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Entrevista Beira do Rio - O que distingue a pesquisa de um jornalista, no campo da História, da pesquisa de um historiador? Oswaldo Coimbra - Em princípio, é o compromisso do jornalista com a comunicabilidade. Quando colhe dados para um texto seu, em docu- mentos antigos ou numa entrevista, o jornalista tem sempre em vista o produto que pode gerar através do seu trabalho com a linguagem verbal, isto é, a confecção de um texto claro, preciso e atraente por- que ele escreve para um público amplo e heterogêneo. Ele, portanto, é movido por preocupações que são próprias do caráter político do seu ofício, voltado para a “pólis”, a cidade. O historiador, naturalmen- te, tem outras preocupações. Essa diferença entre esses dois pesquisadores se manifesta frequente- mente pela forma de estruturação de seus textos. Um jornalista tenderá, sempre, para a estrutura narrativa, que nos é familiar por- que convivemos com ela desde a infância, quando ouvíamos as historinhas contadas pelos adultos, enquan- to ao historiador pare- ce mais conveniente a estrutura dissertativa, própria da vida aca- dêmica. BR - Por quê? OC - Acredito que o historiador precisa demonstrar teses. Ele escreve, sobretudo, para seus pares. Isso, no entanto, não impede que alguns poucos historiadores sejam também talentosos escritores. Em Belém, por exemplo, temos, pelo menos, dois historiadores estilistas – o Geraldo Coelho e o Aldrin Moura – capazes de oferecer a seus leitores algo buscado com obsessão pelos jornalistas: o prazer da leitura. BR - Que consequências terá, para o jornalismo, a absorção de longas pesquisas do campo da História, notada hoje no Brasil? OC -Uma consequência óbvia é a desmoralização de um argumento com o qual, comumente, alguns te- óricos da comunicação justificavam o atual empobrecimento dos textos veiculados por nossos jornais, de que os leitores não dispõem de tempo para leituras mais aprofun- dadas. Se esse fosse um argumento consistente, como se poderia ex- plicar o crescimento do mercado editorial sustentado por jor- nalistas que fazem pesquisas no campo da História? Lembre- mos, para citar apenas brasileiros, Fernando Moraes, Ruy Castro e Jorge Caldeira, entre outros. No entanto a consequência que julgo mais animadora é o florescimento de uma área da produção cultural brasileira, aquela que alimenta as edições de revistas e de DVDs com o jor- nalismo especializado em História. BR - Essa invasão de jornalistas num campo até recen- temente reservado somente para historiadores causa ciúmes? OC - Possivelmente. Entretanto é inegável que o jornalismo contribui, ISSN 1982-5994 Rosyane Rodrigues Jornalista, pesquisador e escritor. O professor Oswaldo Coimbra é, na verdade, um desbravador de novos campos de atuação que tenham como ferramenta a linguagem escrita ou oral. Responsável pelo Grupo de Memória da Engenharia, da Faculdade de Engenharia Civil da Universidade Federal do Pará, Coimbra já publicou cinco livros como resultado das suas pesquisas sobre a saga da Engenharia na Amazônia. Recentemente, editou “Cidade Velha, Cidade Viva”, em parceria com a Associação Cidade Velha, que reuniu artigos sobre o bairro mais antigo de Belém. Nesta entrevista ao JORNAL BEIRA DO RIO, Coimbra abre o debate sobre a atuação do jornalista como pesquisador e escritor, fala do crescimento do jornalismo especializado em História – cada vez mais presente nas bancas de revistas e situa o mercado paraense nesse novo filão para os profissionais que querem ir além das redações. Jornalismo especializado em História é filão no mercado editorial Texto narrativo é ferramenta para atrair público amplo e heterogêneo 12 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Março, 2009 “O jornalismo contribui para a difusão das pesquisas dos historiadores” “Quando colhe dados, o jor- nalista tem em vista o produto que pode gerar” “Como perquisador, publiquei três livros sobre nossos antigos construtores” JORNAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ • ANO VII • N. 70 • MARçO, 2009 de um modo extraordinário, para a difusão das pesquisas dos historia- dores. Temas, até há pouco tempo, só acessíveis a especialistas, hoje, impressionam multidões, como, por exemplo, a inacreditável entrega de Olga Prestes, grávida, pelo gover- no de Getúlio Vargas aos nazistas alemães. Como o jornalismo demo- cratiza o acesso a conhecimentos acadêmicos, parece-me que ele também dá uma nova dimensão à importância social do pesquisador de História. BR - Como jorna- lista, o senhor teve alguma grande satis- fação ao pesquisar o passado da Engenha- ria na Amazônia? OC - Tive e tenho grandes satisfações. Suponho que valha a pena mencionar algu- mas para que outras pessoas que gostem de escrever se sintam motivadas a ingressar no espaço da criação de narrativas não-fic- cionais, sustentadas por longas pesquisas, no qual me situo hoje. Como, por exemplo, a satisfação de penetrar através da documenta- ção vasta e rica, guar- dada no nosso Arquivo Público, na realidade sócio-econômico-cultural do Pará colonial, num momento em que o Estado era gigantesco, pois abarcava o atual Amazonas e outros Estados menores, e se cons- tituía numa unidade administrativa independente do Brasil, dentro do reino português. Essa aventura in- telectual me possibilitou escrever um livro sobre um momento desco- nhecido do passado da Amazônia, assim como uma longa reportagem veiculada no jornal O Estado de São Paulo. Outra satisfação foi a de poder registrar mais de vinte horas de depoimentos de um grande construtor paraense, Judah Levy, antes de sua morte. Judah construiu, inclusive, os dois primeiros prédios elevados de Belém – o Piedade e o Renascença, ambos na Praça da República – que deram início ao processo de crescimento vertical da cidade. Guardo, com ciúmes, as fitas com essas gravações, enquanto aguardo uma oportunidade para usá-las em outro livro. BR - Na sua opinião, existe, em Belém, espaço de trabalho pro- fissional para jornalistas que queiram ser pesquisadores e escritores? OC - Acredito que exista, afinal, foi como jornalista-pesquisador que o professor Abí- lio Cruz, diretor do então Centro Tecno- lógico da UFPA, me convidou, em 1992, a reconstituir o pas- sado dos construto- res do Pará. Foi na mesma condição que o colegiado da Facul- dade de Engenharia Civil me convidou, depois, a assumir duas disciplinas do bloco de Formação Geral – uma ligada à iden- tidade socio-cultural do engenheiro civil na Amazônia, outra liga- da às dificuldades de expressão verbal dos seus alunos. Foi como jornalista-pesquisador que pude publicar, em Belém, três livros sobre os nossos construtores antigos, um livro sobre o ator Claú- dio Barradas e outro, sobre o Golpe Militar no Pará. Esta condição de jornalista-pesquisador me lançou numa nova área de atividades, a da Expressão Verbal, em que atuo como professor e escritor. Além disto, lembro-me, imediatamente, de outro jornalista-pesquisador, Carlos Rocque, que produziu li- vros indispensáveis a quem estuda temas ligados a Antônio Lemos e a Magalhães Barata, e mais de duas grandes enciclopédias de cultura amazônica. FOTOS ALEXANDRE MORAES MÁCIO FERREIRA MÁCIO FERREIRA ALEXANDRE MORAES Projeto discute formas de prevenção à violência Considerar a subjetividade masculi- na pode ser assencial no trabalho de prevenção à violência doméstica. A professora Adelma Pimentel afirma que os papéis sociais tradicionais reforçam a desigualdade. Pág. 8 Masculinidade Mulheres ainda buscam o grande amor Pág. 3 Lei Maria da Penha sob vigilância Págs. 6 e 7 Pesquisa Observatório Propagandas banalizam corpo feminino Anúncios proclamam a perfeição como uma necessidade, desconsi- derando a diversidade regional e a miscigenação brasileira. Pág. 4 Mídia O professor Oswaldo Coimbra discute novo filão no mercado editorial. Pág. 12 Theodomiro Gama Júnior fala sobre o reflorestamento no Igarapé Castanhal. Pág. 2 Opinião Entrevista Alex Fiúza de Mello escreve sobre a cooperação internacional na UFPA. Pág. 2 Coluna do Reitor UFPA nas ondas da Rádio Web Programação definitiva irá ampliar a divulgação científica e debater questões de interesse da sociedade Mônica: iniciativas ainda são tímidas A Universidade Federal do Pará acaba de ganhar mais um veículo de divulgação científica. Idealizado pela profes- sora Luciana Miranda Costa, o projeto da primeira rádio univer- sitária da UFPA foi desenvolvido com o apoio de alunos e professo- res da Faculdade de Comunicação. A programação definitiva estará no ar a partir de maio, ampliando a divulgação do conhecimento produzido pela Universidade e propondo um amplo e democrático debate sobre questões de interesse da comunidade acadêmica e da so- ciedade. O veículo também surge como um importante instrumento de formação profissional e espaço de ensino e pesquisa. Atualmente, professores, alunos e voluntários são responsáveis pela programa- ção. Pág. 11

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Beira do Rio edição 70

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Page 1: Beira 70

Entrevista

Beira do Rio - O que distingue a pesquisa de um jornalista, no campo da História, da pesquisa de um historiador?Oswaldo Coimbra - Em princípio, é o compromisso do jornalista com a comunicabilidade. Quando colhe dados para um texto seu, em docu-mentos antigos ou numa entrevista, o jornalista tem sempre em vista o produto que pode gerar através do seu trabalho com a linguagem verbal, isto é, a confecção de um texto claro, preciso e atraente por-que ele escreve para um público amplo e heterogêneo. Ele, portanto, é movido por preocupações que são próprias do caráter político do seu ofício, voltado para a “pólis”, a cidade. O historiador, naturalmen-te, tem outras preocupações. Essa diferença entre esses dois pesquisadores se manifesta frequente-mente pela forma de estruturação de seus textos. Um jornalista tenderá, sempre, para a estrutura narrativa, que nos é familiar por-que convivemos com ela desde a infância, quando ouvíamos as historinhas contadas pelos adultos, enquan-to ao historiador pare-ce mais conveniente a estrutura dissertativa, própria da vida aca-dêmica.

BR - Por quê?OC - Acredito que o historiador precisa demonstrar teses. Ele escreve, sobretudo, para seus pares. Isso, no entanto, não impede que alguns poucos historiadores sejam também talentosos escritores. Em Belém,

por exemplo, temos, pelo menos, dois historiadores estilistas – o Geraldo Coelho e o Aldrin Moura – capazes de oferecer a seus leitores algo buscado com obsessão pelos jornalistas: o prazer da leitura.

