becker, fernando. a proposito da desconstrução

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A propósito da IIdesconstruçãoll APRESENTAÇÃO A temática "Construção do Conhecimen- to·, explorada no fascículo 01, do volume 18, de 1993, retorna, neste fascículo, com produções de ainda maior peso e com colaborações vindas do exterior (França, Espanha, Portugal). No fascículo intermediário (nO 2, v.18), Educação e Realidade resolveu polemizar a postura constru- tivista, muito embora com um único texto: "Des- construindo o Construtivismo Pedagógico·, de Tomaz Tadeu da SILVA. É o momento de res- ponder, com algumas observações, às investi- das "desconstrutivistas· expostas, pois o autor não se detém a criticar o "construtivismo pedagógico·, como promete no tulo e no início do texto; ao contrário, transborda sua crítica para o construtivismo em geral, buscando desautorizar seus fundamentos, por ataques vários à Psicologia e, até, à Epistemologia. Em primeiro lugar, julgamos que o mérito do texto consiste em alear a respeito de um determinado "construtivismo pedagógico·. Aliás, já havíamos denunciado em textos, palestras e, até, na prática político-partidária, este construti- vismo pedagógico, pois se trata de um construti- vismo despolitizado, que se julga tão auto- suficiente que dispensa alianças com uma política educacional ou com outras ciências, arvorando-se, ele próprio, em política educacio- nal. Tudo como se Piaget, na década de 50, quando estudava a questão da aprendizagem das estruturas lógicas, se reunisse com seus colaboradores, para decidir sobre a política edcacional do município de Poo Alegre nos anos 1989/1992. Acontece que SILVA toma a interpretação equivocada de construtivismo de alguns como marca negativa do construtivismo em sua totalidade; como se os desmandos de alguns "construtivismos· fizessem pae do 'código genético· inteiro da teoria construtivista. Em segundo lugar, consideramos que os pressupostos teóricos, a partir dos quais essa crítica é fundada e articulada por SItVA, são de uma fragilidade preocupante. Primeiro, porque a crítica é feita de um ponto de vista exclusivamente extrínseco à teoria. (As poucas vezes em que a crítica é feita Fedo Becker a pair de dentro, é infeliz, como veremos adiante). Isto é: SILVA, usando a Siologia como trincheira, investe contra a Psicologia e a Epistemologia procurando, por caminhos uco claros, desautorizá-Ias. Exploremos um uco as afirmaçs e os argumentos apresentados. Sigamos as seguintes afirmaçs que preten- dem configurar um argumento: .... a predomi- nância do construtivismo constitui uma regres- são conservadora· (p.4), porque ele "representa a volta do predomínio da Psicologia na Educa- ção e na Pedagogia· (p.4); porque foi a psicolo- gia "que forneceu àqueles que planejaram e desenvolveram os sistemas escolares de massa deste século o instrumento de justificação científica e de gerenciamento do compoamento humano exigido por seus propósitos de regula- ção e controle·; porque a psicologia "se insere no objetivo de conhecer para melhor controlar, para produzir subjetividades e identidades·; porque "a psicologia educacional representa um esforço de despolitização da educação·. Prepa- rado o assalto com tão contundente e pretenso argumento, SILVA dispara: "o construtivismo representa a volta triunfal do predomínio da Psicologia no pensamento e na prática educa- cional·, por isso "o movimento construtivista tem, paradoxalmente, implicações ainda mais regressivas que as tendências psicológicas anteriores·. Impõe-se a seguinte pergunta: Se ·0 construtivismo representa a volta triunfal do predomínio da Psicologia no pensamento e na prática educacional·, isto não estaria denuncian- do o fracasso da Sociologia em apontar cami- nhos para a teoria e a prática educacionais? Por que esse predomínio da Psicologia significa tendência regressiva, ou ·implicações ainda mais regressivas que as tendências psicológicas anteriores·? Se fosse predomínio da Sociologia, como ocorreu em toda a década de 80, não significaria - ou não significou - regressão? O que me parece é que a Sociologia se perdeu em paradigmas demasiadamente frágeis para dar conta do seu objeto e tenta, pelo menos no texto de SILVA, compensar esse refluxo por um EDUCAÇÃO E REALIDADE. Poo Alegre, 19(1) 3-6. jan./jun. 1994 3

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BECKER, Fernando. a Proposito Da Desconstrução

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  • A propsito da IIdesconstruoll

    APRESENTAO

    A temtica "Construo do Conhecimento, explorada no fascculo 01, do volume 18, de 1993, retorna, neste fascculo, com produes de ainda maior peso e com colaboraes vindas do exterior (Frana, Espanha, Portugal). No fascculo intermedirio (nO 2, v.18), Educao e Realidade resolveu polemizar a postura construtivista, muito embora com um nico texto: "Desconstruindo o Construtivismo Pedaggico, de Tomaz Tadeu da SILVA. o momento de responder, com algumas observaes, s investidas "desconstrutivistas a expostas, pois o autor no se detm a criticar o "construtivismo pedaggico, como promete no ttulo e no incio do texto; ao contrrio, transborda sua crtica para o construtivismo em geral, buscando desautorizar seus fundamentos, por ataques vrios Psicologia e, at, Epistemologia.

