bogdan bilouws: o olhar do fotÓgrafo nos retratos de casamento dos descendentes italianos das...

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Ateliê de História UEPG, 2 (1): 65-78, 2014 65 BOGDAN BILOUWS: O OLHAR DO FOTÓGRAFO NOS RETRATOS DE CASAMENTO DOS DESCENDENTES ITALIANOS DAS FAMÍLIAS BOBATO E MOLETA (1950-1980) Resumo: O presente artigo pretende trabalhar com a análise de fotografias de casa- mentos de descendentes de imigrantes italianos das famí- lias Bobato e Moleta, as quais foram produzidas por Bogdan Bilouws, fotógrafo importante que atuou na cidade de Imbitu- va-PR entre as décadas de 1950 a 1980. Para a análise do olhar fotográfico do Sr. Bogdan, no momento em que registrou os casamentos das famílias citadas, serão utilizadas treze fotografias. É através dessas fotografias que podemos per- ceber elementos como memó- ria e identidade das famílias, as quais contribuem para a pre- servação de sua própria histó- ria de vida. INTRODUÇÃO Este artigo ressalta a importância da fotografia para a construção da história. Ele vem destacar a análise das fotografias de casamentos dos des- cendentes de imigrantes italianos das famílias Bobato 4 e Moleta, entre as décadas de 1950 a 1980, as quais foram produzidas pelo fotógrafo Bogdan Bilouws, fotógrafo de destaque que atuou na cidade de Imbituva/PR. A principal preocupação deste artigo é a discussão sobre a necessida- de de interpretação da fotografia enquanto fonte histórica. A fotografia, até o início do século XIXnão era valorizada enquanto documento histó- rico, os historiadores se recusavam a lançar mão da fotografia como fonte de pesquisa histórica. Ela era utilizada apenas como ilustração. Mas em meados do século XIX a fotografia trouxe novas possibilidades de produ- ção de informação e conhecimento, servindo como instrumento de apoio à pesquisa e como forma de expressão artística (KOSSOY, 2001). A fotografia como um documento histórico possibilita compreender os processos históricos, por meio de outros valores, interesses, proble- mas, técnicas e olhares, também contribui para melhor entendimento das formas por meio das quais as pessoas representaram sua história e sua historicidade e se apropriaram da memória cultivada individual e coleti- vamente. Dessa forma este artigo vem mostrar a representação fotográfica dos casamentos de descendentes de imigrantes italianos das famílias Bobato e Moleta, já que tais imagens são carregadas de valores e práticas, (como as relações familiares, religiosidade e memória) do contexto histórico em questão. Se observada fora de seu contexto, a princípio, a fotografia apresenta para o ob- servador uma possível compreensão imediata do acontecimento, [...] Mas há que se olhar mais detalhadamente. A imagem instiga o que existe além de um simples significado aparente. [...] As inquietações e os conflitos entre os integrantes da família ficam fora da trama fotográfica. (SANTOS, 2009, p.17) Palavras - chave: Fotografia; Casamentos; História; Memória; Identidade. Taline Bobato Stadler 1 Jeanine Campos Ressetti 2 Roberto Edgar Lamb 3 Ateliê de História 1 Graduada em Licenciatura em História pela UEPG/UAB (2014). E-mail: [email protected]. 2 Orientadora. Mestranda no Programa de Pós Graduação em História PPGH pela Universidade Estadu- al de Ponta Grossa - UEPG. 3 Co-orientador. Doutor em História (PUC-SP). Professor do Departamento de História e do Programa de Mestrado em História da Universidade Estadual de Ponta Grossa. 4 Na escrita do sobrenome Bobato ocorre variação nos registros encontrados. Os primeiros imigrantes dessa família que chegaram a Imbituva tinham o sobrenome escrito com dois “Bs”, onde lê-se Bobbato, mas com o passar do tempo houve variação na escrita passando a escrever o nome com apenas um “B”, onde lê-se Bobato. Todas as pessoas pertencentes a essa família apresentadas nesse trabalho tiveram seu nome registrado com um “B”, portanto optou-se por utilizar essa grafia para mencionar este sobreno- me. O mesmo aconteceu com o sobrenome Moleta que nos primeiros registros era escrito com dois “Ts” e que com o passar do tempo passou a ser escrito com apenas um “T”.

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  • Ateli de Histria UEPG, 2 (1): 65-78, 2014 65

    BOGDAN BILOUWS:

    O OLHAR DO FOTGRAFO NOS RETRATOS DE

    CASAMENTO DOS DESCENDENTES ITALIANOS DAS

    FAMLIAS BOBATO E MOLETA (1950-1980)

    Resumo: O presente artigo pretende trabalhar com a anlise de fotografias de casa-mentos de descendentes de imigrantes italianos das fam-lias Bobato e Moleta, as quais foram produzidas por Bogdan Bilouws, fotgrafo importante que atuou na cidade de Imbitu-va-PR entre as dcadas de 1950 a 1980. Para a anlise do olhar fotogrfico do Sr. Bogdan, no momento em que registrou os casamentos das famlias citadas, sero utilizadas treze fotografias. atravs dessas fotografias que podemos per-ceber elementos como mem-ria e identidade das famlias, as quais contribuem para a pre-servao de sua prpria hist-ria de vida.

    Introduo

    Este artigo ressalta a importncia da fotografia para a construo da histria. Ele vem destacar a anlise das fotografias de casamentos dos des-cendentes de imigrantes italianos das famlias Bobato4 e Moleta, entre as dcadas de 1950 a 1980, as quais foram produzidas pelo fotgrafo Bogdan Bilouws, fotgrafo de destaque que atuou na cidade de Imbituva/PR.

    A principal preocupao deste artigo a discusso sobre a necessida-de de interpretao da fotografia enquanto fonte histrica. A fotografia, at o incio do sculo xIxno era valorizada enquanto documento hist-rico, os historiadores se recusavam a lanar mo da fotografia como fonte de pesquisa histrica. Ela era utilizada apenas como ilustrao. Mas em meados do sculo XIX a fotografia trouxe novas possibilidades de produ-o de informao e conhecimento, servindo como instrumento de apoio pesquisa e como forma de expresso artstica (KOSSOY, 2001).

    A fotografia como um documento histrico possibilita compreender os processos histricos, por meio de outros valores, interesses, proble-mas, tcnicas e olhares, tambm contribui para melhor entendimento das formas por meio das quais as pessoas representaram sua histria e sua historicidade e se apropriaram da memria cultivada individual e coleti-vamente.

