bhagavan dasa bhakti-sastri - o que freud e krsna têm a dizer sobre felicidade

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    Inverno e Vero: O que Freud e Krsna tm a

    Dizer Sobre Felicidade

    Bhagavan dasa Bhakti-Sastri (DvS)

    Este tem por finalidade primria apresentar as consideraes acerca do tema felicidade

    de duas dimenses de realidade um tanto diferentes, tendo por um lado Sigmund Freud,

    representante do atesmo e pai da Psicanlise e, do outro, Krsna com sua mensagem do

    Bhagavad-gita, escritura central da teologia Vaisnava, uma das escolas mais

    proeminentes do Hindusmo, ou Sanatana Dharma.

    Objetiva tambm, de forma secundria, criticar o conceito de neutralidade da estrutura

    de discurso de um trabalho cientfico e sugerir, de forma prtica e experimental, uma

    abordagem que seja, dentro tambm dos limites desta, o mais neutra e imparcial

    possvel.

    1. Introduo e Consideraes Metodolgicas

    O presente pretende abordar o tema felicidade segundo Freud, defensor do

    conhecimento cientfico expandido vida mental pela psicanlise e a felicidade

    segundo a escritura religiosa Bhagavad-Gita, falada por Krsna, como representante do

    conhecimento revelado, em especial a verso do proeminente telogo Bhaktivedanta

    Svami Prabhupada, O Bhagavad-Gita Como Ele .

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    Em um artigo para a Science and Theology News de maro de 2005, o cientista Nigel

    Brush disse ter meditado acerca do fato da cincia ter-se auto-concedido monoplio na

    busca humana acerca da verdade e comeou a explorar as limitaes da cincia:

    H trs fatores principais que fazem da pesquisa cientfica mais humana doque cientfica: a influncia das percepes passadas na percepo presente uma vez que o cientista no nasce cientista; [] o processo pelo qual oparadigma da cincia moderna se torna enraizado; a natureza social dapesquisa, [...] onde o cientista tem a concluso que pode chegar por suasevidncias limitada pelo medo de retaliao por parte de seus colega e/oupatrocinadores. (p. 27, traduo nossa)

    Uma vez este trabalho tratar de duas dimenses quase opostas, o conhecimento

    ascendente e aquele aceito por muitos como descendente, ou o conhecimento emprico e

    o revelado, seria ainda mais absurdo tomar de um discurso cientfico e cham-lo, como

    de praxe, de neutro ou destitudo de subjetividade.

    Segundo o Bhagavad-Gita Como Ele , verso primeiro do captulo quatro, oconhecimento revelado superior por vir de uma fonte infalvel, Deus, ao passo que as

    demais fontes, humanas, seriam sujeitas a quatro tendncias (transliterao em snscrito

    com traduo aproximada ao portugus): bhrama, tendncia a se iludir; vipralipsa, a

    enganar os outros para se beneficiar;pramada, a cometer erros, e karanapatava, possuir

    sentidos imperfeitos.

    J o conhecimento cientfico, representado agora pelo renomado bilogo evolucionista

    Richard Dawking, advoga, em um artigo revista New Scientistde Julho de 2004,

    contra o conhecimento revelado afirmando ser impossvel saber se determinado livro

    realmente de fonte sobre-humana e, se fosse, se no foi alterado por interesses

    polticos, erros de traduo, etc.

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    O conhecimento cientfico, apesar das limitaes, seria algo mais sincero. Freud afirma

    isso, citado por Srgio Nazar David em sua obra Freud & a Religio: A psicanlise,

    enquanto cincia, no tem a pretenso de construir um sistema totalitrio, capaz de

    explicar tudo. (2003, p. 8)

    O arquelogo Michel Cremo, em resposta a Dawkins, em seu livro Forbidden

    Archeology, diz que embora a cincia critique o conhecimento revelado como baseado

    apenas em f, eles tambm no experimentam seus pressupostos, mas aceitam a

    revelao destes das experincias de cientistas superiores, com maiores recursos e

    maiores capacidades... (2002, p.130, traduo nossa). Assim, estabelece-se oconhecimento cientfico tambm limitado pela possibilidade de alterao por parte de

    seus transmissores no sentido de interesses comerciais, polticos; problemas tradutrios,

    etc.

