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BIBLIOTECAS UNIVERSITÁRIAS BRASILEIRAS: uma reflexão sobre seus modelos. http://www.sibi.ufrj.br/dodebei.doc Vera Lúcia Dodebei 1 Elaine Baptista de Matos Paula 2 Márcia Valéria Brito Costa 3 Isabel Arino Grau 4 RESUMO Discute os modelos estruturais e funcionais adotados pelas bibliotecas universitárias brasileiras, considerando os fundamentos teóricos, a evolução histórica da relação bibliotecas e universidades, as tentativas de modernização da década de oitenta, enfocando o modelo sistêmico como uma solução alternativa para resolver a dicotomia da especialização/interdisciplinaridade e indicando pontos que deverão ser levados em consideração na escolha do modelo mais adequado. 1 INTRODUÇÃO As bibliotecas universitárias brasileiras estão vivenciando uma crise que nada mais é do que o reflexo da crise econômica e social pela qual passa a sociedade neste final de século. Tal como em Calvino, 5 pode-se considerar que 1 Professor Doutor Adjunto II e Diretora do Sistema de Bibliotecas da Uni- Rio 2 Chefe da Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da Uni-Rio 3 Chefe da Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas da Uni-Rio 4 Chefe da Biblioteca Setorial do Centro de Letras e Artes da Uni-Rio 5 CALVINO, Italo. Seis propostas para o próximo milênio. São Paulo : Companhia das Letras, 1990.

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Page 1: Bibli. universitaria

BIBLIOTECAS UNIVERSITÁRIAS BRASILEIRAS: uma reflexão sobre seus

modelos.

http://www.sibi.ufrj.br/dodebei.doc

Vera Lúcia Dodebei1

Elaine Baptista de Matos Paula2

Márcia Valéria Brito Costa 3

Isabel Arino Grau4

RESUMO

Discute os modelos estruturais e funcionais adotados pelas bibliotecas universitárias brasileiras, considerando os fundamentos teóricos, a evolução histórica da relação bibliotecas e universidades, as tentativas de modernização da década de oitenta, enfocando o modelo sistêmico como uma solução alternativa para resolver a dicotomia da especialização/interdisciplinaridade e indicando pontos que deverão ser levados em consideração na escolha do modelo mais adequado.

1 INTRODUÇÃO

As bibliotecas universitárias brasileiras estão vivenciando uma crise que nada mais é

do que o reflexo da crise econômica e social pela qual passa a sociedade neste final de século.

Tal como em Calvino,5 pode-se considerar que as seis qualidades da escrita, leveza, rapidez,

exatidão, visibilidade, multiplicidade e consistência, são também qualidades que a biblioteca

deve perseguir nas suas relações com a sociedade para a qual presta serviços de informação.

A reflexão que se pretende fazer sobre os modelos estruturais e funcionais em bibliotecas

universitárias brasileiras não é exaustivo nem pontual e considera, principalmente, as rupturas

e as continuidades das relações da biblioteca com a universidade, a partir da importância

revelada pela História sobre a evolução das duas instituições.

A análise dos modelos adotados pelas bibliotecas universitárias brasileiras considera

os fundamentos teóricos que influenciaram suas condutas e os esforços de modernização de

suas estruturas e funcionamento com a criação do Programa Nacional de Bibliotecas

Universitárias - PNBU, na década de oitenta. Não se pretendeu, neste trabalho, efetuar uma

análise empírica dos diversos modelos existentes, uma vez que já existe literatura neste campo

1 Professor Doutor Adjunto II e Diretora do Sistema de Bibliotecas da Uni-Rio 2 Chefe da Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da Uni-Rio3 Chefe da Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas da Uni-Rio4 Chefe da Biblioteca Setorial do Centro de Letras e Artes da Uni-Rio5 CALVINO, Italo. Seis propostas para o próximo milênio. São Paulo : Companhia das Letras, 1990.

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mas, tão somente, levantar pontos para a reflexão, a partir de indicadores que emergem de

uma nova ordem social, na qual as propostas de Calvino se concretizam.

2 BIBLIOTECA E UNIVERSIDADE

Nesta abordagem inicial são considerados os conceitos de biblioteca e os de

universidade, com ênfase na relação biblioteca/universidade. Conceituar biblioteca requer

uma reflexão complexa. Pode-se considerar, como em Martins,6 que as bibliotecas são

anteriores aos livros e até aos pergaminhos. A idéia de coleção de livros, tal como hoje

conhecemos, tem sua origem no mundo clássico. Quanto à biblioteca, esta se perde na

antigüidade, pois a biblioteca já existia em grandes civilizações como no Egito, na

Mesopotâmia, na Grécia e em Roma. Embora a Biblioteca de Alexandria fosse a mais famosa

da antigüidade, tendo suas coleções já organizadas por assunto, foi com os romanos que as

bibliotecas passaram a assumir um papel de disseminadoras de idéias.

Na Idade Média, existiram três tipos de bibliotecas: as monacais, as das universidades

e as particulares (incluindo nesta categoria as bibliotecas reais). O acesso às bibliotecas era

restrito à elite, quer fosse o clero, a realeza ou a nobreza. Nesta fase, a biblioteca passa a ter

um caráter sagrado, mais pela natureza das instituições mantenedoras dos livros do que por

seus conteúdos. Basicamente, somente o clero tinha acesso às informações pois, durante este

período, como diz Martins,7 os livros, a palavra escrita, eram o mistério, o elemento

carregado de poderes maléficos para os não iniciados.

