bianchi et al. 2005 - ajuste osmótico em milho

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Pesq. agropec. bras., Brasília, v.40, n.7, p.645-651, jul. 2005 Ajuste ostico em milho 645  A j uste o s mótic o em mi lh o c ulti v ado em di f er en t es si s tem as de manejo de solo e disp onibilidade hídrica Cleusa Adriane Menegassi Bianchi (1) , João Ito Bergonci (1) , Homero Bergamaschi (1)  e Genei Antonio Dalmago (1) (1) Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Caixa Postal 15100, CEP 91501-970 Porto Alegre, RS. E-mail: [email protected] r,  [email protected], [email protected], [email protected] Resumo – A cultura do milho é sensível ao déficit hídrico, e esta é uma causa freqüente de redução na produção de grãos. O objetivo deste trabalho foi verificar a ocorrência de ajuste osmótico em milho, cultivado em dois sistemas de manejo do solo, com diferentes disponibilidades hídricas. Os tratamentos consistiram do cultivo do milho em semeadura direta (SD) e convencional (SC), com irr igação de forma a manter a umidade do solo próxima à capacidade de campo, e sem irrigação. O ajuste osmótico foi obtido pela diferença do potencial osmótico hidratado entre as plantas irrigadas e sem irrigação. Os maiores valores de potencial mínimo de água na folha ocorreram em plantas cultivadas sob SD, em razão do maior potencial matricial da água no solo nesse sistema. O potencial de pressão e o osmótico hidratado diminuíram em conseqüênc ia do déficit hídrico, o que determinou a ocorrência de ajuste osmótico em ambos os sistemas, que foi mais intenso em manejo convencional. Portanto, o potencial mínimo de água na folha demonstra ser um indicador adequado da condição hídrica das plantas de milho. A cultura apresenta tolerância ao déficit hídrico por meio do mecanismo de ajuste osmótico. T ermos de indexação:  Zea mays ,  potencial de água na folha, déficit hídrico, plantio direto. Osmotic adjus tment in maize cultivated in different soil til lage sys tems and water availability Abstract – Maize is a very sensible crop to water deficit, which is a frequent cause of reduction in its grain yield. The objective of this work was to verify the occurrence of osmotic adjustmen t in maize cultivated in different soil management systems and water availability. The maize was cropped in no- tillage (NT) and conventional tillage (CT), with irrigation and no-irrigation. For measurements of minimum leaf water potential, a pressure chamber was utilized. Osmotic adjustment was calculated as the difference between osmotic potentials at full turgor, in irrigated and non-irrigated plants. Highest values of minimum leaf water potential were found in plants cropped in NT, as a response to the highest soil potential on this cropping system. Pressure potential and the osmotic  potential at full turgor were reduced as a response to water deficit, res ulting on an osmotic adjustment in both cropping systems, with a highest intensity in the CT system. Minimum leaf water potential showed sensitivity to water deficit, which makes it a good indicator of plant water status on maize. Maize crop showed tolerance to water deficit through the mechanism of osmotic adjustment. Index terms:  Zea mays, leaf water potential, water deficit, no-tillage. Introdução O milho é uma cultura de grande importância socioeconômica para o Estado do Rio Grande do Sul. Seu rendimento é extremamente dependente da condi- ção hídrica durante o desenvolvimento, principalmente no período de pendoamento-espigamento (Matzenauer et al., 1995; Bergamaschi et al., 2004). Assim, qualquer aporte de água durante esse período pode ser fator determinante em seu rendimento final. A atividade agrícola teve importantes modificações nas últimas décadas, como a adoção do sistema de se- meadura na palha, denominado plantio direto, que pro- voca alterações nas propriedades físicas (Derpsch et al., 1986), químicas (Sidiras et al., 1983) e biológicas do solo (Griffith et al., 1992). Em relação à resposta das plan- tas, quanto à disponibilidade de água, pouco se sabe a respeito do efeito desse sistema em comparação ao convencional. A utilização de indicadores da condição hídrica das  plantas, como o potencial de água na folha, pode ser uma ferramenta importante no monitoramento da dis-  ponibilidade de água no solo e da necessidade de irriga- ção (Bergonci et al., 2000).

