barros - módulo experimental para o ensino de choro

122
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA ESCOLA DE MÚSICA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA MESTRADO EM MÚSICA - EDUCAÇÃO MUSICAL MÓDULO EXPERIMENTAL PARA O ENSINO DE CHORO:UM ESTUDO DESCRITIVO PAULO EMÍLIO PARENTE DE BARROS DISSERTAÇÃO SUBMETIDA AO PROGRAMA DE PÓS - GRADUAÇÃO EM MÚSICA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA COMO REQUISITO PARCIAL À OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM MÚSICA ORIENTADOR: DRA. ALDA OLIVEIRA CO-ORIENTADOR: DRA. ANGELA LÜHNING SALVADOR, BAHIA FEVEREIRO, 2002

Upload: isaac-james-chiaratti

Post on 10-Nov-2015

6 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

Barros - Módulo Experimental Para o Ensino de Choro

TRANSCRIPT

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

    ESCOLA DE MSICA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM MSICA

    MESTRADO EM MSICA - EDUCAO MUSICAL

    MDULO EXPERIMENTAL PARA O ENSINO DE CHORO:UM ESTUDO DESCRITIVO

    PAULO EMLIO PARENTE DE BARROS

    DISSERTAO SUBMETIDA AO PROGRAMA DE PS - GRADUAO EM MSICA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA COMO REQUISITO PARCIAL OBTENO DO GRAU

    DE MESTRE EM MSICA

    ORIENTADOR: DRA. ALDA OLIVEIRA CO-ORIENTADOR: DRA. ANGELA LHNING

    SALVADOR, BAHIA FEVEREIRO, 2002

  • ii

    Aprender descobrir aquilo que voc j sabe. Fazer demonstrar que voc o sabe. Ensinar lembrar aos outros que eles sabem tanto quanto voc. Somos todos aprendizes, fazedores, professores.

    (Richard Bach, do livro Iluses)

  • iii

    Agradecimentos

    Antes de me casar, eu costumava sair para comer em restaurantes da cidade, tanto no almoo como no jantar. Quinta feira noite era a folga das empregadas, em Bronxville, de modo que muitas famlias saam para comer fora. Uma bela noite, eu estava em meu restaurante favorito e na mesa ao lado havia um pai, uma me e um menino magrinho de uns doze anos de idade. O pai disse ao menino: Tome seu suco de tomate. E o menino respondeu: No quero. O pai insistiu, com voz mais alta: Tome seu suco de tomate. A me interveio: No o obrigue a fazer o que ele no quer. O pai olhou para a mulher e disse: Ele no pode levar a vida fazendo o que quer ... eu nunca fiz nada do que quis, em toda a minha vida. Esse o homem que nunca perseguiu a sua bem-aventurana. (...) Eu sempre recomendo aos meus alunos: vo aonde o seu corpo e sua alma desejam ir. Quando voc sentir que por a, mantenha-se no caminho, e no deixe ningum desvi-lo dele.

    (Joseph Campbell, do livro O Poder do Mito).

    A todos que me ajudaram e me ajudam a perseguir minha bem-aventurana:

    Aos meus pais Antnio e Zilma, mestres que me deram o ser e a vida;

    minha companheira Cau, presena constante de amor, com quem desfruto o que h de

    melhor na vida;

    A meus filhos Davi e Jlia, que tanto me ajudam na difcil tarefa de aprender e ensinar;

    minha orientadora Professora Doutora Alda Oliveira, que me conduziu com pacincia

    e sabedoria, no fiar deste tecido entre a rua e a academia;

    minha co-orientadora Professora Doutora Angela Lhning, que me ajudou a

    compreender muitas coisas de l do outro lado da rua;

    A Jacob Pick Bittencourt, que numa bendita tarde dos meus oito anos, apresentado por

    meu pai atravs do som de uma vitrola, me enfeitiou para o resto da vida;

    A Marco Csar de Oliveira Brito, que numa ensolarada manh dos meus vinte e quatro

    anos, me relembrou o feitio de menino;

  • iv

    A Avelino, Cacau, Edson, Fernando, Figueroa, Gerson, Menezes, Osmar Macdo entres

    outros Mestres do Choro na Bahia, com os quais aprendi muito como se toca Choro, e

    que contriburam direta e indiretamente na realizao desse trabalho;

    Aos meus alunos, que muito me ensinam;

    A todos os Mestres, deste e de outros planos, que contriburam e contribuem para minha

    formao.

  • v

    Resumo

    Esta dissertao desenvolveu e aplicou um programa de ensino de Choro para

    os alunos dos cursos de graduao em Msica da Escola de Msica da Universidade

    Federal da Bahia. Atravs da anlise dos seus resultados, o estudo prope uma expanso

    nas metodologias tradicionais e apresenta sugestes para articular a insero do Choro

    no ensino superior brasileiro. A proposta de ensino, denominada Mdulo Experimental

    de Ensino de Choro MEEC (Manual do Professor, Manual do Aluno e Ttulos de

    Msicas selecionadas), foi desenvolvida e testada com um grupo de vinte alunos do

    curso de Licenciatura em Msica, cursando o primeiro semestre letivo.

    A construo da proposta metodolgica baseou-se nos estudos desenvolvidos

    por Swanwick (1979), Oliveira (1991), nos contatos com os Mestres de Choro e na

    nossa prpria experincia de professor de Msica e executante de Choro.

    Aps avaliaes de juizes independentes, na academia, avaliao processual

    feita pelo professor e avaliao da participao em situao de contexto oral, o estudo

    concluu que o MEEC foi adequado para o ensino do Choro, pois os alunos

    apresentaram performances satisfatrias e, por vezes, mesmo surpreendentes, no

    somente dentro de uma situao escolar (instituio de ensino superior), como dentro de

    uma situao no escolar (Roda de Choro).

  • vi

    Abstract

    This Master Thesis addresses the development and the application of a Choro

    Music Teaching Program to undergraduate students enrolled in Music degree at the

    Universidade Federal da Bahia. Through the analyses of its results, this study proposes

    the expansion of traditional methodologies and presents suggestions to insert the study

    of the Choro Music in Brazilian higher education programs. The teaching program,

    named Mdulo Experimental de Ensino de Choro MEEC (Choro Music Teaching

    Experimental Module), was developed and tested within a group of 20 students enrolled

    in the first semester of the Bachelors degree of Music.

    The construction of the proposed methodology was based on the studies

    developed by Swanwick (1979), Oliveira (1991), interviews with Masters of the Choro

    Music, as well as on our own experience as Music teacher and Choro Musician.

    After evaluations carried out by independent referees, from both the academy,

    and the teacher, and evaluation performed on aural and oral contexts situations, this

    study concluded that the suggested methodology (MEEC) is adequate for teaching

    Choro Music. The students presented satisfactory performance, and in some cases

    excellent ones, not only within the academy context, but also while playing in Choro

    Music groups.

  • vii

    Sumrio Mensagem........................................................................................................................ii

    Agradecimentos...............................................................................................................iii

    Resumo.............................................................................................................................v

    Abstract............................................................................................................................vi

    Sumrio...........................................................................................................................vii

    Lista de tabelas.................................................................................................................ix

    Apresentao...................................................................................................................1 Captulo I Introduo

    O Choro entre a rua e a escola...............................................................................2 Captulo II - Reviso de Literatura

    2.1. O que pode e o que no pode ser ensinado.......................................................9 2.2. Parmetros do estudo......................................................................................11 2.3. A msica brasileira ou a msica no Brasil?....................................................13 2.4. O Choro...........................................................................................................17

    2.4.1. Primrdios e consolidao..................................................................17 2.4.2. Elementos caractersticos...................................................................19 2.4.3. Principais compositores e intrpretes.................................................22 2.4.4. O Choro no incio de um novo milnio..............................................25 2.4.5. O Choro na voz dos mestres da tradio oral.....................................26

    Captulo III - Metodologia

    3.1. Referenciais tericos.......................................................................................29 3.1.1. Modelo (T)EC(L)A.............................................................................29 3.1.2. Estrutura de Ensino.............................................................................30 3.1.3. Modelos Auditivos..............................................................................31

    3.2. Etapas do trabalho...........................................................................................32 3.2.1. Organizao do mdulo MEEC..........................................................32 3.2.2. Seleo dos participantes....................................................................35 3.2.3. Aplicao do mdulo MEEC..............................................................36 3.2.4. Avaliao dos sujeitos e do mdulo...................................................37 3.2.5. Anlise da aplicao do mdulo.........................................................38

  • viii

    Captulo IV - Resultados

    4.1. A questo de pesquisa e o que encontramos...................................................39 4.2. A apresentao pblica...................................................................................43 4.3. Avaliao dos juzes independentes...............................................................45 4.4. Elementos desenvolvidos pelo MEEC...........................................................50

    4.4.1. Comportamentos................................................................................50 4.4.2. Conhecimentos...................................................................................51 4.4.3. Habilidades.........................................................................................53 4.4.4. Atitudes...............................................................................................54

    4.5. Depoimentos: os resultados nas vozes dos juzes e alunos.............................55 Captulo V Anlise, Discusso, Concluso e Sugestes

    5.1. O que revelaram os juzes...............................................................................59 5.2. Anlise do processo pelos critrios de Swanwick..........................................62 5.3. Duas apresentaes e dois resultados.............................................................64 5.4. O que faltou....................................................................................................64 5.5. Concluso e sugestes....................................................................................65

    Bibliografia......................................................................................................................70 Anexos.............................................................................................................................74

    Mdulo Experimental de Ensino de Choro - Manual do Professor.......................75 Mdulo Experimental de Ensino de Choro - Manual do Aluno............................93 Mdulo Experimental de Ensino de Choro Repertrio.....................................108 Mdulo Experimental de Ensino de Choro Ficha de Avaliao.......................109 Critrios de avaliao de Swanwick....................................................................111

  • ix

    Lista de Tabelas

    Pgina TABELA 1: Avaliao dos instrumentistas, na msica Flor Amorosa......................45

    TABELA 2: Avaliao dos instrumentistas, na msica Gacho................................45

    TABELA 3: Avaliao dos instrumentistas, na msica Atraente...............................45

    TABELA 4: Avaliao dos instrumentistas, na msica Medrosa...............................46

    TABELA 5: Avaliao dos instrumentistas, na msica Vou Vivendo.......................46

    TABELA 6: Avaliao dos instrumentistas, na msica Ainda me recordo................46

    TABELA 7: Avaliao dos instrumentistas, na msica Ingnuo................................47

    TABELA 8: Avaliao dos instrumentistas, na msica Chorinho para ele................47

    TABELA 9: Mdia das avaliaes dos juizes para cada msico em cada msica.........48

    TABELA 10: Mdia geral das avaliaes dos juizes para cada msico.........................48

    TABELA 11: Avaliao dos juizes para apresentao em grupo...................................49

  • 1

    Apresentao

    Este trabalho prope a construo e aplicao de um programa de ensino de

    Choro para alunos do curso superior da Escola de Msica da Universidade Federal da

    Bahia. Aps analisar os resultados, apresenta correes e sugestes para estudos futuros

    relacionados com o assunto.

