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BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 516
(ano VIII)
(11/01/2016)
ISSN- -
BRASÍLIA ‐ 2015
Boletim
Conteú
doJu
rídico-ISSN
–-
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1 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55034
Boletim Conteúdo Jurídico n. 5
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o VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
ConselhoEditorial
COORDENADOR GERAL (DF/GO/ESP) - VALDINEI CORDEIRO COIMBRA: Fundador do Conteúdo Jurídico. Mestre em Direito Penal Internacional Universidade Granda/Espanha.
Coordenador do Direito Internacional (AM/Montreal/Canadá): SERGIMAR MARTINS DE ARAÚJO - Advogado com mais de 10 anos de experiência. Especialista em Direito Processual Civil Internacional. Professor universitário
Coordenador de Dir. Administrativo: FRANCISCO DE SALLES ALMEIDA MAFRA FILHO (MT): Doutor em Direito Administrativo pela UFMG.
Coordenador de Direito Tributário e Financeiro - KIYOSHI HARADA (SP): Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP.
Coordenador de Direito Penal - RODRIGO LARIZZATTI (DF/Argentina): Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA.
País: Brasil. Cidade: Brasília – DF. Contato: [email protected] WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR
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SUMÁRIO
COLUNISTA DO DIA
11/01/2016 Rômulo de Andrade Moreira
» O Conselho Nacional de Procuradores Gerais de Justiça não pode legislar em
matéria processual
ARTIGOS
11/01/2016 Flávia Barbosa da Silva » Coisa julgada: conceito e natureza jurídica e coisa julgada formal e material
11/01/2016 Edenildo Souza Couto
» Proteção aos direitos fundamentais no Estado de coisas inconstitucional
11/01/2016 Bruno Machado Tavares
» A usucapião de terreno em tamanho inferior ao lote mínimo estabelecido pelo município
11/01/2016 Maykell Felipe Moreira
» A problemática da 'resposta única' em provas dissertativas de concursos públicos e a ilegalidade
da sua cobrança frente à abordagem de temas não pacíficos, sem prévia indicação no edital quanto
às linhas bibliográficas a serem adotadas
11/01/2016 Jaques Bushatsky
» Lei do inquilinato e o Novo Código de Processo Civil: breves e iniciais considerações
11/01/2016 João Paulo Monteiro de Lima
» Desconsideração da personalidade jurídica: da construção jurisprudencial ao novo Código de
Processo Civil
MONOGRAFIA
11/01/2016 Pamilla Correia de Araújo Felix » Indignidade de único herdeiro descoberta após a transmissão de todo o patrimônio
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O CONSELHO NACIONAL DE PROCURADORES GERAIS DE JUSTIÇA NÃO PODE LEGISLAR EM MATÉRIA PROCESSUAL
RÔMULO DE ANDRADE MOREIRA: Procurador-Geral de Justiça Adjunto para Assuntos Jurídicos na Bahia. Foi Assessor Especial da Procuradoria Geral de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais. Ex- Procurador da Fazenda Estadual. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador - UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela Universidade Salvador - UNIFACS (Curso então coordenado pelo Jurista J. J. Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais e do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCrim. Integrante, por quatro vezes, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação dos Cursos JusPodivm (BA), Praetorium (MG), IELF (SP) e do Centro de Aperfeiçoamento e Atualização Funcional do Ministério Público da Bahia.
“Faz muito tempo que nem tudo aquilo que acompanhamos com a consciência de nossa liberdade é realmente consequência de uma decisão livre. Fatores inconscientes, compulsões e interesses não dirigem apenas nosso comportamento, mas também determinam nossa consciência.” (Hans-Georg Gadamer, Hermenêutica da Obra de Arte. Trad. Marco Antonio Casanova. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 49-50).
A Comissão Permanente de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgão integrante do Grupo Nacional de Direitos Humanos do Conselho Nacional de Procuradores Gerais de Justiça, tem editado alguns enunciados, entre os quais um chamou
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em especial a nossa atenção: trata-se do Enunciado nº. 6, com o seguinte teor:
“Nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idosa, enfermo ou pessoa com deficiência, é vedada a concessão de fiança pela Autoridade Policial, considerando tratar-se de situação que autoriza a decretação da prisão preventiva nos termos do artigo 313, III, Código de Processo Penal.” (conferir:http://www.compromissoeatitude.org.br/enunciados-da-copevid-comissao-nacional-de-enfrentamento-a-violencia-domestica-e-familiar-contra-a-mulher/).
O equívoco do verbete é gritante, dada a sua clara ilegalidade (porque contraria a Lei nº 12.403/11, que alterou o Código de Processo Penal) e também a sua inconstitucionalidade formal (porque, e sobretudo, viola a Constituição Federal), senão vejamos:
Dispõe o art. 322 do Código de Processo Penal que o Delegado de Polícia poderá (e se trata de um poder-dever) conceder fiança nos casos de infração penal cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a quatro anos, sendo que, nos demais casos, a fiança será requerida ao juiz, que decidirá em quarenta e oito horas (redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011). Pouco importa para a lei processual penal a condição pessoal da vítima ou as circunstâncias em que se deu o suposto fato delituoso. A lei não fez nenhum tipo de distinção ou nenhuma outra exigência senão o requisito da pena máxima.
Obviamente que um mero Enunciado do Conselho Nacional de Procuradores Gerais de Justiça, por mais autorizado que esteja, não tem, na República, ainda, o condão de alterar um texto de lei formal e legitimamente aprovada pelo Congresso Nacional e promulgada pela Presidente da República, ambos legitimados pela soberania popular, o que falta aos Procuradores Gerais de Justiça, ao menos de forma direta.
Outra disposição olvidada pelos senhores Procuradores Gerais, lamentavelmente, foi o art. 22 da Constituição Federal,
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segundo o qual compete privativamente à União legislar sobre, dentre outras matérias, Direito Penal e Processual (incluindo Processo Penal, obviamente). Ora, o Enunciado claramente viola esta cláusula constitucional que reserva à União a iniciativa legislativa em matéria processual penal, como é o caso de uma disposição que trata de fiança, uma medida de natureza cautelar (ou de contracautela, como querem alguns).
Ademais, a Constituição Federal, ao estabelecer no art. 144, que “a segurança pública é um dever do Estado, direito e responsabilidade de todos e será exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”, dá às Polícias federal e civil legitimidade constitucional para exercer as suas atribuições na República, cabendo à primeira exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União e à segunda as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
Logo, é inconcebível que o Conselho Nacional de Procuradores Gerais de Justiça queira se imiscuir em atividade legislativa especialmente reservada à União, tolhendo, ademais, a autonomia constitucional da Polícia. Neste sentido, conferir no Supremo Tribunal Federal a decisão proferida no julgamento do Habeas Corpus nº. 125.768, relator Ministro Dias Toffoli.
E mais. Vejamos o absurdo do Enunciado em casos práticos. Suponhamos que um homem em uma sexta-feira, em uma
praça pública, discuta com um adolescente e o ameace (art. 147 do Código Penal. Pena máxima: seis meses. Crime de menor potencial ofensivo, cuja ação penal depende de representação). Levado à presença de um Delegado de Polícia, lavra-se o Termo Circunstanciado, na forma do art. 69 da Lei nº. 9.099/95, recusando-se o “autor do fato” (como equivocadamente denomina a Lei dos Juizados Especiais Criminais, como se o sujeito já tivesse sido condenado por sentença transitada em julgado) a assinar o termo de compromisso de comparecer à audiência preliminar de conciliação (composição civil dos danos e transação penal). O que
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diz o referido art. 69 da lei de regência? Como ele não se comprometeu a comparecer à audiência, quando notificado, lavrar-se-á o auto de prisão em flagrante, pois assim autorizou o representante legal do suposto ofendido, oferecendo a representação nos termos do art. 38 do Código de Processo Penal. Então, poderia o Delegado de Polícia arbitrar a fiança? Conforme o art. 322 do Código de Processo Penal sim, pois a pena máxima do crime de ameaça não é maior do que quatro anos, mas segundo o enunciado acima transcrito, não!
Relembremos, para não haver dúvidas, a redação do artigo da lei especial:
“Art. 69. A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários.”
“Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima.”
Portanto, caso o “autor do fato” não possa ser encaminhado imediatamente ao Juizado Especial Criminal (como nunca poderá, salvo nos estádios de futebol), nem afirme que comparecerá para qualquer tipo de acordo (pois não lhe é conveniente fazê-lo, por exemplo), o Delegado de Polícia não poderá arbitrar a fiança, nada obstante o art. 322 do Código de Processo Penal autorizá-lo. Ele ficará preso aguardando que se faça um requerimento formal a um Juiz de Direito, nada obstante se tratar de um crime de menor potencial ofensivo (art. 98, I da Constituição Federal). Como é uma sexta-feira, caso o fato tenha ocorrido em uma cidade do interior do Brasil, certamente ele aguardará até segunda-feira para ter o seu pedido analisado (pois não haverá plantão judiciário), salvo se o
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Magistrado não teve nenhum compromisso particular na Capital, caso em que ele só chegará na Comarca na terça-feira. Se ele for um homem desventurado e na Comarca não houver Juiz titular, ele deverá escrever uma carta aos senhores Procuradores Gerais pedindo uma ajuda, uma orientação para o seu caso.
Refere-se o Enunciado, outrossim, como se fosse algo que pudesse impedir o arbitramento da fiança pelo Delegado de Polícia, à possibilidade de decretação da prisão preventiva, se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência, nos termos do art. 313, III, do Código de Processo Penal (com redação dada pela Lei nº. 12.403, de 2011).
Aqui confundiu-se (?) alhos com bugalhos! O fato de, em tese, ser possível a decretação da prisão preventiva não pode e não deve inviabilizar o arbitramento de uma fiança. A lei não disse isso. Logo, um Enunciado do Conselho Nacional de Procuradores Gerais de Justiça não poderá dizê-lo. Nunca! Isso é primário. É o Juiz que deve decidir ser o caso de prisão preventiva e, fundamentadamente, decretá-la, não de ofício, porque está vedado por lei, mas a requerimento do Ministério Público ou por representação do Delegado de Polícia.
É bem verdade que o art. 324 do Código estabelece não ser cabível a fiança quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva, nos termos do art. 312. Ora, mas não é o Delegado de Polícia, no momento de uma prisão em flagrante, quando da lavratura do respectivo auto de prisão, que poderá afirmar ser o caso ou não de uma prisão provisória. Ele não tem, constitucionalmente, tal atribuição, nem o Ministério Público, aliás. O Juiz é que o dirá, posteriormente, quando lhe for enviada a cópia do auto de prisão em flagrante com a representação ou o requerimento da medida cautelar. Assim dispõe o art. 310 do Código de Processo Penal. Agora cabe ao Delegado de Polícia, tão-somente, à vista da pena abstratamente cominada ao delito arbitrar
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a fiança, independentemente, repita-se, da condição pessoal da vítima ou das circunstâncias em que foi praticado o crime. Se não o fizer, estará sujeito a responder pelo crime de abuso de autoridade previsto no art. 4º., letra “e” da Lei nº. 4.898/65.
Que me perdoem os meus colegas Procuradores de Justiça, ora Procuradores Gerais. Não é assim que se faz um Enunciado. É preciso atenção no momento de elaborar estas normas. Estudar, conversar detidamente com os assessores, sem açodamento, com calma, discutindo com os diversos atores processuais e não processuais e, sobretudo, ter sempre às mãos a Constituição Federal. É fundamental.
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COISA JULGADA: CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA E COISA JULGADA FORMAL E MATERIAL
FLÁVIA BARBOSA DA SILVA: Advogada e Médica. Servidora Pública Federal: Perita Médica Previdenciária do INSS. Bacharela em Direito pela Universidade Federal da Bahia em 04/2014. Médica pela Universidade Federal da Bahia em 08/2001. Pós graduada em Processo Civil pela Universidade Estácio de Sá em 11/2014. Pós graduada em Auditoria de Sistemas de Saúde pela Portal F/Universidade Estácio de Sá em 2010. Pós graduação em Direito Administrativo pela Universidade Estácio de Sá em curso.
RESUMO: O presente trabalho visa analisar o instituto da coisa julgada.
Objetiva‐se demonstrar a evolução do entendimento quanto sua
natureza jurídica, se material ou processual e a sua eficácia preclusiva.
Neste estudo foi realizada a pesquisa bibliográfica, tendo sido utilizado
o método dedutivo. O Código de Processo Civil em vigor adota a teoria
processual. A importância da coisa julgada reside em ser um instrumento
concretizador da segurança jurídica. A eficácia preclusiva da coisa
julgada se manifesta no impedimento que surge, com o trânsito em
julgado, à discussão e apreciação de questões suscetíveis de influir, uma
vez solucionadas, no teor do pronunciamento judicial, ainda que não
examinadas pelo juiz. A doutrina moderna vem adotando a possibilidade
de desconsideração da coisa julgada material.
PALAVRAS‐CHAVE:Coisa julgada. Natureza jurídica. Eficácia preclusiva.
ABSTRACT: This study aims to analyze the institute of the res judicata.
The objective is to demonstrate the evolution of understanding about
its legal nature, whether substantive or procedural, its effectiveness
and the extent of preclusive immutability conferred by res judicata to
judicial pronouncements. In this study bibliographic research was
performed and the deductive method was the one used. The up to date
Code of Civil Procedure adopts the procedural theory. The importance
of res judicata is to be an instrument concretizing of legal certainty. The
preclusive effectiveness of res judicatais manifested in the impediment
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that comes with the final judgment, to the discussion and consideration
of matters susceptible to influence, once solved, the content of judicial
pronouncement, although not examined by the judge. The modern
doctrine has taken the possibility of mitigating the material res
judicata.
KEYWORDS: Res judicata. Legal nature. Preclusive effectiveness.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito e natureza jurídica da coisa
julgada. 2.1 Conceito. 2.2. Natureza jurídica. 3. Coisa julgada formal e
material. 3.1. Eficácia preclusiva da coisa julgada. 3.2. Relativização da
coisa julgada material. 4. Considerações finais. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo analisar de forma
pormenorizada a coisa julgada, demonstrando a evolução do
entendimento quanto à sua natureza jurídica e eficácia preclusiva. A
coisa julgada se caracteriza por ser um instituto de função
essencialmente prática que existe com a finalidade de assegurar
estabilidade à tutela jurisdicional e evitar a perenização dos conflitos.
Uma vez transitado em julgado o processo, constitui‐se a
denominada coisa julgada formal e, em sendo o processo encerrado
com resolução do mérito, a coisa julgada material, com a consequente
proteção à imutabilidade do conteúdo da sentença proferida pelo órgão
julgador. A noção mais comum de coisa julgada a identifica com
qualquer pronunciamento do juiz que se tornou imutável por não, ou
não mais, ser cabível recurso.[1]
No que concerne a natureza jurídica da coisa julgada delineia‐se
a percepção da existência da teoria material e da teoria processual. A
primeira enxerga na sentença o fundamento para a formação de
relações de direito material das partes no que concerne ao objeto do
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litígio, confirmando a sentença justa a situação jurídica atual e para ela
criando um novo fundamento, enquanto a sentença injusta o constitui
em conformidade com o seu conteúdo. A segunda, por sua vez, enxerga
a essência da coisa julgada na vinculação futura de todos os juízes à
declaração contida na sentença, obrigando‐os a julgar o mesmo litígio
no mesmo sentido.
A eficácia preclusiva da coisa julgada se manifesta no
impedimento que surge, com o trânsito em julgado, à discussão e
apreciação de questões suscetíveis de influir, uma vez solucionadas, no
teor do pronunciamento judicial, ainda que não examinadas pelo juiz.
Importante pontuar as funções positiva e negativa da coisa julgada.
Aquela consiste em por fim ao litígio e proporcionar o resultado
pretendido pelos litigantes, qual seja extinguir o estado de dúvida em
que se encontravam e ao mesmo tempo vincular o juiz em um futuro
processo ao conteúdo da decisão proferida em um processo anterior. A
imutabilidade que a caracteriza é o sinal marcante da função positiva
da coisa julgada. A sua função negativa constitui a proibição
endereçada aos juízes de julgar novamente os litígios já transitados em
julgado, impedindo que o conflito de interesses já resolvido, possa a
qualquer tempo ser novamente julgado. Trata‐se, a função negativa, do
reflexo do princípio do ne bis in idem, baseado na idéia de consumação
da ação.[2]
A doutrina moderna vem adotando a possibilidade de
desconsideração da coisa julgada material, a qual encontra respaldo em
situações previstas no Código de Processo Civil (CPC) em vigor,
evidenciando que a segurança jurídica, perseguida pelo Estado
Democrático de Direito, é por vezes afastada para rediscussão da lide já
transitada em julgado.
No primeiro capítulo de desenvolvimento é iniciada a discussão
pelo conceito da coisa julgada, prosseguindo a análise desse instituto
demonstrando as concepções quanto a sua natureza jurídica, se
material ou processual.
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O capítulo seguinte é dedicado à compreensão da questão da coisa julgada formal e material, sua eficácia preclusiva e a tendência moderna à relativização a coisa julgada material.
A Metodologia compreende um conjunto de instrumentos
produzidos e administrados para a consecução de um trabalho e inclui
prática de estudo da realidade consistente em dirigir o espírito na
investigação da verdade. A pesquisa bibliográfica é uma das técnicas
decisivas para a pesquisa em ciências sociais e humanas. Ela é
indispensável porque a maior parte das fontes escritas é quase sempre
a base do trabalho de investigação, uma vez que a pesquisa jurídica
fundamentalmente se efetiva por meio de fontes bibliográficas, da
legislação e dos pronunciamentos judiciais.
No desenvolvimento do presente artigo foi utilizado o método
dedutivo, partindo‐se dos posicionamentos doutrinários, bem como
dispositivos constitucionais e legais para análise do tema enfrentado.
A fim de analisar, compreender e demonstrar as nuances e
extensão da coisa julgada foi realizada a revisão bibliográfica da
doutrina e análise documental da legislação referentes ao tema objeto
deste trabalho.
2. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DA COISA JULGADA
Neste capítulo adentra-se no instituto da coisa julgada, a fim de compreender, precipuamente, o seu conceito e a sua natureza jurídica, perpassando pela divergência de entendimento dos doutrinadores sobre o tema.
2.1 CONCEITO
Para BARBOSA MOREIRA, seria impossível pretender uma convergência de orientações sobre a problemática da coisa julgada sem uma unanimidade de
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vistas quanto à conceituação do instituto, sendo a equivocidade do próprio conceito a partir do qual se elaboram as orientações doutrinárias a razão fundamental para as divergências encontradas.
Entre os romanos, o particípio iudicata qualificava o
substantivo res para indicar, em relação a este, a situação particular
que advinha de já se ter proferido o julgamento, tal como a expressão in
iudicium deducta remetia a res submetida ao conhecimento do juiz,
mas ainda não julgada, sendo ressaltado em ambas as expressões "algo
que se punha como objeto da atividade cognitiva judicial"[3].
Enfatiza que seria estranho entre os romanos identificar a noção
de coisa julgada com a própria sentença, ou com o seu respectivo
conteúdo, ou com sua eficácia em geral ou com um dos seus efeitos ou
ainda com uma qualidade da sentença, mas que o direito moderno tem
caminhado no sentido de deslocar a tônica do conceito, do
substantivo coisa para o adjetivo julgada.
Aponta o autor que na outrora denominada Lei de Introdução do
Código Civil (LIC), em seu art. 6, § 3°, a coisa julgada é identificada com
a sentença da qual não é cabível impugnação por meio de recurso,
firmando a equação coisa julgada=sentença irrecorrível. Na doutrina
alemã identificava‐se a coisa julgada com o efeito declaratório da
sentença insuscetível de recurso, enquanto Carnelutti na Itália
pretendia equiparar a coisa julgada à eficácia, ou imperatividade da
decisão, ao passo que o Código Civil Italiano de 1942 a relacionou ao
conteúdo da sentença. Considera ser puramente adjetiva a concepção
de Liebman para o qual a coisa julgada consistiria na imutabilidade do
comando nascente de uma sentença.
Considera ser a coisa julgada um instituto de função
essencialmente prática que existe com a finalidade de assegurar
estabilidade à tutela jurisdicional. Afasta, por insatisfatória, a noção
contida na outrora designada LIC por apenas indicar o momento em que
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se forma a coisa julgada, não informando sobre a essência do fenômeno
em si. Critica ainda a visão alemã, pois a sentença não produz uma
declaração, antes a contém[4].
Ressalta BARBOSA MOREIRA que não há de se confundir "coisa
julgada" com "autoridade da coisa julgada", pois a coisa julgada não se
identifica nem com a sentença transitada em julgado, nem com a
imutabilidade da qual ela se reveste, mas sim com a situação jurídica
que passa a existir após o trânsito em julgado da decisão judicial[5].
ARAGÃO propõe o estudo do significado da locução "coisa
julgada" para adentrar na conceituação desta. O substantivo
"coisa",palavra esta por si multívoca, pode corresponder ao vocábulo "
bem" tal qual descrito no Código Civil. Remete‐se o autor à Chiovenda
para pontuar que se ao invés decoisajulgada fosse possível
dizer bem julgado, estabeleceria‐se de modo mais evidente a diferença
entre coisas julgadas e questões julgadas e contrapõe a opinião de
Carnelutti para o qual o termores (coisa) não significa bem, mas antes
simboliza a relação jurídica, o conflito. A palavra "julgada, por sua vez,
constitui o particípio passado do verbo julgar[6].
Deduz o autor, que da análise da locução "coisa julgada"
facilmente percebe‐se que esta corresponde ao "bem", à "relação", ao
caso sobre o qual as partes litigaram em juízo após a demanda restar
solucionada pela sentença que houver rejeitado ou acolhido o pedido
da parte autora, podendo esse bem ser tanto uma coisa em si quanto
um direito, sendo que este "bem da vida" assegurado às partes pela
sentença constitui a coisa julgada.
Explica ainda que pregressamente no Direito Romano a
locução res iudicata designava a própria sentença, condenatória ou
absolutória, podendo ainda ser sujeita a recurso. Com a contribuição do
Direito Canônico a expressão res iudicata passou a significar a sentença
investida da autoridade de coisa julgada. Relembra que o antigo Direito
Francês conservou o entendimento romano, de modo que os
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julgamentos tinham autoridade de coisa julgada desde que proferidos,
ainda que fossem cabíveis recursos. Porém, para o direito atual, a
locução "coisa julgada" não designa apenas o julgamento dares, mas
sim, a autoridade de que fica revestida quando preclui ou se esgota a
faculdade de contra ele recorrer, sendo pois a imutabilidade do
julgamento que consubstancia a coisa julgada.[7]
ALVIM aponta que no direito romano a coisa julgada era a
"expressão de exigência de certeza e segurança no gozo dos bens da
vida", passando em julgado apenas a sentença, assentando a coisa
julgada num pressuposto de ordem prática, qual seja garantir ao
vencedor o bem da vida reconhecido na sentença, não soando o
pronunciamento judicial como verdade, mas sim em lugar da verdade.
Já no direito medieval a coisa julgada era compreendida como uma
presunção de verdade daquilo que o juiz declarava, entendimento
representado pela máximares iudicata facit de albonigrum, de
quadratorotundum. ("coisa julgada transforma o branco em preto e o
quadrado em redondo")[8].
GASTAL pondera que na raiz de todas as concepções acerca da
coisa julgada reside a ideia de que o seu propósito é o de não permitir
a perenização dos conflitos de modo a ensejar estabilidade e certeza às
relações jurídicas, pois a definitividade de que se reveste o comando
judicial após a apreciação de uma determinada relação jurídica,
enquanto apresentar os mesmos contornos que a delineavam quando
judicialmente apreciada, é justamente o que dá sentido ao exercício da
função jurisdicional[9].
2.2 NATUREZA JURÍDICA
O estudo sobre a natureza jurídica da coisa julgada conduz à
percepção de existirem duas correntes principais e conflitantes quanto
ao entendimento de ser ela um instituto de natureza substancial,
concepção abraçada pela teoria material ou de ser um instituto de
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natureza processual, a compor a denominada teoria processual da coisa
julgada.
BARRETO ensina que num primeiro momento, por influência do
Direito Romano, não se falava em autonomia do direito material ante o
processual, de forma que "a coisa julgada nada mais era do que o
próprio direito consumado pela actio, de modo que a resiudicata se
tornava o único e exclusivo efeito do iudicatum.", sendo a coisa julgada
a própria verdade jurídica reconhecida[10].
Analisa ARAGÃO as concepções das teorias material e processual
entre os diferentes doutrinadores. Destaca Enrico Allorio para o qual "A
antítese entre a doutrina substancial e a doutrina processual da coisa
julgada nada mais é que o reflexo dessa mesma antítese entre os dois
modos, fundamentalmente diversos, de conceber a destinação do
processo civil", sendo que a teoria substancial estaria em relação direta
com a concepção do processo como sendo um instituto destinado a
alcançar a composição da lide, enquanto a teoria processual resulta da
concepção do processo como instrumento para a atuação do direito.
Pondera que uma sentença pode ser substancialmente injusta,
por ter chegado a um resultado incompatível com o direito aplicável à
espécie e ao mesmo tempo ser processualmente justa porque era a
solução que o caso comportava em decorrência do material probatório
proporcionado pelos litigantes, como também pode seguir uma relação
inversa e ser substancialmente justa e processualmente injusta, mas
que o Direito sempre contou com a possibilidade de o juiz errar na
apreciação da prova e por isso produzir uma sentença injusta.
A teoria material da coisa julgada, predominante durante certo
tempo, enxerga na sentença o fundamento para a formação de relações
de direito material das partes no que concerne ao objeto do litígio,
confirmando a sentença justa a situação jurídica atual e para ela criando
um novo fundamento (de extinção ou de constituição), enquanto a
sentença injusta o constitui em conformidade com o seu conteúdo. A
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17 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55034
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teoria é denominada material porque o direito receberia da sentença
certa, a sua confirmação e a sentença errada criaria o direito diverso do
previsto no ordenamento jurídico para incidir no caso concreto.