    A colocao dos pressupostos cientficos como algo neutro no pode ser mais admitido

    como algo real, seno que como mais um ponto de vista sujeito a falhas. Assim, nocaptulo que se segue, ser abordado o conhecimento cientfico dentro das prioris

    cientficas, e o conhecimento revelado dentro das prioris teolgicas (conhecimento auto-

    evidente) e, por fim, na concluso, nosso juzo sobre a importncia patrimonial das

    obras de Freud e Krsna, respectivamente em destaque o Mal-estar na Civilizao e o

    Bhagavad-gita.

    2. PROBLEMATIZAO DA FELICIDADE

    Antes de separarmos a viso de Krsna e Freud, apontemos alguns pontos em comum.

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    Quanto s expectativas do homem, Freud diz no se tratar de um tpico polmico ou

    controverso.

    No h muitas possibilidades de engano na resposta: aspiram felicidade; oshomens querem ser felizes e permanec-lo. Esta aspirao tem duas faces,um objetivo negativo e um positivo: por um lado, evitar a dor e a privaoda alegria; por outro, procurar grandes alegrias (Mal-estar na Civilizao, p.14).

    Apesar dessa busca ser feita por todas as pessoas, sem discriminao tnica ou social,

    seu sucesso problemtico, e tal felicidade s decorre se precedida de alguma aflio,alguma alta tenso, como coloca Freud posteriormente no mesmo livro.

    Aquilo que se chama felicidade, no sentido mais estrito, resulta da satisfaorepentina de necessidades que atingiram uma alta tenso, e s possvel,devido sua natureza sob a forma de fenmeno episdico.

    Urmila Devi Dasi, discpula do j citado telogo Bhaktivedanta Svami Prabhupada; em

    seu artigo intitulado Unending Happiness: Possible?, dissertando como representante

    do conhecimento revelado doBhagavad-gita, traz essa mesma idia.

    Primeiramente, tudo aquilo que tratamos por felicidade depende, de certaforma, de algum sofrimento prvio. Ns desfrutamos ao comer porque

    sentimos a dor da fome; sem fome ou apetite, comer no nos daria nenhumprazer - no importa quo saborosa ou bem preparada seja a comida.Sentimos prazer em dormir por encontrarmos alvio da fadiga. [...] Damesma forma, na plataforma emocional, ter companhia passa a ser algomuito importante aps termos experimentado o sentimento de solido. Seexaminarmos qualquer tipo de prazer material, constataremos que aexperincia prazerosa na mesma proporo em que traz alvio para algumsofrimento. (2006, traduo nossa)

    Quando uma pessoa constata tal idia de que no se pode ter felicidade plena, sem

    associados vestgios de sofrimento, ela tende a se afastar das pessoas e objetos que

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    acreditava serem suas fontes de felicidade, mas que, na verdade, so a fonte tanto da

    felicidade quanto da aflio.

    NoBhagavad-gita, Arjuna, o discpulo e interlocutor de Krsna, um arqueiro prestes a

    guerrear por um reino que ele espera trazer-lhe muita felicidade. Todavia, quando

    Arjuna se d conta de que, para ter aquele reino, ele ter de matar seus prprios

    parentes, ele pondera de que adianta um reino, a felicidade ou at mesmo a prpria

    vida, se aqueles pelos quais somos impelidos a desejar tudo isso esto agora enfileirados

    neste campo de batalha? (Bg. 1.32). Assim, a primeira deciso de Arjuna (Bg. 2.5)

    viver como uma yogi, sozinho na floresta e mendigando de tempos em tempos nacidade, afastando-se, assim, tanto do prazer quanto da aflio.

    Freud sugere este comportamento como prprio para o contexto, em sua mesma obra

    Mal-estar na Civilazao.