    No primeiro captulo, O Choro entre a Rua e a Escola, faz-se uma exposio do

    objeto de estudo: a construo e aplicao de um programa de ensino de Choro junto

    aos alunos do curso superior da Escola de Msica da Universidade Federal da Bahia,

    justificando a sua realizao. No segundo captulo, Reviso de Bibliografia, realizam-se

    uma investigao e anlise em autores que escrevem sobre o Choro. No terceiro

    captulo, Metodologia, apresenta-se o processo de desenvolvimento do estudo em

    questo e explica-se a construo e aplicao do Mdulo Experimental de Ensino de

    Choro - MEEC. No quarto captulo so relatados os resultados alcanados com a

    construo e aplicao do MEEC. No quinto captulo, Anlise, Discusso, Concluso e

    Sugestes, analisa-se e discute-se o trabalho desenvolvido nesse mdulo, utilizando

    como referncias alguns autores como Swanwick (1979), Oliveira (1991), assim como

    os contatos do autor com os Mestres de Choro e a sua prpria experincia de professor

    de Msica e executante de Choro; so apresentadas, tambm, as concluses a que se

    chegou com a aplicao do MEEC, bem como, sugestes para a correo de desvios

    observados na anlise dos resultados e sugestes para futuros trabalhos. Na parte dos

    Anexos, inclui-se uma srie de textos fundamentais para a aplicao do MEEC: Manual

    do Professor, Manual do Aluno, lista de msicas utilizadas, ficha de avaliao utilizada

    pelos juzes independentes, critrios desenvolvidos por Swanwick para avaliao de

    composio, apreciao e execuo.

  • 2

    Captulo I O Choro entre a Rua e a Escola

    O presente trabalho construiu e aplicou um programa de ensino do Choro, no

    contexto de sala de aula do curso de Licenciatura em Msica da Escola de Msica da

    Universidade Federal da Bahia. Esta proposta pedaggica visa a dar subsdios que

    permitam a introduo do estudo desse gnero musical nos cursos superiores de Msica

    no Brasil.

    O Brasil fez 500 anos. Chegamos a um novo milnio e, infelizmente, muito

    pouco de nossa cultura foi estudado. No caso especfico da msica, a histria muito

    triste, principalmente quando olhamos para a atual situao da Educao Musical e

    sofremos esta invaso cultural institucionalizada chamada de globalizao. O estado

    calamitoso da Educao Musical em nosso pas tem sido apontado por vrios

    profissionais da rea como Hentschke (1993), Oliveira (1995), Figueiredo (1997), assim

    como a sua precariedade foi abordada por Nogueira (1987, 1996), Beyer (1993),

    Hentschke (1993), Santos (1994), Hentschke e Oliveira (2000). Essa problemtica

    tambm vem sendo discutida em congressos e encontros de Educao Musical, j se

    podendo, portanto, vislumbrar a preocupao com a necessidade de suprir tal lacuna.

    Dentre os inmeros problemas da Educao Musical no Brasil, h um que tem

    chamado muito nossa ateno, e para o qual esperamos contribuir com este trabalho: a

    falta de elementos da cultura musical brasileira, especificamente o Choro, nos currculos

    das escolas de msica de nvel superior. inconcebvel que, em pleno sculo XXI, no

    Brasil, um indivduo complete sua graduao em msica e no tenha em seu currculo

    estudos obrigatrios aprofundados de msica brasileira. H raras e honrosas excees

    como o caso dos cursos de Bacharelado, Mestrado e Doutorado em Msica Popular

  • 3

    Brasileira da UNIRIO, no Rio de Janeiro e da UNICAMP, em So Paulo. Todavia, de

    um modo geral, observamos que o enfoque de msica brasileira ocorre quando h o

    interesse e a boa vontade do professor sem, contudo existir ainda a sua insero como

    contedo curricular com a mesma importncia que dada msica europia.

    Do ponto de vista educacional, podemos ver que a falta de insero dos estudos

    sobre a cultura brasileira nos cursos superiores de msica pode ser uma das causas para

    a precariedade da educao musical nas escolas regulares de ensino fundamental e

    mdio; uma vez que isso afeta a formao profissional do educador musical, tornando-o

    mais distante da realidade, dificultando a sua compreenso do universo musical de seus

    alunos.

    Apesar de possuir um programa de ps-graduao em msica, com nfase total

    na msica brasileira, em termos institucionais, s o fato de a Escola de Msica da

    UFBA no possuir, no seu currculo atual de graduao, estudos aprofundados sobre

    msica brasileira, como um todo, ou mais especificamente sobre o Choro, j justificaria

    nosso trabalho. tambm uma questo de cidadania: uma instituio, mantida com

    dinheiro pblico, precisa garantir a seus alunos a possibilidade no s de conhecer a sua

    cultura, como tambm de desenvolver a criatividade e o esprito crtico em relao s

    demais culturas do mundo. Assim sendo, os programas dos cursos de formao do

    msico deveriam inserir, obrigatoriamente, o ensino de msica brasileira. "Pra no dizer

    que no falei de flores" (Geraldo Vandr), observamos que nos cursos da Escola de

    Msica da UFBA, temos uma disciplina semestral optativa destinada msica popular

    brasileira. bvio que em um ou dois semestres impossvel ter-se uma viso

    cuidadosa e aprofundada sobre uma cultura to vasta. Alm do que, j existem vrios

    trabalhos de pesquisa sobre msica brasileira de diversos gneros, desenvolvidos nos

  • 4

    programas de ps-graduao. Esses resultados precisam ser estudados e divulgados nos

    cursos de graduao em msica.

    Procurando as razes do por que da msica brasileira no ser estudada nas

    nossas universidades, muitas justificativas so dadas, embora as consideramos todas

    incuas, diante da gravidade do assunto. comum ouvirmos argumentos ligados

    inexistncia de material didtico, ausncia de professores preparados, ou mesmo uma

    atitude preconceituosa em relao s msicas da tradio oral. Na viso de muitos

    docentes da rea, tais msicas deveriam continuar na rua pela falta de nvel, outros

    argumentam que se fossem colocadas na escola poderiam ser transformadas, congeladas

    e at deturpadas. Podemos refletir, por exemplo, sobre o que aconteceu com o Jazz. No

    era msica tradicional, de rua? Foi para a escola norte-americana e europia e, devido

    a isso, foi e continua a ser estudada e pesquisada. Mudou, verdade, mas ser que no

    mudaria de qualquer jeito? Cultura algo dinmico. Segundo Merriam (1964: 162):

    Cultura estvel, mas nunca esttica: , ao contrrio, dinmica e sempre mutvel. isso que conta para o fato de que a enculturao persista atravs da vida, desde que cada gerao mais velha ajuste-se, como melhor possa, s mudanas introduzidas pelas geraes mais novas.

    Impedir essas transformaes transcende a ao do educador, no entanto,

    nosso dever compreender como essas mudanas culturais ocorrem, principalmente

    quando se trata do contexto brasileiro. Swanwick (1994: 221) nos fala que a msica

    tem autonomia cultural suficiente para sobreviver transplantao de uma cultura para

    outra e, obviamente, durante o processo ela mudar. Ele afirma que (1991: 134):

    A cultura no algo que apenas se transmite, perpetua e preserva, se no que se reinterpreta constantemente. Como um elemento vital do processo cultural, a

  • 5

    msica recreativa no melhor sentido do termo: ajudando a ns e a nossa cultura a renovar-nos a transformar-nos.

    Ter um papel ativo e gerador em um processo de mudana, apesar de inevitvel

    em termos educacionais, uma grande responsabilidade. neste ponto que sentimos o

    peso da intromisso. Palmer (1992: 32) nos alerta:

    Quando uma msica transferida de sua cultura original, ela perde algumas de suas qualidades essenciais. [...] A questo principal : que grau de concesso aceitvel antes que a essncia da msica esteja perdida, e no seja mais representante da tradio em estudo. [...] uma msica transplantada tambm pode sofrer perda de suas mais preciosas posses, como suas afinaes, timbres, linguagem e expresses musicais que a tornam nica e representativa de uma cultura especfica.

    Temos conscincia de que ao propor um programa de ensino do Choro para

    cursos de graduao em Msica, estaremos, de certa forma, propondo uma mudana,

    uma transformao trazendo um repertrio da rua para a escola. este repertrio da

    rua, que at ento s ensinado na rua, que, para este trabalho consideramos, como

    nos disse Palmer, cultura original. O Educador Musical, por essncia, no deixa de ser

    um agente transformador. O problema como conduzir essa inevitvel transformao.

    A esse respeito, Palmer (1992: 38-9), nos fala:

    A questo mais importante quanta concesso pode ser feita antes que o original esteja perdido. [...] Educadores sensveis iro entender as necessidades especficas de uma msica e iro conduzir seus alunos com apropriado respeito tradio em estudo.

  • 6

    Quanto ao interesse do alunado em debruar-se sobre o estudo do Choro,

    podemos afirmar, sem hesitao, que ele est presente, baseando-nos nas concluses de

    Alvares (1999), que desenvolveu sua tese de doutorado na Universidade de Miami,

    EUA, pesquisando o interesse pelo estudo do Choro nas universidades brasileiras. O

    Brasil musical precisa, ainda, de estudos mais aprofundados sobre a sua gnese e

    desenvolvimento, conforme afirma Lhning (1995: 103): aqui, no Brasil, existe um

    nmero de publicaes relativamente limitado que aborda questes ligadas msica

    menos tradicional ou de minorias que no sejam apenas grupos ameaados ou vivendo

    distante das grandes capitais. A msica brasileira tem exercido um fascnio muito

    grande nas pessoas de muitos pases e j objeto de estudo em vrios deles. Em breve

    poderemos ter mtodos de ensino de Samba, Choro, Frevo, dentre outros, vindos do

    Japo, Alemanha ou Estados Unidos. Isso no seria problema, se por aqui tais estudos

    tambm fossem feitos. Seria at interessante cruzar as informaes de como nos vemos

    e como os outros nos vem, seno corremos o risco de s conhecermos a viso externa.

    E o pior de tudo acabar adotando, por comodismo ou por falta mesmo de material

    brasileiro competente, um ponto de vista externo. Revendo a literatura disponvel,

    encontramos poucos estudos editados, e dentro desse pequeno universo so raros os que

    foram escritos por msicos, como iremos observar mais adiante, ao discorrer sobre a

    literatura da rea.

    O Choro um gnero musical, que existe h mais de 130 anos e continua a se

    desenvolver e renovar. neste conflito entre tradio oral e tradio escrita, que

    procuramos dar uma contribuio para melhor conhecer uma das milhares de peas

    deste imenso quebra-cabea chamado Brasil. A nossa proposta de estudo est

    direcionada para a disponibilizao do conhecimento sobre o Choro para todos os

  • 7

    alunos de graduao em msica, em qualquer das habilitaes citadas nas Diretrizes

    Curriculares de Msica que venham a ser aprovadas.

