ac. tc n.º 575/14 (contribuição de sustentabilidade)

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    [ TC > Jurisprudncia > Acordos > Acrdo 575/2014 ]

    ACRDO N. 575/2014

    Processo n. 819/2014

    Plenrio

    Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha

    (Conselheira Maria Lcia Amaral)

    Acordam, em Plenrio, no Tribunal Constitucional

    IRelatrio

    1. O Presidente da Repblica requereu, nos termos do n. 1 do artigo 278. da Constituioda Repblica Portuguesa e dos artigos 51., n. 1, e 57., n. 1, da Lei de Organizao,Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, que o Tribunal Constitucional

    aprecie a conformidade com a Constituio das normas constantes dos n.s 1 e 2 do artigo2., dos n.s 1 a 5 do artigo 4. e dos n.s 1 a 4 do artigo 6. do Decreto n. 262/XII daAssembleia da Repblica, recebido na Presidncia da Repblica no dia 30 de julho de 2014para ser promulgado como lei.

    O pedido de fiscalizao de constitucionalidade apresenta a seguinte fundamentao:

    1

    Pelo Decreto n. 262/XII, a Assembleia da Repblica aprovou o regime que cria a contribuio desustentabilidade.

    2

    Independentemente do juzo quanto ao mrito das solues contidas no Decreto em apreciao, importagarantir que da sua aplicao no resulte incerteza jurdica numa matria de to grandeimportncia para a economia nacional.

    3

    Com efeito, o Decreto em apreciao visa aprovar medidas destinadas ao cumprimento das

    obrigaes internacionais do Estado, sobretudo no contexto da Unio Europeia, resultantes, em

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    particular, do Pacto de Estabilidade e Crescimento e do Tratado de Estabilidade, Coordenao eGovernao da Unio Econmica e Monetria (Tratado Oramental).

    4

    Sem prejuzo do que antecede, as normas em causa so suscetveis de violar princpios e normasconstitucionais como o princpio da igualdade, previsto no artigo 13 da Constituio e oprincpio da proteo da confiana, nsito ao princpio do Estado de direito constante do artigo 2da Constituio, tal como resulta da interpretao que destes princpios vem sendo feita pelajurisprudncia do Tribunal Constitucional, em especial nos acrdos n. 353/2012, n. 187/2013,n. 862/2013 e n. 413/2014.

    5

    O presente pedido no visa pr em causa a necessidade e urgncia da adoo de medidas quegarantam o cumprimento das obrigaes internacionais assumidas pelo Estado Portugus mas,to-s, assegurar que, em face da existncia das dvidas de constitucionalidade mencionadas nonmero anterior, tais medidas passam o crivo da conformidade com a Lei Fundamental, de

    modo a instilar a necessria confiana nos agentes econmicos e sociais destinatrios destasnormas e preservar a credibilidade externa do Pas.

    O Presidente da Repblica requer o pedido de fiscalizao de constitucionalidade nosseguintes termos:

    Ante o exposto, e no deixando de ponderar a solicitao do Governo nesta matria, requeiro, nos termos

    do n. 1 do artigo 278 da Constituio, bem como do n. 1 do artigo 51 e n. 1 do artigo 57 da Lei n.28/82, de 15 de novembro, a fiscalizao preventiva da constitucionalidade das referidas normas do artigo2, do artigo 4 e do artigo 6 do Decreto n. 262/XII da Assembleia da Repblica, por violao dosartigos 2 e 13 da Constituio.

    2. O requerimento deu entrada neste Tribunal no dia 31 de julho de 2014 e o pedido foiadmitido na mesma data.

    3. Notificada para o efeito previsto no artigo 54. da Lei do Tribunal Constitucional, aPresidente da Assembleia da Repblica veio apresentar resposta na qual ofereceu omerecimento dos autos.

    4. Atravs de requerimento que deu entrada no Tribunal Constitucional no dia 4 de agostode 2014, o Governo de Portugal, na qualidade de proponente do Decreto n. 262/XII eorientado pelo princpio da colaborao veio requerer a juno aos autos de uma notaexplicativa sobre as questes suscitadas no presente processo de apreciao deconstitucionalidade, tendo, na mesma data, o requerimento sido admitido e junto aos autos.

    5. Discutido o memorando apresentado pela relatora originria, cumpre formular a decisoem conformidade com a orientao definida.

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    IIFundamentao

    A. O objeto do pedido

    6. So objeto do pedido de fiscalizao preventiva de constitucionalidade as disposies

    constantes dos n.s 1 e 2 do artigo 2., dos n.s 1 a 5 do artigo 4. e dos n.s 1 a 4 do artigo6. do Decreto n. 262/XII da Assembleia da Repblica.

    As referidas disposies tm o seguinte teor:

    Artigo 2.

    mbito de aplicao da contribuio de sustentabilidade

    1 - A CS incide sobre todas as penses pagas por um sistema pblico de proteo social a umnico titular independentemente do fundamento subjacente sua concesso.

    2 - Para efeitos do disposto no nmero anterior, entende-se por penses, para alm das penses pagas aoabrigo dos diferentes regimes pblicos de proteo social, todas as prestaes pecunirias vitalcias devidasa pensionistas, aposentados ou reformados no mbito de regimes complementares, independentemente dadesignao das mesmas, nomeadamente, penses, subvenes, subsdios, rendas, seguros, bem como asprestaes vitalcias devidas por fora de cessao de atividade, processadas e postas a pagamento pelasseguintes entidades:

    a) Instituto da Segurana Social, I.P. - Centro Nacional de Penses (ISS, I.P./CNP) no quadrodo sistema previdencial da segurana social;

    b) CGA, I.P.;

    c) Caixa de Previdncia dos Advogados e Solicitadores (CPAS) no quadro do regime de proteosocial prprio.

    Artigo 4.

    Clculo da contribuio de sustentabilidade

    1 - A CS incide sobre o valor das penses mensais definidas no artigo 2..

    2 - Para a determinao do valor da penso mensal, considera-se o somatrio das penses pagas a umnico titular pelas entidades referidas no n. 2 do artigo 2..

    3 - A aplicao da CS obedece s seguintes regras:

    a) 2% sobre a totalidade das penses de valor mensal at 2 000;

    b) 2% sobre o valor de 2 000 e 5,5 % sobre o remanescente das penses de valor mensal at 3500;

    c) 3,5% sobre a totalidade das penses de valor mensal superior a 3 500.

    4 - Nos casos em que da aplicao da CS resulte uma penso mensal total ilquida inferior a 1000, o valor da penso em pagamento mantido nos seguintes termos:

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    B. Enquadramento do objeto do pedido no regime institudo pelo Decreto n. 262/XII

    7. As normas objeto de fiscalizao so relativas a duas das medidas estabelecidas peloDecreto n. 262/XII: tanto as normas constantes dos n.s 1 e 2 do artigo 2. como asnormas constantes dos n.s 1 a 5 do artigo 4. dizem respeito medida que estabelece a

    contribuio de sustentabilidade; por sua vez, as normas constantes dos n.s 1 a 4 doartigo 6. referem-se medida relativa reviso da forma de atualizao anual daspenses do sistema previdencial e do regime de proteo social convergente.

    No que se refere ao primeiro grupo de normas, o alcance prescritivo das mesmas s determinvel no quadro do regime da contribuio de sustentabilidade no seu conjunto(artigos 1. a 5. do Decreto n. 262/XII). Porque assim , comeamos pela caracterizaodo regime normativo da contribuio de sustentabilidade (cfr., infra 8 a 13), de seguida,procedemos anlise do segundo grupo de normas, as quais se referem medida relativa reviso da forma de atualizao anual das penses do sistema previdencial e do regime deproteo social convergente (cfr., infra 13 a 15) e, uma vez examinadas, em separado, as

    normas relativas a cada uma das medidas, passaremos ao enquadramento de cadauma delas no regime institudo pelo Decreto n. 262/XII (cfr., infra 16-17).

    A medida que estabelece a contribuio de sustentabilidade

    8. Atravs da norma constante do artigo 1. do Decreto n. 262/XII criada a contribuiode sustentabilidade e o primeiro aspeto a dilucidar a delimitao do respetivo mbito deaplicao.

    Nos termos do disposto nos n.s 1 e 2 do artigo 2., a contribuio de sustentabilidade incidesobre todas as penses pagas por um sistema pblico de proteo social a um nico titular

    independentemente do fundamento subjacente sua concesso, entendendo-se como tal,para alm das penses pagas ao abrigo dos diferentes regimes pblicos de proteosocial, todas as prestaes pecunirias vitalcias devidas a pensionistas, aposentadosou reformados no mbito de regimes complementares, independentemente da suadesignao, nomeadamente, penses, subvenes, subsdios, rendas, seguros, bemcomo as prestaes vitalcias devidas por fora de cessao de atividade.

    Nos termos do disposto no n. 2 do artigo 4., para a determinao do valor da pensomensal, considera-se o somatrio das penses pagas a um nico titular pelas entidadesreferidas no n. 2 do artigo 2., ou seja, o Centro Nacional de Penses do Instituto daSegurana Social, I.P., no quadro do sistema previdencial da Segurana Social, a

    Caixa Geral de Aposentaes, I.P., e a Caixa de Previdncia dos Advogados eSolicitadores.

    Do teor dos n.s 1 e 2 do artigo 2. decorre que so abrangidas penses pagas por umsistema pblico de proteo social, ou seja:

    a) penses do sistema previdencial, o qual, nos termos do disposto no artigo 53. da Lei n. 4/2007, de16 de janeiro (alterada pela Lei n. 83-A/2013, de 30 de dezembro), que aprova as bases gerais do sistemade segurana social, abrange o regime geral de segurana social aplicvel generalidade dos trabalhadores

    por conta de outrem e aos trabalhadores independentes, os regimes especiais, bem como os regimes deinscrio facultativa abrangidos pelo n. 2 do artigo 51. desse diploma legal;

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    b) penses do regime de proteo social convergente (Lei n. 4/2009, de 29 de janeiro, alterada pela Lein. 10/2009, de 10 de maro);

    c) penses do regime pblico de capitalizao do sistema complementar (artigo 82. da Lei n. 4/2007,de 16 de janeiro, e Decreto-Lei n. 26/2008, de 22 de fevereiro);

    d) penses do regime da Caixa de Previdncia dos Advogados e Solicitadores (CPAS) (Regulamento daCaixa de Previdncia dos Advogados e Solicitadores, aprovado pela Portaria n. 487/83, de 27 de abril, ealterado pelas Portarias n.s 623/88, de 8 de setembro, e 884/94, de 1 de outubro, e pelo Despacho n.22.665/2007, de 7 de setembro de 2007, dos Ministros da Justia e do Trabalho e da Solidariedade Social,publicado no Dirio da Repblica, 2. Srie, n. 188, de 28 de setembro de 2007).

