barreira 1994 a representação como espelho

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12/8/2015 A REPRESENTAÇÃO COMO ESPELHO http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_26/rbcs26_10.htm 1/15 A REPRESENTAÇÃO COMO ESPELHO Universo cultural e político das candidaturas populares (*) Irlys Alencar Firmo Barreira Introdução "Um bom vereador deve passar na pele o que o povo passa". A frase, escrita no quadro de uma escola situada em bairro popular, ilustrava uma das reuniões preparatórias para escolha de candidatos a cargo de vereador nas eleições de 1988 em Fortaleza. Seguiam-se a ela outros atributos valorativos, considerados imprescindíveis à ocupação do cargo. Tais atributos significavam a busca de uma forma diferente de participação política, novos critérios de representação condizentes com a experiência de um grupo de moradores organizado, cercado pelos dilemas e limites que acompanham a inserção de setores excluídos dos espaços de poder. Por outro lado, apontavam a condição enigmática do líder-representante; seu dever de identificação "na própria pele" com segmentos populares dos quais pretendia ser porta-voz. A particularidade dessa situação aponta um quadro paradigmático que supera o local e contexto de ocorrência. A representatividade e suas formas diferentes de expressão é um tema clássico que tem ocupado o pensamento filosófico e sociológico, voltado às questões da legitimidade e democracia. Em situações concretas, essas questões são repostas com novos matizes, especialmente em períodos eleitorais, onde ocorre, usando a terminologia de Lefort (1983), uma espécie de vazio de poder. É nessas circunstâncias que as formas de acesso a cargos políticos são desnaturalizadas è possíveis interrogações são colocadas na ordem do dia. Muito embora o período eleitoral evoque uma espécie de cena original do contrato político, os processos que antecedem a formação de candidaturas são, muitas vezes, pouco explícitos. Candidatos são percebidos como tendo capacitação unicamente pessoal, o que torna natural a distância entre representantes e representados. Todavia, na instituição de candidaturas firmadas em bases de poder pouco reconhecidas é que os questionamentos a respeito das regras políticas estabelecidas e das formas convencionais de seu exercício afloram em profusão. As "candidaturas populares", advindas de setores excluídos de benefícios sociais e políticos,

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Antropologia política

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12/8/2015 A REPRESENTAO COMO ESPELHOhttp://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_26/rbcs26_10.htm 1/15A REPRESENTAO COMOESPELHOUniverso cultural e poltico dascandidaturas populares (*) Irlys Alencar Firmo BarreiraIntroduo"Umbomvereadordevepassarnapeleoqueopovopassa".Afrase,escritanoquadrodeumaescolasituadaembairropopular,ilustravaumadasreuniespreparatriasparaescolhadecandidatosacargodevereadornaseleiesde1988emFortaleza.Seguiam-seaelaoutrosatributosvalorativos,consideradosimprescindveisocupaodocargo.Taisatributossignificavamabuscadeumaformadiferentedeparticipaopoltica,novoscritriosderepresentaocondizentescomaexperinciadeumgrupodemoradoresorganizado,cercadopelosdilemaselimitesqueacompanhamainserodesetoresexcludos dos espaos de poder. Por outro lado, apontavam a condio enigmtica do lder-representante;seu dever de identificao "na prpria pele" com segmentos populares dos quais pretendia ser porta-voz.A particularidade dessa situao aponta um quadro paradigmtico que supera o local e contexto deocorrncia. A representatividade e suas formas diferentes de expresso um tema clssico que tem ocupadoopensamentofilosficoesociolgico,voltadosquestesdalegitimidadeedemocracia.Emsituaesconcretas,essasquestessorepostascomnovosmatizes,especialmenteemperodoseleitorais,ondeocorre, usando a terminologia de Lefort (1983), uma espcie de vazio de poder. nessas circunstncias queasformasdeacessoacargospolticossodesnaturalizadaspossveisinterrogaessocolocadasnaordem do dia.Muitoemboraoperodoeleitoralevoqueumaespciedecenaoriginaldocontratopoltico,osprocessos que antecedem a formao de candidaturas so, muitas vezes, pouco explcitos. Candidatos sopercebidos como tendo capacitao unicamente pessoal, o que torna natural a distncia entre representantese representados. Todavia, na instituio de candidaturas firmadas em bases de poder pouco reconhecidas queosquestionamentosarespeitodasregraspolticasestabelecidasedasformasconvencionaisdeseuexerccio afloram em profuso.As"candidaturaspopulares",advindasdesetoresexcludosdebenefciossociaisepolticos,12/8/2015 A REPRESENTAO COMO ESPELHOhttp://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_26/rbcs26_10.htm 2/15oportunizamdiscussesdericacomplexidade.Emlugardesimplesmentealudiremaoprocessoeleitoral,apontamvaloresculturais,estratgiasdecomunicaoemesmodimensesindividuaisqueseradicalizamnessa ocasio oportuna de exacerbao das diferenas. Supostos ticos so tambm acionados quando setrata de denunciar as desigualdades de acesso e controle sobre os mecanismos de poder.Oespaodeelaboraodapoltica,emsuasdimensesexplcitaseimplcitas,nopodeserentendidosemqueserecuperemoutrasperspectivasquefazempartedatrajetriapessoalecoletivadegrupos sociais envolvidos na questo. No mbito dos movimentos sociais, em que a histria das candidaturasseefetivadeformapeculiar,esseespaoumdadofundamentaldeanlise.Eleseconfiguracomouma"escoladeformaopoltica",espciedetreinamentoquecapacitaepotencializalideranasparaodesempenhodenovasfunes.Osurgimentodascandidaturasnomeadaspopulares,nessesentido,expresso de um percurso anterior que se fundamenta na busca de uma identidade referenciada na relaoentre representantes e grupos sociais organizados.Esteartigopretendediscutir,combaseempesquisasobreospleitoseleitoraisde1988e1992Cmara