    Como bem explicita o documento Diretrizes Curriculares para os Cursos de

    Musica (MEC/SESU, 1999), elaborado por Comisso de Especialistas, presidida pela

    Profa. Dra. Alda Oliveira, os cursos de graduao, nessa rea, necessitam de uma

    reviso curricular para melhor se adaptarem atual realidade:

    Devido ao surgimento de novas tecnologias de produo e reproduo musical, de novas demandas do mercado de trabalho e de uma nova era marcada pela competio e pela excelncia, o Currculo Mnimo de 1969 encontra-se bastante defasado e em discordncia com a diviso da rea de Msica em sub-reas. Eis a necessidade de serem criadas novas Diretrizes Gerais, as quais estejam em concordncia com a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educao 9.394/96, e atendam o desenvolvimento da rea de Msica no Brasil e no exterior.

    compreensvel que os currculos de 1969 estejam defasados. Para que uma

    real mudana ocorra, concordamos com o teor das Diretrizes Curriculares, em oferecer

    meios que possibilitem detectar os pontos de defasagem, as causas dessas e oferecer

    sugestes. No entanto, convm lembrar que a flexibilidade est mencionada no mesmo

    documento:

    [...] no devem ser entendidas como a determinao de uma estrutura curricular rgida que estabelea contedos e disciplinas fixas, seriadas e obrigatrias, e nem como a determinao de um currculo mnimo estanque e inflexvel. Ao contrrio, estas Diretrizes Gerais, em concordncia com a nova LDB, tm como propsito determinar objetivos acadmicos amplos e que orientem os cursos superiores na rea de Msica para a construo de currculos inovadores. Estes devem atender especificidades regionais, vocaes especficas de cursos, e mercados de trabalho diversificados. [sem grifo no original]

  • 8

    Dentre os campos de conhecimentos que podem integrar os currculos dos

    cursos de Msica, so destacadas sete sub-reas de formao de recursos humanos que

    constituem as seguintes habilitaes:

    1 - Prticas Interpretativas, compreendendo Instrumento/Voz e Regncia;

    2 Composio;

    3 - Educao Musical;

    4 - Produo Cultural;

    5 - Msica Popular;

    6 - Tecnologia em Msica;

    7 Musicoterapia.

    Ao apresentar recomendaes sobre os contedos do ncleo bsico de

    formao do msico, o documento citado ressalta que:

    [...] a Teoria da Msica pode incluir todos aqueles campos de conhecimentos que abordam a msica (a) em seu percurso atravs do tempo e das culturas [histria], (b) em sua prpria construo [anlise] e (c) nas maneiras como ela percebida [percepo]. Aqui esto includos os conhecimentos que situam a msica dentro de uma histria das idias, com o cuidado de ampliar o que tradicionalmente se chamaria de "histria da msica" para enfatizar a insero da msica na histria das idias no Brasil e o percurso da msica popular no Brasil. [sem grifo no original]

    A proposta do nosso trabalho de construir e aplicar um programa de ensino do

    Choro para alunos dos cursos superiores de Msica tem respaldo na legislao atual,

    constituindo-se numa proposta inovadora que resgata a insero da Msica Brasileira no

    processo de formao acadmica do msico.

  • 9

    Captulo II Reviso de Literatura

    Desde o incio da concepo deste projeto duas questes nos chamaram mais a

    ateno: o estudo e sistematizao de um gnero musical popular e a escassez de

    literatura especfica sobre este gnero.

    2.1. O que pode e o que no pode ser ensinado?

    Como foi visto no captulo anterior esta questo de trazer para a escola um

    gnero musical da rua foi uma preocupao que muito nos consumiu, contudo

    encontramos em Merrian, Palmer e Swanwick o respaldo necessrio para iniciar nosso

    empreendimento.

    Passamos ento a nos questionar se era possvel realizar o nosso objetivo:

    ensinar numa instituio formal um gnero to complexo como o Choro. Concordamos

    com a viso de Bennett Reimer expressa por Besson, Tatarunis e Forcussi (1980, 24)

    quando nos fala que existem duas partes interdependentes na experincia esttica: uma

    que mensurvel e possvel de ser ensinada e outra que no pode ser ensinada e no

    mensurvel.

    So conhecimentos mensurveis e possveis de serem ensinados: observao,

    conscincia, reconhecimento, identificao, referncia, distino, discernimento,

    caracterizao, associao, relao, comparao, classificao, anlise, sntese,

    integrao, descoberta, conceptualizao, compreenso e insight. Por outro lado, so

    apontados como no mensurveis e que no podem ser ensinados: emoo, sentimento,

  • 10

    afeio, subjetividade, personalidade, imaginao, atitude, gosto, interpretao,

    qualidade, significncia, crtica, deciso, escolha, avaliao, aceitao, rejeio,

    julgamento e apreciao.

    Para atravessar mais de um sculo de desenvolvimento, mais do que bvio

    que, o Choro possui formas de transmisso e de ensino. Libneo (1999, 23) define trs

    tipos de prticas educativas: informal - experincias e relaes das quais resultam

    conhecimentos e prticas, mas que no esto ligadas especificamente a uma instituio,

    nem so intencionais e organizadas. Educao no-formal aquela realizada em

    instituies fora do marco institucional educativo, mas que contm sistematizao e

    estruturao em sua prtica. Educao formal aquela realizada na instituio de

    formao, escolar ou no, que tem inteno deliberada de uma educao organizada,

    estruturada, sistemtica. Porm, concordamos com Oliveira (2000: 6), quando nos fala

    que embora existam definies claras na rea de educao para a diferenciao entre

    educao formal, informal e no-formal, cujas variveis diferenciativas esto na

    intencionalidade, na organizao, na sua ligao com a instituio propiciadora dos

    processos educacionais, coloca-se aqui um questionamento quanto a essa conceituao

    para aplicao na rea de msica. Qualquer processo educacional intencional ou no,

    sistematizado ou no, institucionalizado ou no, tem forma, tem estrutura. O

    planejamento dessa estrutura pode ser anterior ou posterior ao seu desenvolvimento,

    como processos de composio e improvisao musical: o primeiro - planejado,

    organizado, repensado, re-estruturado, escrito; j o segundo, - desenvolvido e concebido

    no ato da ao para aquele determinado momento. Porm, ambos apresentam forma,

    estrutura. No trabalho de Marialva Rios (Rios, 1997) esta autora aponta vrias

    formalidades presentes na transmisso da manifestao cultural Terno de Reis em

    Salvador, Bahia.

  • 11

    2.2. Parmetros do estudo

    O segundo grande entrave para a realizao deste trabalho foi a escassez de

    estudos mais sistemticos sobre a msica brasileira e, particularmente, sobre o Choro.

    Encontram-se algumas biografias e estudos editados, a grande maioria escrita por

    jornalistas e amantes da msica. Poucos dos trabalhos editados foram escritos por

    msicos. Garbosa (2001), a partir do exame de listagens institucionais de teses e

    dissertaes efetuadas em Cursos de Msica, de Educao, e de Comunicao e

    Semitica, levantou, entre 1981 e 2000, 547 trabalhos relacionados s diversas subreas

    de msica, compreendendo musicologia, etnomusicologia, educao musical,

    composio, prticas interpretativas, e musicoterapia, das quais vinte e quatro tratavam

    de assuntos referentes ao Choro. Pode parecer muito, mas so aproximadamente 4% de

    um montante de trabalhos realizados em vinte anos. Porm, diante da realidade da

    Educao Musical brasileira, j alguma coisa. Fora do Brasil recebemos notcias de

    alguns trabalhos especficos sobre Choro, como as teses de doutorado de lvares (1998)

    e Livingston (1999). A maioria desses trabalhos no publicada, fato que, embora no

    impossibilite o acesso, dificulta a sua divulgao ao pblico uma vez que ficam restritos

    ao meio acadmico.

    Este problema exigiu pacincia e criatividade, resultando na busca de fontes de

    referncias no somente bibliogrficas como tambm orais. Com o objetivo de iniciar a

    pesquisa bibliogrfica, Barros (1999), desenvolveu um primeiro estudo de pesquisa

    bibliogrfica, intitulado "O Choro na Educao Musical", e tambm utilizando

    entrevistas com alguns mestres de Choro, estabelecendo seis unidades de anlise:

    1o - Formao da msica brasileira.

  • 12

    Com esse primeiro tpico iniciamos a reviso bibliogrfica buscando, inicialmente, uma

    compreenso geral do universo no qual est inserido o Choro: a msica brasileira.

    2o - Choro: primrdios, desenvolvimento e situao atual.

    Com o objetivo de obter um panorama histrico do Choro buscamos dados sobre o

    desenvolvimento do Choro, atravs de consultas a biografias, discografias e verbetes

    sobre Choro.

    3o - Choro: carter instrumental e camerstico.

    Nesse tpico buscamos compreender o carter instrumental e camerstico do Choro

    como ponto de partida para um estudo mais aprofundado sobre o gnero.

    4o - A esttica do Choro: aspectos vinculados ao ritmo, melodia, harmonia, forma,

    arranjo, timbre, instrumentao e composio.

    Realizamos essa radiografia esttica na busca de compreender aspectos tcnicos do

    gnero.

    5o - Desenvolvimento do Choro e a constituio de uma identidade musical brasileira: o

    percurso de compositores, arranjadores e intrpretes.

    Para compreender o desenvolvimento do Choro foi necessrio ter uma viso de como os

    intrpretes, compositores e arranjadores, praticamente, criaram e modificaram o gnero.

    6o - Os processos de ensino/aprendizagem no Choro.

  • 13

    Para esse tpico foram utilizadas entrevistas com alguns mestres da cultura local, a

    experincia particular do autor e o estudo de mtodos de ensino de instrumento com

    uma viso voltada para a msica popular brasileira.

    Os resultados desse estudo preliminar serviram de base para a elaborao do

    programa de ensino de Choro desta pesquisa.

    2. 3. A msica brasileira ou a msica no Brasil?

    Ao estudar o Choro nos deparamos com alguns problemas de definio. E

    talvez o mais complicado deles seja situar, para os nossos alunos, o que msica

    brasileira e, mais especificamente, o que msica popular brasileira.

