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BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 755
(Ano VIII)
(09/12/2016)
ISSN‐ ‐
BRASÍLIA ‐ 2016
Boletim
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‐ 1984‐0454
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ConselhoEditorial
COORDENADOR GERAL (DF/GO/ESP) - VALDINEI CORDEIRO COIMBRA: Fundador do Conteúdo Jurídico. Mestre em Direito Penal Internacional Universidade Granda/Espanha.
Coordenador do Direito Internacional (AM/Montreal/Canadá): SERGIMAR MARTINS DE ARAÚJO - Advogado com mais de 10 anos de experiência. Especialista em Direito Processual Civil Internacional. Professor universitário
Coordenador de Dir. Administrativo: FRANCISCO DE SALLES ALMEIDA MAFRA FILHO (MT): Doutor em Direito Administrativo pela UFMG.
Coordenador de Direito Tributário e Financeiro - KIYOSHI HARADA (SP): Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP.
Coordenador de Direito Penal - RODRIGO LARIZZATTI (DF/Argentina): Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA.
País: Brasil. Cidade: Brasília – DF. SHN. Q. 02. Bl. F, Ed. Executive Office Tower. Sala 1308. Contato: [email protected] WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR
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SUMÁRIO
COLUNISTA DO DIA
09/12/2016 Rômulo de Andrade Moreira
» Reforma do Codigo de Processo Penal: a implementação do sistema
acusatório no Brasil ‐ o papel do Ministério Público
ARTIGOS
09/12/2016 Caroline Quagliato Roveri » Estado e Direito ‐ de Roma à modernidade
09/12/2016 Alessandro Menezes Orico
» Arbitragem e mediação
09/12/2016 Paulo Gomes Ferreira Filho
» A utilização de técnicas extrajudiciais de tutela coletiva, pelo Ministério Público, na
fiscalização do terceiro setor
09/12/2016 Larissa Souza de Melo Azedo
» Vedação da prova ilícita no processo penal brasileiro
09/12/2016 Giovani Neves
» O Conselho Tutelar como órgão eficaz na afirmação dos direitos da criança e do
adolescente
09/12/2016 Enio da Silva Maia
» Redução da maioridade penal
09/12/2016 Tauã Lima Verdan Rangel
» A Negativação do Inadimplente de Verba Alimentar no Sistema de Proteção ao
Crédito: Análise à luz do entendimento pretoriano do STJ
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REFORMA DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL: A IMPLEMENTAÇÃO DO SISTEMA ACUSATÓRIO NO BRASIL - O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
RÔMULO DE ANDRADE MOREIRA: Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor de Direito Processual Penal da UNIFACS. Pós‐graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela UNIFACS.
Agradeço o convite que me foi formulado pela organização do evento na pessoa do meu irmão, Professor Antônio Vieira, Professora Marina Cerqueira e o Professor Elmir Duclerc, além de saudar a todos[1].
Eu dividi a minha participação em três partes, a primeira fazendo a análise, ainda que aligeirada, das atribuições do Ministério Público no Brasil; depois analiso o sistema chileno sobre o aspecto exclusivamente do papel do Ministério Público; e, ao final, farei uma conclusão propositiva do papel do Ministério Público no sistema acusatório.
No Brasil, as atribuições do Ministério Público, estão elencadas no art. 129 da Constituição Federal e a principal delas é o exercício da ação penal pública de forma privativa. Óbvio que temos a ação penal de iniciativa privada que, aliás, no projeto de reforma do novo Código de Processo Penal extingue-se, só restando a ação penal de iniciativa privada subsidiária da pública, mesmo porque é cláusula pétrea e não poderia ser suprimida.
O Ministério Público, além de ser parte na ação penal, tem uma destinação que é a fiscalização da lei. Portanto, é uma atribuição, é uma função digamos assim que tem dois aspectos, porque a parte autora deve ao longo do processo ou até mesmo antes dele zelar pela fiel execução da lei.
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O projeto de reforma do código repete essa destinação, mas com outras palavras bem mais significativas. No art. 57 do Projeto de Lei nº. 8.045/2010, lê-se que o Ministério Público, além de ser parte, zelará pela correta aplicação da lei e pela defesa da ordem jurídica.
Portanto, a comissão responsável pela reforma achou por bem colocar expressamente caber ao Ministério Público, na ação penal pública, além de ser parte, defender a ordem jurídica.
Em relação a outra atribuição na área criminal, temos a investigação criminal que durante muitos anos foi alvo de uma polêmica muito mais corporativista do que jurídico-constitucional. Corporativista porque havia, e continua havendo, uma estranha disputa de poder entre a Polícia e o Ministério Público. A Polícia querendo a exclusividade da investigação e o Ministério Público querendo esse mesmo poder investigatório-criminal. Isso é uma distorção do sistema que só traz prejuízos para a investigação criminal. Evidentemente que nessa disputa não há nenhum interesse público envolvido, pois cada instituição está querendo mais poder. Para poder barganhar, obviamente.
Essa questão da investigação foi superada porque o Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº. 593927, julgado em maio do ano passado, decidiu, por maioria, que o Ministério Público tem poder investigatório criminal, permitido pela Constituição. Eu concordo. O que eu acho é que falta uma lei infraconstitucional disciplinando essa investigação criminal pelo Ministério Público. Vejam que o inquérito policial esta mal disciplinado no Código de Processo Penal, mas está lá. Nos arts. 4º. ao 23ª. estão estabelecidas as regras atinentes ao inquérito policial. Mas esse procedimento investigatório criminal (o chamado PIC) que é feito pelo Ministério Público, onde está regulado, onde estão os prazos, os deveres, os direitos, as prerrogativas, etc.? Não tem nada.
O Conselho Nacional do Ministério Público, antes mesmo do Supremo Tribunal Federal decidir pela constitucionalidade da investigação criminal, baixou a Resolução nº. 13, de outubro de 2006. Essa resolução quer fazer as vezes de lei, mas lei formal não é. Essa resolução é inconstitucional, porque contém normas de caráter processual.
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É uma verdadeira lei de processo. Mas o Conselho Nacional do Ministério Público não é o Poder Legislativo, não pode editar resoluções com esse caráter de norma processual.
Aliás, também o Conselho Nacional de Justiça faz muito isso, usurpando a competência legislativa que é da União, conforme o art. 22, I.
Então, apesar de eu entender completamente a posição do Supremo Tribunal Federal em legitimar constitucionalmente a intervenção do Ministério Público diretamente na investigação criminal, carecemos de um projeto de lei que seja encaminhado ao Congresso Nacional para que discipline essa investigação, inclusive prevendo responsabilidades do membro do Ministério Público, em caso de algum abuso de poder, ou de autoridade, mas não há.
No Projeto de Lei nº. 8.045 não se dispõe sobre isso. Apenas trata do inquérito policial e do termo circunstanciado, de maneira que vai continuar essa lacuna. Como todo mundo está cumprindo a Resolução nº. 13, dificilmente o Supremo Tribunal Federal dirá que ela é inconstitucional, porque são resoluções editadas pela cúpula do próprio Ministério Público. Então, isso vai ficar assim mesmo.
Uma outra questão que eu vou abordar agora, ainda nessa primeira parte, diz respeito ao arquivamento do inquérito. O projeto de lei não avançou nada; permaneceu como é hoje.
A ideia de dar ao Juiz a possibilidade de discordar do parecer do Ministério Público pelo arquivamento não tem nada a ver com o sistema acusatório. E vai continuar porque o projeto nos arts. 38 a 40 repete o art. 28 do Código de Processo Penal, ou seja, o Promotor pede o arquivamento, o Juiz concorda ou não concorda. Se concorda, arquiva, se não concorda, envia para o Procurador-Geral.
Em termos de arquivamento, a melhor proposta que já vi no Brasil foi feita pela chamada Comissão Ada, que apresentou um anteprojeto, convertido no Projeto de Lei nº. 4209/2001. O art. 28 passaria a ter uma outra redação, mas ele já sofreu uma alteração lá no Congresso, então,
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esse projeto que está lá, que só trata da investigação criminal, só trata de inquérito policial.
Então, como que se daria o arquivamento: o Ministério Público não requer o arquivamento, ele promove o arquivamento. Agora, evidentemente, tem que ter controle, então, promovido o arquivamento, ele notifica a vítima e o indiciado ou algum sucessor da vítima, se a vítima morreu, para que ofereçam razões. A vítima, evidentemente, contrária ao arquivamento e o indiciado a favor. Com essas razões, o membro do Ministério Público envia os autos para um órgão colegiado. Não para o Procurador-Geral. Seria um órgão colegiado que teria possibilidade de reavaliar a promoção de arquivamento. Se ele entendesse que era caso de arquivamento mandaria para o Promotor substituto, se entendesse que era caso de arquivamento, então só assim o Juiz estaria obrigado a arquivar.
Com relação à titularidade da ação penal não há mudança no projeto de reforma porque a ação penal pública continua sendo de titularidade do Ministério Público, conforme o art. 129, I, da Constituição Federal.
Já disse que a ação de iniciativa privada acaba. Uma novidade é que todos os crimes praticados contra o patrimônio sem violência ou grave ameaça, como o furto, a receptação, passam a ser crimes de ação penal pública condicionada à representação da vítima, quando, evidentemente, só atingir o bem do particular.
Com relação à regra da obrigatoriedade da ação penal, que muitos encontram fundamento no art. 24 do Código de Processo Penal, quando diz que o Ministério Público deverá oferecer a denúncia. Eu sou contra a regra da obrigatoriedade por ela não satisfazer os princípios do sistema acusatório, tampouco questões de política criminal. Ambos desaconselham a adoção da regra da obrigatoriedade. No Chile não é assim.
O projeto de reforma, quando trata do arquivamento, tem uma redação que me parece indicar a adoção da regra da oportunidade. Isso vai gerar uma grande controvérsia, se e quando a reforma passar.
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O órgão do Ministério Público poderá requerer o arquivamento do inquérito policial ou de qualquer peça de informação, seja por insuficiência de elementos de convicção, a chamada justa causa, seja por outras razões de direito. Ora, que razões de direito seriam estas que autorizariam o Ministério Público a requerer o arquivamento ao Juiz? Seriam razões de política criminal, por exemplo. Parece-me que este art. 38 do Código de Processo Penal projetado consagra a regra da oportunidade.
Quanto à indesistibilidade da ação penal ela continua prevista no art. 49 do Código de Processo Penal projetado.
Agora farei uma análise, dentro do tempo que me foi dado, a respeito do Ministério Público chileno. Bem, o Ministério Público no Chile praticamente não tem nenhuma atribuição de natureza civil. Nesse aspecto ele é completamente diferente do Ministério Público do Brasil, que tem ação civil pública, inquérito civil, defende interesses difusos e coletivos. No Chile não. Ele tem o poder de investigação criminal, a titularidade da ação penal pública e cuida da proteção de vítimas e testemunhas. Neste sentido, é expresso o art. 83 da Constituição Federal do Chile.
Com relação à investigação criminal, tanto na Constituição chilena, como na Lei Orgânica do Ministério Público, fica claro que a investigação é dirigida diretamente pelo Ministério Público e a Polícia age a partir de ordens e diretrizes ditadas pelo Ministério Público.
A Constituição chilena dispõe que o Ministério Público pode determinar ordens diretas às Forças de Ordem de Seguridade, que é a Polícia. Há um trabalho conjunto entre a Polícia e o Ministério Público. Isso fica claro quando acontece um crime. Sempre há um Promotor de sobreaviso que recebe informações diretas da Polícia.
No Chile há um mecanismo chamado de arquivamento provisório que acontece da seguinte forma: se o Fiscal entender que aquela investigação não tem sentido ele faz um arquivamento provisório. Está previsto em lei e nada impede que seja, posteriormente, desarquivado. Se a Polícia tiver notícias de novas possibilidades de investigação, haverá o prosseguimento das investigações. O Ministério Público tem que ficar ciente da prática de
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qualquer delito para que possa proceder às investigações ou determinar o arquivamento provisório.
Uma questão que não me parece adequada do ponto de vista do sistema acusatório é a interferência do Poder Judiciário chileno na escolha dos membros do Ministério Público. Pela Constituição chilena, o Fiscal Nacional, que no Brasil seria equivalente ao Procurador-Geral da República, é escolhido pelo Presidente da República, a partir de uma lista tríplice indicada pela Suprema Corte, constituindo uma intolerável ingerência do Judiciário no Ministério Público.
O Fiscal Nacional tem um mandato de oito anos, não podendo ser reconduzido. Há também os Fiscais Regionais, que atuam nas respectivas Fiscalías. Estes são escolhidos pelo Fiscal Nacional, a partir de uma lista tríplice elaborada pela Corte de Apelação, o que mais uma ingerência indevida do Judiciário na escolha dos Fiscais chilenos.
O Fiscal Nacional e os Fiscais Regionais não são membros da carreira do Ministério Público. Para ser Fiscal Nacional é necessário ter dez anos de advocacia e para ser Fiscal Regional e preciso ter cinco anos de advocacia, além de outros requisitos de natureza técnica. Eles não precisam ser necessariamente membros da carreira, portanto.
Membros da carreira só são os Fiscais Adjuntos, aqueles que realmente exercem as atribuições do Ministério Público. São os Fiscais locais, escolhidos pelo Fiscal Nacional, a partir de uma lista tríplice elaborada pelos Fiscais Regionais. Primeiro se exige um concurso público, depois o Fiscal Regional escolhe três nomes e dentre estes o Fiscal Nacional escolhe os Fiscais Adjuntos, que são aqueles que têm a função mesmo de investigar, sendo os únicos integrantes da carreira do Ministério Público.
O Fiscal Nacional e os Fiscais Regionais têm o poder de avocar qualquer investigação criminal que esteja em mãos do Fiscal Adjunto. Tanto avocar a investigação quanto a própria ação penal. Nesse aspecto o Ministério Público é completamente diferente do Brasil, porque aqui há uma autonomia funcional, nada obstante tratar-se, sob um certo aspecto, de uma instituição hierarquizada.
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Feitas estas observações, poderíamos, então, perguntar qual seria o modelo ideal. Cremos que o modelo chileno do Ministério Público é satisfatório, ressalvada a questão da escolha de seus membros. Entendemos que o Ministério Público tem que ter um foco: investigar crimes com o auxílio da Polícia, sem subordinação hierárquica ou funcional. Isso não há. A Polícia tem sua autonomia administrativa. Não faz sentido este afastamento do Ministério Público das investigações criminais, se elas têm como destinatário o Ministério Público.
O que acontece no Brasil hoje? A Polícia faz o inquérito, realiza as diligências que entender necessárias, não comunica nada ao Ministério Público e, terminado, envia aquela documentação toda ao Ministério Público. Então, o Promotor de Justiça ou o Procurador da República diz: não dá para oferecer a denúncia, não há justa causa, precisa ser refeito. Se houvesse uma cooperação entre as duas instituições isso certamente não aconteceria.
Entendo que a atribuição para investigar deve ficar a cargo do Ministério Público. Não há demérito para a Polícia. Ao contrário, divide-se a responsabilidade. Isso, por exemplo, está expresso no Código de Processo Penal alemão, quando dispõe que “a Promotoria de Justiça deverá averiguar não só as circunstâncias que sirvam de encriminamento como as que sirvam também de inocentamento e cuidar de colher as provas cuja perda seja temida.” Ou seja, o Ministério Público pratica atos investigatórios para trazer elementos de culpa ou de inocência do investigado. Dispõe o Código de Processo Penal alemão que a Promotoria poderá exigir informações de todas as autoridades públicas, realizar diligências diretamente ou por meio das autoridades e funcionários da Polícia.
Também o Código de Processo Penal italiano, no art. 326 diz que “o Ministério Público e a Polícia Judiciária realizarão, no âmbito de suas respectivas atribuições, a investigação necessária para o exercício da ação penal.” O art. 327 estabelece que o Ministério Público dirige a investigação e dispõe diretamente da Polícia Judiciária.
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Em Portugal, a Lei Orgânica do Ministério Público estabelece, no art. 3º., caber “ao Ministério Público dirigir a investigação criminal, ainda quando realizada por outras entidades e fiscalizar a atividade processual dos órgãos de polícia criminal.”
Em França, o art. 41 do Código de Processo Penal, dispõe que “para o fim de investigação, o Procurador da República dirigirá a atividade dos oficiais e agentes da polícia judiciária.”
Então, creio que o modelo ideal é a investigação criminal feita pelo Ministério Público. A maior contestação é aquela segundo a qual haveria uma incompatibilidade entre as funções de investigar e acusar. Até que ponto seria conveniente o Ministério Público, que é parte no processo, dirigir a investigação? Esse é um problema mais para ser resolvido pelos membros do próprio Ministério Público, cientes de suas responsabilidades constitucionais, do que pela lei. Como vimos, na Alemanha a investigação feita pelo Ministério Público é realizada de forma isenta. Não se pode partir do pressuposto que o investigado é, necessariamente, o autor do crime. É preciso colher elementos sobre todos os aspectos do fato criminoso, inclusive os que possam favorecer o pedido de arquivamento por parte do Ministério Público. Mas, para isso acontecer, é preciso que se mude essa cultura do acusador público que ainda está muito enraizada no Brasil, como se vê, por exemplo, na atuação do Ministério Público na chamada Operação Lava-Jato.
Defendo também que deve haver paridade de armas entre a acusação e a defesa, inclusive nesta fase preliminar. Participação efetiva da defesa, não meramente formal e decorativa, inclusive requisitando diligências e participando de audiências.
Neste aspecto, houve um avanço no ordenamento jurídico brasileiro, porque foi alterado o art. 7º. do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, acrescentando-se o inciso XXI, que diz ser "prerrogativa do advogado assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrrogatório ou depoimento e subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivado direta ou indiretamente,
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podendo, no curso da respectiva apuração, apresentar o advogado razões e quesitos."
Isso já satisfaz, de uma certa maneira, porém, por causa da realidade social e econômica dos indivíduos, acabava virando letra morta, pois a ele só aproveita aqueles que tenham condições financeiras para contratar um advogado.
Com relação à ação penal pública, creio que deve ser privativa do Ministério Público. Não há sentido colocar a vítima como autora de uma ação penal. Não há sentido nisso, mesmo a ação penal de iniciativa privativa subsidiária da pública, que é uma cláusula pétrea. Acho que em caso de omissão do Ministério Público deve haver mecanismos internos de controle sobre isso.
Por fim, concluo com uma crítica veemente a esta banalização de pedidos de prisão preventiva, especialmente para coagir o réu a delatar. Sou, inclusive, favorável à modificação da lei para só permitir delação premiada de réu solto e não preso.
Muito obrigado pela atenção de todos. Nota:
[1] Transcrição da palestra proferida no Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, em evento realizado em conjunto com o Instituto Baiano de Direito Processual Penal, a Defensoria Pública da Bahia, o Ministério Público da Bahia e o Tribunal de Justiça da Bahia, no dia 29 de agosto do ano de 2016, tratando do tema: "O Papel do Ministério Público no Processo Penal e o Sistema Acusatório." A transcrição foi feita pelo aluno David Magno de Morais, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, sob a orientação do Professor Luis Gustavo Castanho Grandinetti, a quem agradeço muitíssimo.
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ESTADO E DIREITO - DE ROMA À MODERNIDADE
CAROLINE QUAGLIATO ROVERI: Advogada.
RESUMO: Este artigo possui analisa o desenvolvimento da sociedade desde a sua formação mais primitiva até à formação do Estado e do direito como regulador da convivência social.
PALAVRAS-CHAVE: história do direito. Roma. Feudalismo. Modernidade. Estado.
INTRODUÇÃO:
Não é possível se referir a Estado antes da modernidade, seria um anacronismo tal menção; assim como ao termo Direito, vez que a forma jurídica nasce junto com o capitalismo, para regulamentar a ordem econômica e política.
Na antiguidade a família era o núcleo da sociedade, sob a liderança do pater-família, o qual era responsável pela sobrevivência material da família. Essa forma de liderança nascera da necessidade de se organizar.
Essa organização evoluiu, a partir da segurança econômica que originou uma explosão populacional, à formação do clã. Deve-se sempre ter em mente que é a necessidade que provoca a mudança no homem, e que é a matéria que precede o pensamento, este não cria a matéria. Sob tal aspecto, o clã evolui-se a tribo, a qual deu origem às cidades-estados, que possuíam características diversas das cidades da modernidade, eram autossuficientes político, econômico e militarmente. O poder ainda era fomentado organicamente, de baixo para cima, vez que o
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pater-família ainda detinha a liderança; diferentemente do Estado Moderno, no qual a liderança é de cima para baixo.
É importante ressaltar as diferenças entre os modos de produção existentes na antiguidade e na modernidade; escravagista e capitalista, respectivamente, já que o modo de produção é que determina valores em uma sociedade.
DESENVOLVIMENTO:
A fundação de Roma se deu por volta de 754 a.c. por Rômulo, e durou até 476 a.c. com a queda de Roma do Ocidente.
Em Roma, a cidadania, ius civile, era fundamental; era um pressuposto para o exercício político. Portanto, pode-se auferir um caráter privado ao “direito” romano, vez que excluía todos os estrangeiros, os quais possuíam somente o ius gentium, que garantia somente o direito à vida, ao trabalho; era de todos os seres humanos.
Deve-se ressaltar que os escravos não possuíam sequer o ius gentium, vez que eram res, ou seja, coisa. A noção de escravo diverge-se entre a antiguidade e a modernidade, nesta o escravo é considerado mercadoria, a sua importância não se atém ao uso, mas sim ao valor de troca; por outro lado, na antiguidade, o escravo era importante pelo seu valor de uso, em função de ser utilizado como força motriz para o funcionamento das cidades.
Posteriormente, o imperador Caracala estendeu a cidadania, ius civile, a todos os habitantes de Roma; adquirido, portanto, um caráter territorial. Isso gerou uma crise ao pater-família, o qual era a base do império romano. Cumulado a isso, o limite das conquistas geográficas irá culminar nas duas grandes causas da crise romana.
Os romanos era um povo belicoso, pois com a guerra advinha a expansão territorial e a conquista de escravos. Entretanto, conforme se aumentava a quantidade de escravos e
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territórios, aumentavam-se as trocas e o comércio começava a entrar em contradição com a escravidão. Todo modo de produção significa a produção de sua própria negação, de sua própria ruína. No século III houve uma crise que gerou grande instabilidade devido à decadência econômica, militar e às invasões bárbaras. Diocleciano, com o escopo de salvar o império, dividiu-o em Império Romano do Ocidente e Império Romano do Oriente; além de criar medidas de congelamento, que culminou na estagnação do dinamismo econômico.
Diante a esse ambiente de medo e tensão surgiu o cristianismo, como mecanismo de pacificação dos plebeus. A disseminação fora tão grande, que o cristianismo passou a ser adotado por todos os cidadãos romanos, marcando, portanto, o fim de Roma, vez que fora exterminada de vez a base familiar como religião.
Fora iniciado o processo de feudalização na parte ocidental do Império Romano devido à insegurança gerada a partir do seu declínio. Era formada por unidades autossuficientes, baseadas no modo de produção servil, no qual o servo era força de trabalho livre, e não mais meio de produção, como era o escravo.
No feudalismo havia liberdade para o servo; este poderia viver nos burgos ao invés de trabalhar para o senhor feudal. Entretanto, essa liberdade não pode ser confundida com a liberdade jurídica existente no capitalismo, que pressupõe a igualdade formal para todos. Destarte, a Igreja se tornou fundamental nessa época devido a existência dessa desigualdade estamental, servindo para controlar, amenizar e justificar a imobilidade social.
O feudalismo foi condenado em função dos alcances que tomou; chegou ao fim de maneira dialética. A partir da segurança proveniente dos feudos houve um aumento populacional e aumento de rotas comerciais. A circulação e as trocas de mercadorias aumentaram; fatores estes incontingentes com os
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pressupostos do feudalismo, consequentemente, propiciando o aumento das cidades. Surgiu, portanto, a modernidade.
O modo de produção deve ser analisado sempre de maneira dialética, nunca de modo analítico. Portanto, as mudanças foram surgindo lentamente no declínio do modo de produção anterior, não foram impostos de maneira abrupta.
Por volta do início do século XIV iniciou-se o acúmulo primitivo – deve-se ressaltar, entretanto, que esse acúmulo se dava através do comércio e não do trabalho, como acontece no capitalismo já desenvolvido – que desencadeou a valorização do valor, inexistente até então no feudalismo, no qual a produção era de mera sobrevivência e existia apenas o valor de uso.
Esse novo mecanismo econômico provocou a necessidade de centralização do poder de forma soberana, até então inexistente. As condições históricas nas quais Nicolau Maquiavel usou primeiramente o termo “Stato” com o sentido de Estado – meados de 1500 com a publicação de “O Príncipe” - são totalmente distintas dos outros períodos. As sociedades políticas anteriores tinham contextos históricos e características distintas.
Esse movimento econômico obriga a concentração de poder.
Antes, cada feudo era uma unidade autossuficiente. Com o
ressurgimento do comércio foi preciso concentrar o poder. Trata‐se,
portanto, de uma relação dialética.
Tendo em vista a necessidade de garantir a troca, se tornou
necessária a garantia da igualdade entre os indivíduos. A economia
estava, portanto, montando o cenário para que o direito surgisse.
Apenas na medida em que o Estado concentra o poder é que pode‐se
afirmar o surgimento do direito.
Referências:
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. São Paulo: Martin Claret, 1998.
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DOBB, Maurice; SWEEZY, Paul; TAKAHASHI, Kohachiro; DIDONNET,
Isabel. A Transição do Capitalismo para o Feudalismo. 5ª Edição. São
Paulo: Paz e Terra, 2004.
BLOCH, Marc. A Sociedade Feudal. Coimbra: Edições 70, 2009.
COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. São Paulo: Maritin Claret,
2002.
HUBERMAN, Leo. A História da Riqueza do Homem. 21ª Edição. São
Paulo: LTC, 1986.
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ARBITRAGEM E MEDIAÇÃO
ALESSANDRO MENEZES ORICO: Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes - UCAM. Especialista em Direito Ambiental. Graduado em Direito pela Universidade Tiradentes - UNIT. Advogado.
RESUMO: Esse estudo tem como demonstrar que os institutos da
arbitragem e mediação amenizam a consequência dos conflitos,
demonstrando‐se apropriados para tal resolução conflituosa, uma vez
que entram em ação quando as partes não conseguem resolver – e
apaziguar – totalmente a questão, devendo preceder a todos os
processos, restando uma decisão judicial somente para as exceções. E,
nesse contexto, os institutos da arbitragem e mediação amenizam a
consequência, quando não conseguem resolver – e apaziguar –
totalmente a questão. Daí a importância de proporcionar às partes a
possibilidade de solução por intermédio de tais institutos. Por essa razão,
torna‐se relevante abordar sobre tema da arbitragem e mediação,
demonstrando que os Institutos responsáveis por tal feito, são os meios
mais apropriados de solução dos conflitos.
