beira 65

6
Beira do Rio – A Antropologia da Saúde está mais voltada para a me- dicina popular? Heraldo Maués – Não necessaria- mente. Essa área trabalha com me- dicina popular e com outras formas de medicina. Por exemplo, a cura carismática é uma forma de medicina. Há também os ministérios de cura – o principal deles funciona na Paróquia de Queluz, onde se pratica uma forma de medicina de caráter religioso. As igrejas pentecostais, a umbanda, o candomblé, a pajelança e o espiritismo também são exemplos. Fora esse tipo de medicina de caráter mais religioso, temos a alopatia e a homeopatia, que são formas de biomedicina ou medi- cinas doutas, exercidas por médicos formados em universidades e também estudadas pela Antropologia. Há ainda formas de medicina que importamos de outros lugares, como a acupuntura e a yoga. Essa ligação entre a biomedicina e a religião também é muito presente. Muitos médicos forma- dos em universidades são pessoas religiosas (católicos, espíritas ou protestantes) e com- binam a medicina dita científica com práticas religiosas. BR – Como o senhor vê o avanço das religiões evangélicas? O Brasil ainda é o maior país católico do mundo? H.M. – Acho que ainda é. O Brasil foi coloniza- do por uma nação cató- lica e, por muito tempo, o catolicismo foi uma religião oficial do Esta- do, o que só acabou com a proclamação da República. Durante o Império, como o Brasil mantinha re- lações com países protestantes, como Estados Unidos e Inglaterra, passou-se a ter tolerância, especialmente para com o protestantismo. Mesmo assim, outras religiões só podiam ser pratica- das em lugares sem aparência de culto. Não se podia construir uma igreja não católica, o culto só podia ser exercido em casas particulares, por exemplo. Hoje, a Igreja Católica perdeu muitos adeptos, mas continua hegemônica: pelo último censo, mais de 70% das pessoas se dizem católicas, embora o número de praticantes constitua um percentual bem pequeno (mais ou menos equivalente ao número de protestantes, incluindo históricos e petencostais). As outras religiões, sobretudo as evangélicas, estão cres- cendo bastante, assim como os “sem religião”. BR – Esse crescimento dos evan- gélicos tem a ver com o fato da Igreja Ca- tólica não estar mais dando as respostas que as pessoas que- rem ou é uma questão de marketing agres- sivo? H.M. – O protestantis- mo chegou ao Brasil durante o Império. A expansão maior dos evangélicos começou a partir de 1910, com a chegada dos pentecos- tais. Em São Paulo, foi fundada a Congregação Cristã do Brasil, que se expandiu para Argenti- na, Uruguai e Paraguai. É a primeira igreja pen- RU do Campus II fica pronto até o fim do semestre A Associação dos Amigos da UFPA inaugura o novo espaço de alimenta- ção na Cidade Universitária. O Res- taurante Universatário do Campus II aguarda apenas os equipamentos para iniciar suas atividades. Pág. 10 Quando o caboclo Plácido encontrou a imagem de Nossa Senhora de Nazaré às margens de um igarapé, provavelmente, não imaginava que seu achado daria origem à maior celebração religiosa do país. Todo segundo domingo de outubro, uma multidão, estimada em 2 milhões de pessoas, vai para as ruas de Belém pedir ou agrader à padroeira dos paraenses. O evento mobiliza ainda a economia do Estado, atrai muitos turistas e também tem seu lado profano. Não por acaso, é tema de muitas pesquisas na Academia. Págs. 6,7,8 e 9 Alimentação Validação de diploma tem novas regras Pág. 11 Medicina Programa reestrutura campi da UFPA Laboratórios adotarão nova metodologia REUNI Química ISSN 1982-5994 Heraldo Maués fala sobre Antropologia da Saúde e da Religião. Pág. 12 Maria Antonia Cardoso avalia 18 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente. Pág. 2 Opinião Entrevista Alex Fiúza de Mello escreve sobre a reivenção da Amazônia pela Universidade. Pág. 2 Coluna do Reitor tecostal do país e uma igreja muito tradicional. Em 1911, a Assembléia de Deus foi fundada em Belém. Teve um ‘boom’ extraordinário, espalhan- do-se por todo o país, sendo hoje a maior igreja pentecostal do Brasil. A Assembléia e a Congregação fazem parte da primeira onda de igrejas pentecostais que vieram para o país. A segunda onda chegou com a Igreja do Evangelho Quadrangular, fundada por uma canadense, Aimée Sample Macpherson, veio dos Estados Unidos com características modernas, como o uso de rádio e de TV e acabou por influenciar a Assembléia de Deus. Já a terceira onda veio com a fundação da Igreja Universal do Reino de Deus, a primeira igreja pentecostal autentica- mente brasileira. O bispo Edir Mace- do, fundador da Universal, é brasileiro, tem formação ligada ao catolicismo, teve passagem pelas religiões afro e depois se tornou evangélico. Ele fundou uma igreja com características diferentes, que nós chamamos de ne- opentecostal. Ela traz um sincretismo com o catolicismo e com religiões afro, tanto que há cris- tãos de outras igrejas evangélicas que não a consideram uma igreja cristã. Mas é a primeira igreja fundada no Brasil que está se espalhando pelo mundo. E é uma coisa interessante, por- que a Europa deixou de ser o centro dissemi- nador do cristianismo. Agora quem dissemina são a América Latina, os Estados Unidos e a África. BR – O fundamenta- lismo é um dos gran- des problemas do mundo hoje? H.M. – O fundamenta- lismo existe em várias religiões do mundo, mas com esse nome surgiu dentro do cristianismo. Nós, muitas vezes por falta de in- formação, identificamos a religião islâmica como fundamentalista, mas não é. A maior parte dos mulçumanos é constituída de pessoas corretas, sérias e moderadas, mas os ínfimos grupos de fundamentalistas conseguem fazer um barulho muito grande. No caso dos Estados Unidos, o problema é grave, porque o atual presidente é um fundamentalista cristão que, pela sua posição privilegiada, exerce, como é evidente, uma influência enorme. Daí nós termos a guerra no Iraque e vários outros conflitos sem solução. BR – Apesar de estarmos no século XXI e de termos três grandes reli- giões no mundo, o homem parece ainda ter a necessidade de magia. A Antropologia estuda esse fato também? H.M. – Não é “ainda”, será sempre. Nós estudamos, sim, a magia. As di- versas religiões também praticam atos mágicos, inclusive o protestantismo e o catolicismo, embora os mesmos não sejam reconhecidos como mági- cos pelos seus praticantes. A magia é sempre a “religião dos outros”. Mas é também algo que faz parte da cultura e da sociedade humanas. O nosso pensamento não está voltado apenas para a maneira de pensar científica que, a rigor, se traduz principalmente por uma forma de pensar constituída por sistemas de classificação, análise imparcial, raciocínios lógicos. O pensamento humano também está ligado ao simbolismo, à metáfora, à metonímia, à homologia - embora, é claro, os cientistas, como seres humanos, utilizem essa segun- da forma de pensar. A magia, a arte, a reli- gião, o imaginário, os mitos - que são frutos dessa segunda forma de pensar -, tudo isso é essencial para a vida humana. A história de que a ciência vai fazer sumir a religião e a ma- gia é um mito no sentido vulgar, é uma mentira. A ciência nunca dará todas as explicações de que precisamos. A pior coisa para o ser humano é o caos, é não saber o que vai acontecer. A ciência freqüentemente dá respostas limitadas e provisórias que, pela própria natureza científica, estão sempre sujeitas a críticas e a revisões. As respostas mais globais encontram-se na magia, na religião, na especulação, no imaginário, no mito, nas ideologias, nas utopias. E isso é essencial para todo o ser humano. Entrevista Adaucto Couto Após quase 50 anos dedicados ao magistério, o prof. Raymundo Heraldo Maués está aposentado. A aposentadoria chegou com os 70 anos completados em junho, mas as atividades acadêmicas continuam. Seguindo a tendência atual, ele tem planos de continuar na UFPA, mas agora como colaborador, ministrando aulas, participando de bancas de tese e dissertações, orientando alunos e coordenando projetos. Nesta entrevista ao BEIRA DO RIO, ele fala sobre os temas relacionados às suas duas áreas de pesquisa na Antropologia: saúde e religião. Segundo o docente, a Igreja Católica tem perdido muitos adeptos no Brasil, mas mantém a hegemonia com mais de 70% das pessoas assumindo que são católicas, ainda que não sejam praticantes. Ao mesmo tempo, podemos observar o crescimento extraordinário das religiões evangélicas ao redor do mundo. A Igreja Universal do Reino de Deus, fundada no Brasil, tem expor- tado seu cristianismo sincrético para outros países. Sinal dos tempos, em que a Europa deixou de ser o centro disseminador do cristianismo e perdeu agora esse papel para a América Latina, para os Estados Unidos e para a África. “A religião, a magia e o mito são essenciais para o ser humano” A ciência, por sua natureza, freqüentemente dá respostas limitadas e provisórias, sujeitas a críticas e a revisões 12 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Outubro, 2008 A Igreja Católica perdeu muitos adeptos, mas continua hegemônica. A pior coisa para o ser humano é não saber o que vai acontecer. O docente explica que a Europa não é mais o centro disseminador do cristianismo JORNAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ • ANO VI • N O 65 • OUtUbRO, 2008 Círio, o grande evento da fé FOTOS MÁCIO FERREIRA Cerca de dois milhões de pessoas são esperadas este ano. A grande romaria renova a devoção dos católicos e também movimenta a economia do Estado Ver-o-Pesinho é próximo projeto da Associação dos Amigos da UFPA Cametá e Castanhal são beneficados com obras e novos cursos. Págs. 4 e 5 Despejo de resíduos será evitado ELISEU DIAS/AGÊNCIA PARÁ MÁCIO FERREIRA MÁCIO FERREIRA MÁCIO FERREIRA Novo projeto pedagógico de Licen- ciatura em Química quer formar profissionais com consciência am- biental. Pág. 3

Upload: jornal-beira-do-rio

Post on 22-Mar-2016

237 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Beira do Rio edição 65

TRANSCRIPT

Page 1: Beira 65

Beira do Rio – A Antropologia da Saúde está mais voltada para a me-dicina popular?Heraldo Maués – Não necessaria-mente. Essa área trabalha com me-dicina popular e com outras formas de medicina. Por exemplo, a cura carismática é uma forma de medicina. Há também os ministérios de cura – o principal deles funciona na Paróquia de Queluz, onde se pratica uma forma de medicina de caráter religioso. As igrejas pentecostais, a umbanda, o candomblé, a pajelança e o espiritismo também são exemplos. Fora esse tipo de medicina de caráter mais religioso, temos a alopatia e a homeopatia, que são formas de biomedicina ou medi-cinas doutas, exercidas por médicos formados em universidades e também estudadas pela Antropologia. Há ainda formas de medicina que importamos de outros lugares, como a acupuntura e a yoga. Essa ligação entre a biomedicina e a religião também é muito presente. Muitos médicos forma-dos em universidades são pessoas religiosas (católicos, espíritas ou protestantes) e com-binam a medicina dita científica com práticas religiosas.