    Entendendo msica como um dos elementos da cultura, vemos que para alguns

    tericos a produo cultural realizada dentro das nossas fronteiras, desde o incio, j

    teria um carter brasileiro, uma vez que aquele autor, seja ele nativo ou estrangeiro, j

    estaria sendo influenciado pelo clima, costumes, hbitos, enfim, impregnado de

    brasilidade. Discorrendo sobre as origens da literatura brasileira, Coutinho (1986:

    129) assim nos fala dessa abordagem:

    Originou-se, assim, a literatura brasileira da "situao" nova criada pelo descobrimento e colonizao da nova terra. Naquele instante nasceu um homem novo. Nela chegando, em contato com a nova realidade geogrfica e social, o europeu "esqueceu" a situao antiga, e, ajustando-se nova, ressuscitou como outro homem, a que se agregaram outros homens novos aqui nascidos e criados. Esse novo americano, brasileiro, gerado pelo vasto e profundo processo desenvolvido de miscigenao e aculturao, no podia exprimir-se com a mesma "fala" do europeu, embora fosse a mesma lngua; por isso, transformou-a, adaptou-a, condicionou-a as novas necessidades expressionais, do mesmo modo

  • 14

    que se adaptou s novas condies geogrficas, culinrias, ecolgicas, aos novos tipos de relaes humanas e animais, do mesmo modo que adaptou seu paladar s novas frutas, criando, em conseqncia de toda essa nova "situao", novos sentimentos, atitudes, afetos, aspiraes, dios, medos, motivos de comportamento, de luta, alegria e tristeza.

    Continuando a linha de raciocnio, o mesmo autor complementa: "Todo esse

    complexo cultural novo tinha que dar lugar a uma nova arte, a uma nova poesia, a uma

    nova literatura, a uma nova dana, a um novo canto, a novas lendas e mitos populares.

    o que encontramos desde o incio". Sentimos tambm, nessas afirmaes de Coutinho,

    que certamente haveria um tempo para que esse complexo cultural novo desse lugar

    a uma nova arte.

    Vasconcelos (1991: 13), tratando das origens da msica popular brasileira, foi

    muito feliz ao citar Slvio Romero: As tradies populares no se demarcam pelo

    calendrio das folhinhas; a histria no sabe do seu natalcio, sabe apenas das pocas de

    seu desenvolvimento. Porm logo adiante (p14), continuando a discorrer sobre a

    gnese da msica brasileira, comete alguns enganos:

    O relgio da msica popular brasileira dispara, teoricamente, numa tera-feira, dia 22 de abril de 1500. Mas se isso ser verdade para duas das trs grandes contribuies iniciais a do portugus e a do negro preciso no esquecer que o Brasil j possua a sua prpria msica que era, naturalmente, a dos seus aborgines.

    Embora tenha feito uma ressalva quando coloca teoricamente, essa afirmao

    de certa forma contraria a citao anterior. Porm o que nos chama mais a ateno

    afirmar que o Brasil j possua sua prpria msica. Os ndios sim, possuam sua msica.

    Mas o Brasil! O Brasil leva um tempo at virar Brasil. Primeiramente, no dia 22 de

  • 15

    abril de 1500, descoberto, no entanto, de incio, chamado Ilha de Vera Cruz, depois

    Terra de Santa Cruz, para s ento, a partir de 1503, passar a ser finalmente chamado

    Brasil. Antes dessa data no existe o Brasil. Pindorama para algumas tribos indgenas,

    mas Brasil, s bem depois. Portanto, antes do descobrimento, no podemos falar que o

    Brasil j possua a sua prpria msica. E mesmo quando passa a ser chamado

    oficialmente de Brasil, ainda est muito longe do que conhecemos hoje por Brasil. As

    dimenses do territrio eram outras, no podemos esquecer que havia o Tratado de

    Tordesilhas que limitava o territrio, e que s, muito lentamente, pelas entradas e

    bandeiras, algumas guerras e acordos diplomticos, foi sendo expandida a fronteira para

    a que conhecemos nos dias de hoje. A lngua falada na nova colnia portuguesa, por

    cerca de 2/3 da populao, at o sculo XVII o tupi, sendo este proibido oficialmente

    em 1759, com a expulso dos jesutas pelo marqus de Pombal. E o que era o povo

    brasileiro desse incio de Brasil? Certamente levaria mais um bom tempo at

    acontecerem as miscigenaes que deram origem ao que conhecemos por povo

    brasileiro.

    J para outros autores, essa brasilidade, na produo cultural, s viria bem

    mais adiante, por volta do meado do sculo XVIII, aps um longo processo de

    transformao e mistura entre as culturas indgenas, europias e africanas.

    Tinhoro (1991, 8), assim nos fala:

    Para que pudesse surgir um gnero de msica reconhecvel como brasileira e popular, seria preciso que a interinfluncia de tais elementos musicais chegasse ao ponto de produzir uma resultante, e, principalmente, que se formasse nas cidades um novo pblico com uma expectativa cultural passvel de provocar o aparecimento de algum capaz de promover essa sntese.

  • 16

    Como j deu para perceber essa uma longa discusso que demanda mais

    pesquisa e aprofundamento em questes que acabam por nos distanciar do nosso objeto

    principal de pesquisa. Portanto, para este trabalho, junto aos nossos alunos, quando nos

    referirmos msica brasileira, estaremos utilizando um conceito geogrfico: msica no

    Brasil.

    Quanto especificidade da questo: msica popular brasileira, novamente nos

    vemos envolvidos em terreno bastante controverso. Onde situar o popular? Entre o

    folclrico, puro e ingnuo, desprovido de qualquer estudo; e o erudito, artificial

    e racional, desprovido, por sua vez, de qualquer sentimento? possvel existirem

    categorias to estanques? Podemos ver que toda obra, por mais pura ou ingnua que

    possa parecer, possui elementos de estudo de tcnica de erudio. E vice versa, toda

    obra erudita, por mais artificial e racional que possa parecer, possui elementos de

    sentimento. No entanto, como o termo msica popular muito recorrente dentro de

    um estudo de Choro no Brasil, procuramos alguns autores que nos auxiliassem numa

    definio no definitiva, uma vez que concordamos ser necessrio um maior

    aprofundamento na discusso, mas especfica para nossos alunos no estudo em questo.

    Assim encontramos, em alguns autores, a relao entre msica popular e msica urbana,

    msica popular como um fenmeno urbano. Caldas (1985: 5), afirmou que:

    [...] a nossa msica popular aparece juntamente com os primeiros centros urbanos, no Brasil colonial do sculo XVIII, por volta de 1730, quando Salvador e Rio de Janeiro despontam como as cidades mais progressistas da Colnia. Mas s a partir do final do sculo XIX que se configura a sntese da nossa expresso musical urbana atravs do hibridismo de sons indgenas, negros e portugueses.

    Tinhoro (1991, 7), assim nos fala sobre o comeo da msica popular no

    Brasil:

  • 17

    Nos primeiros duzentos anos da colonizao portuguesa no Brasil, a existncia de msica popular se tornava impossvel desde logo, porque no existia povo: os indgenas, primitivos donos da terra, viviam em estado de nomadismo ou em redues administradas com carter de organizao teocrtica pelos padres jesutas; os negros trazidos da frica eram considerados coisa e s encontravam relativa representatividade social enquanto membros de irmandades religiosas; e, finalmente os raros brancos e mestios livres, empregados nas cidades, constituam uma minoria sem expresso, o que os levava ora a se identificarem com os negros, ora com os brancos da elite dos proprietrios dirigentes.

    Adotaremos ento para este trabalho o conceito de msica popular como a

    msica urbana que comea a ser feita a partir do sculo XVIII, mas que s se confirma

    no final do sculo XIX.

    2.4. O Choro

    2.4.1. Primrdios e consolidao

    no ambiente urbano, do final do sculo XIX, que aparece o Choro,

    inicialmente como uma forma de tocar essa msica resultante do encontro de danas

    europias, como a Valsa, o Schottische e principalmente a Polca, com msicas

    brasileiras como o Lundu e a Modinha, depois como gnero musical, com

    caractersticas prprias. Tinhoro (1991: 103) nos fala:

    O aparecimento do choro, ainda no como gnero musical, mas como forma de tocar, pode ser situado por volta de 1870, e tem sua origem no estilo de interpretao que os msicos populares do Rio de Janeiro imprimiam execuo das polcas, que desde 1844 figuravam como o tipo de msica de dana mais apaixonante introduzido no Brasil.

    A estreita relao entre o Choro e a Polca deve-se no s ao grande sucesso

    que essa dana alcanou nos sales da poca, mas, tambm, sua forma em compasso

  • 18

    binrio, andamento allegretto e melodias saltitantes. Siqueira (1956: 98) nos fala que os

    msicos amadores de meados do sculo XIX, freqentemente formavam grupos

    musicais utilizando violes e cavaquinhos: "Estes artistas aprendiam uma polca de

    ouvido e a executavam para que os violonistas se adestrassem nas passagens

    modulatrias, transformando exerccios em agradveis passatempos".

    Nesse incio, temos mais uma forma de tocar por um grupo que basicamente

    era constitudo por dois violes, um cavaquinho e uma flauta, como afirma Vasconcelos

    (1984: 18):

    Grupos instrumentais do Rio de Janeiro, portanto, l por 1870, comearam a fazer msica brasileira - brasilidade que estava menos na origem do que na execuo. Aos grupos tradicionais, formados por dois violes e um cavaquinho - uma evoluo da msica de barbeiros - superpe-se, agora, a flauta, constituindo-se aquilo que o maestro Baptista Siqueira chamaria de "quarteto ideal" - embora outras formas menos ideais se constitussem tambm nessa poca.

    Apesar de alguns terem letra, o Choro basicamente uma msica instrumental,

    e, como tal, rico em detalhes que o tornam muito sofisticado. Pixinguinha (apud Cabral,

    1978) foi muito feliz em explicar esse elemento camerstico do Choro quando,

    respondendo a uma pergunta sobre quais as diferenas entre o Choro e o Samba, falou

    que o Choro era tocado na sala de visita e o Samba no quintal. Ou seja, o Choro

    necessitava de um ambiente com maior acstica devido aos detalhes, o que levava os

    executantes e compositores a se esmerarem cada vez mais.

    Deixando de lado as controvertidas discusses sobre as origens do nome

    Choro, no podemos nos abster de definir, pelo menos para os limites deste trabalho, o

    seu significado que utilizado de diversas formas. Vasconcelos (1984: 10), tambm,

    nos fala da dificuldade de estabelecer esses limites para o termo:

  • 19

    Confesso que, s vezes, no consegui precisar bem o limite e, em meu levantamento, inclu, talvez, choros que numa anlise mais minuciosa excluiria como tais, e deixei de fora peas que bem poderiam, dentro do mesmo critrio, ser relacionadas.

    Basicamente temos o termo Choro utilizado de quatro formas: a)para

    denominar um gnero musical, b)para se referir a um repertrio, c)para indicar a forma

    de tocar um repertrio, d)para nomear um encontro no qual se toca esse repertrio.

    Vasconcelos (1984: 10) bem claro nessa classificao:

    [...] quando me refiro aqui a choro, emprego o termo no sentido lato de msica instrumental que formava, basicamente, o repertrio dos chores: polcas, tangos brasileiros, valsas, mazurcas, maxixes, xotes, choros (aqui no sentido restrito) e em casos excepcionais, at mesmo sambas e marchas.