    9. Atendendo amplitude da formulao do n. 1 do artigo 2., bem como do corpo do n. 2desse mesmo preceito, poder-se-ia questionar se seriam ainda abrangidas penses dosubsistema de solidariedade do sistema de proteo social de cidadania da segurana social, o

    qual, nos termos do disposto no artigo 39. da Lei n. 4/2007, de 16 de janeiro, abrange oregime no contributivo, o regime especial de segurana social das atividades agrcolas e osregimes transitrios ou outros formalmente equiparados a no contributivos.

    Porm, tendo em conta o inciso final da alnea a) do n. 2 do artigo 2. ([] no quadro dosistema previdencial da segurana social), pode concluir-se que, no que respeita ao sistemade segurana social, apenas so abrangidas penses do sistema previdencial. Essainterpretao ainda confirmada pelo teor da Exposio de Motivos que acompanhou aProposta de Lei n. 236/XII, na parte em que caracteriza o sistema pblico de pensesportugus como sendo composto [] pelo sistema previdencial e pelo regime de proteosocial convergente, abrangendo ainda o regime gerido pela Caixa de Previdncia dos

    Advogados e Solicitadores (DAR II, Srie-A n. 130/XII/3, de 16 de junho de 2014, pg.37). Embora se trate de uma caracterizao imprecisa, ela deixa claro que se novisou incluir no mbito da contribuio de sustentabilidade penses do subsistemade solidariedade do sistema de proteo social de cidadania da segurana social.

    10. Com esta preciso, apenas ficam includas no mbito aplicativo da norma do artigo 2.prestaes processadas e postas a pagamento por trs entidades pblicas (aquiincluindo, dada a sua natureza de pessoa coletiva de direito pblico, a Caixa dePrevidncia dos Advogados e Solicitadores). Desde logo, esto excludas prestaesprocessadas e postas a pagamento por quaisquer outras entidades pblicas. Alm disso,esto ainda excludas prestaes pagas por pessoas coletivas de direito privado ou

    cooperativo, como so os casos, por exemplo, das instituies de crdito, atravs dosrespetivos fundos de penses, ou das companhias de seguros e entidades gestoras defundos de penses. Tal significa que, na medida em que, alm das prestaes acargo do designado primeiro pilar, engloba apenas prestaes do regime pblico decapitalizao, a medida de contribuio de sustentabilidade no abrange de formaintegral o designado segundo pilar do sistema de segurana social, nomeadamenteas prestaes associadas a planos de penses criados por regimes previdenciais denatureza complementar de iniciativa empresarial ou coletiva (cfr. artigos 81., n. 1, e83. da Lei n. 4/2007, de 16 de janeiro).

    11. Em ordem a delimitar rigorosamente o mbito de aplicao da contribuio de

    sustentabilidade, importa ainda conjugar o disposto no artigo 2. com o disposto no artigo

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    3. do Decreto n. 262/XII, o qual vem afastar do mbito de aplicao da medida certasprestaes que, de outro modo, seriam abrangidas pelo disposto no artigo 2..

    Nos termos desse artigo 3., ficam excludas as seguintes prestaes:

    a) Indemnizaes compensatrias correspondentes atribudas aos deficientes militares,abrangidos pelo Decreto-Lei n. 43/76, de 20 de janeiro, alterado pelos Decretos-Leis n.s93/83, de 17 de fevereiro, 203/87, de 16 de maio, 224/90, de 10 de julho, 183/91, de 17 demaio, e 259/93, de 22 de julho, e pelas Leis n.s 46/99, de 16 de junho, e 26/2009, de 18 dejunho, pelo Decreto-Lei n. 314/90, de 13 de outubro, alterado pelos Decretos-Leis n.s146/92, de 21 de julho, e 248/98, de 11 de agosto, e pelo Decreto-Lei n. 250/99, de 7 dejulho;

    b) Penses indemnizatrias auferidas pelos deficientes militares ao abrigo do Estatuto daAposentao, aprovado pelo Decreto-Lei n. 498/72, de 9 de dezembro;

    c) Penses de preo de sangue auferidas ao abrigo do Decreto-Lei n. 466/99, de 6 denovembro, alterado pelo Decreto-Lei n. 161/2001, de 22 de maio;

    d) Penses dos deficientes militares transmitidas ao cnjuge sobrevivo ou membrosobrevivo de unio de facto, que seguem o regime das penses de sobrevivncia auferidas aoabrigo do artigo 8. do Decreto-Lei n. 240/98, de 7 de agosto;

    e) Rendas vitalcias, resgates e transferncias pagas no mbito do Decreto-Lei n. 26/2008,de 22 de fevereiro;

    f) Penses relativas a grupos fechados de beneficirios cujos encargos so suportados

    atravs de provises transferidas para os sistemas pblicos de penses, bem como aspenses e subvenes automaticamente atualizadas por indexao remunerao detrabalhadores no ativo.

    12. sobre o valor das penses mensais definidas no artigo 2. do Decreto n. 262/XII, coma delimitao j efetuada, que vai incidir a contribuio de sustentabilidade (artigo 4., n. 1,do Decreto n. 262/XII), sendo que, para a determinao do valor da penso mensal,considera-se o somatrio das penses pagas a um nico titular pelas entidadesreferidas no n. 2 do artigo 2.(artigo 4., n. 2, do Decreto n. 262/XII).

    A taxa efetiva de 2% para penses at 2000; de 2% a 3,5% para penses entre

    2000 e 3500 (2% sobre o valor de 2000 e 5,5% sobre o remanescente at 3 500), ede 3,5% para penses acima de 3500.

    Desde logo, importa observar que, conjugando o teor da alnea a) do n. 3 do artigo 4.,segundo o qual se encontram sujeitas a uma taxa de 2% a totalidade das penses de valormensal at 2 000, com o disposto no n. 4 desse preceito, no claro como seoperacionaliza tecnicamente a clusula de salvaguarda, nos termos da qual segarante que da aplicao da contribuio de sustentabilidade o beneficirio queaufira uma penso superior a 1000 no v a sua penso ser reduzida para baixodesse limiar. Faz-se referncia atribuio de um diferencial compensatrio (artigo4., n. 4, alnea a)) ou de um complemento social (artigo 4., n. 4, alnea b)), no

    estando, no entanto, esses instrumentos normativamente caracterizados nem noDecreto n. 262/XII nem por remisso para outros diplomas legais. No obstante a

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    referida indeterminao sobre o modus operandi da clusula de salvaguarda, tal no obsta aque se retire do regime legal a fixao de um limiar mnimo inultrapassvel, porreferncia ao montante de 1000, por efeito da aplicao da contribuio desustentabilidade.

    O que parece certo que se est perante uma clusula de salvaguarda e no peranteum limiar mnimo de iseno ou, na terminologia da Exposio de Motivos queacompanhou a Proposta de Lei n. 236/XII, um patamar de iseno. E isso poderexplicar-se por estar em causa uma taxa que, de acordo com o regime estabelecidono artigo 4., incide sobre o valor total das penses auferidas, e no apenas sobre omontante da penso que exceda o valor de 1000.

    Independentemente desse aspeto, e recapitulando, a taxa efetiva de 2% para penses at 2000; de 2% a 3,5% para penses entre 2000 e 3500 (2% sobre o valor de 2000 e 5,5 %sobre o remanescente at 3 500), e de 3,5% para penses acima de 3500. Tal significa queo escalo superior de 3500, a partir do qual se aplica uma taxa fixa de 3,5%. A este

    respeito, importa considerar que, segundo a Exposio de Motivos queacompanhou a Proposta de Lei n. 236/XII, cumulativamente contribuio desustentabilidade, prev-se que s penses superiores a 3500 venham ainda a seraplicadas contribuies de 15% sobre o montante que exceda 11 vezes o valor doindexante aos apoios sociais (IAS) mas que no ultrapasse 17 vezes aquele valor, e de40% sobre o montante que ultrapasse 17 vezes o valor do IAS. Trata-se, porm, deuma sobretaxa que, eventualmente, ser regulada em diploma autnomo e que,supostamente, apenas vigorar integralmente em 2015, uma vez que se prope areduo das referidas taxas em 50% no ano de 2016 e a sua extino no ano de 2017.

    Ainda sobre os limites, inferior e superior, da penso sobre os quais incide a contribuio

    de sustentabilidade, bem como sobre o grau de progressividadeda taxa efetiva aplicvel,importa fazer uma ltima observao.

    Na apresentao da Proposta de Lei n. 236/XII que est na origem do Decreto n.262/XII, a Ministra de Estado e das Finanas afirmou que [...] cerca de 95% dospensionistas da segurana social ficam isentos e, no conjunto dos sistemas, ficam totalmenteisentos de qualquer contribuio mais de 87% dos pensionistas (DAR, I Srie n.101/XII/3, de 27 de junho de 2014, pg. 36).

    De acordo com o Parecer Tcnico n. 2/2014 sobre o Documento de EstratgiaOramental: 2014-2018, emitido em 21 de maio de 2014, pela Unidade Tcnica de Apoio

    Oramental da Assembleia da Repblica, [o] impacto decorrente da substituio da CESpela Contribuio de Sustentabilidade positivo para todos os pensionistas, sendo aspenses mensais entre 3750 e 4611,42 as mais beneficiadas em termos relativos.Quando comparada com a CES, a contribuio de sustentabilidade tem subjacente umdesagravamento da taxa efetiva para todas as penses [] sobre as quais incide. Odesagravamento das taxas efetivas superior para as penses situadas no intervaloentre 3750 e 4611,42 (11 vezes o valor do Indexante de Apoios Sociais), e que decorre dadiminuio da taxa efetiva de 10% para 3,5%,o que representa uma reduo de 65% nomontante de contribuio paga pelo CES []. Relativamente s penses brutas entre 1000e 1800, a reduo do montante de 42,9% (e resulta da passagem de uma taxa de 3,5 para2,0%).

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    Mesmo no se tratando aqui ainda da apreciao da constitucionalidade da medida (cfr.,infra, Parte C.), importa desde j observar que, sem prejuzo de, no plano da polticalegislativa, ser legtimo que se apresente o impacto da medida ora em apreciao porreferncia a e em comparao com outras medidas com as quais, porventura, a primeiraapresente afinidades, a verdade que, no plano do Direito, a afetao de posies

    jurdicas subjetivas pela medida da contribuio de sustentabilidade correspondendo ao impacto da medida s pode aferir-se atendendo ao contedodas posies jurdicas afetadas.

    No tem assim cabimento a considerao segundo a qual as pessoas afetadas pelacontribuio de sustentabilidade ficam todas numa situao melhor do que aquelaem que se encontravam na vigncia da chamada contribuio extraordinria desolidariedade (CES). que a CES, dado o seu carter transitrio o que, entreoutros aspetos, implicava a necessidade da sua renovao em cada lei oramental jamais produziu qualquer efeito jurdico modelador do contedo das posiesjurdicas subjetivas relativas a prestaes do sistema pblico de segurana social

    sobre as quais incidia. O contedo dessas posies jurdicas manteve-se, pois, nostermos da prpria lei, inalterado.