    O isolamento voluntrio, o afastamento dos outros, constitui a medida deproteo mais imediata contra o sofrimento nascido dos contatos humanos.Torna-se evidente que a felicidade assim adquirida o repouso. (p. 16)

    Mais uma fonte de desmotivao para a busca pela felicidade por aqui o que Krsna

    chama de kleshas (Bg 2.56), ou misrias inevitveis. Krsna explica cada um dos trs

    kleshas (trs misrias) no Srimad-Bhagavatam (1.10.4), escritura complementar aoBhagavad-gita, como: daiva, causadas pelos semideuses; bhuta, causadas por outras

    entidades vivas, e atma, causadas pelo prprio eu (corpo e mente).

    Parecendo parafrasear Krsna, Edgar Pesch, em O Pensamento de Freud, traz:

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    Se a felicidade limitada pela constituio ntima do nosso ser pelascircunstncias exteriores, o sofrimento, pelo contrrio, ameaacontinuamente o homem. Provm de trs fontes principais: do prprio fsicovotado doena, decadncia e a morte; do mundo exterior que fere, ataca eaniquila o indivduo; das relaes com os nossos semelhantes.

    Com exceo de que Krsna pressupe semideuses controlando o mundo exterior, as

    semelhanas so bastante considerveis.

    Encerramos por aqui nossas consideraes sobre as prioris comuns de Krsna e Freud

    acerca dos problemas para a universalmente ansiada felicidade. Abordar-se-, a partir deento, as propostas de cada um para lidar com essa realidade.

    2.1 Solues por Sigmund Freud

    Embora alguns digam o contrrio, como alguns parentes de Freud, que ele

    simplesmente no leva muito a srio os ritos e dogmas (Harry Freud apud Peter Gay,

    Um Judeu sem Deus), Freud se auto-intitulava ateu. De fato, Freud aproveitava, ou

    criava, todas as oportunidade para ostentar sua descrena (GAY, p.21).

    Assim, Freud desconstruiu crenas enraizadas e as reconstruiu dentro de seu novoparadigma. A viso do Deus Pai, que para os Judeus seria a relao verdadeira de

    paternidade que tentamos saciar com outras relaes neste mundo, Freud coloca como

    sendo exatamente o contrrio: a relao original seriam aquelas imperfeitas

    experimentadas aqui, e, tendo nossas expectativas absolutas frustradas, criaramos ns

    homens um Pai perfeito que jamais nos frustraria. Freud propunha o homem criador

    do Pai e no mais o contrrio.

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    Avesso ao conhecimento religioso, algo que Freud definitivamente no queria consigo

    era a ambio dos religiosos de ter respostas para tudo; assim, veremos que as propostas

    de Freud para evitar a aflio so bem coerentes com sua postura nenhuma

    expectativa fantasiosa ou o que ele chamava de iluso na seguinte definio: Uma

    iluso no um erro. simplesmente algo que no precisa se confirmar. Basta acreditar

    nela, independente de qualquer verificao. (CUNHA. Freud e o Desejo, p.53)

    Freud, seguindo com seuMal-estar na Civilizao, citado no captulo anterior, sugere a

    sublimao como um bom recurso tanto para se livrar dos males que as pulses

    reprimidas sejam reprimidas pela sociedade ou religio - podem trazer:

    Podemos defender tambm, em certa medida, contra o sofrimento atravs daconservao da tendncia a buscar a felicidade dirigindo-a para objetivos eobjetos substitutivos de molde a que o mundo exterior j no se oponha satisfao dos novos objetivos. a sublimao. Obtm-se neste sentido omais completo resultado quando se consegue retirar do trabalho intelectual[...] uma soma suficiente de prazer. O destino, ento, no pode grande coisacontra ns. (p. 18)

    Mesmo a prtica intelectual no seria algo suficiente para trazer a felicidade plena, mas,

    mesmo se o fosse, Freud ainda grifa um problema dessa forma de sublimao,

    afirmando que no pode ter um uso generalizado porque est apenas ao alcance de um

    pequeno nmero, alm de no evitar as trs misrias previamente mencionadas, seno

    que apenas aquela proveniente de outros, adicionaria Freud: no reveste com uma

    couraa impenetrvel aos golpes do destino; e acaba por se tornar ineficaz quando afonte do sofrimento reside no prprio corpo.

