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34 | MAIO 2014 AGRICULTURA DE PRECISÃO Benefícios do tráfego CONTROLADO de máquinas O sistema se baseia na disciplina e no controle dos deslocamentos e se fundamenta no confinamento das linhas de tráfego de máquinas e equipamentos locais específicos. Desta forma, a compactação de solo se restringe a estes locais permanentes Vitor Girardello, Telmo Amado, Cristiano Ertel e Leonardo Garlet, da Universidade Federal de Santa Maria/RS Fotos: Divulgação

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34 | MAIO 2014

AGRICULTURA DE PRECISÃO

Benefícios do tráfegoCONTROLADO de máquinas

O sistema se baseia na disciplina e no controle dos deslocamentos e sefundamenta no confinamento das linhas de tráfego de máquinas e

equipamentos locais específicos. Desta forma, a compactação de solo serestringe a estes locais permanentes

Vitor Girardello, Telmo Amado, Cristiano Ertel e Leonardo Garlet, da Universidade Federal de Santa Maria/RS

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A compactação do solo, diferen-temente do adensamento, que éum processo natural, é causada

pela ação antrópica nos processos agrí-colas. A principal causa é tráfego fre-quente de máquinas pesadas dentro dalavoura em condições de elevada umi-dade do solo. Atualmente vem se ob-servando o aumento do tamanho epeso das máquinas visando atender ademanda da intensidade dos cultivosagrícolas (safra e safrinha) e da ne-cessidade de frequentes aplicações fi-tossanitárias. Na década de 30, ani-mais (bovinos, equinos, muares e asi-ninos) eram utilizados para fornecer atração necessária para a agricultura.

Atualmente as máquinas agrícolasque trafegam sobre o solo para traçãodemandada podem pesar mais de 12toneladas (Trein et al., 2009), pesoequivalente a de um grande elefanteadulto. A transferência de peso dasmáquinas para o solo modifica a es-trutura física do solo, o fluxo de ga-

ses, participaçãoda água, alteran-do a dinâmica deabsorção de nu-trientes, reduzin-do o desenvolvi-mento do siste-ma radicular dacultura e afetan-do negativamen-te a produtivida-de, especialmen-te em anos comdéficit hídrico.

Eliminar otrânsito de má-quinas dentro dalavoura atualmente é praticamente im-possível, porém disciplinar e contro-lar o tráfego de máquinas é uma atitu-de sensata e que vem ganhando adep-tos em diversos países. O conceito dosistema de tráfego controlado é des-crito por Chamen et al. (1992), sendofundamentado no confinamento das li-

nhas de tráfego de máquinas e equi-pamentos dentro da lavoura em locaisespecíficos, restringindo assim a com-pactação em locais permanentes, man-tendo a maior área possível isenta detráfego dentro da área (Figura 1).

Para isso se utilizam ferramentasde agricultura de precisão, tais como

Figura 1

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AGRICULTURA DE PRECISÃO

Tabela 2: Produtividade da soja sob diferenteintensidade de tráfego de máquinas. Céu Azul/PR, 2014

Tratamento Produtividade de sojakg/ha

Sem Tráfego.................................... 4.103Tráfego do Trator............................... 3.843Tráfego do Trator + Pulverizador.......... 3.790

Tabela 1: Produtividade das culturas sob diferente intensidade detráfego de máquinas. Não-Me-Toque/RS, 2012

Tratamentos ProdutividadeMilho Sojakg/ha

ST 13.010 a 4.242 aTP 11.784 a 2.783 bTT 12.418 a 4.802 aTM 9.890 b 2.370 bSiglas: ST = Sem tráfego; TP = Tráfego pulverizador; TT = Tráfego trator;TM = Tráfego máximo.Macro = macroporosidade; RP máx. = Resistência a penetração máxima.Médias seguidas por letras distintas na mesma coluna diferem pelo teste de Tukey.Teste F significativo (p < 0,05).

DGPS, RTK, piloto automático, SIGentre outros que melhoram a qualida-de das operações, possibilitando mai-or conforto aos operadores.

As principais vantagens do siste-ma são os seguintes:

·● Menor área de solo que recebea influência negativa do rodado dasmáquinas e equipamentos;

● Menor consumo de combustí-vel e potência requerida das máqui-nas;

● Menor risco de compactação;● Redução na perda de solo e de

água;● Menor distância total percorri-

da pelas máquinas;● Maior eficiência na logística e

no tráfego dentro da lavoura;● Maior eficiência do uso de água

armazenada no solo;

E as desvantagens:·● Custo financeiro para a obten-

ção dos sistemas de localização geo-gráfica (DGPS, RTK);

● Formato e topo-grafia do talhão. Quan-to mais regular à for-ma, mais fácil é o pla-nejamento, a implanta-ção das linhas de se-meadura e o funciona-mento do sistema detráfego controlado;

● Necessidade deajuste das bitolas dasmáquinas agrícolas.

Os principais cen-tros de pesquisa sobretráfego controlado sãoencontrados na Aus-trália e países euro-peus. Em experimen-tos conduzidos na In-glaterra ficou compro-vado o aumento deprodutividade de di-versas culturas (bata-

ta, trigo, cevada), que variou de 4% a20%, e a economia energética, quevariou de 37% a 70% (Chamen et al.,1992). Ainda, os pesquisadores obser-varam que distância percorrida pelas

m á q u i n a sdentro da la-voura podeter reduçõesde 25% a47%, devidoà minimiza-ção de mano-bras.