Palavras‐Chave: Arbitragem; Mediação; Conflitos.
ABSTRACT: The purpose of this study is to demonstrate that arbitration
and mediation institutes alleviate the consequences of conflicts, proving
appropriate for such a conflict resolution, since they come into play
when the parties are unable to resolve ‐ and appease ‐ the issue
altogether, All proceedings, leaving a judicial decision for exceptions
only. And in this context, the arbitration and mediation institutes ease
the consequence, when they can not solve ‐ and appease ‐ the whole
question. Hence the importance of providing the parties with a solution
through such institutes. For this reason, it becomes relevant to address
the issue of arbitration and mediation, demonstrating that the Institutes
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responsible for doing so are the most appropriate means of resolving
conflicts.
Key words: Arbitration; Mediation; Conflicts.
Sumário: 1. Introdução; 2. Revisão Bibliográfica; 2.1Digressões Sobre os
Direitos da Personalidade e o Acesso à Justiça; 2.2 Mediação e
Conciliação; 2.3 Arbitragem; 3. Relevância da Mediação e da Arbitragem;
Conclusão
INTRODUÇÃO
Considerando que nos dias atuais, desde meados do ano de
2015, muito se tem discutido a respeito da melhor técnica para solução
dos conflitos judiciais, uma vez que a sentença do magistrado está longe
de resolver a questão e manter a harmonia entre os contendores, na
maioria dos casos.
Mediante a isso, motivou‐me a realização desse estudo,
buscando demonstrar que institutos Arbitragem e Mediação são os
meios mais apropriados de solução dos conflitos judiciais, bem como,
devem preceder a todos os processos, restando uma decisão judicial
somente para as exceções, é que serão adiante lançados os conceitos e
apuradas as diferenças da conciliação e da arbitragem.
A PROBLEMÁTICA do tema está no fato de atualmente, o
judiciário se deparar com inúmeros casos de conflito, e não vê outra
alternativa, senão o desligamento das relações, optando assim por uma
solução judicial.
No entanto, o que tem se observado no decorrer dos anos, é que
um processo, envolve muito mais do que uma desconfiguração ou
distrato de relações, sejam elas familiares ou profissionais, pois envolve
fatores afetivos que muitas vezes precisam ser mediados, para que as
partes voltem a ser estabelecida. Mediante a falta desse “mediador”
acabam optando pelo litígio, no entanto, percebe‐se que a maioria dos
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casos ainda tem jeito e que o rompimento de laços familiares ou
profissionais não seria a opção definitiva.
É dever do Judiciário zelar pelas boas relações, caso contrário
não faria tanto nexo assim, as inúmeras Leis que defendem a harmonia,
a democracia e a paz. Por essa razão, a seguinte problemática se levanta
como reduzir os casos de conflitos nos processos judiciais, reduzindo as
quebras de laços profissionais ou familiares e consequentemente,
amenizando a desconfiguração das relações?
Apresenta‐se assim essa pesquisa, tendo como OBJETIVO GERAL
demonstrar que os institutos da arbitragem e mediação amenizam a
consequência dos conflitos, demonstrando‐se apropriados para tal
resolução conflituosa, uma vez que entram em ação quando as partes
não conseguem resolver – e apaziguar – totalmente a questão, devendo
preceder a todos os processos, restando uma decisão judicial somente
para as exceções.
Para atender a esse objetivo geral, alguns OBJETIVOS
ESPECÍFICOS devem ser abordados, tais como: Abordar sobre as
diferenças entre mediação e arbitragem; Apresentar os Institutos de
arbitragem e Mediação e os princípios que norteiam esse feito; Dar
ênfase a algumas regras e técnicas utilizadas na mediação e arbitragem;
Abordar o tema dentro do Novo Código de Processo Civil;
JUSTIFICA‐SE a realização dessa pesquisa, o fato de que em
muitos casos a sentença se apresenta como solução do litígio, mas não
consegue apaziguar as partes que, na maioria das vezes tem que
continuar a conviver, situação que se apresenta como um suplício,
principalmente porque os litígios de família e trabalho normalmente não
apresentam um vencedor, mas partes que tem cindidos seus direitos.
E, nesse contexto, os institutos da arbitragem e mediação
amenizam a consequência, quando não conseguem resolver – e
apaziguar – totalmente a questão. Daí a importância de proporcionar às
partes a possibilidade de solução por intermédio de tais institutos.
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De outra forma – e como consequência ‐, tem‐se ainda que a
arbitragem e a mediação prévia, através de um procedimento simples e
rápido, acabam por impedir que as partes se sujeitem a procedimentos
desgastantes e, por vezes, vexatórios, inerentes à instrução processual, o
que também se traduz numa forma de alento aos envolvidos,
resguardando suas dignidades.
Por essa razão, torna‐se relevante abordar sobre tema da
arbitragem e mediação, demonstrando que os Institutos responsáveis
por tal feito, são os meios mais apropriados de solução dos conflitos
familiares e de trabalho, bem como, é importante demonstrar que esses
Institutos devem preceder a todos os processos, restando uma decisão
judicial somente para as exceções, os quais serão adiante lançados os
conceitos e apuradas as diferenças da conciliação e da arbitragem,
buscando demonstrar em que casos um ou outro instituto – ou os dois ‐
deverão ser aplicados.
Desta forma. A METODOLOGIA utilizada para elaboração deste
trabalho cientifico consistiu na utilização de métodos de procedimento
histórico e comparativo; métodos jurídicos, interpretativos, exegéticos e
sistemáticos. Tudo, com o olhar voltado à pesquisa documental e
bibliográfica atinentes ao tema, tanto em trabalhos já desenvolvidos no
Brasil como em outros países com mais tradição na utilização da
conciliação e arbitragem como meio de solução de conflitos.
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
2.1 DIGRESSÕES SOBRE OS DIREITOS DA
PERSONALIDADE E O ACESSO À JUSTIÇA Ao que se chama “direitos de personalidade” envolve, em
verdade, uma gama bastante grande de direitos, que englobam os direitos mais subjetivos da pessoa humana, e que, portanto não podem sumariamente ser anulados. Venosa (2006) esclarece que tais direitos se relacionam com o Direito Natural, e na verdade constituem o escopo mínimo da estrutura da própria personalidade do sujeito. O valor financeiro destes direitos é secundário, somente
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podendo ser avaliados quando são ofendidos, quando então se poderá falar em indenização pelos danos causados, num sentido de repor monetariamente a subjetividade agredida – é o dano moral. Eventuais danos patrimoniais consequentes à ofensa moral podem e devem ser avaliados no bojo da indenização, mas, argumenta o doutrinador, “em geral não há dano moral fora direitos da personalidade”.
Assim, aquele que pratica ofensa moral a terceiro está na verdade agredindo a personalidade de outrem, causando dano moral passível de indenização e eventualmente uma lesão de cunho patrimonial. A ligação entre dano moral e eventual dano patrimonial tem seu esboço já na Constituição, no artigo 5º, V que preconiza o “direito de resposta proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” e inciso X, que torna invioláveis a “intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
Mas a Constituição não se restringe a apenas este artigo e incisos no que tange à proteção dos direitos da personalidade, e ainda no artigo 5º, preconiza o direito de liberdade do autor, sem censura ou licença, a inviolabilidade de correspondência, o direito a privacidade pessoal e do lar, alem de proibir as discriminações por raça, cor, sexo, idade e qualquer outra forma de discriminação no artigo 3º, IV. Faz, enfim, integral proteção à dignidade humana, base dos direitos de personalidade.
Beltrão (2009) neste sentido faz com clareza o paralelo entre os direitos de personalidade e a dignidade da pessoa humana entendendo que os primeiros, fundeados na dignidade da pessoa humana, é que garantirão o gozo e o respeito ao individuo, em toda a sua integralidade, seja nas manifestações físicas ou espirituais.
A personalidade humana é um conjunto próprio de características de cada individuo, é o que torna cada ser humano único e incomparável em suas mazelas e qualidades, e, no entanto não é ela em si – a personalidade – um direito. Venosa
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(2006) ensina que ela é um “conceito básico sobre o qual se apoiam os direitos”.
Já Diniz (2004) entende no mesmo sentido, concordando que a personalidade em si não é um direito, mas respaldo e irradiação de direitos pessoais, pois da personalidade emanam as manifestações próprias de cada pessoa, e que são protegidas pela Constituição. Em verdade, a personalidade é o primeiro bem pessoal, e que permite a cada individuo adaptar-se e desenvolver-se na sociedade em que está imerso. É, portanto através dela que o individuo adquire outros bens.
E Reale[1] esclarece a respeito do conceito de personalidade que, embora não seja ela mesma objeto de direitos, é em função dela que se pode exercer o direito de ser livre, de poder agir de acordo e dentro dos direitos que a Constituição e as leis proporcionam.
Compõem os direitos de personalidade diversos direitos subjetivos: direito a honra, e por consequência a reputação, e mais a liberdade, que vai do exercimento livre da profissão ao livre manifestar de ideias, a preservar a intimidade e privacidade, seja pessoal seja do lar e dos seus, entre outros. Em verdade, o reconhecimento dos direitos de personalidade é reconhecer a existência de direitos a ela coligados, onde a personalidade é ponto fundamental e mesmo um pressuposto de existência dos mesmos.
2.2 MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO
A vida em sociedade infelizmente nem sempre é pacífica, e das
relações sociais nascem os conflitos, que necessitam ser resolvidos.
Nesse contexto é que o Estado ganha relevância, pois a ele cabe
solucionar os conflitos entre os indivíduos através da prestação
jurisdicional.
Na jurisdição, o Estado delega a função de dirimir conflitos a um
terceiro, que impõe fim ao problema de maneira imparcial e coercitiva.
Visto a evolução das relações sociais e o aumento significativo do grau de
complexidade dessas, o Poder Judiciário não consegue, no geral, atingir o
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objetivo da pacificação social ao qual se destina. Métodos alternativos de
resolução de conflitos, enquadrados no conceito de jurisconstrução,
permitem que as partes decidam, de maneira autônoma, por meio do
consenso, suas divergências.
Cumpre observar que os países mais desenvolvidos vêm
alterando a maneira como tratam a resolução de conflitos, deixando de
levá‐los para a esfera jurisdicional, buscando assim a utilização de
métodos alternativos, como a mediação, a conciliação e a arbitragem.
Essa mudança ocorreu principalmente pela morosidade da justiça
e, como o mundo de hoje é muito mais dinâmico e necessita que os
conflitos sejam resolvidos da maneira mais rápida possível, a busca por
essas alternativas se torna pontual. É nesse contexto que se faz
necessário analisar o conceito e evolução da conciliação, em sentido
amplo.
2.3 ARBITRAGEM
A arbitragem é um método de resolução alternativa de litígios,
através do qual as partes em disputa envolvidas no presente desacordo
ficam junto de um árbitro ou um painel de privados, independentes e
qualificados, considerados terceiros no assunto tratado. Onde o arbitro
determinará o resultado do caso (CASELLA, 2009)
Mesmo sendo um método menos custoso de resolução
jurisdicional o processo de arbitragem tem desvantagens incluindo risco
ao perdedor, regras formais ou semiformais de procedimento e de
provas, e também o potencial de perda de controle em termos da
decisão depois da transferência das partes de autoridade de tomada de
decisão para o árbitro (AMARAL, 2014).
Mediante a empregabilidade da arbitragem as partes perdem a
capacidade de participar diretamente do processo. Além disso, essas
partes são confinadas por remédios legais tradicionais que não
abrangem soluções criativas, inovadoras, ou o futuro para disputas
comerciais ou emocionais (AMARAL, 2014)
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Na arbitragem as partes envolvidas no conflito podem escolher
árbitros neutros para decisão e resolução da disputa entre eles, desde
que estas não sejam do tipo designado para ser tratadas no sistema
judicial (FERRAZ, 2016)
Os árbitros na maioria das vezes são advogados ou professores
de direito, e são escolhidos pelas as partes através de disputa no que se
refere à sua experiência e competência em áreas específicas do direito.
Quando a questão contestada esta em painel de árbitros, a seleção pode
acontecer por cada uma das partes onde cada uma seleciona o seu
próprio árbitro, e, juntos, esse árbitros tratarão da designação de um
terceiro como o presidente do painel (GUILHERME, 2007).
Se chegarem a um acordo em relação a uma escolha comum, as
partes podem então nomear e utilizar um único árbitro para auxilio na
disputa.
Os procedimentos que o árbitro ou o painel deve seguidos pelos
árbitros durante o processo da arbitragem são inseridos juntamente com
as cláusulas de arbitragem contratuais. Sem as quais as partes podem
acordar uma vez por superfícies de litígios, permitindo que árbitros
ouçam e resolvam os seus litígios; isso em saber como um "acordo de
compromisso" (MARTINS, 2010)
Quando da conclusão de uma disputa arbitrada é um tema
discutível, considerando que os árbitros podem prolongar o processo por
um longo tempo. Existem dois tipos de arbitragem (MORAES, 2009)
Arbitragem Obrigatória ‐ cuja sentença arbitral é comparável a
um julgamento contestado e é exequível no que diz respeito aos danos
das partes.
Arbitragem não circulante – através do qual o árbitro torna uma
decisão final semelhante ao de um acordo contratual; especificamente,
as partes devem uns aos outros uma obrigação como se estivessem em
um acordo contratual (MARTINS, 2010).
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Ao considerar a "sentença da equidade."; um
juiz irá decidir como a disputa será resolvida com
base em princípios de equidade, desde que esses
direitos estejam disponíveis para as partes e solicitar
que o juiz deve decidir dessa maneira. Caso
contrário, o juiz decidirá em princípios tradicionais
do direito (MORAES, 2009 pl. 47)
Os processos de recurso também demonstram as diferenças
entre a arbitragem vinculativa e não vinculativa. Uma decisão de
arbitragem geralmente tem força de lei por trás dele, mas não
estabeleceu um precedente legal. A determinação chegou ao meio de
arbitragem cuja ligação pode ser objeto de recurso somente quando uma
parte deseja procurar revogação, e, quando for o caso, pode ser feito por
uma terceira objeção do partido na frente do juiz ordinário (FERRAZ,
2016).
Uma terceira objeção é o procedimento
habitual que se estende a duração do processo geral
de arbitragem, essencialmente, tornar‐se um
procedimento duplo, privado no início e, em
seguida, na fase de execução. Quando é feita uma
determinação por meio de arbitragem não
vinculativa, a decisão pode ser objeto de recurso
apenas nos casos exclusivos e limitados, envolvendo
frases que podem ser impostas por uma decisão de
equivalência patrimonial (MORAES, 2009 p. 55).
O recurso deve ser ouvido por novos árbitros, que deve ser
escolhido com um olho cada vez mais seletivo em relação à sua
experiência e competência em um processo, é claro, que envolve mais
dinheiro e tempo (MARTINS, 2010)
Em última análise, o poder de um árbitro ou painel de árbitros é
concedido diretamente pelas partes. Com a inclusão de cláusulas de
arbitragem contratuais, as partes estão concordando com a resolução de
suas disputas através de um processo que consiste em um processo
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muito simples, que são semelhantes, mas não iguais à rota tradicional de
assentamentos autuados (CASELLA, 2009)
A sentença arbitral que conclui uma disputa tem o mesmo valor
como uma decisão judicial ordinária, sob a condição de que as partes vão
prosseguir com o próximo passo formal de registrar esta decisão privada
com o Tribunal de Recurso (Amaral, 2014).
3 RELEVÂNCIA DA MEDIAÇÃO E DA ARBITRAGEM
De acordo com Mendonça (2003, p. 45), “a mediação tem como
principal característica propiciar oportunidades para a tomada de
decisões pelas partes em conflito, utilizando técnicas que auxiliam a
comunicação no tratamento das diferenças, de forma construtiva e
interativa”. E acrescenta a autora:
As técnicas utilizadas em uma mediação são
oriundas das áreas da comunicação e da negociação,
e têm como objetivo auxiliar as partes a exercitarem
seu apoderamento (apropriação de seus
conhecimentos, ações e soluções) e reconhecimento
(inclusão do ponto de vista, ações e soluções do
outro), o respeito pelo outro, sua consciência social,
seu movimento e motivação em direção ao futuro, a
definição de temas, a deliberação de tomadas de
decisões.
Souza (2004, p. 60), por sua vez, afirma que “a mediação é, na
realidade, ato de intervenção de um terceiro em um negócio ou contrato
que se realiza entre outras pessoas”.
Moraes (2009, p. 135), sobre o instituto da mediação, o classifica
como “um procedimento em que não há adversários, onde um terceiro
neutro ajuda as partes a se encontrarem para chegar a um resultado
mutuamente aceitável, a partir de um esforço estrutural que visa a
facilitar a comunicação entre os envolvidos”.
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Desse modo, a solução do conflito é pretendida pelas próprias
partes, que, com a ajuda de um terceiro sem interesse na causa,
denominado de mediador, solucionam o problema. O mediador auxilia
os conflitantes a entender os motivos das divergências, a delimitar suas
fraquezas e barreiras a fim de possibilitar a construção da decisão.
Qualquer terceiro alheio ao litígio é apto a exercer o papel de
mediador, “pode ser qualquer pessoa que, porventura, as partes, órgão
estatal ou privado, venham a indicar” (MORAES, 2009, p. 152).
Conforme Salla (2007, p.114),
[...] mediar é interceder ou rogar por alguém,
procurando reconciliar duas ou mais pessoas em
conflito. A busca pela composição é realizada, como
dito, por um terceiro, que é denominado mediador
e não possui o direito de impor a decisão ou
medida, isto é, ele não pode coagir nenhuma das
partes a aceitar sua decisão. Ele apenas as orienta
na construção da própria resposta.
A autora ressalta que o terceiro deve intervir entre as partes para
convergir os pontos em comum e afastar as diferenças, não lhe sendo
facultado, portanto, a propositura de solução para o caso.
Amaral (2014, p. 23) entende que a distinção entre a conciliação
e a mediação não possui a menor importância, servindo apenas para
fazer uma distinção doutrinária, uma vez que, em muitos países, a
conciliação descrita nas legislações estrangeiras assemelha‐se à
mediação, como concebida no ordenamento jurídico brasileiro.
Pasco (1997, p. 206‐207) ressalta que a conciliação e a mediação
são conceitos que alguns identificam ou assemelham. No entanto,
entende que, através de uma análise mais rigorosa, pode‐se estabelecer
sensíveis diferenças. A mediação situa‐se equidistante da conciliação e
da arbitragem, embora tenha em comum com a primeira ser
complemento da negociação, que busca a solução pelo acordo e
entendimento das partes. Contudo, diferencia‐se no fato de o mediador
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tornar pública sua proposta de solução, enquanto o conciliador não a
manifesta.
Afirma o autor, ainda, que é possível também que a conciliação
evolua para a mediação, desde que as partes queiram‐no ou, pelo
menos, admitam‐no (PASCO, 1997, p. 207).
Comunga desse entendimento Franco Filho (1997, p. 12‐13), que
por sua vez, entende que “não se confunde o mediador com o
conciliador, porque este tem papel menor e comparece
espontaneamente a buscar, em conjunto com os conflitantes, a solução
que melhor os atenda”.
Inicialmente é importante ressaltar que inexiste diploma legal, no
ordenamento jurídico brasileiro, que regulamente a mediação. Contudo,
mesmo não sendo a mediação no Brasil normatizada, esta deve seguir
alguns princípios básicos para que torne o processo legitimo.
Souza (2004, p. 70‐71) entende “como princípios inerentes à
mediação a necessidade e o interesse dos participantes envolvidos no
conflito”.
Outro princípio que considera importante é o da “imparcialidade,
significando que a terceira pessoa eleita pelos interessados para ajudá‐
los na solução do problema será capaz de conduzir o processo mediador,
não podendo em momento algum decidir ou solucionar o conflito”
(SOUZA, 2004, p. 71).
Cumpre observar que outros princípios que devem ser
respeitados na mediação dizem respeito às partes. Para Souza (2004, p.
71) dentre estes princípios destacam‐se o da autodeterminação e o da
voluntariedade. No primeiro, o que deve ocorrer é um acordo voluntário,
sem nenhuma imposição ou coerção de qualquer espécie, em que suas
soluções são levadas ao mediador. Logo, sendo a parte contrária, que a
aceita ou não, não podendo nem mesmo haver imposição de soluções ao
conflito.
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No segundo, há de se observar que o processo de mediação não
deve ser imposto, mas sim aceito pelas partes, e dessa forma não haverá
qualquer espécie de coação, pois, se isto ocorrer, a vontade estará
minada.
Como já apontado alhures, o mediador será a pessoa escolhida
pelas partes para conduzir todo o processo de mediação e, geralmente, é
uma pessoa de notável conhecimento e confiança das partes, como se
extrai dos ensinamentos de Souza (2004, p. 72):
[...] o mediador é um terceiro, desinteressado e
neutro, que busca por meio do processo de
mediação exercer a função de conselheiro, pois é
aquele que aconselha ou sugere aos contendores
algo de novo, de diferente, às questões levadas
pelas partes, ampliando a possibilidade de acordo,
por contrabalançar os motivos do conflito, e por
suas ponderações, ajudar as partes a chegarem a
uma solução, o que em alguns casos, a priori,
poderia ser impossível. [...] Este pode ser qualquer
pessoa indicada pelas partes ou por órgão estatal.
Em face da seriedade e cientificidade do instituto, o
mediador deve ser alguém preparado para exercer
tais funções e que possua bom senso para o normal
desenvolvimento do processo. [...] O mediador deve
possuir a capacidade de comunicação, deve exprimir
seu pensamento de forma simples e clara, bem
como saber entender e interpretar a intenção das
partes por meio de seus conhecimentos.
Morais (2009, p. 72) chama a atenção para o fato de que o
processo de mediação é muitas vezes desenvolvido quando as partes,
além de seu interesse que buscam ter respeitado, apresentam‐se em um
estado sentimental conturbado. É, portanto, dever do mediador
trabalhar para minimizar as consequências disto. Assim, um processo
que se desencadeia entre as partes, que buscam o prejuízo da outra,
como forma de satisfação pessoal, não terá êxito, já que só ocorrera se o
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processo apresentar como solução um acordo satisfatório para os
envolvidos.
Sem avaliar ou opinar sobre a questão, o mediador promove o
elo entre os conflitantes e facilita a troca de informações e alternativas
para acabar com a divergência. E, dessa forma, reduz a amplitude das
incompatibilidades e aproxima as partes de maneira gradativa, para que
não desistam de mediar o conflito (FREGAPANI, 1997, p. 100).
Tavares (2002, p. 76‐77) destaca algumas prerrogativas do
mediador, bem como alguns erros que esse não deve cometer.
No que tange às atribuições do mediador, o autor cita: indicar,
expor e indagar a respeito dos detalhes do conflito; dispor a conversa
entre as partes, auxiliar na composição da lide; ressaltar os pontos em
comum e os opostos a fim de que se chegue ao um consenso; instigar
diferentes soluções em busca da mais justa; e auxiliar os interessados na
descoberta dos reais objetivos (TAVARES, 2002, p. 76‐77).
Quanto aos erros, elenca: intimidade com as partes; restrição
quanto ao tempo empregado no desempenho da função; distanciamento
dos detalhes do conflito e dos interessados; imposição de decisões; falta
de preparação técnica para atuar sobre o procedimento; atribuição de
juízo de julgamento sobre a lide; e declaração do objeto antes desse ser
delimitado pelos conflitantes (TAVARES, 2002, p. 77).
Para Souza (2004, p. 75), o processo de mediação encerra as
seguintes características, sendo elas: (1) privacidade; (2) economia
financeira e de tempo; (3) oralidade; (4) reaproximação das partes; (5)
autonomia das decisões; e (6) equilíbrio das relações entre as partes.
Anote‐se que essa também é a classificação majoritária na
doutrina.
O caráter da privacidade é manifestado porquanto a mediação
ocorre somente na presença das partes e do mediador. O que for
mediado será mantido apenas entre os envolvidos. A esses é facultado
decidir se querem manter secreto o processo ou se desejam divulgá‐lo,
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salvo nos casos de interesse público, força de decisão judicial ou política
pública, em que será desconsiderada tal escolha.
A mediação possibilita a economia financeira e reduz o tempo
despendido com o conflito. Seu procedimento é desvinculado de
trâmites legais, o que permite às partes e ao mediador construírem a
decisão de acordo com a necessidade daqueles. Quanto mais se
prolongar a resposta do problema, maior será o dinheiro empregado na
sua resolução. A demora na prestação jurisdicional pode fazer com que o
titular do direito prefira “abdicá‐lo a enfrentar trâmites lentos,
burocráticos e dispendiosos” (MORAES; SPENGLER, 2008, p. 135).
Considerado um procedimento firmado no diálogo, esse instituto
caracteriza‐se pela oralidade. Objetiva a harmonia entre os conflitantes,
a fim de compor a solução para o problema. As partes devem exteriorizar
por meio da fala suas pretensões para que a satisfação plena seja
alcançada.
Deriva da comunicação entre as partes a característica de
reaproximação dessas. Ao mediador é atribuída a função de reaproximar
os conflitantes utilizando métodos que instiguem a elaboração da
solução do conflito. Reconstrói‐se o relacionamento pessoal dos
envolvidos.
A autonomia manifesta‐se pela aptidão que possuem as partes e
o mediador de conduzirem o procedimento à decisão. Visto que essa é
atingida pelo trabalho de todos os integrantes do procedimento em
conjunto, tende a ser mais facilmente respeitada e executada.
Por fim, o equilíbrio das relações surge da paridade de armas
dispostas aos conflitantes. Indispensável que os integrantes tenham
conhecimento dos seus direitos e de todas as questões pertinentes ao
conflito. Precisa também o mediador saber utilizar o procedimento da
mediação, para que possibilite aos interessados as mesmas
oportunidades de manifestação, e para que esses consigam
compreender todas suas etapas até a solução da desavença.
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Segundo Souza (2004, p. 77), a mediação pode ser apresentada
de duas formas: a primeira denomina‐se voluntária, que, como o próprio
nome diz, depende da vontade das partes para dar início ao processo. A
segunda é chamada de mandatória e é iniciada através de determinação
judicial ou através de cláusula compromissória que prevê tal
procedimento.
Sobre as vantagens da mediação, Tavares (2002, p. 69) assevera
que proporciona às partes a resolução célere, ágil, eficaz, específica e
flexível do conflito; torna ambos os conflitantes vencedores; propicia a
problemas passados uma nova análise, a qual é adequada ao momento
atual das partes; evita o desgaste emocional de um processo comum,
porquanto permite o reajuste emotivo entre as partes e a reconstrução
das relações pessoais; ajuda a desafogar o Judiciário, ao diminuir o
desenvolvimento de processos pela via judicial; satisfaz as pretensões
dos conflitantes, ao ponto que propicia maior credibilidade e respeito à
sentença por ser fruto do consenso entre os litigantes; e oferece nova
forma de atuação dos profissionais do Direito.