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  • Pesq. agropec. bras., Braslia, v.40, n.7, p.645-651, jul. 2005

    Ajuste osmtico em milho 645

    Ajuste osmtico em milho cultivado em diferentes sistemasde manejo de solo e disponibilidade hdrica

    Cleusa Adriane Menegassi Bianchi(1), Joo Ito Bergonci(1), Homero Bergamaschi(1) e Genei Antonio Dalmago(1)

    (1)Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Caixa Postal 15100, CEP 91501-970 Porto Alegre, RS. E-mail: [email protected],[email protected], [email protected], [email protected]

    Resumo A cultura do milho sensvel ao dficit hdrico, e esta uma causa freqente de reduo na produode gros. O objetivo deste trabalho foi verificar a ocorrncia de ajuste osmtico em milho, cultivado em doissistemas de manejo do solo, com diferentes disponibilidades hdricas. Os tratamentos consistiram do cultivo domilho em semeadura direta (SD) e convencional (SC), com irrigao de forma a manter a umidade do solo prxima capacidade de campo, e sem irrigao. O ajuste osmtico foi obtido pela diferena do potencial osmticohidratado entre as plantas irrigadas e sem irrigao. Os maiores valores de potencial mnimo de gua na folhaocorreram em plantas cultivadas sob SD, em razo do maior potencial matricial da gua no solo nesse sistema.O potencial de presso e o osmtico hidratado diminuram em conseqncia do dficit hdrico, o que determinoua ocorrncia de ajuste osmtico em ambos os sistemas, que foi mais intenso em manejo convencional. Portanto,o potencial mnimo de gua na folha demonstra ser um indicador adequado da condio hdrica das plantas demilho. A cultura apresenta tolerncia ao dficit hdrico por meio do mecanismo de ajuste osmtico.

    Termos de indexao: Zea mays, potencial de gua na folha, dficit hdrico, plantio direto.

    Osmotic adjustment in maize cultivated in different soil tillage systemsand water availability

    Abstract Maize is a very sensible crop to water deficit, which is a frequent cause of reduction in its grain yield.The objective of this work was to verify the occurrence of osmotic adjustment in maize cultivated in different soilmanagement systems and water availability. The maize was cropped in no-tillage (NT) and conventional tillage(CT), with irrigation and no-irrigation. For measurements of minimum leaf water potential, a pressure chamberwas utilized. Osmotic adjustment was calculated as the difference between osmotic potentials at full turgor, inirrigated and non-irrigated plants. Highest values of minimum leaf water potential were found in plants croppedin NT, as a response to the highest soil potential on this cropping system. Pressure potential and the osmoticpotential at full turgor were reduced as a response to water deficit, resulting on an osmotic adjustment in bothcropping systems, with a highest intensity in the CT system. Minimum leaf water potential showed sensitivity towater deficit, which makes it a good indicator of plant water status on maize. Maize crop showed tolerance towater deficit through the mechanism of osmotic adjustment.

    Index terms: Zea mays, leaf water potential, water deficit, no-tillage.

    Introduo

    O milho uma cultura de grande importnciasocioeconmica para o Estado do Rio Grande do Sul.Seu rendimento extremamente dependente da condi-o hdrica durante o desenvolvimento, principalmenteno perodo de pendoamento-espigamento (Matzenaueret al., 1995; Bergamaschi et al., 2004). Assim, qualqueraporte de gua durante esse perodo pode ser fatordeterminante em seu rendimento final.

    A atividade agrcola teve importantes modificaesnas ltimas dcadas, como a adoo do sistema de se-

    meadura na palha, denominado plantio direto, que pro-voca alteraes nas propriedades fsicas (Derpsch et al.,1986), qumicas (Sidiras et al., 1983) e biolgicas do solo(Griffith et al., 1992). Em relao resposta das plan-tas, quanto disponibilidade de gua, pouco se sabe arespeito do efeito desse sistema em comparao aoconvencional.

    A utilizao de indicadores da condio hdrica dasplantas, como o potencial de gua na folha, pode seruma ferramenta importante no monitoramento da dis-ponibilidade de gua no solo e da necessidade de irriga-o (Bergonci et al., 2000).

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    O potencial da gua uma medida importante e sen-svel do estado hdrico da planta; varia de valores prxi-mos de zero nas plantas sem estresse, at valores bemabaixo de zero ou igual ao potencial osmtico, em plan-tas com estresse severo (Kramer & Boyer, 1995). Mes-mo com variaes ao longo do dia estresse de curtoprazo , em plantas irrigadas, o potencial de gua nafolha tem sido utilizado em estudos das relaes hdricasdos vegetais (Hsiao, 1973), e considerado padro doestado hdrico da planta.

