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Fundamentos Filosóficos para o Serviço Social Sônia Maria de Almeida Figueira Adaptada/Revisada por Sônia Maria de A. Figueira

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Page 1: Bases Filosoficas Do Serviço Social

Fundamentos Filosóficos para o Serviço Social

Sônia Maria de Almeida Figueira

Adaptada/Revisada por Sônia Maria de A. Figueira

Page 2: Bases Filosoficas Do Serviço Social

APRESENTAÇÃO

É com satisfação que a Unisa Digital oferece a você, aluno(a), esta apostila de Fundamentos Filosófi-cos para o Serviço Social, parte integrante de um conjunto de materiais de pesquisa voltado ao aprendiza-do dinâmico e autônomo que a educação a distância exige. O principal objetivo desta apostila é propiciar aos(às) alunos(as) uma apresentação do conteúdo básico da disciplina.

A Unisa Digital oferece outras formas de solidificar seu aprendizado, por meio de recursos multidis-ciplinares, como chats, fóruns, aulas web, material de apoio e e-mail.

Para enriquecer o seu aprendizado, você ainda pode contar com a Biblioteca Virtual: www.unisa.br, a Biblioteca Central da Unisa, juntamente às bibliotecas setoriais, que fornecem acervo digital e impresso, bem como acesso a redes de informação e documentação.

Nesse contexto, os recursos disponíveis e necessários para apoiá-lo(a) no seu estudo são o suple-mento que a Unisa Digital oferece, tornando seu aprendizado eficiente e prazeroso, concorrendo para uma formação completa, na qual o conteúdo aprendido influencia sua vida profissional e pessoal.

A Unisa Digital é assim para você: Universidade a qualquer hora e em qualquer lugar!

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Page 3: Bases Filosoficas Do Serviço Social

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................... 5

1 O NEOTOMISMO .................................................................................................................................... 71.1 O que é o Neotomismo .................................................................................................................................................81.2 O que é o Tomismo .........................................................................................................................................................81.3 A Retomada das Ideias de Tomás de Aquino .....................................................................................................101.4 O Neotomismo e o Serviço Social ..........................................................................................................................131.5 Resumo do Capítulo ....................................................................................................................................................141.6 Atividades Propostas ...................................................................................................................................................14

2 O POSITIVISMO ..................................................................................................................................... 152.1 O que é o Positivismo..................................................................................................................................................152.2 Principais Características do Positivismo .............................................................................................................162.3 O Positivismo no Brasil ...............................................................................................................................................182.4 O Positivismo e o Serviço Social ............................................................................................................................192.5 Resumo do Capítulo ....................................................................................................................................................202.6 Atividades Propostas ...................................................................................................................................................20

3 O MATERIALISMO HISTÓRICO DIALÉTICO ........................................................................ 213.1 O que é o Materialismo Histórico Dialético ........................................................................................................223.2 O Desenvolvimento do Pensamento Marxista..................................................................................................273.3 As Leis Básicas da Dialética .......................................................................................................................................283.4 O Materialismo Histórico Dialético e o Serviço Social ....................................................................................293.5 Resumo do Capítulo ....................................................................................................................................................303.6 Atividades Propostas ...................................................................................................................................................30

4 A FENOMENOLOGIA ......................................................................................................................... 314.1 O que é a Fenomenologia .........................................................................................................................................314.2 Principais Ideias da Fenomenologia ......................................................................................................................334.3 A Fenomenologia e o Serviço Social .....................................................................................................................354.4 Resumo do Capítulo ....................................................................................................................................................364.5 Atividades Propostas ...................................................................................................................................................36

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................... 37

RESPOSTAS COMENTADAS DAS ATIVIDADES PROPOSTAS ..................................... 39

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................. 41

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INTRODUÇÃO

Esta disciplina visa ao estudo das correntes filosóficas que fundamentam as bases históricas e teó-ricas da profissão em seu processo de desenvolvimento no Brasil, buscando apreender o Serviço Social enquanto processo histórico, resultado das determinações criadas pelas relações sociais e pelos projetos de sociedade.

Tem como objetivo, ainda:

�� possibilitar o conhecimento dos valores expressos na profissão, na sua emergência e trajetória histórica;

�� contribuir para que se identifique e utilize os pressupostos filosóficos que fundamentam a aná-lise das teorias sociais;

�� apresentar as principais correntes filosóficas e suas influências no Serviço Social.

Não podemos afirmar que existe uma filosofia do Serviço Social, porém esta profissão foi fortemen-te influenciada por algumas correntes filosóficas que embasaram e embasam sua teoria e sua prática nos diferentes momentos históricos.

Neste texto, vamos falar de algumas dessas correntes: o neotomismo, o positivismo, a fenomeno-logia e o materialismo histórico dialético, que estão presentes nos diferentes momentos da história do Serviço Social e suas influências na formação e na prática dos Assistentes Sociais.

O positivismo, a fenomenologia e o marxismo são as principais correntes teóricas do pensamento contemporâneo, que, juntamente ao neotomismo, servem como nosso guia, pois nos baseamos nos conceitos das mesmas em nossas intervenções e em nossas pesquisas.

Pretendemos apresentar os conceitos fundamentais destas correntes do pensamento, analisando primeiramente o neotomismo, sua origem nas ideias de Santo Tomás de Aquino e de que modo marcou o Serviço Social. Em seguida, apresentaremos o positivismo, sua concepção e a influência que exerceu no pensamento do Serviço Social, bem como as marcas que ainda hoje persistem da linha positivista em nossa profissão.

O marxismo é mais uma corrente a ser analisada, quando pretendemos destacar suas principais ca-racterísticas e como esta linha de pensamento marxista acompanha o Serviço Social, desde o Movimento de Reconceituação até os dias atuais. A teoria marxista está comprometida com um projeto de transfor-mação da realidade social muito próximo do que propõe o projeto ético político dos assistentes sociais.

Abordaremos, ainda, a fenomenologia, procurando destacar seus aspectos importantes, contex-tualizando seu surgimento e influências que teve e ainda tem, até a atualidade, na prática dos assistentes sociais.

Este texto tem, portanto, a intenção de demonstrar como essas correntes se constituem, desta-cando os traços fundamentais que as distinguem e como influenciam o Serviço Social ao longo de sua história.

Sônia Maria de Almeida Figueira

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O NEOTOMISMO1

A presença do neotomismo no Serviço So-cial marca profundamente a profissão desde a fundação da primeira escola de Serviço Social no Brasil. O Serviço Social, ao surgir atrelado ao pro-jeto da reforma social da Igreja, a serviço de sua ideologia, carrega, além de sua prática, o seu pon-to de vista teórico. Toda a visão de homem e de sociedade adotada na profissão se dará a partir da visão católica, tendo como sustentação filosó-fica o neotomismo.

A formação cristã do profissional em Serviço Social foi objeto de estudo de alguns encontros de Assistentes Sociais. Segundo Aguiar (1982), até 1967, quando é realizado o Seminário de Araxá, houve 14 convenções da Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social (ABESS), atual Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS)1, onde o pano de fundo era a doutrina católica. Os encontros da ABESS comumente ini-ciavam-se com a celebração de uma missa e, por vezes, eram precedidos de um dia de recolhimen-to, aos moldes dos retiros espirituais promovidos pela Igreja a seus fiéis, tal era estreita a relação da profissão com a prática cristã católica.

Na IV Convenção da ABESS, que ocorreu em São Paulo em 1954, o tema foi “A formação cristã para o Serviço Social e a Metodologia de Ensino de Serviço Social de Grupo e Organização de Co-munidade”. Em 1959, em convenção realizada em Porto Alegre para discussão do currículo dos cur-sos de Serviço Social, foram reafirmadas como im-portantes para a formação integral do Assistente Social as disciplinas de Religião e Doutrina Social da Igreja. No discurso de encerramento deste evento foi salientada a missão dos Assistentes Sociais do seguinte modo: “o cristianismo huma-nizante para a conquista da paz. E a exemplo de Maria, os assistentes sociais têm a tarefa de Anun-ciar a Redenção.” (AGUIAR, 1982, p. 38). Em 1960, um novo encontro realizado em Fortaleza teve como tema “Formação da Personalidade do Assis-tente Social em todos os Aspectos” e os aspectos analisados foram: a formação psicológica, moral e

AtençãoAtenção

Toda a visão de homem e de sociedade adotada na profissão se dará a partir da visão católica, ten-do como sustentação filosófica o neotomismo.

1 A ABEPSS foi fundada em 10 de outubro de 1946, sob a denominação Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social. Em dezembro de 1998, o estatuto sofreu reformulações, passando a designar-se ABEPSS. É uma entidade civil de natureza científica, de âmbito nacional, sem fins lucrativos, constituída pelas Unidades de Ensino de Serviço Social, por sócios institucionais, colaboradores e por sócios individuais.

Saiba maisSaiba mais

O Seminário de Araxá ocorreu em 1967 em Araxá (MG). Foi o primeiro Seminário de Teorização do Serviço So-cial e se constituiu em evento histórico no processo de “teorização” e “reconceituação” do Serviço Social brasileiro, propondo ações profissionais mais vincula-das à realidade social e política do país. Foi organizado pelo Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviços Sociais e reuniu 38 assistentes sociais de vários estados brasileiros, produzindo o “Documento de Araxá”.

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espiritual. No que se refere ao aspecto espiritual, enfatizou-se que o Assistente Social deve buscar a perfeição e que esta busca da perfeição seja ilu-minada pelo espírito comunitário e pela doutrina do Corpo Místico de Cristo.

Fica evidente, portanto, a importância dos ideais cristãos na formação dos primeiros Assis-tentes Sociais e a forte presença da postura hu-manista com base na doutrina social da Igreja e no neotomismo. Os princípios de dignidade da pessoa humana, do bem comum, explicitados

por Santo Tomás de Aquino, predominaram no Serviço Social brasileiro até a década de 1960, e podemos afirmar que ela continua presente ain-da hoje, através da ação de vários profissionais.

AtençãoAtenção

Os princípios de dignidade da pessoa humana, do bem comum, explicitados por Santo Tomás de Aquino predominaram no Serviço Social bra-sileiro até a década de 1960.

O neotomismo é uma corrente filosófica surgida no século XIX com o objetivo de reviver a filosofia de Santo Tomás de Aquino, do século XIII, o tomismo, a fim de atender aos problemas contemporâneos.

A condição de exploração e miséria em que vivem os operários na Europa do final do século

1.1 O que é o Neotomismo

XIX, decorrentes da industrialização e do desen-volvimento do capitalismo, leva a Igreja a se po-sicionar, pois este momento era visto por esta como de crise e decadência da moral e dos costu-mes cristãos. A Igreja vê, então, no ressurgimento das ideias de Tomás de Aquino o caminho para o enfrentamento desta realidade.

Se o neotomismo, que é a corrente que in-fluencia o Serviço Social, é uma retomada do to-mismo, então é preciso entender o que é o tomis-mo.

O Tomismo é a doutrina filosófica cristã elaborada pelo domini-cano Tomás de Aquino, estudioso do filósofo gre-go Aristóteles. Tomás de Aquino dedicou-se ao es-clarecimento das relações entre a verdade revelada e a filosofia, isto é, entre a fé e a razão. Segundo sua interpretação, tais con-ceitos não se chocam nem se confundem, mas são distintos e harmônicos.

Segundo Aguiar (1982), Santo Tomás parte da reflexão feita por Aristóteles e a reinterpreta à

1.2 O que é o Tomismo

luz do cenário filosófico de sua época, marcado por questões como: as relações entre Deus e o mundo, fé e ciência, teologia e filosofia, conheci-mento e realidade.

Para Santo Tomás, a primeira realidade a ser explicada deve ser Deus, que é a fonte de todos os seres. Após analisar a exis-tência de Deus, analisa o homem, a pessoa hu-mana, entendendo que a pessoa humana é com-posta de duas substâncias

incompletas: alma e corpo. É da transformação destas duas substâncias em uma substância úni-ca que resulta o ser humano, distinto de qualquer outro ser. Este ser dotado de razão é capaz de es-colha, de saber, de vontade. Por ser inteligente,

AtençãoAtenção

Tomás de Aquino dedicou-se ao esclarecimento das relações entre a verdade revelada e a filosofia, isto é, entre a fé e a razão.