A teoria processual, a seu turno, nega qualquer influência da
sentença passada em julgado no direito material e enxerga a essência
da coisa julgada na vinculação futura de todos os juízes à declaração
contida na sentença, obrigando‐os a julgar o mesmo litígio no mesmo
sentido. Visa abandonar a disputa sobre o acerto ou erro da sentença,
considerando que o debate sobre o julgamento ser justo ou não só
conduz a discussões inúteis sobre a injustiça da sentença, eliminadas
pela autoridade da coisa julgada[11].
Nesse sentido, GASTAL considera que na concepção substancial
da coisa julgada, o julgado vincula os futuros juízes por provocar uma
modificação no direito pré‐existente, fazendo surgir uma nova situação
jurídica de direito material. Essa concepção atribui à coisa julgada uma
consequência que vai repercutir sobre a situação material, com o fim
de constituir, modificar ou extinguir o direito, a relação ou o estado que
é objeto de litígio.
Pontua o autor que a hipótese da sentença injusta sempre se
prestou à reflexão acerca da natureza jurídica do instituto da coisa
julgada, servindo de impulso à concepção substancial desta, pois a
possibilidade de discrepância entre o julgado e o direito material ficaria
eliminada se se compreendesse a coisa julgada como uma situação
jurídica nova, que se constitui no plano do direito material, de modo
que, a sentença poderia ser considerada injusta em relação ao direito
material pré‐existente, mas não se poderia encontrar dissintonia entre
a coisa julgada e o novo direito material resultante.
Explica ainda que a teoria processual da coisa julgada,
desenvolvida no final do século XIX e XX por Stein e Hellwig, sustenta
que o vínculo que constrange futuros juízes a acatar o contido no
julgado é de cunho unicamente processual, de forma que, a coisa
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julgada não afeta a relação de direito material que é objeto do juízo,
permanecendo esta inalterada em todos os seus elementos e que se a
sentença foi injusta, porque o seu comando discrepava do disciplinado
pelo ordenamento jurídico para o caso concreto, esta discrepância
subsistirá.
Alude o autor que se o processo faz atuar o direito, o resultado
daquele não pode revelar outra situação jurídica substancial, senão
aquela própria cuja atuação constituía o seu propósito. A coisa julgada
deverá ser mais bem compreendida como um vínculo, de ordem
processual, para os juízes que no futuro serão confrontados a decidir
sobre o mesmo objeto[12].
Distinguidas as teorias material e processual da coisa julgada,
resta inclinar‐se ao entendimento de ARAGÃO de que o CPC em vigor
adota a teoria processual, denominada radical por Allorio, de nenhum
juiz poder julgar de novo, ainda que seja no mesmo sentido, causa já
composta por sentença passada em julgado, pois se tornar a julgá‐la irá
ofender a coisa julgada. Entendimento esse resultante da análise em
conjunto dos art. 471, 267, V e § 3° e 268 do CPC atual[13].
Avançando na natureza jurídica da coisa julgada, exsurge
esclarecer se ela é um dos efeitos da sentença ou uma qualidade que a
ela adere. BARRETO discute que a sob tradição do Direito Romano, a
coisa julgada seria um dos vários efeitos produzidos pela sentença ou
se identificaria com o próprio efeito declaratório, não participando da
coisa julgada os efeitos constitutivos e condenatórios das sentenças.
Explica ainda que é possível encontrar em Chiovenda os fundamentos
iniciais para superação desse entendimento, distinguindo os efeitos da
sentença da coisa julgada, pois enquanto aqueles valem para todos, a
coisa julgada se restringe às partes[14].
LIEBMAN foi o grande responsável pela visão atual do instituto da
coisa julgada predominante na doutrina brasileira. Ensina o autor que
permanecia o hábito de ver na coisa julgada o efeito próprio e
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19 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55034
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específico da decisão judicial e que foram construídas teorias
explicando a coisa julgada como ficção de verdade, verdade formal ou
presunção de verdade, as quais foram finalmente repelidas da
linguagem científica pela sua imprecisão, mas que a coisa julgada
permaneceu presa à sentença como a decisão de uma questão
duvidosa.
Assevera que Carnelutti escreveu que imutabilidade da decisão
não corresponde ao seu caráter imperativo, mas sim à sua função
declarativa e que a posição de Chiovenda, de também ver na coisa
julgada um efeito da sentença, terminava por relacioná‐la com a
declaração emitida pelo juiz tal qual as demais várias fórmulas, que ao
tentar explicar a coisa julgada, faziam‐na equivaler à criação de uma
declaração irrevogável.
Problematiza o autor que a decisão judicial tem frequentemente
eficácia não meramente declarativa, mas também constitutiva,
surgindo o questionamento sobre as relações existentes entre a coisa
julgada e os efeitos da sentença, se seria ela considerada como um
efeito da sentença ao lado dos demais efeitos existentes ou se seria
possível distinguir em toda a sentença uma parte que seria suscetível
de adquirir a autoridade da coisa julgada[15].
Esclarece que a coisa julgada consiste na força vinculante da
declaração, quer se apresente sozinha, quer acompanhada de efeito
constitutivo, pois este nada tem a ver com a coisa julgada,
desnecessária para que ele possa ser produzido, de modo que constitui
erro lógico sistematizar a coisa julgada ao lado dos outros possíveis
efeitos da sentença. Enfatiza que "Pode‐se assim reconhecer que uma
declaração destituída da autoridade da coisa julgada é para quem a
obteve pouco menos que inútil", e que a coisa julgada é qualquer coisa
mais que se ajunta para aumentar a estabilidade de quaisquer dos
efeitos da sentença, de forma que identificar a declaração produzida
pela sentença com a coisa julgada significa confundir o efeito com um
elemento novo que o qualifica.[16]
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No que tange ao enfrentamento do problema da posição da coisa
julgada na teoria da sentença, LIEBMAN relembra que a lei confere
efeitos à sentença mesmo antes do seu trânsito em julgado,
exemplificando com a execução provisória e com a eficácia executória
da sentença não mais sujeita aos recursos ordinários, devendo‐se de
igual modo reconhecer que todos os efeitos da sentença podem se
produzir antes da sentença transitar em julgado.
Da afirmação acima exposta, depreende‐se que a eficácia jurídica
da sentença pode e deve ser distinguida da autoridade da coisa julgada,
sendo acolhida a distinção de Carnelutti entre imperatividade e
imutabilidade da sentença, pois esta é imperativa e produz todos os
seus efeitos ainda antes e independentemente de transitar em julgado.
Nesse sentido extrai‐se que "a autoridade da coisa julgada não é
efeito da sentença, como postula a doutrina unânime, mas, sim, modo
de manifestar‐se e produzir‐se dos efeitos da própria sentença, algo de
que a esses efeitos se ajunta para qualificá‐los e reforçá‐los em sentido
bem determinado."
Critica o autor a concepção de Hellwig, de ser a coisa julgada
efeito específico da sentença irrecorrível e eficácia declaratória da
sentença, afirmando que ele confundiu o efeito normal da sentença
com a definitividade e incontestabilidade desse efeito. Pontua que a
coisa julgada serve para evitar um novo pronunciamento judicial
contraditório em face de uma sentença anterior, pois a mesma faz com
que o efeito produzido por uma sentença permaneça irrevogavelmente
adquirido, não sendo a coisa julgada um efeito diverso, mas sim, uma
qualidade do próprio efeito[17].
Com a contribuição de LIEBMAN, a coisa julgada passou a ser
compreendida não mais como um dos efeitos da sentença e a ser
considerada como uma qualidade que adere à sentença
potencializando a eficácia natural desta ao conferir‐lhe imutabilidade.
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BARBOSA MOREIRA manifesta‐se criticamente à visão de
Liebman sobre imutabilidade dos efeitos da sentença transitada em
julgado e afirma que se alguma coisa escapa ao selo da imutabilidade
são justamente os efeitos da sentença, sendo a imutabilidade apenas
da própria sentença.
Esclarece o autor que os efeitos da sentença, mesmo que
estranhos ao conceito de coisa julgada, em regra só começam a
produzir‐se no momento em que esta se forma e só em casos
excepcionais e taxativos, a ela se antecipam. A imutabilidade não é dos
efeitos da sentença, mas sim, do conteúdo desta, sendo importante
discernir que a imutabilidade do conteúdo da sentença não implica na
imutabilidade da situação jurídica concreta sobre a qual o incidiu o
pronunciamento judicial. A mudança da situação jurídica concreta em
nada afeta a autoridade da coisa julgada da sentença previamente
proferida, uma vez que "A norma sentencial permanece imutável,
enquanto norma jurídica concreta referida a uma determinada
situação."[18].
3. COISA JULGADA FORMAL E MATERIAL
Adentra‐se nas linhas a seguir na análise dos conceitos referentes
à coisa julgada formal e material. A lei de Introdução às Normas do
Direito Brasileiro (LINDB), Decreto‐Lei 4657 de 1942, ementa com
redação determinada pela Lei. 12.376/10, dispõe em seu art. 6°,§ 3° que
“Chama‐se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não
caiba recurso”, enquanto o art. 467 do CPC prescreve que “Denomina‐
se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a
sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”
ARAGÃO aponta críticas ao art. 6°,§ 3° da LINDB, ressaltando que
este se restringe ao aspecto cronológico da passagem da sentença em
julgado, sem cuidar do aspecto ontológico da coisa julgada,
considerando que neste artigo cabe apenas a idéia da coisa julgada
formal, a qual surge com a exaustão dos recursos cabíveis contra a
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sentença ou com a impossibilidade de recurso pela mesma ter nascido
irrecorrível.
Alude este doutrinador, que o art. 467 do CPC evoluiu quanto à
definição da coisa julgada ao procurar conceituar a coisa julgada
material, porém critica a redação deste artigo, pois considera que não
é a coisa julgada material que torna imutável e indiscutível a sentença,
mas sim o trânsito em julgado ou o exaurimento do duplo grau de
jurisdição. Uma vez não mais sujeita a recurso ordinário ou
extraordinário, a sentença ou acórdão só produzirá coisa julgada
material se houver solucionado o mérito da causa, uma vez que, se a
sentença extinguir o processo sem apreciação do mérito, formará‐se
apenas a coisa julgada formal[19].
No que tange a coisa julgada em sentido formal, CHIOVENDA
explica que esta corresponde a tornar‐se definitiva a sentença. Elucida
o autor que se a sentença não esta sujeita a recursos, é por si mesma
definitiva e produz, logo, seus efeitos, a não ser que seus efeitos
executórios estivessem subordinados a um prazo. Em sendo passível de
recursos, a sentença tornará‐se definitiva após decorrido o prazo fixado
em lei para o recurso, sem que o mesmo tenha sido interposto uma vez
que os prazos recursais são peremptórios. Existe ainda, a possibilidade
da parte aceitar expressamente ou tacitamente uma sentença,
importando em renúncia ao direito de impugná‐la, tornando‐a desta
forma definitiva. Assevera o autor, que oferecida uma impugnação, a
coisa julgada pode se formar mediante perempção do processo de
impugnação ou renúncia a ele[20].
O trânsito em julgado, fenômeno processual antecedente à coisa
julgada, representa um momento no curso do processo no qual ocorre
a transição entre um estado dinâmico a um estado estático. KLIPPEL e
BASTOSexplicam que no momento em que a cadeia de atos processuais
alcança seu ponto final numa lide específica, verifica‐se o trânsito em
julgado, correspondendo este ao fim da atuação do procedimento para
a formação de uma determinada norma concreta. Ressaltam os autores,
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23 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55034
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que não há um momento único e estanque para a ocorrência deste
fenômeno, em virtude de o procedimento nem sempre alcançar todas
as possibilidades abstratamente postas à disposição dos litigantes, mas
que de fato, o trânsito em julgado leva à estabilização da discussão de
determinada lide, sendo por isso, o antecedente lógico da coisa
julgada[21].
Nesse mesmo sentido, ALVIM ensina que uma vez proferida uma
sentença de mérito, a parte interessada poderá utilizar‐se dos meios
recursais para impugná‐la, podendo aquela ser objeto de modificação.
Porém, em não sendo mais possível a modificação da decisão judicial,
por não mais ser cabível qualquer recurso, pelos mesmos motivos já
explanados por Chiovenda, a sentença transita em julgado, tornando‐
se imutável como ato processual dentro do mesmo processo no qual foi
proferida. A essa imutabilidade conferida à sentença pela preclusão do
prazo para recurso, chama‐se coisa julgada formal.
Raciocina o doutrinador que, em se tornando imutável a sentença
enquanto ato processual, sucede em conseqüência, a imutabilidade do
conteúdo do ato, cujo comando, nele inserido,torna‐se definitivo,
estável, inatacável, e projeta‐se para fora dos limites do processo em
que fora praticado, tornando também imutáveis seus efeitos, com a
sentença sendo a lei reguladora da espécie decidida, fenômeno este
conhecido como coisa julgada material, sendo a coisa julgada formal um
pressuposto da coisa julgada material[22].
A coisa julgada formal conforme LIEBMAN nada mais é que uma
qualidade da sentença, quando a mesma já não é recorrível por força
da preclusão dos recursos, sendo a coisa julgada material a sua eficácia
específica e propriamente, a autoridade da coisa julgada, condicionada
à formação daquela. Aponta o autor, que todas as sentenças são
suscetíveis de coisa julgada formal, mas apenas aquelas que acolhem
ou rejeitam o mérito são suscetíveis de coisa julgada material.
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LIEBMAN critica a importância dada à distinção entre estes
conceitos e enfatiza que a coisa julgada substancial não é um efeito da
sentença, mas apenas um aspecto particular daquela qualidade que ela
logra, quando ocorre a preclusão dos recursos, sendo a coisa julgada
formal a imutabilidade da sentença como ato processual e a coisa
julgada substancial a mesma imutabilidade em relação ao seu conteúdo
e mormente aos seus efeitos.
Aprofunda‐se no tema o autor ao problematizar que uma
sentença que julgue os pressupostos processuais não logra coisa
julgada diversa da sentença que acolhe ou rejeita a demanda na análise
do mérito. No primeiro caso a sentença terá um efeito meramente
interno no processo, perdendo sua importância, uma vez findo este. No
segundo caso, a sentença, ao decidir sobre a relação deduzida em juízo,
destina‐se a projetar a sua eficácia para fora do processo e a sobreviver
a este. A diferença entre as situações descritas repousa no comando
contido na sentença e nos seus efeitos, permanecendo a coisa julgada
sempre a mesma[23].
BARBOSA MOREIRA aponta que a variável extensão da
imutabilidade da sentença abre ensejo à distinção entre coisa julgada
formal e material, ocorrendo aquela quando a sentença se torna
imutável apenas no âmbito do processo em que foi proferida, não
havendo dessa forma, óbice a que se profira nova decisão com o mesmo
objeto num outro processo. Já a coisa julgada material ocorre quando
a imutabilidade da sentença proferida em um processo prevalece em
relação à processos distintos, sendo que, a discriminação, em concreto,
dos casos em que a esta imutabilidade se estende a todos ou se
restringe a um processo, será a que resulte do direito positivo de cada
ordenamento jurídico.
Pondera que nenhuma decisão deixa de produzir a coisa julgada,
ao menos em seu sentido formal, uma vez que inexiste no direito dos
países do ocidente, série infinita de recursos, não havendo processo
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25 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55034
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que não se encerre em um determinado momento, a tornar imutável
no seu âmbito, as decisões proferidas[24].
3.1 EFICÁCIA PRECLUSIVA DA COISA JULGADA
Antes de adentrar na análise da eficácia preclusiva da coisa
julgada, urge tecer considerações acerca da preclusão, a qual não se
confunde com aquela, haja vista ser a coisa julgada apenas uma das
várias situações jurídicas sujeitas à preclusão.
ARAGÃO ensina que no sentido técnico o termo preclusão
exprime a idéia de extinção de um poder, para o juiz ou tribunal e a
perda de uma faculdade para a parte, enquanto o princípio preclusivo
associa‐se à divisão do procedimento em fases distintas, remetendo a
idéia de perda ou extinção de uma oportunidade porque foi
ultrapassada a ocasião propícia para exercê‐la. Ressalta que no Brasil
adota‐se o conceito formulado por Chiovenda para o qual a preclusão
significa a perda, extinção ou consumação de uma faculdade processual
que sofre pelo fato de não se haver observado a ordem prescrita em lei
ao uso de seu exercício, ou de se haver realizado uma atividade
incompatível com o exercício de uma faculdade, uma propositura de
uma exceção incompatível com outra e a realização de ato incompatível
com a intenção de recorrer ou de já se haver validamente exercido a
faculdade, recaindo na consumação[25].
A preclusão não é ato, não é praticável, sendo em verdade um
acontecimento, um fato, que surge no processo, ou como resultado da
ausência de outro fato ou como consequência de determinado ato, que
por ter sido praticado tempestivamente, consumou a faculdade, ou o
poder, para o juiz, de praticá‐lo uma segunda vez ou como decorrência
de haver ou não sido praticado algum ato incompatível com a prática
de outro. Assim, a preclusão surge sempre e necessariamente como um
efeito, um resultado. Percebe‐se com facilidade a influência do
princípio da preclusão no processo civil brasileiro como, por exemplo,
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ao dividir o processo nas fases postulatórias, instrutória e decisória e na
adoção da máxima da eventualidade[26].
LIEBMAN interrelaciona o fenômeno da preclusão à coisa julgada
formal ao dispor que esta é uma qualidade da sentença, quando já não
é recorrível por força da preclusão dos recursos[27]. GRINOVER,
entretanto, critica a posição da doutrina brasileira em acolher a
distinção estruturada por Liebman entre coisa julgada formal e material
e em equiparar a coisa julgada formal à preclusão. Assevera a
doutrinadora que estes institutos são dois fenômenos distintos, na
perspectiva de decisão irrecorrível, ligados entre si por uma relação
lógica de antecedente‐consequente, sendo a preclusão,
subjetivamente, a perda de uma faculdade processual e,
objetivamente, um fato impeditivo, enquanto a coisa julgada formal
consiste na qualidade da decisão, ou seja, sua imutabilidade dentro do
processo[28].
CÂMARA conceitua a preclusão como a perda de uma posição
jurídica processual ativa, pelas partes ou pelo juízo, sendo o resultado
decorrente de algum fenômeno que gere essa perda. Configura
fenômeno essencial ao andamento ordenado do processo, assegurando
que o processo mova‐se para diante, de forma que, sem a preclusão o
processo poderia tornar‐se interminável.
A preclusão pode ser lógica, temporal ou consumativa. Na
preclusão lógica a perda da posição decorre do fato de se ter praticado
anteriormente algum outro ato que com ela seja incompatível, tal qual
no cumprimento voluntário da sentença antes de impugná‐la. Ocorre a
preclusão temporal quando a perda da posição processual decorre da
ultrapassagem do prazo para o seu exercício como ocorre após o
decurso do prazo para interposição de um recurso. A preclusão
consumativa, aseu turno, ocorre quando a posição processual deixa de
existir por já ter sido exercida[29].
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27 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55034
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Passando a análise da eficácia preclusiva da coisa julgada em si,
BARBOSA MOREIRA esclarece que esta se manifesta no impedimento
que surge, com o trânsito em julgado, à discussão e apreciação de
questões suscetíveis de influir, uma vez solucionadas, no teor do
pronunciamento judicial, ainda que não examinadas pelo juiz. A fim de
evitar dispêndio inútil da atividade processual, simplesmente exclui‐se
que essas questões possam ser suscitadas com o escopo e atacar a coisa
julgada.
Considera o citado doutrinador, que a eficácia preclusiva da coisa
julgada material é pan‐processual, pois seu efeito preclusivo projeta‐se
para fora do processo, fazendo‐se sentir nos eventuais processos
subsequentes, enquanto que a eficácia preclusiva da coisa julgada
formal restringe‐se ao interior do processo no qual foi proferida. Essa
eficácia preclusiva visa excluir que o resultado do processo, após o
trânsito em julgado, venha a ser objeto de contestações juridicamente
relevantescom base em alegações que já tenham ou não sido
examinadas.
Explica BARBOSA MOREIRA que o expediente usado pela lei
(art.287 do CPC de 1939) tem mera função instrumental, pois a
preclusão das questões logicamente subordinantes não é um fim em si
mesma, senão simples meio de preservar a imutabilidade do julgado.
Esclarece, entretanto, que a preclusão das questões logicamente
subordinantes apenas prevalece em feitos nos quais a lide seja a mesma
já decidida ou tenha solução dependente da que se deu à lide já
decidida, e que, fora desses limites, ficam abertas à livre discussão e
apreciação as mencionadas questões, independentemente da
circunstância de terem sido examinadas pelo primeiro juiz ao assentar
as premissas da sua conclusão.
Esclarece o autor, que a eficácia preclusiva da coisa julgada
material atinge as questões de fato, as de direito e as solúveis mediante
aplicação de direito ao fato e referentes à relação jurídica ou cuja
existência ou inexistência se subordina a relação jurídica sobre a qual
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versa o pedido. Ressalta, porém, que a eficácia preclusiva não atinge os
fatos supervenientes, apenas aqueles existentes (que já aconteceram),
sendo desnecessário, contudo, que fossem conhecidos pela parte[30].
A eficácia preclusiva da coisa julgada encontra‐se positivada no
art. 474 do CPC em vigor, o qual estabelece que "passada em julgado a
sentença de mérito, reputar‐se‐ão deduzidas e repelidas todas as
alegações e defesas que a parte poderia opor assim ao acolhimento
como à rejeição do pedido.” SÁ alude que o artigo supracitado impede
que não apenas o que a parte perdeu possa ser rediscutido, como
também tudo aquilo que ela poderia ter alegado, mas não o fez,
ressaltando‐se que tal impedimento se refere aos argumentos que
poderiam ser alegados dentro de uma mesma lide. Todas as questões
que foram e poderiam ter sido levantadas em juízo ficam repelidas pela
segurança que se impõe à coisa julgada como fenômeno de pacificação
social, de forma que aquilo que não foi alegado torna‐se irrelevante e
mistura‐se com o objeto litigioso que restou imunizado, como se tivesse
sido julgado implicitamente.
Enfatiza o autor que a eficácia preclusiva da coisa julgada consiste
na preclusão paras as partes discutirem questões apreciadas ou não de
forma incidental em demanda anterior que possam influenciar na
matéria já imunizada, não se tratando de conferir eficácia à decisão,
mas sim à coisa julgada, constituindo um efeito inerente a ela. Esclarece
que não se admite a propositura de nova demanda para discutir a
mesma lide, ainda que com novas alegações. Em que pese os limites
objetivos da coisa julgada restringirem‐se ao dispositivo da sentença, as
questões pertencentes a mesma lide que tiveram aptidão de influenciar
no mérito da demanda anterior são atingidas pela eficácia preclusiva da
coisa julgada.[31]
Frisa que a eficácia preclusiva da coisa julgada tem natureza
instrumental e visa manter a imutabilidade da decisão anterior, uma
vez que a coisa julgada objetiva gerar a imutabilidade do que foi
decidido para determinadas partes, sobre um pedido com base em
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certa causa de pedir. Qualquer situação distinta configurará nova
demanda.[32]
3.2 RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA MATERIAL
O instituto da coisa julgada configura instrumento de pacificação
social e concretização da segurança jurídica no Estado Democrático de
Direito ao imutabilizar o conteúdo das sentenças transitadas em
julgado, impedindo a perenização do conflito acobertado pelo seu
manto. Entretanto, em decorrência da falibilidade inerente à condição
humana, as decisões judiciais transitadas em julgado podem ser
substancialmente ou processualmente injustas ou inconstitucionais,
resultando no questionamento acerca da validade de erigir a coisa
julgada a um valor absoluto.
Nesse sentido, surgem argumentos no sentido da relativização da
coisa julgada material. THEODORO JÚNIOR relembra que as idéias
emanadas da Revolução Francesa, no que concerne a delimitação do
poder político do Estado, resultaram na preocupação constante em
garantir a Supremacia da Constituição, como única forma de assegurar
aos cidadãos a certeza da tutela da Segurança e da Justiça como valores
máximos da organização da sociedade.
No que tange ao tema de inconstitucionalidade, o autor pontua
que sempre houve uma preocupação com a desconformidade apenas
dos atos legislativos com a Constituição, mantendo‐se os atos judiciais
imunes a ataques, ainda que fossem inconstitucionais, especialmente
após ocorrida a coisa julgada, consagrando o princípio a intangibilidade
da coisa julgada, de modo que, após a coisa julgada resguardava‐se a
segurança jurídica, em detrimento de uma preocupação com a
justiça[33].
Ressalta que "À vista da busca sempre constante da
constitucionalidade, pode‐se dizer que o ato que não a contempla tem
um valor negativo. Fala‐se, assim, do desvalor do ato inconstitucional.",
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não podendo a coisa julgada suplantar a lei, em tema de
constitucionalidade, sob pena de colocar‐se como algo mais importante
que a lei e a própria Constituição.
Esclarece o autor que, a regra constitucional prescrita no art. 5°,
XXXVI da CRFB é dirigida ao legislador ordinário na medida em que
disciplina a edição de outras normas jurídicas pelo legislador, de forma
que a intangibilidade da coisa julgada no ordenamento brasileiro não
tem sede constitucional, resultando antes da norma contida no art. 457
do CPC, não estando imune ao princípio da constitucionalidade, o qual
lhe é hierarquicamente superior[34].
Consoante pontua CÂMARA, existem duas tendências na
doutrina moderna, uma delas negando a possibilidade de relativização
da coisa julgada como Leonardo Greco eoutra afirmando a necessidade
de permitir‐se a rescisão a qualquer tempo de sentenças transitadas em
julgado que sejam "objetivamente desarrazoadas" como Sérgio
Gilberto Porto e José Maria Rosa Tesheiner, prevalecendo, mais
recentemente, a segunda.
Posiciona‐se pelo entendimento de ser a coisa julgada uma
garantia constitucional, porém não absoluta, sendo passível de
relativização, até mesmo por normas infraconstitucionais, mas que essa
relativização deve ser feita por meios processuais adequados como a
ação rescisória, os embargos do executado e a querela nullitatis[35].
Entretanto, relembra a limitação temporal para rescisão do
julgado ao prazo de dois anos a contar da formação da coisa julgada e
que nos mecanismos processuais supracitados, a questão sobre a
inconstitucionalidade da decisão judicial configura a questão principal
do processo a ser instaurado.