    Diversos autores procuraram estabelecer relaesentre o potencial da gua e determinados parmetrosda planta. Boyer (1970) determinou que potenciais dagua na planta de milho menores que -0,4 MPa afeta-vam significativamente a expanso foliar, embora afotossntese mxima ocorresse com potenciais foliaresentre -0,6 e -0,8 MPa. Bergonci et al. (2000) observa-ram que, acima de determinado potencial mnimo de guana folha, entre -1,2 e -1,5 MPa, as plantas de milho re-cuperavam sua condio hdrica, aps o fechamentoestomtico, e esses valores poderiam ser utilizados comocritrio indicador de dficit hdrico do milho.

    Na presena de dficit hdrico, as plantas podem uti-lizar mecanismos de tolerncia, como o ajuste osmtico,para que a clula absorva gua e mantenha o potencialde presso em nveis adequados. A diminuio do po-tencial osmtico, em reposta ao dficit hdrico, pode re-sultar de uma concentrao passiva de solutos, conse-qncia da desidratao da clula, ou da acumulaoativa de solutos, mas s esta ltima pode ser considera-da como ajuste osmtico (Patakas et al., 2002).

    Premachandra et al. (1992), ao estudarem cinco cul-tivares de milho submetidas ao dficit hdrico, observa-ram que o potencial osmtico diminuiu, em todas as cul-tivares, em resposta ao decrscimo do teor de gua nosolo. De acordo com os mesmos autores, alta acomo-dao osmtica foi observada, com valores entre 0,08 e0,43 MPa. Jongdee et al. (2002) observaram, no arroz,ajuste osmtico com valores de 0,8 MPa, dependenteda severidade do dficit. Apesar de ser considerado umimportante mecanismo de tolerncia ao dficit hdrico, oajuste osmtico pode no aumentar a produtividade dasplantas, mas possibilita a continuao do desenvolvimentoem condies de estresse (Serraj & Sinclair, 2002).

    O objetivo deste trabalho foi verificar a ocorrnciade ajuste osmtico em milho, cultivado em diferentessistemas de manejo do solo, com diferentes disponibili-dades hdricas.

    Material e Mtodos

    O experimento foi realizado na Estao Experimen-tal Agronmica, da Universidade Federal do Rio Gran-de do Sul (EEA/UFRGS), Municpio de Eldorado do Sul,RS (30o 5' S, 51o 40' W e 40 m de altitude). O clima daregio do tipo fundamental Cfa, conforme a classifi-cao climtica de Kppen, ou seja, subtropical midocom vero quente (Bergamaschi et al., 2003).

    O solo pertence unidade de mapeamento Arroiodos Ratos, classificado como Argissolo Vermelhodistrfico tpico (Embrapa, 1999).

    A rea experimental de aproximadamente 0,5 ha foicultivada por sete anos, desde 1995, parte em sistemade manejo semeadura direta (SD) e parte em semeadu-ra convencional (SC). O preparo do solo foi feito emoutubro de 2002, quando a rea sob SD teve a cobertu-ra vegetal dessecada e, posteriormente, acamada como auxlio de rolo faca. No mesmo perodo, fez-se a in-corporao da biomassa verde de aveia+ervilhaca, me-diante arao com arado de disco, seguida de duasgradagens com grade niveladora, na rea de SC.

    Utilizou-se um delineamento em blocos (faixas) comquatro repeties. Os tratamentos consistiram de doissistemas de manejo e dois nveis de gua: sem irrigao(NI) e com irrigao, para manter a umidade do soloprxima da capacidade de campo (I). Os dois siste-mas de manejo foram dispostos em faixas nas parcelasprincipais, e os nveis de gua, nas subparcelas. Utili-zou-se um sistema de irrigao por asperso em linha,constitudo por 12 aspersores, dispostos na direo les-te-oeste, entre os dois sistemas de manejo de solo.

    Foram aplicados, na linha de semeadura, 800 kg ha-1de NPK 52020. Posteriormente, foram aplicados100 kg ha-1 de N em cobertura (uria), aos 15 e 36 diasaps a emergncia (DAE).