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Fundamentos Filosóficos para o Serviço Social

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afirma Santo Tomás, “a pessoa significa o que há de mais perfeito em todo o universo.” (AGUIAR, 1982, p. 42).

Esta perfeição se apresenta no aspecto físi-co e espiritual. Para Santo Tomás, o corpo huma-no é o mais perfeito, o mais funcional e o mais complexo e a pessoa humana tem também uma perfeição espiritual que se manifesta através da racionalidade. Esta racionalidade produz o prin-cípio da consciência em si e da liberdade, que o distingue dos outros seres. Portanto, a liberdade e a capacidade de escolha é também manifesta-ção da inteligência do homem. Mas o homem é também dotado de vontade, o que lhe permite a escolha dos caminhos a percorrer na busca da virtude, do bem e no alcance do fim último, que é Deus.

O homem é, também, um ser social em decorrência da própria natureza humana. Como Aristóteles, Santo Tomás afirma que “o homem é naturalmente um animal social” e para desenvol-ver-se necessita viver em sociedade. Para Santo Tomás a sociedade é “a união dos homens com o propósito de efetuar algo comum” (COOK apud AGUIAR, 1982, p. 43).

Por ser um ser social, o homem é também um “animal político”. Sendo o homem um animal social, a sociabilidade natural já existia no Paraí-so, antes da queda e da expulsão dos seres hu-manos. Após o pecado original, os seres humanos não perderam sua natureza sociável e, por isso, naturalmente organizaram-se em comunidades, deram-se leis e instituíram as relações de man-do e obediência, criando o poder político. Para que haja o bem comum, é necessário o Estado e este supõe autoridade. Segundo Sciacca (apud AGUIAR 1982, p. 43), “toda forma de autoridade deriva de Deus, respeitá-la é respeitar a Deus;

toda forma de governo, desde que garanta os di-reitos da pessoa e o bem-estar da comunidade é boa” e o Estado deve respeitar a Igreja, assim não existe conflito entre fé e razão.

Esta visão com relação à autoridade e ao Estado, reafirmada posteriormente no neotomis-mo, explica a posição inicial do Serviço Social bra-sileiro de não questionamento da ordem vigente, buscando sempre reformar a sociedade.

Quem foi Tomás de Aquino

Figura 1 – São Tomás de Aquino.

AtençãoAtenção

Santo Tomás, assim como Aristóteles já o fizera, afirma que “o homem é naturalmente um animal social” e para desenvolver-se necessita viver em sociedade.

AtençãoAtenção

“Toda forma de autoridade deriva de Deus, respeitá-la é respeitar a Deus.” (SCIACCA apud AGUIAR, 1982, p. 43).

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Nasceu em 1225, no castelo de Roccasec-ca, na Campânia, da família feudal dos condes de Aquino. Era unido pelos laços de sangue à família imperial e às famílias reais da França, da Sicília e de Aragão. Recebeu a primeira educação no gran-de mosteiro de Montecassino, passando a moci-dade em Nápoles. Depois de ter estudado artes liberais, entrou na ordem dominicana, renuncian-do a tudo, menos à ciência.

Dedicou-se ao estudo da teologia, tendo como mestre Alberto Magno, primeiro na univer-sidade de Paris (1245-1248) e depois em Colônia. Em 1252, voltou à Universidade de Paris, onde en-sinou até 1269. Em 1272, voltou a Nápoles, onde lecionou teologia. Dois anos depois, em 1274, viajando para tomar parte no Concílio de Lião2, por ordem de Gregório X, faleceu no mosteiro de Fossanova, entre Nápoles e Roma, com apenas 49 anos de idade.

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Tomás de Aquino viveu de 1225 a 1274 e teve uma vida dedicada aos estudos, inicialmente sob a orien-tação de monges beneditinos e, posteriormente, em Paris sob a orientação de Alberto Magno.Era um estudioso metódico, que se empenhou em or-denar o saber teológico e moral acumulado na Idade Média, produzindo uma extensa obra com mais de sessenta títulos.

Saiba maisSaiba mais

Santo Alberto Magno, frade dominicano, foi bispo de Regensburg, na Alemanha e tornou-se famoso por seu vasto conhecimento e por sua defesa da coexis-tência pacífica da ciência e da religião. É considerado o maior filósofo e teólogo alemão da Idade Média e foi o primeiro intelectual medieval a aplicar a filosofia de Aristóteles no pensamento cristão.

2 O segundo Concílio de Lião, décimo-quarto concílio ecumênico do cristianismo, ocorreu na cidade francesa de Lyon em 1274.

A filosofia tomista marca a história da filoso-fia e do homem até o século XVIII e começa a ser retomada no final do século XIX e início do século XX.

Através da encíclica Aeterni Patris, o papa Leão XIII propõe a restauração da filosofia tomista

1.3 A Retomada das Ideias de Tomás de Aquino

com a clara intenção de “unir os pensadores cató-licos para a conquista do pensamento moderno tal é, ao que parece, o propósito da Igreja ressus-citando o tomismo.” (THONNARD apud AGUIAR, 1982, p. 40).

Aeterni Patris é uma Encíclica do Papa Leão XIII, de 1879, que se tornou um dos prin-cipais responsáveis pelo renascimento da filosofia de Tomás de Aquino. A Epístola leonina teve por objetivo reagir ao espírito laico provindo, sobretudo, do racionalismo iluminista e do materialismo positivista. Tais sistemas pareciam adentrar nas ca-madas católicas. Esta Encíclica gerou uma nova geração de pensadores católicos e conseguiu, uma vez mais, levar a filosofia escolástica para as cátedras universitárias.

CuriosidadeCuriosidade

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Para o neotomismo, toda a filosofia moder-na a partir de Descartes se constituiria em erros e equívocos, responsáveis pela crise do mundo moderno. Entendida como um desvio metafísi-co e espiritual, essa crise só poderia ser superada com um retorno ao tomismo.

Segundo Aguiar (1982), o retorno desta fi-losofia não servirá apenas para a formação dos padres, mas se estenderá também aos leigos, for-

mando também magistrados, homens políticos, diretores de obras sociais etc.

No campo social, a presença da filosofia de Santo Tomás de Aquino se fará fortemente pre-sente e marcará profundamente o Serviço Social.

O site do Conselho Regional de Serviço So-cial de São Paulo (CRESS-SP) por ocasião da co-memoração do dia do Assistente Social, em 2009, publica: “O mês de maio traz data muito especial para os Assistentes Sociais: o dia 15, quando se comemora o seu dia e marca a profissão desde o seu nascimento.”

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O filósofo francês René Descartes foi um dos funda-dores do movimento racionalista, que introduziu a dúvida como elemento primordial para a investigação filosófica e científica. A partir dele as ciências físicas e naturais liberaram-se da escolástica e da religião. É considerado o pai da filosofia moderna.

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A própria data definida para comemorar o dia dos As-sistentes Sociais é a data de aniversário da publicação de uma importante encíclica papal, a Rerum Novarum.

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Em 15 de maio de 1891, o Papa Leão XIII publicava a Encíclica Rerum Novarum (Das coisas novas), apresentando ao mundo católico os fundamentos e as diretrizes da Doutrina Social da Igreja. Era a primei-ra Encíclica Social já escrita por um papa e marcava o posicionamento da Igreja frente aos graves problemas sociais que dominavam as sociedades europeias. Para os assistentes sociais europeus, a Encíclica publicada naquele dia 15 de maio trazia um conteúdo muito especial.

Atônitos frente à complexidade dos proble-mas existentes e teoricamente fragilizados em consequência de sua formação ainda bastante precária, aqueles profissionais assumiam o do-cumento e os ensinamentos ali contidos como base fundamental de seu trabalho. Desse modo se aproximavam cada vez mais da Igreja Católica europeia que, por sua vez, assumia progressiva-

mente a sua liderança sobre o enfoque das práti-cas sociais daqueles profissionais.

No Brasil, o Serviço Social foi criado em 1936, a partir das iniciativas dos grandes líderes da Igreja Católica no país, inspirados na Doutrina Social da Igreja, então enriquecida por uma nova Encíclica Social: a Quadragésimo Anno.

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Desse modo – gestada no seio da prática da “Ação Social Católica”, ou simplesmente “Ação Católica” –, no Brasil a profissão cresceu sob a lide-rança da Igreja e, até o início dos anos 1960, rece-beu a influência direta e decisiva da sua “Doutrina Social”.

Seguidores das ideias de Santo Tomás de Aqui-no

Alguns representantes do pensamento to-mista influenciaram, especialmente, a formação dos Assistentes Sociais brasileiros, dentre eles destacamos os nomes a seguir.

Leonardo Van Acker

Discípulo de Santo Tomás de Aquino, nas-cido na Bélgica em 1896, doutor em Filosofia e Letras pela Universidade de Lovaine. Veio para o Brasil em 1921 e foi lecionar na Faculdade de Fi-losofia de São Bento. Segundo Aguiar (1982), esta faculdade é um foco de irradiação do tomismo em São Paulo e no Brasil, formando grandes no-mes da filosofia e da cultura brasileira, inclusive alguns assistentes sociais que fizeram filosofia antes do curso de Serviço Social, como é o caso de Helena Junqueira. Van Acker foi também pro-fessor de Princípios da Doutrina Social na Escola de Serviço Social de São Paulo, evidenciando sua forte influência no Serviço Social brasileiro.

Pe. Roberto Sabóia de Medeiros

Pe. Sabóia, jesuíta, era conhecido como o apóstolo da Ação Social, desenvolveu um traba-lho intenso junto aos patrões e aos operários em meados do século XX. Desenvolveu estudos na área social, sempre seguindo a doutrina social da Igreja, buscando a harmonia entre as classes so-ciais.

O Serviço Social recebeu também o impul-so de Pe. Sabóia através da Ação Social e do As-sistente Social, como um elemento importante, como pode ser observado em um relato que faz a seu provincial, em 1941, apresentado por Aguiar (1982, p. 48):

[...] ocupa-se no momento com uma intensa campanha entre os industriais paulistas para que cada um tome para as fábricas um assistente social. A medida é de alcance, porque os conflitos de traba-lho que se amiúdam e que às vezes são propositadamente provocados, subindo às Juntas de Conciliação e Julgamento, têm recebido, na maior parte das vezes, soluções indesejáveis. O suborno vai de mãos dadas com a petulância. Aceitan-do tiradas ocas sobre a miséria de clas-ses proletárias, vai-se espalhando entre os operários e a persuasão de que sem-pre tem direito contra os patrões, e se vai solapando o princípio da autoridade. Quando não, o dinheiro do patrão há de intervir para ter ganho de causa [...] Se há remédio parece este consistir em que o assistente social, penetrando na fábrica, eduque o operário, apazigúe os ânimos, seja intermediário dos conflitos, e os en-caminhe a um Círculo Operário, onde ele possa achar o equilíbrio entre as suas exi-gências e as possibilidades sociais.

Saiba maisSaiba mais

A Quadragésimo Anno foi redigi-da pelo Papa Pio XI, publicada no dia 15 de maio de 1931, em co-memoração aos quarenta anos da Rerum Novarum.

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Jacques Maritain

Figura 2 – Jacques Maritain.

Jacques Maritain foi um grande filósofo cris-tão que retomou, com muita propriedade, no sé-culo XX, as ideias de Santo Tomás de Aquino. Um dos grandes discípulos deste filósofo no Brasil foi Alceu de Amoroso Lima, que afirmou, em artigo publicado em 1972, que os escritos de Maritain possibilitaram um reencontro entre a intelectua-lidade e a Igreja, visto que no final do século pas-

sado havia uma separação entre intelectuais e a religião.

No Brasil, as posições de Maritain influencia-ram diretamente no movimento por uma legisla-ção social, que emerge em toda a América Latina; na Constituição Federal promulgada em 1934; e fundamentalmente nos partidos democrata--cristãos que surgem neste período. Também foi fortemente influenciada pelas ideias de Jacques Maritain a Juventude Universitária Católica (JUC) e suas ideias chegarão ao Serviço Social através da Ação Católica.

Sobre Santo Tomás de Aquino, Jacques Ma-ritain (apud AGUIAR, 1989, p. 51) afirma:

[...] não só transportou para o domínio do pensamento cristão a filosofia de Aristó-teles na sua integridade, para fazer dela o instrumento de uma síntese teológica admirável, como também e ao mesmo tempo superelevou e, por assim dizer, transfigurou essa filosofia. Purificou-a de todo vestígio de erro [...] sistematizou-a poderosa e harmoniosamente, aprofun-dando-lhe os princípios, destacando as conclusões, alargando os horizontes, e se nada cortou, muito acrescentou, enrique-cendo-a com o imenso tesouro da tradi-ção latina e cristã.