Não deixa de ressaltar que a relativização da coisa julgada pode
gerar instabilidade e insegurança prejudicial à pacificação social e
propõe como solução acréscimo de um novo parágrafo único ao art.485
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do CPC, prescrevendo a ação rescisória como único meio de
desconstituição de sentença transitada em julgado ao estabelecer que:
A sentença de mérito transitada em julgado
que ofende a Constituição só deixa de produzir
efeitos após rescindida na forma prevista nesse
Capítulo, permitida a concessão, pelo relator, de
medida liminar que suspenda temporariamente
seus efeitos se houver o risco de que sua imediata
eficácia gere dano grave, de difícil ou impossível
reparação, sendo relevante a fundamentação da
demanda rescisória[36].
Em seu posicionamento, NERY JÚNIOR afirma que
O risco político de haver sentença injusta ou
inconstitucional no caso concreto parece ser menos
grave do que o risco político de instaurar‐se a
insegurança geral com a relativização (rectius:
desconsideração) da coisa
julgada...Desconsiderar a coisa julgada é
eufemismo para esconder‐se a instalação da
ditadura, de esquerda ou de direita, que faria
desaparecer a democracia que deve ser respeitada,
buscada e praticada pelo processo.
Relembra a Lei para Intervenção do Ministério Público no
Processo Civil, assinada em 15.7.1941 por Adolf Hitler, a qual dava
poderes ao Ministério Público para decidir se a lei era justa ou injusta,
se atendia aos anseios do povo alemão e aos fundamentos do Reich
alemão, servindo como instrumento do totalitarismo para interpretar a
coisa julgada e rescindi‐la.
Para o autor, Desconsiderar a coisa julgada configura ofensa à
CRFB, deixando‐se de dar aplicação ao princípio fundamental do Estado
Democrático de Direito, só sendo possível abrandar a coisa julgada nas
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espécies taxativamente previstas em lei como a ação rescisória, os
embargos do devedor na execução por título judicial, a revisão
criminale a coisa julgada segundo o resultado da lide[37].
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
No decorrer deste trabalho foi discutido sobre o instituto da coisa
julgada. Ao longo de cada capítulo foram expostas considerações
sobremaneira importantes para o alcance das conclusões obtidas. Com
isso, concretiza‐se a finalidade do trabalho de pesquisa monográfica,
respondendo às questões formuladas e atendendo às pretensões
deduzidas no seu desenvolvimento.
Pôde‐se constatar que a coisa julgada é um instituto de função
essencialmente prática que existe com a finalidade de assegurar
estabilidade à tutela jurisdicional e que corresponde ao "bem", à
"relação", ao caso sobre o qual as partes litigaram em juízo após a
demanda restar solucionada pela sentença que houver rejeitado ou
acolhido o pedido da parte autora, podendo esse bem ser tanto uma
coisa em si quanto um direito, sendo que este "bem da vida"
assegurado às partes pela sentença constitui a coisa julgada[38].
No que tange a sua natureza jurídica, vimos existirem duas
correntes principais e conflitantes, sendo que para uma delas a coisa
julgada era um instituto de natureza substancial e para a outra ela era
um instituto de natureza processual e que, uma vez distinguidas ambas
as correntes, pôde‐se perceber que o CPC em vigor adota a teoria
processual. Foram também demonstradas asfunções positiva e negativa
da coisa julgada.
A coisa julgada pode ser formal e/ou material, sendo que
conforme LIEBMAN, a primeira nada mais é que uma qualidade da
sentença, quando a mesma já não é recorrível por força da preclusão
dos recursos, sendo a coisa julgada material a sua eficácia específica e
propriamente, a autoridade da coisa julgada, condicionada à formação
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daquela. Todas as sentenças são suscetíveis de coisa julgada formal,
mas apenas as que acolhem ou rejeitam o mérito são suscetíveis de
coisa julgada material[39].
Foi discutida a eficácia preclusiva da coisa julgada, tendo‐se
concluído que esta se manifesta no impedimento que surge, com o
trânsito em julgado da decisão, à discussão e apreciação de questões
suscetíveis de influir, uma vez solucionadas, no teor do pronunciamento
judicial, ainda que não examinadas pelo juiz.
Pôde‐se perceber que existem duas correntes atuais quanto à
possibilidade ou não de relativização da coisa julgada material. Uma
delas posiciona‐se pelo entendimento de ser a coisa julgada uma
garantia constitucional, porém não absoluta, sendo passível de
relativização, até mesmo por normas infraconstitucionais, mas que essa
relativização deve ser feita por meios processuais adequados como a
ação rescisória, os embargos do executado e aquerela nullitatis, a fim
de se evitar que a possibilidade de desconsideração da coisa julgada
gere insegurança jurídica.
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NOTAS:
[1] ARAGÃO, Egas Moniz de. Sentença e coisa julgada. Rio de Janeiro: Aide Ed, 1992, p.189.
[2] ARAGÃO, Egas Moniz de. Sentença e coisa julgada. Rio de Janeiro: Aide Ed, 1992, p. 216; GASTAL, Alexandre Fernandes. A coisa julgada: sua natureza e funções in Eficácia e coisa julgada: atualizada de acordo com Código Civil de 2002. C.A. Alvaro de Oliveira (org). Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.195-197.
[3] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ainda e sempre a coisa julgada. Revista dos Tribunais. São Paulo: jun/1970, p.09.
[4]MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ainda e sempre a coisa julgada. Revista dos Tribunais. São Paulo: jun/1970, p.09-11.
[5]Ibid, p.16-17.
[6] ARAGÃO, Egas Moniz de. Sentença e coisa julgada. Rio de Janeiro: Aide Ed, 1992, p.189-191.
[7] ARAGÃO, Egas Moniz de. Sentença e coisa julgada. Rio de Janeiro: Aide Ed, 1992, p.192-194.
[8] ALVIM, José Eduardo Carreira. Elementos da teoria geral do processo. Rio de janeiro: Forense, 1998, p.283.
[9] GASTAL, Alexandre Fernandes. A coisa julgada: sua natureza e funções in Eficácia e coisa julgada: atualizada de acordo com Código Civil de 2002. C.A. Alvaro de Oliveira (org). Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.187.
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[10] BARRETO, Lucas Hayne Dantas.Responsabilidade civil do Estado por atos jurisdicionais: releitura à luz do direito fundamental à boa jurisdição. Dissertação (Mestrado), Universidade Federal da Bahia, 2012, p.157.
[11] ARAGÃO, Egas Moniz de. Sentença e coisa julgada. Rio de Janeiro: Aide Ed, 1992, p.207-213.
[12] GASTAL, Alexandre Fernandes. A coisa julgada: sua natureza e funções in Eficácia e coisa julgada: atualizada de acordo com Código Civil de 2002. C.A. Alvaro de Oliveira (org). Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.188-192.
[13] ARAGÃO, Egas Moniz de. Sentença e coisa julgada. Rio de Janeiro: Aide Ed, 1992, p.215.
[14] BARRETO, Lucas Hayne Dantas.Responsabilidade civil do Estado por atos jurisdicionais: releitura à luz do direito fundamental à boa jurisdição. Dissertação (Mestrado), Universidade Federal da Bahia, 2012, p.158.
[15] LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença. Tradução de Alfredo Buzald e Benvindo Aires; tradução dos textos posteriores à edição de 1945 e notas relativas ao direito brasileiro vigente, de Ada Pellegrini Grinover, 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p.15-17.
[16]Ibid., p.19-20.
[17] LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença. Tradução de Alfredo Buzald e Benvindo Aires; tradução dos textos posteriores à edição de 1945 e notas relativas ao direito brasileiro vigente, de Ada Pellegrini Grinover, 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 37-42.
[18] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ainda e sempre a coisa julgada. Revista dos Tribunais. São Paulo: jun/1970, p.11-15.
[19] ARAGÃO, Egas Moniz de. Sentença e coisa julgada. Rio de Janeiro: Aide Ed, 1992, p.238-242.
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[20] MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil/Giuseppe Chiovenda. Campinas: Bookseller,1998, p. 249-251.
[21]KLIPPEL, Rodrigo; BASTOS, Antonio Adonias Bastos. Manual de Processo Civil, 2.ed.atual. Rio de janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 451.
[22] ALVIM, José Eduardo Carreira. Elementos da teoria geral do processo. Rio de janeiro: Forense, 1998, p.284-285.
[23] LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença. Tradução de Alfredo Buzald e Benvindo Aires; tradução dos textos posteriores à edição de 1945 e notas relativas ao direito brasileiro vigente, de Ada Pellegrini Grinover, 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 60-61.
[24]MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ainda e sempre a coisa julgada. Revista dos Tribunais. São Paulo: jun/1970, p.14-15.
[25]ARAGÃO, Egas Moniz de. Sentença e coisa julgada. Rio de Janeiro: Aide Ed, 1992, p.219-221.
[26]Ibid, p.227-228.
[27] LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença. Tradução de Alfredo Buzald e Benvindo Aires; tradução dos textos posteriores à edição de 1945 e notas relativas ao direito brasileiro vigente, de Ada Pellegrini Grinover, 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p.60.
[28]LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença. Tradução de Alfredo Buzald e Benvindo Aires; tradução dos textos posteriores à edição de 1945 e notas relativas ao direito brasileiro vigente, de Ada Pellegrini Grinover, 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p.68.
[29] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Rio de janeiro: Lumen Juris, 2011, p.507-508.
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[30] MOREIRA, José Carlos Barbosa. A eficácia preclusiva da coisa julgada material. Revista dos Tribunais. São Paulo, jul/1972, p.15-21.
[31] SÁ, Renato Montans de. Eficácia preclusiva da coisa julgada. São Paulo: Saraiva, 2011, p.210-215.
[32]Ibid p. 234.
[33] THEODORO JÚNIOR, Humberto. A reforma do processo de execução e o problema da coisa julgada inconstitucional. Revista Brasileira de Estudos Políticos, n.89, jan-jun/2004, p.67-71.
[34]Ibid, p.76-81.
[35] CÂMARA, Alexandre Freitas. Relativização da coisa julgada material. Relativização da coisa julgada: Enfoque crítico/Fredie Didier Jr.(organizador), Salvador: jusPODIVM, 2004, p.16-19.
[36] CÂMARA, Alexandre Freitas. Relativização da coisa julgada material. Relativização da coisa julgada: Enfoque crítico/Fredie Didier Jr.(organizador), Salvador: jusPODIVM, 2004, p. 24-27.
[37] NERY JÚNIOR, Nelson. A polêmica sobre a Relativização (Desconsideração) da coisa julgada e o estado democrático de Direito in Relativização da coisa julgada: Enfoque crítico. Fredie Didier Jr.(organizador), Salvador: jusPODIVM, 2004, p.194-200.
[38] ARAGÃO, Egas Moniz de. Sentença e coisa julgada. Rio de Janeiro: Aide Ed, 1992, p.197.
[39] LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença. Tradução de Alfredo Buzald e Benvindo Aires; tradução dos textos posteriores à edição de 1945 e notas relativas ao direito brasileiro vigente, de Ada Pellegrini Grinover, 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p.60.
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PROTEÇÃO AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL
EDENILDO SOUZA COUTO: Bacharel em Direito pela Faculdade de Tecnologia e Ciências (2011). Aluno laureado pela Instituição supracitada. Pós-graduado em Direito Processual Civil pelo Juspodivm (2015). Assessor de Juiz (TJBA). Professor de diversas disciplinas do Direito;
Resumo: O presente estudo faz análise do Estado de Coisas Inconstitucional (ECI) e verifica o ativismo judicial estrutural dialógico, nas declarações de ECI, na proteção dos Direitos Fundamentais. O Estado de Coisas Inconstitucional é fenômeno de fatores agressivos aos Titulares dos Direitos Fundamentais. Quando declarado pelo Judiciário, autoriza o ativismo judicial estrutural dialógico. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal declarou o Estado de Coisas Inconstitucional e valeu-se deste tipo de ferramenta para resguardar os Direitos Fundamentais dos presidiários. Ocorre que vários doutrinadores questionaram a legitimidade de tais medidas. Alegaram lesão ao Princípio da Separação dos Poderes; sustentaram que o Judiciário está criando falsa esperança de que as mazelas estruturais brasileiras seriam resolvidas por meio de sentença; apregoaram que o próprio instituto não logrou êxito na Colômbia, país em que o Estado de Coisas Inconstitucional foi declarado pela primeira vez. Este estudo, todavia, revela, com fundamento em doutrina abalizada, que o ativismo judicial estrutural deve ser utilizado para salvaguardar os Direitos Fundamentais todas as vezes em o Estado de Coisas Inconstitucional for declarado.
Palavras-chave: Estado de Coisas Inconstitucional. Ativismo Judicial Dialógico. Direitos Fundamentais.
Sumário: Introdução. 1. Origem da declaração do Estado de Coisas Inconstitucional. 2. O ECI no Brasil: Reconhecimento e
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Consequências. 3. Divergência Doutrinária. 4. Defesa à legitimação do ativismo judicial estrutural dialógico nos casos de declaração de ECI. Conclusão.
INTRODUÇÃO
O Estado de Coisas Inconstitucional (ECI) corresponde a um fenômeno formado por uma série de fatores agressivos a uma gama de titulares dos Direitos Fundamentais.
Sua verificação, por sua vez, autoriza o ativismo judicial estrutural dialógico.
É bom, de logo, propugnar, que partimos da premissa de que o Estado de Coisas Inconstitucional não é uma ferramenta propriamente dita, mas uma situação fática apurada no mundo empírico.
Sua existência, portanto, independe de qualquer declaração judicial.
Ele é fruto do mau uso das atribuições públicas. Advém do engessamento dos Poderes Públicos frente ao perecimento dos Direitos Fundamentais.
Agora, uma vez percebido e declarado na esfera jurisdicional, o ECI legitima o uso do ativismo judicial estrutural dialógico.
Com efeito, o Juiz Constitucional, no exercício das atividades judicantes, ao reconhecer a existência, em análise empírica, do ECI, busca afastá-lo, exarando decisão que exorbita os sujeitos parciais do processo e alcança todos os Agentes Estatais, mesmo que pertencentes aos Poderes Executivo e Legislativo, dotados de atribuições institucionais suficientes para o cumprimento do
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desiderato perseguido. Este tipo de ato, por sua vez, exige um verdadeiro diálogo entre os Três Poderes, a fim de que a medida judicial seja cumprida.
1. ORIGEM DA DECLARAÇÃO DO ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL
A espécie em apreço foi declarada, pela primeira vez, em 1997 pela Corte Constitucional Colombiana (CCC)[1]. Segundo aquela Casa, para o reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional, mister se faz a presença dos seguintes elementos:
a. A vulneração massiva e generalizada de vários direitos constitucionais que afetam um número significativo de pessoas;
b. a prolongada omissão das autoridades no cumprimento de suas obrigações voltadas à concessão destes direitos;
c. a inexistência de medidas legislativas, administrativas ou orçamentária necessárias para evitar a violação destes direitos;
d. a existência de um problema social, cuja solução demanda um conjunto complexo e coordenado de ações e que exija destinação orçamentária elevada;
e. a verificação de congestionamento do Judiciário, casos os titulares dos direitos afetados demandassem individualmente.
2. O ECI NO BRASIL: RECONHECIMENTO E CONSEQUÊNCIA.
Recentemente, o Pleno da Suprema Corte do Brasil, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 347/DF[2], após reconhecer o Estado de Coisas Inconstitucional (ECI) no Sistema Prisional Brasileiro, deferiu, em parte, medida cautelar[3]:
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1. Para determinar aos juízes e tribunais que, observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, realizem, em até noventa dias, audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contados do momento da prisão;
2. para determinar que a União procedesse ao desbloqueio do saldo acumulado no Fundo Penitenciário Nacional.
3. para impedir novos contingenciamentos, pelo Executivo, do Fundo supracitado.
A decisão em comento, além de inovadora, ante o uso de instituto genuinamente colombiano, abre precedentes para novas correções, pelo Judiciário, de distorções causadas pela paralisia dos Poderes Executivo e Legislativo em vilipêndio aos Direitos Fundamentais.
3. DIVERGÊNCIA DOUTRINÁRIA
Muito embora a decisão destacada acima tenha caráter precário, não tardou para que se verificasse, no bojo do assunto, o surgimento de correntes doutrinárias antagônicas.
De um lado, para os defensores do Estado de Coisas Inconstitucional como legitimador do ativismo judicial estrutural dialógico, por todos o professor Dirley da Cunha Júnior[4], a espécie consubstancia-se em verdadeira arma de defesa dos Direitos Fundamentais.
De outro lado, encabeçada por Raffaele Giorgi e Celso Capilongo[5], tem-se a corrente formada por aqueles que sustentam, em apertada síntese, que o ativismo judicial na declaração de ECI leva o Judiciário a se intrometer na consecução
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das políticas públicas, ferindo o Princípio da Separação dos Poderes, consagrado no Artigo 2º da Constituição Federal de 1988.
Além do mais – alegam - que longe de ser uma solução, seria justamente o oposto, ao criar uma ilusão de que as decisões dos Tribunais estariam aptas a sanar problemas estruturais que acompanham o nosso País desde sua origem.
Sustentam, ainda, que a declaração de Estado de Coisas Inconstitucional não foi capaz de resolver os problemas do Sistema Prisional colombiano.
A celeuma ora apresentada erige na doutrina um “racha” como poucas vezes se viu, bem como uma discussão que se encontra longe de ser findada.
Em uma análise perfunctória pelos largos corredores da internet, por exemplo, logo se vê textos de diversos autores - alguns conhecidos; outros anônimos que muitas vezes sem embasamento técnico adequado - aderem a primeira ou a segunda corrente.
Pois bem.
4. DEFESA À LEGITIMAÇÃO DO ATIVISMO JUDICIAL ESTRUTURAL DIALÓGICO NOS CASOS DE DECLARAÇÃO DE ECI.
Entendemos que razão assiste a primeira corrente apresentada neste trabalho.
Primeiro porque o Princípio da Separação dos Poderes deve ser mitigado para permitir a preservação dos limites imanentes dos direitos fundamentais, da forma apregoada, com brilhantismo, por Robert Alexy[6].
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Além do mais, é importante notar que a própria Separação dos Poderes, na maneira como foi pensada por Montesquieu[7] tem sua ratio essendi calcada na limitação do arbítrio: o Poder foi tripartido, justamente, para que os seus detentores, dentro do Sistema de Freios e Contrapesos[8], pudessem criar mecanismo de se conterem.
Se é assim, legitimado encontra-se o Poder Judiciário para impedir a violação dos direitos fundamentais pelos demais Poderes.
Segundo porque os efeitos da declaração do ECI não importam uma usurpação, pelo Judiciário, das funções intrínsecas aos outros Poderes.
Com efeito, o próprio cumprimento das ordens emanadas em tais circunstâncias demanda uma ação estrutural e coordenada, o que exige o diálogo entre as autoridades de Todos os Poderes. Neste sentido, preleciona, com maestria, George Marmelstein Lima, verbis:
Esse processo de diálogo institucional é o que se pode extrair de mais valioso do modelo colombiano. A declaração do Estado de Coisas Inconstitucional é, antes de mais nada, uma forma de chamar atenção para o problema de fundo, de reforçar o papel de cada um dos poderes e de exigir a realização de ações concretas para a solução do problema. Entendida nestes termos, o ECI não implica, necessariamente, uma usurpação judicial dos poderes administrativos ou legislativos. Pelo contrário. A ideia é fazer com que os responsáveis assumam as rédeas de suas atribuições e adotem as medidas, dentro de sua esfera de competência, para solucionar o
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problema. Para isso, ao declarar o estado de coisas inconstitucional e identificar uma grave e sistemática violação de direitos provocada por falhas estruturais da atuação estatal, a primeira medida adotada pelo órgão judicial é comunicar as autoridades relevantes o quadro geral da situação. Depois, convoca-se os órgãos diretamente responsáveis para que elaborem um plano de solução, fixando-se um prazo para a apresentação e conclusão desse plano. Nesse processo, também são indicados órgãos de monitoramento e fiscalização que devem relatar ao Judiciário as medidas que estariam sendo adotadas[9]
Terceiro porque, ao contrário do que é sustentado por alguns defensores da corrente contrária, o ativismo judicial decorrente do reconhecimento do ECI não cria uma falsa ilusão de que todas as mazelas sociais serão resolvidas pelo Judiciário.
Ao contrário, não resta qualquer dúvida, de que a espécie deva recair sobre situações excepcionalíssimas. E a efetivação da ordem depende, conforme dito alhures, de ação coordenada e harmônica de todos os Poderes do Estado.
Quarto porque, de fato, em um primeiro momento, a o ativismo judicial estrutural na Colômbia, com a declaração do ECI, não resolveu as mazelas dos cárceres daquele Estado. Todavia, o argumento é inservível para desautorizar a declaração do ECI.
Isto porque não se pode condenar à morte um instituo tão complexo, por meio de um único resultado obtido.
Acrescente-se a isto que o próprio Judiciário da Colômbia reconheceu os erros da maneira como o ativismo foi praticado: de
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forma autoritária e sem a participação dos Poderes. Estão, por consequência, aplicando as correções devidas para o êxito de suas ações.
Não é por menos que neste estudo defende-se que, ao declarar o ECI, o Judiciário deverá dialogar (daí o uso da expressão dialógica) com os outros Poderes, de sorte que o cumprimento das ordens emanadas seja de forma harmônica. Neste ponto, o Juiz passa a ser um coordenador institucional[10]
Quinto porque, com a eclosão do modelo político do Estado Democrático de Direito, instituído no Brasil, a partir da Constituição Federal de 1988, a Função típica do Poder Judiciário incorporou um poder-dever além do que possuíra no modelo garantista do Estado Liberal ou do modelo provedor do Estado Social (welfare state).
CONCLUSÃO
De tal maneira, conclui-se que não deve o Poder Judiciário deixar de tutelar os Direitos Fundamentais, mormente aqueles ligados à Dignidade da Pessoa Humana, quando os detentores dos outros Poderes deixarem de adotar políticas públicas mínimas para resguardá-los.
Assim, o Estado de Coisas Inconstitucional legitima o ativismo judicial estrutural dialógico.
REFERÊNCIAS:
ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002
CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. JOTAMundo: Estado de Coisas Inconstitucional. Disponível em: <http://jota.info/jotamundo-estado-de-coisas-inconstitucional>
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CUNHA, Dirley da. Estado de Coisas Inconstitucional. Disponível em: <http://brasiljuridico.com.br/artigos/estado-de-coisas-inconstitucional>.
GIORGI, Raffaele De; FARIA, José Eduardo; CAPILONGO, Celso. Estado de Coisas Inconstitucional. Disponível em: <opiniao.estadao.com.br/noticias/geral%2cestado-de-coisas-inconstitucional%2c10000000043>
LIMA, George Marmelstein. O Estado de Coisas Inconstitucional – ECI: apenas uma nova onda do verão constitucional? Disponível em: < http://direitosfundamentais.net/2015/10/02/o-estado-de-coisas-inconstitucional-eci-apenas-uma-nova-onda-do-verao-constitucional/>
MONTESQUIEU, Charles Louis de. O Espírito das Leis. São Paulo: Martins Editora, 2005
NOTAS:
[1] LIMA, George Marmelstein. O Estado de Coisas Inconstitucional – ECI: apenas uma nova onda do verão constitucional? Disponível em: < http://direitosfundamentais.net/2015/10/02/o-estado-de-coisas-inconstitucional-eci-apenas-uma-nova-onda-do-verao-constitucional/>. Acessado em18 de dezembro de 2015.
[2] ADPF n. 347/DF. Relator. Ministro Marco Aurélio de Melo. Pode ser conferida em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4783560#>
[3] Decisão disponibilizada no DJe em 14.09.2015
[4] CUNHA, Dirley da. Estado de Coisas Inconstitucional. Disponível em: <http://brasiljuridico.com.br/artigos/estado-de-coisas-inconstitucional>. Acessado em 20 de dezembro de 2015.
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[5] GIORGI, Raffaele De; FARIA, José Eduardo; CAPILONGO, Celso. Estado de Coisas Inconstitucional. Disponível em: < opiniao.estadao.com.br/noticias/geral%2cestado-de-coisas-inconstitucional%2c10000000043>. Acessado em 20 de dezembro de 2015.
[6] ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002.
[7] MONTESQUEIU, Charles Louis de. O Espírito das Leis. São Paulo: Martins Editora, 2005.
[8] Ibid.
[9] LIMA, George Marmelstein. Opcit.
[10] CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. JOTAMundo: Estado de Coisas Inconstitucional. Disponível em: <http://jota.info/jotamundo-estado-de-coisas-inconstitucional>. Acessado em: 23 de dezembro de 2015.
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A USUCAPIÃO DE TERRENO EM TAMANHO INFERIOR AO LOTE MÍNIMO ESTABELECIDO PELO MUNICÍPIO
BRUNO MACHADO TAVARES: Pós-graduado em Direito Ambiental e Gestão Estratégica da Sustentabilidade pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP; Graduado em Direito pela Universidade Católica de Salvador (UCSal).
Resumo: Este trabalho visa a análise e o estudo de um importante tema no nosso ordenamento jurídico pátrio em vigor, qual seja, a discussão acerca da possibilidade de haver a usucapião especial de imóvel urbano com tamanho inferior ao lote mínimo legalmente estabelecido pelo ente Municipal. Portanto, serão observados a sua previsão constitucional e legal, os requisitos para a usucapião especial urbana e o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal brasileiro.
Palavras-chave: Usucapião – Lote Mínimo – Imóvel Urbano – Usucapião Especial – Entendimento Jurisprudencial do STF.
Abstract: This study concerns the analysis and the study of an important issue in our paternal law in force, namely, the discussion about the possibility of the adverse possession of urban real estate with size smaller than the minimum lot legally established by the municipal one. Therefore, will be observed its constitutional and legal provisions, the requirements for urban adverse possession and the current understanding of the Brazilian Supreme Court.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO 2. PREVISÃO CONSTITUCIONAL E LEGAL 3. REQUISITOS PARA A USUCAPIÃO ESECIAL URBANA 4. LOTE MÍNIMO ESTABELECIDO PELO MUNICÍPIO 5. ENTENDIMENTO DO STF 6. CONCLUSÃO 7. REFERÊNCIAS.