    Dessa forma este artigo vem mostrar a representao fotogrfica dos casamentos de descendentes de imigrantes italianos das famlias Bobato e Moleta, j que tais imagens so carregadas de valores e prticas, (como as relaes familiares, religiosidade e memria) do contexto histrico em questo.

    Se observada fora de seu contexto, a princpio, a fotografia apresenta para o ob-servador uma possvel compreenso imediata do acontecimento, [...] Mas h que se olhar mais detalhadamente. A imagem instiga o que existe alm de um simples significado aparente. [...] As inquietaes e os conflitos entre os integrantes da famlia ficam fora da trama fotogrfica. (SANTOS, 2009, p.17)

    Palavras - chave: Fotografia; Casamentos;

    Histria; Memria; Identidade.

    Taline Bobato Stadler1

    Jeanine Campos Ressetti 2

    Roberto Edgar Lamb 3

    Ateli de Histria

    1 Graduada em Licenciatura em Histria pela UEPG/UAB (2014). E-mail: [email protected]. 2 Orientadora. Mestranda no Programa de Ps Graduao em Histria PPGH pela Universidade Estadu-al de Ponta Grossa - UEPG. 3 Co-orientador. Doutor em Histria (PUC-SP). Professor do Departamento de Histria e do Programa de Mestrado em Histria da Universidade Estadual de Ponta Grossa.4 Na escrita do sobrenome Bobato ocorre variao nos registros encontrados. Os primeiros imigrantes dessa famlia que chegaram a Imbituva tinham o sobrenome escrito com dois Bs, onde l-se Bobbato, mas com o passar do tempo houve variao na escrita passando a escrever o nome com apenas um B, onde l-se Bobato. Todas as pessoas pertencentes a essa famlia apresentadas nesse trabalho tiveram seu nome registrado com um B, portanto optou-se por utilizar essa grafia para mencionar este sobreno-me. O mesmo aconteceu com o sobrenome Moleta que nos primeiros registros era escrito com dois Ts e que com o passar do tempo passou a ser escrito com apenas um T.

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    As fotografias de casamentos retratavam a formao de uma nova famlia, que na maioria das vezes se dava pela unio de duas famlias diferen-tes. O papel do fotgrafo nesse contexto era o de um colaborador para a preservao e a ma-nuteno desse momento de unio na memria das pessoas envolvidas e daqueles que posterior-mente viriam a reviver esse momento atravs da fotografia. Alm disso, o Sr. Bogdan era o ni-co fotgrafo na poca que possua disponibilidade para registrar os casamentos, por isso ele era cha-mado para fotografar a maior parte dos eventos da cidade.

    Santos (2009, p. 167), afirma que a fotografia de grupos familiares, assim como de outros grupos, constitui-se em um meio imagtico para se disse-minar discursos e ressaltar relaes sociais que ali ficaram congeladas no instante retratado. Dessa forma, sentiu-se a necessidade de pesquisar e produzir estudos escritos formais sobre o tema, j que a memria desses descendentes de imi-grantes italianos pode ser percebida at hoje nos relatos de suas histrias de vida e nas fotografias.

    Dessa forma, o principal objetivo deste artigo analisar o olhar fotogrfico que o fotgrafo Bog-dan Bilouws apresentou ao registrar as fotografias dos casamentos dos descendentes de imigrantes italianos das famlias Bobato e Moleta. Pretende--se tambm identificar elementos comuns nas re-trataes dos casamentos e de que forma estas famlias preservaram sua identidade e memria atravs destas fotografias, permitindo compreen-der o passado atravs das interpretaes que os sujeitos fazem no presente.

    Na delimitao temporal, optou-se pelas d-cadas de 1950 a 1980, dcadas estas nas quais o fotgrafo atuou profissionalmente na cidade, re-gistrando todas as fotografias analisadas neste ar-tigo.

    A partir desses objetivos, buscamos utilizar a fotografia como fonte documental, j que ela con-tribui para a construo da memria, no momen-to em que atua como documento histrico, como fonte de conhecimento e de rememorao.

    A Trajetria da Fotografia

    Segundo Hoffman (2013, p.202) a primeira imagem fotogrfica foi produzida por Joseph Ni-pce, em 1826, na Frana. A partir da, essa in-veno vai trazer uma mudana significativa na

    maneira de obter as imagens daquilo que obser-vamos.

    A descoberta da fotografia no Brasil aconte-ceu em 1833, pelo francs Hercules Florence, a utilizao da primeira vez do termo photogra-phie, seguindo para a descoberta das cartas-de--visite, at o surgimento da primeira cmara Ko-dak. Nesse contexto a fotografia foi tendo uma aceitao bastante grande enquanto possibili-dade inovadora de informao e conhecimento (HOFFMANN,2013,p.203).

    A fotografia surgiu na dcada de 1830 como resul-tado da feliz conjugao do engenho, da tcnica e da oportunidade. Nipce e Daguerre dois nomes que se ligaram por interesses comuns, mas com objetivos diversos so exemplos claros dessa unio. Enquanto o primeiro preocupava-se com os meios tcnicos de fixar a imagem num supor-te concreto, resultado das pesquisas ligadas litogravura, o segundo almejava o controle que a iluso da imagem poderia oferecer em termos de entretenimento (afinal de contas, ele era um homem do ramo das diverses)(MAUAD, 2008, p.29).

    At o incio do sculo XIX, a fotografia no era utilizada como fonte de pesquisa histrica, era utilizada apenas como ilustrao. Mas foi no final do sculo xIx que as transformaes nas rela-es sociais e no pensamento filosfico trazem a fotografia como uma nova perspectiva, uma nova possibilidade de pesquisa e nova fonte para inter-pretar os processos histricos. Segundo Kossoy (2001, p.26) a fotografia a partir de 1860 passa a ser aceita como possibilidade inovadora de in-formao e conhecimento. a partir dela que podemos registrar casamentos, nascimentos, ro-mances, bodas, aniversrios, enfim, a histria do cotidiano, como tambm os acontecimentos da poltica e da histria nacional e mundial.

    As fontes fotogrficas so uma possibilidade de investigao e descoberta que promete frutos na medida em que se tentar sistematizar suas infor-maes, estabelecer metodologias adequadas de pesquisa e anlise para a decifrao de seus con-tedos e, por consequncia, da realidade que os originou. (KOSSOY, 2001, p.32).