    Face ao que foi dito, no plano estritamente jurdico, inequvoco que a contribuiode sustentabilidade vem afetar negativamente, com carter duradouro, posiesjurdicas de que so titulares os atuais beneficirios do sistema pblico de seguranasocial.

    Com efeito, conforme decorre do mbito de aplicao da medida e dos demais aspetos doseu regime jurdico, estamos perante uma deciso, com carter duradouro, de reduoda despesa com prestaes sociais penses e equivalente a cargo de

    determinadas entidades pblicas que integram o sistema pblico de penses.

    No obstante o nomen juris contribuio poder sugerir que se estaria peranteuma medida do lado da receita, o que se verifica que, em rigor, a mesmaconsubstancia uma reduo do valor nominal da penso. Tal qualificao decorre, almdo mbito de aplicao da medida, do prprio regime relativo ao modo de processamentoda aplicao da taxa penso e da sua afetao, porquanto opera atravs da deduoao valor da penso do montante devido a ttulo de contribuio de sustentabilidade,determinado por aplicao da taxa sobre aquela, competindo respetiva entidade

    processadora efetuar essa operao (cfr. n.s 1 e 2 do artigo 5. do Decreto n.262/XII).

    Assim, de rejeitar a interpretao defendida pelo Governo (pg. 49 da NotaTcnica), segundo a qual [a] medida da Contribuio de Sustentabilidade assumea natureza de uma contribuio para a segurana social, nos mesmos termos em queesta noo foi aplicada e desenvolvida pelo TC tanto no Acrdo n. 187/2013 comono Acrdo n. 862/2013 relativamente Contribuio Extraordinria deSolidariedade (CES), tal como configurada na Lei do Oramento do Estado para2013. Trata-se de uma contribuio exigida aos atuais beneficirios das penses a

    pagamento, o que coerente com a permisso geral de o financiamento dos sistemaspblicos poder ser feito tambm atravs da participao dos prprios titulares (cfr.Acrdo n. 187/2013).

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    certo que no Acrdo n. 187/2013, embora considerando que a incidncia, em geral, deuma obrigao contributiva sobre os prprios beneficirios ativos representaria umdesvio ao funcionamento do sistema na medida em que introduz uma novamodalidade de financiamento da segurana social que abarca os prpriosbeneficirios das prestaes sociais, pondo em causa, de algum modo, o princpio da

    contributividade(artigo 54. da Lei n. 4/2007, de 16 de janeiro)o Tribunal no deixoude entender que a circunstncia de o sistema previdencial assentarfundamentalmente no autofinanciamento, atravs das quotizaes dos trabalhadorese das contribuies das entidades empregadoras, no obstaria a que se pudesserecorrer a outras fontes de financiamento, incluindo outras receitas fiscaislegalmente previstas, como decorre do artigo 92. da Lei n. 4/2007.

    Simplesmente, nesse aresto estava em causa uma medida que, alm de incidir sobreprestaes relativas ao sistema pblico de penses, incidiaglobalmente sobre prestaes

    privadas de proteo social, exteriores ao sistema pblico de segurana social, sendoesse aspeto do regime, relativo ao mbito de aplicao da medida, determinante para

    o entendimento segundo o qual se no estava a perante uma simples reduo dovalor da penso.

    Ora, no que respeita medida de contribuio de sustentabilidade, como j se disse,relevantes aspetos do seu regime jurdico, como sejam o seu mbito de aplicao(determinadas entidades pblicas que integram o sistema pblico de penses) ou omodo de processamento da aplicao da taxa penso e da sua afetao (deduodo montante devido a ttulo de contribuio de sustentabilidade) sugerem que seest antes perante uma verdadeira reduo do valor da penso.

    Alm disso, e fundamentalmente, no sustentvel o entendimento segundo o qual se est

    perante uma medida que consubstancia o recurso a uma outra fonte de financiamento dosistema da segurana social, porquanto inexiste qualquer transferncia de meios de forapara dentro do sistema pblico de penses. Do que se trata deuma medida internaao sistema pblico de penses que, cortando na despesa, visa repor o equilbrio dosaldo de cada regime por ela abrangido.

    A medida relativa reviso da forma de atualizao anual das penses do sistema

    previdencial e do regime de proteo social convergente

    13. Integram ainda o objeto do pedido de fiscalizao de constitucionalidade as normasconstantes dos n.s 1 a 4 do artigo 6..

    A norma constante do n. 1 desse preceito legal determina que o Governo em articulaocom os parceiros sociais deve proceder reviso da forma de atualizao anual das pensesdo sistema previdencial e do regime de proteo social convergente, tendo por baseindicadores de natureza econmica, demogrfica e de financiamento das penses do sistemaprevidencial e do regime de proteo social convergente, indicadores esses que, a ttuloexemplificativo, vm enunciados nas alneas a) a e) dessa mesma disposio e que so os

    seguintes: o crescimento real do produto interno bruto; a variao mdia anual do ndicede preos no consumidor, sem habitao; a evoluo da populao em idade ativa e dos

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    beneficirios; a evoluo da populao idosa e dos reformados e pensionistas e, porltimo, outros fatores que contribuam para a sustentabilidade dos sistemas pblicos depenses.

    A norma constante do n. 2 do artigo 6. estabelece uma salvaguarda no sentido de

    assegurar que da aplicao das regras de atualizao anual das penses no poderesultar uma reduo do valor nominal das penses.

    No n. 3 prev-se que a atualizao das penses seja feita na base de uma espcie de contacorrente, nos termos da qual, conforme j decorre do n. 2 desse preceito legal, embora daaplicao das regras de atualizao anual das penses no possa resultar uma reduo do

    valor nominal das penses, a evoluo negativa da penso verificada no ano n descontada de uma eventual atualizao positiva que venha a ocorrer no ano n+1.

    Por ltimo, o n. 4 vem esclarecer que as penses mnimas e as penses e outras prestaesdo subsistema de solidariedade e do regime de proteo social convergente de natureza no

    contributiva podem ficar sujeitas a outras regras de atualizao que garantam adequadosmeios de subsistncia.

    14. Relativamente a esta medida coloca-se, no entanto, uma questo prvia relativa prpria apreciao da conformidade constitucional.

    Independentemente da questo de saber se a medida se encontra diretamenteassociada contribuio de sustentabilidade ou constitui um mecanismo autnomode carter geral atinente atualizao de penses, o certo que o pedido no suficientemente explcito quanto s razes por que se justifica a apreciao da suaconformidade constitucional em fiscalizao preventiva.

    O pedido considera que as normas em causaincluindo as faladas disposies do artigo 6. -so suscetveis de violar princpios e normas constitucionais como o princpio da igualdade,previsto no artigo 13. da Constituio e o princpio da proteo da confiana, nsito aoprincpio do Estado de direito constante do artigo 2. da Constituio, tal como resulta dainterpretao que destes princpios vem sendo feita pela jurisprudncia do TribunalConstitucional, em especial nos Acrdos n.s 353/2012, 187/2013, 862/2013 e413/2014.

    Parece assim admitir que se possam suscitar dvidas de constitucionalidade, com base naanterior jurisprudncia do Tribunal, tambm quanto matria da atualizao das penses.

    Porm, nenhum desses arestos, que se pronunciaram sobre redues remuneratrias ouainda sobre a contribuio extraordinria de solidariedade consignadas nas leis do oramentode Estado para 2012, 2013 e 2014, ou, no caso do acrdo n. 862/13, sobre um mecanismode convergncia de penses, abordou concomitantemente qualquer questo referente atualizao de penses ou aplicou nessa perspetiva os princpios da igualdade e da

    proteo da confiana.

    Neste condicionalismo, o Tribunal no dispe de elementos que lhe permitam, comsegurana, caracterizar os fundamentos do pedido, pelo que, nesta parte, dele no

    pode tomar conhecimento.

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    Enquadramento da contribuio de sustentabilidade no regime institudo peloDecreto n. 262/XII

    15. Nos antecedentes pontos ocupmo-nos da caracterizao do regime normativo dacontribuio de sustentabilidade, no pressuposto segundo o qual o sentido das normas

    objeto de fiscalizao s determinvel no mbito do regime da contribuio desustentabilidade no seu conjunto(artigos 1. a 5. do Decreto n. 262/XII).

    Importa agora proceder ao enquadramento dessa medida no regime institudo pelo Decreton. 262/XII.

    Nos termos da Exposio de Motivos que acompanhou a Proposta de Lei n. 236/XII queest na origem do Decreto n. 262/XII, a proposta de lei, alm de enquadrada pelaimportncia da disciplina oramental, dirige-se em concreto proposta de umasoluo para o desafio mais importante que se coloca ao sistema pblico desegurana social o da sua sustentabilidade mormente no que diz respeito aos

    regimes de penses.

    Dessa exposio de motivos resulta ainda que a contribuio de sustentabilidade umamedida que deve ser perspetivada em conjunto com outras medidas estruturais, noquadro de uma reforma com vista a garantir, em observncia da equidade intra eintergeracional, a sustentabilidade do sistema pblico de penses.

    Seria expresso dessa intencionalidade o facto de, juntamente com a contribuio desustentabilidade, o Decreto n. 262/XII, estender, atravs das alteraes marginais contribuio do trabalhador para os sistemas de previdncia social (artigos 7. e 8.) e taxa normal do Imposto sobre o Valor Acrescentado (artigos 10. e 11.), aos

    trabalhadores no ativo e sociedade em geral o esforo exigido com vista a garantir asustentabilidade do sistema pblico de penses, o que poderia ser entendido comouma preocupao de assegurar a equidade intra e intergeracional, indo assim aoencontro das exigncias que, em matria de reforma do sistema pblico de penses,decorrem do acrdo do Tribunal Constitucional n. 862/2013.

    Deste modo, a razo de ser do regime institudo pelo Decreto n. 262/XII parece ser o deassegurar que o esforo de contribuio para a sustentabilidade do sistema pblico desegurana social seja repartido de um modo equilibrado por todos os portugueses . A

    par dos atuais beneficirios do sistema, a quem exigida uma parte desse esforoatravs da contribuio de sustentabilidade, so tambm chamados a contribuir os

    futuros beneficirios do sistema, atravs do aumento das contribuies dostrabalhadores para os sistemas de previdncia social, bem como a sociedade emgeral, atravs do aumento da taxa normal do IVA.

    Nesse sentido depe o facto de tanto a receita da contribuio de sustentabilidade,como a receita do aumento da taxa contributiva, como a receita proveniente doaumento da taxa normal do IVA serem, respetivamente, afetadas, imputadas ouconsignadas ao sistema pblico de penses (cfr. artigos 5., 9. e 12. do Decreto n.262/XII).