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1. INTRODUÇÃO
A usucapião é um tema de suma importância para o Direito Civilista, Urbanístico e Constitucional pátrio, visto que o instituto visa a aquisição da propriedade imobiliária urbana de forma originária. Já a usucapião especial urbana tem grande relevância urbanística e constitucional, visando o beneficiamento daquelas pessoas que infelizmente compõem uma significativa parcela da população brasileira, que são as pessoas de baixa renda.
Esses fatores, somados a uma falta de ordenação do solo de forma adequada em grande parte dos municípios brasileiros, acaba por influenciar que muitas pessoas, especialmente aquelas financeiramente desfavorecidas, ocupem imóveis urbanos, muitas vezes abandonados, com intuito de ali estabelecer moradia, como se dono fosse. Atento às necessidades de se estabelecer um adequado ordenamento e ocupação do solo urbano, de regularização e identificação dos proprietários das respectivas unidades imobiliárias, o próprio texto constitucional previu expressamente o instituto da usucapião especial urbana, estabelecendo expressamente os seus requisitos.
A Constituição Federal foi além e previu ainda a usucapião especial rural e a legislação civilista previu outras como a ordinária, a extraordinária e, recentemente, a usucapião familiar, que é estabelecida em razão de uma união estável. No entanto, trataremos no presente trabalho apenas e tão somente da usucapião especial urbana, prevista no Estatuto da Cidade e que tem um viés mais voltado para o Direito Urbanístico.
Além dos requisitos constitucionalmente expressos, veremos ainda uma controvérsia que surgiu acerca da possibilidade de haver reconhecida a usucapião de imóvel urbano, quando o tamanho e dimensões do terreno for inferior ao lote mínimo estabelecido legalmente pela Municipalidade competente. Como
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cediço, os Municípios têm competência para suplementar a legislação federal e estadual acerca do Direito Urbanístico, devendo editar leis que possam estabelecer limites ou regulamentar a matéria cujo interesse seja de âmbito local.
Assim, conforme expressa previsão em legislação federal, há o reconhecimento da competência Municipal para definir a metragem dos lotes urbanos, assim como o estabelecimento do que se considera como lote mínimo. Ou seja, reconhece-se que cada município brasileiro detém a competência de estabelecer legalmente o lote mínimo para atender às peculiaridades de cada cidade. Por fim, veremos se é possível haver a usucapião especial urbana de imóveis cujo terreno seja inferior ao mínimo estabelecido pelo Município competente, dando enfoque ao recente entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria.
2. PREVISÃO CONSTITUCIONAL E LEGAL
A usucapião especial urbana tem expressa previsão na nossa Constituição Federal de 1988 dentro do título que trata da ordem econômica e financeira e do capítulo que trata da ordem urbana. Portanto, vê-se que o instituto em estudo não tem cunho estritamente patrimonial, civilista, mas sim tem uma destinação mais ampla, ou seja, de ordenação urbana, estando vinculado mais ao Direito Urbanístico do que do Direito Civil propriamente dito.
Especificamente quanto ao tema, a usucapião especial urbana está expressamente prevista no artigo 183 da Constituição Federal, senão vejamos abaixo o dispositivo em sua literalidade:
“Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural”
Note-se que o próprio texto constitucional já estabelece os requisitos mínimos para que seja configurada e reconhecida a
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usucapião especial urbana, quais sejam: área de até 250 metros quadrados; pelo período de 05 anos, de forma ininterrupta e sem oposição; com utilização do imóvel para fins de moradia própria ou de sua família; e não ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
Regulamentando o texto constitucional, foi editada a lei 10.257/2001, dispondo sobre o conhecido Estatuto da Cidade, de modo a disciplinar o tema aqui tratado, além de outros de interesse das Municipalidades. Já na lei federal nº 6.766/1979, que disciplina o parcelamento do solo urbano, o parágrafo único do artigo 1º deixa clara a intenção do envolvimento das três esferas federativas em disciplinar acerca do ordenamento do solo urbano, dispondo o seguinte:
“Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão estabelecer normas complementares relativas ao parcelamento do solo municipal para adequar o previsto nesta Lei às peculiaridades regionais e locais”.
É neste contexto que o legislador constitucional impôs aos Municípios brasileiros o seu direto envolvimento no que diz respeito à adequação e ordenamento do solo e da urbanização da cidade. Imposição muito bem adequada, tendo em vista que os Municípios são os entes que mais se aproximam das peculiaridades locais de cada região do nosso grandioso país.
Já em seguida, no seu artigo 9º, a citada legislação federal disciplina acerca da usucapião especial de imóvel urbano, repetindo integralmente o texto constitucional do artigo 183.
Conforme já comentado anteriormente, esse tipo de usucapião previsto constitucionalmente tem uma certa destinação social, visando amparar pessoas de baixa renda, de modo a regularizar a situação de famílias que, em grande parte, habitam imóveis abandonados, o que demonstra elevado grau de ligação do presente instituto com o Direito Urbanístico e Constitucional, não
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tendo caráter essencialmente civilista e patrimonial. A doutrina de Fernanda Lousada Cardoso discorreu sobre o tema, conforme transcrito abaixo:
“Essa modalidade de usucapião, por visar a aquisição de moradias, não pode ser exercida por pessoas jurídicas, apenas por pessoas físicas. Também em razão do cunho social, cada pessoa só será beneficiada uma única vez, evitando assim a concentração de imóveis pelo mesmo proprietário por meio deste instrumento. Cabe ao autor da ação demonstrar em juízo não possuir outros imóveis durante o período de exercício da posse ad usucapionem”. (destacamos)
Assim, vê-se que o tanto a intenção do legislador constitucional, quanto à do legislador infraconstitucional, foi de estabelecer um instituto de organização do solo urbano e de regularização imobiliária, amparando aquele que cuida do imóvel como se dono fosse, com a única intenção de nele habitar e estabelecer moradia para si e para sua família. Tanto é que esse tipo de usucapião está previsto no texto constitucional no capítulo que trata da política urbana, repita-se, demonstrado que se trata, em verdade, de uma modalidade de aquisição da propriedade urbana que não é essencialmente patrimonialista.
3. REQUISITOS PARA A USUCAPIÃO ESECIAL URBANA
Assim como no texto constitucional, a previsão infralegal elenca expressamente os mesmos requisitos para a aquisição da propriedade urbana de forma originária através da usucapião especial de imóvel urbano. São eles: o interessado deve possuir (i) área ou edificação urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados; (ii) por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição; (iii) utilizando-se para sua moradia ou de sua família; (iv) e desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
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Neste tipo de usucapião há uma nítida limitação no tamanho do imóvel a ser usucapido, repetindo na legislação o comando constitucional que estabelece que o imóvel não poderá ser maior que duzentos e cinquenta metros quadrados, o que demonstra o viés de cunho social do instituto, evitando, assim, a concentração de renda e que terrenos maiores possam ficar nas mãos de poucas pessoas.
Frise-se, desde já, que o ordenamento jurídico citado apenas impõe limitação quanto à metragem máxima do lote.
O outro requisito tem ligação com a questão temporal, ou seja, trata-se da conhecida na doutrina como prescrição aquisitiva ou uma espécie de “prescrição às avessas”, em que o passar do tempo faz com que o interessado esteja adquirindo a cada dia a propriedade imobiliária. Após o passar dos cinco anos, haverá a aquisição da propriedade de forma originária, portanto, sem que esta aquisição tenha qualquer tipo de ligação jurídica com o proprietário anterior ou com as dívidas que este porventura possuía em relação ao imóvel. No entanto, a única ressalva que a lei exige é que a posse seja exercida pelo prazo citado de forma ininterrupta e sem que haja oposição de terceiros.
A seguir, a lei exige que o imóvel seja utilizado para sua moradia ou de sua família, portanto, a destinação não deve ser essencialmente comercial, pelo contrário, a intenção da Constituição Federal e da lei foram de realizar e organizar a ordem social, facilitando a aquisição da propriedade imobiliária para fins de moradia própria e de sua família, de modo a concretizar o importante princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
Entretanto, conforme lição de Fernanda Lousada Cardoso, “a lei exige a destinação do imóvel como moradia, mas não impõe o uso exclusivo. Assim, o fim comercial da parte do imóvel não descaracteriza a usucapião, desde que preponderantemente o bem seja usado como residência”.
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Por fim, exige-se que o interessado não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. Este é outro requisito que demonstra o relevante cunho social deste tipo de usucapião, em que o único imóvel usucapiendo será suficiente para a moradia do interessado e de sua família, suficiente para o cumprimento do princípio da dignidade da pessoa humana, repise-se.
4. LOTE MÍNIMO ESTABELECIDO PELO MUNICÍPIO
Conforme previsto no texto constitucional, todos os entes federados têm competência para legislar sobre o Direito Urbanístico, porém, desde que cada ente respeite o seu âmbito de interesse, como é o caso da União que tem competência para editar normas gerais, dos Estados para editar normas regionais e dos Municípios para editarem normas de interesse local. Neste contexto, a lei geral editada pela União, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano, previu expressamente que o Município poderá estabelecer normas complementares para adequar a previsão de normas gerais às peculiaridades locais.
Assim, de acordo com as peculiaridades dos mais de cinco mil Municípios que existem no Brasil, cada ente municipal terá competência para estabelecer a sua legislação urbanística, desde que atendam as disposições federais e estaduais a respeito do tema, já que se trata de uma competência suplementar.
Entre elas está a competência do Município em estabelecer o tamanho do lote mínimo. A lei do parcelamento do solo urbano é claro em dispor que a legislação local poderá tecer, com maior detalhamento, as peculiaridades de cada local, vejamos abaixo:
“Art. 4º, II: os lotes terão área mínima de 125m2 (cento e vinte e cinco metros quadrados) e frente mínima de 5 (cinco) metros, salvo quando a legislação estadual ou municipal determinar maiores exigências, ou quando o loteamento se destinar a urbanização específica ou
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edificação de conjuntos habitacionais de interesse social, previamente aprovados pelos órgãos públicos competentes”. (destaques não constam do original)
O Município, portanto, pode estabelecer a definição de lotes com tamanhos menores ou diferentes daqueles previstos em legislação federal ou estadual, de modo a atender às suas peculiaridades locais. Válido transcrever a doutrina de Fernanda Cardoso a respeito do tema: “a lei 6.766/1979 é expressa ao reconhecer a competência municipal para definir a metragem dos lotes urbanos. Em uma mesma cidade é possível estabelecer mais de um tamanho de lote (...)”
E como restou estabelecido constitucional e legalmente um limite máximo de 250m2 para que se reconheça a usucapião especial de imóvel urbano, a dúvida que imperava no âmbito doutrinário e jurisprudencial era no sentido de ser viável ou não a usucapião em imóveis menores que o limite mínimoestabelecido na legislação municipal. O tema divergiu bastante, sendo que a própria Fernanda Cardoso discorreu sobre o tema, conforme transcrição abaixo:
“Vem aumentando a demanda junto ao Judiciário do reconhecimento de aquisição da propriedade imobiliária por usucapião de área menor que o lote mínimo definido por lei para a região. São situações em que o ocupante tem a posse dos fundos de um terreno ou de apenas um corredor de um grande lote. Nesses casos, há o conflito entre o direito de propriedade e o dever do Ente Público em ordenar o espaço urbano. Há quem entenda pela impossibilidade jurídica do pedido no caso da área usucapienda ser menor que o lote mínimo. Neste caso, buscar-se-ia uma burla à legislação municipal de parcelamento do solo”. (destaques nossos)
Assim, vê-se que há direitos constitucionais em conflito e que a divergência doutrinária e jurisprudencial, de fato, existia. Com o passar do tempo, houve o reconhecimento da repercussão geral
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do tema no âmbito do Supremo Tribunal Federal, que se posicionou acerca da matéria controvertida.
5. ENTENDIMENTO DO STF
A celeuma, finalmente, chegou ao Supremo Tribunal Federal no ano de 2015 que decidiu da seguinte forma:
“RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI EMENTA: Recurso extraordinário.Repercussão geral. Usucapião especial urbana. Interessados que preenchem todos os requisitos exigidos pelo art. 183 da Constituição Federal. Pedido indeferido com fundamento em exigência supostamente imposta pelo plano diretor do município em que localizado o imóvel. Impossibilidade. A usucapião especial urbana tem raiz constitucional e seu implemento não pode ser obstado com fundamento em norma hierarquicamente inferior ou em interpretação que afaste a eficácia do direito constitucionalmente assegurado. Recurso provido. 1. Módulo mínimo do lote urbano municipal fixado como área de 360 m2. Pretensão da parte autora de usucapir porção de 225 m2, destacada de um todo maior, dividida em composse. 2. Não é o caso de declaração de inconstitucionalidade de norma municipal. 3. Tese aprovada: preenchidos os requisitos do art. 183 da Constituição Federal, o reconhecimento do direito à usucapião especial urbana não pode ser obstado por legislação infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na respectiva área em que situado o imóvel (dimensão do lote). 4. Recurso extraordinário provido.” (STF - RE N. 422.349-RS). (destacamos)
Assim, apesar do confronto entre direitos constitucionais – entre o direito de propriedade e o dever do ente público em ordenar o espaço urbano -, prevaleceu aquele que visa dar ao cidadão e à
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sua família a proteção de uma moradia, de modo a concretizar a dignidade da pessoa humana.
6. CONCLUSÃO
A usucapião especial urbana tem previsão expressa no texto constitucional, com grande relevância na prática da organização urbanística e de regularização imobiliária, sobretudo para aqueles que compõem uma grande fatia da população brasileira, que são aqueles menos favorecidos financeiramente.
Dando enfoque à moradia e com intuito habitacional, a usucapião especial urbana tem um prazo menor em relação às outras estabelecidas na legislação civilista, justamente para concretizar o princípio da dignidade da pessoa humana, facilitando para aqueles a aquisição da propriedade imobiliária, cujo principal intento é de moradia do próprio interessado e de sua família. Os requisitos estabelecidos constitucionalmente para o instituto são razoáveis e condizentes com a finalidade habitacional deste tipo de usucapião.
Viu-se também que os Municípios prestam relevante papel dentro da organização urbanística, cujas competências outorgadas constitucionalmente a estes servem para especificar e detalhar as particularidades de cada municipalidade, adequando a legislação às suas peculiaridades locais. Dentre estas competências está o estabelecimento do lote mínimo em cada Município brasileiro.
Contudo, o que era empecilho para grande parte dos interessados em usucapir imóveis com metragem inferior ao lote mínimo estabelecido na legislação municipal, a recente decisão do STF resolveu por solucionar o impasse.
Assim, em acertada decisão, a nossa Suprema Corte resolveu por priorizar aquele direito que visa dar ao cidadão e à sua
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família a proteção de uma moradia, para viverem dignamente, debaixo de um teto, local em que todas as famílias brasileiras merecem estar, permitindo que a usucapião especial urbana possa incidir em lotes com dimensões menores àqueles estabelecidos como lote mínimo pela legislação municipal.
7. REFERÊNCIAS
CARDOSO, Fernanda Lousada. Direito Urbanístico. 3ª Ed. JusPodivm. Salvador 2012.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, 14ª Ed. Saraiva. São Paulo. 2010.
TARTUCE, Fláveio. Manual de Direito Civil. Vol. Único. São Paulo: Editora Método, 2011.
Supremo Tribunal Federal, Informativo nº 783, disponível em < http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo783.htm>, acesso em 04/01/2016.
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A PROBLEMÁTICA DA 'RESPOSTA ÚNICA' EM PROVAS DISSERTATIVAS DE CONCURSOS PÚBLICOS E A ILEGALIDADE DA SUA COBRANÇA FRENTE À ABORDAGEM DE TEMAS NÃO PACÍFICOS, SEM PRÉVIA INDICAÇÃO NO EDITAL QUANTO ÀS LINHAS BIBLIOGRÁFICAS A SEREM ADOTADAS
MAYKELL FELIPE MOREIRA: Servidor Público Federal, escritor de artigos jurídicos e candidato ao cargo de membro do Ministério Público Federal - MPF. Possui Licenciatura em Direito pela Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce - FADIVALE. Já exerceu a advocacia. Já ocupou as funções de Chefe de Seção Especializada de Benefícios e Sub-Gerente em Unidade da Previdência Social, tendo abdicado das referidas funções visando maior foco nos estudos e pesquisas jurídicas.
Resumo: Tese construída com base no decisório extraído dos autos da AC 0021786-79.2003.4.01.3800/MG. 5ª Turma, e-DJF1 p.1475 de 16/06/2015, que trata da correção, em concursos públicos, de questões dissertativas versando sobre temas não pacíficos, quando não houve previsão editalícia expressa indicando bibliografia a ser adotada. Tal artigo visa apontar as violações cometidas frente aos princípios da vinculação ao instrumento convocatório, da transparência, da boa fé, e lealdade, transformando os referidos procedimentos de admissão aos cargos públicos em verdadeiros jogos de adivinhação que ferem o direito dos candidatos em ter uma prova justa, clara, isonômica e segura aos seus ditames editalícios. Abstract: Thesis builds on the decision-making extracted from the records of the AC 0021786-79.2003.4.01.3800 / MG. 5th Panel, e-DJF1 p.1475 of 06.16.2015, which is a revision of divergent essay questions in admission procedures for public office, when there was no prior notice in the procedure of public notice. This article aims to point out the violations opposite to the principles of linking the bid announcement, transparency, good faith and loyalty, making those admission procedures to public office in real guessing games that hurt the right candidates to have a test fair, clear, and safe isonomic as the dictates of the law governing such procedures. Palavras–chave: Concurso. Arbitrariedade. Instituições. Constitucional. Controle. Keywords: Office. Arbitrariness. Institutions. Constitutional. Supervise.
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Sumário: Introdução. 1. Noções preliminares. 2. O Abuso da Cobrança de ‘Resposta única’, quando, versando a questão de prova sobre tema não pacífico na doutrina e jurisprudência, não houve prévia e expressa indicação editalícia, quanto às linhas bibliografias a serem adotadas pelos candidatos. Conclusão.
Introdução
Como já se sabe, após o STF ter firmado, em sede de repercussão geral, o entendimento de que não cabe ao Judiciário adentrar nas ‘correções ou revisões de provas de concursos' para discutir os critérios de correção adotados pelas Bancas, ficou extremamente difícil se discutir qualquer coisa que seja dentro de um concurso público. O judiciário, ao nosso ver, tem usado mal do 'princípio da soberania das bancas', tendo se utilizado desse 'salvo conduto' para se esquivar de suas responsabilidades judicantes, e se aproveitando disso para reduzir o problema do 'abarrotamento do judiciário' através dessas fugas processuais inapropriadas que, inquestionavelmente, demonstram descaso e abandono do exercício do seu múnus público e da sua tarefa pacificadora de conflitos, a qual deveria, antes de tudo, preocupar-se em corrigir as distorções abusivas cometidas por estas bancas examinadoras.
O presente artigo tem como objetivo central, adentrar na problemática da correção de exames para admissão de candidatos a cargos públicos, especificadamente no que concerne às questões dissertativas versando sobre temas não pacíficos, quando não houve previsão editalícia expressa indicando linhas bibliográficas a serem adotadas pelos candidatos. Face isto, demonstraremos como tais condutas viciam de nulidade os referidos certames, e o aspecto da transgressão de princípios basilares como da vinculação ao instrumento convocatório, razoabilidade, legalidade, transparência, boa fé, e a lealdade que deve nortear toda e qualquer relação jurídica.
1. Noções Preliminares
Refletindo juridicamente sobre o tema, e, com base em julgamento atualíssimo deste ano, cujo teor pode ser conferido nos autos da AC 0021786-79.2003.4.01.3800/MG, Rel. Desembargador Federal João Batista Moreira, Rel. Conv. Juiz Federal Evaldo de Oliveira Fernandes Filho (Conv.), 5ª Turma, e-DJF1 p.1475 de 16/06/2015, elaboramos o
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presente artigo, para trazer fundamentos à pretensão de milhares de candidatos, que se vendo diante de tais injustiças, muitas vezes não sabem como atacar esses atos pela via judicial. Este estudo, portanto, se funda especialmente no que se refere ao exame das provas dissertativas e à avaliação dos aspectos de legalidade destas, tendo o intuito de dar munição a esses candidatos, sem, contudo, esvaziar a matéria.
Seja pela via da Ação Ordinária ou seja pela via do Mandado de Segurança, uma coisa é pacífica hoje: o judiciário não tem admitido, em hipótese alguma, a chamada 'invasão da reserva do mérito administrativo' em provas de concursos públicos. Mas, de modo prático, do que exatamente se trata a chamada 'reserva administrativa'? Como é sabido, o 'mérito' é o espaço onde age a discricionariedade do administrador, é o conteúdo, e é onde este trabalha o modo como entende o conceito de 'melhor ou pior', ou mesmo 'mais ou menos adequado' no que concerne ao ato a ser praticado. É o "espaço de decisão" onde atua o agente público. Portanto, em hipótese alguma, por mais revoltante que seja, deve o candidato ao deduzir sua pretensão em juízo, recair em erros fatais como buscar convencer o julgador de que a resposta escolhida pela banca é equivocada, ou mesmo de que a sua resposta é a mais aceitável na doutrina ou jurisprudência, pois, sendo o direito uma matéria complexa, onde existem muitas correntes de pensamentos jurídicos e filosóficos sendo debatidos e ventilados o tempo inteiro, escolher aquele que melhor se encaixa no 'conceito de ideal' ou mesmo 'aceitável' é uma questão de opção, de mérito, de conteúdo, e, portanto, estar-se-ia a adentrar no âmbito da discricionariedade do administrador.
Assim, numa eventual lide sobre a temática, não devemos, por exemplo, estar preocupados se o mais correto seria responder de acordo uma ou outra ideologia ou se seria responder de acordo uma corrente mais ou menos adotada, apesar de que fundar-se na jurisprudência e doutrina dominante, nos parece sempre o mais coerente a ser feito. Ademais, não devemos objetivar que o judiciário adentre na estrutura da questão refazendo correções ou revisões, pois, como já dito, não é este o seu papel, e caso o fizesse estaria invadindo a chamada “reserva de administração”, de modo que, passemos a focar apenas nos aspectos de legalidade.
2. O Abuso da Cobrança de ‘Resposta única’, quando, versando a questão de prova sobre tema não pacífico na doutrina e jurisprudência,
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não houve prévia e expressa indicação editalícia, quanto às linhas bibliografias a serem adotadas pelos candidatos.
Para tornar a compreensão ainda mais clara, trataremos aqui de questões práticas e exemplificativas. Ocorre que, em um determinado certame público, o edital do concurso, qual seja a lei vinculatória do procedimento, em um dos seus títulos, dispunha que, em relação ao “conteúdo pretendido pela banca examinadora” na resolução dos estudos de caso, deveria o candidato se ater aos seguintes itens abaixo:
“A Prova de Estudo de Caso constará de 02 (duas) questões práticas, para as quais o candidato deverá apresentar, por escrito, as soluções. Na Prova Estudo de Caso (composta de 02 questões práticas), o candidato deverá desenvolver textos dissertativos. Essa prova pretende avaliar: o domínio de conteúdo dos temas abordados, a experiência prévia do candidato e a adequação às atribuições do Cargo/Área/Especialidade”.
O problema começa quando no momento de aplicação das referidas provas dissertativas, a banca cobrou um tema extremamente complexo e não pacífico na doutrina, onde seriam admitidos, pelo menos 02 (dois) posicionamentos doutrinários e bibliográficos com autores renomados de ambos os lados, mas principalmente do lado oposto ao adotado pela banca. Mas e agora, o que fazer, já que não se pode discutir qual a melhor resposta?
Bem, observe que o edital traz, de maneira clara, aquilo que o examinador pretendia em face do candidato, qual seja: que este demonstre, por meio de um 'texto dissertativo', 'domínio sobre os temas abordados', 'experiência sobre o assunto', e a 'adequação às atribuições do cargo”. Observem ainda que, em momento algum, faz referência a uma solução “objetivista, exata ou direcionada a uma ou outra vertente” - mesmo porque o texto é dissertativo e o tema era notoriamente controvertido e não pacífico, tanto na jurisprudência como na doutrina -, por conseguinte, também não faz menção que sejam observadas Bibliografias X ou Y no desenvolvimento da questão, deixando livre ao candidato desenvolver o texto, dissertando sobre a proposta, desde é claro que, “demonstrando domínio de conteúdo dos temas abordados, dentro de um texto dissertativo, não fugisse ao objetivo da questão”.
Reforçando o referido argumento, um dos itens do presente edital ainda dispunha que a prova constaria de duas questões práticas “para as
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quais o candidato deveria apresentar, por escrito, as soluções”, deixando claro mais uma vez, que o contexto construído pelo edital é um contexto genérico e não direcionado, nada dispondo em momento algum, quanto à observância obrigatória de um padrão bibliográfico “de direita ou esquerda”, restritivista ou expansionista, que fosse de sua predileção e escolha, e que permitisse aos candidatos, previamente conhecerem aquilo que ela, banca, de modo pré determinado esperava que os referidos se atesem em suas propostas de resoluções.
No Julgamento da AC 0021786-79.2003.4.01.3800/MG, Rel. Desembargador Federal João Batista Moreira, Rel. Conv. Juiz Federal Evaldo de Oliveira Fernandes Filho (Conv.), 5ª Turma, e-DJF1 p.1475 de 16/06/2015, o qual trata-se do carro chefe da construção do presente artigo, o referido relator defendera que “A divergência de opiniões sobre o tema avaliado impunha a divulgação da bibliografia a ser seguida pelos candidatos”. Vejamos a ementa da decisão:
“Concurso público. Procurador Federal de 2ª categoria. Edital n. 01/2002. Prova Discursiva. Língua Portuguesa (uso da vírgula no caso de "aposto de especificação"). Correntes de Opiniões Divergentes. Omissão do Edital e da Banca Avaliadora Quanto à Corrente a ser Observada pelo Candidato. Intervenção do Poder Judiciário. Possibilidade, no Caso Concreto.”