Como já dissemos, a repercussão do neoto-mismo na teoria e na prática profissional dos As-sistentes Sociais pode ser percebida até hoje.

A idealização de um projeto societário que contemple as duas dimensões do homem: o cor-po e a alma, e a visão da sociedade como a ins-tância na qual o homem pode completar-se e realizar-se como pessoa humana leva os Assisten-tes Socais a recusa, como sugeria a Igreja Católica, do comunismo e do liberalismo. O comunismo é interpretado, pelos primeiros Assistentes Sociais como uma teoria social refutável porque postula um projeto societário erigido por uma compreen-são materialista do homem e era tido como uma

1.4 O Neotomismo e o Serviço Social

doutrina totalitária com princípios dissonantes com o conceito de pessoa humana. O liberalismo, por sua vez, também era incompatibilidade com a natureza humana, pois era tido como uma dou-trina individualista.

Nesse contexto, o trabalho dos primeiros as-sistentes sociais dirigia-se, sobretudo, à classe tra-balhadora, porém na perspectiva da conciliação das classes sociais. A visão de homem do Serviço Social era a pessoa humana, portadora de valor soberano, criado por Deus, único ser no universo capaz de se aproximar da perfeição. O objetivo do Serviço Social era moldar este homem, integrá-lo à sociedade, aos valores, a moral e aos costumes

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de uma sociedade cristã, a fim de que ele alcan-çasse a perfectibilidade.

Somente na década de 1960 estas ideias vêm a ser questionadas, porém ainda hoje pode ser observada a presença de princípios cristãos

no discurso de profissionais e alunos de Serviço Social. Não é incomum o relato de alunos que buscaram o Curso de Serviço Social a partir de uma prática ligada à Igreja.

1.5 Resumo do Capítulo

Vimos neste capítulo uma importante influência teórica na formação histórica do Serviço Social. O neotomismo marca profundamente o início da profissão. É importante apreendermos que o pensamen-to de São Tomás de Aquino influencia as bases teóricas do Serviço Social desde o seu início e, consequen-temente, a Igreja Católica tem uma importante participação na constituição do pensamento e da prática dos Assistentes Sociais nesse processo.

1. O que é o tomismo?

2. Como podemos refletir sobre a importância do neotomismo no Serviço Social?

1.6 Atividades Propostas

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A presença do Positivismo no Serviço Social pode ser percebida quando a profissão passa a dar ênfase à instrumentalização técnica, ou seja, quando se soma à preocupação do “o que” fazer a preocupação de “como” fazer, embora esta preo-cupação tenha feito com que o Serviço Social caísse muitas vezes no metodismo.

O positivismo, no Serviço social, vem acom-panhado do funcionalismo e adentra esta profis-

O POSITIVISMO2

são através da influência do Serviço Social norte--americano, trazida, na década de 1940, pelos assistentes sociais brasileiros que foram estudar nos Estados Unidos. Esta influência vai marcar so-bremaneira o Serviço Social brasileiro. Inicialmen-te temos a importação das técnicas norte-ameri-canas para aplicação na realidade brasileira. Não é preciso dizer que isto causou alguns problemas, pois, segundo Aguiar (1984), a fundamentação do método e das técnicas não era analisada e tra-duzida para a nossa realidade, era tão somente transplantada.

Nesta fase, o Serviço Social brasileiro ainda estava marcado pelo neotomismo e pela doutri-na social da Igreja, havendo, portanto, uma jun-ção dos pressupostos neotomistas e das técnicas vindas do Serviço Social norte-americano.

AtençãoAtenção

A presença do Positivismo no Serviço Social pode ser percebida quando a profissão passa a dar ên-fase à instrumentalização técnica.

O positivismo é uma corrente filosófica surgida na primeira metade do século XIX. Foi fundado por Augusto Comte, em contraposição às ideias que nortearam a Revolução Francesa no século XVIII. A doutrina de Comte parte do pres-suposto de que a sociedade humana é regulada por leis naturais invariáveis, que independem da vontade e da ação humana. Para ele, as leis que regulam o funcionamento da vida social, eco-nômica e política são do mesmo tipo que as leis naturais, logo, o que predomina na sociedade é uma organização semelhante à da natureza.

Para o positivismo, a filosofia baseada nos dados da experiência é a única verdadeira. O co-nhecimento se afirma numa verdade comprova-da, portanto, considera o método experimental o

2.1 O que é o Positivismo

caminho para o pensamento científico e a verda-de comprovada jamais é questionada.

Quem foi Augusto Comte

Figura 3 – Augusto Comte

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Aos 16 anos de idade, Comte ingressou na Escola Politécnica de Paris, fato que teve signifi-cativa influência em seu pensamento, a ponto de ele vir a considerá-la a primeira comunidade ver-dadeiramente científica que deveria servir como modelo de toda educação superior. Embora per-manecesse por apenas dois anos nessa escola, ali Comte recebeu a influência do trabalho intelec-tual de cientistas como o físico Sadi Carnot (1796-1832), o matemático Lagrange (1736-1813) e o astrônomo Pierre Simon de Laplace (1749-1827).

Um ano depois de sair da Escola Politécnica, em 1817, Comte tornou-se secretário de Saint--Simon3 (1760-1825), do qual receberia profunda influência. Essa ligação intelectual foi extrema-mente proveitosa para Comte, porém terminou de maneira tempestuosa quando Comte come-çou a sentir-se independente do mestre, discor-dando de suas ideias sobre as relações entre a ciência e a reorganização da sociedade. Comte não aceitava o fato de Saint-Simon, nesse perío-do, deixar de lado seus planos de reforma teórica do conhecimento e dedicar-se às tarefas práticas. A separação entre os dois ocorreu em 1824. No

Saiba maisSaiba mais

Isidore Auguste Marie François Xavier Comte nasceu em Montpellier, no sul da França, em 19 de janeiro de 1798 e morreu em 5 de setembro de 1857. Filho de um fiscal de impostos, teve sempre uma re-lação bastante conturbada com a família. Frequente-mente acusava os familiares de avareza, culpando-os por sua precária situação econômica.Foi o fundador do Positivismo e da Sociologia.

mesmo ano, Comte casou-se com Caroline Mas-sin e, não tendo mais os proventos de secretário de Saint-Simon, passou a ganhar a vida dando aulas particulares de matemática. Dois anos de-pois, exatamente no dia 2 de abril de 1826, iniciou em sua própria casa um curso, do qual resultou uma de suas principais obras: o Curso de Filosofia Positiva, em seis volumes, publicados a partir de 1830. Em 1842, separa-se da esposa e dois anos depois publica o Discurso sobre o Espírito Positi-vo. No mesmo ano, edita o volume do Curso de Filosofia Positiva, onde ataca os especialistas em matemática e afirma ter chegado o tempo de os biólogos e sociólogos ocuparem o primeiro posto no mundo intelectual.

Os últimos anos da vida de Comte transcor-reram em grande solidão e desencanto, sobretu-do por ter sido abandonado por Littré, seu mais famoso discípulo, que não concordava com a ideia de uma nova religião.

3 Saint-Simon, teórico francês e um dos fundadores do chamado socialismo cristão.

Em 1844, Comte conheceu Clotilde de Vaux, a mulher que iria transformar sua vida e dar nova orientação ao seu pensamento. Comte apaixo-nou-se perdidamente por Clotilde, que veio a falecer um ano depois. Comte transformou-a, então, no gênio inspirador de uma nova religião, cujas ideias se encontram numa extensa obra em quatro volumes, publicados entre 1851 e 1854: Política Positiva ou Tratado de Sociologia Instituindo a Religião da Humanidade.

CuriosidadeCuriosidade

2.2 Principais Características do Positivismo

O positivismo rejeita o conhecimento me-tafísico e considera que devemos nos limitar ao conhecimento positivo, aos dados imediatos da experiência. Defende a ideia de que tanto os fe-

nômenos da natureza como os da sociedade são regidos por leis invariáveis. A filosofia positiva se coloca no extremo oposto da especulação pura, exaltando, sobretudo, os fatos.

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Os princípios fundamentais do positivismo são: a busca da explicação dos fenômenos através das relações destes e a exaltação da observação dos fatos, porém, para ligar os fatos, existe a “ne-cessidade de uma teoria”, sem a qual é impossí-vel que os fatos sejam percebidos. “Desde Bacon se repete que são reais os conhecimentos que repousam sobre fatos observados, mas para en-tregar-se à observação nosso espírito precisa de uma teoria.” (TRIVIÑOS, 1987, p. 34).

O positivismo prega a submissão da imagi-nação à observação, mas isto não deve transfor-mar “a ciência real numa espécie de estéril acu-mulação de fatos incoerentes, porque devemos entender que o espírito positivo não está menos afastado, no fundo, do empirismo do que do mis-ticismo.” O positivismo proclama como função essencial da ciência sua capacidade de prever. “O verdadeiro espírito positivo consiste em ver para prever.” (TRIVIÑOS, 1987, p. 35).

Para o positivismo, não interessa as causas dos fenômenos, isso não é tarefa da ciência. Isso é metafísico, e um dos traços mais característicos do positivismo é sua rejeição ao conhecimento metafísico, à metafísica.

Há no positivismo uma recusa consciente a mergulhar naquilo que não tem existência empí-rica. A razão só pode conhecer verdadeiramente aquilo que pode ser verificado empiricamente, seguindo o exemplo das ciências naturais. Quan-do a razão procurar ir além da matéria empírica, ela se perde ou retorna para o terreno da metafí-sica. Portanto, a essência não pode, e nem deve,

AtençãoAtenção

O positivismo rejeita o conhecimento metafísico e considera que devemos nos limitar ao conhe-cimento positivo, aos dados imediatos da expe-riência.

ser conhecida, porque ela está além das possibi-lidades de conhecimento do ser humano. Assim como com a essência, também acontece com os fins últimos da ação humana (os valores sociais), eles também não podem ser conhecidos racio-nalmente. Esta cisão entre meios racionais e fins irracionais aparece, por exemplo, na análise das formas de ação social em Max Weber e tem gran-de importância para o Serviço Social, como vere-mos adiante.

O único objeto da ciência, na visão positi-vista, portanto, são os fatos que podem ser obser-vados. A atitude positivista consiste em descobrir as relações entre as coisas. A busca científica não está a serviço das necessidades humanas para re-solver problemas práticos. O investigador estuda os fatos, estabelece relações entre eles, pela pró-pria ciência, pelos propósitos superiores da alma humana de saber, não está interessado em conhe-cer as consequências de seus achados. “A ciência estuda os fatos para conhecê-los, e tão-somente para conhecê-los, de modo absolutamente desin-teressado.” (TRIVIÑOS, 1987, p. 36-37).

O papel do investigador é exprimir a reali-dade, não julgá-la, considerando, portanto, o co-nhecimento científico neutro, visão esta que foi combatida, principalmente, por parte dos cientis-tas sociais que não podiam conceber que a ciên-cia humana pudesse ficar à margem da influência do ser humano que investigava.

Segundo Triviños (1987, p. 33), é possível distinguir três momentos na evolução do positi-vismo:

A primeira fase chamaremos de positivis-mo clássico, na qual, além do fundador Comte, também se sobressaem os nomes de Littré, Spencer e Mill. Logo após o final do século XIX, o empiriocriticismo de Avenarius e Mach. A terceira etapa deno-mina-se de neopositivismo e compreen-de uma série de matizes, entre os quais se podem anotar o positivismo lógico, o empirismo lógico, vinculados ao Círculo de Viena (Carnap, Schlick, Frank, Neurath, etc.); o atomismo lógico (Russell, 1872-1970, e Witgenstein, 1889-1951); a filoso-fia analítica (Witgenstein e Ayer, n.1910)

AtençãoAtenção

Para o positivismo, não interessa as causas dos fenômenos, isso não é tarefa da ciência e, sim, da metafísica.

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que acham que a filosofia deve ter por ta-refa elucidar as formas da linguagem em busca da essência dos problemas; o be-haviorismo (Watson, 1878-1958) e o neo-behavorismo (Hull, 1884-1952, e Skinner, n. 1904).