    Indo para o outro extremo, em seguida, Freud sugere que a felicidade pode vir do ato de

    dar vazo libido da forma mais natural possvel, rejeitando, se possvel, a formao

    repressora que nos trazida pela religio, sociedade, etc.:

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    Esta atitude psquica [o amor] -nos bastante familiar a todos; uma dasformas sob a qual o amor se manifesta, o amor sexual, fez-nos sentir com omximo de intensidade um prazer subjugante e, atravs dele, fornece-nos oprottipo de nossa aspirao felicidade. Nada h de mais natural do quecontinuar a procur-lo no prprio caminho onde, pela primeira vez,encontramos uma soluo. (Mal-estar na Civilizao, p. 20)

    Assim, a proposta de Sigmund Freud destituda da pretenso religiosa de uma

    felicidade eterna, sempre nova e plena, e contra o princpio religioso de que pode

    haver uma nica soluo para pessoas diversificadas; da suas sugestes to opostas e,

    para um leitor mais desavisado, incoerentes.

    A religio prejudicial adaptao e seleo, impondo uniformemente atodos as suas prprias vias para alcanar a felicidade e a imunidade contra osofrimento. A sua tcnica consiste em rebaixar o valor da vida e emdeformar de maneira delirante a imagem do mundo real, diligncias que tmpor postulado a intimidao da inteligncia. (Freud apud WEBSTER, Porque Freud Errou, p.108)

    Enfim, Freud se mantm coerente com sua proposta e sugere teorias e solues

    paliativas ao sofrimento do homem, como a reduo de expectativas, sublimao ou

    entrega ao desfrute sexual. O objetivo de Freud, ao contrrio das religies, muito mais

    constatar a realidade do mundo como um local no propcio felicidade que em geral se

    anseia do que sugerir qualquer soluo absoluta ou transcendente.

    2.2 Solues por Krsna Bhagavan

    Isvara Krsna Dasa, mestre em teologia comparada pela faculdade de Harvard, em seu

    artigo Looking into the Structure of Bhagavad-gita, publicado na revista Back to

    Godhead, diz o Bhagavad-gita trazer instrues em duas plataformas: uma

    propriamente religiosa - no sentido etimolgico da palavra como proveniente do verbo

    religar do latim, assim comoyoga se deriva da raiz snscritayuj (unir) - e instrues

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    em uma plataforma meramente relativa condio temporria em que a alma se

    encontraria nesta vida.

    Dharma se refere a um conjunto de valores representados por dever,religio, moralidade, lei, ordem e justia, que, juntos, mantm a vidahumana civilizada. Yoga se referiria ao esforo de se desapegar da vidamundana enquanto tenta se unirao estado de liberao. (traduo nossa)

    Na escritura em questo, quando Arjuna comea a esboar um desejo de abandonar sua

    posio como um militar e assumir a posio de um yogi que vive na floresta apenas

    concentrando sua mente no ar vital que entra e sai dos pulmes, Krsna imediatamente o

    censura: Como foi que tais impurezas se desenvolveram em voc? Elas no condizem

    com um ariano (arya), um homem que conhece o significado da vida. (2001, 2.2)

    Krsna, como conhecedor de seu amigo Arjuna, conhecia sua natureza e sabia, portanto,

    que, se Arjuna se tornasse um mendicante meditativo, ele no passaria de um farsante e

    se tornaria frustrado. Assim, Krsna apresenta para Arjuna a natureza do mundo material

    como que regida por trs gunas, ou, na traduo consagrada de Bhaktivedanta Svami

    Prabhupada, trs modos da natureza.

    Krsna diz que tudo regido por esses trs modos. s vezes, o modo da bondade se

    torna proeminente, derrotando os modos da paixo e ignorncia. [...] s vezes, o modo

    da paixo sobrepuja a bondade e a ignorncia, e, outras vezes, a ignorncia arrebata seus

    concorrentes. Deste modo, h sempre competio pela supremacia. (Bg. 14.10)

    Krsna traz vrios exemplos. Em termos de caridade, por exemplo, ele diz que a caridade

    no modo da ignorncia quando se d algo para algum indigno, como dinheiro para

    algum que ir comprar drogas e se matar; no modo da paixo, a caridade caracterizada por se esperar fama em troca disso ou por ser feita com m vontade ou

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    impulsivamente; e, no modo da bondade, uma caridade feita em momentos

    apropriados e para pessoas igualmente apropriadas. Krsna traz diversos exemplos ao

    longo de seu tratado, em especial nos captulos dcimo quarto e dcimo stimo.

    Krsna afirma que uma pessoa deve se conhecer atravs de prticas adequadas e

    identificar qual o modo da natureza que lhe proeminente e, a partir da, atuar dentro da

    sociedade.

    Uma pessoa com proeminncia do modo da ignorncia ir se realizar em atuar sob adireo de algum sob algum dos outros modos. Uma pessoa mesclada de paixo e

    ignorncia pode ser um bom comerciante ou agricultor. Uma pessoa com proeminente

    modo da paixo pode ser um bom administrador, poltico ou militar. Ao que uma pessoa

    com proeminncia do modo da bondade pode ser um lder religioso, professor ou outro

    tipo de intelectual formador de opinio:

    Os shudras, os vaishyas, os kshatriyas e os brahmanas distinguem-se pelasqualidades que nascem de suas prprias naturezas de acordo com os modosmateriais.

    Tranqilidade, autocontrole, austeridade, pureza, tolerncia, honestidade,conhecimento, sabedoria e religiosidade so estas as qualidades naturaiscom que os brahmanas agem.

    Herosmo, poder, determinao, destreza, coragem na batalha, generosidadee liderana so as qualidades naturais das atividades dos kshatriyas.

    A agricultura, a proteo s vacas e o comrcio so as atividades naturaisdos vaishyas, e os shudras devem executar trabalho e servio para os outros.(18.41-44)

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    claro que isto nada tem haver com o corrompido sistema de castas mais ou menos

    vigente na ndia, que presume a posio de uma pessoa pelo seu nascimento e no pela

    auto-observao dela mesma. Nessas instrues, Krsna divide a sociedade para que ela

    exista em harmonia e que cada pessoa atue dentro de sua natureza para que encontre

    satisfao assim.

    Todavia, o sujeito tem expectativas acima da mera realizao profissional e familiar. O

    sujeito tem a expectativa de uma felicidade constante e eterna. Mas Krsna estabelece o

    conceito de sukha e dukha, respectivamente desfrute e o resultado oposto do desfrute,

    como a oscilao entre o modo da ignorncia (inrcia) e o da paixo (ao). Na mesmaproporo em que se tem prazer se tem aflio, como na mesma proporo que se

    desfruta de um objeto do sentido se sofre com o medo de perd-lo, etc.

    Ento, mais uma vez visando uma soluo temporria para o sofrimento enquanto neste

    mundo, Krsna sugere o modo da bondade, o equilbrio entre ignorncia e paixo (inrcia

    e ao) algo como terapia ocupacional para quem est em cio, e repouso para quemest com excesso de atividades sugerindo que no se busque o prazer nem que se corra

    da aflio, no verso 2.14:

    O aparecimento temporrio de felicidade [sukha] e aflio [dukha], e o seudesaparecimento no devido curso do tempo, so como o aparecimento e odesaparecimento de inverno e vero. Surgem da percepo sensorial,Arjuna, e precisa-se aprender a toler-los sem se perturbar.

    claro que quando Freud critica de maneira geral a religio, refere-se cultura judaico-

    crist basicamente, mas, de qualquer forma, pode-se frisar aqui que a crtica do pai da

    psicanlise de que o erro da religio seria tentar criar um sistema nico para que

    indivduos diversos sigam no chega a Krsna, que tem um sistema moldvel

    personalidade e natureza de cada sujeito.

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    Essa, em grande sntese, a plataforma dharma do Bhagavad-gita; vamos

    plataforma yoga, enfim.