Ora, quando a contextualização editalícia exposta pela Banca só nos leva a um raciocínio lógico: que ante um tema notoriamente polêmico, controverso, não pacífico, o qual nem os grandes juristas se entendem ou dão as mãos a respeito, se o edital não pede, não exige uma predileção, não pode a Banca exigir logo no momento do julgamento das soluções dadas tal posição tão singular e que apenas reflete o seu posicionamento preferencial, o que configuraria indiscutível arbitrariedade (alteração das regras do jogo no meio do jogo), de modo que, tendo o candidato demonstrado “domínio do conteúdo abordado” (ainda que seja embasando em corrente oposta), a solução por ele abordada não pode ser totalmente descartada com a consequente atribuição de pontuação 'zerada'. Nesse caso, o que deve ser observado é se, realmente existe uma 'divergência bibliográfica sobre a temática envolvida', se a resposta for positiva, a segunda questão é: 'houve especificação no edital quanto a observância obrigatória de uma bibliografia x ou y? se não houve, como poderia a banca cobrar do candidato atos de adivinhação quanto à corrente de
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predileção da banca? De modo que, tendo o candidato elaborado uma construção dissertativa e juridicamente fundada em posicionamento também aceitável e aplicável 'na prática' forense e doutrinária, que não seja apenas fruto dos seus “devaneios jurídicos”, e, não fugindo à proposta da questão, a nota desse candidato deve ser avaliada e pontuada normalmente, de acordo o seu desempenho na 'exposição do seu conhecimento', e jamais “zerada”.
Outro fato que endossa a arbitrariedade é que, nesse mesmo exemplo, em um dos demais itens o edital previa um tópico intitulado de “critérios para atribuição de nota zero”, dentre os quais responder de acordo corrente diversa à adotada pela banca não constava dentre esses itens. Mas porque não constava? Simples, porque o edital não exigiu, em momento algum, que os candidatos se vinculassem a uma corrente 'a' ou 'b' na resolução do caso, e prova disso é que não deixou expresso em nenhum ponto da referida lei editalícia qualquer observância quanto a referências bibliográficas a serem seguidas pelos mesmos. Ora, nos parece muito óbvio que, sendo o tema divergente, com correntes admitidas de ambos os lados, não havendo especificação da banca quanto a corrente bibliográfica a ser adotada como critério avaliativo, nem constando dentre os critérios de atribuição de nota zero a fuga a essa observância, não pode a banca exigir tal postura do candidato. Voltamos a repetir, seria cobrar do candidato 'atos de adivinhação'.
Deve ser dito ainda que, quando é posto no edital um “rol” que estabelece critérios para atribuição de “nota zero”, por possuir 'natureza de punibilidade', tal rol não pode ser tratado ou entendido como um rol exemplificativo, mas sempre de forma ‘taxativa e restritiva’, jamais se podendo interpretá-lo de maneira extensiva, isto porque, na ciência do direito, é notório que só se interpreta ampliativamente rol que estabelece direitos, já aqueles que impõe sanções, são interpretados sempre de maneira “literal”, dado o princípio da tipicidade e da legalidade estrita.
Desta maneira, ao não especificar as referências bibliográficas pretendidas sobre um tema tão complexo e controvertido, a própria banca, ao nosso ver, em alto e bom som, já avisava que o que ela pretendia avaliar referia-se à “construção das soluções dadas aos casos, através de um texto na modalidade dissertativa, onde o candidato demonstrasse o “domínio de conteúdo dos temas abordados”, a experiência, dentre os demais critérios 'escritos' no edital.
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Inobstante o exposto, não temos uma postura dura e inarredável, longe disso, temos inclusive, um posicionamento bastante flexível quanto a essa temática, de modo que, entendemos ainda que, se previamente ao referido concurso, a banca já tivesse realizado, mesmo que através de concursos anteriores, a 'exposição de como ela enxerga a construção jurídica daquela temática” - deixando claro em outros certames, qual a sua adoção doutrinária e jurisprudencial sobre o assunto - seria até dispensável essa previsão expressa no edital, uma vez que, ocorrendo isso, já haveria um ‘acervo’ de entendimentos daquela organizadora que os candidatos teriam por obrigação conhecer e seguir na sua preparação, todavia, quando se trata da primeira vez que a Banca cobra determinado posicionamento ‘controverso’ e 'não pacífico' em um exame dissertativo seu, com defensores de ambos os lados e sem especificar a bibliografia a ser adotada, seria admitir-se a cobrança de verdadeiros 'atos espíritas' em face dos candidatos, violando a isonomia, a transparência e a boa fé, haja vista que o certame passaria a se caracterizar como uma "álea", uma típica loteria, onde alguns viriam a acertar, e outros não, mesmo dominando o tema, sob a adoção de outra perspectiva, ademais também aceitável.
Por outro lado, não se discute, como já dito no início, qual a melhor ou pior resposta, nem mesmo qual a mais ou menos adequada, entre as correntes possíveis, inclusive o próprio candidato deve admitir sim a possibilidade de a banca adotar uma 'linha doutrinária' menos aceita inclusive do que aquela por ele adotada na sua resolução, devendo por outro lado questionar a violação da Banca em face do seu próprio edital, que não trouxe essas especificações quanto a predileções num sentido ou noutro no que concerne a bibliografias obrigatórias. O próprio CNJ, visando afastar a insegurança jurídica causada por parte de algumas organizadoras mais polêmicas, editou a Resolução nº 75/2009, que visa nortear os exames da magistratura, onde era muito comum esse tipo de conduta arbitrária, especialmente quando em nosso país, não se tem uma legislação que regule os procedimentos dos concursos públicos. Na verdade, é uma das poucas temáticas onde se admite que o 'violador dos direitos' seja o mesmo que edita a lei que regulará o procedimento – no caso, o edital.
Conclusão
Por fim, defendemos que não se pode admitir que Bancas de Concursos, pautadas numa “soberania” intocável, pratiquem atos
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arbitrários, sem a hombridade de reconhecerem seus tropeços organizativos, praticando claramente “abusos graves”, que a elas nada afetam, mas que tem a capacidade de levar a ruínas a preparação de anos e anos de muitos candidatos, de maneira lamentável. Sabemos que a chamada “reserva de administração”, termo invocado no RE 632.853/CE – Informativo 782/STF –, traz um núcleo reservado à atuação do administrador contra a invasão dos outros Poderes, especificamente no que tange ao mérito, todavia, este núcleo não é absoluto, nem mesmo os direitos fundamentais são absolutos, registre-se, pois, apesar de não competir ao Judiciário substituir a Banca Examinadora para reexaminar o conteúdo de questões nem se os critérios de correção são os mais indicados ou não, por outro lado, se houver ilegalidade, arbitrariedade, omissão editalícia (tipo de arbitrariedade), abusividade ou erro grosseiro, este poder fiscalizatório e de controle da legalidade do ato, deixa de ser um mero poder, e passa a ser um “Poder-Dever”, e, portanto, deve agir o judiciário fiscalizando esses atos, e declarando-os nulo na ocorrência desses abusos.
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LEI DO INQUILINATO E O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: BREVES E INICIAIS CONSIDERAÇÕES (*)
JAQUES BUSHATSKY: Advogado, diretor da Mesa de Debates de Direito Imobiliário (MDDI), sócio correspondente para São Paulo da Associação Brasileira dos Advogados do Mercado Imobiliário (ABAMI) Coautor: JOSÉ HORÁCIO CINTRA GONÇALVES PEREIRA
O novo Código de Processo Civil (Lei nº. 13.105, de 16.3.2015, com entrada em vigor após um ano de sua publicação) acarretará, sem dúvida, alterações nas ações previstas na Lei do Inquilinato (Lei nº. 8.245/91, com as modificações introduzidas pelas Leis nos. 12.112/09 e 12.744/12), em face da aplicação subsidiária do estatuto processual (art. 79, Lei nº. 8.245/91), mesmo tendo em vista a ressalva do parágrafo 2º, do art. 1046 do novo diploma: “Permanecem em vigor as disposições especiais dos procedimentos regulados em outras leis, aos quais se aplicará supletivamente este Código”.
Neste artigo pensamos em destacar algumas das mais relevantes novas regras procedimentais que deverão ser aplicadas nas ações de despejo e de consignação em pagamento de aluguel e acessórios da locação previstas nos artigos 58 e 67, da Lei do Inquilinato, além, por evidente, daqueles procedimentos já previstos na própria Lei nº. 8.245/91.
No fundo, adiante-se, a pretensão do novo Código é emprestar a tão sonhada celeridade à solução dos conflitos, vindo a propósito: “pretende-se que em torno do princípio da instrumentalidade do processo se estabeleça um novo método do pensamento do
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processualista e do profissional do foro. O que importa acima de tudo é colocar o processo no seu devido lugar, evitando os males do exagerado processualismo e ao mesmo tempo cuidar de predispor o processo e o seu uso de modo tal que os objetivos sejam convenientemente conciliados e realizados tanto quanto possível. O processo há de ser, nesse contexto, instrumento eficaz para o acesso à ordem jurídica justa.”, no dizer de Cândido Rangel Dinamarco[1].
Almeja-se (e o futuro dirá se tal se faz adequadamente) a eficácia veloz[2], tão necessária aos que tiveram direitos violados. Celeridade que, diga-se, poderá ser alcançada até mesmo por formas que não sejam, exatamente, aquelas prescritas na lei, como se extrai, por exemplo, do texto do novo art. 277: “Quando a lei prescrever determinada forma, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade”.
Em primeiro lugar observa-se que os procedimentos “ordinário” e “sumário” que foram referidos respectivamente nos artigos 59 e 68 da Lei do Inquilinato passam a ter a denominação única de “procedimento comum”, conforme art. 318 e parágrafo único do art. 1.049, ambos do novo Código de Processo Civil. Portanto, a partir da vigência da nova lei adjetiva, as ações previstas nesses dispositivos da Lei do Inquilinato seguirão o “procedimento comum” previsto no Livro I, Título I, do novo estatuto processual.
Veio em boa hora essa reunião: o “procedimento sumário” já foi denominado “procedimento sumaríssimo”; a Constituição Federal o chamou, cogitando das “causas cíveis de menor complexidade”, de “procedimento sumariíssimo” e somente recebeu a atual designação em 1.995, talvez numa busca, pelo legislador, de razoável precisão terminológica através da supressão do sufixo que traduzia evidente incompatibilidade entre o significado e o significante, pois as extremadas síntese, concisão e velocidade não existiam. E, a realidade forense era conhecida: há anos entenderam
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os magistrados que o procedimento ordinário tramitava melhor que o sumário e, via de regra, passaram a decretar que processos ajuizados como sumários, seguissem como ordinários.
Por sua vez, o art. 59 da Lei do Inquilinato estabelece, de forma taxativa, as hipóteses de ações de despejo que autorizam a concessão de liminar para desocupação em quinze dias.
Pois bem, diante desse quadro comporta indagar se as ações de despejo, com fundamento diverso dos previstos nos incisos I a IX do art. 59, poderiam autorizar também a antecipação de tutela provisória. A resposta nem sempre foi pacífica, sendo suficiente atentar para as considerações expostas pelo ilustre Gildo dos Santos, em seu livro “Locação e Despejo” [3].
Todavia, agora diante do novo Código de Processo Civil que preconiza “um processo mais célere e mais justo” e, para tanto, deixa claro “que a resposta do Poder Judiciário deve ser rápida não só em situações em que a urgência decorre do risco de eficácia do processo e do eventual perecimento do próprio direito, mas, também em hipóteses em que as alegações da parte se revelam de juridicidade ostensiva deve a tutela ser antecipadamente (total ou parcialmente) concedida, independentemente depericulum in mora, por não haver razão relevante para a espera, até porque, via de regra, a demora do processo gera agravamento do dano” [4], tudo para possibilitar que todos os cidadãos tenham acesso à efetiva justiça[5].
A resposta para a eventual concessão de tutela provisória – de urgência ou de evidência – para todas as demais hipóteses de ação de despejo, ao menos em princípio, será, sem dúvida, afirmativa quando da vigência do novo estatuto processual.
Com efeito, e apenas para ilustrar esse nosso entendimento, isto é, a possibilidade de concessão de tutela provisória para as
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ações de despejo, independentemente das hipóteses do art.59, inciso I a IX, bem como da verificação de periculum in mora, podemos citar, como exemplo, ação de despejo por falta de pagamento em que, embora tenha ampla garantia, é vedada ao réu a emenda da mora, conforme a restrição imposta no parágrafo único do art. 62.
Assevere-se que não é nova a certeza de que a antecipação de tutela caiba nas questões locatícias[6], podendo ser buscado entendimento do Superior Tribunal de Justiça relatado pelo emérito Ministro Paulo Galloti[7] ou a conclusão do então Desembargador, hoje Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, em sua obra "Tutela Antecipada e Locações"[8]: “A antecipação de tutela encontra campo fértil no terreno das locações. A urgência tão característica nessa forma de tutela jurisdicional afina-se com a densidade social do tema locatício, sempre desafiador não só de sensibilidade do juiz, mas também de sua prontidão no atuar a lei”
Em conclusão, pensamos ser perfeitamente atual a aplicação de tais antecipações nas locações. Por uma, não se vislumbra qualquer incompatibilidade entre a antecipação de tutela e a matéria locatícia, sob o prisma processual; por duas, as tutelas de urgência e de evidência[9] parecem desenhadas para as mais corriqueiras patologias das locações: desrespeito ao contrato, presença de risco de dano de difícil ou impossível reparação, clara conjugação dos requisitos de despejo (sendo a falta de pagamento a situação mais presente); por três, se aceita como correta a assertiva de que a velocidade processual auxilia enormemente o mercado, incentiva as locações em geral, atende as necessidades sociais. Enfim, a concessão de tutela ante a demonstração de risco do dano irreparável ou da evidência acelera o processo, resgata a confiança da sociedade, outorga segurança jurídica e torna a retomada do imóvel equilibrada.
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A Exposição de Motivos destaca ainda, um ponto no que nos interessa: “pretendeu-se converter o processo em instrumento incluído no contexto socialem que produzirá efeito o seu resultado. Deu-se ênfase à possibilidade de as partes porem fim ao conflito pela via da mediação ou da conciliação. Entendeu-se que a satisfação efetiva das partes pode dar-se de modo mais intenso se a solução é por elas criada e não imposta pelo juiz”.
Assim sendo, como regra, o juiz deverá designar audiência de conciliação ou de mediação (por se tratar de medida impositiva, cogente) mesmo que o autor manifeste, na petição inicial, seu desinteresse na autocomposição, porque nessa hipótese, necessária, ainda, idêntica manifestação do réu (ambas a partes devem manifestar, expressamente, desinteresse na composição consensual). Portanto, mesmo o autor não pretendendo conciliar, o juiz deverá designar a aludida audiência de conciliação e determinar a citação do réu para que, querendo, manifeste também o seu desinteresse, por petição, com 10 (dez) dias de antecedência, contados da data da audiência (art. 334, §§ 4º e 5º, novo CPC).
Vejamos para melhor elucidar o seguinte exemplo: ação de despejo por falta de pagamento, embora o autor tenha manifestado, de forma expressa, o seu desinteresse para conciliar, o magistrado, por imposição legal, deverá designar audiência de conciliação e mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência (art. 334, caput, novo CPC). Com 10 (dez) dias de antecedência o réu manifesta, por petição, o seu desinteresse.
Presumindo que tudo ocorra dentro dos prazos estabelecidos, o réu terá, como seu aliado, um tempo maior para contestar ou para emenda da mora, com evidente prejuízo para o autor, cumprindo ressaltar, ainda, que “o não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionada com multa de até dois por
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cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado” (art. 334, § 8º, do novo Código de Processo Civil). Por conseguinte, deverá merecer avaliação séria a aplicabilidade e a efetividade desses métodos de solução, em contraponto à necessidade da agilidade (motivadora do novo código, não esqueçamos) retratada pelas liminares e antecipações: esses longos períodos dedicados à solução consensual serão convenientes? A prática responderá.
Ainda quanto às saudáveis tentativas de conciliação e mediação, é certo que dentre os métodos adequados de solução de conflitos, por vezes possa outro, que não a mediação ou a conciliação, se mostrar apropriado, como é o caso da “consulta a especialista” quando a matéria puder ser assim solvida[10]. Nessas hipóteses os envolvidos no processo poderão se valer da possibilidade de ajuste no procedimento, como prevê o novo artigo 190.
Tratando especificamente das conciliações, olhamos para o esplêndido Setor de Conciliações do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, dando destaque para as soluções alcançadas antes de qualquer instauração de processo, exatamente os acordos “pré-processuais”, arriscando enxergar aí, num trabalho feito com muito empenho e voluntariado, um caminho que poderá ser seguido.
Realmente: durante a semana nacional da conciliação de 2014, entre os dias 24 e 28 de novembro, foram designadas na Capital, 6.829 audiências pré-processuais; destas, foram realizadas 3.327; e nestas, foram alcançados 2.197 acordos. Ou seja, 32% dos que concordaram ir ou 66% dos que foram à audiência, viram o problema resolvido. Tudo indica que o caminho apontado pelo novo Código poderá ser frutuoso, desde que bem aplicado, quando for possível fazê-lo.
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Quanto às ações de consignação em pagamento, reguladas pelo art. 67, da Lei n. 8.245/91, merecem diante na nova legislação somente dois apontamentos: por primeiro, a recordação de que a inicial atenderá ao disposto no novo art. 319, por força da atualização comandada pelo parágrafo 4º[11] do art. 1046; e por segundo, o destaque de que a Lei das Locações não contemplou, em momento algum, a consignação extrajudicial que vinha regrada no art. 890 parágrafo 1º, do atual Código.
Exatamente porque omissa a respeito, a Lei das Locações não contem qualquer incompatibilidade com essa modalidade introduzida na legislação processual em 1.994, que obteve sucesso imediato, a ponto de terem sido ajuizadas somente 137 ações judiciais de consignação de aluguel na Capital de São Paulo, durante o ano de 2014 (algo como 11 ações por mês, quantidade irrisória): no mais, as situações não solucionadas através de outros métodos, renderam consignações extrajudiciais.
Pois bem. O novo código de processo manteve a fórmula do depósito extrajudicial no parágrafo 1º do artigo 539, nada havendo a contrapor à franca utilização em sede das locações.
Por derradeiro, a contagem dos prazos processuais: o novo Código de Processo Civil estabelece, em seu art. 219, que na contagem dos prazos em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis, o que se aplica somente aos prazos processuais (art. 219 e seu parágrafo único), portanto, os prazos fixados na Lei do Inquilinato se submetem, sem dúvida, a essa forma de contagem seja para emenda da mora, seja para contestação e também para os prazos de desocupação porque, inegavelmente, o caráter processual dos prazos previstos pela aludida Lei do Inquilinato.
A nova lei foi amplamente debatida, estudada, é resultado de elaboração tenaz e profícua. Sabemos todos que este é somente o
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início, não sendo exagerado recordar o Sermão da Sexagésima, do Padre Antonio Vieira: "Palavras sem obras são tiros sem balas: atroam, mas não ferem".
Por isso, certamente a prática forense, a concretização da obra, consistirá fonte necessária para o aprimoramento da nova legislação, que trouxe algumas inovações corajosas, interessantes, as quais somente nós, advogados, juízes, promotores, a Sociedade enfim, poderemos concretiza-las, transformar os textos em Justiça, benéfica a todos.
(*) Artigo selecionado e originalmente publicado em “Opinião Jurídica - Direito Imobiliário”, volume III. São Paulo. ed. Universidade Secovi.2015.
Notas:
[1] Dinamarco, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. São Paulo: Malheiros. 2001, p. 309-310.
[2] O artigo 4º do novo Código é incisivo: “As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”.
[3]Santos, Gildo dos. Locação e Despejo – Comentários à Lei 8.245/91. 6ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010,. n. 194, p. 413/415.
[4]Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil ‐ Exposição de
motivos. Sítio
em:http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf.
Acessado em: 11.05.2015.
[5] Vale recordar as palavras do Professor Kazuo Watanabe, desembargador aposentado do TJSP: “o princípio de acesso à justiça, inscrito na Constituição Federal, não assegura apenas acesso formal aos órgãos judiciários, e sim um acesso qualificado que propicie aos indivíduos o acesso à ordem jurídica justa, no
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sentido de que cabe a todos que tenham qualquer problema jurídico, não necessariamente um conflito de interesses, uma atenção por parte do Poder Público, em especial do Poder Judiciário. Assim, cabe ao Judiciário não somente organizar os serviços que são prestados por meio de processos judiciais como também aqueles que socorram os cidadãos de modo mais abrangente, de solução por vezes de simples problemas jurídicos, como a obtenção de documentos essenciais para o exercício da cidadania e até mesmo de simples palavras de orientação jurídica. Mas é, certamente, na solução dos conflitos de interesses que reside a sua função primordial, e para desempenhá-la cabe-lhe organizar não apenas os serviços processuais como também, e com grande ênfase, os serviços de solução dos conflitos pelos mecanismos alternativos à solução adjudicada por meio de sentença, em especial dos meios consensuais, isto é, da mediação e da conciliação”. Acesso aos 13.06.2012, emhttp://www.tjsp.jus.br/Egov/Conciliacao/Default.aspx?f=2.
[6] Na síntese sempre eficaz de Waldir Arruda Miranda Carneiro: “Aliás, anote-se, se a própria lei do inquilinato contempla casos de concessão de despejo liminarmente, é evidente que nem mesmo o legislador considerou empecilho a possibilidade de reforma ulterior da decisão” (Anotações à lei do inquilinato: lei nº. 8.245, de 18 de outubro de 1991- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p.476).
[7]“RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO. AÇÃO DE DESPEJO. ARTIGO 273 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. CABIMENTO. 1. A antecipação de tutela é cabível em todas as ações de conhecimento, inclusive nas ações de despejo.2. Recurso provido”. (REsp 595.172/SP, Rel. Ministro Paulo Gallotti, 6ª Turma, julgado em 21/10/2004, DJ 01/07/2005 p. 662).
[8] Fux, Luiz. Tutela Antecipada e Locações. 2ª. ed. Rio de .Janeiro: Destaque, p.120.
[9] Artigos 294, 300, 303 e demais úteis do novo Código de Processo Civil.
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[10] Nesse caminho, Fernanda Levy: “Como podemos perceber por essas breves pinceladas, há muitas opções em meios de gestão de conflitos para além do Poder Judiciário, ficando esse portfólio sempre em aberto, como um convite permanente para a imaginação e implementação da adequação do meio ao caso concreto, na eterna busca da harmonização das relações”. (Levy, Fernanda Rocha Lourenço. Cláusulas Escalonadas – A mediação comercial no contexto da arbitragem. São Paulo: Saraiva, 2013).
[11] “Parágrafo 4º: As remissões a disposições do Código de processo Civil revogado, existentes em outras leis, passam a referir-se às que lhes são correspondentes neste Código”.
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DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA: DA CONSTRUÇÃO JURISPRUDENCIAL AO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
JOÃO PAULO MONTEIRO DE LIMA: Especialista em direito processual civil pela Universidade Anhanguera-Uniderp e advogado.
RESUMO: O trabalho aborda as principais características da teoria da
desconsideração da personalidade jurídica, apontando aspectos desde
sua origem até o atual rito processual construído pela doutrina e
jurisprudência, diante da falta de prevista legal. Ao fim, destaca‐se como
ficará o instituto com a vigência do novo código de processo civil.
Palavras‐chave: Desconsideração – personalidade jurídica – novo código
de processo civil.
SUMÁRIO: . Introdução . Considerações gerais sobre a desconsideração
da personalidade jurídica: conceito, origem e requisitos . Teoria maior x
teoria menor . A forma inversa de desconsideração da personalidade
jurídica . Desconsideração da personalidade jurídica x despersonalização
da pessoa jurídica . Previsão legal . O rito processual da
desconsideração da personalidade jurídica: construção doutrinária e
jurisprudencial . A desconsideração da personalidade jurídica no código
de processo civil de 2015 – lei 13.105/15 . Conclusão.
INTRODUÇÃO
O presente estudo busca uma abordagem do instituto da
desconsideração da personalidade desde sua construção doutrinária e
jurisprudencial, até sua previsão específica no Novo código de processo
civil, que entrará em vigor no mês de março de 2016, salvo eventual
alteração no prazo da vacatio legis.
Para tanto, a pesquisa teve início destacando conceito, origem
e requisitos da desconsideração, apontando, também, as teorias maior e
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menor, bem como sua disciplina no Código de 1973 e na jurisprudência
atual. Ao fim, destacou‐se a desconsideração da personalidade jurídica à
luz do Novo CPC.
Com isso, espera‐se que o leitor reforce o debate atinente ao
tema, a fim de enriquecer ainda mais o conteúdo que deu ensejo a esta
leitura.
CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA: CONCEITO, ORIGEM E REQUISITOS
No direito brasileiro prevalece a separação patrimonial
existente entre o patrimônio de uma empresa e de seus sócios, de modo
que os bens daquela não se confundem com os destes. Assim, a pessoa
jurídica tem existência distinta da dos seus membros (texto previsto no
art. 20 do código civil de 1916), regra esta que, apesar de não contida
expressamente no código civil atual, é consequência lógica da identidade
da pessoa jurídica.
Mitigando a proteção normativa, contudo, surgiu a teoria da
desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine), também
chamada teoria da penetração na pessoa jurídica (disregard of the legal
entity), que autoriza, em casos excepcionais, que a personalidade jurídica
seja desconsiderada, a fim de que os bens dos sócios sejam alcançados
pelas dívidas da pessoa jurídica.
O Superior Tribunal de Justiça conceitua a desconsideração da
personalidade jurídica nos seguintes termos:
Desconsiderar a personalidade jurídica consiste
em ignorar a personalidade autônoma da entidade
moral, excepcionalmente, tornando‐a ineficaz para
determinados atos, sempre que utilizada para fins
fraudulentos ou diferentes daqueles para os quais
fora constituída, tendo em vista o caráter não
absoluto da personalidade jurídica, sujeita sempre à
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teoria da fraude contra credores e do abuso do
direito. (REsp 1208852, Rel. Min. Luis Felipe Salomão,
DJ 12/05/2015).
Impende destacar, ademais, que a responsabilização do sócio
ou administrador, uma vez desconsiderada a personalidade jurídica, é
integral, ou seja, além de suas quotas sociais, afastando a regra de que a
responsabilidade do sócio limita‐se ao seu capital social. Nesse sentido,
somente se pode falar em desconsideração quando existente uma
sociedade personificada, devidamente registrada (artigo 45 do código
civil).