de Vereadores, as conexes entre estratgias culturais e polticas que informam a prtica de setoresorganizados em entidades associativas de bairros populares. Ser enfocada a trajetria poltica de lideranaspopulares,incluindoasconcepesculturaisesubjetivasqueserelacionamaprticasdeparticipaopoltica. Nesse contexto, emergem as dificuldades e dilemas da incorporao de regras especficas do campopolticoqueseexpressamnodesejode"entrarnojogo"eaomesmotempotentartransformarseusprincpios.Aexperinciacotidianadeorganizaoerepresentaonointeriordobairro,aoladodaexistncia de uma viso de mundo que se antagoniza com os privilgios de poder, definem uma espcie dehabitusquesechocacomasdisposiespolticasvigentes(Bourdieu,1992).Oespaodefomaodelideranas, as regras de conduta ou a "preparao" para o ingresso na poltica, tornam clara a distncia queexiste entre "poltica partidria" e "poltica comunitria", para usar uma expresso dos prprios moradores.Ateiadesignificadosqueafloranomomentoda"opoparasecandidatar"explicitasignificadosculturaisquenoseresumemsomenteaocernedapoltica,tocandotambmquestesdemobilidadeeidentidade.Avultam,assim,sentimentosdeincluso/excluso,queacompanhamaprticademovimentossociaispreocupadosemconstruirumanooeficazderepresentao.Essanoo,estandocoladaaosgruposdereferncia,drealceshierarquiassociais,sestratgiasdefensivasqueconstroemidentidades,formas de percepo e regras de ao social.Omaterialempricoqueserviudebasesidiasdiscutidasnesteartigoenvolveduasetapas.Emprimeirolugar,informaesdepesquisajuntoaosmovimentossociaisdadcadade80emFortaleza,noestadodoCear,enfatizandoregrasdesociabilidadeeformaodereivindicaescoletivas.Apesquisamais recente destaca a constituio de candidaturas populares surgidas no espao dos movimentos sociais. Autilizaodeinformaessobreotemaoriundasdeoutroscontextosesistematizadasemartigosoulivrosrepresentaramossubsdiosparasepensardeformamaisabrangentearelaoentremovimentossociaiseparticipao poltica institucional.Em termos de estratgia de investigao, foram observadas reunies "preparatrias" para a indicaode candidatos, a formao de lideranas por meio dos processos coletivos de organizao, alm das prticasdecampanha.Asentrevistasedepoimentosenriqueceramaspercepesdessaslideranasarespeitodopoder e da sociedade.Movimentos sociais como espao de construo de uni capital poltico"Euaprendinaluta",costumaserumafraserepetidaporsegmentosdasclassespopularesquefirmaramsuaexperinciadeinseropolticanombitodosmovimentossociais.Defato,aaquisiode12/8/2015 A REPRESENTAO COMO ESPELHOhttp://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_26/rbcs26_10.htm 3/15prticasdereunio,asmobilizaesparaobtenodemelhoriasurbanasnosbairrose,sobretudo,aexperincia de reivindicaes coletivas, so elementos que se consolidam e se transmitem cumulativamente,constituindo uma espcie de capital poltico com vital importncia em momentos oportunos de exerccio darepresentatividade.Nointeriordesseespaosurgempessoasquesedestacampelafala,pelainiciativaeconseqente transio da condio de lderes comunitrios para participantes no mbito da poltica eleitoral.Aintrojeodessaexperincia,pormeiodopapeldolder,demandaumaanlisedasrelaesqueseestabelecem entre o plano individual e o coletivo, entre a cultura poltica de grupos organizados e as esferasinstitucionalizadas de poder.Arigor,atemticadosmovimentossociaisnasceforadascategoriasformaisdacinciapolticaclssica, atentando principalmente para as questes ligadas cultura e ao cotidiano. possvel dizer que ohorizonte terico que serviu de base explicativa a esse objeto realou uma espcie de "cena dos bastidores".Um repensar sobre um outro lugar e forma de fazer poltica, distinto dos critrios convencionais de delegaode poderes e representao. (Evers, 1984)As discusses tericas efetivadas em torno da temtica dos movimentos sociais enfatizaram prticasque estavam fora de lugares institucionalizados de exerccio da poltica, tais como partidos e sindicatos, paraenglobaremoutrasdimensesamplasdesociabilidade.Nessesentido,aconstituiodeumaidentidadedeinteressessuperpunha-seaoaspectodasdiferenciaesinternasaogrupo,criandonointeriordosmovimentosumimaginriodecomunidade.(Duhran,1984)Noporacaso,aevidnciadediferenciaesinternas emerge nas circunstncias em que as mobilizaes se encontram em refluxo.A prpria presena mais marcante do Estado, mediante o incremento de programas sociais de cunhoparticipativo,fazapareceremgruposdiferenciadosdelideranas,criandoantagonismoseconvocandoquestionamentos acerca do carter legtimo de representatividade nos bairros. (Barreira & Braga, 1991)Emumaoutraperspectivamaisabrangentequeadelegaodedemandasafetasaosbairros,osurgimentodecandidaturaspopularesampliaasdiscussessobresignificadoelegitimidadedelderescolocados na funo de interlocutores de interesses coletivos do bairro.Asreflexesrelativasaopapeldaslideranasretomamtambmacomplexarelaoentreespaosorganizadosdasociedadecivileinstnciasgovernamentais,distanciadanocursodaexperinciadoautoritarismo.sobretudoapartirdadcadade80quecandidaturasoriundasdesegmentospopularesmultiplicam-seeacionamestratgiascapazesdeasseguraroingressonaCmaradeVereadoreseAssembliaLegislativadoEstado.Aproximadamentetrezecandidaturaspopularesdisputaramocargodevereador nos pleitos eleitorais de 1988 e 1992, sendo apoiadas por diversos partidos polticos, comunidadeseclesiais de base e principalmente por associaes de bairro da periferia urbana. necessrio salientar quetodos os candidatos foram presidentes de associao de moradores ou participantes ativos de mobilizaesreferentesareivindicaesurbanas.Apeculiaridadedessascandidaturasnoconsisteapenasnofatodeestaremcorporificadasemindivduosintegrantesdesegmentospopulares.Osmovimentossociaisurbanosconstituemsuporteparacandidatosquejustificamsuaparticipaopolticanaesferainstitucionalcombaseemprincpiosvalorativoscomopriorizara"nossapoltica"emlugardapoltica"dosoutros".