    16. Como foi referido, nos termos da mesma Exposio de Motivos, alm de

    concretamente dirigido a assegurar a sustentabilidade do sistema pblico de segurana socialmormente no que diz respeito ao regime pblico de penses, o regime institudo por este

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    Em certas situaes, a margem de conformao do legislador ser necessariamente menor. o que se verifica com a norma do n. 4 do artigo 63., que garante o princpio conhecidocomo princpio da totalizao que impe a contagem de todo tempo de trabalhorealizado para o clculo do montante das prestaes: todo o tempo de trabalho contribui,nos termos da lei, para o clculo das penses de velhice e invalidez, independentemente do

    setor de atividade em que tiver sido prestado.

    Todavia, tem sido afirmado que desse princpio no decorre que o legislador ordinrio estejaconstitucionalmente vinculado a garantir ao pensionista uma penso rigorosamentecorrespondente ao das remuneraes registadas durante o perodo contributivo, no sepodendo falar num princpio da equivalncia entre contribuies e montantes daprestao, j que o sistema previdencial assenta em mecanismos de repartio e no decapitalizao (cfr. Acrdo n. 99/99). No mesmo sentido, afirmou-se num outro acrdoque a Constituio da Repblica Portuguesa no consagra em qualquer das suas normas ouprincpios a exigncia de que se tenha em considerao, como critrio para o clculo domontante das penses de reforma, o montante da retribuio efetivamente auferida pelo

    trabalhador no ativo. Pode e, numa certa perspetiva, haver mesmo que distinguir-seentre a necessria considerao de todo o tempo de trabalho e uma (inexistente) imposiode utilizao, como critrio de clculo do valor da penso, do montante dos rendimentosrealmente auferidos (cfr. Acrdo n. 675/2005).

    18. Neste condicionalismo, o legislador possui margem de manobra para delinear ocontedo concreto ou final do direito penso, respeitados os limites constitucionais

    pertinentes. Assim, afirmar o reconhecimento, autnoma e imediatamentedecorrente do texto constitucional, do direito penso, no significa que se possaafirmar o direito a uma determinada penso. O direito a uma determinada penso sadquire contedo preciso atravs da legislao ordinria. Pelo que a sua

    vinculatividade jurdica uma criao infraconstitucional. Apenas a partir domomento em que o legislador ordinrio fixa, com elevado grau de preciso e de certeza,o contedo do direito exigvel do Estado, o direito penso adquire na ordem jurdica umgrau pleno de definitividade e densidade (cfr. JORGE REIS NOVAIS, DireitosSociais, teoria jurdica dos direitos sociais enquanto direitos fundamentais, Coimbra Editora,2010, pg. 148).

    Alguns autores defendem que, a partir do momento que seja levada a cabo aconcretizao legislativa do direito, ela passar a integrar a norma de direitofundamental, correspondendo a faculdades, pretenses ou direitos particularesintegrveis no direito fundamental como um todo. No obstante, isso no significa

    uma absoluta intangibilidade do direito penso, mas sim que o referido direitopassa a beneficiar da proteo especfica correspondente, nomeadamente dosprincpios estruturantes do Estado de Direito, como a proteo da confiana ou daproporcionalidade, apenas podendo ser suprimidos ou diminudos com observnciadesses mesmos princpios.

    O direito penso est, alis, particularmente dependente das disponibilidadesfinanceiras do Estado, sendo, nesse sentido, mais permevel presso daconjuntura, sobretudo, nos perodos mais crticos de dificuldades econmicas.Essaespecial vulnerabilidade justifica-se no apenas com o facto de o direito penso alocarrecursos financeiros imediatos, mas tambm devido prpria estrutura do direito. O direito

    penso tem na sua formao uma estrutura temporal de mdia e longa durao, pelo

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    que, durante a vida da prestao, os contextos socio-econmicos que enquadram aatividade legislativa podem alterar-se radicalmente.

    Por outro lado, para alm da sua durao prolongada, as penses so aindaparticularmente dependentes dessa reserva do possvel, pelo simples facto da sua

    insero no sistema solidrio de prestao do contrato geracional. Ora, num sistemaprevidencial de repartio, os beneficirios no podem ignorar os riscos envolvidos,com a possibilidade de alterao dos direitos em formao , no se podendo defenderque se reconhece, sem excees, um princpio da intangibilidade no que toca aoquantum das penses(JOO CARLOS LOUREIRO, Adeus ao Estado Social?, CoimbraEditora, 2010, pgs. 166, 170 e 379). E quanto aos direitos j consolidados, no Acrdon. 187/2013 considerou-se o seguinte: o reconhecimento do direito penso e atutela especfica de que ele goza no afastam, partida, a possibilidade de reduodo montante concreto da penso. O que est constitucionalmente garantido odireito penso, no o direito a um certo montante, a ttulo de penso.

    No entanto, importa reafirmar que o legislador, na conformao que faz, em cada momentohistrico, do direito penso est juridicamente vinculado pelas normas e princpiosconstitucionais. Assim, apesar de um inequvoco reconhecimento de que o legislador

    possui liberdade para alterar as condies e requisitos de fruio e clculo daspenses, mesmo em sentido mais exigente, ele tem de respeitar vrios limitesconstitucionalmente impostos, nomeadamente os que derivam do princpio doEstado de Direito. Deste modo, as alteraes que o legislador pretenda levar a cabotm de se fundar em motivos justificados designadamente a sustentabilidadefinanceira do sistema , no podendo afetar o mnimo social, os princpios daigualdade e da dignidade da pessoa humana, e da proteo da confiana.

    19. O Estado portugus cumpriu a incumbncia que lhe foi atribuda pelo artigo 63. daCRP definindo um sistema de segurana social que inclui, enquanto uma da suascomponentes, o sistema previdencial. De acordo com a Lei de Bases da Segurana Social(Lei n. 4/2007, de 16 de janeiro) este sistema visa garantir prestaes pecuniriassubstitutivas do rendimento do trabalho perdido em consequncia de certaseventualidades, nas quais se inclui, entre outras, a invalidez, a doena e a velhice (artigos50. e 51. da Lei de Bases). O sistema estruturado em torno de alguns princpiosfundamentais, princpios esses que so a expresso da livre escolha que o legislador ordinriofez, na sua necessria tarefa de concretizar o programa aberto do artigo 63. da CRP.

    Assim, entre ns, o direito penso adquire-se, de acordo com o princpio da

    contributividade (artigo 54. da Lei de Bases), mediante o cumprimento, por parte do seutitular e de outras entidades, de certas e determinadas obrigaes (artigos 55. a 57. damesma lei), que sendo devidas ao longo do tempo, so o pressuposto necessrio daformao, tambm ao longo do tempo, do direito a vir a perceber, terminada a vida ativa, aprestao pecuniria substitutiva do rendimento do trabalho. Tal o resultado de umaoutra opo do legislador, expressa num outro princpio estruturante do sistema, desta vezrelativo ao seu prprio modo de financiamento: na verdade, e de acordo com o disposto noartigo 90. da Lei de Bases, as prestaes substitutivas dos rendimentos do trabalho devemser financiadas por quotizaes dos trabalhadores e por contribuies das entidadesempregadoras. Finalmente, cumpridos estes requisitos, que so portanto o pressupostocausal do direito a perceber a prestao correspondente penso, a partir do certo perodo

    de tempo que definido em outros lugares do sistema - o montante da prestao a que setem direito corresponde a um quantum que, alm de ser definido (princpio do benefcio

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    retrocesso social est limitada pelo princpio da alternncia democrtica e operaapenas quando a alterao redutora do contedo do direito social afete a garantia darealizao do contedo mnimo imperativo do preceito constitucional ou implique,

    pelo arbtrio ou desrazoabilidade manifesta do retrocesso, a violao da proteoda confiana (cfr. Acrdos n.s 509/2002 e 188/2009).

    21. Contudo, tal no significa que o poder de autorrevisibilidade das leis seja umpoder ilimitado. O exerccio do poder de autorrevisibilidade, embora assente num princpioque matricial para a conformao da ordem constitucional portuguesa o que determinaque essa ordem se funda antes do mais nos procedimentos que so prprios de umademocracia pluralista h de conhecer limites, e esses decorrero da necessriacoexistncia entre o princpio do pluralismo democrtico e outros princpiosconstitucionais.

    O Estado de direito um estado de segurana jurdica. E a segurana exige que oscidados saibam com o que podem contar, sobretudo nas suas relaes com os

    poderes pblicos.Saber com o que se pode contar em relao aos atos da funo legislativado Estado coisa incerta ou vaga, precisamente porque o que conatural a essa funo apossibilidade, que detm o legislador, de rever ou alterar, de acordo com as diferentesexigncias histricas, opes outrora tomadas. Contudo, a possibilidade de alteraodessas opes, se irrestrita (uma vez cumpridas as demais normas constitucionaisque sejam aplicveis) quando as novas solues legislativas so pensadas para valerapenas para o futuro, no pode deixar de ter limites sempre que o legisladordecide que os efeitos das suas escolhas ho de ter, por alguma forma,certa repercusso sobre o passado.

    A Constituio no probe, em geral, que as novas escolhas legislativas tomadaspelo legislador ordinrio no quadro da sua estrutural habilitao para rever opesantes tomadas por outros legisladores histricos faam repercutir os seus efeitossobre o passado.Mas, para alm disso, no probe nem pode proibir genericamenteque o legislador recorra a uma tcnica de modelao da repercusso dos efeitosdas suas escolhas em face da variabilidade dos graus de intensidade de que ela poderevestir.Na verdade, a repercusso sobre o passado [das novas escolhas legislativas] podeassumir uma intensidade forte ou mxima, sempre que a lei nova faa repercutir os seusefeitos sobre factos pretritos, praticados ao abrigo de lei anterior, redefinindo assim a suadisciplina jurdica. Mas pode tambm assumir uma intensidade fraca, mnima ou degrau intermdio, sempre que a lei nova, pretendendo embora valer sobre o futuro,redefina a disciplina de relaes jurdicas constitudas ao abrigo de um (diverso)Direito anterior. Neste ltimo caso, designa-se este especial grau de repercusso dosefeitos das novas decises legislativas como sendo de retroatividade fraca,imprpria ou inautntica, ou ainda, mais simplesmente, de retrospetividade .Como quer que seja, e no sendo o recurso por parte do legislador a qualquer uma destasformas de retroao da eficcia dos seus atos genericamente proibida pela Constituio , aconvocao legislativa de qualquer uma destas tcnicas no deixa de colocar

    problemas constitucionais, face justamente ao imperativo de segurana jurdica quedecorre do princpio do Estado de direito.

    , com efeito, evidente que a repercusso sobre o passado das novas escolhas legislativas,qualquer que seja a forma ou o grau de que se revista, diminui ou fragiliza a faculdade,que os cidados de um Estado de direito devem ter, de poder saber com o quecontam, nas relaes que estabelecem com os rgos de poder estadual.Precisamente

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    por isso, a Constituio proibiu expressamente o recurso, por parte do legislador, retroatividade forte, sempre que a medida legislativa que a ela recorre implicarintervenes gravosas na liberdade e (ou) no patrimnio das pessoas, assimsucedendo quando estejam em causa restries a direitos, liberdades e garantias(artigo 18., n. 3), a definio de comportamentos criminalmente punveis (artigo

    29., n. 1), ou a criao de impostos ou definio dos seus elementos essenciais(artigo 103., n. 3). A razo pela qual a Constituio exclui a possibilidade de existncia deleis retroativas nesses casos reside precisamente na intensidade da condio deinsegurana pessoal que do contrrio resultaria no quadro de um Estado de direitodemocrtico como aquele que o artigo 2. institui.

