tão nítida entre a intervenção de terceiro e o litisconsórcio, mas de harmonizar os dois institutos, que afinal constituem duas manifestações de um fenômeno só, mais amplo, e que é a pluralidade de partes.15

3.4.4 – Assistência simples e assistência litisconsorcial

Em síntese, a assistência simples ocorre quando um terceiro intervém no

processo espontaneamente, haja vista ter interesse jurídico na solução da demanda.

Como exemplo pode-se citar a intervenção do sublocatário na ação de despejo

15 DINAMARCO, Cândido Rangel, Litisconsórcio, 5ª ed.. São Paulo: Malheiros, 1997, p.33.

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31 provocado pelo locador em face do locatário, tendo em vista que o sublocatário tem

interesse que o despejo não ocorra, evitando prejuízo para si. Há que se observar

neste exemplo que, se a sublocação adviesse do contrato originário não seria caso

de assistência simples, mas litisconsorcial necessária passiva.

Na assistência simples o interesse do interveniente é econômico, podendo

ocorrer tal intervenção tanto no polo ativo como no passivo.

O assistente simples diferencia também do litisconsorcial em relação aos

limites impostos para agir no processo, como não tomar decisão contrária ao

assistido e não poder continuar no processo se o assistido desistir. Os efeitos da

sentença não atinge o assistente simples, permanecendo como terceiro. No

entanto, há possibilidade do assistente simples representar diretamente os

interesses do assistido se este tornar-se revel.

A assistência litisconsorcial está prevista no artigo 54 do Código de Processo

Civil diferencia-se essencialmente da assistência simples.

Na assistência litisconsorcial o terceiro ingressa na relação jurídica de direito

material como parte, sendo desta forma atingido pelos efeitos da sentença. Havendo

neste caso, relação do assistente tanto com o assistido como com o adversário,

diferentemente da assistente simples que possui relação somente com seu

assistido.

Segundo NEVES (2009, p. 183) esta modalidade de assistência é

extraordinária, uma vez que se trata de litisconsórcio facultativo, pois não é formado

por vontade do autor, mas os titulares do direito que ficaram fora da relação jurídica

processual serão terceiros que, ingressarão no processo em andamento como

assistente litisconsorcial, ou seja, como parte.16

Sendo assim, conclui-se que o assistente litisconsorcial deveria ter

ingressado no processo como parte inicialmente, mas por algum motivo não o fez,

ingressando ulteriormente e voluntariamente, defendendo interesses próprios que

será decidido pela sentença. Sendo que o assistente litisconsorcial não fará

pedidos novos, apenas adotará o pedido já feito por seu assistido, estando

submetido aos mesmos ônus processuais que o assistido e possuindo os mesmos

poderes deste, tendo em vista que se torna parte.

16 NEVES, Daniel Amorim Assumpção, Manual de direito processual civil. São Paulo: Malheiros, 2009, p.183.

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32 3.5 – A unidade do processo mesmo com a pluralidade de partes

Embora o litisconsórcio tenha por base a pluralidade de partes, tão somente é

pluralidade de partes, seja no polo ativo ou no polo passivo, mas o processo em que

há formação de litisconsórcio é uno.

Não importa quantos sujeitos figurem na relação jurídica de um mesmo

processo, tal relação será mais complexa, tendo em vista que vai além do mínimo

exigido de sujeitos, mas não implicará em nada na unidade do processo, uma vez

que este continuará único.

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33 4- TIPOS DE LITISCONSÓRCIO E SUAS CLASSIFICAÇÕES

4.1 – Classificação do litisconsórcio quanto à cumulação de sujeitos: ativo,

passivo e misto

O litisconsórcio ativo trata-se da cumulação de sujeitos no polo ativo da

demanda, ou seja, deixa-se o mínimo exigido de sujeitos, passando a figurar mais

de um autor na relação jurídica e em um único processo.

Já o litisconsórcio passivo trata-se da cumulação de mais de um sujeito no

polo passivo da demanda, ou seja, um único autor proporá a ação contra mais de

um réu, ou se, embora já proposta a ação, mais sujeitos passem a integrar o polo

passivo da relação jurídica ulteriormente.

O litisconsórcio misto trata-se da pluralidade de partes (sujeitos) em ambos os

polos da relação jurídica processual, ou seja, em um único processo pode haver

figurando na relação jurídica mais de um autor e mais de um réu simultaneamente.

Abaixo trarei outras classificações de litisconsórcio que irão complementar

esta aqui tratada, uma vez que o estudo do litisconsórcio é uno, assim como todo o

estudo do direito em si.

4.2 – Classificação do litisconsórcio quanto ao tempo de sua formação: inicial

ou ulterior

Em relação ao momento de formação o litisconsórcio poderá ser inicial ou

ulterior. Será inicial quando a formação do litisconsórcio se dá no início do processo,

ou seja, na propositura da demanda se ativo e no momento da citação se passivo,

quando vários são os autores que propõem a ação, ou quando vários são os réus

que adentram ao processo pela citação inicial. O litisconsórcio ulterior se dá quando

formado posteriormente à propositura da ação, ou seja, surge no curso do processo,

depois de constituída a relação jurídica processual.

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O litisconsórcio ulterior pode se dá por determinação do juiz na fase

saneadora, para que os litisconsortes necessários ingressem na demanda; através

de intervenção de terceiro, seja por iniciativa do autor ou réu, ou por iniciativa do

próprio terceiro; através do ingresso de herdeiros ou sucessores da parte originária;

pelo ingresso do Ministério Público como parte; ou através da reunião de processos

por determinação judicial, conforme artigo 105 do Código de Processo Civil.17

Portanto, o tempo de formação do litisconsórcio na relação jurídica processual

pode se dá no início do processo ou posteriormente (ulteriormente), conforme

verificado.

4.3 – Classificação do litisconsórcio quanto à obrigatoriedade: facultativo ou

necessário

Quanto à sua obrigatoriedade, o litisconsórcio pode ser facultativo ou

necessário. Os próprios nomes já os definem, haja vista que o litisconsórcio

necessário trata da obrigatoriedade de sua formação, enquanto o facultativo trata da

liberdade ou opção de formação.

O destaque está na obrigatoriedade de ser, ou não, indispensável à formação

do litisconsórcio, ou seja, a presença de mais de um sujeito no polo ativo ou passivo

da relação jurídica, chegando assim ao conceito de litisconsórcio facultativo e

necessário.

Portanto, o litisconsórcio facultativo pode ser formado conforme a vontade das

partes e seus interesses. Mas a formação do litisconsórcio necessário se dá por

imposição legal, uma vez que não pode ser dispensado, ou seja, sua formação se

dá independentemente da vontade das partes, sob pena de ineficácia da sentença.

O artigo 47 do Código de Processo Civil dispõe que: “Há litisconsórcio

necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz

tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes”.

17 Art. 105. Havendo conexão ou continência, o juiz, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, pode ordenar a reunião de ações propostas em separado, a fim de que sejam decididas simultaneamente.

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Segundo THEODORO JÚNIOR (2010, p. 119) embora o litisconsórcio

necessário esteja previsto no artigo 47 do Código de Processo Civil, o conceito legal

é falho, tendo em vista que o definiu conforme as características do litisconsórcio

unitário. O doutrinador diz que:

O litisconsórcio unitário nem sempre é necessário [...]. Por outro lado, há casos em que o litisconsórcio é necessário e o resultado da causa não é obrigatoriamente o mesmo para todos os participantes do processo [...]. Em nosso sistema legal, o litisconsórcio ativo necessário é sempre fruto de exigência da lei, isto é, decorre de hipóteses em que o legislador obriga os vários demandantes a propor a causa em conjunto [...] nas causas a que se refere o art. 10 do Código de Processo Civil [...]. Somente ao litisconsórcio passivo é que se aplica a segunda parte do art. 47 (necessidade de decisão uniforme para todas as partes) [...].18

Sendo assim, conforme o artigo 10 do Código de Processo Civil, em seu § 1º,

deverá ocorrer litisconsórcio necessário sempre que: a) a ação verse sobre direitos

reais imobiliários; b) ações resultantes de fato que digam respeito a ambos os

cônjuges ou de atos praticados por eles; c) ações fundadas em dívidas contraídas

pelo marido a bem da família, mas cuja execução tenha de recair sobre o produto do

trabalho da mulher ou de seus bens reservados; d) ações que tenham por objeto o

reconhecimento, a constituição ou a extinção de ônus sobre imóveis de um ou de

ambos os cônjuges.

Torna-se assim, necessário o litisconsórcio, com o fim de que a sentença

possa ser oponível a todos os envolvidos na relação jurídica material, alcançando

êxito e eficácia.

O juiz determinará que o autor efetive a citação de todos os litisconsortes

necessários, dentro do prazo que determinar, sob pena de extinção do processo,

uma vez que não há como dar prosseguimento ao processo sem a formação

obrigatória deste. Tendo em vista tratar-se de matéria de ordem pública, pois a lei o

exige, com o intuito de proteger interesses alheios.