A Renascença, uma verdadeira revolução cultural, marcou a transição do mundo

medieval para o mundo moderno e expressou os ideais e a visão de mundo de uma nova

sociedade emergente que se originou da crise do feudalismo e do desenvolvimento da

economia mercantil. Os homens que vivenciaram este momento de conflito social inspiraram-

se nos valores e nos ideais da Antigüidade Clássica, greco-romana, por oposição aos valores

medievais que eles desprezavam. Mas, em vários aspectos, principalmente o cultural, esse

movimento representou mais uma continuação do que uma ruptura com a Baixa Idade Média.

Ainda em Martins,8 É, pois, já nos albores da Renascença que a biblioteca começa a

adquirir seu sentido moderno, a sua verdadeira natureza, como é também nessa época que

surge junto ao livro a figura do bibliotecário. O livro adquiriu o sentido social de utilidade

6 MARTINS, Wilson. A palavra escrita. São Paulo : Anhembi, 1957. p. 94.7 MARTINS, Wilson. A palavra escrita. São Paulo : Ática, 1996. p. 718 MARTINS, Wilson. A palavra escrita. São Paulo : Anhembi, 1957. p. 94

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ao alcance de todos e mudou, dessa forma, seu significado social, uma vez que a biblioteca

não possuía mais o caráter religioso da Idade Média. A sociedade passa a submeter-se mais

aos documentos do que aos dogmas, aos contratos do que aos mandamentos e às críticas mais

do que às revelações.

O século XVI marcou o início da imprensa e a conseqüente multiplicação dos livros.

As bibliotecas de utilidade pública proporcionaram um maior acesso à informação, que

deixou de ser privilégio de poucos. Foi também desta época o movimento que surge em prol

de uma biblioteca universal que armazenasse todas obras já escritas. Esta idéia se tornou

inviável na prática, o que gerou uma política de seleção das obras que seriam as mais

significativas e as mais importantes. Mas, como toda seleção implica no comprometimento

que os homens têm com a sua a época e com a sua sociedade, as obras selecionadas refletiam

arbitrariamente os sistemas político, social, econômico e cultural vigentes e não uma síntese

do conhecimento acumulado.

A partir da Idade Moderna, a biblioteca passou a gozar do estatuto de instituição leiga,

civil, pública e aberta, tendo seu fim em si mesma e começando a responder às novas

necessidades, o que implicou em uma maior democratização do saber. Como diz Martins,9

Foi o livro, ou seja, no fundo a biblioteca, um dos instrumentos mais poderosos da abolição

do "antigo regime". Qualquer que tenha sido a influência efetiva da Enciclopédia e dos

enciclopedistas na deflagração da Revolução Francesa, é inegável que eles aí tiveram um

relevante papel. Ora, a Enciclopédia não era um livro: era uma biblioteca em forma de livro

(...). A enciclopédia é um livro que contém uma biblioteca, assim como a biblioteca é uma

enciclopédia que contém livros.

Nos séculos XVIII e XIX, as bibliotecas sofreram transformações resultantes das

mudanças sociais ocorridas com a Revolução Industrial. Segundo Mueller,10 Esperava-se que

as bibliotecas contribuíssem de maneira significativa para a ordem social e o progresso

nacional, e, especialmente nos Estados Unidos, para a manutenção da democracia. Mas o

caráter educacional da biblioteca já era, nesta época, reconhecido como primordial. A

proliferação de bibliotecas públicas para atender a esses objetivos foi clara, principalmente na

Inglaterra e nos Estados Unidos.

9 MARTINS. op. cit p. 36510 MUELLER, Susana P. M. Bibliotecas e sociedade : evolução da interpretação de função e papéis da

biblioteca. R. Esc. Bibliotecon. UFMG, Belo Horizonte, v. 13, n. 1, p. 9, mar. 1984.

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Estudos recentes mostram a necessidade de relacionar a criação e o desenvolvimento

de bibliotecas com a sociedade a que elas atendem. Segundo Shera apud11 A sociedade

determinou o que foi a biblioteca no passado e é a sociedade que irá determinar o que será a

biblioteca no futuro. Neste sentido, a biblioteca deve ser entendida como agência social de

comunicação. Para Butler apud12, A cultura precisa transcender o indivíduo porque é

essencialmente uma acumulação social de experiências através da qual os homens de cada

geração possuem, pelo menos potencialmente, tudo o que a geração anterior aprendeu.

Livros são um mecanismo social de preservação da memória racial13, e a biblioteca, um

aparato social de transferência dessa memória à consciência dos indivíduos.

No que se refere à universidade, encontrar um conceito que consiga traduzir todas as

suas funções ao longo da história não é tarefa das mais fáceis. Pode-se, no entanto, afirmar

por consenso que a universidade é uma instituição de ensino superior, que compreende um

conjunto de unidades de ensino - escolas, faculdades, institutos - para a formação de

profissionais e pesquisadores, nos diversos campos do conhecimento, com a missão precípua

de produzir conhecimento e garantir a dinâmica da transferência da informação.

Na Idade Média, a educação era privilégio de poucos, principalmente do clero, que

dominava o saber, em conseqüência de sua posição no cenário social. Segundo Charle e

Verger14, as universidades não seguiram um modelo único de organização. Enquanto no

norte da Europa elas eram associações de mestres, nas regiões mediterrâneas apresentavam-

se como associações de estudantes. Esses dois modelos fizeram surgir diferentes formas de

administração que influenciaram o desenvolvimento das universidades. Na Europa do século

XV, as alterações sofridas pelo ensino indicam que a vocação mercantilista fez mudar o

padrão de formação profissional, tradicionalmente de médicos, clérigos e advogados, para

especialistas que atendessem às necessidades de uma sociedade que já demonstrava sinais de

mudanças estruturais.