Sua origem, para parte majoritária da doutrina, ocorreu nos
Estados Unidos, em 1809. Vejamos:
Muito se discute acerca da origem histórica do
Instituto da Desconsideração da Personalidade
Jurídica. Para a maioria da doutrina, apesar de existir
desde o Império Romano – onde, em razão da
evolução social, se chegou a conceber, embora
timidamente, a subjetividade patrimonial das
corporações – o Instituto teve sua origem nos
Estados Unidos, em 1809, quando do julgamento do
caso Bank of United States v. Deveaux, seguido pelo
julgamento do caso Salomon x Salomon Co, em 1897,
na Inglaterra[1].
No Brasil, Rubens Requião foi um dos primeiros doutrinadores
a defender a aplicação da teoria, na década de 60, ainda que sem previsão
legal. O código de defesa do consumidor, do ano de 1990, foi a primeira
lei a prever a teoria, que, posteriormente, foi positivada pela lei Antitruste,
do ano de 1994, pela lei de crimes ambientais, de 1998, pelo código civil
de 2002 e, por fim, pela lei do CADE, do ano de 2011.
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Em que pese aos requisitos para sua aplicação, o código civil, no
artigo 50, dispõe que, para que seja aplicada, deve‐se observar, no caso
concreto, o abuso da personalidade jurídica, que se caracteriza pelo
desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial entre sociedade e
sócios. Outrossim, o simples encerramento irregular das atividades não é
suficiente para autorizar a desconsideração e o redirecionamento da
execução contra o patrimônio pessoal dos sócios (STJ, EREsp 1.306.553 –
SC, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti).
O código de defesa do consumidor, lei 8.078/90, em seu artigo
28, caput, por sua vez, traz como requisitos: o abuso de direito, o excesso
de poder, a infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou
contrato social, falência, estado de insolvência, encerramento ou
inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. No §5º
do mesmo artigo, prevê, ainda, que poderá ser desconsiderada a
pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma,
obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.
Com efeito, é notório que o CDC expressa outras possibilidades
permissivas de desconsideração da personalidade jurídica, até mesmo em
razão de seu caráter protecionista, chamando atenção para o § 5º
supracitado, que permite a desconsideração diante do mero prejuízo ao
consumidor.
De igual modo, a lei de crimes ambientais, n. 9.605/98, prevê
de modo expresso a desconsideração da personalidade jurídica em seu
artigo 4º, sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento
de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente, sendo este o único
requisito legal.
Por fim, destaca‐se, em relação ao artigo 50 do código civil, que
só se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando houver a
prática de ato irregular e, limitadamente, aos administradores ou sócios
que nela hajam incorrido (Enunciado número 7 da I Jornada de direito civil
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– CJF/STJ), não se admitindo sua utilização ilimitada, a fim de satisfazer
tão‐somente os interesses do credor.
TEORIA MAIOR X TEORIA MENOR
Fabio Ulhoa Celho[2] aponta a existência de duas teorias: teoria
maior e teoria menor. De acordo com o autor, no que diz respeito à teoria
maior:
(...) a primeira é a teoria mais elaborada, de
maior consistência e abstração, que condiciona o
afastamento episódico da autonomia patrimonial das
pessoas jurídicas à caracterização da manipulação
fraudulenta ou abusiva do instituto”, distinguindo‐a
de institutos jurídicos distintos, que apesar de
também implicarem a afetação de patrimônio de
sócio por obrigação da sociedade, com ela não se
confundem. Exemplo destes institutos são a
responsabilização por ato de má gestão, a extensão
da responsabilidade tributária ao administrador, etc.
(...)
A teoria maior foi expressamente adotada pelo artigo 50 do
código civil, tratando de requisitos mais rigorosos para desconsideração
da personalidade da pessoa jurídica.
Para a aplicação da teoria menor, entretanto, exige‐se tão‐
somente o prejuízo ao credor, o que se observa na lei 9.605, em seu artigo
4º, e no artigo 28 do código de defesa do consumidor.
Nesse sentido vale registrar a conceituação adotada pelo
Superior Tribunal de Justiça nos autos do Recurso Especial n. 279273,
assim ementado:
RESPONSABILIDADE CIVIL E DIREITO DO
CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. SHOPPING
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CENTER DE OSASCO‐SP. EXPLOSÃO.
CONSUMIDORES. DANOS MATERIAIS E MORAIS.
MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE ATIVA. PESSOA
JURÍDICA. DESCONSIDERAÇÃO. TEORIA MAIOR E
TEORIA MENOR. LIMITE DE RESPONSABILIZAÇÃO
DOS SÓCIOS. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
REQUISITOS. OBSTÁCULO AO RESSARCIMENTO DE
PREJUÍZOS CAUSADOS AOS CONSUMIDORES. ART.
28, § 5º.
‐ Considerada a proteção do consumidor um dos
pilares da ordem econômica, e incumbindo ao
Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do
regime democrático e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis, possui o Órgão Ministerial
legitimidade para atuar em defesa de interesses
individuais homogêneos de consumidores,
decorrentes de origem comum.
‐ A teoria maior da desconsideração, regra geral
no sistema jurídico brasileiro, não pode ser aplicada
com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica
insolvente para o cumprimento de suas obrigações.
Exige‐se, aqui, para além da prova de insolvência, ou
a demonstração de desvio de finalidade (teoria
subjetiva da desconsideração), ou a demonstração
de confusão patrimonial (teoria objetiva da
desconsideração).
‐ A teoria menor da desconsideração, acolhida
em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente
no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental,
incide com a mera prova de insolvência da pessoa
jurídica para o pagamento de suas obrigações,
independentemente da existência de desvio de
finalidade ou de confusão patrimonial.
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‐ Para a teoria menor, o risco empresarial
normal às atividades econômicas não pode ser
suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa
jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores
desta, ainda que estes demonstrem conduta
administrativa proba, isto é, mesmo que não exista
qualquer prova capaz de identificar conduta culposa
ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores
da pessoa jurídica.
‐ A aplicação da teoria menor da
desconsideração às relações de consumo está
calcada na exegese autônoma do § 5º do art. 28, do
CDC, porquanto a incidência desse dispositivo não se
subordina à demonstração dos requisitos previstos
no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de
causar, a mera existência da pessoa jurídica,
obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados
aos consumidores. ‐ Recursos especiais não
conhecidos. (STJ, REsp: 279273‐SP, Relator: Ministro
ARI PARGENDLER, DJ 04/12/2003).
Em resumo, a teoria maior, mais rigorosa, terá aplicação
quando o caso concreto sujeitar‐se às normas de direito civil. Neste caso,
como já visto, o mero encerramento irregular das atividades não autoriza,
por si só, a desconsideração e o redirecionamento da execução contra o
patrimônio pessoal dos sócios.
A teoria menor, contudo, que incide com a mera prova de
insolvência da pessoa jurídica, é aplicável aos ramos do direito protetivo,
tais como o direito do consumidor, ambiental, trabalhista e tributário.
Nestes casos, inclusive, admite‐se a desconsideração em virtude do
simples encerramento irregular das atividades da empresa devedora.
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A FORMA INVERSA DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA
Pela forma típica de desconsideração da personalidade jurídica
os sócios ou administradores da pessoa jurídica devedora são atingidos
pelos efeitos da execução contra esta movida.
Admite‐se, todavia, com base em uma interpretação teleológica
do código civil, a desconsideração inversa ou invertida, que transfere a
responsabilidade pelas dívidas dos sócios à empresa, nos casos de
confusão patrimonial.
O Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Recurso Especial n.
948.117/MS, relatado pela Ministra Nancy Andrighi, julgado em
22/06/2010, referente à desconsideração invertida, destacou que:
(...) A desconsideração inversa da personalidade
jurídica caracteriza‐se pelo afastamento da
autonomia patrimonial da sociedade,
para, contrariamente do que ocorre na
desconsideração da personalidade propriamente
dita, atingir o ente coletivo e seu patrimônio social,
de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por
obrigações do sócio controlador. IV Considerando‐se
que a finalidade da disregard doctrine é combater
a utilização indevida do ente societário por seus
sócios, o que pode ocorrer também nos casos em que
o sócio controlador esvazia o seu patrimônio pessoal
e o integraliza na pessoa jurídica, conclui‐se, de uma
interpretação teleológica do art. 50 do CC/02, ser
possível a desconsideração inversa da personalidade
jurídica, de modo a atingir bens da sociedade em
razão de dívidas contraídas pelo sócio controlador,
conquanto preenchidos os requisitos previstos na
norma (...)
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Flávio Tartuce[3] traz como exemplo do instituto em estudo:
“(...) a situação em que o sócio, tendo
conhecimento do divórcio, compra bens com capital
próprio em nome da empresa (confusão
patrimonial). Pela desconsideração, tais bens
poderão ser alcançados pela ação de divórcio,
fazendo com que o instituto seja aplicado no Direito
de Família (...)”.
No âmbito das Cortes estaduais a aplicação da desconsideração
invertida também é incontroversa, valendo destacar:
PROCESSUAL CIVIL. DISREGARD DOCTRINE - DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DE FORMA INVERSA. DÍVIDA DO SÓCIO QUE AUTORIZA A PENHORA DE BENS DA PESSOA JURÍDICA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1.O FUNDAMENTO ÉTICO QUE INFORMA A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA EMPRESA DEVEDORA PARA ALCANÇAR OS BENS PARTICULARES DO SÓCIO TAMBÉM AUTORIZA A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DE FORMA INVERSA PARA ALCANÇAR OS BENS DA PESSOA JURÍDICA POR DÍVIDA NÃO PAGA DO SEU CONTROLADOR. 2. PRECEDENTE DO EGRÉGIO STJ - RESP 948.117/MS, DA RELATORIA DA MINISTRA NANCY ANDRIGHI. 3.CABE AO JUIZ DA EXECUÇÃO, DIANTE DA CIRCUNSTÂNCIA CONCRETA QUE SE LHE
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APRESENTAR, A VERIFICAÇÃO DA OCORRÊNCIA DAS HIPÓTESES AUTORIZADORAS DA DESPERSONALIZAÇÃO (ART. 50, DO CÓDIGO CIVIL). 4.RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 5.SEM CUSTAS E SEM HONORÁRIOS. (TJDF, DVJ: 314932720088070007, Relator: ASIEL HENRIQUE, DJ: 22/03/2011).
AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO DE SENTENÇA - PENHORA DE BEM PERTENCENTE À EMPRESA DA QUAL É SÓCIO O EXECUTADO - TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DE FORMA INVERSA - DISREGARD DOCTRINE - POSSIBILIDADE - MATÉRIAS NÃO SUBMETIDAS À ANÁLISE PELO JUIZ A QUO - OFENSA AO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO - CONHECIMENTO PARCIAL - RECURSO IMPROVIDO. I - É possível aplicar a regra da desconsideração da personalidade jurídica na forma inversa quando haja a evidência de que o devedor se vale da empresa ou sociedade à qual pertence, para ocultar bens que, se estivessem em nome da pessoa física, seriam passíveis de penhora. II - As matérias não submetidas ao crivo do Juiz de 1ª instância não podem ser objeto de análise em sede de agravo de instrumento, sob pena de ofensa ao princípio do duplo grau de jurisdição. (TJMS, AG: 15353, Relator: Des. Josué de Oliveira, DJ 21/02/2006).
LOCAÇÃO DE IMÓVEIS - DESPEJO C.C. COBRANÇA - EXECUÇÃO CONTRA
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FIADORES - PESSOA JURÍDICA EM QUE OS DEVEDORES SÃO OS ÚNICOS SÓCIOS - DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA- BLINDAGEM PATRIMONIAL - ARTIGO 50 DO CÓDIGO CIVIL - ADMISSIBILIDADE - DECISÃO MANTIDA -RECURSO IMPROVIDO. Admissível a desconsideração inversa da personalidade jurídica para que o patrimônio da empresa responda pela obrigação pessoal de seus sócios, quando o conjunto probatório colacionado aos autos evidencia a utilização da sociedade para o fim de ocultar os bens dos devedores. (TJSP, AI: 4903736620108260000, Relator: Clóvis Castelo, DJ 14/02/2011).
Por fim, na IV Jornada de Direito Civil foi aprovado o Enunciado
n. 283, que assim dispõe: “É cabível a desconsideração da personalidade
jurídica denominada “inversa” para alcançar bens de sócio que se valeu da
pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a
terceiros”.
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA X
DESPERSONALIZAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA
A melhor doutrina, no que tange aos conceitos ora estudados
(desconsideração e despersonalização), aponta tratar‐se de institutos
distintos.
Para o professor Pablo Stolze Gagliano[4]:
“Assim sendo, o rigor terminológico impõe
diferenciar as expressões: despersonalização, que
traduz a própria extinção da personalidade jurídica, e
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o termo desconsideração, que se refere apenas ao
seu superamento episódico, em função de fraude,
abuso ou desvio de finalidade”.
Na mesma obra o professor Pablo Stolze Gagliano[5] também
destaca:
“Entretanto, reconhecemos que, em situações
de excepcional gravidade, poderá justificar a
despersonalização, em caráter definitivo, da pessoa
jurídica, entendido tal fenômeno como a extinção
compulsória, pela via judicial, da personalidade
jurídica. Apontam‐se os casos de algumas torcidas
organizadas que, pela violência de seus integrantes,
justificariam o desaparecimento da própria entidade
de existência ideal ”.
Na despersonalização, que é definitiva, portanto, ocorre a
extinção da pessoa jurídica, ao passo que na desconsideração, além de
temporária, a pessoa jurídica é preservada, mas a regra de separação
entre o patrimônio da empresa e de seus sócios é afastada
momentaneamente.
PREVISÃO LEGAL
A desconsideração da personalidade jurídica pode ser
encontrada nos seguintes dispositivos legais:
Código civil (lei . / ):
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade
jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou
pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a
requerimento da parte, ou do Ministério Público
quando lhe couber intervir no processo, que os
efeitos de certas e determinadas relações de
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obrigações sejam estendidos aos bens particulares
dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
Código de defesa do consumidor (lei
. / ):
Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.
§ 1° (Vetado). § 2° As sociedades integrantes dos grupos
societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.
§ 3° As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.
§ 4° As sociedades coligadas só responderão por culpa.
§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.
Lei do CADE (lei 12.259/2011)
Art. 34. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da
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parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social.
Parágrafo único. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.
Lei de crimes ambientais (lei 9.605/98)
Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.
O RITO PROCESSUAL DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA: CONSTRUÇÃO DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL
Em razão da falta de previsão legal quanto ao rito processual da
desconsideração da personalidade jurídica, apesar de pacífica sua
aplicação no direito brasileiro, doutrina e jurisprudência buscaram suprir
a omissão legislativa, apontando os aspectos processuais da teoria.
Inicialmente, é pacífico o entendimento de ser desnecessário o
ajuizamento de ação autônoma, podendo o juiz, incidentalmente,
determinar a desconsideração. Nesse sentido:
FALÊNCIA. ARRECADAÇAO DE BENS
PARTICULARES DE SÓCIOS‐DIRETORES DE
EMPRESA CONTROLADA PELA FALIDA.
DESCONSIDERAÇAO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA (DISREGARD DOCTRINE). TEORIA
MAIOR. NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇAO
ANCORADA EM FRAUDE, ABUSO DEDIREITO OU
CONFUSAO PATRIMONIAL. RECURSO PROVIDO.
(...)
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2. A jurisprudência da Corte, em regra,
dispensa ação autônoma para se levantar o
véu da pessoa jurídica, mas somente em casos
de abuso de direito ‐ cujo delineamento
conceitual encontra‐se no art. 187 do CC/02 ‐,
desvio de finalidade ou confusão patrimonial, é
que se permite tal providência. Adota‐se, assim,
a" teoria maior "acerca da desconsideração da
personalidade jurídica, a qual exige a
configuração objetiva de tais requisitos para sua
configuração. (...) (STJ, Quarta Turma, REsp
693.235‐MT, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJ
30/11/2009)
Ainda, é desnecessária a citação dos sócios em prejuízo de
quem foi decretada a desconsideração, porquanto os direitos
constitucionais à ampla defesa e ao contraditório são garantidos com a
intimação da constrição, permitindo‐se a defesa posterior, mediante
embargos, impugnação ao cumprimento de sentença ou objeção de pré‐
executividade. Assim entende o STJ:
DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR.
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS E
MATERIAIS. OBSERVÂNCIA. CITAÇÃO DOS
SÓCIOS EM PREJUÍZO DE QUEM FOI
DECRETADA A DESCONSIDERAÇÃO.
DESNECESSIDADE. AMPLA DEFESA E
CONTRADITÓRIO GARANTIDOS COM A
INTIMAÇÃO DA CONSTRIÇÃO. IMPUGNAÇÃO
AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. VIA
ADEQUADA PARA A DISCUSSÃO ACERCA DO
CABIMENTO DA DISREGARD. RELAÇÃO DE
CONSUMO. ESPAÇO PRÓPRIO PARA A
INCIDÊNCIA DA TEORIA MENOR DA
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DESCONSIDERAÇÃO. ART. 28, § 5º, CDC.
PRECEDENTES.
(...)
2. A superação da pessoa jurídica afirma‐se
como um incidente processual e não como um
processo incidente, razão pela qual pode ser
deferida nos próprios autos, dispensando‐se
também a citação dos sócios, em desfavor de
quem foi superada a pessoa jurídica, bastando
a defesa apresentada a posteriori, mediante
embargos, impugnação ao cumprimento de
sentença ou exceção de pré‐executividade. (...)
(STJ, REsp 1096604‐DF, Rel. Min. Luis Felipe
Salomão, DJ 02/08/2012.)
A quarta turma do STJ, recentemente, alterando seu
entendimento, admitiu a legitimidade recursal da pessoa jurídica para
impugnar a desconsideração de sua personalidade jurídica, defendendo
que: quando o anúncio de medida excepcional e extrema que desconsidera
a personalidade jurídica tiver potencial bastante para atingir o patrimônio
moral da sociedade, à pessoa jurídica será conferida a legitimidade para
recorrer daquela decisão (REsp 1208852, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJ
12/05/2015).
Por fim, a desconsideração é autorizada por decisão
interlocutória.
A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO CÓDIGO
DE PROCESSO CIVIL DE – LEI . /
O novo código de processo civil ‐ lei 13.105/15, que entrará em
vigor em março de 2016, supera a falta de previsão legal em relação aos
aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica,
dispondo em seus artigos 133 a 137 o procedimento legal do incidente.
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O Novo código, a bem da verdade, positiva a construção
jurisprudencial de nossos tribunais, aqui já estudadas, pondo fim a
qualquer espécie de controvérsia sobre o tema, ditando, também, novas
regras.
No artigo 133, caput, o NCPC aponta como legitimados para o
pedido de instauração do incidente a parte ou o Ministério Público,
quando lhe couber intervir no processo. Afasta‐se, pois, a possibilidade
de desconsideração por iniciativa do juiz.
Ademais, o Novo Código traz previsão expressa da
desconsideração inversa da personalidade jurídica (artigo 133, §2º).
Além disso, o incidente de desconsideração é, de acordo com
novo código, cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no
cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo
extrajudicial (artigo 134, caput), dispensando‐se sua instauração quando
a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição
inicial, hipótese em que, de início, será citado o sócio ou a pessoa jurídica
(artigo 134, §2º).
Igualmente, com exceção do pedido requerido na petição
inicial, a instauração do incidente sempre suspenderá o processo, de
acordo com a regra disciplinada no §3º, do artigo 134.
Em continuidade, o NCPC, prestigiando os direitos
constitucionais do contraditório e da ampla defesa, determina que,
instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica deverá ser citado para
manifestar‐se e requerer as provas cabíveis, dando‐lhe prazo de 15
(quinze) dias (art. 135).
Por fim, destaca o Novo código que o incidente em estudo é
resolvido por decisão interlocutória (art. 136, caput), logo, recorrível por
agravo de instrumento (artigo 1.015, inciso IV), entretanto, se proferida
pelo relator, passível de agravo interno (artigo 136, parágrafo único).
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CONCLUSÃO
Diante do exposto, podemos concluir:
a) no direito brasileiro prevalece a separação patrimonial
existente entre o patrimônio de uma empresa e de seus sócios.
Entretanto, mitigando a determinação legal surgiu a teoria da
desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine), também
chamada teoria da penetração na pessoa jurídica (disregard of the legal
entity).
b) uma vez desconsiderada a personalidade jurídica
a responsabilização do sócio ou administrador é integral.
c) a origem da teoria da desconsideração da personalidade
jurídica deu‐se, para parte majoritária da doutrina, nos Estados Unidos,
em 1809. No Brasil, Rubens Requião foi um dos primeiros doutrinadores a
defender a aplicação da teoria, na década de 60, ainda que sem previsão
legal. O código de defesa do consumidor, do ano de 1990, foi a primeira
lei a prever a teoria, que, posteriormente, foi positivada em outras
legislações.
d) a doutrina aponta a existência de duas teorias: teoria maior
e teoria menor. A teoria maior, prevista no artigo 50 do código civil,
disciplina requisitos mais rigorosos para desconsideração da
personalidade jurídica. Para a aplicação da teoria menor, entretanto,
exige‐se tão‐somente o prejuízo ao credor
e) admite‐se, com base em uma interpretação teleológica do
código civil, a desconsideração inversa ou invertida, que transfere a
responsabilidade pelas dívidas dos sócios à empresa, nos casos de
confusão patrimonial.
f) existe uma evidente diferença entre desconsideração da
personalidade jurídica e despersonificação. Na despersonalização, que é
definitiva, ocorre a extinção da pessoa jurídica, ao passo que na
desconsideração, além de temporária, a pessoa jurídica é preservada, mas
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a regra de separação entre o patrimônio da empresa e de seus sócios é
afastada momentaneamente.
g) a teoria da desconsideração é expressamente prevista nos
seguintes dispositivos: art. 50 do código civil, artigo 28 do código de defesa
do consumidor, artigo 34 da lei 12.259/11 e artigo 4º da lei de crimes
ambientais.
h) em razão da falta de previsão legal quanto ao rito processual
da desconsideração da personalidade jurídica, doutrina e jurisprudência
buscaram suprir a omissão legislativa, apontando os aspectos processuais
da teoria.
i) O novo código de processo civil supera a falta de previsão
legal em relação aos aspectos processuais da desconsideração da
personalidade jurídica, dispondo em seus artigos 133 a 137 o
procedimento legal do incidente.
REFERÊNCIAS
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 8. ed. São Paulo:
Saraiva, 2005. V. 2.
BITTENCOURT, Hayna. A desconsideração da personalidade jurídica – modalidades e possibilidade. Disponível em: http://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/rcursodeespecializacao_latosensu/direito_processual_civil/edicoes/n1_2013/pdf/HaynaBittencourt.pdf. Acesso em 21 Dez. 2015.
TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. 3. ed. São Paulo: Método,
2013. V. único.
GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil ‐ parte geral. 13
ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
Notas:
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[1] BITTENCOURT, Hayna. A desconsideração da personalidade jurídica – modalidades e possibilidade. Disponível em: http://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/rcursodeespecializacao_latosensu/direito_processual_civil/edicoes/n1_2013/pdf/HaynaBittencourt.pdf. Acesso em 21 Dez. 2015.
[2] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. V. 2, p. 35.
[3] Manual de direito civil. 3. ed. São Paulo: Método, 2013. V. único, p. 153.
[4] Novo curso de direito civil - parte geral. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 270.
[5] Idem. p. 269.
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PAMILLA CORREIA DE ARAÚJO FELIX
INDIGNIDADE DE ÚNICO HERDEIRO DESCOBERTA APÓS A TRANSMISSÃO
DE TODO O PATRIMÔNIO
Recife 2014 (Atualizada em janeiro 2016)
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Resumo
Dentro de um esquema extremamente didático, que conta com regras bem definidas
que é o processo de sucessão pós-morte em que se tem como herdeiros
necessários os parentes arrolados na nossa legislação civilista, bem como até onde
poderá os herdeiros e seus descendentes poderá ir, há causas que não foram
abrangidas por nosso legislador.Já que em casos como a indignidade que antes
taxativamente fechados, atualmente se dá margem para mais possibilidades, ocorre
que ficou de fora da regulamentação causas de indignidade descobertas após o
prazo estabelecido para que a mesma seja suscitada, já que a causa de indignidade
só fora descoberto após a extinção do mesmo.Ademais nesse caso como se
processaria a indignidade de herdeiro único descoberta findo o prazo decadencial de
seu levantamento, bem como depois de já haver te sido transmitido todo o
patrimônio para esse único herdeiro.Nesse caso como deveria ser procedido o
processo civilista de sucessão, e quais as questões que estariam rodeando tal
situação, já que não se poderia apenas prever os aspectos meramente legalista,
mas se deveria considerar a realidade das situações, bem como aplicar a interação
de vários institutos legais para que se possam balancear quais direitos e obrigações
o herdeiro único que se tornou indigno teriam, e quais as possibilidades estaria
rodeando a herança do falecido, sejam os créditos ou os débitos.
PALAVRAS-CHAVE: Sucessão legítima. Herdeiro único. Prescrição.
Indignidade
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Abstract
Within an extremely didactic scheme, which has well defined rules which is the
process of succession in postmortem that has the necessary heirs relatives enrolled
in our tort law, and how far can the heirs and their descendants could go, there are
causes that were not covered by our legislador.Já that in cases such as unworthiness
before exhaustively closed, currently gives rise to more possibilities, which is left out
of the regulatory causes of indignity discovered after the deadline for it to be raised,
since the cause of unworthiness out only discovered after the termination of this case
mesmo.Ademais sue as heir only the indignity of ending the discovery deadline of
your survey, and after you have already been transmitted to all equity herdeiro.Nesse
case like this one should be proceeded civilista the succession process, and what
issues were surrounding this situation, since not only could predict the merely
legalistic aspects, but it should consider the reality of the situations as well as apply
the interaction of various legal institutions so that they can balance rights and
obligations which the sole heir who became unworthy would, and what would be the
possibilities surrounding the estate of the deceased, whether credits or debits.
