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7/25/2019 BELZEGA, Isabel.__ Revisitar Os Percursos Da Educao Artstica Para Enfrentar Desafios - o Caso Do Teatro Educa
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Revista Digital do LAV
E-ISSN: 1983-7348
Universidade Federal de Santa Maria
Brasil
Bezelga, Isabel Bezelga
Revisitar os percursos da educao artstica para enf rentar desafios: o caso do teatro-
educao
Revista Digital do LAV, vol. 8, nm. 2, mayo-agosto, 2015, pp. 18-47
Universidade Federal de Santa Maria
Santa Maria, Brasil
Disponvel em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=337042230002
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prticas criativas e expressivas em contexto local, e arte-educao, a urgncia
da tomada de posio crtica, de resistncia, no desempenho de um papel
regulador entre o individual e o colectivo, na esteira de uma maior convivialidade
inclusiva e solidria (BEZELGA, 2013).
Encarados como fenmenos de resistncia assistimos a um predomnio da
ocupao performativa do espao pblico, assim como ao retomar de focos de
cultura local, na continuidade das aces regidas por um padro de
associativismo popular. E isso acontece tanto em meios de ndole
maioritariamente tradicional, com forte ligao s ritualidades (sobretudo em
contextos de antigas ruralidades), mas tambm em meios onde predomina o
consumo formativo, cultural e poltico (sobretudo nos contextos urbanos
complexos).
Porm, quando analisamos o espao ocupado pela arte-educao, a par de alguns
programas artsticos que persistem graas s perspectivas de uma pedagogia
crtica, quer em contextos educacionais formais quer em contextos informais e
comunitrios, a verdade que, nos cada vez mais raros e frgeis - espaos
curriculares da educao artstica, se assiste a uma espcie de contaminao com
os produtos de oferta externa, das chamadas indstrias culturais.
Sem preocupaes educacionais de fundo, funcionando numa lgica de
prestao de servios, em contraste com a misso de servio publico que
emergiu da construo dos estados sociais do ps-guerra, o seu enfoque e
objectivos no se compatibilizam com os prncipios de expresso, criao, fruio
e conhecimento artstico e cultural que justificam a necessidade da educao
artstica na formao global de crianas e jovens.
Estas estruturas de empreendedorismo, armadas do know howdo marketing,da publicidade, e do linguajar dos CEO(s) de topo das grandes multinacionais e
holdings financeiras, todos os dias identificam novos nichos de interesse que
transformam velhas aces de cariz educacional e formativo, em oferta de
produtos de mercado, contribuindo para o aparecimento das mais variadas
actividades profissionais imprescindveis para a criao de valor econmico.
Com esta mudana de paradigma, assiste-se a uma profunda deturpao da
utilidade da educao e da arte-educao. Para tal - mais do que nunca
necessrio compreender os seus fundamentos, analisar o seu percurso e
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projectar a sua interveno. Para as novas geraes de professores de artes,
conhecer de onde viemos permitir vislumbrar para onde vamos!
Revisitando as perspectivas sobre funo social, cultural e educacionalda Arte
Importa reflectir sobre o papel que a cultura e a arte desempenham nas
sociedades contemporneas, substituindo-se, em grande medida, ao domnio
salvfico/perfectvel das ideologias oitocentistas que foram ruindo ao longo do
Sc. XX e incorporando-se parodicamente nos novos fluxos (tendencialmente
desideologizados ou afastados de valores fixos) que do vida massificao
meditica dos nossos dias.
Para tanto, tero contribudo obviamente as perspectivas da sociedade do es-
pectculo, a mediatizao da vida quotidiana, o mundo em rede, a volatilidade
das referncias, a voragem de todo o tipo de simulaes e a massificao no
acesso a bens culturais, imaginrios e artsticos, no apenas na perspectiva do
consumo, mas tambm da participao e interaco, ainda que amide de forma
ilusria e assente numa pretensa liberdade de aco autnoma.
Ainda que partilhando pontos de vista diversos, a influncia das posies deFreud (1996) e Vygotsky (1999) sobre a arte 1 foram determinantes para a
assuno do seu valor na vivncia e experincia do homem comum e na
formao das novas geraes.
Para Freud, o enfoque coloca-se no significado simblico, no contedo co-
municado com natural contributo dos mecanismos do inconsciente. Assim, desde
os primrdios do homem que a arte constitui um meio-caminho entre uma
realidade que frustra os desejos e o mundo de desejos realizados da imaginao(FREUD, 1996, p. 189).
J na viso construtivista de Vygotsky (1999) de cariz scio-histrico, a arte
social tal como a cincia e a tcnica o so e apenas pode ser compreendida
na relao com todas as outras esferas da vida social num contexto histrico
1As suas posies situam-se em plos opostos da tradicional dicotomia contedoe forma na anlise ecompreenso da criao artstica. Para Eisner (1998), a Educao Artstica permite estabelecer a
ligao contedo/forma com a cultura onde ocorre.
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determinado.
Tambm a perspectiva de Jung (1964) sobre o sentido arquetpico e fundacional
dos smbolos teceu uma profunda influncia sobre a expresso e criao artsticas
e os significados que se lhe atribuem.
Pressupostos do Teatro-Educao
No quadro da nossa reflexo sobre o papel da arte e da arte-educao no
desenvolvimento dos indivduos, no podemos deixar de salientar o ponto de vista
de Rogers (1977), que coloca a pessoa no centro de qualquer tipo de aco e
interveno. Tambm relevamos as perspectivas do humanismo personalista, no
que se refere arte e criao, enquanto constituintes essenciais da cultura e da
vida (MENUHIN, 1998), e no seio das quais a cultura se pode definir como a obrado homem (PATRCIO, 1997, p. 23). Neste sentido, para Edgar Morin (1999), o
verdadeiro desenvolvimento humano implica o desenvolvimento conjunto das
autonomias individuais, das participaes comunitrias e do sentimento de
pertena espcie humana (MORIN, 1999, p. 59), aprofundado atravs do
enunciado conceptual de saberes satlites. Para este mesmo autor, nas suas
recomendaes sobre a educao para os jovens de um novo milnio, esta dever
ilustrar o princpio da unidade/diversidade em todas as esferas da vida.