A evolução das sociedades após a Idade Moderna torna-se mais dinâmica. Com as

novas descobertas marítimas, os europeus tomam conhecimento de outros povos, outras

línguas

11 GOMES, S. Conti. Bibliotecas e sociedades na Primeira República. São Paulo : Pioneira, 1983. p. 15.12 MOSTAFA, Solange Puntel. Epistemologia da Biblioteconomia. São Paulo , 1985. p. 34. Tese

(Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1985.13 O autor usa a expressão memória racial para designar a memória da raça humana14 CHARLE, Christophe, VERGER, J. História das universidades. São Paulo : UNESP, 1996. p. 27.

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e outros costumes que fugiam aos padrões estabelecidos pela Igreja e pelo conhecimento

teológico, até então paradigmas estabelecidos e aceitos. Concomitantemente, constata-se o

aparecimento de uma nova classe social baseada no poder econômico e não no poder

hereditário, que era a burguesia comercial. Assim, o século XVII marca o início de uma

revolução do conhecimento a partir das novas descobertas científicas, principalmente as da

física newtoniana, que foi responsável por toda uma nova estrutura do conhecimento, baseada

no mecanicismo determinista.

O novo saber não era mais apoiado na fé, mas baseado no uso da razão e no

comprometimento com a solução dos problemas nacionais. O saber científico se apresentava

de forma compartimentada e passível de sofrer alterações - dinâmico e ilimitado, diferente do

conhecimento estático. É o início da especialização do homem moderno, do desenvolvimento

das novas técnicas de produção, do aumento dos registros produzidos pela sociedade, da

organização formal da educação, do aparecimento do livro didático, do comércio livreiro, do

acúmulo de recursos financeiros gerados pelo comércio, da estabilidade política dos povos

europeus.

Essas condições facilitaram o surgimento de várias bibliotecas públicas e

especializadas e também o surgimento de uma nova universidade, com um eixo de formação

diferente, privilegiando as áreas técnicas necessárias ao desenvolvimento das sociedades e

dedicando-se à pesquisa. Essas novas formas e técnicas de ensino são implementadas na

Educação, principalmente a universitária. Pode-se citar, como exemplo, a multiplicação de

seminários, a criação de novas disciplinas como a Filologia, a História, a Matemática e a

Física, e, principalmente, o uso de novos recursos educacionais, como laboratórios e

bibliotecas.

No séc. XVIII, a Revolução Industrial fez surgir uma nova ordem social com novos

valores, princípios e objetivos. De acordo com Buffa,15 A burguesia industrial que emerge

busca mudanças sociais para dar continuidade às transformações das formas de produção da

vida material e de relações sociais entre os homens. O trabalho parcelar16 introduzido na

sociedade surge ao mesmo tempo que o projeto burguês de "educação e cidadania para

todos". Este projeto tinha como principal objetivo legitimar a nova ordem social, alem de

15 BUFFA, Ester. Educação e cidadania burguesa. São Paulo : Cortez, 1993. p. 11-29.16 Trabalho dividido em partes diferentes, executadas por trabalhadores distintos. Cf, BUFFA. op. cit..

p.13.

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defender a educação elementar para todos, embora mantivesse o ensino superior como

privilégio da nova classe dominante.

A estrutura universitária corporativista, herdeira dos ensinamentos ultrapassados da

Idade Média, era um obstáculo para as pretensões dessa nova ordem social. A formação

profissional necessária para atender à nova realidade de produção passou a ser obtida fora das

universidades, quer pela iniciação familiar, quer pelas leituras profissionais ou,

principalmente, pela atuação das associações particulares. Essas associações eram, segundo

Verger,17 Estabelecimentos totalmente independentes das universidades, abertos a novas

idéias e a novas pedagogias, divididos em Centros de Excelência, com vocação cultural, e as

academias, que apesar de não se dedicarem ao ensino eram muitas vezes dotadas de grandes

bibliotecas e substituíram em grande escala as universidades, como conselheiras dos

príncipes e instâncias legitimadoras do saber. Algumas são famosas até hoje, como a Royal

Society.

Na Europa, o projeto burguês encontrou no ensino básico um mecanismo de

legitimação do seu poder. Já nas colônias o ensino adquiriu outras proporções, dependendo do

tipo de relação estabelecida pela metrópole. Esse relacionamento determinou as diferenças

estruturais que encontramos tanto na América do Norte, como na América Espanhola, que

herdaram e modificaram de acordo com seus interesses a estrutura educacional européia.

No Brasil, com algumas exceções de escolas superiores isoladas, as Universidades já

nasceram em crise. Crise, principalmente, de identidade, uma vez que não experimentaram o

crescimento normal de sua estrutura, nem tampouco cresceram por desejo legítimo de uma

sociedade em um desenvolvimento autônomo. O modelo de universidade adotado na década

de 60, por ter sido importado da sociedade americana, onde os valores tecnicistas vieram a

substituir os valores humanistas do modelo europeu que figurava até então, contribuiu para

agravar a crise de identidade da universidade brasileira. Segundo Darcy Ribeiro,18 a superação

de tal crise poderia ser obtida a partir de duas linhas políticas. A primeira, que ele denomina

“modernização reflexa”, diz respeito ao aperfeiçoamento tecnológico de nossas universidades,

a fim de aproximá-las às suas congêneres em países desenvolvidos. A segunda, designada

“crescimento autônomo”, segundo o autor, Parte da suposição de que a universidade, como

uma subestrutura inserida numa estrutura social global, tende a operar como órgão de

perpetuação das instituições sociais, enquanto atua espontaneamente; e que só pode

17 CHARLE, VERGER. op. cit. p. 64-65.18 RIBEIRO, Darcy. A universidade necessária. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1969. p. 9-12.