    As medidas de potencial matricial da gua no soloforam feitas com o auxlio de tensimetros de mercrio,instalados a 45 cm e 60 cm de profundidade.

    O potencial mnimo da gua na folha foi medido entre12h e 13h, com cmara de presso Soilmoisture modelo3000. Foram cortados cerca de 35 cm da extremidadefoliar, de folhas totalmente desenvolvidas e expostas aosol. De imediato, dividiu-se a folha transversalmente;a extremidade era utilizada para medir o potencial dagua; para tanto, retirou-se cerca de 5 cm da lminafoliar, de forma a deixar a nervura central formando umpseudo-pecolo.

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    Aps a leitura do potencial da gua, parte da folha,em torno de 4 g, foi colocada dentro de seringas de 3 mL,que foram imediatamente colocadas em caixa de isopore congeladas com N lquido, constituindo a amostra no-hidratada para determinao do potencial osmtico.A outra metade da folha foi colocada em frascos devidro, com gua para hidratao por um perodo de12 horas, a fim de atingirem a saturao. Aps esse pe-rodo, coletou-se parte da folha (3 a 5 g), que foi acondi-cionada em seringa de 3 mL e congelada em N lquido,constituindo a amostra hidratada para determinao dopotencial osmtico. Os segmentos das folhas, congela-dos dentro das seringas, foram pressionados com ombolo para extrao da seiva. A osmolaridade foi deter-minada em microsmmetro Wescor modelo 5520, e o po-tencial osmtico foi calculado segundo a equao de VantHoff.

    O ajuste osmtico foi calculado pela diferena entreo potencial osmtico das folhas hidratadas, das plantasirrigadas prximo capacidade de campo, e o potencialosmtico das folhas hidratadas das plantas no-irrigadas.

    Pela diferena entre o potencial da gua mnimo total(osmtico+presso) e o osmtico, determinado em fo-lhas no-hidratadas, obteve-se o potencial de presso.

    Procedeu-se, tambm, ao clculo da evapotranspiraode referncia (ETo) pelo mtodo de Penman (1948).

    Os dados obtidos foram submetidos anlise devarincia, e as mdias foram comparadas pelo teste deTukey, adotando-se como critrio de significncia valo-res de P0,05.

    Resultados e Discusso

    No perodo inicial de desenvolvimento da cultura, ocor-reram precipitaes pluviais acima da mdia (Figura 1).No final de dezembro e incio de janeiro, houve um pe-queno dficit hdrico, causado pela ausncia de chuva.Como as plantas estavam no perodo vegetativo, a de-manda por gua ainda era baixa, em razo do reduzidondice de rea foliar, e isto no acarretou dficit hdricopara a cultura.

    A partir de 54 DAE, 25 de janeiro, observou-se umasituao de dficit hdrico, caracterizada pela ausnciade precipitao, e pela radiao solar global elevada, oque causou um aumento na evapotranspirao de refe-rncia (ETo). Nesse perodo, a cultura de milho encon-trava-se com elevado ndice de rea foliar e em perodocrtico (pendoamentoespigamento), quando a falta degua intensifica o efeito do dficit hdrico na produtivi-

    dade final de gros. Aps a ocorrncia do dficit hdrico,no incio de fevereiro, ocorreram precipitaes quetotalizaram 196 mm, valor bem acima da mdia histri-ca de 110,9 mm. Essa situao possibilitou a recupera-o hdrica da cultura.

    A produtividade final da cultura no diferiu, estatis-ticamente, entre os sistemas de manejo do solo. Nas par-celas sem irrigao, a produtividade foi de 1.355 kg ha-1 e1.451 kg ha-1 em SD e SC, respectivamente. Com irri-gao, a produtividade foi de 8.064 kg ha-1, em SD, e de9.596 kg ha-1, em SC.

    Na Figura 2 est representado o potencial mnimo dagua na folha (mn) de milho, medido em alguns dias,durante a conduo do experimento. De maneira geral,o mn mostrou-se maior em SD do que em SC, inde-pendentemente do nvel de irrigao, embora as dife-renas no tenham sido estatisticamente significativas.Apesar disso, e do fato de no ter havido interao en-tre os fatores, optou-se por fazer a descrio dos resul-tados, comparando-se os sistemas de manejo nos doisnveis de irrigao, levando-se em considerao o des-vio padro das mdias. Com isso, buscou-se avaliar atendncia da evoluo temporal dos processos, poten-cial da gua na folha e ajuste osmtico, em semeaduradireta, uma vez que o processo evolutivo, desse sistemade manejo, diferente do observado no sistema de se-meadura convencional, que mais lento e interrompidoa cada preparo (Dalmago, 2004).