Por outro lado, na rea educacional, a arte tem vindo a ser considerada como um
meio de excelncia para o exerccio do pensamento crtico. Vygotsky (2001)
considerou que educar esteticamente algum significa criar nessa pessoa um
conduto permanente e de funcionamento constante, que canaliza e desvia para
necessidades teis a presso interior do subconsciente (ibid, p.338) e dessa
forma, aarte pode ser encarada como um processo de libertao do pensamento
humano, considerado o objectivo ltimo de toda a educao.
Como fundamento duma sistematizao das prticas do teatro-educao, no
(apenas ou ainda) como actividades de mbito cultural, recreativo e evangeliza-
dor2, dever-se- salientar a importncia decisiva do movimento da Escola Nova e
dos contributos de eminentes pedagogos como Pestalozzi e Froebel. Um e outro,
2O teatro em contexto educacional est presente ao longo da histria da educao. Nesse sentido ocontributo dos jesutas ter sido uma marca fundamental a partir do sculo XVI perodo em que oteatro foi inaugurado como instrumento pedaggico nas escolas jesuticas da Europa e no Brasil(BARROS, 2008).
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inspirados em Rousseau, tomaram a criana como centro das preocupaes
educacionais e veicularam uma concepo pedaggica centrada na actividade e
no contacto directo e experiencial com o meio. Tambm a teoria evolucionista de
Darwin, o pragmatismo de Dewey, as teorias psicanalticas de Freud e o
desenvolvimento da psicologia, nomeadamente atravs das perspectivasdesenvolvimentistas de Piaget e da valorizao dos aspectos cognitivos e
afectivos no desenvolvimento humano de Wallon, contriburam decisivamente
para a fundamentao da importncia do drama no processo de educao.
Os contributos de Dewey (1958, 1971) e Read (1982) realaram a importncia
que a arte pode desempenhar no processo educativo. Encarnaram a perspectiva
que sublinha a importncia da experincia, percepcionando-a como mais vlida
do que a teorizao e a prpria instruo formal. Para ambos os autores, aafectividade e a experincia pessoal e directa da criana e do jovem
desempenham um papel insubstituvel no seu processo de educao. Esta viso
constituiu-se como um bero favorvel ao nascimento do movimento pedaggico
do teatro com finalidades educacionais.
As perspectivas sobre o jogo e a actividade ldica no desenvolvimento ontolgico
do ser humano e o direito gratuitidade de um tempo de fruio, revelam-se
igualmente cruciais para este tipo de argumentao.
Vrios foram os autores que se debruaram sobre o jogo como actividade prpria
do ser humano, afirmando-se de diversas formas, ao longo do seu desenvolvi-
mento (HUIZINGA, 1992; DUVIGNAUD, 1997; CAILLOIS, 1990; PIAGET, 1978;
FROEBEL, 2001; WALLON, 1981; WINNICOT, 1975). O prazer de jogar est, pois,
presente no apenas na infncia mas ao longo de toda a vida. Na perspectiva de
Huizinga (1992), a actividade ldica rege-se por um conjunto de regras que
introduzem na vivncia quotidiana uma perfeio temporria e limitada (ibid.,p. 13) que permite aceder a uma dada vivncia esttica. Na actividade ldica,
disponibilidade interna e convvio com outros conferem-lhe ainda uma dimenso
social importante. Duvignaud (1997) atribui-lhe um carcter de liberdade e de
gratuitidade, o que sublinha a sua desfuncionalizao.
No ritual contemporneo, brincar interagir (NSPOLI, 2004, p. 31) e desta
forma, ritual e jogo coexistem no tipo de criao performativa protagonizada
pelos alunos de educao artstica, nomeadamente em teatro-educao.
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Froebel (2001), ao considerar o jogo como uma actividade fundamental no
desenvolvimento ontolgico, props que no deveria ser dispensado no processo
de aprendizagem, criando assim as condies para o aparecimento do drama
educacional.
No desenvolvimento das prticas do teatro-educao com um forte compromisso
tico, social e poltico temos que considerar os contributos que as alteraes
significativas nas perspectivas teatrais contemporneas introduziram,
nomeadamente nos campos da recepo, participao e da formao do
actor/performer. Tambm teremos que levar em conta os contributos decorrentes
dos novos paradigmas psico-pedaggicos que possibilitaram a sistematizao
praxiolgica no mbito do teatro educao e do teatro aplicado.
Os contributos do Teatro
As alteraes operadas a partir do sculo passado nas prticas teatrais e no
prprio entendimento do que o teatro so cruciais para o entendimento dos
contributos. As mudanas operadas no teatro do sculo XX traduziram-se por um
grande eclectismo (BERTHOLD, 2005; PAVIS, 1996; CARLSON, 2004, 1997;
ZARRILLI, MCCONACHIE WILLIAMS & SORGENFREI, 2006; LEHMANN 2007;
HELBO, JOAHNSEN, PAVIS & UBERSFELD 1991).
Com o advento do encenador como responsvel ltimo pela criao teatral e a
preocupao com a preparao e treino do actor assiste-se a uma profunda
revoluo. Assim, a partir de Stanislavsky, as metodologias de formao passam
a determinar as prticas teatrais (legados que chegaro, mais tarde, a
Grotowsky, Artaud, Barba, Brook, entre outros).
A partir desta gnese tecno-esttica, dois caminhos principais (atravessados pordiversas tentaes e tendncias) vo-se desenhando por entre a amlgama das
influncias modernistas: um teatro ritual, apontando para uma abstraco
universalista, sntese das revolues marxista e anarquista e ainda da
psicanlise; e um teatro realista, de interveno social, marcado pelo
compromisso poltico e ideolgico, de vocao dominantemente marxista.
Referenciemos Piscator e Brecht no desenvolvimento dum teatro pico
profundamente implicado politicamente, desenvolvido por este ltimo (e. g. pea
didctica).