    A fotografia uma fonte histrica onde a ima-gem representada geralmente nunca posta em dvida, isto se deve credibilidade da fotografia nos diferentes ramos da cincia. As fotografias no substituem a realidade tal como se deu no passa-do, mas sempre permitiro diferentes interpreta-es e mltiplas significaes. Ao se analisar uma fotografia deve haver a conexo das informaes

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    com o contexto econmico, poltico e social, com os costumes, com as manifestaes artsticas, li-terrias e culturais da poca retratada. Pretende--se fazer isso no estudo deste artigo, onde sero analisados aspectos religiosos e comportamentais atravs da fotografia.

    Toda fotografia foi produzida com uma certa fina-lidade. Se um fotgrafo desejou ou foi incumbido de retratar determinado personagem, documen-tar o andamento das obras de implantao de uma estrada de ferro, ou os diferentes aspectos de uma cidade, ou qualquer um dos infinitos as-suntos que por uma razo ou outra demandaram sua atuao, esses registros - que foram produzi-dos com uma finalidade documental - representa-ro sempre um meio de informao, um meio de conhecimento, e contero sempre seu valor do-cumental, iconogrfico. (KOSSOY, 2001, p.47-48).

    Em toda fotografia podemos identificar a ao do homem, o fotgrafo, que em determinado espao e tempo opta por um assunto em espe-cial e que, para seu devido registro, emprega os recursos oferecidos pela tecnologia. Portanto te-mos trs elementos que constituem uma imagem fotogrfica: o assunto, o fotgrafo e a tecnologia.

    O ato do registro, ou o processo que deu origem a uma representao fotogrfica, tem seu desenro-lar em um momento histrico especfico (caracte-rizado por um determinado contexto econmico, social, poltico, religioso, esttico etc.); essa foto-grafia traz em si indicaes acerca de sua elabora-o material (tecnologia empregada) e nos mos-tra um fragmento selecionado do real (o assunto registrado). (KOSSOY, 2001, p.39-40).

    Ao fotografarmos, estabelecemos um tema e o espao fotogrfico, fazemos o foco e definimos o objeto central.Porm tudo depende do fotgra-fo e dos recursos tcnicos de que dispe. As fo-tografias congelam fragmentos desconectados de um instante da vida das pessoas, coisas, natureza, paisagens urbana e rural.

    Ao se analisar as fotografias deve haver a conexo com as mais diversificadas fontes num contexto geral,que informam sobre o passado e a atuao do fotgrafo. A fotografia uma repre-sentao do passado, cabendo ao historiador re-alizar a anlise iconolgica da mesma, ou seja, sua interpretao. As fotografias nos remetem a uma parcela de realidade, sob a qual podemos questio-nar e descobrir informaes que estamos buscan-do. As fontes analisadas podero contribuir para a percepo do olhar fotogrfico do Sr. Bogdan Bilouws no momento do registro de um elemen-to mantenedor da memria dos descendentes de

    imigrantes italianos atravs das fotografias dos ca-samentos das duas famlias citadas.

    A fotografia, portanto, como fonte histrica traz elementos da cultura material, costumes, re-laes sociais e de poder, entre outros. Ela nos traz recortes de momentos passados, possibili-tando a investigao, o levantamento de informa-es, quais os elementos representados por ela e o contexto nas quais elas esto inseridas. Mesmo estando atrelada ao estudo dos acontecimentos do passado passa a ser um testemunho do pre-sente, ou seja, divulga os feitos dos homens p-blicos e o cotidiano dos homens e mulheres de diferentes classes sociais. A fotografia para o historiador uma possibilidade de descoberta e in-terpretao da vida histrica.

    o retratista

    Ao falar em fotografia neste artigo, logo nos remetemos figura do fotgrafo, personagem sem o qual a fotografia no seria capaz de existir. E ao pensarmos na figura do fotgrafo, nos re-metemos para a necessidade de contar um pouco da histria de vida do senhor Bogdan Bilouws, ou seja, sua biografia.

    Segundo Bourdieu (2006, p. 183-184), a bio-grafia caracterizada como a histria de uma vida, sendo a vida um conjunto de acontecimentos de uma existncia individual, ou seja, de um ser hu-mano. A biografia geralmente possui a narrao como estilo de escrita, sendo que esta pode se-guir uma ordem cronolgica ou no, e que geral-mente registra fatos marcantes e significativos da vida do entrevistado, os quais ele deseja enfatizar. A narrativa pode variar em sua forma e conte-do, conforme o meio social a que est destinada e ser apresentada.

    Essa inclinao a se tornar idelogo de sua pr-pria vida, selecionando, em funo de uma inten-o global, certos acontecimentos significativos e estabelecendo entre eles conexes que possam justificar sua existncia e atribuir-lhes coerncia, [...] encontra a cumplicidade natural do bigrafo para quem tudo, a comear por suas disposies de profissional da interpretao, leva a aceitar essa criao artificial de sentido. (BOURDIEU, 2006, p. 184-185)

    Uma caracterstica importante da biografia e que a ela est atrelada como forma de afirmao e aceitao o nome prprio. atravs dele que se constitui a identidade social do entrevistado, podendo ser constante e duradoura, que junta-

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    mente com sua identidade biolgica, motiva-se a asseguraruma constncia do grupo atravs do tempo e espao, porm tambm essa identidade est sujeita a mudanas em todas as suas histrias de vida possveis, ou seja, a memria constitui o sentimento de identidade.

    Compreende-se, ento, que, em inmeros univer-sos sociais, os deveres mais sagrados em relao a si mesmo tomem a forma de deveres em relao ao nome prprio (que sempre tambm, por um lado, um nome coletivo, como nome de famlia, especificado por um prenome). O nome prprio o atestado visvel da identidade de seu portador atravs dos tempos e dos espaos sociais. (BOUR-DIEU, 2006, p. 187)

    Atravs de entrevista cedida pela Senhora Mauriene Camargo Taques Bilouws, viva do Sr. Bogdan, obtemos as informaes que sero apre-sentadas a seguir.

    O Sr. Bogdan Bilouws, fotgrafo em estudo neste artigo, registrava a maior parte dos eventos que aconteciam na cidade de Imbituva entre as dcadas de 1950 a 1980. Era chamado de retra-tista, como comumente eram chamados os pro-fissionais da fotografia nos incios do sculo XX.

    Nasceu em 12 de agosto de 1932, em uma lo-calidade no interior do municpio de Irati-PR. Era descendente de imigrantes poloneses.

