bianca ferreira de oliveira - ufpa

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO ICED PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO PPGED MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO BIANCA FERREIRA DE OLIVEIRA A produção intelectual e a docência de Domingos Sylvio Nascimento: Contribuições para a História da Educação no Pará (1903 1947) BELÉM PARÁ 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO – ICED

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO – PPGED

MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO

BIANCA FERREIRA DE OLIVEIRA

A produção intelectual e a docência de Domingos Sylvio

Nascimento: Contribuições para a História da Educação no Pará

(1903 – 1947)

BELÉM – PARÁ

2016

BIANCA FERREIRA DE OLIVEIRA

A produção intelectual e a docência de Domingos Sylvio

Nascimento: Contribuições para a História da Educação no Pará

(1903 – 1947)

Dissertação de Mestrado direcionada à Linha de Pesquisa Educação: Currículo, Epistemologia e História, apresentada ao Programa de Pós-Graduação – Mestrado Acadêmico em Educação, do Instituto de Ciências da Educação, da Universidade Federal do Pará (UFPA), como requisito de exigência para obtenção do título de Mestre em Educação. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria José Aviz do Rosário.

BELÉM – PARÁ

2016

Oliveira, Bianca Ferreira de, 1992- A produção intelectual e a docência de DomingosSylvio Nascimento : contribuições para a história daeducação no Pará (1903 - 1947) / Bianca Ferreira deOliveira. - 2016.

Orientadora: Maria José Aviz do Rosário. Dissertação (Mestrado) - UniversidadeFederal do Pará, Instituto de Ciências daEducação, Programa de Pós-Graduação em Educação,Belém, 2016.

1. Nascimento, Domingos Sylvio (1882-1947) -Biografia. 2. Educação - História - 1903-1947 -Pará. 3. Professores - Biografia. I. Título.

CDD 22. ed. 370.92

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)Sistema de Bibliotecas da UFPA

BIANCA FERREIRA DE OLIVEIRA

A produção intelectual e a docência de Domingos Sylvio

Nascimento: Contribuições para a História da Educação no Pará

(1903 – 1947)

Dissertação de Mestrado direcionada à Linha de Pesquisa Educação: Currículo, Epistemologia e História, apresentada ao Programa de Pós-Graduação – Mestrado Acadêmico em Educação, do Instituto de Ciências da Educação, da Universidade Federal do Pará (UFPA), como requisito de exigência para obtenção do título de Mestre em Educação. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria José Aviz do Rosário.

Data da defesa: 27/06/2016

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________ Orientadora

Prof. Dra. Maria José Aviz do Rosário Doutora em Educação – UFSCAR

Universidade Federal do Pará

__________________________________ Examinador (Externo)

Prof. Dr. José Claudinei Lombardi Doutor em Educação – UNICAMP

Universidade de Campinas

__________________________________ Examinador (Interno)

Prof. Dr. Genylton Odilon Rego da Rocha Pós-Doutor – Institut National de Recherche Pédagogique, França

Universidade Federal do Pará

BELÉM – PARÁ

2016

Dedico este trabalho a Deus e aos meus

pais Domingos e Maria Rosa Oliveira, pelo

apoio que me deram e por dedicarem suas

vidas para a realização de meus sonhos.

AGRADECIMENTOS

A Deus, pelo dom da vida, pelo amor incondicional, pelo cuidado, por fazer

nascer em mim os mais belos sonhos. Por ser Aquele que me sustentou

espiritualmente, emocionalmente. Que me reergueu repetidas vezes. Que me tomou

pelas mãos quando em mim não havia força, ânimo. Aquele que, quando eu pensei

em desistir, foi o meu único estímulo para seguir em frente... Foi o único e suficiente.

A quem me colocou aqui e com toda a Sua graça e bondade, me fez chegar até o

fim, ao meu Divino e Eterno Pai, meu maior e melhor agradecimento.

A minha família, pelo amor, pelas orações, por ter acreditado e investido em

mim. Em especial, aos meus pais, Domingos e Rosa Oliveira, pelos 24 anos de

entrega, suor, renúncia e lágrimas para me fazerem a mulher que sou hoje. Minha

mãe, com toda a sua compreensão, tolerância, fez de tudo para que eu não me

preocupasse com nada além dos meus estudos; seus cuidados são e sempre serão

especiais, pois me lembrarão de seu amor por mim, dessa sua forma única de

demonstrá-lo. Meu pai, não sendo apenas suporte financeiro em casa e nos meus

estudos, é um suporte emocional, não me deixa esquecer um dia sequer do quanto

sou amada. Sou grata por todos os seus ensinamentos, o mais alto nível de ensino

que eu alcance não chegará aos pés de tudo o que aprendi com vocês.

Aos meus irmãos, Bruno e Breno, pelo amor, companheirismo, cumplicidade e

amizade construída ao longo de nossa caminhada. Sua companhia trouxe alegria e

vida a minha história. Obrigada por serem meus eternos parceiros.

Ao amado amigo Peterson da Silva (Pet), que mesmo distante geograficamente,

se fez presente nos momentos mais turbulentos da escrita deste trabalho. Que

embarcou comigo na pesquisa, leu meus textos, auxiliou com as fontes,

transcrições, suportou-me em minhas frustrações e, acima de tudo, não me deixou

desistir. Sem você teria sido tudo mais difícil, rir contigo foi essencial. Obrigada por

sempre me lembrar das promessas de Deus pra minha vida.

A todos e todas que fizeram parte da minha primeira vivência acadêmica, no

período da graduação em Pedagogia na Universidade do Estado do Pará (UEPA). O

meu querido orientador do TCC e da monitoria, Prof. Dr. Tony Leão da Costa, meu

grande incentivador para o ingresso no mestrado, para o sonho da docência no

ensino superior, obrigada pela imensidão de conhecimentos que adquiri em um ano

de trabalho com você. As amadas amigas que, dentro e fora da sala de aula,

permitiram-me desfrutar da vida acadêmica com alegria e certeza de ter com quem

contar, motivando-me a sempre seguir em frente e não desistir de sonhar; Tati,

Tuany, Mylene, Tayssa, Ellen, obrigada pela amizade e pelos momentos incríveis

que se eternizarão em nossas vidas.

Às amigas e companheiras nesta universidade, Iza Helena, Yara Lucena e

Elisangela Silva, que contribuíram diretamente na construção desta dissertação,

propondo-me novos caminhos para o trabalho, acompanhando-me ao lócus da

pesquisa, buscando fontes, disponibilizando documentos essenciais para a

compreensão do objeto de estudo. Sou grata a Deus pelas suas vidas e sei que Ele

poderá recompensá-las muito além da minha capacidade. Obrigada, meninas, de

todo o meu coração.

À minha orientadora, Profa. Dra. Maria José Aviz do Rosário, que depositou em

mim sua confiança, acolheu-me, proporcionou-me ricos momentos de aprendizado e

crescimento acadêmico, profissional e pessoal, sua humanidade me inspira.

Obrigada por acreditar em mim, por compartilhar conhecimento, dividir

responsabilidades, por escolher trilhar essa jornada, por vezes turbulenta, sendo

minha orientadora.

À banca examinadora, Prof. Dr. José Claudinei Lombardi e Prof. Dr. Genylton

Odilon Rego da Rocha, que deram valiosas contribuições para a construção deste

trabalho, propondo novos olhares, ampliando horizontes. Meus sinceros

agradecimentos.

À Profa. Dra. Clarice Melo, que compôs a banca examinadora do exame de

qualificação deste trabalho e que fez significativas considerações acerca da minha

pesquisa, colaborando de maneira riquíssima para o prosseguimento da produção

do texto final. Creio que muito mais eu poderia ter crescido academicamente se lhe

fosse permitido participar da minha banca de defesa. Profa. Clarice, sou

imensamente grata.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela

bolsa de estudos concedida.

Ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Instituto de Ciências da

Educação, no qual pude dar mais um passo na minha formação com a conclusão

deste Curso de Mestrado em Educação.

Eu me alegro também com as fraquezas, os insultos, os

sofrimentos, as perseguições e as dificuldades pelos quais

passo por causa de Cristo. Porque, quando perco toda a minha

força, então tenho a força de Cristo em mim.

(I Coríntios 12:10)

OLIVEIRA, Bianca Ferreira de. A produção intelectual e a docência de Domingos Sylvio Nascimento: Contribuições para a História da Educação no Pará (1903 – 1947). Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Pará, Belém, 2016.

RESUMO

O presente texto constitui-se como dissertação de mestrado com o título “A produção intelectual e a docência de Domingos Sylvio Nascimento: Contribuições para a História da Educação no Pará (1903 – 1947)”. Tem como objetivo principal analisar como Sylvio Nascimento, foi construindo sua carreira de magistério em face do contexto político de sua época. E como objetivos específicos, descrever a produção e trajetória profissional do Professor Sylvio Nascimento; identificar como o contexto político-educacional da Primeira República contribuiu para a formação docente de Sylvio Nascimento; analisar o projeto de educação de Sylvio Nascimento. O referencial teórico-metodológico toma como base os autores: Frigotto (1991), Marx (1974), Le Goff (1996), Moraes (2001), Holanda (1995), França (1997), Rêgo (2002) Saviani (2013). A pesquisa teve caráter histórico e utiliza como fonte documentos encontrados no arquivo do Colégio Estadual Paes de Carvalho, no Acervo de Obras Raras do Centro Cultural Tancredo Neves (Centur)/Fundação Cultural do Estado do Pará e no acervo do Projeto Memorial do Livro – Moronguetá/Fórum Landi. Os resultados deste estudo apontam para a identificação do Professor Domingos Sylvio Nascimento como um intelectual da República, sua produção bibliográfica e carreira no magistério apontam para concepções de educação baseadas nos ideais educacionais republicanos e que, em nenhum dos documentos analisados, demonstra-se atuante na causa negra ou posiciona-se contra teorias e ideologias racistas. A atuação no Colégio Estadual Paes de Carvalho, a participação na comissão de elaboração dos programas do Ensino Primário no Estado do Pará, a produção de “Noções de História Pátria” e “Em torno da Inconfidência Mineira: o papel de Tiradentes” figuram como principais meios para análise da construção do projeto de educação de Domingos Sylvio Nascimento.

Palavras-chave: Domingos Sylvio Nascimento. História da Educação Paraense.

Educação Republicana. História da Educação.

OLIVEIRA, Bianca Ferreira de. A produção intelectual e a docência de Domingos Sylvio Nascimento: Contribuições para a História da Educação no Pará (1903 – 1947). Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Pará, Belém, 2016.

ABSTRACT

This text is constituted as master's thesis entitled "Intellectual production and teaching Domingos Sylvio Nascimento: Contributions to the History of Education in Para (1903 - 1947)". Its main objective is to analyze how Sylvio Nascimento, was building his teaching career in the face of the political context of his time. And as specific objectives, describe the production and professional career of Professor Sylvio Nascimento; identify how the political and educational context of the First Republic contributed to teacher training Sylvio Nascimento; analyze the Sylvio Nascimento education project. The theoretical framework draws on the authors: Frigotto (1991), Marx (1974), Le Goff (1996), Moraes (2001), Holanda (1995), França (1997), Rego (2002) Saviani (2013). The research was historical character and used as source documents found in State College Paes de Carvalho file in the Rare Books Collection of the Centro Cultural Tancredo Neves (Centur)/Cultural Pará State Foundation and the Book of Memorial Project collection - Moronguetá/Fórum Landi. The results of this study point to the identification of Professor Domingos Sylvio Nascimento as an intellectual of the Republic, their bibliographic production and career in teaching point to based educational concepts Republican educational ideals and that, in any of the documents examined, it is shown acting in black cause or positioned against theories and racist ideologies. The performance in the State College Paes de Carvalho, participation in the drafting committee of the primary education programs in the state of Pará, the production of "Notions of Homeland History" and "Around the Minas Conspiracy: the role of Tiradentes" appear as main means for analyzing the construction of Domingos Sylvio Nascimento education project.

Keywords: Domingos Sylvio Nascimento. History of Pará Education. Republican

Education. History of Education.

LISTA DE ILUSTRAÇOES

Figura 01 – Domingos Sylvio Nascimento 23

Figura 02 – Capa do livro “Noções de História Pátria” 28

Figura 03 – Página 11 do livro “Noções de História Pátria” 34

Figura 04 – Página 13 do livro “Noções de História Pátria” 35

Figura 05 – Página 19 do livro “Noções de História Pátria” 37

Figura 06 – Página 24 do livro “Noções de História Pátria” 40

Figura 07 – Página 25 do livro “Noções de História Pátria” 41

Figura 08 – Página 28 do livro “Noções de História Pátria” 43

Figura 09 – Página 33 do livro “Noções de História Pátria” 45

Figura 10 – Capa da tese “Em torno da Inconfidência Mineira: O Papel de

Tiradentes”

47

Figura 11 – Hino do Colégio Estadual “Pais de Carvalho”

76

SUMÁRIO INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 11

1. DOMINGOS SYLVIO NASCIMENTO: PRODUÇÃO INTELECTUAL E CARREIRA

DOCENTE ........................................................................................................................................... 22

1.1. DOMINGOS SYLVIO NASCIMENTO (1882-1947) ........................................................... 22

1.2. PRODUÇÃO INTELECTUAL DE DOMINGOS SYLVIO NASCIMENTO ....................... 27

1.2.1. O LIVRO NOÇÕES DE HISTÓRIA PÁTRIA (1920) .................................................. 28

1.2.2. EM TORNO DA INCONFIDÊNCIA MINEIRA: O PAPEL DE TIRADENTES (1926)

....................................................................................................................................................... 46

1.2.3. HISTÓRIA DO BRASIL: DOCÊNCIA NO GYMNASIO PAES DE CARVALHO .... 51

2. EDUCAÇÃO NA PRIMEIRA REPÚBLICA: O CONTEXTO HISTÓRICO PARAENSE ...... 60

2.1. A PRIMEIRA REPÚBLICA NO CONTEXTO PARAENSE ............................................... 60

2.2. O PENSAMENTO EDUCACIONAL REPUBLICANO ....................................................... 64

2.3. AS REFORMAS EDUCACIONAIS NO GOVERNO REPUBLICANO ............................ 68

2.4. O COLÉGIO ESTADUAL PAES DE CARVALHO ............................................................. 74

3. ANÁLISE DO PROJETO DE EDUCAÇÃO DE DOMINGOS SYLVIO NASCIMENTO ....... 79

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................................. 86

REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 88

Fontes documentais ....................................................................................................................... 88

Bibliografia ....................................................................................................................................... 89

ANEXOS .............................................................................................................................................. 92

11

INTRODUÇÃO

O presente texto constitui-se como dissertação de mestrado com o título “A

produção intelectual e a docência de Domingos Sylvio Nascimento: Contribuições

para a História da Educação no Pará (1903 – 1947)”. Para fins de ingresso no

Programa de Pós-Graduação em Educação, do Instituto de Ciências da Educação,

da Universidade Federal do Pará, foi apresentado o projeto de pesquisa intitulado:

“O currículo em ambiente escolar e comunitário quilombola – um estudo a partir da

comunidade do Abacatal, Ananindeua-Pará” com o objetivo de analisar de que forma

o currículo é construído na Escola Municipal Manoel Gregório Rosa Filho na

Comunidade Quilombola do Abacatal, fruto de pesquisas realizadas na graduação e

que resultaram, também, no Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) intitulado: “O

currículo em ambiente quilombola: um estudo de caso a partir da escola situada na

comunidade do Abacatal em Ananindeua-Pará”, sob a orientação do Prof. Dr. Tony

Leão da Costa, no curso de Licenciatura Plena em Pedagogia, pela Universidade do

Estado do Pará (UEPA) no ano de 2013.

Durante o ano de 2014, com as orientações e contribuições das disciplinas

Seminário de Dissertação I, II e Pesquisa em Educação, o projeto passou por

modificações no problema e nos objetivos, porém uma mudança expressiva ocorreu

no período do segundo semestre letivo. Dois principais fatores levaram a essa

transformação que posso definir como “radical”. O primeiro está relacionado à minha

inclusão efetiva no grupo de pesquisa coordenado por minha orientadora, Profa.

Dra. Maria José Aviz do Rosário, o Grupo de Estudos e Pesquisas “História,

Sociedade e Educação no Brasil” (HISTEDBR - Secção-PA). O segundo, deve-se ao

“convite à pesquisa” feito pela Profa. Msc. Iza Helena Araújo na ocasião do XI

Colóquio sobre Questões Curriculares/VII Colóquio Luso-Brasileiro/I Colóquio Luso-

Afro-Brasileiro de Questões Curriculares, realizado em setembro de 2014 na

Universidade do Minho, na cidade de Braga, Portugal, onde ela me “apresentou” o

Prof. Domingos Sylvio Nascimento1, destacando algumas de suas particularidades e

relacionando-as com a temática racial – que eu já vinha realizando estudos – e com

1 O contato da Profa. Iza Helena com informações acerca do Prof. Domingos Sylvio Nascimento se

deu a partir de sua pesquisa no arquivo do Colégio Estadual Paes de Carvalho para a construção de sua tese de doutorado. Ela o identificou como único professor catedrático negro no período da Primeira República no Estado do Pará (1889-1930).

12

a história da educação – área de estudo do grupo de pesquisa no qual eu estava

incluída.

Considerando a necessidade de aproximar a construção da minha

dissertação de mestrado com a produção acadêmica do grupo de pesquisa ao qual

eu estava vinculada e abraçando as propostas feitas pela Profa. Iza Helena,

decidimos, minha orientadora e eu, alterar o objeto de estudo inicial e, por

consequência, todo o projeto de pesquisa, “partindo do zero”, mas mantendo o

envolvimento com a temática racial proposto anteriormente e consolidando minha

produção em história da educação – cujo primeiro contato ocorreu na graduação,

com o Programa de Monitoria, onde fui monitora na Disciplina História da Educação

durante o período de um ano em duas turmas semestrais, sob a orientação do Prof.

Dr. Tony Leão da Costa, e se fortaleceu com o ingresso no grupo de pesquisa

HISTEDBR Secção-PA. Desta forma, após (re)formulações, chegamos ao tema e ao

objeto deste estudo.

Tomando como base a pesquisa em história da educação, encontramos na

literatura já produzida a discussão acerca de alguns elementos que ajudam a

construir e compreender o contexto do objeto do presente estudo, dentre os quais

figura o período que compreende os anos de 1889 a 1930, conhecido como Primeira

República ou República Velha, no Brasil, que marca um importante momento de

transição política e econômica, e de ruptura com a forma de governo vigente até

então, o Império. No Estado do Pará, o ideário republicano já permeava a elite

política e econômica desde meados da década de 1880. Neste período, o

pensamento positivista e evolucionista encontra lugar nos debates da comunidade

letrada paraense e influencia no modo de analisar a sociedade e a política local.

Sobre a formação intelectual daqueles que estiveram à frente do movimento

de implantação da República no Pará, Moraes (2011) apresenta o Club Republicano

do Pará e o jornal “A República” como importantes locais de articulação e difusão

dos ideais republicanos, que tinham como base teórica as concepções

evolucionistas e positivistas, à época, representação da inovação científica que

serviu como instrumento para o confronto e negação do imperialismo. Assim, em

1886, é publicado no jornal “A República”, o “Manifesto do Club Republicano do

Pará”, contendo críticas ao governo imperial (MORAES, 2011).

Dentre o conjunto de características do Império que foram alvo de críticas

pelo movimento republicano no Pará, estão a centralização política e administrativa,

13

a influência religiosa na sociedade e a economia escravista (já superada em tantos

países), que, portanto, deixavam o Brasil fora dos “padrões da modernidade”. No

entanto, é necessário ressaltar que essa visão de atraso fora construída tomando

como base as concepções de ciência e sociedade positivistas. Este pensamento, o

positivismo, representou, na sua época, o avanço da ciência, o desprendimento com

a religião no âmbito do conhecimento, acompanhando a consolidação da sociedade

moderna.

No que concerne às influências das teorias raciológicas no pensamento

republicano, Moraes (2011) salienta os estudos de Darwin sobre a evolução das

espécies – ao afirmar a superioridade de determinadas raças, ou atributos

biológicos, em detrimento de outras – como sustentáculo para as teorias do

evolucionismo cultural e darwinismo social, que acabaram por legitimar as práticas e

discursos racistas no âmbito social, político e, consequentemente, reproduzidos no

campo educacional. Considerando esta forma de pensamento do período

apresentado no estudo de Moraes (2011), é possível identificar que concepção se

tinha a respeito da população brasileira, um povo degenerado pela mestiçagem do

europeu com os indígenas e africanos e, por consequência, preguiçoso, indolente,

inculto, portador de todos os tipos de vícios, que, por sua vez, era o responsável

pelo atraso do Brasil em relação à sociedade moderna.

Tendo este ideário certo amadurecimento, em 1889, é iniciado, no Pará, o

primeiro governo republicano, o Governo Provisório de Justo Chermont, que durou

até 1891, seguido pelo Primeiro Governo de Lauro Sodré (1891 – 1897). Ambos

envidaram esforços para a consolidação do regime republicano no estado e, além da

participação da imprensa, como já mencionado anteriormente com o jornal “A

República” e a publicação do “Manifesto do Club Republicano do Pará”, a educação

foi um importante meio na tentativa de alcançar este objetivo. Para isso, diversas

reformas educacionais foram propostas (MORAES, 2011).

As reformas educacionais sob a égide do governo republicano podem ser

divididas levando em consideração os dois momentos de governo já mencionados.

Segundo Moraes (2011), com Justo Chermont, no Governo Provisório (1889 –

1891), as reformas tiveram ênfase, inicialmente no ensino primário, com o intuito de

formar cidadãos patrióticos que iriam “regenerar” a mocidade paraense.

Lauro Sodré, por sua vez, em seu primeiro governo (1891 – 1897), direcionou

especial atenção ao ensino secundário e profissional, o foco era “a formação da

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classe operária paraense [...], pois a incorporação do proletariado representa um dos

elementos que contribuem para a consolidação do regime.” (MORAES, 2011, p.

110), além das inúmeras medidas para a formação e valorização docente, haja vista

que estes seriam os responsáveis por reproduzir no âmbito educacional os ideais

republicanos, gerando, assim, uma nova geração de cidadãos comprometidos com a

nação, livre de vícios e costumes próprios das populações degeneradas pela

mestiçagem.

Neste contexto de transição do império à república e, posteriormente, sua

consolidação, nasce, em 1882, na Vila de Moju/Pará, Domingos Sylvio Nascimento,

filho de João Raimundo Nascimento e Maria José da Annunciação, negro e que

exerceu durante grande parte de sua vida a docência, lecionando durante 24 anos

em um dos principais centros de formação da intelectualidade paraense da época, o

Gymnasio Paes de Carvalho, atualmente Colégio Estadual Paes de Carvalho

(RÊGO, 2002).

Levando em consideração o contexto histórico até aqui apresentado, com os

resquícios da cultura de uma sociedade que teve como base a economia escravista,

que durante séculos explorou o trabalho do negro, negando a ele a condição de

cidadão, que, em seguida, com o pensamento positivista e evolucionista da

sociedade republicana, justificou teoricamente a discriminação e o preconceito

racial, apresento como meu principal questionamento: Como Sylvio Nascimento, foi

construindo sua carreira de magistério em face do contexto político de sua época?

Atentando para o fato de que Sylvio Nascimento atuou na gestão e docência

em diversas escolas do Pará, foi autor de livros didáticos (dentre eles, Noções de

História Pátria, 1920), escreveu poemas para os jornais locais com o pseudônimo de

Dulcídio Flores (RÊGO, 2002; SISMUBE, 2013), outros questionamentos vieram à

tona: Como se constituiu a produção e a trajetória profissional de Domingos Sylvio

Nascimento? Como o contexto político-educacional da Primeira República contribuiu

para a formação docente de Domingos Sylvio Nascimento? Qual era o projeto de

educação de Domingos Sylvio Nascimento?