    Em primeiro lugar, julgamos que o mrito do texto consiste em alertar a respeito de um determinado "construtivismo pedaggico. Alis, j havamos denunciado em textos, palestras e, at, na prtica poltico-partidria, este construtivismo pedaggico, pois se trata de um construtivismo despolitizado, que se julga to autosuficiente que dispensa alianas com uma poltica educacional ou com outras cincias, arvorando-se, ele prprio, em poltica educacional. Tudo como se Piaget, na dcada de 50, quando estudava a questo da aprendizagem das estruturas lgicas, se reunisse com seus colaboradores, para decidir sobre a poltica edl:lcacional do municpio de Porto Alegre nos anos 1989/1992. Acontece que SILVA toma a interpretao equivocada de construtivismo de alguns como marca negativa do construtivismo em sua totalidade; como se os desmandos de alguns "construtivismos fizessem parte do 'cdigo gentico inteiro da teoria construtivista.

    Em segundo lugar, consideramos que os pressupostos tericos, a partir dos quais essa crtica fundada e articulada por SIt.,VA, so de uma fragilidade preocupante.

    Primeiro, porque a crtica feita de um ponto de vista exclusivamente extrnseco teoria. (As poucas vezes em que a crtica feita

    Fernando Becker

    a partir de dentro, infeliz, como veremos adiante). Isto : SILVA, usando a Sociologia como trincheira, investe contra a Psicologia e a Epistemologia procurando, por caminhos pouco claros, desautoriz-Ias. Exploremos um pouco as afirmaOes e os argumentos apresentados. Sigamos as seguintes afirmaOes que pretendem configurar um argumento: .... a predominncia do construtivismo constitui uma regresso conservadora (p.4), porque ele "representa a volta do predomnio da Psicologia na Educao e na Pedagogia (p.4); porque foi a psicologia "que forneceu queles que planejaram e desenvolveram os sistemas escolares de massa deste sculo o instrumento de justificao cientfica e de gerenciamento do comportamento humano exigido por seus propsitos de regulao e controle; porque a psicologia "se insere no objetivo de conhecer para melhor controlar, para produzir subjetividades e identidades; porque "a psicologia educacional representa um esforo de despolitizao da educao. Preparado o assalto com to contundente e pretenso argumento, SILVA dispara: "o construtivismo representa a volta triunfal do predomnio da Psicologia no pensamento e na prtica educacional, por isso "o movimento construtivista tem, paradoxalmente, implicaes ainda mais regressivas que as tendncias psicolgicas anteriores .

    Impe-se a seguinte pergunta: Se 0 construtivismo representa a volta triunfal do predomnio da Psicologia no pensamento e na prtica educacional, isto no estaria denunciando o fracasso da Sociologia em apontar caminhos para a teoria e a prtica educacionais? Por que esse predomnio da Psicologia significa tendncia regressiva, ou implicaes ainda mais regressivas que as tendncias psicolgicas anteriores? Se fosse predomnio da Sociologia, como ocorreu em toda a dcada de 80, no significaria - ou no significou - regresso? O que me parece que a Sociologia se perdeu em paradigmas demasiadamente frgeis para dar conta do seu objeto e tenta, pelo menos no texto de SILVA, compensar esse refluxo por um

    EDUCAO E REALIDADE. Porto Alegre, 19(1) 3-6. jan./jun. 1994 3

  • "jogo de brao" em vez de rever seu quadro terico. Somos os primeiros a desejar que a Sociologia fortalea S8U quadro conceitual e ande pari paaau com as demais cincias que contribuem com a produo de teorias educacionais.