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representar um papel ativo no esforço de superação do atraso naciona, se intencionaliza suas

formas de existência e de ação com este objetivo. Assim, a política modernizadora tende

apenas a tornar a universidade mais eficiente, ao contrário do crescimento autônomo, que

exige uma postura crítica baseada em diagnóstico, planejamento, escolha estratégica de

objetivos, o que proporcionaria o real desenvolvimento da universidade.

Partindo da premissa de que universidades e bibliotecas são agências sociais

organizadas para atender às necessidades um grupo social ou da sociedade em geral, a

interseção dessas duas instituições, vista agora como um único conceito – o de Biblioteca

Universitária - nos leva a considerar a existência de uma unidade organizacional que reúne os

predicados principais das bibliotecas e os da universidade, em suas várias concepções

históricas e posicionamentos sociais. O núcleo dessa relação (biblioteca universitária),

transformada em conceito singular absorve, por outro lado, problemas de identidade

institucional gerados pela diferença presente nos dois universos externos ao centro nuclear.

Tais diferenças, entendidas como dificuldades, podem ser exemplificadas pelo próprio papel

exercido pela biblioteca dentro da universidade, uma vez que as bibliotecas universitárias não

se dedicam, de maneira exclusiva, nem ao ensino nem à administração da universidade, de

modo que não se encaixam nem nas funções docentes nem nas administrativas. Na verdade,

elas são um misto das duas, pois não só administram o patrimônio informacional da

universidade (incluindo-se seu aspecto físico) como exercem uma função educativa, ao

orientar os usuários na utilização da informação para atingir suas metas, seja com seu próprio

acervo, ou seja com o de outras bibliotecas. Assim, por sua função e características, a

biblioteca acaba tendo um lugar peculiar dentro da universidade.

Deste modo, um estudo analítico da relação destas duas agências só pode ser

desenvolvido se levarmos em consideração o contexto social, econômico, político e cultural

em que foram criadas e vêm se desenvolvendo. A utilização das bibliotecas pelas

universidades determinou mudanças e transformações em ambas. Estas alterações, no caso

das bibliotecas, podem ser observadas na composição de seus acervos, bem como na natureza

de sua estrutura, organização e funcionamento. Vale ainda lembrar que as bibliotecas, por

serem anteriores ao surgimento das universidades, possuem uma experiência mais

consolidada de adaptação às mudanças sociais.

3 CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS SOBRE OS MODELOS ESTRUTURAIS E FUNCIONAIS DE BIBLIOTECAS UNIVERSITÁRIAS

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O modelo adotado para a universidade brasileira e para suas bibliotecas determinou

mudanças e transformações em ambas e, como marco fundamental dessa discussão nas

últimas décadas, pode-se citar a criação, em 1986, do Programa Nacional de Bibliotecas

Universitárias - PNBU. Ao longo dos últimos 12 anos, a partir das propostas geradas pelo

PNBU, as bibliotecas universitárias se estruturam, reestruturaram-se, chegando ao final da

década de 90 com condições de desenvolver propostas de modernização com maior

maturidade.

Em um dos projetos coordenados por Mercadante19, Chastinet20 menciona que, desde

a sua criação, o PNBU vinha recebendo solicitações sobre a maneira mais adequada de

estruturar-se as bibliotecas universitárias, com vistas à melhoria dos serviços prestados aos

usuários. A meta do projeto coordenado por Mercadante era a de chegar-se a propostas de

modelos organizacionais e de critérios que orientassem a definição de níveis de centralização/

descentralização das funções da biblioteca. Embora tal meta não tenha sido atingida, uma

série de recomendações foi encaminhada às Instituições de Ensino Superior o que, sem

dúvida, proporcionou o início de uma relação mais produtiva entre as chefias das bibliotecas e

a administração superior das universidades.

Ainda em Mercadante,21 A escolha de estruturas organizacionais não se dá por acaso.

Tem que se considerar o aspecto histórico da instituição como um dos principais fatores

determinantes da adoção de medidas de estruturação numa organização. Isto é válido para

bibliotecas universitárias porque, historicamente, a maioria delas se formou a partir de uma

única unidade, com posterior desdobramento para bibliotecas departamentais, depois

setoriais e, hoje, grande parte tem uma estrutura centralizada, em forma de sistema.

O modelo sistêmico foi assim sugerido como uma alternativa mais eficiente para não

só estabelecer relações mais estreitas e coordenadas entre as várias bibliotecas de uma

universidade, como também, e principalmente, para permitir o diálogo mais eficiente entre o

Ministério da Educação (MEC), através da Secretaria de Ensino Superior (SESU), com o

Diretor do Sistema de Bibliotecas o qual, por recomendação do próprio MEC, deveria estar

subordinado diretamente ao reitor da universidade.

19 MERCADANTE, Leila M. Z. (Coord.). Análise dos modelos organizacionais de bibliotecas universitárias nacionais. Brasília : PNBU, 1990.

20 CHASTINET, Yone. In: MERCADANTE. op. cit. Apresentação.21 op. cit., p. 14.

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A preocupação da adoção do modelo sistêmico para as bibliotecas universitárias tem

sua justificativa, tal como mencionou Mercadante, nas estruturas vigentes nas universidades

durante as décadas de 70 e 80, as quais vinham se desenvolvendo a partir do modelo de

especialização do conhecimento, criando cursos e programas voltados para áreas e temas

particulares do saber, o que gerava a demanda de atendimento bibliográfico também

especializado.