BR - Que consequências terá, para o jornalismo, a absorção de longas pesquisas do campo da História, notada hoje no Brasil?OC -Uma consequência óbvia é a desmoralização de um argumento com o qual, comumente, alguns te-óricos da comunicação justificavam o atual empobrecimento dos textos veiculados por nossos jornais, de que os leitores não dispõem de tempo para leituras mais aprofun-dadas. Se esse fosse um argumento consistente, como se poderia ex-

plicar o crescimento do mercado editorial sustentado por jor-nalistas que fazem pesquisas no campo da História? Lembre-mos, para citar apenas brasileiros, Fernando Moraes, Ruy Castro e Jorge Caldeira, entre outros. No entanto a consequência que julgo mais animadora é o florescimento de uma área da produção cultural brasileira, aquela que alimenta as edições de revistas e de DVDs com o jor-nalismo especializado em História.

BR - Essa invasão de jornalistas num campo até recen-temente reservado somente para historiadores causa ciúmes?OC - Possivelmente. Entretanto é inegável que o jornalismo contribui,

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Rosyane Rodrigues

Jornalista, pesquisador e escritor. O professor Oswaldo Coimbra é, na verdade, um desbravador de novos campos de atuação que tenham como ferramenta a linguagem escrita ou oral. Responsável pelo Grupo de Memória da Engenharia, da Faculdade de Engenharia Civil da Universidade Federal do Pará, Coimbra já publicou cinco livros como resultado das suas pesquisas sobre a saga da Engenharia na Amazônia. Recentemente, editou “Cidade Velha, Cidade Viva”, em parceria com a Associação Cidade Velha, que reuniu artigos sobre o bairro mais antigo de Belém.

Nesta entrevista ao JORNAL BEIRA DO RIO, Coimbra abre o debate sobre a atuação do jornalista como pesquisador e escritor, fala do crescimento do jornalismo especializado em História – cada vez mais presente nas bancas de revistas e situa o mercado paraense nesse novo filão para os profissionais que querem ir além das redações.

Jornalismo especializado em História é filão no mercado editorialTexto narrativo é ferramenta para atrair público amplo e heterogêneo

12 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Março, 2009

“O jornalismo contribui para a difusão das pesquisas dos historiadores”

“Quando colhe dados, o jor-

nalista tem em vista o produto

que pode gerar”

“Como perquisador, publiquei três livros sobre nossos antigos construtores”

JORNAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ • ANO VII • N. 70 • MARçO, 2009

de um modo extraordinário, para a difusão das pesquisas dos historia-dores. Temas, até há pouco tempo, só acessíveis a especialistas, hoje, impressionam multidões, como, por exemplo, a inacreditável entrega de Olga Prestes, grávida, pelo gover-no de Getúlio Vargas aos nazistas alemães. Como o jornalismo demo-cratiza o acesso a conhecimentos acadêmicos, parece-me que ele também dá uma nova dimensão à importância social do pesquisador de História.

BR - Como jorna-lista, o senhor teve alguma grande satis-fação ao pesquisar o passado da Engenha-ria na Amazônia?OC -Tive e tenho grandes satisfações. Suponho que valha a pena mencionar algu-mas para que outras pessoas que gostem de escrever se sintam motivadas a ingressar no espaço da criação de narrativas não-fic-cionais, sustentadas por longas pesquisas, no qual me situo hoje. Como, por exemplo, a satisfação de penetrar através da documenta-ção vasta e rica, guar-dada no nosso Arquivo Público, na realidade sócio-econômico-cultural do Pará colonial, num momento em que o Estado era gigantesco, pois abarcava o atual Amazonas e outros Estados menores, e se cons-tituía numa unidade administrativa independente do Brasil, dentro do reino português. Essa aventura in-telectual me possibilitou escrever um livro sobre um momento desco-nhecido do passado da Amazônia, assim como uma longa reportagem veiculada no jornal O Estado de São Paulo. Outra satisfação foi a de poder registrar mais de vinte horas de depoimentos de um grande construtor paraense, Judah Levy, antes de sua morte. Judah construiu,

inclusive, os dois primeiros prédios elevados de Belém – o Piedade e o Renascença, ambos na Praça da República – que deram início ao processo de crescimento vertical da cidade. Guardo, com ciúmes, as fitas com essas gravações, enquanto aguardo uma oportunidade para usá-las em outro livro.

BR - Na sua opinião, existe, em Belém, espaço de trabalho pro-fissional para jornalistas que queiram ser pesquisadores e escritores?

OC - Acredito que exista, afinal, foi como jornalista-pesquisador que o professor Abí-lio Cruz, diretor do então Centro Tecno-lógico da UFPA, me convidou, em 1992, a reconstituir o pas-sado dos construto-res do Pará. Foi na mesma condição que o colegiado da Facul-dade de Engenharia Civil me convidou, depois, a assumir duas disciplinas do bloco de Formação Geral – uma ligada à iden-tidade socio-cultural do engenheiro civil na Amazônia, outra liga-da às dificuldades de

expressão verbal dos seus alunos. Foi como jornalista-pesquisador que pude publicar, em Belém, três livros sobre os nossos construtores antigos, um livro sobre o ator Claú-dio Barradas e outro, sobre o Golpe Militar no Pará. Esta condição de jornalista-pesquisador me lançou numa nova área de atividades, a da Expressão Verbal, em que atuo como professor e escritor. Além disto, lembro-me, imediatamente, de outro jornalista-pesquisador, Carlos Rocque, que produziu li-vros indispensáveis a quem estuda temas ligados a Antônio Lemos e a Magalhães Barata, e mais de duas grandes enciclopédias de cultura amazônica.

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Projeto discute formas de prevenção à violência

Considerar a subjetividade masculi-na pode ser assencial no trabalho de prevenção à violência doméstica. A

professora Adelma Pimentel afirma que os papéis sociais tradicionais reforçam a desigualdade. Pág. 8

Masculinidade

Mulheres ainda buscam o grande amor

Pág. 3

Lei Maria da Penha sob vigilância

Págs. 6 e 7

Pesquisa

Observatório

Propagandas banalizam corpo feminino Anúncios proclamam a perfeição como uma necessidade, desconsi-derando a diversidade regional e a miscigenação brasileira. Pág. 4

Mídia

O professor Oswaldo Coimbra discute novo filão no mercado editorial. Pág. 12

Theodomiro Gama Júnior fala sobre o reflorestamento no Igarapé Castanhal. Pág. 2

Opinião EntrevistaAlex Fiúza de Mello escreve sobre a cooperação internacional na UFPA. Pág. 2

Coluna do Reitor

UFPA nas ondas da Rádio Web

Programação definitiva irá ampliar a divulgação científica e debater questões de interesse da sociedade

Mônica: iniciativas ainda são tímidas

A Universidade Federal do Pará acaba de ganhar mais um veículo de divulgação

científica. Idealizado pela profes-sora Luciana Miranda Costa, o projeto da primeira rádio univer-sitária da UFPA foi desenvolvido com o apoio de alunos e professo-res da Faculdade de Comunicação. A programação definitiva estará no ar a partir de maio, ampliando a divulgação do conhecimento produzido pela Universidade e propondo um amplo e democrático debate sobre questões de interesse da comunidade acadêmica e da so-ciedade. O veículo também surge como um importante instrumento de formação profissional e espaço de ensino e pesquisa. Atualmente, professores, alunos e voluntários são responsáveis pela programa-ção. Pág. 11

Page 2: Beira 70

Uma universidade, para ser Universidade, precisa estar no mundo. Conter, em sua

dinâmica interna e em sua cultura acadêmica, os valores, os horizontes perspectivos e as conexões necessá-rias que lhe interligam com a his-tória (passada e presente) e com os destinos de sua contemporaneidade. Exercitar com propriedade e atuali-dade – esse, o seu grande desafio – o conhecimento universal disponível, que se renova sempre mais a cada dia, engajando-se nas múltiplas fren-tes de investigação que se articulam em rede, em níveis nacional, regional e planetário, em vista do avanço do domínio do homem sobre a natureza e sobre o seu próprio destino.

Para cumprir com êxito essa sua finalidade inalienável, à uni-versidade se impõe uma engenharia institucional inteligente, voltada à cooperação internacional, eficiente e produtiva, com estruturas geren-ciais adequadas, recursos humanos profissionalizados e infraestrutura condizente com os desafios da fun-ção. No mínimo, um setor específico que cuide, diuturnamente, das tarefas inerentes aos processos de intercâm-bio cultural e científico, com status e poder suficientes de movimentação e articulação institucional, com pro-gramas sólidos e transparentes de

cooperação, orçamento específico e agenda devidamente pactuada com as várias unidades acadêmicas.

Muitas instituições de educa-ção superior mundo afora – caso da Europa e dos Estados Unidos – há muito estruturaram vice-reitorias (ou órgãos similares) para cuidar especificamente das relações inter-nacionais. São instâncias de grande prestígio dentro das respectivas aca-demias, subordinadas diretamente aos reitores – o que permite mais flexibilidade e organicidade ao tra-balho – e devidamente aparelhadas (espaço, equipamento e pessoal) para o exercício da função.

A UFPA tem avançado, nos úl-timos anos, nesse sentido. Conquistas significativas foram se acumulando ao longo do tempo: a rede metrobel, em banda larga, oferecendo um outro padrão de conectividade; a destinação exclusiva e reforma da casa onde funciona, atualmente, a sede da Assessoria de Relações In-ternacionais (ARNI); a contratação, pela FADESP, de pessoal qualificado para atuar nas Casas de Estudos (que compõem o organograma da ARNI); a remuneração por Cargo de Dire-ção (CD) das coordenadorias das Casas (favorecendo a dedicação à função); a criação, pelo CONSEPE, das Cátedras de Cooperação Interna-

cional, por Casa de Estudo (as quais financiarão a vinda de professores e pesquisadores do estrangeiro); a destinação de um programa de bolsas para estudantes de línguas estagia-rem nas Casas; a vinculação da UFPA a redes internacionais de intercâmbio estudantil, a exemplo do Programa Erasmus Mundus, da União Euro-péia; a criação de um setor na ARNI voltado exclusivamente à assistência ao estudante estrangeiro; a autori-zação, pelo Governo Espanhol, da criação de um Centro de Recursos Didáticos daquele país dentro de nos-sa universidade, com leitor próprio (já em plena atividade); a criação de uma Cátedra UNESCO para a cooperação Sul-Sul, na Amazônia, dentro da UFPA (também já em ple-na atividade); a finalização da obra do novo Centro de Convenções, na cidade universitária, com capacidade para mil lugares, com tecnologia de transmissão de ponta e condições de atrair e suportar grandes eventos acadêmicos, inclusive (e sobretudo) os de natureza internacional; auto-rização à Prefeitura da cidade uni-versitária para a formulação de um projeto arquitetônico e de engenharia destinado à construção da nova sede da ARNI dentro da cidade universi-tária. O próximo passo, agora, para a definitiva institucionalização da

área de cooperação internacional em âmbito da UFPA talvez seja o de elevar a Assessoria à condição de uma Pró-Reitoria, com status institu-cional irreversível, a fim de que seja o próprio Conselho Universitário a referendar, na estrutura da UFPA, uma instância com envergadura e à altura dos desafios do mundo global e da inserção definitiva de nossa uni-versidade no cenário internacional, como referência no contexto amazô-nico – tão estratégico e sensível aos vários países e continentes, como ficou demonstrado recentemente, em Belém, por ocasião da realização do Fórum Social Mundial.