O Neopositivismo, ou Empirismo Lógico ou Positivismo Lógico, foi fundado por um grupo de filósofos e cientistas, conhecidos como o “Círculo de Viena”, que, no decorrer da década de 1920, se reuniram em Viena, fundando uma das mais in-fluentes correntes filosóficas e epistemológicas de nosso tempo. O Círculo de Viena foi ganhan-do cada vez mais influência, sobretudo nos paí-ses anglo-saxões, onde suas investigações não se limitaram ao campo da teoria da ciência, mas estenderam-se aos domínios da ética, da filosofia da linguagem e da filosofia da história (CARVA-LHO, 1997).

Uma das principais aspirações dos positivis-tas é alcançar resultados na pesquisa social que possam generalizar-se e, para tal, utilizam-se de técnicas de amostragem, tratamentos estatísticos e estudos experimentais severamente controla-dos como instrumentos para concretizar estes propósitos. Mas, na visão de Triviños (1987, p. 38):

a flexibilidade da conduta humana, a va-riedade dos valores culturais e das condi-ções históricas, unidas ao fato de que na pesquisa social o investigador é um ator que contribui com suas peculiaridades (concepção do mundo, teorias, valores etc.), não permitirão elaborar um conjun-to de conclusões frente à determinada realidade com o nível de objetividade que apresenta um estudo realizado no mundo natural.

No positivismo procura-se utilizar o “méto-do científico” das ciências naturais para analisar também a sociedade. Esta é uma das principais características do positivismo. Para isto, é neces-sário tratar a vida social da mesma forma que é tratada a natureza, ou seja, faz-se a naturalização, ou coisificação, da sociedade.

O positivismo, sem dúvida, representa, es-pecialmente através de suas formas neopositivis-tas, uma corrente do pensamento que alcançou, de maneira singular na lógica formal e na meto-dologia da ciência, avanços muito meritórios para o desenvolvimento do conhecimento (TRIVIÑOS, 1987).

2.3 O Positivismo no Brasil

O positivismo, que teve origem no sécu-lo XIX, expandiu-se no Brasil durante o Império, contrapondo-se a este e defendendo a República. O Brasil foi o país onde o positivismo teve grande penetração, sendo que o Rio Grande do Sul, sob a influência de Júlio de Castilho, chegou a ter uma constituição inspirada no positivismo.

O positivismo no Brasil não é uma mera reprodução da filosofia de Comte, como esta se desenvolveu no cenário francês de sua origem, e sim uma versão temperada pelo ecletismo que marcava os pensamentos dos intelectuais da se-gunda metade do século XIX, formadores de opi-nião dentro dos partidos políticos e das famílias de prestígios da época.

Segundo Vieira (1987), as ideias positivis-tas eram debatidas e divulgadas através de seus adeptos, congregados na primeira associação po-sitivista fundada no Rio de Janeiro, em 1876. Os membros mais atuantes eram Benjamim Cons-tant, Teixeira Mendes, Miguel Lemos e Álvaro de Oliveira. Esta associação transformou-se, em 1881, na Igreja Positivista do Brasil.

Devido a esta posição religiosa do positi-vismo, a Igreja Católica se coloca radicalmente contra as ideias positivistas, apesar dos pontos comuns entre o pensamento tradicional da Igreja e o positivismo, como o respeito à autoridade, à ideologia da ordem e à crença de que através das elites se educa o povo (RODRIGUES, 1981 apud VIEIRA, 1987).

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Segundo Brandão (2006), a vertente reli-giosa do positivismo foi a que mais progrediu no Brasil. O conservadorismo católico, que caracte-rizou os anos iniciais do Serviço Social brasileiro, especialmente a partir dos anos 1940, começa a ser tecnificado ao entrar em contato com o Servi-ço Social norte-americano.

As propostas brasileiras de trabalho foram permeadas pelo caráter conservador da teoria social positivista. Esta reo-rientação da profissão, que exige a qualificação e sistematização de seu espaço sócio-ocupacio-nal, tem como objetivo atender às novas configu-rações do desenvolvimento capitalista e, conse-quentemente, às requisições de um Estado que começa a implementar políticas sociais.

Desse modo, a matriz positivista terá um importante papel na legitimação do profissional de Serviço Social brasileiro, na medida em que amplia os referenciais técnicos para a profissão. Iamamoto (1998) chama esse processo de “ar-ranjo teórico-doutrinário”, que se caracteriza pela junção do discurso humanista-cristão, vindo do neotomismo com o suporte técnico científico na teoria social positivista.

Segundo Tonet (1984), o positivismo não se interessa pelo o que é, julgando isto um pro-blema irrelevante porque inatingível, mas apenas pelo modo como as coisas acontecem.

A realidade social torna-se, nessa perspecti-va, um aglomerado de dados, elementos, fatores justapostos sem uma razão essencial que os es-truture. Não há contradições, na realidade social, há apenas diferenças, disfunções, desvios, proble-mas, sendo que a tendência normal da sociedade é a ordem harmônica.

A história para o positivismo, enquanto in-tervenção do sujeito humano, não existe, porque

a evolução da sociedade é regida por leis idênti-cas às leis naturais.

O homem é o indivíduo, por sua vez, é o ele-mento irredutível, o menor fragmento, justaposto a outros fragmentos que vão compor a estrutura social. Ou seja, o positivismo descreve o homem não como um resultado produzido pelo sistema capitalista, mas simplesmente como O HOMEM.

A partir desse fun-damento, para o positi-vismo, o conhecimento torna-se uma descrição do dado empírico, cole-cionado e ordenado pelo sujeito, e esse sujeito é, ao mesmo tempo, quem

elabora e quem conduz o conhecimento e, por se tratar de um ser limitado, não tem condições de apreender a integralidade, o objeto, mas apenas elementos superficiais deste.

A posição do estranhamento em que se en-contram sujeito e objeto é o fundamento da neu-tralidade social do conhecimento preconizada pelo positivismo. O sujeito só descreve, não toma partido. Quanto mais imparcial, mais objetivo e, quanto mais objetivo, mais científico, cabendo ao rigor metodológico garantir a obtenção da obje-tividade.

Nesse sentido, a matriz positivista oferece ao Serviço Social o primeiro suporte teórico-me-todológico necessário à qualificação técnica de sua prática e à sua modernização através da apro-priação de um instrumental de trabalho. Segun-do Brandão (2006), esta teoria social assentada no positivismo aborda as relações sociais dos indiví-duos no plano de suas vivências imediatas, como fatos que se apresentam em sua objetividade e imediaticidade. Tal perspectiva restringe a visão de teoria ao âmbito do verificável, da experimen-tação e da fragmentação, tal qual propõe a leitura positivista da realidade. As mudanças apontam

2.4 O Positivismo e o Serviço Social

AtençãoAtenção

O conservadorismo católico que caracterizou os anos iniciais do Serviço Social brasileiro começa a ser tecnificado ao entrar em contato com o Servi-ço Social norte-americano.

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para a conservação e preservação da ordem esta-belecida, isto é, do ajuste.

O Serviço Social absorveu esta orientação funcionalista e os assistentes sociais passaram a atuar com propostas de trabalho ajustadoras. Os profissionais dedicaram-se ao aperfeiçoamento dos instrumentos e técnicas de intervenção, bus-cando padrões de eficiência, sofisticação de mo-delos de análise, diagnóstico e planejamento. En-fim, houve uma considerável tecnificação da ação profissional, que por sua vez vem acompanhada de uma crescente burocratização das atividades institucionais (YASBEK, 1999).

Uma visão mais crítica a respeito da questão social, neste período, fica impossibilitada princi-palmente devido aos referenciais teóricos que o Serviço Social utilizava para explicar a realida-de social, ou seja, os fundamentos filosóficos da Doutrina Social da Igreja, o Neotomismo – como já discutimos –, a predominância do pensamento conservador e a perspectiva analítica hegemôni-ca nas Ciências Sociais, embasada no Positivismo. A profissão, neste período, não questionava e aceitava, de certo modo, passivamente o signifi-

cado de sua função social atribuído pelo Estado e pelo empresariado.

Segundo Brandão (2006), as concepções de homem e de sociedade, legitimadas pela tríade Neotomismo – Pensamento Conservador – Po-sitivismo, eliminavam, no âmbito da formação e do exercício profissional, a compreensão sobre: a desigualdade imposta pela sociedade capitalista, associada às condições de exploração do homem pelo homem e às relações sociais que sustentam o trabalho alienado; o caráter contraditório da prática profissional e sua participação no pro-cesso de reprodução social; e a dimensão ético--política da prática profissional, em nome de uma neutralidade que, de fato, é afinada com a neces-sidade de legitimar a suposta face humanitária do Estado e do empresariado.

AtençãoAtenção

A profissão, neste período, não questionava e aceitava, de certo modo, passivamente o signifi-cado de sua função social atribuído pelo Estado e pelo empresariado.

O Positivismo tem uma participação importante na história da formação da República brasileira; a sua influência no Serviço Social foi determinante no processo de teorização da profissão, bem como na busca de legitimidade. É com o positivismo que se introduz a sistematização técnica na prática do Serviço Social. Dessa forma, é importante entender o positivismo dentro do contexto histórico que de-batemos anteriormente.

2.5 Resumo do Capítulo

1. O que é Positivismo?

2. Como podemos refletir sobre a importância do Positivismo no Serviço Social brasileiro?

2.6 Atividades Propostas

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A partir da década de 1960, passamos a ter a forte influência de outra corrente de pensamen-to filosófico no Serviço Social brasileiro, o Mate-rialismo Histórico Dialético. Os assistentes sociais neste período passam a fazer uma análise crítica da sociedade, a partir das contradições identifica-das e da percepção da necessidade de mudanças. Vale dizer que persiste neste período a postura tradicional do Serviço Social numa linha conser-vadora, porém passam a surgir movimentos que defendem a intervenção do Serviço Social numa perspectiva crítica e que se somam a outros movi-mentos, naquele momento, em busca de mudan-ças estruturais na sociedade brasileira.

Estes profissionais começam a rever suas posições e vão rompendo gradativamente com a visão tradicional do Serviço Social. Isto leva os assistentes sociais a levantar questionamentos, tais como: há serviço de quem está sua prática profissional? Do poder instituído ou do povo? Es-tes profissionais buscam firmar um vínculo com as classes trabalhadoras e se engajar na luta pela organização das mesmas, participando dos mo-vimentos desencadeados na sociedade brasilei-ra nesse período. A sociedade já não é mais vista como um todo harmônico, mas como uma reali-dade que carrega contradições e antagonismos resultantes das relações de dominação.

O MATERIALISMO HISTÓRICO DIALÉTICO3

Esta postura ganha força no Serviço Social brasileiro a partir da década de 1970, principal-mente em algumas escolas de Serviço Social. Obviamente, esta não é uma postura unitária na profissão e é marcada por vários enfoques a par-tir de diferentes leituras marxistas. Os assistentes sociais entram em contato com teoria marxista, principalmente, a partir das leituras de Althusser, Gramsci e outros.

Passa a haver na profissão, também, um esforço para conhecer mais apropriadamente as ideias de Karl Marx.

AtençãoAtenção

Os assistentes sociais, a partir de meados da dé-cada de 1960, passam a fazer uma análise crítica da sociedade. Esta é a marca da influência do Ma-terialismo Histórico Dialético no Serviço Social.

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Louis Althusser (1918-1990) foi um filósofo francês, de origem Argelina, autor do livro Ideologias e Aparelhos Ideológicos do Estado, onde expõe sua teoria de que há uma ligação umbilical entre Estado e aparelhos ideo-lógicos. Para ele, as instituições se comportam como aparelhos ideológicos do Estado, reproduzindo sua ideologia.

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Antonio Gramsci (1891-1937) foi um pensador italia-no, uma das referências essenciais do pensamento de esquerda no século XX, cofundador do Partido Comu-nista Italiano. Suas noções de pedagogia crítica e ins-trução popular foram teorizadas e praticadas décadas mais tarde por Paulo Freire, no Brasil. Gramsci se dispôs a estabelecer uma unidade entre a teoria e a prática do marxismo, criticou o elitismo dos intelectuais e exer-ceu profunda influência sobre o pensamento marxista.

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O materialismo Histórico Dialético, ou seja, a filosofia marxista, foi desenvolvido por Karl Marx e Frederich Engels.