    Teve sua iniciao na arte de fotografar no ano de 1947, como aprendiz de seu tio Joo Dulka. Nessa poca era realmente muito difcil reprodu-zir as imagens das pessoas com perfeio, pois os equipamentos da poca no dispunham de tantos recursos quanto os de hoje, era necessrio fazer retoques, prtica esta que at pouco tempo mui-tos profissionais ainda utilizavam.

    Em 1950 foi servir o Exrcito na cidade do Rio de Janeiro. L se tornou fotgrafo do Exr-cito, aproveitando para se aperfeioar na arte de fotografar. Quando retornou, em 1952 estabe-leceu seu comrcio na cidade de Irati-PR, onde ficou at o ano de 1955. No mesmo ano passou a residir e trabalhar em Imbituva, tornando-se o primeiro fotgrafo profissional da cidade, pois antes s existiam fotgrafos amadores. Criou o estdio fotogrfico Foto Bilouws, localizado ao lado da Igreja Matriz Santo Antnio, onde perma-neceu at sua morte.

    Casou-se com Mauriene Camargo Taques (conhecida como D. Maura). Ela era filha de Er-mnia Taques e Ubaldino Taques, neta de Baldu-no Taques, nome de destaque na cidade de Ponta Grossa-PR. Os pais de D. Maura eram fazendei-

    ros e seu casamento com o Sr. Bogdan Bilouws realizou-se na Catedral de Ponta Grossa e a festa em uma fazenda na localidade de Olho Dgua municpio de Imbituva. Vieram ento morar em Imbituva em frente Praa da Igreja Matriz. Tive-ram duas filhas, Tnia e Telma Bilouws.

    No incio de sua carreira profissional em Im-bituva, havia certa dificuldade em conseguir uma fotografia de qualidade, pois a energia eltrica da cidade era insuficiente, fazendo com que a luz oscilasse muito. Mesmo assim, o Sr. Bogdan era prestativo e preocupado em realizar um servio de qualidade. Tambm realizava fotografias exter-nas, permitindo um melhor registro dos aconteci-mentos da poca em Imbituva.

    O Sr. Bogdan era reconhecido pela sociedade imbituvense, era respeitado e estimado pelo seu profissionalismo e dedicao. Trabalhou em Imbi-tuva 40 anos como fotgrafo profissional. Sua se-riedade o levou a Presidente do Asilo So Vicente de Paula, da Associao Operria de Imbituva e por 3 meses foi Delegado substituto no municpio.

    Em sua profisso de fotgrafo, saa a qualquer hora do dia ou da noite para fotografar. Constan-temente era chamado pelos policiais para fotogra-far acidentes, prises ou outros acontecimentos. Tambm fotografava eventos polticos, religiosos, estudantis, enfim, tudo o que ocorria na cidade de Imbituva.

    Em seu estdio, montado na frente de sua casa, encomendava painis, papis e outros ins-trumentos necessrios para fotografar, para via-jantes que passavam na cidade. Depois que tirava as fotografias colocava-as em exposio, num ga-leria fechada com vidros, para que o pblico pu-desse apreciar seu trabalho.

    Em seu estdio tinha todas as roupas neces-srias para que as pessoas que viessem fazer as fotografias sassem bem alinhadas, como ternos e gravatas. Como muitos vinham do interior chega-vam todos cheios de p das carroas, ento, o Sr. Bogdan os conduzia at um lugar em seu estdio onde podiam se limpar ese recompor para depois tirar a fotografia.

    Ele fotografou vrias geraes de famlias em Imbituva. Quando algumas noivas chegavam a seu estdio com o vestido pouco armado, ele colo-cava jornais por baixo do vestido para ficar bem armado e mais bonito (foto 6: JoraciMoleta).

    Muitas pessoas que chegavam para tirar foto-grafias para documentos e tinham pouco ou ne-nhum dinheiro para pagar, ele no cobrava, por-

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    que sabia da dificuldade de muitas pessoas e en-carava esse ato como caridade. Muitos idosos que iam se aposentar e precisavam das fotografias, s o pagavam depois que recebiam sua aposentado-ria. Era uma pessoa muito bondosa e cumpridora de seus deveres para com a sociedade, segundo afirma sua esposa D. Maura.

    Quando as pessoas que tiravam as fotografias no vinham buscar, depois de algum tempo ele queimava as mesmas, para que ningum usasse indevidamente essas fotos.

    Em seus instrumentos de trabalho constava uma escrivaninha, uma mquina de datilografar (que hoje esto com uma das filhas) e a mquina de tirar a foto (que ele colocava em um trip). Quando essa mquina estragava, ele mandava ar-rumar em Curitiba e tinha uma de reserva (que est com sua outra filha).

    Parou de trabalhar com 59 anos em 1991. Vendeu seus instrumentos para um novo fot-grafo que se instalou na cidade, Geraldo Rocha.Morreu em 15 de dezembro de 1994, vtima de insuficincia respiratria. Alguns de seus equipa-mentos fotogrficos permanecem at hoje com sua famlia, como uma forma de recordar e revi-ver a sua realizao profissional5.

    Foto 1 - Bogdan BilouwsAcervo: Mauriene Bilouws

    Foto 2 - Mauriene Taques Bilouws em seu casamento, fotogra-fada pelo marido Bogdan Bilouws em seu estdio fotogrfico.

    Acervo: Mauriene Bilouws

    Foto 3 - Uma das primeiras mquinas fotogrficas utilizadas pelo fotgrafo Bogdan Bilouws. Sua filha Tania Mara em seu estdio

    fotogrfico. Agosto de 1976. Acervo: Mauriene Bilouws.

    5 Dados colhidos atravs de entrevista com D. Mauriene Camargo Taques Bilouws, no dia 30/08/2013 e tambm do Jornal Imbituva Hoje Regio-nal, com data de 19/02/1995.

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    Famlias Bobatoe Moletadescendentes de Imigrantes Italianos

    A vinda dos imigrantes para o Brasil iniciou-se em1819, com algumas famlias suas na regio de Nova Friburgo. Mas o auge ocorreunas ltimas dca-das do sculo xIx, atendendo aos interesses da ca-feicultura, quemesmo antes da abolio da escravatu-ra passou a utilizar o trabalho livre em grandeescala. O imigrante veio para o Brasil trabalhar nas lavouras de caf de So Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, como empregados e no Sul da Provncia Paranaen-se, principalmente como colonos. A primeira leva de imigrantes, entretanto,chegou ao nosso Estado o Paran entre 1748 e 1752. Eram portugueses, que-vieram para estabelecer posse na regio de Guair e Foz do Iguau e quemais tarde iniciariam o povoa-mento efetivo da Provncia Paranaense.