CONCLUSÃO
Ao longo do presente estudo, buscou‐se compreender as
peculiaridades dos meios extrajudiciais de solução de conflitos no
Direito, notadamente a mediação e a arbitragem.
Viu‐se que tais instrumentos são cada vez mais utilizados, e têm
se mostrado cada vez mais eficaz na busca por uma decisão que ponha
fim, de forma satisfatória, às controvérsias estabelecidas entre as partes
de um processo. Esse fato é devido ao afogamento do Poder Judiciário,
pelas incontáveis ações que tramitam em todos os órgãos de Justiça do
país, culminando em morosidade e ineficácia das decisões prolatadas.
A arbitragem, com isso, apesar de ter uma utilização ainda
incipiente se comparada à via judicial, tem, pouco a pouco, conquistado
a confiança daqueles que procuram uma forma alternativa para
solucionar seus conflitos, sendo mais célere e, em muitos casos, pelas
razões já mencionadas, mais eficazes que a Justiça estatal.
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Como a mediação e arbitragem surgiram para tornar mais prático
o nosso ordenamento jurídico, fazendo com que os conflitos sejam
resolvidos de maneira mais rápida, sigilosa, menos onerosa e sem
desgastes para as partes. O nosso papel, deve ser de promover a
divulgação desses métodos, para conscientizar os empregados e
empregadores, que estas formas de resolução de conflitos são
promissoras e já estão dando certo, muito embora se faça necessária
maior conscientização dos sujeitos envolvidos, principalmente para que
sejam tais meios utilizados, para desafogar o Poder Judiciário.
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NOTAS
[1] REALE, Miguel. Os direitos da personalidade. Disponível on line
em: http://www.miguelreale.com.br/artigos/dirpers.htm
[1] REALE, Miguel. Os direitos da personalidade. Disponível on line
em: http://www.miguelreale.com.br/artigos/dirpers.htm
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A UTILIZAÇÃO DE TÉCNICAS EXTRAJUDICIAIS DE TUTELA COLETIVA, PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, NA FISCALIZAÇÃO DO TERCEIRO SETOR
PAULO GOMES FERREIRA FILHO: Mestre em Direito Público pela PUC-SP, Procurador da República.
RESUMO: Este trabalho analisa a utilização, pelo Ministério Público, das principais técnicas extraprocessuais de tutela coletiva – inquérito civil, recomendação e termo de ajustamento de conduta – na fiscalização das entidades que compõem o Terceiro Setor.
PALAVRAS-CHAVE: Terceiro Setor. Tutela coletiva. Ministério Público.
1) INTRODUÇÃO
A Constituição Federal consagrou a função ministerial de
promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do
patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses
difusos e coletivos, com a correspondente previsão dos deveres‐poderes
de notificação e requisição de informações e documentos para instrução
dos procedimentos administrativos de competência do parquet (artigo
129, III e VI).
Seguiu‐se, em um breve período imediatamente após a
promulgação da Carta de 1988, ainda que de forma não concertada, a
postura institucional ministerial de prestigiar o ajuizamento de ações
civis públicas para a promoção dos interesses difusos e coletivos. Com o
decorrer do tempo e a constante especialização de promotorias de
Justiça e ofícios do Ministério Público em todo país – nas áreas de saúde,
educação, cidadania e patrimônio público, entre outras – a instituição
passou a perceber as vantagens de se utilizar também as técnicas
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extraprocessuais de tutela coletiva para concretizar direitos coletivos,
sempre com o escopo de buscar a efetividade da tutela coletiva.
Com efeito, o membro do Ministério Público deve avaliar
o melhor caminho a ser seguido em cada caso, mediante a ponderação
das vantagens e desvantagens em ajuizar ação civil pública ou utilizar os
meios extrajudiciais para a implementação de direitos coletivos. De
qualquer forma, qualquer que seja a estratégia adotada pelo parquet, o
acesso ao judiciário é sempre garantido constitucionalmente aos demais
legitimados coletivos (artigo 5º, XXXV) que eventualmente discordem da
atuação ministerial.
Alexandre Amaral Gravonski demonstra que tanto as
ações civis públicas quanto as técnicas extraprocessuais de tutela
coletiva possuem limitações naturais que devem ser sopesadas pelo
legitimado coletivo em cada caso concreto. A solução mais adequada a
ser adotada deve levar em conta a efetividade do instrumento escolhido
para cada situação específica, com base em critérios de qualidade, baixo
custo, resolutividade e satisfação dos envolvidos. [1]
Este trabalho analisa as técnicas extraprocessuais de
tutela coletiva utilizadas pelo Ministério Público: o inquérito civil, a
recomendação e o termo de ajustamento de conduta, sob o enfoque do
controle externo e efetivo do Terceiro Setor.
2) INQUÉRITO CIVIL
De nada adiantaria incumbir o Ministério Público da
defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais
e individuais indisponíveis sem dotá‐lo dos instrumentos necessários
para o cumprimento de tão importante missão. Nesse sentido, a
consagração constitucional do inquérito civil e do poder requisitório foi
fundamental para o fortalecimento institucional do Ministério Público na
promoção dos interesses sociais e individuais indisponíveis. [2]
O inquérito civil é procedimento administrativo
inquisitório e facultativo de titularidade exclusiva do parquet, que tem
como objeto “apurar fato que possa autorizar a tutela dos interesses ou
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direitos a cargo do Ministério Público nos termos da legislação aplicável,
servindo como preparação para o exercício das atribuições inerentes às
suas funções institucionais”.[3]Desempenha relevante função
instrumental, destinando‐se a coligir quaisquer elementos de convicção
que possam embasar a atuação do Ministério Público.
Possui a natureza jurídica de procedimento
administrativo. Trata‐se da sucessão coordenada e formalizada de atos
administrativos praticados pelo Ministério Público na coleta de
elementos probatórios para a promoção de interesses sociais e
individuais indisponíveis. Não é processo administrativo: não há litigantes
ou acusados, nem a possibilidade de se aplicar qualquer sanção aos
investigados no âmbito do inquérito civil.
É inquisitório ou unilateral, eis que não tem partes,
participantes ou acusados, por isso não incidem as garantais
constitucionais do contraditório e da ampla defesa durante a instrução
do inquérito civil. Nada impede e é até aconselhável, porém, que
o parquet realize a oitiva de todos os envolvidos para formar sua
convicção, adotando uma postura direcionada “à construção do
consenso e de inequívoco interesse para a efetividade da tutela coletiva,
atentando aos princípios da máxima efetividade possível e da
concretização dos direitos e interesses coletivos por meio da construção
argumentativa do consenso”. [4]
Se o Ministério Público possuir todos os dados
necessários para exercer suas funções, o inquérito civil será dispensável.
Diz‐se, assim, que é facultativo: não é condição de procedibilidade para o
ajuizamento das ações a cargo do Ministério Público, nem para a
realização das demais medidas de sua atribuição própria.[5] Por
exemplo, se o Ministério Público receber uma representação
devidamente instruída sobre o direcionamento de determinada licitação
para favorecer uma entidade do Terceiro Setor, poderá ajuizar de
imediato a ação civil pública para anular o certame, não sendo necessária
instauração do inquérito civil.
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Não há formalidade restrita no inquérito civil, o que
permite ampla margem de liberdade para o membro do Ministério
Público conduzir sua instrução. Todas as provas permitidas pelo
ordenamento jurídico podem ser colhidas para o esclarecimento do fato
objeto da investigação e juntadas nos autos do inquérito civil em ordem
cronológica de apresentação. [6]
O inquérito civil é de regra público, com exceção dos
casos em que haja sigilo legal ou em que a publicidade possa acarretar
prejuízo às investigações, quando a decretação do sigilo legal deverá ser
motivada. [7]
As principais diligências instrutórias realizadas pelo
Ministério Público no inquérito civil são as seguintes: oitiva de
testemunhas (que podem ser requisitadas coercitivamente, caso,
regularmente notificadas, ausentem‐se seu justificativa); requisição de
informações, exames, perícias e documentos de autoridades da
Administração Pública direta ou indireta; requisição de informações e
documentos a entidades privadas; realização de inspeções; acesso a
banco de dados de caráter público ou relativo a serviço de relevância
pública; e realização de audiências públicas e reuniões.
Nos inquéritos civis instaurados para apurar
irregularidades nas parcerias estabelecidas entre o Poder Público e o
Terceiro Setor, é recorrente a requisição de cópias dos convênios,
contratos de gestão e termos de parceria e das respectivas prestações de
contas. Registre‐se que o Ministério Público Federal tem acesso
privilegiado ao SINCOV e que o concedente deverá comunicar ao
Ministério Público competente quando detectados indícios de crime ou
improbidade administrativa. [8]
Citem‐se alguns exemplos de inquéritos civis instaurados
pelo Ministério Público para investigar a correta aplicação de recursos
públicos pelas entidades do Terceiro Setor: apurar possíveis
irregularidades envolvendo o uso de verbas federais repassadas por
meio do convênio firmado entre o Município de Duque de Caxias – RJ e o
Grupo Verde Mania (ONG), destinadas à implantação e execução do
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Programa NAF – Núcleo de Apoio à Família – Plano Nacional de
Segurança Pública;[9]acompanhar os convênios firmados entre o
Ministério do Turismo e a Associação Brasileira de Transporte Aéreo –
ABETAR;[10]acompanhar a execução de termo de parceria entre a
Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC e a Organização Brasileira para
o Desenvolvimento da Certificação Aeronáutica – DCA BR;[11]averiguar a
regularidade na aplicação de verbas oriundas do Ministério da Educação
e Cultura para a execução do projeto denominado 'Escola Que Protege”
por meio da ONG Hathor. [12]
Outra linha de atuação muito comum é a instauração de
inquérito civil para apurar o respeito ao princípio da impessoalidade na
realização de procedimento de competição para escolha da entidade
parceira do Poder Público, como ocorreu no inquérito civil instaurado
pela Procuradoria da República no Estado da Bahia com o objetivo de
verificar os critérios para a escolha da ONG “Avante, qualidade, educação
e vida” e do “Instituto Aliança com o Adolescente”, beneficiadas com
recursos públicos do “programa primeiro emprego” do Governo
Federal. [13]
O inquérito civil pode ser também utilizado para apurar a
correta prestação de serviços de relevância pública pelo Terceiro Setor. É
o que ocorreu na instauração de inquérito civil pela Procuradoria da
República no Estado do Rio Grande do Sul para apurar a possível
existência de um novo curso de medicina – sem reconhecimento pelo
Ministério da Educação – promovido pela Escola Superior de Ciências
Tradicionais e Ambientais – ESCAM, mantida pela ONG TerraBrazil. [14]
Preventivamente, o inquérito civil deve ser instaurado
para acompanhar e fiscalizar as parcerias estabelecidas com o Terceiro
Setor, verificando‐se a correta aplicação dos recursos públicos, em
especial nos ajustes que envolverem valores mais elevados. Nesse
sentido, o Ministério Público Federal instaurou inquérito civil com o
objetivo de apurar a legalidade e a correta aplicação de recursos públicos
federais pelas Organizações Sociais e Organizações da Sociedade Civil de
Interesse Público localizadas nos municípios abrangidos pela atribuição
da Procuradoria da República em Campinas – SP. [15]
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A Constituição Federal consagrou o poder requisitório do
Ministério Público (artigo 129, VI), inicialmente previsto na lei da ação
civil pública. A Lei Orgânica Nacional do Ministério Público e a Lei
Orgânica do Ministério Público da União disciplinam o exercício desse
poder. [16]
A requisição é uma prerrogativa constitucional que
confere ao parquet o poder jurídico de exigir a obtenção de elementos
probatórios, seja qual for a pessoa que deles disponha, para instruir o
inquérito civil e os procedimentos administrativos de sua
competência.[17] Não cabe ao agente requisitado avaliar a conveniência
e oportunidade de atender à requisição ministerial: trata‐se de ordem
legal emanada do parquet.
Caso a requisição não seja atendida, o Ministério Público
poderá impetrar mandado de segurança para obter as informações
requisitadas. Além disso, a sanção pelo descumprimento deliberado da
requisição ministerial legitimamente expedida consiste na
responsabilização pelo crime de desobediência.[18] A Lei 7.347/85, por
seu turno, tipifica como crime, punido com pena de reclusão de 1 (um) a
3 (três) anos, mais multa de 10 (dez) a 1.000 (mil) Obrigações
Reajustáveis do Tesouro Nacional ‐ ORTN, “a recusa, o retardamento ou
a omissão de dados técnicos indispensáveis à propositura da ação civil,
quando requisitados pelo Ministério Público” (artigo 10). Em casos mais
extremos, o descumprimento reiterado de requisição ministerial poderá
ensejar prática de improbidade administrativa consistente em retardar
ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício (artigo 11, II, da Lei
8.429/92).
Questiona‐se se o poder requisitório do Ministério
Público encontra limites nos dados protegidos por sigilo legal.
Diz o artigo 8º, §2º, da Lei Complementar 75/93, que
“nenhuma autoridade poderá opor ao Ministério Público, sob qualquer
pretexto, a exceção de sigilo, sem prejuízo da subsistência do caráter
sigiloso da informação, do registro, do dado ou do documento que lhe
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seja fornecido”, aplicável subsidiariamente aos Ministérios Públicos dos
Estados de acordo com o artigo 80 da Lei 8.625/93.
Em relação ao sigilo bancário, a jurisprudência vem
admitindo a obtenção de informações diretas pelo Ministério Público,
sem a necessidade de autorização judicial, nos casos em que os dados
referem‐se a recursos públicos, conforme decidido pelo Supremo
Tribunal Federal no MS 21.729‐DF, relatado pelo Ministro Néri da
Silveira.[19] Nos demais casos, prevalece o entendimento de que
o parquet deve requerer judicialmente as informações bancárias
necessárias para a investigação, não se admitindo a quebra genérica do
sigilo bancário. [20]
Logo, conforme o entendimento dominante na
jurisprudência, o Ministério Público pode requisitar diretamente das
instituições financeiras as informações bancárias referentes aos recursos
transferidos às entidades do Terceiro Setor, já que tais recursos possuem
a natureza de recursos públicos. Por exemplo, o parquet pode ter acesso
direto aos dados da conta bancária específica (artigo 10, §3º, I, do
Decreto 6.170/07) de convênio ou contrato de repasse firmado com o
Terceiro Setor.
No que diz com o sigilo fiscal, o poder requisitório do
Ministério Público, em relação à situação econômico‐financeira do
investigado na Secretaria da Receita Federal, encontra respaldo no art.
198, § 1º, II, do Código Tributário Nacional (CTN), alterado pela Lei
Complementar 104/2001.[21] Registre‐se que a Receita Federal possui
ato normativo interno determinado o fornecimento das informações
alcançadas pelo sigilo fiscal ao Ministério Público da União,
independentemente de autorização judicial. [22]
Nos demais casos em que houver sigilo legal, as
informações requisitadas devem ser encaminhadas ao Ministério
Público, ficando o membro do parquet responsável civil e penalmente
pelo uso indevido dos dados e documentos que requisitar. A ação penal,
na hipótese, poderá ser proposta também pelo ofendido,
subsidiariamente, na forma da lei processual penal. [23]
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Nem sempre o inquérito civil culminará na propositura de
ação civil pública. Na maioria das vezes, aliás, o inquérito civil é
arquivado por outros motivos, tais como o cumprimento integral de
termo de ajustamento de conduta, o acatamento de recomendação
expedida, a correção de conduta irregular investigada ou a inexistência
de fundamento para a propositura da ação civil pública. Quanto mais
bem instruído for o inquérito civil, mais eficiente será a atuação
ministerial na via judicial ou extrajudicial.
Nas palavras de Alexandre Amaral Gravonski, “serve o
inquérito civil de qualificado instrumento de informação e instrução,
impedindo uma atuação açodada ou superficial do Ministério Público e
garantindo adequada identificação das reais possibilidades do caso
concreto”. [24]
O referido autor cita duas formas diretas de efetividade
do inquérito civil no plano extraprocessual: o efeito de inibir, em alguns
casos, a prática ou a reiteração da conduta delitiva mediante a simples
comunicação da instauração do inquérito civil ao investigado e a
possibilidade de construir uma solução consensual para proteção e
recuperação dos direitos e interesses difusos e coletivos.[25]
As contribuições indiretas do inquérito civil são também
duas: suspenção do prazo decadencial quanto ao direito de reclamação
dos vícios constatados em produtos ou serviços fornecidos no mercado
de consumo (artigo 26, §2º, III, do CDC) e utilização dos elementos
colhidos no inquérito civil para responsabilização criminal dos
investigados.
3) RECOMENDAÇÃO
Recomendar significa fazer ver, aconselhar, indicar.[26] A
principal característica das recomendações expedidas pelo Ministério
Público é a ausência de coercibilidade: não se trata de ordem emanada
do parquet, mas de admoestação com o escopo de persuadir o órgão
recomendado a corrigir conduta irregular ou adotar providências
cabíveis para a tutela dos interesses, direitos e bens sociais e individuais
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indisponíveis. Possui a natureza jurídica de ato jurídico unilateral, eis que
independe da participação do destinatário para produzir efeitos.
A recomendação encontra fundamento constitucional na
função ministerial de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e
dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na
Constituição Federal, eis que é medida necessária e eficiente para o
desempenho dessa atribuição ministerial estabelecida no artigo 129, I,
da Constituição de 1988. O instrumento foi inicialmente previsto na Lei
8.625/93[27] e aperfeiçoado na Lei Complementar 75/93, que estabelece
a atribuição ministerial de “expedir recomendações, visando à melhoria
dos serviços públicos e de relevância pública, bem como ao respeito, aos
interesses, direitos e bens cuja defesa lhe cabe promover, fixando prazo
razoável para a adoção das providências cabíveis” (artigo 6º, XXII).
A Resolução 23/2007 do CNMP trata a recomendação
como ato fundamentado expedido nos autos do inquérito civil ou do
procedimento preparatório que objetiva à melhoria dos serviços públicos
e de relevância pública, bem como aos demais interesses, direitos e bens
cuja defesa caiba ao parquetpromover (artigo 15). O campo de
abrangência da recomendação é amplíssimo, relacionado às atribuições
ministeriais previstas na Constituição.
Alexandre Amaral Gravonski define a recomendação
como[28]
instrumento jurídico extraprocessual escrito
por meio do qual, fundamentadamente e sem
coercibilidade, o Ministério Público, respeitadas as
regras de atribuição, antecipa oficialmente ao
destinatário, pessoa física ou jurídica, de natureza
pública ou privada, o seu posicionamento
específico relacionado à melhoria de determinado
serviço publico ou de relevância pública ou a
respeito de interesses, bens ou direitos que lhe
cabe promover, objetivando a correção de
condutas ou adoção de providências do
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destinatário, sem a necessidade de se recorrer à
via judicial.
É, pois, ato administrativo unilateral expedido
pelo parquet que deverá ser bem fundamentado para que possa ser
acolhido pelo recomendado. Com efeito, a eficácia da recomendação
para resolução extrajudicial do caso dependerá do poder persuasivo dos
argumentos apresentados no instrumento. Caso o destinatário opte por
não acolher a recomendação ministerial, por estar convencido da licitude
de sua conduta, poderá ser acionado judicialmente pelo Ministério
Público para cumprir o que havia sido recomendado.
A principal vantagem da recomendação é a possibilidade
de seu pronto acatamento, o que levará à solução rápida e econômica da
controvérsia sem a necessidade de judicialização. Nesse sentido,
configura eficiente método extrajudicial de autocomposição por
submissão do recomendado ao entendimento do parquet.
Não obstante, independentemente de seu cumprimento,
tem o ato o importante efeito de demonstrar ao recomendado a ilicitude
do comportamento por ele adotado, impossibilitando‐o de alegar boa‐fé
a partir do momento em que tomou ciência da recomendação. Emerson
Garcia cita o exemplo do agente que, após receber recomendação
expedida pelo Ministério Público demonstrando a ilicitude de sua
conduta, continua a praticar atos de improbidade administrativa
violadores dos princípios regentes da atividade estatal: ao insistir na
prática do ato de improbidade administrativa, mesmo após a ciência da
recomendação, o agente atua inequivocamente com dolo. [29]
Citem‐se alguns exemplos de recomendações expedidas
no exercício do controle do Terceiro Setor pelo Ministério Público.
O Ministério Público do Estado de São Paulo expediu
recomendação para que os dirigentes da Fundação Pinhalense de Ensino,
instituição sem fins lucrativos sediada no Município de Espírito Santo do
Pinhal, cessassem a ilegalidade consistente na remuneração de seus
dirigentes, em afronta expressa a disposição do estatuto social da
entidade. [30]
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Na Recomendação 03/2007‐MS, o Ministério Público
Federal em Mato Grosso do Sul recomendou à Diretora do Programa
Nacional de DST/AIDS, da Secretaria de Vigilância em Saúde, do
Ministério da Saúde, que instaurasse procedimento administrativo para
apuração de danos ao patrimônio público causado por entidade do
Terceiro Setor, identificando o responsável e adotando as providências
cabíveis para a reparação do erário. [31]
O Ministério Público Federal em Jales – SP recomendou
ao prefeito do Município de Fernandópolis – SP que suspendesse o
termo de parceria celebrado com a OSCIP Instituto de Saúde e Meio
Ambiente – ISAMA e reassumisse a direção estratégica e a gestão
operacional dos serviços de saúde transferidos à OSCIP. [32]
Se a recomendação não for acatada e a ilegalidade
detectada persistir, o Ministério Público adotará as providências cabíveis
para a efetiva tutela do direito difuso ou coletivo lesado. Nesse sentido, a
Resolução 23/2007 do CNMP diz que é vedada a expedição de
recomendação como medida substitutiva ao compromisso de
ajustamento de conduta ou à ação civil pública (artigo 15, parágrafo
único).
4) TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA
O termo de ajustamento de conduta ou, simplesmente,
TAC, foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente (artigo 211 da Lei 8.069/90) e consagrado
como instrumento extrajudicial de tutela coletiva pelo Código de Defesa
do Consumidor, que inseriu na Lei da Ação Civil Pública o §6º do artigo
5º, com a seguinte redação: “os órgãos públicos legitimados poderão
tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às
exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título
executivo extrajudicial”.
Havia intenção de vetar o referido dispositivo quando da
promulgação do Código de Defesa do Consumidor, mas o artigo 113 do
CDC, talvez por descuido na revisão do texto legal, não foi explicitamente
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vetado. Dessa forma, entende‐se que a “referência ao veto ao artigo 113,
quando vetados os artigos 82, § 3º, e 92, parágrafo único, do CDC, não
teve o condão de afetar a vigência do § 6º, do artigo 5º, da Lei 7.374/85,
com a redação dada pelo artigo 113, do CDC, pois inviável a existência de
veto implícito”.[33] A doutrina majoritária e a jurisprudência são
uníssonas quanto à validade legal do instrumento e seu uso vem
colhendo bons frutos, demonstrando sua eficiência como técnica de
resolução célere de conflitos.
Os órgãos públicos legitimados para a propositura da
ação civil pública possuem atribuição para firmar o TAC. A Lei 7.347/85,
nesse ponto, não utilizou com precisão o conceito técnico de órgão
consagrado na doutrina[34], referindo‐se tanto a órgãos quanto a
pessoas jurídicas de direito público.
Assim, possuem atribuição para celebrar TAC todos os
legitimados públicos à propositura da ação civil pública: Ministério
Público, Defensoria Pública, União, Estados, Distrito Federal, Municípios
e autarquias e fundações públicas de direito público (artigo 5º, I, II, III e
IV). Outrossim, os órgãos públicos sem personalidade jurídica e que se
dediquem à defesa de interesses difusos, coletivos ou individuais
homogêneos, como os Procons, também podem celebrar TACs.
Em relação às fundações públicas de direito privado,
empresas públicas e sociedades de economia mista, embora também
legitimadas ao ajuizamento de ação civil pública (artigo 5º, IV, da Lei
7.347/85), são pessoas jurídicas de direito privado: somente as voltadas
para a prestação de serviços públicos é que podem, em tese, celebrar o
TAC. Quando tais entidades se voltam para a exploração de atividade
econômica, não poderão tomar compromissos de ajustamento de
conduta, pois nesse caso não atuam exclusivamente na busca do
interesse público primário, mas também na consecução de interesses
próprios ou de mercado. Essa circunstância as impede de atuar, com a
esperada isenção, na concretização de direitos transindividuais por meio
do TAC. [35]
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De qualquer forma, os órgãos públicos devem observar
suas naturais limitações territoriais e suas respectivas atribuições devem
guardar pertinência temática com o objeto do termo de ajustamento de
conduta. Estados, Distrito Federal e Municípios devem observar os
limites das respectivas circunscrições. Já o IBAMA, por exemplo, só
poderá celebrar TACs em matéria ambiental. Somente em relação ao
Ministério Público não há necessidade de se verificar específica
pertinência temática para a defesa dos interesses sociais e individuais
indisponíveis, já que o parquet possui atribuição constitucional para tal
fim. [36]
A lei não exige participação do Ministério Público nos
compromissos de ajustamento de conduta celebrados pelos demais
órgãos públicos, apenas prevê a obrigatoriedade da intervenção
ministerial em juízo, no caso de ajuizamento da ação civil pública por
algum outro legitimado.
As associações civis, ainda que legitimadas à propositura
da ação civil pública (artigo 5º, V, da Lei 7.347/85), não possuem
atribuição para celebrar o TAC, eis que não são órgãos públicos. Da
mesma forma, não possuem atribuição para tal fim as Organizações
Sociais e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público. Não
obstante, as associações civis podem ajuizar ação civil pública e propor,
em juízo, acordo para compor a lide.[37]Nesse caso o ajuste será
controlado pelo Ministério Público – interveniente obrigatório na ação
como fiscal da lei, nos termos do artigo 5º, §1º da Lei 7.346/85 – e pelo
juiz, que poderá ou não homologá‐lo. Caso o parquet discorde da
proposta de acordo apresentada pela associação, caberá ao juiz a
decisão homologando‐o ou determinando o prosseguimento do feito,
restando às partes a possibilidade de recorrer da decisão adotada.
Há basicamente duas correntes quanto à natureza
jurídica do TAC.
A primeira entende que o instrumento possui a natureza
jurídica de transação especial: devido às limitações decorrentes da
indisponibilidade ínsita aos direitos transindividuais, há concessões
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mútuas no tocante ao prazo, modo e lugar para adequação da conduta
irregular do obrigado à legislação vigente.[38] A segunda defende que o
TAC é um ato ou negócio jurídico, não se tratando de transação devido à
natureza indisponível dos direitos difusos. [39]
Com efeito, o traço característico da transação é
justamente a possibilidade das partes realizarem concessões
mútuas (artigo 840 do Código Civil), o que somente é permitido quanto
aos direitos patrimoniais de caráter privado (artigo 841, do Código Civil).