É importante frisar que antes de Marx e En-gels a doutrina socialista já existia, porém o avan-ço que estes autores apresentam consiste no fato de assegurar aos homens o conhecimento da ideia do desenvolvimento através da dialética e a interpretação materialista da natureza. Trata-se de um avanço com relação ao pensamento filosó-fico alcançado pela filosofia alemã em fins do sé-culo XVIII e início do século XIX, com o idealismo de Hegel e o materialismo de Ludwig Feuerbach.

A grande contribuição de Hegel foi os ensi-namentos que deram origem ao desenvolvimen-to da ideia e da consciência, interpretadas pela dialética. Por outro lado, a contribuição de Feuer-bach consiste na interpretação materialista da na-tureza em confronto com o idealismo de Hegel e com a religião.

A dialética teve sua origem na Grécia, po-rém por muito tempo ocupa uma posição secun-dária e vem ressurgir com força no Renascimento. Significa a arte do diálogo, da controvérsia, a evo-lução do pensamento a partir das contradições. Porém este termo não foi utilizado na história da filosofia com significado unívoco, recebeu signifi-cados diferentes, com diversas inter-relações, não sendo redutível a um significado comum.

Para Platão, dialética é sinônimo de filoso-fia, o método mais eficaz de aproximação entre as ideias particulares e as ideias universais ou puras. É a técnica de perguntar, responder e refutar, que ele teria aprendido com Sócrates. Platão conside-

3.1 O que é o Materialismo Histórico Dialético

ra que apenas através do diálogo o filósofo deve procurar atingir o verdadeiro conhecimento, par-tindo do mundo sensível e chegando ao mundo das ideias, pois é pela decomposição e investiga-ção racional de um conceito que se chega a uma síntese, que também deve ser examinada, num processo infinito de busca da verdade.

Aristóteles define a dialética como a lógica do provável, do processo racional que não pode ser demonstrado.

Kant retoma a noção aristotélica quando define a dialética como a “lógica da aparência”. Para ele, a dialética é uma ilusão, pois se baseia em princípios que, na verdade, são subjetivos.

Hegel apresenta a dialética como um movi-mento racional que permite transpor uma contra-dição. Uma tese inicial contradiz-se e é ultrapas-sada por sua antítese. Essa antítese, que conserva elementos da tese, é superada pela síntese, que combina elementos das duas primeiras, num pro-gressivo enriquecimento. A dialética hegeliana não é um método, mas um movimento conjunto do pensamento e da realidade. Segundo Hegel, a história da humanidade cumpre uma trajetória dialética marcada por três momentos: tese, antí-tese e síntese.

Materialismo designa, em geral, toda dou-trina que atribua causalidade apenas à matéria, vem a ser tudo que resulta da evolução da maté-ria, tendo, portanto, como elemento fundamen-tal a realidade primária. Este termo foi utilizado pela primeira vez por Robert Boyle, em sua obra de 1674, porém Feuerbach é considerado o ver-dadeiro fundador do materialismo ao designar o homem como princípio real e fundamental dos seres e da teoria. Ele rompe com o idealismo de Hegel substituindo a ideia pela matéria, para ele a compreensão do pensamento parte do objeto e da interpretação da natureza.

AtençãoAtenção

Dialética significa a arte do diálogo, da controvér-sia, a evolução do pensamento a partir das con-tradições.

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Marx e Engels partem da dialética idealista de Hegel e avançam com relação às ideias mate-rialistas de Feuerbach. Na verdade, eles colocam a dialética com os pés no real, no material. Os ma-terialistas antes de Marx consideravam apenas a influência da natureza sobre o homem e não a influência do homem sobre a natureza. Marx in-verte esta ordem. A filosofia marxista vai além da interpretação materialista da natureza e aplica o materialismo também à vida social, o que se de-nomina materialismo histórico, ou seja, o método desenvolvido por Marx permite uma interpreta-ção materialista da história através do método dialético.

Marx e Engels, podemos dizer, reformam o conceito hegeliano de dialética, utilizam a mesma forma, mas introduzem um novo conteúdo e de-nominam essa nova dialética de materialista, por-que o movimento histórico, para eles, é derivado das condições materiais da vida.

A dialética materialista analisa a história do ponto de vista dos processos econômicos e sociais e a divide em quatro momentos: Antigui-dade, feudalismo, capitalismo e socialismo. Cada um dos três primeiros é superado por uma con-tradição interna chamada “germe da destruição”. A contradição da Antiguidade é a escravidão; do feudalismo, os servos; e do capitalismo, o prole-tariado. O socialismo seria a síntese final, em que a história cumpre seu desenvolvimento dialético.

Para eles, o desaparecimento do capita-lismo e sua substituição pelo socialismo seriam resultado da ação de determinadas “leis do de-senvolvimento da história” e não da vontade de alguns reformadores.

Analisando a realidade social em que vi-viam, Marx e Engels perceberam que ela era di-nâmica e contraditória. Enquanto o avanço técni-co permitia o domínio crescente do ser humano sobre a natureza, gerando o progresso e o enri-quecimento de alguns, a classe operária era cada vez mais explorada, empobrecida e afastada dos bens materiais de que necessitava para sua sobre-vivência. Portanto, era fundamental estudar os fa-tores materiais (econômicos e técnicos) e a forma pela qual os bens eram produzidos, para então compreender a sociedade e explicar seu desen-volvimento.

Pelo trabalho o ser humano transforma a natureza, produzindo bens para atender às suas necessidades. Nesse processo de produção de bens, as pessoas estabelecem relações entre si. As relações criadas entre trabalhadores (detentores da força de trabalho) e proprietários dos meios de produção (terra, matéria-prima, fábricas, máqui-nas e instrumentos de trabalho) são chamadas de relações sociais de produção.

Essas relações de produção correspondem, em cada etapa da história, a um determinado es-tágio de desenvolvimento técnico e econômico, ou seja, a determinadas forças produtivas. O con-junto das relações de produção e das forças pro-dutivas constitui a base econômica da sociedade, ou a infraestrutura. Para Marx, a infraestrutura de uma sociedade determina sua superestrutu-ra, que corresponde à organização do Estado, às normas do Direito e à ideologia dominante dessa mesma sociedade.

Na análise marxista, os proprietários dos meios de produção, os donos do capital, explo-ram a maioria operária que é obrigada a vender sua força de trabalho em troca de salários. Este salário, porém, não corresponde, sendo inferior, ao valor produzido pelo operário. Esta diferença, chamada mais-valia, é apropriada pelos donos do capital e constitui a base da acumulação capitalis-

AtençãoAtenção

Materialismo designa, em geral, toda doutrina que atribua causalidade apenas à matéria, vem a ser tudo que resulta da evolução da matéria, tendo, portanto, como elemento fundamental a realidade primária.

AtençãoAtenção

A filosofia marxista vai além da interpretação materialista da natureza e aplica o materialismo também à vida social.O método desenvolvido por Marx permite uma interpretação materialista da história através do método dialético.

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ta. Estes interesses antagônicos de capitalistas e proletários geram continuamente a luta de clas-ses.

Quem foi Marx

Figura 4 – Karl Marx.

Marx foi o terceiro de sete filhos de uma família judia, de classe média. Sua mãe era judia holandesa e seu pai, advogado e conselheiro de Justiça, era descendente de uma família de rabi-nos que se converteu ao cristianismo luterano de-vido às restrições impostas à presença de judeus no serviço público.

Dentre suas diversas atividades, Marx sem-pre demonstrou mais interesse pela história e pela filosofia. Quando tinha 24 anos, começou a trabalhar como jornalista em Colônia, na Alema-nha, escrevendo artigos que provocavam grande irritação nas autoridades do país. Integrante de um grupo de jovens que tinham afinidade com a teoria pregada por Hegel, Marx, em sua atividade

como jornalista, começou a ter mais familiaridade com os problemas econômicos.

Após seu casamento com uma amiga de in-fância, Jenny von Westphalen, foi morar em Paris, onde conheceu Friedrich Engels, com o qual man-teve amizade por toda a vida. Na capital francesa, a produção de Marx tomou um grande impulso e, nesta época, redigiu Contribuição à crítica da fi-losofia do direito de Hegel. Depois, escreveu, com Engels, A Sagrada Família, Ideologia Alemã – que só foi publicado após a sua morte –, e muitas ou-tras obras. Depois se mudou para Bruxelas, onde intensificou os contatos com operários e partici-pou de organizações clandestinas.

Em 1848, Marx e Engels publicam o “Mani-festo do Partido Comunista”, o primeiro esboço da teoria revolucionária. Neste trabalho, Marx e Engels apresentam os fundamentos de um movi-mento de luta contra o capitalismo e defendem a construção de uma sociedade sem classe e sem Estado. No mesmo ano, expulso da Bélgica, volta a morar em Colônia, onde lança a “Nova Gazeta Renana”, jornal onde escreveu muitos artigos fa-voráveis aos operários. Expulso da Alemanha, foi morar refugiado em Londres, onde viveu na misé-ria. Foi na capital inglesa que Karl Marx intensifi-cou os seus estudos de economia e de história e passou a escrever artigos para jornais dos Estados Unidos sobre política exterior.

Em 1864, foi cofundador da Associação In-ternacional dos Operários, que mais tarde recebe-ria o nome de 1ª Internacional. Três anos mais tar-de, publica o primeiro volume de sua obra-prima, O Capital. O segundo e o terceiro volumes do livro foram publicados por seu amigo Engels, em 1885 e 1894.

Karl Marx morreu no dia 14 de março de 1883, foi então que Engels reuniu toda a docu-mentação deixada por ele para atualizar “O Capi-tal”.

Sobre Marx, seu amigo Engels escreve:

Marx era, antes de tudo, um revolucioná-rio. Sua verdadeira missão na vida era con-tribuir, de um modo ou de outro, para a derrubada da sociedade capitalista e das

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Karl Heinrich Marx, filósofo, economista, cientista so-cial, jornalista, militante político, revolucionário socia-lista, viveu em vários países da Europa no século XIX. Nasceu em 5 de maio de 1818, na Alemanha, cursou Filosofia, Direito e História nas Universidades de Bonn e Berlim.Faleceu em Londres, Inglaterra, em 14 de março de 1883.

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instituições estatais por esta suscitadas, contribuir para a libertação do proletaria-do moderno, que ele foi o primeiro a tor-nar consciente de sua posição e de suas necessidades, consciente das condições de sua emancipação. A luta era seu ele-mento. E ele lutou com uma tenacidade e um sucesso com quem poucos puderam rivalizar. [...] Como conseqüência, Marx foi o homem mais odiado e mais caluniado de seu tempo. Governos, tanto absolutis-tas como republicanos, deportaram-no de seus territórios. Burgueses, quer con-servadores ou ultrademocráticos, porfia-vam entre si ao lançar difamações contra ele. Tudo isso ele punha de lado, como se fossem teias de aranha, não tomando conhecimento, só respondendo quando necessidade extrema o compelia a tal. E morreu amado, reverenciado e prantea-do por milhões de colegas trabalhadores revolucionários - das minas da Sibéria até a Califórnia, de todas as partes da Europa e da América - e atrevo-me a dizer que, embora, muito embora, possa ter tido muitos adversários, não teve nenhum ini-migo pessoal.

Quem foi Engels

Figura 5 – Friedrich Engels.

Engels foi protetor e principal colaborador de Karl Marx, desempenhando papel de destaque na elaboração da doutrina comunista, escreveu li-vros de profunda análise social e soube analisar a sociedade de forma muito eficiente.

A atitude intelectual de Engels diferencia-se da de Marx, pois este tem sua análise centrada no caráter concreto dos fenômenos que estudava, enquanto Engels trabalha com um alto nível de abstração, característica esta que se mantém ao longo de toda a sua obra.

Engels era o mais velho de nove filhos de um rico industrial de Barmen, na Alemanha. Na juventude, fica impressionado com a miséria em que vivem os trabalhadores das fábricas de sua família e, quando estudante, adere a ideias de esquerda, o que o leva a aproximar-se de Marx. Assume por alguns anos a direção de uma das fá-bricas do pai em Manchester e suas observações nesse período formam a base de uma de suas obras principais: A situação das classes trabalha-doras na Inglaterra, publicada em 1845.