    Nas parcelas sem irrigao, ocorreram os valoresmais negativos de mn, comparados s parcelasirrigadas (Figura 2). Essa diferenciao indica que o mnpode ser um indicador adequado da condio hdrica deplantas de milho, quando estabelecidas condiescontrastantes de umidade no solo (Bergonci et al., 2000).

    Figura 1. Precipitao pluvial (P, ) e evapotranspirao dereferncia (ETo, ) em relao a dias aps a emergncia .

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    Assim, o mn pode ser utilizado para identificar umacondio de estresse j estabelecida.

    Nas parcelas sem irrigao, podem ser observadostrs pontos importantes (Figura 2). O primeiro representao mn com valores altos, no primeiro dia de medio(42 DAE), que maior em semeadura direta. Isso ocor-reu, porque havia mais gua disponvel s plantas nosolo sob SD do que sob SC, o que determinou maiormn nas plantas sob SD, tendo estas ento uma melhorcondio hdrica.

    O segundo ponto aquele em que o mn seme-lhante entre os sistemas de manejo, aos 44 e 46 DAE.Nesses dias, o mn foi igual a -1,5 MPa em ambos ossistemas. Isto mostra que as plantas apresentaram umaadequada condio hdrica, pois conforme Bergonci et al.(2000), o potencial mnimo da gua na folha,de -1,5 MPa, indica, em milho, a no ocorrncia de d-ficit hdrico, pois h recuperao do mn ao final do dia,com o fechamento estomtico. Tal diminuio do mnresulta de um dficit de curto prazo, causado pela altademanda evaporativa da atmosfera, quando atranspirao supera a absoro (Kramer & Boyer,1995).

    O terceiro ponto representa os quatro dias finais demedidas, em que o mn foi maior em SD, quando com-

    parado ao sistema de SC. Aos 58 e 64 DAE, o mndiminuiu quando comparado aos dias anteriores de lei-tura. Em SD o mn variou de -1,66 MPa, aos 58 DAE,a -2,08 MPa aos 64 DAE, um pouco maior do que emSC, que apresentou valores de -1,70 MPa e -2,38 MPa,respectivamente. A diminuio do mn foi ocasionadapela intensificao do dficit hdrico durante esses dias,o que causou a diminuio do potencial da gua no solo(s) em ambos os sistemas e, conseqentemente,do mn (Tabela 1).

    Nos dois ltimos dias de leitura, 78 e 88 DAE, o mnfoi igual em ambos os sistemas, tendo apresentado va-lores de -1,5 MPa em SD e -1,7 MPa em SC. Esse au-mento no mn, em relao aos dias anteriores, resultoude precipitaes ocorridas a partir dos 69 DAE, quepossibilitaram o aumento do contedo de gua no solo ea recuperao hdrica das plantas. Como, nesse pero-do, o mn foi maior em SD, as plantas cultivadas sobesse sistema apresentaram uma melhor condio hdricado que aquelas em SC.

    Nas parcelas com irrigao, o mn apresentou dife-renas entre os sistemas de manejo durante os dias ana-lisados (Figura 2). Dos 42 aos 58 DAE, a diferena foimuito pequena; o maior mn ocorreu em SD, durante

    Figura 2. Potencial mnimo de gua na folha (mn), em milho cultivado em semeadura direta ( ) e convencional ( ), comirrigao e sem irrigao, no perodo de 42 a 88 dias aps a emergncia. Barras nas colunas representam o desvio-padroda mdia. EEA/UFRGS, Eldorado do Sul, RS, 2002/2003.

    Tabela 1. Potencial matricial da gua no solo (MPa), a 45 e 60 cm de profundidade, em semeadura direta (SD) e convencional (SC),com irrigao (I) e sem irrigao (NI), em relao a dias aps a emergncia (DAE). EEA/UFRGS, Eldorado do Sul, RS, 2002/2003.

    (1)No houve leitura, devido ao rompimento da coluna de mercrio dos tensimetros.