Contudo, há casos em que a lei não obriga a formação de litisconsórcio,

sendo neste caso facultativo, pois os sujeitos da relação jurídica tem a liberdade de

demandarem sozinhos ou não.

18 THEODORO JÚNIOR, Humberto, Curso de direito processual civil-Teoria geral do processo civil e processo de conhecimento. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p.119.

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O artigo 46 do Código de Processo Civil dispõe sobre as possibilidades de

formação do litisconsórcio facultativo:

Art. 46. Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando: I - entre elas houver comunhão de direitos ou de obrigações relativamente à lide; II - os direitos ou as obrigações derivarem do mesmo fundamento de fato ou de direito; III - entre as causas houver conexão pelo objeto ou pela causa de pedir; IV - ocorrer afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito.

No litisconsórcio facultativo as partes tem a faculdade de demandarem em

juízo isoladamente ou conjuntamente (vários sujeitos em um dos polos da relação

jurídica ou em ambos), conforme permitido no artigo acima transcrito.

Portanto, entende-se que o litisconsórcio facultativo é admitido por lei, mas

não há imposição de formação como no necessário. Entende-se ainda, que o

litisconsórcio facultativo em regra é simples, mas em casos excepcionais pode ser

unitário, quando a solução da lide deverá ser igual para todos os litisconsortes,

exemplo deste é o caso em que apenas alguns acionistas movem ação para anular

deliberação da assembleia geral.

Ademais, o artigo 39 do Código de Processo Civil anterior ao vigente previa a

figura do litisconsórcio facultativo recusável e irrecusável, o qual determinava que no

caso de afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito, teria o réu

(s) ou autor (es), a possibilidade de recusar o litisconsórcio ativo ou passivo,

proposto no início do processo, sem apresentar justificativa.

Contudo, no atual Código de Processo Civil não é possível tal recusa, ou seja,

o litisconsórcio é irrecusável, desde que presentes seus requisitos, ou seja, quando

formado o litisconsórcio não pode haver recusa por qualquer das partes, desde que

estejam presentes seus requisitos de admissibilidade.

4.4 – Classificação do litisconsórcio quanto ao alcance de seus efeitos:

simples ou unitário

A admissibilidade de formação litisconsorcial é bem vasta, maneira em que a

relação jurídica passa do mínimo exigido para a pluralidade de partes. No entanto, a

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37 lei também dispõe sobre os efeitos da decisão em que haja a pluralidade de partes

na relação jurídica processual, neste caso pode-se dizer que a sentença poderá ser

igual (litisconsórcio unitário) ou diferente (litisconsórcio simples) para os

litisconsortes.

Sendo assim, quanto ao alcance de seus efeitos o litisconsórcio pode ser

simples ou unitário. É considerado simples quando a sentença (decisão) dada pelo

julgador não necessite ser idêntica para todos os litisconsortes, neste caso poderá

até mesmo ser procedente para um e improcedente para outro. É considerado

unitário quando a sentença do julgador tiver que ser idêntica para todos os

litisconsortes, ou seja, os litisconsortes devem ter a mesma sorte no plano do direito

material, não sendo desta forma cindível a relação jurídica. Neste caso, a ação

deverá ser julgada procedente ou improcedente igualmente para todos os

litisconsortes, diverso do admitido no litisconsórcio simples.

No litisconsórcio simples há possibilidade de que ao final da demanda no

plano do direito material a sentença possa ser distinta para cada litisconsorte ou

para alguns, ou seja, é analisada a possibilidade de o julgador, no caso concreto,

decidir de forma diferente para cada litisconsorte. É uma espécie de cumulação de

ações de vários litigantes, sendo possível soluções diferenciadas para cada um.

Porém se for essencial uma única decisão para todos os litisconsortes estaremos

diante do litisconsórcio unitário.

No litisconsórcio unitário a lide é uma só, ou seja, é única. Desta feita, não se

aplica ao litisconsórcio unitário o princípio da independência entre os litisconsortes,

previsto no artigo 48 do Código de Processo Civil, uma vez que a decisão final

deverá ser uniforme (unitária) para todos os litisconsortes. Sendo assim, o nosso

diploma legal preceitua que os atos que beneficiarem a um litisconsorte, beneficiarão

aos demais, mas, não há a mesma interpretação para o contrário, pois se houver

algum ato ou omissão que prejudique a um dos litisconsortes este não pode

prejudicar aos demais, haja vista que o direito do outro não pode sucumbir.

Para distinguir se o litisconsórcio deve ser simples ou unitário, tem-se que

averiguar em abstrato a possibilidade de decisões diferentes ou se é obrigatório uma

decisão única. NEVES (2009, p. 158) diz que:

[...] para se aferir se o litisconsórcio é simples ou unitário basta imaginar a sentença que decida diversamente para os litisconsortes e verificar se ela

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seria capaz de gerar seus efeitos em suas esferas jurídicas. Havendo a viabilidade de praticamente se efetivar a decisão, em seus aspectos divergentes para os litisconsortes, o litisconsórcio será simples. No caso contrário, sendo inviável a efetivação da decisão, o litisconsórcio será unitário.19

Sendo assim, se as relações jurídicas dos litisconsortes forem autônomas

entre si, perante a parte contrária, os litisconsortes receberão tratamentos diferentes.

Mas, se a relação jurídica dos litisconsortes for incindível, devem-se tratar

igualmente os litisconsortes, de forma unitária.

Há algumas peculiaridades em relação a alguns efeitos gerados no

litisconsórcio unitário, uma vez que segundo Dinamarco os atos e omissões que

beneficiarem a um dos litisconsortes, deverão beneficiar aos demais, não podendo

criar situações desfavoráveis a um deles, sem que sejam desfavoráveis a todos

eles. Assim sendo, não poderão caminhar por caminhos diferentes os litisconsortes

que necessariamente devam chegar a um destino comum, ou seja, os litisconsortes

devem ser tratados de forma homogênea. Desta forma, a contestação de um

aproveitará aos demais, mesmo que revéis; o recurso interposto por um dos

litisconsortes aproveitará aos outros. Porém é de essencial importância que os atos

ou omissões realizados ou deixados de realizar por um dos litisconsortes sejam

ineficazes perante os demais, se restringir poderes ou faculdades dos outros, ou que

de alguma maneira possa enfraquecer a posição processual do conjunto de

litisconsortes.20

Por fim, é importante salientar que tanto o litisconsórcio necessário quanto o

facultativo podem ser considerados unitários. Bem como, nem sempre o

litisconsórcio necessário será unitário, pois estes não se confundem, haja vista que o

litisconsórcio necessário ocorre da obrigatoriedade de participação de todas as

partes na relação jurídica, uma vez que as partes estão vinculadas àquela relação

jurídica material. Já o litisconsórcio unitário está relacionado aos efeitos da sentença

alcançado pelos litisconsortes que integram a relação jurídica, podendo ser idêntica

para todos (unitário) ou distintas (simples).

19 NEVES, Daniel Amorim Assumpção, Manual de direito processual civil. São Paulo: Malheiros, 2009, p.158. 20 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direto Processual Civil, 2 v. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 350/351.

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Desta forma, ao examinarmos as classificações do litisconsórcio, segundo a

sorte ou destino no plano do direito material, verifica-se que podem ser necessário-

simples ou necessário-unitário; e facultativo-simples ou facultativo- unitário.

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40 5 – SISTEMA LITISCONSORCIAL NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

5.1 – Do litisconsórcio facultativo no Código de Processo Civil – Hipóteses de

cabimento (art. 46 do CPC)

Conforme já exposto, o litisconsórcio trata-se de pluralidade de partes, em

que mais de um sujeito integra o polo ativo, ou passivo, ou ambos os polos da

relação jurídica processual. Cabe frisar que o litisconsórcio poderá ser necessário

quando imposto por lei ou facultativo quando sua formação for permitida legalmente.

O litisconsórcio facultativo funciona como uma espécie de exclusão do

necessário, ou seja, quando não há o enquadramento de algumas das hipóteses

legais do litisconsórcio necessário, a formação de litisconsórcio será facultativa,

dependendo assim da vontade da parte.

Há de se observar que Dinamarco (2002, p. 313) diz ser ordinário o

litisconsórcio facultativo, e que o litisconsórcio necessário tem caráter extraordinário.

Tem-se como litisconsórcio facultativo a cumulação de sujeitos não imposta

por lei, estando assim sujeito à vontade do autor ou réu e de autorização legal. O

dispositivo que prevê as hipóteses permissivas para formação de litisconsórcio

facultativo estão previstas no artigo 46 do Código de Processo Civil, sendo elas: a)

comunhão de direitos ou de obrigações; b) mesmo fundamento de fato ou de direito;

c) conexão de causas; d) afinidade de questões, por um ponto comum de fato ou de

direito.