    2.4.2. Elementos caractersticos

    A partir de uma apreciao cuidadosa de gravaes dos vrios perodos do

    desenvolvimento do Choro, conclumos que para a melhor compreenso desse gnero

    importante o conhecimento e a observao de alguns elementos musicais caractersticos

    como: formao instrumental, forma, troca de tonalidade, sncopes, ornamentos,

    aggica, variaes meldicas, rearmonizao e improvisao.

    Na formao instrumental, temos basicamente um solista e um grupo de

    acompanhamento. Geralmente temos um ou dois instrumentos solistas, bandolim,

    clarineta, flauta, trombone, sanfona, dentre outros. O grupo de acompanhamento

    composto por violes, cavaquinho e percusso. Os violes, na maioria das vezes em

    nmero de dois, sendo que um de seis e o outro de sete cordas fazem a harmonia e a

    linha de baixo entre acordes na regio grave. Jacob Pick Bittencurt, o Jacob do

  • 20

    Bandolim, no final da dcada de sessenta, introduziu um terceiro violo de seis cordas a

    essa formao, ampliando as possibilidades de contraponto e harmonia. Porm sua

    morte prematura em 1969 encerrou essa pesquisa que s foi retomada por Radams

    Gnattali, no final da dcada de setenta, ao montar o grupo de Choro Camerata

    Carioca, que at a sua dissoluo em meados da dcada de oitenta, foi responsvel pela

    revitalizao e modernizao do gnero. O outro instrumento harmnico, que algumas

    vezes tambm atua como solista, o cavaquinho. No entanto, em contraponto aos

    violes, e completando estes que atuam na regio grave e mdio grave, o cavaquinho

    atua na regio aguda. A percusso, na maioria das vezes, realizada pelo pandeiro. Em

    algumas gravaes podemos ouvir um surdo, um tamborim ou um tringulo, no entanto

    sempre ao lado do pandeiro. importante observar que a percusso s entra no choro a

    partir do incio do sculo XX. Podemos constatar esta ausncia no s nas primeiras

    gravaes de Choro, como tambm em fotografias, desse perodo inicial. Tambm nos

    primeiros relatos da formao instrumental desses grupos que viriam a se tornar os

    grupos de Choro, no h meno de percusso. Um bom exemplo disso o livro de

    Alexandre Gonalves Pinto, O Choro, editado em 1936 que, apesar de alguns

    equvocos histricos e muitos erros de gramtica, nos traz uma importante biografia de

    msicos do Choro entre 1870 e 1935. Catulo da Paixo Cearense nos d uma boa idia

    desse livro logo no prefcio assinado por ele:

    O prefcio que me pediste para o teu livro, fica para outra vez. No te posso ser til nas correes dos erros, porque s uma reviso geral poderia melhor-lo, o que impossvel, depois de o teres quase pronto. O leitor, porm, se deliciar com a sua leitura, fechando os olhos aos desmantelos gramaticais, revivendo contigo a histria desses chores, que te ficaro devendo eternamente o servio que lhes pretas, arrancando-os do esquecimento. (1936: 3)

  • 21

    Nesse livro, dentre as vrias dezenas de biografias de inmeros instrumentistas,

    s h a citao de um percussionista: Joo da Bahiana. Se hoje fosse realizada uma

    biografia de grandes instrumentistas do Choro, com certeza, seria necessria a incluso

    de vrios pandeiristas. Outra concluso a que chegamos dessa ausncia de percusso

    nos primrdios do Choro que o cavaquinho e os violes tambm so importantes na

    conduo rtmica.

    Um elemento muito importante na caracterizao do Choro a sua forma.

    Como herdeiro direto da Polca, o Choro, como aquela, estruturado na forma rond:

    um tema principal e alguns temas secundrios, sempre intercalados com a repetio do

    tema principal, ABACA. Dos primrdios at, aproximadamente meados da dcada de

    60 do sculo XX, h uma maior tendncia para composies com trs partes, contudo, a

    partir desse perodo, comea a prevalecer composies com duas partes. De um modo

    geral, quando as composies so com trs partes, temos repetio dessas partes,

    seguindo o padro AABBACCA. J nos Choros com duas partes, a forma segue o

    padro AABA.

    comum ouvir que no Choro ocorrem muitas modulaes, o que sugere ao

    leigo uma melodia que sai de uma tonalidade e se encaminha para outra. Todavia, o que

    encontramos, na grande maioria das vezes, uma modulao em bloco, mais

    precisamente, uma troca de tonalidade de uma parte para outra. Uma melodia que se

    desenvolva em determinada tonalidade, s modula quando muda de parte, o que mais

    caracteriza, como dissemos acima, uma troca de tonalidade por bloco. Nos Choros com

    trs partes temos, geralmente, o seguinte esquema: A - tnica, B relativo ou

    subdominante ou homnimo, C: dominante ou relativo ou homnimo. Naqueles com

    duas partes, o padro : A tnica e B relativo ou subdominante ou homnimo. Em

    alguns casos temos breves modulaes dentro de uma mesma parte, porm voltando

  • 22

    tonalidade inicial como o caso de Doce de coco de Jacob do Bandolim e Ingnuo

    de Pixinguinha. raro, porm, algumas vezes podemos encontrar um Choro no qual a

    tonalidade praticamente no se altere de uma parte para outra, como o caso de A

    natureza de Luiz dos Santos e J. Luna ou Amadeu comendo gua de Cacau.

    Outros elementos tambm so importantes na caracterizao do Choro como:

    as sncopes, ornamentos, aggica, variaes meldicas, rearmonizao e improvisao

    (principalmente nas repeties), etc.

    2.4.3. Principais Compositores e Intrpretes:

    Apesar dos elementos comuns, cada um dos grandes instrumentistas e

    compositores praticamente acabou por desenvolver uma escola, uma forma particular

    de tocar e compor. Encontramos em alguns autores como Alexandre Pinto O Choro,

    Antnio Marcondes Enciclopdia da msica brasileira, Ary Vasconcelos Carinhoso

    etc (Histria e Inventrio do Choro), Henrique Cazes Choro: do quintal ao

    municipal, dentre outros, elementos para traar a breve cronologia que se segue.

    Quatro compositores confundemse com as origens do Choro: o flautista

    Joaquim Antnio da Silva Callado (RJ 1848 1880), autor, entre outros, da Polca Flor

    amorosa; Francisca Edwiges Neves Gonzaga (RJ 1847 1935), mais conhecida como

    Chiquinha Gonzaga, autora, entre outras, da Polca Atraente e do Corta Jaca Gacho

    ou simplesmente Corta Jaca; Ernesto Nazareth (RJ 1863 1933), autor entre outros

    do Tango Brasileiro Apanhei-te cavaquinho e Anacleto de Medeiros (RJ 1866 -

    1907), autor, dentre outros, da Polca "Medrosa" e do Schottische "Iara" (usada por Villa

    Lobos como tema central do "Choros no 10").

  • 23

    No desenvolvimento do Choro, inmeros instrumentistas e compositores so de

    grande importncia, porm incontestvel o destaque de Alfredo da Rocha Viana Filho,

    o Pixinguinha (RJ 1897 - 1974), como compositor, instrumentista e arranjador,

    praticamente fixando o gnero e trazendo novos elementos, como troca de tonalidade,

    no s por bloco, mas no meio de cada parte, como nos Choros Ingnuo e

    Lamentos.

    No violo de seis cordas, instrumento marcante para a msica popular

    brasileira, os destaques so para Meira e Garoto. Jaime Florence (PE 1909 RJ 1982),

    mais conhecido por Meira foi o mais respeitado violo de seis cordas de regional, que

    alm da grande atividade didtica, foi o responsvel pela formao de vrias geraes

    de violonistas entre eles, Baden Powel, Maurcio Carrilho e Rafael Rabello. Anbal

    Augusto Sardinha (SP 1915 RJ 1955), o Garoto, brilhante compositor e instrumentista

    de cordas, de grande sofisticao e modernidade, apontado por muitos como um dos

    precursores da Bossa-Nova; tocava muito bem, praticamente tudo de cordas pinadas,

    foi o primeiro violonista no Brasil a tocar com orquestra, composies do Radams

    Gnattali.

    No violo de sete cordas, instrumentos tpicos do Choro, que possibilitou um

    fraseado mais rico na regio grave, so marcantes as presenas de Dino e Rafael

    Rabello. Horondino Jos da Silva (RJ 1918 2006) o Dino Sete Cordas desenvolveu as

    idias lanadas por Tute, Arthur de Souza Nascimento (RJ 1886 1957), o introdutor

    do sete cordas no Choro, fixando a escola do sete cordas. Rafael Rabello (RJ 1962

    1995) ampliou os horizontes musicais do sete cordas trabalhando, com virtuosismo,

    diversas linguagens.

    No cavaquinho, temos as presenas de Canhoto e Waldir Azevedo. Waldiro

    Frederico Tramontano (RJ 1908 1978), o Canhoto, considerado por muitos chores

  • 24

    como o modelo de centrista, que faz o acompanhamento, a frente do seu regional fez

    histria no desenvolvimento do Choro. Waldir Azevedo (RJ 1923 1980), grande

    compositor e solista, ainda o instrumentista de maior sucesso comercial da histria da

    MPB, deixou composies obrigatrias no repertrio de qualquer choro como

    Pedacinhos do cu e Brasileirinho.

    No bandolim, os destaques so para Luperce e Jacob. Luperce Miranda (PE

    1904 RJ 1977) impressionava a todos por seu alto desenvolvimento tcnico, deixou

    composies que so verdadeiros desafios para os bandolinistas, como Picadinho a

    baiana. Jacob Pick Bittencurt (RJ 1918 1969), o Jacob do Bandolim praticamente

    criou a escola brasileira de bandolim, foi o primeiro bandolinista no Brasil a se

    apresentar com orquestra, composio do Radams Gnattali dedicada a ele, suite

    Retratos, muito detalhista suas gravaes so impecveis, deixou tambm

    composies obrigatrias em qualquer repertrio de Choro, como Doce de coco e

    Noites cariocas.

    Nos instrumentos de sopro temos vrios nomes de destaque. Na flauta, alm de

    Callado e Pixinguinha, no podemos deixar de mencionar o Altamiro Carrilho (RJ 1924

    - ) que alm de impressionar pelo seu alto nvel tcnico um grande compositor. Na

    clarineta, temos as presenas de Abel Ferreira (MG 1915 - RJ 1980), Sebastio Barros

    (RN 20/1/1917 - RJ 26/6/80) mais conhecido por K-Ximbinho e Paulo Moura (SP 1932

    - ), caso raro de instrumentista que percorre, com intimidade, rodas de Choro, de

    Samba, salas de concerto, sesses de Jazz e Bossa-Nova, e que muito tem contribudo

    para o desenvolvimento da linguagem contempornea do Choro. No trombone, temos o

    grande instrumentista e compositor Jos Alberto Rodrigues Matos (SE 4/4/1942 - ),

    mais conhecido por Z da Velha.

  • 25

    No acordeom, temos as presenas dos grandes instrumentistas, compositores e

    arranjadores Orlando Silveira (SP 1925 - RJ 1993) e Chiquinho do Acordeom (RS 1928

    - RJ 1993).