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    quase todos os dias analisados. Os valores do mn nes-ses dias no passaram de -1,39 MPa, o que demonstrauma condio hdrica satisfatria das plantas cultiva-das, tanto em SD, quanto em SC. Isso ocorreu em ra-zo da disponibilidade adequada de gua no solo, obser-vada nessas parcelas.

    Aos 64 DAE, o mn foi maior em SD, quando com-parado ao SC. Em SC, o mn foi de -1,59 MPa, menorvalor observado entre os sistemas, quando irrigados, fatoque pode ser atribudo ao menor s observado nessedia, em ambos os sistemas e, tambm, elevada de-manda evaporativa da atmosfera, determinada, princi-palmente, pelo alto dficit de saturao do ar(8,3 mm Hg).

    Comparando-se os valores do mn, aos 64 DAE, comos dos 78 DAE, observa-se um aumento do mn, tantoem SD quanto em SC. Esse aumento pode ser atribudos precipitaes ocorridas (Figura 1) e s irrigaes re-alizadas nesse perodo, as quais determinaram um au-mento na quantidade de gua no solo, que possibilitouuma maior absoro de gua pelas plantas cultivadasem ambos os sistemas. Aos 88 DAE, no houve dife-renas no mn entre os sistemas de semeadura, prova-velmente em razo das precipitaes ocorridas, quepossibilitaram a recuperao hdrica das plantas.

    Durante a execuo do experimento, a quantidadede gua (precipitao + irrigao) aportada, nos trata-mentos irrigado e sem irrigao, foi, respectivamente,de 170 mm e 68 mm.

    Os dados de mn acompanharam a variao do s,ou seja, quando o s foi alto, o mn tambm foi elevado,tendo sido maior em SD, na maioria dos dias de leitura.Portanto, o mn pode ser considerado um indicador ade-quado da condio hdrica das plantas, pois ressaltou asdiferenas em relao ao contedo de gua no solo e,

    conseqentemente, entre os sistemas de manejo. Issoocorreu porque o sistema de semeadura direta alterouas propriedades fsicas do solo, ligadas dinmica dagua, e proporciou maior disponibilidade hdrica em SD(Dalmago, 2004).

    Embora a literatura no apresente estudos que de-monstrem diferenas de comportamento do potencialda gua na planta, em SD e SC, a mesma rica emestabelecer as relaes entre a quantidade de gua dis-ponvel no solo e o potencial de gua na folha (Kramer& Boyer, 1995; Bergonci & Pereira, 2002; Li et al., 2002).

    Durante quase todo o perodo de medida, o potencialde presso (p) manteve-se com valores abaixo de0,4 MPa, em razo dos baixos mn observados nessasparcelas (NI) (Figura 3). Apenas aos 42 DAE, o p foisuperior a 0,4 MPa, em razo do elevado mn em SD.Dos 44 aos 78 DAE, o p foi baixo ou at nulo, emambos os sistemas, em razo da situao de dficithdrico que se estabeleceu (Figura 1). Somente aos 88DAE houve uma semelhana nos valores do p, emrazo da recuperao hdrica das plantas.

    Quando o p foi nulo, aos 46, 64 e 78 DAE, pode terocorrido uma intensa desidratao da clula, a qual foi,provavelmente, acompanhada por um processo ativo deproduo de solutos ajuste osmtico (AO) (Figura 4).Isso ocorreu apenas aos 46 e 64 DAE, pois aos 78 DAEas clulas das plantas cultivadas sob SD entraram, pro-vavelmente, em um processo de desidratao celular,no tendo-se observado, no mesmo dia, o mecanismode ajuste osmtico. Com o aumento do p aos 88 DAE,em razo do aumento do mn, as plantas recuperaramsua condio hdrica.

    Nas parcelas com irrigao (I), o p apresentou va-lores mais elevados do que nas parcelas sem irrigao,em razo do maior mn, ocasionado pela maior disponi-

    Figura 3. Potencial de presso (p), em milho cultivado em semeadura direta ( ) e convencional ( ), com irrigao e semirrigao, no perodo de 42 a 88 dias aps a emergncia. Barras nas colunas representam o desvio-padro da mdia. EEA/UFRGS, Eldorado do Sul, RS, 2002/2003.

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    bilidade de gua no solo. O p nessas parcelas foi oramaior em SD, ora maior em SC.