Se não estiver presente alguma das hipóteses acima descritas, não será

permitida a formação de litisconsórcio facultativo.

Não se pode esquecer que o litisconsórcio recusável não mais existe, o qual

permitia ao réu recusar a formação de litisconsórcio. Tal possibilidade não migrou do

Código de Processo Civil anterior para o atual e em efetiva vigência.

As partes da relação jurídica podem demandar conjuntamente, desde que

esteja presente uma das hipóteses do art. 46 do CPC ou que seja imposta por lei tal

demanda conjunta, formando-se assim respectivamente litisconsórcio facultativo ou

necessário.

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Contudo, o artigo 46 do Código de Processo Civil tanto traz hipóteses de

litisconsórcio facultativo como do necessário, uma vez que o inciso I do artigo citado

(comunhão de direitos e obrigações) traz também possibilidades de formação de

litisconsórcio necessário, ou seja, quando estiverem presentes as condições do

artigo 47 do Código de Processo Civil cumulada com a comunhão de direitos ou de

obrigações se faz necessária o litisconsórcio.

Embora o artigo 46 do CPC traga hipóteses também de litisconsórcio

necessário, mesmo sendo tal artigo de aplicação imediata ao litisconsórcio

facultativo, já que em seu próprio bojo traz a expressão “podem litigar”, há como

vimos, possibilidade de aplicação também ao litisconsórcio necessário, como no

inciso I de tal artigo. Como exemplo pode-se citar o caso de demandas de um casal

sobre bens móveis, que há comunhão de direito, mas não se impõe a formação de

litisconsórcio, já em demandas sobre bens imóveis que também existe a comunhão

de direito há obrigatoriedade de formação de litisconsórcio, conforme art. 10 do

CPC, sendo caso de litisconsórcio necessário.21

Diante do acima exposto, passarei a explanar o artigo 46 do Código de

Processo Civil de forma sistemática, a fim de explicar cada hipótese em que se

admite a formação de litisconsórcio facultativo, já que embora o referido artigo traga

a possibilidade de litisconsórcio necessário, entende-se que o art. 47 é quem trata

de forma específica sobre este, sendo o artigo 46 específico para o litisconsórcio

facultativo.

5.1.1 – Litisconsórcio fundado na comunhão de direitos e obrigações (inc. I do

art. 46)

O inciso I do artigo 46 do Código de Processo Civil prevê uma das hipóteses

permissivas para formação de litisconsórcio facultativo, qual seja comunhão de

direito ou obrigação.

21 SILVA, Michel Ferro e, Litisconsórcio Multitudinário. Curitiba: Juruá, 2009, p. 71/72.

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O inciso I do referido artigo dispõe que: “Duas ou mais pessoas podem litigar,

no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando: I - entre elas

houver comunhão de direitos ou de obrigações relativamente à lide”.

Como visto anteriormente, a formação de litisconsórcio facultativo fundada na

comunhão de direito ou de obrigação somente será possível, se não for o caso de

formação de litisconsórcio necessário, conforme artigo 47 do CPC.

Desta forma se for o caso de litisconsórcio necessário, será obrigatório que

todas as partes em que houver a comunhão de direito ou de obrigação integrem a

relação jurídica, mas se não se adaptar às características do artigo 47 do CPC, o

litisconsórcio será facultativo, não sendo necessário que todas as partes em que

houver a comunhão de direito ou de obrigação integrem a relação jurídica, uma vez

que não se aplicará a regra do parágrafo único do artigo 47 do CPC, não se

extinguindo assim o processo sem julgamento do mérito.

A primeira hipótese prevista no artigo 46 do CPC em seu inciso primeiro tem

por base a comunhão de direito ou obrigação entre mais de uma pessoa (sujeitos),

em que estejam ligadas por uma relação jurídica de direito material, permitindo-se

assim a formação de litisconsórcio.

A formação de litisconsórcio fundado na comunhão de direito tem por escopo

o objeto demandado, uma vez que a cotitularidade da relação jurídica de direito

material é ativa (os sujeitos possuem o mesmo bem jurídico), ou seja, ocorrerá

litisconsórcio fundado em comunhão de direito quando um dos sujeitos da relação

jurídica ou todos possam exigir o cumprimento do objeto do processo (mérito da

demanda).

A formação de litisconsórcio fundado na comunhão de obrigações diz respeito

ao sujeito passivo (sujeitos inadimplentes que tem o dever da mesma prestação) da

relação jurídica de direito material, uma vez que duas ou mais pessoas podem

assumir o polo passivo da relação jurídica, a fim de defender seus direitos, podendo,

por exemplo, vários devedores agir em conjunto, quer solidariamente, quer em

partes definidas.

Cabe salientar que Dinamarco (1997, p. 85) deixa clara a impossibilidade de

junção de duas pretensões autônomas no litisconsórcio previsto no inciso aqui

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43 tratado, haja vista que ambas as pretensões são fundadas numa só relação jurídica

fundamental.22

Para melhor entendimento, cito alguns exemplos de litisconsórcio fundado na

comunhão de direitos e na comunhão de obrigações:

a) quando diversos acionistas de uma sociedade anônima pretendem anular

uma determinada assembleia, há comunhão de direitos;

b) quando dois ou mais condôminos propõem ação reivindicatória contra

esbulhador da propriedade comum, conforme artigo 1.314 do Código Civil há

formação de litisconsórcio facultativo fundado na comunhão de direitos;

c) quando duas ou mais pessoas se responsabilizam pelo cumprimento de

uma determinada obrigação há formação de litisconsórcio facultativo fundado na

comunhão de obrigações. Neste caso o autor da relação jurídica pode demandar

contra os vários devedores em um mesmo processo ou em ações autônomas. Em

sendo o caso de solidariedade passiva (art. 264 do CPC) há possibilidade do réu

fazer o chamamento ao processo previsto no artigo 77, III do CPC.

Destarte, a comunhão de direito expressa a cotitularidade da situação de

direito material, admitindo que duas ou mais pessoas integrem a relação jurídica de

direito material no polo ativo. Já a comunhão de obrigações expressa a

cotitularidade da situação de direito material em que permite que dois ou mais

sujeitos integrem o polo passivo da mesma relação jurídica.

5.1.2 – Litisconsórcio facultativo baseado na identidade de fundamento de fato

e de direito (inc. II do art. 46)

Outra possibilidade de formação de litisconsórcio facultativo é a hipótese

prevista no inciso II do art. 46 do CPC, ocorrendo quando o direito ou obrigação

decorrer do mesmo fato ou de direito.

O inciso II do referido artigo dispõe que: “Duas ou mais pessoas podem litigar,

no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando: II - os direitos ou

as obrigações derivarem do mesmo fundamento de fato ou de direito”. 22 DINAMARCO, Cândido Rangel, Litisconsórcio, 5ª ed.. São Paulo: Malheiros, 1997, p.85.

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A primeira parte do referido inciso ocorre quando vários sujeitos estejam

ligados por um só fato (acontecimento de que decorram efeitos jurídicos) que resulta

várias pretensões, que poderão ser reunidas em um único processo, formando-se

assim litisconsórcio facultativo. É imprescindível que neste caso o fato tenha gerado

efeitos no universo de duas ou mais pessoas para que haja formação de

litisconsórcio. Exemplo: caso de solidariedade entre credores ou devedores;

acidente aéreo, em que os sobreviventes ou seus herdeiros poderão pleitear em

juízo condenação do responsável ao pagamento de indenização, formando

litisconsórcio facultativo ativo, diante de um só fato (acidente), mas que reúne

diversas pretensões de vários sujeitos.

A segunda parte do inciso aqui tratado, suscita a possibilidade de formação de

litisconsórcio facultativo quando existir identidade de fundamentos de direito entre as

pretensões. Esta difere da primeira parte, haja vista que lá o fato deve ser único, já

na segunda parte os fatos são diferentes, porém o fundamento de direito é o mesmo

em relação a todas as pretensões. Neste caso, embora os fatos sejam diferentes, os

sujeitos podem litigar conjuntamente, com pretensões (pedidos) de direitos ou

obrigações que decorram de idêntico fundamento de direito. Exemplo: inúmeros

funcionários que demandam, baseados na mesma lei, porém cada um requerendo

algo de seu interesse pessoal.

Por fim, deve-se observar que o fundamento de fato e de direito integram a

“causa de pedir” prevista no artigo 282, inciso III, do Código de Processo Civil, a qual

a impõe como requisito essencial da petição inicial, devendo assim o autor indicar o

fato e o fundamento jurídico em que se funda a ação, sob pena de indeferimento da

petição inicial.

5.1.3 – Litisconsórcio facultativo baseado na conexão de causas (inc. III do art.

46)

O inciso III do art. 46 do CPC traz outra possibilidade de formação de

litisconsórcio facultativo, ocorrendo se houver conexidade pelo objeto ou pela causa

de pedir.