Devido à indisponibilidade dos direitos tratados no TAC, não há como
considerá‐lo como espécie de transação, ainda que qualificada
como especial. Como não há transação no que diz com os direitos
indisponíveis, o TAC limita‐se ao ajuste da conduta irregular ao integral
cumprimento de todas as exigências legais, não havendo qualquer
possibilidade de se acordar o descumprimento da legislação. Além disso,
não há exata correspondência entre os legitimados a celebrar o TAC e os
titulares do direito material em questão, ao passo que a transação, nos
termos da lei civil, somente aproveita aos que nela intervieram (artigo
844 do Código Civil).
Na verdade, o termo de ajustamento de conduta
é negócio jurídico bilateral, uma vez que pressupõe a conjugação de
vontades do obrigado e do órgão público legitimado quanto às condições
de prazo, modo e lugar necessárias à concretização do direito
transindividual.[40] Esse também é o entendimento de Geisa de Assis
Rodrigues, in verbis: [41]
Consideramos ser o ajustamento de conduta
um negócio jurídico da Administração e não um
negócio jurídico administrativo, em que a
Administração esteja em uma posição superior ao
administrado. Conforme já verificamos, o
ajustamento de conduta é meio de se garantir a
prevenção do dano ou sua reparação no âmbito
civil, e por isso não tem sentido imaginar que o
legitimado ativo, pela sua natureza de órgão
público, possa estar em uma situação de
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superioridade desmedida. Há decerto, uma
submissão do obrigado, que ameaçava ou violava o
direito transindividual ao cumprimento de uma
conduta definida pelo Órgão público, não por suas
qualidades intrínsecas, mas por estar este
defendendo os direitos transindividuais.
É um negócio da Administração que também
tem natureza de equivalente jurisdicional, por ser
um meio alternativo de solução de
conflito. Podemos concluir que o ajustamento de
conduta é um acordo, um negócio jurídico bilateral,
que tem apenas o efeito de acertar a conduta do
obrigado às exigências legais. (grifo nosso).
Após a celebração do TAC pelo Ministério Público, o
inquérito civil prosseguirá para acompanhar o integral cumprimento do
que fora acordado. Somente depois de satisfeitas todas as disposições do
compromisso de ajustamento de conduta é que o inquérito civil poderá
ser arquivado.
O termo de ajustamento de conduta alia todas as
principais vantagens dos mecanismos extraprocessuais de tutela coletiva
– eficiência, celeridade e informalidade – à vantagem de ter a eficácia de
título executivo extrajudicial. Isso significa que o órgão público que
firmou o TAC pode promover a execução em juízo do que fora acordado
sem a necessidade de ajuizar prévia ação de conhecimento. Por isso, é
crucial que o TAC seja certo, líquido e exigível (artigo 586 do CPC), de
forma a permitir a identificação das partes envolvidas e a natureza da
prestação ajustada.
Alexandre Amaral Gravonksi, alertando sobre a
necessidade de assegurar segurança jurídica para os envolvidos nos
mecanismos de resolução extrajudicial de conflitos transindividuais,
defende que o TAC é mais do que uma garantia mínima para a solução
do caso concreto, constituindo‐se na verdade como uma das formas
de solução justa para a concretização dos direitos e interesses coletivos
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envolvidos. A consequência prática desse entendimento é que o
legitimado coletivo que não tiver participado da celebração do ajuste
terá o ônus de demonstrar em juízo falhas concretas do TAC firmado,
bem como comprovar que a solução adotada no ajuste não era uma das
formas adequadas de concretizar os direitos em questão. Se não o fizer,
não terá interesse de agir para propositura da ação civil púbica versando
sobre os mesmos fatos objeto do TAC firmado. Nas suas palavras: [42]
A principal distinção prática desse nosso
entendimento ante a tese da garantia mínima está
no ônus processual que atribuímos ao legitimado
coletivo que pretenda obter solução jurídica diversa
da alcançada no compromisso de sustentar e
demonstrar, especificamente, sob pena de ver
comprometido seu interesse de agir, a invalidade do
compromisso ou de alguma de suas cláusulas, a
desproporcionalidade da respectiva solução ou a
sua omissão diante da lesão ou ameaça específica.
Sob hipótese alguma o compromisso pode ser
ignorado como admitem os adeptos da tese da
garantia mínima.
O Ministério Público poderá firmar compromisso de
ajustamento de conduta, nos casos previstos em lei, com o responsável
pela ameaça ou lesão aos interesses ou direitos difusos ou coletivos,
visando à reparação do dano, à adequação da conduta às exigências
legais ou normativas e, ainda, à compensação ou à indenização pelos
danos que não possam ser recuperados. [43]
A utilização do TAC para controle do Terceiro Setor pelo
Ministério Público possui vasto campo de aplicação. Vejam‐se alguns
exemplos.
O TAC costuma ser muito utilizado para assegurar o
atendimento dos princípios da impessoalidade e isonomia na escolha da
entidade do Terceiro Setor que será parceira do Poder Público. Nesse
sentido, o Ministério Público do Estado de São Paulo firmou
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compromisso de ajustamento de conduta com o Município de Américo
Brasiliense – SP e a INAB, Organização da Sociedade Civil de Interesse
Público, no qual se fixou prazo para que a municipalidade rompesse
unilateralmente o contrato estabelecido entre o município e a referida
OSCIP, cujo objeto era a administração do pronto socorro da cidade. No
termo fixou‐se prazo para realização de concurso de projetos para a
escolha da entidade parceira e execução de outro projeto de prestação
de serviços. [44]Por sua vez, o Ministério Público do Estado do Mato
Grosso firmou TAC com o Município de Vera – MT para assegurar a
anulação do edital de concurso de projetos e do contrato que havia sido
firmado com a entidade civil vencedora, em face à amplitude exagerada
do objeto do processo de competição realizado, uma vez que o edital
não especificava quais serviços deveriam ser prestados pela entidade
parceira. [45]
O Ministério Público do Estado de Pernambuco firmou
termo de ajustamento de conduta com a Associação de Moradores do
Conjunto Residencial Juscelino Kubitschek no qual se convencionou
prazos para que a entidade apresentasse a prestação de contas de
diversos convênios celebrados entre os anos de 2005 a 2010. [46]
Nos exemplos acima citados, os ajustes se limitaram a
fixar prazos para regularização do processo de competição para escolha
da entidade parceira e para o cumprimento das obrigações legais de
prestar contas.
Observe‐se que se os fatos apurados configurarem atos
de improbidade administrativa, a lei veda expressamente a transação,
acordo ou conciliação (artigo 17, §1º, da Lei 8.429/92). Assim, é vedado
ao parquet celebrar TAC versando sobre a aplicação das sanções de
perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, pagamento de
multa e proibição de contratar com o Poder Público ou dele receber
benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios. Por outro lado, a doutrina
admite a celebração extrajudicial do compromisso de ajustamento de
conduta para assegurar a reparação integral dos danos causados pelos
atos de improbidade administrativa. Contudo, verifica‐se que há pouco
interesse prático do agente em celebrar o TAC para a reparação do dano
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causado ao erário, uma vez que a ação para a aplicação das sanções por
atos de improbidade administrativa será necessariamente ajuizada pelo
Ministério Público. [47]
Em outros casos, porém, as entidades do Terceiro Setor
participam de termos de ajustamento de conduta não para adequarem
condutas irregulares à legislação, mas como parceiras do parquet na
consecução do interesse público. Foi o que ocorreu no TAC firmado pelo
Ministério Público do Estado de Rondônia com o Município de Costa
Marques – RO e a ONG Aguapé, parceira do referido município, para a
instalação de doze sanitários ao longo do Rio Guaporé e a manutenção
da higiene dos equipamentos durante a realização de festival popular
local. [48]
. CONCLUSÃO
Cada uma das técnicas de tutela coletiva estudadas –
inquérito civil, recomendação e termo de ajustamento de conduta –
possui características específicas e âmbito de aplicação própria. A
utilização de uma ou de outra dependerá do caso concreto, tendo em
vista uma análise estratégica quanto aos efeitos de cada uma delas, o
respectivo tempo de implementação e a efetiva proteção e
implementação dos direitos sociais que estiverem em questão.
6. REFERÊNCIAS
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ação civil pública. 5ª edição. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 3ª edição. Curitiba: Editora Positivo, 2004.
GARCIA, Emerson. Ministério Público. 3ª edição, rev. amp. e atual.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade
administrativa. 3ª ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
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GRAVONSKI, Alexandre Amaral. Técnicas extraprocessuais de tutela
coletiva. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 19ª
ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006.
RODRIGUES, Geisa de Assis. Ação civil pública e termo de
ajustamento de conduta: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
NOTAS:
[1] GRAVONSKI, Alexandre Amaral. Técnicas extraprocessuais de tutela coletiva. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 296. O autor enumera alguns limites do uso das técnicas extraprocessuais, como a impossibilidade de execução forçada, impossibilidade de afastar leis por inconstitucionalidade, possibilidade de revisão judicial das soluções obtidas extraprocessualmente e restrições de eficácia em face de lides individuais. Por outro lado, cita algumas limitações de efetividade do processo judicial: tempo e custo, procedimento pericial moroso e complexo, resistência judicial ao questionamento de políticas públicas e atos discricionários e o distanciamento do juiz da questão de fato. Op. cit., p. 157-176 e 231-260.
[2] O inquérito civil foi inovação da Lei 7.347/85. Após a consagração na CF/88, o inquérito civil foi positivado também nas seguintes leis: Lei 7.853/89, sobre a proteção de deficientes (artigo 6º); Lei 8.078/90, Código de Defesa do Consumidor (artigo 90); Lei 8.069/90, Estatuto da Criança e do Adolescente (artigo 201, V); Lei 8.625/93, Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (artigo 25, IV); e Lei Complementar 75/93, Lei Orgânica do Ministério Público da União (artigos 6º; 38, I; 84, II; e 150, I).
[3] Conforme artigo 1º da Resolução 23, de 17 de setembro de 2007, do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Esta resolução regulamenta os artigos 6º, VII, e 7º, I, ambos da Lei Complementar nº 75/93, e os artigos 25, IV, 26, I, da Lei 8.625/93, disciplinando, no âmbito do Ministério Público, a instauração e tramitação do inquérito civil.
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[4] GRAVONSKI, Alexandre Amaral. Técnicas extraprocessuais de tutela coletiva. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 301.
[5] Artigo 1º, parágrafo único, da Resolução 23/2007 do CNMP.
[6] Artigo 6º, §2º da Resolução 23/2007 do CNMP.
[7] Diz o artigo 7º da Resolução 23/2007 do CNMP: “Aplica-se ao inquérito civil o princípio da publicidade dos atos, com exceção dos casos em que haja sigilo legal ou em que a publicidade possa acarretar prejuízo às investigações, casos em que a decretação do sigilo legal deverá ser motivada. § 1º Nos requerimentos que objetivam a obtenção de certidões ou extração de cópia de documentos constantes nos autos sobre o inquérito civil, os interessados deverão fazer constar esclarecimentos relativos aos fins e razões do pedido, nos termos da Lei 9.051/95. § 2º A publicidade consistirá: I - na divulgação oficial, com o exclusivo fim de conhecimento público mediante publicação de extratos na imprensa oficial; II - na divulgação em meios cibernéticos ou eletrônicos, dela devendo constar as portarias de III - na expedição de certidão e na extração de cópias sobre os fatos investigados, mediante requerimento fundamentado e por deferimento do presidente do inquérito civil; IV - na prestação de informações ao público em geral, a critério do presidente do inquérito civil; V - na concessão de vistas dos autos, mediante requerimento fundamentado do interessado ou de seu procurador legalmente constituído e por deferimento total ou parcial do presidente do inquérito civil. § 3º As despesas decorrentes da extração de cópias correrão por conta de quem as requereu. § 4º A restrição à publicidade deverá ser decretada em decisão motivada, para fins do interesse público, e poderá ser, conforme o caso, limitada a determinadas pessoas, provas, informações, dados, períodos ou fases, cessando quando extinta a causa que a motivou. § 5º Os documentos resguardados por sigilo legal deverão ser autuados em apenso”.
[8] Artigos 71 e 87 da Portaria Interministerial MP/MF/CGU nº 507, de 24 de novembro de 2011. Seria interessante que os Ministérios Públicos Estaduais também tivessem o mesmo acesso privilegiado ao SINCOV. Recentemente, o Ministério da Justiça compartilhou o Cadastro Nacional de Entidades de Utilidade Pública (CNEs), cujo objetivo é dar transparência às atividades
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das entidades sociais sem fins lucrativos, com o Ministério Público Federal, conforme notícia veiculada em < http://www.brasil.gov.br/noticias/arquivos/2010/8/06/justica-e-mpf-vao-compartilhar-cadastros-de-entidades-sociais>. Acesso em: 2 ago. 2011.
[9] Inquérito civil MPF/PRM/SJM/nº 1.30.017.000190/2005-12, instaurado na Procuradoria da República no Município de São João do Meriti – RJ.
[10] Inquérito civil 1.34.014.000065/2008-28, instaurado na Procuradoria da República no Município de São José dos Campos – SP.
[11] Inquérito civil 1.34.014.000067/2008-17 (67/2008), instaurado na Procuradoria da República no Município de São José dos Campos – SP.
[12] Inquérito civil 1.00.000.001372/2005-01, instaurado na Procuradoria da República no Estado do Rio Grande do Sul – RS.
[13] Inquérito civil instaurado na Procuradoria da República no Estado da Bahia – BA por meio da Portaria03/2007.
[14] Inquérito civil 1.00.000.001372/2005-01, instaurado na Procuradoria da República no Estado do Rio Grande do Sul – RS.
[15] Inquérito Civil 1.34.004.000559/2011-27, instaurado na Procuradoria da República em Campinas – SP.
[16]Diz o artigo 8º, §1º, da Lei 7.347/85: “O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não poderá ser inferior a 10 (dez) dias úteis.” O artigo 26, I, “b” e II, estabelece as atribuições ministeriais de instaurar inquéritos civis e outras medidas e procedimentos administrativos pertinentes e, para instruí‐los requisitar informações, exames periciais e documentos de autoridades federais, estaduais e municipais, bem como dos órgãos e entidades da administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; e requisitar informações e documentos a entidades privadas, para instruir procedimentos ou
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processo em que oficie. Por fim, o artigo 8º, I e IV, da Lei Complementar 75/93, estabelece a atribuição Ministerial de requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades da Administração Pública direta ou indireta; requisitar informações e documentos a entidades privadas. No julgamento da ADI 230/RJ, o STF entendeu que a Defensoria Pública não possui poder requisitório, sob pena de se transformar em “superadvogado” com “superpoderes”. O julgamento ainda está pendente de publicação.
[17] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ação civil pública. 5ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 262.
[18] O Código Penal, no artigo 330, tipifica o crime de desobediência: desobedecer a ordem legal de funcionário público, com pena de detenção, de 15 (quinze) a 6 (seis) meses, e multa.
[19] MS 21729, Relator(a): Min. Marco Aurélio, Relator(a) p/ Acórdão: Min. Néri da Silveira, Tribunal Pleno, julgado em 05/10/1995, DJ 19-10-2001 PP-00033 EMENT VOL-02048-01 PP-00067 RTJ VOL-00179 PP-00225.
[20] Como vem sendo decidido pelo STF: RE 318136 AgR, Relator(a): Min. Cezar Peluso, Segunda Turma, julgado em 12/09/2006, DJ 06-10-2006 PP-00064 EMENT VOL-02250-04 PP-00800.
[21] Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades. (Redação dada pela Lei Complementar 104/01). § 1o Excetuam-se do disposto neste artigo, além dos casos previstos no art. 199, os seguintes: (Redação dada pela Lei Complementar 104/01) (...) II – solicitações de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa. (Incluído pela Lei Complementar 104/01). § 2o O intercâmbio de informação sigilosa, no âmbito da Administração Pública, será realizado mediante processo regularmente
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instaurado, e a entrega será feita pessoalmente à autoridade solicitante, mediante recibo, que formalize a transferência e assegure a preservação do sigilo. (Incluído pela Lei Complementar 104/01). § 3o Não é vedada a divulgação de informações relativas a: (Incluído pela Lei Complementar 104/01) I – representações fiscais para fins penais; (Incluído pela Lei Complementar 104/01) II – inscrições na Dívida Ativa da Fazenda Pública; (Incluído pela Lei Complementar 104/01)III – parcelamento ou moratória. (Incluído pela Lei Complementar 104/01).
[22] Conforme Nota Cosit nº 200, de 10 de julho de 2003, da, Coordenadoria-Geral de Tributação, cuja conclusão é a seguinte: “a ordem jurídica vigente, mais que ampara, obriga a autoridade fiscal a fornecer informações protegidas pelo sigilo referido no art. 198 do CTN, quando solicitadas pelo Ministério Público Federal, sem prejuízo da observância das formalidades para intercâmbio de informações estabelecidas pelo art. 198, § 2º, do CTN e disciplinadas pela Portaria SRF n. 580, de 12 de junho de 2001.”
[23] Artigo 26, §2º, da Lei 8.625/93 e artigo 8º, §1º da Lei Complementar 75/93.
[24] GRAVONSKI, Alexandre Amaral. Técnicas extraprocessuais de tutela coletiva. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 305.
[25] Op. cit. p. 305-307.
[26] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 3ª edição. Curitiba: Editora Positivo, 2004.
[27] Art. 27. Cabe ao Ministério Público exercer a defesa dos direitos assegurados nas Constituições Federal e Estadual, sempre que se cuidar de garantir-lhe o respeito: I - pelos poderes estaduais ou municipais; II - pelos órgãos da Administração Pública Estadual ou Municipal, direta ou indireta; III - pelos concessionários e permissionários de serviço público estadual ou municipal; IV - por entidades que exerçam outra função delegada do Estado ou do Município ou executem serviço de relevância pública. Parágrafo único. No exercício das atribuições a que se refere este artigo, cabe ao Ministério Público, entre outras providências: (...) IV - promover audiências públicas e emitir
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relatórios, anual ou especiais, e recomendações dirigidas aos órgãos e entidades mencionadas nocaput deste artigo, requisitando ao destinatário sua divulgação adequada e imediata, assim como resposta por escrito. (grifos nossos).
[28] GRAVONSKI, Alexandre Amaral. Técnicas extraprocessuais de tutela coletiva. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 356 e 357.
[29] GARCIA, Emerson. Ministério Público. 3ª edição, rev. amp. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 379.
[30] A recomendação foi expedida em 25.03.2010, nos autos do Inquérito Civil 009/2008. Como não foi atendida, o Ministério Público ajuizou ação civil pública de destituição de dirigentes cumulada com pedido de ressarcimento de danos materiais e morais, com pedido de antecipação de tutela, que tramita na 2ª Vara Cível da Comarca. Os dirigentes foram afastados liminarmente do cargo em decisão de 1ª instância.. Acesso em: 5 ago. 2011.
[31] A recomendação foi expedida no Procedimento Administrativo 1.21.000.000722/2007-63. Detectou-se ausência de prestação de contas e indícios de improbidade administrativa no repasse de recursos públicos à ONG.
[32] A Recomendação nº 91/2010, foi expedida em 24 de maio de 2010 no Procedimento Administrativo 1.34.030.000006/2010-76. No caso, o MPF verificou falhas no processo de seleção da OSCIP e relação de parentesco entre funcionários da entidade e vereadores do município.
[33] Trata-se de decisão do STJ: REsp 222.582/MG, Rel. Ministro Milton Luiz Pereira, 1ª Turma, julgado em 12/03/2002, DJ 29/04/2002, p. 166. O STJ decidiu que o artigo 5º, §5º da Lei 7.347/85, que admite litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos Estaduais e o Ministério Público da União para defesa de interesses difusos e coletivos e que foi igualmente vetado, também encontra-se em pleno vigor: REsp 382.659/RS, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, 1ª Turma, julgado em 02/12/2003, DJ 19/12/2003, p. 322.
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[34] Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, “órgãos são unidades abstratas que sintetizam os vários círculos de atribuição do Estado”. O querer e agir dos agentes é imputado diretamente ao Estado; o órgão público não tem personalidade jurídica. In: Curso de Direito Administrativo, 29ª edição. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 144.
[35] MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 19ª ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 364.
[36] Alexandre Amaral Gravonski, contudo, entende que não há pertinência temática para atuação do Ministério Público na defesa de interesses coletivos ou individuais homogêneos disponíveis de natureza patrimonial e cita o exemplo de danos causados a 30 veículos importados de alto custo (Técnicas extraprocessuais de tutela coletiva. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 288, 389). O exemplo citado, contudo, é caso de ausência de atribuição ministerial, não de análise de pertinência temática. A tutela dos interesses disponíveis exclusivamente patrimoniais não se encontra inserida na atribuição constitucional do parquet.
[37] RODRIGUES, Geisa de Assis. Ação civil pública e termo de ajustamento de conduta: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 236.
[38] Geisa de Assis Rodrigues elenca os seguintes autores representantes desse entendimento: Rodolfo de Camargo Mancuso, Edís Milaré, Nelson Nery Júnior, Paulo de Bessa Antunes, Fernando Grella Vieira, Sérgio Shimura, José Marcelo Menezes Vigliar, Rita Tomasso, Marco Antônio Pereira, Celso Pacheco Fiorillo, João Bosco Leopoldino da Fonseca, Carlyle Popp, Edson Vieira Abdala, Patrícia Miranda Pizzol e Daniel Roberto Fink. Ação civil pública e termo de ajustamento de conduta: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 142.
[39] Segundo Geisa de Assis Rodrigues (op. cit. p. 142), os autores Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, Francisco Sampaio, Hindemburgo Chateaubriand Filho, Maria Aparecida Gurgel, Isabella Franco Guerra e Roberto Senise Lisboa entendem que o TAC possui a natureza jurídica de ato jurídico diverso.
[40] Nesse sentido, é a opinião de Alexandre Amaral Gravonksi. Técnicas extraprocessuais de tutela coletiva. São
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Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 382. Em sentido contrário, José dos Santos Carvalho Filho defende que o TAC é ato jurídico unilateral no qual o obrigado reconhece implicitamente que sua conduta ofende interesse difuso ou coletivo e assume o compromisso de eliminar a ofensa através de adequação de seu comportamento às exigências legais. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ação civil pública. 5ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 211-212. Para Hugo Nigro Mazzilli, trata-se de “ato administrativo negocial por meio do qual só o causador do dano se compromete; o órgão público que o toma, a nada se compromete, exceto, implicitamente, a não propor ação de conhecimento para pedir aquilo que já está reconhecido no título.” MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 19ª ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 366. Emerson Garcia entende que o TAC possui feição híbrida: no que diz respeito ao direito material, é mero ato de reconhecimento de uma obrigação e quanto aos aspectos periféricos, é verdadeira transação. GARCIA, Emerson. Ministério Público. 3ª edição, rev. amp. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 292.
[41] RODRIGUES, Geisa de Assis. Ação civil pública e termo de ajustamento de conduta: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 158-159. Discorda-se da renomada autora somente quanto à mencionada natureza de “equivalente jurisdicional” do ajustamento de conduta: o TAC é título executivo extrajudicial que não é equivalente às formas jurisidicionais de promoção de direitos transindividuais, embora ambos sejam formas de resolução de conflitos envolvendo direitos coletivos e difusos.
[42] GRAVONSKI, Alexandre Amaral. Técnicas extraprocessuais de tutela coletiva. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 411.
[43] Artigo 14 da Resolução 23/2007 do CNMP.
[44] O compromisso de ajustamento de conduta foi amplamente divulgado pela imprensa. Veja-se: . Acesso em: 07 ago. 2011.
[45] Notícia publicada no sítio jusbrasil: . Acesso em: 07 ago. 2011.
[46] Além disso, constou do TAC que se houvesse comprovação de irregularidades na aplicação dos recursos públicos recebidos, a
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entidade se comprometeria a restituir todo o valor aos cofres públicos. TAC publicado em 25 de março de 2011 no Diário Oficial do Estado de Pernambuco, Ano LXXXVIII, nº 55. Notícia extraída da internet: < http://www.mp.pe.gov.br>. Acesso em: 07 ago. 2011.
[47] Nesse sentido é a opinião de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves. In: GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa. 3ª ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 614.
[48] Notícia publicada em < http://www.rondoniaovivo.com.br/news.php?news=19957 >. Acesso em: 07 ago. 2011.
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VEDAÇÃO DA PROVA ILÍCITA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO
LARISSA SOUZA DE MELO AZEDO: bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Advogada em Recife.
RESUMO: O presente artigo tem como objeto analisar as teorias que
circundam o tema da vedação das provas ilícitas no processo penal
brasileiro. Além das teorias consagradas pela própria legislação, como a
Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada, Teoria da Fonte Independente,
da Descoberta Inevitável, será também objeto de estudo a Teoria da
Proporcionalidade, da Mancha Purgada, bem como a posição das Cortes
Superiores.
PALAVRAS‐CHAVES: Prova Ilícita, Teoria da Verdade Real, Teoria da
Vedação da Prova Ilícita, Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada, Teoria
da Fonte Independente, Teoria da Descoberta Inevitável, Teoria da
Mancha Purgada, Teoria da Proporcionalidade.
INTRODUÇÃO: A temática da produção probatória sempre remete a
discussões, sobretudo com o império do Estado Democrático de Direito,
no qual devem ser respeitados todos os direitos e garantias
fundamentais dos indivíduos, sem margem para abusos por parte do
Estado. A lei brasileira, de forma expressa, veda a utilização da prova
ilícita, seja na Constituição Federal ou mesmo na legislação ordinária.
Entretanto, da mesma forma como ocorre com outros ramos do Direito,
por vezes, a legislação não consegue abarcar toda e qualquer situação
concreta, dando margem a subjetivismos por parte dos operadores do
Direito, gerando conflitos e interpretações divergentes. É o que ocorre
quando da utilização da prova ilícita pro reo, com fundamento no
princípio da proporcionalidade, situação que é aceita pela Corte
Suprema. De outra monta, parte da doutrina passa a advogar no sentido
que em algumas situações peculiares caberia também o uso do princípio
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da proporcionalidade em favor da sociedade, por exemplo, quando se
pretenda desarticular uma perigosa organização criminosa. É sob esse
contexto que se dará o referido trabalho, analisando‐se as teorias
referentes ao tema, com opiniões doutrinárias e posicionamentos
jurisprudenciais.
1. Princípios da vedação da prova ilícita e da verdade real
A Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso LVI prevê que “são
inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos” [1]. De
outra monta, o Processo Penal brasileiro é regido pelo princípio da
verdade real, segundo o qual, ao contrário do processo civil, o processo
penal deve buscar investigar o fato e descobrir como tudo se deu
conforme a realidade, ou seja, busca‐se a realidade dos fatos, afastando‐
se sempre meras suposições ou ilações fictícias.