No entanto, como afirma Dunlap, apud22 Um padrão ou modelo de organização só é

válido enquanto subsistirem as condições que o determinaram, e somente uma boa estrutura

de organização não assegura o atendimento aos objetivos da biblioteca. É ainda

Mercadante23 quem afirma que Nenhum modelo único de estrutura poderá servir a todas as

bibliotecas acadêmicas; para cada instituição deverá ser determinado qual o seu escopo,

seus objetivos (...) é preciso que se respeite a "cultura" da instituição, incluindo seu tipo,

tamanho, missão, a força de sua autoridade central, seus fundos financeiros (...) e que

estejam bem determinadas as relações entre a biblioteca e as outras unidades do "campus" e

os "links" entre ela e a comunidade acadêmica, sejam professores ou alunos.

Assim, não há como afirmar a priori que o modelo centralizado é melhor que o

descentralizado ou ao contrário, uma vez que não só as características das universidades são

diferentes como, principalmente, as características particulares de cada uma delas podem

mudar, dado o caráter dinâmico da evolução social. Como diz Miranda,24 Nunca se esgotam

estudos sobre estrutura, uma vez que as organizações estão com freqüência em fase de

adaptação e/ou desenvolvimento, bem como de planejamento para renovação e criação de

atividades/serviços.

Desta forma, encontramo-nos no final da década de 90 convivendo com bibliotecas

universitárias com as mais variadas estruturas organizacionais: centrais únicas, como é o caso,

por exemplo, da Universidade de Brasília (UnB); centrais setorializadas, como a Biblioteca da

Universidade Gama Filho; descentralizadas com coordenação setorial; descentralizadas com

coordenação central, como é o caso da Universidade do Rio de Janeiro (Uni-Rio), entre

outras.

É bem verdade que, à exceção da biblioteca central única, todas as demais estruturas

adotaram total ou parcialmente o modelo sistêmico, sendo que em alguns casos, como o da

22 MERCADANTE. op. cit., p. 15.23 Ibidem, p. 23.24 MIRANDA. apud MERCADANTE. op. cit., p. 15.

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Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), independentemente da existência de uma

Biblioteca Central, que normalmente é a coordenadora do Sistema de Bibliotecas, foi criado

um sistema estruturalmente acima das bibliotecas, o SIBI, com a missão de coordenar e

gerenciar todas as bibliotecas da universidade.

O modelo sistêmico pode ser entendido como uma solução alternativa para resolver a

dicotomia dos modelos centralizado/descentralizado. Ele pode ser considerado como tendo

sido o indicador, desde a década de 80, de que as estruturas verticalizadas presentes nos dois

modelos não atendiam mais às funções das bibliotecas universitárias modernas. Dois fatos

norteadores e polêmicos ao mesmo tempo - a especialização e a interdisciplinaridade -

indicam que as bibliotecas universitárias devem passar a considerar esses dois aspectos não

como antagônicos, mas sim como eixos coordenados e, como tal, gerenciados por modelos

que considerem a interseção de suas vantagens e desvantagens, obtendo um produto (modelo

próprio de cada universidade) que atenda às especificidades de cada biblioteca e, ao mesmo

tempo, permita a sua comunicação globalizada.

Se a matéria-prima da universidade é a informação e o órgão da universidade

responsável pelo gerenciamento dessa informação é a biblioteca, pode-se dizer, como uma

analogia ao "Ciclo da Informação", que tudo começa e termina na biblioteca. A transferência

da informação pode ser representada por um modelo que divide o universo informacional em

dois segmentos: o universo sócio-cultural, representado pela produção, editoração,

assimilação e nova produção do conhecimento, e o universo documental, representado pelo

papel que as instituições de memória documental exercem como garantia dessa transferência e

que dizem respeito às etapas de seleção e aquisição, organização da memória documentária e

disseminação da informação.

Quanto à produção do conhecimento, com a mudança do paradigma da ciência, que

deixa de se pautar exclusivamente pela verticalidade (especialização), se conduzindo mais

no sentido da horizontalidade das abordagens transdisciplinares, as informações produzidas

pela sociedade dificilmente podem ser antecipadamente classificadas por áreas de interesses,

em categorias fixas e imutáveis. Essas informações são disponibilizadas por vários segmentos

do mercado produtor e é no momento da procura ou busca que as interseções de significado

vão ocorrer. Isto é, a priori não se pode afirmar que um texto de medicina possa somente

interessar aos médicos, assim como uma foto da clonagem de ovelhas ser útil apenas aos

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geneticistas. Os produtos informacionais são cada vez mais abundantes, interrelacionando

todas as áreas de interesse.

Quanto à editoração, as informações produzidas poderiam, grosso modo, ser

classificadas pelo atributo do suporte em textuais, visuais, sonoras ou tridimensionais. Ou,

ainda, por uma combinação dessas categorias. Na verdade, os suportes vão se desenvolvendo

em função dos avanços tecnológicos, configurando-se aí não só a diversidade como a

duplicidade. Hoje temos condições de acessar uma revista científica em papel, em CD-ROM e

até em microformas (técnica muito utilizada nas décadas anteriores para manutenção e

reprodução de documentos) ou em arquivo eletrônico, que parece ser o meio mais rápido e de

baixo custo para a disseminação da informação. Temos a possibilidade de analisar uma

escultura, com todos os detalhes técnicos, em um museu virtual, como em um museu

tradicional. Um outro exemplo seria a apresentação de um vídeo sobre uma determinada

técnica cirúrgica e a descrição dessa mesma técnica em texto convencional. Os suportes são,

portanto, variadíssimos, e passam a se constituir em acessórios à localização da informação,

ou seja, fazem parte do universo de restrição a uma estratégia de busca, à exceção das

pesquisas que visam ao suporte como objeto de interesse, passando o tema a ser secundário.