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O inciso III do referido artigo dispõe que: “Duas ou mais pessoas podem

litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando: III - entre

as causas houver conexão pelo objeto ou pela causa de pedir”.

Tal inciso deve ser interpretado conjuntamente com o artigo 103 do mesmo

diploma legal, tendo em vista que conceitua conexidade: “Reputam-se conexas duas

ou mais ações, quando Ihes for comum o objeto ou a causa de pedir”.

O inciso aqui tratado equivale ao litisconsórcio facultativo irrecusável previsto

no Código de Processo Civil de 1939, onde a parte adversa não pode recusar a

cumulação de sujeitos.

É discutível na maior parte das doutrinas a desnecessidade do inciso II, do

art. 46 do CPC, haja vista que o inciso III já trata da formação de litisconsórcio

advindo da conexão entre ações, sendo assim, não há razão para o inciso II, pois o

inciso III já envolve a hipótese daquele inciso.

Neste sentido, DINAMARCO (2003, p. 337) diz que:

Os incs. II e III do art. 46 do Código de Processo Civil enunciam mediante duas fórmulas aparentemente diversas a conexidade como fundamento de admissibilidade do litisconsórcio. A hipótese de direitos e obrigações que derivam do mesmo fundamento de fato ou de direito (art. 46, inc. II) configura precisamente a conexidade por identidade das causas de pedir. Isso significa que, na realidade, o art. 46 contempla três e não quatro razões que autorizam o litisconsórcio (comunhão, conexidade e afinidade).23

Como dito, o inciso III deve ser interpretado conjuntamente com o artigo 103

do Código de Processo Civil que conceitua o instituto da conexão. A conexão ocorre

quando há entre ações alguma ligação, que implique no processamento conjunto

destas em um mesmo juízo, a fim de efetivar a harmonia do julgado, evitando-se

divergências na decisão judicial.

Assim haverá conexão entre duas ou mais causas quando estas possuírem

em comum o objeto (pedido) ou a causa de pedir. Para tanto se faz necessário

conceituar objeto e causa de pedir, como faço adiante.

Há duas formas de pedido, o direto (imediato) e o indireto (mediato). O

pedido direto tem por objetivo uma decisão constitutiva, condenatória ou

declaratória, bem como, uma execução ou medida cautelar. Já o pedido indireto

23 DINAMARCO, Cândido Rangel, Instituições de direito processual civil, 3ª ed.. São Paulo: Malheiros, 2003, p.165.

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46 (mediato) tem por escopo o alcance do chamado doutrinariamente “bem da vida”,

sendo este o pedido apto a gerar conexidade de ações, como disposto na hipótese

do inciso III do art. 46 do Código de Processo Civil.

A causa de pedir trata-se do fato em que está fundado o pedido do

demandante, ou seja, é o motivo que o levou a propor a ação. Cabendo salientar

que a causa de pedir é requisito essencial da petição inicial, prevista no artigo 282,

inciso III, do Código de Processo Civil, dividindo-se em próxima ou remota.

A causa de pedir próxima é o próprio fato que levou o demandante a propor a

ação. E a causa de pedir remota são os fundamentos jurídicos do direito pleiteado

pelo demandante. Há também que observar que tais fundamentos jurídicos vão além

da lei, abrangendo ainda as demais fontes do direito.

Por fim, a formação de litisconsórcio, baseada no inciso III, do art. 46 do

Código de Processo Civil se dá pela conexão de ações, fundada na afinidade de

pedido mediato, ou em razão da causa de pedir remota ou próxima. Sabendo-se que

o litisconsórcio alicerçado neste inciso tem por objetivo a economia processual e de

obstar decisões contraditórias se emitidas separadamente, não podendo ser

conexas as ações que possuírem pedidos conflitantes (incompatíveis) entre si.

5.1.4 – Litisconsórcio facultativo baseado na afinidade de questões (inc. IV do

art. 46)

O inciso IV do art. 46, do Código de Processo Civil é a última hipótese de

formação de litisconsórcio facultativo, ocorrendo afinidade de questões por um ponto

comum de fato ou de direito.

O inciso IV do referido artigo dispõe que: “Duas ou mais pessoas podem

litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando: IV -

ocorrer afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito”.

Portanto, basta que exista um ponto em comum entre as causas de pedir, que

de certa forma não caracterizam conexidade como no inciso anterior, mas que se

enquadram perfeitamente a este inciso, ou seja, que tenha apenas afinidade

(semelhança), mesmo que simples entre as demandas.

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Não há necessidade de cumulação do ponto comum de fato e de direito, para

que exista afinidade de questões. Desta forma, poderá existir apenas um ponto em

comum para que seja possível a formação de litisconsórcio, já que o próprio

dispositivo legal diz que haverá a formação de litisconsórcio quando ocorrer

afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito.

Ademais, Dinamarco (1997, p. 85)24 entende que o vocábulo “questões”

tratado no inciso IV, significa fundamento, ou seja, lê-se afinidade de fundamentos.

Neste caso, as causas devem possuir fatos parecidos ou idênticos, mas não

iguais, senão estaríamos diante da conexão prevista no inciso anteriormente tratado.

Sendo que só ocorrerá a formação de litisconsórcio baseado no inciso IV se o

mesmo juiz for competente para conhecer e julgar todas as causas, diferindo-se da

conexão que há prorrogação de competência. Podendo ao final do processo, ser a

decisão diferente para os litisconsortes, tendo em vista que os fundamentos de cada

litisconsorte muito embora estejam ligados entre si por afinidade, não precisam ser

iguais.

Além disto, percebe-se que a hipótese do inciso IV do artigo aqui tratado, é

mais vasta que as demais, tendo em vista que basta a afinidade de questões por um

único ponto comum de fato ou de direito, para que se configure a figura do

litisconsórcio, também com o objetivo de economia processual e de obstar decisões

contraditórias.

Também aqui o réu é obrigado a aceitar o litisconsórcio, se encontrar-se

preenchidos os pressuposto do inciso IV do art. 46 do CPC, haja vista que como

vimos não mais é possível o litisconsórcio recusável no direito processual civil.

No entanto, como será explanado adiante, há uma exceção para regra do

parágrafo acima escrito, prevista no parágrafo único do art. 46 do Código de

Processo Civil, o qual trata do litisconsórcio multitudinário.

24 DINAMARCO, Cândido Rangel, Litisconsórcio, 5ª ed.. São Paulo: Malheiros, 1997, p.85.

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48 5.1.5 – Litisconsórcio multitudinário (parágrafo único do art. 46)

O parágrafo único do artigo 46 do Código de Processo Civil foi uma inovação

trazida pela minirreforma originária da Lei 8.952/1994, que incorporou ao nosso

Código de Processo Civil a figura do litisconsórcio multitudinário.

O parágrafo único do referido artigo dispõe que: “O juiz poderá limitar o

litisconsórcio facultativo quanto ao número de litigantes, quando este comprometer a

rápida solução do litígio ou dificultar a defesa. O pedido de limitação interrompe o

prazo para resposta, que recomeça da intimação da decisão”.

Embora não houvesse a previsão do referido instituto no texto originário

Código de Processo Civil, os juízes já o aplicava aos casos concretos, quando

milhares de pessoas se ajuntavam para propor uma única demanda ou vice-versa,

desvirtuando o sentido do processo.

A lei não preceitua o que se fazer com os litisconsortes excluídos, mas na

prática é feito o desmembramento do processo, quando a quantidade de partes

deste for excessivamente prejudicial ao andamento processual e ao resultado final,

visando à igualdade de tratamento e julgados às partes, bem como à celeridade.

Neste sentido, GRECO FILHO (2010, p. 154/155) traduz perfeitamente a

importância do litisconsórcio multitudinário:

[...] o sistema do Código repele o uso do processo para fins ilícitos ou, pelo menos, antiéticos. Entendo que se encontra entre os poderes do juiz, com fundamento em sua atribuição de assegurar às partes igualdade de tratamento, velar pela rápida solução do litígio e prevenir ou reprimir qualquer ato atentatório à dignidade da justiça (art. 125), como poder implícito, o de determinar o desmembramento do processo em quantos forem convenientes para se alcançar os princípios acima referidos, desde que demonstrada à inviabilidade do processamento conjunto ou o objetivo antiético. Negar tal poder ao juiz seria admitir a negação concreta da justiça.25

Desta forma, o litisconsórcio multitudinário permite ao juiz limitar o número de

litisconsortes em um único processo, se ele prejudicar a celeridade processual, ou

seja, a rápida solução da demanda, e ainda dificultar o direito de defesa do réu. 25 GRECO FILHO, Vicente, Direito processual civil brasileiro, 22 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p.154/155.

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49 Sendo possível a aplicação do referido instituto somente ao litisconsórcio facultativo,

pois se aplicável ao litisconsórcio necessário vai contrário a sua própria natureza de

obrigatoriedade legal prevista no art. 47 do Código de Processo Civil. Pode ser

aplicado tanto ao litisconsórcio facultativo simples como ao unitário.