    A diminuio do p, observada tanto nas parcelasirrigadas quanto nas sem irrigao, pode ter influencia-do o crescimento celular, que depende do p, para queocorra a expanso celular (Boyer, 1970). Diminuiodo p foi observado em milho (Premachandra et al.,1992), e em trigo (Bajji et al., 2001), em razo do dficithdrico, que causou diminuio do contedo de gua nosolo, e conseqentemente do mn.

    Isso demonstra que a resposta geral das plantas demilho, em situao de dficit hdrico, a diminuio domn, em razo do menor contedo de gua no solo, queleva tambm diminuio do p celular. Essa queda dop pode ou no afetar o crescimento da planta, depen-dendo da intensidade do dficit hdrico. Em dficit hdricointenso, a planta pode desenvolver o mecanismo de ajuste

    osmtico (Morgan, 1984), que contribui para manter asatividades fisiolgicas das plantas, mesmo em baixospotenciais da gua.

    O potencial osmtico hidratado (oh), nas parcelassem irrigao, apresentou valores menores do que nasparcelas irrigadas, na maioria dos dias (Figura 5). Hou-ve pequenas diferenas entre os sistemas, pois em doisdos sete dias analisados, o oh foi maior em SD.Nas parcelas irrigadas, o oh apresentou pequenas va-riaes entre sistemas; na maioria dos dias foi maior emSD, o que caracteriza, novamente, uma melhor condi-o hdrica das plantas nesse sistema.

    Diminuio no oh tambm foi observada por Jensenet al. (2000) ao estudarem as relaes hdricas deChenopodium quinoa com dficit hdrico no solo.Em um estudo com diferentes cultivares de trigo, Bajjiet al. (2001) tambm observaram queda no oh, em ra-zo do dficit hdrico, a qual foi mais acentuada em fo-lhas que ainda estavam em crescimento. Em todos es-ses estudos, a diminuio do oh ocorreu em resposta auma situao de dficit hdrico, que ocasionou uma pro-duo ativa de solutos, caracterizando a ocorrncia deajuste osmtico.

    Houve ajuste osmtico (AO) em ambos os sistemas;a freqncia foi maior em SD, porm foi mais intensoem SC (Figura 4).

    O AO, em ambos os sistemas, ocorreu em respostaao dficit hdrico, que ocasionou queda no mn. Em res-posta a essa diminuio, as plantas produziram solutosque ocasionaram diminuio do oh que, por sua vez,atraiu gua para dentro da clula, e manteve, assim, aturgescncia celular.

    O AO no ocorreu em todos os dias de medies. Issopode ter sido causado pela condio de estresse anterior aesses perodos (42 e 78 DAE), pois se o dficit hdrico no

    Figura 4. Ajuste osmtico de milho cultivado em semeaduradireta ( ) e convencional ( ), no perodo de 42 a 88 dias apsa emergncia. Barras nas colunas representam o desvio-pa-dro da mdia. EEA/UFRGS, Eldorado do Sul, RS, 2002/2003.

    Figura 5. Potencial osmtico hidratado (oh), em milho cultivado em semeadura direta ( ) e convencional ( ), com irrigao esem irrigao, no perodo de 42 a 88 dias aps a emergncia. Barras nas colunas representam o desvio-padro da mdia.EEA/UFRGS, Eldorado do Sul, RS, 2002/2003.

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    for muito intenso, o decrscimo no potencial osmtico no suficiente para causar o ajuste (Morgan, 1984).

    Com a ocorrncia do AO, as plantas de milho demons-traram que possuem um mecanismo de tolerncia ao dfi-cit hdrico, e podem expressar seu rendimento potencialsob uma situao de restrio de gua.

    Se a restrio de gua ocorrer exatamente no perodocrtico da cultura, o rendimento final ser diminudo(Bergamaschi et al., 2004), e o ajuste osmtico pode noser suficiente para determinar o rendimento potencial dacultura.

    Concluses1. O potencial mnimo da gua na folha maior em

    semeadura direta do que em semeadura convencional.2. A cultura do milho apresenta mecanismo de tole-

    rncia ao dficit hdrico, mediante ajuste osmtico, queocorre em ambos os sistemas de manejo do solo, porm mais intenso em semeadura convencional.

    3. O potencial mnimo da gua na folha pode ser uti-lizado como indicador do estado hdrico em milho.

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    Recebido em 30 de setembro de 2004 e aprovado em 16 de fevereiro de 2005