    Esses imigrantes vieram para o Paran com o ob-jetivo de colonizar e formar lavouras de subsistncia para o abastecimento dos centros populosos.O go-verno provincial desejava estabelecer uma populao deagricultores no espao entre os Campos Gerais, o Vale do Iguau eGuarapuava. Conforme Steca e Flo-res (2002, p.32), buscava-se fortalecer o trip formado pelomate, a madeira e o gado os principais produtos da economia da provncia. (STADLER, 2011, p.441).

    A intensa atividade colonizadora atingiu os terrenos dos arredores deCuritiba e de um modo geral o pla-nalto curitibano com o estabelecimento denumero-sos ncleos coloniais situados prximos ao centro urbano da capitalparanaense. A composio dos grupos imigrantes estabelecidos nas colnias des-sarea foi bastante heterognea, compreendendo alemes, italianos, poloneses, emmaior nmero. Os resultados satisfatrios alcanados na colonizao nas proximidades de Curitiba estimularam novas iniciativas de colonizao, estendendo-se o progra-maao litoral e aos Campos Gerais, sendo que a pri-meira leva de imigrantes Italianoschegou em 1875. (STADLER, 2011, p.441 apud BALHANA; MACHADO; WESTPHALEN, 1969, p. 168).

    (...) as famlias que saram da Itlia pertenciam, em grande parte, aouniverso dos meeiros, dos pequenos proprietrios e dos arrendatrios, independentemente de se originarem da Itlia setentrional ou meridional. (ALVIM, 1986, p. 22). Os imigrantes italianos que se dirigiram para a regio sul do Brasil, entre 1870-1920, na sua maioria eram da regio do Vneto e de suas provncias Belluno, Treviso, Vicenza, Verona, Padova, Veneza e Rovigo, onde o eixo de suaprodu-o eram os cereais e os vinhedos.

    O governo com o intuito de acelerar a imigrao,

    iniciou a colonizao em regies mais afastadas, sobre-tudo nos municpios de Palmeira, Ponta Grossa, San-toAntnio de Imbituva, So Mateus do Sul, Rio Azul, Mallet, Irati, Cndido de Abreu,Unio da Vitria, Pru-dentpolis. neste contexto que destacamos a imigra-o italiana com a instalao defamlias na Colnia de Bela Vista, interior da ento Freguesia de Santo Ant-nio deImbituva, em 1896. Eles chegaram, adquiriram terras e iniciaram a fundao depequenos ncleos. Vie-ram famlias de imigrantes italianos como os Bobato, Moleta, Marconato, Menon, Pontarolo, que nas regi-es mais do interior de Imbituva formaram ncleos, como por exemplo, Ribeira, Colnia Bela Vista, Boa Vista, entre outras. (STADLER, 2013, p.6-7).

    Segundo Stadler (2013), nos locais onde os imi-grantes se instalaram, iniciaram produzindo na terra e como as culturas eram semelhantes s da Europa, cultivaramcereais, verduras, vinho, entre outros. De suas colnias localizadas no interior (BelaVista, Ribeira, Boa Vista), dirigiam-se cidade (Imbituva) para a venda do excedentede sua produo e de ou-tros produtos como manteiga, queijo, doces, ovos, entreoutros. As outras duas atividades principais de-senvolvidas por esses imigrantesforam o cultivo da erva-mate e a extrao da madeira.

    Segundo Moletta (2007), Giacinto Moletta e sua mulher, Maria Gabardo,constituram uma das famlias pioneiras da Colnia Bella Vista no municpio deImbitu-va, no Paran. A motivao para o deslocamento a esta localidade era a companhia de muitos outros italianos e a possibilidade de possurem uma reaenorme para plantio. A chegada desses italianos ocorreu em 1896.

    De acordo com Stadler (2013), a famlia Bobba-to, que posteriormente tambm se fixou na Colnia Bella Vista, se destaca com a entrada de Marziale Bobbato no ano de 1887 no Estado doParan. Essa famlia morou inicialmente na Colnia Alfredo Cha-ves, atual municpiode Colombo.

    Marziale, insatisfeito com o local onde residia, par-tiu para ointerior em busca de outras terras. Marziale Bobbato e seus outros companheiros, principalmen-te seu irmo Joo Bobbato encontraram uma rea de aproximadamente 1.800 alqueires e distante uns 15 km da cidade paraa implantao da nova colnia.

    Feita a estrutura bsica na colnia foi possvel ini-ciar o processo derecebimento das outras famlias, ora mencionadas em ordem alfabtica: Affornalli, Beraldo,Benanto, Bressan, Binni, DaI Santo, Dalla Rosa, Fabbris, Fabbri, Gatto, Gasparello,Guilherme, Marconato, Montani, Menon, Scorsin, Sturaro e Zampieri, entreoutras, todas da regio vneta, no norte da Itlia. (STADLER, 2011, p.443).

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    A colnia foi batizada com o nome de Co-lnia Italiana Bella Vista.Sucessivamente foram chegando colnia outras famlias e, em 1900, o nmerodelas era de aproximadamente 40 fa-mlias, estimando-se um total de 150 habitantes. Os colonos relatam que a terra era frtil, adequa-da para a plantao dearroz, batata doce, batata inglesa, cebola, centeio, feijo, fumo, melancia, milho,trigo e uva.A rotina era como nas demais colnias, de muito trabalho e pouca diverso. Bella Vista foi fundada por pessoas que no ti-nham encontrado oportunidadesnas colnias existentes nos arredores de Curitiba.

    Tambm relacionados aos imigrantes italianos da Colnia Bella Vista, esto atividades relaciona-das ao desenvolvimento dos setores industriais e comerciais, os quais se distriburam pelo peque-no comrcio, extrao da erva mate e indstria de madeira, constituindo hoje importante contri-buio vida econmica imbituvense atravs de seus descendentes.

    Entre os descendentes das famlias Bobato e Moleta que se relacionavam entre si na Colnia Bella Vista e seus arredores esto os casamentos e a unio destas famlias, formando a maioria da populao atual da Colnia e parte dos morado-res da cidade de Imbituva.

    As imagens abaixo mostram os casais pionei-ros das famlias Bobato e Moleta que se estabele-ceram na Colnia Bella Vista em Imbituva, e que deram origem aos descendentes representados nas fotografias de casamentos deste trabalho6.