    Dito isto, resta concluir que o facto de no haver uma proibio constitucional explcitade, noutros casos, se recorrer s formas graduais e muito variveis de retroatividadeprpria ou imprpria no significa que o recurso a qualquer uma destas formasesteja sempre e em qualquer circunstncia disposio do legislador ordinrio . Oprincpio segundo o qual o poder legislativo est genericamente habilitado pela Constituio

    a atribuir s suas decises, por diferentes formas e em diferentes graus, eficcia para opassado, conhece limites. E estes decorrem da necessria convivncia entre este princpio eo princpio do Estado de direito, na sua dimenso de segurana jurdica.

    22. O mtodo a adotar na resoluo deste especfico problema constitucional, decorrente danecessria conciliao entre oprincpio democrtico, que sustenta a autorrevisibilidade dasleis, e o princpio do Estado de direito, que sustenta os limites impostos a estaautorrevisibilidade por exigncias de segurana jurdica, foi explicitado pelo TribunalConstitucional no Acrdo n. 287/90. A se disse que, especialmente nos casos emque o problema se apresenta com contornos mais delicados e que so aqueles emque ocorre a chamada retroatividade imprpria ou inautntica, tambm designada

    como retrospetividade, nos quais a norma jurdica nova, conquanto pretenda terefeitos s para o futuro, incide sobre relaes jurdicas j existentes, constitudas aoabrigo de Direito anterior haveria que ponderar.E que a ponderao deveria serfeita entre o peso a dar confiana e boa-f dos cidados, que legitimamentecontavam ou esperavam a manuteno da disciplina jurdica ao abrigo da qual a suasituao, perante o Direito, fora anteriormente definida, e o peso a dar s razes

    pelas quais as alteraes legislativas vinham afetar as suas expectativas legtimas.Mais se concluiu que o resultado da ponderao s poderia ser favorvel a estasltimas expectativas, reconhecendo-lhes uma superior consistncia ou um maior

    peso relativamente ao segundo ndice a ponderar, naqueles casos em que a suaafetao se mostrasse inadmissvel, arbitrria ou demasiado onerosa. O significado

    dado a estes ltimos termos foi tambm explicitado:Em que se traduz esta inadmissibilidade, arbitrariedade ou onerosidade excessiva.

    A ideia geral de inadmissibilidade poder ser aferida, nomeadamente, pelos dois seguintes critrios:

    a) afetao de expectativas, em sentido desfavorvel, ser inadmissvel, quando constitua umamudana da ordem jurdica com que, razoavelmente, os destinatrios das normas delaconstantes no possam contar; e ainda

    b) quando no for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interessesconstitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ai

    princpio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propsito dos direitos, liberdades egarantias, no n 2 do artigo 18. da Constituio, desde a 1 reviso.

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    Posteriormente, o Acrdo n. 128/2009, e depois dele, entre outros, os Acrdos n.s188/2009, 187/2013 e 862/2013, vieram desenvolver um modelo de testes. De acordocom este modelo, para que haja lugar tutela jurdico-constitucional da confiana necessrio, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetadocomportamentos capazes de gerarem nos privados expectativas de continuidade;

    depois, devem tais expectativas ser legtimas, justificadas e fundadas em boasrazes; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em contaa perspetiva de continuidade do comportamento estadual; por ltimo, aindanecessrio que no ocorram razes de interesse pblico que justifiquem, em

    ponderao, a no continuao do comportamento que gerou a situao deexpectativa.

    A aplicao deste mtodo, assim explicitado pelo Tribunal, a um caso concreto pressupeantes do mais que se determine, com preciso, se, nesse caso, a norma sob juzo fez protrairos seus efeitos sobre o passado e com que grau de intensidade o fez. Na circunstncia de serpositiva a resposta a esta questo, haver ainda que valorar luz da Constituio as

    expectativas dos particulares, que confiaram na inexistncia da projeo sobre o passadodos efeitos das novas decises legislativas. E essa valorao s pode incidir sobre aconsistncia das posies jurdicas subjetivas definidas luz do Direito anterior, eque vm agora, pela lei nova, a ser afetadas. Na verdade, as expectativas dosparticulares na continuidade, e na no disrupo, da ordem jurdica, no so realidadesaferveis ou avaliveis no plano emprico dos factos. A sua densidade no advm de umaqualquer pr-disposio, anmica ou psicolgica, para antecipar mentalmente a iminncia ouo risco das alteraes legislativas; a sua densidade advm do tipo de direitos de que sotitulares as pessoas afetadas e o modo pelo qual a Constituio os valora . O ponto importante. que, como se disse no Acrdo n. 862/2013, quanto mais consistente for odireito do particular, mais exigente dever ser o controlo da proteo da confiana.

    23. No presente caso, esto em juzo medidas contidas num decreto da Assembleia daRepblica (Decreto n. 262/XII) que visam essencialmente reduzir, a ttulo definitivo, omontante de penses j em pagamento, e que, nos termos do seu artigo 14., deverentrar em vigor a partir de 1 de janeiro de 2015.

    Contudo, no obstante a nova disciplina jurdica das penses pretender produzirefeitos apenas para o futuro, a verdade que ela se repercute sobre o passado, namedida em que vem redefinir posies jurdico-subjetivas constitudas ao abrigo delei anterior.

    Como j se viu, o direito ao recebimento de uma penso, a ttulo de prestao substitutivados rendimentos de um trabalho que antes se realizou, constitui-se mediante o cumprimentode certas e determinadas obrigaes que a lei determina, e que so, no apenas o pressupostonecessrio da aquisio do direito (no momento igualmente definido pelo sistema legal) mastambm a medida do benefcio que, chegado o momento certo, se passar a receber. Queristo dizer que, se verdade que o direito penso um direito lquido e certo nos termos dalei, tambm verdade que a sua formao implicou um processo longo, que se foiprotraindo no tempo. Para cada uma das fases desse processo houve direito aplicvel, quedeterminava o regime e o quantum das obrigaes que se deveriam cumprir, a idade a partirda qual o direito a receber o benefcio se constituiria na esfera jurdica do contribuinte-beneficirio, e o montante definido em que ele se traduziria. Assim, qualquer alterao

    legislativa que viesse a incidir sobre a redefinio de uma qualquer destas fases antesda aquisio final do direito penso seria, para os quadros conceituais das relaes

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    das leis no tempo, sempre retrospetiva ou impropriamente retroativa, na exatamedida em que vinha redefinir a disciplina jurdica de uma relao que seestabelecera entre o contribuinte-beneficirio e a comunidade no seu todo (atravsdo sistema de segurana social) a partir do momento em que aquele iniciara a suacarreira contributiva. Disto mesmo se deu alis conta o Tribunal nos exemplos dos

    Acrdos n.s 302/2006, 188/2009 e 3/2010, quando estavam em juzo, precisamente,novos regimes legais que alteravam regras preexistentes sobre o processo, j iniciadomas ainda no concludo, de formao do direito ao recebimento de penses . Emtodas estas situaes o Tribunal invocou o parmetro da proteo da confiana para podersustentar o seu julgamento que em nenhum destes casos foi de acolhimento dainconstitucionalidadeprecisamente porque considerou que a lei nova, se bem que fixandoos seus efeitos apenas para o futuro, no deixava de redefinir o passado em termos jurdico-constitucionalmente relevantes.

    Contudo, se assim para as situaes em que a lei nova vem redefinir os termos em quedeve decorrer o processo de formao do direito penso, por maioria de razo o ser

    nas situaes em que, como no presente caso, a mudana legislativa se traduz numaalterao in pejus do montante de uma penso j em pagamento. Nestascircunstncias, a lei nova, se bem que no formalmente aplicvel a factos pretritos, operauma acentuada redefinio jurdica do passado, alterando os termos deexerccio de um direito j completamente formado, que a Lei de Basesda Segurana Social qualifica apropriadamente como direitoadquirido.

    Assim, se, no caso de alterao das regras de formao das penses antes de estasexistirem como direitos fechados para os seus beneficirios, j se mostrava

    adequado convocar o parmetro da proteo da confiana para medir daadmissibilidade da mutao legislativa, por maioria de razo o ser nos casos em queo que est em causa uma alterao que incide sobre o montante de uma pensoque j se recebe. que, nestes casos, e como se disse no Acrdo n. 862/2013, obeneficirio viu entrar na sua esfera jurdica um direito subjetivo com contornosexatos, estando em situao de exigir do Estado a prestao que lhe devida, peloque se encontrar partida numa situao que carece de uma tutela ainda maisreforada do que [a de algum] que est ainda a formar a sua carreira contributiva.Tanto mais que o contedo exato, lquido e certo que esse direito hoje tem funodas regras jurdicas vigentes aplicveis ao tempo em que o mesmo [direito] entrouna esfera jurdica do seu titular. A consistncia da posio jurdica que afetada

    pela entrada em vigor da lei nova parece ser assim, nestas circunstncias, de graumximo, para efeitos de um controlo de proteo da confiana.

    A verificao da consistncia dos direitos aqui afetados, e em funo da qual deve ser medidaa intensidade das expectativas legtimas dos seus titulares sua no afetao, aindareforada se tivermos em conta a forma como estes direitos so valorados pelaConstituio.

    Na verdade, se, como vimos, a CRP no deixou livre disposio do legislador ordinrio adeciso sobre a existncia ou no existncia de uma qualquer forma social ou solidria(regulada e coordenada pela comunidade poltica no seu todo) de proteo das pessoas na

    velhice, quando a obteno de rendimentos provenientes do trabalho j no existencialmente possvel se ao legislador compete a determinao do como da

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    consistncia da necessidade da sua afetao, dada a relevncia dos direitos ouinteresses, tambm eles constitucionalmente protegidos, que, de acordo com aexposio de motivos apresentada Assembleia da Repblica, a justificam. O ponto determinante, uma vez que o mtodo da ponderao, atrs explicitado, no pode ser comrigor aplicado se se no tiver em linha de conta o peso especfico que possui cada uma

    dos elementos a ponderar. Sendo intenso o grau de no satisfao de um princpioconstitucional (neste caso, o princpio segundo o qual devem ser protegidas as legtimasexpectativas dos pensionistas ao recebimento de um benefcio definido e adquirido ao abrigode Direito anterior), mais intensa ter ainda que ser a razo que justifica essa no satisfao.Quer isto dizer que a afetao dos direitos dos pensionistas s poder, neste caso e luz daConstituio, ser desconsiderada, se se mostrar que ela necessria para satisfazerdireitos e interesses constitucionalmente protegidos que se devam considerar

    prevalecentes.