A partir disso e visando a construção da dissertação de mestrado intitulada “A

produção intelectual e docência de Domingos Sylvio Nascimento: Contribuições para

a História da Educação no Pará (1882 – 1947)”, foi elencado como objetivo geral:

Analisar como Sylvio Nascimento, foi construindo sua carreira de

magistério em face do contexto político de sua época.

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E, como objetivos específicos:

1) Descrever a produção e trajetória profissional do Professor

Domingos Sylvio Nascimento.

2) Identificar como o contexto político-educacional da Primeira

República contribuiu para a formação docente de Domingos Sylvio

Nascimento.

3) Analisar o projeto de educação de Domingos Sylvio Nascimento.

Para que fosse possível elaborar análises sobre os questionamentos

expostos a cima, grande esforço foi empregado para a compreensão e apropriação

da teoria do materialismo-histórico e dialético enquanto método de pesquisa. Neste

processo, foi de fundamental importância as discussões sobre método no Grupo de

Pesquisa de História, Sociedade e Educação no Brasil (HISTEDBR - secção Pará),

sob a coordenação da Profa. Dra. Maria José Aviz do Rosário, e as contribuições

advindas dos debates promovidos pelos docentes e discentes das disciplinas

cumpridas no mestrado.

Dentre o conjunto de obras estudadas para a compreensão do materialismo-

histórico e dialético estão: “Capitalismo para principiantes”, de Novaes e Rodrigues

(1990); “Manifesto do Partido Comunista”, de Marx e Engels (2008); “Teses sobre

Feuerbach”, Marx (1974); “Educação e Contradição: elementos metodológicos para

a uma teoria crítica do fenômeno educativo”, Cury (1992); “O enfoque da dialética

materialista histórica na pesquisa educacional”, Frigotto (1994).

Algumas considerações que podem ser tecidas acerca do materialismo-

histórico e dialético, enquanto método de análise, tendo como base o referencial

teórico estudado, consistem na compreensão da sociedade como um local de

contradição e tensões entre as classes sociais antagônicas, com relações de

exploração do trabalho do homem pelo homem, relações estas que tem como raiz o

capital, a economia, mas que se reproduzem nos demais âmbitos da sociedade. A

partir dessa análise, surgem diversas categorias que possibilitam a compreensão da

realidade sob as lentes do materialismo-histórico e dialético, dentre elas, a

reprodução, contradição, hegemonia, mediação, totalidade, etc.

Na construção desta dissertação de mestrado, as categorias contradição,

hegemonia, ideologia e reprodução auxiliam na compreensão do objeto de estudo e

seu contexto. Em Educação e contradição, Jamil Cury (1992), apresenta não apenas

16

a escola, mas a educação como um espaço de contradições sociais, tendo como

base uma sociedade estruturada em classes. Estas contradições ou a contradição

da educação, reside no fato de ser ela, um instrumento, ao mesmo tempo, de

dominação e de libertação; de reprodução de uma ideologia hegemônica e de

construção e consolidação de um ideário revolucionário; que fornece conteúdos

mínimos para a reprodução das relações de produção e possibilita a tomada de

consciência crítica por parte dos trabalhadores.

Enquanto diversos autores se debruçam sobre o caráter ideológico-

hegemônico-dominante da educação e reforçam apenas esse lado negativo dela,

Cury (1992) é enfático ao afirmar que a educação é fundamental para a revolução

dos trabalhadores. Que ela não é apenas um instrumento de alienação das classes

dominantes, mas se constitui como grande aliada do povo, que deve muni-lo dos

conhecimentos próprios da elite para que, dessa forma, consciente, desenvolva

meios de superá-la. Isto pode ser percebido na crítica que ele faz as teorias

pautadas nos conceitos de violência simbólica e de aparelhos ideológicos, afirmando

que estas ignoram o caráter revolucionário e de negação da escola.

Para fins de coleta e análise dos dados, foi adotada a pesquisa do tipo

documental, e recorreu-se às orientações teórico-metodológicas propostas por Le

Goff (1996), que afirma que

O documento não é qualquer coisa que fica por conta do passado, é um produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de forças que aí detinham o poder. Só a análise do documento enquanto monumento permite à memória coletiva recuperá-lo e ao historiador usá-lo cientificamente, isto é, com pleno conhecimento de causa (LE GOFF, 1996, p. 545).

Ou seja, Le Goff (1996) ressalta a importância de analisar o documento

considerando as relações de poder que envolvem a sua construção, pois, sendo

monumento, ele “resulta do esforço das sociedades históricas para impor ao futuro –

voluntária ou involuntariamente – determinada imagem de si próprias”; cabendo ao

pesquisador “não fazer papel de ingênuo” (p. 48).

Ainda que as matrizes teóricas de Le Goff não sejam as mesmas das quais

me aproprio como método de análise, considero válidas as contribuições deste autor

no sentido de compreender o documento enquanto construção de uma sociedade

17

em determinado período histórico e observar o seu contexto, e obter dele

informações relevantes para entender o objeto de estudo.

Recorreu-se e orientação metodológica proposta por Rodríguez (2010, p. 40):

[...] um dos primeiros passos para o estudo histórico e a leitura crítica dos documentos é a realização de um levantamento bibliográfico que vise a aprimorar o conhecimento produzido a respeito do objeto de pesquisa, permitindo reconhecer as contribuições temáticas e identificar lacunas na produção existente.

Neste sentido, o esforço em realizar o levantamento bibliográfico proposto

pela autora, resultou não apenas na construção de uma seção específica dentro do

trabalho (tal como a segunda seção), mas na problematização e construção do

objeto de estudo, e nas discussões que foram construídas ao longo de toda a

dissertação.

A coleta de dados foi realizada em três locais principais: no Colégio Estadual

Paes de Carvalho, no Acervo de Obras Raras da Fundação Cultural do Estado do

Pará e no Memorial do Livro Moronguetá – Fórum Landi. O ponto de partida foi o

arquivo do Colégio Estadual Paes de Carvalho, cuja coleta de dados foi realizada no

período de dezembro de 2014 a abril de 2015. O arquivo, já com muitos documentos

em estado de deterioração– situação semelhante a outros arquivos, como afirma

Rodríguez (2010) – guarda uma enorme quantidade de fontes que podem ajudar a

construir e consolidar a História da Educação Paraense. Atas de reuniões e

concursos, provas, boletins, históricos escolares, livros de pontos, nomeações,

dentre outros – atuais e do século XIX –, compõem o acervo. E, dentro deste

conjunto de documentos, foram considerados como pertinentes para a construção

deste trabalho o livro para registro de histórico de funcionários e os livros de ponto

diário para docentes.

Para além das fontes presentes no arquivo da escola, foram encontrados no

Acervo de Obras Raras da Fundação Cultural do Estado do Pará, por meio de

pesquisa no acervo digitalizado e utilizando nas buscas as palavras-chave “Silvio

Nascimento”, “Paes de Carvalho”, “Gymnasio”, “ensino”, um boletim informativo do

Colégio Estadual Paes de Carvalho; programas de ensino do Gymnasio Paes de

Carvalho dos anos de 1913 a 1930; programas de ensino do Conselho Superior do

Ensino Primário (1929); o livro “Noções de História Pátria”, dos professores Sylvio

18

Nascimento e Raimundo Proença, que também se constituem como documentos

importantes para a dissertação.

O terceiro espaço para a busca de fontes foi o Projeto Memorial do Livro -

Moronguetá2, no qual os documentos disponíveis já haviam sido selecionados pela

colega do curso de mestrado e que trabalha no projeto, Elisangela, sendo

repassados a mim em forma digitalizada e alguns em cópia impressa. As fontes

primárias e secundárias encontradas neste espaço são provenientes do acervo

pessoal dos professores Clóvis Moraes Rêgo e Annunciada Chaves. Os documentos

são o programa de ensino de História do Brasil de 1931 assinado por Domingos

Sylvio Nascimento; a separata da Revista da Academia Paraense de Letras, com o

texto produzido por Clóvis Moraes Rêgo em homenagem ao centenário do Prof.

Sylvio Nascimento; artigos publicados em jornais também homenageando o

professor; a tese de Sylvio Nascimento apresentada no concurso para provimento

da cadeira de História do Brasil no Gymnasio Paes de Carvalho, intitulada: “Em

torno da Inconfidência Mineira: O papel de Tiradentes”.

De acordo com Rodríguez (2010, p. 42), as fontes aqui utilizadas podem ser

classificadas como “fontes escritas”, que são aquelas

[...] realizadas sobre material duro ou em pedra; também sobre material brando (papiro, pergaminho ou papel, códices ou documentos soltos); ou fontes impressas (crônicas, históricas, coleções de documentos, edições críticas de manuscritos). Essas fontes são também chamadas de documentais.

Parte destes documentos é tomada, neste estudo, como fonte primária e,

juntamente com as obras do Prof. Sylvio Nascimento, possibilitaram a reunião de

importantes dados sobre a vida profissional e produção deste docente, que, como

mostrou a minha pesquisa exploratória, antes não protagonizou nenhum trabalho

acadêmico, sendo apenas brevemente mencionado em razão seu livro “Noções de

2 “O Projeto Memorial do Livro Moronguetá é uma iniciativa da Universidade Federal do Pará para

reunir, em um mesmo ambiente, acervos privados que possuem grande diversidade temática, desde o âmbito regional ao geral. Serão preservadas bibliotecas particulares dos vultos históricos da cultura paraense. O acervo formará um repositório de assuntos variados, o que incentivará novas linhas de pesquisa e enfoques a partir de material raro e inédito. O memorial prestará tributo - através de divulgações biográficas e bibliográficas - à trajetória daqueles que doaram seus acervos à Universidade, além de publicar materiais originais, ou fora de catálogo; traçando assim um pequeno panorama da história cultural e intelectual de Belém e do Estado do Pará.” Texto extraído do site do Memorial do Livro – Moronguetá, disponível em: <http://morongueta.tumblr.com/tagged/projeto>.

19

História Pátria” em dois artigos científicos3 e tendo um pequeno resumo de sua

trajetória profissional publicado na obra “Subsídios para o histórico do Colégio

Estadual ‘Paes de Carvalho’” de Clóvis Moraes Rego (2002).

Em 2002, Rego já sinalizava a escassez de pesquisas no/sobre o Colégio

Paes de Carvalho e na História da Educação do Estado do Pará em geral, o que

ainda pode ser percebido na atualidade. É importante ressaltar o trabalho que os

grupos de pesquisa4 nesta temática vêm desenvolvendo no contexto paraense e

amazônico, porém ainda há muito que se avançar, pois a história da educação do

país é contada apenas sob a ótica do eixo sul/sudeste, esquece-se que a Amazônia

faz parte do país e que produz/constrói sua história e a do Brasil também. Daí a

importância deste estudo, pois Sylvio Nascimento pode ser um dos primeiros

professores catedráticos negros da região, e talvez do país, e em uma instituição

que na época era tão importante local e nacionalmente.

Reconhecendo a relevância deste estudo, principalmente por se tratar de

fontes históricas para a análise da realidade educacional paraense, é preciso

reafirmar a necessidade de articular a pesquisa em história da educação feita a nível

local com a nacional e investir esforços para o que o Pará, e a Amazônia figurem no

cenário nacional. Sobre isso, Saviani (2012, p. 26-27) afirma que

é preciso também ter presente que a melhor forma de fortalecer as instâncias locais não é, necessariamente, conferir-lhes autonomia, deixando-as, de certo modo, à própria sorte. Na verdade, a melhor maneira de respeitar a diversidade dos diferentes locais e regiões é articulá-los no todo, e não isolá-los. [...] As investigações sobre as formas específicas que a educação assume em nível local são necessárias não apenas para conhecermos essas manifestações particulares. Na verdade, são uma exigência também para o conhecimento efetivo, isto é, para a compreensão concreta da educação em âmbito nacional. Sem isso, o nacional será reduzido a mera abstração ou se tomará como nacional a manifestação local ou regional mais influente [...].

Neste sentido, este trabalho se apresenta como uma contribuição para a

diminuição da história da educação construída tendo como foco as manifestações

mais influentes no Brasil, as regiões Sul e Sudeste.

3 “Leitura e escrita nas aulas de ensino mútuo no Pará oitocentista” (NUNES, 2010); Poder, política,

material didático e modelo educacional excludente: Final do séc. XIX e continuidade contemporânea (COELHO; MORAES e COSTA, 2007) 4 Tais como o Grupo de Estudo e Pesquisas em História da Educação (GEPHE) e o Grupo de Estudo

e Pesquisa “História, Sociedade e Educação” (HISTEDBR) Secção-PA.

20

Em relação à estrutura da dissertação, ela está constituída em introdução, 3

(três seções) e considerações finais, construídas da seguinte maneira:

Introdução: Apresenta os caminhos trilhados na construção da pesquisa,

problematiza e justifica o estudo, aborda os objetivos, discute os procedimentos e

referenciais metodológicos utilizados no trabalho. Menciona os locais onde foi

realizada a coleta de dados (fontes primárias).

1. Domingos Sylvio Nascimento: Produção intelectual e carreira docente:

Essa seção tem como objetivo descrever a produção do Professor Domingos Sylvio

Nascimento e sua trajetória profissional. São abordados os seus cargos na

educação paraense anteriores ao seu ingresso no Colégio Estadual “Paes de

Carvalho” e seu percurso nesta instituição, apresentando as disciplinas ministradas

por ele e de que maneira elas se constituíam e indicavam características do

pensamento educacional republicano; sua produção bibliográfica e como esta

refletiu a sua posição enquanto intelectual na sociedade paraense.

2. Educação na Primeira República: O Contexto Histórico Paraense: Essa

seção tem por objetivo analisar como se configurou o contexto político e educacional

da Primeira República no Estado do Pará, que contribuiu para a formação escolar,

acadêmica e profissional do Professor Domingos Sylvio Nascimento. Para isto,

realiza uma visita ao contexto político e social da Primeira República, assinalando

aspectos de sua implantação e manutenção no Estado do Pará. Em seguida,

apresenta as matrizes teóricas que fundamentaram o pensamento educacional

republicano e que acabaram por legitimar o preconceito racial. Discute as reformas

educacionais do referido período e seus sentidos políticos. E apresenta questões de

cunho histórico sobre o Colégio Estadual Paes de Carvalho, instituição de ensino à

qual Sylvio Nascimento investiu longos anos de sua vida profissional.

3. Análise do projeto de educação de Domingos Sylvio Nascimento: Por fim, a

terceira seção tem o objetivo de analisar o projeto de educação de Sylvio

Nascimento atentando para o seu posicionamento em relação às políticas

curriculares vigentes. Discute a construção do projeto de educação do Professor

Domingos Sylvio Nascimento levando em consideração a sua trajetória profissional,

avaliando se houve uma militância pela causa negra ou se esteve “embranquecido”

ideologicamente.

Considerações finais: A partir das análises feitas sobre a bibliografia estudada

e dos dados obtidos na pesquisa documental, propõe reflexões sobre a temática e

21

objeto de estudo do trabalho, e sinaliza as conclusões que puderam ser obtidas

durante o decorrer da pesquisa.

22

1. DOMINGOS SYLVIO NASCIMENTO: PRODUÇÃO INTELECTUAL E CARREIRA

DOCENTE

Astro de um brilho intenso, redivivo, aurora de um futuro alvissareiro,

– aquela noite transformou-se em dia! (Tiradentes – Domingos Sylvio Nascimento)

Esta seção tem como objetivo descrever a produção do Professor Domingos

Sylvio Nascimento e sua trajetória profissional. Serão abordados os seus cargos na

educação paraense anteriores ao seu ingresso no Colégio Estadual “Paes de

Carvalho” e seu percurso nesta instituição, apresentando as disciplinas ministradas

por ele e de que maneira elas se constituíam e indicavam características do

pensamento educacional republicano; sua produção bibliográfica – livros didáticos –

e como esta refletiu a sua posição enquanto intelectual na sociedade paraense.

A base da construção da seção foram os documentos escritos identificados e

levantados no arquivo do Colégio Estadual Paes de Carvalho, no Acervo de Obras

Raras do Centro Cultural Tancredo Neves (CENTUR)/Fundação Cultural do Estado

do Pará e no acervo do Projeto Memorial do Livro – Moronguetá/Fórum Landi; e

analisados considerando o contexto político-educacional daquele momento, uma vez

que, são importantes fontes históricas que auxiliam no entendimento histórico-

educativo do século XX, no contexto da formação dos intelectuais paraenses.

1.1. DOMINGOS SYLVIO NASCIMENTO (1882-1947)

Domingos Sylvio Nascimento, negro, nascido no dia 14 de setembro de 1882,

na Vila de Moju, filho de João Raymundo do Nascimento e Maria José da

Annunciação, foi um importante nome na educação paraense do século XX. No

alvorecer da República, deu-se seu processo de formação enquanto professor e, em

1902, recebe o título de professor normalista pela Escola Normal. Antes de ingressar

no Gymnasio Paes de Carvalho, lócus de sua trajetória profissional mais expressiva,

Sylvio Nascimento trabalhou como professor e diretor em diversas escolas de

diferentes municípios do Estado do Pará e deu início a sua produção intelectual em

forma de publicação de livros e textos didáticos, os quais serão apresentados a

seguir, nesta subseção e nas próximas.

23

Em 17 de janeiro do ano de 1903, iniciou a carreira docente como professor

interino em uma Escola do Grupo de Marapanim (GYMNASIO PARAENSE, 1933). O

ingresso no magistério, no início da juventude, aos 20 anos, ocorre no período de

transição do Império à República, em um momento em que autores, a exemplo de

José Veríssimo, teorizavam sobre a necessidade de se construir uma identidade

nacional.

Figura 1. Domingos Sylvio Nascimento

Fonte: Projeto Memória da Literatura – SISMUBE (2013)

O início de sua carreira em cargos administrativos, no âmbito da educação,

acontece um ano após o exercício do magistério, ou seja, também na sua juventude.

24

Ainda que se considere, no período, a escassez de recursos humanos qualificados,

este dado é importante porque remete à “competência” de Domingos Sylvio

Nascimento. Em 9 de janeiro de 1904, foi nomeado pelo Governador do Estado,

Augusto Montenegro, para exercer de forma efetiva o cargo de Diretor do Grupo

Escolar de Óbidos.

Um ano depois, foi transferido para ocupar o mesmo cargo no Grupo Escolar

do Município de Santa Isabel, por meio do decreto de 24 de maio de 1905, entrando

em exercício no dia 1 de junho do mesmo ano, onde permaneceu até 1911, quando

foi exonerado de acordo com o art. 224 do Regulamento Geral do Ensino Primário.

Em 25 de novembro de 1911, foi declarado em disponibilidade como

professor de segunda entrância, e em 11 de julho de 1913 foi chamado a auxiliar os

trabalhos da Secretaria de Estado do Interior, Justiça e Instrução Pública, como

informa o livro de registro do Gymnasio Paraense:

Em 25 de Novembro de 1911, nos termos do disposto no art. 224 do regulamento geral do ensino primário, que baixou com o decreto nº 1689 de 28 de Abril de 1910, é declarado em disponibilidade, com direito ao ordenado do cargo de professor de 2ª entrância, até ser aproveitado em escola desta cathegoria, visto ser exonerado do cargo de director effectivo do grupo escolar de 1ª entrância da villa de Santa Izabel, por decreto de 17 do corrente mez, devendo a mesma disponibilidade ser contada da data do decreto de exoneração. (GYMNASIO PARAENSE, 1933, fl. 8) Em 21 de Julho de 1913, por officio da Secretaria de Estado do Interior, Justiça e Instrucção Publica do Pará, sob o nº 2339, de 2 de janeiro de 1912, ficou resolvido que ao professor em disponibilidade, chamado a auxiliar os trabalhos desta Secretaria, fosse paga uma gratificação mensal de cento e cincoenta mil reis (150$000), papel, conjunctamente com a importância que assiste ao mesmo professor em disponibilidade por decreto de 15 de Novembro de 1911. (idem, fl. 8)

O interregno pressupõe que o professor ficou cinco anos como auxiliar da

referida secretaria e após esse período volta para o exercício do magistério, porém

fica apenas por dois anos, sendo novamente chamado para participar da direção no

âmbito educacional no Estado.

No ano de 1917, em 25 de janeiro, foi nomeado interinamente para reger a

Escola Elementar do Instituto Lauro Sodré, sendo efetivado no cargo de professor

no ano seguinte, como mostra o livro de registro histórico:

Em 26 de Setembro de 1918, por decreto de 24 do mesmo mez, e de accordo com o art. 301 do Regulamento do Ensino Primario em vigor, foi nomeado o professor interino da escola elementar (4º anno) do Instituto Lauro Sodré, para reger effectivamente a dita escola, visto contar mais de

25

10 annos de serviços no magistério publico primário do Estado. (GYMNASIO PARAENSE, 1933, fl. 8)

Sylvio Nascimento, no ano de 1919, em 3 de março, recebe o ofício de nº 996

da Diretoria da Instrução Pública Primária do Estado, em nome de Paulo Maranhão,

informando-o da escolha de seu nome para representante do magistério no

Conselho Superior do Ensino Primário:

Tenho o prazer de communicar-vos a vossa eleição para a vaga existente no Conselho Superior do Ensino Primario, em virtude de ter perdido o mandato o sr. professor João Pereira Castro, nomeado para dirigir as Escolas Agremiadas. Levando ao vosso conhecimento a honrosa escolha dos vossos pares, confio em que sabereis conduzir-vos de maneira a prestigiar a corporação que em bôa hora fostes chamado a servir. Saúdo-vos (a) Paulo Maranhão. (idem, fl. 54)

No mesmo ano, em 7 de julho, recebe novamente, da referida Diretoria, o

ofício de nº 2857, cumprimentando-o pela sua eleição, consta no documento:

Sr. Professor, Na eleição regulamentada para sufrágio de dois representantes do magistério no seio do Conselho Superior do Ensino Primario, effectuada no dia 5 do corrente, foi o vosso nome acclamado e eleito mais uma vez para aquella representação. Levo esse facto ao vosso conhecimento, cumprimentando-vos pela merecida escolha com que fostes distinguido pelos vossos collegas, fazendo votos para que continueis a dar colaboração intelligente e dedicada àquela Superior instancia do Ensino Primario deste Estado. Saúdo-vos (a) Paulo Maranhão. (idem, fl. 54)

A participação de Sylvio Nascimento no Conselho Superior do Ensino

Primário, para além de refletir a confiança que seus pares depositaram-lhe enquanto

representante do magistério, proporcionou-lhe um espaço importante para imprimir

sua contribuição para o ensino de História e para a educação no Pará, pois fez parte

da comissão de elaboração dos programas do Ensino Primário 5 , em 1919,

juntamente com o Prof. Raymundo Proença e os outros 14 membros, os quais não

foram mencionados nas fontes consultadas.

No mesmo ano em que participa da elaboração dos programas do Ensino

Primário, escreve a obra que iria refletir as diretrizes desse “novo currículo”

5 Sobre a participação de Sylvio Nascimento e Raymundo Proença nesta comissão, os autores

relatam em seu livro: “Nomeada a commissão de membros do Conselho Superior do Ensino Primário, que havia de elaborar os novos programmas, e convidados que fomos para tomar parte nos trabalhos da mesma commissão, suppuzemos que seria um serviço, por nós prestado á instrucção da nossa terra, a organização de algumas noções de Historia Patria, de acordo com os modernos methodos pedagógicos, e sob a letra do programma offcial.” (NASCIMENTO e PROENÇA, 1926, p. V)

26

diretamente nas escolas e, no ano seguinte, em 1920, publica a primeira edição de

“Noções de História Pátria”, livro didático escrito em parceria com o Prof. Raymundo

Proença e que foi amplamente adotado nas escolas públicas, tendo esgotado seus

3000 exemplares da primeira edição em pouco mais de um ano (NASCIMENTO e

PROENÇA, 1926, p. IX), o que possibilita dizer que Sylvio Nascimento, por meio

desta obra, foi uma referência para os professores de história do Pará, e não apenas

para eles, mas para a comunidade paraense em geral, pois o livro também alcançou

os alunos e, por consequência, seus familiares.