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Key-words: Legitimate succession. Sole heir. Prescription. Unworthiness. Sumário
1 Introdução 7 2 Aspectos gerais do Direito Sucessório 8 2.1 Concepção 9 2.2 Saisine 10 2.3 Legitimação para suceder 13 2.3.1 Sucessão Legítima 14 2.3.2 Herdeiro Necesário 16 3 Do processo de Sucessão 18 3.1 Da vocação hereditária 19 3.2 Das impossibilidades para suceder 20 3.3 Excluídos da sucessão por ilegitimidade, indignidade e legitimados a suscitar a indignidade
21
3.4 Herança vacante e herança jacente 25 3.5 Prazo prescricional para a petição de herança
27
4 Transmissão patrimonial e a ilegitimidade por indignidade 29 4.1 Da transmissão patrimonial 29 4.2 Único herdeiro legítimo descoberto como homicida após a transmissão de todo o patrimônio
31
5 Conclusões 34 Referências 37
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11
1 Introdução
O presente trabalho visa explanar aspectos da sucessão
hereditária, no que tange a sucessão legítima com enfoque mais precisamente ao
caso da sucessão operada em favor do cônjuge, mais precisamente o que está
disposto no artigo 1838 CC/02.
Para a presente discussão irá se considerar que só haverá o
cônjuge como herdeiro legitimo, e que não haverá herdeiros testamentários, logo
nesse caso deverá ser considerado o regime de bens escolhido para reger o
patrimônio do casal, que entre as diversas possibilidade poderá ser o regime legal
da atualidade, mais comum, pois não requer quaisquer requisitos específicos, qual
seja o da comunhão parcial dos bens, onde teríamos que o cônjuge seria ao mesmo
tempo meeiro e herdeiro único do morto.
No presente, o cônjuge supertiste que teve sua indignidade
descoberta após o término do processo sucessório, bem como teve o patrimônio
adjudicado para si, incorporando o patrimônio hereditário ao seu patrimônio pessoal,
bem como houve o decurso do prazo prescricional da possibilidade de petição de
herança, passando pelos aspectos gerais da sucessão legítima e da vocação
hereditária, além dos aspectos sobre o impedimento de suceder operado pela
indignidade.
Porém, o que se busca aferir, não de maneira exaustiva, é como se
daria o procedimento da exclusão da herança por indignidade após a finalização do
processo sucessório, bem como quem seria o legitimado a suceder nesse caso.
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2 Aspectos Gerais da Sucessão legítima.
A sucessão como é cediço é o instituto legítimo para a transmissão
de direitos, bens e deveres seja em vida ou post mortem. Porém a sucessão legítima
que possui livro próprio em nosso ordenamento civilista é a sucessão legítima post
mortem, ou seja a sucessão operada após a morte, é aquela ocorrida por força da
lei, aplicada antes da sucessão testamentária, onde em geral os beneficiários são os
familiares, leia-se descendentes/cônjuge, ascendentes do de cujus.
Esse tipo de sucessão pós-morte é aberta no lugar do último
domicílio do falecido, bem como a lei que a regerá,para determinar a capacidade
legitima para suceder, será a lei vigente quando da abertura da mesma, outro
aspecto que se deve considerar é a possibilidade de se incluir no rol de herdeiros
necessários a companheira (o), oriunda da união estável, onde só haverá a
sucessão dos bens adquiridos onerosamente durante a vigência da dita união, com
regras próprias no que tange a concorrência entre os herdeiros, pois se concorrer
com filhos comuns terá direito a quota equivalente de cada filho, porém se com
descendentes somente do falecido só terá direito a metade do que couber a cada
filho, já se não houver qualquer herdeiro terá direito a totalidade da herança.
Dentro dessa discussão e seguindo o que rege o nosso Codex
civilista, ocorrerá a vocação hereditária primeiramente do cônjuge concorrendo com
os descendentes, ascendentes. Ressaltando que o parentesco mais próximo exclui
de plano o mais remoto, bem como cumpre observar o processo de inventário que
irá determinar a quota parte de cada herdeiro na herança do de cujus.
No processo de sucessão ter-se-á que observar tudo quanto disser
respeito ao patrimônio do falecido, pois tanto o ativo quanto o passivo deverá ser
exposto, para que com a transmissão definitiva dos bens patrimoniais seja feita sem
ônus ao sucessível.
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No que tange a capacidade para suceder o próprio Código Civil,
afastou o que poderia ser um empecilho a determinados entes familiares,
transformando-a em legitimidade para suceder, tudo adiante explanado.
2.1 Concepção
Como dito alhures a sucessão no direito brasileiro é a substituição
de uma pessoa por outra em tudo quanto diga respeito ao objeto a ser sucedido,
sendo as sucessões operadas dentro do que dispõe o ordenamento jurídico pátrio.
Contudo, a sucessão neste vergastada é a operada pós-morte, que tem regulação e
procedimento próprio.
Como ensina Washington de Barros Monteiro (2012, p. 11):
Num sentido amplo, a palavra sucessão significa o ato pelo qual uma pessoa toma
o lugar de outra, investindo-se, a qualquer título, no todo ou em parte, nos direitos
que lhe competiam. No direito das sucessões, entretanto, emprega-se o vocbulo
num sentido mais restrito, para designar tão somente a tarsnferencia da herança,
ou do legado, por morte de alguém, ao herdeiro ou legatário,s eja por força de lei,
ou em virtude de testamento (hereditas nihil aliud est quam successio in universum
jus, quod defunctus habuit).
A sucessão, no questionado ramo do direito civil, tem, pois, como pressuposto, do
ponto de vista subjetivo, a morte do autor da herança.
Aprioristicamente o conceito de sucessão pós-morteb só passará a
existir a partir do momento em que não viver mais o proprietário originário do
patrimônio, no caso em questão a sucessão tratada será a sucessão mortis causa,
logo os conceitos e definições comumente utilizados como o ato de continuidade
não se encaixarão, pois a sucessão operada no âmbito legal será aquela em que se
porá o papel transmissor como fundamento para seu reconhecimento.
Assim se tem que o direito sucessório é aquele que só aparecerá
quando houver a morte de uma pessoa física, frise-se que somente acobertará a
pessoa física, e quando a mesma possuir herdeiros, contudo tal direito apesar de
surgir apenas após a morte de alguém, é direito que assiste aqueles que
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sobrevierem ao falecido, como afirma Paulo Lôbo, “o direito das sucessões não é
dos mortos, mas sim dos vivos. São estes os reais titulares e destinatários dele” (
2013, p.15).
Sendo assim para que exista tal direito se faz necessário a
ocorrência não só de uma morte, bem como a coexistência de herdeiros
sobreviventes do mesmo, levando em consideração que sempre deverá existir o
direito patrimonial, seja ativamente ou passivamente, e desde que sejam integrantes
de relações privadas, tendo em vista que para relações não patrimoniais, bem como
para manifestações de última vontade poderá o de cujus se valer do testamento
para reger como se dará alguns fatos da sua vida que fogem ao âmbito pura e
estritamente patrimonial.
Logo como ensinado por Paulo Lôbo (2013, p. 17),
supramencionado, “o direito das sucessões diz respeito às consequências jurídicas
do evento morte da pessoa física”. Não podendo surgir ou sufragar em vida do
proprietário primário do patrimônio, se desfazendo, ou dando em sucessão todo o
seu patrimônio, tendo em vista as regras próprias de garantia da reserva para os
herdeiros necessário.
2.2 Saisine
No direito brasileiro há um fenômeno que garante que a herança se
transmite automaticamente a partir do evento morte , consequentemente da abertura
da sucessão, sem necessidade de consentimento ou aceitação por parte dos
herdeiros beneficiados ou qualquer tipo de decisão, como ocorre em sistemas
jurídicos alienígenas, a essa automaticidade de transferência dá-se o nome de
saisine.
Reconhecido inclusive pelo Superior Tribunal de Justiça, Superior
Tribunal de Justiça (Brasil), Recurso Especial nº 1.125.510 - RS (2009/0131588-0),
3ª Turma, relator Ministro Massami Uyeda, DJe: 19/10/2011 ( em SILVA, disponível
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15
em http://jus.com.br/artigos/23156/a-formula-saisine-no-direito-sucessorio).
O Princípio da Saisine, corolário da premissa de que inexiste direito sem o respectivo titular, a herança, compreendida como sendo o acervo de bens, obrigações e direitos, transmite - se, como um todo, imediata e indistintamente aos herdeiros. Ressalte-se, contudo, que os herdeiros, neste primeiro momento, imiscuir-se-ão apenas na posse indireta dos bens transmitidos. A posse direta ficará a cargo de quem detém a posse de fato dos bens deixados pelo de cujus ou do inventariante, a depender da existência ou não de inventário aberto.
Tal instituto é assim operacionalizado nacionalmente, pois para o
direito brasileiro a morte não deixa um vazio na titularidade do patrimônio deixado
pelo falecido, mas por força de lei já se transmite a titularidade, ainda que
precariamente e não definitivamente, aos sucessíveis, tornando relativos os poderes
de consentimento e aceitação, que em ordenamentos jurídicos estrangeiros são
poderes quase absolutórios.
Pelo princípio da Saisine, o patrimônio do de cujus será transferido
automaticamente aos seus herdeiros sucessíveis no momento da abertura da
sucessão, segundo o disposto no artigo 1.784 do Código Civil de 2002:
Art. 1.784: "Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde
logo, aos herdeiros legítimos e testamentários."
Tal princípio é apenas mais uma ficção legal, como afirmado por
Rodrigo Alves de Silva (disponível em http://jus.com.br/artigos/23156/a-formula-
saisine-no-direito-sucessorio):
O princípio da saisine é de uma ficção jurídica, que autoriza uma apreensão possessória de bens do de cujus pelo herdeiro vocacionado, legítimo ou testamentário, ope legis. Este, independentemente de qualquer ato, ingressará na posse dos bens que constituem a herança do antecessor falecido, de forma imediata e direta, ainda que desconheça a morte do antigo titular.
É mister inferir que no momento da transmissão da posse e da propriedade, o herdeiro recebe o patrimônio tal como se encontrava com o de cujus. Logo,
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transmitem-se, também, além do ativo, todas as dívidas, ações e pretensões contra ele existentes.
Arrematado por Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka
(disponível em http://jus.com.br/artigos/4093):
A sucessão considera-se aberta no instante mesmo ou no instante presumido da
morte de alguém, fazendo nascer o direito hereditário e operando a substituição
do falecido por seus sucessores a título universal nas relações jurídicas em que
aquele figurava. Não se confundem, todavia. A morte é antecedente lógico, é
pressuposto e causa. A transmissão é conseqüente, é efeito da morte. Por força
de ficção legal, coincidem em termos cronológicos, (1) presumindo a lei que o
próprio de cujus investiu seus herdeiros (2) no domínio e na posse indireta (3) de
seu patrimônio, porque este não pode restar acéfalo. Esta é a fórmula do que se
convenciona denominar ‘droit de saisine’.
Por ser uma ficção legal, os efeitos de tal princípio são de
igualmente de ordem estritamente legal, tendo em vista, que se a partir do momento
da morte, o patrimônio do falecido é automaticamente transmitido aos seus
herdeiros, independem de qualquer atitude dos sucessíveis, não admitindo atitudes
voláteis de quem quer que seja.
A conseqüência lógica legal de tal instituto é que a partir de então
começam a correr para eles prazos e questões de direito, que nem sempre serão
positivos, tendo em vista que os prazos sucessórios são prescricionais, como a
prescrição do direito de abertura de sucessão definitiva, como também positivação
de direitos, pois os mesmos poderão tomar posse imediatamente dos bens, tomando
medidas conservatórias do patrimônio, bem como defendendo a posse de terceiros
estranhos, além das ações concernentes à própria sucessão.
Esse princípio apenas se tem por finalizado após todo o processo
sucessório, pois a transmissão que se operou de forma precária com a definição do
quinhão hereditário de cada legitimado sucessível estará definido, e portanto, a
transmissão não definitiva que fora operada por força da saisine passa a não mais
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existir, passando a cada sucessível a posse definitiva de seu quinhão hereditário,
quando houver mais de um herdeiro.
Contudo, no caso de herdeiro único, não haverá maiores
discordâncias ou discussões sobre a questão patrimonial, tudo será repassado
automaticamente aquele, então este terá total domínio sobre o patrimônio, mesmo
antes da finalização do processo sucessório, ou até mesmo antes da pseudo-
partilha que se operaria nesse caso, já que se está diante de herdeiro único,
tornando definitiva a saisine operada.
2.3 Legitimação para suceder
Legitimação como o próprio nome diz, não pode se confundir com
a capacidade para atos da vida civil, tendo em vista ser mais ampla que esta, pois
alcança sujeitos de direito que não são pessoas civilmente capazes no momento da
abertura da sucessão, mas que ainda assim são sujeitos titulares de direito como os
civilmente incapazes, que não possuem essa capacidade para os atos da vida civil,
porém são legítimos a suceder.
Logo, temos como legitimados todos aqueles que por sua condição
de sujeitos de direitos ligados ao de cujus serão herdeiros do mesmo, conforme
disposição legal, ou seus legatários assim atribuídos de tal por testamento. Como
regra qualquer sujeito de direito que guarde vínculos de parentesco, afetivo, moral,
assim reconhecido por testamento serão pessoas legítimas a suceder. Logo, como
afirmou Carlos Roberto Gonçalves (2007, p. 13), no direito das sucessões “ a
legitimidade passiva é a regra e a ilegitimidade, a exceção”.
A legitimação para suceder está elencada no Código Civil de 2002,
que trouxe alguns aspectos interessantes quanto à linha sucessória, pois erigiu a
condição de concorrência o cônjuge supérstite, bem como o companheiro, além de
incluir no rol dos sucessíveis, em caso de jacência ou vacância, a Fazenda Pública,
seja ela Municipal, Estadual ou Federal, quando não houver herdeiros conhecidos,
ou quando todos renunciarem a seu quinhão hereditário.
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O rol de sucessíveis elencados no Código Civil de 2002 são:
A) as pessoas físicas, tendo em vista que não cabe sucessão
legítima para as pessoas jurídicas;
B) os nascituros;
C) as pessoas físicas ainda não concebidas, ou prole eventual de
determinadas pessoas, contempladas em testamento;
D) as pessoas jurídicas designadas em testamento;
E) as entidades não personificadas, porém existentes, também
determinadas em testamento;
F) as pessoas jurídicas futuras, que serão constituídas com
legados deixados pelo testador, sob a forma de fundações.
Ainda nesse diapasão dos sucessíveis, há de se fazer uma
ressalva, pois apesar de não estar inclusa no rol dos herdeiros legítimos, a Fazenda
Pública, quando não houver quaisquer das pessoas elencadas no Código civilista,
figurará como sucessível legitimada pela jacência da herança.
2.4 Sucessão Legítima
Tendo em vista que a sucessão poderá se dar de duas formas
originárias e uma secundária, quais sejam as originárias, a sucessão legítima ou
legal , ou a sucessão testamentária, como forma de vontade última do de cujus, ou
ainda por que não se falar na sucessão secundária que é a operada quando a
herança resta jacente.
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Nesse intróito tem-se que a sucessão legítima se dará por força de
lei, qual seja, a sucessão vergastada no Codex civilista, obedecendo à ordem de
vocação e critérios elencados no mesmo, não podendo ser operada com alterações.
Sendo que essa somente se dará se, e quando houver herdeiros
necessários, que serão aqueles os quais a lei de forma assecuratória erigiu a um
patamar de proteção irrefutável, salvo as exceções de indignidade quando provadas,
sendo esses os entes familiares mais próximos do de cujus.
Eles serão legitimados a suceder o de cujus na totalidade, ou em
partes de seu patrimônio, quando houver ou não testamento a ser aberto, bem como
poderá não haver testamento a ser aberto, ou ser esse inválido, ou até mesmo
caduco. Como ensina Silvio de Salvo Venosa (2014, p. 9), “a vocação legítima
prevalece quando não houver ou não puder ser cumprido o testamento”.
Continua ainda Venosa ( 2014, p. 123):
A ordem de vocação hereditária fixada na lei vem beneficiar os membros da
família, pois o legislador presume que ai residam os maiores vínculos afetivos do
autor da herança. No mundo contemporâneo, o conceito de família deve ser
revisto. Há tendências de o âmbito familiar ficar cada vez mais restrito a pais e
filhos, sendo bastante tênues, de modo geral, os vínculos com os colaterais. Por
outro lado, o próprio legislador vem dando guarida às ligações estáveis sem
casamento, com reflexos no campo patrimonial, como faz o Código Civil de
2002.
Os beneficiários de tal sucessão serão aqueles que o legislador
civilista, fez questão, de erguer ao patamar de herdeiros constituídos legalmente,
sem que para isso necessitem provar que preenchem qualquer condição que lhes
dessem a investidura de sucessores do de cujus, tendo em vista que a lei os ergueu
ao patamar de necessários legalmente.
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2.5 Herdeiro Necessário
O legislador civilista, apesar da ordem de vocação hereditária,
buscou assegurar a entes determinados segurança quando da sucessão, para que
não ficasse na livre disposição do de cujus como iria se proceder tal, logo, foram
assim constituídos herdeiros obrigatórios, independente da vontade daquele.
Segundo disposto por Washington de Barros Medeiros ( 2012, p..
123):
Herdeiro necessário é o descendente ou ascendente sucessível, não afastado
da sucessão por indignidade ou deserdação. Combate POLACCO semelhante
terminologia, que tacha de ambígua e supérflua, porque dá a entender, contra
a verdade dos fatos, que exista outro titulo de sucessão, tertium genus a
acrescentar-se ao testamento e à lei. Ademais, afirma ainda o notável
professor da Universidade de Roma, a noção moderna de herdeiro necessário
contraria a do direito romano, perante o qual herdeiro necessário era aquele
que recolhia a herança ipso jure, independente de qualquer ato de aceitação e
até mesmo contra a sua vontade (etiam nolentes).
O direito positivo brasileiro empresta, porém, a essa expressão sentido
especifico e técnico: herdeiro necessário vem a ser o descendente, ascendente
ou cônjuge sucessível (art. 1.845). Sua compreensão difere bastante da de
herdeiro legítimo, indicada no art. 1.829 do Código Civil. Todo herdeiro
necessário é legitimo, mas nem todo herdeiro legitimo é necessário, também
designado como legitimário, reservatório, obrigatório ou forçado.
Portanto herdeiros necessários são aqueles herdeiros em que o
legislador tutelou de forma especial, sendo, portanto, uma sucessão legitimária, ou
seja, herdeiros legítimos, consagrados como sendo aqueles afetos ao âmbito
familiar, doméstico, e porque não dizer domiciliar. Como bem acentua Paulo Lôbo
(2013, p.74), “provém da concepção, primitiva e antiga, de ter o patrimônio de ficar,
primacialmente, no círculo estreito da comunidade doméstica”.
Continua ainda Paulo Lôbo (2013, p. 74):
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A finalidade da qualificação legal dos herdeiros necessários, entre os herdeiros
legítimos, diz respeito à proteção da parte da herança que não pode ser
destinada a outros parentes ou a estranhos, mediante ato de liberalidade
(doação, testamento, partilha em vida), denominada legítima a parte indisponível.
No mesmo sentido, como ensinado por Silvio de Salvo Venosa
(2014,p. 167):
Quando a lei estabelece uma herança necessária, está-se colocando no meio-
termo. Permite sempre o testamento, mas restringe o alcance quando há
qualquer herdeiro na linha descendente, ou, em sua falta, na linha ascendente. A
plena liberdade de testar fica para quando os herdeiros já estão mais distantes
na linha do parentesco, quando então a lei presume que diminuem os vínculos
afetivos.
Dessa forma, se tem que apesar da liberdade que se tem de dispor
do patrimônio pessoal essa liberdade não é absoluta, tendo em tudo que observar
os ditames legais, como forma de assegurar uma segurança jurídica, a quem
depende do autor da herança, bem como quem presumidamente contribuiu para a
construção do mesmo.
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3 DO PROCESSO DE SUCESSÃO
Após a morte de alguém o Código Civil de 2002 é categórico ao
afirmar que se faz necessário abrir o processo sucessório, para que se possa saber
o que o falecido deixou de ativo, bem como o passivo, ou seja, haverá o arrolamento
de todo o patrimônio deixado, além das possíveis dívidas que perduraram, além de
se apurar quem seriam seus herdeiros, se houve ou não testamento, para então se
proceder a divisão dos bens, ou seja, sua partilha, e por fim ocorre a transmissão
que encerrará o processo sucessório.
Dentro desse processo poderá haver circunstâncias que tornarão o
processo longo e dificultoso, pois deverá ser nomeado um inventariante, que será
responsável por arrolar, administrar, arrolar e colacionar os bens, até que por fim
ocorra a partilha, os quinhões venham a ser separados e os bens venham a ser
finalmente transmitidos em definitivo.
Nos aspecto pessoal, os herdeiros virão a se tornar públicos e
conhecidos, dentro desse processo de publicidade e de pessoalidade haverá de ser
apurado a verdade real das condições de cada possível herdeiro, para que se possa
verificar que não há razões para exclusão de algum ou alguns herdeiros por
situações que o tornaram indignos, muito mais como uma carga moralista, porém
ocorrem casos em que além da própria moral, a indignidade será legal, pois é
compatível com práticas ilícitas e antijurídicas, quando ocorrerem situações tais o
herdeiro será excluído, e com essa exclusão quem passará a suceder em seu lugar
seriam os seus descendentes que passarão a suceder como se fossem o indigno,
porém o prazo para que seja proposta a indignidade será no máximo de quatro anos
contados a partir da abertura da sucessão, sendo esse prazo decadencial.
Conforme ensinamento de Giselda Maria Fernandes Novaes
Hironaka:
“O prazo de quatro anos traçado pela lei é decadencial, já que o
direito de requerer a exclusão do indigno, que nasce para o
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interessado no momento da abertura da sucessão, é o direito
potestativo que a lei assegura, e é sabido que os direitos
potestativos sujeitam sempre a prazos decadenciais para seu
exercício”.
Ainda no que tange ao aspecto do herdeiro poderemos ter os
institutos da renúncia, aceitação, deserdação (que só ocorrerá testamentalmente e
por extenso). O que afasta a renúncia sobremaneira, em seus efeitos da exclusão
por indignidade, é que esta é pessoal, não se transmite aos herdeiros do indigno, já
aquela se operará para toda a sua linha hereditária, ou seja, ultrapassa a sua
pessoalidade atingindo os que forem seus herdeiros.
3.1 Da Vocação Hereditária
A vocação hereditária é a ordem de preferência e substituições que
a lei assegura aos herdeiros legítimos do falecido. Na atual conjuntura civilista temos
a seguinte ordem de vocação: os descendentes, ascendentes, cônjuge sobrevivente
concorrendo com os descendentes, incluindo aqui os companheiros, e por fim os
parentes colaterais até o quarto grau, fazendo-se uma ressalva, de que os parentes
mais próximos excluirão da sucessão os parentes mais remotos.
Como ensina Paulo Lôbo (2013, p. 74):
Todos os herdeiros legítimos são titulares de direito sucessório em relação à
herança deixada pelo de cujus. Todavia, em razão da ordem de vocação
hereditária, o exercício do direito fica sujeito à precedência nessa ordem ou à
falta que precederia cada titular. Se vivos forem os herdeiros de primeira classe
ou os de primeiro grau da mesma classe, os da classe ou grau seguintes não se
investem na qualidade de herdeiros, porque a legitimação para suceder não se
concretizou. Antes da sucessão, para essas pessoas, havia potencia, mas não
ato; eram herdeiros potenciais, ou em estado de expectativa, até porque não há
direito à herança de pessoa viva. O critério decisivo é o da coexistência entre o
herdeiro potencial e o de cujus na data do falecimento deste.
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A ordem de vocação somente é alterada se na classe anterior não
houver herdeiros necessários legitimados a compor a sucessão, ou seja, os da
classe seguinte só herdam se inexistentes os da classe anterior, levando-se em
consideração para o caso de parentes colaterais os parentes mais próximos aos
mais remotos, que inclusive se encerra no quarto grau.
Segundo Silvio de Salvo Venosa (2014, p. 123):
A regra geral estabelecida no ordenamento é que os mais próximos excluem os
mais remotos, ou seja, havendo descendentes do falecido, não serão chamados
os ascendentes, e assim por diante. Tal regra veio a sofrer algumas exceções,
com leis posteriores ao Código de 1916, como veremos. O atual diploma civil
introduz a posição de vocação hereditária concorrente do cônjuge em
propriedade, juntamente com os descendentes sob determinadas condições e
juntamente com os ascendentes.
Sendo assim, na atual conjuntura do ordenamento jurídico
brasileiro, houve uma evolução no que tange ao direito sucessório, pois houve uma
redução grutual da possibilidade de suceder aos parentes de quarto grau, não
podendo a sucessão ser operada infinitamente para parentes colaterais não
próximos, ou seja, que o ultrapassam o grau definido em lei.
3.2 Das impossibilidades para suceder
No que tange a capacidade para suceder, todo ser capaz, e desde
que estivesse ligado ao falecido por grau de parentesco estaria apto a suceder,
contudo como leciona Arnoldo Rizzardo (2013, p.81):
Em principio, havendo o parentesco até determinado grau, existe o direito
de suceder. A regra é a capacidade. Estar viva e ter um parentesco
especifico são os requisitos bastantes para a pessoa adquirir a capacidade,
que deverá ser considerada ao tempo da abertura da sucessão, ou
regulando-se conforme a lei então em vigor.
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Sendo assim, desde que cumpridos tais requisitos estariam às
pessoas legitimadas a suceder, contudo o Código Civil Brasileiro de 2002 cuidou
de enumerar casos que essa legitimidade presumida perde o lugar para a sua
exclusão, “incutindo a idéia de que são taxativamente enumeradas as situação”.
(RIZZARDO,2013,p.81)
Logo, tem-se que embora haja a capacidade sucessória, existem
situações específicas em que essa capacidade é perdida, e se instaura o processo
de exclusão hereditária, nesse momento opera-se a impossibilidade para suceder,
como informado por Arnoldo Rizzardo:
No tratamento do Código Civil, embora a pessoa tenha a capacidade para
ser contemplada na sucessão, Há, no entanto, determinados eventos e
circunstâncias que afastam tal condição. Aqui, cuida-se da indignidade, ou
de uma incapacidade que surge em vista de atos praticados pelo herdeiro.
Aqui, a exclusão, por incidência de hipóteses legais, é ab intestato, isto é,
independente de manifestação da vontade do autor da herança.
Tais circunstâncias e situações tornam os sujeitos de direito que a
priori teriam a legitimidade a suceder, ilegítimas como irá se demonstrar por
conseguinte.