    E no h dvidas quanto relevncia constitucional que assume a imperatividade derealizao de polticas pblicas que assegurem a disciplina oramental, tal como esta

    ltima imposta Repblica, desde logo, pelo Tratado sobre o Funcionamento da UnioEuropeia e pelo Tratado sobre Estabilidade, Coordenao e Governao na UnioEconmica e Monetria, bem como pelas demais normas de direito externo ao Estadoportugus e de direito interno que concretizam as obrigaes implcitas referida disciplina.Est em causa, neste domnio, no apenas o cumprimento leal do dever,constitucionalmente assumido, de empenhamento de Portugal no reforo daidentidade europeia (artigo 7., n. 5, da CRP), mas ainda o cumprimento leal dodever que as geraes presentes assumem perante as geraes futuras, dever esseque se traduz em impedir a existncia de uma dvida pblica que, onerando e pr-determinando as suas escolhas, diminua a capacidade que no podem deixar de teressas mesmas geraes de se conduzir nos termos prescritos, desde logo, pelos

    artigos 1. e 2. da Constituio.

    As exigncias decorrentes deste ltimo ponto, que diz respeito ao cumprimento leal docontrato entre geraes que a subsistncia da ordem constitucional portuguesa (como a dequalquer outra) pressupe, fazem-se sentir de forma ainda mais premente nanecessidade, tambm invocada na exposio de motivos da proposta apresentada

    Assembleia, de encontrar solues para o problema da sustentabilidade do sistema desegurana social, sobretudo na sua vertente de sistema previdencial.

    Na verdade, um modelo jurdico que rigidamente mantenha, neste domnio, assolues pensadas pelo Direito definido no passado, pode traduzir-se num trato

    injusto entre as geraes atuais de beneficirios do sistema previdencial e asgeraes que compem, no presente, a populao ativa portuguesa, e que, atravsdas suas quotizaes e contribuies, garantem na atualidade o financiamentodo modelo previdencial tal como ele existe. Numa circunstncia histrica em queconstrangimentos de ordem econmica (a perda de receitas desse mesmo sistema,causada pelo aumento do desemprego e pelos fluxos migratrios) econstrangimentos de ordem demogrfica (o aumento de esperana mdia de vida e adiminuio da natalidade) determinam o desequilbrio financeiro de um sistema quefoi concebido, enquanto sistema harmonioso e justo, num diferente contexto, h queter em linha de conta que a proteo da confiana daqueles que modelaram os seus

    planos de vida em funo de um Direito em certo momento vigente se no pode

    fazer a qualquer preo. Sobretudo, no pode deixar de ser contrabalanada com asincertas expectativas que, pela natureza das coisas, detm as geraes presentes

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    de trabalhadores e contribuintes em virem mais tarde a beneficiar do mesmosistema. Tanto bastaria para que, prima facie, se justificasse que, atravs daconsiderao da sustentabilidade, se exigisse aos atuais pensionistas um acrscimode esforo para a manuteno do modelo de solidariedade social do qual beneficiam,modelo esse que no pode deixar de conter equilbrios justos no trato entre as

    diferentes geraes.

    A este argumento, que revela s por si o peso dos direitos e interessesconstitucionalmente protegidos que so contrapostos aos direitos lesados,justificando portanto, na tica do autor da norma, a sua afetao, acresce um outro.

    Como vimos, no se encontra na disponibilidade do legislador ordinrio determinarse existe ou no existe um sistema de segurana social que proteja os cidados na

    velhice e em outras situaes de falta ou diminuio de meios de subsistncia ou decapacidade para o trabalho. Como lhe no cabe determinar se incumbe ou no aoEstado organizar e coordenar esse sistema, enquanto primeiro responsvel pelo, e

    garante ltimo do, seu funcionamento. Estas decises no se encontram disposiodo legislador ordinrio porque foram j tomadas pela Constituio no seu artigo 63..

    Daqui decorre que, perante os desequilbrios to manifestos de um sistema desegurana social que, a manter-se tal como est, poder obrigar a Repblica aincumprir as obrigaes de disciplina oramental que assumiu face aos seus

    parceiros na Unio Europeia o que, por seu turno, poder implicar que osinteresses e os direitos constitucionalmente protegidos das geraes futuras sejamsacrificados satisfao dos direitos e interesses (tambm constitucionalmente

    protegidos) das geraes presentes , o legislador ordinrio tem, face Constituio,o poder de modificar o sistema, adequando-o s presentes exigncias histricas. o

    que resulta do artigo 63. da CRP, na medida em que a se determina que no poder deixarde existir entre ns uma qualquer forma sistmica e pblica de organizao da segurana esolidariedade social.

    Na perspetiva apresentada pelo proponente do decreto da Assembleia da Repblica, na suaexposio de motivos, a medida de reduo definitiva de penses cumpre este ltimodesiderato, imposto pela CRP.

    Por isso, e voltando ao contexto prprio do mtodo da ponderao atrs enunciado efixado pelo Tribunal desde o Acrdo n. 287/90, desde j se deixa ficar claro que amedida no arbitrria e mostra-se antes como uma medida inteligvel. Resta porm

    saber pois que esta a especfica tarefa que, nos termos do artigo 221. da CRP,compete indeclinavelmente ao Tribunal Constitucional se no ser elaexcessivamente onerosa para as pessoas afetadas, ao ponto de, por isso, se no poderconcluir que sejam no caso prevalecentes os direitos e interesses constitucionalmente

    protegidos que justificam a afetao.

    D. A pronncia sobre as disposies do Decreto n. 262/XII da Assembleia da Repblica

    25. Segundo a exposio de motivos da Proposta de Lei n. 239/XII, a participao dePortugal na Unio Europeia e na rea do euro obriga ao cumprimento de requisitosexigentes em matria oramental, plasmados no TFUE, no protocolo, e nos regulamentos

    que desenvolvem o Pacto de Estabilidade e Crescimento e ainda no Tratado sobreEstabilidade, Coordenao e Governao na Unio Econmica e Monetria.

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    Com efeito, o Tratado da Unio Europeia estabelece, no seu artigo 3., n. 4, a unioeconmica e monetria cuja moeda o euro como um dos objetivos da Unio, objetivo que

    vai ser desenvolvido, nos artigos 119. e seguintes do Tratado sobre o Funcionamento daUnio Europeia, bem como nos Protocolos n. 4 relativo ao Sistema Europeu de BancosCentrais e n. 12 sobre o procedimento de dfices excessivos, assim como em disposies de

    direito derivado da Unio Europeia.

    Ora, uma das principais obrigaes dos Estados-membros neste domnio a de evitardfices oramentais excessivos (artigo 126., n. 1, do TFUE), competindo UnioEuropeia, atravs da Comisso, acompanhar a evoluo da situao oramental e domontante da dvida pblica nos Estados-membros, a fim de identificar desvios importantes.Nos termos do artigo 1. do mencionado Protocolo n. 12, o dfice oramental deverespeitar os valores mximos de referncia de 3% do Produto Interno Bruto a preos demercado e 60% para a relao entre a dvida pblica e o PIB a preos de mercado.

    Estas normas de direito originrio tm vindo a ser desenvolvidas e concretizadas atravs de

    regras de direito derivado, designadamente, regulamentos, dos quais se devem destacar,desde logo, os Regulamentos que integram o Pacto de Estabilidade e Crescimento que prevmedidas de superviso e coordenao das polticas econmicas, em particular o artigo 2.-A,da Seco 1-A, do Regulamento CE n. 1466/97 do Conselho, de 7 de julho, que previacomo objetivo econmico de mdio prazo um rcio mximo de 3% do PIB para o dficeoramental e o Regulamento CE n. 1467/97 do Conselho, de 7 de julho, sobre oprocedimento relativo aos dfices excessivos.

    Estas normas foram alteradas e completadas, na sequncia da crise das dvidas soberanas,por um conjunto de diplomas que integram o chamado Sixpack, pacote legislativo europeude 2011 sobre matria oramental. A estas normas somou-se o denominado Twopack que

    integra dois regulamentos de 2013.

    Tratando-se de normas de Direito da Unio Europeia quer sejam de direitooriginrio ou de direito derivado, vinculam o Estado Portugus, nos termos do artigo8., n. 4, da Constituio.

    J a natureza do Tratado sobre Estabilidade, Coordenao e Governao na UnioEconmica e Monetria (vulgarmente designado como Tratado Oramental), assinado, em2 de maro de 2012, pelos Chefes de Estado e de Governo dos Estados-membros da UnioEuropeia (com exceo do Reino Unido e da Repblica Checa) diferente. Tendo entradoem vigor em 1 de janeiro de 2013, aps a ratificao por 16 Estados-membros, 12 dos quais

    pertencentes rea do euro, este Tratado visa, essencialmente, reforar a disciplinaoramental atravs da introduo de medidas que garantam uma maior fiscalizao e umaresposta mais eficaz face emergncia de desequilbrios. O seu principal objetivo, como seafirma no prembulo, a adoo, com a maior celeridade possvel, por parte dosEstados- membros da rea do euro, de regras especficas, de natureza econmica eoramental, incluindo uma "regra de equilbrio oramental" e um mecanismoautomtico para a adoo de medidas corretivas, que conduzam a um cumprimentomais estrito dos critrios quantitativos introduzidos pelo Tratado de Maastricht,nomeadamente, os respeitantes ao dfice mximo e ao limite de 60% do PIB para advida pblica.

    No sendo este o local prprio para uma anlise detalhada daquele Tratado, deve, todavia,notar-se o seguinte:

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    i) vrias disposies do Tratado tm origem em normas de direito derivado da Unio Europeia ou,entretanto, passaram a fazer parte dessas normas;

    ii) o Tratado Oramental no integra o ordenamento jurdico da Unio, pelo que no beneficia doestatuto que o n. 4 do artigo 8. da CRP confere ao direito da Unio Europeia;

    iii) o Tratado aplicvel na medida em que for compatvel com o Direito originrio e derivado da UnioEuropeia;

    iv) as regras relativas ao Pacto Oramental foram integradas no direito interno portugus atravs da Lein. 37/2013, de 14 de junho, que introduziu alteraes Lei de Enquadramento Oramental.

    Acrescente-se ainda que Portugal se encontra sujeito a um procedimento de dfice

    excessivo (cfr. artigo 126., n. 7, do TFUE), ao abrigo do qual foram aprovadas vriasrecomendaes por parte do Conselho, tendo-lhe sido estabelecida uma meta precisa dereduo do dfice para 2,5 % do PIB em 2015.

    Independentemente da vinculatividade ou no destas recomendaes, a verdade que elasno impem a Portugal medidas concretas e determinadas para controlo da despesa

    pblica e/ou para reduo do dfice, antes se limitando a enunciar os objetivos oumetas, que, esses sim, devem ser obrigatoriamente cumpridos, por fora das normasindubitavelmente vinculativas da Unio Europeia, quais sejam as de direitooriginrio e de direito derivado, acima citados. Dito por outras palavras, a

    vinculatividade do Direito da Unio Europeia neste domnio no se refere aos meios

    que os Estados-membros utilizam para atingir os objetivos ou as metas que lhe soimpostos.