Muitos de seus trabalhos posteriores são em colaboração com Marx, mas escreveu sozi-nho algumas das obras mais importantes para o desenvolvimento do marxismo, dentre as quais podemos citar: Ludwig Feuerbach e o fim da filo-sofia alemã, Do socialismo utópico ao científico e A origem da família, da propriedade privada e do Estado.

Quem foi Hegel

Figura 6 – Georg Hegel.

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Friedrich Engels, filósofo, considerado o mais notável sábio e mestre do proletariado contemporâneo em todo o mundo civilizado. Nasceu na Alemanha em 28 de novembro de 1820 e morreu em Londres, na Ingla-terra, em 5 de agosto de 1895. Foi coautor de diversas obras com Marx e também ajudou a publicar, após a morte de Marx, os dois últi-mos volumes de O Capital.

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Hegel é considerado por muitos como o principal representante do idealismo do século XIX, que teve forte influência no Materialismo His-tórico Dialético.

Hegel estudou no seminário de Tübingen, de 1788 a 1793, porém não se torna pastor e vai trabalhar como tutor particular em Berna por três anos, nesse período escreveu alguns trabalhos que só seriam publicados depois de sua morte. Nesta primeira época interessa-se pela teologia. Em 1796, escreve Crítica da Idéia da Religião Positi-va. Em seguida passa a se interessar intensamente pela filosofia e pela política, recebendo influência das ideias políticas de Rousseau.

Leciona na Universidade de Jena, de 1801 a 1806, onde entra em contato com Schelling e adota a sua filosofia da natureza. Abandona a Uni-versidade após a vitória de Napoleão e torna-se reitor da escola de latim de Nuremberg. Em 1807, publica a Fenomenologia do Espírito e, em 1812, a Propedêutica Filosófica, que constituem uma introdução à sua doutrina. Em 1816, ocupa uma cátedra na Universidade de Heidelberg e publi-ca, em 1817, um resumo dos seus ensinamentos, intitulado Enciclopédia das Ciências Filosóficas em Epítome. Em 1818, sucede Fichte como professor na Universidade de Berlim, onde permanece até sua morte, aos 61 anos de idade, de uma epide-mia de cólera.

As principais obras de Hegel são: A Feno-menologia do Espírito, A Lógica, A Enciclopédia das Ciências Filosóficas e A Filosofia do Direito. Sua cul-tura foi vastíssima, bem como sua capacidade sis-temática, sendo considerado o Aristóteles e o To-más de Aquino do pensamento contemporâneo.

Quem foi Feuerbach

Figura 7 – Ludwig Feuerbach.

Feuerbach inicialmente estudou teologia em Heidelberg, porém abandona os estudos de teologia para tornar-se aluno do filósofo Hegel durante dois anos, em Berlim. Tornou-se um fer-voroso hegeliano, chegando a declarar em uma carta a seu pai: “Aprendi com Hegel em quatro semanas tudo o que antes não aprendi em dois anos”.

Em 1828, passa a estudar ciências naturais e, em 1830, quando já lecionava em Erlagen, pu-blica anonimamente seu primeiro livro, “Pensa-mentos sobre Morte e Imortalidade”. Nesse tra-balho ataca a ideia da imortalidade, sustentando que, após a morte, as qualidades humanas são absorvidas pela natureza, explicitava nesta obra

Saiba maisSaiba mais

Georg Wilhelm Friedrich Hegel, filósofo e teólogo ale-mão, nasceu em Stutgart, em 27 de agosto de 1770 e faleceu em Berlim, em 14 de novembro de 1831.Era seguidor de Spinoza, Kant e Rosseau e fascinado pela Revolução Francesa.

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Ludwig Andreas Feuerbach, filósofo e moralista ale-mão. Nasceu em 28 de julho de 1804, na cidade de Landshut, na Baviera (atual Alemanha) e faleceu em 1872, em Nuremberg, na Alemanha.É reconhecido pela teologia humanista e pela influên-cia que seu pensamento exerce sobre Marx.

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a hostilidade às ideias religiosas. A polêmica que este trabalho gerou fez com que sua carreira aca-dêmica fosse interrompida, levando-o a mudar-se para Burckberg. A partir daí, dedicou-se somente aos estudos, vivendo uma vida solitária.

Em 1841, publica o seu trabalho mais im-portante, A Essência da Cristandade (Das Wesen des Christentums), de onde resulta a noção de que Deus é meramente uma aparência exterior da natureza íntima do homem. Refere, ainda nesta obra, que Deus tem uma existência independen-te da existência humana, mas a crença no divino é orientada pela fé e revelada pelos sacramentos. Para Feuerbach, no entanto, estes são itens de um indesejável materialismo religioso.

Em 1848, retornou para lecionar um curso em Heidelberg, a convite de alguns alunos, oca-sião esta em que produz a obra: Lições sobre a es-sência da religião, publicada em 1851. Este foi um momento raro na vida de Feuerbach, que viveu sempre isolado dos demais e na miséria.

Para Feuerbach, o homem é quem cria Deus e não o contrário. Segundo o autor, a filosofia pre-

cisa dar conta deste homem como um todo e não somente da razão que o compõe. Deve abraçar a religião, enquanto fato humano, considerando este homem em comunhão com outros homens, caminho este através do qual ele pode sentir-se livre e infinito. Feuerbach acreditava que somente a religião dá conta do homem em sua totalidade e sugere que a religião desempenha um impor-tante papel na vida do homem concreto. Para ele, a consciência que o homem tem de Deus é a consciência que o homem tem de si.

A postura teórica de Feuerbach diante do materialismo mecânico e do idealismo alemão apresenta-se de grande valor e influência direta-mente para Marx, que a partir daí inicia toda uma reflexão em torno de seu materialismo. A riqueza do materialismo de Feuerbach pode ser apreen-dida no fato de ser um pensamento que se situa no processo de decomposição do “espírito abso-luto”. Em Feuerbach, o materialismo tem seu fun-damento no homem, é um materialismo que gira em torno do humanismo.

O pensamento filosófico de Marx e Engels torna-se conhecido em meados do século XIX, em meio à efervescência dos movimentos operários pela libertação econômica e política, ou seja, sur-ge sob a influência da luta dos proletários contra a exploração e a opressão. Desse modo, o Ma-terialismo Histórico Dialético, de Marx e Engels, surge como uma nova interpretação do mundo, voltado para aos interesses de defesa da classe trabalhadora.

O materialismo dialético torna-se, então, um método de análise da realidade, de acordo com o qual tudo se desenvolve e se transforma. Os homens não se limitam a contemplar o mun-do, mas exercem influência sobre o mesmo e o modificam. Procuram a ideia, a consciência na própria realidade; ao contrário do idealismo, onde a prioridade é a consciência em relação ao ser, ou a prioridade do pensamento em relação ao real.

3.2 O Desenvolvimento do Pensamento Marxista

Também é uma concepção que diverge do pen-samento filosófico que vê os fenômenos como se fossem imutáveis e fossilizados.

A dialética materialista compõe-se de leis básicas que conduzem o desenvolvimento do mundo objetivo e do pensamento do homem na realidade concreta em que vive.

AtençãoAtenção

O materialismo dialético torna-se, então, um mé-todo de análise da realidade, de acordo com o qual tudo se desenvolve e se transforma.

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As três leis básicas da dialética são: a lei da unidade e dos contrários, a lei da transição das mudanças quantitativas em qualitativas e a lei da negação da negação.

A Lei da Unidade e Luta dos Contrários

O princípio básico desta lei é que os con-trários estão inseparavelmente ligados e consti-tuem um único processo contraditório, são inter-dependentes, isto é, um só existe porque o outro existe. O fato, portanto, de estarem ao mesmo tempo ligados entre si formando uma unidade e repelindo-se mutuamente resulta na luta desses contrários. Nesse sentido, o papel principal é de-sempenhado não pela unidade, mas pela luta dos contrários, assim a unidade é relativa, temporária e transitória; enquanto a luta é absoluta, como é o movimento.

A Lei da Transição das Mudanças Quantitativas em Qualitativas

O princípio básico desta lei é que as mudan-ças quantitativas que podem parecer pequenas e imperceptíveis, inicialmente, vão se acumulando e atingem uma fase em que se tornam mudanças qualitativas. A antiga qualidade dá lugar a uma nova qualidade, que na sequência também se transforma pelo mesmo movimento e leva a no-vas mudanças. A mudança quantitativa pode ser lenta, mas quando dá o salto para uma nova qua-

3.3 As Leis Básicas da Dialética

lidade é brusca e transformadora, revolucionária. Esta transformação não é possível sem o acúmulo de pequenas e sucessivas mudanças quantitati-vas.

A Lei da Negação da Negação

O princípio básico desta lei é que cada fase superior nega ou até mesmo elimina a fase ante-rior. Implica a passagem de um fenômeno para uma nova fase, num processo contínuo de supe-ração a partir da negação.

O materialismo dialético, então, apresenta--se como um método científico e ao mesmo tem-po um método de intervenção na realidade social com vistas à transformação e, para tal, é regido por estas leis. A realidade, portanto, é concebida como uma totalidade onde tudo se relaciona e tudo se transforma.

AtençãoAtenção

Para a Lei da Unidade e Luta dos Contrários, os contrários estão ao mesmo tempo ligados entre si formando uma unidade e repelindo-se mutua-mente.

AtençãoAtenção

Para a Lei da Transição das Mudanças Quantita-tivas em Qualitativas, as mudanças quantitativas que podem parecer pequenas e imperceptíveis, inicialmente, vão se acumulando e atingem uma fase em que se tornam mudanças qualitativas.

AtençãoAtenção

Para a Lei da Negação da Negação, cada fase su-perior nega ou até mesmo elimina a fase anterior.

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A presença do materialismo histórico dialé-tico no Serviço Social se dá a partir do início da década de 1960, quando alguns grupos de As-sistentes Sociais passam a questionar o Serviço Social quanto à sua natureza e operacionalidade e partem para uma análise crítica da sociedade. Estes grupos de profissionais começam a rever as posições tradicionais do Serviço Social, ques-tionando a prática e o posicionamento político dos profissionais, tornando explícita a análise da dimensão política da prática profissional. Este grupo passa a se posicionar na defesa da classe trabalhadora, não considerando mais a sociedade como um todo harmônico, mas, sim, como uma realidade onde estão presentes interesses anta-gônicos.

Os acontecimentos da década de 1960 constituem um campo fértil para a busca de uma corrente que se pautasse pela mudança, pela transformação, especialmente a crise das ciências sociais de origem norte-americana; a renovação da Igreja Católica, embalada pela Teologia da Li-bertação, onde se tem um diálogo entre marxis-tas e cristãos; o movimento estudantil, o Movi-mento da Cultura Popular, a contracultura etc. A efervescência contestatória da década de 1960, que se retrata na profissão através do Movimen-to de Reconceituação, traz no seu bojo as ideias marxistas.

Inicialmente as ideias marxistas penetram o Serviço Social a partir da interpretação de Louis Althusser, que exerce influência sobre autores brasileiros do Serviço Social.

3.4 O Materialismo Histórico Dialético e o Serviço Social

Segundo Netto (1995), a análise da tradição marxista e o Serviço Social no Brasil tem que con-siderar dois elementos importantes. O primeiro é o fato desta interlocução se dar efetivamente nos anos 1960, depois de quase três décadas de implantação da profissão no Brasil e quando a mesma já se caracterizava por uma significativa institucionalização. O segundo elemento é que a tradição marxista, até a década de 1980, chega ao Serviço Social através de referências indiretas da teoria social de Marx, ou seja, através de inter-pretações das obras de Marx e não do acesso às fontes originais.

Somente a partir do amadurecimento inte-lectual e político experimentado pela profissão nos anos 1980 foi possível ao Serviço Social dialo-gar com as fontes originais e, consequentemente, apreender o método marxista.

Netto (1995) afirma que a relação entre a tra-dição marxista e o Serviço Social tem que ser com-preendida dentro de um quadro mais amplo de renovação profissional. A crise do Serviço Social tradicional passa primeiramente por um processo que o autor chama de “modernização conserva-dora”, implementada pela ditadura que se instala no Brasil a partir de 1964 e que investe em políti-cas sociais e força a laicização do Serviço Social. Na segunda metade da década de 1970, explicita-se o que o autor chama de vertente alternativa, inspi-rada na fenomenologia, até o surgimento da ver-tente que, segundo o autor, buscará a real ruptura com a herança conservadora, dialogando efetiva-mente com o pensamento marxista.

