benjamin, walter - exceÇÃo entre o polÍtico e o estÉtico

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    Walter Benjamin: o Estado de Exceo entre o poltico e o esttico 1

    Mrcio Seligmann-Silva

    Data de 1921 o famoso ensaio de Walter Benjamin Zur Kritik der Gewalt, que, como

    muitos outros trabalhos do pensador berlinense, tinha um ttulo intraduzvel. Em

    portugus, visando dar conta da ambigidade do termo Gewalt, encontramos uma

    traduo duplicadora: Crtica da violncia Crtica do poder. A indecidibilidade que

    est no corao do termo alemo Gewalt, que significa tanto poder como violncia (e

    afirma que um no existe sem o outro), j contm in nuce o centro da argumentao

    benjaminiana. Este texto de Benjamin nasceu a partir de uma reflexo sobre a situaopoltica que a Europa vivia no ps-guerra, em meio a uma profunda crise das instituies

    polticas. Mas ele tambm desdobra determinados topoi de outros trabalhos seus, como a

    busca de uma esfera pura do relacionamento entre os homens (e deles com o mundo),

    bem como uma busca de meios independentes do servio a determinados fins.

    Reconhecemos tambm o uso de teologemas, argumentos derivados do Antigo

    Testamento, que so aplicados esfera do profano. Politicamente, Benjamin mais uma

    vez revela uma postura que o aproxima do anarquismo. Desta feita ele se vincula

    programaticamente a Georges Sorel e sua teoria da greve geral revolucionria.

    Neste texto, gostaria de, aps apresentar as teses centrais do ensaio de 1921,

    retomar o percurso da leitura deste ensaio de Benjamin da parte de Carl Schmitt, bem

    como o dilogo entre estes dois intelectuais, tal como, entre outros, Horst Bredekamp e

    Giorgio Agamben o apontaram, para em seguida indicar como questes centrais do

    ensaio de 1921 so retomadas no livro sobre o Trauerspiel(Origem do drama barroco

    alemo2) de 1925 e nos textos escritos no contexto do Passagen-Werk(Passagens), com

    destaque para o Sobre o conceito da histria, de 1940. A idia apresentar a figura daexceo, pensada tanto em termos polticos como no mbito terico-metodolgico, como

    um conceito central que atravessa o pensamento de Benjamin. Aqui no pretendemos

    mais do que lanar esta hiptese e propor alguns meios de prov-la. A apresentao

    detalhada do ensaio sobre a Gewalt de 1921, em uma tentativa como que didtica de

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    close reading, essencial para o que tento aqui. Para os que conhecem este texto de

    Benjamin em detalhes peo um pouco de pacincia. A idia extrair do comentrio do

    teor material deste texto algum plen para a crtica.

    Crtica da Gewalt

    O ponto central do argumento de Benjamin em seu ensaio sobre a Gewalt

    apresentado logo de sada em seu texto. A tarefa de uma crtica da violncia pode ser

    definida como a apresentao de suas relaes com o direito [Recht] e a justia

    [Gerechtigkeit]. Pois, qualquer que seja o efeito de uma determinada causa, ela s se

    transforma em violncia, no sentido forte da palavra, quando interfere em relaes

    ticas. (160; 179)3 No campo do direito, Benjamin recorda, poderamos criticar os meiosem funo dos fins, se justos ou no. Por outro lado, ele busca uma crtica mais radical,

    que permita refletir sobre a violncia em si, ou seja, analisar se ela tica mesmo

    servindo a fins justos. Para responder a esta questo, o autor prope adotarmos

    provisoriamente o ponto de vista do direito natural, que no v problema nenhum no uso

    de meios violentos para fins justos. (160; 180) Assim, o terrorismo justificaria o uso da

    violncia em funo de certos fins (considerados) justos. A violncia vista ai como algo

    natural. Como conhecido, segundo esta teoria abrimos mo de nosso poder via um

    contrato social, por vermos no Estado um protetor. Benjamin estende esta teoria at o

    darwinismo social e sua defesa da violncia como meio de cumprimento dos fins

    naturais. Aqui a violncia aparece como meio adequado.

    Oposta a esta perspectiva encontramos a tese do direito positivo (ou positivado),

    que ao invs de justificar os meios pelos fins, julga o direito pelos meios. Se a justia o

    critrio dos fins, escreve Benjamin, a legitimidade o critrio dos meios. (161; 180)

    Mas ambas as perspectivas ficam presas idia segundo a qual existe uma adequao

    entre meios e fins, j que meios justos devem gerar fins justos, estes so obtidos por

    aqueles. A lgica a que esta equao remonta reduz a justia ora a legitimadora dos meios

    (no caso do direito natural), ora a algo garantido pelos meios legtimos (no caso do direito

    positivo). O passo seguinte de Benjamin consiste em deixar em suspenso a determinao

    da justia e voltar-se para a questo da legitimidade dos meios. Neste ponto importante

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    lembrar a crtica benjaminiana da linguagem decada, apenas comunicativa e pensada

    como simples meio, que ele desenvolveu em mais de uma ocasio (lembremos aqui

    apenas de seu ensaio de 1916, Sobre a linguagem em geral e sobre a linguagem dos

    homens, do ensaio sobre a tarefa do tradutor, de 1923, e do seu texto Problemas da

    sociologia da linguagem, de 1935). Para pensar aquela legitimidade dos meios,

    Benjamin inicialmente aceita a tese do direito positivo, uma vez que este permite a

    distino entre sanktionierten und der nicht sanktionierten Gewalt (poder sancionado e

    o no-sancionado, 161; 181). A anlise dos fins do poder no suficiente para avali-lo:

    precisamos abordar o poder em sua origem histrica. Isto remete em Benjamin no

    apenas a uma genealogia (nietzschiana) das leis (dos mores), mas sua origem

    histrica (162; 182).

    Neste sentido ele se debrua sobre a cena poltica europia da sua poca. Nela eledetecta uma antinomia entre a esfera jurdica, que quer integrar toda a sociedade em um

    sistema de fins jurdicos, e os fins naturais dos indivduos. Estes no tm direito a

    recorrer violncia para concretizar seus fins. Por outro lado, o sistema jurdico, com seu

    monoplio da Gewalt/violncia, parece querer apenas perpetuar a si mesmo. Neste ponto

    de sua argumentao Benjamin introduz pela primeira vez a figura do grande

    bandido. Apesar de Benjamin no classificar deste modo, ele j representa uma apario

    de um estado de exceo dentro da aparente normalidade do estado de direito. Para

    Benjamin, este grande bandido gera tanta admirao da parte do povo, justamente

    porque ele ostenta a violncia/poder que lhes proibido manifestar. O simples fato deste

    bandido ter acesso violncia sentido como uma ameaa por parte da Gewalt/poder,

    independentemente de seus fins. A admirao do povo tambm no considera estes fins.