É evidente que a busca da verdade real não é uma tarefa fácil para
os atores da investigação e ação penal, visto que haverá sempre margem
para suposições, considerações pessoais, subjetivismos. Conforme ensina
Nestor e Rosmar : “a própria definição da verdade é algo que atormenta
o homem ao longo dos séculos, não havendo um conceito que possa
traduzir com segurança o vocábulo[ ]”. No mesmo sentido ensina Aury
Lopes Junior que é um “grave erro falar em verdade real, não só porque
a própria noção de verdade é excessiva e difícil de ser apreendida, mas
também pelo fato de não se poder atribuir o adjetivo de real a um fato
passado, que só existe no imaginário[ ]”.
Perceba‐se que há um aparente conflito entre os referidos
princípios, na medida em que o processo penal preza pela busca da
verdade real dos fatos, enquanto a Constituição Federal veda a prova
ilícita. Nesse sentido surge o questionamento: Caberia a busca
indiscriminada da verdade real, a fim de reconhecer a inocência de um
réu, ou de condenar um perigoso criminoso?
Nesse aspecto há de se fazer uso da ponderação e uniformizar a
compreensão acerca dos princípios. Assim sendo, a melhor interpretação
é no sentindo de que a busca da verdade real não deve se dar de forma
indiscriminada, não se vai buscar a verdade a todo custo, sem
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observância dos preceitos e limites legais. A ideia é a de que se deve sim,
buscar a verdade, mas pautando a investigação pelos pilares do devido
processo legal, sem que sejam ofendidos direitos e garantias individuais
dos envolvidos, bem como com estrito respeito à dignidade da pessoa
humana. Nesse sentido ensina Nestor e Rosmar: “Devemos buscar a
verdade processual, identificada como verossimilhança (verdade
aproximada), extraída de um processo pautado no devido procedimento,
respeitando o contraditório, a ampla defesa, a paridade de armas e
conduzido por magistrado imparcial[ ]“.
2. Vedação das provas ilícitas
Portanto, conforme analisado acima, o processo penal brasileiro admite o uso de todos os meios de prova desde que lícitos. Ou seja, ainda que a prova não esteja prevista no ordenamento penal (inominada), ou que não tenha discriminada sua forma de colheita e produção (prova atípica), ainda assim será admitida no processo penal, desde que não seja ilícita.
Importa atentar para a classificação dada pela doutrina quanto à previsão legal da espécie de prova, ensinando Renato Brasileiro que “tem-se como prova nominada aquela que se encontra prevista em lei, com ou sem procedimento probatório previsto. Ou seja, existe a previsão do nomem juris desse meio de prova, seja no próprio Código de Processo Penal, seja na legislação extravagante. É o que acontece com a reconstituição do fato delituoso, prevista expressamente no art. 7º do CPP. Apesar do referido meio de prova estar previsto expressamente no Código de Processo Penal, razão pela qual é considerada espécie de prova nominada, como não há procedimento previsto em lei para sua realização, trata-se de prova atípica. Como desdobramento do princípio da busca da verdade, além dos meios de prova especificados na lei (nominados), também se admite a utilização de todos aqueles meios de prova que embora não previstos no ordenamento jurídico (inominados), sejam lícitos e moralmente legítimos[5]”.
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Nesse sentido, resta claro que o processo penal, pautado pelo princípio da verdade real admite que sejam utilizados todos os meios lícitos para a obtenção da prova, ainda que não haja previsão expressa no ordenamento jurídico.
A vedação ocorre unicamente quanto às provas ilícitas, que são aquelas que violam normas constitucionais ou normas legais. Por exemplo, a Constituição Federal no seu art. 5º, inciso XII prevê:
é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.[6]
Assim sendo, a Carta Magna protege o sigilo de comunicação, prevendo que intercepção telefônica deve se dar por ordem judicial, de acordo com a lei, e para fins de investigação ou instrução penal, logo, qualquer prova que não respeite e observe os preceitos desse inciso, será classificada como ilícita e inadmitida no processo penal.
Atento ao mandado constitucional o Código de Processo Penal no art. 157[7] prevê a vedação das provas ilícitas:
Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)
§ 1o São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)
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§ 2o Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)
§ 3o Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)
§ 4o (VETADO) (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)
A título de curiosidade acrescente‐se que no §4º do art. 157 do
CPP, havia a previsão de que o juiz que conhecesse o conteúdo da prova
ilícita não poderia proferir a sentença ou acórdão. Tal previsão
consagraria o Princípio da Contaminação do Entendimento, pois, um juiz
que teve contato com uma intercepção telefônica obtida por meios
ilícitos, mas onde o réu confessa a prática criminosa, ainda que exclua
aquela prova do processo, ficaria “contaminado” pelo seu teor. No
entanto, o parágrafo foi vetado a fim de se evitar que a ilicitude da prova
fosse buscada de propósito com o fim de afastar um determinado juiz da
causa.
Nos seus parágrafos o art. 157 esmiúça mais o tema das provas
ilícitas, trazendo ao ordenamento brasileiro as Teorias dos Frutos da
Árvore Envenenada, da Fonte Independente e da Descoberta Inevitável.
3. Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada
A teoria dos frutos da árvore envenenada foi importada do direito
norte americano e tem como fundamento a ideia de que uma prova
produzida por meios ilícitos vai transmitir a sua ilicitude às provas que
dela derivem. Por exemplo, imagine‐se que uma busca e apreensão
domiciliar foi realizada sem os requisitos legais (prova ilícita), e através
dela foi possível encontrar documentos que levaram à autoria do crime.
A partir dessas provas, o juiz autorizou a interceptação telefônica, na
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qual o autor confessa a prática do crime. Observe‐se que a interceptação
só foi possível diante das provas encontradas na busca e apreensão
ilícita, portanto, esta segunda prova seria um fruto da primeira, que
estava contaminada e, consequentemente contaminou as demais.
O Código de Processo Penal consagra essa teoria no seu artigo
157, §1º:
§ 1o São também inadmissíveis as provas
derivadas das ilícitas, salvo quando não
evidenciado o nexo de causalidade entre umas e
outras, ou quando as derivadas puderem ser
obtidas por uma fonte independente das
primeiras.
Na segunda parte do referido parágrafo há uma exceção à
contaminação das provas derivadas da ilícita, no sentido de que a
ilicitude somente se configurará quando houver nexo causal entre as
provas ou quando as derivadas não puderem ser obtidas por uma fonte
independente das primeiras.
Portanto, no §1º o legislador ressalva que a ilicitude não ocorrerá
quando não houver nexo de causalidade entre as provas, ou seja, a prova
ilícita não conseguirá transmitir sua ilicitude para as demais, uma vez que
o nexo entre elas não existe.
4. Teoria da Mancha Purgada
Para a Teoria da Mancha Purgada há situações em que o nexo
entre a prova ilícita e a derivada é tão tênue que acaba por não ocorrer a
contaminação. “Perceba‐se que a ausência de vínculo não é absoluta. Ele
existe, porém acaba sendo tão insólito que é irrelevante, preservando‐se
a licitude da prova derivada.(...) Pode‐se dizer que o conhecimento da
prova derivada se deu por um conjunto de fatores, dentre os quais um é
ilícito, mas que, por si só, não é tão determinante para macular por
completo a prova secundária[ ]”.
Discute‐se se essa teoria teria sido adotada pelo Brasil. Autores
como Nestor Távora e Rosmar Alencar defendem que não, pois tal teoria
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poderia servir de fundamento para validar provas ilícitas, sendo muito
subjetivo identificar o nível de conexão entre as mesmas.
Leia‐se, mais uma vez o §1º do art. 157:
§ 1o São também inadmissíveis as provas
derivadas das ilícitas, salvo quando não
evidenciado o nexo de causalidade entre umas
e outras, ou quando as derivadas puderem ser
obtidas por uma fonte independente das
primeiras.
Perceba‐se que na parte grifada evidencia‐se que não haverá
contaminação quando não houver nexo de causalidade entre as provas.
Nesse caso, a contaminação resta afastada, pois não há liame entre as
provas, ao passo que na Teoria da Mancha Purgada o nexo existe, mas
ele é tênue, discreto. É com base nesse parágrafo que os autores mais
garantistas defendem a inaplicabilidade da Teoria da Mancha Purgada no
direito brasileiro, vez que a lei afasta a ilicitude apenas quando não
houver vínculo entre a prova ilícita e a derivada, nada falando a respeito
das situações em que o nexo é atenuado.
Já para outros autores, a exemplo do professor Renato Brasileiro,
o texto legal do §1º acolhe a referida doutrina, pois “apesar de não haver
qualquer referência expressa à limitação da tinta diluída, ao se referir o
dispositivo à ausência de nexo de causalidade entre a prova ilícita
originária e a prova subsequente, pode‐se daí extrair a adoção da
referida teoria. Isso porque, segundo a teoria em questão, o vício da
ilicitude originária, quando atenuado em virtude do decurso do tempo, de
circunstâncias supervenientes, da magnitude da ilegalidade funcional ou
da colaboração voluntária de um dos envolvido, faz desaparecer o nexo
causal entre a prova ilícita e originária e prova subsequente, não sendo
viável falar‐se em prova ilícita por derivação[ ]”.
Não se tem conhecimento da adoção desta teoria pelo STF ou pelo
STJ.
5. Teoria da Fonte Independente
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O § 1º do art. 157 também ressalva a Teoria dos Frutos da Árvore
Envenenada com a adoção da Teoria da Fonte Independente. No § 2º do
mesmo artigo o legislador explica:
§ 2o Considera‐se fonte independente
aquela que por si só, seguindo os trâmites
típicos e de praxe, próprios da investigação ou
instrução criminal, seria capaz de conduzir ao
fato objeto da prova.
Ocorre que, neste ponto houve um erro do legislador em
conceituar fonte independente como aquele que por si só seria capaz de
conduzir ao fato objeto da prova. Tal descrição refere‐se ao conceito da
Teoria da Descoberta Inevitável.
A teoria da fonte independente prega que “se existirem provas
outras no processo, independentes de uma determinada prova ilícita
produzida, não há de se falar em contaminação, nem em aplicação da
teoria dos frutos da árvore envenenada, pois, em não havendo
vinculação de dependência, a prova ilícita não terá o condão de
contaminar as demais[ ]”. Boa parte da doutrina advoga no sentido de
que seria desnecessária a previsão na lei da Teoria da Fonte
Independente, pois se a prova é independente da prova ilícita, entre elas
não há vínculo, não há nexo, logo não há contaminação.
“Como esclarece Grinover, era perfeitamente desnecessária a
previsão normativa, na medida em que o conceito de prova derivada
supõe, por si só, a existência de uma relação de causalidade entre a
ilicitude da primeira prova e a obtenção da segunda. Se o vínculo não
estiver evidenciado, é intuitivo que não se trata de prova derivada. Mas,
apesar de redundante, essa parte do texto legal não parece trazer
inconvenientes na sua aplicação[ ]”.
6. Teoria da Descoberta Inevitável Embora haja uma atecnia do legislador ao conceituar
fonte independente com os fundamentos da descoberta inevitável, é inegável que o legislador adotou esta teoria no ordenamento brasileiro.
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§ 2o Considera‐se fonte independente
aquela que por si só, seguindo os trâmites
típicos e de praxe, próprios da investigação ou
instrução criminal, seria capaz de conduzir ao
fato objeto da prova.
Assim sendo, caso reste comprovado que embora a prova tenha
sido produzida por meio ilícitos, é inegável que essa mesma prova seria
produzida posteriormente, ou seja, mais cedo ou mais tarde se
conseguiria alcançar a referida prova, era apenas uma questão de
tempo. Logo, é razoável que se extirpe a ilicitude da prova, considerando
que essa prova seria produzida de qualquer maneira, seguindo‐se os
trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação.
Assim ensina Nestor e Rosmar: “Se a prova, que
circunstancialmente decorre de prova ilícita, seria conseguida de
qualquer maneira, por atos de investigação válidos, ela será aproveitada,
eliminando‐se a contaminação. A inevitabilidade da descoberta leva ao
reconhecimento de que não houve um proveito real, com a violação
legal. A prova ilícita, que deu ensejo à descoberta de uma outra prova,
que seria colhida mesmo sem a existência da ilicitude, não terá o condão
de contaminá‐la[ ].”
Os referidos professores trazem um bom exemplo: “exemplo da
aplicação desta teoria ocorre com as declarações prestadas por uma
testemunha obtidas por interceptação telefônica sem autorização
judicial, sendo que tal testemunha inevitavelmente seria ouvida ao longo
das investigações, pois várias outras testemunhas a indicaram como
testemunha presencial dos fatos[ ]”.
7. Teoria da Proporcionalidade
A teoria da proporcionalidade é de origem alemã e prega que ao se considerar uma prova ilícita e consequentemente expurgá-la do ordenamento jurídico é necessário que se faça um juízo de ponderação, a fim de se averiguar se no caso concreto é mais importante privilegiar o princípio da vedação da prova ilícita em prol do princípio da verdade real e vice e versa.
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A questão que se impõe é que muitas vezes a vedação à prova ilícita acaba por engessar a produção probatória, quando no caso concreto seria mais relevante que a verdade fosse, de fato, descoberta, para que com isso, relevantes direitos fossem preservados.
É o caso clássico da permissão da utilização da prova ilícita quando esta é único meio de se provar a inocência do réu. “Entendemos que o princípio da proporcionalidade deve ser invocado, na sua essência para preservar os interesses do acusado. Nesse sentido não há discrepância doutrinária ou jurisprudencial[14].”
No Brasil, o princípio da proporcionalidade vem sendo admitido em casos raros, mas apenas quando for para beneficiar o réu, ou seja, pro reo. A concepção é a de que quando o acusado utiliza uma prova ilícita para provar sua inocência ele estaria na verdade agindo em legítima defesa, estado de necessidade ou mesmo por lhe ser inexigível conduta diversa. Em qualquer dessas situações um eventual crime na produção dessa prova ilícita estaria afastado.
“É o exemplo de um agente que, injustamente acusado, vem a invadir domicílio alheio (crime do art. 150 do CP) para apreender prova essencial à sua absolvição[15]”.
Fundamenta-se também que a “Lex Major garante o direito de defesa no processo penal de forma primordial, abrangendo o princípio do favor rei. Desse modo, se for possível ao acusado demonstrar sua inocência por meio de uma prova obtida ilicitamente, certamente ela poderá ser utilizada no processo, haja vista a preponderância do direito à liberdade sobre a inadmissibilidade da prova ilícita no âmbito processual[16]”.
O tema se torna tormentoso quando da aplicação do princípio da proporcionalidade em favor da sociedade (pro societate). Prevalece na doutrina e jurisprudência que não seria cabível sua utilização, pois o Estado já dispõe de todo um aparato para a produção de provas, seja a interceptação telefônica, busca e apreensão, infiltração de agentes, logo
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não haveria margem para o cometimento de ilegalidades. Entende-se também que o Estado brasileiro com seus atuais contornos de proteção à dignidade da pessoa humana, configurando-se como um Estado Democrático de Direito, é ainda muito novo, imaturo, não sendo razoável que neste momento já se dê margem ao cometimento de ilegalidade por parte do próprio Estado. Entretanto, com o amadurecimento da sociedade, das instituições, a exemplo de países como Estados Unidos e Alemanha, e a depender do caso concreto, será possível a relativização do princípio da vedação da prova ilícita a fim de proteger os interesses da sociedade.
Esse é o entendimento da Suprema Corte: PROVA ILÍCITA. MATERIAL FOTOGRÁFICO
QUE COMPROVARIA A PRÁTICA DELITUOSA (LEI Nº 8.069/90,ART. 241). FOTOS QUE FORAM FURTADAS DO CONSULTÓRIO PROFISSIONAL DO RÉU E QUE, ENTREGUES À POLÍCIA PELO AUTOR DO FURTO, FORAM UTILIZADAS CONTRA O ACUSADO, PARA INCRIMINÁ-LO.INADMISSIBILIDADE (CF, ART. 5º,LVI).- A cláusula constitucional do due process of law encontra, no dogma da inadmissibilidade processual das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras, pois o réu tem o direito de não ser denunciado, de não ser processado e de não ser condenado com apoio em elementos probatórios obtidos ou produzidos de forma incompatível com os limites ético-jurídicos que restringem a atuação do Estado em sede de persecução penal.- A prova ilícita - por qualificar-se como elemento inidôneo de informação - é repelida pelo ordenamento constitucional, apresentando-se destituída de qualquer grau de eficácia jurídica.- Qualifica-se como prova ilícita o material fotográfico, que,
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embora alegadamente comprobatório de prática delituosa, foi furtado do interior de um cofre existente em consultório odontológico pertencente ao réu, vindo a ser utilizado pelo Ministério Público, contra o acusado,em sede de persecução penal, depois que o próprio autor do furto entregou à Polícia as fotos incriminadoras que havia subtraído. No contexto do regime constitucional brasileiro, no qual prevalece a inadmissibilidade processual das provas ilícitas, impõe-se repelir por juridicamente ineficazes quaisquer elementos de informação, sempre que a obtenção e/ou a produção dos dados probatórios resultarem de transgressão, pelo Poder Público, do ordenamento positivo, notadamente naquelas situações em que a ofensa atingir garantias e prerrogativas asseguradas pela Carta Política (RTJ 163/682 - RTJ 163/709),mesmo que se cuide de hipótese configuradora de ilicitude por derivação (RTJ 155/508), ou, ainda que não se revele imputável aos agentes estatais o gesto de desrespeito ao sistema normativo, vier ele a ser concretizado por ato de mero particular. Doutrina. (STF - RE: 251445 GO, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 21/06/2000, Data de Publicação: DJ 03/08/2000 PP-00068)
Interessa acrescentar que “o Direito norte-americano, exatamente a fonte de nossa vedação das provas ilícitas, segundo OLIVEIRA, aceita, sem maiores problemas, a prova obtida ilicitamente por particulares. O fundamento, conforme a conhecida doutrina de GONZALEZ-CUELLAR SERRANO, é que a norma da vedação da prova ilícita dirige-se ao Estado, produtor da prova, e não ao particular[17]”.
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CONCLUSÃO
Do exposto neste artigo resta claro que o Brasil, Estado
Democrático de Direito que é, assenta o entendimento de que é vedada
produção de provas de forma ilícita, ou seja, devem‐se observar todos os
requisitos preconizados na Constituição e na legislação ordinária.
A ideia é proteger os direitos e garantias dos indivíduos contra os
abusos e ilegalidades perpetrados pelo Estado, que agora deve observar
todo o ritual na produção das provas. Os particulares também, quando
da produção probatória, devem observar os preceitos legais e
constitucionais, por exemplo, no caso de ação penal privada, em que
afigura‐se como autor da ação a própria vítima, que deve fornecer ao
estado‐juiz as provas necessárias para fundamentar a condenação do
querelado.
Conforme evidenciado o legislador brasileiro positivou as Teorias
dos Frutos da Árvore Envenenada, da Fonte Independente e da
Descoberta Inevitável. Já a Teoria da Mancha Purgada não foi
expressamente adotada, embora haja forte doutrina no sentido de que a
partir de uma interpretação sistemática, é possível a aplicação dessa
teoria ao direito brasileiro.
Por fim, no tocante à Teoria da Proporcionalidade restou claro
que, a teoria de origem alemã, é adotada no Brasil, mas tão‐somente em
favor do réu, como forma de provar sua inocência, pois o direito à
liberdade se sobrepõe sobre a vedação da prova ilícita. No entanto, a
maioria da doutrina e da jurisprudência concorda que tal princípio não se
aplica em favor da sociedade, embora haja bons e fortes argumentos em
sentido contrário.
Portanto, a temática das provas ilícitas é bastante atual e
abrangente, sobretudo diante das diversas teorias existentes, bem como
do intercâmbio com as teorias estrangeiras que ajudam a aguçar o
debate, bem como a instigar a reanálise do tema sobre diversos
aspectos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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75 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.571895
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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm. Acesso em 03/12/2016.
http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/5601/O-mito-da-proibicao-de-provas-ilicitas-pro-societate-no-processo-penal. Acesso em 03/12/2016.
NOTAS:
[1] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 03/12/2016.
[2] TÁVORA, Nestor e ALENCAR Rosmar. Curso de Direito Processual Penal. Ed. Jus Podivm. 2014, página 67.
[3] TÁVORA, Nestor e ALENCAR Rosmar. Curso de Direito Processual Penal. Ed. Jus Podivm. 2014, página 68.
[4] TÁVORA, Nestor e ALENCAR Rosmar. Curso de Direito Processual Penal. Ed. Jus Podivm. 2014, página 68.
[5] DE LIMA, Renato Brasileiro. Curso de Processo Penal. Ed. Jus Podivm, 2013, página 573.
[6] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 03/12/2016.
[7] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm. Acesso em 03/12/2016.
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[8] TÁVORA, Nestor e ALENCAR Rosmar. Curso de Direito Processual Penal. Ed. Jus Podivm. 2014, página 513.
[9] DE LIMA, Renato Brasileiro. Curso de Processo Penal. Ed. Jus Podivm, 2013, página 605.
[10] TÁVORA, Nestor e ALENCAR Rosmar. Curso de Direito Processual Penal. Ed. Jus Podivm. 2014, página 511.
[11] DE LIMA, Renato Brasileiro. Curso de Processo Penal. Ed. Jus Podivm, 2013, página 602.
[12] TÁVORA, Nestor e ALENCAR Rosmar. Curso de Direito Processual Penal. Ed. Jus Podivm. 2014, página 512.
[13] TÁVORA, Nestor e ALENCAR Rosmar. Curso de Direito Processual Penal. Ed. Jus Podivm. 2014, página 512.
[14] TÁVORA, Nestor e ALENCAR Rosmar. Curso de Direito Processual Penal. Ed. Jus Podivm. 2014, página 516.
[15] ALVES, Leonardo Barreto Moreira. Processo Penal – Parte Geral. Ed. Jus Podivm, 2014, página 326.
[16] Disponível em: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/5601/O-mito-da-proibicao-de-provas-ilicitas-pro-societate-no-processo-penal. Acesso em 03/12/2016.
[17] Disponível em: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/5601/O-mito-da-proibicao-de-provas-ilicitas-pro-societate-no-processo-penal. Acesso em 03/12/2016.
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O CONSELHO TUTELAR COMO ÓRGÃO EFICAZ NA AFIRMAÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
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GIOVANI NEVES: Analista de produção, estudante de direito na universidade AJES de Juina/MT. RAPHAEL SCHAFFEL NOGUEIRA (coautor):Acadêmico do curso de bacharelado em Direito da AJES..
RESUMO: O presente estudo discorre sobre os direitos e garantias da infância e juventude, tendo como principal fim a análise da atuação do
Conselho Tutelar na efetividade dos Direitos da criança e do adolescente
em âmbito nacional. Foi levada em consideração a evolução histórica das
legislações brasileiras, considerando os princípios utilizados como
fundamento na elaboração dos direitos da criança e do adolescente.
Nesse contexto, surge o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, lei
que proporcionou as condições necessárias para o cumprimento das
conquistas adquiridas em benefício da infância e juventude. O artigo
apresenta a definição do órgão Conselho Tutelar, bem como suas
características, competências, atribuições e forma de atuação. Relata
também as dificuldades encontradas por este importante instrumento,
durante o processo de combate a violação dos Direitos da criança e do
adolescente. Constata‐se que, a concretização dessas garantias por parte
do Conselho Tutelar, esbarra em alguns obstáculos, entre eles a
precariedade da estrutura física disponibilizada aos conselheiros, uma
insuficiente rotina de capacitação, e a ausência de participação
constante da sociedade na aplicação das políticas públicas que a
legislação estabelece.
Palavras chave: Conselho Tutelar. Criança e adolescente. Atuação.
ABSTRACT: This study discusses about the children´s and youth´s legal rights and guarantees, with the main purpose of analyzing the role of the
“Child Protection Council” in its effectiveness in his application of
children´s and adolescent´s rights nationwide. We examined the
historical evolution of Brazilian Legislation, considering the base of the
development of child´s and adolescent´s protection laws. In this context,
comes to light the “Child´s and Adolescent´s Protection Law” – ECA, law
that provided the necessary conditions we needed to guarantee the
fulfillment of the objective of protecting and defending children and
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teenagers. This article brings the definition of what would be the “Child
Protection Council” and explains about its characteristics, duties, powers
and modus operandi. Talk about the difficulties faced by this important
legal instrument in the process of combating the violation of children's
and adolescent´s rights as well. It easily noted that the fulfillment of
these laws by the “Child Protection Council” faces a lot of obstacles,
including the precariousness of the physical structure available to
counselors by the govern, poor training and preparation routine, and the
absence of the participation of the civil society in the process of
dissemination and implementation of public policies that the law
establishes.
Keywords: Child Protection Council. Child and teenager. Acting.
1 INTRODUÇÃO A promulgação da Constituição Federal de 1988 e a
validação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) - Lei n° 8.069/90, criado em 13 de julho de 1990, apontou um novo rumo às políticas públicas voltadas as crianças e adolescentes, utilizando o princípio da proteção integral. A partir desse momento, foram apresentados novos conceitos e incorporados novos direitos a este público, intensificando a efetivação das políticas públicas voltadas ao combate à violação de direitos.
Presentemente, um dos princípios de interesse para o estudo dos Direitos da Criança o do Adolescente é o princípio da proteção integral, que assegura com absoluta prioridade aos direitos deste grupo. Este preceito exige que a família, a sociedade e o Estado zelem e participem da formação e desenvolvimento das crianças e adolescentes. Um conjunto organizado de pessoas e instituições atuantes na efetivação aos direitos infanto-juvenis, entre eles: Conselhos Municipais, Estaduais e Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Juiz da Infância e da Juventude, Promotor da Infância e da Juventude, Conselho Tutelar, famílias e outros envolvidos,
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passam a utilizar do princípio da proteção integral e outros princípios para concretizar esses direitos. Estes compõem a rede de proteção aos Direitos das Crianças e Adolescentes. Neste contexto, surge o Conselho Tutelar instrumento da democracia participativa, represente da sociedade na rede de atendimento aos direitos da criança e do adolescente.
Seguindo, o objetivo principal desse estudo é avaliar a eficácia da atuação do Conselho Tutelar, elencando os fatores que otimizam seu desempenho, além dos que o prejudicam. Apresenta conhecimentos sobre a origem, as características e atribuições do conselho, sendo isto de extrema importância para que na sequência, seja possível avaliar os resultados de sua dinâmica. A análise da atuação deste órgão contribui para um levantamento da atual situação das políticas públicas voltadas ao grupo infanto-juvenil no Brasil.
O estudo busca também incluir outros aspectos relacionados à Política de Atendimento e Direitos à criança e ao adolescente estabelecida no Estatuto da Criança e do Adolescente, especialmente os relativos à participação popular, descentralização, trabalho em rede de serviços.