(Caldeira,1984) Admitir essa opo significou, no entanto, a recusa de um lugar poltico de excluso que caracterizouas manifestaes iniciais dos movimentos urbanos, ressentidos pelo descrdito nas instncias governamentais.De fato, se observamos as primeiras manifestaes que marcaram a presena de setores popularesdaperiferiaurbananocenriodascidades,podemosconstatarqueelassecontrapunhampoltica,vistacomo plo negador dos anseios populares. A ttulo de exemplo, vale a pena mencionar que grande parte dasreuniesrealizadasemassociaesdemoradoresreforavaocarter"apoltico"dessasentidades,vistocomoumvalorpositivoquesediferenciavadepossveismanipulaesdevereadoresoucaboseleitorais,12/8/2015 A REPRESENTAO COMO ESPELHOhttp://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_26/rbcs26_10.htm 4/15presenas constantes em conjunturas anteriores. A associao imaginria entre precrias condies de vida emadministraoderecursosjustificavatambmascrticasfeitassinstituiespolticas.Estaserampercebidascomoespaoviabilizadordeprivilgios,restandoaossetoresorganizadosombitodasreivindicaessobtidaspelapressocoletiva.Nopossvel,noentanto,pensaraspercepesdosmovimentossociaisarespeitodomundodapolticasemsereportarexistnciadeumasimbologiaoposicionistaemergente,integradaaospartidosdeesquerdaesetoresprogressistasdaIgrejacatlica,quepriorizavaadennciaaopodercomoparterelevantedeumaestratgiadiscursiva.Noseriaexageradoafirmar que o espao das mobilizaes populares constitui um lugar fecundo de enunciao da crtica poltica,importando e reelaborando criativamente atitudes, crenas e valores produzidos por esse lugar relevante deenunciao simblica, atuante no perodo de redemocratizao da sociedade brasileira.As aproximaes posteriores entre Estado e movimentos sociais, mediante programas que acenavamcomintercmbioscomentidadespopulareseaparticipaodestasempleitoseleitorais,expressamdiferentes fluxos de comunicao ocorrentes em momentos variados. Essa cadeia de relaes conforma umaexperinciade"saberacumulado"quesecristalizaemaprendizadopoltico.Assim,"aprendernaluta"confereslideranasumaespciedepassaporteparaoingressonoscanaisinstitucionalizadosderepresentao - instrumentalizao que, sendo reserva de saber, conseqente dotao de capital poltico.Nessa perspectiva, importante assinalar algumas caractersticas referentes trajetria das lideranas.Lder de bairro: percurso de uma formaoOs mecanismos que propiciam a formao de lideranas populares parecem distintos daqueles quecaracterizamasregrasinstitucionaiseformaisderepresentaoexistentesemoutrasesferassociais.Oespaopolticoconstrudopormovimentossociaisapresentaoutrasformasdeaprendizagemreferentesaatributostaiscomo:"firmeza","combatividade",ouparticipaoemdiferentesepisdiosdemobilizaocoletiva.Seessasqualidadespodemsercomumenteencontradaseminstituiescomosindicatosououtrossetoresprofissionais,possvelaventarahiptesedeque,nointeriordosmovimentossociaisurbanos,o"aprendizadonaluta"aponteumatributosubstitutodeoutros,taiscomoescolaridade,prestgioetc.Esseethos da representao refere-se assim a caractersticas de cunho moral vinculadas a qualidades que ligam older a determinados grupos de referncia.Eimportantefrisarquenointeriordosmovimentossociaishtodaumarededesociabilidade(Scherer,1987)eespaosdetransmissodeexperinciaqueocorresobinflunciadaIgreja,partidospolticoseoutrasentidadesprofissionais.Trata-sedeumaprendizadonoformalizado,masrelevanteparainstituir um trajeto de mobilidade social e poltica. Essa aquisio de saber no institucionalizado constri-secotidianamente, na experincia concreta dos diferentes bairros.Em termos genricos, os representantes populares de bairro podem ser classificados em: lderes de formao religiosa; lderes de formao partidria; lderes formados com base em programas governamentais.Ainflunciareligiosanosbairrosdaperiferiafatocomprovadopelamaioriadostrabalhosdepesquisaqueseocupamdatemticadaorganizaopopular.(Doimo,1990;Barreira,1992)Atcnicadereunies, a formao de grupos ou outras estratgias que visam recuperar a "fala dos atrasados" constituempontos relevantes, capazes de configurar o que poderia ser denominado de capacitao para o exerccio da12/8/2015 A REPRESENTAO COMO ESPELHOhttp://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_26/rbcs26_10.htm 5/15poltica.Emoutraperspectiva,olderdevinculaespartidriasparticipanosdeeventoscoletivosdobairro,comotambmdereuniesrestritas,nasquaisarelaocom"outroscompanheiros"permiteumaespcie de socializao poltica peculiar dinmica das regras partidrias.Alideranaformadacombaseemprogramasgovernamentaisdenominadosparticipativospossuinaturezadistintadasdemais.Construdanodecorrerdagestodessesprogramas,suavinculaocomogrupoderefernciapercebidasvezescomonolegtima,criandoconflitossobreacapacidadederepresentar de modo autnomo os interesses do bairro.A mudana da condio de "lder de bairro" para "candidato popular" aponta um outro patamar derepresentatividade: um lugar de articulao entre moradores e o campo especfico da poltica. Essa passagemde uma situao de liderana restrita s demandas internas do bairro para uma outra, ampliada ao mbito daatuao poltica, traz implcita a reformulao de valores, discursos e prticas sociais. Adquirir a experinciadafalaautorizada,dominarastcnicasdecomunicaoquepermeiamojogopoltico,passamasercondies requeridas no curso dessa travessia.Candidaturas populares: designao de classe e marca de identificaoAslideranasquepersonificamcandidaturaspopularesnemsemprepossuemcondiosocioeconmica semelhante. A prpria qualificao de "popular" passa a constituir, no incio dos anos 80, umatributolegitimadordecandidaturasdiferenciadas,quebuscam,nessaperspectiva,atingirsegmentosexcludosdaparticipaopoltica.Paraefeitodasdiscussespropostasnesteartigo,considera-sequeascandidaturaspopularesreferem-sesubstancialmentealideranascujabasedesustentaoefetiva-sefundamentada em um capital poltico