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10/04/2014 1 Biologia Celular do Envelhecimento O Limite de Hayflick Vera Andrade, 2014 Quantas vezes as nossas células são capazes de se dividirem? Estrato basal ou Camada basal História do desenvolvimento de monocamadas celulares 1866 Friedrich Daniel Von Recklinghausen Manteve células de sangue anfíbio em frascos, por 35 dias, para esclarecer o que o meio ambiente é afetado pela célula ou a célula é afetada pelo meio ambiente. 1878 Claude Bernard Estudou a importância do meio ambiente interno na regulação das atividades dos tecidos vivos. 1885 Wilhelm Roux O primeiro experimento com cultura de tecido organizado, quando transferiu a placa neural de um embrião de galinha para uma solução salina aquecida. Provou que o fechamento do tubo neural é uma função celular e não um efeito mecânico de estruturas adjacentes, como se supunha. História do desenvolvimento de monocamadas celulares 1887 J. Arnold Cultivou leucócitos, implantado sob a pele da cavidade abdominal de um sapo e depois em discos com humor aquoso ou solução salina, os observou durante dias. Foi o início dos estudos de mitose e a prova de que as células podiam sobreviver fora de um corpo animal. 1898 C. A. Ljunggren Manteve, durante algumas semanas, fragmentos de pele humana em líquido ascítico. 1903 J. Jolly Estudos mais detalhados sobre sobrevivência celular e divisão de leucócitos fora do organismo original. 1907 Ross G. Harrison Cultivou fragmentos de medula espinhal de girino em linfa de anfíbio adulto. Com este trabalho, Harrison foi reconhecido como o inventor da cultura de tecidos. História do desenvolvimento de monocamadas celulares 1910 M. T. Burrows Introduziu técnicas modernas, porém a cultura de tecidos enfrentou o problema da contaminação bacteriana. 1912 Alexis Carrel Premio Nobel de Fisiologia em 1912 Conhecido pelas pesquisas em cirurgias, principal/ pelas suturas vasculares. Levou para a cultura de células, as técnicas de assepsia utilizadas em salas de cirurgia. Cultivou durante 30 anos fibroblastos de pinto sem nenhum incidente de contaminação, postulando que células animais podem ser cultivadas in vitro com sucesso. 1928 H. B. Maitland Desenvolveu pela primeira vez um método de cultura em tecido voltado para cultura de vírus. 1934 A. Carrel e G. O. Gey Cultivaram fragmentos de tecidos em garrafas e tubos. História do desenvolvimento de monocamadas celulares 1946 P. R. White Cultivou tecido animal em meio sintético, com composição conhecida. Isto permitiu formular vários meios de cultura celular in vitro, que hoje são mantidas vivas à temperatura de -170 ºC, em nitrogênio líquido. 1953 Watson e Crick A descoberta da estrutura do DNA, como um polímero “gigante” que contém as instruções – o código genético – responsáveis pela formação de um organismo, revolucionou o estudo da Biologia, definindo a célula como uma unidade complexa, capaz de armazenar toda a informação necessária para o desenvolvimento biológico de um ser vivo. Nos anos 50 Leonard Hayflick e Paul Moorhead Cultivaram fibroblastos humanos e verificaram que esses morriam após um número finito de divisões em cultura, mesmo em condições assépticas.

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Page 1: Biologia Celular do Envelhecimento O Limite de Hayflick · 10/04/2014 1 Biologia Celular do Envelhecimento O Limite de Hayflick Vera Andrade, 2014 Quantas vezes as nossas células

10/04/2014

1

Biologia Celular do Envelhecimento

O Limite de Hayflick

Vera Andrade, 2014

Quantas vezes as nossas células são capazes de se dividirem?

Estrato basal ou Camada basal

História do desenvolvimento de monocamadas celulares1866 Friedrich Daniel

Von Recklinghausen

Manteve células de sangue anfíbio em frascos, por 35 dias, para esclarecer o que o meio ambiente é afetado pela célula ou a célula é afetada pelo meio ambiente.