    Assim sendo, o facto de se admitir que as normas adotadas e a adotar pelo legisladornacional com vista a prosseguir os objetivos acima referidos se devem conformar com asnormas da Unio Europeia no tem consequncias do ponto de vista da aplicao dasnormas constitucionais. Pelo contrrio, num sistema constitucional multinvel, no qualinteragem vrias ordens jurdicas, as normas legislativas internas devemnecessariamente conformar-se com a Constituio (competindo ao TribunalConstitucional, de acordo com a Constituio Portuguesa, administrar a justia emmatrias jurdico-constitucionais (cfr. artigo 221. da CRP)). Alis, o prprio direito

    da Unio Europeia estabelece que a Unio respeita a identidade nacional dos seusEstados-membros, refletida nas estruturas polticas e constitucionais fundamentaisde cada um deles (cfr. artigo 4., n. 2, do TUE).

    Sublinhe-se, por ltimo, que neste domnio no h sequer divergncia entre o Direitoda Unio Europeia e o Direito Constitucional Portugus. Efetivamente os princpiosconstitucionais da igualdade, da proporcionalidade e da proteo da confiana quetm servido de parmetro ao Tribunal Constitucional para aferir daconstitucionalidade das normas internas relativas a matrias conexas com as que seapreciam nos presentes autos fazem parte do ncleo duro do Estado de Direito,integrando o patrimnio jurdico comum europeu, a que a Unio tambm est

    vinculada.

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    Dito isto, h que voltar a realar que tarefa indeclinvel do Tribunal Constitucionalportugus exercer a competncia que o artigo 221. da Constituio lhe confere.

    26. A medida contida no Decreto n. 262/XII da Assembleia da Repblica implicauma alterao significativa na configurao do sistema previdencial da segurana

    social portuguesa, sobretudo no ponto em que determina, no seu artigo 4., sob aepgrafe [c]lculo da contribuio de sustentabilidade, uma reduo domontante de penses j em pagamento, a ttulo definitivo, e, portanto,sem qualquer perspetiva de temporalidade.

    Trata-se, por outro lado, de uma limitao do princpio do benefcio definido,enquanto princpio estruturante do modelo de formao do direito penso, depoisde ele ter sido legitimamente adquirido pelo seu titular.

    certo que essa medida no aparece isolada. Como j se referiu, o decreto daAssembleia institui um regime que completado por outros mecanismos, constantesdos artigos 7., 8., 10. e 11. do decreto, que pretendem estender o esforo desustentabilidade do sistema, no apenas aos seus contribuintes atuais (atravs dasalteraes marginais contribuio dos trabalhadores para os sistemas de

    previdncia social), mas ainda sociedade no seu todo (atravs das alteraesmarginais taxa normal do Imposto sobre o Valor Acrescentado). O queaparentemente poderia demonstrar a preocupao do legislador por exigncias dejustia intergeracional.

    Todavia, poder dizer-se que o essencial da escolha poltica que o decreto contm secifra na fixao das taxas correspondentes contribuio de sustentabilidadefixadas no artigo 4.. E essa fixao equivale indiscutivelmente a uma medidadefinitiva de reduo das penses j em pagamento.

    O carter fortemente retrospetivo desta medida j foi antes salientado. Por issomesmo, salientada tambm foi a consistncia particular que no caso adquire anecessria tutela da confiana das pessoas afetadas, titulares de direitos jformados, e valoradosnos termos j descritospela Constituio.

    A intensidade com que esta confiana merece ser protegida no pode ser tida, peloDireito, como algo de meramente instrumental face defesa de certos edeterminados direitos subjetivos. No est em causa um mero instrumento que sirvaapenas para a afirmao de posies jurdicas detidas por um certo grupo dasociedade portuguesa. Est em causa, mais do que isso, o cumprimento de um

    princpio objetivo, decorrente de escolhas de valor que estruturam toda a ordemconstitucional (artigos 2. e 63.) e, que por isso mesmo, interessam comunidade noseu todo. Nessa medida, qualquer alterao legislativa que se pretenda introduzir nomodelo previdencial portugus no pode deixar de ter em conta esse elemento de

    ponderao, que objetivamente vincula o legislador.

    Note-se, por outro lado, que a alterao legislativa apresentada num quadro deuma acentuada incerteza.Desde logo porque a medida, em si mesma, pe em causaem termos que sero melhor desenvolvidos adiante - o princpio da contributividade e atendencial correspetividade entre as contribuies que o beneficirio efetua e omontante de penso de que poder usufruir aps a passagem situao de reforma,o que torna particularmente difcil que as pessoas saibam com o que podem contar

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    relativamente ao destino que ir ser dado s contribuies que, por imposio da lei,presentemente realizam para sustentar o sistema da previdncia social.

    27. Perante os quadros gerais do atual sistema previdencial de segurana social, que foidefinido num outro contexto histrico, e cuja subsistncia no presente momento, sem

    qualquer modificao, poder suscitar dificuldades de sustentabilidade das finanas pblicase do prprio sistema de penses e colocar a Repblica em situao de incumprimentoperante as suas obrigaes europeias e das suas obrigaes perante geraes futuras, no

    pode deixar de reconhecer-se a necessidade de uma reforma do sistema.

    O cumprimento desta necessria tarefa no tem, evidentemente, que serlevado a cabo por um s ato ou de uma s vez. , no entanto, dificilmentecompreensvel que a implementao de medidas como as previstas no Decreto da

    Assembleia da Repblica n. 262/XII, implicando uma mitigao radical do princpio dobenefcio definido e um forte impacto nas posies jurdicas subjetivas dos pensionistas ainda que deva ser completada por outras iniciativas legislativas tenha sido adotada nombito de um procedimento parlamentar prioritrio e urgente, de tal modo que a

    proposta de lei, tendo sido apresentada ao parlamento em 12 de junho, foi aprovadana generalidade no dia 27 seguinte - a que se seguiu um escasso perodo de audies

    pblicas que decorreram apenas durante 21 dias -, e culminou com a aprovao finalem 25 de julho.

    Poder reconhecer-se que, sendo de interesse vital para a sociedade portuguesa aresoluo do problema que o Decreto n. 262/XII procurou [aparentemente]comear a solucionar, ele mereceria um debate exigente, dificilmente compatvelcom a celeridade que se imprimiu ao procedimento legislativo; mas, ainda que talacontea, o reconhecimento do dfice procedimental no pode ser objeto de censurajurdico-constitucional. Por outro lado, o Tribunal no dispe de meios que lhe

    permitam afirmar prima facie que o legislador no prosseguiu, ainda que atravs deum processo excessivamente clere, os fins de interesse pblico que visava realizar,nem poder pronunciar-se sobre a futura calendarizao (e efetiva realizao) deoutras iniciativas legislativas que se venham a incluir na reforma do sistema desegurana social.

    28. No restam dvidas face a todo o anterior percurso argumentativo que a escolhapoltica essencial contida nos artigos 2. e 4. do Decreto n. 262/XII da Assembleia,implicando a reduo do montante de penses em pagamento, afeta fortemente posies

    jurdicas subjetivas dotadas de intensa tutela constitucional. E ficou ainda claro que anecessidade de tal tutela, determinada pelo valor de segurana jurdicacontida no artigo2. da CRP, no igualmente satisfeita pela incerteza decorrente do regime contidonesses artigos (artigo 2. e 4).

    A questo , porm, a de saber se o Tribunal, tendo em conta a intensidade gravecom que so lesadas exigncias de segurana jurdica e de tutela da confianalegtima das pessoas [na continuidade do Direito], est contudo em condies deafirmar que os direitos e interesses tambm constitucionalmente consagrados, einvocados para justificar tal leso, no prevalecem sobre os direitos e interessessacrificados.

    Para dar resposta a esta questo o tribunal entende formular as seguintes ponderaes.

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    29.A contribuio de sustentabilidade agora instituda como uma medida estruturalde reforma do sistema de segurana social - e, por isso mesmo, caracterizada comouma reduo definitiva do montante de penses j atribudas - uma medida similar antiga contribuio extraordinria de solidariedade (CES)prevista no artigo 78. daLei do Oramento de Estado para 2013 (Lei n. 66-B/2012, de 31 de dezembro), e

    reproduzida no artigo 76. da Lei do Oramento de Estado para 2014 (Lei n. 83-C/2013, de31 de dezembro), entretanto reformulada pela primeira alterao a essa lei (Lei n. 13/2014,de 14 de maro), e que provinha j, ainda que com diferente base de incidncia quanto taxaaplicvel e ao universo dos destinatrios, das leis que aprovaram os oramentos do Estadopara 2011 e 2012 (artigos 162, n. 1, da Lei n. 55-A/2010, de 31 de dezembro, e 20., n. 1,da Lei n. 64-B/2011, de 30 de dezembro).

    O Tribunal Constitucional, chamado a pronunciar-se sobre a constitucionalidade dacontribuio extraordinria de solidariedade, tal como se encontrava configurada na Leido Oramento de Estado para 2013 e no Oramento Retificativo para 2014 (Lei n.13/2014), considerou que, em qualquer dos casos, essa era uma medida de natureza

    oramental destinada a vigorar durante um ano e revestia uma natureza excecional etransitria diretamente relacionada com os objetivos imediatos de equilbriooramental e sustentabilidade das finanas pblicas, e apenas nesse pressuposto que legitimou a sua conformidade constitucional luz dos parmetros decorrentesdo princpio da proteo da confiana e do princpio da proporcionalidade (Acrdosn.s 187/13 e 572/14).

    A diferena especfica que pode detetar-se entre a contribuio de sustentabilidade ea contribuio extraordinria de solidariedade, para alm do j referido aspetoatinente ao seu mbito material e temporal, reside no desagravamento das taxas dereduo da penso, o que levou o proponente da norma a declarar, na exposio de

    motivos que acompanhou a correspondente proposta de lei, que os pensionistastero um rendimento superior quele que resultava da aplicao da CES,recuperando, assim, substancialmente, poder de compra.

    De facto, como j foi assinalado, na contribuio de sustentabilidade, a taxa efetiva de 2%para penses at 2000, de 2% a 3,5% para penses entre 2000 e 3500, e de 3,5% parapenses acima de 3500, ao passo que na CES, na parte que agora interessa considerar (isto, nas penses de montante inferior a 11 vezes o IAS), a taxa era de 3,5% sobre as pensesde valor mensal entre 1350 e 1800 (que passou a incidir posteriormente sobre penses apartir de 1000), de 3,5% a 10% sobre penses de valor mensal entre 1800,01 e 3750, ede 10% sobre as penses de valor mensal superior a 3750.

    Simplesmente, no o mero desagravamento das taxasaplicveis que transforma uma medida tpica dedisciplina oramental destinada a obter noimediato uma poupana na despesa pblica (comoera o caso da CES) numa medida estrutural que viseassegurar a sustentabilidade do sistema pblico de penses a mdio e longo prazo.