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Destes caminhos sero herdeiros os movimentos de novas vanguardas
desembocando no Teatro do Absurdo, antecipado pelo grotesco de Pirandello e
desenvolvido eximiamente de modos diferentes por Ionesco, Beckett e Pinter.
Finalmente, a fbula dramtica e a linguagem verbal (ou a sua anulao a favordo gesto didasclico) acabaro por se constituir como palco de excelncia para
falar da morte da personagem, da morte do sujeito, da morte de Deus e da
impossibilidade da salvao social. No podemos deixar de salientar, nos efeitos
do ps-guerra, duas referncias importantes: em 1951 o primeiro espectculo do
Living Theatre e, em 1952, a criao do Black Mountain College de Jonh Cage.
Um e outro influram muito na percepo actual da performance e nas numerosas
experincias de criao colectiva, de que foram exemplo o Open Theatre (que
acabaria por colocar em causa todo o tipo de convenes). A partir daqui o teatrosaiu para a rua e todos os seus renovados componentes se convertem em
actores/actantes implicados.
Estas transformaes que analisamos enquanto descorporizao das relaes
fixas palco-plateia que se projectam nos papis assumidos pelo texto e pela cena
correspondem a desterritorializaes que foram assim sucessivamente animadas
por linhas de fuga que misturaram a tradio e a contemporaneidade.
A desmontagem do moderno passou, por um lado, pelo desinstitucionalizar do
texto como unidade fixa e, sobretudo, pela relativao da prpria noo de
narrativa (de que o texto legitimador era afinal um bvio e natural correlato). O
conceito de ps-moderno colocou em evidncia, na sua origem e
desenvolvimentos desde a obra homnima de Lyotard (1989) , o anncio de
uma ruptura com os ideais modernos. No terreno, estas rupturas surgiram
paulatinamente ao longo de todo o sculo XX e, a partir dos anos 60,
pressupuseram uma maior abertura do teatro ocidental a outras formas culturaisde compreenso do fenmeno teatral. Esta conscincia que foi implicando
necessariamente a absoro e apropriao de novas matrizes imagticas e
estilsticas acabaria por transformar-se num processo de re-elaborao do
prprio conceito de teatralidade, no seio do qual o conceito seminal de
representao viria a ser reformulado e at superado. A crise da representao
est, pois, na essncia do teatro e da cenografia ps-modernos (Motta, 2008;
Lima, 2008).
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De algum modo, a teatralidade ps-moderna reata a abertura original que, h
dois milnios e meio, fora consagrada apenas ao espao, voz e ao corpo. A
diferena que hoje o texto s j o fruto de uma interaco procura dos seus
mltiplos centros e fragmentos. No por acaso que a dissociao face figura
fixa e impositiva do texto constituiu sempre uma constante da luta impiedosa queo mundo ps foi desencadeando contra o peso do teatro herdeiro da print
culture (recorrendo ao conceito de McConachie). Hans-Thies Lehmann ao
reflectir sobre as mudanas ocorridas no teatro contemporneo considera a
existncia da ruptura com o teatro dramtico como base para a emergncia do
teatro ps-dramtico (LEHMANN, 2007).
A conflitualidade desta transio que sucintamente pode resumir-se como
superao do texto ( imagem da superao dos dogmas noutras reas, desde os
anos oitenta do sculo passado) colocou a nu algumas questes antes noanalisadas e de que so exemplo a negligncia grave face s diversas
manifestaes da teatralidade que se desenvolviam paralelamente.
Neste contexto podemos acrescentar a pouca ateno s teatralidades populares
que tinham no espao pblico da rua, a cena. Neste entrecruzar de narrativas
suscitadas pelas transformaes operadas pelo e atravs do teatro, h autores
que se tornam importantes no quadro do teatro- educao e posteriormente no
teatro aplicado e comunitrio. o caso de Brecht (1967), Brook (1970, 2002),Barba (1991, 2008) e Boal (2008, 1984).
Brecht (1967) identificou o teatro realista de ndole psicolgica como mani-
festao cultural vinculada ordem burguesa e props uma nova dramaturgia
anti-aristotlica e um novo tipo de espectculo, o teatro pico. O autor valorizou
o papel da crtica, props o processo de estranhamento (distanciao) e definiu o
par divertir-instruir como base de toda a actividade teatral. Os textos de Brecht
so racionais, objectivos, secos, contidos, directos. Glorificam a cincia, oprogresso da tcnica sobre a natureza e discutem a utilidade desse progresso
para os homens, teatralizando o conflito do indivduo com a sociedade. Muitas
das suas peas so encenadas tendo em vista efeitos pedaggicos sobre os
prprios participantes. Koudela (1991) a grande divulgadora em lngua
portuguesa da pea didctica e da sua utilizao no Teatro-Educao.
Para Brook (2002), a essncia do teatro reside num mistrio chamado o
momento presente que compreende uma experincia colectiva e para isso
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torna-se necessria uma base comum, tendo em vista a partilha com a plateia
e que pressupe diversos nveis de compreenso.
O autor enfatizou o facto de a clareza de intenes poder ser alcanada pelo actor
atravs de trs estados contguos: vivacidade intelectual, emoo verdadeira,um corpo equilibrado e disponvel (ibid., p. 15).
O trabalho que Barba desenvolveu no Odin Theatre no acompanhou delibe-
radamente as tendncias da arte contempornea. Para o autor (2008), o trabalho
do actor deveria consistir numa procura que acabasse por congregar elementos
da sua personalidade com os elementos da tradio cnica e do seu contexto
cultural. Barba procurou nas heranas expressivas de vrias culturas o sentido
profundo para as suas pesquisas de formao. Inicialmente, baseando-se naidentificao de pretensos universais, desenvolveu um estudo sistemtico que
visou a criao de um programa especfico no treino do actor, de explorao da
sua identidade cultural e histria biogrfica. Na perspectiva de Barba encontra-se
uma clara herana de Grotowski, no sentido da procura de uma verdade que
pudesse conferir sentido ao desenvolvimento do seu mtodo3.