acumulado pelos processos que se ligam aos movimentos sociais. Elasesto,portanto,referidasaumlugarsimblicodecontestao,quesenotabilizaporumaconjugaodeinteressesfirmadosnacrticanasformasestabelecidasdepoder.Poressemotivo,adesignaode"popular", atribuda a postulantes a cargos eletivos, estende seu alcance a diferentes segmentos sociais que seidentificam com os espaos de contestao elaborados por setores populares.A rigor, as candidaturas populares constroem sua identidade valendo-se de dois requisitos bsicos:umqueserefereaparticipaonaslutassociais(fbrica,bairro,sindicato)eoutroquedesignaumacondiodevidasimilar.Comumperfildeescolaridademdia,incluindotambmsemi-analfabetos,sorarososquetmformaouniversitria.Terparticipadodediferentesmovimentosesedestacadocomolideranademarcaumperfildeconsideradaautenticidade.Osprocessosdevalorizaodocandidatopassam,portanto,porcaractersticasquedizemrespeitoaumidealdefidelidadegrupal,baseadonaconjugao de interesses.Aconstituiodeumgrupoderefernciacombaseemrequisitosdeidentificaonoomite,entretanto, o papel importante atribudo s origens socioeconmicas. Nas circunstncias aqui analisadas, taisorigensconferemdistintivosdeinclusoecredibilidade.Asregrasdeidentificaoquepermeiamascandidaturaspopularespassampelavignciadeumacondiosocialsemelhante,partilhando-sevaloresculturaisepolticos.Remetemfreqentementeaproblemasadvindosdodistanciamentodosespaosdepoder e mecanismos de controle sobre o desempenho de um cargo poltico que significa prestgio e ascensosocial.A memria legitimada: um currculo de lutasUmaespciede"currculodelutas"demonstraacapacidadedoscandidatosde.imprimirseulugar12/8/2015 A REPRESENTAO COMO ESPELHOhttp://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_26/rbcs26_10.htm 6/15no espao da poltica. A ttulo de exemplo, importante observar como alguns candidatos se apresentam porintermdio dos folhetos de propaganda.Onsimo, candidato a vereador pelo PT nas eleies de 1992:"So26anosaserviosdospobres:participaoeacompanhamentoemreunieseorganizaesdascomunidades aos rgos pblicos."Leonardo, candidato pelo PSB a vereador nas eleies de 1992:"Participei do processo de luta, ao lado da Associao de Moradores, para implantao do Pr-Favela... assessoreio Sindicato das Indstrias Metalrgicas do Estado do Cear."Ana do Lagamar, candidata a vereadora pelo PT nas eleies de 1988:"Durante sua vida sempre se dedicou s lutas do povo pobre."Joo da Cruz, candidato a vereador pelo PCB em 1992:"Razesdeeusercandidato:porquetendosidodirigentedediversosmovimentoseentidadespopulares,assessorsindical,assessordeassociaodemoradoresemilitantecomunista,entendiquesomentelutandosepodeconseguir vantagens da classe trabalhadora".Opontoconvergentenaapresentaodessascandidaturasdizrespeitovalorizaodaslutasdopassado. Estas, funcionando como uma espcie de memria legtima, do o credenciamento para efetivaode um lugar na poltica institucional. Os atributos de "luta" seriam compensaes substitutivas de requisitos deescolaridadeestatussocial:a"escoladavida":aexperinciaacumuladaqueseopeaoutroscritriosdereconhecimento baseados no prestgio ou desempenho anterior de cargos polticos.Essavalorizaodeparticipaonaslutas,comogarantiadecredibilidadepoltica,noocorreapenas em candidaturas urbanas referentes ao cargo de vereador. O candidato a deputado federal AntonioAmorim,peloPartidodosTrabalhadores,PT,tambmcontrapesuaexperinciaaoutrasformasdesabedoria baseada na escolaridade. "Eu senti que mesmo a gente sendo ignorante em vrias coisas, a gentetrabalhacomaprticaquetem,semsepreocuparcomoqueosoutrossoemtermosdesabedoria".(Aciolly,1989)Osexemploscitadossosignificativosparaseperceberaconstruodeumespaopolticoefetivadopelascandidaturaspopulares.Trata-sedeumlugarqueapontalinguagenscomuns,vivnciassemelhanteseoutrascaractersticasquepodemserpensadascomorequisitosdeumaidentidadepoltica.Trata-se, como veremos mais adiante, de uma identidade atravessada por dilemas e paradoxos advindos dacondio de excluso, que ora restringe as adeses a uma espcie de "grupo fiel", ora necessita ampli-laspara concorrer com eficcia no jogo das disputas polticas.Mecanismos de produo de imagemA produo de imagem de algumas candidaturas populares efetivada durante as campanhas eleitoraisde 1988 e 1992 apresenta aspectos interessantes anlise:Um trabalho que produz:Vereador Joo da Cruz. Vote com deciso:vote em Carlo. 12/8/2015 A REPRESENTAO COMO ESPELHOhttp://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_26/rbcs26_10.htm 7/15Ana Maria:a vez da periferia. Onsimo PT:um povo que quer viver. Maria da Hora:est sempre com voc nas horascertas e incertas. Toinha da Comunidade,na luta para mudar. Antonio Falco,o candidato do povo. Joozinho da Coelce,uma luz que no se apaga.Chama ateno inicialmente, nesses slogans, o uso de rimas que procuram relacionar o nome prpriodoscandidatosaqualidadesqueexpressamsignosdereconhecimentorelativosaocontextoculturaldosgruposenvolvidos.Invoca-seaperiferia,opovo,acomunidade,comoconsumidoresporexcelnciadeatributosdeidentificao.importanteressaltararecuperaodessascategoriassociaiscomoreferncialegitimadora de uma opo de representatividade. Se essa caracterstica pode ser encontrada na maior partedascandidaturasparaocargodevereador,acentua-se,nasituaoanalisada,aidiadequearepresentao popular restringe-se a indivduos portadores de certos requisitos. na marcao de diferenasreferentesaatitudes,lugareseconvicesqueoscandidatospassamaintegrarocampodasdisputaspolticas,opondo-seaoutrasformasderepresentaoconsideradasnocondizentescominteressespopulares.Ousoderimaspodetambmserobservadocomopartedevaloresprpriosdaculturapopular,comumenteencontradosemcordisemsicas.Socombinaessonorasdefcilassimilaoqueunemocarter especfico do nome a qualidades gerais que justificam a representao. Por outro lado, a ligao donome prprio aos predicados da rima confere a esta uma