    Foto 4 - Igreja Nossa Senhora do Carmo. Construda pelos imi-grantes italianos na Colnia Bella Vista em 1925-29.

    Foto 5 - Marziale Bobbato e Maria Madalena Milani. Casal pioneiro da famlia Bobato.

    Foto 6 - Luigi Moletta e Anna Bordignon. Casal pioneiro da famlia Moleta.

    6 MOLETTA, Susete. Da Itlia para o Brasil: o casal da Capelinha da gua Verde. So Jos dos Pinhais: Est. Edies, 2007, 220 p.

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    os casamentos das famlias Bobato e Moleta sob o olhar do fotgrafo

    Bogdan Bilouws

    A fotografia se constitui em importante fonte para seregistrar a expresso das vontades, das aspi-raes, das realizaes, ou seja, dahistria de cada povo. So as fotos que ajudam a contar a vida das pessoas, dasfamlias, das cidades.Ela tem registrado paisagens, casamentos, nascimentos, aniversrios, lazer, trabalho, batizados, festas, bailes, passeios e tem registrado os acontecimentos da poltica e da histria nacional e mundial.

    Para o historiador em suas pesquisas, a fotogra-fia pode ser considerada um documento histrico que permite investigar como era a vida das pessoas de uma determinada poca. Mas temos que tomar cuidado, pois a fotografia no substitui os fatos como eles realmente aconteceram. Ela pode representar a inteno do fotgrafo ao registrar determinada ima-gem. A fotografia pode significar um smbolo, aqui-lo que no passado, a sociedade quis deixar como mensagem para o futuro, ou seja, uma determinada viso deste passado. Kossoy (2001, p.36) nos reve-la que a fotografia uma representao do real e tambm uma possibilidade de construir a realidade, a partir da investigao que fizermos sobre o significado dela como imagem fotogrfica e os condicionamentos em que foi produzida.

    Uma fotografia traz vrias informaes acerca de um momento passado. Ela sintetiza no documen-to um fragmento do real visvel. O espao urbano, os monumentos arquitetnicos, o vesturio, a pose e as aparncias elaboradas dos personagens, aguar-dam interpretao. So essas interpretaes que ca-bem ao historiador faz-las. A fotografia, portanto, uma fonte de estudos para a histria, pois ela pode expressar em alguns casos, tanto quanto os prprios documentos escritos como tambm podem ser au-xiliados por esses mesmos, ou seja, os dois se com-pletam como Mauad aborda:

    [...] medida que os textos histricos no so au-tnomos, necessitam de outros para sua interpre-tao. Da mesma forma, a fotografia para sua utilizao como fonte histrica, ultrapassando seu mero aspecto ilustrativo deve compor uma srie extensa e homognea no sentido de dar conta das semelhanas e diferenas prprias ao conjunto de imagens que se escolheu analisar. [...] (MAUAD, 2008, p. 25)

    As fontes histricas representam os casamentos dos descendentes de imigrantes italianos, os quais

    muitas vezes casavam entre parentes, perpetuando o nome de uma mesma famlia. Outras vezes,casava--se com pessoas de outras famlias, como o caso das famlias estudadas, Bobato e Moleta, ambas de origem italiana, e que juntas deram origem a um grande nmero de descendentes que lutam pela preservao da memria de seus ancestrais.

    Dentre os vrios estudos sobre a memria, os de Maurice Halbwachs contriburam para a compre-enso do conceito de memria e suas relaes com o contexto social. Para ele, as memrias podem ser individuais, sociais ou coletivas. Cada um carrega as suas lembranas, mas est o tempo todo interagin-do com a sociedade, seus grupos e instituies. A memria pessoal est diretamente relacionada s memrias dos que o cercam. Para este autor,

    (...) nossas lembranas permanecem coletivas, e elas nos so lembradas pelos outros, mesmo que se trate de acontecimentos nos quais s ns esti-vemos envolvidos, e com objetos que s ns vimos. porque, em realidade, nunca estamos ss. No necessrio que outros homens estejam l, que se distingam de ns: porque temos sempre conosco e em ns uma quantidade de pessoas que no se con-fundem. (HALBWACHS, 1990, p.26).

    Portanto, interpretar as memrias e de um gru-po especfico (imigrantes italianos atravs das foto-grafias de casamentos) no algo fcil, muito pelo contrrio, requer esforos e dedicao, afinal, me-mria trabalho constante no sentido de reviver, refazer, reconstruir, com ideias e imagens, as expe-rincias do passado. Para fazer essa reconstruo do passado, o grupo familiar uma referncia funda-mental, pois objeto e espao para recordaes.

    Halbwachs (1990, p.81-82) destaca que a me-mria familiar uma construo coletiva, uma corren-te de pensamento contnuo (...) que retm do passado somente o que est vivo ou capaz de viver na consci-ncia do grupo que a mantm. nesse sentido que a memria est intimamente ligada com a identidade, capaz de se formar e se manter na conscincia dos grupos especficos aos quais esto relacionadas.

    Sobre o conceito de identidade, a autora Ve-rena Alberti (2006, p.4) comenta:

    claro que importante, para a construo da iden-tidade do indivduo, que ele conhea sua histria familiar: quem foram e o que fizeram seus antepas-sados? Esse conhecimento permite que se situe no mundo e na histria e que forme uma espcie de capital intelectual e afetivo, que pode carregar para novas relaes. (ALBERTI, 2006, p.4)

    Para a devida interpretao das fotografias des-

  • te artigo o olhar e o espao delimitado foi o estdio do fotgrafo Bogdan Bilouws. Esse espao foi sele-cionado por se tratar do espao onde ele fotogra-fava os casamentos e a maioria das fotografias em estdio encomendadas a ele.

    A principal atividade realizada para este estudo foi a interpretao de treze fotografias de casamen-tos entre as famlias Bobato, Moleta e algumas outras famlias de descendentes deimigrantesitalianos, cor-respondente s dcadas de 1950/80. Utilizando-se de um roteiro e alguns passos sugeridos por Kossoy, foram sistematizadas as primeiras informaes.

    [...] anlise tcnica (anlise do artefato, a matria, ou seja, o conjunto de informaes de ordem tc-nica que caracterizam a configurao material do documento) e da anlise iconogrfica (anlise do registro visual, a expresso, isto , o conjunto de informaes visuais que compem o contedo do documento). (KOSSOY, 2001, p.77).

    Os dados sistematizados com as fotografias fo-ram referentes: a qual famlia pertencia a foto, data e o local, casamento de quais jovens, que tipo de ambiente e que outros elementos (detalhes) po-diam se observar e destacar na fotografia.