BR – Como o senhor vê o avanço das religiões evangélicas? O Brasil ainda é o maior país católico do mundo?H.M. – Acho que ainda é. O Brasil foi coloniza-do por uma nação cató-lica e, por muito tempo, o catolicismo foi uma religião oficial do Esta-do, o que só acabou com

a proclamação da República. Durante o Império, como o Brasil mantinha re-lações com países protestantes, como Estados Unidos e Inglaterra, passou-se a ter tolerância, especialmente para com o protestantismo. Mesmo assim, outras religiões só podiam ser pratica-das em lugares sem aparência de culto. Não se podia construir uma igreja não católica, o culto só podia ser exercido em casas particulares, por exemplo. Hoje, a Igreja Católica perdeu muitos adeptos, mas continua hegemônica: pelo último censo, mais de 70% das pessoas se dizem católicas, embora o número de praticantes constitua um percentual bem pequeno (mais ou menos equivalente ao número de protestantes, incluindo históricos e petencostais). As outras religiões, sobretudo as evangélicas, estão cres-cendo bastante, assim como os “sem religião”.

BR – Esse crescimento dos evan-gélicos tem a ver com o fato da Igreja Ca-tólica não estar mais dando as respostas que as pessoas que-rem ou é uma questão de marketing agres-sivo?H.M. – O protestantis-mo chegou ao Brasil durante o Império. A expansão maior dos evangélicos começou a partir de 1910, com a chegada dos pentecos-tais. Em São Paulo, foi fundada a Congregação Cristã do Brasil, que se expandiu para Argenti-na, Uruguai e Paraguai. É a primeira igreja pen-

RU do Campus II fica pronto até o fim do semestre

A Associação dos Amigos da UFPA inaugura o novo espaço de alimenta-ção na Cidade Universitária. O Res-

taurante Universatário do Campus II aguarda apenas os equipamentos para iniciar suas atividades. Pág. 10

Quando o caboclo Plácido encontrou a imagem de Nossa Senhora de Nazaré às margens de um igarapé, provavelmente, não imaginava que seu achado daria origem à maior celebração religiosa do país. Todo segundo domingo de outubro, uma multidão, estimada em 2 milhões de pessoas, vai para

as ruas de Belém pedir ou agrader à padroeira dos paraenses. O evento mobiliza ainda a economia do Estado, atrai muitos turistas e também tem seu lado profano. Não por acaso, é tema de muitas pesquisas na Academia. Págs. 6,7,8 e 9

Alimentação

Validação de diploma tem novas regrasPág. 11

Medicina

Programa reestrutura campi da UFPA

Laboratórios adotarão nova metodologia

REUNI

Química

issn

198

2-59

94

Heraldo Maués fala sobre Antropologia da Saúde e da Religião. Pág. 12

Maria Antonia Cardoso avalia 18 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente. Pág. 2

Opinião EntrevistaAlex Fiúza de Mello escreve sobre a reivenção da Amazônia pela Universidade. Pág. 2

Coluna do Reitor

tecostal do país e uma igreja muito tradicional. Em 1911, a Assembléia de Deus foi fundada em Belém. Teve um ‘boom’ extraordinário, espalhan-do-se por todo o país, sendo hoje a maior igreja pentecostal do Brasil. A Assembléia e a Congregação fazem parte da primeira onda de igrejas pentecostais que vieram para o país. A segunda onda chegou com a Igreja do Evangelho Quadrangular, fundada por uma canadense, Aimée Sample Macpherson, veio dos Estados Unidos com características modernas, como o uso de rádio e de TV e acabou por influenciar a Assembléia de Deus. Já a terceira onda veio com a fundação da Igreja Universal do Reino de Deus, a primeira igreja pentecostal autentica-mente brasileira. O bispo Edir Mace-do, fundador da Universal, é brasileiro, tem formação ligada ao catolicismo, teve passagem pelas religiões afro e depois se tornou evangélico. Ele fundou uma igreja com características diferentes, que nós chamamos de ne-opentecostal. Ela traz um sincretismo com o catolicismo e com religiões afro, tanto que há cris-tãos de outras igrejas evangélicas que não a consideram uma igreja cristã. Mas é a primeira igreja fundada no Brasil que está se espalhando pelo mundo. E é uma coisa interessante, por-que a Europa deixou de ser o centro dissemi-nador do cristianismo. Agora quem dissemina são a América Latina, os Estados Unidos e a África.

BR – O fundamenta-lismo é um dos gran-des problemas do mundo hoje?H.M. – O fundamenta-lismo existe em várias religiões do mundo, mas com esse nome surgiu dentro do cristianismo. Nós, muitas vezes por falta de in-formação, identificamos a religião islâmica como fundamentalista, mas não é. A maior parte dos mulçumanos é constituída de pessoas corretas, sérias e moderadas, mas os ínfimos grupos de fundamentalistas conseguem fazer um barulho muito grande. No caso dos Estados Unidos, o problema é

grave, porque o atual presidente é um fundamentalista cristão que, pela sua posição privilegiada, exerce, como é evidente, uma influência enorme. Daí nós termos a guerra no Iraque e vários outros conflitos sem solução.

BR – Apesar de estarmos no século XXI e de termos três grandes reli-giões no mundo, o homem parece ainda ter a necessidade de magia. A Antropologia estuda esse fato também?H.M. – Não é “ainda”, será sempre. Nós estudamos, sim, a magia. As di-versas religiões também praticam atos mágicos, inclusive o protestantismo e o catolicismo, embora os mesmos não sejam reconhecidos como mági-cos pelos seus praticantes. A magia é sempre a “religião dos outros”. Mas é também algo que faz parte da cultura e da sociedade humanas. O nosso pensamento não está voltado apenas para a maneira de pensar científica que, a rigor, se traduz principalmente por uma forma de pensar constituída por sistemas de classificação, análise

imparcial, raciocínios lógicos. O pensamento humano também está ligado ao simbolismo, à metáfora, à metonímia, à homologia - embora, é claro, os cientistas, como seres humanos, utilizem essa segun-da forma de pensar. A magia, a arte, a reli-gião, o imaginário, os mitos - que são frutos dessa segunda forma de pensar -, tudo isso é essencial para a vida humana. A história de que a ciência vai fazer sumir a religião e a ma-gia é um mito no sentido vulgar, é uma mentira. A ciência nunca dará todas as explicações de

que precisamos. A pior coisa para o ser humano é o caos, é não saber o que vai acontecer. A ciência freqüentemente dá respostas limitadas e provisórias que, pela própria natureza científica, estão sempre sujeitas a críticas e a revisões. As respostas mais globais encontram-se na magia, na religião, na especulação, no imaginário, no mito, nas ideologias, nas utopias. E isso é essencial para todo o ser humano.

Entrevista

Adaucto Couto

Após quase 50 anos dedicados ao magistério, o prof. Raymundo Heraldo Maués está aposentado. A aposentadoria chegou com os 70 anos completados em junho, mas as atividades acadêmicas continuam. Seguindo a tendência atual, ele tem planos de continuar na UFPA, mas agora como colaborador, ministrando aulas, participando de bancas de tese e dissertações, orientando alunos e coordenando projetos.

Nesta entrevista ao BEIRA DO RIO, ele fala sobre os temas relacionados às suas duas áreas de pesquisa na Antropologia: saúde e religião.

Segundo o docente, a Igreja Católica tem perdido muitos adeptos no Brasil, mas mantém a hegemonia com mais de 70% das pessoas assumindo que são católicas, ainda que não sejam praticantes. Ao mesmo tempo, podemos observar o crescimento extraordinário das religiões evangélicas ao redor do mundo. A Igreja Universal do Reino de Deus, fundada no Brasil, tem expor-tado seu cristianismo sincrético para outros países. Sinal dos tempos, em que a Europa deixou de ser o centro disseminador do cristianismo e perdeu agora esse papel para a América Latina, para os Estados Unidos e para a África.

“A religião, a magia e o mito são essenciais para o ser humano”A ciência, por sua natureza, freqüentemente dá respostas limitadas e provisórias, sujeitas a críticas e a revisões

12 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Outubro, 2008

A Igreja Católica perdeu muitos adeptos, mas continua hegemônica.

A pior coisa para o ser

humano é não saber o que vai

acontecer.

O docente explica que a Europa não é mais o centro disseminador do cristianismo

JORNAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ • ANO VI • NO 65 • OUtUbRO, 2008

Círio, o grande evento da fé

Foto

s M

ác

io F

erre

ira

Cerca de dois milhões de pessoas são esperadas este ano. A grande romaria renova a devoção dos católicos e também movimenta a economia do Estado

Ver-o-Pesinho é próximo projeto da Associação dos Amigos da UFPA

Cametá e Castanhal são beneficados com obras e novos cursos. Págs. 4 e 5

Despejo de resíduos será evitado

elis

eu D

ias/

agên

cia

Pa

cio

Fer

reir

aM

ác

io F

erre

ira

cio

Fer

reir

a

Novo projeto pedagógico de Licen-ciatura em Química quer formar profissionais com consciência am-biental. Pág. 3

Page 2: Beira 65

Toda Universidade precisa de utopia. E a utopia, na Ama-zônia, é a sua incorporação,

como sociedade, pelo uso do conhe-cimento e pela educação de qualida-de, ao processo civilizatório global, à contemporaneidade do mundo, à cidadania universal dos povos. Será tão-somente pelo conhecimento, com doses de sabedoria política, que a Amazônia poderá ser preservada, de-fendida, desenvolvida, modernizada, interligada, resgatada.

Para além de tudo e da política, este é um enorme desafio intelectual. É um desafio à criatividade, à inova-ção, ao pensamento, à idéia, à crítica, à persistência, à experimentação, à invenção. É, portanto, um verdadeiro desafio universitário.

A Universidade, qua intelec-tual coletivo, precisa re-inventar a Amazônia. Torná-la possível como sociedade dos rios e da floresta, como economia tropical viável e progressista, como unidade ecológi-ca na diversidade ambiental; porém moderna, alternativa, sustentável, progressista, integrada, dinâmica e plural. Promover a adequação entre as necessidades inerentes a um modelo de desenvolvimento voltado para a emancipação das grandes massas e as potencialidades das bases natu-

rais e culturais presentes no cenário regional. Emprestar o conhecimento e a técnica disponíveis e adaptá-los, transformá-los, aperfeiçoá-los, tor-nando-os eficientes e inovadores nos marcos da civilização da floresta, da ambientação dos trópicos, em vista da semeadura, na região, também de uma cultura mais universal, cosmopolita e solidária.

Mas para re-inventar uma sociedade, a Universidade precisa, primeiro, reinventar-se a si própria. Não pode simplesmente ser mimé-tica. Precisa re-inventar a sua visão de mundo, as suas motivações, a sua mentalidade, as suas práticas acadê-micas, as suas perspectivas pedagó-gicas, as suas temáticas de interesse, os seus métodos de ensino e estilos de aprendizagem, os seus programas de estudos, as formas de acessar o conhe-cimento, a sua organização interna, a comunicação entre os saberes e as áreas de conhecimento, a sua relação com a comunidade circundante, o seu compromisso com a história e com as gerações futuras, o seu relaciona-mento com o mundo. Precisa garantir a formação continuada, ao longo de toda a vida profissional, de seus alunos (que não serão mais “ex”); ampliar o seu leque de atendimento, redimensionando o sentido dos estu-

dos universitários a partir das novas demandas de desenvolvimento e de programas e projetos de integração regional e internacional.