Eis a questão: ou a Univer-sidade Federal do Pará se articula ao mundo, de forma sistemática e dinâmica, em vista de sua contínua modernização cultural e acadêmica, adquirindo, em definitivo, um padrão institucional mais aberto e cosmo-polita, ou restará como instituição doméstica, sem futuro, cerceada pelo imobilismo e pela mediocridade, que ainda existem arraigados em certos segmentos internos, mais preocupa-dos com as vantagens corporativas comezinhas de curto prazo que com a missão social maior e insubstituí-vel da instituição, necessariamente inserida numa perspectiva de longue durée.

Nascido em Belém, presen-ciei, nas décadas de 60 e 70, alguns períodos de chuva,

durante os quais chovia todo dia, frequentemente o dia todo, e não rara-mente, dois ou até três dias consecuti-vos de fortes temporais. Contemplei a floresta amazônica por cima e por bai-xo, viajando em pequenas aeronaves e trabalhando no campo, em regiões remotas do Estado do Pará.

Aprendi a conhecer minha terra e idealizar um sonho: ser um empreendedor em busca da susten-tabilidade regional na Amazônia, por meio da educação ambiental e da preservação da natureza. Assim, escolhi a Faculdade de Pedagogia, campus Castanhal, da Universidade Federal do Pará, como uma opção

profissional para atingir tais objeti-vos desse sonho, pois acredito que somente pela educação ambiental das crianças e dos jovens é que poderemos preservar a natureza e, dessa maneira, reverter o preocupante quadro atual de degradação do meio ambiente amazônico.

Idealizei e hoje coordeno o Projeto “Reflorestamento das Matas Ciliares do Igarapé Castanhal”, volta-do à educação ambiental. Esta inicia-tiva de restabelecer as nascentes des-sa drenagem foi motivada pelo fato dela representar uma das inúmeras bacias hidrográficas que abastecem a Baía do Guajará, cujas águas banham a cidade de Belém, antes de atingir o oceano Atlântico.

Desde 2007 até hoje, já foram

plantadas, nas imediações dessas fontes naturais, cerca de 840 mudas de Andiroba, 160 de Eucalipto, Ipê e espécies frutíferas, totalizando 1000 árvores. Para 2009, está agendada a plantação de mais duas mil mudas. Apenas essas pequenas ações já per-mitiram a recuperação da lâmina de água de quase um metro de profun-didade, abrigando pequenos peixes, que migraram durante o período de reprodução.

Certamente, o tratamento dos esgotos e dos lixões será meta a ser atingida por esse Projeto. Acredita-mos na multiplicação de educadores, gestores e executores de programas que preservem o meio ambiente, conciliando a sustentabilidade, sem agredir a natureza, por meio da co-

mercialização racional dos recursos disponíveis, tais como a água, as sementes oleosas, dentre outros.

Completando esse programa de educação ambiental, não poderiam faltar as pesquisas arqueológicas e antropológicas que tratam da cultura das civilizações que viveram nessa região. Esses primeiros trabalhos de campo já proporcionaram a des-coberta de uma peça de cerâmica (fragmento de um pote) e artefatos de rochas (granito), utilizados por esses povos primitivos há cerca de 20 mil anos.

Theodomiro Gama Júnior é dou-tor em Geologia e Geoquímica pela UFPA, professor da Faculdade de Pe-dagogia no Campus de Castanhal.

BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Março, 2009 – 11

Coluna do REITOR

OPINIÃO

A universidade e as relações internacionais

Educação Ambiental e Reflorestamento

Alex Fiúza de Mello

Theodomiro Gama Júnior

[email protected]

[email protected]

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

2 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Março, 2009

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Rádio Web: divulgando conhecimentoVeículo alia a versatilidade da internet ao tradiconal modelo radiofônico

Comunicação

Rua Augusto Corrêa n.1 - Belém/[email protected] - www.ufpa.br

Tel. (91) 3201-7577

Reitor: Alex Bolonha Fiúza de Mello; Vice-Reitora: Regina Fátima Feio Barroso; Pró-Reitora de Administração: Simone Baía; Pró-Reitor de Planejamento: Sinfrônio Brito Moraes; Pró-Reitor de Ensino de Graduação: Licurgo Peixoto de Brito; Pró-Reitora de Extensão: Ney Cristina Monteiro de Oliveira; Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-graduação: Roberto Dall´Agnol; Pró-Reitora de Desenvolvimento e Gestão de Pessoal: Sibele Bitar Caetano; Prefeito do Campus: Luiz Otávio Mota Pereira. Assessoria de Comunicação Institucional JORNAL BEIRA DO RIO Coordenação: Luciana Miranda Costa; Edição: Rosyane Rodrigues; Reportagem: Ana Carolina Pimenta (013.585-DRT/MG) Andréa Mota/ Glauce Monteiro (1.869-DRT/PA)/ Jéssica Souza (1.807-DRT/PA)/ Raphael Freire/ Rosyane Rodrigues (2.386-DRT/PE)/ Suzana Lopes/ Tamiles Costa/ Tatiara Ferranti; Fotografia: Alexandre Moraes/Mácio Ferreira; Secretaria: Isalu Mauler/Elvislley Chaves/Gleison Furtado; Beira on-line: Leandro Machado/Ca-milo Rodrigues; Revisão: Júlia Lopes/Glaciane Serrão; Arte e Diagramação: Rafaela André/Omar Fonseca; Impressão: Gráfica UFPA.

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Andréa Mota

Quem visitar o portal da Uni-versidade Federal do Pará vai encontrar mais um canal de

divulgação científica: a Rádio Web UFPA. Idealizado pela professora Luciana Miranda Costa, da Faculdade de Comunicação (Facom), e desen-volvido com o apoio de professores e estudantes do curso, o Projeto Rá-dio Web UFPA resultou na primeira rádio universitária da Instituição. No Brasil, das 58 Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) existentes, 13 possuem emissoras de rádio AM ou FM, na versão on line.

A Rádio, que funciona 24 horas, começou suas transmissões experimentais no dia 27 de janeiro, durante o Fórum Social Mundial 2009, realizado em Belém. Dentre os vários objetivos do novo veículo de comunicação, o principal é aliar a versatilidade do web jornalismo ao tradicional modelo radiofônico, em prol do intercâmbio científico, cultu-ral e acadêmico.

“Nossa meta é que possamos socializar o conhecimento produzido na UFPA dentro e fora do país, além de promover o debate democrático e plural de ideias. O projeto já com-pletou dois anos e implicou a compra de equipamentos, a formação de um grupo de estudos sobre rádio, a ade-quação de espaço físico e os diversos arranjos técnicos. Para isso, temos contado com o apoio de vários setores da UFPA, como o CTIC, a Facom e a própria Reitoria”, explica a professora Luciana Miranda.

Atualmente, a Rádio Web UFPA transmite uma programação experimental, com informes, en-trevistas e seleção musical variada. Para acessá-la, basta visitar o Portal da UFPA (www.portalufpa.br) ou o site da Rádio Web (www.radio.ufpa.br). Assim que iniciarem suas trans-missões definitivas, a partir de maio deste ano, a Rádio terá sua página adaptada às novas demandas. “A página inicial da Rádio irá conter as notícias mais recentes ou a divulga-ção de programas que ainda irão ao

ar. Cada programa terá sua página específica, com informações sobre ele e edições anteriores”, explica o estudante de Comunicação Social e um dos responsáveis pela manutenção do site da Rádio, Ezequias Ferreira Nascimento.

Com o slogan “Rádio Web UFPA: divulgando conhecimento”, o site da Rádio também funcionará como um importante instrumento pedagógico, por meio de um “banco de dados”. Enquanto nas rádios tra-dicionais a informação ou a notícia possuem caráter transitório, na web, o público pode acessar várias vezes um material já divulgado. Dessa forma, o usuário (professores e alunos de qual-quer instituição ou demais interessa-dos) poderá acessar as informações veiculadas, ouvi-las novamente ou “baixá-las”, armazenando-as em seu computador para uso futuro ou ime-diato. Os programas sobre as mais diversas temáticas poderão ser ouvi-dos colocando-se “palavras-chave” no site da Rádio, como “aquecimento global” ou “literatura comparada”.

Coordenada pela profa. Luciana Miranda, a equipe é formada por professores, alunos e voluntários

Rádio é laboratório para estudantes

n Estreia durante o Fórum Social MundialDurante o Fórum Social Mun-

dial, a Rádio Web trabalhou com uma programação direcionada às demandas do evento. Uma equipe de profissionais da comunicação e de estudantes alimentou as transmissões com informes sobre o Fórum, entre-vistas ao vivo, enquetes e reportagens sobre as diferentes discussões que envolveram os cinco dias do FSM. “O Fórum serviu como teste do que ainda está por vir na Rádio Web. Es-tamos trabalhando na construção de uma programação de qualidade, com ampla divulgação do conhecimento científico à sociedade”, assegura Yggor Araújo, aluno do curso de Co-municação Social e atual responsável

pela produção e operação de áudio da Rádio. Além dele, mais de 15 estudantes do curso de Comunicação colaboraram com a construção diária da Rádio durante o evento.

Na entrevista inaugural, que contou com as presenças do reitor e da vice-reitora da UFPA, professores Alex Fiúza de Mello e Regina Feio, o reitor ressaltou a importância do veículo: “a Rádio é uma necessidade, não só em termos de divulgação cien-tífica, mas também como um espaço de formação profissional na área, além de ser um importante e novo instrumento de ensino e pesquisa”.

Antes do Fórum, o Grupo de Estudos e Pesquisa em Rádio,

coordenado por Luciana Miranda, realizava levantamentos sobre a his-tória do rádio paraense, debatia os formatos radiofônicos diferenciados e a interface da mídia com os temas contemporâneos de interesse da co-munidade acadêmica e da sociedade em geral. As atividades do grupo começaram em 2006 e prosseguem até hoje, com encontros semanais, todas as quintas, a partir das 14h30, na Facom.

De acordo com o estudante Yggor Araújo, o projeto ampliou as discussões sobre o veículo e levou ao curso de Comunicação uma pro-posta compartilhada de produção radiofônica.

n Nova programação

A programação definitiva da Rádio Web, que deverá ser imple-mentada a partir de maio, é fruto das discussões no Grupo e vem sendo delineada por várias propostas, como: “UFPA e Comunidade”, programa voltado para os projetos de extensão; “UFPA Debate”, em que representan-tes da comunidade acadêmica e da so-ciedade em geral opinam sobre temas contemporâneos; “UFPA Pesquisa”, divulgando as pesquisas de todas as áreas do conhecimento desenvolvidas na Instituição; “UFPA Ensino”, no qual temas relacionados à graduação e à pós-graduação serão debatidos; “Universidade Multicampi”, com informações sobre os campi da UFPA no interior do Estado; e “Acontece na UFPA”, que consiste em um informa-tivo diário voltado para a divulgação de atividades de interesse da comu-nidade acadêmica. Além desses, a Rádio pretende veicular programas de outras instituições de ensino e, gradativamente, ir ampliando sua produção própria.

“Teremos música e informes durante os primeiros meses. O objeti-vo é adequar, até maio, a programação e a equipe que, atualmente, é formada somente por professores, alunos e voluntários”, explica a professora Luciana Miranda.

Durante as comemorações dos 50 anos da UFPA, em 2007, os alunos também produziram uma série de pro-gramas radiofônicos experimentais sobre o jubileu e sobre o Encontro Anual da SBPC, que aconteceu em Belém. Os programas podem ser ouvidos no site dos 50 anos da UFPA (http://www.ufpa50anos.ufpa.br/).

SERVIÇOrádio Web UFPA tel.(91) 3201-7768 e-mail: [email protected] site: http://www.radio.ufpa.br http://www.oparanasondasdora-dio.ufpa.br.

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10 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Março, 2009 BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Março, 2009 – 3

Mulheres ainda buscam o grande amor Editora da UFPA lança calendário 2009Idealização continua sendo obstáculo para as relações da vida realTodos os meses estão ilustrados com flores exóticas da Amazônia

RelacionamentoPaixão de LER

A Editora da UFPA, por meio de suas Livrarias do Campus e da Praça, marcou presença no Fórum Social Mundial 2009 – FSM. Tanto a Livraria do Campus quanto a Li-vraria da Praça ficaram repletas de pessoas dos mais variados países, todos interessados pelas obras da EDUFPA.

Os livros mais procurados foram os que versam sobre a Ama-zônia, especialmente aqueles sobre territorialidades, conflitos agrários e religiosidade, medicina, sociolo-

gia, filosofia, literatura, como: “As Amazônias do século XXI”; “Rio Branco: a cidade de Florestania”; “Belém do Grão Pará”; “Contos Amazônicos”; “A questão Geopo-lítica na Amazônia”; Pajelança e religiões africanas na Amazônia”; “Breviarium”; “Planos diretores participativos: experiências ama-zônicas”; “O rural e o urbano na Amazônia: diferentes olhares e perspectivas” e “O espaço alter-nativo: vida e reforma urbana nas baixadas de Belém”.

A Livraria do Campus, que é também uma Livraria-Café, viveu a efervescência cultural do Fórum, transformando-se em palco científi-co, cujos personagens eram especia-listas em ciências políticas, ambien-tais, antropológicas, econômicas e culturais, além de representantes de entidades e de organizações não governamentais que fizeram deste espaço um ponto de encontro para se deleitarem com livros produzidos pela EDUFPA.

Já a Livraria da Praça foi pa-

rada obrigatória daqueles que pas-savam pela Praça da República. De início, atraídos pela arquitetura do prédio e, em seguida, pelas obras da EDUFPA, que são referência em se tratando de assuntos amazônicos.

O Fórum trouxe mais uma novidade para a EDUFPA: a partir de agora, já podem ser adquiridos, em nossas livrarias, os livros da conceituada Editora Boitempo.

Ambas as livrarias funciona-ram em horário especial, das oito às vinte horas, no horário do Fórum.

Laïs Zumero e Giselda Fagundes.

A Editora da Universidade Federal do Pará (EDUFPA), com o apoio da Fundação

de Amparo e Desenvolvimento da pesquisa (Fadesp), apresenta o calendário 2009, que, neste ano, traz como tema as flores da Ama-zônia.

O ca lendár io in t i tu lado “Amazônia Flores” emoldura algu-mas das mais belas flores da flora amazônica, retratadas com perícia e riqueza de detalhes por Manuel Neto, professor de Física da UFPA. A cada mês, podemos nos deleitar com imagens singulares de flores exóticas, como a Vitória-Régia, Ipomeia-Rubra, Escova de Macaco e Rabo-de-Cutia, dentre outras.

O calendário ainda traz um diferencial, podemos acompanhar, embaixo de cada fotografia, o nome popular e científico das flores nele ilustradas, identificadas pelo botâ-nico Natalino Corrêa. Fazem parte,

ainda, da equipe organizadora José dos Anjos Oliveira (revisão) e Eze-quiel Noronha Júnior (editoração eletrônica).

Em 2009, o calendário tem duas versões: mesa e parede. O calendário de mesa é uma opção para os que procuram praticida-de, já o calendário de parede foi pensado para funcionar como uma espécie de agenda, em que se pode anotar os compromissos diários. “Este ano, procurou-se centrar a temática a partir da realização do Fórum Social Mundial, procuran-do mostrar a Amazônia por meio da exuberância de suas flores”, explica Laïs Zumero, diretora da EDUFPA e responsável pelo pro-jeto gráfico e produção editorial do calendário.

O calendário foi colocado à venda na Livraria do Campus durante o Fórum e agradou tanto que teve a sua edição esgotada. O sucesso foi resultado do trabalho bem executado pelos envolvidos em sua confecção. Uma reedição já está sendo negociada.

A Vitória-Régia (Victoria regia) ilustra o mês de março

n A EDUFPA virou ponto de encontro no Fórum da Amazônia

Vendido durante o Fórum Social, o calendário teve sua edição esgotada

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A procura por um relaciona-mento amoroso é constante, ainda que as experiências anteriores te-nham sido ruins. “Mesmo que eu tenha vivido uma má experiência, continuo procurando um novo par-ceiro. Todos acham que um dia vai acontecer o grande amor perfeito”, ressalta Regina. Ela sugere que essa idealização seja um obstáculo no desenrolar da vida conjugal.

Além dos anseios da mulher em relação ao companheiro, existe o fato de que um relacionamento englo-ba a família e os filhos, principalmen-te, entre as mulheres de 40 a 60 anos. “Algumas dizem que relacionamento amoroso é ver o filho se formar, crescer. Não é algo tão voltado para o parceiro ou para ela, como mulher”, afirma Gabriela Ribeiro.

A pesquisa mostra que, inde-pendente da idade, a formação de vínculo é o aspecto mais presente. Ele está relacionado ao companheirismo, ao parceiro atencioso e apaixonado. Em segundo lugar, vem o bom pro-vedor, seguido do relacionamento de longo prazo. Nos novos rumos da pesquisa, o projeto pretende estudar mulheres de baixa renda e relaciona-mentos homoafetivos. “O que temos de mais importante é essa necessi-dade de nos ligarmos afetivamente a outras pessoas, seja de maneira idealizada, seja realista. No fundo, todos julgam importante ter uma re-lação afetiva”, conclui a professora Regina Célia.

Tamiles Costa

Em oposição às devotadas Mulheres de Atenas, de Chico Buarque, as quais “não têm

gosto ou vontade, nem defeito, nem qualidade”, os dias atuais trazem um outro conceito de mulher. Determi-nadas, elas mostram que os desejos e a feminilidade não desaparecem com o passar dos anos. Mesmo a partir de concepções realistas sobre o amor, elas se mantêm românticas, apaixonadas e em busca da parceria amorosa ideal para dividir a vida. São essas algumas das constatações do projeto de extensão do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Pará, “Critérios de Eleição de Parceria Amorosa de Mulheres entre 40 e 60 Anos de Idade: definição de relacio-namento amoroso”, orientado pela professora Regina Célia Brito, com o apoio da mestranda Marilu Cruz e da bolsista Gabriela Ribeiro.

Dividido em três fases de pesquisa, o projeto é resultado de questionamentos a respeito das mulheres após o período reproduti-vo. “Nós nos perguntávamos como essas mulheres, hoje, sobrevivem quase 30% da vida após o período de reprodução? Como escolhem par-

Mulheres de diferentes gerações desejam uma relação estável

A mestranda Marilu Cruz reve-la que as questões levantadas estavam normalmente relacionadas à formação de vínculo afetivo, indícios de que o parceiro será um bom cuidador tanto das crianças quanto dela, de que irá provê-la e de que tem bons genes – fator ligado à atratividade, à beleza e ao bom desempenho sexual – e é um bom provedor – inteligente, estável e responsável. A partir desses pontos, foram montadas macrocategorias que agruparam todas as palavras de significados semelhantes citadas, por exemplo: macrocategoria bom provedor. “O que é um bom prove-dor? É aquele companheiro que está disposto a investir em uma relação de longo prazo, que tem uma boa situação financeira ou probabilidade de ter. Esses aspectos são indicados,

normalmente, pelo grau de instrução do parceiro. Uma pessoa que tem um nível superior, possivelmente, terá maiores chances de ter um bom emprego, melhor salário e, conse-quentemente, proporcionar maior estabilidade”, explica Regina Célia.

Entre os anos de 2005 e 2006, devido ao surgimento de muitas questões relacionadas à afetividade, à qualidade do relacionamento amoroso e ao valor atribuído a essas questões pelas mulheres, instalou-se uma ver-tente do estudo voltada para averiguar essas variáveis. Para essa investiga-ção, acrescentou-se ao questionário uma lista constituída por seis frases a serem completadas: “relacionamen-to amoroso é...”, “relacionamento amoroso na família de origem é...”, “relacionamento amoroso na família

que constituí é...”, “relacionamento amoroso na vida dos amigos é...”, “re-lacionamento amoroso na sociedade de modo geral é...” e “relacionamento amoroso na minha vida é...”.

Gabriela Ribeiro fala que o intuito dessa lista é suscitar a refle-xão nas mulheres e descobrir como elas conceituam o relacionamento amoroso em vários contextos. “A priori, faríamos uma análise quali-tativa dos resultados, porém, devido às respostas se darem por meio de adjetivos e substantivos, fizemos uma análise quantitativa”, conta. Gabriela relata que, ao analisar como essas mulheres com quase 60 anos con-ceituam relacionamento amoroso, se percebeu uma grande ocorrência de idealização do amor como algo eterno e duradouro.

n Conceitos de relacionamento amoroso

n Idealização, contradição e afetividadeA partir da análise da lista de

complementação de frases, constatou-se que, em muitos casos, as mulheres colocam o relacionamento amoroso como algo maravilhoso no plano da idealização, porém, quando isso passa para a vida prática, é concebido como algo ruim, uma experiência dolorosa. Essa situação é vista de modo nega-tivo, principalmente, em relação à sociedade em geral, o relacionamento amoroso está perdido, é inexistente e vulgar. Quanto à família de origem, há uma repetição da forma como esta estabelecia a questão do relaciona-mento amoroso, na família que ela

constituiu.Segundo a professora Regina

Célia, é na comparação dessas frases que será possível compreender a maneira como as mulheres vivem, de fato, um relacionamento amoroso. “A última frase ‘relacionamento amoroso na minha vida é...’ constitui a reali-dade. Nela, há relatos contraditórios. Como um relacionamento amoroso pode ser uma coisa tão maravilhosa, desejada por todas as pessoas, logi-camente por elas, mas que, quando se volta à vida em sociedade, é ine-xistente, sendo que a mulher é parte integrante da sociedade e não está

alheia a ela?”.A professora relata que a mu-

lher, quando está avaliando o ambien-te em que vive (a sociedade), sempre vê os relacionamentos como de má qualidade – uma constante tanto nas mulheres em período reprodutivo quanto nas demais. “Cada uma perce-be a sociedade como um lugar agreste onde as relações são muito compli-cadas, onde as pessoas de fora estão se relacionando de maneira rasteira. Apesar da idealização, elas acham impossível existir, no contexto social, uma boa relação. Nesse momento, há um choque, uma contradição”, diz.

n Companheiro e bom provedor

ceiros?”, conta a professora Regina Célia. Ela explica que, de acordo com a literatura, as mulheres estão naturalmente pressionadas pela bus-ca de um companheiro que ofereça boas condições de sobrevivência aos filhos, porém, se, após ultrapassar a fase de reprodução, a mulher for instruída e possuir um bom emprego, não necessita de alguém que a ajude a enfrentar as contingências moder-nas, logo, qual seria seu critério de escolha?

Segundo Regina, imaginava-se que elas estariam mais preocu-padas com a satisfação pessoal do que com o fato de arranjar alguém para dividir a responsabilidade com a criação dos filhos. Para investigar essa questão, foram utilizadas amos-tras de 92 mulheres entre 40 e 60 anos, na primeira fase da pesquisa, e 88 entre 20 e 39 anos, na fase atual. Todas apresentavam Ensino Médio completo e renda acima de dois sa-lários mínimos. “Construímos um questionário, cuja primeira versão continha muitas questões abertas”, diz a professora. “Na segunda fase do trabalho, categorizamos, de acordo com a literatura, as respostas coletadas e montamos um banco de dados com todas essas informações”, complementa Marilu Cruz.

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Mulher e Mídia

4 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Março, 2009

Propagandas banalizam imagem femininaAnúncios reproduzem padrões estéticos que precisam ser repensados

BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Março, 2009 – 9

Estudo investiga governos municipais Planejamento de políticas públicas urbanas não tem recorte de gênero

Pesquisa

Tatiara Ferranti

Em que medida as mulheres têm participado da constru-ção da agenda política nos

governos municipais de Belém neste início de século? Esse foi um dos questionamentos da pesquisa-dora Mirian Salomão, que acaba de defender a dissertação “Mulheres e Governo Local: construindo bases para uma sociedade democrática”, orientada pelo professor Josep Vi-dal, no Programa de Pós-graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Pará.

Analisando os governos Ed-milson Rodrigues e Duciomar Costa, no período de 1998 a 2006, o estudo trata do planejamento da política pública urbana em Belém com um recorte de gênero. “O re-corte de gênero traz a perspectiva de considerar que as mulheres se

encontram numa condição de infe-rioridade e que só podem romper com essa condição através de polí-ticas públicas que reconheçam a de-sigualdade e favoreçam a cidadania das mulheres”, afirma Mirian.

De acordo com a pesquisa-dora, o espaço urbano ainda é visto como um espaço masculino. “Os primeiros resultados da pesquisa revelam que nenhum dos governos analisados criou políticas públicas urbanas com recorte de gênero, que são, por exemplo, criação de creches com horários flexíveis para que as mulheres tenham onde dei-xar os filhos quando vão trabalhar; iluminação pública de vias e ruelas nas periferias, tendo em vista que as mulheres são as maiores vítimas da violência; praças públicas com segurança policial, já que são elas que acompanham as crianças, os idosos e os deficientes da casa ao

lazer; e construção de vias públicas com calçadas, uma vez que são as mulheres que acessam mais as vias públicas a pé”.

Entretanto, o governo de Edmilson Rodrigues não se iguala ao governo de Duciomar Costa. “O prefeito Duciomar não dialoga com os movimentos sociais, ele destituiu os conselhos setoriais de caráter paritário e instalou conse-lhos de plena adesão ao governo. Já o governo de Edmilson se abriu aos movimentos sociais”, analisa Mirian Salomão.

De acordo com os resultados da pesquisa, apesar das limitações, o governo de Edmilson foi o único a criar uma política pública de com-bate à violência contra a mulher, a exemplo do abrigo Emanuelle Ren-deiro Diniz, que é o único abrigo municipal destinado às mulheres vítimas da violência doméstica.

Entender a tímida participação feminina nos governos analisados por Mirian Salomão, sem compreen-der o contexto histórico de desigual-dade entre os gêneros, é impossível. “O homem, na sociedade patriarcal, é considerado um ser particular que vive como um ser universal, que tem o monopólio de fato e de direi-to, enquanto as mulheres são vistas como frágeis, sensíveis e emotivas. Nisso se apoia o engajamento dos homens na política em detrimento da sub-representação das mulheres”, explica Mirian.

A pesquisa revelou que foi a partir dos movimentos feministas, nas décadas de 70 e 80, que a con-dição de discriminadas, oprimidas, subalternizadas das mulheres vem mudando. Segundo a pesquisadora, o movimento feminista alavancou o debate sobre a participação das mu-lheres no espaço público-político, bem como o rompimento com o espaço privado como sendo o único destinado às mulheres, “para a mu-lher, a manifestação no espaço pú-blico é condição de existir, de estar no mundo, que pode ser representada por meio da participação política em partidos políticos e sindicatos”.

A ruptura com a concepção de que a mulher só conseguiria fazer política, ou qualquer ação no espaço público, se fosse ao lado de um homem começa a ser superada. “Uma das autoras com quem tra-balho, Hannah Arendt, diz que a pessoa só passa a existir quando ela se manifesta aos olhos de outrem e isso ocorre no espaço público. Adentrar nesse espaço é uma forma de resistência à invisibilidade”, avalia Mirian.

Segundo Mirian, as mulheres têm percebido que não há “destino biológico” e que essas elaborações são frutos de uma construção social que visa à conservação do domínio masculino. Considerar as relações de gênero na política urbana é uma construção que se dá a longo prazo.

n Diferentes governos, mesmos discursosA dissertação mostra, ain-

da, um discurso comum aos dois governos. Em ambos, o recorte de gênero não é admitido sob a justi-ficativa de que nenhuma política pública deve priorizar um gênero em detrimento de outro. “Havia o seguinte argumento: ‘se eu crio políticas públicas de gênero, eu discrimino um grupo, que são os homens’. Esse tipo de compreensão ignora a desigualdade de gênero e

compromete a cidadania das mu-lheres. Se as mulheres se encon-tram em condição de inferioridade em relação aos homens, nada mais justo de que o grupo mais fragiliza-do seja potencializado, fortalecido. Só assim se alcançará a igualdade”, afirma a autora.

Mirian defende que, histori-camente, recai sobre as mulheres a subordinação, a opressão, a con-dição de inferioridade em relação

aos homens e que tratar gêneros diferentes como iguais não propicia a mudança e a transformação, por isso o recorte de gênero é necessá-rio na formulação de políticas pú-blicas urbanas. “O primeiro passo para se romper com a opressão que ainda recai sobre a mulher implica admissão, por parte do governo local, de que a desigualdade de gênero existe. A partir daí, toda a política poderá ser revista”.

n Contexto da desigualdade

Mirian: não há "destino biológico"

O movimento feminista ainda contribui para o debate sobre a participação das mulheres no espaço público

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A imagem da femme fatale não só permanece até hoje como predo-mina nas propagandas, adicionada de uma problemática. A Tentadora/Prostituta atual apresenta um padrão de beleza exigente: o corpo precisa ser magro, musculoso e cada vez mais à mostra. Além disso, multiplicam-se os anúncios de alimentos light, clínicas de beleza e profissionais de cirurgia plástica, que proclamam a perfeição estética como uma necessidade. “Há a banalização da imagem feminina. Em anúncios de cerveja, por exemplo, a contextualização do produto em torno da mulher acaba se tornando absolutamente sem contexto”, analisa a professora Scarleth.

Na internet, o mais novo e poderoso espaço da comunicação, não há diferenças em relação à forma como a mídia tradicional (princi-palmente TVs e revistas) aborda a imagem feminina. A publicidade on line reproduz os estereótipos de mu-lheres magras, jovens e europeizadas. Scarleth O’hara afirma que a repe-titição desses valores gera atitudes obsessivas, ao negar a miscigenação brasileira e a diversidade regional. Essa conduta midiática impositiva deve ser combatida: “Certos tipos de publicidade reforçam o papel da mu-lher como ‘embelezadora de ambien-tes’, menosprezando suas habilidades intelectuais e estimulando um quadro de violência psicológica, indireta e gradativa, ao insinuar que devem alte-rar seus corpos para terem realização pessoal”. Para que o padrão de vei-culação da imagem feminina respeite não só as conquistas das mulheres como também os próprios direitos humanos, são necessários debates e reflexões sobre essa problemática. Uma maneira é a conscientização dos profissionais da propaganda desde a formação acadêmica. Mas, por apre-sentar resultados a longo prazo, isso apenas não basta.

A professora Scarleth sugere a utilização da internet como espaço de discussão. Seriam sites, blogs e wikis que incentivassem a diversidade estética, divulgassem outros padrões, diminuíssem a expectativa pelo cor-po perfeito e mudassem a opinião das pessoas sobre o sistema estético vigente.

suzana Lopes

Mulheres esbeltas, corpos perfeitos, cabelos sedo-sos e olhares sedutores. O

contexto em que elas aparecem são propagandas, principalmente, de produtos ligados à beleza, a alimentos light e a bebidas alcoólicas. A partir da segunda metade do século XX, à medida que as mulheres rompiam padrões e ganhavam espaço na socie-dade, a publicidade percebeu o poder de compra, decisão e influência que possuíam e passou a utilizar a imagem feminina para a venda de diversos produtos.

A mulher acumulou, ao longo do tempo, novas funções sociais, além daquela que lhe foi, historicamente, agregada, a de dona de casa. Assim, além de esposa e mãe, ela se tornou empresária, política, estudante, pes-quisadora acadêmica, dentre outras profissões. “A ocupação de novos papéis sociais, devido à saída para o mercado de trabalho, acabou por criar, nos anos 80, o mito da supermulher”, afirma a professora Scarleth O’hara, pesquisadora de gênero e mídia da Faculdade de Comunicação Social da UFPA.

Nos anos 90, esse acúmulo de papéis provocou uma crise na ima-gem da supermulher, porque, além de trabalhar em casa e no emprego, ela tinha que estar sempre linda, bem vestida e sorridente. Foi a época em que se iniciava a valorização estética, acentuada no séc. XXI e que explica a imagem da femme fatale, predomi-nante nas propagandas atuais.

ARQUÉTIPOS – Sal Randazzo, publicitário e psicólogo, desenvolveu uma teoria baseando-se nos arquétipos de Jung: a Grande Mãe, a Guerreira, a Donzela e a Tentadora/Prostituta. Ele concluiu que essas imagens arquetípi-cas se relacionam com determinados grupos de produtos e serviços. Assim, por exemplo, a Grande Mãe é vincu-lada a produtos e serviços para o lar e para a família. “Essa imagem teve seu auge de aparição na década de 60, mas ela nunca perdeu seu espaço e existe, em grande número, até nos dias atuais, mostrando que a ligação feminina com seus instintos maternos é independente de qualquer tendência de época”, explica Scarleth O’hara.

Já o arquétipo da Guerreira é utilizado em anúncios que veiculam a imagem da mulher trabalhadora,

Scarleth: publicidade nega a miscigenação brasileira e a diversidade regional

Imagens reproduzem estereótipos de mulheres magras, jovens e europeizadas

independente, corajosa, lutadora e vitoriosa. Ele surgiu nos anos 70 e se fixou na década seguinte. “Apesar de ter sido um período de revoluções políticas e sociais com grande partici-pação feminina, o uso dos elementos da Guerreira, nos anúncios, não era proporcional ao momento histórico”, acredita a professora. Ela atribui essa restrição à censura e ao fato de que, naquele momento, tal arquétipo não era uma imagem interessante para a publicidade. Outra justificativa é o fato de as conquistas femininas, nes-sa época, não estarem firmadas e os movimentos ainda serem vistos, por

muitos, de forma negativa.Por fim, existe a Donzela,

que foi bastante utilizada na década de 60, mas logo foi substituída pela Tentadora/Prostituta, nos anos 70. “No decorrer do tempo, as imagens utilizadas passaram do arquétipo da Donzela, com mulheres etéreas e meigas, para o arquétipo da Tenta-dora ou Prostituta, com uma postura feminina mais agressiva e erótica”, afirma Scarleth. Para ela, a utilização desse arquétipo acompanhou a libe-ração sexual feminina e as mudanças na relação entre a mulher e o próprio corpo.

n Sensualidade e sexualidade

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Masculinidade

8 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará –Março, 2009 BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Março, 2009 – 5

Estereótipos reforçam desigualdade Homens contra a violência domésticaVoltada para o público masculino, campanha quer reunir 90 mil assinaturas

Laço Branco

Projeto discute violência doméstica a partir da subjetividade masculina

EM DIARaphael Freire

São diversos os dados e as pesquisas que comprovam as atrocidades pelas quais

milhares de mulheres passam todos os dias. No Brasil, uma mulher é espancada a cada 15 segundos, re-vela a pesquisa “Mulher brasileira nos espaços público e privado” realizada, em 2001, pela Fundação Perseu Abramo. A Fundação tam-bém aponta que 11% das mulheres brasileiras acima de 15 anos já foram vítimas de espancamento. Talvez muitos devam se perguntar: mas o que seria, exatamente, violência contra a mulher?

Segundo a definição elabo-rada, em 1994, na Convenção de Belém do Pará (Convenção Intera-mericana para Prevenir, Punir e Er-radicar a Violência Contra a Mulher, adotada pela Organização dos Esta-dos Americanos), a violência contra a mulher é “qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada”.

Historicamente, as mulheres são vistas como objetos, submissas e incapazes. Essa visão é fruto das relações de poder desiguais que con-duzem à dominação e à discrimina-ção das mulheres. Desde a infância, meninos são incentivados a serem agressivos, a usarem a força física, enquanto às meninas é ensinada a

Raul Navegantes: "É preciso superar a cultura do individualismo"

Laço é símbolo adotado no Brasil

delicadeza, submissão, passividade e dependência.

Os meninos que levaram consigo a ideia de superioridade, hoje se julgam mais fortes e valen-tes, acreditando que a violência é o melhor argumento. É com esse pen-samento que muitos maridos, pais, namorados e irmãos agridem, em alguma medida, suas esposas, filhas, namoradas e irmãs. Álcool, drogas e ciúme são, comumente, apontados

como razão para a agressão.O cenário talvez fosse di-

ferente se o número de denúncias fosse maior. Estima-se que mais da metade das mulheres agredidas sofra em silêncio. Os motivos são inúme-ros: por ter vergonha, por depender financeira ou emocionalmente do agressor, por acreditar que aquela foi a última vez, por não querer que os filhos saibam, por crer que é culpada pela violência.

n Lista deverá integrar campanha internacionalEm 2008, algumas campa-

nhas foram lançadas com a intenção de efetivar medidas para superar a violência e promover uma cultura de paz no Brasil, como a campanha “Brasil contra a Violência”, que objetiva a diminuição da violência em seus diversos âmbitos. Porém, a novidade ficou por conta da cam-panha nacional “Homens pelo Fim da Violência contra as Mulheres”, promovida pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. A ini-ciativa faz parte da campanha mun-dial “Unite to End Violence Against Women”, divulgada pelo Secretário Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-Moon.

A campanha nacional visa recolher assinaturas on line de homens que se comprometam com a implementação da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) e com a criação de políticas públicas que visem ao fim da violência contra as mulheres. O foco da campanha é única e exclusivamente os homens. “Pela primeira vez, nós, homens, os agentes dessa violência, nos unimos contra essa prática que é nossa, para mostrar que os que assinam dizem: eu não faço e não quero que façam”, conta Raul Navegantes, professor aposentado e coordena-dor nacional da campanha “Brasil

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Acontra a Violência”, lançada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). A meta da campanha é recolher 500 mil assinaturas que serão enviadas via internet pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Secretário Geral da ONU, para que integrem a campanha internacional. No Pará, a mesma campanha foi denomina-da “Campanha do Laço Branco: Homens pelo Fim da Violência contra as Mulheres”. A campanha foi lançada pelo vice-governador do Estado, Odair Corrêa, e visa

alcançar 90 mil assinaturas.

DENÚNCIA – Todas essas cam-panhas possuem algo em comum, fazer com que a sociedade saiba que alguma coisa pode ser feita, que violência contra a mulher é crime previsto pela Lei Maria da Penha e que o agressor precisa ser denun-ciado. As Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAM) existem, hoje, em quase todo o Bra-sil. Há, também, os serviços que fun-cionam em hospitais e universidades que oferecem atendimento médico, assistência psicossocial e orientação jurídica. O Disque 180 – Central de Atendimento à Mulher – também pode ser acionado, gratuitamente, 24 horas, todos os dias (inclusive nos feriados). A mulher que sofreu vio-lência pode, ainda, procurar ajuda nas Defensorias Públicas e Juizados Especiais, nos Conselhos Estaduais dos Direitos das Mulheres e em organizações de mulheres.

A denúncia é fundamental na luta pelo fim da violência contra a mulher. Aos agressores, Raul Nave-gantes deixa um pedido de reflexão: “pensem se fossem suas mães, suas filhas, vivam um espírito pacifista, conversem, superem a cultura do in-dividualismo e façam isso por meio do amor, da amizade, do afeto”.

Memória IO site do Centro de Memória da Amazônia já está disponível com informações sobre os acervos, as publicações, as normas de acesso e o cadastro para pesquisadores, entre outras informações para a comunidade. Criado no ano de 2007, por meio de um convênio entre a UFPA e o Tribunal de Jus-tiça do Estado do Pará, o espaço abriga a vasta documentação de natureza civil e criminal que inte-grava o arquivo inativo do TJE. Memória IISão documentos do final do sé-culo XVIII até 1970, que versam assuntos variados da sociedade paraense, como questões reli-giosas e familiares, transações comerciais, conflitos fundiários, além de migração e imigração na Amazônia. O Centro de Memó-ria da Amazônia está instalado no antigo prédio que abrigava a gráfica da UFPA, no bairro do Reduto, em Belém. Qualquer pessoa pode agendar uma visita ao espaço. Mais informações no site www.ufpa.br/cma ou pelo telefone 3252 2843.

Entre as maioresA Universidade Federal do Pará está entre as dez maiores univer-sidades do Brasil, de acordo com o Censo da Educação Superior 2007, do Ministério da Educação (MEC). Os dados divulgados em fevereiro mostram que, das dez instituições com mais estudantes no país, apenas três são públi-cas – Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual Paulista (Unesp) e UFPA, esta com 32.092 universitários matri-culados. O título de maior insti-tuição de ensino, pelo número de estudantes matriculados, ficou nas mãos da Universidade Paulista, com 145.498 alunos em 2007.

Cooperação O Hospital Universitário Bettina Ferro de Souza (HUBFS) firmou acordo de cooperação técnico-científica com o Grupo Hospitalar Conceição (GHC), do Rio Grande do Sul. A parceria terá duração de três anos e deve garantir a troca de experiências nas áreas de ensino, pesquisa, assistência e capacita-ção de servidores.

Na primeira fase do estudo, a coleta de dados envolveu questioná-rios, entrevistas individuais e leitura de prontuários de 14 homens detidos, com idade entre 20 e 40 anos. Na segunda fase, quatro homens parti-ciparam de reuniões de grupo, que aconteciam duas vezes por semana, com duração de duas a quatro horas. “Era um grupo terapêutico e educa-cional. Nosso objetivo era trabalhar com eles a compreensão da cultura de gênero e a descontinuidade da violência física, bem como oferecer pequenas experiências de contato”, explica a pesquisadora.

Os primeiros resultados da pesquisa revelam um perfil dos homens agressores em Belém. “São homens sem a mínima instrução,

sem profissão específica, com difi-culdades em elaborar o pensamento acerca da violência doméstica e de restrita comunicação interpessoal. Observamos que a preocupação des-ses homens se voltava às suas neces-sidades materiais imediatas, ao seu sustento físico, social, econômico e fisiológico”, conta a psicóloga.

Atualmente, a pesquisa está sendo realizada, também, na Clínica de Psicologia da UFPA, onde mulhe-res agredidas pelos companheiros são atendidas no estágio supervisionado em Psicologia Clínica. O próximo passo é ampliar os estudos para um universo de homens não agressores. Voluntários que queiram participar podem acessar o site www.cultura.ufpa.br/nufen.

“Somente ao reconhecer o que causa e em que condições as agressões acontecem, será possível enfrentá-las. Características como suavidade, força ou seriedade não estão vinculadas à ‘natureza’ da mu-lher ou do homem, e sim, à teia social da cultura em que elas se inserem. É preciso refletir continuamente sobre os papéis sociais que desempenha-mos e rever as limitações impostas pelos estereótipos de gênero e pela cultura patriarcal. O tripé autoestima, autoconceito e autoimagem, constru-ído através de uma nutrição psicoló-gica saudável, criativa e processual, pode contribuir para formação de indivíduos confiantes, autônomos e não violentos”, conclui Adelma Pimentel.

Glauce Monteiro

Estimativas da Organização das Nações Unidas apontam que, a cada ano, são registra-

das 205 mil agressões contra mu-lheres no Brasil. Estudos realizados em vários países demonstram que a cada quatro casais, um sofre com a violência doméstica. O projeto de pesquisa “Processos de construção da subjetividade masculina: psico-logia, sexualidade, conjugalidade e paternidade, atravessados pela violência doméstica, educação de gêneros e cultura patriarcal”, da Faculdade de Psicologia da Univer-sidade Federal do Pará, busca ana-lisar a violência doméstica a partir da reflexão sobre os homens.

“No contexto da agressão, não podemos apenas tipificar ou enquadrar o homem como o ‘agres-sor’ e a mulher como a ‘agredida’. Ambos os sexos vitimizam e são vitimizados. A diferença é a mo-dalidade de violência que a socie-dade atribui a cada um”, explica a coordenadora do Projeto, Adelma Pimentel. “O tipo de violência está

relacionado à teia social à qual per-tencem os indivíduos. Embora am-bos pratiquem as várias formas de agressão, tendemos mais a relacio-nar as mulheres como praticantes da violência psicológica ou emocional e imaginamos que os homens ma-nifestarão a violência física. Isso está relacionado aos estereótipos presentes na cultura de gêneros, os quais ainda imperam na sociedade contemporânea, no patriarcado, nas relações hierárquicas de poder, nas desigualdades e no desrespeito aos direitos humanos”.

Para a pesquisadora, desde a confirmação da gravidez, a família cria uma expectativa prevendo, inclusive, atividades e comporta-mentos de acordo com o sexo do bebê. “Os estereótipos masculinos e femininos permeiam a vida da criança mesmo antes dela chegar ao mundo e podem, talvez, impedir que o bebê se desenvolva para além das expectativas que são criadas a partir de projeções a respeito do seu sexo. Tais determinações demons-tram o aprisionamento dos papéis sociais em torno dos gêneros”.

Adelma Pimentel: " Papéis sociais interferem na violência domiciliar"

n Força, domínio e virilidade

De acordo com Adelma Pi-mentel, é complexa a formação da subjetividade masculina. “O que é ser homem? Uma definição comum dada por eles é simplesmente não ser mulher. Assim, todas as característi-cas atribuídas ao feminino devem ser negadas. Se a mulher é socialmente definida como ‘frágil e delicada’, o homem deve ser forte e bruto. A identidade do homem é, então, mar-cada pela tríade: força, domínio e virilidade, que culmina no chamado machismo patriarcal”.

A superação desse padrão pode acontecer por meio da perspectiva de que homens se tornam homens pela convivência com outros homens e com mulheres. “Também é possível a desconstrução dos mitos sobre a afetividade e a expressividade mas-culina a partir de uma socialização emancipatória, que atualize as regras que ‘obrigam’ o menino a ser compe-titivo e rejeitar o contato físico. Nas rodas de conversa, o menino fala do brinquedo e não de si mesmo. O ado-lescente luta e intimida os ‘mais fra-cos’. O adulto sofre, silenciosamente, a força de ser masculino. Embora tenhamos novos horizontes para a formação da subjetividade masculi-na, esse cenário do desenvolvimento emocional continua válido para todos os segmentos socioeconômicos”, explica a pesquisadora.

O aprendizado no núcleo fa-miliar, na escola e com os amigos influencia na compreensão do papel social do indivíduo e contribui para a elaboração de uma escala de valores que guia suas ações e sentimentos, forjando várias formas de violência.

n Reconfiguração das relações afetivas Segundo Adelma Pimentel,

entre os motivos que levam o homem a se tornar agressor estão o não provi-mento das necessidades materiais, o não reconhecimento dos significados dos atos violentos, a perda da sensibi-lidade, a passividade da vítima e uma cultura familiar desestruturada.

No texto da Lei Maria da Penha, está previsto um trabalho de acompanhamento do homem que desempenha o papel de agressor. “A criação de programas de atendimen-to ao homem, ao casal e à família permite instalar a lógica da diver-sidade que envolve todos os atores no processo de reconfiguração das relações afetivas. Entendemos que

não é possível enfrentar a superação da violência doméstica a partir do cuidado segmentado e exclusivo com a mulher, porém, é necessário compreender o sistema que determi-na o papel de homens e mulheres na sociedade e como esses mecanismos interferem na violência domiciliar. Tal perspectiva possibilita criarmos propostas de intervenção e de tra-tamento mais eficazes”, argumenta Adelma Pimentel.

No livro “Cuidado paterno e enfrentamento da violência”, a pesquisadora apresenta algumas propostas de tratamento como, por exemplo, identificar o ciclo da vio-lência doméstica. “Tudo inicia com

a acumulação da tensão entre o casal, seguida por um incidente de violên-cia. Após o ato violento, o agressor se arrepende, pede perdão e é perdoado ao prometer que não repetirá o crime. A harmonia volta ao lar, temporaria-mente, até que o ciclo se reinicie”, explica a psicóloga.

A investigação sobre a vio-lência doméstica, entrelaçada à sub-jetividade masculina e feminina, faz parte do programa de estudos acerca do desenvolvimento humano e dos sistemas familiares, realizado pela pesquisadora desde 2005. Em 2008, o projeto trabalhou com um grupo de homens agressores atendidos na Delegacia da Mulher em Belém.

n Estudo revela perfil dos agressores em Belém

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6 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Março, 2009 BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Março, 2009 – 7

GEPEM abriga regional Norte do Observatório Maria da PenhaFuncionando há um ano, Observatório tem como missão monitorar a aplicação da Lei n. 11.340 e os serviços de atendimento às mulheres

Violência doméstica

Jéssica souza

Agredida dentro de seu pró-prio lar durante seis anos, a brasileira Maria da Penha

Maia Fernandes, por duas vezes, quase morreu com as tentativas de assassinato investidas pelo marido. Em 1983, primeiramente, ele tentou matá-la com arma de fogo, deixan-do-a paraplégica. Como não obteve êxito, mais tarde, tentou meios de eletrocussão e afogamento. O caso n. 12.051 foi para os tribunais, mas o marido de Maria da Penha só foi punido depois de 19 anos de trami-tação do processo e ficou apenas dois anos em regime fechado.

Além das agressões ideo-lógicas, como o preconceito com relação à capacidade intelectual; a discriminação social, a segregação de postos de trabalho e as diferen-ças salariais, bandeiras de lutas que vêm sendo empunhadas há séculos pelos movimentos feministas e or-

ganizações não governamentais, as mulheres de todo o mundo ainda so-frem com a violência doméstica.

Uma das mais recentes e significativas conquistas, conhecida como Lei Maria da Penha, o regu-lamento número 11.340, decretado pelo Congresso Nacional e sancio-nado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 07 de agosto de 2006, é uma referência a esse caso emblemático. A Lei alterou o Có-digo Penal brasileiro e possibilitou que agressores de mulheres, no âmbito doméstico ou familiar, se-jam presos em flagrante ou tenham sua prisão preventiva determinada de imediato, extinguindo as penas alternativas. A legislação também aumenta o tempo máximo de deten-ção, de um para três anos, e prevê medidas denominadas protetivas que vão desde a saída do agressor do domicílio até a proibição de sua aproximação da mulher agredida e dos filhos.

Quando entrou em vigor, no

dia 22 de setembro de 2006, já no dia seguinte, com base na Lei, o primeiro agressor foi preso, no Rio de Janeiro, após tentar estrangular a ex-esposa. Mas, em todo o Brasil, ainda há dificuldades para que o regulamento se faça valer, dentre outros motivos, por problemas como a burocracia jurídica que exige o andamento de processos desse tipo.

É nesse contexto que surge o chamado Observatório da Lei Maria da Penha, projeto coorde-nado pelo Núcleo de Estudos de Gênero da Bahia, que encontra a sua importância no Plano de Polí-ticas Nacionais para as Mulheres, o qual determina que se construa, nas regiões geográficas de todo o país, núcleos de monitoramento para a efetivação da Lei n. 11.340. A Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres foi quem deu o pontapé inicial, lançando o edital que deu origem ao Observatório, em janeiro de 2008.

Em Belém, a regional Norte, responsável pelo projeto, é co-ordenada pelo Grupo de Estudos Eneida de Moraes (GEPEM), que realiza pesquisas de gênero na Universidade Federal do Pará (UFPA). Com a missão de moni-torar a aplicação e efetivação da Lei Maria da Penha, do ponto de vista judicial e da prestação de serviços ofertada pelo Estado, com relação ao atendimento de mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, no momento, a regional Norte do Observatório vem buscando articulação, expan-são e consolidação mediante as experiências coletadas em um ano de funcionamento. Os primeiros números revelam que a realidade da perspectiva de gênero, no Pará, ainda está muito distante do coti-diano das atividades dos serviços e políticas públicas.

“Nosso trabalho consiste em produzir cartilhas para as quais, a partir de histórias reais, criamos relatos fictícios em que podemos aplicar e tipificar os artigos da Lei. Também temos tido a preocupação de gerir um banco de notícias so-bre a questão da violência domés-

tica contra a mulher e a Lei Maria da Penha no site www.organiza-caonosmulheres.com.br, no qual estão reunidas matérias publicadas nos jornais de maior circulação da Região Norte. O site reúne o guia de serviços do Observatório, indicações de atendimento para vítimas de violência doméstica e familiar, além de informações sobre as visitas técnicas que o Observatório realiza nos órgãos públicos e jurídicos do Estado, a fim de fiscalizar a aplicação da Lei”, explica a professora Mônica Conrado, integrante do GEPEM, coordenadora da área de estudo denominada “Gênero, Saúde e Violência”, em que se insere o Observatório da Lei Maria da Penha.

O objetivo do Observatório é oferecer à sociedade um espaço de pesquisa e fonte de dados sobre a questão da violência doméstica. Com base em dados nacionais, a Região Norte não atinge nem 5% do total de pesquisas e trabalhos realizados acerca desse assunto no Brasil, enquanto outras regiões chegam a até 40% de produção científica a respeito.

n Gênero distante do cotidiano n Combater e criminalizarSegundo a pesquisadora, a luta

pela efetivação da Lei Maria da Penha se dá, ainda, devido ao fato de que a violência familiar difere dos demais tipos de violência ao pressupor que a agregação se dê por parte de pessoas com quem o agredido estabelece uma relação de intimidade e afetividade, uma vez que o ambiente doméstico, historicamente, é tido como espaço de âmbito privado, onde o Poder Público não deve interferir. A Lei n. 11.340 transforma essa perspectiva, pois não admite que o conceito de “privado” aí seja aplicado de forma a desproteger a integridade física, moral e psíquica em casos, por exemplo, de mulheres agredidas pelos cônjuges.

“Assim, a Lei Maria da Penha é fruto de reivindicações feitas ao longo de muitos anos, que vêm refletindo o esforço de várias entidades, grupos de mulheres e ONGs feministas do país. Hoje, pode-se dizer que as pessoas que fizeram parte da elaboração da Lei eram, em sua maioria, militantes, juristas, estudiosas preocupadas em contemplar com a legislação ques-tões relacionadas à mulher, no que concerne ao tratamento da violência doméstica como figura jurídica. A grande preocupação, portanto, era

combater e criminalizar essa forma de violência”, recorda a professora.

A primeira iniciativa no Brasil, nesse sentido, foi a implantação da primeira Delegacia da Mulher, em São Paulo. “Hoje, nós temos, além da Vara Judicial de Combate à Violência Contra a Mulher, uma Secretaria Es-pecial de Política para as Mulheres. Isso significa que o Brasil aprendeu a dar a devida importância ao trata-mento de questões de gênero. Daí, vem, também, a preocupação com a criação do Observatório da Lei Maria da Penha”, afirma Mônica.

Em Belém, informa a coorde-nadora, a atuação do Observatório tem se pautado em ações cotidianas para fugir de uma tendência tradicio-nal em que se verifica que a questão sobre a mulher tem ficado restrita à abordagem das datas comemorativas, como o Dia Internacional da Mulher, em março. “Na verdade, essas são questões que precisam ser tratadas no dia a dia, pois ainda há necessidade de se difundir a temática da violência, o que ela significa, como se materializa. A própria Lei Maria da Penha pressu-põe ações conjugadas. Mas o que nós vemos, por enquanto, são iniciativas isoladas e muito tímidas”.

SERVIÇOSo observatório da lei Maria da Penha tem uma sala no 2º andar do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFPA (campus Básico), onde faz atendimento à comunidade, de segunda a quinta-feira, das 9h às 12h. Mais informações pelo fone: (91) 3201- 8215.

Para qualquer tipo de denúncia de crime contra a mulher, existe a central de Atendimento à Mulher. o liGUe 180 funciona 24 horas por dia, de segunda a domingo, inclusive nos feriados. A ligação é gratuita e o atendimento é de âmbito nacional.

n Dissertação analisa percepção de sujeitos envolvidos no processo“Será que isso vai pra frente,

doutora?”. Esse questionamento tão recorrente nas varas judiciais, feito por mulheres em situação de violência e que se aventuram na impetração de processos contra seus agressores perante o poder público motivou a dissertação de mestrado em Direitos Humanos, de Luanna Tomaz, Bacha-rel em Direito e Ciências Sociais, pro-fessora substituta do curso de Direito da Universidade Federal do Pará.

A dissertação de Luanna é o primeiro estudo, em Belém, a temati-zar a relação entre o Judiciário e a Lei Maria da Penha. “A minha avaliação partiu da observação que fiz, como estudante de Direito e depois como advogada, a respeito de como as mu-lheres percebiam a atuação do Poder Judiciário. A intenção não era a de re-alizar uma análise quantitativa sobre quantas mulheres deram entrada em processos judiciais sobre situações de violência e tiveram seus casos levados adiante, o que os teóricos chamam de ‘judiciarização’. Eu quis analisar a ‘judicialização’, que versa acerca de como esses casos ou os processos são percebidos por esses sujeitos, como a cultura jurídica e o poder público se fazem presentes e de que dispõem, além da organização judiciária e do caráter dos procedimentos e suas deficiências frente às necessidades sociais”, explica a mestranda.

O estudo revela, por exemplo, o fato de que a precariedade dos

serviços ofertados pelo Estado na assistência de vítimas de violência doméstica é tão grande que a maioria das mulheres entra no cenário jurídico sem conhecimento e sem norte algum, e, por isso, acabam desistindo do andamento dos processos contra seus agressores. “Com base na análise do desempenho de vários serviços de atendimento à mulher em Belém, pude perceber que grande parte dos profissionais não é formado e capa-citado sobre a questão de gênero, não entende essa questão e não acha que ela é prioritária”, observa Luanna.

ASSISTENCIALISMO – De acordo com essa realidade, a pesquisa mostra que políticas públicas de gênero ainda são entendidas como aquelas assisten-cialistas – cursos de capacitação de corte e costura, de estética, massagem – em vez de suprir a necessidade real que as fazem procurar pelo Judiciário. “Isso potencializa, ainda que de forma velada, o preconceito e os estereóti-pos. Ou seja, em muitos órgãos, não encontramos advogados(as), mas, tão somente, massagistas, arte-educado-res, pedagogas(os) disponíveis para tornar a realidade das mulheres me-nos dura, mas não, necessariamente, ajudam a romper com a situação de violência”, continua a advogada.

O trabalho disserta ainda sobre temas como o da “pseudodesistên-cia”: mulheres que aparecem nas audiências cheias de hematomas,

n Perfil das vítimas atendidas na delegaciaDe acordo com as pesquisas

realizadas na área, o panorama local acerca da violência doméstica con-tra a mulher é realmente preocupan-te. Com o tema “Perfil da Vítima de Crimes contra a Mulher na Região Metropolitana de Belém”, Vanessa Mayara Souza Pamplona, aluna graduada do curso de Estatística da UFPA, realizou um estudo em que levantou dados numéricos sobre crimes contra a mulher a partir de uma análise de correspondência a respeito das ocorrências registradas na Delegacia Especial da Mulher, na capital paraense. O trabalho é produto das atividades do Grupo de Estudos e Pesquisas Estatísticas

e Computacionais (GEPEC/UFPA), coordenado pelo professor Edson Ramos.

Vanessa tomou como universo de pesquisa um total de 1.470 mu-lheres que procuraram a delegacia, em Belém, no primeiro semestre do ano de 2007, para fazerem registros sociais e outras 2.740, que efetiva-ram a ocorrência policial. Segundo os dados da análise, o estudo revela que a maioria dos registros, tanto no setor social quanto no policial, é de vítimas de raça parda, representando 68,98% e 87,26% dos registros, res-pectivamente. Essas mulheres têm ensino fundamental incompleto, com 36,28% e 31,84% de registros,

respectivamente, e possuem de um a três filhos, 56,33% e 75,29%.

“Observa-se, a inda, que 34,49% dos registros no universo policial são de vítimas que pos-suem ocupação no setor informal, enquanto, no setor social, 23,87% dos registros são de vítimas que possuem a ocupação de dona de casa”, continua a autora. Sobre a faixa etária das vítimas, a pesquisa concluiu que a maioria dos regis-tros, no universo policial, é de ví-timas com idade que varia entre 19 e 39 anos (73,65%). Já no universo social, pôde-se verificar que grande parte das vítimas tem de 20 a 49 anos (84,70%).

Mônica Conrado: "Lei é esforço de muitos"

Luanna :"Profissionais não são capacitados para entender a questão de gênero"

mas, no momento de oficializar a denúncia, encontram mecanismos para poupar agressores por não ve-rem, no Judiciário, uma alternativa para a resolução do problema; e da “psicologização do atendimento”: quando toda a situação de violência é tratada do ponto de vista psicosso-cial, seja na delegacia, seja na vara judicial, seja no centro de referência, menosprezando-se a assistência judiciária. “Isso é encarado e aceito pelo Poder Judiciário com muita naturalidade, sem investigação, não resolve o problema do ponto de vista prático e torna o processo muito mais

demorado”. Em que pese a Lei Maria da

Penha ter traçado importantes polí-ticas para o enfrentamento da vio-lência doméstica e familiar cometida contra a mulher, ainda há inúmeros obstáculos para um efetivo acesso a esses direitos, como o preconceito por parte das autoridades, as difi-culdades no registro da ocorrência, na compreensão dos caminhos pro-cessuais, na produção de provas. E é a falta de infraestrutura adequada para o atendimento que impede que a mulher paraense veja assegurados seus direitos.

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