    O trabalho realizado com as fotografias teve por objetivo central um estudo mais detalhado, entre a anlise das fotografias e o que o olhar do fotgrafo pretendia captar ao registrar aquele momento signi-ficativo da vida dos jovens noivos.

    Foto 7 - Casamento de Darcy Antonio Bobato e Delzira Maria Moleta. Data: 18/12/1965.

    Acervo: Delzira M. M. Bobato

    Foto 8 - Casamento de Eraildes Moleta e Elizeu Bobato. Data: 22/04/1972. Acervo: Delzira M. M. Bobato

    Foto 9 - Casamento de Verci Jos Moleta e Anaides Marconato. Data: 20/01/1973. Acervo: Delzira M. M. Bobato

    Observando as fotografias, foram destacados os seguintes dados: Os trs casais pertencem mesma famlia Bobato e Moleta. A noiva da foto 7 Delzira

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    Maria Moleta, a noiva da foto 8 Eraildes Moleta e o noivo da foto 9 Verci Jos Moleta eram irmos, filhos de Jacinto Moleta e Iolanda Bobato.

    Pode-se observar que o estdio do fotgrafo tem o mesmo painel e a posio que os noivos so colocados para serem fotografados a mesma, em frente como se fosse uma escada. A posio das noi-vinhas tambm a mesma. O que se pode notar que o fotgrafo Bogdan Bilouws tinha a inteno de que esse momento fosse uma imagem perfeita, porm ela acaba se tornando esttica, como se no houvesse movimento. As mesmas foram fotografa-das no mesmo espao e no mesmo ngulo. como se o fotgrafo estivesse educando o olhar das pes-soas para compreender que aquele momento deve-ria ser eternizado com perfeio.

    Tambm foram observados que as duas famlias Bobato e Moleta se interligaram atravs destes ca-samentos.

    No decorrer da pesquisa, foram identificadas outras fotografias, que mostram outros casamen-tos no mesmo espao e na mesma posio. Isso identifica a inteno do fotgrafo em mostrar esse ambiente como sendo o espao exclusivo para as fotografias de casamentos, o seu estdio. No se encontram fotografias de noivos em outros espaos externos a este estdio e de forma espontnea, em movimento.

    Bris Kossoy nos fala sobre essas fotografias es-tticas e de estdios:

    [...] na anlise das imagens fotogrficas do passado, cujos assuntos encerram quase que exclusivamen-te retratos posados de estdios e vistas urbanas e rurais captadas na sua estaticidade, torna-se difcil levantar dvidas quanto fidedignidade dessas representaes do ponto iconogrfico. Tratam-se de registros mecnicos de fragmentos do mundo visvel caracterizados em geral pela inexistncia de fatos dinmicos que poderiam eventualmente ser flagrados em sua espontaneidade. Os conte-dos dessas imagens mostram assuntos geralmente bem-organizados em sua composio e aprioristica-mente petrificados, antes mesmo do congelamento fotogrfico. (KOSSOY, 2001, p. 111).

    Sabemos que existe a interferncia do fotgrafo na produo da imagem e na configurao prpria do assunto no contexto da realidade. Isto quer dizer que tanto o fotgrafo como seu contratante pode desejar perpetuar uma imagem e estas podem ser estereotipadas, ou seja, expresses humanas que encontramos nos lbuns de famlias ou como obser-vamos nas fotografias dos casamentos das famlias Bobato e Moleta no estdio do fotgrafo Bogdan Bilouws.

    Foto 10 - Casamento de Eroni Bobato e Anildo Bobato. Acervo:Ins Bobato.

    Foto 11 - Casamento de Teresinha Moleta e Ismael Bobato. Arquivo pessoal

    Foto 12 - Casamento de Joraci Menon e Humberto Moleta. Arquivo pessoal

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    Observando as novas fotografias 10, 11 e 12, iden-tificamos os mesmos fatos anteriores, somente com algumas diferenas. Os noivos tambm pertencem s famlias Bobato e Moleta, o que mostra novamente um entrelaamento entre as famlias, esto no mesmo es-tdio fotogrfico, na mesma posio e ngulo quando as fotografias foram produzidas pelo Sr. Bogdan Bilou-ws. Inclusive a sobrenoiva est na mesma posio, se-gurando a cestinha das alianas.

    Na foto 12 encontramos a noiva Joraci Menon que segundo a viva do Sr. Bogdan, quando chegou ao estdio seu vestido no era armado e, portanto, para eternizar a fotografia como um momento perfeito, o Sr. Bogdan encheu de jornal por baixo do vestido para que ele ficasse bem armado. Isso nos mostra que o fo-tgrafo se preocupava com o momento perfeito, com todos os detalhes, para que se eternizasse o momento da fotografia.

    Esses estdios eram locais montados para faze-rem parte de um cenrio montado para as fotografias. Como nos mostra Maria Eliza Linhares Borges:

    Como pequenas fbricas de iluso, seus estdios atraiam homens e mulheres que, individualmente ou em grupos, davam vazo s suas fantasias. Para tal, os estdios ofereciam uma variedade de apetrechos utilizados na montagem de cenrios de acordo com desejo de auto-representao de seu pblico. Rplicas de tapetes persas, cortinas de veludo e brocado, almo-fadas decoradas, panos de fundo pintados com cenas rurais e/ou urbanas, roupas de gala, instrumentos mu-sicais, bengalas, sombrinhas de seda etc., eram dispo-nibilizados aos clientes interessados em atribuir reali-dade a seus sonhos e desejos. (BORGES, 2005, p.51).

    As famlias Bobato e Moleta eram famlias de des-taque entre os descendentes de imigrantes italianos na Colnia Bella Vista e Ribeira no interior de Imbituva. Formaram o maior nmero de moradores destas lo-calidades. Com os casamentos entre os membros des-tas famlias, seus descendentes cresceram ainda mais. Dessa forma, a influncia que essas famlias exerceram na cidade de Imbituva foi bastante grande e era ne-cessrio atravs da fotografia representar seus papis sociais, ou seja, representar o grupo familiar e coletivo dos descendentes de imigrantes italianos.