    No podemos deixar de destacar a presena marcante do pianista, compositor e

    arranjador Radams Gnattali (RS 1906 RJ 1988), que, a partir de sua slida formao

    erudita e popular, contribuiu de forma marcante para o desenvolvimento e renovao do

    Choro entre as dcadas de 40 e 80. Trabalhou diretamente com Garoto, Jacob do

    Bandolim, Laurindo Almeida, entre outros. No final da dcada de 70, criou o grupo de

    Choro Camerata Carioca, estabelecendo as novas tendncias do Choro

    contemporneo no qual, entre outras caractersticas, encontramos, de forma marcante,

    um maior rebuscamento nas harmonizaes e nos arranjos.

    2.4.4. O Choro no incio de um novo milnio

    Atualmente, o Choro continua desenvolvendo-se e revelando talentos como o

    caso de Armando Macedo (Ba 1953 - ) e Hamilton de Holanda (RJ 1976 - ) no

    bandolim, Paulo Srgio Santos (SP 1961 - ) na clarineta, Yamandu Costa (RS 1977 -

    ) no violo de sete cordas, dentre outros. Temos, tambm, importantes trabalhos de

    ensino e revitalizao do Choro, como os realizados pelo excelente bandolinista Marco

    Csar de Oliveira Brito (PE 1960 - ), que em Recife, Pernambuco, frente da orquestra

    de cordas dedilhadas Retratos do Nordeste e no Conservatrio Pernambucano de

    Msica vem formando talentosos instrumentistas. Dentre outros trabalhos que merecem

    destaque, temos os realizados em Braslia por Reco do Bandolim, frente do Clube de

    Choro de Braslia e da escola de Choro Rafael Rabelo e no Rio de Janeiro o pessoal

  • 26

    da Acari Discos e Escola Porttil de Msica (EPM), Maurcio Carrilho (RJ 1957 - ),

    Luciana Rabelo (RJ 1960 - ), Pedro Amorim (RJ 1958 - ), entre outros, que trabalham

    na rdua tarefa de continuar lanando no mercado fonogrfico ttulos de Choro, alm de

    pesquisas e publicaes de partituras de Choro.

    Essa lista certamente no para por aqui; poderamos citar mais algumas

    dezenas de grandes instrumentistas e compositores, porm fugiramos aos objetivos

    centrais deste trabalho. com a contribuio desses e de muitos que o Choro chega ao

    sculo XXI, com a sabedoria dos chamados chores da velha guarda, mantenedores da

    tradio; e com a jovialidade dos novos chores que renovam o gnero, incorporando

    novas linguagens da msica contempornea.

    2.4.5. O Choro na voz dos mestres da tradio oral

    Como o nosso objeto de estudo da tradio oral, no poderamos deixar de

    realizar uma pesquisa junto aos msicos da chamada "velha guarda" do Choro,

    "mestres" da tradio, com o objetivo de colher deles depoimentos sobre a forma pela

    qual se aprende e se ensina Choro. Apesar de termos notcias de alguns cursos formais

    com ensino de Choro (Clube do Choro de Braslia, Conservatrio Pernambucano de

    Msica, UNIRIO, dentre outros), esse ainda um gnero musical que se aprende por

    imitao, vendo e ouvindo outros tocarem ou junto a um mestre. No entanto,

    concordamos com Setti (1991: 126) ao dizer que, apesar da informalidade da cultura

    tradicional, h uma sistematizao desse conhecimento:

    Em todas as culturas ditas como tradicionais, existem procedimentos sistematizados e que poderiam ser enquadrados na perspectiva de uma teorizao

  • 27

    do conhecimento musical, na medida em que sua presena e continuidade podem ser encaradas como um conjunto de modelos j testados empiricamente atravs dos sculos.

    E foi justamente na busca desses "modelos j testados empiricamente", desses

    "procedimentos sistematizados" que pesquisamos fontes orais. Barros (1999), "Estudos

    II: O Choro na voz dos mestres da tradio oral" realizou, na cidade de Salvador,

    entrevistas com cerca de seis "Chores", todos com mais de sessenta anos, do sexo

    masculino, compositores e instrumentistas: Avelino, Cacau, Edson Santos, Fernando,

    Figueiroa e Gerson Silva. Nesses depoimentos trs declaraes nos chamaram muita

    ateno: uma que se refere ao Rio de Janeiro como a cidade onde melhor se faz Choro;

    a segunda, que fala da grande importncia da prtica de conjunto no aprendizado do

    Choro, e a terceira, que comenta sobre aspectos de modernidade no Choro.

    Em primeiro plano, podemos ver a grande referncia ao Choro feito no Rio de

    Janeiro, como se esse fosse de melhor qualidade, em vrios momentos das entrevistas

    como: [...] o Rio de Janeiro a Universidade, que aqui uma zoada, no sei se o

    carnaval, o Ax [referindo-se ao Ax Music], tem gente boa por aqui, mas no Rio

    diferente. [...], [...] O povo de l [referindo-se ao Rio de Janeiro] que toca. [...],

    [...] No Rio [respondendo como tinha aprendido a tocar Choro], antes de ir para l eu

    tocava um ou outro. Aprendi na rua, ouvindo e vendo os cobras tocarem. [...].

    Em segundo plano, os Chores afirmam que, no aprendizado do Choro, h

    grande importncia na prtica de conjunto, como pode ser visto nas seguintes

    declaraes: [...] Um grupo onde todos se entendessem bem. [...] [respondendo sobre

    o que tinha faltado na sua formao musical], [...] Um bom grupo bem organizado.

    que tem de ser bem organizado, tem que ensaiar. [...]" [respondendo sobre o que

    importante para tocar bem Choro], [...] Ouvia o programa do Ary Barroso. Tirei as

  • 28

    msicas do disco do Luiz Americano. No pode querer aprender em um ou dois meses.

    Um professor tambm bom. E bom mesmo tocar num grupo. [...] [respondendo

    como deve ser o aprendizado do Choro].

    Finalmente, os Mestres apontam alguns aspectos de modernidade no Choro

    feito hoje: [...] o acompanhamento est com uns acordes mais moderninhos [...], "[...]

    a harmonia, o ritmo, no era como esse atualmente [...]" [respondendo ao que mudou no

    Choro para os dias de hoje].

  • 29

    Captulo III

    Metodologia

    Com os dados obtidos nos estudos anteriores de Barros (1999) e Barros (2000),

    preparamos o Mdulo Experimental de Ensino de Choro, doravante chamado MEEC,

    para o curso de graduao da Escola de Msica da Universidade Federal da Bahia -

    EMUS - UFBA. Na elaborao desse programa, utilizamos como referenciais tericos o

    Modelo (T)EC(L)A, de autoria de Swanwick (1979), a viso de planejamento de

    Estrutura de Ensino/Aprendizagem de Oliveira (1991), modelos auditivos de Greer

    (1980), a experincia da oralidade dos Mestres do Choro e os dados obtidos nos estudos

    preliminares de Barros (1999 e 2000).

    3.1. Referenciais tericos

    3.1.1. Modelo (T)EC(L)A

    Segundo Swanwick (1979, 72), "as pessoas necessitam ter mltiplas

    oportunidades de encontro com a msica, sob diversos ngulos, de forma a ficarem

    cientes de suas riquezas e possibilidades". Confirmando essa idia, o autor prope um

    modelo de ensino que integre e equilibre as atividades de Composio (criao) - ato de

    construir um objeto musical reunindo materiais de forma expressiva, incluindo todas as

    formas de criao musical, como improvisaes ou arranjos; Execuo (vocal ou

    instrumental) - canto, execuo de um instrumento e a comunicao com um pblico

    (cantando ou tocando um instrumento musical) por menor ou mais informal que seja e

  • 30

    de Apreciao (audio musical) - no s se referindo apreciao de obras gravadas ou

    de uma execuo em particular, mas tambm, apreciao necessria na tomada de

    decises durante a execuo ou composio. Compondo o Modelo (T)EC(L)A,

    Swanwick (1979, 45) acrescentou a essas trs atividades, Composio, Apreciao e

    Execuo, estudos de Tcnica e Literatura, que aparecem entre parnteses por se

    tratarem de atividades de suporte. Dessa forma, o Modelo (T)EC(L)A apresenta uma

    proposta que visa a proporcionar um integrado e equilibrado desenvolvimento musical.

    Neste trabalho, utilizamos tanto em atividades de Apreciao como de Execuo,

    composies representativas das vrias etapas do desenvolvimento do Choro. Para as

    atividades de Criao, trabalhamos com improvisao, variaes meldicas e variaes

    de baixo, a "baixaria" to caracterstica no acompanhamento harmnico do Choro.

    Como nos fala Swanwick (1979, 46):

    Habilidade sem performance um negcio rido, performance sem habilidade seguramente invlida, composio sem os estmulos e modelos dos trabalhos de outros compositores atravs da audio inverossmil, ...conhecimento sobre a literatura musical sem um direcionamento para a audio musical ou alguma fluncia no fazer msica parece uma ocupao irrelevante.

    3.1.2. Estrutura de Ensino

    Para Oliveira (1991: 64) Estrutura de Ensino " uma unidade autnoma de

    procedimentos didticos apropriados ao ensinamento de elementos ou conceitos

    especficos de um conhecimento humano". Nessa concepo de ensino musical, a autora

    pressupe que:

    1) a transmisso de conhecimento deve ser direcionada tanto para a transferncia de aprendizagem especfica como de no especfica, 2) que na prtica da sala de aula ou na educao informal, os sujeitos da ao educacional - professor - aluno -

  • 31

    de maneira geral, devem estar relacionados diretamente para que haja aprendizagem significativa, 3) e que a cultura exerce influncia no significado e ritmo da aprendizagem [...] (Oliveira, 1991: 63).

    Por essa tica, neste trabalho, adotamos a concepo dessa autora quando

    concebe [...] metodologia como um conjunto de estruturas de ensino que contm

    aspectos ou relaes similares atravs dos quais o indivduo aprende os contedos de

    forma progressiva e consistente para aquele indivduo, (Oliveira, 1991: 65). Assim,

    cada planejamento pedaggico precisa estar adaptado s vrias situaes de

    ensino/aprendizagem.

    3.1.3. Modelos Auditivos:

    Modelos auditivos, no ensino formal de msica, tm sido largamente

    utilizados, destacando-se, dentre outros, Suzuki e Kodaly. Tambm na tradio do

    ensino oral, ele um componente bsico: segundo Merriam (1989, 146 147),

    provvel que uma das formas mais simples de aprendizagem musical acontea pela

    imitao, que tende a limitar-se ao incio do aprendizado, todavia, podendo perdurar.

    Esse autor afirma tambm, que existem grandes indcios que apontam as formas de

    imitao como uma relevante etapa do aprendizado musical e que a imitao pode ser

    um primeiro nvel universal nesse processo.