Essa vertente emerge nos anos 1970 na Es-cola de Serviço Social da Universidade Católica de Minas Gerais, como projeto de formação, inter-venção e extensão, mas é efetivamente na déca-da de 1980 que ganha maturidade teórica, quan-do alguns autores, que por força de suas posturas políticas estavam fora do país, retornam e passam a produzir teoricamente no país. Os escritos de Marilda Iamamoto e José Paulo Netto contribuem fortemente com este momento histórico do Ser-viço Social.

AtençãoAtenção

A presença do materialismo histórico dialético no Serviço Social se dá a partir do início da déca-da de 1960, quando alguns grupos de Assisten-tes Sociais passam a questionar o Serviço Social quanto à sua natureza e operacionalidade.

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Como vimos, o Materialismo Histórico Dialético tem importância vital para a profissão. Além da representatividade teórica, essa corrente de pensamento significou a mudança radical na forma e na conduta de ação dos assistentes sociais em todas as frentes de ação. Além da importância teórica, o Ma-terialismo é também importante pela sua influência na práxis profissional.

3.5 Resumo do Capítulo

1. O que é a dialética materialista?

2. Qual é a relação do Materialismo Histórico Dialético e o Serviço Social?

3.6 Atividades Propostas

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Na década de 1970, no bojo do Movimen-to de Reconceituação, ganha espaço no Serviço Social brasileiro a presença da fenomenologia. Segundo Aguiar (1984), já se encontram sinais desta postura no Serviço Social brasileiro desde o período desenvolvimen-tista, porém somente a partir da década de 1970 é que se pode considerar que esta corrente passa a exercer influência no Serviço Social brasileiro; principalmente a partir da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, com as reflexões da assistente social Ana Augusta de Almeida, que refletiu sobre o Serviço Social brasileiro numa postura fenomenológica. Em 1978, com o III Seminário de Teorização do Serviço Social brasileiro, que resultou no Docu-mento de Sumaré, é explicitada pela primeira vez a presença da fenomenologia no Serviço Social brasileiro.

A FENOMENOLOGIA4

A entrada da fenomenologia no Serviço So-cial se dá no processo de busca de renovação da teoria e da prática do Serviço Social e a influên-

cia mais marcante desta corrente na filosofia brasi-leira vem da Bélgica e da França, principalmente a partir da Escola de Lou-vain. Entre os pensado-res que influenciaram os pensadores brasileiros na postura fenomenológica podemos destacar Mer-leau-Ponty e Husserl.

AtençãoAtenção

No bojo do Movimento de Reconceituação, ga-nha espaço no Serviço Social brasileiro a presen-ça da fenomenologia. No Documento de Sumaré é explicitada pela pri-meira vez a presença da fenomenologia no Servi-ço Social brasileiro.A entrada da fenomenologia no Serviço Social se dá no processo de busca de renovação da teoria e da prática do Serviço Social.

Saiba maisSaiba mais

O I Seminário de Teorização do Serviço Social no Brasil ocorreu em 1967 em Araxá (MG) e resultou no Docu-mento de Araxá. O II Seminário de Teorização do Ser-viço Social no Brasil ocorreu em 1970 em Teresópolis (RJ) e resultou no Documento de Teresópolis. O III Semi-nário de Teorização do Serviço Social no Brasil resultou no Documento de Sumaré.

É uma ciência que se ocupa da descrição e classificação dos fenômenos. O principal au-tor dessa teoria é Husserl (1859-1938), que exerceu grande influência na filo-sofia contemporânea.

Fenomenologia sig-nifica estudo dos fenô-

4.1 O que é a Fenomenologia

menos, ciência dos fenômenos. Husserl, em seu trabalho, aborda a ciência da consciência e de

seus fenômenos e consi-dera que não se trata de ciência destinada a dar explicações sobre o mun-

AtençãoAtenção

Fenomenologia é uma ciência que se ocupa da descrição e classificação dos fenômenos.

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do e as coisas, ou de teoria explicativa que venha a acrescentar às anteriores.

Outras correntes do pensamento, como o existencialismo, buscaram elementos da fenome-nologia, como Heidegger, Sartre e Merleau-Ponty, que representam o existencialismo ateísta; en-quanto Van Breda, Marcel e Jaspers, entre outros, seguem uma linha de crença em Deus, cujas raí-zes principais estão em Søren Kierkegaard (1913-1955).

A fenomenologia de Husserl germinou du-rante a crise do subjetivismo e do irracionalismo, no final do século XIX, início do século XX. A feno-menologia se propôs a ser uma meditação acerca do conhecimento, um conhecimento do conhe-cimento, e para tal propõe o que conhecemos como “pôr entre parêntesis”, ou seja, dispensa a cultura, a história e refaz o saber. Por esta razão, alguns autores afirmam que há uma pretensão a--histórica na fenomenologia. É uma corrente de pensamento que não está interessada em colo-car a historicidade dos fenômenos. Não introduz transformações à realidade, ou seja, mantém-se conservadora, apenas estuda a realidade com o desejo de descrevê-la ou apresentá-la tal como ela é, sem mudanças. Exalta a interpretação do mundo que surge intencionalmente à nossa consciência, sem abordar conflitos de classes e nem mudanças estruturais.

Quem foi Husserl

Figura 8 – Edmund Husserl.

Husserl, de origem judaica, completou os primeiros estudos em um ginásio público alemão, em 1876. Em seguida, estudou física, matemática, astronomia e filosofia nas universidades de Leip-zig, Berlim e Viena. Suas primeiras publicações re-lacionam-se à lógica da matemática e à logística.

Em 1883, começa também a receber au-las de filosofia, com o filósofo e psicólogo Franz Brentano, e fica tão fortemente impressionado por esta que passa, então, a dedicar sua vida à filosofia e defende sua tese de doutorado nessa área, em Viena. Em 1887, Husserl converteu-se à fé evangélica luterana. Ensinou filosofia, como livre docente, em Halle, de 1887 a 1901, quando vai para Göttingen, onde permanece até 1918 e forma seus primeiros discípulos. Em 1916, assume a cátedra em Freiburg, onde permanece até 1928, quando se aposenta.

Apesar da hostilidade do regime nazista, Husserl permanece na Alemanha até sua morte. Após sua morte, seu aluno, Van Breda, com receio do antissemitismo, transporta toda sua bibliote-ca para Lovaine, inclusive os escritos inéditos de Husserl, estimados em 30.000 páginas.

Podemos dizer que na raiz do pensamento de Husserl encontramos as influências de Franz Brentano, Bolzano, Descartes, Leibniz e Kant. Hus-serl influenciou, entre outros, os alemães Edith Stein, Eugen Fink e Martin Heidegger e os fran-ceses Jean-Paul Sartre, Maurice Merleau-Ponty, Michel Henry e Jacques Derrida.

Husserl considerava que os filósofos esta-vam complicando a teoria do conhecimento, em lugar de considerarem com objetividade o fenô-meno da consciência como é experimentado pelo homem. O que importava, para ele, era o que se passava na experiência de consciência, através de

Saiba maisSaiba mais

Edmund Gustav Albrecht Husserl, filósofo alemão fun-dador da fenomenologia.Nascido em 8 de abril de 1859 em Prossnitz, Moravia, no então Império Austríaco, hoje Prostejov, na Repú-blica Checa, faleceu em 27 de abril de 1938 em Frei-burg, na Alemanha.

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uma descrição precisa do fenômeno. Por isso, deu o nome de “fenomenologia” à sua teoria que de-veria ser uma ciência puramente descritiva, para somente depois passar a uma teoria transcenden-tal à experiência, ou seja, para além do método científico.

Para compreendermos a fenomenologia de Husserl é necessário, portanto entendermos o significado de fenômeno.

O que é Fenômeno

Fenômeno deriva da palavra grega ‘phainó-menon’ que significa ‘iluminar’ e também ‘mostrar--se’ ou ‘parecer’. É, portanto, tudo que e mostra ou aparece, o que se torna visível. A filosofia conside-

ra que fenômeno é tudo que se mostra ou apa-rece para uma consciência. Podemos dizer então que fenômeno é tudo aquilo de que podemos ter consciência.

São considerados fenômenos não só os objetos dos quais podemos ter consciência, mas também os atos da consciência. Os dados ime-diatos da consciência se constituem, portanto, no ponto de partida da fenomenologia.

AtençãoAtenção

Fenômeno é tudo aquilo de que podemos ter consciência.

A contribuição da fenomenologia consiste basicamente na fundamentação do conhecimen-to a partir da experiência do mundo vivido. Logo, para a fenomenologia, todo o conhecimento e, também, o conhecimento científico têm por base uma experiência vivida e é na medida em que ela-bora esta vida pré-reflexiva, já vivida, que se vai constituir o momento de reflexão para a ciência.

A tarefa inicial para esta elaboração é a des-crição do fenômeno como ele se mostra à cons-ciência. A fenomenologia visa então mostrar e descrever o fenômeno tais como foram vividos, tais como se apresentam, mostrando, explici-tando, aclarando, desvelando as estruturas da experiência vivida e deixando transparecer na descrição da experiência as estruturas universais (CAPALBO, 1995).

4.2 Principais Ideias da Fenomenologia

Portanto, a fenomenologia busca nessa des-crição encontrar o núcleo fundamental do fenô-meno, ou seja, a sua essência, que Husserl chama de eidética. Atingir este núcleo é o que possibilita-ria encontrar um significado invariante que teria o status de universal. Isto supõe que todo fenô-meno tem uma essência e não pode ser reduzido então a uma única dimensão de fato.

A essência é única, por isso permite identifi-car um fenômeno, ou seja, há uma essência única para cada fenômeno. Neste sentido, o fenômeno não é simplesmente a aparição de alguma coisa, ele é o próprio ser, ele não representa alguma coi-sa, mas é essa mesma coisa dada à consciência.

Nesse sentido podemos afirmar que a feno-menologia é o estudo do que se mostra à cons-

AtençãoAtenção

A tarefa inicial da fenomenologia é a descrição do fenômeno como ele se mostra à consciência.

AtençãoAtenção

A essência é única, por isso permite identificar um fenômeno.

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ciência como fenômeno e se ocupa de explorar e descrever a essência desse fenômeno.

Para descrever estes fenômenos e alcançar a sua essência é preciso uma atitude livre de in-fluências de tradições, autoridade ou suposições de que os fatos deveriam ser deste ou daquele modo e limitar-se unicamente à sua observação. Não se trata, portanto, de verificar se os conteú-dos são reais ou irreais, ideais ou imaginários, mas trata-se de examiná-los como aparecem.

Segundo Pavão (1981), a fenomenologia preocupa-se em mostrar e não em demonstrar, em explicitar as estruturas que dão origem à ex-periência, em deixar transparecer na descrição da experiência suas estruturas universais. Esta des-crição é feita olhando-se para os fenômenos, ou seja, pela intuição. A descrição se constitui na pri-meira etapa do método fenomenológico. Para a fenomenologia, a intuição, do ponto de vista filo-sófico, nos coloca ante esta presença originária da coisa nela mesma, ela é fonte autêntica e legítima de conhecimento. A fenomenologia descreve os fatos, não explica e nem analisa.

Outra ideia importante para compreender a fenomenologia de Husserl é o conceito de inten-cionalidade. Este conceito ocupa um lugar cen-tral na fenomenologia, definindo a própria cons-ciência como intencional, voltada para o mundo.

Trata-se de preocu-par-se com o fenômeno, com as intenções do su-jeito, com o objeto e com o direcionamento da consciência. A noção de intencionalidade propõe uma análise precisa da estrutura da consciência e da descrição dos ob-jetos como se apresentam. Seu ponto de partida são as experiências do ser consciente que vive e age em um mundo que ele percebe e interpreta e que faz sentido para ele. Portanto, a percepção do sujeito consciente tem um caráter direcional. Ou seja, a consciência está sempre dirigida para um objeto que pode ser real, imaginário, material ou ideal e que tem um sentido único para aquela consciência.

De outro modo, podemos dizer que a cons-ciência é sempre consciência de alguma coisa e é a intenção voltada para um objeto. Há, portan-to, uma intenção que se manifesta na direção da consciência.