espcie de naturalizao de atributos. A "foradaperiferia" vem de Ana Maria e o "candidato do povo" Carlo. Essa conotao associativa de termos, queefetivamentepossuieficcianamemriapopular,tornavivelapropaganda.Avulta,nessesentido,umaafirmao de signos, jarges e representaes de uma cultura popular (Canclini,1983) que so reapropiadasno plano da poltica.Aimagemfotogrficadoscandidatos,veiculadapormeiodos"santinhos",expefisionomiasqueirradiamotimismo,simplicidadeecoragem.Acompanhadasdesloganseaspectosprogramticos,asfotografiasapontamatentativadecorresponderdignidadedoenunciado.Duranteascampanhas,elasconstituem o veculo mais comum, tendo em vista o acesso precrio a outras formas de comunicao visual,a exemplo da televiso.Invocaes ao popular no mbito da polticaAs concepes populares que cercam o fenmeno da representao poltica baseiam-se em critriosnormativos.Umpassadolimpo,isentodemculasdopoder,aoladoda"experincianaslutas",sorequisitos atenuantes para enfrentar uma sociedade hierrquica, regida por valores de prestgio, origem sociale saber acadmico. Assim, a valorizao do "popular" constitui uma virtualidade que substitui a ausncia decaractersticasdereconhecimentosocial.Umespaocoletivoimaginriosolidificalaosdecoeso,suprimindoeventuaisafirmaesdeindividualismo.Aoser"expressodomovimentopopular",as12/8/2015 A REPRESENTAO COMO ESPELHOhttp://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_26/rbcs26_10.htm 8/15caractersticas individuais dos candidatos so minimizadas e a condio de porta-voz assume sua feio maisautntica.Emumaoutraperspectiva,asconexesqueparecemacompanharousoassociadodostermospopular e poltica apresentam complexidades. A invocao do povo como sujeito ou objeto da poltica tempontosdeencontroemvriassituaespresentesnarealidadebrasileira.Foi,sobretudo,duranteopopulismo,comojanalisouWeffort(1978),queosapelosaopopularfirmaramumtipodeideologiainvocadoradaparticipaoelegitimadoradelideranasgovernamentais.Posteriormente,pocadoprocessoderedemocratizao,osapelosaopopulardirigidossobretudomassadosexcludosassumemumaconotaodiferente.Elesreconhecemainstituiodegruposorganizadoseasprpriasentidadespopulares atuam como espaos representativos de demandas e direitos sociais. Constata-se que, no campoda poltica, a "presena do povo" serve de instncia legitimadora a candidaturas de oposio, sendo tambmrecorrente o caso de candidatos que utilizam os velhos esquemas do populismo. mediante uma construosimblicade"povoorganizado",emsubstituiolinguagemde"massasdestitudas",quecandidaturasrepresentativasdesegmentospopularescriamespaosparaumapresenaativaaoinvsdameraadeso.Observando-se vrias campanhas televisivas para a ocupao de cargos polticos, incluindo os majoritrios,duranteospleitoseleitoraisde1985e1988,percebe-seapresenadeentidadesassociativaspopularesque, em nome de seus representados, justificam uma opo de voto.Noespaodascandidaturaspopulares,aidiaderepresentaoseconstrinoeloimaginrioqueligagruposorganizadosalderesescolhidoscombaseemdiscusseseprogramas.Nessecontexto,dimenses ticas e concepes sobre o poder e a sociedade afloram com freqncia.A construo de lideranas populares: supostos ticosTalvez uma das questes mais difceis de serem equacionadas no fenmeno da representao entresetores populares, especificamente aqueles organizados em movimentos sociais, seja a do lugar do lder. Avisodointelectualorgnicocomoporta-vozdosinteressespopularespareceevidenteemalgunssupostosideolgicosqueinformamaconstruodopapeldeliderana.Noentanto,nointeriordosmovimentossociais, os requisitos que apontam e qualificam a representao poltica so permeados de alguns paradoxos.Aparecenessasituaoumaidentidadequesupeaafirmaodeumespaocoletivoe,simultaneamente, expressa uma diferenciao baseada em qualidades que distinguem o lder de seu grupo. Osingular e a subjetividade convivem com a premissa de uma vontade geral, repondo os dilemas clssicos doslimitesepossibilidadesdeconvivnciaentreinteressesindividuaisecoletivos.Acondiodeliderana,portanto,viabilizadoradeprocessosdeidentificaoeprojeesdecarterindividualesocial.(Lavieri,1993) sob a tica do no distanciamento em relao aos grupos de referncia e autonomia em face dasinstnciasgovernamentaisquesetorespopulares,notadamenteorganizadosemmovimentossociais,tmfirmado um ideal de representao transparente.Algumas das concepes acerca do carter de autenticidade atribudo s lideranas so importantespara esta discusso:"AquinoLagamarsurgiramlideranasnovasporcontadogovernodoEstado.Elasficamcegasporqueestoligadas ao governo, no so crticas." (Lder do bairro Lagamar, candidata a vereadora pelo PT em 1998.)"Overdadeiroldercomunitrioaquelequevivesemdinheiro.Vivescomocoraoeamentenalutaporconseguir algo para si e para todos." (Lder do bairro Granja Portugal.)"A liderana comunitria no trabalha por dinheiro, ela no Mede distncia, ela no ta nem vendo ser sacrificada,12/8/2015 A REPRESENTAO COMO ESPELHOhttp://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_26/rbcs26_10.htm 9/15ela no defende os interesses dela, mas os interesses coletivos." (Liderana do bairro gua Fria, candidata a vereadora,em 1988, pelo PMDB.)Esses depoimentos, colhidos em bairros diferentes com entrevistados de vrias filiaes partidrias,convergemparaumpontocomum:anecessidadedeafirmarprincpiosticoscapazesdediferenciaro"verdadeiro" lder dos demais considerados no legtimos. A perspectiva de representatividade, no obstanteasdistnciasquepossamexistirentrediscursoeprtica,fundamenta-seemumideriodeigualdadeeconseqente dotao de qualidades que capacitam o desempenho do papel de representante poltico. Trata-se de uma delegao de poderes acompanhada de uma vigilncia que pensa a poltica como instncia dotadade vulnerabilidade. Nesse sentido, possvel levantar a hiptese de que a participao dessas lideranas estprximadeumaticadeconvicoconformeacaracterizaodeMaxWeber(1968).Anecessidadedeparticipar da poltica carrega o fantasma do distanciamento real de acesso s decises, isto , o fenmeno dodesapossamento ou entrega total de poderes. (Bourdieu,1989)Umavisonegativadapoltica,mesmoentreaquelesquesedispemaparticipardasregrasdopoder, pode ser sentida a partir do seguinte depoimento:"SeapolticaumacoisasujaeparachegaraopodertemqueterocondutodopartidoquesematerializanoEstado, preciso transformar a corrupo em no corrupo[...] tem que trabalhar para a formao no s de um lder, masmilharesdelderes."