Mas o trajeto desta re-invenção interna – verdadeira metamorfose – supõe a abertura da Universidade ao seu contexto de inserção – fonte de sua inspiração. Supõe uma re-leitura radical da Amazônia: a percepção de suas especificidades, singularidades, potencialidades, limites, dependên-cias e riquezas – cujo desafio à ação envolve, entre outras descobertas, a clarividência de que a região, na sua heterogeneidade, encerra muitas amazonidades. Cabe à Universidade – em vista dos interesses dos próprios amazônidas – reverter, ainda que parcialmente, a lógica implacável da divisão internacional (e nacional) do trabalho, que reserva para poucos cérebros e centros de pesquisa – si-tuados nas regiões economicamente centrais – a tarefa (quase que ex-clusiva) de produzir conhecimento conforme os interesses dominantes, preservando para si o monopólio e o segredo da chave da re-invenção do futuro. Interessa, nesse prisma, a valorização e re-significação do local e do regional, desafio intelectual que implica não apenas uma reflexão consistente e conseqüente sobre o

status da Universidade no interior das macro-transformações em curso na sociedade contemporânea, mas tam-bém, sobre a sua vocação específica relativamente às suas coordenadas de inserção social.

À Universidade amazônica interessa investigar, meridianamente – como sugere Armando Mendes –, não de que maneira a Ciência pode servir-se da Amazônia, e sim, como pode o conhecimento científico ser produzido na e utilizado pela região. Eis aqui o novo prumo da medida possível de toda re-invenção: a infor-mação consistente sobre as realida-des; a formação crítica e qualificada das mentalidades; a transformação exitosa do conhecimento em soluções para o progresso humano.

Sim, a Universidade, na Ama-zônia, precisa perseguir um modelo de desenvolvimento de base local, de perfil moderno e auto-sustentável, formador de capital humano e social, irradiador de capacidades difusas, filosoficamente assentado na riqueza cultural da região e tecnologicamente fundamentado no uso e manejo com-petente dos recursos naturais regio-nais, comprometido com o progresso de sua gente. Não há sentido para a academia, na moldura inquietante da periferia, fora desse prisma.

O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – com-pletou, no dia 13 de julho,

18 anos, idade que tem sido marcada pela simbologia da transição de uma etapa de vida pré-madura para a ma-turidade, quando somos compelidos a perguntar: afinal, o que têm signifi-cado estes 18 anos às crianças e aos adolescentes brasileiros? O que temos a comemorar?

Não podemos desconsiderar que a aprovação do ECA sinaliza um marco na incorporação desse público na agenda política do Brasil. Com ele, crianças e adolescentes deixaram, ao menos no campo formal, de ser tra-tados como criaturas invisibilizadas no contexto dos direitos, regido pela ótica de uma sociedade adultocêntri-ca. Crianças e adolescentes brasileiros não vivem no paraíso, mas tornaram-se sujeitos de direitos.

O movimento social em defesa dos direitos das crianças e dos ado-lescentes foi o responsável por esta

conquista pelas bandeiras que levan-tou, pela mobilização que promoveu e pelas vitórias que conquistou. Com o ECA, o Estado, nas três instân-cias – Municipal, Estadual, Federal – criou um conjunto de dispositivos que vão de discursos a medidas ad-ministrativas e ações interventivas pelas quais as instituições falam e se posicionam.

No espaço acadêmico, vários estudos desenvolvidos por Grupos de Pesquisa na área da família, infância e adolescência, como a Fundação Carlos Chagas, têm chamado aten-ção para a emergência e o avanço da Sociologia da Infância, que significa a transformação de uma perspectiva de objeto passivo para sujeito ativo dos estudos sobre crianças. A leitura durkheimiana tem perdido espaço para a perspectiva crítica da família e de seus sujeitos particulares, numa abordagem teórico-metodológica que não só pluraliza as etapas de vida como procura conjugá-las às injun-

ções de classe, gênero, raça/etnia e regionalidade.

Se os 18 anos do ECA podem ser considerados como a definitiva integração de crianças e adolescentes no campo dos direitos, tal conquista é paradoxal! Cumprir leis no país é difícil, principalmente aquelas que garantem direitos. As crianças e os adolescentes brasileiros continuam sendo imbecilizados e muitas vezes violentados por pais biológicos ou por responsáveis pelo cuidado.

Crianças e adolescentes ori-ginários de famílias trabalhadoras, principalmente, aquelas segregadas do trabalho formal e carentes de rede de apoio, permanecem submetidos a equipamentos escolares e de saúde questionáveis pelos agentes de con-trole social. A proibição do trabalho e o direito de ter uma família, tam-bém assegurados no ECA, tornam-se retórica quando observamos as estatísticas que ilustram a dimensão da exploração do trabalho infantil e

a quantidade de crianças que enve-lhecem aos dois, três anos de idade nos abrigos, por não encontrarem interessados em adotá-las.

Essas são apenas algumas violações que fragilizam o ECA e o Estado de Direito. Mas, a despeito de todas as mazelas, as crianças e os adolescentes saíram do privado, à medida que a instituição familiar se deslocou para a esfera pública, e, por conseguinte, foi reconhecida como alvo das políticas. O balanço geral dos 18 anos do ECA nos permite concluir que o dispositivo legal em discussão possibilitou às crianças e aos adoles-centes a conquista de alguns direitos, porém muito ainda precisa ser feito.

Maria Antonia Cardoso Nascimento é Doutora em Serviço Social pela PUC/SP, professora da Faculdade de Serviço Social da UFPA e faz parte do Grupo de Estudos e Pesquisa da Infância e Adolescência.

BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Outubro, 2008 – 11

Coluna do REITOR

OPINIÃO

A re-invenção da Amazônia pela Universidade

18 anos do ECA: o que temos a comemorar?

Alex Fiúza de Mello

Maria Antonia Cardoso Nascimento

[email protected]

[email protected]

Rua Augusto Corrêa n. 1 - Belém/[email protected] - www.ufpa.br

T 91 3201-7577

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

Reitor: Alex Bolonha Fiúza de Mello; Vice-Reitora: Regina Fátima Feio Barroso; Pró-Reitora de Administração: Simone Baía; Pró-Reitor de Planejamento: Sinfrônio Brito Moraes; Pró-Reitor de Ensino de Graduação: Licurgo Peixoto de Brito; Pró-Reitora de Extensão: Ney Cristina Monteiro de Oliveira; Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Roberto Dall´Agnol; Pró-Reitora de Desenvolvimento e Gestão de Pessoal: Sibele Bitar Caetano; Prefeito do Campus: Luiz Otávio Mota Pereira. Assessoria de Comunicação Institucional JORNAL bEIRA DO RIO Coordenação: Luciana Miranda Costa; Edição: Adauc-to Couto/Rosyane Rodrigues; Reportagem: Walter Pinto/Adaucto Couto/Tamiles Costa/Glauce Monteiro/Jéssica Souza/Rosyane Rodrigues/Suzana Lopes/Hellen Pacheco/Ana Carolina Pimenta; Fotografia: Mácio Ferreira/Mari Chiba; Secre-taria: Isalu Mauler/Elvislley Chaves/Gleison Furtado; Beira on-line: Leandro Machado/Camilo Rodrigues; Revisão: Júlia Lopes/Rosimeri Freitas/Glaciane Serrão; Arte e Diagramação: Omar Fonseca/Rafaela André; Impressão: Gráfica UFPA.

2 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Outubro, 2008

lurD

inH

a r

oD

rig

ues

cio

Fer

reir

a

cio

Fer

reir

a

[email protected]

Novas regras para validação de diplomas Atualmente, 10 mil brasileiros cursam Medicina no exterior

Medicina

Proposta de validação prevê construção de matriz curricular única para os cursos de Medicina no Brasil

Walter Pinto

Levantamento apresentado du-rante a reunião do Conselho Pleno da Associação Nacional

dos Dirigentes das Instituições Fe-derais de Ensino Superior (Andifes), realizada em agosto passado, apontou a existência de 171 cursos de Me-dicina no Brasil, formando 14 mil médicos por ano. Sobre a situação de brasileiros cursando Medicina no exterior, o levantamento estima que o número chegue a 10 mil, um número surpreendentemente alto, equivalente a 70% dos formados no Brasil. Cuba, Argentina e Bolívia são os países que mais formam médicos brasileiros no exterior.

A validação de diploma de graduação expedido por estabeleci-mento estrangeiro de ensino superior já vem sendo realizada no Brasil, há algum tempo, por várias faculdades públicas de Medicina que constituí-ram comissões aptas para efetivar o processo, segundo normas definidas por resolução do MEC/CNE. Na Faculdade de Medicina da UFPA, a comissão de validação é constituída unicamente de professores efetivos e atuantes nos três ciclos do curso

(básico, profissional e internato).Quando começaram os tra-

balhos da comissão, havia cerca de 450 processos para serem analisados. Segundo a professora e mestra em pediatria Laélia Brasil, presidente da comissão, o trabalho é complexo. “É necessário revisar todas as ativi-dades curriculares cumpridas pelo requerente, objetivando-se avaliar a existência da equivalência curricular pretendida”, afirma Laélia.

Os critérios estabelecidos para a validação dos diplomas estrangei-ros baseiam-se, essencialmente, nas Diretrizes Curriculares do MEC para os cursos de Medicina no Brasil, onde está dito, inclusive, que a responsa-bilidade da atenção à saúde não se encerra com o ato técnico, mas com a resolução do problema de saúde, tanto no nível individual como no coletivo. Portanto, a comissão tem seguido as orientações dessas diretrizes. Além disso, existe a orientação da resolução ministerial que determina normas para a validação, na qual está explícito que deve ser exigido que o candidato haja cumprido ou venha a cumprir os re-quisitos mínimos prescritos para os cursos de Medicina no Brasil.

Apesar do processo ser base-

ado em diretrizes da educação, não há uniformidade de procedimentos no plano nacional, até porque as universidades credenciadas são ins-tituições que diferem entre si, como aponta José Guido Correia de Araújo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-presidente da Associação Brasileira de Educação Médica (ABEM). Pelo sistema ainda em vigor, os brasileiros formados no exterior fazem provas elaboradas diferentemente pelas universidades credenciadas e, em muitos casos, são obrigados a refazer disciplinas para que o diploma seja aceito no Brasil.

Nos últimos anos, diante da alta demanda de alunos, da pressão das entidades médicas e do possível exercício da profissão clandestina-mente no Brasil, está em discussão uma proposta de estabelecimento de novos critérios nacionais para validação dos diplomas de Medici-na, obtidos no exterior. A adoção de um procedimento comum para todo o Brasil vem sendo discutida pelos Ministérios da Educação e da Saúde, Conselho Nacional da Educação, Andifes, Conselho Federal de Me-dicina, ABEM e Associação Médica Brasileira.

Sobre a equivalência curricu-lar entre faculdades de medicina do Brasil e do estrangeiro, a professora Laélia Brasil explica que as escolas médicas devem estar determinadas em formar médicos integrados as suas realidades loco-regionais, como faz a Faculdade de Medicina da UFPA, conforme o seu projeto político pedagógico. “Não podemos esperar que uma escola médica em Cuba ou na Bolívia ou no Equa-dor esteja preocupada em formar médicos com conhecimentos da realidade epidemiológica do Brasil, ou mesmo da Amazônia brasileira. Muito menos podemos esperar que essas escolas repassem aos seus alu-nos conhecimentos sobre o sistema público de saúde do brasil, afinal, o SUS é produto nosso, brasileiro”, ressalta.