    Segundo Greer (1980: 137)1:

    1 Modeling is a functional concept [...] that describes the process whereby learning takes place thorough imitation. Much of learning occurs as a function of the individual viewing the model of the behavior, then proceeding to imitate or to model that behavior. Most of language is learned this way, and much of what is termed musicianship is similarly learned. A model of the behavior should be present to the learner in almost all instruction.

  • 32

    "Modeling" um conceito funcional [...] que descreve o processo pelo qual a aprendizagem ocorre atravs da imitao. Muito da aprendizagem ocorre como uma funo da viso individual do modelo de comportamento, em seguida procedendo para imitar ou para modelar aquele comportamento. Muito da linguagem aprendida por este caminho, e muito do que denominado musical similarmente aprendido. Um modelo de comportamento deveria ser apresentado para o aprendiz em quase toda a instruo.

    3.2. Etapas do trabalho

    Assim sendo, a realizao deste trabalho utilizou uma metodologia que inclui

    as seguintes etapas:

    1. Organizao do mdulo MEEC

    2. Seleo dos participantes

    3. Aplicao do mdulo MEEC

    4. Avaliao dos alunos e do mdulo

    5. Anlise da aplicao do mdulo

    3.2.1. Organizao do mdulo MEEC

    Para a organizao do MEEC, trs passos foram dados:

    a) Busca de fontes de referncias (orais e bibliogrficas)

    Conscientes do carter de tradio oral do nosso objeto de estudo, procuramos,

    ao lado de uma ampla reviso bibliogrfica desenvolvida em Barros (1999) Estudos I:

    "O Choro na Educao Musical", a realizao de entrevistas com alguns "mestres" da

  • 33

    tradio do Choro, na cidade de Salvador, com o objetivo de colher deles depoimentos

    sobre a forma pela qual se aprende e se ensina Choro (Barros, 1999).

    b) Aplicao de um projeto de micro-ensino

    A partir desses dados, realizamos a aplicao de uma proposta de ensino de

    Choro, (Barros, 2000): "Oficina Experimental de Choro", entre o final de abril e o incio

    de junho de 2000, no Colgio Estadual Deputado Manuel Novaes, que teve as seguintes

    caractersticas: o pblico alvo foi um grupo de adolescentes ou adultos com mais de

    dois anos de estudo de instrumento, com conhecimentos bsicos de harmonia funcional,

    teoria musical, leitura de cifra e melodia, mas que no tinham a prtica de tocar Choro.

    Os seguintes instrumentos foram utilizados: violo, cavaquinho, pandeiro e instrumento

    solista (corda: bandolim ou cavaquinho, sopro: madeira flauta, clarinete ou saxofone,

    metal trompete ou trombone).

    O projeto piloto teve como objetivo geral preparar duas msicas do repertrio

    tradicional do Choro para uma apresentao pblica, e como objetivos especficos:

    a)trabalhar elementos do Choro, dentro de uma perspectiva de prtica de conjunto

    instrumental; b)testar a metodologia escolhida para o ensino do Choro e c)avaliar as

    Estruturas de Ensino utilizadas. A durao foi de 12 horas, divididas em seis encontros

    de duas horas.

    Foram realizadas duas apresentaes pblicas no ms de junho: a primeira no

    dia 13, no auditrio do Colgio Estadual Deputado Manuel Novaes, durante o evento de

    comemorao do aniversrio da instituio; e a segunda no dia 16, no auditrio da

    EMUS - UFBA, durante apresentao de trabalhos dos alunos da Ps-Graduao, dentro

    do projeto "Brasilmsica", organizado pela professora da disciplina MUS 541

    Fundamentos da Educao Musical III, Profa. Dra. Alda Oliveira.

  • 34

    c) Construo do MEEC

    A partir da experincia prtica realizada no Colgio Estadual Deputado Manuel

    Novaes, dos levantamentos bibliogrficos e das entrevistas com os mestres, montamos o

    programa MEEC, adotando os seguintes procedimentos:

    I - Acreditamos que para a compreenso do fenmeno musical o aluno necessita de uma

    compreenso dos eventos no tempo e no espao. Por essa razo realizamos uma

    adaptao, por razes didticas, da diviso que Vasconcelos (1984) nos apresenta. Esse

    autor divide a histria do desenvolvimento do Choro em seis partes, denominadas por

    ele de geraes: "A primeira gerao de chores floresce nos ltimos vinte anos do

    Imprio." (ibid 18), "Em 1889, [...] comea a florescer uma nova e maravilhosa gerao

    de chores [...]" (ibid 20), "Vamos situar entre 1919 e 1930 a terceira gerao de

    chores [...]" (ibid 24), "Quarta gerao, entre 1927 e 1946." (ibid 28), "Pode-se dizer

    que na segunda metade da dcada de quarenta que surge a quinta gerao do choro,

    [...]" (ibid 34) e "Sexta gerao, 1975, [...]". Para este trabalho dividimos a histria do

    desenvolvimento do Choro em trs momentos. O primeiro denominamos Primrdios, e

    vai de por volta de 1870, ano apontado por pesquisadores, como Tinhoro (1991, 103) e

    Vasconcelos (1984, 17), como provvel ano de aparecimento do Choro, at 1911, ano

    da primeira composio de Pixinguinha, "Lata de leite". O segundo perodo,

    Desenvolvimento, acontece entre 1911 e 1969, ano da morte de Jacob do Bandolim. E o

    terceiro, e ltimo perodo, Moderno e Contemporneo, de 1969 aos dias de hoje. A

    escolha de Pixinguinha e Jacob do Bandolim como marcos histricos para o nosso

    trabalho se deve grande importncia que esses msicos tiveram para o

    desenvolvimento do Choro e da msica brasileira de um modo geral.

  • 35

    II - Para cada um dos trs perodos citados foi montada uma estrutura de ensino

    (Oliveira, 1991), envolvendo: compositores e composies mais significativas, destaque

    para alguns elementos da esttica do Choro (aspectos vinculados ao ritmo, melodia,

    harmonia, forma, ornamentos, arranjo, timbre, repertrio, instrumentao, improvisao

    e composio), histria do Choro (apreciao e biografias), previso de participao dos

    alunos em rodas de Choro que acontecem na cidade e visita de mestres (os chamados

    chores da velha guarda).

    Maiores detalhes podem ser vistos no programa do MEEC, Anexo I: MEEC -

    Manual do Professor, Anexo II: MEEC - Manual do Aluno e no Anexo III: MEEC -

    Repertrio.

    3.2.2. Seleo dos participantes

    Como o programa foi aplicado dentro de uma das disciplinas da graduao da

    EMUS - UFBA, decidiu-se que os alunos a serem matriculados, seriam aqueles que

    possussem os pr-requisitos de: a)ter mais de dois anos de estudo de qualquer

    instrumento, b)possuir conhecimentos bsicos de harmonia funcional, teoria musical,

    leitura de cifra e melodia e finalmente, c)concordar em participar do projeto. Ressalta-se

    que no era necessrio prtica ou conhecimentos anteriores de Choro, para que os

    alunos fossem selecionados para participar.

    Realizamos na primeira aula, aps uma explanao do que seria essa pesquisa e

    uma sondagem para verificar aqueles que possuam os pr-requisitos, uma conversa

    para saber destes quem gostaria de participar. Todos concordaram e assinaram um

    termo de compromisso, aceitando no s participar, mas tambm dando a permisso

  • 36

    para a utilizao de suas imagens, sons, depoimentos e idias nas entrevistas e

    gravaes que seriam realizadas no decorrer do trabalho.

    Dezenove alunos se matricularam na disciplina, dos quais dezoito cursaram

    com regularidade at o final. Dois alunos, que no se matricularam na disciplina,

    souberam do curso pelos colegas e pediram para cursar como ouvintes. Como possuam

    os pr-requisitos necessrios para acompanhar o mdulo e foram aceitos pelos demais

    alunos, ingressaram no curso, fixando-se o nmero de participantes para vinte, dos quais

    onze eram do sexo masculino e nove do sexo feminino. Desses, um tocava flauta

    transversal, um, sanfona, um, bandolim, um, cavaquinho, dois, pandeiro, oito, violo e

    seis, piano. Uma pianista era cantora e preferiu cantar em vez de tocar.

    3.2.3. Aplicao do mdulo MEEC:

    Das disciplinas oferecidas na EMUS - UFBA, a mais adequada para a

    realizao desse trabalho foi a Prtica de Conjunto Instrumental - MUS 203. Essa

    disciplina semestral, com carga horria semanal de quatro horas e oferecida para

    alunos do primeiro semestre de Licenciatura em Msica. Entramos em contato com a

    professora Leila Dias, responsvel por essa disciplina na poca, e obtivemos permisso

    para aplicar o MEEC e realizar a pesquisa.

    A aplicao do MEEC aconteceu no primeiro semestre letivo de 2001 (abril a

    julho). Foram previstas, inicialmente, dezesseis aulas com durao de duas horas, num

    total de trinta e duas horas, divididas em trs Estruturas de Ensino. Houve um

    planejamento geral inicial, como pode ser visto no programa do MEEC, Anexo I -

  • 37

    Manual do Professor e Anexo II: Manual do Aluno, porm muita coisa foi sendo

    construda, juntamente com os alunos, em cada aula.

    3.2.4. Avaliao dos alunos e do mdulo:

    Para avaliao dos alunos e do mdulo levamos em considerao: as

    entrevistas com os envolvidos, as gravaes em vdeo realizadas durante a aplicao do

    programa e da apresentao pblica, bem como a avaliao realizada pelos juizes

    independentes nesse dia e uma avaliao processual.

    A banca de avaliao da apresentao pblica foi assim constituda: um mestre

    de Choro (um Choro da chamada "velha guarda"), um experiente professor de

    Educao Musical (que j ministrou a disciplina Prtica de Conjunto Instrumental,

    diversas vezes) e trs alunos da Ps-Graduao da EMUS - UFBA (dois doutorandos e

    um mestrando, os quais no s tocam como desenvolvem pesquisa em Choro). Para essa

    avaliao foi entregue a cada membro da banca um programa da audio com a relao

    das msicas a serem apresentadas e o nome dos alunos que iriam interpret-las como

    pode ser visto no Anexo IV: Ficha de Avaliao da Audio.

    Foi pedido aos juzes que dessem um conceito entre Pssimo - 0; Ruim - 1 a 3;

    Regular - 4 a 6 ; Bom - 7 a 8 e timo - 9 a 10, observando desempenho do grupo,

    desempenho individual, ritmo (aggica), andamento, articulao e dinmica. Os juzes

    poderiam fazer comentrios, por escrito, sobre o que estavam observando,

    acrescentando algum dado que julgassem importante para a avaliao dos alunos e do

    programa.

  • 38

    Desde o incio da aplicao do programa, realizamos gravaes em vdeo e

    entrevistas com os alunos que possibilitaram a realizao de uma avaliao no decorrer

    do processo de aplicao do MEEC.