(MoradordobairroJardimIracema,tcnicoemEducaopopular,ex-candidatoavereador,em1988, pelo PCB e candidato a vereador pelo PSB em 1993. )AcandidaturadeAnaMaria,em1988,residentenobairroLagamar,significouumexemplointeressanteanlise.FrutodediscussesereuniescomapoiosignificativodascomunidadeseclesiaisdebaseedoPartidodosTrabalhadores,essacandidaturaexploroudeformasistemticaasrazesejustificativasnecessriasconstituiodeumaformaidealderepresentatividade.Estadeveriaexpressaridias e necessidades dos que se sentiam pouco reconhecidos ou ignorados na gesto de servios pblicos;eraomomentodeAnaMaria:"avezdaperiferia".Naocasioforamdiscutidasasmotivaesparaocupao de cargos pblicos, bem como os requisitos para escolha de candidatos e estratgias de obtenodevotos.Foiassimque,emreuniorealizadaemmarode1988,jreferidanoinciodesteartigo,enunciouse uma srie de qualificaes capazes de apontar o "candidato da luta do povo das favelas": passar na pele o que o povo passou; no sair do bairro de origem; ser comprometido com a causa do povo; entender as necessidades e interesses do povo; ser capaz de enfrentar a oposio; olhar as necessidades gerais e no seus interesses prprios; denunciar os que estiverem contra os pequenos; saber ter malcia para entender o jogo da poltica; no fazer promessas e desaparecer; colocar seu mandato a servio do bairro; no abandonar o povo.12/8/2015 A REPRESENTAO COMO ESPELHOhttp://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_26/rbcs26_10.htm 10/15Essalistadevaloraessubstantiv,:s,quepodeserconsideradaumaespciedesntesedoideriopolticopopular,trazimplcitoeexplcitooperfildocandidatoconsideradoverdadeiro,emoposioaosnomeados candidatos tradicionais.Entreasvriasqualidadesexigidasparaodesempenhopolticosatisfatrio,surgeaquestodaidentificao como um elementofundamental. Virdopovo,sentir seusproblemas,no apenasno planodasemelhanadeidias,masnaperspectivade"sentirnaprpriapele".Noreforoaessaargumentao,muitos moradores mencionaram que, em eleies anteriores, alguns candidatos que se colocavam a favor dascausas populares haviam deixado de lado a participao popular to logo ocorrera a ocupao do mandato.Osegundorequisito,"nosairdobairrodeorigem",reproduzaidiaanterior,reforadapelasuposio de que permanecer no mesmo local de origem possibilita no "esquecer" as condies anterioresde vida e, conseqentemente, no perder as ligaes com os setores representados.Essaameaadedistnciaaumacondiodeorigemintegraouniversoperceptivodasclassespopulares em situaes de mobilidade social. (Hoggart, 1970) O cruzamento de hierarquias que emerge naocupaodeumcargopolticodeprestgiorepe,nessesentido,discussesacercadasregrasdepertencimentoedistanciamentobaseadasnosconflitosentrea.ocupaodeumaposiosocialanterioreposterior.Acapacidadedeenfrentaraoposiorevelaumacaractersticainteressante,poisconstataanecessidade de requisitos importantes alm do mero compromisso. Supe a idia de que existem acordos ealianas que demandam um "saber fazer" que vai desde o uso devido da linguagem at o reconhecimento dequem so os aliados. interessante observar que, nas discusses sobre essa questo, surge a preocupaode saber argumentar e munir-se dos instrumentos capazes de traduzir os interesses em leis e programas.Oexercciodapolticacompreendidocomo"artedefazerpromessas"atravessavisesdemundooriundasnosdemoradoresdacidade."Antesdaseleiesseprometetudo",dizodiscursopopular,referindo-se s idias de campanha, notadamente aquelas que acenam com a adeso de setores excludos debenefcios sociais. Fazer promessa e desaparecer faz parte, nesse sentido, de opinies j sedimentadas sobreopoderpoltico,personificadoessencialmentenafiguradecandidatosprofissionaiscujacarreirapolticafirma-se base de clientelas.Emsntese,essasconsideraesdestacamprincpiosticosquenosquestionamolugarconvencional da poltica como tambm instituem pontos de referncia para seu exerccio.A afirmao das origens como virtualidade a ser preservada constitui uma postura tica que traz porconseqnciaumasituaodeduplicidade:oldermembrodeseugrupoeatordocenriopoltico.Essefenmeno,observadoporMaresca(1981)quandoanalisaarepresentaocamponesanaFrana,chamaatenoparaaespecificidadedeformasderepresentaovindasdecategoriassociaisqueseimpemasimultnea tarefa de manterem a referncia de origem e serem profissionais da poltica.Aduplicidadedepapisrepete-setambmporocasiododesempenhopolticonaCmaradeVereadores ou na Assemblia Legislativa. Ser um profissional competente no trabalho poltico e estar "juntosmassas"constituiumdifcilequilbrio,tendoemvistaaexistnciadeespaossociaiscotidianamenteseparados. Nas palavras de um depoente:"Se sua tarefa fiscalizar o Executivo e legislar e voc no faz isso, ento os caras comeam a colar em voc. Elesdizem: mas voc no fez o projeto de lei, s vem no dia com a massa, a galera? Voc s est aqui para marcar posio? Nstnhamosqueestarnomovimentopopular,mas,sobretudofazernossapresenafortenaAssembliaLegislativa".