    O poder jurdico identifica neste desafio uma ameaa. E hoje sabemos at que ponto este

    sentir-se ameaado (ou melhor, este apresentar-se como ameaado) pode levar os

    detentores do poder a utilizar uma carga de violncia inimaginvel.

    A segunda figura benjaminiana em seu texto de 1921, que nos remete questo

    do estado de exceo, surge quando ele discute os limites que o Estado-poder impe ao

    direito de greve. Esta aceitada como uma manifestao do operariado como sujeito

    jurdico que obteria uma permisso para exercer um poder limitado. Este poder no-

    violento (nos termos de Benjamin: um meio puro), na media em que implica uma espcie

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    de no-ao. Este poder concedido aos trabalhadores para se evitar aes mais

    violentas. (168; 192) Mas se a greve assume as propores de uma greve geral

    revolucionria, o Estado a classifica como abuso (Missbrauch, ou seja, como uma

    ameaa ao estado de direito) e apelar para decretos especiais, Sonderverfgungen

    (163; 184). A greve geral revolucionria vista como um uso inadequado do poder e

    direito atribudo aos trabalhadores. Benjamin fala do caso limite, Ernstfall, deste tipo

    de greve que realiza uma passagem do uso legtimo de um direito, para a tentativa de se

    desestabilizar a prpria ordem jurdica. Aqui o direito torna-se violncia. Se o Estado

    responde com mais violncia, isto no significa uma contradio ou o uso de uma simples

    violncia assaltante, raubende Gewalt, mas antes que a Gewalt, no caso da greve geral

    revolucionria, pode estabelecer novas relaes jurdicas. Benjamin aprofunda esta tese a

    partir da anlise da violncia de guerra na sua dialtica com o direito de guerra. Estaviolncia caracterizada justamente como violncia assaltante. Ela revela que toda

    paz, no nada mais do que uma sano de uma vitria e o estabelecimento de uma

    nova ordem jurdica.4 Segundo o autor, exatamente esta violncia de guerra que deve

    servir de modelo para compreendermos qualquer violncia. Da recente guerra europia,

    ele deduz que o militarismo revela uma dupla face da violncia: enquanto uma

    compulso (Zwang) para seu uso generalizado como meio para fins de Estado, ou seja,

    como meio para fins jurdicos, ela se revela tanto como instituidora de direito como

    tambm, por outro lado, como mantenedora de direito. (165; 187) Deste modo

    Benjamin atinge o cerne da questo da Gewalt enquanto composio indissocivel de

    violncia e poder (jurdico). Sua crtica da Gewaltvisa estas suas duas faces. Mesmo a

    mxima bem-intencionada de Kant, aja de tal modo que voc use a humanidade, tanto

    em nome da tua pessoa como na de qualquer outro, sempre como fim, nunca apenas

    como meio..., vista como insuficiente e ingnua para se fazer uma crtica da Gewalt.

    Ela no suficiente para dissociar o ncleo da Gewalt (alm de afirmar uma

    antropologia limitada que parece desconhecer, eu acrescentaria, conceitos como o de

    trgico, o de sublime e o de medo, que marcam no s a histria da Esttica, mas

    sobretudo, explicitamente ao menos desde Maquiavel e Hobbes, a teoria poltica).

    O direito positivo, nota ainda Benjamin, v em cada indivduo um representante

    do interesse da humanidade e de uma ordem de destino. Esta submisso do indivduo a

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    esta ordem implica tambm a construo de um discurso que apenas reitera o status quo.

    A ordem do direito carece de um poder ameaador (Die rechterhaltende Gewalt ist eine

    drohende. 165; 188). Esta idia nos faz lembrar de uma passagem da tragdia

    Eumnides de squilo, quando a juza, chefe do tribunal, Palas Atena, define a nova

    ordem jurdica que estava sendo instaurada a partir do julgamento de Orestes:

    Prestai ateno ao que instauro aqui, atenienses, convocados por mim mesma parajulgar pela primeira vez um homem, autor de um crime em que foi derramadosangue. A partir deste dia e para todo o sempre o povo que j teve como rei Egeuter a incumbncia de manter intactas as normas adotadas neste tribunal na colinade Ares [...] Sobre esta elevao digo que a Reverncia e o Temor, seu irmo, sejadurante o dia, seja de noite, evitaro que os cidados cometam crimes, a no serque eles prefiram aniquilar as leis feitas para seu bem (quem poluir com lodo oucom eflvios turvos as fontes claras, no ter onde beber). Nem opresso, nem

    anarquia: eis o lema que os cidados devem seguir e respeitar. No lhes convmtampouco expulsar da cidade todo o Temor; se nada tiver a temer, que homemcumprir aqui seus deveres? (E. 900-30 [681-99])

    Esta aproximao com o universo mtico da tragdia que fao aqui corrobora para

    a interpretao de Benjamin da lei e da esfera do poder na sua relao com a do jurdico.

    Pois ele mesmo escreve: A lei se mostra ameaadora como o destino, do qual depende

    se o criminoso lhe sucumbe. O direito visto como descendente do conceito de destino:

    neste sentido as punies revelam este aspecto mtico da lei. A crtica da pena de morte

    atingiria o poder na sua relao com a violncia e o destino, a saber, atacaria o poder

    mximo que atua sobre o direito de vida e de morte. O direito se alimenta e se fortalece

    deste poder decisrio sobre a vida e a morte. Aqui Benjamin detecta um elemento de

    podrido dentro do direito (etwas Morsches im Recht, 166; 188).

    A mesma ambigidade da Gewaltque percebemos na punio via pena de morte

    detectada em outra instituio estatal: a polcia. Esta ambigidade deriva do fato dela ser

    ao mesmo tempo um rgo, melhor dizendo, uma Gewalt, do sistema jurdico e tambm

    estabelecer de certo modo seus prprios fins jurdicos por meio de decretos. Ela ,portanto, poder mantenedor e instituidor do direito. A polcia funciona como um

    instrumento do Estado que intervm onde o sistema jurdico esbarra no seu limite.

    Alegando questes de segurana, o Estado pode assim controlar seus cidados.

    Benjamin fala de uma vida regulamentada por decretos (algo prximo do que veremos

    mais adiante, quando observarmos o que ele escreveu sobre a normalidade do Estado de

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    Exceo). A polcia aparece como um podergestaltlos, amorfo, em comparao com o

    direito que ainda fazia referncia a uma deciso, Entscheidung que valia como uma

    categoria metafsica que a abria crtica. Neste sentido, Benjamin observa, no sem

    ironia, que o esprito policialesco, que parece ser to compatvel com a monarquia

    soberana, onde ele representa o poder do soberano, reunindo suas funes legislativas e

    executivas, j nas democracias d provas da maior degenerescncia imaginvel do poder

    [Gewalt]. (167; 190) Esta idia essencial para destacar que todo poder tambm meio

    do direito: seja para institu-lo ou para mant-lo. No se pode criticar o poder sem se

    criticar o direito. Este recebe, a partir da reflexo sobre sua relao como que simbitica

    com a Gewalt, uma luz tica ambgua.