Sendo assim, é inevitável que o litisconsórcio multitudinário seja aplicado

somente ao litisconsórcio facultativo, tendo em vista que se necessário, a presença

de todas as partes é obrigatória, pois se ausente um dos legitimados para integrar o

polo ativo ou passivo da demanda, o processo deverá ser extinto sem julgamento do

mérito, uma vez que torna ausente a legitimidade dos demais litisconsortes.

Ademais, não há fundamento para tal limitação se ocorrer qualquer das

hipóteses previstas no parágrafo único do artigo 46 do CPC, ou seja, que o número

excessivo de litigantes comprometa a rápida solução do litígio ou dificulte a defesa

do réu, não havendo óbice a formação de litisconsórcio facultativo se inexistentes as

hipóteses do parágrafo único.

Ocorre que o excesso de litigantes pode trazer alguns problemas, como

exemplo, a dificuldade de se realizar a citação de inúmeros réus, sendo que se todos

não forem encontrados de imediato, o início da contagem do prazo para

oferecimento de contestação dos demais se prolongaria, prejudicando ainda mais a

celeridade do processo.

Além disso, o direito de defesa também pode ser prejudicado, tendo em vista

que a propositura da ação por inúmeros autores gerará ao réu prejuízo em sua

defesa, pois em um prazo comum terá que oferecer contestações a todos os

autores.

A lei também não impõe qual a quantidade máxima, sendo decidido pelo juiz

se deve limitar o número de litisconsortes, com os devidos fundamentos, sendo eles

os preceituados no parágrafo único do artigo 46 do CPC. Sendo que determinando a

limitação o juiz desmembrará o processo em quantos outros bastem, a fim de

efetivar a prestação jurisdicional igualitária para todos os litisconsortes.

Todos os processos desmembrados permanecerão no mesmo juízo, onde se

abrirá prazo para o autor apresentar as devidas petições iniciais para todos,

discriminando os litisconsortes de cada um. O desmembramento pode ser requerido

pelo réu ou determinado pelo juiz de ofício. Deverá ser requerido pelo réu no prazo

de sua resposta, e sendo negado caberá recurso de agravo de instrumento.

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Cabe salientar que a limitação aqui tratada embora na prática ocorra

frequentemente no polo ativo da demanda, não está limitada a este, sendo possível

tanto no polo ativo como no polo passivo.

Sendo assim, a Lei 8.952/94 introduziu o instituto do litisconsórcio

multitudinário ao nosso atual Código de Processo Civil, presente no parágrafo único

do art. 46, o qual possibilita ao juiz limitar a quantidade de sujeitos num processo,

quando este for manifestamente excessivo, ao extremo de provocar prejuízos à

rápida solução do litígio ou ao direito de defesa do réu. Tendo por base o

desmembramento do processo, a fim de que se formem grupos menores, cada um

prosseguindo em um único processo.

5.2 - Litisconsórcio necessário (art. 47 do CPC)

O artigo 47 do Código de Processo Civil dispõe que: “Há litisconsórcio

necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz

tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia

da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo”.

Como visto o litisconsórcio facultativo é a regra geral, uma vez que não se

pode obrigar a litigar em juízo conjuntamente quem não o quer, mas o litisconsórcio

necessário é exceção a este, pois é obrigatoriamente exigido por lei ou por sua

natureza, quando o juiz deva decidir de maneira uniforme para todas as partes

integrantes do mesmo polo da relação jurídica. Sendo que neste último caso, a

eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes, se assim não o

for feito o juiz extinguirá o processo sem julgamento do mérito.

Em determinados casos a lei obriga que sujeitos litiguem em juízo

conjuntamente, sendo o litisconsórcio necessário obrigatório e imposto por lei, pois

se não houver a participação de todos os litigantes, o processo será extinto sem

julgamento do mérito, tendo em vista a ausência de uma das condições da ação, a

legitimidade ad causam.

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Segundo a maior parte da doutrina, é necessária a formação de litisconsórcio

quando a causa versar sobre um objeto incindível, ou se não for incindível que a lei

imponha a sua formação.

Embora o artigo 47 do CPC confunda o litisconsórcio necessário com o

unitário como se fosse um só, assim não o é. É obrigatória a formação de

litisconsórcio necessário, mas o resultado da decisão deste pode ser tanto unitária

como simples. Será unitário quando a sentença tenha que decidir uniforme para

todas as partes que integrem o mesmo polo da relação jurídica, no entanto há

litisconsórcio necessário simples quando embora seja obrigatória a sua formação o

resultado não precisa ser o mesmo para todos os que integrem o mesmo polo da

relação jurídica. Um exemplo clássico de litisconsórcio necessário simples é o da

ação de usucapião (art. 942 do CPC), pois a sentença não será a mesma para o

litisconsorte que o nome esteja transcrito o imóvel e para os confinantes (vizinhos do

imóvel usucapiendo).

Portanto, resta evidente que nem sempre o litisconsórcio necessário será

unitário, como é trazido pelo art. 47 do CPC, mas, pode ser simples em muitos

casos. Não se confundindo assim o litisconsórcio necessário com o unitário, que

nada tem em comum, o primeiro trata da formação do litisconsórcio, se obrigatória

ou não, já o segundo trata somente do resultado da sentença em relação aos

litisconsortes que deverá ser uniforme para todos.

O que determinará se o litisconsórcio necessário será unitário ou simples é o

resultado da sentença, ou seja, se além de ser necessária a formação de

litisconsórcio a sentença tiver que ser idêntica para todos estaremos diante do

litisconsórcio necessário unitário unitário, mas se embora necessária a formação de

litisconsórcio a sentença não precisar ser idêntica para todos estaremos diante do

litisconsórcio necessário simples. Exemplo clássico de litisconsórcio necessário

unitário é o da ação de anulação de casamento proposta pelo Ministério Público,

onde é obrigatória a presença dos cônjuges no polo passivo, não sendo possível

que a sentença seja julgada procedente para um cônjuge e improcedente para o

outro, mas será uniforme para ambos os litisconsortes, que serão réus neste caso, já

que a ação foi proposta pelo Ministério Público. Outros exemplos trazidos pela

doutrina são: ação de petição de herança, em relação a todos os herdeiros; e ação

de anulação de contrato, em relação a todos os contratantes.

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Desta forma, haverá litisconsórcio necessário quando a lei obrigar a sua

formação, seja no polo ativo, no passivo ou em ambos da demanda, sob pena de

nulidade.

5.2.1 – Vício gerado pela ausência do litisconsórcio necessário

Se os sujeitos exigidos por lei ou pela incindibilidade do objeto, não

integrarem a relação jurídica, sendo este o caso de litisconsórcio necessário, cabe

ao juiz determinar ao autor que promova a citação, sob pena de declarar extinto o

processo, segundo o parágrafo único, do artigo 47 do CPC.

O artigo 47, caput, do CPC que deixa claro que a sentença proferida no

processo no qual for ausente litisconsórcio necessário será ineficaz. No entanto, há

conflitos doutrinários sobre qual vício existiria neste caso.

O entendimento menos aceitável é o de que a sentença proferida em um

processo que não haja a formação de litisconsórcio necessário torna o processo

inexistente. Tendo em vista que se não houver a citação dos litisconsortes

necessários, e sendo pressuposto de existência a citação válida, seria então

inexistente todo o processo. Mas, esta teoria como disse, não é bem vista, tendo por

base seu fundamento, haja vista que a citação inválida gera nulidade absoluta e não

a inexistência de jurídica de um processo.

O entendimento mais aceitável é o que se baseia no motivo pelo qual o

litisconsórcio deve ser necessário, ou seja, pela previsão legal ou pela incindibilidade

do objeto.

Ocorre que se a formação do litisconsórcio necessário era prevista

legalmente, e a sentença proferida sem tal formação gera nulidade absoluta, já que

vai contra o dispositivo legal do artigo 47 do CPC. Deste modo, tal nulidade poderá

ser alegada pelas partes ou de ofício em qualquer momento processual. E neste

caso quando transitada em julgado caberá ação rescisória no prazo de dois anos.

Porém se a formação do litisconsórcio necessário for pela incindibilidade do

objeto, a sentença proferida será ineficaz, ou seja, não gerará qualquer efeito para

parte ou para o sujeito que deveria integrar à relação jurídica processual, mas que

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53 fazia parte da relação jurídica material. Vamos pegar como exemplo o já dado

anteriormente: se em uma ação de anulação de casamento um dos cônjuges não

estiver presente, a sentença procedente será ineficaz.

Neste último caso, em regra não caberia ação rescisória, mas os Tribunais

brasileiros tem admitido a propositura de tal ação. Bem como, a doutrina tem

entendido ser possível validar tal sentença se o sujeito que deveria participar da

relação jurídica processual concordar com ela, tornando-se assim eficaz e

produzindo seus efeitos validamente.