Com relação à assimilação, Virilio25 afirma que Ao lado das dimensões espaço e

tempo, existe hoje uma outra dimensão, que é a luz. Não a luz no sentido puro da claridade,

da visão, do entendimento, mas a luz em sua versão de trajeto. Para Virilio, o que nos move

hoje no sentido das representações sociais não é mais o espaço e o tempo, mas o movimento,

o trajeto, invertendo assim o conceito de velocidade da luz para a luz da velocidade. É o

tempo real que importa. Superação intempestiva da objetividade, depois do ser do sujeito e

do ser do objeto, o intervalo do tipo luz traz à luz o "ser trajeto". Este último definindo a

aparência ou, mais exatamente, a trans-aparência do que é, e a questão filosófica não seria

mais: a qual distância de espaço e de tempo se encontra a realidade observada?, mas, desta

vez: a que potência, ou seja, a que velocidade se encontra o objeto percebido? Não é mais

uma questão de localização absoluta, mas de percepção relativa, a qual Virilio nomeia de

energia cinemática da relatividade.

Quanto mais veloz a apresentação dos produtos à sociedade, mais rápido estes ficam

obsoletos. Assim, a estruturação de uma memória documentária tanto é mais eficiente quanto

mais veloz for a capacidade do sistema de absorver, organizar e difundir informações.

25 VIRILIO, Paul. A máquina de visão. Rio de Janeiro: José Olympio, 1994. p. 9.

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O sentimento predominante da sociedade atual pode ser caracterizado pela ansiedade

de informação. Ansiedade no sentido de saber que existe uma informação relevante e não

conseguir acessá-la em tempo hábil. Ou, produzir uma informação importante e não conseguir

disponibilizá-la. O volume de informações produzidas, no seus mais variados suportes e a

velocidade com que entram e saem do sistema, nos leva a refletir sobre as estratégicas de

localização e disseminação dessas informações. No momento de selecionar aquelas

informações relevantes, certamente vamos precisar de atalhos, ou filtros. Hoje nos valemos

de páginas de índices temáticos, organizadas em sistema hipertexto, que nada mais são do que

uma sucessão de filtros ou de atalhos pelos quais o usuário vai selecionando o caminho mais

propício à localização de uma dada informação. Tais atalhos visam, portanto, a diminuir a

ansiedade de informação, facilitando o acesso mais rápido aos conteúdos que venham a

satisfazer a uma determinada necessidade de informação.

No entanto, o processo de disseminação da informação não é exclusivo ao modelo de

organização e recuperação. Ao contrário, faz parte da natureza humana a transmissão de

informações adquiridas para a geração de novos conhecimentos. No passado, a tradição oral

era o único meio de armazenamento, transmissão ou difusão da informação. Segundo

McGarry,26 para facilitar a memorização e a evolução, a tradição coletiva era conservada na

poesia ou na prosa rítmica e os mitos e lendas eram usados como uma espécie de

enciclopédia tribal. Sem quaisquer outros registros paralelos para comparar, o mito, a história

e a realidade social fundem-se num só. Após as escritas cuneiformes e hieroglíficas, o

alfabeto permitiu à humanidade registrar e comunicar idéias por meio de símbolos

visuais. Embora a transmissão da informação registrada tenha possibilitado um enorme

avanço social, o desenvolvimento tecnológico dos outros meios de comunicação (visual,

sonoro e eletrônico) encurtou as distâncias espaciais, transformando o mundo segmentado em

um "centro cultural global". Embora todas essas formas de transmissão ainda hoje convivam

paralelamente, o fato

26 Mc GARRY, K. J. Da documentação à informação : um contexto em evolução. Lisboa : Editorial Reserva, 1984. p. 43, 44.

Na opinião de Claude Levi-Strauss, a diferença essencial entre sociedades com escrita e sociedades sem escrita é que as primeiras são pluralistas e contém sempre mais de um ponto de vista, mais de uma possibilidade de ação. As sociedades primitivas, ou sem escrita, tendem a ser monolíticas; os modos de fazer vigentes não são postos em questão e a tradição fornece definitivamente o plano de como as coisas devem fazer-se. O pluralismo cria tensão e debate e desencadeia o futuro.

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é que, do ponto de vista das instituições que armazenam informações (já selecionadas), a

disponibilização destas é não só uma tarefa social, a de garantir o direito à informação, como

também a última etapa do ciclo de vida do documento no segmento do universo documental.

Sem a disseminação o ciclo total se rompe, impedindo as novas construções e a geração de

novos conhecimentos.

Portanto, um modelo que possa garantir o papel de produtor da informação por parte

da universidade e de disseminador de informações por parte da biblioteca deve considerar

uma estrutura matricial que agregue as vantagens da descentralização (especialização) e as

vantagens da centralização a um menor custo em recursos humanos, em recursos físicos e

materiais e em recursos tecnológicos. Independentemente das especificidades de cada

universidade, suas bibliotecas devem considerar a transformação de suas estruturas de um

comando vertical (fortemente hierarquizado e, portanto repetidor de tarefas), em um comando

de articulação horizontal. Um exemplo dessa tendência em outros campos do conhecimento é

o da administração de atividades por projetos, que privilegia o atingimento de metas

específicas a partir do esforço integrado (horizontal) de toda a estrutura organizacional da

instituição.