Segundo a professora, cada escola está adequada a sua rea-lidade específica, portanto, pos-sui currículos direcionados para essa realidade. “Dir-se-ia que são diferenças esperadas. Surpresa teríamos se começássemos a en-contrar na grade curricular de um curso realizado, por exemplo, no México, conteúdos que estão em consonância com a realidade do Brasil”, explica. “O homem não é uma máquina e o conhecimento in-tegrado sobre este indivíduo não se deve comparar a uma engrenagem, a qual se pode fabricar em qualquer lugar e para obtê-la, se fabricada no estrangeiro, basta pagar uma taxa de importação”.

Laélia Brasil mostra que, mesmo dentro do Brasil, onde há um Sistema Único de Saúde, as diferenças são bem marcantes, se-jam sociais, econômicas, culturais e do meio ambiente, entre outras. “Fazendo-se um pequeno recorte nessa complexidade, sabe-se que doenças que existem em uma região inexistem em outras. A malária é um caso típico dessa situação e a doença, se ocorre em um morador na região Norte, tem, quase sempre, uma complexidade bem distinta daquela que acomete o indivíduo residente nas zonas do Sudeste ou do Sul, regiões que estão livres da doença”, exemplifica a professora.

Para ela, as especificidades regionais são questões a serem consideradas para se poder definir o profissional médico que se preten-de formar. “Ele tem que cuidar do indivíduo não como um conjunto de aparelhos e sistemas mas sim como um ser que traz a marca de sua realidade, não só da genética pura, mas também social, cultural, ambiental e psíquica, entre outras. E todas essas questões são aborda-das nos seis anos do curso médico na nossa Faculdade de Medicina”, conclui.

n Realidades regionais

n Formandos em Cuba estarão em Projeto-pilotoEm setembro passado, 17

instituições de ensino superior que atuam na validação de diplomas participaram de oficina de traba-lho com objetivo de construir uma matriz única dos currículos dos cursos de Medicina, ofertados no Brasil, para utilizar como padrão de comparação e fins de equivalência com currículos das escolas-médicas estrangeiras. “Na etapa inicial, esta-mos preparando um projeto-piloto, com uma matriz nacional de equiva-lência curricular, para ser aplicado inicialmente em diplomas obtidos por 226 brasileiros que realizaram curso na Escola Latinoamerica de

Cuba. A avaliação da equivalência por meio dessa matriz seria uma das fases do processo de revalidação do diploma médico estrangeiro”, informa Laélia Brasil, representante da Faculdade de Medicina da UFPA na oficina de trabalho que elaborou o projeto-piloto.

Os representantes das fa-culdades também escreveram uma carta em que propuseram as etapas que devem ser percorridas no pro-cesso de revalidação em questão, inclusive, concluindo pela neces-sidade urgente da criação de uma Comissão Nacional de Revalidação, a quem caberia fazer a análise por

equivalência, assim como organizar um cadastro nacional dos médi-cos graduados no estrangeiro, em processo de revalidação. A carta ressalta, ainda, a necessidade de inclusão de provas, inclusive prá-ticas, nesse processo de validação. O documento contempla, também, a possibilidade do requerente realizar estudos complementares nas univer-sidades brasileiras. A carta, que será encaminhada às instituições para ser discutida entre os pares, finaliza recomendando ao MEC/CNE/CES alterações na legislação vigente para adequá-la às conclusões da oficina de trabalho.

Page 3: Beira 65

10 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Outubro, 2008 BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Outubro, 2008 – 3

Meio Ambiente

Os 12 mandamentos da Química Verde

Paixão de LER

Campus II terá novo RU até o final do anoObra é uma das iniciativas da Associação dos Amigos da UFPA

LivRaRia do CamPus

PRóximos Lançamentos

Rua Augusto Corrêa, nº1, Campus Universitário do GuamáTelefax: (91) 3201-7965 - Fone: (91) 3201-7911. Livraria da Praça: Instituto de Ciências da Arte da UFPA. Praça da República s/n Fone: (91) 3241-8369

n 1 - “maRaJó”, de Dalcídio Jurandir com participação de rosa assis, responsável por esta edição crítica;

n 2 - “as amaZÔnias do sÉCuLo xxi”, organizado por sérgio rivero;

n 3 - “Poesia”, de Paulo Plínio abreu;

n 4 - “tRÊs sentidos Fundamentais na oBRa de PauLo PLÍnio aBReu”, de célia Bassalo;

n 5 - “desmistiFiCando a PesQuisa CientÍFiCa”, de Valéria rodrigues de oliveira.

Laïs Zumero

O desenvolvimento das pes-quisas científicas no campo da Esta-tística e da Ciência da Computação agora está a serviço dos estudos sobre segurança pública. Lançado em dois volumes, o livro “Segurança Pública: Uma Abordagem Estatística e Computacional”, organizado por Edson Marcos Leal Soares Ramos; Silvia dos Santos de Almeida e Adri-layne dos Reis Araújo, em caráter didático e acadêmico, mostra uma série de formas e fórmulas com as quais se pode chegar a conclusões satisfatórias, em termos de índices indicativos de determinados aspec-tos da segurança pública na Região Metropolitana de Belém, seu objeto de estudo.

“O objetivo deste livro é co-locar à disposição de estudantes e de pesquisadores procedimentos relacionados à Estatística e à Ciência da Computação, necessários à inter-pretação e análise de problemas en-frentados no cotidiano por um número crescente de profissionais de diversas áreas do conhecimento, com interesse nos métodos abordados nos capítulos apresentados pelos autores nesta obra”, dizem os organizadores.

Os dois volumes deste livro

Estatística e Computação em prol da segurança

São 16 artigos divididos em dois volumes produzidos pelo GEPEC

lançado pela Editora da Universidade Federal do Pará (EDUFPA) são frutos do Grupo de Estudos em Pesquisas Estatísticas e Computacionais (GE-PEC), criado a partir de um projeto de extensão, em 1º de setembro de 2006.

Ao todo, são dezesseis artigos, oito no volume I e oito no volume II, produzidos por professores e por

alunos dos programas de graduação e de pós-graduação em Ciência da Computação e Estatística da UFPA.

Cada artigo possui Introdução, Metodologia, Resultados, Discussões e Conclusões que fazem dos livros importantes aliados na busca pelo aprendizado e na tentativa de solucio-nar as mazelas vividas pela sociedade brasileira.

Rosyane Rodrigues

Em breve, a comunidade uni-versitária terá mais uma opção de almoço. A Associação dos

Amigos da UFPA entregará, até o final do semestre, o Restaurante Universitário do Campus II. A obra, realizada em parceria com a Prefeitura do Campus, está em sua etapa final, apenas aguardando a chegada dos equipamentos necessários para entrar em funcionamento. “O restaurante será inaugurado com um padrão que gere conforto e segurança para os usu-ários”, afirma José Olímpio bastos, presidente executivo da Associação.

O novo RU é apenas uma das obras realizadas com apoio da Asso-ciação. O próximo projeto é a revita-lização do Ver-o-Pesinho do Campus II. Após cinco anos de atuação, é pos-sível ver o trabalho da Associação nos quatro cantos da Cidade Universitária José da Silveira Netto. “Começamos com uma obra simbólica que foi o portão de entrada da Universidade e a passarela que dá acesso ao Campus I. Em seguida, recuperamos o Ginásio

A meta inicial da Associação era conquistar, em dois anos, cinco mil pessoas físicas e 500 empresas como membros. A primeira estratégia foi entrar em contato com antigos alunos, por meio de mala direta, para os conselhos de classe. “Nós imaginá-vamos que teríamos automaticamente a adesão das pessoas, o que não ocor-reu”, lembra José Olímpio.

A Associação decidiu, então, apresentar uma ação efetiva e, a partir daí, ampliar as conquistas. A criação de um site ajudou a divulgar as ações e a promover a transparência na aplicação das verbas. “Nós somos uma entidade sem fins lucrativos, que recebe apoio das pessoas e elas preci-sam saber como está sendo aplicado aquele recurso. Criamos um site e lá divulgamos todas as ações da Asso-ciação, os lançamentos contábeis etc. Esse é um ponto que já está dando

certo, possibilitando novas adesões”. Hoje são quase 400 pessoas físicas e 26 pessoas jurídicas, entre elas 10 empresas-âncora que dão suporte para a Associação desenvolver projetos dentro da Universidade. Mais do que infra-estrutura, os Amigos da UFPA têm investido em auto-estima e no resgate do orgulho de pertencer à Universidade.

Na busca de novos membros, a Associação está lançando um projeto voltado para alunos, professores e téc-nicos, para que estes ajudem a ampliar a rede de amigos, ou seja, tragam para a Associação pessoas e empresas que tenham ligação com os Institutos. “O piloto será no Instituto de Tecnologia. E tudo o que for arrecadado será in-vestido na melhoria daquele Instituto, em algum ponto que os próprios alu-nos e professores decidirem”, explica José Olímpio.

de Esportes, que estava abandonado. Depois fizemos o ‘Vadião’, que foi um desafio. Levamos quase três anos para concluir, mas fizemos tudo: calça-mento, fossas sépticas e recuperação da parte hidráulica e elétrica”, lembra José Olímpio.

A criação de associações civis, sem fins lucrativos, para promover a educação, preservar a memória ou melhorar a qualidade de vida da co-munidade local é prática comum em muitos países e, nos últimos anos, tem ganhado força no Brasil. Temas como responsabilidade social e cidadania estão na pauta do dia e, cada vez mais, grupos com interesses comuns estão reunidos para fazer algo que vai além do pagamento dos impostos. Para José Olímpio, cuidar da Universidade é um exercício de cidadania. “É como cuidar da nossa rua, mas tem um sen-tido maior porque é na Universidade, principalmente nas federais, que são adquiridos conhecimentos para serem trabalhados nas pesquisas, a partir das quais são desenvolvidas tecnologias que serão aplicadas em benefício da sociedade”, reflete.

n em busca de novos associados

Infra-estrutura

Faltam apenas equipamentos para o restaurante começar a funcionar

Objetivo é substituir a prática do "poluir-e-então-limpar" dos dias de hojeM

ác

io Ferreira Laboratórios vão adotar a Química Verde

Projeto Pedagógico da Licenciatura em Química prevê nova metodologiaHellen Pacheco

A gentes poluentes, emissões de gases e resíduos industriais ain-da são depositados diariamente

na atmosfera, apesar das pressões internacionais em defesa do meio ambiente. Entretanto, já é possível ob-servar que pesquisadores e industriais vêm tentando remediar os impactos ambientais causados, adotando proces-sos químicos que utilizem produtos e condições menos poluidoras.

A iniciativa mais recente e inovadora, nessa conjuntura, é o in-vestimento na denominada “Química Verde”, uma química sustentável, de-senvolvida como alternativa à prática do “poluir-e-então-limpar”, emprega-da pela maioria das indústrias e dos la-boratórios. Ela propõe uma busca por fontes renováveis que gerem energia ao mesmo tempo em que são usadas como matéria-prima industrial.