    Assim como Benjamin em seus textos sobre a linguagem procurava uma outra

    esfera, no comunicativa da mesma, aqui no texto de 1921 ele pergunta-se se nopodemos encontrar uma esfera para a regulamentao de nossos interesses que pudesse

    dispensar este meio violento. Ele busca meios no-violentos, para alm dos contratos

    jurdicos que sempre remetem a alguma violncia. Visa uma esfera pura, independente

    tambm dos compromissos apenas aparentemente no violentos dos parlamentares da

    Repblica de Weimar (e de tantas outras repblicas). O parlamentarismo s pode existir

    dentro do seu compromisso com a Gewalt, conclui Benjamin. A questo, poderamos

    acrescentar, o que colocar em seu lugar: ou talvez trata-se de se imaginar e criar um

    lugar totalmente outro.

    Os exemplos positivos de Benjamin neste ponto no so muito animadores. Ele

    encontra meios no-violentos, puros, na cultura do corao (168; 191). Elogia a

    ateno do corao, a simpatia, o amor pela paz. Outro exemplo, que poderia lembrar a

    tica dialgica da ao comunicativa de Habermas, a conversa (Unterredung), onde

    impera, para Benjamin, a impunidade da mentira. Este conceito no deixa de lembrar a

    valorizao da conversa pelo primeiro romantismo (lembremos do famoso texto de

    Friedrich Schlegel, Conversa sobre a poesia), que Benjamin conhecia to bem, j que

    dois anos antes de escrever este texto defendera seu doutorado sobre o conceito de crtica

    daquele crculo de pensadores. Na linguagem e no entendimento que ela permite,

    Benjamin encontra este meio puro, no-violento. Da tambm seu elogio da linguagem da

    diplomacia. (170; 195) Mas o exemplo central dele retoma a questo do direito de greve.

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    A partir das Rflexions sur la violence de Georges Sorel, Benjamin estabelece uma

    distino entre a greve geral poltica e a greve geral proletria. A primeira est

    totalmente comprometida com o poder enquanto sistema que se reproduz. No mximo ela

    pode levar construo de uma nova ordem jurdica, que fatalmente reproduzir a

    violncia da ordem anterior. Neste caso, os privilegiados apenas trocam de nome. J a

    greve geral proletria visa aniquilar o poder do Estado, visa super-lo. Apenas esta greve,

    Benjamin prope ento, verdadeiramente no-violenta, j que no seu horizonte no

    encontra-se a volta ao trabalho, mas sim a sua transformao absoluta. Esta greve

    anarquista no violenta, apesar de suas conseqncias catastrficas (170; 194)5, j que

    uma ao deve ser julgada em funo de seus meios e no de suas conseqncias.

    A concluso de Benjamin deste balano da relao da Gewalt com o direito

    condena o poder orientado seja segundo o direito natural, com seu culto dos fins edesprezo pela tica dos meios, seja segundo o direito positivo, que tambm parte da

    lgica de sustentao do poder pelo meio jurdico, por mais que ele parea legtimo.

    Assim como antes Benjamin se perguntara se existem meios no-violentos, ele busca

    neste passo outras modalidades de poder, para alm das que a teoria do direito apresenta.

    Mas esta busca ocorre justamente por meio da crtica do direito. A indecibilidade que

    assombra o campo jurdico impossvel decidir qualquer problema jurdico (171;

    196) apresentada com o exemplo lingstico que afirma a impossibilidade de se

    decidir o que certo e o que errado em lnguas vivas em transformao. Este

    exemplo tanto mais importante, na medida em que aponta para a origem da aporia do

    sistema jurdico: ele depende da impossvel adequao entre fins universais e situaes

    particulares. Este sistema, poderamos dizer, contm em si seu prprio o estado de

    exceo. Como j se disse, todo ato de linguagem em certa medida um golpe de

    estado com relao s regras da linguagem. Do mesmo modo o direito s existe dentro

    deste espao (negado e temvel) entre a lei e sua realizao. Ele sempre depende, em

    ltima instncia, do poder decisrio dos que dominam o aparelho jurdico. Ele sempre,

    portanto, poder instituinte e mantenedor.

    Benjamin encontra uma funo no mediativa da violncia na ira, enquanto pura

    manifestao sem fim. A Gewalt mtica tambm assume este carter de manifestao,

    como no caso, segundo o autor, da lenda de Nobe. A violncia que desaba sobre ela teria

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    ambigidade proposital. (172; 199) Esta duplicidade est na origem de uma lgica de

    retro-alimentao do direito/poder que possui uma forma que recorda a circularidade

    (mtica). Afinal, as premonies mticas (e trgicas) sempre trazem em si a futura

    transgresso e o castigo. Com Hermann Cohen, Benjamin recorda que nestes casos

    sua prpria ordem que parece provocar sua transgresso, esse desrespeito. (Id.)

    Desdobrando sua crtica, Benjamin deduz da identidade entre a Gewaltmtica e a

    do sistema jurdico a tarefa, Aufgabe, da sua aniquilao. Esta s pode se dar via oposio

    da Gewaltmtica por parte de uma outra, com um carter inteiramente outro, que barre a

    simples reproduo desta fora. Trata-se de encontrar uma Gewaltpura e imediata. Assim

    Benjamin ope o poder mtico ao divino. Este ltimo o oposto do primeiro e permite

    aniquilar o direito. Aquele rechtsetzende, instituidor de direito, este

    rechtsvernichtende, aniquilador de direito, se um estabelece limites, o outro sem-limites, se um instaura a culpa e a penitncia, o outro liberta da culpa, se um ameaa o

    outro resolve de um golpe, se um sangrento, o outro letal, mas no-sangrento. Nesta

    passagem, das mais controversas do ensaio de 1921, Benjamin confronta o mito de Nobe

    lenda bblica da destruio da corja de Corah (Nmeros 16). Para ele, a aniquilao de

    um s golpe e no sangrenta realizada por Deus liberta da culpa. Este ser sem-sangue

    central: pois o sangue smbolo da vida pura, escreve Benjamin. A Gewaltmtica, por

    sua vez, remonta culpabilizao da vida pura natural que leva os inocentes penitncia

    e, no limite, destri o prprio direito. Aquilo a que Benjamin denomina de vida pura

    indica tambm o limite do direito sobre os viventes. Aqui ressurge a diferena entre uma

    poltica dos meios e a dos fins puros: O poder [Gewalt] mtico poder [Gewalt]

    sangrento sobre a vida pura e por ela mesma, ao passo que o poder [Gewalt] divino o

    sobre toda a vida tendo em vista os viventes. (173; 200, traduo modificada) O

    primeiro exige sacrifcios, ou seja alimenta-se da vida pura, destruindo-a, o segundo,

    escreve Benjamin (de modo enigmtico) simplesmente aceita estes sacrifcios. O poder

    divino puro.