4 RECOMENDAÇÕES OU PONTOS A CONSIDERAR NOS PROGRAMAS DE DESENVOLVIMENTO E MODERNIZAÇÃO DAS BIBLIOTECAS UNIVERSITÁRIAS

Sem abandonar ainda o modelo sistêmico, norteador das condutas organizacionais e

paradigma da Ciência da Informação, a consciência de uma nova postura para a administração

de nossas bibliotecas universitárias deve considerar três pontos fundamentais:

1. O caráter disciplinar/interdisciplinar da academia;

2. As condições da estrutura e da cultura organizacional da instituição e

3. As novas ofertas tecnológicas para o processamento e disseminação da informação.

No primeiro caso, pode-se afirmar que a especialização se traduz em um crescente

aprofundamento do conhecimento e em fontes de informação cada vez mais verticalizadas e

numerosas, de modo que o usuário necessita de um atendimento personalizado e de

Page 14: Bibli. universitaria

profissionais da informação especialistas naquela área, a fim de satisfazer suas necessidades

informacionais e de manter um constante relacionamento com organismos produtores e

disseminadores de conhecimentos específicos em cada campo do saber.

Por outro lado, a interdisciplinaridade, a transdisciplinaridade e a multidisciplinaridade

que hoje norteiam o conhecimento devem ser vistas e analisadas como nova perspectiva e

uma nova opção de modelo para bibliotecas universitárias. A interdisciplinaridade considera

um discurso único, buscando um consenso nas várias áreas do saber, o que a diferencia da

transdisciplinaridade, a qual respeita as diferenças disciplinares, buscando as interseções nas

áreas do conhecimento; já a multidisciplinaridade transita nas teorias e metodologias de uma

disciplina a outra, importando modelos ou incorporando novas experiências. Tais abordagens

vêm sendo objeto de estudo em vários campos do saber, como, por exemplo, na área da saúde,

que há muito vem colocando em prática essas visões. Se essas novas tendências vêm afetando

toda a sociedade produtora de conhecimentos, a Ciência da Informação não pode excluí-las de

seus modelos, principalmente aqueles que estão diretamente ligados às áreas acadêmicas,

como é o caso das bibliotecas universitárias, vistas como agências de comunicação e sofrendo

a interferência direta da sociedade na qual estão inseridas.

As bibliotecas universitárias, embora vinculadas ao modelo e à administração das

universidades, acabam se transformando, não de acordo com o modelo institucional, mas com

a dinâmica da academia. Para as ciências humanas isso é fator preponderante, pois não se

pode estudar a História sem que a Sociologia, a Antropologia, as Artes e outras manifestações

culturais sejam observadas, da mesma maneira que as Artes não podem se restringir ao estudo

apenas dos grandes pintores, dos clássicos do Teatro, dos mais célebres compositores, sem a

preocupação de conhecer e entender o comprometimento desses personagens com as

sociedades nas quais viveram, já que suas obras sofreram, certamente, a influência dessa

sociedade e de seu tempo.

Na dialética da disciplinaridade/interdisciplinaridade, não há como invalidar a

importância das especialidades, como acontecia no passado, quando se buscava a

universalização do saber, a exemplo dos enciclopedistas na época do Iluminismo. Sabe-se que

é impossível alguém dominar profundamente todo o conhecimento, mas sabe-se também que

as especialidades não existem isoladas, isto é, para conhecer-se bem um determinado campo

do saber é necessário perspectivá-lo a partir de uma visão holística, posto que o isolamento do

saber por si só não contribuirá para o avanço do conhecimento como um todo.

Page 15: Bibli. universitaria

Atualmente, as várias áreas do conhecimento transitam em caminhos de mão dupla,

evoluindo desde a separação do saber iniciada principalmente por Kant até a convivência com

as diferenças defendida por Habermas27quando diz que ... no atual estágio de diferenciação e

especialização das Ciências Sociais, dificilmente alguém há de poder "dominar" várias

dessas disciplinas, muito menos todas elas. Por outro lado, Foucault, comentado por

Machado,28 demonstra a viabilidade do trânsito disciplinar quando inova metodologicamente

no relato da sua obra História da Loucura, estabelecendo relações entre os saberes numa

multiplicidade de recortes discursivos e não lineares. O objetivo da análise é estabelecer

relações entre os saberes para que destas relações surjam, em uma mesma época ou em

épocas diferentes, compatibilidades e incompatibilidades que não sancionam ou invalidam,

mas estabelecem regularidades, permitem individualizar formações discursivas29.

Assim, é a partir década de 80 que começa a despontar um novo caminho para o saber,

que não é o do conhecimento global nem do específico, mas do conhecimento que transita em

vários campos, épocas e espaços como conseqüência de uma estratégia de construção

operada pelo pesquisador.

Seguindo esta nova perspectiva, as bibliotecas universitárias devem acompanhar as

novas necessidades dos profissionais que atendem, iniciando por uma reavaliação de suas

estruturas e funções, buscando novos modelos menos fechados e limitados a determinados

ramos do saber. Na verdade, é desejável que o bibliotecário seja ao mesmo tempo

especializado, a fim de atender a demandas específicas, e generalista, a fim de poder transitar

nessas áreas de interface, além de ser capaz de situar aquela informação específica em um

contexto informacional e cultural maior, sem o que a informação específica perde seu valor.

O segundo ponto a ser levado em consideração é o que diz respeito às condições da

estrutura e da cultura organizacional da instituição. O fator estrutural problematizante é, sem

dúvida, a crescente falta de recursos das instituições de ensino superior, o que torna cada vez

mais difícil manter um padrão mínimo de gerenciamento, processamento de acervo e

atendimento ao usuário, quanto mais transformar a biblioteca em um órgão que atenda às

necessidades dos novos tempos. Sem contar com a influência da pesada estrutura

verticalizante de nossas universidades, que propicia uma demora considerável na adequação a

27 HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública. Rio de Janeiro : Tempo Brasileiro, 1984. p. 9

28 MACHADO, Roberto. Por uma genealogia do poder. In: FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro : Graal, 1996. p. vii.