(VereadoreleitopeloPCdoBedeputadoestadualem1990.FoipresidentedaFederaodeBairroseFavelasde12/8/2015 A REPRESENTAO COMO ESPELHOhttp://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_26/rbcs26_10.htm 11/15Fortaleza em 1985. )Nombitodaaopartidria,asseparaesentreformasdiferentesdeatuaosotambmmencionadas:"Eu sempre separo o trabalho comunitrio e o trabalho da poltica partidria. Se voc realmente luta em defesa dopovo e tem compromisso com as necessidades de seu bairro, no devemos pensar `eu vou fazer isso porque sou do lado doPMDB'. Existe ento a poltica da necessidade e a poltica partidria. Se a gente tem compromisso com o povo, deve separaruma coisa da outra." (Ldercomunitria,expresidentedaAssociaodeMoradoresdobairroguaFria,candidataavereadora pelo PMDB em 1988. )As opinies convergem no sentido de uma distino entre o trabalho poltico cotidiano e o trabalhopolticoprofissional.Ascontradieseoslimitesdesselugarderepresentaoacompanhamasformasdeexclusodossetorespopularesreceososdefazerpartedasregrasdeumjogodesconhecidoe,portanto,passvel de repetir os espaos de segregao e distanciamento.A busca de uma representao diferente da convencional constitui um dos elementos essenciais quefazem do lder popular a expresso das dificuldades e dilemas presentes no mercado desigual da poltica.Aapresentaodesseselementosaquiespecificadosdemodorpido,apontademaneirapeculiarrecursos lingsticos e simblicos envolvidos no momento de uma candidatura com apoio das ComunidadesEclesiaisdeBase.possvel,entretanto,considerarqueessaspercepesintegramumaespciedetipoidealweberiano,varivelconformediferentesexperinciasdesocializaopoltica.Candidaturassobinflunciapartidriaaceitamcommaiornaturalidadeosmeandrosdaprticapoltica.Aocontrrio,candidaturascommaiorinflunciadaIgrejadefendemumethosgrupalbaseadonosentimentodecomunidade,querejeitadisputaspolticasprincipalmenteentreasbasessupostamentecoesas.EssefatopodeexplicarporquecandidaturasdiretamenteapoiadasporComunidadesEclesiaisdeBase,comoocaso de Ana Maria (1988) e Onsimo (1992), acentuam de forma mais ntida regras de conduta e valoresnormativos que so tambm compatveis com o universo perceptivo dos movimentos sociais.Abuscadeumnovocarterderepresentatividadenombitodessaslideranas,vigentesobretudono perodo eleitoral, afirma a percepo, mesmo que desconfiada, de um poder capaz de ser questionado oumodificadoemsituaesoportunas.Aocupaoconcretadenovosespaossegundoalgicadaidentificaocoloca,noentanto,outrosdilemas.Entreeles,aperspectivadeumalgicaparticularistaque,emnomedarepresentaoporcategoria,terminaparadoxalmentereproduzindoespaosdeexclusonointerior do campo poltico.Essaumaquestopassveldeaprofundamentocombasenagestopolticadecandidatoseleitosnascircunstnciasantesmencionadas.Ressalta-se,noentanto,queamaioriadoscandidatoscomascaractersticas aqui enunciadas no lograram atingir o nmero de votos exigidos para a ocupao de cargosde vereador. Essa situao pe em evidncia os limites de uma forma restrita de adeso eleitoral conformadaao grupo de referncia."Algum como ns": questes de identidade polticaOpapeldoldercomplexo,apartirdapremissadedenegaoindividualeaconseqenteencarnao de uma vontade geral. O contraponto sempre estabelecido entre interesses individuais e coletivoscondicionaanecessidadedeprocessosdeidentificaosemprepostosprova.Ser"algumcomons"enquanto condio essencial do porta-voz, continuar como ns e conosco, nica forma vivel de estar napoltica.A formulao de um "ns" em oposio aos "outros" acompanha o espao das classificaes sociais12/8/2015 A REPRESENTAO COMO ESPELHOhttp://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_26/rbcs26_10.htm 12/15norestritaaombitodapoltica.Trata-sedeumaformadeclassificaopolarizada,queatravessaoconjuntodasrelaessociaiseserecompenoimaginriopoltico."Porquevotarnelesenoemns"constitui o ttulo significativo de um encontro realizado em maio de 1993, que reunia candidatos insatisfeitospor haverem perdido as eleies.Aconcepoquedivideespaossociaisemplosantagnicos,comoobservouPinto(1990),possibilita uma construo de identidade que atua como grupo de defesa em situaes que se reportam aouniverso cultural das classes populares, criando o sentimento de coeso com base na situao de excluso.(Hoggart, 1970)Osvaloresconstitutivosdessa,identidadepolticasefazem,nessesentido,nocontrapontoaatribuies consideradas negativas, radicalizadas sobretudo em situaes de enfrentamento. Por outro lado,na medida que fazer parte da representao institucionalizada significa ascender na hierarquia social, torna-senecessrioestabelecermecanismosdecontrole.Elesseerguemcombasenaafirmaosimblicadenegaodoindividual:"overdadeiroldernofaztrabalhoparaquereraparecer."(Frasepronunciadadurante um encontro de lideranas realizado em 16/ 10/93.)Aperceposobreofenmenodarepresentaoentresetorespopularesapresentadilemaseparadoxos que no podem ser interpretados como sendo unicamente parte de uma "tica da resistncia". Aelaboraodesupostosnormativosocorrenaconflunciadetensesculturaissociaisepsicolgicasqueconstituemfrtilterrenoparaformaodeideologias.(Geertz,1978)Assim,aprojeodeumreferenteutpico para a funo de lder aparece como um recurso normativo que traduz o medo do distanciamento,isto , a ameaa de que o compromisso com o candidato se efetive somente no momento do voto, anulandoavirtualcondiodecompromisso.Osentidoderealidadeoferecidopelatrajetriadeexclusosecompensa na criao de um universo imaginrio destitudo das teias de dominao.Tambm a experincia vivida por movimentos sociais, na sua recusa inicial ao mbito institucional dopoder, refora a construo dessa matriz perceptiva.Umaespciedevisonegativadapolticaintegragrandepartedavisodemundodeamplossegmentos sociais (incluindo tambm a classe mdia), fazendo com que a representatividade seja uma idiadesustentaoduvidosa.Recentemente,osdebatessobreaformaidealdesistemapolticoexistentesnoconfrontoparlamentarismoversuspresidencialismo,atestaramfragilidadespresentesnaidiaderepresentao,desenraizadadopensamentopolticobrasileiro,comomostramasanlisesdecientistaspolticos. (Lamounier, 1981; Cintra, 1974)No de estranhar, portanto, que a constituio dessa identidade poltica contrastiva esteja