Para confecção deste artigo, foi realizada a pesquisa e coleta das informações em fontes bibliográficas e bases de dados virtuais, professando a leitura do conteúdo encontrado, realizando o fichamento e análise crítica do material selecionado. A exposição dos resultados obtidos através de um texto escrito, pretende disponibilizar para os interessados, um diagnóstico objetivo e claro referente à atuação do Conselho Tutelar, como órgão eficaz na afirmação dos Direitos da Criança e do Adolescente.
2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA Inicialmente, faz-se necessário compreender que a criança
era caracterizada como todo ser humano menor de dezoito anos para a conferência internacional de 1989, mas o Estatuto
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da Criança e Adolescente caracteriza como criança todo ser humano de 12 anos incompleto instituído pela Lei n° 8.069 de 13 de julho de 1990, no art. 2º, adolescente se enquadra entre 12 a 18 anos de idade. Reserva-se no mesmo dispositivo parágrafo único afirmando que em caso expresso da lei o adolescente antecipa maior idade entre dezoito e vinte e um anos.
Segundo Bitencourt[1], é de suma importância definir a idade que conceitua o infanto-juvenil. Ressaltando que a criança e adolescente vivem em dinâmico processo de desenvolvimento físico, mental, cultura, social, religioso, e outros aspectos que interferem diretamente no comportamento social destes.
É necessário compreender as diversas fases e senários que envolver a vida cotidiana das crianças e dos adolescentes para saber aceitar as reações distintas sobre determinado assuntos, inseridos no dia-a-dia dos mesmos.
Durante a fase imperial tem início a
preocupação com os infratores, menores ou
maiores, e a política repressiva era fundada no
temor ante a crueldade das penas. Vigentes as
Ordenações Filipinas, a imputabilidade penal era
alcançada aos sete anos de idade. Dos sete aos
dezessete anos, o tratamento era similar ao do
adulto com certa atenuação na aplicação da
pena. Dos dezessete aos vinte e um anos de
idade, eram considerados jovens adultos e,
portanto, já poderiam sofrer a pena de morte
natural (por enforcamento). A exceção era o
crime de falsificação de moeda, para o qual se
autorizava a pena de morte natural para maiores
de quatorze anos.
As Ordenações Filipinas tinham por caráter excessivamente rigoroso e previa, punições severas como açoite, queimadura e a morte para sempre, baseada em conceito religiosos e confundindo crime com pecado e a ofensa moral.
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Do ponto de vista de Costa[2], houve aumento de políticas sociais ilustradas pelo Estado brasileiro. As populações de maneira económica carentes eram levados aos cuidados da Igreja Católica através de algumas instituições, entre elas as Santas Casas de Misericórdia. No Brasil, a primeira Santa Casa foi Historicamente a primeira manifestação dos direitos infanto-juvenis aconteceu no ano de 1919, quando foi criado o Comitê de Proteção da Infância, consolidando no Direito Internacional as obrigações coletivas em relação às crianças. Com isso, o reconhecimento da titularidade de proteção dessa população, deixa de ser o Estado o único detentor sobre a matéria. Posteriormente, surge a primeira Declaração dos Direitos da Criança que veio recomendar que os Estados filiados devessem ter suas próprias legislações em defesa aos direitos das crianças e da juventude.
Em um inevitável desenrolar dos fatos, em
1926 foi publicado o Decreto nº 5.083, primeiro
Código de Menores do Brasil que cuidava dos
infantes expostos e menores abandonados.
Cerca de um ano depois, em 12 de outubro de
1927, veio a ser substituído pelo Decreto
17.943‐A, mais conhecido como Código Mello
Mattos. De acordo com a nova lei, caberia ao
Juiz de Menores decidir‐lhes o destino. A família,
independente da situação econômica, tinha o
dever de suprir adequadamente as necessidades
básicas das crianças e jovens, de acordo com o
modelo idealizado pelo Estado. Medidas
assistenciais11 e preventivas foram previstas
com o objetivo minimizar a infância de rua.[3]
Em sintonia com momento, é criada a constituição de 1934, que traz em suas principais disposições, Art. 138 - Incumbe à União, aos Estados e aos Municípios, nos termos das leis respectivas:
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a) assegurar amparo aos desvalidos, criando serviços especializados e animando os serviços sociais, cuja orientação procurarão coordenar;
b) estimular a educação eugênica; c) amparar a maternidade e a infância; d) socorrer as famílias de prole numerosa;
e) proteger a juventude contra toda exploração, bem como contra o abandono físico, moral e intelectual.
Em 1988, com a Constituição da República que tem o caráter, de ter sua atenção para os direitos fundamentais, traz importância da criança e adolescente para a nação, sendo proveniente que os mesmos serão o futuro do país, trazendo no art. 227 o coadjuvante para alavancar os direitos fundamentais.
Segundo aos artigos compostos na Constituição Federal:
Art. 227. “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão’’. Art. 7. “A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência’’. Art. 30. “Compete aos Municípios: Inciso VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental’’.[4]
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Com o tempo a criança e o adolescente passam ser sujeito de Direito, tendo sua proteção e garantias a segurada, e com isso a necessidade de um órgão que zelasse pelo interesse da criança e adolescente. Dessa forma, nasce em 1990, o conselho tutelar junto com Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), instituído pela Lei 8.069. No Brasil, os Conselhos Tutelares são órgãos municipais destinados a zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, conforme determinado no Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 131 a 140).
A construção dos Conselhos Tutelares no Brasil deu-se através de um processo radicalmente democrático, buscando, portanto, um órgão que estivesse de acordo com a Teoria da Proteção Integral. Neste sentido o projeto de Lei que institui o Estatuto da Criança e do Adolescente foi analisado nas duas casas do Congresso Nacional recebendo 35 emendas, inclusive sobre a própria criação dos Conselhos Tutelares. De acordo com a Deputada Rita Camata “foi um encontro inédito de vontades políticas”, pois ambas as casas do Congresso Nacional tiveram participação profunda, apresentando emendas ao Projeto de Lei, restando então um projeto desejado por todos.[5]
Dessa forma novos atores entram em cena, dando início a novos rumos da história, a comunidade local aparece inserida no contexto, através dos Conselhos Municipal e Tutelar, exigindo que a família cumpra com os deveres inerentes ao poder familiar. O Judiciário, exercendo a função judicante. O Ministério Público como um grande agente garantidor de toda a rede, fiscalizando seu funcionamento, exigindo resultados, assegurando o respeito prioritário aos direitos fundamentais infanto-juvenis estabelecidos na lei Maior.[6]
3 CONSELHO TUTELAR O Conselho Tutelar possui relevante papel quando
tratamos dos Direitos da Criança e do Adolescente, sendo este,
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componente fundamental da rede de proteção dos direitos da criança e do adolescente. O conselho é eleito pela comunidade para acompanhar os infanto-juvenis e decidirem em conjunto sobre qual medida de proteção para cada evento. Devido ao seu trabalho de fiscalização a todos os entes de proteção (Estado, comunidade e família), o Conselho Tutelar goza de autonomia funcional, não tendo nenhuma relação de subordinação com qualquer outro órgão semelhante do Estado.
É necessário esclarecer que a autonomia do Conselheiro funcional não é absoluta, no tocante às decisões, estas devem ser tomadas de forma colegiada por no mínimo três conselheiros. Criado em julho de 1990 junto com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Conselho Tutelar é um dos instrumentos incumbidos de cumprir as diretrizes estabelecidas no artigo 227 da Constituição Brasileira de 1988. É um dos órgãos que compõem a rede de proteção dos direitos da criança e do adolescente, sendo este responsável por representar a sociedade através de medidas não jurisdicionais. Procura atingir seus objetivos
9 em conjunto com os Conselhos Municipais, Estaduais e Nacional de direitos da criança e do adolescente, Juizado da infância e Juventude, Ministério público e Defensoria Pública.
O art. 131 do ECA[7] define o Conselho Tutelar como “órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta lei”.
Na concepção de BARROS[8], trata-se de um órgão integrante do Poder Executivo Municipal sem natureza jurisdicional, não obstante seu trabalho trazer consequências que serão discutidas no judiciário. Sua atuação embora de cunho administrativo, relacionada ao poder de polícia do Estado pode ser questionada perante a autoridade judiciária da comarca em que o Conselho Tutelar exerce suas atribuições.
Faz-se importante ressaltar que nossa legislação prevê que a atuação do Conselho Tutelar seja no âmbito municipal, possibilitando a participação da sociedade local, dando
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diretamente total gravidade as características particulares de cada município.
3.1 Características e Natureza Vistas as noções conceituais, podemos agora destacar
algumas características deste importante componente da rede de atendimento aos direitos da criança e do adolescente, bem como sua natureza. Diversos autores destacam três características principais do conselho tutelar: a permanência, a autonomia e o não exercício da jurisdição.
Ao se referir as características principais do conselho tutelar, MACIEL[9] tem os seguintes argumentos:
O primeiro fundamento, o da permanência, pode ser explicado no caráter perene que o legislador teve de atribuir ao Conselho Tutelar. Após o Conselho Tutelar ser criado, obrigatoriamente em lei municipal, não pode ser extinto, podendo ocorrer somente renovação de seus componentes, após exercício de mandato. Sua ação deve ser contínua e ininterrupta.
Outra característica do Conselho Tutelar, é tratar-se de órgão autônomo. Esta implica na não subordinação do Conselho Tutelar, na escala administrativo- hierárquica, a qualquer órgão do Poder Público. Consiste em aquele órgão ter sua ação pautada, tão-somente, nos ditames legais, não se admitindo qualquer interferência externa na sua atuação. É de aplicação do Conselho Tutelar livre para decidir, diante do caso concreto, como melhor proteger determinada criança ou adolescente, sendo ele próprio o responsável por promover a execução de suas decisões. Salienta-se que, embora autônomo, não há qualquer impedimento, do ponto de vista administrativo, de que o Conselho Tutelar esteja ligado ou subordinado a outro órgão, ou que, do ponto de vista financeiro, dependa de verbas externas ou de alguma Secretaria Municipal.
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A respeito do não exercício da jurisdição, identificada como a última característica mencionada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente reside no fato de o Conselho Tutelar não exercer jurisdição. Não pertence ao Poder Judiciário e não exerce suas funções. O Conselho Tutelar é órgão público, de natureza administrativa, pelo que todos os atos por ele praticados devem ser compreendidos como atos administrativos. Tal circunstância decorre o dever do Conselho Tutelar de encaminhar à autoridade judiciária os casos de sua competência, não lhe sendo permitido, portanto, atuar de forma que, direta ou indiretamente, acarrete a apreciação ou o julgamento de conflitos de interesses.
Além dessas características, o Conselho tutelar possui também outras peculiaridades, entre elas, a atuação como órgãos colegiados. Sua natureza de órgão de deliberação coletiva resulta em maior segurança e propriedade na aplicação de qualquer medida pelos conselheiros. Isso não significa, no entanto, que o atendimento a população não pode ser realizado individualmente pelos mesmos. De maneira geral, o conselheiro deve se apegar às características apresentadas, visando contribuir no que for possível para que os mesmos sejam praticados. Formação, Composição e Estruturação
O Conselho tutelar é um órgão vinculado ao Poder Executivo Municipal, criado através de lei. Em cada município do país, deve existir no mínimo um conselho tutelar, composto de cinco membros, escolhidos pela comunidade local para o mandato de no mínimo três anos, permitida uma recondução, mediante novo processo de escolha.
De acordo ao Estatuto da Criança e do Adolescente, artigo 132[10], “cada Município e em cada Região Administrativa do Distrito Federal haverá, no mínimo, 1 (um) Conselho Tutelar como órgão integrante da administração pública local, composto de 5 (cinco) membros, escolhidos pela população local para mandato de 4 (quatro) anos, permitida 1 (uma) recondução, mediante novo processo de escolha.”
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O cidadão que pretender exercer mandato de conselheiro tutelar, deverá se candidatar ao cargo, mas antes disso deve atender alguns requisitos: possuir reconhecida idoneidade moral, idade superior a vinte e um anos, e residir no município sede do Conselho. A ampliação dos requisitos exigidos poderá ser efetuada através de lei municipal, atendendo às particularidades da localidade, pois são os Municípios os responsáveis diretos pela efetivação da política pública de proteção às crianças e adolescentes, tendo papel preponderante na tutela dos direitos e garantias dos mesmos. Estes requisitos visam garantir que o conselheiro tenha as condições mínimas necessárias para representar a sociedade durante sua atuação.
No que diz respeito à estrutura física que deve ser disponibilizada para o Conselho tutelar, artigo 134 do ECA[11]define que é responsabilidade do Poder Executivo Municipal de disponibilizar local para atendimento do conselho tutelar, além da estruturação e manutenção das estrutura que envolvem o atendimento.
Também deve ser estabelecido em lei municipal, dia e horário de funcionamento do Conselho Tutelar, e remuneração dos membros. De certa forma, isso permite que cada município atenda as necessidades locais, adequando a atuação dos conselheiros às características locais. Cada município vive uma realidade de garantia ou violação de direitos e possuir seus próprios problemas, e a descentralização da atuação do conselho é uma tentativa de melhor resolver os problemas locais.
LIMA afirma que a descentralização trata-se de: [...] uma alternativa que funcionalmente
pretende trazer eficácia as ações
governamentais e não‐governamentais em
termos de políticas públicas, pois uma vez que
se divide a competência para atuação entre os
entes da federação e dos demais seguimentos
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da sociedade civil organizada, torna mais
simples legitimar os programas e ações
sociais. [12]
Tudo que envolve recursos necessários para o funcionamento do Conselho Tutelar, remuneração e formação continuada dos conselheiros tutelares, deverá ser estabelecido na Lei Orçamentária do Município, prevendo e garantindo o bom funcionamento deste instrumento.
3.2 Atribuições e Finalidades Como abordado incialmente, a função principal do
Conselho Tutelar é zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente. Para atingir esse objetivo, o conselheiro pode atuar de várias formas, de acordo com as necessidades específicas do caso. Ações preventivas, não voltadas a um caso específico, também podem ser praticadas pelo conselheiro. Nos casos em que se esgotaram as possibilidades internas de solução para o problema, o conselheiro poderá tomar uma ou mais medidas, conforme ocaso.
O artigo 136[13] do Estatuto da Criança e do Adolescente estabeleceu uma série de ações capazes de guiar a atuação dos conselheiros, desde a recepção da denúncia atéa tomada de decisão. Entre as atribuições previstas em leiestão:
-Formular as diretrizes para a política de promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente em âmbito federal, estadual e municipal, de acordo com suas respectivas esferas de atuação;
- Fiscalizar o cumprimento das políticas públicas para a infância e à adolescência executadas pelo poder público e por entidades não-governamentais;
- Acompanhar a elaboração e a execução dos orçamentos públicos nas esferas federal, estadual, distrital e municipal, com o objetivo de assegurar que sejam destinados
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os recursos necessários para a execução das ações destinadas ao atendimento das crianças e adolescentes;
- Conhecer a realidade do seu território de atuação e definir as prioridades para o atendimento da população infanto-juvenil;
- Definir, em um plano que considere as prioridades da infância e adolescência de sua região de abrangência, a ações a seremexecutadas;
- Gerir o Fundo para a Infância e Adolescência (FIA), definindo os parâmetros para a utilização dos recursos;
- Convocar, nas esferas nacional, estadual, distrital e municipal, as Conferências dos Direitos da Criança e doAdolescente;
- Promover a articulação entre os diversos atores que integram a rede de proteção à criança e ao adolescente;
- Registrar as entidades da sociedade civil que atuam no atendimento de crianças e adolescentes.
Este amplo leque de ações atribuídas é disponibilizado ao conselheiro tutelar, para que o mesmo possa cumprir seu objetivo. É válido lembrar que a atuação não deve substituir outros órgãos do serviço público. O Conselho Tutelar só deve ser acionado caso haja recusa ou deficiência no atendimento à criança e ao adolescente por parte de alguma instituição.
4 ANÁLISE DE ATUAÇÃO Passando-se mais de duas décadas de atuação do
conselho tutelar, observa-se que a legislação voltada ao público infanto-juvenil no Brasil, contribui positivamente para a eficiência na atuação deste órgão. Vários artigos do ECA foram modicados para melhor serem aplicados, ajustando-o à necessidade.
No entanto, existem vários fatores desfavoráveis à atuação deste instrumento. Uma realidade que comumente é encontrada em diversas localidades é a ausência da estrutura necessária para uma boa atuação do conselho. Local de
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atendimento inadequado, veículos em más condições acabam contribuindo negativamente nos resultados. Para Clóvis Santos, o conselho tutelar será eficaz se possuir dois atributos: recursos financeiros e uma boa equipe comprometida com o trabalho. Com estes, o conselho tutelar funcionará de forma equilibrada tendo qualidade para atender demanda de serviço e por sua vez garantido os direitos da criança e adolescente. A ausência destes contribui para ineficiência.
Outra deficiência encontrada com certa frequência é a ausência uma de formação continuada que realmente capacite os conselheiros para suas atividades. Aperfeiçoar esse importantíssimo instrumento democrático, capacitar os conselheiros tutelares para que atuem com independência e autonomia e dotar lhe de equipe técnica de apoio e infraestrutura, contribuirá consideravelmente para minimizar osproblemas.
A falta de entendimento e participação da sociedade em relação às atividades do Conselho, também aparece como um entrave na atuação. Talvez por ser algo inovador, a própria sociedade muitas vezes desconhece o papel do conselho tutelar bem como suas contribuições para com a comunidade, afetando o efetivo serviço deste.
Santiago[14] alega que é necessário a valorização do poder público e da sociedade ao trabalho do Conselho Tutelar, para que seja atingido melhores resultados.
O Conselho Tutelar é visto como órgão de
frente na defesa dos Direitos das Crianças e
Adolescentes, entretanto não é valorizado como
deveria ser, a desvalorização partir não só das
autoridades públicas, mais também da própria
sociedade civil, que não colabora com a
efetivação de seus trabalhos. Portanto para que
ocorra a melhor valorização do CT e de seus
operadores devemos ter voz forte para com as
autoridades públicas e conscientizar a população
através de planejamentos políticos adequados,
5
91 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.571895
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de que o Conselho Tutelar é órgão de extrema
importância na sociedade, devendo o mesmo ser
atuante e trabalhar em conjunto com a própria
sociedade civil, para a educar com base na
correta cidadania as crianças e seus familiares,
enfim o público alvo doGoverno
Diante do exposto, percebe-se que o conselho tutelar convive com diversas dificuldades, desde a sua criação até os dias de hoje. A legislação vem se adequando com o objetivo de tornar a rede de atendimento mais forte e completa. Porem, o apoio do poder público e da própria sociedade ao atendimento realizado por este instrumento, se faz cada vez mais necessário para o avanço no atendimento.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS É perceptível que o modelo utilizado na proteção dos
direitos da criança e do adolescente no Brasil é suficiente para alcançar bons resultados. Nossa legislação trata o assunto com muita objetividade contribuindo positivamente em vários aspectos. Permite que a instituição possua total liberdade de atuação, sendo uma importante ferramenta de efetivação a direitos fundamentais de crianças e adolescentes.
Todavia, alguns fatores contribuem negativamente na atuação do Conselho Tutelar. Muitas vezes, a precariedade das estruturas físicas disponibilizadas pelo Executivo Municipal atrapalham a atuação do órgão. Outro fator que pesa negativamente, de maneira geral, é o perfil dos conselheiros e a deficiente formação continuada. A compreensão dos aspectos fundamentais pelos conselheiros pode trazer reais contribuições para as intervenções práticas destes agentes na garantia dos direitos humanos e de cidadania das crianças e adolescentes.
Nessa perspectiva, o Conselho Tutelar exerce importante papel na concretização dos direitos da criança e do adolescente. Somando, a participação efetiva do Estado e da
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Família em harmonia com a atuação dos conselheiros e com a sociedade, é de total importância para a efetivação dos direitos da criança e do adolescente.
REFERÊNCIAS BARROS, Guilherme Freire de Melo. Direito da Criança e do
Adolescente – Sinopses para concursos. 4ª ed. Salvador: Juspodvm,
2016.
BITENCOURT, César Roberto. Código Penal Comentado.5ª ed.
São Paulo: Saraiva, 2009.
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Doutrina e Jurisprudência. 17ª ed. ver. ampl. e atual. ‐ Salvador:
JusPODIVM., 2016.
LAUREANO, Clodomiro Wagner Martins. Conselho tutelar: funções, características e estrutura do órgão de efetivação dos direitos da criança. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11303&revista_caderno=12> Acesso em: 12 out. 2016.
LIMA, Fernanda da Silva. A implementação das ações
afirmativas para a concretização dos direitos de crianças e
adolescentes negros no Brasil. 2007. Monografia (Graduação em
Direito) – Universidade do Extremo Sul Catarinense, Criciúma.
MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade. Direito
Fundamental à Convivência Familiar. 7. ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2014.
MULLER, Maria Crisna. Direitos Fundamentais: a proteção
integral de crianças e adolescentes no Brasil.
Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n
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2016.
PAGANINE, Juliana. Os direitos fundamentais de crianças e
adolescentes: uma análise da atuação do conselho tutelar no Brasil.
2010. Disponível em:
<http://periodicos.unesc.net/amicus/article/view/558/549> Acesso em: 11 out. 2016.
ROBERTI JUNIOR, João Paulo. EVOLUÇÃO JURÍDICA DO DIREITO
DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO BRASIL. Revista da
UNIFEBE, Disponível
em: ttp://periodicos.unifebe.edu.br/index.php/revistaeletronicadaunifebe/article/view/7>. Acesso em: 08 out. 2016.
SANTIAGO, Mayane Alves Silva. O sistema de garantias de
direitos de Criança e adolescentes e as dificuldades enfrentadas
pelo Conselho Tutelar. 2013. Monografia (Graduação em Direito)
Faculdade Farias Brito, Fortaleza‐CE, p54.
Disponível em:<http://www.conteudojuridico.com.br/pdf/cj046792.
pdf>. Acesso em: 11 out. 2016.
NOTAS:
[1] BITENCOURT, César Roberto. Código Penal Comentado.5ª ed. São Paulo-SP: Saraiva, 2009. 4 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (Coord.). Direito Fundamental à Convivência Familiar. In.. Curso de direito da Criança e do Adolescente:Aspectos teóricos e Práticos. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 35.
[2] COSTA, Antonio Carlos Gomes. De menor a cidadão:Notas para uma história do novo direito da infância e juventude no Brasil. Editora do Senado, 1993. fundada no ano de 1543, na Capitania de São Vicente. Estas instituições agiam tanto com os doentes quanto com os órfãos e desprovidos. O sistema da Roda das Santas Casas, vindo da Europa no século XVIII, tinha o objetivo de amparar as crianças abandonadas e de recolher donativos.
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[3] MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (Coord.). Direito Fundamental à Convivência Familiar. In.. Curso de direito da Criança e do Adolescente: Aspectos teóricos e Práticos. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 36.
[4] BRASIL. Vade Mecum. 22ª ed. São Paulo: Saraiva 2016, p. 2416.
[5] ROBERTI JUNIOR, João Paulo. Evolução Jurídica do Direito da Criança e do Adolescente no Brasil. Revista da UNIFEBE, [S.l.], v. 1, n. 10 Jan/Jul, jul. 2012. ISSN 2177-742X.
[6] MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (Coord.). Direito Fundamental à Convivência Familiar. In Curso de direito da Criança e do Adolescente: Aspectos teóricos e Práticos. 7. ed. rev.e atual. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 10
[7] ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: Doutrina e Jurisprudência. 17ª ed. ver. ampl. e atual. - Salvador: JusPODIVM., 2016. p. 393
[8] BARROS, Guilherme Freire de Melo. Direito da Criança e do Adolescente: Sinopses para concursos. 4ª ed. Salvador: Juspodvm, 2016.
[9] MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (Coord.). Direito Fundamental à Convivência Familiar. In. Curso de direito da Criança e do Adolescente: Aspectos teóricos e Práticos. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 468-470.
[10] ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: Doutrina e Jurisprudência. 17ª ed. ver. ampl. e atual. - Salvador: JusPODIVM., 2016. Pg. 394
[11] ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: Doutrina e Jurisprudência. 17ª ed. ver. ampl. e atual. - Salvador: JusPODIVM., 2016. Pg. 398.
[12] LIMA, Fernanda da Silva. A implementação das ações afirmativas para a concretização dos direitos de crianças e adolescentes negros no Brasil. 2007. p. 49.
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95 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.571895
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[13] ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: Doutrina e Jurisprudência. 17ª ed. ver. ampl. e atual. - Salvador: JusPODIVM., 2016. p. 401.
[14] SANTIAGO, Mayane Alves Silva. O sistema de garantias de direitos de Criança e adolescentes e as dificuldades enfrentadas pelo Conselho Tutelar. 2013. Monografia (Graduação em Direito) Faculdade Farias Brito, Fortaleza, p. 54já explanado antes.
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REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL
ENIO DA SILVA MAIA: Advogado e Assessor jurídico da Prefeitura de São Domingos do Cariri - PB.
RESUMO: A redução da maioridade penal é um dos temas mais
polêmicos da atualidade. Os delitos praticados por menores infratores
têm crescido em quantidade, como também, em violência. Com isso, o
questionamento sobre a redução da maioridade penal surge como uma
possível solução de combate a esses delitos. Analisa‐se as medidas sócio‐
educativas aplicadas aos atos infracionais cometidos por adolescentes,
como também, se a redução da maioridade penal iria solucionar o
aumento dos crimes praticados por adolescentes.
Palavras‐chaves: redução da maioridade penal; menores infratores;
aspectos sociais.
ABSTRACT: The reduction of the criminal majority is one of the most
controversial subjects of the present time. Offences committed by
juvenile offenders have grown in quantity, but also in violence.With that,
the questioning about the reduction of criminal majority emerges as a
possible solution to combat these crimes. Analyze the socio‐educational
measures applied to infracionais acts committed by teenagers, but also,
if the reduction of criminal majority would solve the increase of crimes
committed by teenagers.
Keywords: Reduction of the penal majority; juvenile offenders; social
aspects.
INTRODUÇÃO
Hodiernamente, a Segurança Pública é um dos principais
problemas da sociedade brasileira. O número crescente de crimes
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noticiados nos meios de comunicação juntamente com a inércia dos
Poderes Públicos deixa a população consternada.
Entretanto, o mais chocante são os constantes casos de
adolescentes envolvidos em crimes dos mais leves aos mais graves e
cruéis. O resultado disso move opiniões carregadas de paixão e sede de
vingança que conduzem para uma redução da maioridade penal como
solução para os problemas da criminalidade juvenil.
O presente artigo propõe‐se a enfrentar se realmente a redução
da maioridade penal seria a solução para o problema da delinqüência
juvenil, como também, alguns aspectos sociais que envolvem o tema.