O teatro de Boal considerou a possibilidade de todos os seres humanos serem
tocados. Para Boal (2008, 1984) e Srampickal (1994) entre outros, o teatropermite que as pessoas simples, tradicionalmente sem voz e sem direitos,
possam experienciar/reflectir sobre a sua condio e dessa forma possam tomar
conscincia em colectivo, condio para que se tornem protagonistas de mudana
e transformao. Encontram-se nesta proposta/utopia muitas proximidades com
a viso educacional libertria de Paulo Freire 4 . Alm do desenvolvimento do
Teatro do Oprimido, hoje replicado por todo o mundo, Aguilar (2009) considera
que as principais criaes e inovaes de Boal foram o Teatro Frum e o Teatro
Invisvel, tcnicas que hoje so mais utilizadas nos espaos poltico, social eteraputico do que no artstico (ibid., 2009), como pretendia, inicialmente, o seu
3Cada vez que os alicerces comearem a tremer sob seus ps, cada vez que no estiver seguro daestabilidade de suas experincias passadas; me aconselhava Grotowski; regresse as suas origens(BARBA, 1991, p. 23). Nestes dois referenciais do teatro contemporneo com preocupaesinterculturais encontra-se a procura de uma matriz que permita o desenvolvimento da identidadeprpria do actor. Para Ferracini (2001): Matriz entendida como o material inicial, principal eprimordial; como a fonte orgnica de material, qual ele poder recorrer, sempre que deseja para aconstruo de qual- quer trabalho cnico. A matriz a prpria ao fsica/vocal, viva e orgnica,codificada (ibid., p. 116).4Boal reconhece: ... no posso esquecer do Paulo Freire. Meu livro chama Teatro do Oprimido comouma clarssima aluso ao meu querido amigo que morreu sete anos atrs, que escreveu a Pedagogiado Oprimido. uma influncia dele tambm. Dele mais ainda porque ele trabalhou no Brasil em
situaes que pareciam com aquelas que eu trabalhei tambm (BOAL, 2004, p. 71).
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criador.
Estas personalidades referenciais na abordagem teatral, sofreram a influncia
decisiva das grandes mudanas operadas na sociedade do ps-guerra, com
destaque para as transformaes dos estilos de vida dos anos sessenta, em quevalores, regras e normas vindas das anteriores geraes foram sendo
substitudas por uma viso muito optimista e ilusria do ser humano e pelas
novas utopias de teor comunalistas. No movimento da democratizao cultural,
vivido nos anos sessenta e setenta, o teatro funcionou como um dos principais
instrumentos de aco cultural (DESGRANGES, 2003, p. 46). Nesse perodo,
afirmou-se um movimento que defendia o direito da criana de possuir uma
produo cultural que lhe fosse especialmente dirigida e seu direito prtica
artstica (ibid., p. 48). Temos, neste ltimo caso, em Portugal os exemplos dosGrupos O Bando, Papalguas e Saltites, criados como grupos de teatro para a
infncia e a juventude, ainda nos anos setenta e que acabariam por impulsionar a
reflexo em torno do teatro junto dos pblicos jovens.
Tambm no mbito das estruturas de criao teatral, surgiram nessa poca di-
versos programas de aco que tiveram a sua origem na reflexo sobre a misso
social deste novo tipo de estruturas. Foi o caso, apenas a ttulo de exemplo, da
Comuna, atravs do desenvolvimento de actividades de ndole teatral e culturalcom as crianas vizinhas do Casaro Cor-de-rosa (MOTA, 1994) e da Unidade de
Infncia do Centro Cultural de vora que, inserida num vasto programa de
descentralizao cultural, acabou por contribuir para a formao dos pblicos na
regio (GUERRA, 2000; BENTO, 2003).
De referir ainda, no termo desta breve reflexo sobre os contributos gerados
pelas grandes mudanas operadas no teatro, a interseco que muitos destes
processos agenciaram em domnios como o antropolgico e as dimensesritualsticas que foram sendo produzidas, nas performances contemporneas, a
partir dos anos sessenta5. A reflexo de Schechner (1985, 2002) tem vindo a
demonstrar, precisamente, a no existncia de distino entre Rito e Teatro,
5Refiram-se nomeadamente os contributos paradigmticos de Schechner (1985) e Turner (1982) querealizam cada um deles um percurso inverso de aproximao: teatro / antropologia. A este propsito muito feliz a sistematizao de Kalewska, sobre a formulao de Schechner: Richard Schechnerdelineou alguns pontos de contacto entre o teatro e os espectculos ritualsticos (a questo daconscincia do performer, a intensidade da relao performer-pblico, a interaco entre os mesmos,a chamada sequncia dassete fases do espectculo, a transmisso dos saberes performativos e a
questo dos critrios da avaliao), frisando sempre o papel do pblico (KALEWSKA, 2005).
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representando eventos de idntica natureza e que traduzem a Performance.
O desenvolvimento das perspectivas do teatro educao
Na reflexo que se impe sobre este tema tommos como referncia diversos
estudos tendentes a uma aproximao histria do drama na educao(BOLTON, 2007; ERIKSOON, 2011). Ao revisitar as/os pioneiras/os do drama na
educao temos que situar Ward (1947, 1952), Siks (1977), McCaslin (1974) e
Spolin (1982) nos E.U.A., todas mulheres oriundas do teatro, mas com posturas
educacionais fortemente influenciadas por Dewey e Piaget. Preocupadas com o
desenvolvimento de processos mais criativos na formao de actores,
desenvolveram os conceitos de creative dramatics (WARD, 1952) process-
concept struture approach (SIKS, 1977). Viola Spolin (1982), ao sistematizar em
forma de jogos uma abordagem inspirada na formao de actores, consagrou aoteatro-educao vrias obras. Atravs de exemplos do seu extenso reportrio de
jogos teatrais, Spolin props e organizou uma srie de termos relacionados com
os elementos tcnicos no treino de actores, tais como emoo, energia,
foco, instruo e marcao no-direccional. Acrescente-se ainda o
contributo de Cook (1917), atravs da formulao realizada em The Play Way,
que surge tambm como uma referncia importante no quadro da aprendizagem
pelo drama.