    Segl!ndo, SILVA no diz a qual psicologia ele se refere. O construtivismo com o qual trabalhamos constitudo pela Epistemologia Gentica piagetiana que tributria da Psicologia Gentica, tambm piagetiana. Mas, que conhecimento tem o autor destes sistemas psicolgico e epistemolgico? O texto no revela uma frase sequer a respeito; nenhuma explicitao, sequer como pressuposto. Temos que lembr ao autor que no existe a Psicologia, mas existem psicologias, to diferentes entre si como a Sociologia da Filosofia e esta o da Qumica ou da Astrofsica. Procurando um pouco mais a to terrvel Psicologia que o autor execra, encontramos esta "antolgica" definio: "A Psicologia pesquisa o indivduo" (p.6). A rigor, no podemos afirmar isso, nem do behaviorismo mais primitivo, visto que, at este, ao "pesquisar o indivduo", procura saber como se comportam todos os organismos. Utilizemos a mesma frase do autor para definir o objeto da Psicologia Gentica. O mnimo que podemos dizer que: "A Psicologia Gentica investiga o sujeito epistmico: sua gnese e seu desenvolvimento". A diferena entre as duas definies abissal...

    Terceiro, o que nos preocupa sobremaneira a postura metodolgica do autor, esta sim uma verdadeira "regresso conservadora", que leva sua sociologia a investir-se de juza de outras cincias. Em Sabedoria e Iluses da Filosofia, diz Piaget (1965):

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    .... em nome de quais critrios e com que direito o filsofo InteNiria no trabalho do experimenta/ista para indicar-lhe se ele ultrapassa ou no a experincia (e se ele se d esse direito em relao s6 ao psiclogo ou tambm ao bilogo e ao fisico). ( ... ) Ora, se as convergncias entre minhas interpretaes e a dia/ca so claras, como o sublinharam L. Goldmann, M. Rubel, C. Nowinskl e outros, insisto em precisar que se trata de convergncia e no de Influncia... e assim melhor para as duas partes: ... ou bem a dia/tica uma metafisica como outra, que pretende dirigir as cincias e Isso s pode ser nocivo s cincias e a ela prpria, ou bem ela deve sua fora ao fato de convergir com toda espcie de correntes espontneas prprlll/$ s cincias e s resta pois trabalhar com toda autonomia" (p.191-3).

    Na medida em que a filosofia despoja-se dessa investidura (de juza das cincias), exercida durante sculos, a sociologia, com instrumentos conceituais e metodolgicos muito mais precrios, recebe de SILVA essa incumbncia; e, ainda mais grave, sem conhecer os estatutos te6rico-metodolgicos das cincias que pretende julgar. E, assim, todas as psicologias so reduzidas Psicologia e, como tal, so condenadas, no pelos seus possveis desmandos, mas, simplesmente, porque elas existem: no se pode aceitar as razes da Psicologia pois ela nem sequer deveria existir; sua existncia , essencialmente, uma perverso. O mesmo deve acontecer com a Epistemologia - para justificar esta transposio indevida, da psicologia epistemologia, o autor vale-se de um truque a nivel de senso comum: "isto no faz diferena, trata-se sempre de epistemologias no sentido psicolgico". (Perguntamos ao autor: O que uma "epistemologia psicolgica" (p.9)?). Essa "regresso conservadora" da sociologia de SILVA mostra que este autor no entendeu, ainda, que o futuro das cincias da educao acontecer ao nvel de relaes cada vez mais interdisciplinares, relaes em que acorrem, com o mesmo status, todas as disciplinas que tm alguma coisa a dizer a respeito: sociologia, psicologia, antropologia, epistemologia, filosofia, pedagogia, etc. Aqui, hegemonias temporrias podem, at, ser benficas; hegemonias duradouras ou decididas no "jogo de brao - como SILVA pretende para a Sociologia - certamente sero nocivas. Repito: regresso conservadora" pretender que a Sociologia tenha um olhar privilegiado para julgar as outras cincias e venha a constituir-se, para tal, em tribunal de razo. Afinal de contas, a Epistemologia Gentica tem um objeto prprio de investigao: no sua funo explicar como se comporta a totalidade social, mas explicar como a totalidade social age sobre o indivduo e como ela exerce sua determinao utilizando-se das construes desse indivduo que passam a funcionar como condies a prlorl de toda socializao.