Atualmente, não só as indús-trias como também as instituições de ensino e pesquisa, na área de Química, perceberam que o mercado necessita de profissionais capazes de buscar o desenvolvimento e a implementação de técnicas que visem reduzir as taxas de poluição e, conseqüentemente, de custos. E nessa perspectiva, a Uni-versidade Federal do Pará (UFPA) pretende atuar por meio do projeto “Complementação do novo projeto político-pedagógico do curso de licen-ciatura em Química: uma proposta em Química Verde”, aprovado no edital do PROINT 2008-2009.

Coordenado pela professora doutora Regina Sarkis Müller, da Fa-culdade de Química, o projeto tem por finalidade a inserção de tópicos sobre a Química Verde e conceitos labora-toriais no currículo dos seus cursos de graduação em Química, contribuindo para a formação de profissionais mais adequados às exigências e mudanças do mercado.

As disciplinas experimentais ofertadas vão utilizar mecanismos que reduzem a duração dos experi-mentos e garantem maior segurança e menos poluição. “Há muitas formas de não produzir substâncias tóxicas, diminuindo a contaminação, mas não é fácil. Pois, para isso, é necessário o desenvol-vimento de metodologia analítica e, para fomen-tar esse tipo de pesqui-sa, são imprescindíveis recursos financeiros”, explica a coordenadora do projeto, professora Regina Müller.

Segundo a docen-te, em todo o Brasil, muitos cursos de Quí-mica possuem a disciplina ‘Quími-ca Ambiental’ em seus currículos. Entretanto, poucos trabalham os conceitos laboratoriais sobre pre-venção da geração de subprodutos indesejáveis e tóxicos ao ambiente,

princípios da Química Verde. Em sua maioria trabalham situações em que a poluição já foi estabelecida, daí a necessidade de levar o ensino da Química Verde para as aulas de graduação. “A proposta é você gerar processos que não poluam, uma vez

que é mais barato do que produzir resíduos tóxicos para depois tratá-los”, afirma.

In tegrado pe la pesquisadora e por re-presentantes das disci-plinas práticas do curso, o projeto ainda está na sua etapa inicial: a de elaboração. O prazo será de dois anos para a exe-cução. “Para nós, é um

projeto desafiador. Portanto, neces-sitamos de tempo e dedicação para que a metodologia seja desenvolvida, testada e então comprovada. Só a partir de então, poderá ser utilizada”, conclui.

n mudança requer recursos

n “Consciência fará a diferença”

Ultrapassada a primeira etapa, que culminou com a elaboração do projeto, agora, cada professor envol-vido no processo terá que desenvolver práticas em laboratório, utilizando a Química Verde de acordo com a dis-ciplina experimental em que trabalha. As práticas serão realizadas por meio de testes que envolvem a diminuição da quantidade de reagentes, substitui-ção de solventes (uso de temperatura ambiente) e otimização das metodo-logias tradicionais pelas que serão implantadas na segunda etapa. Em seguida, os resultados e avanços ob-tidos serão repassados aos estudantes nas aulas teóricas e práticas.

Estabelecer comparações entre a toxicidade dos reagentes usados anteriormente e os manuseados com a nova proposta, e os resíduos gerados nos dois momentos, significa esclare-cer os benefícios que as novas técni-cas proporcionam. Assim, pretende-se conscientizar os estudantes a respeito da importância e do diferencial exis-tente ao se adotar a nova prática. “Incentivar a leitura sobre o assunto, após a exposição em sala de aula, solicitando que comparem a nova metodologia proposta com a usada tradicionalmente, é uma das nossas pretensões”, afirma Regina Müller.

A contribuição para a UFPA reside nos avanços em relação à for-mação dos licenciados em Química e dos profissionais de outras áreas afins, uma vez que serão conscientes da sua responsabilidade social. “Espera-se que o profissional da Química, daqui a alguns anos, seja capaz de pensar nos processos químicos já com a preocu-pação em escolher matérias-primas e condições ambientais não poluentes. A consciência do químico fará toda a diferença”, finaliza.

1. Prevenção da poluição na fonte, evitando a produção de resíduos.2. as metodologias sintéticas de-vem ser desenvolvidas de modo a incorporar o maior número possível de átomos dos reagentes no pro-duto final.3. a concepção de sínteses menos perigosas, graças à utilização de condições suaves e à preparação de produtos pouco ou não tóxicos para o homem e o meio ambien-te.4. Deve-se buscar o desenvolvimen-to de produtos que após realizarem a função desejada, não causem danos ao ambiente.5. Pesquisa de alternativas aos solventes poluentes e aos auxiliares de síntese.6. limitação dos gastos energéticos com o desenvolvimento de novos materiais para a estocagem de energia e a pesquisa de novas fontes de energia com baixo teor de carbono.

7. utilização de recursos renová-veis ao invés de produtos fósseis. 8. redução do número de deri-vados, diminuindo a utilização de grupos protetores ou auxiliares.9. utilização de processos catalíti-cos. a modelagem dos mecanismos pelos métodos da química teórica deve permitir a identificação dos sistemas mais eficientes a serem realizados.10. a concepção dos produtos, visando a sua degradação final em condições naturais ou forçadas de modo a minimizar a incidência sobre o meio ambiente.11. Desenvolvimento das metodo-logias de análise em tempo real para prevenir a poluição, contro-lando o transcorrer das reações químicas. 12. o desenvolvimento de uma química fundamentalmente mais segura para prevenir acidentes, explosões, incêndios e emissões de compostos perigosos.

“Para fomentar esse tipo de

pesquisa, são imprescindíveis

recursos financeiros”

roo

sew

elt

Pin

Hei

ro/a

Br

Page 4: Beira 65

4 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Outubro, 2008

REUNI

BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Outubro, 2008 – 9

Círio movimenta comércio e turismoEstima-se que mais de 2 milhões de romeiros e turistas participem do evento

Economia

Recursos garantem expansão em CametáMelhorias no campus visam consolidar a Universidade no município

suzana Lopes

Universidade mais interio-rizada do Brasil, a UFPA irá se expandir ainda mais

nos próximos dois anos, a partir de recursos do REUNI (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais). O campus de Cametá, município localizado no nordeste paraense, está incluído no projeto que pretende ampliar e consolidar a produção de conhecimento e for-mação profissional no interior do Estado. O aumento do número de cursos, vagas e docentes é apenas um exemplo dos impactos que a UFPA de Cametá terá nos próximos anos.

Na prática, o REUNI visa ampliar o número de cursos, es-pecialmente de licenciaturas, uma grande demanda regional. Hoje, Cametá possui graduações extensi-vas e intensivas em Letras – Língua Portuguesa e Inglesa, Pedagogia, História e Matemática. A proposta é, a partir de 2009, oferecer História, Matemática e Ciências na modalida-de extensiva. Serão abertas 40 vagas para cada nova graduação já no Pro-cesso Seletivo 2009, com o início das aulas no segundo semestre.

Essa maior quantidade de cursos requer a ampliação do corpo docente. Atualmente, são 10 pro-fessores efetivos, mas até o final de 2008, ingressarão mais 11, totalizan-do 51 efetivos até 2010. Quanto aos técnico-administrativos, haverá a admissão de mais 10 profissionais.

Para viabilizar a instalação dos cursos, haverá um forte investi-mento na infra-estrutura do campus. Cametá vai receber mais de R$ 2 milhões, sendo que já estão na FA-DESP as licitações para a constru-ção de seis salas de aula. As demais obras previstas são as construções de um auditório e de dois laborató-rios (Ciências e Informática), além da ampliação da biblioteca.

“Quando se investe na infra-estrutura do campus, causa-se um impacto estrutural na cidade. Mas para além do físico, o maior pa-trimônio que a Universidade está construindo é o imaterial, aquele presente nos professores, nos estu-dantes, no conhecimento”, reflete o coordenador do campus, professor doutor Gilmar Pereira.

Mais do que construir pré-dios, climatizar salas, melhorar o ambiente físico do campus, ele ainda destaca o impacto sobre a auto-estima da comunidade: “Nós estamos construindo um sentimento de corpo, uma visão de Universida-de. A nossa grande conquista é fazer com que as pessoas tenham prazer em ser da UFPA e se planejem den-tro dela, permaneçam trabalhando e estudando”, enfatiza.

n Cursos terão melhor estrutura

Gilmar Pereira divide a histó-ria da UFPA em duas fases: a criação do campus em Belém e, depois, na década de 1980, sua expansão para o interior. Hoje, vive-se uma terceira etapa que consiste na consolidação dos campi, a partir da ampliação e do fortalecimento da graduação e pós-graduação nos municípios-sede da Universidade.

“Com mais professores, as perspectivas sobre a pesquisa e a ex-

tensão se ampliam. Podemos efetivar a graduação com mais racionalidade e pensar a pós-graduação stricto sensu”, constata o professor. Tal fato tem grande relevância regional, principalmente em se tratando da Amazônia, um território geográfico-cultural que necessita de uma produ-ção do conhecimento, voltada para o seu desenvolvimento econômico e social.

Além da pesquisa, a exten-

são é outro fator essencial, já que a Universidade possui objetivos para além das dependências do campus: o compromisso com a sociedade. Daí a importância de, por exemplo, ofertar mais cursos de licenciaturas quando se vê a grande demanda e, ao mes-mo tempo, a carência de formação de professores para atuar no ensino básico. Todas essas perspectivas avançarão, na medida em que haverá mais pessoal dedicado à academia.

n Região precisa de professores no ensino básico

A UFPA tem 21 anos de inte-riorização. Nesse período, deparou-se com dificuldades e sucessos, sem, contudo, até o momento, ter ava-liado se a política de expansão está transformando os municípios onde se instalou.

Assim, a tese “Nas Águas o Diploma: O Olhar dos Egressos sobre a Política de Interiorização da UFPA em Cametá-PA” é pioneira ao sistematizar o conhecimento sobre os impactos da Instituição no interior. Defendida em abril de 2008, pela professora doutora Maria do Socorro da Costa Coelho, a pesquisa avaliou a política de formação de licenciados em Cametá, assim como de que ma-neira a Universidade contribui e se relaciona com o município.

A professora aplicou um ques-tionário a 336 egressos do campus, que se formaram entre 1991 (ano de conclusão da primeira turma) e 2004. Por meio dos 113 questionários devol-vidos, ela extraiu a avaliação dos ex-alunos sobre os cursos de licenciatura da Instituição.

A maioria dos entrevistados afirmou que a graduação lhes permitiu ampliar o universo cultural, propor-cionando-lhes maiores perspectivas de trabalho, qualidade na prática docente, acesso a conhecimentos e à

n Política de interiorização é tema de pesquisa

crítica social. Entre os egressos, 87% se dizem satisfeitos com a formação recebida.

Os aspectos negativos apon-tados foram quanto ao espaço físico das salas de aula e à gestão dos co-ordenadores do campus, considerada insatisfatória devido à grande rotati-vidade de administrações no período demarcado pela pesquisa.

A pesquisadora também co-letou, durante os quatro anos de seu doutorado, depoimentos de represen-tantes da sociedade civil cametaense

e de coordenadores (antigos e atuais) do campus. Com as informações obtidas, a autora pôde avaliar a po-lítica de interiorização da UFPA em Cametá e constatar que, nos últimos anos, houve um avanço significativo no campus devido a investimentos e, sobretudo, ao compromisso da atual administração da Universidade.