    O penltimo passo do ensaio benjaminiano desdobra esta reflexo sobre a relao

    entre poder/direito mtico e o sacrifcio da vida pura e, por outro lado, o poder divino

    como golpeador e no-jurdico. Se este ltimo poderia dar a entender que a capacidade

    letal poderia ser estendida aos homens, isto no ocorre pois o mandamento No

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    matars impede a realizao do ato. No entanto, este mandamento no deve estar nem na

    origem da conteno diante do ato, nem do seu eventual julgamento. Este ponto

    essencial para se demarcar a esfera do direito mtico e a do poder divino. O mandamento

    no existe como medida de julgamento, e sim como diretriz. (173; 200) E, mais ainda,

    no se deve deduzir dele a tese errnea do carter sagrado da vida, seja ela vegetal,

    animal ou humana.6 Para Benjamin falso que a existncia estaria acima da existncia

    justa, na medida em que existir signifique apenas a vida pura. Mas vida, para este

    autor, assim como a palavra paz que vimos acima, deve ser considerada como uma

    linha entre duas esferas, o que a torna eminentemente ambgua. Se considerarmos o

    existir como o estado agregado inabalvel da pessoa, podemos aceitar que o no-ser

    desta possa ser mais terrvel que o mero ainda no-ser da pessoa justa. Mas no se trata

    de sacralizar a vida, o corpo humano, Leib, em funo do elemento sagrado da pessoa. Oautor se pergunta sobre a diferena entre as pessoas e os animais e plantas, para afirmar

    que estes ltimos no teriam um carter sagrado devido pura vida. O programa de

    pesquisa que ele prope ento foi seguido risca por Agamben: Sem dvida, valeria a

    pena investigar o dogma do carter sagrado da vida. (174; 202) Para Benjamin, este

    dogma deve ser recente e considerado um equivoco da tradio ocidental enfraquecida,

    que busca o sagrado perdido no impenetrvel cosmolgico. Ele arremata seu raciocnio

    com um teorema (como que kafkiano): ele se espanta diante do fato de que se atribua o

    carter de sagrado justamente vida pura, ou seja, quilo que o pensamento mtico

    considera como o que porta a culpa. Assim ele fecha o crculo de seu estudo: o poder-

    direito mtico exige o sacrifcio da vida sacra. Apenas a crtica da Gewalt pode nos

    instrumentalizar contra este crculo onde a lei, o sagrado e a culpa se alimentam

    eternamente.

    Esta crtica no apresentada como genealogia, mas sim como uma filosofia da

    sua histria. A mise en perspective derivada deste ponto de vista traa um ponto

    arquimediano fora da esfera do poder-violncia que permite este olhar crtico. Assim,

    Benjamin prope, no seu ltimo passo, a possibilidade de ruptura na cadeia de embates

    histricos e mticos entre poderes mantenedores e poderes instituintes. A nova era

    histrica anunciada, como aquela sem um poder do Estado. O poder puro,

    revolucionrio e humano que Benjamin evoca, posto em paralelo com o poder divino,

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    que dispe daquilo que o mito reduziu ao direito. Mas novamente Benjamin infeliz na

    escolha de seus exemplos de tal poder puro: ele o v tanto na verdadeira guerra como

    no juzo divino da multido sobre o criminoso. Em contrapondo ao poder que o

    homem pe, schaltende Gewalt, que no abandona o mito e depende do direito, assim

    como ao poder mantenedor, administrado, verwaltete Gewalt, ele prope o poder divino,

    que nunca meio e pode ser chamado de poder que dispe, waltende Gewalt. Se

    recordarmos que em alemo se diz schalten und walten, no sentido de pr e dispor,

    mandar, e das expresses walts Gott, em nome de Deus!, ou das walte Gott, assim seja!,

    podemos compreender melhor este jogo de palavras de Benjamin com o termo Gewalt.

    Em portugus dizemos tambm que o homem pe e Deus dispe. Aqui se trata de uma

    equao simples: o direito institudo, humano, ligado ao que mantm o status quo e

    ambos so contrapostos ao poder divino que dispe segundo a sua vontade.

    Benjamin leitor de Carl Schmitt e vice-versa

    A histria da recepo mais intensa deste ensaio de Benjamin de 1921

    normalmente contada apenas a partir do famoso texto de Derrida Force de loi,

    publicado em 1994 e escrito no final dos anos 1980 e incio da dcada seguinte. Mas na

    verdade esta recepo deu-se de modo imediato, j que Carl Schmitt deve ser contado

    como um dos leitores de primeira hora do ensaio de Benjamin. Este por sua vez,

    reconheceria no livro de Schmitt Politische Theologie uma srie de idias que lhe

    ajudaram na construo de seu ensaio sobre o drama barroco alemo. justamente esta

    proximidade de interesses entre Benjamin e Schmitt que est na origem da crtica

    avassaladora que Derrida fez a este texto (Derrida 1994: 69). Crtica que me parece

    injusta e precipitada. Talvez apenas uma espcie de pequena tentativa, da parte de

    Derrida, de matar o pai, ou um de seus pais intelectuais.

    Mas verdade que Carl Schmitt foi no s um eminente membro do partido

    nazista, como existem vrias passagens anti-semitas em sua obra. Ele foi o autor de textos

    como Der Fhrer schtzt das Recht (O Fhrer protege o direito, 1934) e Die

    deutsche Rechtswissenschaft im Kampf gegen den jdischen Geist (A cincia jurdica

    alem em luta contra o esprito judaico, 1936). (Weber: 5) O ensaio de Derrida, assim

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    como o de Benjamin, parte da aporia jurdica, ou seja, de sua relao estrutural com a

    violncia. Derrida escreve sobre a relao entre a lei e sua aplicabilidade, enforceability,

    que depende da fora. (1994: 18) Se o direito pode ser desconstrudo, como Benjamin o

    demonstrou, a justia no o pode ser. (1994: 35) Partindo do ensaio de Benjamin, Derrida

    tambm analisa a relao entre direito e sacrifcio (1994: 43); com Lvinas, ele escreve

    sobre a relao dialgica com o outro como possvel fundamento de uma justia (1994:

    48s.), entre outros temas que no caberia recordar aqui. O importante que a partir de

    uma grande identificao de temas da desconstruo com o texto (e a obra) de Benjamin,

    Derrida parte, na segunda metade de seu ensaio, para um ataque a este texto inquietante,

    enigmtico, terrivelmente equivocado, [...] assombrado pelo tema da destruio radical,

    da exterminao, da aniquilao total [...] (1994: 67). Derrida interpreta a idia de

    justia divina, violenta, de um golpe e no-sangrenta, como uma espcie de assombraodo extermnio judaico que pairaria sobre o ensaio benjaminiano. Mas no s de uma

    assombrao e de uma premonio que se trata. Para Derrida como se Benjamin

    estivesse no apenas prevendo, mas justificando as cmaras de gs. (1994: 71, 145) Falar

    de uma cumplicidade entre o ensaio de Benjamin e a soluo final de um

    teleologismo absurdo que parece-me inquietante, enigmtico, terrivelmente

    equivocado. Se Derrida tem toda a razo em constatar certas proximidades (perigosas)

    entre Benjamin e algumas passagens de Schmitt e Heidegger, entre, por exemplo, a

    hostilidade deles ao parlamentarismo democrtico, da a deduzir esta interpretao do

    texto de 1921, parece-me precipitado.7 Mas com isso no quero negar a necessidade de

    desconstruo do texto benjaminiano. Quando Derrida afirma que a polaridade entre

    greve geral poltica e proletria deve ser desconstruda, difcil no concordar (1994:

    93); tampouco pode-se negar o elemento enigmtico e, hoje, pouco produtivo, da idia de

    violncia divina, assim como os traos conservadores da crtica benjaminiana da

    degenerescncia (Entartung, 175; 202) do poder e da decadncia (Verfall, 167; 190) das

    instituies jurdicas. (Derrida 1994: 111s.) No de admirar que Derrida tenha se

    sentido um tanto chocado com estes conceitos. Mas isto no justifica seu teleologismo.

    Mas o que importa aqui no so os detalhes desta leitura derridiana do Zur

    Kritikder Gewalt (um tema muito importante para um estudo da obra do prprio

    Derrida), mas sim a teoria do estado de exceo de Benjamin e como esta pode ser

    12

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    melhor compreendida se levarmos em conta este dilogo com Carl Schmitt. A relao

    entre Benjamin e Schmitt est documentada em poucas passagens. Alm da citao do

    livro Politische Theologie no seu ensaio sobre o drama barroco alemo que logo veremos,

    devemos lembrar de uma carta a Richard Weissbach de 23.03.1923, da carta que

    Benjamin enviou a C. Schmitt em 9.12.1930, onde avisa que ele em breve receber seu

    ensaio sobre o Trauerspiel, e de uma passagem de um curriculum vitae de 1928.

    Na carta a Weissbach, Benjamin escreve: Quando da minha ltima visita eu

    esqueci o Politische Theologie do Schmitt com o senhor. O senhor poderia, por favor,

    gentilmente envi-lo a mim. Ele importante para o meu trabalho atual sobre o

    Trauerspiel.8 J o curriculum de 1928 revela pistas preciosas para a compreenso da

    obra de Benjamin daquele perodo:

    Assim como Benedetto Croce com a destruio da doutrina das formas artsticas[Kunstformen]abriu o caminho para a obra nica concreta, assim os meus ensaiosat agora tm se esforado em abrir o caminho para a obra de arte atravs dadestruio da doutrina do carter disciplinar da arte. Seu objetivo programticocomum o processo de integrao da cincia que mais e mais deita ao cho asparedes divisrias entre as disciplinas, tal como o conceito de cincia do sculopassado as caracterizavam, com base no fomento de uma anlise da obra de arteque reconhea nela uma expresso integral, sem delimitar em um campo restrito,das tendncias religiosas, metafsicas, polticas e econmicas de uma poca. Esteensaio, que eu levei a cabo em uma escala ampla no mencionado Origem do

    drama barroco alemo, conecta-se, por um lado, com as idias de Alois Riegl esua doutrina do Kunstwollen, por outro lado, com as tentativas atuais de CarlSchmitt, que realiza na sua anlise das configuraes polticas uma tentativaanloga de integrao dos fenmenos, que apenas na aparncia so separadossegundo os campos. Sobretudo, no entanto, uma tal observao parece-mecondio para toda compreenso fisionmica profunda da obra de arte no pontoem que elas so incomparveis e nicas. Neste sentido, ela se aproxima mais daobservao eidtica dos fenmenos do que da sua observao histrica. (GS VI,pp.218s.)

    Benjamin buscava tanto modelos capazes de superar as compartimentaes entre as

    disciplinas, como tambm reconheceu na obra de Schmitt um mtodo para salvar o

    elemento nico, incomparvel, das obras. Aqui encontramos, portanto, um tema central

    de sua introduo ao livro sobre o Trauerspiel.

    A carta a Schmitt formal e indica o desejo de continuar um dilogo intelectual

    com o ento eminente terico do direito, crtico literrio e escritor surrealista. Como se

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    trata da nica carta de Benjamin a Schmitt de que temos conhecimento e, por outro lado,

    como encontramos nela algumas afirmaes reveladoras, tambm vale a pena cit-la9:

    Prezado Professor,

    Por estes dias o senhor receber da editora o meu livro Ursprung des deutschenTrauerspiels [Origem do drama barroco alemo]. Com estas linhas eu gostariano apenas de anunci-lo, mas tambm de expressar-lhe minha alegria quanto aofato de que pude envi-lo graas ao senhor Albert Salomon. O senhor ir notarmuito rapidamente quanto o livro deve a sua apresentao da doutrina dasoberania no sculo XVII [Cf. Politische Theologie, 1922]. Talvez eu deva, almdisso, j dizer que derivei de suas obras posteriores, particularmente de Diktatur,uma confirmao dos meus mtodos de pesquisa em filosofia da arte das suassobre filosofia do estado. Se a sua leitura do meu livro tornar compreensvel estesentimento, o propsito do meu envio ter se cumprido.

    Com a expresso de uma particular admirao,Atenciosamente,

    Walter Benjamin (Benjamin 1997: 558)

    Novamente Benjamin destaca este encontro metodolgico entre sua obra e a do terico

    do direito. Por outro lado, como vimos, no podemos perder de vista que o prprio

    Schmitt foi um leitor de Benjamin. Est praticamente provada a sua leitura do ensaio de

    Benjamin sobre a Gewalt de 1921, publicado no Archiv fr Sozialwissenschaft und

    Sozialpolitik(nmero 47 de 1920-21), revista da qual Schmitt era leitor habitual, como

    apontou G. Agamben. (2004: 84) Alm disso, no ps-guerra Schmitt voltou a lidar de

    modo intenso com a obra de Benjamin a partir de sua discusso da tragdia em seu livro

    Hamlet oder Hecuba. Die Einbruch der Zeit in das Spiel(Hamlet ou cuba. A irrupo

    do tempo no drama), de 1956. Como recorda Horst Bredekamp, Carl Schmitt escreve em

    uma srie de cartas de 1973, que durante os anos 1930 ele se ocupou de Benjamin. A

    apresentao deste relacionamento ultrapassa a troca intelectual. Schmitt enfatizou que

    tinha contatos dirios com amigos em comum dele e de Benjamin. Estes contatos no

    estariam documentados por escrito justamente porque eram cotidianos e pessoais.Schmitt apresenta tambm seu estudo sobre o Leviathan e Hobbes de 1938 como uma

    resposta ao livro de Benjamin sobre o drama barroco e sua incapacidade de lidar com

    este tema da filosofia poltica. Bredekamp tambm parece ter razo ao apontar esta

    reconstruo autobiogrfica de Schmitt nos anos 1970 como uma tentativa de se libertar

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    da culpa de seu passado nazista via esta aproximao com o ento j amplamente

    reconhecido intelectual de esquerda, entronizado por 1968, que era Benjamin.

    Independentemente desta poltica da memria, no entanto, ele considera que faz muito

    sentido pensar no estudo schmittiano da figura do Leviathan como uma resposta ao

    ensaio de Benjamin. Contra a tese benjaminiana do perodo barroco como uma era

    instvel e imprpria para a autoridade absoluta do soberano (que se aproximaria do

    conceito hobbesiano de estado de natureza) Schmitt mostra que havia sim espao para

    aquela figura do poder centralizado. (Bredekamp 1999: 261s.)

    importante destacar, portanto, que neste dilogo intelectual predomina uma

    admirao distanciada. Apesar da aproximao possvel entre determinados pontos de

    vista polticos (a crtica ao parlamentarismo e ao liberalismo de ento), apesar da atrao

    pela teoria da soberania no sculo XVII e da paixo metodolgica pelo estudo dosfenmenos extremos, a leitura recproca sempre valeu como inspirao, mas tambm

    como tomada de distanciamento crtico. Normalmente um autor revertia o teorema lido

    no outro: isto se passa tanto na questo da teoria da soberania como na do estado de

    exceo. A famosa definio schmittiana da soberania, Souvern ist, wer ber den

    Ausnahmezustand entscheidet10 (Soberano aquele que decide sobre o estado de

    exceo; Schmitt 1996: 13), pode refletir em parte as idias do ensaio de Benjamin

    sobre a violncia, mas no corresponder prpria descrio benjaminiana da figura do

    soberano no sculo XVII. A este conceito de soberania corresponde ainda, em Schmitt, a

    idia de decreto de urgncia, Notverordnungou de estado de stio, Belagerungzustand.

    Estes conceitos da teoria poltica reaparecem em termos de uma reflexo epistemolgica

    e de filosofia da histria. Assim, a idia contida na frase seguinte de Schmitt, aps esta

    definio de soberania em Politische Theologie, tambm reaparece no livro sobre o

    Trauerspiel, desta feita sem a reverso. Aqui trata-se justamente de um preceito terico-

    metodolgico e no de um teorema poltico. Citemos Schmitt: Diese Definition kann

    dem Begriff der Souvernitt als einem Grenzbegriff allein gerecht werden. (Apenas

    esta definio ser compatvel com o conceito de soberania enquanto um conceito-

    limite. 1996: 13) Tambm Benjamin considerar seu conceito de Trauerspiel um

    conceito-limite. Segundo ele, apenas nestas aparies extremas pode-se determinar os

    conceitos da teoria esttica.

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    direito: isto no pode existir para ele, pois o estado de exceo justamente inclui a

    violncia no direito no mesmo momento em que suspende este. A noo de deciso de

    Schmitt tambm supera a polaridade entre poder constituinte e constitudo. O poder

    soberano em Schmitt est alm desta polaridade, ele simplesmente suspende o direito.

    Tambm a indecidibilidade das questes jurdicas, afirma Agamben, superada por

    Schmitt em Politische Theologie, graas figura do soberano como quem capaz de

    deciso. esta deciso que permite se estabelecer uma ponte entre a anomia e o sistema

    jurdico. (Id.) Visto isto, passemos resposta benjaminiana ao Politische Theologie.

    Benjamin, no item de seu livro de 1925 sobre o Trauerspieldedicada Teoria da

    soberania, recorre ao Politische Theologie para apresentar a nova ordem poltica do

    sculo XVII. O conceito moderno de soberania tende para um poder executivo assumido

    pelo prncipe, o Barroco desenvolveu-se a partir da discusso do estado de exceo[Ausnahmezustand], considerando que a mais importante funo do prncipe impedi-lo.

    Aquele que exerce o poder est predestinado de antemo a ser detentor de um poder

    ditatorial em situaes de exceo provocadas por guerras, revoltas ou outras

    catstrofes. (Benjamin 2004: 57s., correspondendo a GS I, pp.245s.) Mais importante no

    nosso contexto, a explicao filosfico-histrica de Benjamin para este estado poltico

    excepcional:

    O barroco contrape frontalmente ao ideal histrico da Restaurao a idia decatstrofe. E a teoria do estado de exceo constri-se sobre esta anttese. Porisso, no basta invocar a maior estabilidade das condies polticas do sculoXVIII para se explicar de que modo se perde neste sculo a conscincia daimportncia do estado de exceo, dominante no direito natural do sculo XVII.[C. Schmitt] [...] O homem religioso do Barroco prende-se to fortemente aomundo porque sente que com ele arrastado para uma queda de gua. Existe umaescatologia barroca11; por isso o que existe um mecanismo que acumula e exaltatudo o que terreno antes de entregar morte. O alm esvaziado de tudo aquiloque possa conter o mnimo sopro mundano, e o Barroco extrai dele uma panpliade coisas que at a se furtavam a qualquer configurao artstica, trazendo-as, nafase do seu apogeu, violentamente luz do dia para esvaziar um derradeiro cuque, nessa sua vacuidade, ser capaz de um dia destruir a terra com a violncia deuma catstrofe. (Benjamin 2004: 58s.; correspondendo a GS I, p.246. Traduomodificada)

    Ou seja, ao invs de uma teoria do soberano e de sua legitimao via estado de exceo,

    Benjamin d a esta situao excepcional uma dimenso to radical que destri o reino

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    sobre o qual este soberano poderia reinar. Impera no o soberano, mas sim a catstrofe.

    Melhor dizendo, as catstrofes do presente que sero triunfalmente finalizadas com uma

    catstrofe futura. (Cf. Seligmann-Silva 2003) O que resta aos viventes nesta situao sem

    redeno de anomia o jogo-lutuoso (literalmente: Trauer-spiel) com as runas do

    mundo. Da a centralidade, neste ensaio de Benjamin, dos conceitos de melancolia e de

    alegoria. O alegorista o colecionador de escombros, que, resignificando-os, salva-os.

    Em outro item do mesmo captulo sobre o Drama Trgico [Trauerspiel]e a Tragdia,

    Benjamin destaca a Incapacidade de deciso do soberano. Nada menos caro teoria da

    soberania de Schmitt: A anttese entre o poder do soberano e a sua efetiva capacidade de

    governar levou, no drama trgico, a uma caracterstica muito prpria, que s

    aparentemente um trao de gnero, e que s pode ser explicada luz da teoria da

    soberania. Trata-se da incapacidade de deciso do tirano. O prncipe, cuja pessoa depositria da deciso do estado de exceo, demonstra logo na primeira oportunidade

    que incapaz de tomar uma deciso. (2004: 66; correspondendo a GS I, p. 250).

    Benjamin nota que existe por detrs do drama de tirano barroco elementos da tragdia de

    mrtires. O soberano barroco, para ele, oscila entre a figura do tirano e a do mrtir.

    Benjamin nota que, por outro lado, tambm nas histrias de mrtires do Barroco pode-se

    perceber o drama do tirano. O monarca aquele que passa por uma prova, assim como o

    mrtir. A funo do tirano a restaurao da ordem na situao de exceo: uma

    ditadura cuja utopia ser sempre a de colocar as leis frreas da natureza no lugar do

    instvel acontecer histrico. Mas tambm a tcnica estica visa um objetivo parecido:

    controlar, com o domnio dos afetos, o que pode ser visto como estado de exceo da

    alma [Ausnahmezustand der Seele]. (Benjamin 2004: 68; correspondendo a GS I,

    p.253). Aqui Benjamin transpe um fenmeno descoberto no campo da teoria poltica

    para o campo da teoria do pathos do drama barroco. De tirano a indeciso, de ditador a

    soberano em luta com suas paixes sob um cu no-transcendente, nestas transposies

    dos conceitos de Schmitt, Benjamin atribui cores totalmente distintas e prprias sua

    teoria do estado de exceo.

    Por outro lado, em termos epistemolgicos assim como em termos de uma atrao

    por uma temporalidade de exceo, podemos sim detectar continuidades flagrantes

    entre estes dois pensadores. Na sua teoria das idias apresentada na introduo do livro

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    sobre o drama barroco, Benjamin afirma que as idias devem ser atingidas pela

    contemplao dos fenmenos nicos. Nelas, estes fenmenos so reunidos e so salvos.

    Entre o fenmeno e a idia, Benjamin descreve o trabalho dos conceitos: aqueles

    elementos, que os conceitos tm por tarefa destacar dos fenmenos, so mais claramente

    visveis nos extremos da constelao. A idia definvel como a configurao daquele

    nexo em que o nico e extremo se encontra com o que lhe semelhante. [...] O universal

    a idia. J o emprico ser tanto mais profundamente apreendido quanto mais

    claramente for visto como algo extremo. O conceito procede de algo extremo. (2004:

    21; correspondendo a GS I, p.215). Portanto, os conceitos poetolgicos no devem ser

    pensados como mdias ou sumas dos fenmenos. Benjamin trata o Trauerspielcomo

    uma idia. Isto o ope tradio da composio da histria das idias. Ele valoriza uma

    apario marginal nestas histrias, o drama barroco alemo. a que Benjamin encontratoda a carga explosiva do Trauerspiel. Nestas aparies extremas pode-se, para ele,

    perceber melhor os traos do gnero, do que nas suas manifestaes mais perfeitas, como

    pde-se ver na Inglaterra e sobretudo na Espanha.12

    Benjamin visa a uma verdadeira contemplao, como vimos, ele quer salvar as

    obras na sua concretude e singularidade, sem abandonar a noo de idia e rejeitando o

    mtodo dedutivo. Da o seu conceito de origem, como algo oposto noo de gnese,

    Entstehung. Origem no designa o processo de devir de algo que se originou

    [Entsprungenen], mas antes aquilo que emerge [Entspringende]do processo de devir e

    desaparecer. A origem insere-se no fluxo do devir como um redemoinho que arrasta no

    seu movimento o material produzido no processo de gnese [Entstehungsmaterial].

    (2004: 32; correspondendo a GS I, p.226. Traduo modificada.). Este emergir

    justamente uma metfora do procedimento benjaminiano de romper com o modo de

    pensar linear e ascendente tradicional. Trata-se da idia de Ursprung, como salto, Sprung,

    para fora desta linearidade, destruindo os falsos nexos e contextos. Assim Benjamin

    pretendia no abandonar o histrico, mas sim salv-lo do nico modo que lhe parecia

    possvel, sem ocultar suas rupturas e tenses.

    Sobre o conceito da histria, choque e reprodutibilidade como rupturas na tradio

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    Do mesmo modo que no barroco Benjamin detectou um viso da histria como

    um contnuo de catstrofes, nas suas reflexes histricas dos anos 1930 esta idia tornou-

    se cada vez mais central. Agora tratava-se no mais de um estudo do sculo XVII (por

    mais que Benjamin tenha deixado claro que estudou o barroco visando compreender e

    iluminar seu presente), mas sim da anlise de uma situao concreta: a Alemanha nazista

    existiu por seus doze anos sob o signo de um estado de exceo declarado. As reflexes

    contidas no seu ltimo texto, o Sobre o conceito da histria, em parte renem idias

    que j haviam sido avanadas ao longo da dcada anterior pelo prprio Benjamin. A

    teoria do choque, que ele desenvolveu a partir de suas leituras de Freud, de Baudelaire, de

    Poe, entre outras figuras-chave, tambm indica a presena desta modalidade do tempo

    que irrompe para estancar a continuidade da vida normal. O conhecido poema deBaudelaire sobre a perda da aureola apenas indica uma das modalidades do choque que

    penetrou a vida moderna e impede, para Benjamin, a construo da Erfahrung,

    experincia autntica, capaz de articular a tradio e o passado ao presente. J a teoria da

    reprodutibilidade tcnica e a teoria da passagem para o registro ps-aurtico no campo

    das artes tambm devem ser lidas no seu momento de filosofia da histria, na medida em

    que Benjamin fala no seu artigo de 1936 de um abalo violento da tradio causado por

    esta reprodutibilidade. (Cf. Seligmann-Silva 2005) Benjamin deduz do estado de

    onipresena dos choques na sociedade moderna a necessidade de um mtodo de pesquisa

    e de um trabalho de Darstellung, apresentao, desta pesquisa, condizentes com esta

    nova realidade. Este , de certo modo, o seu salto tigrino no cu da teoria. Da a

    centralidade do conceito de montagem no seu trabalho sobre as passagens de Paris. O

    tempo-do-agora, que marca sua nova teoria da escritura histrica, o que resta ao homem

    submetido fragmentao da tradio. Benjamin desenvolveu um mtodo de trabalho

    altura da humanidade na era do estado de exceo. Justamente as reflexes

    epistemolgicas contidas nas fichas do Trabalho das passagens tambm indicam um

    aprofundamento tanto do mtodo benjaminiano de trabalhar com os extremos, como de

    seu projeto de se manter prximo aos fenmenos e no dissolv-los na mdia ou

    mediocridade dos conceitos tradicionais. O conceito de colecionador que ele desenvolveu

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    J a famosa tese nove sobre o anjo da histria, apresenta novamente o histrico como um

    inesgotvel acumular de destroos de uma mesma e eterna catstrofe-tempestade a que

    denominamos progresso. Podemos imaginar o anjo desta tese como o Deus detentor da

    violncia pura do ensaio de 1921. Mas este Deus est agora impotente: no pode intervir

    no processo histrico, estanc-lo e colher os destroos. Ao estado de exceo como

    norma, Benjamin ope uma sociedade inteiramente outra, assim como no ensaio de 1921

    ele tinha em vista uma sociedade livre do poder mtico da esfera jurdica. Olhando suas

    idias hoje, mais de meio sculo depois, s podemos constatar consternados o quanto ele

    estava certo em sua descrio da nossa sociedade e tambm em seus sonhos de

    libertao.