Sem o significado da consciência não se po-deria falar de objeto, nem da essência do objeto. Aliás, o objeto nunca será, então, um objeto em si, mas sempre será um objeto percebido, pensado, com um significado definido para uma consciên-cia.

Segundo Pavão (1981), a marca da inten-cionalidade está presente desde o momento da percepção de um fenômeno até o final do proces-so, quando o sujeito na sua totalidade vivencia o fenômeno e se posiciona no mundo.

A fenomenologia busca a essência do fenô-meno, como já dissemos, sendo esta outra ideia importante de ser compreendida na concepção fenomenológica. A essência não tem uma exis-tência fora do ato da consciência. A experiência é que leva à intuição da essência, ou seja, à des-coberta do sentido ideal que é atribuído ao fato materialmente percebido.

A fenomenologia nunca se orienta pelos fatos externos ou internos. Volta-se para a reali-dade da consciência, para os objetivos enquanto

decididos por e na cons-ciência, isto é, para as es-sências ideais. Trata-se de fenômenos vistos pelos fenomenólogos como tudo aquilo que se mani-festa imediatamente na consciência, alcançado

por uma intuição, antes de toda e qualquer refle-xão ou juízo.

Conclui-se, portanto, que a fenomenolo-gia é uma ciência voltada para o vivido, ou seja, propõe-se a estudar a realidade social concreta, compreensiva e interpretativa. Sua característica básica é a de ser um método voltado para uma descrição mais próxima da realidade, através do fenômeno da experiência. A fenomenologia se caracteriza, também, pela exigência de rever as perspectivas sobre o sentido da existência huma-na. O pensamento fenomenológico se preocupa sempre com o fenômeno e não com o fato.

AtençãoAtenção

A consciência é intencional. Trata-se de preocu-par-se com o fenômeno, com as intenções do sujeito, com o objeto e com o direcionamento da consciência.

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Segundo Macedo (1986), na busca de reno-vação dos esquemas operativos do Serviço Social, alguns de seus profissionais procuram assumir em suas proposições, como orientação meto-dológica, uma atitude fenomenológica. Por esta razão, segundo a autora, as leituras de Merleau--Ponty foram as que mais influenciaram os assis-tentes sociais, visto que este autor dedica-se mais à orientação metodológica da fenomenologia. Para ele, o caráter metodológico da fenomenolo-gia chega até mesmo a anteceder sua formulação filosófica.

A influência da fenomenologia no Serviço Social iniciou-se em programas de pós-gradua-ção, principalmente na PUC do Rio de Janeiro e na PUC de Porto Alegre. Alguns autores foram pioneiros nessa linha, como Ana Augusta de Al-meida, Ilda Lopes e Myriam Veras Baptista.

A fenomenologia introduz a visão existen-cial no trabalho social, proporcionando a aplica-ção da teoria psicossocial. Na fenomenologia, o Serviço Social se realiza através da intervenção social ou tratamento social. Trata-se de um pro-cedimento sistemático onde se desenvolve um processo de ajuda psicossocial, o qual é realizado através de um diálogo que deve levar a mudan-ças, partindo das experiências da pessoa, grupo e comunidade (BRANDÃO, 2006).

A fenomenologia contribui com o Serviço Social no sentido de dar um sentido novo para o processo de ajuda psicossocial a partir dos prin-cípios: diálogo, pessoa e transformação social. O diálogo constitui um processo de ajuda que visa a transformação social e liberdade responsável. Se-gundo Brandão (2006), na visão de Anna Augusta de Almeida, o diálogo como ajuda psicossocial constitui-se num processo onde Assistente Social e sujeito realizam uma experiência com todo o seu ser, no contexto da história humana. Trata-se de uma proposta onde se busca conceituar o su-jeito como pessoa, o reconhecimento de sua con-dição humana e não na condição de oprimido,

4.3 A Fenomenologia e o Serviço Social

alienado ou desajustado. Neste sentido, a feno-menologia vai trabalhar com a compreensão do ser como pessoa usando o diálogo como o instru-mento adequado à sua intervenção profissional.

Segundo Brandão (2006), o assistente social passa a fazer parte da realidade, sendo o instru-mento para o desenvolvimento social, estando presente nos processos sociais. A intervenção social vai orientar e transmitir a estratégia para a execução desse novo modelo de prática e/ou operacionalização da técnica. Através da inter-venção, o Assistente Social provocará o desen-volvimento de uma consciência teórica que visa assegurar participação e/ou criação de novos me-canismos de cooperação mútua. Essa consciência teórica deve ser entendida como compreensão humanizada do mundo, de si mesmo e das impli-cações últimas do seu ser no mundo, integrado ao contexto, considerado sujeito ativo, que com-preende e critica conscientemente sua realidade, sendo esta condição básica para sua conscienti-zação. Porém, a consciência aqui é compreendida como um ato voltado para o mundo exterior, para as coisas, para os outros homens, para si mesma, para seu ego, para a ação que o homem executa, para seus sentimentos, sua imaginação e memó-ria. A consciência tem um movimento de imanên-cia e de transcendência.

É pela intencionalidade que o homem per-cebe a si mesmo e a realidade e a transforma pelo pensamento e pela ação. O assistente social bus-ca compreender o sentido da existência humana, analisar as relações estabelecidas pelo homem como ser social. Cada relação é essencial para o Serviço Social, para sua intervenção, pois é na re-lação com os homens que sua prática ocorre. É na relação de ajuda que se realiza o encontro com o outro, dando um sentido, uma significação à vida, que deve levar a uma transformação, que, em úl-tima análise, é a finalidade da intervenção realiza-da pelo Assistente Social.

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Segundo Brandão (2006), a atitude do pro-fissional, com base na fenomenologia não é a postura de ensinar e nem de deixar que o sujeito tome sozinho suas decisões, mas entende-se que deve ocorrer uma construção conjunta de algo novo, um conhecimento novo que deve ser cons-truído a cada encontro, pois a relação vai se es-treitando e essa aproximação mútua reforça no-vas descobertas. A relação entre assistente social e sujeito deve ser autêntica, para que oportunize

uma reflexão conjunta para uma ação transfor-madora. Dessa forma, na perspectiva fenomeno-lógica, a relação de ajuda se dá na confluência da proximidade dos parceiros onde há um perguntar e um responder, numa situação de reciprocidade e horizontalidade criadora da atmosfera afetiva, humana, que leva à compreensão de si, do outro, de nós, para a possibilidade de uma transforma-ção para a liberdade.

Neste capítulo, tivemos a oportunidade de estudar com mais profundidade um método ampla-mente conhecido pelos profissionais do Serviço Social. A fenomenologia, como vimos, surge como uma nova proposta teórica para o Serviço Social, considerando o movimento dos profissionais, que buscavam aplicar cientificidade à prática profissional.

No entanto, na atualidade, trata-se de uma corrente filosófica que não tem aplicada aderência ao desenvolvimento dos profissionais, tendo em vista nosso compromisso com a corrente marxista de pen-samento filosófico.

4.4 Resumo do Capítulo

1. O que é fenomenologia?

2. Qual é a relação da fenomenologia e o Serviço Social?

4.5 Atividades Propostas

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A partir dos conteúdos expostos, referente às correntes filosóficas que influenciaram o Serviço So-cial, podemos dizer que não é possível vincular hoje o Serviço Social exclusivamente a nenhuma destas linhas, mas que há uma convivência dessas correntes a partir das identificações dos profissionais com estes princípios.

A vinculação do profissional de Serviço Social a uma concepção de vida, do homem e do mundo é fundamental e isto o aproxima ou o distancia dessas diferentes posturas, contudo, é importante frisar que a profissão também se expressa pela sua produção teórica, pelos seus órgãos representativos, e nesse sentido é possível identificar a predominância de uma corrente sobre a outra nos diferentes mo-mentos históricos.

Porém, seja com esta ou aquela corrente que o profissional se identifique, é importante ter um am-plo conhecimento sobre a realidade em que vamos intervir, conhecer e saber os problemas que afetam as pessoas ou as comunidades em geral. Ter este conhecimento é base fundamental para se atingir um bom resultado, seja na elaboração de uma pesquisa ou na realização de uma intervenção.

CONSIDERAÇÕES FINAIS5

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CAPíTULO 1

1. O Tomismo é a doutrina filosófica cristã elaborada pelo dominicano Tomás de Aquino, estudio-so do filósofo grego Aristóteles. Tomás de Aquino dedicou-se ao esclarecimento das relações entre a verdade revelada e a filosofia, isto é, entre a fé e a razão. Segundo sua interpretação, tais conceitos não se chocam nem se confundem, mas são distintos e harmônicos.

2. Segundo a concepção tomista, o trabalho dos primeiros assistentes sociais dirigia-se, sobretu-do, à classe trabalhadora, porém na perspectiva da conciliação das classes sociais. A visão de homem do Serviço Social era a pessoa humana, portadora de valor soberano, criado por Deus, único ser no universo capaz de se aproximar da perfeição. O objetivo do Serviço Social era mol-dar este homem, integrá-lo à sociedade, aos valores, à moral e aos costumes de uma sociedade cristã, a fim de que ele alcançasse a perfectibilidade.

CAPíTULO 2

1. O positivismo é uma corrente filosófica surgida na primeira metade do século XIX. Foi fundado por Augusto Comte em contraposição às ideias que nortearam a Revolução Francesa no século XVIII. A doutrina de Comte parte do pressuposto de que a sociedade humana é regulada por leis naturais, invariáveis, que independem da vontade e da ação humana. Para ele, as leis que regulam o funcionamento da vida social, econômica e política são do mesmo tipo que as leis naturais, logo, o que predomina na sociedade é uma organização semelhante à da natureza.

2. A matriz positivista terá um importante papel na legitimação do profissional de Serviço Social brasileiro, na medida em que amplia os referenciais técnicos para a profissão. Iamamoto (1998) chama esse processo de “arranjo teórico-doutrinário”, que se caracteriza pela junção do discur-so humanista-cristão, vindo do neotomismo com o suporte técnico científico na teoria social positivista.

CAPíTULO 3

1. A dialética materialista analisa a história do ponto de vista dos processos econômicos e sociais e a divide em quatro momentos: Antiguidade, feudalismo, capitalismo e socialismo. Cada um dos três primeiros é superado por uma contradição interna chamada “germe da destruição”. A contradição da Antiguidade é a escravidão; do feudalismo, os servos; e do capitalismo, o proletariado. O socialismo seria a síntese final, em que a história cumpre seu desenvolvimento dialético. A filosofia marxista vai além da interpretação materialista da natureza e aplica o ma-terialismo também à vida social.

RESPOSTAS COMENTADAS DAS ATIVIDADES PROPOSTAS

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O materialismo dialético torna-se, então, um método de análise da realidade, de acordo com o qual tudo se desenvolve e se transforma. Os homens não se limitam a contemplar o mundo, mas exercem influência sobre o mesmo e o modificam. Procuram a ideia, a consciência na pró-pria realidade.

2. A presença do materialismo histórico dialético no Serviço Social se dá a partir do início da déca-da de 1960, quando alguns grupos de Assistentes Sociais passam a questionar o Serviço Social quanto à sua natureza e operacionalidade e partem para uma análise crítica da sociedade. Es-tes grupos de profissionais começam a rever as posições tradicionais do Serviço Social, questio-nando a prática e o posicionamento político dos profissionais, tornando explícita a análise da dimensão política da prática profissional. Este grupo passa a se posicionar na defesa da classe trabalhadora, não considerando mais a sociedade como um todo harmônico, mas, sim, como uma realidade onde estão presentes interesses antagônicos.

CAPíTULO 4

1. É uma ciência que se ocupa da descrição e classificação dos fenômenos. O principal autor dessa teoria é Husserl (1859-1938) que exerceu grande influência na filosofia contemporânea. Fe-nomenologia significa estudo dos fenômenos, ciência dos fenômenos. A fenomenologia de Husserl germinou durante a crise do subjetivismo e do irracionalismo, no final do século XIX, início do século XX.

2. A fenomenologia introduz a visão existencial no trabalho social proporcionando a aplicação da teoria psicossocial. Na fenomenologia, o Serviço Social se realiza através da intervenção social ou tratamento social. Trata-se de um procedimento sistemático onde se desenvolve um processo de ajuda psicossocial, o qual é realizado através de um diálogo que deve levar a mu-danças, partindo das experiências da pessoa, grupo e comunidade.

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