    Quarto, para SILVA, "o conhecimento tem uma existncia social, supra-individual", conforme a Sociologia positivista de Durkheim j tinha afirmado anteriormente. Ser que ele conhece a lcida crtica de Piaget a E. Durkheim em As operaes lgicas e a vida social"? (In: PIAGET, Estudos Sociolgicos, Forense, 1965. p. 164-96). Diz Piaget: "Podemos conceber ... que o todo, sem ser equivalente soma dos indivduos, seja, entretanto, idntico soma das relaes entre os indivduos, o que no a mesma coisa" (p.167). Para a Epistemologia

  • Gentica, a afirmao de que o conhecimento tem uma existncia supra-individual s verdade no ponto de chegada da psicognese (operaes formais) e no no seu ponto de partida, pois para que o conhecimento seja "social, supra-individual", o sujeito precisa, durante longos anos, construir as condies prvias de todo conhecimento que so, ao mesmo tempo, as condies prvias de toda socializao: as estruturas. A criana no nasce com eias; ela as constri na interao com o meio fsico e social. Perguntamos: onde est o sistema nervoso desse sistema social, no qual, pretensamente, o conhecimento, ou melhor, as condies prvias de todo conhecimento, est sediado? Onde esse sistema nervoso se articula com o social? Nas instituies? Mas, uma instituio no existe sem o indivduo (e seu corpo, especificamente seu sistema nervoso)! O conhecimento universal e particular, ao mesmo tempo. Tanto o conhecimento universal quanto o particular existem no Individuo. ali o lugar em que o conhecimento est vivo, atuante. Continua Piaget: "o fato primitivo no ... nem o indivduo nem o conjunto dos indivduos, mas a relao entre os indivduos, e uma relao modificando ininterruptamente as conscincias individuais elas mesmas, como quer Durkheim" (p.167).

    Como seria bom falarmos, aqui, de "abstrao reflexionante" (Piaget, 1977), para entendermos como se articulam sujeito psicolgico e sujeito epistmico, dicotomia que a Sociologia no consegue resolver. E o texto, que pretende ser crtico, em vez de enfrent-Ia, opta pela sada ingnua, desinformada e, por isso, preconceituosa: "a epistemologia envolve o conhecimento - sobre o homem - construdo histrica e socialmente e no apenas o conhecimento dentro do homem, como no construtivismo". Que construtivismo afirma que o conhecimento se d apenas dentro do homem? Se algum "construtivismo" afirma isso, nesse momento deixou de ser construtivista. No h conhecimento fora do homem, sem conhecimento dentro do homem. Ou, melhorando a terminologia, o conhecimento produz-se por trocas, realizadas pelo sujeito, entre o end6geno e o ex6geno, sendo que a condio de todo conhecimento realiza-se a nvel endgeno: sem as construOes nesse nvel - esquemas/estruturas -no h conhecimento possvel. Isto , sem as

    construes, a nvel endgeno, todo o poder das instituies no vale absolutall'lente nada em termos de conhecimento. Toda a linguagem humana, toda a trama de poder das instituies, toda a interao social imaginvel no fazem do macaco um falante ou de um idiota um gnio. A

    condio 8 prlorl de toda determinao do social sobre o individual constituda por essas construes endgenas.

    Quinto, para SILVA, no 'existe a dialtica indivduo/sociedade, parte/todo. Ele d a entender que as mudanas ocorridas nos indivduos no tm significado. O indivduo uma fico; a sociedade que real. Essas mudanas s valem quando provierem do todo. E as mudanas do todo vm de onde? Do decreto de um ditador? De Deus? Ele no acredita em mudanas individuais, .. produzidas na micro-relao (micro-gnese). Como possvel vislumbrar mudanas - para melhor, per supuesto - na totalidade, sem mudanas na individualidade (e vice-versa)? E como melhorar o indivduo sem conhec-lo? A investigao da dimenso individuai da realidade humana fundamental: to importante quanto a investigao da totalidade. E, mais importante ainda, a investigao da relao indivduo/sociedade.

    Mas, continuemos com as perguntas: Como chegar a uma sociedade democrtica, sem (indivduos) democratas? Entrando na sala de aula: como melhorar a sala de aula sem professores (indivduos) que assumem os desafios, s vezes perigosos, da mudana - inicialmente, de forma individual e, progressivamente, de forma coletiva? Precisamente, quando a totalidade se desmantela (como ocorre com o sistema estadual de ensino, hoje, no Rio Grande do Sul), muitos professores - indivduos! - passam para a resistncia, propondo e realizando, contra a totalidade, mudanas na direo da pedagogia crtica. Estes indivduos ns os conhecemos: ns os chamamos pelos seus nomes e os admiramos profundamente. Descaracterizar o indivduo como plo complementar da totalidade social , por um lado, cair no idealismo capaz de todos os desmandos autoritrios e, por outro, cair no empirismo (matriz epistemolgica do positivismo), no momento de explicar a gnese e o desenvolvimento do conhecimento a nvel ontogentico: isso na medida em que se afirma que a totalidade social determina unilateralmente o indivduo, ou que a ontognese determinada unilateralmente pela filognese.