5.2.2 – Problema do litisconsórcio necessário ativo

O litisconsórcio necessário ativo suscita algumas divergências doutrinárias,

porque gera certa instabilidade ao princípio de que ninguém é obrigado a litigar em

demanda, como autor, contra a sua vontade, e o direito de ação do autor previsto

constitucionalmente.

Há muitas divergências doutrinárias também em relação à citação prevista no

parágrafo único do art. 47 do CPC, pois alguns doutrinadores entendem que não é

possível promover a citação de autor ou terceiro. Mas, a maioria deles proclama que

a citação prevista no referido art. 47 abarca também autores litisconsortes, tendo em

vista que se eles não comparecerem ao processo será julgado extinto sem

julgamento do mérito, pois a citação é pressuposto de validade do processo, sendo

assim necessário que todos os autores estejam presente no polo ativo da demanda.

Desta forma, a citação referida no art. 47 diz respeito também ao autor

litisconsorte, quando se faz necessária sua presença na relação jurídica processual,

haja vista que não se pode impedir que o autor exerça seu direito de ação previsto

constitucionalmente (art. 5º, inc. XXXV, CF). Tampouco se pode obrigar alguém a

litigar em juízo, como autor, contra sua própria vontade.

Há que se observar que, quando se fala na citação do parágrafo único do art.

47 referente ao litisconsórcio ativo, tem-se que o sujeito que deveria integrar o polo

ativo da demanda juntamente com outro (s) autor (es) não aceitou ou não foi

encontrado para tanto, pois se não for nesses casos, nem precisa se discutir sobre

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54 tal citação, tendo em vista que, ou o autor comparecerá espontaneamente, ou uma

simples notificação já será suficiente para que ele compareça em juízo e integre o

polo ativo a que se faz necessário.

Dentre os vários entendimentos doutrinários o que achei mais plausível foi o

de Nelson Nery Junior (2006, p.224), o qual diz que se o autor deseja mover a ação,

mas o litisconsorte necessário ativo é um óbice deve:

[...] movê-la, sozinho, incluindo aquele que deveria ser seu litisconsorte ativo, no polo passivo, como réu, pois existe lide entre eles, porquanto esse citado está resistindo à pretensão do autor, embora por fundamento diverso da resistência do réu. Citado, aquele que deveria ter sido litisconsorte necessário passa a integrar de maneira forçada a relação processual. Já integrado no processo, esse réu, pode manifestar sua vontade de: a) continuar no polo passivo, resistindo à pretensão do autor; b) integrar o polo ativo, formando o litisconsórcio necessário ativo reclamado pelo autor.26

Este entendimento me parece mais apropriado, pois abrir mão da formação

do litisconsórcio necessário, seria como torna-lo facultativo. E se o sujeito que

deveria integrar a lide como litisconsorte ativo, não o quer, faz bem o integrar como

réu, haja vista que está resistindo a uma pretensão, bastando a sua citação para que

a sentença seja válida e eficaz, pois assim, e mesmo como réu, passará a integrar a

relação jurídica, que deveria ser na forma ativa, mas não o foi por motivos de recusa

ou até mesmo por não ser encontrado, não ferindo assim o direito de ação do autor

da demanda.

O texto acima descrito de Nelson Nery Junior traz um trecho importante, o

qual permite ao integrado como réu escolher se deseja integrar o polo ativo da

demanda, não ferindo assim, nem ao direito de ação do autor, e nem ao livre arbítrio

do integrado de litigar em juízo, como autor.

Contudo, embora o litisconsórcio necessário ativo seja possível, sua

efetividade no caso concreto é mínima, tendo em vista que a sua formação

dependerá, na verdade, da vontade das partes. Não podendo como induz o art. 47

do CPC, obrigar o sujeito que se negar a integrar o polo ativo da demanda, a assim

o fazer compulsoriamente, contrariando a sua vontade. Desta forma, na prática, só

existirá litisconsórcio necessário ativo se os sujeitos concordarem.

26 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 9ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 224.

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55 5.3 – A relativa autonomia dos litisconsortes (art. 48 do CPC)

Embora o artigo 48 do Código de Processo Civil disponha que: “Salvo

disposição em contrário, os litisconsortes serão considerados, em suas relações com

a parte adversa, como litigantes distintos; os atos e as omissões de um não

prejudicarão nem beneficiarão os outros”, percebe-se que este dispositivo, chamado

de princípio da autonomia dos colitigantes, já que cada litisconsorte é parte distinta

dos demais em relação aos seus adversários, não sustenta uma autonomia

absoluta, mas sim relativa, tendo em vista que o próprio Código de Processo Civil

traz disposições contrárias.

Alguns artigos do Código de Processo Civil confirmam tal dispositivo. Neste

sentido tem-se o art. 320, I do CPC que não estende os efeitos da revelia de um

litisconsorte aos demais. Tem-se ainda, o art. 350 do mesmo diploma legal, o qual

também não estende os efeitos da confissão feita por um dos litisconsortes aos

demais.

O art. 48 do referido diploma legal visa confirmar a independência dos

litisconsortes entre si, porque apesar de fazerem parte da mesma demanda

conjuntamente, são considerados distintos em relação a um e outro, sendo seus

atos autônomos. Mas existem exceções a esta independência, pois em

determinadas circunstâncias os efeitos do ato praticado por um litisconsorte pode se

estender aos demais, quando os interesses forem incindíveis.

São vastos os dispositivos que sujeitam os efeitos de determinados atos aos

demais litisconsortes, contrariando o disposto no artigo 48. Tem-se como exemplo

claro desta afirmação os casos de litisconsórcio unitário em que a decisão tem que

ser uniforme para todos os litisconsortes, neste caso praticamente todos os atos

produzidos por um dos litisconsortes se estenderão aos demais desde que

favoráveis, pois os desfavoráveis não se estenderão. Exemplo desta relativa

autonomia está estampado no artigo 509 do CPC, o qual estende os efeitos do

recurso interposto por um litisconsorte aos demais em caso de litisconsórcio unitário.

Além disso, tem-se a confissão, que embora o art. 350 do CPC diga

expressamente que os seus efeitos não se estenderão aos demais litisconsortes, há

que se observar a prática jurídica, pois o juiz tem seu livre convencimento, podendo

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56 para firmar este, utilizar-se de todas as provas colhidas no processo. A confissão

colhida no processo ao ser analisada poderá ser usada para o julgamento da

demanda que é única, tendo em vista o livre convencimento do juiz, produzindo

efeitos para todos os litisconsortes, uma vez que o processo no todo é um só.

Desta forma, é evidente que a autonomia do art. 48 do CPC não é absoluta,

mas sim relativa, tendo por base todos os dispositivos contrários a tal preceito,

estendendo os efeitos dos atos praticados por um litisconsorte aos demais. O que

ocorre em regra é que os atos de um litisconsorte que forem favoráveis se

estenderão aos demais, mas se não o forem serão ineficazes a eles, aplicando-se

neste último caso o princípio da autonomia absoluta.

5.4 – Impulso processual (art. 49 do CPC)

O artigo 49 do Código de Processo Civil dispõe que: “Cada litisconsorte tem o

direito de promover o andamento do processo e todos devem ser intimados dos

respectivos atos”.

Este dispositivo tem por base reafirmar a autonomia, independência e

liberdade dos litisconsortes, lembrando que a autonomia em alguns momentos se

torna relativa.

Contudo, para as práticas de atos processuais o que subsistirá é a autonomia

do litisconsorte, tanto para a iniciativa quanto para intimação dos atos praticados

dentro do processo pelos sujeitos da relação jurídica processual.

O preceituado no artigo 49 vai de encontro ao preceito do artigo 48, visto que

embora o litisconsórcio unitário exista para que a sentença seja uniforme para todos

os litisconsortes, não se pode passar por cima da liberdade particular de cada um,

tendo eles liberdade de promover o andamento do processo e de serem intimados

dos atos praticados no processo em que figuram como parte, cada um

individualmente. Neste sentido, o artigo 191 concede aos litisconsortes com

procuradores diferentes, contagem do prazo em dobro para contestar, recorrer ou se

manifestar de forma geral nos autos.

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Não podendo esquecer que os atos benéficos praticados por um litisconsorte

se estenderão aos demais, mas se maléfico não se estenderão. Por tal motivo o

artigo 49 do CPC não é amplamente aplicado ao litisconsórcio unitário, pois se os

efeitos de um único ato se estender aos demais litisconsortes, não haverá

necessidade que todos os litisconsortes o promovam, porém tal preceito não fere a

autonomia existente entre eles e o direito de cada um promover o andamento do

processo individualmente.

Muito embora o artigo 49 do CPC seja também aplicado ao litisconsórcio

unitário, é amplamente aplicado ao litisconsórcio simples, pois se existem vário

litisconsorte dentro de um mesmo processo, que buscam uma decisão que ao final

pode ser diferente para cada litisconsorte, resta claro a independência entre eles,

possuindo liberdade para praticar os atos que entenderem necessário para alcançar

sentença favorável.