No Bra-sil, ainda é

incipiente estudos sobre a viabilidadedo tráfego controlado, principalmen-te nas culturas de grãos. Neste senti-do buscando preencher esta lacuna o

grupo de pesquisa do projeto Aqua-rius (www.ufsm.br/projetoaquarius)planejou e desenvolveu a partir de2010 a instalação de um sistema detráfego controlado em área comercialcom cultura de grãos. E a partir dasafra de 2013/14 está sendo acompa-nhada uma área comercial no Paraná,em Céu Azul, de propriedade da famí-lia Tasca, que utiliza o tráfego con-trolado.

Experimento gaúcho — No RioGrande do Sul o experimento foi ins-talado na cidade de Não-Me-Toque, napropriedade da família Stapelbroek,em um talhão de 132 hectares, sendoo solo predominante um Latossolocom elevado teor de argila (Embrapa,2006). A precipitação média no ano é

de 1.700 mm. Os tratamen-tos investigados foram osseguintes: (a) Sem tráfegode pneus (ST); (b) Tráfegocom passagem de pneus dopulverizador (TP); (c) Trá-fego de pneus com o con-junto trator-semeadora(TT); (d) Tráfego máximo,acumulando passagens depneus do pulverizador e dotrator (TM). Foram inves-tigadas as propriedades fí-sicas do solo e a suas rela-ções com a produtividadedas culturas de milho e soja.

Procedimentos experi-mentais — Primeiramentefoi realizado o levantamen-to planialtimétrico da área.Composto por coordenadasgeográficas em três dimen-sões (X, Y e Z). Com auxi-lio do SIG, realiza-se a ge-

Figura 2

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ração virtual das linhas de semeadura,bem como as linhas de trânsito (Tram-lines). No segundo momento foi rea-lizado o ajuste da bitola das máquinas,sendo esta a operação primordial parase obter êxito no sistema, este ajustede bitolas é necessário para que todasas máquinas sigam os mesmo trajetosdentro da área. Ela vai depender da lar-gura de trabalho da semeadora, da pla-taforma de colheita e da barra de pul-verização.

Utilizou-se um trator de 170cv, se-meadora e plataforma de colheita demilho com 11 linhas espaçadas 0,50metro entre si, pulverizador autopro-pelido com barras de 25 metros. To-das as máquinas foram ajustadas parabitola de três metros. A partir da ins-talação do experimento todas as má-quinas utilizaram o sistema de pilotoautomático System 150 com precisãocentimétrica utilizando para isso umaestação base RTK.

Resultados preliminares — Osresultados obtidos neste primeiro ex-perimento com o confinamento daslinhas de tráfego em lavoura de grãosno Sul são apresentados na Tabela 1.O tráfego intenso de máquinas foi res-ponsável pela redução na produtivi-dade das culturas do milho e da sojacom reduções de 23,9% e 42,6%, res-pectivamente, no tratamento com trá-fego mais intenso em relação ao tra-tamento livre de trânsito.

A RP foi o atributo físico que maissofreu alteração devido ao tráfego,apresentando tendência de aumentoconforme a quantidade de passadasdo trator na área com uma correla-ção significativa positiva (R2= 0,70).

Experimento no Paraná — EmCéu Azul, na propriedade da famíliaTasca, foi avaliada a eficiência do trá-fego controlado adotado. Na safra de2010 foi modificado o espaçamentodas linhas de semeadura para 0,70metro, tanto na cultura da soja comona do milho (modulo 6.3 metros), demodo que o conjunto trator-semea-dora, orientado por um sistema RTK,mantivesse as linhas de trânsito (Tra-mlines) permanentes. Neste sistema,as linhas de semeadura são repetidassafra após safra, com um erro médioem torno de 0,025 metro. Os trata-mentos investigados foram semelhan-tes aos do experimento no Rio Gran-

de do Sul.Outra mudança no tráfego contro-

lado implantado pelo produtores Lau-rindo e Aldo Tasca foi o sentido detráfego do pulverizador (25 metrosde largura na barra aplicação), que nacultura da soja passou a ser feito nomesmo sentido da semeadura. Comisto, evita-se o amassamento de plan-tas de soja pelo rodado e há uma co-incidência do local do tráfego do pul-verizador com do conjunto trator-se-meadora. Com este sistema, estima-se que a área de tráfego fica reduzidaa em torno de 30%, enquanto no sis-tema convencional seria próxima a70%.

A produtividade obtida, neste pri-meiro ano de avaliação, apresentouuma redução de 6,3% aonde acorreuo tráfego do trator e 8% no tratamen-to onde existiu o tráfego de pulveri-zador acrescido ao do conjunto tra-tor-semeadora (Tabela 2). A produti-vidade na área experimento foi 23%superior à produtividade média doestado do Paraná.

Em resultados preliminares obti-dos, a RP da linha de tráfego (LT) émaior e bem definida, diminuindo àmedida que se afasta lateralmente docentro. Embora o valor da RP nãofosse limitante ao desenvolvimento dacultura, esta tendência que deve serevitada (Figura 2). O valor de 2 a 3MPa é considerado como limitante aocrescimento radicular, neste caso ob-serva-se que ao se afastar da linhade tráfego a RP foi baixa favorecen-do a infiltração de água e o desenvol-vimento radicular.

Considerações finais — O siste-ma de tráfego controlado é uma alter-nativa moderna para minimizar a ocor-rência de compactação do solo nas la-vouras conduzidas sob plantio diretocontínuo. Entre os principais benefí-cios destacam-se a melhoria das pro-priedades físicas do solo com reflexopositivo na redução das perdas da água,favorecimento ao aprofundamento dosistema radicular, menor susceptibili-dade aos déficits hídricos de curta du-ração e maior produtividade das cul-turas.

O artigo é parte da tese de douto-rado do autor Vitor Girardello no pro-grama de pós-graduação em Engenha-ria Agrícola na UFSM.