    Sexto, a "desconstruo" de SILVA sacrifica a dialtica e alinha-se claramente tese positivista (ou neo-positivista) da determinao unilateral do indivduo pela totalidade social. Como j lembramos, a matriz epistemolgica dessa postura filosfica dada pelo empirismo, segundo o qual o objeto determina unilateralmente o sujeito. Na medida em que SILVA, por preconceito ou por outro motivo inconfesso,

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  • deixa de buscar a colaborao de uma psicologia crtica, passa, inevitavelmente, a operar sobre uma psicologia ingnua; na medida em que atropela, por motivos desconhecidos, uma epistemologia crtica, inevitavelmente, enfraquecer seu arcabouo conceitual pelo recurso a epistemologias ingnuas (aprioristas ou empiristas).

    O que acontece com o professor ou com o educador, diante de uma tal produo intelectual? O professor que l o texto de SILVA deve sentir-se como o leitor de Althusser: de mos amarradas, por uma corda prestes a romper-se, suspenso sobre um abismo: se mexer-se, estar perdido! De tanto ouvir que est envolvido numa. relao de controle e poder", ou inserido numa teia de poder e controle ou envolvido num processo de vigilncia e controle do homem, por foras ocultas, frente s quais ele no passa de um rato sob a pata de um elefante - ou um rato na gaiola de Skinner - cai no desespero perante esse inferno de relaes sociais frente s quais s resta confessar a sua impotncia. A inanio ou a atitude kamikasi o seu destino. Ser que a sociologia da educao de SILVA no tem nenhuma contribuio a dar, alm de bancar o bicho-papo dos educadores?

    Stimo, uma contradio aparece no pargrafo final do texto de SILVA. Ele reconhece que educadores mais politicamente orientados", no formularam, at hoje, um projeto educacional de esquerda... progressista... que ainda est para ser construdo". Que orientao poltica essa que, decorridos vinte anos de teorizao crtica em educao, ainda no formulou um projeto poltico? Quem so esses luminares que sabem 0 que deve ser ensinado (e) porque deve ser ensinado", que compreendem as complexas relaes entre currculo e cultura" mas que, at hoje, no foram capazes de formular um tal projeto? Esto esperando o qu? Que postura poltica essa que no consegue formular um projeto que responda s infinitas questOes que a prtica escolar cotidiana pe aos profissionais da educao? Podemos, sinceramente, acreditar que uma teoria poltica boa se ela no consegue responder aos problemas prticos aos quais ela se refere?

    Alis, os autores citados no texto que ora criticamos, em geral, transbordam as elabora

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    Oes de SILVA, como acontece na ltima coluna do texto: Popkewitz, a citado, diz que uma teoria da aprendizagem uma questo que exige consideraes ticas, filosficas e polticas" .. e, afirmamos, nenhum projeto educacional pode eximir-se de responder, competentemente, a esta questo. Logo, abaixo, entretanto, o autor afirma que essa funo deve ser assumida pela economia poltica da educao. Mais uma vez pe-se na contramo da histria: em vez de buscar o caminho da interdisciplinaridade, busca impor a hegemonia de uma disciplina.

    Finalmente, o objetivo precpuo de uma sala de aula deve ser, a nosso ver, o desafio estrutura conceitual do educando para que ele a reestruture ou crie nova estrutura, mais ampla e mais capaz que a anterior, subsumindo esta. Como se faz este desafio? Trazendo, por um lado, a realidade social, poltica, econmica e cultural para a anlise do educando e, por outro, fazendo chegar a ele o conhecimento sistematizado (acervo cultural da humanidade"). Atravs de pesquisas de interveno, por um lado, e de prtica de sala de aula, por outro, o construtivismo tem registrado inequvocos avanos na prtica escolar que nenhum socilogo, psiclogo, filsofo, etc. pode negar.

    De posse da Epistemologia Gentica piagetiana, muitos educadores continuam trabalhando na direo das certezas incertas - certezas sempre em construo! - que o construtivismo lhes d e lamentam, profundamente, que os educadores mais politicamente orientados" ainda no tenham formulado um projeto poltico para a educao que tanto poderia beneficilos, na teoria e na prtica.

    Construindo o Construtlvlsmo (chamado da capa) a proposta de reflexo crtica que este fascculo de Educao e Realidade traz aos leitores, com uma exuberante variedade de textos que mostram, por eles mesmos, o quanto vazia de significado a pretenso de desconstruir o construtivismo.

    Noto, finalmente, que este texto contou com a leitura crtica de vrios colegas e alunos de ps-graduao que, com suas sugestes, melhoraram consideravelmente a verso original.

    Porto Alegre, 28.07.93