5.5 – Extinção ou redução do litisconsórcio

Há a extinção ou a redução do litisconsórcio por determinação judicial ou por

requerimento de alguma parte. Sendo possível mesmo sem a extinção do processo,

que haja a exclusão de litisconsortes, mas que o processo continue em andamento

com relação aos demais. Podendo excluir-se o litisconsórcio, ou seja, a pluralidade

das partes, ou tão somente reduzi-lo.

Acontece a extinção do litisconsórcio se restar no processo somente um autor

ou um réu, e acontecerá a redução se restarem dois ou mais autores, ou dois ou

mais réus no processo.

O juiz determinará a exclusão do litisconsórcio se não forem preenchidos os

requisitos de formação do litisconsórcio facultativo presentes no artigo 46 do CPC,

podendo extingui-lo se o litisconsórcio for inadmissível ou se os sujeitos não forem

legítimos para figurarem na ação como litisconsorte.

Ademais, o autor pode dar causa à extinção ou redução do litisconsórcio ativo

pela desistência da ação, uma vez que se ele desistir e restar dois ou mais autores o

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58 processo prosseguirá, havendo a redução do litisconsórcio, mas se restar somente

um autor haverá a extinção do litisconsórcio.

Não obstante, também é possível que o réu extinga ou reduza o litisconsórcio

passivo que tenha instaurado por sua própria vontade.

Contudo, deve-se atentar que restem ao processo autor e réu, pois se a

extinção ou redução do litisconsórcio assim não o deixar, o processo é que será

extinto, ou seja, não existirá mais processo se todos os sujeitos presentes no polo

ativo da demanda desistirem da ação, ou ainda se o autor (es) desistir de todos os

réus.

5.6 – A dinâmica do processo litisconsorcial

O processo que possui a presença de litisconsórcio possui características

especiais, já que não pode ser tratado como um processo comum, tendo em vista a

pluralidade de partes existentes em um polo da relação jurídica ou em ambos.

Quanto à revelia, se um dos litisconsortes passivo não contestar a ação, mas

os outros a contestar, não serão aplicados os efeitos da revelia ao que não

contestou, conforme previstos no art. 319 do Código de Processo Civil que dispõe:

“Se o réu não contestar a ação, reputar-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo

autor”. Ou seja, se estenderá a contestação dos demais ao litisconsorte que deixou

de apresentar. No entanto, se todos deixarem de contestar a ação, serão

considerados revéis, nos termos do art. 319 do CPC, e se os fundamentos da

contestação oferecida pelo outro litisconsorte não forem úteis ao litisconsorte que

deixou de apresentar contestação, este será considerado revel, pois a contestação

ficará restrita a fatos comuns dos litisconsortes.

Quanto à competência, se houver a formação de litisconsórcio em um ou

ambos os polos da relação jurídica processual a competência será do foro do

domicílio de qualquer um deles. Assim dispõe o art. 94, parágrafo 4º, do Código de

Processo Civil que trata da competência territorial e também aplicada aos casos de

litisconsórcio: “Havendo dois ou mais réus, com diferentes domicílios, serão

demandados no foro de qualquer deles, à escolha do autor”.

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Quanto ao valor da causa, dependerá se o litisconsórcio acarretar também

cúmulo objetivo de causa, devendo obedecer às regras contidas no artigo 259 do

CPC. Com exceção do litisconsórcio unitário, tendo em vista que o objeto do

processo será um só, sendo assim, o valor não dependerá da quantidade de

litisconsortes presentes ao processo, mas sim do valor único do objeto incindível.

Quanto à disciplina da prova, as regras são as mesmas de um processo em

que não há formação de litisconsórcio. Não importa a espécie de litisconsórcio para

que haja a aplicação do princípio da autonomia dos colitigantes, porém como já

estudado anteriormente tal princípio tem certa relativização, tendo em vista que é

aplicável ao caso concreto o princípio da comunhão das provas, em que o juiz pode

formar seu livre convencimento para decidir a causa, não importando por quem foi

produzida, se por um ou por todos os litisconsortes.

Quanto aos prazos, o artigo 191 do CPC deixa claro que serão contados em

dobro se os litisconsortes tiverem procuradores diferentes, dispondo que: “Quando

os litisconsortes tiverem diferentes procuradores, ser-lhes-ão contados em dobro os

prazos para contestar, para recorrer e, de modo geral, para falar nos autos”.

Quanto a suspeição ou impedimento, tendo em vista o princípio da

imparcialidade do juízo, os litisconsortes ou um em especial podem alegar a

suspeição ou impedimento do juiz, independente da aceitação dos demais, tendo em

vista que em relação ao requerente ele pode ser suspeito ou impedido, ou ainda em

relação à própria causa.

Quanto à desistência dos recursos, neste caso também o litisconsorte pode

desistir do recurso sem a aceitação dos demais, conforme dispõe o art. 501 do CPC:

“O recorrente poderá, a qualquer tempo, sem a anuência do recorrido ou dos

litisconsortes, desistir do recurso”. Este dispositivo aplica-se tanto ao litisconsórcio

simples, em que o recurso interposto não aproveitará aos demais litisconsortes se o

recorrente tiver alegado no recurso matéria somente de seu interesse, não

beneficiando assim aos demais.

Quanto à renúncia à faculdade de recorrer, o art. 502 do mesmo diploma

legal dispõe que: “A renúncia ao direito de recorrer independe da aceitação da outra

parte”. Desta forma não há que se falar em aceitação da outra parte. Porém a

doutrina entende que não é necessária também a concordância dos litisconsortes

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60 para que um renuncie ao direito de recorrer, sendo o resultado final o mesmo da

desistência do recurso, ou seja, preclusão do direito de recorrer.27

É importante frisar que se o litisconsorte já interpôs o recurso e venha a

desistir dele, haverá a sua revogação, já se o litisconsorte renunciar ao seu direito

de recorrer, ou seja, não há recurso interposto, havendo assim a sua preclusão.

Quanto à desistência da ação, se o autor desistir da ação que demanda

juntamente com outros litisconsortes, a ação continuará com os demais, ficando o

litisconsórcio reduzido, se o autor for único e houver litisconsórcio passivo, o

processo será extinto, pois não haverá demandante. Podendo ainda, autor desistir

da ação com relação a um dos réus em litisconsórcio, desde que ainda não citado.

Sendo assim, a desistência da ação pelo autor em relação a um dos réus agrupados

em litisconsórcio ou por um dos litisconsortes ativos depende do regime

litisconsorcial em que foi formado.

Quanto ao recurso interposto por somente um dos litisconsortes, o artigo

509 do CPC dispõe que: “O recurso interposto por um dos litisconsortes a todos

aproveita, salvo se distintos ou opostos os seus interesses”, no qual resta nítido a

sua aplicação imediata ao litisconsórcio unitário, uma vez que seu objeto é

incindível, passando o recurso a aproveitar a todos os litisconsortes. Sendo que os

litisconsortes simples quando com interesses opostos ou distintos, não podem se

beneficiar com o recurso interposto por só um deles, ou seja, só aproveitará ao que

o interpôs. Desta forma, a doutrina entende que será plenamente aplicado este

dispositivo ao litisconsórcio unitário, pois todas as decisões devem ser uniformes

para os litisconsortes integrantes da relação jurídica processual. E em regra o

dispositivo supracitado não é aplicável ao litisconsórcio simples, sendo aplicável de

forma excepcional se entre os litisconsortes simples houver comunhão de

interesses, passando assim o recurso a beneficiar os que não recorreram.

Quanto à confissão, o artigo 350 do CPC preceitua que: “A confissão judicial

faz prova contra o confitente, não prejudicando, todavia, os litisconsortes”. Diante

disso, verifica-se que a confissão de um dos litisconsortes não prejudicará aos

demais, mas somente a si mesmo. Muito embora o referido dispositivo traga tal

afirmação, esta não é absoluta, tendo em vista o princípio da comunhão das provas,

27 DINAMARCO, Cândido Rangel, Instituições de direito processual civil, 3ª ed.. São Paulo: Malheiros, 2003, p.366.

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61 e como a confissão é uma prova produzida no processo, deve-se interpretá-la assim

como estudado anteriormente as regras da disciplina das provas, pois o juiz pode

formar seu livre convencimento para decidir a causa, não importando por quem foi

produzida a prova, se por um ou por todos os litisconsortes.