1878 Claude Bernard Estudou a importância do meio ambiente internona regulação das atividades dos tecidos vivos.

1885 Wilhelm Roux O primeiro experimento com cultura de tecido organizado, quando transferiu a placa neural de um embrião de galinha para uma solução salina aquecida. Provou que o fechamento do tubo neural é uma função celular e não um efeito mecânico de estruturas adjacentes, como se supunha.

História do desenvolvimento de monocamadas celulares1887 J. Arnold Cultivou leucócitos, implantado sob a pele da

cavidade abdominal de um sapo e depois em discos com humor aquoso ou solução salina, os observou durante dias. Foi o início dos estudos de mitose e a prova de que as células podiam sobreviver fora de um corpo animal.

1898 C. A. Ljunggren

Manteve, durante algumas semanas, fragmentos de pele humana em líquido ascítico.

1903 J. Jolly Estudos mais detalhados sobre sobrevivência celular e divisão de leucócitos fora do organismo original.

1907 Ross G. Harrison

Cultivou fragmentos de medula espinhal de girino em linfa de anfíbio adulto. Com este trabalho, Harrison foi reconhecido como o inventor da cultura de tecidos.

História do desenvolvimento de monocamadas celulares

1910 M. T. Burrows Introduziu técnicas modernas, porém a cultura de tecidos enfrentou o problema da contaminação bacteriana.

1912 Alexis CarrelPremio Nobel de Fisiologia em 1912

Conhecido pelas pesquisas em cirurgias, principal/ pelas suturas vasculares. Levou para a cultura de células, as técnicas de assepsia utilizadas em salas de cirurgia. Cultivou durante 30 anos fibroblastosde pinto sem nenhum incidente de contaminação, postulando que células animais podem ser cultivadas in vitro com sucesso.

1928 H. B. Maitland Desenvolveu pela primeira vez um método de cultura em tecido voltado para cultura de vírus.

1934 A. Carrel e G. O. Gey

Cultivaram fragmentos de tecidos em garrafas e tubos.

História do desenvolvimento de monocamadas celulares1946 P. R. White Cultivou tecido animal em meio sintético, com

composição conhecida. Isto permitiu formular vários meios de cultura celular in vitro, que hoje são mantidas vivas à temperatura de -170 ºC, em nitrogênio líquido.

1953 Watson e Crick

A descoberta da estrutura do DNA, como um polímero “gigante” que contém as instruções – o código genético– responsáveis pela formação de um organismo, revolucionou o estudo da Biologia, definindo a célula como uma unidade complexa, capaz de armazenar toda a informação necessária para o desenvolvimento biológico de um ser vivo.

Nos anos 50

Leonard Hayflick e Paul Moorhead

Cultivaram fibroblastos humanos e verificaram queesses morriam após um número finito de divisões em cultura, mesmo em condições assépticas.

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Culturas de tecidos/células

Surgiram no final do século XIX (1800) “cultura de tecidos” na realidade era “cultura de células”

1 pedaço de tecido vivo + mistura líquida de nutrientes

Células crescem, dividem-se e aumentam em número

Culturas de células e tecidos

Desagregar as células do tecido original por ação mecânica ou enzimática

Colocar numa camada aderente, substrato sólido ou em suspensão em meio de cultura, para cultivo

Culturas a partir tecidos humanos, animais e vegetais

A cultura de Carrel

• Em 1912, Alexis Carrel(francês) e Albert Ebeling cultivaram células de coração de galinha por mais de 30 anos

“Células podem crescer por períodos longos em cultura, desde que sejam nutridas regularmente, sob condições assépticas”

A cultura de Carrel

Corte de tecido do coração de galinha

Para criar o coágulo, colocava plasma (sem as células) sobre

o tecido

Fixado com coágulo sanguíneo

O plasma contêm os nutrientes necessários para o crescimento das

células vivas

A cultura era incubada a temperatura corporal normal da espécie

A cultura de Carrel

Para o processo continuar é preciso cortar a cultura em metades ou mais partes e colocar em novos frascos, fixar e colocar novo coágulo

Dr. Carrel e seus colaboradores fizeram durante 34 anos

Após várias divisões celulares, as células param

de se dividirem

• Em 1921, o jornal New York World Telegram escreveu que teriam criado um

– “...galo tão grande que poderia atravessar o Atlântico com apenas uma passada ... tão monstruoso que, empoleirado em nossa esfera mundana, a Terra, se pareceria com um cata-vento”

• Anualmente, o jornal procurava saber notícias sobre a saúde das células

1912

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“ Está bem conhecido (compreendido) que a vida de um órgão ou tecido individual pode ser mantida por um período de tempo, depois da morte do homem como indivíduo”.

Alexis Carrel Premio Nobel de Fisiologia em 1912.

“Alguns indivíduos poderiam ser colocados em armazenamento por longos períodos, e se permitir dessa maneira de viver por séculos”.

Time, The Weekly Newsmagazine, 1935, publicouUm cientista definiu a morte em um novo âmbito (dimensão), Dr. Alexis Carrel, cientista do Instituto Rockefeller ...... é possível adiar (suspender) a vida humana vivendo vários séculos...Dr. Carrel mostrou a imortalidade das células de coração de galinha, as quais ele tem cultivado por 24 anos, no Instituto....ele definiu 2 tipos de morte: a reversível e a irreversível...a primeira traz a esperança para uma melhor saúde e vida longa.

A cultura de CarrelSe células cultivadas são imortais, então:

O envelhecimento não é devido a eventos que ocorrem dentro das células

O envelhecimento deve ser resultado de eventos que ocorrem fora das células

• Dogma que dominou até os anos 50

• “As células se dividem e funcionam indefinidamente quando colocadas em cultura e submetidas às condições adequadas ao seu crescimento”

• Recebeu apoio quando foi descoberto que células normais de roedores e seres humanos em cultura poderiam adquirir a propriedade de imortalidade

– A primeira cultura de células humanas imortais foi chamado de HeLa (Henriqueta Lacks), de tecido cervical (câncer), cultivado no Johns Hopkins University em 1952

Cultura de células humanas

• Leonard Hayflick e Paul Moorhead, WistarInstitute, Filadélfia, 1950

• Cultivaram fibroblastos humanos e verificaram que esses morriam após um número finito de divisões em cultura

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ExperimentoCortaram um tecido, isolaram as células com o uso da enzima digestiva tripsina (pâncreas)

Foram cultivadas com aminoácidos, vitaminas, minerais como sódio, potássio e cálcio + plasma sanguíneo. Se multiplicaram até cobrir toda a superfície do frasco e depois de algum tempo, pararam de se multiplicar

As células param de se dividir quando tocam nas células vizinhas

A população de células foi dividida em duas partes iguais e foram novamente cultivadas

No caso de células de feto humano, esse processo se repete aproximadamente 50 vezes e depois param de se dividir e morrem

Experimento

Fizeram experimento com células congeladas com nitrogênio líquido e armazenadas por anos

Após novo cultivo, as células “lembram”o nível de duplicação em que foram congeladas e continuam a se dividir até alcançarem o número total de duplicações possíveis

Hayflick e Moorhead e o limite de duplicação

células fetais femininas

Células masculinas velhas

Culturas puras de cada uma das células

Células normais em cultura mista de células fetais femininas (abortos legais da Suécia) e células velhas masculinas

Baseado nos cromossomos sexuais (cromatina de Baar)

Após 30 duplicações, somente células fetais femininascontinuavam a se dividir

Hayflick e Moorhead e o limite de duplicação

células velhas femininas

Células masculinas fetais

Culturas puras de cada uma das células

O experimento foi repetido com células femininas velhase células masculinas fetais (Suécia)

Baseado nos cromossomos sexuais (cromatina de Baar)

Após 30 duplicações, somente células fetais masculinas continuavam a se dividir

O limite de duplicação

A explicação mais provável para a perda da capacidade de divisão das células normais deve-se à atividade de um relógio intracelular

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• Em 1961, Hayflick submeteu sua descoberta do envelhecimento celular ao “Journal ofExperimental Medicine”, um dos mais prestigiados na época. Seu trabalho foi rejeitado com várias notas, entre elas:– “O fato mais importante resultante da cultura

de tecidos, nos últimos cinqüenta anos, é que as células, devido à sua capacidade inerente de multiplicação, se multiplicarão indefinidamente desde que sejam fornecidas as condições certas”

• Em relação ao fato de que a morte celular seria o envelhecimento:

– “A inferência de que a morte celular deve-se à senescência em nível celular parece notadamente precipitada”

• Foi assinado por Peyton Rous, um virologista que tinha demonstrado que o câncer pode ser causado por vírus e ganhou prêmio Nobel no final da década de 60.

• Hayflick enviou o trabalho a outro jornal científico, “Experimental Cell Research” (1961) que o aceitou

– Desde então esse trabalho foi elevado ao status de “clássico”, um dos cem trabalhos científicos mais citados entre os dois milhões de trabalhos científicos publicados na década de 60

Cai um Velho Dogma

• Hayflick e Paul Moorhead, descobriram que Carrel estava errado

– “Toda a verdade passa por três estágios. Primeiro, é ridicularizada. Segundo, é violentamente combatida. Terceiro, é aceita como se fosse auto-evidente”. (Schopenhauer)

Transplantando células normais “fonte da eterna juventude”

• Será que as células normais escaparão do envelhecimento e viverão para sempre se forem transplantadas em uma séria de animais jovens?

• É possível retirar um pequeno enxerto de pele de um animal velho e transplantá-lo em um hospedeiro mais jovem?

• Quando o hospedeiro jovem envelhece, este enxerto é transplantado em outro animal jovem, repetindo o processo o maior número de vezes possível

• Esse experimento foi feito com vários tipos de tecidos e a resposta foi clara

• Células normais transplantadas em um animal e mantidas sob condições ideais, tal e qual o animal hospedeiro, são mortais

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Envelhecendo células adultas

• Como células de embriões têm um limite de duplicações de 50 vezes (oito meses), quantas duplicações da população ocorreriam com células de doadores idosos?

– Descobriram que quanto mais idoso o doador humano, menor o número de divisões das células normais cultivadas

Limite de Hayflick

Taxa

de

cres

cim

ento

rela

tivo

Meses

Número de duplicações

I

II

III

Células Progenia e

Síndrome de Werner

Células de um indivíduo de

100 anos

Células de recém-nascido

Limite de Hayflick

Taxa

de

cres

cim

ento

rela

tivo

Meses

Número de duplicações

I

II

III

Senescência

Células jovens na fase II.

Células velhas na fase III

Onde estava o erro de Carrel?• Se as células normais têm uma

capacidade limitada de divisões em cultura celular e até em animais, como poderia ser explicado a cultura imortal de Carrel?

O erro de Carrel• A cultura de Carrel seria de células normais

ou essas teriam se transformado em células anormais (cancerosas) e então seriam imortais?

• Células normais podem se transformar em anormais por exposição a agentes causadores de câncer como radiação, carcinógenos químicos ou vírus do câncer?

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• Hayflick, depois de uma palestra na Escola de Medicina, na Universidade de Porto Rico, na década de 70, conversou com uma ex-técnica do laboratório de Carrel– A porção de extrato de embrião era preparada

diariamente pela extração de fluido de um embrião de pinto

– Não permitiam que os nutrientes fossem congelados, alegavam que o congelamento destruiria o valor nutricional do extrato

– Pedaços de células e até células inteiras escapavam ao processo de extração

O sucesso de Carrel poderia resultar de um erro?

• O culpado desse erro foi o extrato de embrião de pinto usado para fixar o tecido de coração à base do frasco de cultura

• Não é de se admirar que a linhagem de células de Carrel parecesse imortal, pois todas as vezes que alimentava a cultura estava adicionando novas células

O sucesso de Carrel poderia resultar de um erro?

• Será que esse foi um caso de fraude científica intencional?

– Carrel está morto; portanto não pode ser questionado

– Talvez tenha sido vítima de um erro de laboratório, mantido em segredo, ou talvez ele e seus técnicos sejam conspiradores