    Krsna traz outro conceito de felicidade. No essa felicidade sukha que traz sempre

    dukha como anexo, mas uma felicidade, em snscrito, referida como ananda, traduzvel,

    talvez, por beatitude ou bem-aventurana. Essa felicidade sim seria a ansiada pelo

    sujeito, como explica Gour Govinda Maharaja, outro renomado telogo Vaisnava da

    atualidade:

    No h nada de condenvel em se buscar a felicidade, assim como no condenvel se buscar gua quando se tem sede. Mas, se uma pessoa comsede busca gua no deserto, isso ridculo. No h felicidade-ananda nestemundo, mas apenasfelicidade-sukha. As expectativas absolutas que criamosem relao s pessoas e aos relacionamentos devido saudade que temosde nossa relao perfeita com Deus, mas, para satisfazermos essa carncia,devemos restabelecer nossa relao com Deus, e no transferi-la parapessoas falveis. (1999, p.19, traduo nossa)

    A idia defendida por Gour Govinda, como representante da teologia de Krsna,

    reconstri o que Freud desconstruiu. Enquanto Freud coloca o Deus Pai como uma

    criao do homem para suas carncias, a teologia Vaisnava apresenta a projeo nos

    homens como a carncia de nossa relao original com Deus. Assim, a relao de causa

    e efeito invertida.

    s vezes, quando uma pessoa est com muita sede no deserto, ela se deparacom uma miragem. Mas, na verdade, no h gua ali, mas tampouco se podedizer que no exista gua. Da mesma forma, as pessoas buscam relaesabsolutas, que lhes tragam felicidade plena, mas a expectativa de encontr-las nas relaes deste mundo nunca ser satisfeita. [...] Uma pessoa que vum osis no deserto porque j viu gua em algum lugar; da mesma forma,se esperamos encontrar um relacionamento perfeito porque j tivemos umrelacionamento perfeito, que, de acordo com a teologia de CaitanyaMahaprabhu [Krsna], nossa relao original com Deus que se perdeu.(p.21)

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    O prazer decorrente da associao com Deus (ananda) estaria acima da dualidade sukha

    e dukha, o que realmente o ser busca. Ento, as instrues de Krsna para se suportar

    bem sukha e dukha e buscar realizaes neste mundo seria apenas um amparo enquanto

    se cultiva as prticas religiosas para a reobteno do amor puro por Deus, a fonte

    verdadeira de felicidade eterna que atenderia todas as expectativas absolutas dos

    indivduos. Em resumo, Krsna diria: Expectativas relativas para pessoas e situaes

    relativas e expectativas absolutas para a pessoa absoluta, e viva bem assim at sua morte

    para a vida eterna na qual se relacionar pessoalmente com Deus, que atender seus

    desejos reais.

    CONCLUSO

    Conclumos que, nas duas dimenses de felicidade - aquela enquanto neste mundo sem

    grandes expectativas, e aquela transcendental e de expectativas absolutas - Krsna o

    nico a trabalhar com ambas positivamente.

    Um atesta poderia tirar grande benefcio para que desfrutasse deste mundo de forma

    melhor e mais saudvel tanto das instrues de Krsna Bhagavan quanto das de Sigmund

    Freud.

    Um atesta, todavia, aps aceitar a concluso de Freud de que a religio seria nada mais

    do que uma neurose coletiva, uma iluso com funo de placebo, no poderia viver

    com a segurana hipottica com possvel concretizao aps a morte; cinqenta por

    cento, diria Pascal de que a felicidade que ele anseia existe em um mundo onde a

    relao perfeita, diretamente com Deus, aguard-lo-ia.

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    O testa, devoto de Krsna ou de alguma outra religio similar, teria muitas vantagens

    que um atesta no poderia simular, como afirma Freud: Obtm-se o mais completo

    resultado quando se consegue tirar da atividade do esprito uma soma suficientemente

    elevada de prazer. (Mal-estar na Civilizao, p. 18).

    Encerramos, assim, com a postura que comeamos. Apenas apresentamos os fatos

    dentro de seus pressupostos e os deixando aqui, sem nenhum discurso final apologtico,

    permitindo que cada um d a este conhecimento o fim que julgar prprio.

    Tomamos como nossas, ento, as liberais palavras que Krsna usa encerrando o

    Bhagavad-gita: Assim, apresentei-lhe o conhecimento. [...] Delibere a fundo sobre

    isto, e faa o que voc quiser fazer.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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