29 ibidem, p. viii.

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mudanças. Este último ponto, agravado na atualidade, já era objeto de preocupação quando da

criação do PNBU em 1986. Chastinet30 já afirmava em 1988 que os acervos das bibliotecas

eram deficientes, não havia recursos próprios alocados a cada biblioteca, os recursos para

aquisição de material bibliográfico provinham de fontes externas de financiamento, e que a

crise financeira da época acabaria por desmontar as bibliotecas universitárias do país.

A política econômica atual e, principalmente, a política de reestruturação do Serviço

Público, já estão obrigando as bibliotecas universitárias a repensar seus modelos estruturais-

funcionais, a fim de continuar prestando os serviços informacionais essenciais à comunidade

acadêmica e de criar meios para modernizá-los.

Quanto à cultura organizacional, há uma série de aspectos a considerar ao se ponderar

sobre qual a melhor estrutura para as bibliotecas de uma instituição de ensino superior. Em

primeiro lugar, a biblioteca deve suprir as necessidades informacionais dos cursos oferecidos

pela universidade, além de resguardar a produção intelectual da instituição. Ela é tanto a fonte

para a produção de novos trabalhos quanto o receptáculo do produto desses trabalhos, além de

oferecer ao pesquisador acesso a alternativas que se encontrem em acervos externos à

universidade e de oferecer a outras instituições acesso a seu próprio acervo. Ou seja, ela não

só armazena a informação como cria uma rede dinâmica para que ela circule.

Por outro lado, à falta de identidade da biblioteca na cultura organizacional da

universidade (ela é geralmente considerada órgão suplementar) causa uma certa estranheza

por parte dos outros órgãos integrantes da universidade, levando, muitas vezes, a um certo

distanciamento, que prejudica tanto a eficiência da biblioteca quanto a definição da estrutura

mais adequada para o gerenciamento do patrimônio informacional da universidade. Pode

haver, por exemplo, uma certa dificuldade para escolher a estrutura que as bibliotecas tomarão

a fim de melhor atender às demandas das Escolas ou Cursos, já que para isso é preciso

considerar as necessidades, histórias e peculiaridades de cada um, colocando, ao mesmo

tempo, esses fatores dentro da estrutura da universidade como um todo. É também necessário

vencer as resistências e trabalhar em conjunto com essas unidades organizacionais da

universidade.

O terceiro ponto a ser levado em consideração é o da oferta tecnológica para o

gerenciamento das atividades e ações da biblioteca universitária. Embora possa parecer que

30 CHASTINET, Yone. Bibliotecas das instituições de ensino superior: remontar ou desmontar. Brasília : PNBU, 1988. p.8.

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este aspecto diga respeito apenas a uma política modernizadora31, o fato é que a escolha do

aparato informático, software, hardware e conectores (redes e sistemas) certamente implicará

uma mudança estrutural e funcional, não só da biblioteca como também de outras unidades

acadêmicas e administrativas com as quais a biblioteca interage na obtenção e troca de

informações. O planejamento da modernização para o processamento e a disseminação da

informação deve considerar, portanto, todas as questões levantadas nos pontos anteriores e em

especial as projeções de desenvolvimento e modernização da universidade. Não é só uma

questão de custo-benefício a curto prazo, mas de autonomia gerencial e capacidade de

integração com a sociedade da informação.

5 CONCLUSÃO

Em suma, no momento de escolher qual o melhor modelo para suas bibliotecas, cada

instituição deve levar em conta suas características, sua história, seu desejo de interagir com

outras instituições similares e sua capacidade de adequação ao momento histórico e a seu

local de atuação. É discutível que, em um mundo que se transforma cada vez mais

rapidamente e em que existe uma tal variedade de situações e necessidades, seja possível

impor um único modelo estrutural para as bibliotecas universitárias. A questão principal é o

papel que a biblioteca deve assumir para atender às demandas de seus usuários. O modelo

escolhido, seja o centralizado, o descentralizado ou qualquer outro, deve considerar o

equilíbrio entre as necessidades informacionais de seus usuários, as características da

universidade de que faz parte e o papel da biblioteca na instituição. Além disso, não deve ser

esquecida a dinâmica moderna das estruturas complexas, de tal sorte que os seus eixos

verticais possam ser atenuados pela leveza, rapidez, exatidão, visibilidade, multiplicidade e

consistência presentes na horizontalidade das ações gerenciais.

Nenhuma biblioteca é igual a outra, por isso devem ser respeitadas suas diferenças.

Assim, objetivos devem se ajustar as realidades específicas, e tal como em Miranda,32 Esta é

a essência mesma de qualquer instituição democrática: a de ajustar-se a um plano diretor ou

a um sistema geral sem perder de vista os seus próprios objetivos, sem renunciar a

satisfazeras necessidades peculiares de seus próprios usuários.

31 cf., RIBEIRO, Darcy. op. cit. 32 MIRANDA, A. A missão da biblioteca pública no Brasil. R. Bibliotecon. Brasília, v. 6, n. 1, 1978. p. 6

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ABSTRACT

It discusses the structural and functional models adopted by brazilian universities libraries, taking into account the theoretical fun-daments, the historical evolution of the libraries-universities relation-ship and the modernization attempts of the eighties, focusing at the systematic model as an alternative solution to solve the specialization/interdisciplinarity dichotomy and indicating the points that shall de taken into consideration in the choice of the most appro-priate model.

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SISTÊMICOadjetivo 1 relativo a sistema ou a sistemática2 relativo à visão conspectiva, estrutural de um sistema3 que se refere ou segue um sistema em seu conjunto3.1 disposto de modo ordenado, metódico, coerente