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Sentimentos e emoções no espaço da política. Uma leitura da prática eleitoral no cenário midiáticoAda Kesea Guedes Bezerra∗ 2007 Índice1 Introdução 1 2 A campanha política como espaço de 3 disputas simbólicas 3 O cenário das disputas eleitorais 4 4 Os discursos adotados em cada cam6 panha 5 Considerações finais 12 6 Referências bibliográficas 12 de Lula no cenário midiático político brasileiro esteve perpassada por campanhas nas quais os discursos se asseguravam em manipulação e gestão de sentim

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Sentimentos e emoções no espaço da política.Uma leitura da prática eleitoral no cenário midiático

Ada Kesea Guedes Bezerra∗

2007

Índice1 Introdução 12 A campanha política como espaço de

disputas simbólicas 33 O cenário das disputas eleitorais 44 Os discursos adotados em cada cam-

panha 65 Considerações finais 126 Referências bibliográficas 12

ResumoEste trabalho tem como objetivo apreenderna trajetória política do Presidente Luiz Iná-cio Lula da Silva, particularmente nas cam-panhas eleitorais de 1989, 1994, 1998, 2002e 2006 os sentimentos e emoções aferidasa cada performance, enquanto estratégia decampanha e constituição de sua própria ima-gem e da apropriação destes sentimentossuscitados nos discursos de seus adversá-rios. Partindo da premissa de que a atuação

∗Jornalista – UEPB – Universidade Estadual daParaíba. Doutoranda em Ciências Sociais – UFCG– Universidade Federal de Campina Grande. Orien-tadora: Profa Dra: Elizabeth Christina de AndradeLima. Este trabalho foi realizado no âmbito da dis-ciplina: Dominação, Resistência e Identidades. Profa

Dra Marilda Menezes.

de Lula no cenário midiático político brasi-leiro esteve perpassada por campanhas nasquais os discursos se asseguravam em mani-pulação e gestão de sentimentos capazes deaferir credibilidade ou rejeição a candidatos,procura-se aqui apreender como foram geri-dos e expressados os sentimentos que cecea-ram a trajetória de Lula ao longo das quatrocampanhas.

1 IntroduçãoAs transformações que presenciamos nas úl-timas décadas demarcam novas configura-ções na prática política, as ações fogem dadicotomia esquerda-direita e no lugar des-tas políticas e da subordinação das vozes àsmesmas, vem à tona o poder da opinião pú-blica. A própria esfera pública se entrelaçaa esfera privada. Presenciamos o declíniodas clivagens tradicionais; a queda das ati-vidades convencionais partidárias; e o declí-nio dos partidos políticos. A relação dos ci-dadãos com o universo das questões políti-cas agora se faz essencialmente através dosmeios de comunicação de massa, sobretudoda mídia eletrônica.

As formas de representação nessa nova si-tuação são reconfiguradas. A relação dos ci-

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dadãos com o universo das questões públi-cas, o contato entre líderes políticos e eleito-res e mesmo o processo de governo sentiram,e muito, o impacto da evolução tecnológicada mídia.

Mas a espetacularização no universo dapolítica não constitui fenômeno recente, ocaráter espetacular da política encontrouapenas novas formas e espaços para se mani-festar.Novos recursos, sobretudo midiáticossão apropriados na busca pela acumulação decapital político. 1

Apesar do impacto permanente dos pa-drões midiáticos, sobretudo televisivo noexercício da política, é no período de disputa,ou seja, nas eleições, que melhor se constataesta afirmação. Neste espaço de disputa pelavisibilidade pública, a persuasão do eleito-rado se faz através de novas formas de dis-cursos e artifícios com a utilização de ima-gens, narrativas e discursos direcionados adespertar emoções e sentimentos de adesãoou rejeição aos candidatos.

Investigar a construção de imagens pú-blicas na política contemporânea pressupõeentender as novas formas de configuraçãodo campo político e de seu entrelaçamentocom a esfera midiática. Tal empreendimentoconstitui meu objeto de estudo há quase meiadécada e apreender nos discursos de campa-nhas eleitorais as nuanças que revelam a ex-pressão e utilização dos sentimentos e emo-ções na prática política contemporânea cons-titui parte integrante deste exercício.

Com este texto, pretendo a partir deuma releitura dos trabalhos de Irlys AlencarFirmo Barreira: “A Expressão dos Sentimen-tos na Política” e “Ritual e Símbolo na polí-

1 Ver em Bourdieu (1990), “A Representação po-lítica”.

tica”, além de outros estudos e pesquisas queabordam a temática, analisar as candidaturasdo Presidente Luis Inácio Lula da Silva, aolongo de sua trajetória política no sentido deapreender a forma de apropriação e expres-são dos sentimentos disseminados em suascampanhas e suscitados em seus eleitores.