    Obras citadas:

    AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceo, trad. I. Poleti, So Paulo: Boitempo, 2004.(traduo de Stato de eccezione, Bollati Boringhieri, 2003)

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    1 Uma primeira verso este ensaio foi publicada em outra travessia. Revista de Literatura, n. 5, 2. Semestre de 2005. Cursode Ps-Graduao em Literatura. Centro de Comunicao e Expresso. UFSC, pp.: 25-38.23 Nas citaes do ensaio de Benjamin de 1921 remeto primeiro ao nmero das pginas da edio brasileira e em seguida aonmero correspondente da edio alem da Suhrkamp. Cf. bibliografia.4 Neste sentido, lembrando que Benjamin escreve aps a Primeira Guerra Mundial, importante confrontar este texto com otambm famoso ensaio de Karl Jaspers sobre o problema da culpa (Die Schuldfrage) na Alemanha do ps-guerra, que eleescreveu em 1945-46. Ai o autor tenta refletir sobre a construo de uma nova ordem jurdica a partir da situao da derrota(e dos complexos sentimentos nos alemes, derivados desta derrota).5 Com relao ao triplo significado do conceito de catstrofe na obra de Walter Benjamin que ora indica uma catstrofecontnua, ora uma catstrofe destruidora, ora uma catstrofe ao mesmo tempo aniquiladora e redentora cf. o meu artigo de2003.6 Neste sentido importante recordar um fragmento deste mesmo perodo do esplio de Benjamin, onde lemos: [...] aexigncia de total ausncia de Gewaltno pode ser determinada de modo exato (onde acaba a Gewalt?), no apenas []absurda na sua conseqncia, que nega a vida e at o suicdio, mas sobretudo no se pode fundament-la. (GS VII, p.791)7 Chega a ser caricata a interpretao do conceito de waltende Gewaltcomo uma aluso a Walter do nome de Benjamin.(1994: 74-77)8 Benjamin 1996: 327. Cf. tambm uma meno rpida ao estudo da teoria da soberania no sculo XVII em uma carta aGottfried Salomon-Delatour (Benjamin 1996: 400).9 Segundo Jacob Taubes esta carta uma mina que simplesmente faz explodir as nossas idias sobre a histria cultural daera de Weimar. A carta provm no dos incios da poca de Weimar, mas da poca de sua crise: dezembro 1930. (Taubes

    1987: 27)10 Nietzsche, na sua Genealogia da Moral, tambm pensou a soberania como um conceito-limite. Para ele o todo poderoso(Mchtigsten) o nico capaz de decretar o perdo. (Nietzsche 1988: 309) Neste ato altrusta ele exerce e impe seu poder,salvando a vida matvel. Este fato aponta para o ser-excepcional do Estado de Direito, ou seja, para a verdade de que oEstado de Exceo habita o interior do estado de Direito e no lhe estranho. Mais adiante na mesma obra Nietzscheformula: preciso mesmo admitir algo ainda mais grave: que, do mais alto ponto de vista biolgico, os estados de direitono podem seno serestados de exceo [Ausnahme-Zustnde], enquanto restries parciais da vontade de vida que visa opoder, a cujos fins gerais se subordinam enquanto meios particulares: a saber, como meios para criarmaiores unidades depoder. (Nietzsche 1998: 65, correspondendo a Nietzsche 1988: 312 s.) Novamente encontramos aqui explicitada a lgicado direito natural que justifica os meios em funo do poder e de sua unidade.11 Na edio da Suhrkamp consta Es gibt keine barocke Eschatologie (No existe uma escatologia barroca, GS I,p.246), mas Agamben constatou no manuscrito (ou na primeira edio) que em Benjamin constava Es gibt eine barockeEschatologie, ou seja, Existe uma escatologia barroca. Mas ele mesmo nota que a correo realizada pelos editores no

    violenta o sentido do pensamento benjaminiano, j que esta escatologia est de fato esvaziada: permanece o fim, mas acabaa sua transcendncia e a possibilidade de redeno. Cf. Agamben 2005: 88s.12 Para a filosofia da arte, escreve Benjamin, s os extremos so necessrios, o processo historio virtual. Por seu lado, oextremo de uma forma ou de um gnero a idia, que, enquanto tal, no entra na histria literria. O drama trgico comoconceito poderia inserir-se sem problemas nas classificaes conceituais da esttica. Ma a idia relaciona-se de mododiferente com as classificaes, na medida em que no determina uma classe e no contm em si aquela universalidadesobre a qual assenta, no sistema de classificaes, cada um dos graus do conceito, a universalidade da mdia estatstica.(2004: 24s.; correspondendo a GS I, p.218. Traduo alterada.)13 Cf. ainda a tese de nmero quatorze: A histria objeto de uma construo cujo local no o tempo homogneo e vazio,mas sim o preenchido pelo tempo de agora [Jetztzeit]. (GS I, p.701) Nesta mesma tese Benjamin faz uma reflexo sobre amoda como modo de citao do passado, que ela concilia com o faro para o atual. Neste sentido ela seria um salto tigrino[Tigersprung] no passado. O problema que a moda se d sob a regncia das classes dominantes. Seu movimento, noentanto, corresponde, na histria, citao, nas revolues, de momentos anteriores. Para Benjamin, a revoluo postulada

    por Marx promoveria um tal salto, Sprung, no cu da histria. Tambm a tese seguinte trata da ruptura. Ela introduz umaimportante reflexo sobre o calendrio e os dias de festa: temas privilegiados da teoria do Estado de Exceo. A tese seinicia com as palavras: A conscincia de arrebentar [aufzusprengen] o continuum da histria prpria das classesrevolucionrias no momento da sua ao. A Grande Revoluo introduziu um novo calendrio. O dia em que um calendriose inicia funciona como um acelerador histrico. E, no fundo, ele o mesmo dia que sempre volta sob a figura dos feriados,que so dias de comemorao. (Id.)14 Taubes, comentando a oitava tese, escreveu: Os vocbulos fundamentais de Carl Schmitt so introduzidos por WalterBenjamin, recebidos e revertidos no seu oposto. Mas em seguida ele introduz outra importante aproximao entre asesferas de pensamento destes dois autores: O Tempo-de-agora [Jetztzeit], uma monstruosa abreviao do tempomessinico, determina tanto a experincia da histria de Walter Benjamin como a de Carl Schmitt, ambas contm umaconcepo mstica da histria, cujo ensinamento essencial consiste na relao da ordem sacra com a ordem profana. (1987:

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