No ano de 1922, no dia 04 de abril, Domingos Sylvio Nascimento, aos 39

anos de idade e 19 de carreira na educação paraense, tanto no magistério como na

gestão escolar, em instituições de ensino da capital e do interior, ingressa na escola

em que permaneceu até o fim de sua vida, o Colégio Estadual Paes de Carvalho, à

época “Gymnasio Paes de Carvalho”, como professor substituto da cadeira de

História do Brasil.

Em 30 de setembro de 1926, inscreveu-se no concurso para provimento da

cadeira de História do Brasil, que ocupara interinamente. No mês seguinte, no dia

29, defendeu a tese “Em torno da Inconfidência Mineira: o papel de Tiradentes” no

processo de seleção do referido concurso. Compuseram a comissão examinadora

os professores: Josino Vianna, Themistocles Alvares de Araujo, João Santino

Ribeiro e Alzira de Almeida Pernambuco. E, em 10 de novembro, foi aprovado e

nomeado Livre-docente de História do Brasil, no Gymnasio Paes de Carvalho

(GYMNASIO PARAENSE, 1933). Neste mesmo ano, é publicada a terceira edição

de Noções de História Pátria (RÊGO, 2002).

No ano de 1930, titulou-se bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais; e em 03

de dezembro, foi nomeado lente catedrático de História do Brasil do Gymnasio Paes

de Carvalho. Em 1935, com a extinção de sua cadeira (História do Brasil), assumiu,

até 13 de julho de 1942, na cadeira de Geografia (Decreto n.º 1.502, de 5 de

fevereiro e pelo de n.º 1.522, de 15 de fevereiro). Em1942, retorna à cadeira de

História do Brasil, da qual era titular concursado (GYMNASIO PARAENSE, 1933).

Em 14 de maio de 1946, deu início a sucessivos pedidos de licença no

Gymnasio para tratamento de saúde, que perduraram durante todo o ano. No ano de

1947, em 28 de abril, foi aposentado por Decreto do Governador Luís Geolás Moura

de Carvalho, que Rêgo (1990) apresenta como “aposentadoria-prêmio”:

27

Conquanto contasse quase meio século de atividade pública, portanto além de suficiente tempo de serviço, sua aposentadoria foi lavrada a título de “prêmio”, coroando-lhe o incessante labor, merecido repouso de que pouco chegou a beneficiar-se, pois menos de um mês lhe sobreveio o do sono eterno. (RÊGO, 1990: 48)

Domingos Sylvio Nascimento, após 64 anos de vida e 43 de participação na

educação paraense, falece às 09h45min do dia 23 de maio, em sua residência

situada na Tv. Quintino Bocaiúva, nº 341, em Belém (GYMNASIO PARAENSE,

1933; RÊGO, 1990).

Nessa trajetória, seja na administração, ensino e representação na educação,

os documentos analisados não apresentam contradições com o instituído,

parecendo uma carreira linear própria de um intelectual de sua época.

1.2. PRODUÇÃO INTELECTUAL DE DOMINGOS SYLVIO NASCIMENTO

Tendo em vista que atualmente pouco se conhece sobre a história de

Domingos Sylvio Nascimento e sua influência na historiografia paraense, e no intuito

de trazer a público a sua contribuição para a educação no Pará, discutirei a seguir

acerca das suas principais obras encontradas registradas em livros, acervos,

arquivos e disponíveis para consulta. Além de abordar a produção bibliográfica,

trago fontes que apresentam a sua produção de conhecimento em sala de aula,

enquanto docente de História do Brasil, e que permitem analisar a forma como se

dava o ensino de história na República paraense.

Importante contribuição de Sylvio Nascimento para a educação e sociedade

paraense foi a sua produção intelectual, seja por meio de seus textos didáticos e

acadêmicos ou de poemas publicados em jornais e revistas, tais como a revista

“Nova Alvorada”, “Belém Nova”, o periódico estudantil “Estudante” (RÊGO, 1990),

dentre outros. Sua produção poética na imprensa permite compreender sua

relevância e influência para além do ambiente escolar, pois atingia outras áreas da

sociedade.

As obras levantadas e analisadas são: o livro didático “Noções de História

Pátria”, publicado no ano de 1920, em coautoria com o Prof. Raymundo Proença; a

tese “Em torno da Inconfidência Mineira: o papel de Tiradentes”, produzida em 1926

para ser apresentada no concurso para a cadeira de História do Brasil do Gymnasio

28

Paes de Carvalho, no qual foi aprovado; os livros de ponto do Gymnasio Paes de

Carvalho, especificamente os pontos da disciplina em que atuou.

1.2.1. O LIVRO NOÇÕES DE HISTÓRIA PÁTRIA (1920)

Figura 2. Capa do livro “Noções de História Pátria”

Fonte: Noções de História Pátria (1920).

29

O livro didático “Noções de História Pátria”, com sua 1ª edição publicada no

ano de 1920, pode ser considerado uma das principais produções intelectuais do

Professor Domingos Sylvio Nascimento, das obras encontradas durante a pesquisa,

sem dúvida, esta é uma das mais expressivas. Destina-se às turmas de 3º ano do

curso elementar das escolas primárias do Estado do Pará e é caracterizado pelos

autores como um livro de leitura de História Pátria.

Sua adoção nas escolas públicas foi estabelecida pela portaria de 27 de abril

de 1920, da Diretoria de Instrução Pública Primária do Estado, com a seguinte

mensagem de Paulo Maranhão, então diretor da referida instituição, aos autores:

Para vosso conhecimento, communico-vos que, em portaria do dia 27 do expirante, mandei adoptar nos estabelecimentos de ensino primario deste Estado os compendios <<Noções de Historia Patria>>, de vossa autoria, para os terceiro e quarto annos do ensino elementar. Com a affirmação do meu elevado apreço, saúdo-vos. (MARANHÃO, 1920 apud NASCIMENTO e PROENÇA, 1926, p. X).

Para que o livro fosse adotado nas escolas públicas de ensino primário do

Estado, houve a necessidade de fazê-lo passar pela análise de uma comissão

nomeada por Paulo Maranhão, diretor da Instrução Pública Primária, composta

pelos professores Dr. Arthur Porto (professor de História do Brasil, Geral e da

América), Dr. Henrique Santa Rosa (engenheiro e historiógrafo) e Dr. Manuel Lobato

(professor de História Geral e da América) (idem, p. VIII).

Esta obra traz, ainda no prólogo da 1ª edição, uma crítica à forma de ensinar

história, de acordo com os autores

a lição deverá ser tendo-se o mappa diante dos olhos, um estudo interessante e, assim attrahirá a criança, que não verá mais nessa matéria uma fastidiosa e arida <<nomenclatura de factos e de datas>>. (NASCIMENTO e PROENÇA, 1926, p. I)

Esta crítica era direcionada a um modelo de ensino comum no período do

Império e que reverberou nos primeiros anos da República, sendo em muitos casos

decorativo e fastidioso, nas palavras dos autores: “era uma tortura para os alumnos

e mestres, pelo facto de seguirem aquelles o rotineiro processo de decoração, hoje,

felizmente, prescripto como inócuo, contraproducente e perigoso, quiçá” (idem, p. I).

Contudo, as críticas apresentadas por estes professores, sobretudo no que

diz respeito aos conteúdos, acabavam se tornando, de certa maneira, contraditórias,

pois as lições que o próprio livro aborda são construídas a partir de fatos

30

considerados relevantes para a história do país, tais como o “Descobrimento do

Brasil”, “Independência do Brasil”, “Libertação dos escravos”, e nas próprias

orientações dos autores consta a necessidade de se salientar datas e nomes

importantes, não se observa uma mudança nos conteúdos que pudessem ir além do

já escrito. Em outras palavras, a história além de factual, revela a visão dominante.

Ainda assim, a obra recebeu diversas críticas da imprensa, das quais os

autores apresentaram as que refletiam positivamente a repercussão desta no meio

educacional e na sociedade paraense em geral, como pode ser percebida em uma

delas, publicada em “A Razão”:

O trabalho dos professores Proença e Nascimento está feito com cuidado e precisão, de sorte que o alumno possa ter segura noção de HistoriaPatria nos seus traços geraes, accentuando datas e factos principaes. Com os nossos agradecimentos pelo exemplar que nos enviaram, vão os applausos ao serviço que o livro vem prestar áinstrucção escolar. (A Razão, 24-4-920 apud NASCIMENTO e PROENÇA, 1926, p. XIV).

E na do Prof. Santino Ribeiro na revista “O Ensino”:

As NOÇÕES DE HISTÓRIA PÁTRIA acabam de preencher um vácuo sensível na vasta arena da instrucção e dotar os principiantes de um livro capaz de lhes proporcionar os conhecimentos exigidos pelos actuaes programmas nesse anno, e um methodo seguro e positivo a seguir para o completo conhecimento da matéria. (O Ensino, junho, 1919 apud NASCIMENTO e PROENÇA, 1926, p. XIII)

Os “actaues programmas” a que o Prof. Santino faz referência, são os

programas oficiais de 1919 para o Ensino Primário, que estabeleceram as diretrizes

propostas pelo Conselho Superior do Ensino Primário, conforme consta em sua

contracapa, e que foram adotados pelos autores na obra. Acerca destes programas,

faz-se importante relembrar que tanto o Prof. Sylvio Nascimento quanto o Prof.

Raymundo Proença compuseram a comissão que os elaboraram, ou seja, não

fizeram apenas uma mera reprodução de conteúdos e métodos alheios as suas

convicções pedagógicas, mas imprimiram no seu livro um currículo oficial e que, ao

mesmo tempo, representava-lhes em sua concepção do ensino de história e isso os

autores afirmaram, em suas palavras:

Publicado o nosso modesto trabalho, sentimo-nos sobremodo estimulado pela bondade extrema dos distinctos collegas que nos animaram e felicitaram: a obra não era perfeita, pois o que sahe das mãos do homem é

31

sempre imperfeito... Todavia, era um aspecto outro que se pretendia dar ao ensino da História. (NASCIMENTO e PROENÇA, 1926, p. VIII)

Mas não se tratava de imprimir perfeição e sim, discutir os conteúdos à luz de

uma determinada concepção de Educação, à época republicana e que viera em

contraposição ao modelo antigo, monárquico. Mas em que mudou? Os escravos

foram libertos? Quais as implicações disso? Esta discussão acerca da configuração

política e econômica neste processo de transição não apenas histórica, mas

educacional não se faz presente na obra.

Seguindo as orientações contidas no já mencionado programa de ensino para

História Pátria

Preliminarmente, estabeleceu-se a gradação a manter no estudo das disciplinas. O ensino da História, nos antigos programmas, era feito do 4º anno elementar em diante; prevaleceu nos actuaes a idéa, que ficou vencedora, de ser o mesmo começado do 2º anno daquelle gráu. Era uma tentativa, era um ensaio. E, como tal, a repetição dos assumptos a estudar impôz-se obrigatoria, desdobrando-os, ampliando-os, conforme a capacidade intellectual dos alumnos na classe em que estes fossem inscriptos. Nunca os sucessos seriam explanados prolixamente, nem se deveria, nos primeiros annos, descer a minudencias. (idem, pp. VI – VII)

Ou seja, chama atenção para os domínios dos saberes que deveriam, ser

usados quando do ensino de história, mas esse domínio era uma exigência do

exercício do magistério, à época, porém o país passava por enormes

transformações, inclusive no sentido de nação, e, tais transformações não são

refletidas; há mudanças na forma sem alterar o método.

Esta obra, para além de textos didáticos, apresenta orientações

metodológicas aos docentes e glossários, características que se constituíam como a

materialização dos, à época, chamados “modernos methodos pedagógicos”.

Estrutura-se da seguinte forma: lição, glossário e orientações metodológicas. As

lições, também referidas aqui como “pontos” ou “tópicos”, são os textos didáticos

que deveriam ser lidos com os alunos nas aulas; os glossários aparecem após cada

lição e tem o objetivo de esclarecer o significado de palavras que poderiam ser

desconhecidas aos estudantes; por fim, depois do glossário de cada lição, o livro

apresenta as orientações metodológicas para os professores, onde se salienta que

trechos do texto devem ser enfatizados pelo docente, indica quando se deve utilizar

o mapa e quais conceitos e personagens devem ser discutidos com maior atenção.

32

De maneira sintética, os autores apresentam as orientações gerais para a utilização

do livro nas aulas:

a) Marcado previamente o ponto, um dos alunos lel-o-á em voz alta, acompanhando-o com attenção os demais estudantes. Aqui e alli, o professor interromperá a leitura para attender ás chamadas do texto, verificando se foi o mesmo bem compreendido, e salientará os nomes e datas mais importantes, impressos em typo maior no corpo da obra; b) Commentario geral do assumpto, pelo docente; c) Arguição sobre a materia lida e explicada. (idem, p. III)

O conteúdo do livro está dividido em lições intituladas com nomes de figuras

relevantes na história, seguidos dos principais fatos a que estão relacionados. São

elas:

Christovam Colombo (Descobrimento da América)

Pedro Álvares Cabral (Descobrimento do Brasil)

Thomé de Sousa e Caramurú (Fundação da cidade da Bahia)

Men de Sá (Fundação da cidade do Rio de Janeiro)

D. Pedro I; José Bonifácio de Andrada e Silva (Independência do

Brasil)

Visconde do Rio Branco; Princesa D. Izabel (Libertação dos escravos)

D. Pedro II (Seu governo. A República)

Castelo Branco (Fundação da cidade de Belém)

O esforço que os autores fazem em suas lições, é de construir uma noção de

identidade nacional a partir de fatos da história do Brasil, tendo como centro e ponto

de partida das discussões, os grandes personagens desta história. Porém, faz-se

necessário salientar que estas figuras são, unanimemente, representantes de

classes que, em seu contexto histórico, assumiam a posição de dominação

econômica e política. Cabe ressaltar ainda como traço que a mudança é na forma de

ensinar, deixando intocado o conteúdo tradicional do ensino de história. Ora, era o

ano de 1919, havíamos passado pela primeira grande guerra, o povo começava a

pensar em organizar-se como tal. As personalidades e fatos foram trabalhados pelos

autores da seguinte maneira:

33

Christovam Colombo (Descobrimento da América)

Nesta primeira lição, os autores iniciam abordando brevemente o comércio

desenvolvido entre os países europeus e o continente asiático no período das

grandes navegações, e narram o momento da “descoberta” do Novo Continente por

Colombo, contudo, nota-se a relevância dedicada o personagem6 (inclusive nas

letras grifadas em seu nome) e sua história de vida nesse contexto em detrimento

dos fatores políticos e econômicos que constituíram esse momento histórico.

A ênfase na figura de Cristóvão Colombo pode ser percebida no seguinte

trecho:

Christovam Colombo era natural de Genova, na Italia (1): Seu pae, Domingos Colombo, exercia a modesta profissão de cardador (2). Profundo conhecedor das sciencias náuticas (3), cedo ainda Christovam Colombo mostrou grande inclinação para a vida do mar. Interessava-o a navegação; o jovem marinheiro tida sêde de conquistas. E, assim, sabendo que a terra tinha a fórma espheroidal (4), chegou á conclusão de que, se caminhasse sempre para Oeste, havia de fatalmente encontrar a India (5), facultando um caminho mais curto, seria de grande vantagem ás transacções coomerciaes com os paizes do Occidente. Sendo pobre, porém, procurou reunir meios sufficientes afim de pôr em execução o seu plano. (PROENÇA e NASCIMENTO, 1926, p. 7-8)

Percebe-se neste trecho e nos seguintes, que a história é contada a partir da

figura central de Cristóvão Colombo, das suas investidas pessoais para a realização

das viagens; aborda-se conceitos científicos a partir dos conhecimentos deste

personagem. Prefere-se destacar situações “particulares” – tais como “Colombo

experimentou as agruras da adversidade, devido a graves accusações contra elle

levantadas por inimigos seus, que invejosos, conseguiram fazel-o decahir das

sympathias da côrte hespanhola” (idem, p 8-9) – a tratar dos interesses políticos e

econômicos que, de fato, motivaram esses acontecimentos.

A orientação para o professor é a seguinte:

Deverá indicar no mappa todos os nomes geográficos a que se faz referência, e mostrar o roteiro seguido pelo navegador genovez [...] Em palavras singelas, porá em relevo o valor e a tenacidade de Colombo, que, embora de condição humilde, conquistou um nome celebre. Dirá sobre a navegação daquelles tempos, em navio a vela e a confrontará com a actual (idem p. 9-10)

6 De acordo com orientação contida no início do livro, palavras impressas com letras maiores ou

grifadas em negrito deveriam ser enfatizadas pelo professor ao explicar a matéria.

34

Pedro Álvares Cabral (Descobrimento do Brasil)

Figura 3. Página 11 do livro “Noções de História Pátria”

Fonte: Noções de História Pátria (1920, p.11).

Nesta lição, em forma de narrativa, a obra faz menção à chegada dos

portugueses ao território brasileiro, representada como “Descobrimento do Brasil”.

Inicialmente informa o interesse do rei de Portugal, D. Manuel, em firmar o comércio

com o oriente, que o levou a preparar a expedição comandada por Pedro Álvares

Cabral, dando a este “instrucções reservadas sobre o roteiro a seguir, sugeridas

pelo navegador Vasco da Gama, que, havia pouco, descobrira o caminho da Índia”

(PROENÇA e NASCIMENTO, 1926, p. 12).

Acerca da expedição realizada por Cabral, a lição relata:

35

Depois de cerca de um mez e meio de viagem, notaram-se, boiando no mar, muitas plantas aquáticas (7), signaes evidentes de terra proxima, e, de facto, a 22 de abril era avistado um ponto – o monte Pascoal, assim denominado porque esse dia era quarta-feira de Pascoa. (idem, p. 12)

Em seguida, apresenta e ilustra a primeira missa celebrada em solo brasileiro

por Frei Henrique, como mostra a figura:

Figura 4. Página 13 do livro “Noções de História Pátria”

Fonte: Noções de História Pátria (1920, p. 13).

Thomé de Sousa e Caramurú (Fundação da cidade da Bahia)

Narra alguns fatos acerca do governo de Thomé de Sousa (1º Governador

geral do Brasil) e da influência e contribuição de Diogo Álvares (Caramurú) na

fundação da “cidade da Bahia” (Salvador). Trata sobre a instalação do Governo

36

Geral no Brasil enquanto uma medida tomada frente à suposta colonização falha,

iniciada por meio das capitanias hereditárias. Segundo os autores, devido

ao excessivo poder concedido aos donatários (6), aos constantes ataques dos selvagens, á falta de unidade de vista entre os capitães-móres, tal systema de colonização não deu o resultado que se esperava, e, por esse motivo, decidiu o rei D. João III, que então governava Portugal, estabelecer um governo geral no Brasil. (idem, p. 16)

Para assumir este governo, foi nomeado Thomé de Sousa, que contou com o

auxílio de jesuítas – sob a liderança do Padre Manuel da Nobrega – aos quais, de

acordo com a lição, “se deve a civilização dos nossos indígenas, a quem ensinavam

e protegiam com uma paciência e dedicação verdadeiramente christãs” (p. 16-17).

A figura de Diogo Álvares surge no livro como aquele que estabeleceu

relações amistosas com os nativos, inclusive casando-se com uma moça indígena,

que facilitou o contato de Thomé de Sousa com os indígenas, possibilitando assim,

segundo a lição, o trabalho em conjunto de portugueses e “naturaes” para a

construção da “Cidade de Salvador, oficialmente assim denominada, e conhecida

também pelo nome de Bahia e pelo de São Salvador (16)” (p. 17).

A orientação para os professores era: “Diga que o Brasil era, então, uma

floresta imensa, habitada por numeras nações de selvagens. Confronte a

superioridade dos civilizados sobre elles; fale dos usos e costumes dos aborígenes.”

(Idem, p. 18) É visível, aqui, a concepção que até então se tinha dos povos

indígenas (selvagens, incivilizados), em momento algum é proposta a discussão

acerca da conduta dos povos europeus com os nativos, problematizando os

conflitos, pelo contrário, reforça-se a noção de inferioridade destes, o que vai de

acordo com o que a literatura sobre a educação desse período apresenta, um ensino

excludente que legitima os preconceitos étnico-raciais. Para além da mera distinção

entre “civilizados” e “selvagens”, existe a relação de dominação e exploração de um

grupo sobre o outro, que se faz presente também nas outras lições, mas que não é

problematizada pelos autores, mas legitimada, ou seja, insisto, a mudança foi na

forma, não no sentido de colocar centralmente o papel do homem português

(civilizado) e do homem indígena (incivilizado), ou pelo menos indicar a contradição

existente na relação entre ambos.

37

Men de Sá (Fundação da cidade do Rio de Janeiro)

Apresenta Men de Sá como “um homem enérgico, possuidor de um bom

caracter e que trazia para a administração idéas garantidoras de um governo

prospero” (p. 20), relatando a ocasião da expulsão dos franceses do Rio de Janeiro,

contando com o auxílio do seu sobrinho, Estácio de Sá. Acerca desta expulsão, a

lição relata que houve confronto, Men de Sá destruiu as fortificações dos franceses

que, por sua vez, fugiram para as matas, porém os autores também afirmam que

estes voltaram e atacaram, com auxílio dos indígenas, a cidade que Estácio de Sá

havia fundado junto ao morro Pão de Açúcar. Contudo, os franceses (e indígenas)

não obtiveram êxito, mesmo havendo atingido fatalmente com flecha o sobrinho do

governador geral.

Figura 5. Página 19 do livro “Noções de História Pátria”

Fonte: Noções de História Pátria (1920, p.19).

A questão do poder entre o português descobridor e o francês invasor parece

ser apenas descritiva e não de fundo. Para o domínio político-financeiro era

importante a posse da terra descoberta e, como já nos encontrávamos no período

38

republicano, penso que era possível para os autores, em vez de narrarem os fatos,

analisarem a realidade deles. Novamente, a história do vencedor colocando os

indígenas ao lado do perdedor.

A orientação para os professores é: “verificar se o alumno não se esqueceu

que a capital é a localidade mais importante de uma região, sob o ponto de vista

político, por ser a sede do governo” (Idem, p. 21).

D. Pedro I - José Bonifácio de Andrada e Silva (Independência do

Brasil)

Inicialmente narra o grito da independência com todos os seus simbolismos e

tendo como figura central D. Pedro I, como no exemplo:

Esteve o príncipe por alguns momentos indeciso e, por fim, arrancando do chapéo o laço com as côres portuguesas (8), soltou o grito de <<Independência ou Morte!>>. Ficou o Brasil desde esse momento definitivamente desligado de Portugal e constituído em nação independente, sendo D. Pedro acclamado imperador, com o titulo de D. Pedro I. (PROENÇA e NASCIMENTO, 1926, p. 23).

Contudo, ao final, afirma que aquela foi apenas a proclamação oficial de algo

que já fazia parte da realidade do país desde a chegada de D. João VI. Apresenta a

figura de José Bonifácio como importante ministro, mas sem mencionar de quais

formas influenciou no processo de independência.

Os autores informam que houve resistência à independência em algumas

províncias, sobretudo por parte de funcionários portugueses, e citam o caso do Pará

que só aderiu a nova condição política do país no ano seguinte.

Como orientação aos professores, encontra-se: “Os vultos que devem ser

postos em relevo, neste ponto, são os de José Bonifácio e D. Pedro I, factores

principaes da nossa autonomia política. Fale o professor dos benefícios que para

nós advieram da nova situação” (idem, p. 24). Novamente, valoriza-se a história a

partir de figuras ilustres, não existe a discussão acerca da participação ou

resistência popular nesses movimentos políticos. Com isto, entende-se que as aulas

levavam aos estudantes a ideia de que a responsabilidade de governar o país

estaria nas mãos de grandes heróis, não havendo necessidade de preocupação e

participação do povo nas tomadas de decisões, e nem discute, do ponto de vista do

dominante, o porquê da não adesão de algumas províncias, como a nossa.

39

Visconde do Rio Branco; Princesa D. Izabel (Libertação dos escravos)

Esta lição narra a ocasião da assinatura das leis que foram promovendo a

libertação dos escravos, mencionando a figura da Princesa D. Izabel, contudo,

ressaltando a participação de figuras masculinas como Joaquim Nabuco, José do

Patrocínio, Corrêa de Oliveira. O texto inicia da seguinte maneira:

Disse um historiador que “O Imperio fôra ao Paraguay como libertador, vexava-se de que no proprio territorio existissem escravos”. De facto, a escravidão dos negros era uma nodoa que se devia apagar. Por isso, em 1850, Euzebio de Queiroz, ministro a Justiça, teve a gloria de pôr em execução a lei que prohibia a vinda de africanos para o Brasil, lei essa que, embora existente ha alguns annos, não tinha sido cumprida. A 28 de setembro de 1871, o Visconde do Rio Branco, senador do Império, depois de grande discussão no senado, conseguiu a approvação da lei chamada do ventre livre, pela qual eram declarados libertos filhos de mulheres escravas, que nascessem desse dia em diante. Entretanto, os espiritos liberaes não estavam satisfeitos com essa grande refórma social. Uma outra lei que foi sancionada a 28 de setembro de 1885, a lei que alforriava os escravos sexagenarios. Continuavam a trabalhar os homens que se tornaram paladinos dessa causa, entre os quaes se salientavam Joaquim Nabuco e Josê do Patrocinio. Desse modo, no dia 13 de maio de 1888 foi sanccionada a lei aurea, que considerou extincta a escravidão no Brasil. Coube a felicidade de assignal-a á Princeza D. Izabel, regente do Império durante a ausencia do seu pae, D. Pedro II, então na Europa em tratamento de saúde. Deu o povo á princeza, por isso, o título de Redemptora. [...] O Pará, também, antecipou de alguns mezes a comapanha do patriótico movimento, existindo numa das paredes da igreja da Trindade, em Belém, uma placa commemorativa da liberdade de todos os escravos do 3º distrito. (idem, pp. 26-27)

A orientação para os professores era:

Converse-se com o escolar, citando-se-lhe algumas scenas da escravatura, para impressional-o de modo que elle a comprehenda e possa avaliar quanto era odiosa e indigna. Mostre-se a generosidade de quantos pugnaram para arrancar os desgraçados negros ao captiveiro physico e moral. É chegada a opportunidade, então, de evidenciar a gloriosa tarefa de que foram protagonistas, ente outros, Eusebio Nabuco, Patrocinio, Rio Branco, José Alfredo e D. Izabel. (Idem, p. 27).

A narrativa apresenta o término da escravidão como um ato de generosidade

da elite brasileira, exaltando o “esforço” e benevolência de uma camada da

sociedade para a população negra escravizada, sem, em nenhum momento, relatar

a resistência destes nesse processo, apresentando-os como sujeitos passivos que

40

foram beneficiados pelas ações de outrem, como pode ser observado nas figuras 6

e 7, a seguir.

Figura 6. Página 24 do livro “Noções de História Pátria”

Fonte: Noções de História Pátria (1920, p. 24).

41

Figura 7. Página 25 do livro “Noções de História Pátria”

Fonte: Noções de História Pátria (1920, p. 25).

Mantendo a característica das demais lições, nesta pode-se perceber o

silenciamento dos autores da obra em relação à participação das classes dominadas

nos movimentos e conflitos em prol do fim do regime escravista. Acerca disto,

Fernandes (2015), aponta:

42

Nascimento e Proença parecem que pecaram contra as recomendações de Serrano para não exceder na importância dos vultos históricos, pois não são feitas referências às ações coletivas na História. Se para Serrano haveria a dificuldade de se abordar determinados fatos históricos utilizando-se do método biográfico, um exemplo, seria a escravidão negra no Brasil. Para os autores de Lições de História Pátria isso não foi problema. Elegeram o Visconde do Rio do Branco e a Princesa Izabel como protagonistas da libertação dos escravos, silenciando sobre toda a história da escravidão no Brasil apresentam o seu fim como fruto da generosidade de alguns poucos que assinaram leis ou que bradaram contra ela. (p. 8)

A análise a partir de Fernandes (2015), colocando em evidência a categoria

ideologia, destaca que a chamada “libertação” dos escravos não ultrapassou os

limites da história oficial, factual e linear, logo reforça a ideologia dominante vigente.

Ausência importante encontrada no texto, e que se observa como

característica desta obra, é a discussão acerca do impacto deste “ato heroico” na

sociedade brasileira e, sobretudo, paraense, pois no período entre a primeira lei de

libertação de escravos, na década de 1850 e a abolição oficial, em 1888, o estado e

a região amazônica em geral viviam um momento histórico de transformação

política, econômica e cultural com o auge da economia da borracha. Neste cenário

de intensa movimentação financeira e onde a mão de obra seria decisiva no

acúmulo de capital, questiono-me acerca das implicações de uma “libertação de

escravos” para a economia local e por que os autores não as discutiram.

D. Pedro II (Seu governo. A República)

Apresenta D. Pedro II como segundo e último imperador do Brasil,

enfatizando o “abandono” por seu pai aos 5 anos de idade e tendo como tutor José

Bonifácio, que de acordo com os autores “inestimáveis trabalhos executára quando

se proclamou a independência do nosso paiz” (PROENÇA e NASCIMENTO, 1926,

p. 28).

A obra também aborda o “caos” que foi o período das regências que, embora

a lição aponte os regentes como “homens notáveis”, tais como Diogo Antonio Feijó,

enfrentou revoltas populares. Esta lição já traz, ainda que sem aprofundamento, a

manifestação popular frente à forma de governo vigente, citando o caso paraense,

com a Cabanagem: “Foi nesse tempo que aqui no Pará occorreu a celebre

cabanagem, lucta originada de accumulados odios políticos” (idem, p. 28).

43

Figura 8. Página 28 do livro “Noções de História Pátria”

Fonte: Noções de História Pátria (1920, p. 28).

Ainda sobre a resposta da população, agora direcionada ao imperador, o

texto apresenta: “Quando D. Pedro II subiu ao throno, o império arcou ainda com

algumas revoluções até 1849, após o que um regimen de paz e concordia se

estabeleceu” (idem, p. 28). Contudo, não relata quem fazia parte dessas revoltas,

quais eram as classes que compunham esses movimentos e com quais interesses

ou as motivações dos “acumulados ódios políticos” – tal como ocorreu com a

44

Cabanagem, movimento brevemente citado pelos autores7 – e tenta transmitir uma

imagem positiva deste último monarca, apresentando-o como “um dos soberanos

mais sábios do seu tempo, animado por um espirito magnânimo e justo fazendo-se

credor da merecida veneração que lhe consagravam os seus compatrícios” (idem, p.

29).

O fim de seu governo foi relatado na lição apenas informando que uma

revolução o destronou e sua família foi banida do país, porém nas orientações

didáticas no fim do texto, é sugerido que: “Diga-se que o escopo primordial da

revolução de 15 de novembro foi evitar o terceiro reinado, que iria passar fatalmente

as mãos do Conde d’Eu, príncipe francez banido de sua pátria, esposo da herdeira

do throno, a princesa D. Izabel” (idem, p. 31).

A transição do Império a República também é posta de forma sintética, sem

relacionar o fim do primeiro com o início da segunda. Informa que “com o novo

regimen politico, ficou a nação constituída em Republica dos Estados Unidos do

Brasil, sendo o primeiro presidente Marechal Deodoro da Fonseca” (idem, p. 30).

Além disso, menciona o fato de ser, no Pará, proclamado o novo governo no dia

seguinte por José Paes de Carvalho e, tendo como propagandistas no Estado

personalidades como: Manuel Barata, Lauro Sodré, Justo Chermont e Matta

Bacelar.

Castelo Branco (Fundação da cidade de Belém)

Apresenta Castelo Branco como fundador da cidade de Belém, narrando a

construção do Forte do Presépio para a proteção contra possíveis invasões. Relata

que este personagem teve boa recepção pelos indígenas tupinambás, contudo foi

rejeitado após se recusar a condenar o seu sobrinho que havia cometido um

assassinato, causando uma revolta nos colonos, que os levou a colocar Balthazar

Rodrigues em seu lugar.

Como orientação didática, os autores recomendam que sejam utilizados

mapas durante a aula e que, sobre Castelo Branco: “Enalteça-se o valor desse

official que foi o homem de trabalhos mais apreciáveis, a quando da fundação de

7 O texto trata da Cabanagem unicamente no seguinte trecho: “Foi nesse tempo que aqui no Pará

occorreu a celebre Cabanagem (3), lucta originada de accumulados odios políticos.” (PROENÇA e NASCIMENTO, 1926, p. 29)

45

Belém e da expulsão de estrangeiros do Pará.” (PROENÇA e NASCIMENTO, 1926,

p. 34).

Figura 9. Página 33 do livro “Noções de História Pátria”

Fonte: Noções de História Pátria (1920, p.33).

As lições contidas em “Noções de História Pátria”, de maneira geral, seguem

um padrão de construção no que se refere à forma de apresentação dos conteúdos,

em forma de narrativa linear e tendo como ponto central um ou mais “personagens

heroicos” naquele contexto, contando a história a partir e em torno deles, levando

46

em consideração um universo particular em detrimento de fatores políticos,

econômicos e sociais que influenciaram diretamente os eventos narrados. Não

promovendo ou estimulando o debate sobre a construção histórica a partir da

necessidade do contexto. Neste sentido, o conteúdo não ultrapassou os limites da

história dominante, quando muito propunha nova abordagem de formas.

Considerando que o livro versa sobre história da pátria, faz-se necessário

analisar como as manifestações regionais são apresentadas na obra. Observa-se

que as lições convergem numa ideia de homogeneidade, não atentando para as

peculiaridades regionais, mas tomando-as sob a ótica de um todo nacional, onde os

fatos locais só são importantes se tem influência direta sobre o geral ou se em

algum momento esteve na condição de representação do país (na situação de

capital nacional). Um exemplo que merece destaque, mesmo com toda a sua

relevância histórica para o país e para o Pará, e que não foi enfatizado na obra, foi o

movimento da Cabanagem, uma revolta predominantemente mestiça e indígena que

não traz em si atos heroicos e “louváveis” da elite dominante.

1.2.2. EM TORNO DA INCONFIDÊNCIA MINEIRA: O PAPEL DE

TIRADENTES (1926)

Durante o levantamento dos dados para a produção da dissertação, alguns

documentos encontrados no arquivo do Colégio Paes de Carvalho indicaram a

existência de concursos públicos para o provimento efetivo das cadeiras da

instituição. Nestes concursos, uma das etapas de seleção era a apresentação de

uma tese acerca de temas relativos à cadeira pela qual se estava concorrendo.

A obra “Em torno da Inconfidência Mineira: O papel de Tiradentes” constitui-

se como tese defendida pelo Prof. Domingos Sylvio Nascimento, em uma das

etapas de seleção no concurso para o provimento da cadeira de História do Brasil no

Gymnasio Paes de Carvalho, no ano de 1926, a qual era ocupada interinamente por

ele desde 1922.

47

Figura 10. Capa da tese “Em torno da Inconfidência Mineira: O Papel de

Tiradentes”

Fonte: Tese “Em torno da Inconfidência Mineira: O Papel de Tiradentes”

(1926)

Esta tese, única obra encontrada de autoria exclusiva de Sylvio Nascimento

também carrega uma de suas grandes paixões, sem outros coautores, a

Inconfidência Mineira. Annunciada Chaves, sua ex-aluna, revela no seu depoimento

a Clóvis Moraes Rêgo a dedicação por ele entregue a este tema:

48

Certos temas o apaixonavam, levando-o a verdadeiros rasgos de oratória. A

Inconfidência Mineira era um deles. Nunca ouvi ninguém pronunciar com

tamanha unção, com tamanho respeito e, ao mesmo tempo, com tamanho

entusiasmo o “Libertas quae sera tamen” dos inconfidentes. (RÊGO, 1990,

p. 66).

O revelado gosto de Sylvio Nascimento pelo tema da Inconfidência Mineira

também era refletido em sala de aula, no seu entusiasmo ao narrar esta história.

Este entusiasmo, na forma escrita, resultou na tese de 28 páginas, contendo 10

tópicos e a conclusão.

Esta tese, com características de uma história linear e factual, faz um

percurso sobre a Inconfidência Mineira iniciando pela germinação das ideias, as

influências ideológicas, perpassando por fatos e personagens relevantes, pelas

razões do movimento, o papel de Tiradentes, e lições morais que poderiam ser

extraídas a partir daqueles que figuraram esse momento histórico.

A obra se constitui como uma produção fruto de estudos sobre o tema, leitura

bibliográfica e análise de documentos (artigos de jornal). Domingos Sylvio

Nascimento utilizou como referência na construção de seu texto os seguintes

autores e obras: Oliveira Lima (História da Civilização); J. Felicio dos Santos

(Memórias do Districto Diamantino); Visconde de Porto Seguro (História Geral do

Brasil, tomo II); J. Norberto de Sousa e Silva (O Martyrio de Tiradentes).

O primeiro tópico que Sylvio Nascimento aborda, intitulado “O surto das

idéas”, traz como primeira grande informação “um erro histórico”, o ano de

nascimento de Tiradentes, 1746 e não 1748, como acreditava-se. Este dado foi

extraído do jornal “A Noite”, do Rio de Janeiro, publicado em 6 de junho de 1925, e é

uma chamada para pesquisas documentais e estudos acerca de temas e trabalhos

que anteriormente não foram “encerrados”, mas deixaram caminhos para estudos

futuros, para os “continuadores”, como relata:

Geralmente, os que de tornam iniciadores de uma jornada, nem sempre a terminam, conferem a outrem o papel da solução dos factos. O aperfeiçoamento, a directriz, segura finalidade das importantes tarefas, incidem nos hombros dos considerados continuadores. Deste modo, vemos mantida a solidariedade entre as intelligencias, entre os typos que representam uma nacionalidade ou assignalam uma época. (NASCIMENTO, 1926, p. 5-6).

49

Estes continuadores, como indica Sylvio Nascimento, devem trabalhar de

forma intencional, compartilhando entre si ideias que convirjam para a construção de

uma nacionalidade, que se estabeleça uma rede de pensadores guiados por

motivações em comum, permitindo a circulação de ideias. Esta circulação de ideias,

inclusive em âmbito internacional, foi marcada por Sylvio Nascimento em seu texto,

trazendo os princípios que deram início ao ideário liberal e a sua movimentação na

Europa e Estados Unidos, e a concordância no Brasil, haja vista o contexto político e

econômico da época.

As ideias de liberdade e autonomia deram força ao sentimento de insatisfação

da elite mineira com a corte portuguesa, sobretudo por conta dos impostos abusivos

que lhes eram cobrados e do consequente impedimento de expansão da indústria e

comércio. Louvados foram aqueles que “trouxeram” da Europa as sementes de uma

futura reforma liberal para o Brasil:

Em Coimbra e Montpellier, sabemos, varios estudantes brasileiros penetraram-se da aspiração, abençoada aspiração, de trabalhar pela reforma liberal de sua patria. Há quem veja, talvês, nesse procedimento, simples phantasia de escolares; entretanto, o gestos desses moços é justificado ante a diffusão das idéas do seculo e de elles representarem intellectualmente o alvo apto a receber é diffundir esses projectos. (idem, p. 8).

“O início da propaganda”, tópico seguinte, dá continuidade a essa discussão

acerca da movimentação dessas ideias no Brasil e como elas foram de encontro às

necessidades de um grupo de intelectuais, donos de minas, proprietários de terras,

que queriam além de deixar de pagar os altos impostos, ter a independência política;

configurando-se como as motivações para a Inconfidência Mineira.

Dentre os relatos seguintes, constam a prisão, o processo e as sentenças

para os inconfidentes e as amenidades concedidas pela rainha – o degredo para

estes, exceto Tiradentes, que por sua “lealdade e coragem”, não delatou seus

companheiros e recebeu o título de mártir da Inconfidência, algo enfatizado por

Sylvio Nascimento no texto.

A rainha D. Maria I derramou nas feridas abertas em as almas dos conjurados um bálsamo suavisante - commutava-lhes o castigo, transformando o em degredo, salvo aquelles, cujo o crime, sendo de tal ordem deshumano e rodeado de circumstancias muito aggravantes, a clemência não fosse possível. Todos alcançaram-na, menos Tiradentes que a 21 do mesmo mês e anno subiu ao cadafalso. (NASCIMENTO, 1926, p. 12-13).

50

O dia da execução de Tiradentes foi relatado na tese como um momento que

serviria de exemplo para o povo. Para Sylvio Nascimento, este foi um momento de

redenção, Tiradentes, na figura do redentor, tem sua vida ceifada em razão de uma

ideia, mas deixa um caminho para que o sonho da independência seja alcançado.

Tiradentes, o redemptor maximo da Idéa de Independência, recitara naquela phrase a fortaleza do seu animo varonil, intencionava significar que sujeitava-se ao sacrificio, mesmo porque elle não morria, rasgava a cortina do infinito na certeza de ter collaborado no advento de um Princípio. (idem, p. 14).

Nascimento (1996, p. 15) ressalta, ainda, que no local da execução do

inconfidente, foi construída a Escola Tiradentes, além de ser uma homenagem a ela,

seria um local de onde “irradiam os mais salutares exemplos do patriotismo, nella

officia-se culto cívico da liberdade”.

A tese apresenta, também, “Um dos precursores da grande idéa” tópico que

apresenta a figura de Felipe dos Santos, morto em 1720 por motivos semelhantes

ao que tiraram a vida de Tiradentes, e trata-o como um “continuar”, resgatando a

ideia discutida inicialmente que ressaltava a importância de se dar continuidade a

projetos e ideias inacabadas ou interrompidas em determinado momento por outrem.

O papel de Tiradentes é apresentado no texto como um propagandista das

ideias de independência, sendo relatado que fora julgado de interesseiro e militar por

causas que o trariam benefícios pessoais. Sobre o título de “interesseiro”, Sylvio

Nascimento afirma que são os interesses que movem as causas, sejam elas

coletivas ou pessoais, e “Sim, Tiradentes teve o santo e alto interesse de,

empolgando-se pela liberdade da Patria, atirar-se desassombradamente aos

holocaustos da maior dedicação” (NASCIMENTO, 1926, p. 18). Ainda sobre o papel

dele na Inconfidência Mineira, Sylvio menciona que

A Tiradentes coube papel saliente no movimento de 1789. Não o pedira, os factos determinaram-lhe uma posição, à qual foi levado pelo modo por que se portou. Chaman-no louco, enthusiasta, interesseiro e inconstante nos officios. A loucura do justificado de 1792 resalta no facto de elle haver se immolado no altar do sacrifício da Patria. Convidado a collaborar no plano da inconfidencia, caracter sério, apaixonára se pela causa e a ella se entregou dedicadamente; foi um propagandista activo e denodado. Se lhe increpam a maneira por que arrebanhava adeptos, falando da sua aspiração, era impelhido pelo ardor da idéa. (idem, p. 18)

51

Uma característica de Tiradentes que Sylvio Nascimento apresenta, é a

“fidelidade e lealdade” e ao movimento e aos seus companheiros. Havendo todos

aqueles que lutaram ao seu lado recebido amenidades em suas sentenças,

escapando da pena de morte para o degredo, Tiradentes foi o único que se manteve

fiel aos seus princípios, mesmo reconhecendo as consequências de seu ato.

Contudo, Sylvio ressalta que não cabe o julgamento para os que delataram os

componentes do movimento, pois cada um tinha suas motivações para agirem

dessa forma, eram seres humanos e a própria consciência seria o seu juiz.

“As lições da história”, tópico final da tese, propõe a utilização da história de

Tiradentes e da Inconfidência Mineira para trabalhar valores e princípios éticos e

morais com os estudantes, tais como coragem, labor, bondade, altruísmo, lealdade,

traços do caráter do “grande mártir”:

Em Tiradentes foquemos o valor da coragem, supportando os rigores das prisões sem uma leve queixa sequer; a sinceridade e a lealdade, não se desmentindo de um acto que lhe apagasse a figura histórica; a constância do labor, procurando, falho uns meios, outros que lhe pudessem proporcionar situação de conforto, intenção essa justa e louvável no homem; a bondade, o altruísmo, dedicando-se em ser útil aos que lhe acudiam às consultas sobre medicamentos (recordamos o reconhecimento que d. Ignacia Gertrudes de Almeida tributação a Tiradentes pelo facto de lhe haver curado uma filha), o patriotismo, enfim, emocionando-se até as lagrimas quando lhe falavam das coisas da Pátria. (idem, p. 23)

Quanto aos delatores, novamente ressalta que não cabe o julgamento pela

“traição” à causa, mas sugere-se que seja discutido com os estudantes as

importância de compreender e reconhecer que se deve assumir o compromisso de

responder pelos seus atos, sejam eles quais forem.

As conclusões de Sylvio Nascimento apontam para a compreensão da

Inconfidência Mineira e de Tiradentes enquanto fatores importantes para se pensar e

construir a República no Brasil; que foram os primeiros passos para uma

independência política e econômica real da Coroa Portuguesa.

1.2.3. HISTÓRIA DO BRASIL: DOCÊNCIA NO GYMNASIO PAES DE

CARVALHO

O Gymnasio Paes de Carvalho, nome da instituição em 1922, que também foi

chamado Lyceu Parense, Gymnasio Paraense, atualmente Colégio Estadual Paes

52

de Carvalho8, foi um importante centro de circulação de ideias e intelectuais no

período da Primeira República, nomes relevantes no cenário paraense fizeram parte

da vida da instituição na condição de alunos ou professores.

Domingos Sylvio Nascimento atuou na educação paraense em diferentes

níveis de ensino, funções e localidades, mas a maior parte de sua vida profissional,

24 anos, foi como professor no Gymnasio Paes de Carvalho. O que torna

significativa a inclusão do Paes de Carvalho no estudo da sua história, não são

unicamente as décadas de vida a ele dedicadas, mas o fato de figurar como possível

primeiro professor negro desta instituição.

Considerando a relevância do Gymnasio Paes de Carvalho na vida

profissional de Domingos Sylvio Nascimento, esta subseção trata da produção de

conhecimento dele no Gymnasio por meio da disciplina “História do Brasil”. Para

construí-la, realizei pesquisa documental no arquivo do Colégio Paes de Carvalho,

espaço rico em fontes importantes para a história do Pará e da educação no Estado.

Com um acervo constituído por documentos como diários de classe, provas,

livros de atas, ofícios, correspondências, memorandos, livro de registro de

funcionários, dentre inúmeros outros materiais, e de diversos períodos da história –

haja vista o longo tempo de funcionamento da escola, inaugurada ainda no Império –

possibilita observar indícios da educação no período da Primeira República

paraense.