1. DEFINIÇÃO DE IMPUTABILIDADE PENAL
Inicialmente se faz necessário a definição de imputabilidade, pois
é condição pessoal dos menores de 18 anos a inimputabilidade, haja
vista que não possuem consciência de entender o que é certo e errado.
“Imputabilidade é capacidade de
imputação, ou seja, possibilidade de se atribuir
a alguém a responsabilidade pela prática de
uma infração penal. A imputabilidade é
elemento sem o qual entende‐se que o sujeito
carece de liberdade e de faculdade para
comportar‐se de outro modo, como o que não
é capaz de culpabilidade, sendo, portanto,
inculpável”. (SANCHES, 2016)
Assim, aquele sujeito violador do tipo penal deve entender o
caráter ilícito da conduta praticada e se determinar de acordo com a
mesma para ser considerado imputável.
O Código Penal não define o que venha a ser imputabilidade, mas
levanta as hipóteses de inimputabilidade, quais sejam: inimputabilidade
em razão de anomalia psíquica; em razão da idade; e em razão de
embriaguez.
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Os elementos intelectivos e volitivos devem estar presentes para
que haja imputabilidade. Baseiam‐se na liberdade e capacidade
intelectual do homem para saber o que é certo ou errado.
A Constituição Federal, no art. 228, expressa que “são penalmente
inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da
legislação especial”.
A inimputabilidade dos menores de dezoito anos não encontra
qualquer exceção, não se subordinando ao critério do discernimento,
somente ao cronológico, adotando‐se claramente o critério biológico.
Entretanto, os menores de dezoito anos, mesmo inimputáveis são
responsáveis pelos atos ilícitos praticados à medida que se submetem às
medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do
Adolescente. Esses atos contrários a lei praticados por menores de
dezoito anos são chamados de atos infracionais.
1.1 Medidas socioeducativas
A prática de um fato previsto em lei como crime ou contravenção
penal quando a conduta é realizada por criança ou adolescente chama‐se
de ato infracional.
Com isso, criança e adolescente quando praticam ato infracional
não recebem uma pena, mas sim medida protetiva (quando criança) e
medida socioeducativa (quando adolescente).
As medidas socioeducativas se classificam em medidas de meio
aberto e restritivas da liberdade. As medidas em meio aberto serão
criadas e mantidas pelos Municípios, ao passo que as medidas restritivas
de liberdade serão criadas e mantidas pelo Estado.
O art. 112 do Estatuto da criança e do adolescente prevê as
seguintes medidas socioeducativas:
“Art. 112. Verificada a prática de ato
infracional, a autoridade competente poderá aplicar
ao adolescente as seguintes medidas:
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I – advertência;
II – obrigação de reparar o dano;
III – prestação de serviços à comunidade;
IV – liberdade assistida;
V – inserção em regime de semi‐liberdade;
VI – qualquer um das previstas no art. 101, I a
VI”.
As medidas socioeducativas de meio aberto são aplicadas para
condutas consideradas menos graves. A advertência consiste na
admoestação verbal do adolescente pelo juiz. Enquanto a obrigação de
reparar o dano tem por objetivo ressarcir a vítima. Já a prestação de
serviços a comunidade consiste na realização de tarefas gratuitas de
interesse geral pelo adolescente, havendo acompanhamento por
entidade de atendimento pelo prazo máximo de duração de seis meses e
carga horária de oito horas por semana. A liberdade assistida atua na
orientação, apoio e acompanhamento do adolescente pelo prazo mínimo
de seis meses.
Já aos atos infracionais mais graves são aplicadas as medidas de
proteção restritivas da liberdade. A semi‐liberdade importa
acompanhamento durante o dia pela entidade e a noite o adolescente
vai para casa. Já a internação consiste na restrição total da liberdade
podendo ser com prazo indeterminado ou determinado. O art. 122 do
Estatuto da criança e do adolescente estabelece as hipóteses de
internação:
“Art. 122. A medida de internação só poderá
ser aplicada quando:
I – tratar‐se de ato infracional cometido
mediante grave ameaça ou violência a pessoa;
II – por reiteração no cometimento de outras
infrações graves;
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III – por descumprimento reiterado e
injustificável da medida anteriormente imposta.
Vale salientar que todas as medidas socioeducativas podem ser
cumuladas com medidas protetivas estabelecidas no art. 101 do Estatuto
da criança e do adolescente.
2. REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL E A SOLUÇÃO PARA CRIMINALIDADE JUVENIL
A redução da maioridade penal sempre vem à tona quando o
assunto é tentar conter a criminalidade juvenil. Mas será que esta seria a
melhor solução?
Como se sabe, os menores infratores são responsabilizados de
maneira diferenciada dos adultos, o que não se confunde com
irresponsabilidade dos seus atos. As medidas socioeducativas têm
caráter pedagógico, com o objetivo de ressocializar e encaminhar os
adolescentes para um convívio sadio com a sociedade.
As entidades de atendimento deveriam buscar o resgate dos
menores infratores, procurando ressocializar e reinseri‐los na sociedade,
mas a massa de infratores infanto‐juvenis é bem maior que a capacidade
dessas instituições.
A realidade verificada, principalmente pelos meios de
comunicação, nessas instituições é o tratamento desumano recebido
pelos infratores desencadeando muitas vezes rebeliões.
Portanto, o problema não está na lei que regula a
responsabilidade dos menores infratores, mas sim na execução das
medidas socioeducativas. A estrutura Estatal se mostra ineficaz para
cumprir seu papel de ressocializar os menores infratores, agindo com
descaso quando o assunto é segurança pública.
Assim ao invés de reduzir a maioridade penal, poder‐se‐ia
modificar as condições de execução das medidas socioeducativas
impostas aos adolescentes que praticaram condutas contrárias a lei.
Como também, a mudança de alguns dispositivos considerados
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ineficazes do Estatuto da Criança e do adolescente, como por exemplo, o
prazo máximo de internação provisória (quarenta e cinco dias) e a
liberação compulsória do infrator aos 21 (vinte e um) anos, para não
citar outros.
A eficácia das normas do Estatuto da criança e do adolescente
depende de uma estrutura Estatal viável para programar a
ressocialização dos menores infratores, mas a verdade é que os recursos
são escassos, o que impede resultados satisfatórios por parte das
instituições.
3. ASPECTOS SOCIAIS DA CRIMINALIDADE DE MENORES INFRATORES
A criminalidade entre jovens infratores pode está ligada a vários
fatores, como educação, drogas, influência de grupos, dentre outros. O
Brasil vive um estado de injustiça social que gera a miserabilidade de
grande parte da população.
A criminalidade de menores infratores é um problema estrutural
ocasionada por problemas de ordem social e econômica fruto de uma
exclusão social, de uma precariedade familiar que influenciam no
ingresso desses jovens no mundo do crime.
O Estado não oferece o mínimo suporte educacional aos seus
jovens oferecendo péssimas condições de trabalho para os professores e
políticas salariais desestimulantes.
A má distribuição de riquezas e as desigualdades sociais estão
entrelaçadas com a explosão de atos infracionais, levando o jovem
excluído socialmente ao mundo do crime. A pobreza não é a única causa
de entrada dos adolescentes no seio da criminalidade, mas com toda
certeza é um dos fatores determinantes.
Jovens crescem em meios com altos índices de violência,
ocasionando a associação entre a delinqüência juvenil e o contexto
social. Com isso, seria forçoso pensar que se trate apenas de uma opção
do jovem pela marginalidade. Essa conclusão seria responsabilizar o
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jovem individualmente quando o Estado tem sua parcela de
responsabilidade.
O art. 226, §7º, da Constituição Federal prevê que no atendimento
dos direitos da criança e do adolescente deverá levar‐se em
consideração o conteúdo do art. 204 do mesmo diploma normativo.
Vejamos então o que dispõe o art. 204:
“Art. 204. As ações governamentais na área da
assistência social serão realizadas com recursos do
orçamento da seguridade social, previstos no art.
195, além de outras fontes, e organizadas com base
nas seguintes diretrizes:
(...)
Parágrafo único. É facultado aos Estados e ao
Distrito Federal vincular a programa de apoio à
inclusão social e promoção social até cinco décimos
por cento de sua receita tributária líquida, vedada a
aplicação desses recursos no pagamento de:
I – despesas com pessoal e encargos sociais;
II – serviço da dívida;
III – qualquer outra despesa corrente não
vinculada diretamente aos investimentos ou ações
apoiados”.
Como se vê, é necessário que o Estado execute o que está previsto
na Constituição, como também, no ordenamento jurídico como um todo,
para promover a estruturação de programas que atendam os interesses
das crianças e adolescentes.
Portanto, se faz necessário que o Poder Público cumpra suas
responsabilidades, abandonando sua posição de inércia, para combater
efetivamente as desigualdades econômicas e sociais enfrentadas pela
população brasileira.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Diante do exposto, conclui‐se que a freqüência à escola, uma
família estruturada e a oportunidade de trabalho são as verdadeiras
soluções para afastar a criança e o adolescente do mundo do crime, mas
a realidade do nosso país é de desestruturação da maioria das famílias
brasileiras, como também, a exclusão social das camadas menos
abastadas.
O Estatuto da criança e do adolescente também se mostra uma
ferramenta adequada a ressocialização dos menores infratores, porém
sua eficácia está condicionada a políticas públicas voltadas a
estruturação das instituições que recebem os jovens infratores.
Portanto, a redução da maioridade penal representaria um
retrocesso social e aniquilamento do futuro de jovens ao submetê‐los a
um sistema prisional falido, ocasionando a criação ou potencialização de
adolescentes criminosos.
REFERÊNCIAS
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Adolescente. 3ª edição. Editora JusPodivm. Salvador – Bahia. 2015.
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do Brasil. <Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm
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CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal, parte geral
(arts. º ao ). 4ª edição. Editora JusPodivm. Salvador – Bahia. 2016.
DE LIMA, Renato Brasileiro. Legislação Criminal Especial
Comentada. 2ª edição. Editora JusPodivm. Salvador – Bahia. 2014.
HABIB, Gabriel. Leis Penais Especiais, Tomo I. 7ª edição. Editora
Juspodivm. Salvador – Bahia. 2015.
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São Paulo. 2005.
NOVELINO, Marcelo. Manual de Direito Constitucional. 8ª edição.
Editora Método. São Paulo. 2013.
ROSSATO, Luciano Alves; LÉPORE, Paulo Eduardo; CUNHA, Rogério
Sanches. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado Artigo por
Artigo. 3ª edição. Editora revista dos tribunais. São Paulo – SP. 2012.
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A NEGATIVAÇÃO DO INADIMPLENTE DE VERBA ALIMENTAR NO SISTEMA DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO: ANÁLISE À LUZ DO ENTENDIMENTO PRETORIANO DO STJ
TAUÃ LIMA VERDAN RANGEL: Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Especializando em Práticas Processuais - Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Produziu diversos artigos, voltados principalmente para o Direito Penal, Direito Constitucional, Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito Administrativo e Direito Ambiental.
Resumo: Em sede de comentários introdutórios, ao se abordar o tema em comento, necessário se faz pontuar que a sobrevivência afigura no rol dos fundamentais direitos da pessoa humana. Nesta esteira de análise, é plenamente denotável que a prestação de crédito alimentar se revela como robusto instrumento apto a assegurar a sobrevivência do indivíduo, porquanto se apresenta como o meio adequado para atingir os recursos imprescindíveis à subsistência daqueles que, por si só, não conseguem prover sua manutenção pessoal, em decorrência da faixa etária, motivos de saúde, incapacidade, impossibilidade ou mesmo ausência de trabalho. Ao lado disso, prima anotar que o tema em debate ganha, ainda mais, proeminência em decorrência da maciça importância ostentada, eis que se expõe como elemento assegurador da dignidade do indivíduo. Nesse diapasão, há que se registrar que os alimentos, na atual sistemática albergada pela Lei N° 10.406, de 10 de Janeiro de 2002, que institui o Código Civil, dão corpo a obrigação que o indivíduo possui de fornecer alimentos a outrem. Insta arrazoar, com realce, que, no que tange à órbita jurídica, tal acepção se revela mais ampla, compreendendo, inclusive, além dos próprios alimentos, a
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satisfação de outras necessidades tidas como essenciais para a vida em sociedade. Assim, concatenado com as intensas modificações estruturadas, o presente se debruça sobre a possibilidade de negativação dos inadimplentes de pensão alimentícia.
Palavras-chaves: Verba Alimentar. Dignidade da Pessoa Humana. Negativação do Inadimplente. Sistema de Proteção ao Crédito.
Sumário: 1 O Instituto dos Alimentos no Direito Brasileiro: Ponderações Introdutórias ao Tema; 2 Aspectos Característicos da Obrigação Alimentar: 2.1 Direito Personalíssimo; 2.2 Irrenunciabilidade; 2.3 Atualidade; 2.4 Futuridade; 2.5 Imprescritibilidade; 2.6 Transmissibilidade; 3 A Negativação do Inadimplente de Verba Alimentar no Sistema de Proteção ao Crédito: Análise à luz do entendimento pretoriano do STJ
1 O Instituto dos Alimentos no Direito Brasileiro: Ponderações Introdutórias ao Tema
Em sede de comentários introdutórios, ao se abordar o tema em comento, necessário se faz pontuar que a sobrevivência afigura no rol dos fundamentais direitos da pessoa humana. Nesta esteira de análise, é plenamente denotável que a prestação de crédito alimentar se revela como robusto instrumento apto a assegurar a sobrevivência do indivíduo, porquanto se apresenta como o meio adequado para atingir os recursos imprescindíveis à subsistência daqueles que, por si só, não conseguem prover sua manutenção pessoal, em decorrência da faixa etária, motivos de saúde, incapacidade, impossibilidade ou mesmo ausência de trabalho. Com efeito, o festejado Sílvio de Salvo Venosa salienta que “o termo alimentos pode ser entendido, em sua conotação vulgar, como tudo aquilo necessário para sua subsistência”[1]. Ao lado disso, prima anotar que o tema em debate ganha, ainda mais, proeminência em decorrência da maciça importância ostentada,
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eis que se expõe como elemento assegurador da dignidade do indivíduo.
Com clareza solar, Tartuce e Simão evidenciam, em suas lições, que “o pagamento desses alimentos visa à pacificação social, estando amparado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade, ambos de índole constitucional”[2]. Nesse diapasão, há que se registrar que os alimentos, na atual sistemática albergada pela Lei N° 10.406, de 10 de Janeiro de 2002[3], que institui o Código Civil, dão corpo a obrigação que o indivíduo possui de fornecer alimentos a outrem. Insta arrazoar, com realce, que, no que tange à órbita jurídica, tal acepção se revela mais ampla, compreendendo, inclusive, além dos próprios alimentos, a satisfação de outras necessidades tidas como essenciais para a vida em sociedade. “Os alimentos são destinados a satisfazer as necessidades materiais de subsistência, vestuário, habitação e assistência na enfermidade”[4]-[5], assim como atender os requisitos de esfera moral e cultural, estabelecidos como tais pela vida em sociedade.
Afora isso, com efeito, há que obtemperar que as prestações objetivam atender a condição social e o estilo de vida adotado pelo alimentando, sem olvidar, entretanto, da condição econômica do alimentante. Como se depreende do expendido até o momento, em razão da ordem jurídica inaugurada pela Constituição Federal de 1988[6], os alimentos passaram a integrar a extensa, porém imprescindível, rubrica dos aspectos de solidariedade da célula familiar, arrimando-se, de maneira rotunda, em pilares de cooperação, isonomia e justiça social, bem como defesa da dignidade da pessoa humana. “Ou seja, a obrigação alimentar é, sem dúvida, expressão da solidariedade social e familiar (enraizada em sentimentos humanitários) constitucionalmente impostas como diretriz da nossa ordem jurídica”[7].
A prestação de alimentos se revela, neste sedimento, como instrumento apto a promoção dos princípios insertos na
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concepção de solidariedade familiar, alcance mais restrito da própria solidariedade social. Neste sentido, a Ministra Nancy Andrighi, ao apreciar o Recurso Especial N° 933.355/SP, explicitou, com bastante pertinência, o preceito principiológico constitucional de solidariedade e mútuo assistencialismo que atua como robusto axioma justificador do adimplemento de verbas alimentares entre os componentes da mesma célula familiar. Para tanto, com o escopo de ilustrar as ponderações apresentadas, mister se faz colacionar o proeminente aresto:
Ementa: Direito civil. Família. Revisional de alimentos. Reconvenção com pedido de exoneração ou, sucessivamente, de redução do encargo. Dever de mútua assistência. Divórcio. Cessação. Caráter assistencial dos alimentos. Comprovação da necessidade de quem os pleiteia. Condição social. Análise ampla do julgador. Peculiaridades do processo. - Sob a perspectiva do ordenamento jurídico brasileiro, o dever de prestar alimentos entre ex-cônjuges, reveste-se de caráter assistencial, não apresentando características indenizatórias, tampouco fundando-se em qualquer traço de dependência econômica havida na constância do casamento. - O dever de mútua assistência que perdura ao longo da união, protrai-se no tempo, mesmo após o término da sociedade conjugal, assentado o dever de alimentar dos então separandos, ainda unidos pelo vínculo matrimonial, nos elementos dispostos nos arts. 1.694 e 1.695 do CC/02, sintetizados no amplamente difundido binômio – necessidades do reclamante e recursos da pessoa obrigada. (...) - Dessa forma, em paralelo ao raciocínio de que a decretação do divórcio cortaria toda e qualquer possibilidade de se postular alimentos, admite-se a possibilidade de prestação do
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encargo sob as diretrizes consignadas nos arts. 1.694 e ss. do CC/02, o que implica na decomposição do conceito de necessidade, à luz do disposto no art. 1.695 do CC/02, do qual é possível colher os seguintes requisitos caracterizadores: (i) a ausência de bens suficientes para a manutenção daquele que pretende alimentos; e (ii) a incapacidade do pretenso alimentando de prover, pelo seu trabalho, à própria mantença. - Partindo-se para uma análise sócio-econômica, cumpre circunscrever o debate relativo à necessidade a apenas um de seus aspectos: a existência de capacidade para o trabalho e a sua efetividade na mantença daquele que reclama alimentos, porquanto a primeira possibilidade legal que afasta a necessidade – existência de patrimônio suficiente à manutenção do ex-cônjuge –, agrega alto grau de objetividade, sofrendo poucas variações conjunturais, as quais mesmo quando ocorrem, são facilmente identificadas e sopesadas. - O principal subproduto da tão propalada igualdade de gêneros estatuída na Constituição Federal, foi a materialização legal da reciprocidade no direito a alimentos, condição reafirmada pelo atual Código Civil, o que significa situar a existência de novos paradigmas nas relações intrafamiliares, com os mais inusitados arranjos entre os entes que formam a família do século XXI, que coexistem, é claro, com as tradicionais figuras do pai/marido provedor e da mãe/mulher de afazeres domésticos. (...) Recurso especial conhecido e provido. (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ REsp N° 933.355/SP/
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Relatora: Ministra Nancy Andrighi/ Julgado em 25.03.2008/ Publicado no DJe em 11.04.2008).
Deste modo, ao se considerar as nuances e particularidades que envolvem as relações estruturadas em células familiares, todas as vezes que os liames não forem suficientes para assegurar a cada um de seus integrantes as condições necessárias para uma vida digna, o Ordenamento Jurídico, ressoando os valores consagrados na Constituição Federal de 1988[8]9, impõe a seus componentes a prestar os mecanismos imprescindíveis à sobrevivência digna, o qual é assegurado por meio dos alimentos.
2 Aspectos Característicos da Obrigação Alimentar
Assinalar se faz premente que o pagamento de prestação de verba alimentar apresenta aspectos caracterizadores distintos das demais obrigações de cunho civil, em razão de natureza especial, adstrita à dignidade da pessoa humana, encontrando-se entre valores tidos como fundamentais, considerados como indispensáveis e indisponíveis para a subsistência do ser humano. “Esta sua natureza especial decorre do intrínseco propósito de assegurar a proteção do credor de alimentos, mediante um regime legal específico”[9]. Tal fato decorre da premissa que o crédito alimentar ambiciona cobrir necessidades impostergáveis do alimentando, cuja satisfação não comporta morosidade ou demora, motivo pelo qual aprouve ao legislador enrodilhar o instituto dos alimentos de um sucedâneo de garantias especiais, com o escopo de assegurar o pagamento do quantumestipulado. Ao lado disso, quadra transcrever o entendimento firmado por Farias e Rosenvald, notadamente quando pontuam que “tratando-se de uma obrigação tendente à manutenção da pessoa humana e de sua fundamental dignidade, é natural que os alimentos estejam cercados de características muito peculiares”[10]. No mais, há que se anotar que tais aspectos se revelam preponderantes para distinguir o instituto do pensionamento de alimentos das demais obrigações.
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2.1 Caráter Personalíssimo
Em uma primeira plana, cuida anotar que a verba alimentar é descrita como direito personalíssimo, porquanto tão somente aquele que mantém a relação de parentesco, casamento ou ainda união estável com o alimentante poderá vindicá-los. “No que tange ao credor ou alimentando, o direito aos alimentos é personalíssimo, uma vez que somente aquele que mantém relação de parentesco, casamento ou união estável com o devedor ou alimentante pode pleiteá-los”[11], como bem destacam Tartuce e Simão, devendo, imperiosamente, se atentarem para os corolários irradiados pelo binômio necessidade e possibilidade, incidindo o preceito da proporcionalidade. Ao lado disso, quadra anotar que o aspecto personalíssimo do instituto em comento justifica a natureza declaratória da ação de alimentos, tal como sua correspondente imprescritibilidade. Ora, em decorrência da atual interpretação concedida pelo Supremo Tribunal Federal no que concerne às uniões homoafetivas, óbice não subsiste que companheiros pleiteiem o pagamento de verba alimentar. Como bem arrazoou o Ministro Celso de Mello, ao julgar o Agravo Regimental no Recurso Extraordinário N° 477.554, hasteou como flâmula desfraldada que:
Isso significa que a qualificação da união estável entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, desde que presentes, quanto a ela, os mesmos requisitos inerentes à união estável constituída por pessoas de gêneros distintos (Código Civil, art. 1.723), representa o reconhecimento de que as conjugalidades homoafetivas, por repousarem a sua existência nos vínculos de solidariedade, de amor e de projetos de vida em comum, hão de merecer o integral amparo do Estado, que lhes deve dispensar, por tal razão, o mesmo tratamento atribuído às uniões estáveis heterossexuais. Impende considerar, neste ponto, o afeto como
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valor jurídico impregnado de natureza constitucional, em ordem a valorizar esse novo paradigma como núcleo conformador do próprio conceito de família[12].
Ao lado disso, há que se obtemperar que os alimentos concedidos, diante da sua destinação e relevância social, privilegiados de maneira maciça pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[13], configuram direito personalíssimo que reúne particularidades que recomendam total controle e observância das formalidades legais, não admitindo renúncia, compensação, penhorabilidade, cessão, transação, restituição ou qualquer outra forma que comporte sua redução sem o devido processo legal. Como bem arrazoa Rolf Madaleno, os alimentos visam “preservar, estritamente a vida do indivíduo, não podendo ser repassado este direito a outrem, como se fosse um negócio jurídico”[14]15, conquanto possa a obrigação de pensionamento ser repassada aos herdeiros do alimentante, como bem frisa o artigo 1.700 da Lei N° 10.406, de 10 de Janeiro de 2002, que institui o Código Civil: “Art. 1.700. A obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do art. 1.694”[15]. Ipso facto, é defeso no Ordenamento Pátrio vigente a renúncia sobre o direito de percebimento de alimentos, maiormente em razão da ilicitude do objeto, sendo tais avenças consideradas como nulas, porquanto dispõe de direito compreendido na rubrica personalíssimo. Nesta esteira de exposição, com efeito, cuida trazer à colação o entendimento jurisprudencial que explicita, de maneira rotunda, o aspecto característico em comento, assim como a impossibilidade da renúncia ao recebimento de verba alimentar, em decorrência do aspecto personalíssimo que emoldura o instituto dos alimentos:
Ementa: Agravo de Instrumento. Família. Acordo de Renúncia de Alimentos de Incapaz. Direito Personalíssimo e Irrenunciável. Negócio Jurídico Manifestamente Nulo. Na espécie, o acordo entabulado pelas partes visa, em
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verdade, à renúncia aos alimentos a que tem direito a criança (filho comum), o que é vedado pelo ordenamento legal, consoante arts. 841 e 1.707, ambos do Código Civil, porquanto o direito a alimentos é personalíssimo e irrenunciável. Destarte, o negócio jurídico entabulado entre as partes é manifestamente nulo, consoante art. 166 do Código Civil. Agravo de Instrumento Desprovido. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Oitava Câmara Cível/ Agravo de Instrumento Nº. 70043331966/ Relator Desembargador Ricardo Moreira Lins Pastl/ Julgado em 18.08.2011).
Ementa: Apelação Cível. Acordo de Renúncia dos Alimentos de Incapaz. Direito Indisponível. O direito a alimentos é personalíssimo, sendo defeso que os representantes do alimentado-incapaz realizem transação que acarrete sua renúncia (artigo 1.707 do Código Civil). Apelo não Provido. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Oitava Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70036963809/ Relator Desembargador Alzir Felippe Schmitz/ Julgado em 02.12.2010).
Faz-se necessário arrimar-se, por imperioso, que o arbitramento dos valores a serem pagos, a título de verba alimentar, observarão o binômio possibilidade-necessidade, devendo o magistrado, neste ponto, valorar o princípio da proporcionalidade ao estipular o quantum a ser afixado. “É um direito personalíssimo por ter por escopo tutelar a integridade física do indivíduo, logo, sua titularidade não passa para outrem”[16]17. Ao lado disso, em decorrência de seu caráter intuitu personae unilateral, o pensionamento de verba alimentícia não é transmissível aos herdeiros do alimentando.
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Ademais, o aspecto personalíssimo que caracteriza o instituto dos alimentos justifica a natureza declaratória da ação de alimentos.
2.2 Irrenunciabilidade
Em uma primeira exposição, insta trazer a lume que, quando da vigência da Lei Nº. 3.071, de 1º de Janeiro de 1916, que institui o Código Civil dos Estados Unidos do Brasil (revogado Código Civil de 1916), o Supremo Tribunal Federal, que detinha competência para apreciação de matéria infraconstitucional, buscando interpretar as disposições contidas no artigo 404[17], consagrou o entendimento que os alimentos, em quaisquer circunstâncias, eram irrenunciáveis. Doutro modo, o Superior Tribunal de Justiça, que, em decorrência de expressa disposição constitucional, passou a gozar de competência para apreciação de matéria infraconstitucional, “sempre entendeu que a irrenunciabilidade dos alimentos dos alimentos somente alcançava os incapazes. Logo, afirmou-se que os alimentos somente seriam irrenunciáveis em favor de incapazes”[18]. Em decorrência de tal ótica, passou-se a assentar visão jurisprudencial no que concerne à possibilidade de cônjuges ou companheiros renunciarem, quando da feitura do acordo de dissolução de casamento ou união estável, obstando, por consequência, uma posterior cobrança de pensionamento alimentar.