“A interiorização é um projeto de relevância social e científica que converge com a necessidade e os interesses locais. Na verdade, é uma conquista da sociedade que pressio-nou o Estado a oferecer uma Univer-sidade pública e gratuita para todos. Apesar das dificuldades do campus de Cametá no início de sua instalação, hoje ele está consolidado e tende a ser uma referência para o Estado”, conclui Maria do Socorro.

PANORAMA - A UFPA se fixou em Cametá em 1987. No início, os cursos ofertados eram apenas na modalidade intensiva, o que mudou a partir de 2004 com a oferta de cursos extensivos. O campus ainda conta com uma pós-graduação lato sensu em Linguagem e Educação e serve de base para a graduação a distância em Matemática. Atualmente, possui cerca de 700 alunos de graduação e 50 de pós-graduação.

Maria do Socorro: relevância social

Instalado em 1987, o campus possui atualmente cerca de 700 alunos de graduação e 50 de pós-graduação

cio

Fer

reir

a

cio

Fer

reir

a

cio

Fer

reir

a

Ma

ri c

HiB

a Ana Carolina Pimenta

Orçamento de mais de R$ 1 milhão, mais de 60 mil turistas por ano e retorno

financeiro de R$ 500 milhões. tão impressionante quanto a fé que move milhões de romeiros na maior festa dos paraenses são os números que a acompanham.

Há quase dois séculos, o Ca-pitão-General do Rio Negro e do Grão-Pará, D. Francisco Coutinho, autorizou a inauguração, no Largo de Nazaré, de uma grande feira de produtos agrícolas e industriais do Es-tado, à qual pudessem estar presentes todos os agricultores, inclusive os ín-dios. Desde então, o fator econômico passou a compor o Círio ao lado do aspecto religioso.

Hoje, o Círio movimenta prati-camente todos os setores produtivos do Pará, principalmente comércio, indústria, serviços e turismo. A aná-lise feita pelo DIEESE/PA revela essa grandiosidade. De acordo com o economista Roberto Sena, supervisor técnico do DIEESE, em termos de impactos globais, a estimativa é de que, com o Círio 2008, seja injetado quase meio bilhão de reais na econo-mia paraense.

Pesquisas do DIEESE mostram que, ao longo dos anos, o número de romeiros e turistas não parou de cres-cer. Em 2007, eles foram estimados em dois milhões de pessoas. Esse total contabiliza os participantes das onze romarias nazarenas oficiais.

No período do Círio, o co-mércio tem um de seus melhores desempenhos anuais, só perdendo, em termos de consumo, para o Natal. Há um mercado de bens simbólicos e materiais que movimenta milhões de reais: velas, imagens, santinhos, escapulários, círios, berlindas, flores, lembranças, artesanato, brinquedos de miriti , “cheirinhos do Pará”, frutas

e comidas típicas. São mercadorias produzidas

durante todo o ano, mas que recebem um mercado consumidor capaz de esgotá-las no decorrer dos dias da Festa. Segundo o professor Sílvio Lima Figueiredo, do Núcleo de Al-tos Estudos Amazônicos da UFPA (NAEA), organizador do livro “Cí-rio de Nazaré: Festa e Paixão”, essa mercantilização não está presente apenas nas manifestações culturais, mas também na recepção de fluxos turísticos pelos hotéis e restaurantes da cidade. Nesta época, o fluxo de embarcações, ônibus, aviões, aumen-ta consideravelmente.

Todo o Estado está envolvido nas atividades do Círio. Os municí-pios participam, direta ou indireta-

mente, da Festa. É o caso de Abaete-tuba, com seus brinquedos de miriti; de Vigia, com os fogos de artifício e de todos os outros, onde são criados os patos para o grande almoço.

Cerca de 95% do trabalho gerado no Círio são informais. As pessoas são contratadas, sem víncu-los formais, em restaurantes, hotéis, estacionamentos, serviços de táxi e aluguel de carros, agências de turis-mo e companhias aéreas. Isso, sem contar os ambulantes e proprietários de barracas que vendem de tudo. A festa também representa um produto altamente rentável para jornais, rádio e televisão.

Um estudo feito por pesquisa-dores e docentes das Universidades Federais do Pará (UFPA) e do Rio de

Janeiro (UFRJ), intitulado “O Círio de Nazaré: Economia e Fé”, e coor-denado pelo economista do NAEA, Francisco de Assis Costa, mostra o impacto do Círio de Nossa Senhora de Nazaré na economia paraense. A pesquisa destaca a evolução dos números de freqüentadores e dos recursos movimentados nos últimos anos para a realização dos eventos culturais e das procissões em home-nagem à Virgem de Nazaré, além das inovações implementadas pelos organizadores para atrair o público. De acordo com os pesquisadores, os devotos movimentaram, em 2000, R$ 310,5 milhões em transações diretas, volume que subiu para R$ 394,4 mi-lhões em 2005, e para quase R$ 500 milhões em 2007.

n visitantes vêm a Belém pela fé e para conhecer a regiãoO Círio faz parte do contexto

turístico do Pará. Os turistas vêm à Festa não somente motivados pela fé, mas também para conhecer a região, onde lhes são oferecidos roteiros complementares, tanto dentro como no entorno de Belém. Isso corrobora uma estatística importante para o País: o crescimento do turismo reli-gioso. Segundo números do IBGE, 7% dos viajantes brasileiros têm predileção por roteiros religiosos - o índice chega a 11% entre os nordes-tinos. Em Belém, no período de 2000 a 2007, o número de visitantes de outros Estados e países saltou de 678 mil para 851 mil.

A cada ano, na organização do Círio, a Diretoria da Festa enfrenta enormes dificuldades, principalmen-te do ponto de vista financeiro. São gastos crescentes com evangelização (imagens, livros de peregrinações, viagem de pregadores), com despe-sas das procissões, com marketing (cartazes, folders, camisas, outdoors

e CDs) e com decoração. O custo or-çamentário de cada item tem sofrido os impactos inflacionários, tornando-se mais oneroso com o passar dos anos.

O bolso dos romeiros também vem sofrendo impactos expressivos ao longo dos anos. Roberto Sena, do DIEESE, atesta que este ano não será diferente. Já se observa aumento nos preços de bens e serviços motivados, sobretudo, pelos aumentos nos pre-ços dos transportes, hospedagem e alimentação.

Até o tradicional almoço do Círio, com pato no tucupi e mani-çoba, também deve ficar mais caro, assim como os objetos em cera para promessas.

Mesmo com a inflação refleti-da nos preços, a economia paraense espera ansiosa pela Festa. Análises do DIEESE apontam que, apesar dos problemas de ordem econômica e financeira, a cada Círio, o que se vê é um volume maior de pessoas.

Mercadorias produzidas durante o ano todo praticamente esgotam durante os dias da quadra nazarena

O número de romeiros não diminui apesar da Festa ficar mais cara a cada ano

Page 5: Beira 65

8 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Outubro, 2008 BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Outubro, 2008 – 5

Castanhal atenderá demanda reprimidaRecursos previstos no programa federal visam contratar novos docentes

Expansão

em dia

Objetos de Devoção

O campus vai adquir novos equipamentos e contratar obras de infra-estrutura para melhoria das condições físicas

PadroeiraPela primeira vez, a imagem pere-grina de Nossa Senhora de Nazaré visitou a Cidade Universitária José da Silveira Netto. No dia 15 de setembro, a imagem passou pela Reitoria, Prefeitura do Campus, Fadesp e Hospital Bettina Ferro. A padroeira foi recebida com várias homenagens. A UFPA, a partir de agora, faz parte do calendário ofi-cial de peregrinações do Círio.

Línguas indígenasA Embaixada dos Estados Unidos aprovou o projeto “Seeing Voices: documentation of Amazonian Oral Traditions” do Grupo de Pesquisa sobre Línguas Indígenas da UFPA. O projeto vai documentar as dife-rentes narrativas da tradição oral de povos indígenas da Amazônia com os quais o grupo trabalha.

Feira de Ciências De 21 a 23 de outubro, no Hangar - Centro de Convenções, acontece a XIII Feira de Ciências do Estado do Pará (FEICIPA). O evento é uma parceria entre SEDUC, SEDECT e o Núcleo de Pesquisa e Desenvol-vimento da Educação Científica da UFPA (NPADC). Outras informa-ções, acesse: http://www.ufpa.br/npadc/feicipa.

Fortalecer Estão prorrogadas, até o dia 15 de outubro, as inscrições para o Pro-grama Fortalecer, promovido pela Pró-Reitoria de Ensino de Gradua-ção. Mais informações: 3201-7909. As inscrições podem ser feitas pelo do site www.proeg.ufpa.br.

Memória MusicalAcontece nos dias 7 e 9 de outubro, no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, o seminário “A Memória Musical na Amazônia”. As inscri-ções podem ser feitas no local ou pelo e-mail [email protected]. Mais informações: 8189-1160 (falar com a sra. Marta) ou pelo site: http://memoriamusical.web12.f3.k8.com.br

IntercâmbioA UFPA é uma das universidades brasileiras escolhidas para partici-parem do Projeto Erasmus Mundus, programa de cooperação e intercâm-bio de ensino, criado pela União Européia. Professores, alunos de pós-graduação e graduação visitarão as universidades que fazem parte do projeto por um período de um a dois semestres. Os intercâmbios devem ter início em 2009.

Hellen Pacheco

Possibilitar o maior acesso e a permanência de estudantes na educação superior, por meio de

aproveitamento mais adequado da es-trutura física e dos recursos humanos disponíveis nas instituições federais. Essa é a principal meta do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), que está sendo implantado nas universidades de todo o país.

A Universidade Federal do Pará (UFPA) apresentou seu projeto de adesão no início deste ano. As medidas previstas para a Cidade Universitária José da Silveira Netto (Belém) e para os campi do interior já começaram a ser implantadas.

“Para os campi do interior, o projeto significa uma possibilidade de expansão mais rápida; especialmente no caso de Castanhal, representa uma oportunidade para atender demandas reprimidas. Entretanto, devemos estar atentos para que as metas não sejam tão ambiciosas que possam vir a causar prejuízos para a qualidade do ensino, da pesquisa e da extensão”, afirma o coordenador do Campus, Adriano Silva.

Em função do município loca-lizar-se no entreposto de várias regi-ões e atender demandas de diversas cidades, a necessidade de ampliar o número de vagas e de cursos ofertados é freqüente. Nessas perspectivas, o aumento na capacidade de oferta dos cursos de Matemática e Pedagogia, por meio da contratação de 37 docen-tes efetivos, a abertura de um novo curso (Sistema de Informação) e uma nova habilitação em Língua Espanho-la para o curso de Letras representam o primeiro passo nessa direção. Além disso, em 2009, as turmas intensivas (intervalares) serão retomadas com mais 120 vagas. “Para 2010, por decisão do Conselho do Campus, disponibilizaremos essas vagas no horário noturno para os jovens que trabalham e querem cursar o ensino superior”, conclui.

n 180 novas vagas em 2009Além da aquisição de equipa-

mentos, as obras de infra-estrutura para a melhoria das condições físi-cas do campus de Castanhal tam-bém foram contempladas no projeto entregue ao REUNI. Está prevista a construção de dois prédios (Campus I e II) que servirão de gabinetes para os docentes. Ainda em 2008, deve ser entregue um bloco administra-tivo de 1.350 m² que funcionará no Campus I. “Estamos acompanhando o trabalho da empresa que foi con-tratada para a elaboração dos pro-jetos arquitetônicos e executivos, necessários para a licitação da obra. A etapa da elaboração dos projetos está na fase final”, afirma o coorde-nador do Campus, Adriano Silva. A expectativa é que a licitação seja concluída antes do final do ano.