A disciplina “História do Brasil” marca a entrada de Sylvio Nascimento como

professor substituto do Gymnasio Paes de Carvalho, sendo a primeira disciplina

ministrada por ele na instituição, o qual foi “nomeado pelo Governo do Estado, para

reger, em comissão a cadeira de Historia do Brasil deste Gymnasio, em 4 de Abril de

1922, prestou afirmação do seu cargo nesta data.” (GYMNASIO PARAENSE, 1933,

p. 8)

Nomeado para exercer, por dez anos, na forma do art. 176 do Decreto Legislativo Federal nº 16782-A de 13 de Janeiro de 1925 o cargo de livre docente de Historia do Brasil deste Gymnasio em 10 de novembro de 1926. Entrou em exercício nesta data. (idem, p. 8)

8 Sobre os nomes da instituição, ver: CHAQUIAM, Miguel; GASPAR, Elaine da S.; BORGES,

Gleeydson F. L. Recortes Históricos do Liceu Paraense ao Colégio Estadual Paes De Carvalho. Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática (Pôster). Salvador, BA: Sociedade Brasileira de Educação Matemática, 2010.

53

Conforme o excerto acima, em 1926, tornou-se catedrático por meio de

concurso público, onde defendeu a tese intitulada “Em torno da Inconfidência

Mineira: o papel de Tiradentes”. É importante ressaltar que essa era uma exigência

da instituição, ou seja, os professores precisavam prestar um concurso para assumir

efetivamente a cadeira que almejava ou o que ocupavam interinamente, que foi o

caso de Sylvio Nascimento.

A atuação de Domingos Sylvio Nascimento nesta disciplina foi lembrada com

afeto por alguns de seus ex-alunos, tais como Cécil Meira, Otávio Mendonça,

Machado Coelho e Annunciada Chaves, a qual deu o seguinte depoimento para

Clóvis Moraes Rego, quando este produziu um texto de homenagem pelo centenário

de Sylvio Nascimento:

O auditório todo fremia, prestes a ver apertar-se ao redor do pescoço de Tiradentes a corda fatal, símbolo para nós, estudantes, naquele momento, de todas as tiranias. Sílvio não se preocupava demasiadamente com as causas e efeitos, não dava à História aquele cunho científico hoje nela predominante, mas imprimia-lhe um colorido, uma vivacidade, um relevo que faziam das suas aulas uma verdadeira ressurreição do passado, um autêntico curso de civismo. (REGO, 1990, p. 66)

O relato de Annunciada Chaves, para além de expressar o carinho sentido

pelo professor, indica o acentuado interesse de Sylvio Nascimento pelos estudos

acerca da inconfidência mineira, e revela uma importante característica de suas

aulas: ele não se detinha nas “causas e efeitos”. Em seu discurso, estavam

presentes elementos que remetem às narrativas de fatos históricos, valorizando os

acontecimentos de forma individual, isolada de um contexto maior – econômico,

político, social.

Além dos depoimentos contidos no texto de Clóvis Moraes Rego, tomou-se

como fontes primárias a documentação encontrada no arquivo do Colégio Paes de

Carvalho, dentre ela, os livros de ponto dos professores. Foram selecionados os

livros de ponto dos primeiros anos de Sylvio Nascimento como professor de História

do Brasil na instituição (de 1922 a 1927), e, a partir deles, observados elementos

que ajudam a analisar como a História do Brasil era veiculada, por meio do ensino,

no Gymnasio Paes de Carvalho.

Não é possível afirmar que, em suas aulas, Sylvio Nascimento seguia

exatamente o programa de ensino da escola, pois em diversas vezes não preencheu

o assunto da aula, ou apenas colocou o número do ponto ministrado. Contudo,

54

apresenta algumas pistas que, se comparadas ao programa da disciplina para

aqueles anos, permitem observar algumas semelhanças. Além disto, alguns

depoimentos indicam que ele buscava cumprir integralmente ou em sua maioria os

programas de ensino propostos para o período letivo, como o de Machado Coelho:

Silvio, no temperamento, era o oposto de Josino: calmo, exuberante, extrovertido. Lecionava História do Brasil, que conhecia muito bem. As suas preleções sem prejuízo de conteúdo, eram movimentadas e divertidas e todos nós, seus discípulos, saiamos delas aprendendo pelo menos um pouco do muito que ele ensinava. (RÊGO, 1990, p. 64).

No ano de 1922, quando ingressou como professor substituto no Gymnasio

Paes de Carvalho, o conteúdo das aulas estava organizado segundo o programa

letivo próprio da instituição, previsto para o triênio de 1921 a 19239 para o 5º ano e,

com os temas listados a seguir, iniciou a trajetória de 24 anos de aulas ministradas

nesta escola:

1º ponto. – Historia de Portugal (Breve resumo). 2º ponto. – Causas imediatas da expansão para os mares. – Antecedentes históricos – Condições politicas, sociaes e economicas da Europa no século XV. 3º ponto. – O mundo conhecido no século XV. – As lendas geographicas da edade media. 4º ponto. – Relações entre o occidente e oriente. – Marco Polo. 5º ponto. – A cavallaria do Oceano. – A’ procura do Oriente – O caminho maritimo da India. – O periplo africano. – D. Henrique e o Principe Perfeito. 6º ponto. – As Indias pelo occidente. – As lendas e tradições sobre a existencia de novas terras. – O projecto de Toscanelli. 7º ponto. – “El levante por el poniente”: a descoberta da America. – Christovam Colombo. 8º ponto. – Os dois cyclos de navegadores: o cyclo atlantico sul e o cyclo atlantico occidental. – Portuguezes e hespanhóes. 9º ponto. – O descobrimento do Brasil pelo cyclo dos navegadores do Oéste. – Hojeda, Pinzon e Lepe. 10º ponto. – Um episodio do periplo africano: - o descobrimento do Brasil pelo cyclo dos navegadores do sul. 11º ponto. – A obra de Cabral. – A ilha de Vera Cruz. – A carta de Pero Vaz Caminha. 12º ponto. – O descobrimento do Brasil: erros, duvidas e pontos controversos. – Questões accessorias. 13º ponto. – As primeiras noticias do novo descobrimento. – Causas que impellem o governo portuguez a cuidar do paiz recem-descoberto. – Reconhecimento da terra descoberta.

9 Programa de ensino de História do Brasil na íntegra e transcrito tal qual o documento contido na

fonte primária: Programma Lectivo do Gymnasio Paes de Carvalho para o triênio 1921 a 1923 – Geographia, Corographia, Historia do Brasil, Logica e Historia Geral.

55

14º ponto. – A terra e os habitantes. – Prehistoria brasileira. – O homem americano: condições politico-sociaes e estado de cultura. – Crenças, lendas e tradições. 15º ponto. – O Brasil esquecido. – Lendas primitivas. – Caramurú, Ramalho e Rodrigues. 16º ponto. – Primeiras explorações. – Christovam Jacques. 17º pontos. – A metropole emprehende a colonização do Brasil. – São Vicente e Piratininga. – A obra de Martim Affonso de Sousa. 18º ponto. – Capitanias hereditarias. 19º ponto. – Condições de vida dos primeiros colonos: as tres raças que se fundiram. O elemento aborigena. - O elemento africano. – O elemento portuguez. – Elementos secundarios. 20º ponto. – Tentativa da unidade e organização de defeza. – Necessidade de organização politica e administativa: a creação do governo geral. – Thomé de Sousa e as suas obras. 21º ponto. – Inicio da catechese: o concurso dos missionarios. O trabalho dos jesuitas nas diversas capitanias. – As grandes figuras de Nobrega e Anchieta. – A fundação de São Paulo. 22º ponto. – Duarte da Costa e a situação geral da colonia. – O Bispo e Governador. – Os colonos e os jesuitas. 23º ponto. – A expedição de Villegaignon. – A França Anctartica. – Caracter de Villegaignon. 24º ponto. – Mem de Sá. – A Confederação dos Tamoyos. 25º ponto. – O aniquillamento da França Antarctica. – Uma guerra religiosa. – A fundação do Rio de Janeiro. 26º ponto. – O Brasil dividido em dois governos: o governo do norte e o governo do sul. – Volta ao governo uno. 27º ponto. – O dominio hespanhol e sua consequencias para o Brasil. 28º ponto. – Governo geral. – Governo interino da Junta ( 1581 – 1583). Manoel Telles Barreto. – Governo interino de uma segunda Junta. 29º ponto. – Governo geral: D. Franscisco de Sousa e D. DiogoBotelho ( 1591 a 1607). – A expansão colonial para o norte: causas que a apressam. 30º ponto. – Governo geral: D. Diogo de Menezes. – Nova divisão do Brasil em dois governos, subsequente reunião em um só. – A França Equinoxial. 31º ponto. – O Estado do Maranhão. – A exploração do Amazonas. 32º ponto. – Assaltos de piratas e novas tentativas de intrusão. – Os hollandezes em scena. – Causas da invasão. – O mare clausum e o mare liberum, o commercio livre e o monopolio. 33º ponto. – Os hollandezes na Bahia. 34º ponto. – Segunda invasão hollandeza até a acclamação de D. João IV. – O conde Mauricio e a sua obra. 35º ponto. – Segunda invasão hollandeza. – Revivescencia do espirito da colonia co a restauração portugueza. – Retirada de Nassau. – Insurreição geral contra os usurpadores. 36º ponto. – Segunda invasão hollandeza. – Cerco do Recife. – 1ª e 2ª batalha dos Guararapes. – Termo do dominio hollandez no Brasil. 37º ponto. – Critica da colonização hollandeza: incapacidade do hollandez para a funcção historica que se impunha aos colonizadores da America. – Repercussão da victoria no espirito de todos os colonos. 38º ponto. – O concurso dos missionarios nas colonias do norte. – A grande figura de Vieira. 39º ponto. – A acção dos jesuitas no Brasil meridional. 40º ponto. – A conquista do interior: as primeiras estradas. – Grandes caminhos para o sertão. 41º ponto. – As bandeiras. 42º ponto. – A politica oceanica. – O monopolio. – A Revolução de Beckmann. 43º ponto. – As minas. – Enthusiasmo geral produzido pela descoberta do ouro: invasão dos sertões. – O governo de D. João V. 44º ponto. – Os Palmares. – Os mascates e os emboabas.

56

45º ponto. – Effeitos no Brasil da guerra da successão da Espanha ( 1701 – 1714) : a) os ataques de Duclerc. 46º ponto. – Idem, idem – b) os ataques de Duguay – Trovin. 47º ponto. – Idem, idem – Luctas na colonia de Sacramento. – O Tratado de Madrid. 48º ponto. – D. José I e o Marquez de Pombal. – As companhias de commercio. 49º ponto. – O Marquez de Pombal emprehende a regularização dos limites brasileiros com as colonias hespanholas. – A obra dos delegados portuguezes no norte e no sul. 50º ponto. – O Marquez de Pombal, a emancipação indigena e os jesuitas. – Expulsão e extincção da Companhia de Jesus. – Consequencias para o Brasil. 51º ponto. – Primeiras manifestações formaes do espirito de Patria. – Os antecedentes. – A conspiração de 1789, producto da philosophia franceza e da suggestão republicana dos Estados Unidos. 52º ponto. – Pormenores da conspiração. – A execução de Tiradentes. 53º ponto. – Factos que occasionaram a transplantação da côrte portuguesza para o Brasil. – Antecedentes historicos. – Situação da Europa nos fins do seculo XVIII. – A Revolução e a velha Europa. – Portugal e a França. 54º ponto. – A regencia do principe D. João. – O perfil do regente. – Partida da côrte para o Brasil. – Estado do paiz em 1808. 55º ponto. – A chegada da familia real. – Primeiros actos do Principe Regente no Brasil. – Expedições guerreiras no norte e no sul. – A Provincia Cisplatina. 56º ponto. – Condições geraes do paiz creadas pelo governo de D. João: reacção nativista. – A revolução de 1817. 57º ponto. – A Revolução de Portugal e o Brasil. – O Constitucionalismo. – A volta da côrte para Portugal. 58º ponto. – O Brasil e as Côrtes Portuguezas. – Os representantes brasileiros nas Côrtes Geraes de 1821. 59º ponto. – A Regencia de D. Pedro. – A cauda nacional. – O dia do “Fico”. A convocação da Constituinte e a Independencia. – O 7 de Setembro. – O Papel de José Bonifacio de Andrada e Silva. 60º ponto. – A causa nacional triumphante. - Reconhecimento da Independencia. – A reunião da Constituinte. – Desconfianças. – O projecto da constituição. 61º ponto. – A dissolução da Constituinte. – O “ Tamoyo” e a “Sentinella da Liberdade á Beira Mar da Praia Grande”. – Os tres Andradas na Constituinte. – O Juramento da Carta de 1824. – A Confederação do Equador. 62º ponto. – Reacção contra as tendencias absolutistas de D. Pedro I. – A perda da Cisplatina. – O espirito nativista: Impopularidade de D. Pedro I. – A adaptação do regimen parlamentar. 63º ponto. – O 7 de abril. – A abdicação. – Evaristo da Veiga e a Aurora Fluminense. 64º ponto. – As duas primeiras regencias trinas. 65º ponto. – A regencia Feijó. 66º ponto. – A regencia Araujo Lima. 67º ponto. – D. Pedro II. – A maioridade antecipada. – Revoluções intestinas até 1849. 68º ponto. – O 2º Reinado. – Guerras no Prata: Oribe e Rosas. – Guerra do Paraguay. 69º ponto. – O 2º Reinado: - a abolição do elemento servil. 70º ponto. – O 2º Reinado: - seus caracteristicos. – O federalismo e o principio de auctoridade. – O famoso “poder pessoal” e as liberdades nacionaes. – O papel dos partidos constitucionaes – e os grandes problemas politicos, economicos e administraticos. – Quarenta annos de

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paz e de prosperidade. – Os motivos determinantes da mudança do regimen. 71º ponto. – A Republica. – Antecedentes historicos do novo regimen. 72º ponto. – A Conjuração. – O 15 de Novembro. 73º ponto. – O governo Provisorio. – Reformas. 74º ponto. – O 1º quatriennio constitucional – Deodoro e Floriano. 75º ponto. – O governo de Prudente de Moares. 76º ponto. – O governo de Campos Salles. 77º ponto. – O governo de Rodrigues Alves. 78º ponto. – O governo de Affonso Penna e o governo de Nilo Peçanha. 79º ponto. – O governo de Hermes da Fonseca. 80º ponto. – O governo de Wenceslau Braz.

De acordo com registros no livro de ponto de 1922, primeiro ano de Sylvio

Nascimento na instituição, entre revisões, composições, não comparecimento de

alunos em quatro dias letivos, o professor, seguiu os conteúdos propostos para a

disciplina do 3º ponto (O mundo conhecido no século XV. – As lendas geográficas

da idade média) até o 47º ponto (Efeitos no Brasil da guerra da successão da

Espanha ( 1701 – 1714) : a) os ataques de Duclerc; b) os ataques de Duguay –

Trovin – Luctas na colonia de Sacramento. – O Tratado de Madrid), alcançando

pouco mais da metade da totalidade dos temas previstos no programa.

Observando os temas abordados por ele neste ano em relação ao programa

completo, é possível identificar que assuntos referentes à abolição da escravidão, a

questões próprias da Amazônia não foram discutidos com a turma.

Em 1926, ano em que foi aprovado no concurso e passou a ocupar

efetivamente a cadeira de História do Brasil, o livro de ponto indica que, em sua

turma de 5º ano, foram ministradas as seguintes lições (incluindo: Descobrimento do

Brasil – O íncola; Primeiras expedições; Capitanias hereditárias. Início da

colonização; que foram registradas apenas pelos seus respectivos números):

Governo Geral Thomé de Sousa Duarte da Costa O inicio da catechese Men de Sá. França Antard: A confederação dos tamoyos Divisão do Brasil em d. g. Dominiohespanhol A França Equinoscial Antecedente da invasão holandesa Os hollandêses na Bahia Os hollandêses em Pernambuco (1ª parte) Os hollandêses em Pernambuco Luctas entre jesuítas e colonos Revolução de Beckman Palmares e emboabas

58

Mascates Effeitos no Brasil da g. d. s. Duclerc DuguayTrovin Colonia do Sacramento Entradas e bandeiras O Brasil no rein. de d. João V D. José I e o Marques de Pombal Idéas de independência Inconfidencia mineira Transmigração da fam. real port. D. João VI. A revoluc. nativ de 1817 Regencia de Pedro. O Fico A Independencia. 1º reinado. A abdicação. Periodo regencial A maioridade. 2º reinado. Rev. int. até 1848 Guerras no Prata: Oribe e Rosas Segundo reinado. Guerra do Paraguay A abolição A Republica A Republica

Estes registros apontam para o cumprimento dos conteúdos previstos no

programa de ensino do Colégio Pedro II para este mesmo ano letivo. Não tendo

encontrado o programa próprio do Gymnasio Paes de Carvalho para o referido

período, compreende-se que, se esta instituição estabeleceu um conjunto de temas

para serem trabalhados, tomou como referência a proposta nacional para a

disciplina de História do Brasil, pois foi o que indicaram os pontos anotados por

Sylvio Nascimento. Para além dos conteúdos presentes na proposta do Pedro II,

mais alguns foram incluídos, tais como: O inicio da catequese; a confederação dos

tamoyos; a França Equinoscial; antecedente da invasão holandesa.

Algo que pode ser observado quando se comparam os programas de ensino

para História do Brasil do Colégio Pedro II, do Gymnasio Paes de Carvalho e os

pontos trabalhados por Sylvio Nascimento em sala de aula, é que o primeiro

propunha 20 lições para serem ministradas em 4 aulas estabelecendo temas mais

gerais, o segundo, por sua vez, descrevia as 80 aulas. Havia certa concordância

entre os temas gerais, contudo, mesmo equiparado ao Ginásio Nacional, o seu

programa de ensino continha suas particularidades, observadas nas formas como

iriam trabalhar os temas propostos, que aspectos seriam abordados e em quantas

aulas.

Analisando os títulos das lições, é possível identificar que o ensino de história

era baseado em fatos e personagens históricos, que priorizava aquilo contado nos

documentos oficiais, característica da educação positivista. Outro ponto que recebe

notável relevância é narração da imigração estrangeira, ressaltando a influência que

59

esses povos exerceram sobre a população brasileira. É pouco visível a abordagem

de questões regionais no currículo, sendo priorizados conteúdos que abrangem a

história nacional.

60

2. EDUCAÇÃO NA PRIMEIRA REPÚBLICA: O CONTEXTO HISTÓRICO

PARAENSE

Esta seção tem por objetivo analisar como se configurou o contexto político e

educacional da Primeira República no Estado do Pará, que contribuiu para a

formação escolar, acadêmica e profissional do Professor Domingos Sylvio

Nascimento. Para isto, realiza uma visita ao contexto político e social da Primeira

República, assinalando aspectos de sua implantação e manutenção no Estado do

Pará. Em seguida, apresenta as matrizes teóricas que fundamentaram o

pensamento educacional republicano. Discute as reformas educacionais do referido

período e seus sentidos políticos, com o objetivo de compreender como a educação

era pensada neste momento. Por fim, aborda questões de cunho histórico sobre o

Colégio Estadual Paes de Carvalho, instituição de ensino à qual Sylvio Nascimento

investiu longos anos de sua vida profissional.

2.1. A PRIMEIRA REPÚBLICA NO CONTEXTO PARAENSE

O período da Primeira República (1889-1930) no Estado do Pará, tendo como

seu principal articulador de ações o Club Republicano (fundado a 11 de abril de

1886), trouxe consigo um grande ideário pautado no liberalismo10 e no positivismo11,

visando transformações para o contexto sócio-político da época – relativas à

10

A teoria liberal, segundo Chauí (2000), pautada em Locke e Max Weber, afirma que a função do Estado é “1. por meio das leis e do uso legal da violência (exército e polícia), garantir o direito natural de propriedade, sem interferir na vida econômica, pois, não tendo instituído a propriedade, o Estado não tem poder para nela interferir. Donde a idéia de liberalismo, isto é, o Estado deve respeitar a liberdade econômica dos proprietários privados, deixando que façam as regras e as normas das atividades econômicas; 2. visto que os proprietários privados são capazes de estabelecer as regras e as normas da vida econômica ou do mercado, entre o Estado e o indivíduo intercala-se uma esfera social, a sociedade civil, sobre a qual o Estado não tem poder instituinte, mas apenas a função de garantidor e de árbitro dos conflitos nela existentes. [...] 3. o Estado tem o direito de legislar, permitir e proibir tudo quanto pertença à esfera da vida pública, mas não tem o direito de intervir sobre a consciência dos governados. O Estado deve garantir a liberdade de consciência, isto é, a liberdade de pensamento de todos os governados e só poderá exercer censura nos casos em que se emitam opiniões sediciosas que ponham em risco o próprio Estado. (CHAUÍ, 2000, p. 520, grifos da autora)

11

O positivismo, de acordo com Chauí (2000, p. 346-347), é uma corrente que teve seu início no século XIX com Augusto Comte, o qual “enfatiza a idéia do homem como um ser social e propõe o estudo científico da sociedade: assim como há uma física da Natureza, deve haver uma física do social, a sociologia, que deve estudar os fatos humanos usando procedimentos, métodos e técnicas empregados pelas ciências da Natureza. A concepção positivista não termina no século XIX com Comte, mas será uma das correntes mais poderosas e influentes nas ciências humanas em todo o século XX.”

61

economia, saneamento básico, arquitetura, cultura e, sobretudo, à mentalidade ou

“civilização” da população. Para que estes objetivos pudessem ser alcançados, os

republicanos utilizaram como principal instrumento a educação. Logo, foram

necessárias diversas reformas no âmbito educacional do estado – que serão

abordadas posteriormente (MORAES, 2011; SAMPAIO, [20--]).

A década de 1860, no Pará, sobretudo na cidade de Belém, marcou não

apenas um momento de crescimento econômico com a expansão da exploração e

exportação da borracha12, mas um período de agitações políticas. Insatisfação com

regime monárquico e receio de um possível terceiro reinado tendo como monarca o

francês Conde d’Eu, esposo da Princesa Izabel, estavam entre as principais

inquietações a nível nacional e local. (MORAES, 2011; SAMPAIO, [20--]; PROENÇA

e NASCIMENTO, 1926).

Em 11 de abril de 1886, tendo como pano de fundo este cenário político e

econômico, é fundado em Belém o Club Republicano do Pará13, local de articulação

e difusão do ideário e forma de governo republicano no estado, cujas bases estavam

na ideia de “federação, de descentralização política e econômica” (MORAES, 2011,

p. 35). A reunião que marcou o início deste grupo, segundo Sampaio [20--], contou

com a participação de mais 100 pessoas de distintas camadas sociais. Esta autora

sinaliza a participação popular no movimento republicano e, citando Arthur Vianna,

informa que

O Pará acompanhou as provincias do imperio na propaganda dos principios republicanos; em 1886 contavam-se em Belém muitos adeptos da nova fórma de governo, entre eles homens de notorio talento e illustração. (VIANNA, 1909, p.64 apud SAMPAIO, [20--], p. 09)

12

Sobre as influências da economia baseada na borracha em Belém, ver: SOARES, Karol Gillet. As formas de morar na Belém da Belle-Époque (1870-1910). Orientador: Geraldo Mártires Coelho. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Pará, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia. Belém, 2008.; COELHO, Geraldo Mártires. Na Belém da belle époque da borracha (1890-1910): dirigindo os olhares. Revista Escritos, Ano 5, n. 5, 2011. Disponível em: http://www.casaruibarbosa.gov.br/escritos/numero05/FCRB_Escritos_5_8_Geraldo_Martires_Coelho.pdf 13

Estiveram presentes neste evento e compunham o Clube, Benvindo Gurgel do Amaral, presidindo a reunião; Borjana de Miranda e Lauro Sodré, que a secretariaram; além de médicos, advogados, professores, comerciantes e militares (FARIAS, 2009. p. 305).

62

Sampaio [20--] aborda a questão da participação popular neste movimento –

contrariando as afirmações de historiadores que diziam que o povo esteve alheio às

decisões tomadas neste período – a partir da aceitação e ausência de

questionamentos ao ideário apregoado pelos republicanos. Moraes (2011) concorda

até certo ponto, mas acrescenta e justifica essa aceitação pelo povo por conta do

proselitismo republicano, que o fazia almejar a República “como algo superior,

organizado, civilizado” (p. 41).

Outro elemento importante presente neste contexto é o jornal “A República”14,

cujo principal intuito era realizar a propaganda da forma de governo republicana a

partir da crítica ao Império, sobretudo à educação neste período. Neste jornal, eram

publicados artigos que apresentavam “as questões e proposições dos republicanos

paraenses acerca da questão educacional [...]: de crítica da educação no Império e

as proposições de uma educação moderna, de acordo com os ditames da ciência.”

(idem).

As críticas à educação imperial se sustentavam nos objetivos que esta

apresentava:

a formação de uma elite imperial e do Estado Nacional. Assim, a instância educativa envidava esforços para os níveis de ensino que corroborassem para esses objetivos, notadamente, o ensino secundário e superior. Os demais níveis, como o elementar, o primário, o profissional, estavam contemplados, porém, não com a mesma ênfase que o secundário e superior. Ou seja, a educação era direcionada a grupos sociais específicos, no geral, proprietários de escravos e terras, e que estavam relacionados à classe dirigente. (idem)

Consequentemente, ao atender apenas a elite no âmbito educacional, as

classes populares deixavam de receber a instrução pública. E é neste ponto que a

propaganda da República entra com mais força, ao propor uma educação, nos

níveis iniciais, principalmente a alfabetização, voltada para a população em geral.

Contudo, este objetivo estava pautado na suposta inferioridade do povo paraense e

brasileiro como um todo, inferioridade esta fruto da miscigenação racial, o que o

tornava portador dos mais diversos vícios e características degeneradas. Com isto, a

14

Este periódico contou com investimentos do Club Republicano no seu início e, em seguida, consolidou-se como jornal oficial do Partido Republicano. Também circulavam no estado, na época, o os jornais Diário do Gram-Pará e O Democrata, os quais apresentavam diferentes opiniões políticas e constantes conflitos. (FARIAS, 2009).

63

educação ou a alfabetização surgiria como principal meio de “restauração da

sociedade” e “superação do seu atraso”. Acerca disto, Holanda (1995) discorre:

Quando se fez a propaganda republicana, julgou-se, é certo, introduzir, com o novo regime, um sistema mais acorde com as supostas aspirações da nacionalidade: o país ia viver finalmente por si, sem precisar se exibir, só na América, formas políticas caprichosas e antiquadas; na realidade, porém, foi ainda um incitamento negador o que animou os propagandistas: o Brasil devia entrar em novo rumo, porque se ‘envergonhava’ de si mesmo, de sua realidade biológica. Aqueles que propugnaram por uma vida nova representavam, talvez, ainda mais do que seus antecessores, a idéia de que o país não pode crescer pelas suas próprias forças naturais: deve formar-se de fora para dentro, deve merecer a aprovação dos outros. (p. 166, grifos do autor).

Neste excerto, Holanda (1995) também levanta uma crítica à importação de

ideias de outros países, principalmente no que dizia respeito às formas de conduzir

a educação para o povo, que seria de “fora para dentro” não apenas no sentido “do

governo para o povo”, mas do “exterior para o Brasil”, esta crítica, será novamente

trabalhada mais a frente, porém não poderia deixar de ser sinalizada aqui neste

contexto.

Veríssimo (1985), ao tratar da importância da educação no projeto de governo

republicano, afirma que “para reformar e restaurar o povo, um só meio se conhece,

quando não infalível, certo e seguro, é a educação, no mais largo sentido, na mais

alevantada acepção desta palavra.” (p. 43), contudo, ressalta que, antes da reforma

na educação pública, é preciso uma reforma radical no governo – e que esta já havia

sido alcançada – para que se possa completar a “obra da revolução”.

Em termos práticos, pode-se visualizar duas perspectivas quanto às diretrizes

à educação no Pará. Na primeira, observa-se preocupação com estado das escolas

de modo geral. “No século passado, documentos mostram os procedimentos

adotados para a educação” (ROSÁRIO, 1998, p. 24). Em relação à segunda, a

preocupação desloca-se para as teses educacionais, corroborando com a

perspectiva republicana. “No início do século XX, [...] o movimento em torno da

educação era desenvolvido [...] a partir de diretrizes políticas com vistas ao

desenvolvimento da instrução pública” (ibidem, p. 24).

Essa perspectiva é observada quando da realização do Congresso

Pedagógico, em Belém instituído pelo decreto nº 874 de 11 de julho de 1900 o qual

previa:

64

Art. 4º. O Congresso terá por fins especiais: a – Discutir theses sobre os ensino público em todas as suas ramificações. b - Discutir medidas importantes tendentes ao progresso e levantamento da instrução pública. c – discutir pontos duvidosos ou omissos nas leis que regem o ensino público. (Intendência de Belém, 1990, p. 190. Apud. Rosário, 1998).

Analisando os trabalhos que aqui foram apresentados e discutidos acerca do

período da Primeira República no Pará e no Brasil – Araújo (2015); Farias (2009);

Holanda (1995); Moraes (2011); Moraes e Costa (2014); Sampaio (s/n); Saviani

(2013); Veríssimo (1985) – nota-se que, desde antes da proclamação desta, já em

meados da década de 1880, havia a articulação dos indivíduos envolvidos no

movimento republicano e o investimento na propagação do seu ideário, incialmente

com o jornal “A República” e, logo nos anos iniciais de instauração desta forma de

governo, com as reformas educacionais propostas por Justo Chermont e Lauro

Sodré, que serão abordadas nos próximos subitens.

Os investimentos na imprensa e na educação podem indicar o interesse do

governo republicano em alcançar a “mentalidade” do povo paraense e, desta forma,

consolidar-se e conquistar o apoio da população para o seu partido. Isto pode ser

percebido, também, no discurso que buscava alcançar o povo de forma mais

abrangente, e criticava o governo para a elite vivenciado no período monárquico – o

que não significa afirmar que todas as suas ações governamentais atingiram a

totalidade das classes sociais. Essas questões podem ser consideradas como

reflexo das matrizes ideológicas nas quais o movimento republicano se baseou, as

quais serão apresentadas a seguir.

2.2. O PENSAMENTO EDUCACIONAL REPUBLICANO

Entender a educação em determinado período histórico não é possível

levando em consideração fatos e dados descontextualizados e/ou analisados

ingenuamente. É importante, mas não suficiente, inventariar informações acerca de

investimentos financeiros para a educação, conteúdos que compunham o currículo

ou diretrizes para o ensino. O inventário deve seguir rigorosamente a análise dos

ideais e matrizes teóricas que fundamentaram o pensamento educacional em

65

determinado período como possibilidade de compreensão mais ampla dos

processos em construção da época.

A educação, neste momento histórico, representou a tentativa da

materialização do ideário republicano no Pará, como será abordado a seguir, ela foi

marcada pelo esforço do governo em promover o progresso e regeneração da

nação, que, até então, era considerada atrasada – de acordo com os intelectuais da

época, em função dos seus fatores sociais e biológico. Por este motivo, o setor

educacional foi uma das áreas que recebeu consideráveis investimentos (?) do

governo republicano, não necessariamente financeiro, mas por meio das reformas.

Os esforços empregados pelo Partido Republicano na educação não foram

realizados de maneira despretensiosa, mas com o intuito de consolidar uma forma

de governo, haja vista que a educação vivia um momento de transição; antes, aos

moldes imperiais, agora, republicanos; no primeiro, sob a responsabilidade da Igreja,

no segundo, do Estado.

Neste sentido, farei uma breve discussão acerca do pensamento republicano

sobre a educação no Pará em que se deu a formação escolar, acadêmica e

profissional do Professor Domingos Sylvio Nascimento – porém estabelecendo

conexões com o contexto nacional –, apresentando as principais vertentes

ideológicas hegemônicas que o fundamentaram, tais como o positivismo, liberalismo

e o laicismo. Trabalharei com as obras de Moraes (2011); Moraes e Costa (2014);

Sampaio [20--]; Saviani (2013); Veríssimo (1985).

Analisando o contexto educacional paraense, Moraes (2011) ressalta a

influência dos avanços da ciência na forma de pensar a sociedade na Primeira

República. Este autor salienta a relação entre os pensamentos positivista,

evolucionista e o darwinismo social e a legitimação de preconceitos raciais,

discutindo acerca da atribuição das mazelas sociais, o atraso em relação aos países

desenvolvidos e a falta de uma identidade nacional à formação étnica da população.

A partir do positivismo, evolucionismo cultural e darwinismo social, as referências teóricas no campo intelectual à época[...] procuraram analisar a realidade brasileira sob a ótica dessas matrizes teóricas, as quais faziam o elogio a dita superioridade europeia, chegando a seguinte constatação, já adiantada por José Veríssimo, que o Brasil, se comparado aos países europeus: brilha pela ausência. Pela ausência dos atributos civilizacionais europeus: democracia liberal, trabalho livre e sedentário, indústria e, sobretudo, uma população majoritariamente branca. O que se apresentava era uma sociedade escravista, com o poder centralizado, agroexportadora e uma população multirracial, com a predominância de negros e mestiços. Ou

66

seja, a sociedade brasileira era totalmente incompatível ao modelo europeu de civilização. Em especial, quanto à formação étnicoracial da população. (MORAES, 2011, pp. 18-19, grifos do autor).

Este ideário, que esteve presente também no contexto nacional, forneceu as

bases para a construção das primeiras propostas para a educação no Estado do

Pará no período republicano, com o Governo Provisório de Justo Chermont (1889-

1891) e Governo de Lauro Sodré (1891-1897).

Sampaio [20--], por sua vez, a respeito do pensamento que permeava a

educação da época e suas matrizes teóricas, afirma que o

[...] amálgama de liberalismo e de positivismo que formatava o pensamento republicano limitado objetivamente pelas exigências do desenvolvimento econômico, resultara na defesa da escola pública, universal e gratuita, na laicização do ensino público como conseqüência da separação que a constituição republicana estabelecia entre Igreja e Estado, e na crença na escola como instituição responsável pelo progresso da humanidade e dos indivíduos, como condição indispensável para a garantia da igualdade de direitos e oportunidades. (idem, p. 34).

A laicização que a autora menciona representa um momento de conflitos

entre Estado e Igreja no que dizia respeito à educação. Durante o período do regime

monárquico, a Igreja católica teve hegemonia no campo educacional e religioso,

contudo, mesmo exercendo forte influência na mentalidade e comportamento da

maioria da população – inclusive já no regime republicano –, a “chegada” das ideias

pautadas na ciência, questionaram os conhecimentos apregoados pelo catolicismo

na educação e propuseram a separação entre Estado e Igreja tanto no âmbito

político quanto no educacional, o que culminou com a transferência da

responsabilidade do ensino da Igreja para o Estado15 (SAVIANI, 2013, p. 117-179;

MORAES, 2011).

Holanda (1995) também contribui na discussão acerca das matrizes teóricas

que permearam o pensamento republicano sobre a educação, e, acerca do

positivismo que, segundo ele, fora importado para o país sem os devidos cuidados

de sujeitá-lo à realidade que aqui se vivenciava, lança a crítica sobre suas ideias que

15

A Constituição de 1891, declara na SEÇÃO II, Declaração de Direitos, § 6º - “Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos.” Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao91.htm>. Acesso em 20 out. 2015.

67

O mundo acabaria irrevogavelmente por aceitá-las, só porque eram racionais, só porque a sua perfeição não podia ser posta em dúvida e se impunha obrigatoriamente a todos os homens de boa vontade e de bom senso. [...] O mobiliário científico e intelectual que o Mestre legou à Humanidade bastaria para que se atendesse em todos os tempos e em todas as terras a semelhantes necessidades. E nossa história, nossa tradição eram recriadas de acordo com esses princípios inflexíveis. (p. 158, grifos do autor).

Esta inflexibilidade que o autor se refere não se relaciona apenas à

característica ou forma de pensar do positivismo, mas à maneira como este ideário

tomou lugar no país. Assim como as demais matrizes ideológicas nas quais a

República se fundamentou, o positivismo foi um conjunto de ideias e princípios

científicos, políticos, educacionais, que foi trazido de fora como um modelo a ser

seguido e Holanda (1995) tece sua crítica ao modo como ele e os ideais liberalistas

fora incorporados ao governo e, consequentemente, à educação, não levando em

consideração as particularidades apresentadas pelo povo brasileiro, sendo trazido

“de terras estranhas um sistema complexo e acabado de preceitos, sem saber até

que ponto se ajustam às condições da vida brasileira e sem cogitar das mudanças

que tais condições lhe imporiam” (idem, p. 160).

Veríssimo (1985), por sua vez, na condição de representante deste ideário no

país, apresenta esta situação de outra maneira, confirmando, sim, a valorização que

se deu ao ideário e forma de governo estrangeiros, sobretudo norte-americanos,

porém, com a ressalva de adaptá-los ao contexto nacional, afirmando:

Muito é o que havemos de aprender e imitar dos Estados Unidos, mas que isto não nos induza a pormo-nos simplesmente a copiá-los. [...] Atualmente, sente-se já que é a grande república norte-americana que nos irá servir de modelo. [...] É preciso não confundir a adaptação inteligente, a assimilação perfeita, com a cópia servil ou arremedo grotesco. (VERÍSSIMO, 1985, p. 131).

Saviani (2013) também faz referência ao liberalismo, positivismo e ao laicismo

como ideias pedagógicas hegemônicas no período republicano. Contudo, não deixa

de mencionar outras concepções educacionais, as quais define como “não

hegemônicas”, provenientes do movimento operário, baseadas nos ideais

socialistas, anarquistas e comunistas16 (SAVIANI, 2013, p. 181).

16

Para uma discussão mais aprofundadas acerca destes ideais, recomenda-se a leitura de: TONET, Ivo. Sobre o socialismo. São Paulo: Instituto Lukács, 2012.; MARX, Karl.; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. 1. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2008.; SAVIANI, Dermeval.

68

Estas concepções tomaram corpo no campo educacional do Brasil

republicano em um movimento de tentativas, assimilação, repetidas adaptações,

haja vista que eram ideias que estavam sendo propagadas em países da Europa e

nos Estados Unidos, e ao chegar ao Brasil, passaram por um processo de

amadurecimento. Apesar das diversas críticas feitas ao movimento republicano e

dos conflitos com a Igreja e demais partidos, este ideário, pautado principalmente no

positivismo e liberalismo, conseguiu imprimir sua marca, sobretudo na instrução do

país, influenciando as reformas educacionais promovidas nos primeiros governos da

República, como serão apresentados a seguir.

2.3. AS REFORMAS EDUCACIONAIS NO GOVERNO REPUBLICANO

Levando em consideração a constituição do pensamento educacional

republicano, a presente subseção dedica-se a discorrer acerca das reformas

educacionais e seus sentidos políticos construídos a partir desse ideário. Tendo em

vista a necessidade de cautela para não cair em uma “história oficial” baseada em

decretos e leis, as reformas aqui apresentadas são tratadas com o intuito de expor a

maneira como a educação fora desenhada pelo governo republicano e como fora

expressa nas diretrizes para o ensino a nível nacional e local, e não como verdade

absoluta ou descrição fiel do contexto educacional do período.

De maneira geral, a primeira república, foi marcada por diversas reformas

educacionais, as quais serviram como forma de afirmação do regime republicano,

que tentava consolidar sua forma de governo, bem como seu ideário. Ribeiro (1992),

apresenta a primeira reforma a nível educacional no ano de 1890, a Reforma

Benjamin Constant que

tinha como princípios orientadores a liberdade e laicidade do ensino, como também a gratuidade da escola primária. [...] Atingia, por força da descentralização reinante, a instrução pública primária e secundária no Distrito Federal e a instrução superior, artística e técnica em todo o território nacional. (RIBEIRO, 1992, p. 68).

Desenvolvimento das ideias pedagógicas leigas: ecletismo, liberalismo e positivismo. In.: História das Ideias Pedagógicas no Brasil. 4. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2013.

69

Esta reforma marca, nos registros oficiais, o rompimento da Igreja com a

educação, ainda que, de fato, elas não viessem a se dissociar instantaneamente e

por completo (SAVIANI, 2013); marca, também, o início das tentativas de

implantação do pensamento republicano (tendo como base o liberalismo e

positivismo) na educação escolar nacional. Para além desta, outras reformas foram

propostas para o ensino no país, tais como a Reforma Epitácio Pessoa (Decreto N.

3.890 - De 01 de Janeiro de 1901)17 e a Reforma Rivadávia Correia ou Lei Orgânica

Rivadávia Correia18 (Decreto N. 8.659 - De 5 de Abril de 1911).

No contexto paraense, serão levadas em consideração as reformas

empreendidas pelo: Governo Provisório de Justo Chermont (1889-1891) e Governo

de Lauro Sodré (1891-1897).

Estas foram fruto do desenvolvimento do pensamento republicano e representaram

a materialização do ideário baseado no positivismo, liberalismo, laicismo,

depositando na educação a maior responsabilidade por alcançar os objetivos do

governo.

Saviani (2013, pp. 163-164) assinala a inclusão da educação no debate em

torno do processo de transição do trabalho escravo ao assalariado, debate este que

se inicia no ano 1868 e vai até a Proclamação da República, e atribui à educação o

objetivo de “transformar a infância abandonada, em especial os ingênuos, [...] em

trabalhadores úteis, evitando que caíssem na ‘natural indolência’ de que eram

acusados os adultos livres das classes subalternas [...]”. Esta educação ou, em um

termo mais adequado, instrução seria direcionada às crianças, filhas de escravos,

beneficiadas pela Lei do Ventre Livre, e deveria acontecer em escolas agrícolas para

livrá-las da “ociosidade” e torná-las aptas ao trabalho assalariado.

Desta forma, Saviani (2013) apresenta algumas das finalidades políticas e

econômicas pensadas para a educação no final do Império, e que ganharam força,

com as devidas adaptações, no período republicano. Contudo, as reformas ou

17

O texto está disponível na íntegra para consulta no site do HISTEDBR, no link: http://www.histedbr.fe.unicamp.br/navegando/fontes_escritas/4_1a_Republica/decreto%203890%20-1901%20reforma%20epit%E1cio%20pessoa.htm 18

O texto desta reforma também se encontra disponível no mesmo site, no seguinte link: http://www.histedbr.fe.unicamp.br/navegando/fontes_escritas/4_1a_Republica/decreto%208659%20-%201911%20lei%20org%E2nica%20rivad%E1via%20correia.htm

70

propostas educacionais eram pensadas de forma pontual e não conseguiam atingir o

âmbito nacional, pelo menos até o fim da Primeira República.

Considerando o caráter local das reformas educacionais, Moraes (2011),

tratando do contexto paraense, divide-as em dois períodos:

a) o primeiro, com o Governo Provisório de Justo Chermont (1889-1891),

onde a ênfase estava na reformulação do Ensino Primário para que, com a

educação das crianças, pudesse ser gerada uma mocidade civilizada, “regenerada”

de toda sorte de “deformidades culturais” provenientes de uma sociedade

miscigenada; b) o segundo, com o Primeiro Governo de Lauro Sodré (1891-1897),

direcionou suas ações para o ensino secundário e profissional, visando a formação

do proletariado para que este pudesse adquirir elementos básicos para se unir e

fortalecer o movimento republicano, e estabeleceu medidas para a valorização

docente com o intuito de gerar avanços na educação primária.

As reformas e investimentos no ensino secundário e profissional tinham como

objetivo o “derramamento das luzes” sobre a juventude trabalhadora, com dedicação

à formação moral e regeneração social, pois, se a população obtivesse mais

conhecimentos, a sociedade chegaria ao “progresso e civilização”, e poderia diminuir

o seu suposto atraso em relação às sociedades europeias, adotadas como ideal a

ser alcançado (MORAES e COSTA, 2014).

Segundo Moraes e Costa (2014), a Escola Normal também obteve os

investimentos nas reformas educacionais, onde a docência foi “valorizada”, elevando

a imagem do professor como agente responsável pela regeneração moral do ensino.

Entretanto, estes autores afirmam que a referida valorização estava presente

apenas no campo do discurso, com mensagens veiculadas na revista A Escola –

onde o professor é “exaltado” com o intuito de atraí-lo para a causa republicana e

transformá-lo em reprodutor dela –, e a docência paraense, para além da revista,

via-se obrigada a conviver com baixa remuneração e pouco prestígio social, que

pode ser considerado como fator importante do distanciamento dos homens desta.

Sampaio [20--] ressalta outro aspecto e afirma que os esforços investidos na

educação no período da república estavam associados à implantação dos Grupos

Escolares em substituição às escolas isoladas, pois, de acordo com o pensamento

educacional da época, aqueles seriam mais eficazes que estes. A autora também

71

apresenta relatórios19 de inspetores que apontavam uma suposta precariedade das

escolas isoladas do Pará, sobretudo nos interiores, e ressaltavam, em grande parte

dos casos, o desinteresse dos pais em matricular seus filhos em ambientes

educacionais com essa formatação e afirmavam que a criação dos grupos iria

estimulá-los ao ingresso na vida escolar.

As queixas presentes nestes relatórios se aproximam com aquelas que ainda

hoje são discutidas no campo educacional, são elas: ausência ou precária

manutenção dos prédios e mobílias, a improficuidade do ensino – aprovação nos

exames finais sem, de fato, haver aprendizagem satisfatória –, ausência ou

ineficiência de formação docente, baixo investimento (SAMPAIO, 20--).

Este cenário de insatisfação com o ensino não era exclusividade do Pará,

mas se apresentava em outras províncias. No ano de 1892, em São Paulo, foi

promulgada a reforma geral da instrução pública deste estado, cujo foco estava na

escola primária e apresentava uma forma inovadora de organizar o ensino que seria,

futuramente, adotada pelos demais estados da federação. Esta nova estrutura,

chamada de Grupo Escolar, substituiu as antigas escolas isoladas, que eram, cada

uma, “uma classe regida por um único professor, que ministrava o ensino elementar

a um grupo de alunos em níveis ou estágios diferentes de aprendizagem” (SAVIANI,

2013, p.172), reunindo-as em um único prédio e dividindo os alunos por série. Os

professores, que antes eram responsáveis por turmas multisseriadas, passaram a

reger turmas com alunos da mesma faixa etária e nível de aprendizagem (SAVIANI,

2013).

A este modelo seriado de ensino, Saviani (2013) apresenta críticas, pois,

apesar de tornar mais eficiente a divisão do trabalho escolar e supostamente

proporcionar a ele um melhor rendimento, “conduzia, também, a mais refinados

mecanismos de seleção com altos padrões de exigência escolar” e que “no fundo,

19

Dentre os relatórios dos inspetores escolares que a autora apresenta, estão o de João Pereira Castro e de Ilário Máximo Sant’Anna, ambos contidos no “Boletim Official da Instrucção Publica”, de 1905, dos quais trago, para fins de exemplificação, dois trechos citados por Sampaio [20--]: “Muito vasta e muito rica, é de lamentar que tanto deixa a desejar, quanto á instrucção de seus filhos, a região que venho de percorrer. Ainda tres apenas são as localidades, que se ufanam de possuir grupos escolares, sendo em numero superior as que conservam ainda as antigas escolas isoladas, que minguado ou nenhum proveito offerecem ao ensino.” (CASTRO, 1905 apud SAMPAIO, 20--, p. 23). E “portadores de diplomas de estudos elementares, não se achavam bastante habilitados nas disciplinas que constituem esses cursos sendo approvados nos exames finaes de estudos primários sem estares devidamente habilitados.” (Sant’Anna, 1905 apud SAMPAIO, 20--, p. 21).

72

era uma escola mais eficiente para o objetivo de seleção e formação das elites. A

questão da educação das massas populares ainda não se colocava” (idem, p. 175).

Os grupos escolares foram uma das iniciativas do governo republicano que

não se restringiu apenas ao Estado de São Paulo, mas foi adotada e defendida por

um número expressivo de estados, inclusive no Pará, como revela Sampaio [20--].

No que diz respeito à identidade nacional, considerada como inexistente,

pode-se perceber que ela esteve em destaque no discurso do governo republicano e

seria fundamental para que o Brasil fosse capaz de se equiparar a países como a

França, Inglaterra, Alemanha, Estados Unidos.

No Pará, nesse processo de construção identitária, também a educação foi

utilizada como instrumento do governo e teve como representante o paraense José

Veríssimo (1857-1916), escritor, jornalista, educador, Diretor da Instrução Pública do

Estado do Pará (1880-1891) e um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras.

Em 1890, Veríssimo publica a obra A Educação Nacional que, além de apresentar a

visão da elite sobre a população brasileira, contém orientações curriculares para a

instrução pública da época, como o próprio autor menciona

Este livro – que nenhum outro valor tem senão o da intenção que o inspirou e o anima – fora a mais bela obra da minha obscura vida, o mais alto e, como quer que seja, exagerado galardão dos meus desvaliosos mas sinceros esforços, se por ventura pudesse chamar a atenção do nosso público para esta momentosíssima questão da educação nacional. Não é seu intuito discutir a nossa instrução pública, porém mostrar como ela carece de espírito brasileiro, como ela é alheia a qualquer ideal superior de educação, em uma palavra, como ela absolutamente não merece o nome de educação nacional e, ao mesmo tempo, o que deve ser para se tornar um fator na obra augusta da grandeza da Pátria. [...] Precisamos ser física, moral e intelectualmente fortes e que a Humanidade conte conosco. Para isto, porém, carecemos primeiramente ser brasileiros. (VERÍSSIMO, 1985, pp. 51-52).

Apesar dos inúmeros debates e proposições, expressos em A Educação

Nacional de José Veríssimo (1985) e em algumas tentativas de reformas

educacionais, levantados desde as últimas décadas do período imperial até o final

da Primeira República, acerca da criação e consolidação de um sistema nacional de

ensino, o que ocorreu foi o caminho inverso. A descentralização do poder político,

preconizada pelo regime republicano com seu ideal liberal, foi um dos principais

responsáveis por delegar a gerência do ensino para os estados e distanciar as

propostas de Veríssimo a nível nacional. Esta descentralização, como afirma Saviani

73

(2013, p. 170), foi motivada “principalmente pelo peso econômico do setor cafeeiro

que desejava a diminuição do poder central em favor do mando local”, setor este

que, à época, era o principal na economia e, consequentemente, na política

nacional.

No Pará, as propostas de José Veríssimo, enquanto Diretor Geral de

Instrução Pública tiveram continuidade nos governos de Justo Chermont e Lauro

Sodré (MORAES e COSTA, 2014), tais como a descentralização institucional, as

modificações no ensino primário no que dizia respeito às orientações pedagógicas e

no plano curricular – para a “formação de cidadãos patrióticos e regenerados” (idem,

p.129). Logo, a educação – a partir da concepção de Veríssimo e adotada pelos

Governos Republicanos no Pará, cuja visão acerca da população paraense mestiça

era depreciativa – “era concebida como instrumento de superação dessa condição

degradada e formadora do caráter nacional, do cidadão patriótico” (idem, p. 128).

Na concepção educacional propalada pela República, imputava-se à falta de

educação os problemas do Brasil, ou seja, o suposto atraso do país em relação a

outros países desenvolvidos era atribuído ao povo “mal educado”, “inculto”,

“mestiço”, “preguiçoso”. Logo, acreditava-se que a educação seria capaz de reverter

este quadro de “degeneração” da população e, por conseguinte, resolver grande

parte dos problemas do país. Por este motivo, os primeiros esforços do governo

republicano foram direcionados para fins educativos, seja por meio da imprensa ou

das escolas.

Na imprensa, as ações educativas podem ser consideradas como aqueles

discursos que buscavam incutir na população a aversão pelo regime monárquico e a

simpatia pelas propostas republicanas. Nas escolas, de forma mais direta, o

currículo encharcado com conteúdos que traziam as inovações da ciência,

objetivava a mudança de mentalidade e comportamento da infância e, sobretudo, da

juventude.

Esta concepção, no Pará, buscou modelos em propostas que estavam sendo

implementadas em outros estados e, sobretudo, nos ideais positivistas e liberais

propagados internacionalmente. Um claro exemplo é o Colégio Estadual Paes de

Carvalho (CEPC) que, em umas das reformas pelas quais passou, teve seu currículo

equiparado ao do Colégio Pedro II, do Rio de Janeiro. E se apresentou como um

importante legado da República, pois, embora tenha nascido no Império, sua

tradição e influência na sociedade paraense se consolidou no governo republicano.

74

2.4. O COLÉGIO ESTADUAL PAES DE CARVALHO

O Colégio Estadual Paes de Carvalho (CEPC), fundado em 28 de julho de

1841, atualmente localizado na Praça Saldanha Marinho, Bairro da Campina, em

Belém, é um dos mais antigos e tradicionais colégios do Estado do Pará. Tendo seu

início ainda no período imperial, a instituição, ao longo dos anos, teve sua identidade

construída a partir das diversas mudanças políticas, econômicas e sociais que o

Estado vivenciou. É importante ressaltar que muitas personalidades do cenário

paraense e nacional fizeram parte do CEPC, seja como docente ou discente, dentre

eles Clóvis Moraes Rego, Dalcídio Jurandir, Gaspar Viana, Lauro Sodré, Justo

Chermont, entre outros governantes, médicos, advogados, artistas. Todos estes

elementos contribuíram para a construção da tradição que a escola carrega até hoje.

Ribeiro (2013) aborda esta trajetória histórica do CEPC e caracteriza os seus

anos áureos como um

[...] passado glorioso, da era de ouro quando o colégio foi referência em qualidade do ensino, respeitado e reconhecido local, regional e nacionalmente, por ter formado grandes nomes da cena pública paraense, por ter o melhor e mais competente corpo docente; rememora, ainda, as vitórias e prêmios conquistados, tudo por que um dia foi equiparado ao colégio da Corte, o Pedro II. (RIBEIRO, 2013, p. 58).

Esta equiparação ao Pedro II, à época, principal referência para o ensino

nacional conferiu ao CEPC status mais elevado ao que já possuía e fortaleceu ainda

mais o caráter positivista da educação no período republicano. Segundo Moraes

(2011)

Essa equiparação trouxe muitas vantagens, de acordo com Lauro Sodré, que, seguindo a mesma natureza do curso daquela instituição em âmbito nacional, fornece “aos moços as necessarias e sufficientes luzes para o tirocínio da vida publica”, e a mesma equiparação garante que os exames prestados no Lyceu sejam “validos para matriculas nos cursos superiores da Republica”. (p. 60).

Araújo (2015) sinaliza outro passo importante na afirmação da tradição

cepeceana:

em 11 de outubro de 1889 a lei nº. 1.408, que estabelece uma reforma da instrução pública na Província do Grão-Pará, cria as cadeiras das matérias exigidas como preparatórios para as escolas superiores do Império no Liceu. Esse é um marco importante para essa instituição, uma vez que esse

75

é o passo inicial para a reforma do currículo, com implicações nos programas de ensino, na organização das matérias e nas certificações emitidas. (ARAÚJO, 2015, p. 215).

Para além disto, a autora ainda menciona duas alterações feitas nesta lei, em

1890 e 1891, para que se atendesse as exigências de nível federal. Contudo, o mais

relevante que esta autora apresenta e que também é abordado por Moraes (2011),

Chaquiam, Gaspar e Borges (2010), Ribeiro (2013) é a equiparação do Colégio

Estadual Paes de Carvalho ao Ginásio Nacional (hoje, Colégio Pedro II) em 01 de

Novembro de 1892, pelo Decreto N. 112120.

Esta equiparação ao Ginásio Nacional representa, não apenas uma mudança

na grade curricular, mas marca um momento de transição na gestão e começa a

imprimir na educação paraense as concepções republicanas, “resgatando” a

instituição de um quadro decadente que ela vivia no regime imperial, como

apresenta França (1997, p. 153):

Com a extinção do internato, em 1870, o Colégio Paraense foi convertido novamente em Liceu, restringindo sua ação pedagógica tão somente ao curso secundário. A razão dessa extinção foi atribuída ao estado de decadência a que teria chegado, principalmente o internato, que contava apenas com um aluno contribuinte.

Esta autora também afirma que diversas medidas foram tomadas na tentativa

de reverter este quadro, porém, apesar delas “o Liceu Paraense não logrou

aumentar seu número de alunos e sobreviveu ‘vegetativamente’ até o período

republicano, quando foi transformado em Ginásio Nacional” (idem, p. 148).

Já no regime republicano, após as reformas deste período e com seu status

novamente elevado, alguns indícios da sua imponência e características do ideário

da forma de governo vigente podem ser percebidos em documentos da época, como

este a seguir.

20

“O Vice-Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brazil, attendendo ás informações prestadas pelo commissario fiscal do Governo sobre os programmas de ensino e modo por que são executados no Lyceo Paraense, resolve conceder a este estabelecimento de instrucção, na fórma do disposto no decreto n. 1389, de 21 de fevereiro de 1891 as vantagens de que gosa o Gymnasio Nacional e de que tratam os arts. 431 do decreto n. 1232 H, de 2 de janeiro de 1891, e 38, paragrapho unico, do de n. 981, de 8 de novembro de 1890” Decreto N. 1121 de 01 de Novembro de 1892. Disponível em: http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=56042&norma=71893. Acesso em: 04 nov. 2015.

76

Figura 11. Hino do Colégio Estadual “Pais de Carvalho”

Fonte: Informativo do C.E.P.C. (1945)

A imagem faz parte de um informativo da escola que circulou no ano de 1945,

penúltimo ano de Domingos Sylvio Nascimento na instituição, e apresentava um

importante elemento da tradição do CEPC, o seu hino, além de fotos e registros da

época.

77

Lançando o olhar para a letra do hino do CEPC e analisando-o a partir do

referencial teórico aqui adotado, considerando o contexto histórico em que ele se

apresenta, é possível identificar aspectos do ideário republicano contidos nele. O

saber como “luz”, como esclarecimento; o incentivo ao amor pela pátria; a juventude

como esperança de regeneração da nação; a busca pelo progresso; todos estes

elementos compõe o conjunto de ideias apregoadas e almejadas pela República que

se materializaram em seu plano de governo, sobretudo no campo educacional.

Em um artigo produzido para a Revista do HISTEDBR On-line, ao tratar a

presença negra nesta escola, trago a discussão acerca outros aspectos que fizeram

parte da consolidação da tradição do Colégio Estadual Paes de Carvalho:

Clóvis Moraes Rego, que foi professor da instituição a partir da década de 1940, ressalta outro fator importante a ser considerado quando se pensa a construção da tradição do Colégio Paes de Carvalho, o tão ostentado “ensino de qualidade”, por ter seu corpo docente caracterizado por ele como “um viveiro de eruditos, de iluminados, de gigantes pelo saber e pela opulência moral. O acesso aos novos não era fácil senão quase impossível. Tentá-lo valia arriscar-se a duro e penoso crivo” (REGO, 2002, p. 43). Pode-se inferir, então, que este rigor na seleção de seus educadores proporcionava aos que passavam pelo “duro e penoso crivo” um status social, sobretudo em determinados períodos históricos, como no caso da Primeira República. (OLIVEIRA, 2015, p. 203).

A pesquisa documental para este estudo também revelou a forma de ingresso

dos professores na instituição. Os docentes, para assumir uma cadeira

efetivamente, precisavam ser aprovados em concurso, onde deviam apresentar

teses sobre a área para a qual concorriam, que eram avaliadas por bancas de

professores já efetivos.

Este cenário possibilita compreender o peso que carregava o título de

docente desta instituição, e leva à reflexão acerca do que poderia representar ser

negro e professor do Paes de Carvalho naquela época, e acrescenta elementos

importantes para analisar o papel que exerceu Domingos Sylvio Nascimento na

educação paraense.

Para além disto, faz-se necessário reafirmar a influência que esse momento

histórico exerceu sobre o Colégio Estadual Paes de Carvalho, que, embora tenha

sido inaugurado no período monárquico, consolidou sua tradição na República, que

imprimiu nele os seus projetos de governo para a educação paraense juntamente ao

seu ideário positivista e liberal. Cenário onde, também, surge de maneira mais

78

expressiva a figura do Professor Domingos Sylvio Nascimento, sujeito central deste

estudo.

Realizado o esforço de tentar compreender o contexto histórico no qual o

Professor Sylvio Nascimento construiu a sua carreira acadêmica e profissional,

atentando para as questões políticas e ideológicas da época, observando a

relevância e influência social da instituição de ensino à qual ele dedicou grande

parte da sua vida, torna-se possível lançar um olhar crítico para as fontes que

trazem informações sobre a sua produção e vida profissional, entendendo quais

conflitos políticos compunham aquele momento, qual era a concepção que se tinha

da educação e como se apresentava o contexto da sociedade paraense.

79

3. ANÁLISE DO PROJETO DE EDUCAÇÃO DE DOMINGOS SYLVIO

NASCIMENTO

Esta seção tem como objetivo analisar o projeto de educação de Sylvio

Nascimento, atentando para o seu posicionamento em relação às políticas

curriculares implementadas pelo governo republicano. Para alcançar este objetivo, a

seção busca identificar se o Professor Domingos Sylvio Nascimento, em sua

trajetória profissional, construiu uma educação que esteve de acordo com a

ideologia política de sua época ou propôs novos olhares e possibilidades

divergentes ao modelo e conteúdo instituídos.

Dois eixos são fundamentais para analisar como se constituiu o projeto de

educação de Domingos Sylvio Nascimento. O primeiro, a partir de suas obras

escritas, nelas observa-se o que era importante ensinar, como se deveria ensinar e

o conteúdo desta educação. O segundo, a partir de sua vivência enquanto professor,

de suas experiências no ambiente escolar, indica um perfil de docência. Ambos,

escritos e vivência, representam a sua concepção de educação, as influências do

momento histórico em que viveu e sinalizam a sua marca, ainda tão pouco

conhecida, na educação paraense.

Dentro da produção escrita de Sylvio Nascimento analisada neste trabalho,

pode-se observar que ele foi, além de professor, um importante intelectual de sua

época. Alguns fatores apontam para isso: sua obra “Noções de História Pátria”,

escrita em coautoria com o Prof. Raymundo Proença, mais que um livro didático

para o ensino primário, foi o fruto do seu acúmulo de conhecimento de pelo menos

20 anos de carreira na educação paraense, na capital e no interior. Somado a isto,

existe o fato de este professor ter feito parte da comissão que selecionou os

conteúdos a serem ensinados nas escolas da época, elaborou as diretrizes e

orientações que deveriam ser seguidas pelos professores da rede pública.

Seu livro esteve de acordo com o regulamento de ensino que ele próprio

trabalhou na elaboração, ou seja, as diretrizes que o material segue são aquelas que

o próprio Sylvio Nascimento pensou e/ou esteve de acordo. Partindo disto, pode-se

concluir que, pelo menos nesta obra, ele “não foi obrigado” a construir um livro que

deveria se adequar a diretrizes impostas a ele por instituições ou ideologias

externas/superiores/hegemônicas, mas ele próprio se encontrava em uma posição

80

de construção de um pensamento hegemônico que em seguida fora adotado pelos

demais professores.

Considerando a grande aceitação do livro pelas escolas e a crítica favorável,

somado ao fato de ter feito parte da comissão de reorganização da educação

primária paraense, compreende-se que, por meio de sua produção e sua atuação no

Conselho Superior do Ensino Primário, Sylvio Nascimento influenciou o tipo ou a

forma do ensino de história no Estado, seja em suas propostas enquanto

representante docente na já referida comissão ou de forma mais direta com o livro

“Noções de História Pátria”.

Esta obra se apresenta como um instrumento fundamental para a

compreensão da concepção de educação do período da Primeira República, pois

evidencia claramente as influências da corrente positivista em sua construção ao dar

ênfase a fatos, datas e grandes personagens históricos, priorizando a história oficial

(dos imperadores, princesa, ministros, e demais governantes) e, sobretudo, ao

estabelecer “normas e padrões” para a execução das lições em sala de aula,

indicando quais caminhos os professores deveriam seguir, o que deveriam ressaltar

ou omitir, dentre as mais diversas orientações.

Uma importante característica de “Noções de História Pátria”, no que diz

respeito a uma educação para a República, pensada em seus moldes e que

favoreçam o seu fortalecimento é a valorização dos aspectos nacionais que

remetam à construção de uma identidade da população. Neste sentido, a obra cita

José Veríssimo, em “A Educação Nacional”, no seguinte trecho: “É preciso que o

livro de leitura entre nós se reforme completamente, e que, sobretudo, fale do Brasil

e das nossas cousas” (idem, p. 6).

Sobre a tese “Em torno da Inconfidência Mineira: o papel de Tiradentes”

pode-se afirmar que ela revela sobre Sylvio Nascimento seus traços da

intelectualidade republicana, reafirma suas posturas acerca das ideias de

nacionalidade, patriotismo, liberalismo, marcas de uma elite intelectual paraense que

apregoava esse ideário em suas reformas na educação e nos discursos dos autores

que foram importantes na propaganda e consolidação da República em nível local e

nacional.

Apesar de aparentemente não ter sido uma de suas obras mais relevantes se

considerando o público alvo, abrangência de leitores, a importância desta tese para

esta dissertação reside no fato de ter sido esta a única produção científica

81

encontrada tendo Sylvio Nascimento como único autor. Ou seja, é um texto que

permite que se enxergue melhor o pensamento de Sylvio Nascimento sem a

influência direta de terceiros, mesmo que possa haver padrões para a escrita, ou

normas solicitadas pelo concurso, é uma escrita mais livre dele e que carrega as

marcas da sua concepção de história.

A posição de relativa superioridade de Domingos Sylvio Nascimento lhe

permitiu algo fundamental na construção de seu projeto de educação, a liberdade

para imprimir na seleção de conteúdos, elaboração de diretrizes para a educação e

construção de textos didáticos, a sua concepção de educação e de ensino de

história. Ele não apenas pode ensinar história a partir do que acreditava, como

também influenciou uma geração de professores, a educação e sociedade

paraense, pois a ampla adoção de seu livro nas escolas do estado permitiu o

contato de um grande número de pessoas com as suas ideias.

Tudo isto pode parecer comum para um intelectual da classe média alta, no

período da primeira república, pós-abolição, branco. Mas, como imaginar alguém

dotado de tamanha influência e poder de escolha (haja vista sua posição de

representatividade da classe dos professores) na educação, sendo negro, nascido

ainda durante regime escravista, no interior de um estado na Amazônia? O que fez

Sylvio Nascimento com o seu poder de escolha? Como esta sua suposta autonomia

se expressou em seu projeto de educação?

Ora, colocando-se em comparação os movimentos da Cabanagem, no Pará,

e a Inconfidência Mineira, em Minas Gerais, por que Sylvio Nascimento dedicou-se

com tanto empenho aos estudos acerca do segundo e pouco deixou contribuições

sobre o primeiro movimento? Observando a configuração das duas revoltas contra o

governo, em seus respectivos momentos históricos, a Cabanagem se apresenta

como um movimento popular composto predominante pelo povo mestiço, indígena,

negro; a Inconfidência Mineira, por sua vez, é articulada e composta por um grupo

da elite e que concordava com as ideias liberais que começavam a ser difundidas na

Europa, mas que ainda não faziam parte da realidade no Brasil. Mesmo que os

documentos consultados não indiquem a filiação de Sylvio Nascimento a algum

partido político, suas obras apontam para uma concordância com os pressupostos

ideológicos republicanos e, por consequência, isto também se refletiu na sua

vivência no âmbito da sala de aula.

82

Tomando como ponto de partida depoimentos de ex-alunos de Sylvio

Nascimento21 e os documentos de que remetem à docência deste professor no

Gymnasio Paes de Carvalho, constrói-se a análise acerca de que ideia de educação

era vivenciada por Sylvio Nascimento, de como sua forma de interagir com os

alunos e os conteúdos ministrados (a sua seleção) conseguiam refletir o seu projeto

educacional.

Alguns dos relatos de ex-alunos do professor Sylvio Nascimento nos ajudam

a reconstruir o ensino de história proposto por ele e retratam como ele via a

educação, de que forma vivenciava e construía o seu projeto educacional

diariamente.

Annunciada Chaves fez o seguinte relato:

Silvio ensinava mais com o coração do que com a razão. Suas aulas, em vernáculo perfeito e vibrante, eram verdadeiros cânticos de louvor a terra e a gente brasileira. Empolgava, entusiasmava, estimulava. Parece-me vê-lo, medindo a largos passos a sala de aula, em frente aos alunos, descrevendo os episódios da nossa formação, as cenas da nossa História, os vultos do nosso passado. (RÊGO, 1990, p. 66)

Annunciada Chaves, que futuramente também chegou a tornar-se professora,

rememora o tempo em que foi sua aluna e traz-nos a imagem de um Sylvio

Nascimento que não se afasta do ideal de educação preconizado pelo Governo

Republicano e, em alguns momentos, apresenta traços do que era característico ao

ensino que José Veríssimo defendia, tais como o culto aos vultos do passado e a

descrição de fatos históricos. Estes dois pilares de sua forma de ensinar, a história

factual e biográfica, permitem inferir que ele estava incluso num grupo de

professores e intelectuais que compartilhavam do modelo de educação republicana.

Contudo, ao mesmo tempo em que apresenta esta face de caráter positivista,

ressaltava o perfil de uma educação “pouco preocupada” com o método científico,

como Annunciada menciona no mesmo depoimento, “Sílvio não se preocupava

demasiadamente com as causas e efeitos, não dava à História aquele cunho

científico hoje nela predominante [...]” (RÊGO, 1990, p. 66), desta forma pode se

observar uma ênfase dada à valorização do sentimento nacionalista, a relevância

conferida aos atos heroicos de grandes personagens da nação.

21

Os depoimentos apresentados nesta seção foram extraídos do texto produzido por Clóvis Moraes Rêgo (1990), com o título “Silvio Nascimento: O mestre-escola”, publicado na Separata da Revista da Academia Paraense de Letras; encontram-se nos anexos desta dissertação.

83

Esta paixão não se restringia apenas aos feitos da história do Brasil, mas

estava presente em sua relação com alunos, sendo lembrado como um professor

afetuoso, que buscava interagir com seus alunos para além da transmissão dos

conteúdos, tal como apresenta Otávio Mendonça nas seguintes recordações:

Seu traço, que a memória me devolve intacta, é o de uma contagiante simpatia. Meninos que éramos, entre os 10 e 15 anos, não tínhamos condição para avaliar o merecimento intelectual de cada professor. Apenas uma vaga intuição fazia-nos compreender como era o alto nível do magistério secundário daquele tempo. Silvio estava dentro dessa regra, que abrangia grandes valores. Onde, todavia, eles se diferenciavam, era no grau de afinidade com os alunos. Todos eram respeitados, alguns temidos. Somente poucos verdadeiramente amados. Entre estes, estava Silvio. Não que cortejasse nossa estima pela benevolência excessiva; ele a conquistava mesmo quando devia ser austero. Era do tipo que fazia chamada, dava o programa inteiro, não faltava, não chegava atrasado, não saia antes de bater a campa, não substituía a lição pela conversa, não permitia que se colasse nas provas escritas nem que se escolhesse o ponto ou falasse de trivialidades nos orais. Porém fazia tudo isso de modo tão natural, sem a menor arrogância, sem posem como um companheiro que cumpre sua parte difícil nas tarefas comuns. Cinquenta anos depois de havê-lo conhecido, a lembrança de Silvio Nascimento é daquelas que não desejo apagar. Ele ocupa um lugar definitivo entre os melhores exemplos da minha juventude. Exemplo de mestre sempre cordial, mas nunca fútil; seguro, mas não dogmático na transmissão do conhecimento; afável, compreensivo e bom sem ser leviano, dispersivo e bajulador. Um grande mestre, um belo exemplo, uma indelével lembrança”. (RÊGO, 1990, p. 63)

Esta interação com os alunos foi mencionada por outros ex-alunos de Sylvio

Nascimento, cujos depoimentos constam nos anexos.

Os relatos dos seus ex-alunos; a produção de Clóvis Moraes Rêgo, tanto

neste texto da Revista da Academia Paraense de Letras quanto no seu livro acerca

da história do Colégio Estadual Paes de Carvalho, não sinalizam para nenhuma

inclinação de Domingos Sylvio Nascimento para a militância na causa negra, nem de

forma direta ou indireta. A própria fala de seus alunos não apresenta nem o fato de

ser ele uma pessoa negra naquele período histórico e naquele contexto – o

Gymnasio Paes de Carvalho e o Governo Republicano.

Contudo, faz-se importante sinalizar que tanto as suas produções quanto a

sua carreira docente não surgiram aleatoriamente, desprovidos de intencionalidade,

pelo contrário, são frutos de sua construção pessoal, acadêmica e profissional,

vivenciada num momento histórico e local específicos, vinculados a uma realidade

nacional e internacional que deixa suas marcas nessa construção e que desemboca

em seu projeto de educação.

84

Enquanto formação acadêmica, a escola normal, concluída em 1902, aos 20

anos de idade, pode ser compreendida como uma das primeiras influências para a

construção do projeto de educação de Sylvio Nascimento. Além disto, titulou-se

bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, 1930, já na maturidade, próximo de

completar meio século de vida e quase três décadas de carreira, o que revela um

empenho na busca pela sua qualificação e talvez um “certificado de merecimento”

de sua posição num grupo seleto de intelectuais da educação.

Sua produção revelou traços importantes da sua personalidade enquanto

pensador da educação na República. Seus esforços em propor no estado uma nova

forma de ensinar história eram visíveis, porém o conteúdo deste ensino não fora

superado, o que indica certa continuidade e concordância com o ideal de educação

da época, com suas intencionalidades – a construção de uma identidade nacional, a

ideia de uma educação redentora que iria “regenerar” uma população “degenerada”

pela mestiçagem do negro e do indígena, e a consolidação do ideário e governo

republicano.

Outro fator importante nessa construção (e reprodução) do sua forma de

pensar a educação é o envolvimento nas questões de mando/poder/articulação no

contexto educacional paraense. Sylvio Nascimento detinha um poder de escolha que

grande maioria dos professores não possuía e, mesmo que este poder de escolha

não fosse exclusivamente seu, pois o compartilhava com outros docentes, tinha voz

em importantes órgãos reguladores da educação no estado, como a Diretoria da

Instrução Pública Primária do Estado na situação de membro do Conselho Superior

do Ensino Primário, participando da reforma nos programas de ensino.

Sylvio Nascimento foi uma figura contraditória por ocupar um lugar que social,

econômica e politicamente “não era seu”, por ser ele negro, nascido numa cidade

ribeirinha no regime da escravidão. Ao mesmo tempo em que era um representante

de uma classe dominada e historicamente inferiorizada pela sua cor de pele e todos

os fatores ideológicos, políticos e econômicos que disso decorriam, esteve em

posições ocupadas por membros da classe dominante e, ao expressar-se ao longo

de sua trajetória profissional, defendeu e reproduziu os ideais desta classe. Seu

projeto de educação é marcado por esta contradição, ora em situação de mera

reprodução de algo já instituído, ora em posição de hegemonia e dominação.

Os resultados deste estudo apontam para a identificação do Professor

Domingos Sylvio Nascimento como um intelectual da República, sua produção

85

bibliográfica e carreira no magistério apontam para concepções de educação

baseadas nos ideais educacionais republicanos e que, em nenhum dos documentos

analisados, demonstrou-se atuante na causa negra ou posicionou-se contra teorias

e ideologias racistas.

É inegável o legado de Domingos Sylvio Nascimento para a educação

paraense e para a história negra do estado, ainda que se tenha observado o seu

silenciamento em relação a questões raciais na construção de seu projeto de

educação, ter uma figura que transpôs a sua condição econômica e social inerentes

à sua cor é, sem dúvida, um importante elemento para estudo e compreensão das

relações sociais estabelecidas em um determinado período histórico.

86

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Construir esta dissertação foi, muito mais que a produção de um trabalho para

a obtenção do título de mestre, um exercício de crescimento e amadurecimento

intelectual, acadêmico, com diversas experimentações, tentativas, reconstruções,

desbravamento de novas áreas antes não exploradas por mim. O fruto deste

trabalho não se constitui como um pacote de respostas fechadas ou com discursos

que refletem o esgotamento do objeto de estudo, mas é um instigador para

pesquisas futuras, para que mais olhares possam se debruçar sobre o tema e

perscrutar as possibilidades de estudo que ele oferece.

Esta pesquisa trouxe à tona um importante personagem da história da

educação paraense, mas tão pouco conhecido e estudado. Atualmente, seu

reconhecimento pela grande maioria da população acadêmica e geral está restrito

ao nome de uma escola (Escola Municipal Silvio Nascimento) no bairro da Condor

em Belém (PA) e de uma rua (Passagem Silvio Nascimento) no bairro do Marco, na

mesma cidade.

Na tentativa de preencher esta lacuna na história negra paraense, na história

da educação no Pará e na Amazônia, este estudo contribui com algumas reflexões

acerca deste que, segundo o que nos indicam as fontes, foi o primeiro professor

catedrático negro do atual Colégio Estadual Paes de Carvalho, instituição de ensino

que desde o Império faz parte da cultura educacional paraense e que durante muitos

anos figurou enquanto importante centro da intelectualidade do estado.

Tendo como referência as questões norteadoras da pesquisa – como Sylvio

Nascimento, foi construindo sua carreira de magistério em face do contexto político

de sua época? Como se constituiu a produção e trajetória profissional do Professor

Domingos Sylvio Nascimento? Como o contexto político-educacional da Primeira

República contribuiu para a formação docente de Domingos Sylvio Nascimento?

Qual era o projeto de educação de Domingos Sylvio Nascimento? – Obteve-se

enquanto resultado as seguintes conclusões: a construção da sua carreira no

magistério acompanhou os pressupostos teóricos e ideológicos da sociedade

republicana, sem confrontos significativos de ideias ou dissensões; sua trajetória na

educação não esteve restrita à docência em sala de aula, mas atuou na gestão

escolar, foi autor de um importante livro didático para o Ensino Primário (Noções de

87

História Pátria), participou de uma comissão de elaboração dos programas de

ensino para a escola primária e foi representante do magistério no Conselho

Superior do Ensino Primário; o contexto político-educacional em que viveu e que

marcou sua construção acadêmica e profissional, tinha na educação um importante

instrumento de consolidação do governo recentemente instaurado, a República, e

também via a educação como meio de regenerar a sociedade; por fim, e

considerando as constatações apresentadas, conclui-se que Domingos Sylvio

Nascimento foi um professor e intelectual republicano e que seu projeto de

educação se constituiu enquanto nacionalista, valorizando personagens heroicos da

história oficial do Brasil e que se manteve na linha ideológica dominante da sua

época.

É importante ressaltar que Sylvio Nascimento não adentrou como primeiro

professor negro na instituição em uma época qualquer, mas em um momento

histórico com dois aspectos importantes: para o Brasil, nas primeiras décadas após

o fim do regime escravista; para o Gymnasio Paes de Carvalho, no período em que

seu status havia se elevado em razão da equiparação ao Ginásio Nacional (Colégio

Pedro II) e vivia seu tempo áureo na sociedade paraense.

Significativas foram, para mim, as contribuições deste estudo, primeiro e,

acima de tudo, por conhecer a respeito da história e legado de um importante nome

da educação paraense tão pouco conhecido, e também por aprofundar minhas

investigações acerca do período da Primeira República Paraense e seus reflexos na

educação do estado. Contudo, vale novamente ressaltar que muito há que se

desvendar da história de Sylvio Nascimento, muito há que compreender e entender

como este conseguiu ultrapassar os limites sociais ideologicamente a ele impostos e

que fatores, ainda em sua infância, o permitiram sair de sua condição e, de certa

forma, adentrar uma elite intelectual ao longo de sua vida profissional.

88

REFERÊNCIAS

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91

SAMPAIO, Maria Regina Maneschy Faria. Uma visita à Educação no Pará cem anos atrás. [20--]. Disponível em: http://www.reginamaneschy.pro.br/pdf/visita.pdf. Acesso em: 12/11/2014. SAVIANI, Dermeval. Desenvolvimento das ideias pedagógicas leigas: ecletismo, liberalismo e positivismo. In.: História das Ideias Pedagógicas no Brasil. 4. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2013. (p. 115-184). _________. O Local e o Nacional na Historiografia da Educação Brasileira. In: ROSÁRIO, Maria José Aviz do; MELO, Clarice Nascimento de e LOMBARDI, José Claudinei (organizadores). O Nacional e o local na história da educação. Campinas, SP: Editora Alínea, 2012. (p. 13-29). SISMUBE, Prefeitura Municipal de Belém. Projeto Memória da Literatura do Pará – Ontem e Hoje. Belém: Secretaria Municipal de Educação – SEMEC, 2013. Disponível em: http://memoriadaliteraturadopara.blogspot.com.br/2013/08/silvio-nascimento.html?m=1.

VERÍSSIMO, José. A Educação Nacional. 3. ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985.

92

ANEXOS

Anexo 1. Registro de histórico de Domingos Sylvio Nascimento (1).

Fonte: Livro para registro de historico de funcionários (1933, fl. 8)

93

Anexo 2. Registro de histórico de Domingos Sylvio Nascimento (2).

.

Fonte: Livro para registro de historico de funcionários (1933, fl. 8)

94

Anexo 3. Registro de histórico de Domingos Sylvio Nascimento (3).

Fonte: Livro para registro de historico de funcionários (1933, fl. 54)

95

Anexo 4. Registro de histórico de Domingos Sylvio Nascimento (4).

Fonte: Livro para registro de historico de funcionários (1933, fl. 54)

96

Anexo 5. Registro de histórico de Domingos Sylvio Nascimento (5).

Fonte: Livro para registro de historico de funcionários (1933, fl. 55)

97

Anexo 6. Registro de histórico de Domingos Sylvio Nascimento (6).

Fonte: Livro para registro de historico de funcionários (1933, fl. 55)

98

Anexo 7. Depoimentos de ex-alunos e personalidades paraenses sobre Domingos

Sylvio Nascimento, contidos no texto de Clóvis Moraes Rêgo, intitulado “Sílvio

Nascimento: O Mestre-escola”, construído como homenagem pelo seu centenário e

publicado na Revista da Academia Paraense de Letras no ano de 1990.

Georgenor de Souza Franco:

“Maneira lúcida e brilhante de transmitir os seus ensinamentos, prendendo a

atenção de toda a turma e encantando seus alunos com os lampejos de sua

inteligência privilegiada”.

José Rodrigues da Silveira Neto:

“Conhecedor da História do Brasil, expositor seguro, palavra fácil e

convincente, de timbre forte, - um dos professores mais admirados pela classe.

Espírito bondoso, as suas aulas eram sempre precedidas de ligeira conversa com os

discípulos, o que muito contribuía para um perfeito relacionamento entre mestres e

alunos”.

Cécil Meira:

“Silvio Nascimento foi um professor que marcou muitas gerações. Ensinava

por vocação, com brilho, com entusiasmo e até se transfigurando em certos

momentos quando o assunto era de sua predileção. Durante um ano inteiro fui seu

aluno de História do Brasil no antigo Ginásio Paes de Carvalho, quando já terminava

meu curso secundário e, portanto, em condições mentais de bem compreender

aquele excepcional professor. Simples, bondoso, compreensivo, tratava-nos a todos

como se fossemos seus filhos, pai de suave e brando coração. Ao entrar para o

Ginásio, examinou-me sobre Moral e Cívica. Perguntou-me de chofre: - Se me

responder a pergunta, esta só, está aprovado. Que é alma? Eu havia estudado no

Colégio de Padres com o único professor primário que ali tive, o querido padre Júlio

Anselmo, o Anselmo, como dizíamos na intimidade. E minha resposta foi pronta: -

Alma é um ser imaterial, criado por Deus à sua semelhança. Silvio olhou-me com

espanto e disse-me: - Vá embora, está aprovado. Orgulho-me de ter sido seu aluno

e meu orgulho cresce por ter sido catedrático junto com ele, no mesmo colégio onde

aprendi. Parece que a religião que professa o transformava e o colocava sempre

muito perto de Deus e esses bons fluidos ele transmitia aos que conviviam com ele.

99

Bom é recordar esta figura plena de bondade, no momento de seu centenário de

nascimento e melhor ainda é saber que sua família o honra pela cultura, pela

honradez e pela dignidade. Felizes os que privaram com este homem, mais do céu

que da Terra.”

Otavio Mendonça:

“Minha turma cursou o então Ginásio Paraense, hoje Colégio Estadual Paes

de Carvalho, de 1931 a 1937, embora nos dois últimos anos já eu estivesse no

“Pedro II”, transferido que fora para o Rio onde meu pai voltara a desempenhar,

após a Constituição de 34, novo mandato como deputado federal pelo Pará. Faz,

assim mais de meio século que conheci Silvio Nascimento, Ele nos lecionou, em

vários períodos, História do Brasil, cadeira de que era titular, mais também,

Geografia e Português, como substituto dos lentes efetivos. Seu traço, que a

memória me devolve intacta, é o de uma contagiante simpatia. Meninos que éramos,

entre os 10 e 15 anos, não tínhamos condição para avaliar o merecimento intelectual

de cada professor. Apenas uma vaga intuição fazia-nos compreender como era o

alto nível do magistério secundário daquele tempo. Silvio estava dentro dessa regra,

que abrangia grandes valores. Onde, todavia, eles se diferenciavam, era no grau de

afinidade com os alunos. Todos eram respeitados, alguns temidos. Somente poucos

verdadeiramente amados. Entre estes, estava Silvio. Não que cortejasse nossa

estima pela benevolência excessiva; ele a conquistava mesmo quando devia ser

austero. Era do tipo que fazia chamada, dava o programa inteiro, não faltava, não

chegava atrasado, não saia antes de bater a campa, não substituía a lição pela

conversa, não permitia que se colasse nas provas escritas nem que se escolhesse o

ponto ou falasse de trivialidades nos orais. Porém fazia tudo isso de modo tão

natural, sem a menor arrogância, sem posem como um companheiro que cumpre

sua parte difícil nas tarefas comuns. Cinquenta anos depois de havê-lo conhecido, a

lembrança de Silvio Nascimento é daquelas que não desejo apagar. Ele ocupa um

lugar definitivo entre os melhores exemplos da minha juventude. Exemplo de mestre

sempre cordial, mas nunca fútil; seguro, mas não dogmático na transmissão do

conhecimento; afável, compreensivo e bom sem ser leviano, dispersivo e bajulador.

Um grande mestre, um belo exemplo, uma indelével lembrança.”

100

Machado Coelho:

“Conservo de meus professores do velho Ginásio Paes de Carvalho, hoje

quase todos mortos, as mais gratas recordações. Às vezes fecho os olhos para vê-

los seguindo o conselho de Goethe para o espectador do grupo escultórico de

Laocoonté, quando, assim, aquele julga ver as serpentes desenrolarem do corpo do

herói troiano e dois de seus filhos. É, pois, de pálpebras cerradas que contemplo os

perfis e revivo as aulas dos dois Mestres que naquele Colégio mais me

impressionaram. Cito-os na ordem alfabética de seus nomes: Josino Viana e Silvio

Nascimento. Josino era inquieto, nervoso e brilhante, lecionava História Universal,

hoje Historia da Civilização e conhecia profundamente a matéria, a ponto que um

aluno irreverente perguntou, um dia, se ele passeara nas ruas de Roma ao lado de

Pompeu, para observar o gesto do grande general e homem de Estado coçar a

cabeça, de quando em vez, com o dedo mínimo da mão esquerda. Silvio, no

temperamento, era o oposto de Josino: calmo, exuberante, extrovertido. Lecionava

História do Brasil, que conhecia muito bem. As suas preleções sem prejuízo de

conteúdo, eram movimentadas e divertidas e todos nós, seus discípulos, saiamos

delas aprendendo pelo menos um pouco do muito que ele ensinava. Subia a escada

do Ginásio de par com os alunos e um destes, certa vez, adiantou-se, querendo

passar-lhe à frente. Silvio, ágil como um felino, pulou degraus e chegou primeiro no

alto, dizendo para o rapaz: ‘Menino, me respeita’. Foi uma festa, rematada com

francos, largas, sonoras gargalhadas do Mestre e dos alunos. “Ecce homo”. Eis o

homem, o boníssimo Silvio Nascimento, grande Professor pelo espirito iluminado e

maior, ainda, pelo coração afetuoso. Vejo-o em minha saudade quando fecho os

olhos e ele, hoje, como nos versos Drummond. ‘Apoia, em meu ombro seu ombro

nenhum’.”

Annunciada Chaves:

“Silvio Nascimento sempre me impressionou pela extrema bondade. Desde

quando o conheci, naquela austera banca examinadora a cujo julgamento me

submeti para ingressar no curso ginasial, até quando me chamou ao casarão do

Quintino Bocaiuva, abatido pela doença que o levaria deste mundo, para comunicar-

me que me indicaria para substitui-lo na cátedra de Historia do Brasil do velho e

querido ‘Paes de Carvalho’, nunca o vi afastar-se da linha de benevolência que era o

traço principal de sua personalidade. Jamais esquecerei o largo sorriso com que me

101

recebeu ao aproximar-me, temerosa, para iniciar a prova oral, naquele enorme salão

do antigo Ginásio da Praça da Bandeira, apinhado de meninos trêfegos. Era em

1926. Eu acabara de completar onze anos, pouco contacto tivera com o mundo além

das paredes da minha casa e só via naquele mar de fisionomias estranhas um rosto

amigo: o da minha caríssima professora Amância Pantoja, que, qual anjo da guarda

fiel e zeloso, me acompanhara ao exame. Súbito ressoa aos meus ouvidos a voz

forte, de tons abaritonados, que tanto escutaria depois, na adolescência e na

mocidade, a voz simpática de Silvio Nascimento: ‘Que é o que é que antes de ser já

é?’. Aturdida, emocionada, fiquei perplexa ante a insólita pergunta numa prova de

História e, a muito custo, consegui balbuciar: ‘Eu sempre ouvi dizer que é pescada...’

Mas a voz replicou, de pronto: ‘Era! Dagora em diante passa a ser A-nun-ci-a-da!’

Do abismo em que me afundada, percebi a brincadeira afável, consegui sorrir e,

naquele momento para mim tão grave, abri o meu pequeno e assustado coração

para o Mestre admirável, que dele nunca mais saíra. Alguns anos depois, no Colégio

Moderno, instalado, então, em amplo prédio de dois pavimentos na travessa Rui

Barbosa, Silvio entrava na sala de aula sobraçando um monte de folhetos. ‘Como

estamos para terminar o ano letivo’, declarou, ‘quero deixar com vocês uma

lembrança minha: a tese que escrevi sobre a Inconfidência Mineira para concurso

“Paes de Carvalho’. E, chamando os alunos um a um, pôs-se a escrever

dedicatórias afetuosas em cada exemplar, naquele belo cursivo com que enchia o

quadro negro em suas aulas memoráveis. A minha começava assim: ‘A inteligência

fidalga...’ Protestei. Silvio suspendeu a escrita, retirou os óculos e, fitando-me

afirmou: Digo-te mais; só não escrevo a inteligência fidalga da minha colega; porque

não quero ser profeta em minha própria terra; tenho, porém a certeza de que ainda

te verei ministrando aulas de História e me orgulharei de ti como teu professor e

amigo. Tornei-me, de fato, professora de História, mas nenhum motivo houve para

que se orgulhasse de mim. Eu sim; não só me orgulhei de ser sua colega, embora

continuasse sua aluna permanente, como mais tarde, de substitui-lo naquele mesmo

secular Ginásio onde o conhecera e onde sentira, pela primeira vez o calor da sua

bondade e o brilho da sua inteligência. Silvio ensinava mais com o coração do que

com a razão. Suas aulas, em vernáculo perfeito e vibrante, eram verdadeiros

cânticos de louvor a terra e a gente brasileira. Empolgava, entusiasmava,

estimulava. Parece-me vê-lo, medindo a largos passos a sala de aula, em frente aos

alunos, descrevendo os episódios da nossa formação, as cenas da nossa História,

102

os vultos do nosso passado. Vários anos decorreram. Em 1940 sofri um duro golpe.

Enfrentei a morte pela primeira vez, com toda a sua rudeza. Meu pai faleceu a 21 de

maio. O enterro realizou-se no dia seguinte, após uma noite de vigília, dolorosa e

traumatizante. Manhã cedo, na grande casa do Rui Barbosa, onde ainda hoje moro,

ouvi o ruído discreto de passos subindo a escada. Era Silvio Nascimento. Quase

ninguém na sala. Pousou o chapéu de feltro na primeira cadeira que encontrou e

cursou-se ante a essa, olhos fechados, mãos cruzadas, em profunda oração.

Ergueu-se, aproximou-se de mim e abraçou-me longa e carinhosamente, sem uma

única palavra. Em seguida, tomou o chapéu e saiu para o seu labor e compreendo,

cada vez melhor, a mensagem sem palavras que me transmitiu naquele momento e

que me tem acompanhado a vida toda, sem cessar, confortando-me, alentando-me,

encorajando-me, eloquente na sua mudez.

Anexo 8. Programa de Ensino de História do Brasil do Gymnasio Paraense - 1931

Historia do Brasil

5º Anno

1º - Os dois cyclos dos navegadores: o atlântico sul e o atlântico occidental.

Descobrimento do Brasil.

2º - Primeiras expedições. Os indígenas.

3º - Inicio de colonização. Capitanias hereditárias.

4º - Governo geral. Os dois primeiros governadores.

5º - Men de Sá. Francêses no Rio de Janeiro

6º - O Brasil dividido em dois governos e subsequente reunião em um só.

7º - Dominio espanhol. Francêses no Maranhão

8º - Primeira invasão hollandêsa.

9º - Segunda invasão hollandêsa.

10º - Luctas entre jesuítas e colonos. A revolução de Beckman.

11º - Palmares, Emboabas e Mascates.

12º - Effeitos no Brasil da guerra da Successão de Hespanha, Duclerc e Duguay

Trovin.

13º - Bandeiras. O Brasil no reinado de D. João V.

14º - D. José I e o Marquez de Pombal. Questões e luctas ao Sul do Brasil.

103

15º - Inconfidencia Mineira

16º - Transmigração da família real portuguêsa para o Brasil.

17º - A regência de D. Pedro. A Independencia.

18º - O primeiro reinado. A abdicação.

19º - Periodo regencial. A maioridade.

20º - Segundo reinado. Luctas civis até 1848. Guerras no Prata: Oribe e Rosas.

21º - Guerra do Paraguay.

22º - A abolição.

23º - Republica. Governo Provisorio.

24º - A Constituinte. Presidencias da Republica até a de Washington Luis. (Noções

summarias).

25º - A revolução de Outubro de 1930. Nova Republica. Governo Provisorio.

Livros

Historia do Brasil. O. de Sousa Rais.

Idem, de Mario de Veiga Cabral.

Sylvio Nascimento