    Segundo Borges (2005), nas fotografias de fam-lia o que interessava era a representao dos papis sociais. com eles que se cria a identidade do grupo e se instituiu a memria de seus membros. Os lbuns de famlia ou os retratos que tiram com os fotgrafos exprimem a verdade da recordao social. Funciona como uma espcie de integrao a que a famlia sujeita os seus novos membros, cria elos, institui e preserva a memria familiar. Quando a fotografia feita em es-

    tdio, a imagem da famlia ou do novo casal (no caso dos casamentos em questo) que est formando uma famlia soma-se a interferncia de outro olhar: o do prprio fotgrafo, que tambm possua seus critrios estticos e seus condicionamentos tcnicos.

    Foto 13 - Casamento de Ironi Bobato e Acir Marconato. Acervo: Cleusi T. Bobato Stadler

    Foto 14 - Casamento de Alaide Bobato e Daurio Schenemann.Acervo: Cleusi T. Bobato Stadler

    Foto 15 - Casamento de Bartolomeu W. Bobato e Irene Moleta.Acervo: Sirlei Moleta Camargo.

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    Observamos nas fotografias 13 e 14 o mesmo estdio, a mesma posio e ngulo, porm podemos observar que a sobrenoiva a mesma, que inclusive aparece na foto 09, com o mesmo vestido, sapato, vu e grinalda. Como os casamentos eram realizados na mesma localidade e entre pessoas com ligaes entre as famlias Bobato e Moleta, era comum que a sobrenoiva fosse a mesma, j que possua a roupa adequada.

    Contudo observamos que a fotografia 15 j pos-sui detalhes diferenciados, pois os noivos esto numa posio diferente, sentados, atrs deles esto seus padrinhos e o cenrio parece diferente, mas o mes-mo, s que num ngulo e posio diferente.

    O que pode ser destacado nestas fotografias e nas demais que a rigidez das posturas pode ser um sinal da artificialidade da situao gerada pela presen-a de estranhos: no caso a mquina e o fotgrafo, pois essas pessoas nunca tiravam fotografias a no ser em ocasies especiais, como seus casamentos.

    Nestas fotografias e cenrios de pano de fundo, o fotgrafo parece querer ressaltar o pertencimento dos membros destas famlias a posies sociais inde-pendentes de seu trabalho rduo e pesado, j que eram agricultores. O cenrio, o pano de fundo, quer criar um cenrio diferente do que eles viviam no seu dia-a-dia, cria a perpetuao de um momento, em outras palavras, da memria do casal ali fotografado. A cena registrada no se repetir jamais. O momen-to vivido, congelado pelo registro fotogrfico, irre-versvel. A vida, no entanto, continua e a fotografia segue preservando aquele fragmento congelado de uma realidade criada pelo fotgrafo. Os noivos ali fotografados envelhecem, os cenrios se modificam, desaparecem. O mesmo ocorre com o fotgrafo e seus equipamentos. Porm, de todo esse processo, somente a fotografia sobrevive, como memria da vida individual e social.

    Foto 16 - Casamento de Nelson Bobato e Lourdes Bobato. Acervo: Sirlei Moleta Camargo.

    Foto 17 - Casamento de Cleri Palhano e Valdenei Moleta. Acervo: Sirlei Moleta Camargo.

    Foto 18 - Casamento de Sirlei Moleta e Silvio N. Camargo. Acervo: Sirlei Moleta Camargo.

    Foto 19 - Noiva Sirlei Moleta. Acervo: Sirlei Moleta Camargo.

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    Nas fotografias 16 a 19 temos dados novos e di-ferentes, ou seja, podemos observar posies novas, noivos sentados, a sobrenoiva segurando o vestido da noiva, noivos mais sorridentes e com posio mais espontnea, somente a noiva sentada ou sozinha na fotografia. Percebemos aqui um novo olhar do fo-tgrafo Bogdan Bilouws, ou seja, ele pretendeu dar mais movimento as fotografias e uma maior espon-taneidade, para que a fotografia ficasse mais prxima da realidade, e no mais uma fotografia esttica e sem movimento. Como as trs ltimas so fotografias de casamentos mais recentes, eram os novos tempos da modernidade, dos equipamentos fotogrficos, dos mtodos e mecanismo para se produzir os retratos fotogrficos. Tudo o que pudesse chegar mais prxi-mo do real, posies, ngulos, espaos, pois a foto-grafia memria visual do mundo fsico e natural, da vida individual e social, de um instante da vida que flui ininterruptamente.

    Consideraes finais:

    No decorrer deste estudo, identificamos que as fotografias de casamentos das famlias Bobato e Mo-leta, representam importantes objetos para a preser-vao da identidade e memria das mesmas. Tam-bm considervel reconhecer a importncia dessas fotografias para o estudo da prpria histria, pois se configuram em fontes histricas que nos revelam o contexto da poca em questo. A fotografia foi re-conhecida como fonte histrica em finais do sculo xIx, facilitando e modernizando o acesso informa-o e conhecimento.

    Tambm, atravs deste estudo pudemos conhe-cer e verificar que a tcnica fotogrfica utilizada pelo fotgrafo Bogdan Bilouws foi muito importante para compreender o sentido que essas fotografias queriam transmitir para as geraes futuras. O fotgrafo tinha a inteno que a fotografia imortalizasse um dos mo-mentos nicos na vida dessas pessoas, talvez o nico momento em que se sentiam especiais, pois a maioria das pessoas retratadas eram agricultores descenden-tes de imigrantes italianos que moravam no interior e no tinham condies de encomendar fotografias ao retratista em diferentes momentos do dia-a-dia, a no ser em uma ocasio muito especial e que jamais se repetiria, como seus casamentos. O fotgrafo ide-alizava a imagem em seu estdio, ajustando todos os detalhes possveis para que a fotografia fosse registra-da com perfeio.

    Analisamos que as representaes fotogrficas dos casamentos demonstram a unio de diferentes famlias, a maioria de descendncia italiana. As foto-grafias representam a unio de noivos das famlias Bo-bato e Moleta, o que contribua para a preservao de sua memria e identidade como um grupo espec-fico, porm em outras fotografias possvel perceber pessoas de outras famlias importantes da cidade.

    Identificamos que o olhar do fotgrafo foi deci-sivo na produo e representao das imagens foto-grficas que retratavam os casamentos. As imagens encomendadas pelos noivos nesse momento especial serviram e servem at hoje para a perpetuao da memria de duas famlias que se mesclaram, dando origem a um grupo especfico que at hoje procura preservar sua histria.

    Atravs destas fotografias tivemos a oportunida-de de recordar, aprender e dialogar com o passado dessas famlias. Elas possibilitaram ultrapassar a bar-reira iconogrfica, ou seja, ir alm da interpretao da fotografia, proporcionando a construo do conheci-mento histrico.

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