Este trabalho parte de algumas premis-sas elementares percebidas em pesquisa re-alizada anteriormente. 2 A primeira é a deque o conjunto das eleições diretas para Pre-sidente da República, de 1989, 1994, 1998e 2002, cada uma com suas peculiaridades,constituem o referencial ou modelo da formaatual de como se realizam as disputas elei-torais no Brasil. A segunda assume que aolongo das quatro disputas presidenciais, aatuação de Lula foi se aperfeiçoando e par-ticularmente em 2002, a campanha foi estra-tegicamente construída para adaptar-se aosrecursos da imagem, da mídia e da própriaconstituição do novo “fazer política” na atu-alidade. A terceira revela que cada “per-formance” do então candidato se construía– por vezes adequadamente, outras vezesde maneira inapropriada – de acordo como cenário político vigente e em consonân-cia com o “agendamento” apresentado pelamídia. Na campanha de reeleição de 2006que não constituiu parte integrante desta pes-quisa também se insere na mesma perspec-tiva.

Para este trabalho, no entanto, a finalidadeé apreender nestas referidas disputas, os dis-

2 A pesquisa foi realizada para composição daanálise de conteúdo de minha dissertação de Mestradointitulada: “Mídia e Política: Uma Análise da Cons-trução da Imagem Pública de Lula nas Eleições Pre-sidenciais de 2002”. Defendida em 05 de setembrode 2006, desenvolvida no PPGS da UFCG, CampinaGrande.

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cursos que suscitavam os sentimentos e emo-ções aferidas a cada performance do entãocandidato, enquanto estratégia de campanhae constituição de sua própria imagem e daimagem de seu partido.

2 A campanha política comoespaço de disputas simbólicas

O período de campanha eleitoral representamais do que um momento de jogos de estra-tégia e táticas empregadas para alcançar a vi-tória, representa um evento catalisador de va-lores sociais. Um campo fértil para analisardimensões da vida cultural de uma dada so-ciedade que se evidenciam explicitamente nacircunstância eleitoral. Conforme Barreira(1996), é no período eleitoral que determi-nadas ações sociais se evidenciam:

Ocorre uma radicalização de imagens e per-sonagens que são contrapostas. (...) umacampanha política é essencialmente conflitosimbólico, cujas regras do jogo são a exacer-bação da diferença, o enaltecimento de ap-tidões e a tentativa de apropriação de valo-res que expressam o centro da vida social.(BARREIRA, 1996, p. 10).

A autora ao analisar a presença de rituaise símbolos na política em momentos eleito-rais, apresentou a partir da observação de re-portagens, vídeos, entrevistas, fotografias elivros a simbologia, a construção de símbo-los e rituais contidos e expressos na “Cara-vana da Cidadania”, evento crucial da can-didatura de Lula para a disputa presidencialde 1994. Neste estudo, fica evidente a “in-teração que faz convergir os temas da ordemda cultura e política, do espaço das crenças eda troca efetiva que se estabelece no contrato

político existente em uma sociedade como anossa”. 3

Nessa esfera de disputas simbólicas ondea imposição de uma figura política depende,além de fatores externos, de sua aceitação ca-rismática e passional por parte do eleitorado,adquire relevância incontestável o apelo eutilização dos sentimentos e emoções nosdiscursos e narrativas políticos.

Vale destacar ainda o papel da mídia en-quanto espaço de disputa das trocas simbó-licas. Mas se tomarmos a idéia de Barreira(2004) de que “o papel da imprensa comoveículo difusor da imagem dos candidatos elugar de registro das ocorrências de campa-nha nesse período, faz pensar sobre a expres-são das emoções no espaço público”. É pre-ciso considerar assim como a autora o fez, opensamento de Sennet (1999) sobre a perdade sentido da vida pública e supremacia doespaço privado, isto segundo Sennet, produ-ziria uma “inversão de valores e papéis de-sempenhados por atores sociais”. Barreira(2004) sintetiza a colocação do autor da se-guinte forma:

A sociedade transformada em um grandesistema psíquico, na expressão de Sennet(1999), realizaria uma travessia de códigos,em prestando credibilidade ao político pelotipo de homem que é e não por ações ou pro-gramas que defende. Uma figura pública,no contexto de um espaço público esvazi-ado, deveria apresentar aos outros “aquiloque sente”, sendo essa representação sobreseu sentimento o móvel que suscitaria credi-bilidade. O enfraquecimento dos papéis pú-blicos, finalmente, converteria o discurso po-

3 Ver em BARREIRA (1996, p. 10). “Ritual eSímbolo na Política”. Cadernos Ceru – Série 2, no 7,1996.

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lítico em discurso psicológico. (BARREIRA,2004, P. 82).

Desta forma, no universo da política, esseprocesso se apresentaria através do culto àpersonalidade, os políticos são então avali-ados a partir de atributos pessoais, avalia-ções de caráter e de comportamentos. Ci-entes desta realidade, toda candidatura paraser efetivamente válida precisa se estruturarde maneira a enaltecer tais aspectos do can-didato.

Outra questão determinante de tal apelo éapresentada por Barreira (1996) como o de-sencantamento com a lisura do universo po-lítico bem como a ausência de participaçãodo eleitorado nas decisões desta esfera:

As condições de participação no plano dasdecisões políticas constroem espaços de dis-tanciamento, trazendo por conseqüência des-crença na esfera da representação política.Eis porque o momento eleitoral tem a du-pla tarefa de recompor para algumas camadassociais o reconhecimento da política e viabi-lizar crenças através de plataformas partidá-rias. (BARREIRA, 1996, p. 11).

Desta forma, a construção e difusão deideologias e de personagens políticos carica-tos e carismáticos se faz necessário. O es-paço das eleições pode ser percebido comosituação na qual a troca simbólica se realizaentre voto e adesão por credibilidade. Mastal confiabilidade é suscitada através de ape-los por sentimentos, crenças e subjetividadesdo imaginário despertado a partir das emo-ções.

É possível dizer que as diferentes campa-nhas políticas representam uma rotina nor-matizada pela experiência e readaptada a re-gras específicas de cada situação. Enquanto

estratégia de enfrentamento de adversários,as campanhas são metáforas de um jogo cujapeça fundamental é da ordem da linguagem,das crenças materializadas no voto. Con-vencer eleitores, comprovar capacidade demando, provar integridade moral são tare-fas que acompanham esse momento de difu-são, incorporação e apropriação de elementossimbólicos. (BARREIRA, 1996, p. 11).

Como mencionado por Barreira (1996),existem regras específicas de cada situação,o cenário e seus meandros em que acontecea disputa exerce influência crucial na decisãoeleitoral. Neste sentido, fatores externos po-dem mesmo definir qual “personagem” po-lítico se posicionará adequadamente no ce-nário vigente. Desta forma, o perfil de umcandidato está propício a sofrer interferênciadas características deste cenário, o que deter-mina também quais os recursos simbólicossolicitados para compor este perfil. Identifi-car esta relação e prioritariamente os senti-mentos catalisados para tal empreendimentoconstitui o cerne deste trabalho, antes, con-tudo, se faz necessário uma breve retrospec-tiva dos cenários de disputas eleitorais nosquais transitou a imagem de Lula enquantocandidato à presidência da república.

3 O cenário das disputaseleitorais

Um político que constrói carreira ao longo deanos no cenário de visibilidade pública, car-rega sua imagem marca 4 mais apta a enfren-

4 Conceito elaborado por RANDAZZO (1997), apartir da concepção de marca do candidato apresen-tado por GÈRARD (1978), que afirma que a “imagemda marca é a destilação de vários fatores: publicidade,embalagem, experiências com o produto, logotipos, e

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tar o imponderável e assim tornar-se suscetí-vel de modificações. De acordo com Gèrard(1978), uma vez difundida a marca de umcandidato, o importante é conservá-la, pelomenos por um certo período de tempo, com afinalidade de manter coerência e auferir cre-dibilidade.

Mas, conforme Randazzo (1997) é precisocontar com o imponderável e um fator degrande relevância na alteração da exposiçãoda imagem de Lula e de sua trajetória de vidaé exatamente o cenário social e político noqual se realiza a campanha eleitoral.

Em 1989, o país passava por um processode reformulação política, econômica e insti-tucional, com a mudança de regime e o fimda ditadura militar, que marcava o início davida política brasileira rumo a redemocra-tização, a expectativa de toda a sociedadeocorria em torno do crescimento econômico,de mudanças na distribuição de renda e dofim da corrupção. Neste pleito, o candidatopetista veio à cena pública a partir de sua tra-jetória de sindicalista e se apresentou comocandidato de esquerda representante da cha-mada “classe trabalhadora”. Nesta disputa ocandidato de maior expressão era FernandoCollor de Mello (PSDB), jovem advindo dasoligarquias nordestinas e apoiado por figurastradicionais da política brasileira.

Já no pleito de 1994, o contexto era dis-tinto da primeira eleição presidencial diretano Brasil. O país havia passado por sériosproblemas de corrupção, a promessa de mo-

assim por diante. É como a marca sintetiza e definea imagem. Ela é fundamental na criação e manuten-ção de marcas fortes e duradouras”. Afirma ainda que“a imagem marca uma vez elaborada pelas técnicasdo marketing político e eleitoral acompanha o polí-tico como rótulo” atrelada a sua imagem por anos atéuma possível desconstrução ou reconfiguração.

dernidade e progresso fracassara, FernandoCollor fora deposto com o impeachment em1992. Nesta disputa, Lula em período depré-campanha conheceu o interior do paísatravés das Caravanas da Cidadania, com odesígnio de conhecer de perto as necessi-dades de cada região. No entanto, as ima-gens produzidas nas viagens não puderamser exibidas em decorrência da lei eleito-ral no 8.713 de 1993 que regeu as eleiçõesde 1994. O artigo 86 da lei determinavaa proibição da exibição de cenas externas,de vinhetas, trucagem, utilização de dese-nhos animados e vinhetas eletrônicas. Seuadversário foi Fernando Henrique Cardoso,sociólogo, ex-ministro da fazenda do go-verno Itamar Franco, criador do plano Real,plano econômico que “salvou” o país dacrise econômica gerada pela gestão de Collordentre outros fatores, com o apoio “indireto”da mídia à candidatura do candidato tucano.5

E 1998, Lula em sua terceira candidaturaenfrentava novamente FHC, sociólogo can-didato à reeleição. Neste pleito, a disputapela interpretação da realidade e pela impo-sição da imagem, ocorreu às sombras dosmeios midiáticos. A eleição quase não fa-zia parte da agenda social midiática e quandoos acontecimentos de campanha eram publi-

5 Bernardo Kucinski (1998), em sua análise so-bre a atuação da mídia nas eleições de 1994, des-taca que os editores dos jornais impresso e televisio-nado excluíram de suas pautas o evento das caravanas,mencionando-o apenas para desqualificar ou ampliarincidentes técnicos para transmitir a idéia de desorga-nização. O autor destaca ainda os ataques direciona-dos a Lula durante a campanha, os desgastes a partirde acusações e o tratamento preconceituoso de váriosórgãos da imprensa. Ver em “Síndrome da antena Pa-rabólica” (1998, p. 122-128.),Editora Fundação Per-ceu Abramo, 1998, p. 136-141.

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cizados, os discursos apontavam Lula comoinexperiente, despreparado. 6 O consideradosucesso do plano Real precisava ter conti-nuidade. A imagem de Lula já apresentavamudanças significativas como candidato nãomais de uma classe social, porém tais mu-danças não foram suficientes e ainda foraminterpretadas como sinal de fraqueza ou es-tratégia política para angariar votos em ou-tros segmentos da sociedade.

Em 2002 essa apresentação já aparece to-talmente reconfigurada, desde a aparênciavisual ao discurso e postura política diante detemáticas e de cenário pré-concebido. A can-didatura que levou Lula à Presidência da Re-pública o apresentou, dentre outros aspectos,não mais como representante de uma deter-minada classe, mas como um candidato paratodos.

As questões sociais, como a seca do Nor-deste, o desemprego, a fome e a miséria se-rem constantemente abordadas, os temas quese transformaram o centro das preocupaçõesda mídia foram de fato, os de caráter econô-mico. As oscilações da Bolsa de Valores ea subida do dólar eram assuntos permanen-tes das discussões dos principais telejornaisnacionais e da imprensa em geral. A instabi-lidade econômica transformava o país em “Orisco Brasil”. Para especialistas somente res-tabelecendo a estabilidade econômica é quese tornaria viável a aplicação de medidas noâmbito social. A instabilidade suscitava mu-danças e o então candidato adversário JoséSerra, representante do governo apresentava

6 Bernardo Kucinski revela que o discurso precon-ceituoso e o tom irônico de desdém e descrédito uti-lizado por Fernando Henrique eram compartilhadoscom a imprensa escrita que atendendo o “pedido deapoio” do Presidente entoavam o mesmo discurso dedescrédito em total sintonia com o de FHC.

em seu discurso a opção da “continuidadesem continuísmo”. Slogan de campanha quenão se posicionou adequadamente no cená-rio vigente.

Diante de tal conjuntura, e das avaliaçõesacima mencionadas, pode-se constatar quepara as eleições 2002, os principais temas dediscussão para a esfera pública já estavam se-lecionados e impostos: o crescimento econô-mico, a estabilidade monetária, a inflação, apolítica externa e o desemprego. Este se-ria, portanto, o conjunto de temas impostose agendados para todo e qualquer discursoeleitoral que pretendesse se impor no cenárioeleitoral e se tornar receptível para o eleito-rado.

4 Os discursos adotados em cadacampanha

Em sentido mais amplo, Barreira destaca que“a expressão dos sentimentos no espaço pú-blico não se separa de processos históricosde disciplinamento e controle vigentes tam-bém em campanhas eleitorais como obser-vou Elias (1997, p. 44), caracterizadas pelorepresamento das paixões”. (BARREIRA,2004, p. 80). Mas em sentido especí-fico, ou seja, das campanhas eleitorais, a au-tora destaca a relevância de uma “gestão dasemoções e sentimentos” tanto no sentido deadequá-las as regras vigentes do espaço pú-blico 7 quanto ao “manejo dos sentimentos

7 Entende-se como regras do espaço público espe-cífico, os dispositivos de controles empregados parareprimir abusos eleitorais em espaços midiáticos e de-mais espaços públicos, como por exemplo: a media-ção de jornalistas em entrevistas e debates televisivosou outras formas disciplinares colocadas por profissi-onais do marketing político, assessores, quando ditam“ o que e como algo deve ser dito”, etc.

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em sua forma disciplinar” referente à impo-sição adequada da imagem do político no ce-nário e a legitimação da candidatura.

É possível distinguir, no âmbito das classi-ficações sobre os sentimentos, aqueles con-siderados positivos e outros como negati-vos, tendo por base situações nas quais elesdespertariam adesão, rejeição ou constrangi-mento. Não por acaso, a serenidade nos de-bates entre concorrentes precisa ser dosadapor um mediador capaz de impedir a emer-gência de conflitos radicais. Do lado dos can-didatos, a performance no uso da voz e dasatitudes em geral, exige dos profissionais domarketing o aconselhamento sobre o controleadequado das emoções. (BARREIRA, 2004,P. 81).

Neste sentido, é possível afirmar que a atu-ação de Luis Inácio Lula da Silva, ao longode sua trajetória política, esteve perpassadapor sentimentos distintos oscilando entre ospositivos e negativos entre os que suscita-vam adesão ou rejeição e mesmo constran-gimento.

Nas cinco campanhas em que lançou can-didatura, Lula foi apresentado ao públicoeleitor a partir de duas narrativas principais;a de sua história de vida pessoal e a de suaatuação no cenário político brasileiro.

Sua trajetória pessoal como menino pobre,retirante nordestino, metalúrgico, sindica-lista, sem formação superior, representantede uma classe social desfavorecida, o prole-tariado, constituiu significado primordial emsuas campanhas. Porém, com um tom di-ferente daquele adotado pela imprensa, nosprogramas exibidos no HGPE de suas can-didaturas, destacam-se incessantes tentativasde transformar atributos negativos em positi-vos. Neste caso, sua biografia de cidadão co-

mum sempre imergiu como atestado de com-promisso com os menos favorecidos.

No jogo de interesses e conflitos queacompanham as candidaturas de Lula, atra-vés das campanhas eleitorais do PT (Partidodos Trabalhadores) no HGPE e ao longo desua trajetória política, procurou-se desper-tar à sua identificação nos setores populares.Embora contada com nuanças diferentes emcada pleito, sua história de cidadão comumveio a firmar a essência da imagem do per-sonagem político.

Quanto a sua trajetória política, esta tam-bém repercutiu de forma específica em cadadisputa, mas sempre cercada de símbolos, ri-tuais, discursos e imagens perpassados porsentimentos.

Em 1989, após quase trinta anos de di-tadura militar, o país adquirira o direito devoto para escolher o presidente da Repú-blica e pela primeira vez na história de umpaís governado tradicionalmente por Mare-chais, Promotores, e Generais, um operáriosem formação superior se candidata e quaseé eleito, superando Brizola na briga para en-frentar Fernando Collor de Mello, sentiu pró-ximo o gosto da vitória ao ser cotado comoeleito pelas pesquisas de intenção de voto,conquistou 31 milhões de votos, mas per-deu para Collor por apenas 5 pontos percen-tuais. Foi nesta disputa que pela primeiravez a saga do retirante nordestino, operário,cidadão comum brasileiro foi contada atra-vés da campanha eleitoral dos programas deHEGTV (Horário Eleitoral Gratuito de Tele-visão), para todo o país.

Neste pleito, a imagem de Lula era de umlíder radical de esquerda e defensor do re-gime socialista: “nem os limites institucio-nais, nem os não institucionais, podem de-terminar nosso programa partidário e nossos

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objetivos históricos de construir uma socie-dade socialista”. (Trecho de documento doPT na primeira campanha eleitoral). O temacentral da campanha foi “Sem medo de serfeliz”. As mensagens veiculadas continhamum forte teor ideológico e o apelo aos sen-timentos eram suscitados desde o slogan decampanha. O cerne da candidatura de Lulaem 1989 é o escopo de reunir os segmentospopulares e estabelecer uma divisão nítida derepresentantes, de um lado, os partidos de es-querda defendendo os interesses populares edo outro, seus adversários representantes daselites e dos grandes empresários. Era susci-tado ainda o sentimento de divisão de classesocial, a revolta do setor proletário e o espí-rito de mudança.

Os discursos eram inflamados e as ima-gens utilizadas para a composição dos pro-gramas do HGPE eram repletas de aforismose simbologias que retomavam até mesmo ossentimentos vivenciados na luta contra a di-tadura militar. O clima apresentado em seusvídeos era de insatisfação e procurando inci-tar a “tomada de decisão” por parte da classetrabalhadora.

A nossa classe dominante é hipócrita, a nossaclasse dominante não chegou ainda na Re-volução Francesa, que foi feita há 200 anosatrás. Na hora de ganhar dinheiro eles sãomodernos e querem dinheiro como empresá-rios do século 21. Na hora de pagar salários,eles pagam como empresários do século pas-sado. (Lula em comercial exibido no HGPE).

Todo trabalhador quer ter o direito a um em-prego,... ter direito a uma casa,... ter direitoà alimentação necessária, ... ter direito a es-cola, todo trabalhador sonha com o filho serdoutor, ... em poder dar a sua família o me-lhor possível, com relação às condições de

vida. Todo trabalhador sonha poder comprarum presente de natal para o seu filho, ... po-der, no dia da criança, por menor que ele seja,dar um presente a seus filhos. Esse é um so-nho, esse é um sonho pequeno, ... que nãoé nada para quem trabalha a vida inteira, ...que não deveria ser nada para quem trabalha240 horas por mês, ... para quem trabalha sola sol e por que não podem fazer isso/ por queé que não podem? Exatamente porque o sis-tema que predomina nesse país é um sistemacapitalista arcaico onde meia dúzia pode tudoe a maioria não pode nada. (Lula em comer-cial exibido no HGPE).

Onde tiver um terreno vazio o trabalhadorsem moradia deve invadir (Lula em comí-cio, apresentado no Programa Rede Povo, doHGPE, sobre a reforma agrária).

Com estes discursos, Lula era apresentadocomo única alternativa de mudança. É possí-vel perceber o apelo às emoções. Um episó-dio de grande repercussão da campanha foi oúltimo debate promovido pela Rede Globo,que levou ao ar uma edição do debate, apre-sentando os melhores momentos de Collor eos piores momentos de Lula. 8 Neste epi-sódio, o então candidato petista mostrou-seem alguns momentos sem o equilíbrio emo-cional necessário e segurança nas respostas.Este evento sinaliza também como os senti-mentos são apropriados enquanto estratégiado jogo político.

Os sentimentos integram uma retórica deconteúdos performáticos com poderes de

8 Ver em “O ataque articulado dos barões da im-prensa: a mídia na campanha presidencial de 1989”In: a síndrome da antena parabólica – ética no jor-nalismo brasileiro de Bernardo Kucinski, São Paulo,Editora Fundação Perseu Abramo, 1998. p. 105 –113.

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classificar e induzir novos sentimentos cole-tivos, de modo a balizar o lugar e papel dosconcorrentes. A estratégia da busca de “fra-gilidades” dos concorrentes faz surgir nessemomento, o espaço das vulnerabilidades, aci-onando avaliações de personalidade. (BAR-REIRA, 2004, p. 81).

Vale mencionar ainda a expressividadedas emoções e sentimentos veiculadas pe-los meios de comunicação, a mídia televisivaexerce poder nas relações de disputa atravésdos enfoques, edições e espaços que concedeaos discursos dos candidatos.

A eleição presidencial de 1994 teve umadiferença significante do pleito de 1989:a pouca visibilidade nos meios midiáticos.Neste sentido a disputa pela imposição daimagem no cenário midiático quase nãoaconteceu e os programas do horário eleito-ral foram exibidos sob restrições em decor-rência da Lei eleitora n. 8.713 de 1993.

Nesta campanha, o preconceito entrou emcena como recurso estratégico que perdurouaté a eleição de 1998, quando veio então a seconstituir com mais evidencia. 9 Tanto em1994 quanto em 1998, este foi o sentimentoque perpassou as candidaturas de Lula.

Em 1998, percebido o potencial eleito-ral do preconceito, os marketeiros políticosaplicaram-no de forma mais intensa nestepleito que em 1994. Agora o próprio Presi-dente Fernando Henrique ao referir-se a Lulae aliados empregava adjetivos como: “des-

9 Bernardo Kucinski revela que o discurso precon-ceituoso e o tom irônico de desdém e descrédito uti-lizado por Fernando Henrique eram compartilhadoscom a imprensa escrita que atendendo o “pedido deapoio” do Presidente entoavam o mesmo discurso dedescrédito em total sintonia com o de FHC. Ver Ber-nardo Kucinski, A síndrome da antena parabólica,Editora Fundação Perceu Abramo, 1998, p. 136-141.

preparados”, “ignorantes”, “negativistas”. Opreconceito se fazia repercutir sobre a idéiade uma pessoa sem curso superior e vindade uma classe social menos favorecida ter acapacidade de governar o país. Outro sen-timento que entrou em cena nesta disputa,foi o sentimento do medo. Os discursosapontavam Lula como inexperiente, despre-parado, o homem que ia acabar com o Reale conduzir o país à situação de crise. O dis-curso do medo foi com freqüência, utilizadoneste pleito favorecendo FHC, já conhecidoe ‘confiável’ em contraposição ao desconhe-cido.

Chaia (2002) destaca o potencial destesentimento enquanto discurso proferido edisseminado em espaço público:

A idéia do medo envolve o seu oposto – aesperança e se faz presente em todos os mo-mentos da vida do homem, sendo relacio-nada, segundo vários autores, à própria na-tureza humana. O medo expressa uma sen-sação de dúvida, um mal estar diante dodesconhecido e também implica uma atitudede precaução em face do desconhecido e donovo. (CHAIA, 2002, p. 01).

De fato, o discurso do medo esteve pre-sente enquanto recurso de desconstrução daimagem de Lula em todas as suas dispu-tas presidenciais; em 1989, medo do radica-lismo demonstrado em seus discursos e pos-tura política; em 1994 e 1998 o medo da faltade uma formação superior e de preparo e ex-periência; em 2002 o discurso do medo foinovamente acionado nesta campanha. Destavez, em consonância com os temas que cons-tituíam o cenário da disputa, a estratégia sedeu em volta da instabilidade econômica, po-lítica e do desemprego.

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Em matéria do jornal O Estado de SãoPaulo, em 25 de outubro de 2002: “FHC pro-nunciou a palavra ‘medo’ sete vezes no dis-curso de 45 minutos, que proferiu por oca-sião da abertura do XXII Encontro Nacio-nal do Comércio Exterior (Enaex)”. Outroepisódio que marcou a campanha foi a par-ticipação da atriz Regina Duarte no primeiroprograma eleitoral de José Serra, exibido noHGPE, no segundo turno. O depoimento daatriz que suscitou polêmica durante a disputadizia:

Estou com medo. (...). O país corre o risco deperder a estabilidade tão duramente conquis-tada. Não dá pra jogar tudo na lata do lixo. OSerra eu conheço, sei o que vai fazer. O ou-tro eu achava que conhecia. Isso dá medo nagente. Medo da inflação desenfreada de 80%ao ano (...). Voto no Serra, porque este eu co-nheço e voto sem medo. (Regina Duarte noHGPE de José Serra).

O discurso seguia apresentando argumen-tos fundamentados na crise do mercado e fi-nalizava convocando os eleitores a optarempor uma “mudança segura”.

A polêmica deste episódio reside na ques-tão do efeito da validade e da legitimidadeque um discurso adquire a partir da fala deuma personalidade pública e respeitada emdeterminado meio. A fala da atriz popular-mente conhecida, direcionada ao público, in-cluindo fãs, dotava o discurso de validade eeficácia. Em resposta à evocação ao medo, aatriz Paloma Duarte declara dia seguinte, noprograma de Lula:

Estava ontem à noite com o meu marido Mar-cos, agente estava assistindo o programa elei-toral do José Serra. Há muito tempo não me

sentia tão revoltada, eu me senti desrespei-tada, eu me senti violentada como cidadã bra-sileira, como eleitora. Veja bem, eu não es-tou aqui pra falar mal de ninguém. Eu vimaqui registrar o meu protesto, eu procurei opessoal do Lula e pedi pra vir aqui fazer essedepoimento, pra dizer o quanto eu t chocadacom o uso do terrorismo, com o uso do medo,numa campanha para Presidente da Repú-blica do meu país. (...) A eleição vai pas-sar e o Brasil continua e eu quero dizer queum candidato que precisa aterrorizar a popu-lação brasileira em vez de se calcar nas suaspróprias virtudes pra tentar se eleger não me-rece o meu respeito, não merece minha confi-ança e no meu entender não mereceria jamaisser Presidente da República. (Depoimentoda atriz Paloma Duarte, no HGPE, Eleições2002).

Diante da eminente disseminação do dis-curso do medo, em 2002 com uma equipeespecializada em marketing eleitoral, a cam-panha é realizada de maneira a desconstruir odiscurso do medo. Com os slogans: “Agoraé Lula” e “A esperança venceu o medo”,uma candidatura estruturada por sentimen-tos de esperança, vitória, confiança e mu-dança proporcionou o posicionamento ade-quado do discurso de Lula no cenário vi-gente.

O verbo ‘venceu’, no passado fazia analo-gia ao crescimento e as vitórias obtidas pelopartido. Os discursos indicavam o amadure-cimento do PT e a capacidade de governar,no intento de obter a confiança do eleitor;“Hoje, o PT governa aproximadamente 50milhões de brasileiros. São 5 Estados, são7 Capitais, são 180 cidades das quais partedelas com mais de 200 mil habitantes”. (Pro-grama exibido pelo HGPE em 2002).

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Neste pleito o discurso adotado foi o daesperança, da mudança e sem propagandanegativas a campanha foi direcionada a des-construir o discurso do medo e do precon-ceito.

Alguns autores 10 afirmam que a mídia, so-bretudo a televisiva se apresentou mais im-parcial na campanha de 2002 e promoveuuma visibilidade jamais vista nas campanhaspresidenciais. As principais revistas de cir-culação nacional: Veja, Isto É e Época, trou-xeram em suas páginas durante todo o pe-ríodo de campanha matérias sobre os episó-dios de campanhas. Era comum percebera expressão e evocação dos sentimentos atémesmo nos títulos das matérias: “Por queLula assusta o mercado”. Matéria de capada revista Veja de 22 de maio de 2002; “OBrasil pode virar uma Argentina?”. Maté-ria de capa da revista Veja de 19 de junhode 2002; “Lula não assusta mais – com aproposta de um capitalismo humanizado, ocandidato petista ganha elogios da imprensaconservadora estrangeira, é aprovado no de-bate da Rede Bandeirantes e é aplaudido naFiesp e na Bovespa, onde antes era um sapodifícil de engolir”. Matéria de capa da Isto Éde 14 de agosto de 2002; “O que querem osradicais do PT – Entre os petistas, 30% sãode alas revolucionárias. Ficaram silenciososdurante a campanha. Se Lula ganhar, vãocobrar a fatura. O PT diz que não paga”.Matéria de Veja de 23 de outubro de 2002.

Lula em entrevista concedida ao jornal OEstado de São Paulo, em 16 de outubro de2002, após a repercussão causada pelo de-poimento da atriz Regina Duarte, desabafa:

10 Os autores que apresentam esta perspectiva são:Rubim (2002), Luiz Felipe Miguel (2002) entre ou-tros.

“Enquanto eles (PSDB) fazem a campanhado medo eu faço a da esperança” (OESP,16/10/2002).

Durante toda a campanha petista a fina-lidade era desconstruir o discurso do medoque acompanhou toda a trajetória do partidoe do seu candidato a presidência. O desafiopara a campanha do PT em 2002 consistia,portanto em (re) construir a imagem públicade Lula conferindo-lhe credibilidade e com-petência, de maneira que esta favorecesse asuperação do medo e a possibilidade da vi-tória. Lula deveria personificar neste pleitoa esperança da mudança, mas a partir de umitinerário novo e seguro. Habilidade de ne-gociação e competência seriam atributos ne-cessários para substituir à anterior imagemde radical e de despreparo administrativo.

Já sua candidatura à reeleição em 2006, odiscurso revelava uma outra realidade, apósa vitória em 2002, o medo, o preconceito nãoassolavam mais a figura do Presidente. Afinalidade era superar as denúncias e casosde corrupção dentro do governo. Recuperara imagem do PT enquanto partido de “es-querda” e atestar a lisura do Presidente emrelação aos casos de corrupção e recuperara confiança do eleitorado. A mudança tam-bém não fazia mais parte do discurso. Pelaprimeira vez a idéia de continuidade se fezpresente no discurso do petista. Uma modi-ficação no lugar de fala e de atuação polí-tica levou a uma mudança de discurso para-lelo ao cuidado em manter a identidade doPresidente-candidato.

Não constitui objetivo deste trabalho iden-tificar os fatores determinantes da derrota deLula em suas primeiras candidaturas bemcom suas vitórias em 2002 e 2006, igual-mente não se pretende aqui assinalar as as-sertivas ou falhas das campanhas petistas,

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mas sim identificar os sentimentos suscita-dos e articulados para a construção de suaimagem pública durante sua trajetória aolongo de quase duas décadas no cenário po-lítico brasileiro.

5 Considerações finaisA utilização e expressão dos sentimentosna política constituem um fato central e atémesmo elementar na prática política contem-porânea. Apreender nos discursos políticos,sobretudo em momentos eleitorais, como serealiza esta gestão de sentimentos e emoçõesconstitui exercício relevante para uma com-preensão das práticas e valores morais quecerceiam o mundo social e o espaço da polí-tica.

Pode-se afirmar que na política, ocorreprogressivamente uma inversão de valoresonde a personalidade e demais atributos pes-soais são mais determinantes de resultadoseleitorais do que as ações ou programas quedefende.

Se considerarmos a campanha de Lula de2002, por exemplo, nos deparamos com a de-monstração de um perfil totalmente distintodo apresentado em 1989. Uma político quese apresentava em sua vida privada, eviden-ciando humanismo, emotividade. Ser apre-sentado como político consciente, humano,sensível, conciliador e, sobretudo, negocia-dor, foi fundamental na desconstrução de suaantiga imagem de político radical e intransi-gente que contribuía para a disseminação dodiscurso do medo.

Quanto à análise sobre a construção daimagem do Presidente Lula em sua trajetó-ria política percebemos, que as campanhasdo PT foram marcadas por expressão, dis-

putas e desconstrução de sentimentos comoestratégias eleitorais.

Apreendemos também que na disputa de2002, a finalidade foi a desconstrução de an-tigas aparências, conceitos e imagens e peloestabelecimento de novos discursos e prin-cipalmente de uma nova imagem do “per-sonagem” Lula. Percebemos também queesta nova imagem dominou a cena públicae se impôs com maestria perante a disputae oferta simbólica de imagens. Neste con-texto, vale mencionar que o cenário vigentetambém atua como participante desta disputapela imposição da imagem.

Quanto à mídia, esta constitui elementoregulador e mesmo produtora dos sentimen-tos ou da esfera na qual os sentimentos tran-sitam contribuindo para reforçar e legitimaruma determinada personalidade política bemcomo para degradar ou mesmo retirar do lu-gar de fala e de visibilidade do campo dedisputa. Neste jogo de estratégias, a utili-zação dos sentimentos tornaram-se impres-cindíveis para a viabilidade de candidaturas.Mas não se trata apenas de manipular comexcelência os sentimentos apropriado para operfil de um dado candidato, mas adequá-losa ao cenário vigente além de desconstruir odiscurso do outro. Trata-se de uma disputade sentidos e sentimentos no espaço público.

6 Referências bibliográficasBARREIRA, Irlys Alencar Firmo. Ritual e

Símbolo na Política. Cadernos Ceru –Série 2, no 7, 1996.

BARREIRA, Irlys Alencar Firmo. Chuvade Papéis: Ritos e Símbolos de Cam-panhas Eleitorais no Brasil. Rio de Ja-neiro: Relume Dumará, 1998.

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BARREIRA, Irlys Alencar Firmo. A expres-são de sentimentos na política. In: Es-paços e tempos da política. Rio de Ja-neiro: Relume Dumará, 2004, p. 67-88.

BEZERRA. Ada Kesea Guedes. Mídia ePolítica uma análise da construção daimagem pública de lula nas eleiçõespresidenciais de 2002. (Dissertação deMestrado). UFCG, Campina Grande,2006.

CHAIA, Vera. Eleições no Brasil: o “medo”como estratégia política. In: RUBIM,Antônio Albino Canelas, (org.) Elei-ções Presidenciais em 2002 no Brasil.Ensaios sobre mídia, cultura e política.São Paulo: Hacker Editores, 2004.

KUCINSKI, Bernardo. A síndrome da an-tena parabólica, ética no jornalismobrasileiro. São Paulo: Fundação PerseuAbramo, 1998.

RANDAZZO, Sal. A criação de mitos napublicidade. Como publicitários usamo poder do mito e do simbolismo paracriar marcas de sucesso. Rio de Janeiro:Rocco, 1197.

SCHWARTZENBERG, Roger-Gérard. OEstado espetáculo. Rio de Janeiro: Di-fel, 1978.

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