3.3 Excluídos da sucessão por ilegitimidade, indignidade e legitimados a
suscitar a indignidade
Apesar do direito sucessório não versar acerca da capacidade civil
para a sucessão, mas sim tratar como legitimação, haverá nesse rol pessoas que
em hipótese alguma poderão
figurar como legitimadas a suceder, tendo em vista a ordem moral
e social existente quanto à elas, não poderão, de forma sucinta, figurar como
herdeiras, tampouco legatárias as pessoas que :
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a)escreveram o testamento particular ou cerrado, a pedido do
testador, porque este não podia ou não sabia escrever, e bem assim o cônjuge, ou
companheiro, os ascendentes e os irmãos dela;
b) as testemunhas de um testamento;
c) o concubino do testador casado, salvo aqui a posição de
companheiro de pessoa casada que se encontre separada de fato ou judicialmente;
d) os que participarem da feitura ou validação do testamento;
e) há restrições especificas e legais para o estrangeiro ser
legitimado a suceder.
Contudo, o que irá interessar serão os excluídos da sucessão por
indignidade, tendo em vista que é uma desvantagem inerente aqueles que são
herdeiros , ou seja, tais herdeiros poderão ser excluídos da herança quando
incorrerem em conduta considerada como um desvio moral do comportamento
esperado do homem comum.
Como bem afirmou Paulo Lôbo (2013, p. 174):
As condutas podem ser ilícitos penais ou como imorais, mas são tidas como
suficientemente graves e atentatórias, de modo a ensejarem sanção específica,
no campo civil, que é a exclusão da herança a que fariam jus os que a
cometeram. A sanção da exclusão alcança tanto os herdeiros legítimos, quanto
os testamentário, quanto os herdeiros testamentários e os legatários. Essas
condutas compõe o conceito de indignidade sucessória. Indignidade é a privação
do direito hereditário imposta pela lei a quem cometeu condutas ofensivas à
pessoa, à honra e aos interesses do de cujus (Itabaiana de Oliveira, 1986, n.191)
e a seus familiares.
A penalidade para a indignidade é a exclusão do possível sucessor
ao sucedido, como acentua Washington de Barros Monteiro (2012, p. 75):
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Indignidade constitui pena civil cominada a herdeiro acusado de atos criminosos
ou reprováveis contra o de cujus. Com a prática desses atos, incompatibiliza-se
ele com a posição de herdeiro, tornando-se incapaz de suceder.
Fator bastante controverso na didática da exclusão de herdeiro por
indignidade está no fato de que excluído, o indigno é automaticamente substituído
por seus herdeiros como se ele morto fosse antes da abertura da sucessão, contudo
há de se verificar que por se tratar de uma pena civil, em comparação as
penalidades penais, não poderia essa ter a possibilidade de passar da pessoa do
indigno.
As hipóteses legais para se operar a exclusão por indignidade são
taxativas, ou seja, a sua tipicidade é fechada não podendo outras condutas, ainda
que sejam semelhantes ou até mais graves servir de fundamento para a exclusão do
herdeiro, por serem hipóteses de restrições de direitos.
As hipóteses são:
A) Serão excluídos aqueles que participaram, seja como autor,
coautor, ou autor intelectual, do homicídio ou da tentativa de homicídio dolosos do
de cujus ou de seu familiar, desde que próximo. Não se atém o legislador civilista a
condenação penal condenatória, tampouco ao seu transito em julgado, tendo em
vista que a sanção civil de exclusão não depende da sanção penal pela prática
delituosa, todavia, se houver decisão penal absolutória ela prevalecerá sobre o
âmbito cível, para evitar conflitos de decisões judiciais, cabendo uma exceção, como
bem acentuado por Paulo Lôbo (2013, p.n 176):
Contudo, se a decisão judicial absolutória não for de mérito, isto é, quando se
ativer a fundamentos de natureza formal sem ter sido reconhecida a inexistência
material do fato, não prevalecera sobre o juízo cível, que poderá concluir
livremente pela exclusão do herdeiro, que é fundada essencialmente na
reprovação moral da conduta.
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B) Igualmente serão excluídos da herança, com o mesmo critério
de não vinculação do juízo cível ao juízo penal, aqueles que ofenderem a honra do
de cujus, sendo lançada à pessoa ou à memória do ofendido, ampliando-se o leque
aqui também para seu cônjuge ou companheiro. Ressalvada aqui que devem ser as
condutas tipificadas como crimes contra a honra, e a denunciação caluniosa na
esfera penal, apenas alcançando a pessoa do de cujus.
Situação essa bem apontada por Paulo Lôbo (2013, p. 177):
Em razão da natureza punitiva da exclusão do herdeiro, o STJ entende que a
melhor interpretação jurídica acerca da questão consiste em compreender que o
Código Civil não se contenta com a acusação caluniosa em juízo qualquer,
senão em juízo criminal (REsp 1185122). A lei penal também admite a isenção
da pena se o ofensor se retratar cabalmente da calunia ou da difamação. Mas a
isenção da pena produz efeitos apenas no âmbito criminal, não vinculando o
juízo cível, que pode decidir pela exclusão da herança do ofensor, em virtude de
sua natureza de reprovação moral. A decisão do juízo penal para qualificação do
crime contra a honra não é pré-requisito para a decisão no juízo cível da
exclusão do herdeiro.
C) Também serão excluídos da herança por indignidade aqueles
que de alguma forma violenta ou com o uso de meios fraudulentos tenham inibido,
limitado ou impedido o de cujus de elaborar seu testamento.
Quanto a possibilidade de se levantar as situações que ocorreram
para tornar um sucessível indigno, elas deverão ser suscitadas por aqueles que
tiverem interesse na exclusão do possível indigno, tendo em vista que essas
situações não poderão ser conhecidas ex officio pelo juízo do inventário, tendo
inclusive que ser levantada em ação própria para tal, portanto há a legitimidade para
suscitar a indignidade de um herdeiro, como bem ensina Washington de Barros
Monteiro ( 2012, p. 80):
A indignidade não opera ipso jure. Trata-se de pena que só se aplica mediante
provocação dos interessados. Para que se exclua o herdeiro da sucessão
preciso se torna que a indignidade seja reconhecida por sentença, proferida em
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ação ordinária intentada com esse escopo pelo interessado. A indignidade
depende, portanto, de procedimento judicial, sendo pronunciada officio judicis.
Se não tiver deixado o de cujus , testamento para confirmar tais
condições de deserdação, estarão os legitimados a suceder com a incumbência de
levantar tais condições, para que no juízo cível venha ser reconhecida e como forma
de punição moral, venha a ser excluído da herança o indigno.
Como pontuado por Washington de Barros Monteiro (2012, p. 80):
Referida ação é de natureza estritamente privada; jamais poderá ser ajuizada
pelo representante do Ministério Público. O interessado vem a ser o coerdeiro, o
legatário ou donatário favorecido com a exclusão do indigno, o Município, o
Distrito federal ou a União (na falta de sucessores legítimos e testamentários) e
qualquer credor, prejudicado com a inércia dos referidos interessados. Se menor,
deverá ser representado por seu representante legal.
Contudo, apesar de ser a exclusão por indignidade uma penalidade
civil para reconhecimento de uma atitude ignóbil do pretenso sucessor, a pretensão
de demandar para que se exclua o tal extingue-se num prazo decadencial de quatro
anos após a abertura da sucessão.
3.4 Herança vacante e herança jacente
Durante o processo de sucessão pode ocorrer que não haja
herdeiros conhecidos, bem como herdeiros que não vieram a juízo reclamar os seus
quinhões, nesse momento à herança se tornará jacente, e ao final do processo
culminar na sua vacância. Os institutos da jacência e da vacância, são parecidos e
estão intimamente interligados, sendo aquela uma ponte para esta.
A jacência da herança é dever primordial do Estado de proteção
dos bens suscetíveis de sucessão, pois considerar-se-á assim quando o falecido não
houver deixado herdeiro necessários conhecidos, bem como não houver deixado
testamento, ou declaração de última vontade, sendo a declaração de herança
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jacente um dever do Estado, já que de ofício o juiz deverá determinar a arrecadação
dos bens, por um período de cautela, já que o Estado deverá comunicar a
inexistência de herdeiros conhecidos, conforme ensinamento de Paulo Lôbo ( 2013,
p. 166):
Se do certificado de óbito não contar a existência de cônjuge, companheiro ou
parente sucessível, o oficial do registro público tem o dever de comunicar tal fato
ao juiz. Os cônsules brasileiros, no exterior, têm o mesmo dever de
comunicação, quanto às pessoas cujos bens devam ser inventariados no Brasil.
A jacência da herança se conclui quando ultimado o prazo de um
ano da publicação do edital, prazo esse que se dá para que haja a manifestação de
possíveis herdeiros do de cujus, para se habilitar nos autos da sucessão e reclamar
o patrimônio do mesmo, findo esse prazo se não houver qualquer
habilitação/manifestação nesse sentido a herança passa de jacente para vacante,
tudo conforme o disposto nos artigos 1.819 a 1.823, combinado com o artigo 39,
parágrafo único do Código Civil de 2002.
Uma segunda hipótese em que poderá ocorrer a jacência seria
quando todos os herdeiros, sem exceção, renunciarem a seus quinhões, e a partir
de então ocorrerá como no primeiro caso, será declarada a sua vacância, porém
aqui não serão observados os prazos prescricionais de um ano para que a herança
se torne vacante, já que a renúncia se opera para todos da linha sucessória dos
renunciantes, logo a herança torna-se vacante de imediato.
No que tange a vacância, após a declaração judicial de vacância
resultada da herança jacente com prazo de um ano expirado, que é requisito
fundamental, os bens ficarão livres para que se possa transmitir a propriedade para
a Fazenda Pública, que será definitiva após cinco anos transcorridos da morte do de
cujus.
Nos dois casos na herança jacente e vacante os credores do de
cujus poderão reclamar os valores para quitar os seus créditos, em qualquer
momento do processo, sendo-lhes assegurados seus direitos.
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Contudo, há de se fazer uma ressalva, como bem pontuado por
Paulo Lôbo (2013, p. 167):
No direito brasileiro,que tem a saisine, a herança não jaz sem herdeiro, porque a
herança jacente e a herança vacante são procedimentos de verificação se é
herdeira a Fazenda Pública, sendo este seu atual significado.
3.5 Prazo prescricional para a petição de herança
A petição de herança é o exercício da pretensão de um ou de vários
herdeiros contra quem possua toda a herança, com o intuito de incorporação a esta
para posterior partilha entre os sucessores legitimados, com a finalidade única do
reconhecimento da qualidade sucessória e a restituição de tudo à herança em
desfavor de quem a possua, seja na condição de herdeiro, seja por quaisquer títulos.
Os legitimados a promoção da petição de herança são todos
aqueles que se investirem na condição de herdeiros, inclusive ao ente estatal
(LÔBO, p. 277) que poderão reivindicar a posse de todos os bens, independente do
domínio, ou de títulos, entretanto, ao legatário só caberá o pedido de execução do
legado, ou seja, a posse direta do bem legado.
Rege ainda o nosso Código a possibilidade de mesmo depois de
finda a sucessão, ou seja, mesmo que os bens já tenham sido transmitidos, um
herdeiro que anteriormente não estava nessa condição possa em ação própria
entrar com um peticionamento de herança.
Conforme ensinamento de Humberto Theodoro Júnior (2007,
p.279):
A petição de herança julgada após a partilha acarreta a nulidade, cujo
reconhecimento independe de nova ação. A invalidade in casu é automática,
decorre do simples fato de ter sido a partilha ultimada sem a presença do
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investigando vitorioso. O cumprimento da sentença de petição de herança faz-se
por meio de simples pedido de retificação de partilha, já que inexiste coisa
julgada oponível ao herdeiro não participante da herança.
Os efeitos da sentença de petição de herança, todavia, não prejudicam os
terceiros de boa-fé que tenham adquirido, de boa-fé, bens partilhados em favor e
herdeiro aparente. Nesse caso, o dissídio fica restrito aos sucessores, devendo
haver reparação ao herdeiro ausente do processo de inventário pelos que
dispuseram do acervo, mantendo-se válida a disposição feita ao adquirente de
boa-fé.
O prazo prescricional para a petição de herança será em até dez
anos após ter sido aberto o processo de sucessão, porém há de ser comprovado
que o peticionante tem capacidade legítima para suceder, nesse momento e desde
que reconhecido pelo juízo a condição de herdeiro, será reclamado o seu quinhão
da cota parte que coube a cada herdeiro legítimo, esse prazo é decadencial, logo
quando o mesmo se acaba não poderá em qualquer hipótese ser reclamada a
herança, mesmo que surjam fatos novos, muito embora a ação de reconhecimento
de paternidade, por ser de natureza personalíssima, seja imprescritível a petição de
herança, por ter natureza patrimonial, só poderá ser iniciada dentro do prazo acima
exposto.
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4 Transmissão patrimonial e a ilegitimidade por indignidade
4.1 Da transmissão patrimonial
Tendo em vista que o meio de se transmitir formalmente a herança
é através do processo de inventário, a sua finalização e, portanto, transmissão
patrimonial no caso de processo sucessório se dará apenas com a finalização da
partilha quando há mais de uma herdeiro, quando não há, ocorre a adjudicação dos
bens para esse único herdeiro. Tendo em vista, que é ela quem põe fim ao
condomínio indivisível que é a herança.
O momento de transmissão da herança, ainda que precária, no
direito civil brasileiro, dá-se imediatamente a morte do sucessível, contudo,
transmite-se a herança como um todo indivisível, não só o patrimônio ativo, como
também o patrimônio passivo,nesse diapasão são transferidos os bens e as dívidas
como um conjunto só, como um condomínio indivisível, onde não se pode falar em
dívidas de um ou outro herdeiro, mas da dívida do próprio espólio.
A universalidade da transmissão está posta no Código Civil, e traz
em si a idéia de que a transmissão assim operada com os mesmos caracteres como
a posse estaria para o de cujus, demonstrada na citação de Marcos Catalan, em
Transmissão possessória- um conflito aparente (disponível em :
http://www.academia.edu/4343476/Transmissao_possessoriaum_conflito_aparente_.
.), em que afirma:
Nada obsta a aplicação do que se encontra disciplinado no mencionado art.
1.206, ous e j a , q u e a p o s s e t r a n s m i t e - s e a o s h e r d e i r o s
o u l e g a t á r i o s d o p o s s u i d o r c o m o s m e s m o s carac teres .
Dali se extrai que haverá successio possessionis quando a transmissão
possessória for a t í t u l o u n i v e r s a l e access io possess ion is
q u a n d o a t r a n s m i s s ã o p o s s e s s ó r i a f o r a t í t u l o singular.
Isso implica dizer que o sucessor universal terá que continuar de direito a posse
do seu antecessor e ao sucessor singular é facultado unir sua posse à do
antecessor para os efeitos legais.
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Não tratou o legislador do momento em que a transmissão de
posse se transforma em transmissão de direito, tendo os sucessíveis que aguardar
até o ultimato da partilha, conforme discorreu Gisele Leite , em Algumas linhas
críticas sobre direito sucessório em face do NCC,( dispnivel em :
http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/7836-7835-1-PB.htm):
Silencia o novo codex quanto à transmissão do domínio e da posse,
expressando doravante apenas transmissão de herança que abarca todas as
espécies de direito e, não apenas os relativos à propriedade.
Não estabeleceu com precisão quando exatamente a transferência de direitos se
opera, atinando somente com a abertura da sucessão.
Logo, segue-se ao processo de inventário para que seja sanado o
passivo, e fique somente o ativo, com o intuito de se dividir o quinhão de cada
herdeiro, procedendo-se a partir daí a partilha de todos os bens ativos do de cujus,
no caso de haver mais de um herdeiro apto a tal condição e não haver legados a
serem observados.
Cumpre observar ainda, que a transmissão operada pela saisine
não se trata de uma transmissão efetiva, mas de uma sucessão precária como
aludido por Antonio Menezes Cordeiro na obra ‘ A Posse: perspectivas dogmáticas
actuais’, citado por Sylvia Cristina Arinelli Gonçalves (disponível
http://www.escritorioonline.com/webnews/noticia.php?id_noticia=4067&), na obra :
A sucessão na posse é um fenômeno de sucessão próprio sensu e não uma
mera transmissão; visto que na sucessão a posse permanece estática e na
transmissão, a situação transita de uma esfera para outra.
Contudo, tendo em vista a possibilidade de haver apenas um
herdeiro sobrevivente ao de cujus, passasse do pagamento das possíveis dívidas
do mesmo a adjudicação de todos os bens ao herdeiro único, já que não haverá a
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necessidade de partilhamento de bens, onde há uma saída da transmissão efetuada
de maneira precária, para uma transmissão definitiva de patrimônio, apossando-se
definitivamente o herdeiro de tudo o quanto era do de cujus, sem qualquer possível
interferência de terceiros, já que não há mais ninguém que possa reclamar a
herança. Finalizando com isso o processo de sucessão, e transmitindo o patrimônio
de forma definitiva ao herdeiro único, após a observação de todos os procedimentos
legais para tal, como o pagamento dos tributos relativos a herança e a transferência
de titularidade de propriedade do proprietário originário, de cujus, para o proprietário
atual, qual seja o sucessível único.
4.2 Único herdeiro legítimo descoberto como homicida após a transmissão de
todo o patrimônio
Para tal hipótese de estudo, considerar-se-á que o de cujus, o
momento de seu falecimento não possuía descendentes ou ascendentes, possuindo
apenas seu cônjuge, que como visto, é herdeiro necessário que exclui in tontum
todos os herdeiros mais remotos, já que esses não passam apenas a aspirantes
sucessíveis, e não herdeiros necessários, legalmente constituídos.
Depois de finalizada o processo sucessório, em que se constatou
que nunca houve testamento e o único herdeiro legítimo do de cujus é o seu
cônjuge, como o prazo para petição de herança de dez anos, e considerando que o
prazo para quaisquer reclamações quanto ao direito hereditário seria os quatro anos,
e que decorrido tal prazo se descobre que na verdade a morte se deu de forma
suspeita, abre-se o inquérito e é apurado que o culpado por tal homicídio é o tal
herdeiro único.
Pelas regras materiais do direito, bem como pelas regras
processuais estaria o assassino poderá estar acobertado pelo direito adquirido,
graças ao prazo prescricional, ocorre que ao passo que poderá haver a coisa
julgada, se está diante de um caso clássico de indignidade, o que geraria a exclusão
de herdeiro, ou seja, seria o caso da aplicação de um instituto que retroagiria ao
momento da abertura da sucessão, implicando na indignidade do herdeiro.
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O que se questiona é se com tal apuração, bem como após todo o
processo penal em que há de fato a condenação do herdeiro, e transitando em
julgado tal julgado o prazo fluiu, estaria o herdeiro resguardado e continuaria o
mesmo sendo o herdeiro? Ou seria ele excluído, tendo em vista que restou
comprovada a sua indignidade? Ademais por ser herdeiro legítimo único, em todas
as linhas sucessórias familiares, seja ela na linha reta ou colateral, a herança
restaria como vacante ou jacente, dando legitimidade a Fazenda Pública suscitar a
indignidade?
Tendo em vista que após a apuração do crime de homicídio tem
natureza pública, sendo o Ministério Público o ente legítimo para começar a devida
ação penal e dar prosseguimento a mesma, até levar a condenação do acusado, e
não podendo figurar como autor num processo de exclusão por indignidade de
herdeiros, estaria a Fazenda Pública legitimada a propor tal ação, mesmo que com a
não vinculação do juízo penal ao juízo cível, com o intuito de ver a herança que até
então não era vacante, assim se tornar?
Logo, se considerarmos essas nuances, bem como considerando
que haveria o retrocesso da regra da exclusão do indigno, sendo o herdeiro excluído
da herança por indignidade já que cometeu o crime de homicídio contra seu
cônjuge, também devemos considerar o regime de bens do casal, tendo em vista
que além de herdeiro o assassino seria possivelmente, se nos ativermos ao regime
de bens legal, que atualmente é o de comunhão parcial de bens, seria ele meeiro,
ou seja, a metade de todos os bens do antigo casal.
Há de se considerar também que em nosso sistema penal não há a
possibilidade de penalidade em pecúnia propriamente dita.
Ainda que houvesse o retrocesso e a vinculação do juízo cível ao
juízo penal, com a condenação do cônjuge supérstite por indignidade naquela
esfera, e homicídio nessa esfera, permaneceria o mesmo ainda em poder dos bens
que antes partilhou com sua vítima, o que demonstra um contracenso e até mesmo
uma aberração jurídica, se se pensasse no possível retrocesso da regra da
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indignidade infligindo sobre um processo hereditário já finalizado, e já assegurado
pelo manto da coisa julgada, bem como com o instituo do direito adquirido.
Doutro lado deve-se também considerar que os bens podem não ter
sido conservados, já que quatro anos é um lapso temporal relativamente grande, e
como o assassino era o real proprietário, poderá ter se desfeito de tudo quanto
herdou, se acaso a regra retrocedesse como seria o impacto sobre aqueles que
adquiriram os bens legalmente,estariam resguardados como os adquirentes de boa-
fé como na petição de herança, o que seria a aplicação mais razoável, e a única
aceitável, seria a regra que estaria protegido o terceiro adquirente de boa-fé que
adquiriu os bens, e o caso se resolveria, para o herdeiro, apenas em perdas e
danos, sendo abatido do valor das suas meação, e os valores seriam revertidos
como herança vacante.
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5 Conclusões
Tendo em vista que o sistema jurídico brasileiro de sucessões, está
firmado sobre a conduta moral dos agentes sucessíveis, e que a indignidade se trata
de pena civil para coibir que determinadas situações, e atitudes dos que porventura
queiram herdar patrimônio de um sucedendo que lhe seja parente afeto com a
obrigatoriedade de tal, não se pode falar em legalismos extremos, tampouco deixar
de observar a realidade social atual.
Pois,muito embora a perda da herança pelo indigno seja uma forma
de punição, não se poderá pensar em desprender a metade do patrimônio do
cônjuge supertiste, ao de cujus, quando mesmo que de forma indireta tenha
contribuído para a consolidação patrimonial, seja contribuindo diretamente
adquirindo bens em conjunto com este, seja simplesmente administrando a vida
familiar para que o cônjuge falecido pudesse ter como prioridade constituir um
patrimônio sólido para a entidade familiar.
No que tange a possibilidade de uma condenação na esfera penal
por crime cometido pelo cônjuge supérstite contra o cônjuge falecido não se pode
olvidar que a pena privativa de liberdade já estaria sendo o meio mais útil e eficaz
para privar o então herdeiro de usufruir do patrimônio remanescente do de cujus,
contudo, não se pode esquecer que metade do patrimônio, se levarmos em
consideração o regime de comunhão, tendo em vista que o cônjuge somente será
herdeiro se não em regime de separação total de bens, onde perde essa qualidade,
restaria o cônjuge supérstite prejudicado na sua meação.
Tendo em que a condenação penal não terá o condão de
modificabilidade da relação patrimonial do acusado, e apenas restaria o ônus
patrimonial civilista, e como não se pode notar a existência de herdeiros que possam
a vir a reclamar a herança a qualquer tempo, estar-se-ia diante de uma das
situações de herança vacante, já que o prazo para se alegar a indignidade restou
decaído, e que fora ultrapassado os quatros anos para possível peticionamento de
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herança,ai ter-se-ia de fato um confisco dos bens, como punição por crime cometido,
mas não precluso.
Ocorre que em nosso ordenamento jurídico é tido como ilegal o
confisco de bens, seja em que condições forem, para apenar um sujeito de direitos,
não se poderia, com isso privar um herdeiro, ainda que enquadrado nas
possibilidades de exclusão por indignidade, depois do patrimônio herdado ter sido
incorporado ao seu patrimônio, senão estaria se aplicando a pena de confisco de
bens do sucessor, já que estaria nessa condição, pois findo o processo sucessório.
Por outro lado, e dentro de uma concepção meramente legalista, se
levando apenas o que estritamente a lei manda, sem levar em consideração a
realidade social, ou até mesmo o que mostra o direito consuetudinário estaríamos
demonstrando um retrocesso na deserdação por indignidade de uma pessoa que de
fato ainda assim estaria retendo a metade de todos os bens do de cujus.
Demonstrando com isso a grande lacuna existente em nosso
ordenamento como uma situação tão grave, pois se por um lado temos um meeiro,
que não pode ser privado de seu patrimônio graças à personalidade de não confisco
de nossas penas, por outro lado temos um herdeiro legítimo indigno que, legalmente
deveria perder todo o patrimônio herdado, e frise-se já transmitido, para o ente
público, o que na sua aplicabilidade teria a natureza de confisco o que é vetado pelo
ordenamento jurídico pátrio, revelando um verdadeiro paradoxo legal.
Pois, se por um lado tem-se a possibilidade de suscitar uma
exclusão de herança por indignidade, movendo o patrimônio hereditário para o ente
público legitimado a suceder, como explanado alhures, por outro temos um herdeiro
único, que não passou por todo o processo de inventario, graças a sua condição de
único, e que após o pagamento das possíveis dividas do de cujus teve a totalidade
do patrimônio adjudicada para ele, portanto, um processo mais célere que um
inventario que segue os tramites normais, sendo o patrimônio definitivamente
incorporado ao seu patrimônio pessoal, e ainda a condicionante do decurso do prazo
para o peticionamento de herança, abre-se uma lacuna gigantesca no direito
sucessório brasileiro.
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Tal lacuna não foi prevista pelo legislador pátrio, dessa forma o
judiciário pátrio quando da aplicação legal dos institutos sucessórios deverá se ater
tão somente ao que dispõe o Código Civilista, mas deverá sobretudo observar o que
está posto na realidade social do processo de inventário que lhe chegue as mãos.
Já que de um lado poderá se tratar de herdeiro único, por outro
deverá ser observado se há alguma possibilidade de exclusão por indignidade, ainda
que sem testamento válido para isso, chamando-se o ente público que possa ser
interessado na deserdação do então herdeiro único, para que não se adjudique
todos os bens, passando a integrar o patrimônio deste e possa incorrer num futuro
confisco de bens, para suscitar todas e quaisquer hipóteses que dêem maior
segurança jurídica a relação de sucessão definitiva do patrimônio do de cujus.
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