De acordo com o coorde-nador, a contratação de novos docentes para as graduações com licenciaturas em Letras, Matemática e Pedagogia está entre os principais benefícios em termos de recursos humanos. Os novos cursos de graduação funcionarão com uma infra-estrutura adequada de profis-sionais. “Com tais investimentos, será possível ampliar o número de

vagas já a partir de 2009, de 190 para 370 vagas”. Ainda segundo Silva, há demandas que precisarão ser atendidas, como no caso do curso de Licenciatura em Educação Física, que necessita de mais pro-fessores e técnico-administrativos para o seu quadro. Ele acrescenta que o número de cursos também precisará ser ampliado. “De todos os campi do interior, Castanhal foi o que menos ampliou o número de novos cursos.”

Os investimentos no muni-cípío também foram direcionados para pós-graduação. Recentemente, foi aprovado pela CAPES o mestra-do em Saúde Animal na Amazônia. “Essa conquista representa um divisor de águas”, declara Silva. É que o REUNI prevê a contratação de quatro docentes para atuar na pós-graduação a partir de 2010, e quatro técnicos (um médico veteri-nário e três técnicos de laboratório). Também há um movimento para a implantação de um programa de mestrado na área de Educação em caráter multidisciplinar, que envol-verá docentes das Faculdades de Pedagogia, Educação Física, Letras e Matemática.

* Vagas previstas para o II Edital do PSS 2009. Condicionado à liberação das vagas docentes pelo MEC.Fonte: PROEG, agosto de 2008.

2008 2009 2010

Pedagogia 40 80 80

Educação Física 40 40 40

Matemática 40 80 80

Letras (Língua Portuguesa) 40 70 70

Medicina Veterinária 30 30 30

Sistema de Informação - 30* 30

Letras (Língua Espanhola) - 40 40

TOTAL VAGAS/ANO 190 370 370

Glauce Monteiro

A cada ano, milhares de pes-soas se reúnem no segundo domingo do mês de outubro,

em Belém do Pará, para celebrar a fé em Nossa Senhora de Nazaré. Al-guns vêm de longe na esperança de alcançar milagres, outros percorrem um longo caminho para agradecer as bênçãos concedidas e há ainda, aqueles que vêem na romaria a pos-sibilidade de um bom negócio.

Para cada participante da festa, o Círio tem um significado, é vivido e lembrado de um jeito único. “O Círio é, antes de tudo, uma procissão, uma manifestação de fé e, num sentido ampliado, uma festa religiosa. Mas ele representa também um conjunto de rituais que inclui várias romarias, a festa do arraial, as novenas, as missas, as manifestações paralelas, mas integradas a ele como a Festa da

Chiquita, o Auto do Círio, a Feira de brinquedos de miriti, os fogos de arti-fício e muitas outras coisas”, explica o professor Heraldo Maués, estudio-so da Antropologia da Religião.

São vários os símbolos que remetem ao Círio de Nossa Senhora de Nazaré e que têm origem na his-tória da devoção nazarena. Cada um deles revela um aspecto da grande romaria. A imagem de Nossa Se-nhora de Nazaré, por exemplo. “A imagem da Virgem é, certamente, o grande símbolo do Círio”, explica o professor Heraldo.

Há duas representações de Nossa Senhora: a que carrega o meni-no em seu colo e a Madona de Leite, que mostra a Virgem amamentando Jesus. A primeira é justamente a ima-gem conhecida no Pará; a segunda não existe no Brasil, mas ainda é en-contrada em Portugal. “Claro que são duas formas explícitas de valorizar a

maternidade, a segunda de maneira mais vívida, porém, possivelmente censurada”, comenta o pesquisador.

No Pará, as imagens mais tra-dicionais são do período colonial: a de Vigia e a “verdadeira”, de Belém, também conhecida como a “imagem do achado”. A santa cultuada em Vigia é mais antiga, já que a devo-ção começou por lá ainda no século XVII. Trata-se de uma Santa de roca, ou seja, que não tem corpo esculpido, só uma armação que sustenta seu manto. Outra característica é o fato de possuir cabelos humanos. “Há vá-rias lendas a respeito, inclusive a da mulher que, indo vestir a Santa, teria ficado cega ao querer saber como era o corpo dela. A de Belém é chamada de ‘verdadeira’ não porque a de Vigia seja falsa, mas porque, em Belém, existem várias réplicas da mesma imagem. Ela não sai no Círio porque, segundo a lenda, nunca quis deixar o

local de seu ‘achado’”, lembra o an-tropólogo. Entre as réplicas, as duas mais importantes são a do Colégio Gentil Bittencourt, que saía na Tras-ladação e no Círio e a “peregrina” que, de alguns anos para cá, passou a substituir a do Gentil.

A imagem peregrina foi con-feccionada em 1969, por Giacomo Mussner, a pedido dos padres bar-nabitas. Enquanto a “imagem do achado” representa uma matrona portuguesa, com um menino europeu nos braços, a nova versão garantiu à Virgem e a seu filho traços mais amazônicos. trata-se de “uma figu-ra morena, ‘cabocla’, com seu filho também ‘caboclo’. Claro que isso é uma forma de praticar aquilo que os católicos chamam de ‘incultura-ção’, tendo a finalidade explícita de aproximar ainda mais a devoção ao povo”, garante o professor Heraldo Maués.

n mito regional e sentido bíblicoAlém da infinidade de objetos

que se transformaram em elementos indispensáveis ao Círio e que se fir-maram como símbolos da procissão, a Festa de Nossa Senhora apresenta um conjunto de simbologias menos perceptíveis, mas que tornam o Círio de Nazaré eminentemente amazô-nico. A relação entre a Virgem e as águas é aprofundada na história de seus milagres. “A devoção à Maria de Nazaré surgiu em uma aldeia de pescadores, Nazaré, e veio pelo mar para outra aldeia de pescadores, Vigia, para depois chegar a Belém”, conta Heraldo Maués.

O primeiro milagre autêntico da Rainha das Águas salvou um fidalgo português de despencar de um abismo junto à praia. “Os pesca-dores em Vigia agradecem à Virgem por terem sido salvos de naufrágios. Na história do Círio, em Belém, há referência a um naufrágio, no século XIX, cujos sobreviventes invocaram a proteção de Nossa Senhora”, expli-ca o professor.

A região amazônica é um mundo de água e, aqui, Nossa Senho-ra de Nazaré protege os navegantes.

A relação íntima com os rios também deu origem à romaria fluvial ou Círio das Águas, símbolo expressivo desse significado tão caro aos devotos de Maria de Nazaré.

De acordo com Heraldo Maués, na Amazônia, a maior procis-são católica do mundo é como uma cobra grande secundada pelas cobras de miriti ou serpente que ainda vira corda, com todo o seu simbolismo de promessa e sacrifício. “Em uma das versões do mito amazônida, a cauda da cobra grande está embaixo do santuário, a Basílica. Uma referência – certamente inconsciente – a um dos mais importantes sentidos bíblicos da Redenção, trazida por Maria, mãe do Salvador, que calca com seus pés a serpente, símbolo do pecado e da perdição”, lembra Maués. “E aqui estão vivas todas as lendas e mitos amazônicos, que fazem referência aos encantados, aos orixás, às reli-giões que provêm dos índios e dos africanos e que estão presentes no Círio, a despeito de todos os esforços disciplinadores das autoridades ecle-siásticas, que procuram afastá-los”, conclui o professor.

n ex-votos são objeto de estudos

Durante o Círio, a devoção à Santa é materializada nos ex-votos, objetos doados à Virgem que simbo-lizam milagres concretizados. A cura é representada por partes do corpo esculpidas em cera; a casa e o barco em miniatura são os bens adquiridos; bonecas e anjos simbolizam a relação entre a Virgem e as crianças: o filho

Cada peça tem um significado próprio

cio

Fer

reir

a

cio

Fer

reir

a

cio

Fer

reir

a

tão desejado, vidas salvas, bênçãos alcançadas. Ex-votos também podem ser objetos inusitados como espadas samurais ou camisas de times de fu-tebol cujos significados nem sempre ficam claros.

“O Círio existe porque a Santa faz milagres, cuida e zela pelo povo, que agradece com fé”, conta Rosa Brasil, coordenadora do Grupo de Trabalho e Imagem e do projeto de pesquisa “Objetos e Promessas no Círio de Nazaré: processos semióticos de (re)significação”, da Faculdade de Letras da UFPA. Para Mara Tavares, integrante do projeto, cada devoto é um milagre, uma história de fé que pode ser registrada num objeto. “O que ele significa pode não ser tão cla-ro assim. Uma pessoa que carrega um barco pode não ter obtido um barco e sim estar agradecendo por escapar de um afogamento, por exemplo. São sentidos que só o próprio romeiro pode explicar. Os traços lingüísticos e características narrativas também nos ajudam a analisar socioeconomi-camente esse devoto e, assim, saber quem são as pessoas que fazem o Círio”, explica.

cursos anos / n. Vagas

A corda, a berlinda e a imagem da Santa são os principais símbolos da procissão, mas há outros elementos que a compõe e que nem sempre são perceptíveis

Uma grande festa feita de muitos simbolismosLendas e mitos amazônicos estão presentes nos rituais do Círio

Page 6: Beira 65

6 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Outubro, 2008 BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Outubro, 2008 – 7

“Carnaval devoto”

Um caleidoscópio da fé paraenseSagrado e profano misturam-se na grande festa religiosa do Pará

Tamiles Costa

Círio: o religioso, o pagão, a fé, a festa, o mercado. Talvez hoje a expressão “Carnaval Devo-

to”, de Dalcídio Jurandir, expresse bem o significado dessa celebração que transcendeu uma procissão ca-tólica e passou a envolver a vida dos paraenses.

As proporções que o Círio de Nazaré ganhou lhe renderam o status de megaevento, organizado a partir da ação de diretorias estratégicas que gerenciam do aspecto jurídico à promoção do marketing da festa. Para os pesquisadores da UFPA, Vanda Pantoja, autora da dissertação de mestrado “Negócios sagrados: reciprocidade e mercado no Círio de Nazaré” e o professor Silvio Figuei-redo - cujas pesquisas sobre o tema resultaram no documentário “Naza” e no livro “Círio de Nazaré - Festa e Paixão” - é essa mistura de elementos, aparentemente contraditórios, que fazem da celebração um momento de dimensões imensuráveis.

Vanda conta que, a partir da “Geografia da Religião”, buscou es-tabelecer uma ponte entre as visões geográfica e antropológica para com-preender a grandiosidade da festa. A preparação para o período, explica, é um processo lento e minucioso que denominou “gestão burocrática empresarial”. “A celebração já ex-trapolou aquele organizar familiar, informal. Hoje, precisa-se agir como quem organiza um grande evento”, afirma.