cercadaporumaauradepureza:abuscadeumespaosignificativoemqueospreceitosdeverdadeejustiaapareamdeformaevidente.Noimporta,noslimitesdessadiscusso,apontarilusesouingenuidadesdesseimaginrio,mas,sobretudo,compreenderosurgimentodeestratgiasdiscursivaseregrasdeaocoletivaquesedefinemcombaseemumasituaodeexcluso.Considera-se,nessascircunstncias,ocruzamento de diferentes suportes valorativos que evocam tanto percepes crticas como vises institudasquereafirmamasclassificaessociaisexistentes.Osentidointrojetado,masnemsempreexplcito,deumlugar prvio de excluso - "isto no para ns" -,caracterizado de forma emblemtica por Bourdieu (1992),convivecomavisodeumlugaraconstruiremumespaopolticomarcadoporoposiodeprincpioseestratgias. Se relevante aplicar o conceito de habitas no mbito dos movimentos sociais, constata-se queele constitudo por essa dimenso paradoxal de incluso e excluso que se atualiza e se refaz criticamenteem situaes cotidianas.As questes que emergem no mbito das candidaturas populares no se atm, no entanto, lgica12/8/2015 A REPRESENTAO COMO ESPELHOhttp://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_26/rbcs26_10.htm 13/15dos envolvidos. Ao contrrio, evocam temas clssicos da cincia poltica que merecem ser mencionados.A representao como espelhoAquestodarepresentatividadepolticanoapareceriopensamentopolticoclssicoecontemporneo por acaso. Desde o momento em que se estabelece o fenmeno da delegao de poderes,ostemasdalegitimidadeincluindojusteza,lealdadeouosprincpiosqueregulamossistemaspolticos,afloram com nitidez. Da perspectiva filosfica, a vinculao entre representao e liberdade respalda o temaj discutido por Rousseau a respeito da capacidade que tem o povo de permanecer livre quando elege seusrepresentantes.EssaquestoretomadaporSartoriquandoanalisaodilemadarepresentao:estadeveestar fundada em um grupo de referncia ou o candidato representa a nao em seu conjunto?Em perspectiva mais ampla, a vinculao entre governo e sistema de representao repe o papel doEstadoedaAssembliacomoespaospolticosquesecomplementamousecontradizemnosdiferentestipos de governoAdiscussodessaproblemticanoserestringe,noentanto,aoplanodapoltica.Defato,adimensosimblicapresentedesdeoinciooperacomoumaespciedeprincpionorteadordeprocessossociaisquedosentidosprticasderepresentao.Noentanto,longedeumaatmosferaconsensual,asprticas de representao so momentos de explicitao de conflitos.No caso de setores sociais submetidos a vrias formas de excluso, a dimenso poltica aponta umparadoxo: de um lado, se reconhece a esfera da representao como espao factvel de impor mudanas; deoutro, a constatao ds dificuldades de conseguir hegemoniano mbito das decises. Essa questo aparecesobretudonosmovimentossociaiscolocadosnaopodeatuarnasesferasinstitudasdefazerpolticaouatuarsimplesmentecomogrupodepresso.Umacertacolagementrelderegrupoderefernciafazcomquerepresentarsignifique,emmuitasdassituaes,personificar,pertenceraumgrupo.Aidiadeumarepresentao-espelhorespondeaexignciasdeordemsimblicaepsicolgicaatinentesagruposquesesentem marginalizados no plano das decises polticas. (Bobbio 1986)A assertiva de que nos sentimos representados por quem pertence a nossa matriz de origem, comolembra bem Sartori (1962), encontra grande validade na situao aqui analisada. Talvez no seja exageradoafirmarquequantomaisossetoressociaissentem-sedistanciadosdosplanosdecisrios,tantomaisrestringemaesferadarepresentaoagruposdereferncia.Esseumdosproblemasdascandidaturaspopulares que se afirmam a partir de u m espao de identidade contrastivo, mas precisam ampliar seu raio deao para outras esferas sociais como garantia de apoio a mudanas sociais e polticas. Os problemas quelideranas populares articuladas a movimentos sociais enfrentam, na ocupao de espaos institucionalizadosdo poder, dizem respeito difcil elaborao de estratgias condizentes com um tipo de vivncia poltica quepriorizareivindicaesespecficasaosbairros,desconfiadasalianasecriticaosmecanismosdeexclusopresentesnapoltica.umavivnciaqueatuacomoumaespciedehabitasconstitudodesseconjuntocomplexoderepresentaesculturaisepolticasquefuncionamcomohistriaincorporadaquepredispeestratgiascomuns,aomesmotempoqueacenamcomdimensesdecriatividadequeaparecemnacrticaaos privilgios institudos. Em quem confiar, como negociar e de que forma - eis questes no s relativas desinformao ou falta de experincia, como tambm ao sentimento de provavelmente reproduzir no campoda poltica novos mecanismos de segregao, ou pior, no cumprir devidamente o papel de porta-voz.Seriapossveldizerqueoidealderepresentaomaisrecorrenteentreosmovimentossociaisaproxima-se de uma viso de democracia direta, em que o representante um porta-voz delegado de seusrepresentados.(Bobbio,1986)Eumaformacondizentecomexperinciasefetivadasemassociaesdebairro que procura ampliar-se para outros espaos de representao.12/8/2015 A REPRESENTAO COMO ESPELHOhttp://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_26/rbcs26_10.htm 14/15Noentanto,importanteconsiderarqueavisodemundoeaprticadeparticipaoquecaracterizamosmovimentossociaisnocontextoanalisadonoconstituemumfenmenoestanque.Issoconsiderando-se que as experincias recentes de candidaturas so indutoras de novos espaos de reflexo ecrtica.Ascandidaturaspopulares,conformeenfocamosnesteartigo,constituemumespaoimportantedeexpresso de uma cultura poltica advinda de segmentos sociais que vivenciam uma cidadania ambivalente emseusrequisitosdeincluso/excluso.Nessaesferarepresentativa,destaca-seaexperinciadesegmentossociais que optam pelo desejo da participao institucional, ao mesmo tempo que se ressentem dos dilemas eparadoxos desse ingresso nas esferas de poder.NOTAS*.EsteartigoconstituiumasistematizaodedadosdepesquisaefetivadaatravsdebolsadoCNPq.AsidiasiniciaisdesseprojetodeinvestigaoforamapresentadasnoXVIEncontroAnualdaANPOCSnoGrupodeTrabalho"LutasUrbanas, Estado e cidadania", em outubro de 1992.BIBLIOGRAFIAACCIOLY CARVALHO, Rejane. 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