Estes contributos viriam a influenciar as prticas da expresso
dramtica/drama/teatro em contextos educacionais, definindo objectivos
educacionais atravs do uso de tcnicas criativas dramticas e permitindo uma
distino clara no que respeita ao papel que o teatro desempenha ao nvel
educativo: como uma metodologia de ensino ao servio de outras aprendizagens
em contexto de sala de aula, ou to-s como uma manifestao artstica
autnoma.
Segundo Bolton, (2007) Ward foi uma precursora introduzindo Dramatics como
disciplina opcional em escolas americanas j em 1924 e McCaslin (...) became a
world authority on drama education, particularly in training teachers how to use
stories (...) these American pioneers attracted visitors from all over Europe,
especially Scandinavia (ibid., p. 49).
Importa constatar, dum ponto de vista histrico, a dupla influncia que se ope-
rou no desenvolvimento do campo da educao e do campo do teatro. Os ideais
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da escola progressista, sistematizados no aprender fazendo e no
desenvolvimento de todos os aspectos da personalidade, foram amplamente
abraados pela gente do teatro educacional, ao mesmo tempo que, na maioria
das escolas nascidas do movimento progressista, se aplicam meios dramticos
como forma de os ideais enunciados serem implementados.
Expoente brilhante desta dupla influncia foi Peter Slade (1968), pioneiro do
drama informal em Inglaterra, que, nos anos 30, antes ainda de ter desenvolvido
o conceito de child drama, formou a sua primeira companhia de teatro da
infncia, resultado de um certo mal-estar e insatisfao com o trabalho
desenvolvido neste domnio. Tambm Brian Way (1967), comeou como director
duma companhia de teatro para crianas e, embora trabalhando com actores
profissionais, tentou sempre activar estas metodologias nas audincias infantis,de forma a, que pudessem participar como actores. Este esforo de teatro
participativo ficou conhecido como The Brian Ways Method e mostrou-se muito
relevante, no quadro do teatro infantil, para o aparecimento e fundamentao
dos pressupostos do teatro na educao. Alis, o desenvolvimento do movimento
do teatro para a infncia, quer de origem anglo-saxnica, quer de origem
francfona (caso dos contributos de DAste), teve grande influncia em Portugal
no desenvolvimento das prticas dramticas com crianas.
Slade considerava necessrio especificar o drama uma parte da vida e
teatro como uma forma de arte, j que esta diferenciao permitia definir o
papel do drama na educao. Considerava a actividade dramtica como um
jogo o meio natural de a criana se descobrir e se expressar e arte da criana
por direito prprio, onde se desenvolvem duas importantes qualidades: absoro
e sinceridade, uma e outra, elementos chave do desenvolvimento pessoal.
Brian Way (1967) levou ainda mais longe este princpio baseando a suaabordagem dramtica numa viso holstica do homem. Dorothy Heathcote (1984,
1980), partilhando dos mesmos pontos de vista de Slade e Way sobre a
universalidade do impulso dramtico inerente a todo o ser humano, desenvolveu
uma metodologia de abordagem dramtica - conhecida internacionalmente e
sustentada pela investigao acadmica - enfatizando a perspectiva do indivduo
social e do seu desenvolvimento pessoal, como garante de uma mais-valia
relacional com o outro. Uma frase de Heathcote bastante popularizada to put
oneself in someone elses shoes ilustra bem o seu processo de trabalho
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dramtico favorito: improvisational role-play (WAGNER, 1990). Este processo
de identificao (com alguma influncia brechtiana) poderia, deste modo, ser
experienciado por todo e qualquer ser humano, atravs da activao dum instinto
dramtico considerado natural.
A experincia de aprender sobre a vida (incluindo os aspectos mais cognitivos e
os mais puramente conativos) atravs do drama tornou-se, deste modo, na
questo central na definio de drama as education, preconizada pela autora,6e
condio essencial para que ocorresse aprendizagem.
Os contributos de Slade, Way, Heathcote e de outros autores viriam a
fundamentar substancialmente a criao de companhias de teatro para a infncia
completamente devotadas ao campo da educao, como as TIE (Theatre inEducation Teams), muito comuns no Reino Unido nas dcadas de 60 e 70, que
desenvolveram o seu trabalho teatral nas escolas, no s actuando para as
crianas, mas integrando-as igualmente no trabalho de improvisao e de
aquisio de tcnicas teatrais, como formas complementares do desenvolvimento
do drama na educao.
Correia (2011) considera que misso do TIE produzir sentidos sobre situ-
aes vividas e ajudar a compreender o mundo em que vivemos (ibid., p. 90),recolocando de forma inequvoca a sua actualidade.
Tendo at aqui revisto, principalmente, os contributos anglo-saxnicos no de-
senvolvimento do teatro educao, no ficaria, no entanto, completa esta breve
reflexo se no abordssemos algumas das perspectivas francfonas que
acabaram por dar origem designao que nomeia este conjunto de actividades
(no seu mundo e em determinadas zonas de influncia imediata): jogo dramtico
/expresso dramtica. verdade que a nomeao deste conjunto de actividadese tcnicas dramticas sofreu mudanas ao longo do tempo, conforme a utilizao
mais ou menos pblica de alguns dos seus teorizadores. Pudemos, desta forma,
I define educational drama as being anything which involves persons in active role-taking situationsin which attitudes, not characters, are the chief concern, lived at life-rate(i. e. discovery at thismoment, not memory based) and, obeying the natural laws of the medium. I regard these as being (I)a willing suspension of disbelief, (II) agreement to pretense, (III) employing all past experiencesavailable to the group at the present moment and any conjecture of imagination they are capable of, inan attempt to create a living, moving picture of life, which aims at surprise and discovery for theparticipants rather than for any onlookers. (HEATHCOATE, 1984, p. 61).
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dar conta de diferentes enunciaes num mesmo universo de cariz anglo-
saxnico: drama, educational drama, playdrama, creative dramatics,
drama in education, etc. Contudo, a maior clivagem surge no binmio drama
educacional/ expresso dramtica, quer citemos as esferas de influncia anglo-
saxnica, quer citemos as esferas de influncia francfona.
Os contributos de figuras mpares das perspectivas francfonas para o de-
senvolvimento da expresso dramtica e do jogo dramtico, tais como Lon
Chancerel (1958) ou Jean-Pierre Ryngaert (1981), no podero deixar de ser
mencionados. Efectivamente, cada um sua maneira, exerceu uma influncia
enorme na introduo de novos conceitos e no desenvolvimento de metodologias
dramticas em contexto escolar e de amadores, a que muitos dos profissionais
nas escolas portuguesas so devedores. Tambm teremos que levar em conta oscontributos inovadores de LeCoq, atravs da reapropriao das tcnicas de
mascara e clown, focado na centralidade do corpo e do gesto que desenvolve na
sua cole Internationale de Thtre, fundada em 1956 e que tem formado jovens
de todo o mundo ao longo de dcadas.
A considerao da importncia das actividades dramticas e a particular funo
do jogo no desenvolvimento individual/grupal de crianas e jovens, coloca
Ryngaert e Barret como referncias insubstituveis. A situao de entre-lugar,caracterstica do jogo dramtico, possibilita, segundo Ryngaert (1981), que se
encare a actividade dramtica sem necessidade de pr-requisitos, podendo ser
jogada por todos, profissionais e no profissionais, numa zona intermdia em que
se pode experimentar com riscos controlados. A perspectiva vinda do Quebec de
Gislle Barret (1986, 1994) merece destaque pelo seu especial contributo no
panorama do teatro-educao em Portugal. A autora reconhece a importncia da
expresso dramtica como um verda- deiro meio para atingir o conhecimento,
aplicvel no s a esta disciplina artstica, mas tambm como forma de promovera interaco e o conhecimento noutras disciplinas. Baseia a exdra -
terminologia prpria desta pedagoga para definir a expresso dramtica - no jogo
onde cada aluno trabalha a sua funo e no o seu papel , no existindo um
guio prvio das aces a levar a cabo. Prope uma pedagogia da situao, da
aco, do processo, baseada numa estrutura de atelier organizado em diversas
fases e mobilizando tipos de indutores diferenciados.
Embora salientando a importncia de um desenvolvimento global, a autora
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privilegia o desenvolvimento de cinco competncias essenciais: a expresso (oral,
corporal), o imaginrio e a criatividade; a comunicao, a confiana em si e ainda
a abordagem cultural. Um outro conceito importante o de pedagogia do
colectivo que radica na ideia de que o indivduo um ser social, agindo com o
outro e para o outro. O grupo o lugar onde o indivduo descobre, revela eexplora a sua expresso (BARRET, 1994. 222/223) e onde evidenciada a
diversidade.
No podendo aqui referir todos os que tm contribudo decisivamente para o
desenvolvimento do teatro educao, evidenciam-se os diversos contributos em
trs grandes linhas orientadoras: (1) como desenvolvimento pessoal; (2) como
meio de aprendizagem; e ainda (3) como arte performativa.
Metodologias e prticas de Teatro-Educao
De acordo com as perspectivas at aqui enunciadas poderemos compreender a
diversidade de metodologias que se apresenta tanto escola, quanto a mltiplos
outros contextos (que vo para alm do simples domnio e experimentao de
conceitos e contedos especficos do teatro). A articulao entre formas diversas
de expresso artstica , no mbito desta diversidade, uma realidade pertinente.
O Teatro-educao especificamente til por potenciar prticas integradoras
capazes de estabelecer pontes necessrias com outras reas do conhecimento7
,implicando ainda o desenvolvimento de valores e atitudes nos jovens e futuros
profissionais, enquanto cidados implicados.
O Process drama mais prximo da metodologia usada no contexto anglo-
saxnico do teatro educao (O`NEILL 1995) influenciou decisivamente as
prticas no contexto escolar em mltiplos pases. A perspectiva de abordagem do
drama como mtodo de ensino, eixo curricular e/ou tema gerador (CABRAL,
1999), baseado num processo de procura e descoberta e ainda na explorao deelementos e formas dramticas (que alimentem a reflexo sobre determinado
tema de trabalho), apresenta, deste modo, claros pontos de encontro com a
perspectiva que Freire concebeu8.
7A constatao fundamental aqui que as dimenses artstica e educacional alimentam uma outra o desempenho artstico ser tanto melhor quanto maior for o conhecimento adquirido sobre os con-tedos e as formas subjacentes ao processo dramtico; o valor educacional da experincia na escolaser tanto maior quanto melhor for o resultado artstico alcanado (CABRAL, 1998, p. 13).8O trabalho em torno dos temas geradores inaugura o dilogo da educao como prtica da liber-dade. o momento em que se realiza a investigao do que chamamos de universo temtico do povo
ou o conjunto de seus temas geradores (FREIRE, 1987, p. 87).
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Uma outra metodologia referenciada tem como base o trabalho desenvolvido por
Heathcote, cuja abordagem inovadora no desenvolvimento do ensino do drama,
no apenas clarificou o seu prprio objecto (que o drama), como tambm
proporcionou estruturas e estratgias adequadas a uma actividade que opera aonvel sensorial, conceptual e reflexivo. A autora definiu drama como uma
expresso selectiva das interaces humanas em que os cdigos e padres de
comportamento so constantemente examinados. As prticas teatrais em
contexto escolar passam, desta forma, no apenas pela montagem de
espectculos, mas tambm pelo desenvolvimento de processos criativos e ldicos
que favorecem o desenvolvimento dos participantes em vrias dimenses.
No Brasil, segundo Desgranges (2003), so trs as principais vertentes de jogosimprovisacionais que vm sendo aplicadas: o jogo dramtico, o jogo teatral e o
drama (...) que tm tradio francesa, norte-americana e inglesa,
respectivamente (ibid., p. 72), no diferindo muito do que se passa em Portugal,
ainda que a influncia do Quebec, atravs de Barret, tambm tenha contribudo
para a diversidade das prticas dramticas na escola portuguesa (MARTINS,
2002; BEZELGA, 2003; ANTUNES, 2005; LOPES, 2006; SILVA, 2007; CORREIA,
2011).
Outra referncia que se impe a de Ingrid Koudela (1984) que, a partir da
divulgao e traduo da obra de Spolin (em 1979), passou a influenciar
definitivamente o movimento de teatro-educao: o sistema de Jogos Teatrais
vem contribuindo para a formao em teatro nos mais diferentes nveis, desde a
sua aplicao a crianas e adolescentes at sua utilizao nos cursos das escolas
de teatro (ibid., p. 14).
A partir de jogos eminentemente teatrais e tendo em vista o desenvolvimentoesttico e artstico na formao, a autora tem, nos ltimos anos, proposto um
modelo de pedagogia do teatro que designou por Teatro de Figuras Alegricas e
que se apresenta tendo como base a criao de quadros vivos (KOUDELA, 2009).
No deixa de ser interessante articular este percurso de Koudela, sempre atento
a todo o tipo de jogos e brincadeiras populares ou tradicionais, com o estudo de
Cavalcanti sobre um dos tipos de manifestaes populares, o Bumba Meu Boi de
Paratins, onde est igualmente patente a pertinncia de figuras alegricas na
construo de uma esttica espectacular (CAVALCANTI, 2011).
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Esta alegorizao viva apenas um dos aspectos de uma mirade de apro-
ximaes metodolgicas que acaba por percorrer inmeros caminhos e
focalizaes particulares: troca de papis, analogia, alegoria, expresso corporal,
produo de narrativas, simulao, jogos e exerccios, improvisao, etc.
Em Portugal, no percurso do teatro-educao, podemos considerar ter sido
bastante forte a influncia das perspectivas francfonas resultante de contactos e
formaes realizadas no exterior por um conjunto de professores ligados
formao de professores e educadores, mas tambm pela ligao ntima com o
movimento do Teatro independente e, portanto, com as experincias de
animao, descentralizao cultural e de renovao da oferta formativa
(sobretudo a que teve lugar no Conservatrio Nacional, quer ao nvel daformao de actores, quer na formao de educadores pela Arte). A prpria
permanncia de Augusto Boal no Conservatrio Nacional contribuiu para
aprofundar esta influncia. De certa forma estes contributos foram sendo
reflectidos, quer nos Programas da rea de Expresses nos Cursos de Formao
de Professores e Educadores, quer nos programas de 1 Ciclo, 3 Ciclo e
Secundrio.
Contudo, a partir do final dos anos oitenta e ao longo dos anos noventa, asperspectivas do Drama e Theatre Education passaram tambm a fazer-se
sentir, a par da influncia da Animao Cultural e posteriormente da animao
teatral.
Abrindo Portas e Janelas e saltando os Muros das Escolas
A partir dos anos 90, no deixa de ser relevante a constatao de uma
progressiva deslocao da interveno teatral com fins educacionais, fugindo do
espao escolar, debatendo-se com uma excessiva regulamentao disciplinar noquadro das normas institucionais e uma impiedosa perda de espao nos tempos
curriculares. Assiste-se, deste modo, ao desenvolvimento de um tipo de
interveno teatral com propsitos educacionais, cada vez mais especfico, junto
de grupos/alvo, que se vai adequando a todo um conjunto de contextos
diversificados. Acompanhando o movimento do salto para fora das paredes da
escola que se tem vindo a produzir um pouco por todo o mundo, coloca-se uma
questo central que se refere terminologia adoptada.
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No caso do teatro-educao em contexto escolar fica clara uma grande
diversidade de nomeaes, com origem, ou nas reas de influncia geogrfica da
pesquisa acadmica, ou na multiplicidade de contextos em que o teatro tem
vindo a eclodir com funes sociais, culturais, educacionais e teraputicas. No
contexto anglo-saxnico, a perda significativa de espao (horas) no horrio dosalunos e o declnio da influncia das TIE a partir dos anos oitenta, propiciou o
salto da escola para os contextos comunitrios. O conceito de aplicao,
traduzindo-se, por exemplo, em Applied drama ou Applied theatre passou a
incorporar o lxico da rea (TAYLOR, 2002, 2003; NICHOLSON, 2005, 2009;
ACKROYD, 2000, 2007; NEELANDS, 2007; OTOOLE, 2007; BALFOUR &
SOMMERS, 2006; RASMUSSEN, 2000; PRESTON & PRENTKI, 2008; NOGUEIRA,
2007, 2008; VALENTE, 2009, 2008; THOMPSON, 2008 ou PRENDERGAST &
SAXTON, 2009).
Segundo Bolton (2007) similarities between TIE, TFD, Boals, and Heathcotes
practice seem barely to have been acknowledged, these and other parallel
strands have been drown together under the broader label of Applied theatre
(ibid., p. 56)
A par da tendncia da universalidade e gratuitidade da educao, acompanhada
pela emergncia de novos problemas colocados pela heterogeneidade cultural,social e tnica dos alunos e pela crescente diversificao dos quadros
educacionais, o teatro-educao tm encontrado caminhos novos e de excelncia
para os desafios scio-culturais que se colocam s sociedades actuais. O
florescimento das mais diversas aplicaes tm resultado em boa parte, desta
nova turbulncia social muito baseada na interculturalidade em contexto escolar,
no alargamento dos pblicos e, em suma, na multiculturalidade crescente das
sociedades contemporneas.
A perspectiva teraputica (JENNINGS, 2009; VALENTE, 2009, 2008) tem
encontrado o seu lugar muito especfico neste novo paradigma de cariz
turbulento. O modelo social em que vivemos favorece, em boa verdade, a
necessidade de abordagens dramticas junto de pblicos especiais, visando uma
sbita tomada de conscincia ou uma reflexo sobre os processos constantes de
mudana e de transformao.
Por seu lado, o conceito de applied theatre foi-se generalizando, ao mesmo
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tempo que se fragmentou em mltiplas dimenses de aplicao:
the new discourse of applied theatre (...) suggests thatapplied theatre has moved from being an umbrella termto refer to a range of particular forms of theatre practice
sharing specific common features, to become a termreferring to a specific form itself (ACKROYD, 2007).
A urgncia de conhecimento e compreenso do Outro invadem todas as franjas
curriculares e o Teatro-Educao no lhe imune. Muito pelo contrrio, encontra
a a oportunidade de se afirmar num terreno propcio e acaba por revelar-se
imprescindvel para todo o tipo de projectos sociais. Beatriz Cabral (1999, 2005),
que tem desenvolvido uma abordagem do teatro-educao de natureza
intercultural, reforou e enfatizou, neste contexto, o conceito desenvolvido por
Butler e Swain (1996) de conscientizao cultural (CABRAL, 2005). As prticasdramticas em contextos scio-culturais diversificados podem-se apresentar
como uma oportunidade e constituem um esteio novo que possibilita examinar e
escrutinar as questes de identidade.
Acompanhando a reflexo sobre estas prticas, o Teatro educao e comunidade9
faz a sua apario no contexto acadmico atravs da reestruturao de ofertas
formativas, alargando o mbito tradicional de oferta dos Departamentos de
Teatro, sobretudo nas Universidades anglo-saxnicas onde se insinua muitasvezes articulada com a rea da performance. Tais mudanas ficaram a dever-se
necessidade de dar respostas adequadas s necessidades contemporneas, quer
da formao, quer mesmo da interveno:
A prtica de teatro em escolas e comunidades acompanhae/ou reflete as experincias contemporneas do teatro evem dando especial ateno desconstruo do textodramtico a fim de adapt-lo s condies e motivaeslocais e ao mesmo tempo transgredir os limites do
cotidiano e do j visto (CABRAL, 2005, p. 30).
A relao contempornea entre Arte, Educao e Comunidade est bem patente
nas actuais preocupaes das prticas educacionais e das prticas artsticas, em
parte decorrente das rupturas impostas pela viso ps-moderna:
9A denominao Teatro Educao e Comunidade (utilizada na Universidade de vora), decorre daperspectiva pedaggica na interveno teatral em contextos comunitrios, partindo dos pressupostosda Educao ao longo da vida.
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A preocupao com o relacionamento entre a prtica emarte educao e a comunidade data de h pelo menos 30anos. Nos Estados Unidos este interesse se renovou nosanos 90 com um entendimento crtico dos limites impostospor uma definio de arte, e conseqentemente de umapratica pedaggica, principalmente baseada numa nfase
s normas acadmicas e s tradies modernistas(BASTOS & BIAZUS, 2009).
Para a sua operacionalizao, e sem esquecer de vista os objectivos educacionais
que devero sustentar estas prticas artsticas em contextos diversos, convm
reflectir sobre as diferentes percepes que a se albergam, destacando-se a sua
utilidade social. Balfour & Somers (2006) percepcionam o drama como uma
ferramenta de interveno social. Matarrasso (2007), para quem a Arte
Comunitria encarada como metodologia de trabalho, aproxima-se das
perspectivas de car (1992) e de Trilla (1997), que colocam a tnica na
dimenso processual da aco/interveno.
Concluso: Aceitando os Desafios
Dada a natureza diversa das possibilidades de aplicao dos processos do teatro-
educao e da arte-educao, importa colocar em evidncia a comunalidadedos
seus propsitos e que poderemos reduzir ao seu uso como: meio de expresso;
comunicao; encontro; e desenvolvimento.
Nesta perspectiva, a dimenso de aplicao dos princpios, objectivos e
metodologias do teatro-educao (que anteriormente revisitmos) dever
conduzir-nos e assumir-se como mdium para a aco, reflexo e transformao.
Neste caso, o seu mbito instrumental acaba por ser claramente reforado10no
podendo, no entanto, levar-nos a abdicar - ou a secundarizar - os pressupostos
artsticos e estticos que ao longo da nossa reflexo claramente enuncimos.
Podemos encarar as prticas teatrais em contextos diversos como um tipo deexperincia educacional lata, no sentido dos pressupostos da educao no
formal baseada no princpio de que as aes interativas entre os indivduos
10Applied theatre is becoming a more frequent description of theatre work conducted outside of con-ventional mainstream theatre houses for the purpose of transforming or changing human behaviour.Applied theatre is characterised by its desire to influence human activity, to raise issues, haveaudience members problem solve those issues. There is a long established history of applied theatre,too de- tailed to canvass here, nonetheless throughout time there have been many individualsinterested in the power of theatre to affect human behaviour. From the Aboriginal dreamtime, to themedieval mystery plays, to the political theatre of today, theatre has often be used as an instrument
to teach and to raise issues of cultural interest (TAYLOR, 2002).
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promovem a construo de saberes (PUPO, 2008, p. 59). Para Coutinho (2010),
a tendncia da nomeao de teatro aplicado a estes tipos de abordagem deve-se
a um propsito inclusivo e a inteno desses estudos em se concentrar em
conceitos que regem as prticas no campo, mais do que se dedicar s nuances
entre elas (ibid., p. 11). Desta forma, a possvel designao de Teatro Educaoe Comunidade, adoptada na Universidade de vora, corresponde ao
reconhecimento dos contributos pedaggicos em processos educacionais formais
e informais que esto envolvidos na interveno teatral com comunidades,
incluindo as comunidades educativas.
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1 Professora da Universidade de vora, Portugal. Diretora da Comisso Executiva e deacompanhamento da Licenciatura em Teatro e Adjunta da Ps Graduao em TeatroEducao e Comunidade. Membro do movimento portugus de interveno artstica e
educao pela arte. Membro Colaboradora do Centro de Investigao em Educao ePsicologia da Universidade de vora. E.mail: [email protected]
Recebido em: 30 de maio de 2015
Aprovado em: 20 de agosto de 2015.