Em sua dissertação de mes-trado, ela analisou a organização do Círio para estabelecer uma relação com as situações de mercado da festa. “O mercado em torno do Círio não diz respeito só ao comércio em geral, mas ao Círio enquanto instrumento da Igreja Católica para a evangelização”. A pesquisadora explica que esse é um momento em que o catolicismo tenta resgatar fiéis e impedir perdas. “Isso também é uma situação de mercado, já que atualmente as instituições re-ligiosas disputam fiéis”.

n Religião é o motivo de tudoDo mesmo modo, o professor

Silvio Figueiredo ratifica a disputa de fiéis pelas religiões e o reforço do catolicismo no período do Círio. “É uma festa que congrega uma série de pessoas completamente diferentes e díspares. O catolicismo se impõe, a partir do Círio de Nazaré, como hegemônico na Amazônia ou pelo menos no Pará”. Ao mesmo tempo, nem toda propaganda acerca do Círio está diretamente ligada à devoção. “Você tem uma enorme movimen-tação econômica, turística, cultural e simbólica a qual, muitas vezes, é dissociada da fé católica, mas ainda assim vem solidificá-la”, diz.

Na opinião dos pesquisadores, mercado e religião nunca estiveram separados. Segundo Vanda Pantoja, cada vez que a Diretoria do Círio toma a iniciativa de burocratizar mais o processo, existe o desejo de tornar a festa maior e mais bonita como forma de agradecer à Santa pelas

graças alcançadas e receber, em tro-ca, novas bênçãos, estabelecendo-se assim uma aliança. “É essa relação de troca mediada pela promessa que faz o Círio nunca deixar de acontecer. Essa dimensão religiosa nunca tende a desaparecer, ela é o motivo de tudo”, afirma.

Esse crescimento progressivo da Festa do Círio se deu mais forte-mente a partir dos anos 80, conta Van-da. “Quando o Círio surgiu em 1793, havia duas procissões: a do Círio e a Trasladação. Até chegar à década de 80, duas ou três outras procissões surgiram. A partir de então, elas vêm surgindo quase que anualmente”, comenta. O crescente número de romarias (Traslado, Romaria Rodo-viária, Romaria Fluvial), segundo a pesquisadora, atende à demanda de procissões temáticas, além de ser uma tentativa de desafogar a procissão do Círio, já que não há mais espaço físico para o número de pessoas.

n Povo subverte a disciplina

Para a pesquisadora Vanda Pantoja, o Círio religioso ou profa-no é feito para as pessoas. “Elas se apropriam da festa e por mais que exista uma organização que tente controlar, gerenciar, burocratizar e impor disciplina, quando o povo chega, acaba subvertendo toda essa ordem”. Na opinião de Vanda, o ritual inclui a “desordem”, o profa-no, a bebedeira, o namorico. “São essas coisas que fazem da festa de santo o que ela é, uma festa cató-lica popular. Homenagear Nossa Senhora inclui o devoto que não tem formação católica adequada, não tem o sacramento, não sabe os ritos, mas se diz católico e devoto, vai para a festa que é organizada para ele”, afirma.

De acordo com os pes-quisadores, as dimensões profana, econômica e religiosa caminham em favor do Círio. Ambos concor-dam que a celebração transformou-se em um instrumento de mercado que está sendo apropriado pela mídia, para se tornar um produto vendável, atrair turistas e gerar renda, no entanto, esse caráter não vem desvirtuar o sentido que a festa tem para as pessoas. “Quanto mais se investir no Círio do jeito que se investe, mais a fé tende a ganhar”, afirma o professor Silvio Figueiredo. “O Círio só é um instrumento simbólico potente porque é capaz de despertar aque-la dimensão mais íntima que as pessoas guardam da relação com o sobrenatural, com Deus. Dizer que essa dimensão religiosa está diminuindo por conta do mercado ou do profano é reduzir o Círio e as pessoas a simplesmente matéria, que não tem espírito, que não tem alma”, finaliza Vanda.

cio

Fer

reir

a

cio

Fer

reir

a

cio

Fer

reir

a

O Círio de Nazaré é formado por vários aspectos, do religioso ao comercial, e envolve a vida de muitas pessoas

O Auto do Círio e a Festa da Chiquita são exemplos de programações culturais que acontecem paralelamente aos eventos religiosos da quadra nazarena

n atmosfera nazarena envolve a todosO Círio apresenta uma série de

dimensões distintas, mas principal-mente funciona como um elemento que congrega pessoas. Gente de credos diferentes, de classes sociais distintas, todas de certa forma estão envolvidas na atmosfera da festa. “O Círio é uma coisa dominante, todos vivem esse contexto. No mínimo, a pessoa vê a Santa pela televisão ou pelo computador. O mundo todo já vê a Santa passar através da inter-net”, explica a pesquisadora Vanda Pantoja.

No que diz respeito a agregar pessoas por meio do reencontro, o professor Silvio Figueiredo fala sobre o aumento do turismo em Be-lém. “Há turistas de todos os tipos: romeiros que vêm pagar promessa, os

que buscam a grande efervescência cultural e ainda pessoas que retornam à cidade no momento em que podem comungar com a cultura paraense ao rever a família, comer o pato no tu-cupi e respirar novamente elementos de identidade”, conta.

O que, inicialmente, é uma procissão religiosa em louvor à Nossa Senhora de Nazaré, ganha, no Círio, uma gama de elementos que fogem especificamente ao campo religioso. “Dentro dos estudos da Antropologia, da Sociologia da cultura, esse tipo de manifestação é tida como um ritual e como tal está no campo do sagrado, porém isso não significa que esteja no campo da religiosidade oficial”, explica Figueiredo. Ele conta que a celebração é uma possibilidade de

transcendência do homem, um meio de o ser humano se relacionar mais rapidamente com outra vida.

Com o caráter ritualístico, não necessariamente religioso, o Círio figura como a grande festa paraense que lança mão da transcendência para atingir o sagrado. “Os aspectos que fogem à religiosidade podem ser percebidos desde as festas mais religiosas (as procissões) até as mais laicas e ligadas a outros tipos de sacralidade, como todas aquelas aparentemente da periferia do Círio, mas que ao mesmo tempo estão em sua centralidade”. De acordo com o professor, essas festas perpassam desde a comensalidade do almoço até o Auto do Círio, a Festa da Chiquita e o Arraial de Nazaré.

n manifestações profanas dividem espaço no calendárioJéssica souza

Tidas como inconciliáveis até pouco tempo, as manifestações sagradas e profanas já dividem har-moniosamente o calendário da quadra nazarena. Ainda que os mais conser-vadores admitam o Círio apenas como uma manifestação do sagrado, cresce o número daqueles que aproveitam o clima festivo para fazer emanar, do meio da multidão, uma diversidade de programações culturais.

De acordo com o discurso científico, tal divisão entre o sagrado e o profano, no Círio de Nazaré, não tem mais linhas tão delimitadas. Para a professora do Instituto de Ciências da Arte (ICA/UFPA), Zélia Amador, pesquisadora da área cultural, a única divisão que separa a sacralidade da

profanação, durante a festa mariana, são as paredes do templo. “A festa, com o passar do tempo, agrega valo-res diversos e se transforma em uma manifestação que converge tradições, de forma equivalente tanto para o religioso quanto para o cultural, daí as diferentes maneiras de homenagear Nossa Senhora, que é o objetivo co-mum de todo o momento”, explica a professora.

A devoção à Nossa Senhora de Nazaré remonta ao início da colo-nização portuguesa. Já incorporada à cultura amazônida, ganha traços das tradições indígenas e africanas. “Mesmo que seja a celebração de um santo, ou seja, culto com fundo essencialmente religioso, o momen-to se motiva em criar um ambiente festivo, que tira as pessoas de suas

rotinas para vivenciar uma temporada de festas dentro de outras festas, se-jam as oficiais, vinculadas à doutrina católica, sejam as criadas pela cultura popular que não são ilegítimas ou menos tradicionais. Transforma-se em tradição aquilo que é pertinente e, portanto, encontra correspondên-cia e é assimilado por confluir para o objetivo central, que é louvar a Santa. O que não possui pertinência, não vinga”, continua Zélia Amador. É nesse ínterim que, do ponto de vista estético, se observa na quadra nazare-na manifestações que vão do sublime ao grotesco, isto é, momentos que envolvem desde a mais pura forma do sagrado, como o da solene celebração eucarística, do culto católico, até a Festa da Chiquita, promovida pela comunidade GLBTT.

A Festa da Chiquita reúne anu-almente cerca de 40 mil pessoas em um cortejo que se concentra no Bar do Parque, na Praça da República e co-meça logo em seguida à Trasladação para prosseguir até a hora em que se inicia a procissão do Círio. O obje-tivo é um só: homenagear a Virgem Maria. O fato é que tal homenagem se dá em um luxuoso espetáculo, com muita cor, plumas e purpurina. O ápice da festa é a coroação do “Veado de Ouro”, prêmio concedido pelos organizadores a alguém que tenha se destacado pelo figurino Drag Queen durante o evento. A manifestação é tradição popular “oficial” da quadra nazarena, desde 1976, quando se chamava “Festa da Maria Chikita”, criada pelo cantor paraense Eloy Iglesias.

n espetáculo de rua envolve linguagem de teatro e dançaComo uma das incentivadoras

das manifestações culturais da qua-dra nazarena, Zélia Amador também foi idealizadora do Auto do Círio, espetáculo de rua criado pela Acade-mia para reunir todas as linguagens de teatro e dança, com a finalidade de prestar honrarias à Santa. Em sua 14ª edição, o Auto se consolida como patrimônio imaterial da festa católica paraense desde 2003, tombado pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Anu-almente, o espetáculo atrai cerca de 10 mil pessoas. Atualmente, o Auto é assunto de dois trabalhos de mes-trado, de seis de conclusão de curso e de duas monografias.

O Auto, em seus três primeiros anos de apresentação, contou com a direção de Amir Haddad, diretor de teatro de rua de renome internacio-nal. Mas, desde 1996, é dirigido pelo coordenador do projeto de extensão e pesquisador do ICA/UFPA, Miguel Santa Brígida, autor da dissertação “O Auto do Círio: drama, fé e car-naval em Belém do Pará”. “Hoje,

o espetáculo, como manifestação cultural legítima do Círio, reforça o espaço científico no cenário artístico e de produção de conhecimento no Pará”, observa. De acordo com o pes-quisador, o projeto ganha extensão nos braços da multidão, uma vez que

o espetáculo tem um perfil que é a “cara” de Belém, com personalidade festiva e culturalmente diversa.

A manifestação cultural une os aspectos religioso e profano da festa católica do povo paraense, pois permite que Nossa Senhora receba

homenagens no estilo carnavalesco. O espetáculo é itinerante. “Tem um quilômetro de extensão e três horas de emoção”, define o professor. A en-cenação começa na Praça do Carmo, de onde o grupo de 500 atores, for-mado por quem se inscreve gratuita-mente nas oficinas de preparação de elenco, segue em cortejo pelas ruas da Cidade Velha. O espetáculo tem como cenário os prédios históricos de Belém, que são as estações onde ocorrem encenações e apresentações coreográficas.

Para Miguel Santa Brígida, mais do que uma procissão, o Círio é uma grande festa e já está integra-da ao calendário litúrgico e cultural paraense. “Não creio que o aspecto cultural se afaste do devocional. O Auto é a religiosidade encenada, é teatro que usa a rua como espaço para aliar a fé às artes. Ao ver o povo que participa do espetáculo com expressão de fé e contrita oração, testemunhamos a emoção religiosa e a festiva comungando em mesma dosagem”, sintetiza.

Atores são selecionados em oficinas gratuitas de preparação do elenco