Desta forma, não importa a espécie de litisconsórcio para que a confissão

vincule ou não o litisconsorte que não confessou. Não importando se é simples ou

unitário, o que importa é que o fato será sempre único, sendo que se a confissão for

eficaz, vinculará a todos, porém se for ineficaz não produzirá seus efeitos a

ninguém. O que ocorrerá é que se o litisconsórcio for simples e os interesses

distintos a confissão de um dos litisconsortes pode não importar para os outros.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A finalidade deste trabalho foi abordar as peculiaridades do instituto de

litisconsórcio, tema vastamente aplicado à nossa prática jurídica, que traz maior

efetividade ao processo, tendo em vista que sua formação tem por objetivo a

harmonização de julgados, economia processual e segurança jurídica nas relações

processuais. Sendo assim, diante de tais objetivos é admitido que vários autores ou

vários réus integrem simultaneamente o mesmo polo da relação jurídica processual,

quebrando a regra do esquema mínimo, consistente na relação jurídica entre o juiz,

autor e réu.

Neste trabalho foi abordado inicialmente os conceitos de parte, capacidade de

partes, e jurisdição.

No segundo capítulo passou-se a tratar da fase histórica do instituto

litisconsorcial, que como vimos, este instituto é aplicado desde a época do Brasil-

Império. Sendo que variados códigos trataram do referido instituto, até o chegar ao

nosso atual Código de Processo Civil, trazendo algumas alterações desde a sua

aplicação inicial.

Já no terceiro capítulo foi abordado diretamente o conceito legal e doutrinário

do litisconsórcio, bem como seus objetivos e suas possíveis fontes. Restando claro

que a fonte do litisconsórcio é a própria lei, a qual permite sua formação ou a exige,

neste caso se for necessário, conforme os pressupostos já descritos legalmente,

presentes nos artigos 46 a 49 do Código de Processo Civil.

O terceiro capítulo do presente trabalho teve por objetivo, definir de forma

genérica algumas distinções relevantes que se faziam necessárias para prosseguir o

estudo do instituto litisconsorcial.

Foi tratada inicialmente no terceiro capítulo a distinção entre cumulação

objetiva e cumulação subjetiva, na qual a primeira diz respeito a cumulação de

pedidos do autor em face do réu, conforme previsto no art. 292 do CPC, já a

cumulação subjetiva diz respeito aos sujeitos do processo, consistente na

cumulação de sujeitos em um dos polos da relação jurídica processual ou em

ambos, ensejando assim a pluralidade de partes.

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Foi tratada posteriormente a diferença entre litisconsórcio alternativo e

sucessivo. O litisconsórcio alternativo diz respeito à possibilidade do autor demandar

contra duas ou mais pessoas, quando tiver dúvida de quem seja o legitimado para

constar no polo passivo ou do quando o réu tiver dúvida de quem seja o titular do

direito demandado. Já o litisconsórcio sucessivo tem por base pedidos que são

feitos em face de dois ou mais sujeitos, sendo que o primeiro é o sujeito principal e

os demais são os sucessivos, sendo assim, o pedido somente será analisado em

face do litisconsorte sucessivo se não for acolhido em face do principal litisconsorte.

No mesmo capítulo foi diferenciado o conceito de partes e terceiros, estando

a principal diferença atrelada aos efeitos da sentença, ou seja, se os efeitos da

sentença atingir diretamente o sujeito que integra a relação jurídica, este será parte,

mas se não o atingir diretamente será considerado apenas um terceiro com

interesse jurídico na demanda.

Posteriormente distinguiu-se intervenção de terceiros e litisconsórcio, estando

este interligado ao conceito de parte e de terceiro, tendo em vista que tanto o

litisconsórcio como a intervenção de terceiros estão relacionadas à pluralidade de

partes, pois no momento da intervenção aumentará os sujeitos de um dos polos ou

de ambos, estando sua diferença ligada aos efeitos da sentença, pois se atingir o

interveniente diretamente este será litisconsorte, se não atingi-lo diretamente ele

será apenas um terceiro, não importando o momento da intervenção.

No terceiro capítulo foi diferenciada assistência simples de assistência

litisconsorcial. Sendo que a assistência simples ocorre quando um terceiro intervém

no processo espontaneamente, uma vez que possui interesse na solução da

demanda. Na assistência litisconsorcial o assistente deveria ter ingressado no

processo como parte inicialmente, mas por algum motivo não o fez, ingressando

voluntariamente ulteriormente, defendendo interesses próprios que serão decididos

pela sentença, pois passará a ser parte, contudo, não faz pedido novo, apenas

adere ao já feito pelo assistido.

No quarto capítulo, tratamos dos tipos de litisconsórcio e suas classificações,

podendo ele ser ativo, passivo ou misto, quanto à cumulação de sujeitos. Inicial ou

ulterior quanto ao tempo de sua formação. Facultativo ou necessário quanto à sua

obrigatoriedade. E simples ou unitário quanto ao alcance dos seus efeitos.

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E por fim, no último capítulo do presente trabalho, passou-se a explicar o

sistema litisconsorcial no Código de Processo Civil, presente nos artigos 46 a 49.

Tratando das hipóteses de litisconsórcio facultativo (art. 46), que pressupõe não

bastar somente a vontade de formar litisconsórcio, mas deve obedecer as regras lá

contidas. Tratou-se ainda do litisconsórcio multitudinário, podendo este ser limitado

pelo juiz se a enorme quantidade de litisconsortes causarem prejuízo ao andamento

processual, prejudicando assim a sua rápida solução, não sendo possível tal

limitação ao litisconsórcio necessário.

Sendo o caso de litisconsórcio necessário, conforme o artigo 47, quando for

obrigatória a formação deste, sob pena de nulidade.

Restou também evidente no último capítulo, que a autonomia dos

litisconsortes preceituada no artigo 48 é relativa, tendo em vista os vários

dispositivos que estendem os efeitos dos atos praticados por um litisconsorte ao

demais, desde que benéficos. Não se confundindo esta autonomia com o impulso

oficial previsto no artigo 49, que autoriza a cada litisconsorte promover o andamento

do processo, bem como exige que todos sejam intimados dos respectivos atos.

Ademais, abordou-se sobre as formas de extinção ou redução do

litisconsórcio e sobre a dinâmica do processo litisconsorcial, uma vez que o

processo em que existe pluralidade de partes não é um processo comum, pois

possui características especiais.

Logo, resta clara a importância do instituto do litisconsórcio para o nosso

direito processual civil, não existindo óbice para sua formação, desde que seja

autorizada ou exigida por lei. A formação de litisconsórcio em um ou em ambos os

polos da relação jurídica processual é de grande valia para efetivação da justiça,

sendo agradável que por um só processo e uma só sentença o Estado/juiz resolva

várias demandas individuais, evitando decisões conflitantes, bem como assegurando

economia processual tanto ao Estado como às partes.

Portanto, é certo que o instituto do litisconsórcio é de grande aplicação na

prática jurídica, visto que o direito individual vem dando lugar ao direito coletivo.

Contudo, o cúmulo de sujeitos na demanda deve ser adstrito a sua conveniência,

sendo barrado se acarretar prejuízos tanta às partes como ao andamento

processual em si, uma vez que o referido instituto visa especialmente o bem comum

e a efetivação da justiça.

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e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.

FILGUEIRAS, Clívia, Poema: Litisconsórcio. Disponível em: <

http://rodolfopamplonafilho.blogspot.com.br/2012/10/litisconsorcio.html> Acesso em:

07 Novembro de 2013.

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67 ANEXO – LITISCONSÓRCIO, POESIA DE CLÍVIA FILGUEIRAS

Dos romanos às XII tábuas

Sou nascido na antiguidade

Das Ordenações Filipinas ao ZPO alemão

Fui chegar à modernidade.

Dentro do mesmo fundamento de fato e de direito

Apareço na comunhão de direitos e obrigações

Quando houver conexão de objeto ou causa de pedir

Quando houver afinidade de questões.

Na formação do processo posso nascer

Chamar-me-ei Inicial,

Mas na lide posso ser Ulterior

E tumultuar a marcha processual.

Posso ser Ativo com muitos autores

Passivo quanto aos réus da ação

Misto pluralizando as pessoas

Em ambos os pólos da relação.

No plano material também sou pertinente:

Sou Unitário na decisão uniforme

Sou Simples nas decisões diferentes.

Necessário ou Facultativo posso ser

Alterando, assim, a minha formação

Num é a lei quem vai determinar

Noutro não há essa obrigação.

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68 Quando sou Eventual

Mais de um é complicado!

Se um for procedente

O outro será negado.

Alternativo é mais uma opção

Em muito cresce o pedido

Ou esse Ou aquele requeiro

Alvíssaras, em um serei atendido!

Ao fazer a cumulação

Do cliente atendo o clamor

Passo a chamar-me Sucessivo

Pois o segundo será aceito se o primeiro também o for.

Ao ser Multitudinário

Convoco muita gente, sou quase uma multidão

Pode o juiz me limitar

Caso for prejudicar a ação.

De litisconsórcio fui batizado

E a esse nome sou fiel

Sou uma reunião de pessoas

Na posição de autor ou de réu. 28

28 FILGUEIRAS, Clívia, Poesia: Litisconsórcio. Disponível em: http://rodolfopamplonafilho.blogspot.com.br/2012/10/litisconsorcio.html> Acesso em: 07 Novembro de 2013.

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