Com o advento da Lei N° 10.406, de 10 de Janeiro de 2002, que institui o Código Civil, foi trazida à baila, por meio do artigo 1.707, novas polêmicas, porquanto o dispositivo ora aludido consagrou em sua redação que “Art. 1.707. Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora”[19]. Entrementes, a redação do artigo suso mencionado não turbou o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, o qual manteve a visão que somente as verbas alimentares dos incapazes não seriam incapazes pelo característico da irrenunciabilidade, sendo, doutro giro, admitida a renúncia em
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acordos que versem acerca do casamento ou da união estável. Neste sentido, inclusive, colhem-se os seguintes arestos:
Ementa: Apelação Cível. Pedido de Alimentos. União Estável. Em se tratando de união estável, sua dissolução equivale ao divórcio no casamento. Ou seja: o vínculo foi rompido. Logo, não importa se foi utilizado o termo “renúncia” ou “dispensa” dos alimentos, pois, em qualquer hipótese, desaparecido o vínculo, não haverá mais possibilidade de demandar alimentos posteriormente. Assim, bem andou a r. sentença, ao dar pela improcedência do pleito. Não caracterizado qualquer dos pressupostos da obrigação alimentar (vínculo, necessidade e possibilidade), inviável acolher o pleito. Negaram Provimento. Unânime. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Oitava Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70046584819/ Relator Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos/ Julgado em 22.03.2012).
Ementa: Apelação Cível. Ação de Alimentos. Ex-Esposa. Divórcio. Renúncia aos alimentos. Descabimento. Em razão do divórcio do casal, que rompe o vínculo parental, e da renúncia aos alimentos, não prospera o pedido de alimentos entre ex-cônjuges, porquanto deixou de existir o dever de mútua assistência. Negaram Provimento ao Apelo. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Oitava Câmara Cível/ Apelação Cível Nº. 70040502924/ Relator Desembargador Alzir Felippe Schmitz/ Julgado em 15.09.2011).
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Ementa: Apelação Cível. Família. Ação de Alimentos à Ex-Esposa. Dispensa dos alimentos no divórcio. Impossibilidade de pleito alimentar. Sentença que julgou improcedente o pedido. Manutenção da Sentença. Ocorrida a renúncia dos alimentos na ação de divórcio, inviável se mostra o pedido de alimentos postulado em ação de divórcio. Precedentes jurisprudenciais. Apelação Desprovida. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Sétima Câmara Cível/ Apelação Cível Nº. 70037100179/ Relator Desembargador José Conrado de Souza Júnior/ Julgado em 23.08.2010).
Destarte, conquanto a redação do artigo 1.707 da Lei Substantiva Civil, é possível extrair o entendimento de que os alimentos são dotados de irrenunciabilidade tão somente quando arbitrados em favor de incapazes. Doutra banda, é admissível a renúncia entre pessoas capazes, sendo, em razão disso, vedada posterior cobrança do pagamento de verba alimentar. Com efeito, não é razoável que o cônjuge ou companheiro, que venham renunciar ao pagamento de alimentos, em acordo consensual, possa, posteriormente, vindicar verba alimentar. “Trata-se de típica hipótese de nemo venire contra factum proprium (proibição de comportamento contraditório, caracterizando ato ilícito objetivo, também chamado de abuso do direito”[20]. Em decorrência dos postulados ora desfraldados, impende realçar que a vedação obsta a ocorrência de comportamento tido como contraditório, logo, o cônjuge ou companheiro não poderá contradizer seu próprio comportamento, notadamente quando produziu, em outrem, uma determinada expectativa. A hipótese de renunciabilidade albergada pelo entendimento jurisprudencial e a impossibilidade de, posteriormente, requerer verba alimentar, colocam empecilho para uma inesperada mudança de comportamento, desdizendo uma conduta dantes adotada pela mesma pessoa, culminando, desta sorte, em frustrar a expectativa
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de terceiro. No que concerne aos incapazes, em razão da impossibilidade de perpetrar atos de disposição de direito, é inadmissível a renúncia dos alimentos, sendo possível ulterior vindicação de tal direito. Logo, haverá, nesta hipótese, ocasional dispensa da pensão alimentícia, não sendo cobrada momentaneamente. Isto é, o alimentando poderá deixar de exercer o direito que possui, todavia não poderá renunciá-lo.
2.3 Atualidade
Há que se frisar, inicialmente, que o pensionamento de verba alimentar substancializa obrigação de trato sucessivo, ou seja, sua execução de protrai no tempo, sendo, em razão disso, submetida aos efeitos danosos da inflação, que poderá comprometer o quantum pago. Nesta senda, objetivando salvaguardar o numerário de tais efeitos, o artigo 1.710 da Lei N° 10.406, de 10 de Janeiro de 2002, que institui o Código Civil, espanca que “Art. 1.710. As prestações alimentícias, de qualquer natureza, serão atualizadas segundo índice oficial regularmente estabelecido”[21]. Deste modo, resta patentemente demonstrado que é fundamental que os alimentos sejam estabelecidos com a indicação de um critério (seguro) de correção de valor, preservando, desta forma, o seu caráter atual.
Em inexistindo a possibilidade de fixar a prestação alimentícia em percentuais a serem descontados de maneira direta dos rendimentos do alimentante, o entendimento jurisprudencial caminha no sentido de estabelecimento em salários mínimos. Neste ponto, a visão consagrada pelo Supremo Tribunal Federal é que a vedação agasalhada no artigo 7º, inciso IV, da Constituição Federal[22], que estipula a impossibilidade do emprego do salário mínimo como fatos de indexação obrigacional, não abrangem as obrigações de cunho alimentar, motivo pelo qual não há óbice na fixação da verba alimentar fulcrado no salário mínimo, com o fito de assegurar sua atualidade. “O ideal é que os julgados que fixam os alimentos levem em conta um fator seguro de atualização, garantindo que a prestação alimentícia mantenha, sempre o seu
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valor”[23], com o escopo de evitar o ajuizamento, desnecessário, de ações que visem a revisão de alimentos.
2.4 Futuridade
In primo loco, mister se faz frisar que os alimentos objetivam a manutenção do alimentando, destinando-se, desta sorte, ao futuro, não sendo exigíveis para o passado. O aspecto característico em comento assenta sua lógica no ideário que o numerário objetiva a mantença da integridade física e psíquica do alimentando, devendo, desta forma, servir-lhe no tempo presente e no futuro, mas não no passado. Id est, se o alimentando já se manteve até aquele momento sem o pagamento de prestação alimentícia pelo alimentante, não subsiste justificativa para a concessão dos alimentos no pretérito.
O aspecto de futuridade é tão substancial no instituto dos alimentos que, a fim de resguardar a sua manutenção, o Código de Processo Civil[24], em seus artigos 732 ut 734, permite que haja o desconto diretamente na folha de pagamento, compreendendo tal locução a remuneração e outras rendas, das parcelas vincendas da verba alimentar. [25]“Pontue-se, todavia, que este caráter futuro não impede que sejam executadas as parcelas alimentícias fixadas judicialmente e não pagas pelo devedor”26, atentando-se, por necessário, para o prazo prescricional de dois anos. Desta sorte, a concepção de alimentos atrasados alcança apenas as parcelas já fixadas pelo magistrado e não adimplidas pelo devedor, quando deveria tê-la feito.
2.5 Imprescritibilidade
Em razão dos alimentos serem destinados a manter aquele que deles necessita no presente e no futuro, não há prazo extintivo para o seu pensionamento. Nesta toada, o direito de obter, em Juízo, a estipulação de uma verba de natureza alimentar pode ser exercido a qualquer tempo, desde que os requisitos insertos na lei se encontrarem preenchidos, inexistindo qualquer prazo prescricional. Entrementes, uma vez assinalado
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o quantum a ser pago, proveniente de ato decisório judicial, fluirá, a partir daquele momento, o prazo prescricional para que seja aforada a competente execução dos valores correspondentes.
Desse modo, infere-se que a prescrição afeta a pretensão executória dos alimentos, substancializando-se no prazo de dois anos, conforme entalha o artigo 206, §2º, da Lei N° 10.406, de 10 de Janeiro de 2002[26], que institui o Código Civil. No mais, quando os alimentos forem estipulados em favor de absolutamente incapazes ou pelo filho menor na constância do poder familiar, até os 18 (dezoito) anos, não fluirá o prazo prescricional, uma vez que restará substancializada a causa impeditiva, como bem estatui o inciso II do artigo 197 e o inciso I do artigo 198, ambos da Lei Substantiva Civil vigente.
2.6 Transmissibilidade
O Estatuto de 1916 trazia em sua estrutura, de maneira expressa, a intransmissibilidade dos alimentos, restando tal preceito consagrado em seu artigo 402, como se infere, inclusive, da redação oportunamente colacionada “Art. 402. A obrigação de prestar alimentos não se transmite aos herdeiros do devedor”[27]. O maciço axioma que sustentava tal ideário advinha do aspecto personalíssimo que o instituto em tela possui, fazendo com que a morte do alimentante ou do alimentando acarretasse a extinção de tal obrigação. Entretanto, com o advento do Código de 2002, passou a vigorar novel postulado, no qual a obrigação de prestar alimentos é transmissível aos herdeiros do alimentante. Farias e Rosenvald, ao discorrerem acerca do tema, manifestam que “em nosso entender, tratando-se de uma obrigação personalíssima, os alimentos não deveriam admitir transmissão, impondo-se a reconhecer a sua automática extinção”[28], em decorrência do falecimento do alimentante ou do alimentado.
A transmissão, em relação aos herdeiros do alimentante, só seria possível em relação às prestações vencidas e não adimplidas, atentando-se, por necessário, para as forças do
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espólio, eis que se trata de dívida do auctor successionis, a qual é transmitida juntamente com o patrimônio, em decorrência do princípio da saisine. Nesta senda, Rolf Madaleno anota que “a transmissão da obrigação alimentar não extrapola a esfera hereditária, para penetrar no patrimônio de cada sucessor, sendo balizado seu limite à totalidade dos bens deixados pelo sucedido”[29]. Ao lado disso, ao se examinar o tema em comento, deve ser considerada a herança em sua totalidade, uma vez que só há herança líquida passível de inventariança, após o pagamento das obrigações deixadas pelo sucedido. No mais, cuida expor que as obrigações oriundas de verba alimentar gozam de prioridade para serem saldadas.
Igualmente, vale destacar que a obrigação alimentar é considerada como proporcional ao quinhão de cada herdeiro, alcançando os legítimos, necessários ou testamentários, mesmo porque os legados só serão pagos se a herança assim o suportar, após o atendimento das dívidas deixadas e das obrigações deixadas pelo falecido. Neste sedimento, cuida trazer à colação que “os legitimados a responder pelos alimentos transmitidos (fixados judicialmente em favor de quem não seja herdeiro do morto) serão todos aqueles que possuírem direitos sucessórios em relação ao espólio”[30]. Ergo, não há que se cogitar em reserva da legítima dos herdeiros necessários, uma vez que é possível que não subsista, após o adimplemento das dívidas e das obrigações do sucedido, herança líquida.
Em sendo o alimentando herdeiro do alimentante, não poderá aquele requere verba alimentar do espólio, uma vez que dele já terá um quinhão, em decorrência de sua condição de herdeiro. Tal entendimento, destaque-se, obsta um desequilíbrio nos valores recebidos por indivíduos que se encontram, a rigor, em mesma situação jurídica. Além disso, como direito alimentar transmitido, o valor a ser pago está sujeito à revisão judicial, desde que reste demonstrada a modificação na situação patrimonial do alimentando, sendo possível a ocorrência de diminuição, majoração ou ainda exoneração. Ademais, deve-se afastar a
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hipótese de só serem transmitidos os alimentos porventura não pagos em vida pelo sucedido, já que o Diploma Legal, de maneira contundente, se refere à transmissão da obrigação alimentar, incluindo-se as parcelas vincendas, observando-se, por necessário, as forças da herança, e não apenas do débito alimentar deixado pelo alimentante.
3 A Negativação do Inadimplente de Verba Alimentar no Sistema de Proteção ao Crédito: Análise à luz do entendimento pretoriano do STJ
Estruturada a base sobre a qual se assenta a verba alimentar, notadamente como rubrica indissociável para o desenvolvimento do alimentando, maiormente como pilar intrínseco do superprincípio da dignidade da pessoa humana, cuida esmiuçar o reconhecimento jurisprudencial apesentado pelo Superior Tribunal de Justiça no que concerne à negativação, em sede de sistema de proteção ao crédito, de inadimplentes contumazes de verba alimentar. Em recente Informativo de Jurisprudência nº 579, datado de 20.04.2016, o Superior Tribunal de Justiça explicitou o entendimento que não há impedimento legal para que seja determinada a negativação do nome de contumaz de devedor de alimentos. “Ao contrário, a interpretação conferida ao artigo 19 da Lei de Alimentos (Lei 5.478/68), segundo o qual cabe ao juiz da causa adotar as providências necessárias para a execução da sentença ou do acordo de alimentos, deve ser a mais ampla possível”[31], notadamente em razão dos contornos jurídicos e principiológicos que emolduram a temática em testilha, primando pela garantia da sobrevivência e a dignidade da criança ou adolescente alimentando. Para tanto, cuida transcrever os paradigmáticos entendimentos que aludem a tal possibilidade:
Ementa: Recurso Especial. Direito de Família. Processual Civil. Alimentos. Execução. Devedor. Inscrição em cadastro de restrição ao crédito. Inscrição. Possibilidade. Direito à vida digna. Ausência de impedimento legal. Coerção
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indireta. Melhor interesse do alimentando. Inovação legislativa. Artigos 528 e 782 do Novo Código de Processo Civil. 1. É possível, à luz do melhor interesse do alimentando, na execução de alimentos de filho menor, o protesto e a inscrição do nome do devedor de alimentos nos cadastros de proteção ao crédito. 2. Não há impedimento legal para que se determine a negativação do nome de contumaz devedor de alimentos no ordenamento pátrio. 3. O mecanismo de proteção que visa salvaguardar interesses bancários e empresariais em geral (art. 43 da Lei nº 8.078/90) pode garantir direito ainda mais essencial relacionado ao risco de vida, que violenta a própria dignidade da pessoa humana e compromete valores superiores a mera higidez das atividades comerciais. 4. O legislador ordinário incluiu a previsão de tal mecanismo no Novo Código de Processo Civil, como se afere da literalidade dos artigos 528 e 782. 5. Recurso especial provido (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ REsp nº 1.469.102-SP/ Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva/ Julgado em 08 mar. 2016).
Ementa: Recurso Especial. Direito de Família e Processual Civil. Alimentos. Execução. Protesto e inclusão do nome do devedor nos cadastros de restrição ao crédito (SPC e SERASA). Possibilidade. Forma de coerção indireta do executado. Máxima efetividade aos direitos fundamentais da criança e do adolescente. Mínimo existencial para sobrevivência. 1. A proteção integral está intimamente ligada ao princípio do melhor interesse da criança e adolescente, pelo qual,
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no caso concreto, devem os aplicadores do direito buscar a solução que proporcione o maior benefício possível para o menor. Trata-se de princípio constitucional estabelecido pelo art. 227 da CF, com previsão nos arts. 4º e 100, parágrafo único, II, da Lei n. 8.069/1990, no qual se determina a hermenêutica que deve guiar a interpretação do exegeta. 2. O norte nessa seara deve buscar a máxima efetividade aos direitos fundamentais da criança e do adolescente, especificamente criando condições que possibilitem, de maneira concreta, a obtenção dos alimentos para sobrevivência. 3. O art. 461 do CPC traz cláusula geral que autoriza o juiz, a depender das circunstâncias do caso em concreto, adaptar a técnica processual ao perfil do direito material, com vistas à formação de uma solução justa e adequada do conflito, possibilitando que, por meio de alguma medida executiva, se alcance a realização da justiça (CF, art. 5°, XXXXV). 4. O direito de família é campo fértil para a aplicação dessa tutela específica, notadamente pela natureza das relações jurídicas de que cuida - relações existenciais de pessoas -, as quais reclamam mecanismos de tutela diferenciada. Realmente, a depender do caso concreto, pode o magistrado determinar forma alternativa de coerção para o pagamento dos alimentos, notadamente para assegurar ao menor, que sabidamente se encontra em situação precária e de vulnerabilidade, a máxima efetividade do interesse prevalente - o mínimo existencial para sua sobrevivência -, com a preservação da dignidade humana por meio da garantia de
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seus alimentos. 5. É plenamente possível que o magistrado, no âmbito da execução de alimentos, venha a adotar, em razão da urgência de que se reveste o referido crédito e sua relevância social, as medidas executivas do protesto e da inscrição do nome do devedor de alimentos nos cadastros de restrição ao crédito, caso se revelem como meio eficaz para a sua obtenção, garantindo à parte o acesso à tutela jurisdicional efetiva. 6. Isso porque: i) o segredo de justiça não se sobrepõe, numa ponderação de valores, ao direito à sobrevivência e dignidade do menor; ii) o rito da execução de alimentos prevê medida mais gravosa, que é a prisão do devedor, não havendo justificativa para impedir meio menos oneroso de coerção; iii) a medida, até o momento, só é admitida mediante ordem judicial; e iv) não deve haver divulgação de dados do processo ou do alimentando envolvido, devendo o registro se dar de forma sucinta, com a publicação ao comércio e afins apenas que o genitor é devedor numa execução em curso. 7. Ademais, o STJ já sedimentou o entendimento de ser 'possível o protesto da sentença condenatória, transitada em julgado, que represente obrigação pecuniária líquida, certa e exigível' (REsp 750.805/RS, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, Terceira Turma, DJe 16/06/2009). 8. Trata-se de posicionamento já consagrado em legislações de direito comparado, sendo inclusive previsão do novo Código de Processo Civil, que estabeleceu expressamente a possibilidade do protesto e da negativação nos cadastros dos devedores de alimentos (arts. 528 e 782). 9. Na hipótese, o
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recorrido, executado na ação de alimentos, devidamente citado, não pagou o débito, sendo que, determinando-se diligências, não foram encontrados bens passíveis de penhora em seu nome. Portanto, considerando-se que os alimentos devidos exigem urgentes e imediatas soluções - a fome não espera -, mostram-se juridicamente possíveis os pedidos da recorrente, ora exequente, de protesto e de inclusão do nome do devedor de alimentos nos cadastros de proteção ao crédito (SPC e Serasa), como medida executiva a ser adotada pelo magistrado para garantir a efetivação dos direitos fundamentais da criança e do adolescente. 10. Recurso especial provido (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ REsp 1.533.206-MG/ Relator: Ministro Luís Felipe Salomão/ Julgado em 17 nov. 2015/ Publicado no DJe em 01 fev. 2016).
Com destaque, tendo por baliza fundamente o corolário do melhor interesse da criança e do adolescente, expressamente consagrado no Texto Constitucional, em seu artigo 227, em decorrência da proeminência que reveste a temática alimentar, óbice não subsiste para a utilização de dispositivos tipicamente voltados para a proteção bancária e empresarial em sede de devedor contumaz de alimentos. Ora, in casu, não há que se falar em desvirtuamento da mens legis, mas sim impressão de uma feição e incidência contemporânea com vistas a assegurar instituto claramente dotado de fundamentalidade. Em complemento, convém pontuar que tal possibilidade não encontra aplicação desarrazoada ou de maneira arbitrária, mas sim reclama a presença de elementos objetivos justificadores de tal mecanismo, a saber: (i) contumácia, por parte do alimentante, no inadimplemento da verba; e (ii) esgotamento das vias processuais consideradas tradicionais para coerção do pagamento do quantum debeatur. Nesta linha, ainda, cuida rememorar que tal mecanismo
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indireto de coerção, com vistas a assegurar a máxima efetividade da proteção dos direitos sensíveis das crianças e dos adolescentes, em especial a verba alimentar, encontra verdadeiro ancoradouro no novo Código de Processo Civil, conforme se extrai dos artigos 528[32] e 782[33].
Assim, não se pode olvidar que o próprio Código de Processo Civil, como instrumento para alcance da prestação jurisdicional, estabelece diversos dispositivos que disponibilizam ao magistrado poderes processuais aptos a garantir a efetivação dos direitos. Dessarte, o norte nessa seara deve buscar a máxima efetividade aos direitos fundamentais da criança e do adolescente, especificamente criando condições que possibilitem, de maneira concreta, a obtenção dos alimentos para sobrevivência. O direito de família é campo fértil para a aplicação dessa tutela específica, notadamente pela natureza das relações jurídicas de que cuida - relações existenciais de pessoas -, as quais reclamam mecanismos de tutela diferenciada. A depender do caso concreto, pode o magistrado determinar forma alternativa de coerção para o pagamento dos alimentos, notadamente para assegurar ao menor, que sabidamente se encontra em situação precária e de vulnerabilidade, a máxima efetividade do interesse prevalente - o mínimo existencial para sua sobrevivência -, com a preservação da dignidade humana por meio da garantia de seus alimentos.
Referências:
BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: . Acesso em 21 abr. 2016.
____________. Lei Nº. 3.071, de 1º de Janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em: . Acesso em: 21 abr. 2016.
____________. Lei Nº 5.869, de 11 de Janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: . Acesso em: 21 abr. 2016.
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____________. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: . Acesso em: 21 abr. 2016.
_____________. Lei nº 13.105, de 16 de Março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: . Acesso em 21 abr. 2016.
____________. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: . Acesso em: 21 abr. 2016.
____________. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: . Acesso em: 21 abr. 2016.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões, vol. 06. 24ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010.
___________________. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família, v. 05. 27 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008.
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008.
RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Disponível em: . Acesso em: 21 abr. 2016.
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível em: . Acesso em: 21 abr. 2016.
TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil: Direito de Família. v. 5. 7 ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Método, 2012.
VENOSA, Sílvio Salvo. Código Civil Interpretado. São Paulo: Atlas, 201
NOTAS:
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[1] VENOSA, Sílvio Salvo. Código Civil Interpretado. São Paulo: Editora Atlas, 2010, p. 1.538.
[2] TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil: Direito de Família. v. 5. 7 ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Método, 2012, p. 417.
[3] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: . Acesso em: 21 abr. 2016.
[4] MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008, p.635.
[5] Neste sentido: VENOSA, 2010, p. 1.538: “Assim, alimentos na linguagem jurídica, possuem significado bem mais amplo do que o sentido comum, compreendendo, além da limitação, também o que for necessário para moradia, vestuário, assistência médica e instrução”.
[6] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: . Acesso em 21 abr. 2016.
[7] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008, p. 586.
[8] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: . Acesso em 21 abr. 2016.
[9] MADALENO, 2008, p. 642.
[10] FARIAS; ROSENVALD, 2008, p. 586
[11] TARTUCE; SIMÃO, 2012, p. 426.
[12] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Agravo Regimental no Recurso Extraordinário N° 477.554. União civil entre pessoas do mesmo sexo - Alta relevância social e jurídico-constitucional da questão pertinente às uniões homoafetivas - Legitimidade constitucional do reconhecimento e qualificação da união estável homoafetiva como entidade familiar: posição consagrada na jurisprudência do Supremo Tribunal
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Federal (ADPF 132/RJ e ADI 4.277/DF) - O afeto como valor jurídico impregnado de natureza constitucional: a valorização desse novo paradigma como núcleo conformador do conceito de família - O direito à busca da felicidade, verdadeiro postulado constitucional implícito e expressão de uma idéia-força que deriva do princípio da essencial dignidade da pessoa humana - Alguns precedentes do Supremo Tribunal Federal e da Suprema Corte Americana sobre o direito fundamental à busca da felicidade - Princípios de Yogyakarta (2006): direito de qualquer pessoa de constituir família, independentemente de sua orientação sexual ou identidade de gênero - Direito do companheiro, na união estável homoafetiva, à percepção do benefício da pensão por morte de seu parceiro, desde que observados os requisitos do art. 1.723 do Código Civil - O art. 226, § 3º, da Lei Fundamental constitui típica norma de inclusão - A função contramajoritária do Supremo Tribunal Federal no Estado Democrático de Direito - A proteção das minorias analisada na perspectiva de uma concepção material de democracia constitucional - O dever constitucional do Estado de impedir (e, até mesmo, de punir) “qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais” (CF, art. 5º, XLI) - A força normativa dos princípios constitucionais e o fortalecimento da jurisdição constitucional: elementos que compõem o marco doutrinário que confere suporte teórico ao neoconstitucionalismo - recurso de agravo improvido. Ninguém pode ser privado de seus direitos em razão de sua orientação sexual. Precedentes. Doutrina. Órgão Julgador: Segunda Turma. Relator: Ministro Celso de Mello. Julgado em 16.08.2011. Publicado no DJ em 26.08.2011. Disponível em: . Acesso em: 21 abr. 2016.
[13] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: . Acesso em 21 abr. 2016.
[14] MADALENO, 2008, p. 643.
[15] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: . Acesso em: 21 abr. 2016.
[16] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família, vol. 05. 27ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 634
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[17] BRASIL. Lei Nº. 3.071, de 1º de Janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em: . Acesso em: 21 abr. 2016: “Art. 404. Pode-se deixar de exercer, mas não se pode renunciar o direito a alimentos”.
[18] FARIAS; ROSENVALD, 2008, p. 590.
[19] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: . Acesso em: 21 abr. 2016.
[20] FARIAS; ROSENVALD, 2008, p. 591.
[21] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: . Acesso em: 21 abr. 2016.
[22] Ibid. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: . Acesso em 21 abr. 2016.
[23] FARIAS; ROSENVALD, 2008, p. 593.
[24] BRASIL. Lei Nº 5.869, de 11 de Janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: . Acesso em: 21 abr. 2016.
[25] FARIAS; ROSENVALD, 2008, p. 593.
[26] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: . Acesso em: 21 abr. 2016.
[27] BRASIL. Lei Nº. 3.071, de 1º de Janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em: . Acesso em: 21 abr. 2016.
[28] FARIAS; ROSENVALD, 2008, p. 594.
[29] MADALENO, 2008, p. 647.
[30] FARIAS; ROSENVALD, 2008, p. 595.
[31] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: . Acesso em: 21 abr. 2016.
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[32] BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de Março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: . Acesso em 15 abr. 2016. Art. 528. No cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o executado pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo. [omissis] § 3o Se o executado não pagar ou se a justificativa apresentada não for aceita, o juiz, além de mandar protestar o pronunciamento judicial na forma do § 1o, decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses.
[33] Ibid. Art. 782. Não dispondo a lei de modo diverso, o juiz determinará os atos executivos, e o oficial de justiça os cumprirá. [...] § 3o A requerimento da parte, o juiz pode determinar a inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes.