biblioteca alexandrina: a fenix ressuscitada

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32 QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 16, NOVEMBRO 2002 M uito provavelmente, para um número significativo de leitores de Química Nova na Escola, vi- sitar o Egito povoa o imaginário. É pro- vável que, desde os primeiros estudos da história das civilizações, tenhamos repetido os no- mes Queóps, Quefrém e Mi- querinos e sonhado com a imponente esfinge. Um ou- tro sonho é a visitação à Biblioteca de Alexandria. Este texto é um convite para conhecer um pouco desse ícone da história do conhe- cimento. Em 16 de outubro deste ano, foi inaugurada a nova e imponente biblioteca. Alexandria, ou Iskanderiya em ára- be, foi fundada por Alexandre Magno, rei da Macedônia há mais de 2.300 anos. Ela foi, na Antigüidade, um pólo florescente onde se destacava um pla- nejamento urbano muito original feito pelo arquiteto Dinócrates. Inicialmente, sua localização era em uma ilha, que gradativamente transformou-se em uma península, ligada ao delta do Nilo por um estreito istmo. Outro destaque era um muito bem planejado porto mediterrâneo, onde havia um famoso farol, considerado uma Biblioteca Alexandrina das sete maravilhas do mundo antigo. Esse fora erguido em 279 a.C. Blocos de granito conferiam-lhe a altura de 125 m. Foi derrubado por dois terre- motos, nos séculos 11 e 14; suas pe- dras repousam hoje no fundo do mar. Onde es- tava o majestoso farol, está hoje a fortaleza do sul- tão Qaitbey, construída em 1480. Alexandria - na Antigüidade mais rica e importante que Atenas e Antioquia - foi cosmopolita, culta e tolerante. Nela viviam egípcios, gregos, macedônios e romanos. O grego era então a língua dominante. Os gregos edificaram na cidade um fascinante microcosmo de sabedoria, dando a sua gente um caráter saudavelmente inquie- to. A capital mediterrânea era o símbolo da cultura, com um complexo científico que foi um pólo difusor do saber e, tal- vez, o primeiro centro formal de pesqui- sa da humanidade. Essa concepção de produção organizada do saber pode ser considerada como embrião da cultura monástica medieval e também das uni- versidades, que surgiram no mundo oci- dental 15 séculos depois. A biblioteca - fundada por Ptolomeu I, chamado Soter (o Protetor), em 288 a.C. - foi organizada sob decisiva influ- ência de Aristóteles, tendo como modelo o clássico gymnasium. O bibliotecário encarregado de sua direção era esco- lhido diretamente pelo rei - a partir de uma lista de nomes proeminentes nas Artes, Ciências, Filosofia e Literatura - e era um dos postos mais altos e hono- ríficos do reino. O primeiro bibliotecário foi Demétrio de Falera. A Biblioteca possuía dez grandes sa- las de investigação e leitura, vários jar- dins, horto, zoológico, salas de disse- cações e observatório astronômico. Era formada por dois edifícios, o bruchium e o serapium (Serapis era o deus da fertilidade), nos quais se encontravam estantes, com nichos para guardar os papiros. Há informações de que chegou a reunir 700 mil rolos de papiro, o que equivaleria a aproximadamente 100-125 mil livros impressos de hoje. Havia no corpo da Biblioteca habitações ocupa- das por escribas que copiavam capri- chosamente os manuscritos, cobrando segundo o número de linhas produzidas a cada dia. O trabalho dos copistas era então muito valorizado e havia aqueles especializados em línguas das mais distantes regiões da Terra. Ptolomeu III Eugertes (o Benfeitor), em função de A biblioteca é uma espécie de gabinete mágico onde estão encarnados os melhores espíritos da humanidade, mas esperam a nossa palavra para sair da mudez. Attico I. Chassot Este texto é um convite para conhecer a nova Biblioteca de Alexandria, inaugurada em outubro de 2002. A visita é precedida por um encontro com a cidade de Alexandria, há mais de 2,3 mil anos, quando sua Biblioteca era o repositório da maior parte do conhecimento da humanidade de então e uma semente da Universidade, que no mundo ocidental surgiria mais de 15 séculos depois. conhecimento da Antigüidade, Biblioteca de Alexandria, Egito Recebido em 14/10/02, aceito em 21/10/02 Alexandria - na Antigüidade mais rica e importante que Atenas e Antioquia - foi cosmopolita, culta e tolerante. Nela viviam egípcios, gregos, macedônios e romanos e o grego era então a língua dominante HISTÓRIA DA QUÍMICA Esta seção contempla a história da Química como parte da história da ciência, buscando ressaltar como o conhecimento científico é construído.

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QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 16, NOVEMBRO 2002

Muito provavelmente, para umnúmero significativo de leitoresde Química Nova na Escola, vi-

sitar o Egito povoa o imaginário. É pro-vável que, desde os primeiros estudosda história das civilizações,tenhamos repetido os no-mes Queóps, Quefrém e Mi-querinos e sonhado com aimponente esfinge. Um ou-tro sonho é a visitação àBiblioteca de Alexandria.Este texto é um convite paraconhecer um pouco desseícone da história do conhe-cimento. Em 16 de outubrodeste ano, foi inaugurada a nova eimponente biblioteca.

Alexandria, ou Iskanderiya em ára-be, foi fundada por Alexandre Magno,rei da Macedônia há mais de 2.300anos. Ela foi, na Antigüidade, um póloflorescente onde se destacava um pla-nejamento urbano muito original feitopelo arquiteto Dinócrates. Inicialmente,sua localização era em uma ilha, quegradativamente transformou-se emuma península, ligada ao delta do Nilopor um estreito istmo.

Outro destaque era um muito bemplanejado porto mediterrâneo, ondehavia um famoso farol, considerado uma

Biblioteca Alexandrina

das sete maravilhas do mundo antigo.Esse fora erguido em 279 a.C. Blocosde granito conferiam-lhe a altura de125 m. Foi derrubado por dois terre-motos, nos séculos 11 e 14; suas pe-

dras repousamhoje no fundo domar. Onde es-tava o majestosofarol, está hoje afortaleza do sul-tão Qaitbey,construída em1480.

Alexandria -na Antigüidade

mais rica e importante que Atenas eAntioquia - foi cosmopolita, culta etolerante. Nela viviam egípcios, gregos,macedônios e romanos. O grego eraentão a língua dominante. Os gregosedificaram na cidade um fascinantemicrocosmo de sabedoria, dando a suagente um caráter saudavelmente inquie-to. A capital mediterrânea era o símboloda cultura, com um complexo científicoque foi um pólo difusor do saber e, tal-vez, o primeiro centro formal de pesqui-sa da humanidade. Essa concepção deprodução organizada do saber pode serconsiderada como embrião da culturamonástica medieval e também das uni-

versidades, que surgiram no mundo oci-dental 15 séculos depois.

A biblioteca - fundada por PtolomeuI, chamado Soter (o Protetor), em 288a.C. - foi organizada sob decisiva influ-ência de Aristóteles, tendo como modeloo clássico gymnasium. O bibliotecárioencarregado de sua direção era esco-lhido diretamente pelo rei - a partir deuma lista de nomes proeminentes nasArtes, Ciências, Filosofia e Literatura - eera um dos postos mais altos e hono-ríficos do reino. O primeiro bibliotecáriofoi Demétrio de Falera.

A Biblioteca possuía dez grandes sa-las de investigação e leitura, vários jar-dins, horto, zoológico, salas de disse-cações e observatório astronômico. Eraformada por dois edifícios, o bruchiume o serapium (Serapis era o deus dafertilidade), nos quais se encontravamestantes, com nichos para guardar ospapiros. Há informações de que chegoua reunir 700 mil rolos de papiro, o queequivaleria a aproximadamente 100-125mil livros impressos de hoje. Havia nocorpo da Biblioteca habitações ocupa-das por escribas que copiavam capri-chosamente os manuscritos, cobrandosegundo o número de linhas produzidasa cada dia. O trabalho dos copistas eraentão muito valorizado e havia aquelesespecializados em línguas das maisdistantes regiões da Terra. Ptolomeu IIIEugertes (o Benfeitor), em função de

A biblioteca é uma espécie de gabinete mágicoonde estão encarnados os melhores espíritos da humanidade,

mas esperam a nossa palavra para sair da mudez.

Attico I. Chassot

Este texto é um convite para conhecer a nova Biblioteca de Alexandria, inaugurada em outubrode 2002. A visita é precedida por um encontro com a cidade de Alexandria, há mais de 2,3 mil anos,quando sua Biblioteca era o repositório da maior parte do conhecimento da humanidade de entãoe uma semente da Universidade, que no mundo ocidental surgiria mais de 15 séculos depois.

conhecimento da Antigüidade, Biblioteca de Alexandria, Egito �

Recebido em 14/10/02, aceito em 21/10/02

Alexandria - na Antigüidademais rica e importante que

Atenas e Antioquia - foicosmopolita, culta etolerante. Nela viviam

egípcios, gregos,macedônios e romanos e o

grego era então a línguadominante

HISTÓRIA DA QUÍMICA

Esta seção contempla a história da Química como parte da história da ciência, buscando ressaltar como o conhecimentocientífico é construído.

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QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 16, NOVEMBRO 2002Biblioteca Alexandrina

necessidades de espaço, construiu umasegunda biblioteca, chamada a Biblio-teca Filha, no templo de Serapis.

Os faraós Ptolomeus tiveram sem-pre especial atenção em enriquecer aBiblioteca, adquirindo trabalhos originaise valiosas coleções através de comprasou de cópias. Cada navio que atracavano porto de Alexandria era pesquisadoe, se fosse encontrado um livro, este eralevado à Biblioteca para ser copiado,sendo que a cópia retornava ao proprie-tário, sendo seu nome inscrito em umregistro, como proprietário do original,que permanecia na Biblioteca. O mesmoocorria com qualquer viajante que che-gasse à Biblioteca com manuscritosoriginais.

De 30 a.C. até o ano 64 houve tam-bém uma florescente escola judaica delíngua grega que realizava uma simbioseda cultura hebraica com o neoplatonis-mo e com o gnosticismo oriental. Os ju-deus alexandrinos traduziram seus livrossagrados para o grego, constituindo achamada Tradução dos Setenta.

Organizar uma lista de intelectuaisque legaram importantes contribuiçõesà humanidade a partir de trabalhos e teo-rizações no complexo científico que exis-tiu junto à Biblioteca é algo extenso. Eisalguns exemplos: Aristarco de Samos,o primeiro a anunciar que a Terra gira aoredor do Sol; Hiparco de Nicéia, o pri-meiro a medir o ano solar com uma pre-cisão de 6,5 minutos; Erastóstenes, queprimeiro mediu a circunferência da Terrae como matemático é conhecido pelocrivo de Erastótenes; Euclides, que es-creveu a geometria que ainda usamoshoje; Arquimedes, umdos maiores matemá-ticos da Antigüidade;Heron, engenheiro me-cânico, criador, comoArquimedes, de váriosinstrumentos revolucio-nários; Hierófilo, médi-co e professor, estu-dioso da anatomia,tendo investigado o cé-rebro e os sistemas nervoso e circula-tório; Galeno, cirurgião grego; Calímaco,poeta que primeiro escreveu um catálo-go de livros classificando-os por assun-tos e por autor. A esses nomes junta-seo da grande matemática e astrônomaHipátia (370-415), última bibliotecária da

Biblioteca de Alexandria. Ela foi assas-sinada quando a Biblioteca foi queima-da por instigação de monges cristãos,que a identificavam como um centro he-rético.

A Biblioteca e seu complexo depesquisa foram destruídos parcial outotalmente em diferentes momentosdevido às guerras, ànegligência e, espe-cialmente, devido aomedo que têm os po-derosos e os déspotasde que o saber, quan-do extensamente so-cializado - e essa é afunção de uma Biblio-teca - possa fazê-losperder o poder. Suadecadência iniciou-se com o domínio ro-mano. O primeiro grande incêndio ocor-reu sob o domínio de Júlio César (47a.C.), durante uma ação militar, na qualos romanos queimaram navios egípciosque estavam atracados próximos e ofogo atingiu a Biblioteca; acredita-se queentão tenham se perdido 40 mil obrasacumuladas pelos quase três séculosda dinastia ptolomáica. Na era cristã, osimperadores Domiciano, Caracala, Vale-riano e Aureliano danificaram o grandepatrimônio cultural diversas vezes. Asegunda grande destruição foi ordenadapelo imperador cristão Teodósio I (391)e, 150 anos depois, Teodora, esposa deJustiniano, ordenou nova destruição emAlexandria. Em 619, os persas fizeramde Alexandria terra arrasada. Em 641, acapital do Egito é transferida para ondehoje é a cidade do Cairo; termina o

prestígio político deAlexandria.

Hoje, Alexandria - asegunda cidade doEgito - tem cerca de 4milhões de habitantes.Ao longo da muito ex-tensa cornija que bor-deja duas lindas baíasmediterrâneas, exis-tem edifícios moder-

nos e imponentes. O mar verde-azuladoé coalhado de embarcações de passeioque se misturam com pequenos barcospesqueiros. Revoadas de aves marí-timas enfeitam a paisagem. Mas, pareceque se sente ainda forte o magnetismodaquilo que a cidade representou no

passado nas muitas imponentes mes-quitas, na catedral copta e nas edifica-ções greco-romanas.

Quando se faz a primeira circuladapela orla, logo aparece, imponente, aBiblioteca Alexandrina, que ressurgequal Fênix, quase 1.400 anos depois. Oprimeiro destaque é um brilhante telhado

circular, de 160 metrosde diâmetro. O telhadode aço e alumínio pare-ce estar pronuncia-damente inclinado so-bre o Mediterrâneo, co-mo um manto protetorcontra o vento e a umi-dade; também contra ofogo, já que na primeiradestruição esse veio do

mar. Esse disco está parcialmente sub-mergido em um magnífico espelhod’água, que parece não ter limites. O dis-co recorda o deus solar Rá, lembrandoque uma biblioteca deve iluminar, comoo Sol, toda a humanidade. Um alto muro,revestido de granito cinza de Assuã,com quatro mil caracteres em baixo-re-levo com notas musicais, símbolosmatemáticos e letras de línguas que exis-tiram e existem em todo o mundo, recor-da a outra biblioteca, que foi o farol cul-tural da Antigüidade.

Se uma das faces da moderna Bi-blioteca Alexandrina está voltada para oMediterrâneo, aquela que lhe é opostaestá junto ao campus da Universidadede Alexandria, que tem cerca de 70 milestudantes, os maiores beneficiadoscom a riqueza que passam a ter à dispo-sição. A propósito, há a intenção deenvolver fortemente a população alexan-drina no uso do acervo, sendo queexistem setores especializados por fai-xas etárias e o público jovem é uma po-pulação para a qual estão dirigidas mui-tas promoções na Biblioteca.

Não é fácil fazer uma descrição doimponente complexo arquitetônico, quetem uma área total de 84.405 m2. Des-tes, 37 mil são exclusivos para a Bi-blioteca; os demais destinam-se a Cen-tro Cultural, Museu de Ciências, MuseuArqueológico e Museu de Manuscritos- com mais de oito mil documentos degrande valor -, laboratórios de res-tauração, um moderno planetário cons-truído pela França e outros serviçostécnicos. Há uma grande sala de leitura,

Os faraós Ptolomeustiveram sempre especialatenção em enriquecer a

Biblioteca. Cada navio queatracava no porto de

Alexandria era revistado e,se fosse encontrado umlivro, este era levado à

Biblioteca para ser copiado

Houve também emAlexandria uma florescente

escola judaica de línguagrega que funcionou de 30

a.C. até o ano 64, querealizava uma simbiose da

cultura hebraica com oneoplatonismo e com o

gnosticismo oriental

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com cerca de 20 mil m2, distribuídos em11 níveis distintos; destes, sete estãoacima da superfície e quatro sãosubterrâneos, todos dotados de arcondicionado e de uma alta tecnologiarelacionada à informática. Nesses pavi-mentos, o acervo bibliográfico (hoje são200 mil livros, mas há capacidade para8 milhões) está distribuído por temas,em função da classificação inter-nacional. Cerca de 2 mil leitores podemusar simultaneamente as salas. Tambémsão possíveis consultas pela Internet (verPara saber mais).

Algo que chama a atenção é a se-gurança. São particularmente impressio-nantes as preocupações com o fogo:as tragédias anteriores não podem serrepetidas. Há inúmeros chuveiros, queserão acionados automaticamente casohaja elevação súbita de temperatura ousinais de fumaças. Há também umasérie de cortinas corta-fogo, que podemisolar instantaneamente diferentessetores.

Há, porém, aqueles que criticam anova Alexandria, dizendo que a renova-ção da cidade é apenas cosmética, comas fachadas pintadas externamente, olixo recolhido apenas nas ruas centraise as praias limpas apenas para impres-sionar aos turistas.

Até os anos 70 do século passado,a Biblioteca Alexandrina era apenas umareminiscência de passado distante, commarcas dolorosas de destruição devidaàs discórdias entre povos e religiões. Apublicação do livro A antiga Biblioteca

Alexandrina: vida e destino, pelo histo-riador egípcio Mustafá El-Abadi, revolu-cionou a consciência e trouxe à cidadee ao país o desejo de recuperar paraAlexandria aquilo que ela uma vezsignificou. Com a liderança da Universi-dade de Alexandria, em 1974, desen-cadeou-se um processo internacional.

Em 1989, a UNESCO lançou um con-curso público internacional para a con-cepção do projeto e a construção daBiblioteca. Em 1990, foi assinada a De-claração de Assuã para a recuperaçãoda instituição. O arquiteto norueguêsKtejil Thorsen, do prestigiado escritórioSnohetta, com sede na Noruega, obteveo primeiro lugar, competindo com 524propostas de 52 países. Em 1995, foicolocada a primeira pedra da imponenteconstrução. Uma vez mais, trabalha-dores anônimos, como ocorrera há maisde 4 mil anos com a construção daspirâmides, fizeram algo monumental. Ocusto total da obra foi de algo em tornode US$ 220 milhões. O Egito pagou US$120 milhões e outros países doaramcerca de US$ 100 milhões, dos quais 65milhões vieram de países árabes (osgrandes produtores de petróleo doGolfo) e o restante de 27 outros países.

É importante referir que houve muitapolêmica interna acerca de um investi-mento tão vultoso, especialmente seconsiderada a miséria que há no país.Outra vez parece que são os gover-nantes que querem deixar nas obras im-ponentes seu nome. O personalismo dopresidente Mubaraki e de sua mulher

Suzanne foram decisivos nesta obra,para a qual, com adequação, cabe oadjetivo faraônica, especialmente emum Egito onde a grande maioria dapopulação luta para conseguir um pratode comida.

Hoje, a Biblioteca Alexandrina é ain-da uma imensa casca vazia, ou semi-vazia. Ela está recebendo doações detodas as partes do mundo. Há muitascríticas por uma não existência de crité-rios para receber as doações, chegan-do assim muito material de valordiscutível. Parece que, inicialmente, oúnico critério era que os livros não ofen-dessem a sensibilidade dos fanáticosislamitas egípcios. Assim, era fácilimaginar a não aceitação de obras da

Diferentes vistas da Biblioteca, com o Meditarrâneo ao fundo. O alto muro, revistido de granito cinza de Assuã, contém 4.000 caracteresem baixo-relevo com notas musicais, símbolos matemáticos e letras de línguas que existiram e existem em todo o mundo.

Detalhe do muro com caracteres em baixo-relevo.

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história da humanidade que falassemem sexo ou que duvidassem da exis-tência e da unicidade de Deus. Poderáser muito difícil encher as imensas pra-teleiras. Todavia, na grande sala de lei-turas já se exibe, entre outros, um pa-piro do Museu Egípcio de Turim, umacoleção de livros em miniatura de gran-des autores russos editada em Moscou,um fac-símile de manuscritos da Bíbliado século IV e duas cópias do Corão:uma de 1212, originária do Marrocos, eoutra de 1238.

Ismail Sarageldin, um ex-vice-presi-dente do Banco Mundial e atual diretorda Biblioteca, nomeado, em função dascríticas que se fazia à acumulação delivros sem critérios, pelo presidenteMubarak, a quem funcionalmente estáligado diretamente, diz: “Temos a má-xima liberdade paracolecionar livros, domesmo modo que oVaticano guarda textosque foram queimadospela Igreja Católica. Seos fundamentalistascondenam os Versossatânicos de SalmonRushdie, qual o melhorlugar para encontrar,ler e julgar este texto que a BibliotecaAlexandrina?”.

Há quatro grandes metas almejadaspara a Biblioteca Alexandrina: a) Umajanela do Egito no mundo - para ensejarque se conheça a muito rica e vasta

Para saber maisPara conhecer detalhes construtivos

da Biblioteca atual, visite www.bibalex.gov.eg. O endereço eletrônico para con-sultas é: [email protected].

A UNESCO tem, desde que iniciou acampanha para a construção da novaBiblioteca, um endereço (http://www.unesco.org/webworld/alexandria_new/)que merece a visitação.

No endereço http://www.bede.org.uk/library.htm encontram-se informaçõessobre os diferentes bibliotecários e tam-bém detalhes sobre as diferentes des-truições da Biblioteca Alexandrina.

história do Egito du-rante diferenteseras, disponibilizan-do grande quanti-dade de materiaispor meio de moder-nos meios paraacessá-los; b) Umajanela do mundo noEgito - a bibliotecaquer ser a oportu-nidade dos egípciosconhecerem outrascivilizações do mun-do; c) Uma biblio-teca na idade digital- que deseja inte-

grar-se com a revolução das informa-ções, associando-se a diferentesagências internacionais congêneres; ed) Um centro de diálogo e debate - ondeocorram de maneira permanente semi-nários para celebrar o diálogo entrecivilizações.

Estas são metas oficiais, que umavez mais recebem muitas críticas inter-nas, centradas em uma pergunta: po-derá a nova Biblioteca Alexandrinamudar o curso da história egípcia? So-nha-se que ela possa recriar o espírito erevitalizar uma das funções da velhaBiblioteca, como ponte de diálogo en-tre o Norte e o Sul e entre o Oriente e oOcidente. O objetivo cada vez mais vitalé realmente restabelecer o fragilizadodiálogo entre duas culturas, nas quaisexistem segmentos que se votam ódios

figadais. Este diálogo,às vezes, parece muitodistante, pois até houvenecessidade, por umaquestão de segurança,de postergar a inau-guração da Biblioteca,prevista para 23 deabril, Dia Internacionaldo Livro.

Parece importantereferir que a construção da novaBiblioteca ocorreu em um momento emque a censura à criação literária eartística no Egito se acentua. Sãoconstantes os processos contra jorna-listas e cineastas. Um dos exemplos

Abstract: Bibliotheca Alexandrina: the Resuscitated Phoenix - This article is an invitation to know the new Library of Alexandria, inaugurated in October 2002. The visit is preceded by a meeting with thecity of Alexandria, 2.3 thousand years ago, when its library was the repository of most of the knowledge of humanity of those times as well as a seed of the University, which, in the Western World, wouldarise only over twelve centuries later.Keywords: Alexandria’s Library, antiquity knowledge, Egypt

mais sangrentos foi a perseguição, naprimavera de 2000, ao escritor sírioHayder Hayder, em função da publi-cação do livro Banquete de algas. Nãoé sem razão que o mais importanteescritor egípcio atual, Naguib Mahfuz,tem de viver os últimos dias de sua vidaencerrado em casa, para não ser objetode um novo atentado de fanáticosislâmicos. Há mais de 20 séculos o climaera mais liberal no vale do Nilo eespecialmente Alexandria era, então,apontada como exemplo de experiên-cias multiculturais, pela convivênciamuito pacífica de raças e credos.

O Egito tem no turismo a sua segun-da fonte de divisas e, hoje, há diferen-tes segmentos turísticos: arte e grandesmonumentos, o mais antigo e exuberan-te; ecoturismo, que inclui praias (muitoseuropeus vêm às praias mediterrânease àquelas do Mar Vermelho) e esportesaquáticos; turismo religioso, com achamada rota da Sagrada Família, queestá sendo potencializado. Agora, há aesperança que intelectuais acorram àBiblioteca Alexandrina para pesquisas.

Muito provavelmente, Hipátia, cujomartírio esteve ligado à própria destrui-ção de seu local de trabalho, ficaria felizem ver - como hoje nós vemos - suabiblioteca, agora tão imponente. Muitoprovavelmente os leitores de QuímicaNova na Escola sonham poder usufruiralgum dia mais plenamente a Bibliotecade Alexandria. É muito gostoso embalarsonhos e este é um muito especial.

Attico Chassot ([email protected]), licen-ciado em Química e doutor em Educação, é docenteda UNISINOS, no Rio Grande do Sul.

Maquete da nova Biblioteca.

Há quatro grandes metasalmejadas para a BibliotecaAlexandrina: ser uma janela

do Egito no mundo, seruma janela do mundo no

Egito, ser uma biblioteca naidade digital e ser umcentro de diálogo e

debate