    Foram adotados os seguintes critrios de avaliao para o programa de choro:

    - Entrosamento do grupo;

    - Expressividade na performance;

    - Qualidade musical do arranjo;

    - Qualidade tcnica e correo das notas, ritmos e harmonias;

    - Flexibilidade na interpretao de acordo com o estilo de Choro.

    3.2.5. Anlise da aplicao do mdulo

    Para a anlise dos resultados da aplicao do programa de Choro

    consideramos:

    a) os resultados da avaliao da audio pblica realizada por um jri independente,

    composto por cinco juzes;

    b) as mudanas que ocorreram na compreenso do Choro por parte dos participantes,

    no que tange a desempenho do grupo, desempenho individual, ritmo (aggica),

    andamento, articulao e dinmica, a partir dos vdeos realizados ao final de cada

    Estrutura de Ensino e na audio pblica.

  • 39

    Captulo IV Resultados

    4.1. A questo de pesquisa e o que encontramos

    Para responder a questo de pesquisa deste estudo, ou seja: qual o processo de

    construo e aplicao de um programa de ensino de Choro junto aos alunos do curso

    superior de Licenciatura em Msica da Escola de Msica da UFBA, construmos e

    aplicamos o MEEC, dentro dos parmetros expostos no captulo anterior, obtendo os

    seguintes resultados.

    Foram previstas, inicialmente, dezesseis aulas com durao de duas horas num

    total de trinta e duas horas. Porm, devido a problemas externos que analisaremos mais

    tarde, como greve de nibus, greve da polcia militar e perodo de provas dos alunos,

    foram realizados quatorze encontros num total de vinte e oito horas: doze aulas, um

    ensaio geral e duas audies pblicas.

    Na primeira aula, realizamos uma sondagem para verificar se os alunos

    atendiam aos pr-requisitos necessrios ao programa. Procuramos deixar claro para o

    grupo que, como eles no haviam se matriculado num mdulo de Choro, era importante

    eles saberem bem o que estava sendo proposto e que eles tinham liberdade de concordar

    ou no. A turma se mostrou bem interessada, todos os presentes demonstraram possuir

    os pr-requisitos e concordaram em participar do projeto, assinando um termo de

    compromisso e permisso.

    Antes de falar algo sobre o tema, apresentamos ao grupo trs partituras simples

    de Choro, isto : apenas melodia e harmonia em cifras alfanumricas, sem arranjos ou

    variaes, na forma, como na grande maioria das vezes, so feitas as edies. Pedimos

    que o grupo escolhesse uma entre essas trs msicas e aps um breve ensaio, tocasse e

  • 40

    permitisse a gravao em vdeo, para futuras discusses. Quem no conhecesse a

    msica poderia ler. O grupo escolheu a composio de Pixinguinha "Vou vivendo" e

    realizamos a primeira de uma srie de gravaes. Nessa primeira gravao foi possvel

    observar alguns elementos que serviram de guia na conduo dos trabalhos, mostrando

    pontos que necessitariam maior ateno como: ritmo de acompanhamento, variaes de

    baixo (chamado no Choro de baixaria), interpretao, dentre outros.

    Foi pedido aos alunos que fizessem um levantamento de todo material sobre

    Choro que eles tivessem. O resultado no nos surpreendeu: quase nada encontraram. De

    certa forma, isso j era esperado devido s nossas prprias dificuldades; quando

    realizamos a reviso bibliogrfica, nenhum livro foi encontrado pelos alunos, apenas

    algumas partituras (na maioria para piano) e uma lista de discos de Choro. A nossa

    atitude como professor foi falar dessa escassez de material, no s no Choro, mas na

    msica brasileira de um modo geral; e como eles, participando desse trabalho, estavam

    contribuindo para minimizar essa lacuna.

    Entre os alunos havia tambm uma cantora. Falou-se um pouco do carter

    instrumental do Choro, apesar de termos tido a clebre Ademilde Fonseca, que se

    notabilizou cantando Choros. Trouxemos uma verso de "Lua branca", de Chiquinha

    Gonzaga, para voz e piano e perguntamos se ela gostaria de cantar essa msica; ela

    concordou e separamos um dos pianistas para acompanh-la. Os pianistas e o flautista,

    de um modo geral, possuam uma boa compreenso de elementos interpretativos, como

    dinmica, por exemplo, e tambm uma boa leitura de partitura. Todavia, apresentaram

    muitas dificuldades em leitura de acordes cifrados. Como a grande maioria das

    partituras de Choro, apresenta apenas melodia e acordes cifrados, trabalhamos ento

    com os pianistas, algumas partituras para piano do Ernesto Nazareth e arranjos para

    piano de Radams Gnattali. Ao contrario de seus colegas pianistas, os alunos que

  • 41

    tocavam violo e cavaquinho possuam uma boa leitura de acordes cifrados e mais

    dificuldades em leitura meldica e interpretao. O aluno bandolinista, como seus

    colegas do violo e cavaquinho, possua uma boa leitura de acordes cifrados, e uma boa

    leitura meldica, embora no to fluente como os colegas do piano e flauta. Quanto aos

    dois percussionistas, enquanto um preferia acompanhar as msicas pela partitura, o

    outro o fazia de "ouvido"; ambos possuam boa noo rtmica e de interpretao. Dos

    alunos, o sanfoneiro foi o que apresentou maior equilbrio, possuindo boa leitura de

    acordes cifrados, boa leitura meldica, boa noo rtmica e de interpretao.

    Durante os processos de apreciao, execuo e improvisao, perguntados

    sobre qual a diferena que eles percebiam, entre o que eles tocavam e as gravaes, o

    grupo foi unnime em apontar a falta de balano, de molho, de suingue.

    Perguntamos, ento, o que era essa falta de balano, de molho e de suingue. Eles

    responderam que era tocar muito tcnico, as notas e tempos certos, porm com pouca

    expresso. Um dos alunos falou: [...] assim como gringo tocando samba. Foi pedido

    que eles ouvissem as msicas, acompanhando-as nas partituras. Perguntados sobre o

    que eles notavam de mais marcante em cada uma delas, o grupo, mais uma vez, foi

    unnime em afirmar que as gravaes estavam diferentes das partituras. Novamente

    questionados sobre essas diferenas, eles destacaram vrios pontos como falta de

    ornamentaes, notas e s vezes frases inteiras acrescentadas e ou modificadas, ritmos e

    andamentos modificados, etc. Ficou claro para eles que as partituras eram apenas guias,

    que havia uma certa liberdade de interpretao e a necessidade de se colocar um toque

    pessoal.

    Discutimos bastante a questo de tocar um gnero musical desconhecido. Essas

    discusses geraram outras a respeito dos programas das escolas de msica de nvel

    superior no Brasil, de um modo geral, e da UFBA em particular, no contemplarem,

  • 42

    tambm, estudos da msica brasileira, apenas msica europia, e da necessidade de

    estudos no s de Choro, mas, tambm, de Samba, Baio, Frevo, dentre outros gneros

    musicais brasileiros.

    Quando apresentamos quatro gravaes bem diferentes de uma mesma msica,

    isto gerou muita discusso, inclusive sobre qual seria a verso supostamente correta. O

    exemplo utilizado foi "Lamentos" de Pixinguinha, com verses do prprio autor, de

    Jacob do Bandolim, de Armando Macedo e de Leo Gandelman. Aps muito debate,

    conclumos que a msica popular oferece essa liberdade de interpretao, e que no

    deveramos falar em verso correta, e sim em algo como: verso mais tradicional e

    menos tradicional ou em verso com mais ou menos influncias de outros gneros

    musicais. Para ilustrar, citamos o fato de que a mesma msica, "Lamentos", quando foi

    gravada pela primeira vez recebeu severas crticas, que acusavam o autor de estar

    "americanizando" a msica brasileira.

    A turma ficou muito animada, mas tambm muito preocupada com a avaliao

    da apresentao. Falamos que a avaliao seria do projeto e no deles. Acalmaram-se

    um pouco, mas ficaram preocupados em errar e prejudicar o resultado final. Dissemos

    que o mais importante, como resultado, era a vivncia de construo e aplicao do

    programa musical e no a apresentao por si s. Explicamos mais uma vez que todos

    sabiam, e isso foi muito bom, que nenhum deles possua prtica, vivncia em tocar

    Choro, conheciam uma ou outra msica, mas no eram Chores. Alm do mais, o

    projeto no pretendia transformar leigos em Chores em um semestre letivo, com doze

    ou treze aulas. Essa atitude docente contribuiu para diminuir o nvel de ansiedade dos

    alunos.

  • 43

    4.2. A apresentao pblica

    A apresentao pblica aconteceu no dia 09/08/2001, com a participao de

    doze alunos. Vinte alunos concluram o MEEC, porem s doze puderam apresentar-se

    na audio, devido a viagens, provas entre outros motivos particulares. Nesse dia,

    fizemos duas apresentaes pblicas: a primeira s 17 horas, na sala 102 da EMUS -

    UFBA, para uma pequena platia e um grupo de 5 juizes independentes, que avaliaram

    as apresentaes individuais e grupais; e outra, logo em seguida, s 19 horas, na Roda

    de Choro do Teatro Vila Velha. Nesse ltimo encontro, nos reunimos s 15 horas e

    inicialmente agradecemos a participao e o empenho de todos durante o curso, falando

    que sem eles teria sido impossvel realizar este projeto. Lembramos, mais uma vez, que

    a avaliao que seria feita pela banca no era uma avaliao apenas deles, mas tambm

    do processo. Realizamos um pequeno ensaio e fomos para a sala 102, onde seria a

    apresentao. Gravamos em vdeo a apresentao e uma pequena entrevista com cada

    aluno. s 19 horas nos apresentamos na Roda de Choro do Teatro Vila Velha,

    encerrando oficialmente a aplicao do MEEC.

    O repertrio para a audio foi escolhido adotando os seguintes critrios:

    msicas representativas de cada perodo, msicas nas quais os alunos apresentavam

    maior segurana na interpretao e msicas que mostrassem as habilidades individuais e

    grupais na interpretao do Choro. Os arranjos e instrumentaes foram definidos

    coletivamente. Foram escolhidas as seguintes msicas com as seguintes

    instrumentaes:

    1 - "Flor amorosa" (Joaquim Antnio da Silva Callado)

    Instrumentao: Flauta, Bandolim, Sanfona, Violes, Cavaquinho e Pandeiro.

  • 44

    2 - "Gacho" (Francisca Gonzaga)

    Instrumentao: Piano, Violes, Cavaquinho e Pandeiro.

    3 - "Atraente" (Francisca Gonzaga)

    Instrumentao: Sanfona, Violes, Cavaquinho e Pandeiro.

    4 - "Medrosa" (Anacleto de Medeiros)

    Instrumentao: Flauta, Bandolim, Sanfona, Violes, Cavaquinho e Pandeiro.

    5 - "Vou vivendo" (Pixinguinha)

    Instrumentao: Flauta, Bandolim, Sanfona, Violes, Cavaquinho e Pandei