    Alm de que nada garante que o legisladorcomo sucedeu no passadorecente relativamente CES venha a alterar a base de incidncia da

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    essa a situao quando uma estrita medida de reduo depenses, sem ponderao de outros fatores, vemsimplesmente acompanhada de medidas

    conjunturais de aumento de receita, ainda que por essavia se proporcione que outros estratos da sociedade contribuam para ooramento da segurana social.

    31. Ainda neste plano de anlise, importa notar que o desagravamento da taxa aplicvel,por referncia antiga CES, no uniforme e mais acentuado nas penses entre 3750 e 4611,42(correspondente a 11 vezes o IAS), em que a taxa baixa de 10% para 3,5%,do que nas penses entre 1000 e 1800, em que a taxa baixa apenas de 3,5% para 2%. Aque acresce a aplicao de um diferente critrio de progressividade. A taxa fixa nas pensesat 2000 (2%) e nas penses superiores a 3500 (3,5%) e progressiva nas penses entre

    2000 e 3500 (em que a taxa varia entre 2% e 3,5%).

    O que bem demonstra que o legislador, mais do que introduzir uma condio desustentabilidade que vise reduzir de modo uniforme e coerente o montante das

    penses a pagar, em termos de satisfazer no futuro os encargos relativos aos

    beneficirios do sistema publico de penses,pretendeu antes obteruma maior poupana de despesa no curto prazo,afetando mais gravosamente, em termos relativos,as penses que se situam em escales intermdiose a que possa corresponder um maior nmero depensionistas.

    Uma soluo similar foi adotada na Lei do Oramento de Estado para 2014 (artigo 33.), noque se refere reduo remuneratria dos trabalhadores que auferem por verbas pblicas,em que houve lugar aplicao de uma taxa progressiva nas remuneraes at 2000 (de2,5% a 12%), em termos de este ltimo escalo sofrer a incidncia do limite percentualmximo do corte, em contraponto com a sujeio das remuneraes mais elevadas a umareduo proporcional, decorrente da aplicao da taxa fixa de 12%, tendo como

    consequncia um desequilbrio na proporo do sacrifcio que imposto aos titulares deremuneraes situadas entre 1500 e 2000 por referncia aos que auferem vencimentosmais elevados.

    A alterao de incidncia da taxa de reduo remuneratria tinha, nesse caso, o declaradoobjetivo de introduzir uma alterao da poltica salarial na Administrao Pblica e noagravar a fraca competividade das remuneraes pblicas do Estado relativamente ao setorprivado para grupos com maiores qualificaes e responsabilidade, por se tratar de gruposaos quais as condies oferecidas so menos competitivas que as do setor privado (Relatriodo Oramento do Estado para 2014).

    Apreciando, em fiscalizao sucessiva essa disposio, o Tribunal considerou que essa umanorma, que, mesmo tendo em conta assumir uma natureza transitria e prevalecentemente

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    destinada a promover o reequilbrio oramental numa conjuntura de emergncia financeira,acaba por acentuar relativamente a nveis remuneratrios intermdios o carterdesproporcional da reduo salarial no confronto com titulares de outros rendimentos(acrdo n. 413/2014).

    Esse mesmo julgamento vlido, por maioria de razo, para disposies que, visandoinstituir uma condio de sustentabilidade do sistema pblico de penses, se dirigem, no apessoal da Administrao Pblica no ativo, mas a pessoas que terminaram j a suaatividade profissional e se encontram agora a usufruir o direito a prestaes de

    proteo social por velhice que est diretamente relacionado (numa relaosinalagmtica) com a sua carreira contributiva para a segurana social (artigo 54. daLei de Bases da Segurana Social).

    De facto, no faz sentido relativamente ao pagamento de penses, em que releva oprincpio da contributividade e do benefcio certo, definir os ndices de progressividade

    para a taxa de reduo de penses em funo do resultado financeiro que possa ser

    obtido (e, portanto, com base num efeito meramente oramental) e, dessemodo, permitir a aplicao de um regime de progressividade diferenciada para osdiversos escales de penses que necessariamente pe em causa a prpriaequidade interna do sistema.

    32. Por outro lado, a aplicao de uma taxa progressiva, varivel em razo do montante dapenso, ainda que apenas em relao a certos escales, totalmente alheia scontribuies que os titulares das penses outrora realizaram. certo quese poder argumentar (como se fez nos Acrdos n.s 187/2013 e 862/2013) que,assentando o nosso sistema previdencial numa lgica de repartio (pay as you go)

    e no numa lgica de capitalizao, no existe uma correspetividade necessriaentre o quantum com que no passado se contribuiu para o sistema e o quantum quedele, enquanto beneficirio, no presente se recebe, podendo apenas falar-se numacorrespetividade tendencial por efeito da relao direta estabelecida entre aobrigao legal de contribuir e o direito s prestaes. alis esse o trao essencial deum modelo de segurana social que assenta no princpio da solidariedade e daresponsabilizao coletiva (artigo 8. da Lei de Bases da Segurana Social). Contudo, se seconsiderar que o mesmo modelo, com essa mesma fisionomia, se centra tambm no

    princpio da contributividade, dependendo alis a sua sobrevivncia do cumprimento, porparte dos contribuintes atuais, das suas obrigaes de contribuir, torna-se difcilconsiderar que jurdico-constitucionalmente irrelevante que as

    redues definitivas do montante das penses j em pagamento seefetuem atravs de meios que se mostram totalmente indiferentes aosesforos contributivos outrora realizado pelos beneficirios. E isto por duasordens de razes: primeira, porque tal indiferena torna particularmente incerta acoerncia de um sistema que continua a assentar, de acordo com o artigo 90. da Leide Bases, em presentes contribuies da faixa ativa da populao; segunda, porquetal indiferena implica que se ignorem as consequncias decorrentes da vigncia,durante dcadas, do princpio contributivo, segundo o qual a realizao dascontribuies era, no s condio necessria da aquisio do direito penso mas,ainda mais, critrio orientador da determinao do seu quantum.

    Ora, a determinao do clculo da contribuio de sustentabilidade atravs da aplicao deuma taxa progressiva de reduo ao montante das penses constitui um desvio ao

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    Finalmente, a Lei n. 11/2014, de 6 de maro, que, atravs de nova redao dada ao mesmoartigo 5. da Lei n. 60/2005, reduziu a remunerao a considerar para a primeira parcela(P1) a 80% da remunerao mensal relevante nos termos do Estatuto da Aposentao edeterminou a aplicao, nas penses atribudas pela CGA, do fator de sustentabilidadecorrespondente ao ano de aposentao de acordo com o regime que vigorar para sistema

    previdencial da segurana social.

    Em todas estas situaes de agravamento do montante da penso, o legisladoratribuiu apenas efeitos para futuro (artigos 1. da Lei n. 1/2004 e 80., n. 2, da Lei n.66-B/2012) ou criou direito transitrio, estabelecendo uma clusula de salvaguarda dedireitos de modo a assegurar que os subscritores que j reunissem as condies paraaposentao data da entrada em vigor da lei pudessem aposentar-se pelo regimeanteriormente aplicvel (artigo 7. da Lei n. 60/2005) e que as penses que estivessem a serabonadas no sofressem qualquer reduo de valor (artigo 7. da Lei n. 52/2007).

    Tambm no mbito do regime geral da segurana social, foram sendo introduzidas

    reformas que intentaram reformular o mtodo de clculo das penses em termos menosfavorveis aos beneficirios.

    Em primeiro lugar, o Decreto-Lei n. 329/93, de 25 de setembro (ainda na vigncia da Lei deBases do Sistema de Segurana Social, aprovada pela Lei n. 24/84, de 28 de agosto),

    preconizou, entre outras medidas, que fosse tomado em considerao um maiorperodo de carreira contributiva (10 melhores anos dos ltimos 15), com vista a que aremunerao de referncia exprimisse de forma mais ajustada o ltimo perodo de atividadeprofissional (n. 7 do prembulo e artigo 33., n. 1).

    Posteriormente, a Lei de Bases da Segurana Social de 2000 (Lei n. 17/2000, de 8 de

    agosto), passou a ditar que o clculo de penses de velhice deve, de um modo gradual eprogressivo, ter por base os rendimentos de trabalho, revalorizados, de toda a carreiracontributiva (artigo 57., n. 3) disposio depois regulamentada pelo Decreto-Lei n.35/2002, de 19 de fevereiro, que produzia efeitos desde 1 de janeiro de 2002 (artigo 23.),que, tendo em vista a salvaguarda dos direitos adquiridos e de direitos em formao,

    veio garantir aos beneficirios cuja carreira contributiva ficou exposta a esta sucessodos regimes jurdicos o montante de penso que lhes seja mais favorvel.

    Entretanto, o Decreto-Lei n. 187/2007, de 10 de maio, em execuo da Lei de Bases daSegurana Social de 2007 (Lei n. 4/2007, de 16 de janeiro), concretiza a acelerao datransio para a nova frmula de clculo das penses, introduzida pelo Decreto-Lei n.

    35/2002, atravs da eliminao da garantia da atribuio da penso mais favorvel, emrelao aos contribuintes que fiquem abrangidos pelos sucessivos regimes de clculo, e porvia da aplicao, em substituio, de uma frmula proporcional que permite entrarem linha de conta com as antigas e as novas regras de clculo e em que intervm umaumento progressivo do peso relativo da carreira contributiva no apuramento domontante da penso (artigo 33.).

    Deste modo, a determinao do montante da penso, no regime geral de segurana social,atravs da remunerao de referncia que represente o total das remuneraes de toda acarreira contributivaem consonncia com o princpio da contributividadeapenasse tornou integralmente aplicvel aos contribuintes inscritos a partir de 1 de janeiro

    de 2002, sendo que em relao a beneficirios que j se encontrassem inscritos a essa

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    data, o legislador sempre instituiu clusulas de salvaguarda e regimes maisfavorveis de transio, que ainda se mantm em vigor.

    A Lei n. 4/2007, de 16 de janeiro, veio entretanto instituir, pela primeira vez, a aplicao aomontante da penso estatutria calculada nos termos legais, um fator de sustentabilidade

    relacionado com a evoluo da esperana mdia de vida, tendo em vista a adequao dosistema s modificaes resultantes das alteraes demogrficas e econmicas (artigo 64.),que foi depois regulamentado pelo Decreto-Lei n. 187/2007, de 10 de maio (artigo 35.) eadaptado ao regime da CGA pela j referida Lei n. 52/2007. Mas, semelhana do queocorreu no mbito da proteo social da funo pblica, o fator de sustentabilidade nofoi aplicado s penses do regime da segurana social cujo pagamento se iniciou at31 de dezembro de 2007 (artigo 114., n. 2).

    Entretanto, o Decreto-Lei n. 167-E/2013, de 31 de dezembro, mediante a alterao dosartigos 20. e 35. daquele outro diploma, modificou